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a conquista do Brasil
pelo futebol
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-reitor
Paulo Roberto Volpato Dias
EDITORA DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Conselho Editorial
Antonio Augusto Passos Videira
Erick Felinto de Oliveira
Flora Süssekind
Italo Moriconi (presidente)
Ivo Barbieri
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Gilmar Mascarenhas
Entradas e bandeiras:
a conquista do Brasil
pelo futebol
Rio de Janeiro
2014
Copyright 2014, Gilmar Mascarenhas.
Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, em quaisquer
meios, sem autorização expressa da editora.
EdUERJ
Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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CEP 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
ISBN 978-85-7511-320-2
CDU 796.332(81)(091)
A Cláudio Moisés, o abraço certo em cada gol.
A Edinélia Souza, o gol certo em cada beijo.
Aos filhos Paula, Cecília e Rodrigo, meus gols,
abraços e beijos.
...
Aos olhos marejados de Moisés, que, diante
dos olhos fascinados de seu filho, despertou
nele a magia do esporte-rei ao lhe narrar
façanhas improváveis de Didi, Garrincha
e Nilton Santos. Por tudo que me ensinou.
À mãe Idalice, que traz no olhar (e em tudo
vê) o brilho da Estrela Solitária. E aos olhos
do netinho Victor Hugo, que sempre me
desconcertam com a pureza, a simplicidade e
o esplendor de um drible de Mané Garrincha.
Sumário
Agradecimentos................................................................................................. 17
Apresentação....................................................................................................... 19
Introdução........................................................................................................... 23
Considerações finais.......................................................................................225
Referências........................................................................................................241
Sobre o autor....................................................................................................255
Prefácio: primeiro tempo
1
A tese de Gilmar Mascarenhas é um trabalho profundamente geográfico, em
que estão muito presentes a dimensão espacial e as escalas, ainda que tenha sido
elaborada com uma bibliografia muito variada procedente do campo da antro-
Apresentação 21
1
O sargento da Marinha João Soares da Silva, 58 anos, caiu fulminado logo após o
segundo gol uruguaio, na tarde histórica de 16 de julho de 1950 (Moura, 1998,
p. 118).
26 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
2
Segundo Joel Rufino dos Santos, “no interior de Alagoas viveu, muitos anos
atrás, uma aldeia de índios chamada fulniôs. Como não davam trabalho a índios,
os fulniôs foram se transformando em negros. Adotaram seus hábitos, fizeram
filhos com eles. Uma família assim (meio índia, meio negra) veio morar em Pau
Grande, uma aldeia do estado do Rio de Janeiro. Na verdade, a aldeia era uma fá-
brica inglesa de tecidos [...] O maior jogador brasileiro de todos os tempos (pelo
menos o mais artístico) era um preto fulniô que praticava um esporte inglês. Seu
nome: Mané Garrincha” (1981, p. 32).
3
Nas palavras de João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de
Desportos (CBD), aquelas equipes eram “disparadíssimas” as duas melhores do
Brasil e deveriam formar a seleção que iria ao Mundial do Chile em junho, “pois
teríamos uma equipe perfeita com a inclusão de um ou outro elemento de outros
clubes” (Jornal dos Sports, 5 jan. 1962). E assim se fez.
Introdução 29
***
4
Em maio de 1993, o Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ encaminhou
uma consulta a todos os municípios brasileiros então existentes, indagando sobre
a disponibilidade de equipamentos de uso coletivo, inclusive nas sedes distritais.
Tal levantamento revelou o “campinho” de futebol como elemento da paisagem
mais frequente que a igreja ou qualquer equipamento de uso coletivo. E como o
espaço mais importante da vida comunitária, onde se realizam reuniões diversas
(incluindo assembleias) e os eventos do calendário festivo, social e até religioso.
Introdução 31
5
Segundo a FIFA, o Brasil possuía cinco dos dez maiores estádios do mundo em
1990 (Murray, 1994, p. 193). Em 1978, sua participação era ainda mais significativa,
apresentando sete estádios nesse seleto grupo (Mason, 1995, p. 64), o que muito bem
reflete o “boom” de construção de estádios gigantes patrocinado pelo regime político
instalado em 1964. Por meio do subsídio para manter ingressos baratos aos estádios
e da política de retenção no país dos grandes ídolos nacionais (como Pelé), o futebol
desempenhou relevante papel na sustentação do regime de exceção no Brasil.
6
Segundo Roberto DaMatta (1982, pp. 33-4), as vitórias em Copas do Mundo são
apropriadas como um ritual de “vingança nacional”, ao reverter momentaneamente
uma visão de que o Brasil seria, no cenário mundial, um país menor ou destina-
do ao fracasso, condicionado pelas mazelas históricas do colonialismo português,
da escravidão, do analfabetismo etc. A vitória numa Copa do Mundo pode ainda
exaltar a valentia, o espírito de luta, a habilidade corporal e a lealdade patriótica do
povo mestiço representado no campo de jogo, herói do triunfo internacional, em
detrimento da incompetência burocrática de nossas elites encasteladas no poder.
32 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
7
Embora o autor tenha deixado claro que tais tipologias possuem conotação estra-
tégica para sua pesquisa, não devendo, por isso, ser utilizadas como “ferramentas
classificatórias com um fim em si mesmas” (2007, p. 48).
Introdução 33
8
Acreditamos que estudar o futebol informal brasileiro dentro de um recorte espa-
cial que compreenda todo o território nacional é uma tarefa praticamente impos-
sível, considerando a imensa diversidade de formas que tal modalidade assume.
34 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
9
Utilizaremos propositalmente como sinônimos os termos “inglês” e “britânico”,
tal qual fez o historiador inglês Aidan Hamilton (que mora no Brasil), na versão
portuguesa de seu livro, alertando-nos: “Eu tenho seguido amplamente a con-
venção brasileira de considerar britânico como inglês, ou seja, incluindo esco-
ceses e galeses” (2001, p. xvii).
Introdução 35
dos sports: “Não temos palavra para isso, e somos quase forçados a
introduzir o termo em nossa língua”. Mais tarde, a expressão sport
estará consagrada não apenas na Alemanha, mas em todo o plane-
ta: “A terminologia inglesa se difundiu tal qual os termos técnicos
italianos no campo da música” (Elias e Dunning, 1985, p. 188).
O geógrafo Loïc Ravenel (1998, pp. 68-72) identificou três
tipos básicos de difusão do futebol: 1) por transplante (ingleses
vivendo em outros países criam clubes de futebol); 2) por relação
(contatos privilegiados de nacionais com ingleses permitem a ino-
vação); e 3) por imitação (quando nacionais aderem ao futebol
após assistir a ingleses praticando-o seguidamente em praias, par-
ques etc.). Em todos, notamos a participação inglesa. Desejamos,
porém, ultrapassar a simplicidade dessa tipologia básica e estabele-
cer algumas diferenciações internas no leque de agentes de difusão
quanto às rotas utilizadas e à contribuição efetiva destes no pro-
cesso de adoção do futebol, o que certamente variou de um lugar
para outro, conforme a combinação de agentes e fatores locais.
Os ingleses que migraram para trabalhar no setor de merca-
do interno (ferrovias, empresas de serviços urbanos), em minas e
em fábricas, por sua atitude às vezes arrogante e decerto cultural-
mente autorreferenciada (“fechada em clubs”), pouco difundiram
o futebol em terras estrangeiras (relativamente falando, conside-
rando-se sua presença expressiva).2 Os marinheiros britânicos,
por seu turno, entretinham-se pelos portos do mundo praticando
informalmente o futebol. Gozavam, portanto, de maior visibilida-
de, fazendo as cidades portuárias serem, amiúde, as primeiras a to-
mar contato com a novidade. Mas dispunham, aparentemente, de
menor “credibilidade” e, assim, na percepção nativa, alinhavam-
2
A tradicional atitude britânica de autossegregação quando em terras alheias é
reconhecida até por estudiosos ingleses, como Tony Mason, que admite, sem
surpresa, a certeza britânica de “superioridade moral” (1995, p. 15) e o desprezo
pelos costumes locais.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 41
3
A intensidade dos fluxos comerciais no Atlântico Norte levou o futebol preco-
cemente aos Estados Unidos: em 1867 surge o Harrow School Team, que Kane
e Rote (1978, p. 39) consideram o mais antigo clube de futebol criado fora da
Grã-Bretanha.
42 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
4
O beisebol adquiriu grande popularidade nos Estados Unidos, antecipando-se,
nesse aspecto, em uma ou duas décadas em relação ao futebol na Inglaterra. Sua
difusão, contudo, restringiu-se a alguns poucos países, sobretudo caribenhos, e à
região noroeste do México (Rivera, 1999; Arbena, 2000; Zavala, 2000). Tal fenô-
meno se explica e se delimita, em grande medida, pela área de efetiva influência
norte-americana no final do século XIX.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 43
5
No final do século XIX, o futuro pai de Eric Hobsbawm, quando muito jo-
vem, foi convidado por seu irmão, que trabalhava nos “correios e telégrafos” do
Egito (país ocupado pela Grã-Bretanha em 1882), a migrar para aquele país,
pois ali encontraria excelentes perspectivas, sendo um sujeito inteligente e “bom
esportista versátil” (além de “pugilista de nível de campeonato”). “Era exata-
mente o tipo de inglês que encontraria e manteria um cargo num escritório de
navegação muito mais facilmente nas ‘colônias’ que em qualquer outro lugar”
(Hobsbawm, 1988, p. 15).
44 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
6
Conceito utilizado por Norbert Elias para definir as mudanças sociais nas quais
as tradicionais atividades lúdicas (jogos) tornam-se (ou são substituídas por) “es-
portes modernos”, isto é, dotadas de princípios de competitividade, medição
precisa do tempo, organização burocrática etc. Cf. Elias e Dunning (1985).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 45
7
A título de ilustração, na Bolívia, a primeira liga de futebol foi criada somente
em 1914, a La Paz Football Association (Penaloza, 1993, p. 23). Em seu livro
sobre o futebol na América do Sul, Tony Mason (1995) praticamente restringe-
se a Brasil, Argentina e Uruguai. Guttmann (1994), ao tratar do mesmo con-
tinente, cita esses países e inclui o Chile. Tais restrições revelam o peso, no
futebol sul-americano, desses quatro países, que juntos formam, nas palavras de
Santa Cruz, o “bloco pioneiro” (1996, pp. 49-50) na adoção do futebol no con-
tinente. Não por acaso, são eles os fundadores da liga sul-americana (a CON-
MEBOL), em 1916.
46 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
8
O escocês Watson Hutton, fundador da liga, migrou para Buenos Aires em 1882
para fundar mais um estabelecimento escolar britânico e nele introduziu o fute-
bol (Cerutti, 1990, p. 12).
48 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
que por meio do futebol a raça saxônica seria enfim superada pela
latina (Morales, 1969, p. 25). Não por acaso, parte de acadêmicos
de medicina a ideia de fundar em 1899 um clube nativo para en-
frentar os times ingleses, com o revelador nome de Club Nacional
de Football.
Com tamanha precocidade e rápido desenvolvimento, o
futebol platino se destacava no início do século com ampla su-
perioridade técnica. Certamente, em nenhuma cidade brasileira
houve uma concentração espacial de firmas britânicas tão ele-
vada como a que se verificou em Buenos Aires naquele período.
No Brasil, os ingleses fundaram clubes e em determinadas loca-
lidades colaboraram decisivamente para a criação de ligas, mas
não chegaram jamais a monopolizar o futebol por tanto tempo
ou de forma tão contundente,9 conforme trataremos especifica-
mente no próximo segmento.
9
Segundo Allen Guttmann (1994, p. 60), ainda em 1914 os sobrenomes britâni-
cos superavam os hispânicos na extensa lista de jogadores em atividade na Argen-
tina. Frydenberg (1996b), ao estudar a origem das denominações de clubes de
futebol em Buenos Aires, verifica não apenas a forte influência da língua inglesa
(que perdura ainda hoje: River Plate, Racing, Newell Old Boys etc.), mas tam-
bém um movimento, entre 1900 e 1910, de adoção do termo “argentinos”, dife-
renciando-se da terminologia inglesa predominante e expressando o que Cerutti
(1990, p. 28) e Bayer (1990) identificam no início do século como uma luta pela
castellanización e acriollamiento do futebol portenho.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 49
10
Podemos admitir um processo bem mais simplificado em países como Uruguai e
Argentina, nos quais o território nacional encontrava-se já em fins do século XIX
polarizado por um único grande centro portuário e capital da República. Em
outras palavras, Buenos Aires e Montevidéu dispunham de grande capacidade de
penetração no interior do território por meio da malha ferroviária radiocêntrica.
Sobre a primazia paulistana, ver Mascarenhas (1999c).
50 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
11
Segundo Richard Graham (1968), a presença inglesa no território brasileiro no
final do século é bastante seletiva, concentrando-se fundamentalmente nas zonas
portuárias (comércio) e grandes cidades (firmas de infraestrutura e serviços urba-
nos), conformando, assim, conexões pontuais e isoladas.
52 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
12
Segundo Mazzoni (1950), mesmo em São Paulo, até 1900 não havia nenhum
estabelecimento comercial de produtos esportivos que vendesse bolas, chuteiras
etc., daí a importância dos equipamentos trazidos por jovens como Miller, Cox
e outros indivíduos de mobilidade internacional, como os sacerdotes.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 53
13
Restrições relacionadas à distância mínima (no caso, 20 m) em relação a edifica-
ções privadas e bens públicos, proibição do exercício em praças e obrigação de
uso de arame farpado em torno dos campos de futebol.
14
Todas as informações sobre a história do futebol em Uberaba foram colhidas por
Hildebrando Pontes (1972). Trata-se de valioso material redigido originalmente
nos anos 1920.
54 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
15
O jovem maranhense não se esqueceu, obviamente, de trazer em sua bagagem
os apetrechos necessários à prática futebolística: chuteiras, apitos, bolas etc.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 55
1
A aplicação dessa noção de “barreiras” à propagação dos esportes modernos en-
contra-se na obra do geógrafo John Bale (1989).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 63
4
Folk football é uma expressão muito corrente na literatura inglesa. Augustin
(1995, p. 21) prefere conceituar como football préindustriel, e há quem utilize a
designação “futebol pré-moderno”.
66 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
5
Jornal Zero Hora, 20 set. 1999. Série comemorativa do Centenário do Sport
Club Rio Grande.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 67
Ali por volta de 1910, quando Lima Barreto estreou como ro-
mancista, o subúrbio em que morava, Todos os Santos, já tinha
três ou quatro ‘grounds’. Campos enviesados e carecas, mas sufi-
cientes para fascinar os amanuenses, empregadinhos do comér-
cio, do Foro, da Central do Brasil, da Marinha, vagabundos e
modinheiros das vizinhanças. Afonso Henriques de Lima Barre-
to, uma espécie de Fausto da literatura brasileira, talvez o maior
escritor de seu tempo, foi seguramente o maior inimigo que o
futebol brasileiro teve em seus começos (1981, p. 107).
6
Reportagem publicada originalmente no jornal gaúcho A Federação (5 set. 1903)
sobre uma partida de futebol nos Estados Unidos, transcrita em Zero Hora (20
set. 1999).
68 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
7
Allen Guttmann (1994, p. 45) cita uma intervenção policial na Bélgica em 1880
e traz alusões à suposta “insanidade mental” dos primeiros futebolistas em di-
versos países. A expressão “ingleses loucos” se popularizou no Prata por volta
de 1880 como reação às incompreensíveis práticas de entretenimento destes em
espaços públicos de Buenos Aires (Sebreli, 1981) e Montevidéu (Capelán, 1990).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 69
8
Young Men Christian Association. No Brasil, Associação Cristã de Moços
(ACM).
70 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
9
Freyre considera diversos âmbitos nos quais a cultura inglesa foi rechaçada no
Brasil, destacando o protestantismo com ênfase em Jesus Cristo e a igualdade de
direitos políticos e civis entre os sexos.
10
Tal “arrogância imperial” seria vingada, no anedotário dos cafés, por expressões
depreciativas que se popularizaram, do tipo “catinga de inglês” (para cheiro de
bebida alcoólica), e pela difusão de estereótipos como “frios”, “alcoólatras” e “im-
potentes” (com mulheres) (pp. 53-5). No imaginário popular, os navios ingleses
“roubaram o mar do domínio de Iemanjá” (p. 55).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 71
11
Cf. Singer (1977, p. 154). Determinado grau de aversão ou rejeição à cultura
inglesa no Brasil se pode notar pela extrema influência francesa em nossa intelec-
tualidade e nas artes em geral.
72 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
A cidade colonial
12
Segundo Azevedo (1930), quando Rui Barbosa, na condição de chefe de uma
comissão estadual de ensino, propôs, em 1882, a introdução do exercício físico
76 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
1
O Rio de Janeiro abrigava 137 mil habitantes em 1838, e mais de um milhão em
1910. Em São Paulo, o salto demográfico foi ainda mais expressivo.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 81
2
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice (1730) 45-2-44.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 83
3
Segundo Mazzoni (1968), a primeira partida de futebol realizada no Brasil den-
tro das regras oficialmente estabelecidas na Inglaterra em 1863 ocorreu na Várzea
do Carmo, entre essas “equipes inglesas”, em 14 de abril de 1895.
84 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
4
Notemos que o objetivo de “propaganda” está explícito na carta, e que o futebol
era concebido não como um fim em si mesmo, mas como meio de adquirir habi-
86 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
como tudo aquilo era uma absoluta novidade na cidade, não ha-
via locais ou pistas especiais construídas especificamente para a
prática e o divertimento com o esporte. Assim, tudo era feito nas
ruas e em outras áreas públicas, sobretudo no centro da cidade
lidades atléticas, a serviço da pátria. Por outro lado, esse é o único vestígio de uma
atitude que não sabemos até que ponto foi desenvolvida de forma sistemática,
por quanto tempo, nem seu alcance concreto.
5
Para não estender a lista de favorecimentos ao clube, citaremos apenas o amplo
apoio da imprensa local, os descontos especiais para deslocamento ferroviário
ou lacustre fornecido pelas empresas responsáveis, a linha telefônica doada pela
empresa Telephonica Ganzo e a oferta de cerveja, charutos e outros produtos
para consumo em cerimônias realizadas quando em recepção a clubes de outras
cidades (Ramos, 2000). A Cia. Viação prometera que uma nova linha de bondes
passaria aos fundos do terreno escolhido pelo clube para erigir seu estádio (Ra-
mos, 2000, p. 47).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 87
6
Cf. Tony Mason (1980, p. 139), que dedica um capítulo inteiro de seu livro ao
estudo da multidão no futebol inglês, desde 1871 até 1915.
88 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
7
Tony Mason (1980, p. 32), estudioso no assunto, mostra a preocupação de um
jornal, em 1888, que reconhece que “os requisitos para o jogo são tão poucos e
baratos que dele pode participar até o homem mais miserável”. De fato, improvi-
sando facilmente as condições mínimas necessárias, as massas pauperizadas pelo
capitalismo industrial se dedicaram com alegria ao futebol, e logo surgiram os ta-
lentos individuais, que despertariam interesse econômico nos agentes envolvidos
com essa florescente indústria do entretenimento. Registremos que em 1885 já
existiam mais de mil clubes de futebol na Inglaterra (Mason, 1980, p. 13).
8
A prática do futebol sob condições estritamente oficiais (e “burguesas”) reque-
ria a importação de bolas inglesas, calçados especiais e confecção de balizas e
uniformes para os times. Não podemos esquecer que a sociedade brasileira de
então abrigava uma maioria de indivíduos cuja pauta de consumo restringia-se à
subsistência mais rudimentar.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 89
9
A exceção, em termos de facilidade de assimilação, é a regra do off-side ou “im-
pedimento”, mas esta é tradicionalmente abolida nas “peladas”, isto é, nos jogos
informais.
90 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
10
Os esportes coletivos dependem da existência de instituições (clubes) permanen-
tes, organizadoras da prática, e estas adquirem enraizamento local e densa carga
simbólica, ao possuir um escudo, uma bandeira, um hino etc. Tendem a tornar-
se entidades tradicionais, fator de identidade social, com legiões de seguidores (as
torcidas).
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 91
11
Cada uma das 11 posições numa equipe de futebol pressupõe, para ser bem de-
sempenhada, um conjunto específico de habilidades e atributos. Nesse sentido,
92 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
13
Segundo Juan Villoro, no futebol, “el tiempo conserva su insistente capacidad de
menguar el destino […] ni siquiera un decepcionante 0x0 garantiza una prórroga”
(1998, p. 59).
94 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
14
Talvez por tal rejeição (e/ou pressão) tenha desaparecido precocemente em Cam-
pinas a Liga Operária de Futebol, que, conforme Rossi (1989, p. 75), surge e
desfalece no mesmo ano de 1912. Ao perceberem que o futebol já havia conquis-
tado plenamente a paixão popular, os sindicatos e partidos operários resolveram
aceitar e inclusive incentivar a formação de clubes com nomes e cores associados
aos ideais revolucionários, como o Clube Esportivo Dínamo Paulista, no Alto da
Mooca (Dínamo é o nome de importante clube de futebol da cidade de Kiev,
na Ucrânia, então república soviética). Segundo Eduardo Dias (1983, pp. 60-1),
operário militante comunista e membro do clube, “essa organização explodira
como força arregimentadora, dando nova motivação a muitos companheiros e
amigos [...] com a movimentação constante do clube, muitos quadros para o
partido foram recrutados”.
15
Naquela época, havia duas organizações internacionais rivais: a Internacional
Esportiva Vermelha (comunista) e a Internacional Esportiva dos Trabalhadores
Socialistas.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 95
16
A contribuição capital de Leonardo Pereira (2000) permite constatar que era prá-
tica comum em clubes suburbanos cariocas a aceitação de atletas negros e pobres,
e que muitos desses clubes formaram equipes fortes a ameaçar a hegemonia dos
clubes de elite. O mérito do Vasco da Gama foi ter reunido interesses econômi-
cos, repetindo, então, com eficácia o modelo do GS Brasil de Pelotas. O insus-
tentável discurso da “democratização” do futebol por essas vias (pois os brancos e
ricos permanecem na direção desses clubes tidos como “revolucionários”) é ques-
tionado com pertinência por Proni (2000, pp. 115-21) e Damo (1998, p. 105),
que consideram a inclusão de negros e pobres uma “democratização funcional”
que apenas redefine o racismo e atende aos interesses hegemônicos. O mito do
96 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
18
Essa formidável cifra resulta do levantamento minucioso de Frydenberg (1999),
em sua pesquisa sobre futebol e espaço urbano na construção da Buenos Aires
moderna (1880-1920).
98 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
19
Como exemplos, havia o Bonde Team, o Medidores Team e o Oficinas Team.
Parte I – Outras “raízes do Brasil” 99
foi uma das mais “trágicas” da história, e, por isso, ainda hoje, os
registros que temos daquele certame se concentram na dramati-
zação da derrota inesperada de uma “raça”, de uma nação que
queria apostar em seu futuro grandioso, seu “destino manifesto”,
determinada a provar ao mundo a superação do atraso colonial e
de suas desprezadas raízes “tupiniquins”.
Do ponto de vista essencialmente geográfico, uma Copa
pode servir para ajudar a desvendar variados aspectos de determi-
nada formação territorial e sua rede urbana, bem como da natu-
reza (e conteúdos) da urbanização, além de refletir sobre os regio-
nalismos e tantos outros temas. O próprio universo das cidades
escolhidas para sediar os jogos serve como “retrato” da hierarquia
urbana em determinado contexto histórico, assim como pode nos
falar do padrão de ocupação demográfica do território nacional –
a revelar, em nosso caso, imensos “vazios”: todo o Centro-Oeste e
Norte foram excluídos do evento, além do vasto semiárido, o que
nos fez ter, então, uma Copa quase “litorânea”. Pode ainda revelar
anseios geopolíticos de projeção internacional: tal qual a Itália fas-
cista, com a Copa de 1934, e a Alemanha nazista, que realizou em
1936 a maior Olimpíada jamais vista até então, o governo Vargas
pretendeu também realizar uma Copa do Mundo em 1942 como
genuína propaganda do Estado Novo, mas teria sido contido pela
eclosão da Segunda Guerra Mundial (Drumond, 2007).
Ainda numa abordagem específica da geografia do futebol,
tomando agora a escala planetária como referência, um megae-
vento como esse pode elucidar elementos do panorama geopo-
lítico mundial: a Copa como vitrine das nações mais poderosas,
com poucos e pauperizados representantes africanos, por exem-
plo. Para Ignacio Ramonet (1998, p. 55), a Copa do Mundo é
uma autêntica guerra ritualizada, que reafirma o futebol como o
melhor revelador das virtudes de uma nação. Também pode ex-
por a dimensão atual da migração internacional para o continente
europeu, por meio de suas seleções, que se tornaram, nas últimas
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 107
1
Segundo Jean Roche (1969, p. 194), os bairros Moinhos de Vento e Independên-
cia formavam a zona mais nobre da cidade, moradia de empresários, engenheiros
e diretores de fábricas, em sua maioria alemães.
2
Desde que o Barão de Hausmmann edificou no Bois de Bologne o majestoso
Hipodromme de Auteuil, conferindo “glamour” ao turfe (tradicional espetáculo
popular), estabeleceu-se a correlação entre tal objeto e a Belle Époque, difundindo
internacionalmente esse modelo, de forma que a presença física de um impo-
nente hipódromo passou a ser instrumento de valorização do solo urbano, ten-
dendo a localizar-se em bairros de elite. A esse respeito, ver Mascarenhas (1999a).
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 109
3
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice 42-4-66.
114 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
4
Revista Sport Club do Recife, 1992.
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 115
5
Nem todos os países adotaram o futebol pela via exclusiva dos circuitos aris-
tocráticos. A Alemanha parece ser um exemplo de assimilação concomitante do
futebol por distintas classes sociais, com forte ênfase no operariado.
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 121
8
Segundo Mason (1980, p. 229), o típico cidadão de classe média inglesa, após
um período de resistência preconceituosa, acatou, como consumidor, a partici-
pação de trabalhadores braçais nos times de futebol pelo prazer de assistir a uma
partida competitiva e bem jogada.
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 123
9
Tal rivalidade se expressou em diversos momentos, desde que o futebol começou a
adquirir relevo nessas cidades. Em 1915, por exemplo, os paulistas ousaram criar a
Federação Brasileira de Futebol, ignorando a capital do país, que dois meses depois
fundou a Federação Brasileira de Esportes, com o mesmo objetivo de gerir o futebol
em nível nacional. Somente em dezembro de 1916 as duas entidades se fundiram na
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) (Santos Neto, 2002, p. 93).
10
Em 1948, diante das incertezas em relação à construção do Maracanã, um grupo
privado liderado por Fausto Matarazzo anuncia intenção de construir o Estádio
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 125
11
A primeira vez em que uma cidade da metade norte do estado (com exceção
óbvia da capital) colocou um clube na decisão do Campeonato Gaúcho foi em
1942, por meio do EC Floriano, de Novo Hamburgo. Um bem documentado
relato da história do Campeonato Gaúcho de futebol se encontra em
Dienstmann (1987).
12
Poderíamos examinar o empenho da elite pecuarista em superar os clubes do fute-
bol da capital como uma faceta do regionalismo gaúcho estudado por Haesbaert
(1988): diante da inevitável decadência econômica, restava lutar pela preservação
da tradicional hegemonia da Campanha em outros setores, e entre eles sugerimos
o futebol. Trata-se de um tema possível para futuras investigações.
130 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
13
Em uma de suas provocativas avaliações, o filósofo e cronista esportiva Ruy
Carlos Ostermann (apud Sport Club Internacional, 1969, p. 129), quando da
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 131
1
Participaram do certame: Pará, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná,
Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal (Caldas, 1990, p. 118).
144 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
2
Tal avaliação é recorrente sobretudo em publicações estrangeiras sobre o futebol
brasileiro. Uma avaliação crítica da obra da socióloga norte-americana Janet Le-
ver e de outros “brazilianistas”, à luz de novos levantamentos sobre a difusão do
futebol no Brasil, encontra-se em Mascarenhas (2002, mimeo.).
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 145
3
Naquele contexto, nossas metrópoles “apenas comandavam uma fração do ter-
ritório, sua chamada zona de influência” (Santos, 1993, p. 89).
4
Poderíamos citar inúmeros exemplos, além dos famosos confrontos metropoli-
tanos: Comercial x Botafogo (o tradicional “Come-Fogo”), em Ribeirão Preto
(SP); Brasil x Pelotas (“Bra-Pel”), em Pelotas (RS); Caxias x Juventude (o “Ca-
Ju”), em Caxias do Sul (RS); CSA x CRB, em Maceió (AL), etc.
5
A título de ilustração: na Espanha, o principal confronto nacional se dá entre
o “centralista” Real Madri e o catalão Barcelona; em Portugal, entre o Porto e o
Benfica (de Lisboa); na Inglaterra, entre o Manchester United e o Liverpool, das
cidades homônimas, ou Arsenal, de Londres; na Itália, entre a Internazionale de
Milão e o Juventus de Turim. Nos campeonatos nacionais europeus, de modo
geral, cada clube pertence a uma cidade distinta. Na Espanha, o rei Alfonso XIII
incentivou ou promoveu a fusão entre clubes rivais numa mesma localidade,
criando, por exemplo, o Real Unión de Irún (em 1915, o próprio nome guarda
a estratégia da união), o Real Club Celta de Vigo (1923), o Real Valladolid De-
portivo (1928), entre outros. Cf. Mascarenhas (2001b).
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 147
6
Porto Alegre (1910) batizou de torneio “citadino” e apresenta-se como uma ex-
ceção, justificada pelo elevado grau de difusão do futebol em outras cidades gaú-
chas, como Rio Grande, Pelotas e Bagé, fruto da decisiva influência do Prata, sem
dúvida, o berço desse esporte na América do Sul (Mascarenhas, 2001a).
7
Na Paraíba, o campeonato restringiu-se à capital até a década de 1950, quando,
enfim, incorporou clubes de Campina Grande (Mascarenhas, 1999c).
148 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
8
São elas: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.
Com esse novo certame, então denominado Torneio Roberto Gomes Pedrosa,
ficou extinto o Torneio Rio-São Paulo.
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 151
MAPA 1 (1975)
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 153
MAPA 2 (1976)
154 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
MAPA 3 (1977)
Parte II – Política e multidões: a invenção do país do futebol 155
1
Como os demais estádios, teve reduzida sua capacidade. Mas para a Copa do
Mundo de 2014 sofreu reforma que amplia para 47 mil seus lugares, sendo agora
a Arena da Amazônia.
168 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
1
O mais antigo e o mais recente, o mais enraizado e o mais dinâmico.
174 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
2
Em João Pessoa, não obstante a presença de ingleses (da companhia ferroviária
Great Western) praticantes de futebol, foi por intermédio de estudantes paraiba-
nos em regresso de férias no Rio de Janeiro que o futebol se introduziu efetiva-
mente na cidade, a partir de 1908. Os rapazes da elite local exibiam a novidade
“civilizadora” em praça pública, em eventos cuidadosamente planejados e presti-
giados, inclusive, pelo então presidente da Paraíba (Marques, 1975, p. 15). Em
Goiás, foi um engenheiro proveniente de São Paulo o principal introdutor do
futebol, em 1907. Em Florianópolis, foram também estudantes provenientes de
Rio de Janeiro e São Paulo os pioneiros do futebol.
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 175
3
A UEFA (“Union of European Football Associations”) foi criada em 1954.
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 181
4
A Copa Mercosul, alvo de muitas críticas, foi extinta em 2002, dando lugar a um
novo torneio continental, a Copa Sul-Americana.
182 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
5
País ligado à Confederação de Futebol da América do Norte e Caribe (CONCACAF),
e não à CONMEBOL, entidade máxima do futebol sul-americano.
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 183
6
Passa a ocorrer somente a partir das quartas de final.
7
Ao contrário de modalidades de esporte coletivo como o basquetebol, o beisebol,
o futebol americano e o voleibol, no futebol nem sempre a melhor equipe vence.
O fator sorte prepondera, bem como o equilíbrio emocional, em momentos de-
cisivos de cada partida.
184 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
O Brasil
8
Dessa forma, o país passou a adotar o atual modelo europeu, de dois certames
nacionais paralelos e de formatos distintos.
9
O modelo será copiado em todo o país: a partir de 1999 e 2000, suas cinco
regiões terão campeonatos similares, reunindo apenas os clubes principais,
gerando falência nos clubes pequenos ainda sobreviventes. Esses certames de-
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 189
11
O último clube nortista a participar, e solitariamente, da primeira divisão nacio-
nal foi Paissandu, em 2006, quando foi rebaixado para a segunda divisão.
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 191
Mapa 4 (2011)
192 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
Mapa 5 (2012)
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 193
Mapa 6 (2013)
194 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
12
Da mesma forma, poderíamos citar amazonenses, alagoanos, potiguares, ron-
donienses, mato-grossenses etc.
13
Dados colhidos a partir de levantamento disponível em http://globoesporte.globo.
com/platb/olharcronicoesportivo/category/pesquisas/ (acesso em 18 abr. 2013).
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 197
14
Situação que perdurou até 1975, com a fusão da Guanabara e do Rio de Janeiro.
Ainda assim, o interesse dos clubes cariocas em evitar a inclusão dos clubes “flu-
minenses” permitiu manobras políticas até que, em 1978, finalmente as duas
entidades “estaduais” fossem definitivamente fundidas, por ordem direta da enti-
dade nacional, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD).
15
O Porto Alegre FC foi o pioneiro local, fundado em 1919 por rapazes membros
da pequena elite itaperunense. O Comércio e Indústria Atlético Clube surgiu
em 1943, na esteira da expansão do futebol “corporativo” que citamos no capí-
tulo 3. Por fim, o Unidos Atlético Clube foi fundado em 1948. Disputava-se
regularmente um campeonato municipal, organizado pela Liga Itaperunense de
Desportos, filiada à Liga Fluminense de Desportos (Henriques, 1956).
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 199
16
Em 1996, tivemos a oportunidade de registrar imagens da demolição do estádio.
Percorremos o campo e as arquibancadas de cimento, já em ruínas, imaginando
animadas situações de outrora, de gols e euforia, tentando escutar algum eco
daquelas festas e cantorias, momentos de uma cidade que, sem televisão, produ-
zia densos espaços públicos de convivência.
200 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
17
Nesse período, a hegemonia da dupla Gre-Nal foi interrompida uma única vez,
em 1954, assim mesmo sendo campeão estadual outro clube da capital, o GE
Renner, pertencente à homônima empresa industrial.
18
Em 1939, ano que encerra a fase gloriosa dos times da metade sul do Rio Grande
do Sul, essa região participava com 38% do PIB estadual, contra apenas 16% em
1998, o que revela contínua decadência no período, em razão inversa da expan-
são da metade norte. Também no item produção industrial podemos visualizar
o mesmo processo: foi reduzida de 35% para 10%, no período 1939-1998, a
participação da metade sul no conjunto da produção estadual (“Sul gaúcho tem
IDH semelhante ao NE”, O Globo, 25 jul. 1999).
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 201
19
Mesmos resultados alcançou Loïc Ravenel (1998), ao desenvolver um estudo
sobre a particularidade francesa em relação ao modelo geral europeu, segundo o
qual o “poder esportivo” de cada clube é reflexo do porte de sua cidade: os maio-
res centros urbanos concentram os grandes clubes e maior número de conquistas
esportivas nacionais e continentais.
202 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
22
É tão intensa a vida de relações ainda existente no Recôncavo, perceptível pelo
volume de deslocamentos cotidianos ou de final de semana, que talvez possamos
aplicar a esse conjunto o supracitado conceito de metrópole esgarçada.
204 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
23
Dados colhidos com base em levantamento disponível em http://globoesporte.glo-
bo.com/platb/olharcronicoesportivo/category/pesquisas/ (acesso em 18 abr. 2013).
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 207
falecer, aos 98 anos, jamais escondeu sua paixão pelo clube cario-
ca. No bojo dessa reação, nos estádios nordestinos espalham-se
cartazes que anunciam: “Eu escolhi meu clube, a mídia escolheu
o seu”. Na cidade de Campina Grande (PB), sobretudo em 2013,
quando o Campinense sagrou-se campeão da Copa do Nordeste,
na euforia local se difundiu o slogan “Campina Grande tem time
para torcer”. Na cidade de Goiânia (GO), notamos nas arquiban-
cadas o cartaz que afirma: “Sou goiano, meu time também”. Em
suma, podemos discorrer sobre velhos regionalismos que emer-
gem na atualidade, mas é saudável esse movimento de negação do
poderio midiático das duas principais metrópoles nacionais.
Capítulo 8
O torcedor em “impedimento”:
2014 e as novas territorialidades
Territorialidades excludentes
1
O combate ao “hooliganismo”, principalmente a partir da “tragédia de Hillsbor-
ough” (1989), recrudesceu e produziu a criminalização das torcidas. Aparatos de
controle e punição dentro e ao redor dos estádios se espalharam, produzindo,
inclusive, constantes violações ao direitos civis daqueles que procuram o estádio,
conforme estudos de Tsoukala (2008).
218 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
2
Em 1932, o grupo privado Klabin investiu na Manufatura Nacional de Porcela-
na, que viria ser a maior fábrica de azulejos do Brasil, ocupando 3 mil operários.
Tornou-se um dos mais movimentados espaços do futebol suburbano carioca.
Lamentavelmente, deu lugar ao Norte Shopping, inaugurado em 1986.
222 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
3
Dados disponíveis em http://www.espbr.com/noticias/inflacao-ingressos-fute-
bol-preco-aumentou-300-ultimos-10-anos (acesso em 21 abr. 2013).
Parte III – Espetáculo global e negócios: a reinvenção do futebol 223
1
Sobre a “urbanização insular”, ver a contribuição recente de Bidou-Zachariasen e
Giglia (2012).
230 Entradas e bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol
***
1
Em Porto Alegre, havia a Liga Nacional de Football Porto-Alegrense, que os jor-
nais conservadores apelidaram de Liga da Canela Preta. Também nas cidades de
Pelotas (Liga José do Patrocínio) e Rio Grande (Liga Rio Branco) funcionaram
ligas exclusivas para jogadores negros (Cf. Mascarenhas, 1999b). Em outros esta-
dos da Federação, há indícios de ligas “negras” aguardando futuras pesquisas.
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