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Porquê lutam pela terra no campo rondoniense?

“Apenas a destruição da indústria doméstica


rural pode dar ao mercado interno de um país
a amplitude e a sólida consistência de que o
modo de produção capitalista necessita”
(MARX, Karl. O Capital V1, pg 818)

I – Introdução

A Síntese desta monografia consiste na busca de jogar luz sobre diversos


prismas acerca de determinado objeto que se movimenta, com o objetivo de
compreendê-lo com maior complexidade e tentar entender como este se
relaciona com o macro-sistema que o rodeia. Tal objeto seria a luta que a Liga
dos Camponeses Pobres (LCP) desempenha pelo direito à terra no campo
rondoniense. Creio que, ao relacionar uma luta insurgente no campesinato aos
esquemas e fluxos de capital que vêm do urbano, consegui dialogar de forma
coerente e concisa com as sínteses tiradas de nossas discussões ao longo do
semestre.
A pesquisa, que começou com uma descompromissada vontade pessoal
de dar voz a esse movimento dentro de meu meio, rapidamente se escalou para o
entendimento de que a miséria no campesinato brasileiro está diretamente
ligada ao papel que o Estado nacional ocupa no capitalismo mundial. Agora
depois de pronta, creio que pode-se usar do conteúdo desta monografia
enquanto exemplo para explicitar como a violência no campo é necessariamente
um processo em decorrência da expansão do capital sobre a terra, resultante do
papel que o Estado brasileiro tem de assumir em sua inserção no capitalismo
internacional. Processo este que, desde a invasão das terras a partir do século
XVI, nunca deixou de ser extremamente violento, coercitivo e subversivo. A
apropriação do território por vias proporcionadas e executadas pelo Estado
democrático burguês de direito, para a produção e reprodução do capital, a dita
cuja chamada acumulação primitiva, é um processo natural ao capitalismo e
opera de forma cíclica ou, como classificaria Marx, é “A intermitente e sempre
renovada expropriação e expulsão da população rural.”.
A acumulação primitiva que faz com que militares do Estado brasileiro
sobrevoem acampamentos em helicópteros atirando em famílias camponesas
que lutam por terra em Rondônia no ano de 2021, também enquadrava os
camponeses da Inglaterra que não se sujeitavam a migrar para as cidades, após
todas as temeridades dos cercamentos de terra e expulsão dos que ali viviam,
enquanto praticantes de vadiagem para mandá-los à centros de trabalhos
forçados de acordo com a Lei dos Pobres, ao começo do século XVI. Ou seja, ela
atua enquanto um processo cíclico e inerente a inserção do capital em
determinado território. Marx faz um apontamento ao final do vigésimo quarto
capítulo que, apesar de escrita no século XIX, exemplifica perfeitamente o curso
natural do processo de grilagem de terras que culmina na luta no campesinato
brasileiro, o transcrevi abaixo pois não acho que conseguiria fazer destas
palavras, outras. Ele segue ao início de seu escrito sobre a “Criação do mercado
interno para o capital industrial”, onde está refletindo sobre como se desdobrou
o processo de expulsão dos camponeses às terras em que viviam e como o capital
se apropriou das mesmas, com as seguintes provocativas:

“À rarefação da população rural independente, que cultivava


suas próprias terras, correspondeu um condensamento do proletariado
industrial[...] Em que pese o número reduzido de seus cultivadores, o solo
continuava a render tanta produção quanto antes, ou ainda mais, porque a
revolução nas relações de propriedade fundiária era acompanhada de métodos
aperfeiçoados de cultivo, de uma maior cooperação, de concentração dos meios de
produção, etc., e porque não só os assalariados agrícolas foram obrigados a
trabalhar com maior intensidade, mas também o campo de produção sobre o qual
trabalhavam para si mesmos se contraiu cada vez mais.” (MARX, Karl. O Capital
V.1, pg 816)

Evidente que todo o processo de expropriação de ambos processos


históricos se dão de formas completamente diferentes mas, por trás dessas
diferenças, podemos abstrair o fato do campo, da terra produtiva, ser uma pedra
angular na reprodução do capital e, por consequência, alvo de intensas disputas
pela conversão dos meios de subsistência ali produzidos em elementos de capital
constante. Podemos retirar deste excerto também toda a questão da ideologia
que guia o desenvolvimento e a concretização dos meios técnicos de produção,
tanto no campo, quanto na cidade. Ou ao que podemos dizer de forma mais
“Miltoniana”, toda a questão do desenvolvimento desigual da técnica. Mas, neste
caso em específico se, para o Estado, não é interessante a modernização do meio
rural quando dali não se vê uma fonte de extração de matéria prima às
industrias, isto é, enquanto não se vê possibilidades de integrá-lo ao fluxo das
mercadorias; quando a expansão do capital atinge estes mesmos lugares, seja ela
representada concretamente através da plantação de algodão ou da criação de
gado, a preocupação com o desenvolvimento técnico que visa maximizar a
produção aparece de forma quase imediata. Agro só pode ser tech na medida em
que Agro é lucro.
Deve se relacionar este repentino interesse pelo chamado
desenvolvimento nas técnicas de produção rural à dita “maior concentração dos
meios de produção” no excerto acima, ou seja, da maior capacidade em se
articular os objetivos da burguesia, tanto interna quanto externa, com os
objetivos dos grandes detentores de terra no campesinato. O processo de
expansão é constante e natural ao capitalismo e, ao fato que parte das esquerdas
brasileiras parecem não se aperceber é, a sua sustentação se dá em vias
democráticas burguesas, por um sistema judiciário, legislativo e executivo
subservientes aos interesses do capital estrangeiro. Isto é, a forma jurídica, bem
como a forma estatal, deriva, de forma inexorável, da forma-mercadoria, e são
nos momentos de impasse onde vimos de forma mais latente o uso destes
aparatos para a afirmação desta forma. O Estado e suas estruturas atuam como
foram feitos para atuar, de forma à explorar e dominar em nome da reprodução
do capitalismo. Como escreveu Alysson Mascaro:
“O capital é internacional, mas passa, inexoravelmente, por Estados
nacionais. Nesses e por esses, garantem-se propriedades e contratos. As
explorações e dominações são também materializadas mediante mecanismos
institucionais que dependem dos Estados nacionais: polícias e exércitos que
assegurem o capital.[...] Assim sendo, o capital, mesmo o mundial, se enraíza em
frações de classes internas que dependem, diretamente, da relação com seus
Estados nacionais, seus governos, sua administração e sua burocracia, além de seus
mercados locais.” (MASCARO, Alyson. Crise e Golpe, pg 15)

Não se deve sonhar com melhorias substanciais dentro de uma


ferramenta feita para explorar e dominar, justamente porque não é
suficientemente efetivo humanizar um processo desumanizante em sua essência.
Ou, traçando um paralelo com os escritos políticos de Fanon, é impossível
desalienar um indivíduo, neste caso, os setores de uma instituição, para logo
seguida, jogá-lo em uma sociedade que o aliene novamente. Se os interesses são
direcionados a acabar com as tensões entre a reprodução do capital e a
reprodução da vida, aqui em específico, da reprodução da vida no campo, a
crítica radical nos leva à conclusão de que a resolução desse embate é impossível
sobre a égide de um sistema que foi feito para garantir a ordem do capital. Não se
deve reformá-la, deve-se destruí-la. É necessário criar outra ordem.

II- Quem Luta?

A Liga dos Camponeses Pobres é um movimento que tem como


nascimento um processo de dissidência político-ideológica e prática do
Movimento Sem Terra (MST), logo após o Massacre de Corumbiara, 09/08/1995.
Entendo que o aprofundamento no que foi, de fato, o Massacre de Corumbiara,
bem como as questões que o perpassam, seja de extrema importância para
entendermos alguns pontos fundamentais: o primeiro deles seria a compreensão
das motivações que levaram àquilo que podemos chamar de radicalização de
certos setores dentro do MST, o que os levaria ao rompimento com o mesmo; o
segundo poderia nos ajudar a compreender a dimensão e a magnitude em que se
dão os conflitos no campesinato, e daí por diante. O Massacre de Corumbiara,
juntamente com o Massacre de Eldorado dos Carajás, um ano após o primeiro,
podem ser entendidos como dois dos diversos quadros que afirmam o processo
de contrarrevolução permanente que o campesinato brasileiro enfrenta desde
seus primórdios. Porém, ao encaixá-los no contexto histórico político-econômico
brasileiro da última metade do século XX, e começo do XXI, alguns pontos sobre
esta determinada violência nos são mostrados.
Desde a década de 70 o Estado brasileiro busca encaixar o agronegócio
nos Estados do Acre e de Rondônia, do sudoeste amazônico, em uma agenda de
planejamento econômico voltada à exportação de soja e gado em larga escala
definida pelo próprio. O processo se intensifica ao final da década de 90, no
mesmo momento em que essas ações de violação de direitos humanos se tornam
mais latentes, com a Hidrovia Madeira-Atlântica que escoava a matéria-prima do
noroeste do Mato Grosso aos grandes centros, aonde a produção seria
direcionada para o mercado internacional. Processo violento que colocou em
xeque a vida da pequena camponesa em função da grande propriedade de
monocultura do capital estrangeiro. Ou seja, o campo rondoniense é estruturado
sobre bases tensionadas entre a reprodução da vida das famílias que ali vivem e
as necessidades do Estado em cumprir seu papel enquanto produtor de
commodity. A camponesa rondoniense tem, desde seu nascimento, de lutar pela
reprodução de sua vida. A camponesa rondoniense está às margens do plano
econômico nacional, é um empecilho que será corrigido com todas as forças
coercitivas que o Estado dispõe.
A partir dos anos 2000, esse embate ganha mais uma camada de
complexidade. Para além do grande cultivo da soja já presente na região, levando
em conta todos os processos particulares à expansão da soja no Brasil, isto é, está
atrelada necessariamente à expansão do pastoreio, a intensa produção do etanol,
derivado da cana-de-açúcar, tanto para o abastecimento do mercado interno
quanto externo, encontra no sudoeste amazônico um bom lugar para alocar suas
indústrias e plantações. Assim como a soja, o processo de produção de etanol é
coberto com um véu de verdades rasteiras que escondem, por trás de si,
mentiras profundas sobre ser um projeto modernizante, essencial para o
desenvolvimento nacional e eco friendly mas, na concretude, é parte de uma
agenda neoliberal da economia periférica que se faz homogenia no território
brasileiro.
Um exemplo dessas empresas seria a usina público-privada “Álcool
Verde”, de produção do etanol entre o governo do Acre e o grupo Farias. Dos 70
milhões de reais que esta movimentaria a partir do ano de 2008*, o governo do
Acre receberia apenas 5% do faturamento, ao passo que o grupo Farias receberia
60%. Se olharmos especificamente para o Estado de Rondônia, podemos
perceber uma abertura ainda maior às usinas por conta dos incentivos fiscais
que são dados desde o ano de 2005. Tais disputas acerca da terra para a
plantação e manipulação da cana-de-açúcar se fazem mais presentes na zona da
mata rondoniense, região ao sudoeste do Estado com intensos antecedentes de
disputa entre grileiros e camponeses. Quando falamos da atuação da LCP em
Rondônia, destacamos a atuação da Liga nessa área fronteiriça com a Bolívia.
(Esculturas por @mundano_sp na Exposição Semana da Arte Mundana, 12/02/22.
Aqui representando o necessário atrelamento
que a expansão do desmatamento tem à expansão
das fronteiras dos pastos no território brasileiro.)

O Massacre de Corumbiara foi, nada mais, que uma forma encontrada


pelo Estado brasileiro, juntamente aos jagunços contratados de forma privada,
de realizar uma reintegração de posse na Fazenda Santa Elina, situada em uma
propriedade rural de cerca de 18 mil hectares no Estado de Rondônia. A invasão
de, aproximadamente, 194 policiais militares mascarados e de jagunços
fortemente armados ao acampamento que comportava cerca de 2300
assentados, na madrugada do dia nove de agosto de 1995, foi decorrente da
rápida resposta dos juízes locais ao pedido de reintegração de posse e resultou
em um banho de sangue e traumas que, apesar de nunca devidamente
responsabilizados, repercutem até os dias de hoje. Estima-se que mais de cem
camponeses tenham sido executados à sangue frio na frente de suas famílias,
dentre eles homens, mulheres e crianças. Os relatos apontam para centenas de
desaparecidos, diversos casos de estupros às camponesas e diversas outras
temeridades cometidas às crianças, que posteriormente foram igualmente
executadas. Essa memorável resultante da disputa entre a reprodução do capital
e a reprodução da vida, está situada durante o Governo Federal de FHC, PSDB, e
Estadual de Valdir Raupp, do PMDB.

“Uma tragédia né. Matou criança na época, serrava a cabeça das pessoas,
fazia o companheiro comer os miolos...”.

“Nós apanhamo igual um condenado, eu fiquei mais de oito meses sem


poder trabalhar.[...] eu não aguentava trabalhar na roça de tanto que eles bateram
em mim”.

“É mundialmente conhecida né, o maior massacre do Estado de Rondônia.


Eu tinha sete anos quando aconteceu isso. E pra mim é um orgulho ter
pegado a terra aqui junto com o movimento da Liga dos Camponeses, se
fosse pelo INCRA a gente não taria aqui né, taria alugado aqui pra
fazendeiros, disfrutando do que era nosso, um lugar que foi derramado
tanto sangue.”

(20 anos da Resistência Camponesa de Corumbiara - depoimentos de camponeses


que conquistaram a terra)

“Nós agimos em defesa da propriedade, do direito à propriedade, assim diz


a nossa constituição” – Wellington Luís de Barros, Comandante da PM em
entrevista sobre o Massacre.

Podemos entender este massacre como um estopim para diversos setores


do MST, o que culminou na ruptura político-ideológica e prática destes com os
chamados ideais conciliadores e ilusórios que este movimento teria. Aqueles que
se aperceberam da impossibilidade em se aliar a órgãos estatais na luta para a
suprassunção dos impasses da reprodução da vida no campo, através de uma
forte identificação com a teoria Maoísta, destoaram dos Sem Terra e de seus
ideais de Reforma Agrária para empenhar uma luta radical pela Revolução
Agrária e pela construção de uma Nova Democracia, ambos conceitos Maoístas. A
Liga dos Camponeses Pobres nasce enquanto um movimento insurgente que luta
à mão armada pela garantia de suas vidas.

III- Com quem luta?

Tomamos como pressuposto o fato de que o Estado de Rondônia está


situado em uma área de plena expansão dos latifúndios, e que é engendrado de
forma bastante homogenia com as políticas em favor do desenvolvimento do
agronegócio. Isto é, o poder estatal e o processo de grilagem de terra, bem como
seus agentes, são coisas indissociáveis entre si, uma vez que o Estado está
impregnado de agentes que não apenas lucram com, mas também praticam a
grilagem e vice-e-versa. Ou seja, seus respectivos interesses caminham de mãos
dadas e as práticas para chegar a esses objetivos comuns são traçadas e
executadas em comunhão; seja com a contratação privada de jagunços para
matar os camponeses que resistem, seja com o amparo estatal da Polícia Militar
ou da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para “expulsar” os mesmos.
Dito isto, creio que podemos designar aqui um inimigo central da luta da
Liga pela terra e as suas diversas materializações no mundo concreto. O que
coloca em xeque a vida do camponês é, de forma abstrata, o fluxo de capital ao
qual seu território está submetido. A análise radical do problema sempre nos
levará à compreensão de que, é a forma em que o capital permeia o campesinato,
seja este processo materializado de forma dialética entre: i) a expansão do pasto,
ii) a grilagem de terras tradicionais e iii) a ampliação da monocultura
latifundiária voltada à exportação, que leva o pequeno agricultor a lutar pela sua
existência. Em segundo plano, pensando nos braços que este capital tem de ter
para exercer a sua reprodução, temos o Estado, que dota de: i) judiciário, que
seria neste caso em específico, para além de condenar camponeses e absolver
militares, para facilitar o zoneamento de terras enquanto improdutivas, terras
estas já palco do avanço do negócio da pecuária, para o processo de grilagem dos
grandes latifundiários da soja e da cana, ii) a força militar, que seria o braço
armado do capital e de sua ordem, iii) e por último, temos os agentes públicos
que atuam de forma direta nesta tensão entre a luta pela terra de famílias
camponesas e o processo de acumulação em sua forma mais caricata no campo
rondoniense, claro, em favor dos grileiros.
Fica-se evidente a interferência direta do Estado sobre estes movimentos
quando percebemos que, desde a posse de Jair Messias Bolsonaro ao cargo de
Presidente da República, os integrantes da LCP vivem em um permanente
estado de sítio dado o fato de que, além das constantes investidas de jagunços e
policiais militares aos acampamentos, os camponeses enfrentam provocações
deliberadas do presidente:

“— LCP, se prepare! Não vai ficar de graça o que vocês estão fazendo. Não tem
espaço aqui para grupo terrorista. Nós temos meios de fazê-los entrar no eixo e
respeitar a lei.” – J.M.B em 07/04/2021 durante a inauguração de uma ponte em
Porto Velho(RO)

Fora este evento, os ataques à Liga em seu twitter pessoal eram


constantes em seus primeiros dois anos de mandato. Declarações públicas
direcionadas à milhares de pessoas que buscavam enquadrar o movimento em
um grupo de guerrilha e que buscava promover o terror no campo eram muito
frequentes. Seu filho, Flávio Bolsonaro, do Patriotas, que coincidentemente é
criador da PEC 80/2019, que flexibiliza o princípio da função social da terra,
também teve muita curiosidade acerca da Liga no primeiro semestre do ano de
2021, fazendo constantes viagens à Rondônia para tratar de assuntos sobre o
movimento. Flávio, em sintonia com o governador de Rondônia, Coronel Marcos
Rocha, do PSL, este que sancionou uma lei que culminou na retirada de 220 mil
hectares de terra das áreas de proteção ambiental do Parque do Jaguará-Mirim e
da Reserva Jací-Paraná, e outra que retirava a obrigatoriedade da vacinação do
gado contra a febre aftosa, ambas políticas em prol do agronegócio na região,
instaura a Operação Rondônia, fruto da articulação do Governo Estadual com a
União, no dia 15/06/2021.
A Operação, que tinha, para além da convocatória da Força de Segurança
Nacional, o aval do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Secretário de
Segurança Pública de Rondônia, José Hélio Cysneiro Pachá - que
coincidentemente foi um dos comandantes da Polícia Militar a ser absolvido no
Massacre de Corumbiara - de perdurar por até três meses após seu início,
começou com o objetivo de identificar e desarticular as ditas ligas terroristas e
guerrilheiras que invadem as terras do Estado. Oficialmente, a operação buscava
cumprir com mandados de busca e apreensão em diversas regiões do território.
Na prática, até atiradores em aeronaves contra os camponeses já foram
admitidos pela Secretaria de Segurança; entre assassinatos, torturas,
humilhações e agressões contra camponeses homens, mulheres e crianças.
Para encerrar os exemplos acerca da função dos agentes do Estado
brasileiro na afirmação da reprodução do capital no campesinato, gostaria
apenas de citar brevemente a relação de um elemento que ficou muito famoso
por suas participações na CPI da COVID 19, no ano de 2021, com o processo de
acumulação de terras por vias coercitivas Estatais. Marcos Rogério da Silva Brito,
Partido Liberal, Senador da República pelo Estado de Rondônia busca, desde
julho de 2021, passar um Projeto de Lei que visa enquadrar a ocupação de terra
pela LCP enquanto prática de terrorismo, juntamente com este exemplo, M.R.S.B
também é autor de um PL que considera toda a extensão de um imóvel rural
como domicílio dos proprietários, ambos projetos favoráveis à prática do
agronegócio. Marcos Rogério também é dono de aproximadamente 98 hectares
de terras em áreas de luta pela moradia, no Vale do Jamari, porção Noroeste do
Estado.
A articulação das falas do Presidente, juntamente ao desígnio de ‘terrorismo’
à Liga, prática esta já comum em outros governos desde 2003, por parte dos
apoiadores e outros membros do governo, podem ser entendidas como
pressuposto forjado para legitimar o uso de força física coercitiva estatal sobre
os camponeses que lutam pelo direito de reproduzir suas vidas de forma digna e
menos brutal. O que ocorre no campo rondoniense para essas famílias é algo
muito simples e direto: Os camponeses lutam pelo direito de moradia digna,
dentro de todas as implicações que isso possa ter quando falamos de moradia no
campo, e não na cidade, que em primeiro momento lhes fora negado. Ao
empenhar essa luta – que, ao desmistificar de todos os véus ideológicos
burgueses pairantes sobre ela, qualquer cidadão entenderia como justa, digna e
necessária - eles são enquadrados como terroristas e acusados de implantar o
terror e a guerrilha no campo pelo mesmo que, em primeiro momento, lhes
negou a reprodução de suas vidas.
Ao final deste quadro descritivo acerca da luta que a Liga desempenha,
podemos entender que as disputas ocorridas no campo brasileiro não
representam apenas uma abstrata luta por moradia, mas sim a expressão mais
latente e imediata do fluxo e da ordem do capital estrangeiro que se tem seus
braços no urbano e permeia o rural, dada pela total negação das necessidades
básicas, portanto, da existência desses camponeses pelo Estado democrático
burguês de direito. Tem-se o entendimento de que as lutas no campo são
necessariamente permeadas pela ordem capitalista apoiada e articulada nas
metrópoles. E de que essa violenta concentração constante das terras
tradicionais é a forma normativa de como o Estado burguês lida com as
contradições no campesinato desde sempre, tendo se intensificado em um
momento de crise no capitalismo e, de forma consequente e lógica, de ascensão
dos discursos eco-fascistas, fascistas, entre outras peculiaridades dos períodos
em que as mazelas do capitalismo estão mais afloradas.

* Dados relativos à informações presentes no Jornal da Cana. Disponível em:


https://jornalcana.com.br/grupo-antonio-farias-investe-r-100-milhoes-no-acre/

Bibliografia :

- ZEDONG, Mao. Cinco Teses Filosóficas. Segunda edição. 2018. Nova Cultura
Editorial.
- MARX, Karl. O Capital V1. Segunda edição. 2017. Boitempo Editorial.
- MASCARO, Alysson. Crise e Golpe. Primeira edição. 2018. Boitempo Editorial.
- PERES, João. Corumbiara: Caso enterrado. Primeira edição. 2015. Editora
Elefante.
- PIMENTEL, David. A LIGA DOS CAMPONESES POBRES (LCP) E A
ESPACIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO CAMPO ALAGOANO. 2013.
Disponível em: file:///Users/juanrodrigues/Downloads/1452-
Texto%20do%20artigo-3853-1-10-20130822-1.pdf
- SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica, Razão e Emoção. 3ª
Edição. São Paulo: Edusp (Editora da USP), 2003.
- PIMENTEL, David. A LCP E A LUTA PELA TERRA NO NORDESTE. 2014.
Disponível em: https://ri.ufs.br/handle/riufs/5611
- A Caçada. Documentário produzido pela Liga dos Camponeses Pobres. 2021.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LJjf7GIlzSI&t=10s
- De Olho nos Ruralistas. Disponível em:
https://deolhonosruralistas.com.br/
- GARCIA, Délio. A QUESTÃO AGRÁRIA E ESPAÇOS CAMPONESES EM
RONDÔNIA. 2018. Disponível em:
https://www.ri.unir.br/jspui/handle/123456789/2598
- Jornal A Nova Democracia. Disponível em:
https://anovademocracia.com.br/
- Jornal da Cana. Disponível em: https://jornalcana.com.br/grupo-antonio-
farias-investe-r-100-milhoes-no-acre/
- Blog Racismo Ambiental. Disponível em: https://racismoambiental.net.br/
- STEDILE, Jõao. Experiências históricas de reforma agrária no mundo.
Primeira edição. 2020. Editora Expressão Popular.

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