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Capítulo 1

O modelo econômico e a política


cultural brasileira

1.1 Introdução
O texto a seguir apresenta uma discussão sócio-histórico acerca dos principais
eixos de acumulação da economia brasileira, desde a colônia até a fase mais
intensa de industrialização e urbanização, a partir da qual se consolida uma
grande concentração especial no sudeste do país. Este capítulo inicial é
fundamental para o entendimento do módulo, pois oferece um rápido quadro
de transformação e evolução da economia brasileira.

É consenso nas ciências humanas e sociais considerar as acelerações como


momentos culminantes da história, como se tratassem de momentos em que
as forças concentradas explodem para criar o novo. De fato, a sociedade está
permanentemente em processo de criação, muitas vezes de difícil
compreensão e entendimento, o que é motivo de angústias e tensão. São
nesses momentos de aceleração em que se produzem os sistemas de
conceitos da nova ordem em gestação.

Assim, hoje se considera que vivemos em uma era de signos, após termos
vivido o tempo dos deuses, o tempo do corpo e o tempo das máquinas. Essa
assertiva de Milton Santos (1993) nos serve como ponto de partida para
refletirmos sobre as mudanças na sociedade brasileira – particularmente no
modelo econômico hegemônico – e nos seus rebatimentos na política cultural
do país. Este fenômeno que poderia ser característica de grandes processos
históricos vividos pela humanidade, se rebate em sociedades nacionais com
impactos múltiplos e variados. Nestes momentos prodigiosos na criação de
metáforas temos constantes tentativas de explicar os fatos em função de suas
manifestações nas realidades locais.

Para o caso brasileiro, sobretudo a partir da proclamação da república e o


concomitante processo de consolidação do Estado Nacional, podemos
concentrar-nos nos diferentes modelos econômicos que, em momentos vários,
se tornam hegemônicos ao longo do século XX. Estamos, portanto,
argumentando que a análise das repercussões na formação da sociedade e da
identidade nacional, especialmente a partir da dinâmica da economia, poderá
ser uma satisfatória, porém, não exaustiva explicação de seus impactos na
política cultural brasileira.

Retomamos o argumento de Milton Santos sobre a atual era de signos como


característica dos tempos atuais e tentaremos mostrar as bases de
constituição desse momento.

1.2 Da sociedade agro-exportadora à sociedade


urbano-industrial
A ocupação da colônia pelos portugueses ocorreu a partir de interesses
econômicos. É portanto, a economia – sua dinâmica e suas leis – que
condicionará a lógica da colonização e a partir daí é que devemos perceber
como se dá a lógica espacial na ocupação territorial.

Mesmo correndo o risco de ser taxada de economicista, esta perspectiva


analítica guarda um princípio de realidade inquestionável. A empreitada
colonial em nenhum momento teve um caráter civilizatório que ultrapassasse
as prioridades e os interesses econômicos. A formação da sociedade original
na colônia será conseqüência e não causa da empreitada portuguesa, como
ocorreu em todos os países colonizadores europeus de então. O exemplo do
domínio português na África e na Ásia estão disponíveis para testar esta
afirmação.
Se recuperarmos os processos econômicos na história brasileira, veremos que,
desde a colônia, o território, ainda português, se especializou na produção de
produtos primários para atender à demanda do mercado internacional, no
caso, o europeu. Desde a exploração do pau-brasil na origem da ocupação
portuguesa, até a exploração da cana-de-açúcar no Nordeste litorâneo, temos
diferentes processos de ocupação do território induzidos pelo mercado
internacional.

Celso Furtado escreve a tese clássica desse período quando nos mostra que a
economia canavieira nordestina foi a responsável pela ocupação da área Saiba mais sobre a vida e a
obra do economista Celso
conhecida como Zona da Mata, e que esta atividade econômica gerou um
Furtado, no endereço
padrão de ocupação do território peculiar. Sinteticamente, temos o engenho eletrônico
com sua dinâmica própria, calcada no modelo “casa grande e senzala” que se
http://www.pensamentoec
mostrava praticamente auto-suficiente no atendimento de suas necessidades onomico.ecn.br/economist
as/celso_furtado.html
básicas de consumo.

A expansão da área dedicada à cana-de-açúcar fez-se por meio de grandes


propriedades, com base no trabalho escravo tinha baixo poder de
multiplicação de seus efeitos para o restante da colônia. A ocupação do sertão
e do agreste nordestino com a criação do gado foi um dos poucos efeitos Em 1933, após exaustiva
internos que a econômica canavieira gerou no território. pesquisa em arquivos
nacionais e estrangeiros,
Gilberto Freyre publica
Cabe aqui uma rápida apresentação da dinâmica em curso naquele momento. Casa-Grande & Senzala,
Uma economia agrária, gerando um elevado excedente em função da um livro que revoluciona os
estudos no Brasil, tanto
exportação, sem implicar no desenvolvimento geral da colônia. A principal pela novidade dos
conceitos quanto pela
limitação que restringia os efeitos multiplicadores da economia canavieira na qualidade literária.
sociedade colonial foi o fato de que, por estar fundamentado no trabalho
escravo, havia baixa circulação de moeda e, portanto, um estreito mercado
consumidor local. As elites coloniais consumiam seus produtos a partir da
importação no mercado internacional, além, é claro, daquela produção
endógena gerada na propriedade e não no mercado.
Esta produção de subsistência dentro da propriedade canavieira alimentava
escravos e senhores com produtos de subsistência cotidiana. Não havendo,
portanto, estimulo à inovação tecnológica, a produção exportadora se
expandia via incorporação de novas terras de cultivo, gerando ciclos cuja
dinâmica era ditada pelo mercado externo. O resultado foi que praticamente
toda a Zona da Mata nordestina se transformou em um imenso canavial para
atender a este mercado.

A ocupação do sertão e do agreste também se desenvolveu a partir dos


estímulos da economia açucareira: nos momentos de auge, demandava-se
carnes, animais de carga, etc, oferecidos pela pecuária e nos momentos de
crise do açúcar no mercado internacional, diminuía-se sensivelmente a
demanda por produtos da atividade pecuária, ocorrendo períodos de atrofia
das atividades, quando então a economia sertaneja se tornava praticamente
de subsistência.

Essa dinâmica da economia colonial tinha, portanto, sua lógica intrínseca,


onde a expansão e retração da acumulação de riquezas estava atrelada ao
mercado internacional do produto exportado: o açúcar. A colônia se restringia
ao que se conhece hoje como Nordeste do país e o restante do território era
praticamente inexpressivo no processo de geração de riquezas.

Celso Furtado, em A Formação Econômica do Brasil, nos fala sobre a


heterogeneidade da dinâmica interna de nossa economia, especialmente o
que ele denomina “complexo econômico nordestino”. Este “complexo”,
segundo o autor, é composto pela economia açucareira, voltada para o
mercado externo, e por seus efeitos internos, ou seja, a pecuária. Essa
atividade que se desenvolve para suprir as necessidades de alimentos e de
animais de tração para o setor açucareiro, vai se expandir pelo sertão
nordestino e dar origem a uma particular lógica de aparecimento de vilas e de
povoados, base da futura rede urbana regional.
Por ser atividade completamente dependente da economia açucareira, a
pecuária apresenta um refluxo nos períodos de retração do açúcar e
transforma-se, ao longo do tempo, em atividade com baixíssimos níveis de
produtividade, com a força de trabalho voltada para a mera subsistência. O
alto índice de crescimento demográfico que posteriormente ocorreria no sertão
nordestino, está na base das correntes migratórias que partiram para a
Amazônia durante o ciclo da borracha, já no século XX, e também povoariam as
metrópoles industriais do Sudeste, assim como para Brasília na fase de
construção da cidade.

É oportuno ressaltar a formação de uma sociedade à duas velocidades no


Brasil colônia da cana de açúcar – litoral e sertão – que produzirão também
culturas diversificadas, cada uma com características próprias. A forte
presença do africano na Zona da Mata de um lado, e o índio e o branco no
sertão e no Agreste de outro, darão a infra-estrutura cultural que se instala em
cada sub-região. Retomaremos este ponto em outro momento, porém o
registro é necessário no sentido de acentuar o papel da dinâmica econômica
na conformação da sociedade e da cultura.

Caio Prado Junior (1942) chama atenção para a conformação da estrutura


social no Brasil açucareiro. O grande proprietário presente no centro da vida
social da colônia se torna uma espécie de ‘aristocracia local’. Todas as
condições para a formação de uma aristocracia estão aqui presentes: riqueza,
poder e autoridade. No caso do Nordeste açucareiro, há que se agregar ainda o
peso de uma tradição estruturada na base da família patriarcal e que marcou
as relações sociais na Região: “os grandes proprietários rurais formarão uma
classe à parte e privilegiada. Cercam-nos o respeito, o prestigio, o
reconhecimento universal da posição destacada que ocupam”.

Cabe destacar ainda o processo de formação da rede urbana brasileira no


período canavieiro, em que as cidades são fundadas com o intuito de garantir
uma infra-estrutura administrativa e portuária para a economia agro-
exportadora. Murilo Marx (1980) nos lembra que a cidade brasileira foi
fundada, evoluiu e se consolidou na costa mais oriental da colônia: pequena
feitoria constituiu ponto de apoio ao reconhecimento do extenso litoral, à
afirmação da posse e à garantia do trafico português. Retomando Murilo Marx
(op. cit. p. 12), “o mapa do Brasil de então revela um desequilíbrio notável. As
suas aglomerações urbanas se concentram ao longo da costa; o seu
gigantesco território esta quase vazio em sua maior parte”.

O destaque aqui dado à formação da rede urbana na colônia deve-se


simplesmente ao fato de que a economia de então era exclusivamente rural e
os núcleos urbanos funcionaram ou como entreposto comercial ou como sede
da administração do Estado português. A sociedade existente estruturava-se
segundo uma dinâmica de bases rurais.

Diga-se de passagem, que a criação de povoados ou de cidades na costa era


uma estratégia da metrópole portuguesa, em suas colônias, sob a bandeira da
luta contra os infiéis, para implementar o sistema mercantilista e para se
transformar em uma das principais nações colonizadoras do século XVI.

Assim, se de um lado o sistema produtivo pelo qual o Brasil se insere na


Conheça um pouco mais sobre a
divisão internacional do trabalho, durante o mercantilismo, baseava-se na vida e a obra do escritor
pernambucano Gilberto Freyre no
produção agrícola, isso contraditoriamente nunca implicou uma dominação do endereço eletrônico:
campo sobre a cidade. Se retomarmos, por exemplo, Gilberto Freyre, em Casa
http://www.tvcultura.com.br/alo
Grande e Senzala , nos damos conta de que padrões culturais da vida rural escola/estudosbrasileiros/casag
impregnaram as relações para o conjunto da sociedade. rande/index.htm

"Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade


brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com
os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida
tropical. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura,
escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio, e mais
tarde de negro, na composição". Trecho do livro Casa Grande e Senzala.

Entretanto, essa hegemonia no que toca aos valores, convivia com uma lógica
econômica em que as regras eram ditadas pelo comércio internacional de
produtos. Havia de fato uma íntima articulação entre campo e cidade, que
fazia com que a existência de um garantia a existência e reprodução do outro,
ou seja, as primeiras vilas e povoados foram fundidos para facilitar as
atividades produtivas no mundo rural da colônia.
Você pode acessar o artigo
Essa situação impediria o aparecimento de novas atividades, sobretudo Brasil: As Raízes do Mundo do
urbanas, pois a cidade colonial era o posto avançado das manufaturas Trabalho

estrangeiras, o que pode ser uma das explicações plausíveis para a nossa de Mário Maestri , doutor pela
industrialização tardia. Nesse sentido, é importante insistir no fato de que a UCL, Bélgica, professor do Curso
de História e do Programa de
autorização para que as indústrias se instalassem no Brasil – dada pela Pós-Graduação em História da
UPF. No endereço eletrônico
Inglaterra, via Portugal – data de 1808, enquanto a liberação dos escravos e a
http://www.consciencia.net/20
criação de um mercado livre de trabalho é de 1888. 03/07/26/maestri1.html

1.3 Do ciclo do ouro ao ciclo do café


A descoberta do ouro em Minas Gerais, no século XVII, constitui a realização
da grande aspiração dos colonizadores desde a chegada de Cabral em 1500. Acesse o artigo Economia e
A região de Ouro Preto e Diamantina vai se constituir como um novo pólo Sociedade em Minas Gerais
(Período Colonial), publicado na
econômico no Brasil colônia, transferindo para o interior da região Sudeste o Brasileiros, São Paulo, IEB-USP,
(24):33-44, 1982.
interesse maior do reino colonizador. Continua com uma economia voltada
para o mercado externo, para onde eram exportados os minérios preciosos De Francisco Vidal Luna no
retirados da região. endereço eletrônico
http://www.brnuede.com/pesqu
isadores/paco/pdf-
Todo o interesse de Portugal se volta para esta área da colônia, ficando a paco/ar19.pdf
região canavieira relativamente esquecida nas políticas coloniais de Portugal
para o Brasil. O principal indicador desse ganho de importância da economia
aurífera em Minas Gerais é a transferência da capital política da colônia de
Salvador, na Bahia, para o Rio de Janeiro, porto mais próximo para se exportar
as riquezas minerais para a Europa.

Há pouca articulação da zona mineradora do Sudeste com a economia


açucareira no Nordeste, pois cada uma possuía dinâmica própria. A oferta de
escravos para a exploração mineral, suprido em parte pelo Nordeste, a oferta
de animais e carne pelo sertão, a economia e a sociedade que se instaura em
Minas Gerais, vão paulatinamente adquirindo capacidade de se auto-suprir
nos itens de consumo cotidiano.

Esta situação começa a gerar espaços econômicos autônomos de tal forma


que a economia colonial brasileira é firmada com o somatório de economias
regionais, com autonomia relativa entre si. Consolida-se uma sociedade no
Centro-Sul com elevado nível de riqueza que pode ser observado nas cidades O movimento mineiro foi o
primeiro a manifestar com
da região que, da mesma forma que Salvador, Recife e Olinda, no auge da clareza a intenção da colônia
cana de açúcar, irão se expressar na arte colonial (barroco mineiro, as igrejas e de romper suas relações com
a metrópole. A importância
templos, os palácios da elite do momento, etc.). da Inconfidência Mineira
reside no fato de exprimir a
decadência da política
Ainda utilizando o sistema de trabalho escravo, que pela sua própria natureza colonial e ao mesmo tempo a
não estimula a ampliação do mercado interno, reproduz elevados níveis de influência das idéias
iluministas sobre a elite
desigualdades entre os grupos sociais, marca registrada da sociedade colonial colonial que, na prática, foi
quem organizou o
que perdurará nos tempos futuros da sociedade brasileira, praticamente
movimento. Vários foram os
naturalizando as diferenças sociais extremas. motivos que determinaram o
início do movimento,
reunindo proprietários rurais,
Há que se ressaltar o acirramento contínuo e as tensões entre os colonizadores intelectuais, clérigos e
metropolitanos e os habitantes da colônia. Uma das razões dessas tensões é militares, numa conspiração
que pretendia eliminar a
justamente a presença da Metrópole na esfera da produção mineira, com a dominação portuguesa e
criar um país livre no Brasil,
tributação extorsiva e o monopólio rígido imposto. Esta contradição entre os em 1789.
contribuintes coloniais e o fisco metropolitano desemboca na Inconfidência
Mineira, com os anseios dos espoliados por liberdade.

O desenvolvimento da economia mineira no Sudeste consolida, ainda que de


forma tênue, um conjunto de cidades espalhadas pela costa em função da
latitude, das possibilidades de abrigo aos navegantes e da sua ligação com o
interior. Ao lado dessa lógica, há também a geopolítica de ocupação do
território, levada a cabo por Portugal. Na seqüência da descoberta do ouro,
surge a transformação de inúmeros acampamentos mineiros em vilas ou
assentamentos urbanos permanentes no século XVIII. Além do mais, o
aparecimento de metais preciosos na colônia fizera com que surgisse um
mercado de proporções relativamente importantes, pois a mineração brasileira
Guerra da Secessão - como é
era contemporânea da Revolução Industrial em curso na Europa. conhecida a Guerra Civil ocorrida
nos Estados Unidos de 1861 a
O processo da Revolução Industrial está decisivamente incompatibilizado com 1865, entre os Estados do sul e os
do norte, motivados pela abolição
o sistema monopolizador exercido pela Metrópole sobre sua Colônia. Essa da escravatura.
ampliação do mercado interno encontra na comercialização do algodão para a
indústria inglesa – que substitui a lã pela fibra do algodão – na qual a Lei nº 3.353, de 13 de Maio de 1888.
produção brasileira vai ocupar o lugar da produção dos Estados Unidos (EUA) DECLARA EXTINTA A ESCRAVIDÃO NO
BRASIL
junto ao mercado inglês, por causa da Guerra da Secessão que abala a
A PRINCESA IMPERIAL Regente em
capacidade produtora norte-americana. Nome de Sua Majestade o Imperador
o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos
os súditos do IMPÉRIO que a
Ainda no século XIX inicia-se no Sudeste, agora chamada Zona da Mata Assembléia Geral Decretou e Ela
sancionou a Lei seguinte:
mineira, e em São Paulo, o cultivo do café, inicialmente baseado no trabalho
Art. 1º - É declarada extinta desde a
escravo, nos moldes existentes desde o século XVI com a cana de açúcar. O data desta Lei a escravidão no Brasil.
café também é exportado, gerando divisas para a economia colonial. Art. 2º - Revogam-se as disposições
em contrário.
Manda portanto a todas as
Com a proclamação da independência e a promulgação da Lei Áurea em autoridades a quem o conhecimento e
1888, teve início, timidamente, a implantação de novas relações de trabalho execução da referida Lei pertencer,
que a cumpram e façam cumprir e
na agricultura, gerando agora um mercado de trabalho livre, com base na guardar tão inteiramente como nela se
contém.
remuneração. Werneck Sodré (1976), ao explicar o declínio colonial, chama a
O Secretário de Estado dos Negócios
atenção para a aparente placidez nos três primeiros séculos do Brasil colônia d'Agricultura, Comércio e Obras
Públicas e Interino dos Negócios
– XV, XVI, XVII – sob os quais fomenta-se tudo o que anunciaria as Estrangeiros Bacharel Rodrigo
Augusto da Silva do Conselho de Sua
transformações. Majestade o Imperador, o faça
imprimir, publicar e correr.
Havíamos já percebido que o sulco deixado pelo abandono e pela debilidade Dado no Palácio do Rio de Janeiro, em
13 de Maio de 1888 - 67º da
de Portugal em assegurar a sua ascendência sobre a colônia, almejada por Independência e do Império.
outras nações, aprofunda-se com a crise do açúcar, cujas origens estão Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza
Imperial manda executar o Decreto da
vinculadas à expansão dos holandeses no Caribe. Celso Furtado (1959) nos Assembléia Geral, que Houve por bem
sancionar declarando extinta a
explica que, no século XVII, persistiu a queda do preço do açúcar no mercado escravidão no Brasil, como nela se
declara.
internacional devido à concorrência holandesa nas Antilhas. Por outro lado, a
Para Vossa Alteza Imperial ver.
expansão da economia mineira Centro-Sul, elevando os preços dos escravos e
Fonte:
atraindo mão-de-obra especializada, reduziria ainda mais a rentabilidade da http://www.senado.gov.br/comunica
/historia/aurea.htm
empresa açucareira.
Fernando Novais argumenta que:

a colonização moderna, portanto, tem uma natureza essencialmente


comercial: produzir para o mercado externo, fornecer produtos tropicais e
metais nobres à economia européia [...] apresenta-se como peça de um
sistema, instrumento da acumulação primitiva da época do capitalismo
mercantil.

O país essencialmente agrário, portanto, era na verdade o país historicamente


articulado ao sistema colonial do capitalismo mercantil e determinado, pelo
modo de produção capitalista, a ser uma ‘colônia de exploração’ e não uma
‘colônia de povoamento’. A primeira possui uma economia voltada para o
mercado externo metropolitano e produção organizada na grande propriedade
escravista; enquanto a segunda, a produção se processa mais em função do
próprio consumo interno da colônia, na qual predomina a pequena
propriedade.

Nos quatro séculos que durou o trabalho escravo, foram importantes os


acontecimentos que assinalaram os embates entre escravos e senhores. A
história corrente omite de forma sistemática os traços dessa contradição, que
somada àqueles conflitos entre colonizadores e índios, comprovam que, longe
de uma placidez, a sociedade colonial se caracterizava por tensões estruturais.
Ao mesmo tempo, outras contradições também surgiram na sociedade
colonial até a proclamação da independência: aquela, entre consumidores, de
um lado, e os monopolizadores, de outro lado, foram importantes na
deterioração das relações entre os habitantes da Colônia e a Metrópole,
responsável pela manutenção do monopólio (Werneck Sodré, op. cit.; 162).

Para nosso objetivo, cabe ressaltar que a economia cafeeira, surgida em um


momento particular da vida colonial, no qual ocorrem a proclamação da
república e a libertação formal do trabalho escravo (final do século XIX), vai se
consolidar e se expandir ao longo da primeira metade do século XX pelo Centro
Sul do Brasil. A grande novidade é a consolidação do trabalho assalariado,
agora no país independente da Colônia, e a arregimentação de migrantes
europeus brancos para o trabalho assalariado na agricultura cafeeira.

Interessa-nos aqui a expansão do mercado de consumo interno, na medida em


que a demanda por bens e salários cresce com o trabalho livre, criando
condições para a implantação da atividade industrial no país. Vários analistas
são coincidentes na afirmação de que a indústria brasileira se implanta,
sobretudo, a partir dos anos 1930 do século XX, voltada para a produção de
bens de consumo direto – tecidos, alimentos, calçados, etc. – para atender ao
mercado local.

O centro local dessas atividades industriais ocorre em cidades próximas do


mercado consumidor e aonde há acesso às matérias-primas e trabalho para a
produção. Assim, fatores de produção e mercado consumidor determinarão a
localização espacial da indústria que vai se implantar em centros urbanos das
regiões brasileiras.

A indústria como o novo eixo da acumulação

Sem dúvida, a partir da colônia são lançadas as bases econômicas que irão
caracterizar a relação campo-cidade no Brasil, e que só irão sofrer um
processo de ruptura em sua lógica, já no século XX, quando a atividade
industrial apresenta-se como novo eixo da acumulação do capital na economia
e na sociedade brasileira.

O processo de industrialização que, pouco a pouco, se implanta no país irá


redefinir o urbano. A cidade passa a ser não apenas a sede do aparelho
burocrático e do capital comercial, mas da indústria, ou seja, um novo
aparelho produtivo.

A natureza das relações de trabalho preexistente no período agro-exportador


deixa como única alternativa à industria – que surge a partir da segunda
metade do século XIX – sua característica de atividade urbana, à diferença por
exemplo, do modelo europeu, no qual a atividade artesanal desenvolvia-se no
espaço rural junto com a atividade agrícola.

O deslocamento das atividades artesanais para as manufaturas urbanas,


naquele continente, dar-se-á de maneira lenta, num processo diferenciado,
segundo cada nação. De acordo com Francisco Oliveira, no Brasil nos
primórdios da atividade industrial, não há ruptura do padrão de trabalho rural,
em que, mesmo após a abolição da escravatura, a circulação monetária era
incipiente e várias eram as formas de ocupação da força de trabalho –
meeiros, posseiros, arrendatários, etc. –, dando um caráter pré-capitalista a
estas relações.

A indústria, ao se instalar, já se inicia nas bases de trabalho assalariado e, por


isso, não poderia ter outra natureza que não a urbana, pois é aí que a divisão
social do trabalho é mais flexível e aonde circula o essencial de um mercado
de consumo, mesmo incipiente. No início de nossa industrialização, tínhamos
uma distribuição no espaço de unidades fabris em função das características
da economia de cada região.

Em um território continental, com precários meios de comunicação e de


transporte, as indústrias se instalam para atender o mercado próximo ou no
máximo regional. Constata-se, desde os primórdios, a tendência à formação
de grandes grupos econômicos industriais, sobretudo, porque a
complementaridade intersetorial que caracteriza a indústria, na época, não
encontrava possibilidades de acontecer, uma vez que a cidade brasileira não
apresentava tradição industrial, não havendo um sistema de serviços de apoio
à produção, de assistência técnica, de formação de pessoal qualificado, etc.

Data desta época o aparecimento de boa parte dos grandes capitais


industriais nacionais: (Lundgren, no Nordeste; Matarazzo e Votorantin, em São
Paulo), e está também nas bases da urbanização extremamente concentrada
em poucas grandes cidades, justamente as cidades de perfil industrial.
A implantação da atividade industrial rompe, portanto, a tradicional
articulação entre campo e cidade, que foi montada com base na economia
agro-exportadora. Se até os anos 1930 havia complementaridade entre um e
outro, a partir de então, explicitam-se os conflitos de interesses precisos. Por
exemplo, de um lado, o espaço rural não permitia o aparecimento da indústria
nos moldes históricos que, ao mesmo tempo, com baixos níveis de
assalariamento, não garantia um ritmo adequado de expansão do mercado de
consumo de produtos industriais. Entretanto, como o financiamento às
atividades industriais sustenta-se nas exportações da produção agrícola, há
uma impossibilidade objetiva em alterar a lógica da sociedade e da economia
agrária.

Está é uma das explicações possíveis das causas da manutenção da


agricultura no Brasil como setor “sagrado” da economia, principalmente até os
anos 1960, quando a atividade rural vai iniciar sua transformação em empresa
agrícola.

Lembremos que a institucionalização do salário mínimo no Brasil deu-se nos


anos 1940 e alcançava apenas as atividades urbanas industriais. Para a
agricultura, esta regulamentação, embora tomado nos anos 1960, ainda não
se generalizou até os dias atuais. Ao mesmo tempo, todas as tentativas de
reforma agrária no país foram abortadas, e o quadro só começa a ganhar
novas feições nos anos 1990.

Portanto, o ritmo de mudanças no mundo rural é significativamente inferior ao


que ocorre a partir de então no mundo urbano, dando origem a uma sociedade
diferenciada, na qual convivem o arcaico e o moderno, em geral, observados
como sinônimos de campo e cidade, até os anos 1990.

Nessa convivência orgânica tensa, a presença do Estado é estratégica para


regular os interesses de um e de outro. Por outro lado, a estrutura de classes
no país também se ajusta em decorrência dos rearranjos na economia.
Estávamos passando de uma sociedade agro-exportadora para outra, de
natureza urbano-industrial, processo que tem profundas implicações na
estrutura de classes.

A principal delas, para nossos propósitos é que com a consolidação do


processo de urbanização dois grupos sociais começam a emergir na cena
política: a classe média urbana e o operariado industrial que, junto com o
empresariado industrial, passam a compor o núcleo urbano de poder na
política nacional.

A primeira legitima-se na medida em que irá ser a responsável pelo incremento


do mercado de consumo de bens finais em andamento: eletrodomésticos,
A vida e a obra de Weber
bens duráveis e intermediários. Constitui ainda o núcleo social de base podem ser lidas no
daquilo que, na perspectiva weberiana de modernidade, age no sentido endereço eletrônico:
http://www.culturabrasil.o
histórico de “destradicionalização”, atuando como frente da futura hegemonia rg/weber.htm
do individualismo na sociedade, que se acentuaria sobremaneira nos anos
seguintes.

Interessante é lembrar que nesta liberação dos indivíduos em relação às


estruturas, o consumo especializado substitui o consumo de massa, processo
que leva à flexibilização do sistema produtivo e que irá se implantar
definitivamente a partir da década de 1990 e terá nessa classe média o seu
principal sujeito. Um dos mercados privilegiados que se expandira de forma
acelerada é justamente o de bens culturais que terá na classe média urbana o
seu principal lócus consumidor.

A segunda – a classe operária – consolidando-se e ainda sob os efeitos das


Juscelino Kubitschek iniciou
medidas sociais do governo de Getulio Vargas, se transforma, pouco a pouco, seu governo quando o país
contava aproximadamente
em sujeito de peso na política nacional. 60 milhões de habitantes.
Sua gestão foi marcada pelo
O aparecimento e a consolidação destas duas classes sociais irão mudar Plano de Metas, cujo lema
“cinqüenta anos de
radicalmente a cena política do país. A chegada ao poder de Juscelino progresso em cinco anos de
governo” se traduziu,
Kubitschek e a adoção do Plano de Metas induz a efetivação dos grandes sobretudo, em crescimento
projetos nacionais – rodovias, hidroelétricas, portos, grandes projetos industrial.

agrícolas na Amazônia e no Nordeste – todos demandando mão-de-obra em


quantidade suficiente para mudar a distribuição da população sobre o
território nacional.

O fato marcante foi a expansão desenfreada da metrópole paulista, no cume


de uma urbanização que alcança todas as capitais do país, além de Brasília, a
meta síntese do Governo JK.

A grande onda migratória campo-cidade, naquele momento, tinha sua base


nas altíssimas taxas de crescimento populacional, sobretudo nas áreas
economicamente deprimidas do país, sobretudo o Nordeste, gerando um
enorme estoque de população, engrossando os fluxos migratórios em direção
aos centros industriais do país, com São Paulo à frente.

A manutenção dos padrões de propriedade agrícola, baseados no latifúndio ou


na grande propriedade improdutiva, fazia dos núcleos urbanos um foco
privilegiado dos rumos das correntes migratórias ao ponto de, já nos anos
1960, governos como o de São Paulo, por exemplo, terem como bandeira a
necessidade de conter fluxos de migrantes que para lá se dirigiam.

A direção das correntes migratórias rurais para as grandes cidades industriais


– fenômeno aparentemente contraditório se considerarmos o tamanho
continental do país e as alternativas para as migrações, sobretudo, em função
da grande disponibilidade de terras desocupadas – só se altera com a
construção de Brasília. Parte destes fluxos muda de direção, mas não altera a
essência do processo: é para uma cidade que os migrantes vão, o que
comprova a resistência às mudanças na sociedade rural e, simultaneamente, a
capacidade de atração exercia pelo sistema urbano sobre o imaginário das
populações migrantes.

Se estendermos a reflexão ao seu limite, poderíamos ir contra a corrente das


teses mais tradicionais sobre a sociedade brasileira e levantar a hipótese de
que o “espírito urbano” sempre dominou a lógica estrutural de nossa formação
histórica. A cidade foi ponta de lança de interesses metropolitanos na colônia,
lugar de mercado, e, posteriormente, lugar da indústria, e, em todas elas, lugar
da burocracia do poder instituído.

1.5 Alguns aspectos da política cultural brasileira


A produção de um universo simbólico é o objeto mesmo da ação da política
cultural, daí a importância do papel que exercem os intelectuais na construção
dos patrimônios culturais. Nesse sentido, são dois os desafios com que se
defrontam:

o primeiro é o de, por meio da seleção de bens “móveis e imóveis” (conforme o


preceito legal vigente na maioria dos países) construir uma representação da
nação que, levando em conta a pluralidade cultural, funcione como
propiciadora de um sentimento comum de pertencimento, como reforço de
uma identidade nacional;

o segundo é o de fazer com que seja aceito como consensual, não arbitrário, o
que é resultado de uma seleção de determinados bens e de uma convenção, a
atribuição a esses bens de determinados valores. Ou seja, ao mesmo tempo,
buscar o consenso e incorporar a diversidade.

Os intelectuais que estão direta ou indiretamente envolvidos com a formulação


de políticas culturais fazem o papel de mediadores simbólicos, já que atuam
no sentido de fazer ver como universais, em termos estéticos, nacionais e
políticos, valores relativos atribuídos a partir de uma perspectiva e de um lugar
no espaço social. Os processos de seleção e proteção do patrimônio cultural
nacional são regulados por leis, procedimentos e rituais bastante específicos,
e costumam ser conduzidos por agentes com um perfil intelectual definido
(Bourdieu, 1980).

No contexto brasileiro, é preciso levar em conta o papel político que, desde o


período colonial, têm aqui exercido os “homens da cultura”: atuam como
porta-vozes das massas desprovidas de recursos para se organizarem
politicamente, função que é legitimada por seu compromisso com a
construção da nação e com a luta pela cidadania.

Um exemplo interessante são as políticas de preservação no Brasil.


Tradicionalmente foram conduzidas por intelectuais com perfil tradicional
(historiadores, artistas, arquitetos, escritores, etc.) que se proporam a atuar no O decreto de criação do
SPHAN definia o patrimônio
Estado em nome do interesse público, na defesa da cultura, identificada aos histórico e artístico nacional
como "o conjunto de bens
valores das camadas cultas. Ao proteger a cultura desses grupos, convertida móveis e imóveis existentes
em valor universal, não teriam dificuldade em conciliar, sem maiores conflitos, no país e cuja conservação
seja do interesse público
sua identidade de intelectuais e de homens públicos. quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da História
do Brasil, quer por seu
No caso do Brasil, essa foi a situação dos intelectuais modernistas que
excepcional valor
participaram do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico".
desde 1937, e que instauraram uma política cultural cuja continuidade e Eram também classificados
prestigio se manteve durante mais de 30 anos. como patrimônio
"monumentos naturais, bem
como sítios e paisagens que
Entretanto, diferentemente do que ocorria então na Europa, esses intelectuais importe conservar e proteger
pela feição notável com que
eram figuras que, nos seus respectivos campos de atuação, tinham posições tenham sido dotados pela
de vanguarda, o que conferiu a sua atuação na área do patrimônio uma natureza ou agenciados pela
indústria humana".
autoridade diferenciada (Fonseca, 1997). Mas a partir da década de 70,
sobretudo quando o regime militar entrou em crise, essa política começou a Trecho retirado do site
http://www.cpdoc.fgv.br/nav
ser criticada e seu caráter nacional contestado por se referir apenas às _historia/htm/anos37-
produções das elites. 45/ev_ecp_sphan.htm

Nesse momento coube aos intelectuais com um novo perfil (especialistas em


ciências físico-matemáticas e sociais, administradores, pessoas ligadas ao
mundo industrial) definir novos valores e novos interesses. Durante as duas
décadas que se seguiram, essa mudança evoluiu de uma modernização da
noção de patrimônio à politização da prática de patrimônio, na medida em que
os agentes institucionais se propuseram a atuar como mediadores dos grupos
sociais marginalizados junto ao Estado.

Esses intelectuais viram na área da cultura “marginal”, no conjunto das


políticas estatais, um espaço possível de resistência ao regime autoritário. As
políticas culturais entraram no rol de ações que, em se democratizando,
passaram a se colocar a serviço da construção da cidadania. Outro problema
das políticas culturais em geral, as de preservação em particular, é o fato de
que as eventuais demandas da sociedade em relação à cultura são
extremamente difusas.

Se entre os produtores culturais – cineastas, atores, músicos, escritores, etc. –


essas demandas são mais definidas e, freqüentemente, veiculadas por meio
de organizações corporativas (associações, sindicatos, etc.) falar de uma
demanda social em termos da constituição de um patrimônio cultural da
nação é bastante problemático, sobretudo no caso brasileiro, no qual, ao lado
da pluralidade dos contextos culturais, existem profundas desigualdades
econômico-sociais cuja autonomia de uma esfera cultural sequer faz sentido
para alguns grupos da sociedade nacional.

Nesses casos fica mais complexo o papel político dos intelectuais que atuam
dentro do Estado como organizadores de uma demanda cultural ainda não
explicitada, no sentido de defender os interesses de grupos carentes de
organização própria.

Em resumo, – e a área de preservação ilustra bem o assunto – durante o


Estado Novo os modernistas gozavam de franca hegemonia no meio intelectual
e conseguiram resolver razoavelmente bem, naquele momento, a dicotomia
entre o que consideravam seu papel de homens de cultura a serviço do
“interesse público” e sua inserção na administração de um governo autoritário,
mantendo junto ao MEC e ao governo federal um invejável grau de autonomia.

Já nos anos 1970 e 1980, na fase de abertura do regime militar, de crise da


modernidade e diante de uma comunidade científica mais independente,
estruturada e diversificada, os intelectuais que se propuseram a reorientar a
política federal de cultura viram, muitas vezes, seu trabalho e sua atuação
junto a um governo autoritário serem colocados sob suspeita por outros
intelectuais de renome.
De um lado porque estariam se deixando cooptar pela ditadura militar, já em Entre os bens tombados
inclui-se aí desde
crise de legitimidade, de outro, por se arvorarem os porta-vozes dos interesses monumentos isolados a
populares no momento em que a sociedade civil se reestruturava, tanto conjuntos da extensão do
Centro Histórico de Salvador,
através dos mecanismos de representação política quanto através de novas e cidades inteiras como Ouro
Preto, Tiradentes, Olinda,
formas de organização não governamentais. Antonio Prado).

No caso da política federal de preservação, por exemplo, os cerca de mil bens


tombados funcionam mais como símbolos abstratos e distantes da nação do
que como marcos efetivos de uma identidade nacional com que a maioria da
população se identifique, e que integrem a imagem externa do Brasil.
Leia o artigo Considerações
Na verdade, a identidade brasileira tem sido representada basicamente pelo Sócio-Antropológicas sobre a
Ética na Sociedade
samba, pelo futebol, pelo carnaval e, mais recentemente, pelas telenovelas.
No exterior, o Brasil continua sendo valorizado, sobretudo, por seus recursos Brasileira do antropólogo
naturais, pela sua natureza tropical – salvo nos meios intelectuais e nos Roberto Da Matta no
endereço eletrônico:
organismos internacionais de cultura, como a Organização das Nações Unidas http://www.codigodeetica.es
.gov.br/artigos/Etica%20Ro
para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO onde o Brasil tem oito bens berto%20da%20Matta.pdf
inscritos como Patrimônio Cultural da Humanidade. Aprofundaremos mais
essa dimensão na próxima seção.
Resumo do Capítulo 1
O Capítulo 1 apresenta um panorama sintético acerca das transformações do
capitalismo brasileiro. Para tanto, recua nas transformações sócio-históricas
que permitiram o surgimento e a consolidação do modo de produção
capitalista entre nós, evidenciando a longa transformação que vai da
sociedade agro-exportadora colonial até a sociedade urbano-industrial
moderna.

No interior dessa longa transição - da sociedade agro-exportadora colonial até


a sociedade urbano-industrial moderna - aparecem as fases de acumulação
experimentada pela economia brasileira nos cinco últimos séculos, como: os
círculos da cana-de-açúcar, do ouro, do café até desembocar no processo
industrial.

Por fim, esse Capítulo comenta o processo de diferenciação vivido pela


economia brasileira na contemporaneidade, chamando atenção para o papel
dos serviços e entre elas a produção cultural.
Capítulo 2
Experiências sobre modelos
de políticas culturais

2.1 Introdução
Este capítulo apresenta quatro núcleos interdependentes.

O primeiro ressalta, logo na introdução, a importância política e cultural dos


intelectuais e dos artistas no movimento geral para definição de um espaço
autônomo da atividade cultural e, por conseguinte, para a responsabilização
do setor público com a promoção e incentivo das atividades culturais.

O segundo traça a relação do movimento folclorista brasileiro (seus principais


protagonistas) com a formação das primeiras políticas oficiais de cultura, no
início do século XX.

O terceiro aborda as principais ações institucionais da primeira e segunda


gestão Vargas (Era Vargas: 19301945/1950-1954).

Por fim, o quarto capítulo se debruça sobre o modelo de políticas públicas


adotado pelo movimento militar de 1964, enfatizando, notadamente, o papel
da EMBRAFILME.

Assim, nessa unidade, o aluno obterá, ao mesmo tempo, um quadro minucioso


e geral sobre as principais experiências de políticas públicas no Brasil.

2.2 O papel dos intelectuais


Pensando estritamente em termos sócio-históricos de longa duração, as
experiências sobre modelos de políticas culturais (isto é, a gestão, a
racionalidade dos projetos, as intenções e objetivos, assim como os resultados
e as condições de luta entre os grupos envolvidos) se dão a partir do momento
em que o Estado-nação moderno se estabelece como experiência sócio-
cultural.

Na Europa e em outras partes do mundo moderno, como na América Latina,


por exemplo, os grupos e estratos que foram assumindo o poder no decurso da
formação de grandes unidades territoriais (como foi o caso de países como os
Estados Unidos, o Brasil, a Alemanha, entre outros) também foram
organizando, por meio de intelectuais e artistas, esferas culturais responsáveis
pela demarcação das culturas nacionais.

Assim, os modelos de políticas culturais têm uma longa duração e estão


inscritos na gênese de formação das memórias coletivas nacionais e, por
conseguinte, no movimento de legitimação político-cultural de muitos Estados
modernos, como o Brasil.

Marcel Mauss (1978) ressalta que um Estado-nação forma um amálgama, no


interior do qual a nação, para se efetivar como tal, tem de dissolver os
“paroquialismos” e as identidades menores, perfazendo um todo homogêneo,
a começar pela língua. Nesses processos, amplamente documentado pela
historiografia moderna, um conjunto de mudanças foram perpetradas pelas
elites coloniais e nacionalistas com vistas a nacionalizar e homogeneizar o
conteúdo cultural de muitas populações espalhadas pela África, América
Latina e Ásia.

Esses exemplos podem ser aplicados às experiências de construção da


nacionalidade de países como Estados Unidos, Argentina e Brasil. Na mesma
direção, Benedict Anderson (1981) ressalta que as nações modernas são
comunidades imaginadas, onde o pertencimento fora gestado por meio de
grandes narrativas impessoais.

Na mesma senda, o historiador Eric Hobsbawm atesta que a maioria das


tradições modernas foram inventadas e tecidas a partir do momento de
unificação dos territórios nacionais e da respectiva centralização político-
administrativa. O mesmo ressalta que tais tradições nacionais sofreram um
processo de naturalização, reputando-se às tradições culturais nacionais um
longo e rico passado mítico e histórico.

Nessa mesma direção, o sociólogo alemão Norbert Elias (1991) assevera que
a experiência dos Estados-nação modernos estão marcadas pela formação de
economias emocionais e afetivas, que o mesmo chama de processo de
nacionalização dos sentimentos e afetos.

No que concerne ao Brasil, desde os primeiros lampejos de formação de um


Estado independente, isto é, durante o período de transferência da corte
portuguesa para o Rio de Janeiro (1808-1818), muitas instituições
Educacionais e culturais foram criadas.

Logo após a chegada de Dom João VI, foram criadas a Biblioteca Nacional, a
Escola de Medicina da Bahia, as Faculdades de Direito de Recife e São Paulo,
e, mais tarde, já durante o Império, a Escola Nacional de Belas Artes e o
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). As duas últimas instituições
possuíam um caráter eminentemente cultural, que consistia em dotar o
recente Estado independente de uma nação, com cara e espírito próprio.

O Instituto Histórico Geográfico Brasileiro foi o responsável por pesquisar e


reunir a documentação necessária para a formação de um arquivo histórico
sobre o passado do Brasil. Para tanto, coube a muitos historiadores, a maioria
estrangeiros, compilar textos e documentos a fim de compor uma grande
narrativa do Estado-nação brasileiro, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral
até aqueles dias, isto é, meados do século XIX.

Quanto á Escola Nacional de Belas Artes, coube criar um acervo artístico que
atestasse a grandeza espiritual da nação brasileira. Muitos concursos de
poesia e artes plásticas foram incentivados pelo Império. A maioria tinha como
tema central a grandeza e a beleza natural do território brasileiro, assim como
o heroísmo dos portugueses, mas sobretudo, a honra e pureza do contingente
indígena, objeto das primeiras obras literárias do grande movimento estético-
artístico pós-independência:o romantismo brasileiro de matriz indígena.

O movimento descrito acima é demasiado complexo e envolve diversas frentes


de investigação nas ciências sociais. No entanto, para os interesses desta
unidade, que consiste em rastrear as principais experiências em termos de
políticas culturais no Brasil, assim como os desdobramentos dessas mesmas
políticas, nos concentraremos em um aspecto central: a importância dos
grupos de intelectuais e artistas para a efetivação, legitimação e consolidação
das políticas culturais no Brasil.

Em termos sociológicos, não é possível pensar nas experiências das políticas


de cultura sem a presença e atuação dos agentes e sujeitos envolvidos em tais
políticas. Nesse sentido, os intelectuais e artistas modernos e
contemporâneos, a partir das tensões envolvendo estes e o poder de Estado,
estiveram e estão envolvidos nos principais modelos de experiências de
políticas culturais, assim como na consolidação e autonomização do campo
cultural de um modo geral (Bourdieu, 2004).

De maneira bastante sintética, somente para atestar a relevância das muitas


gerações de intelectuais e artistas ao longo dos modelos de políticas culturais
no Brasil, basta citar as principais transformações em termos de políticas
culturais para se verificar o papel dos artistas-intelectuais.

Desde a formação das primeiras instituições de cunho cultural, como Escola Discutiremos mais sobre
a EMBRAFILME no tópico
Nacional de Belas Artes e o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), na 2.5 A ditadura militar e a
segunda metade do século XIX, passando pelas empresas públicas de cultura, EMBRAFILME.
como a EMBRAFILME, por exemplo, até a fundação do Ministério da Cultura,
em meados dos anos 1980 do século passado, os intelectuais e artistas
desempenharam um papel decisivo para a efetivação dos modelos de políticas
culturais no Brasil.

É importante ressaltar que, ao se falar em intelectuais e artistas, utiliza-se


esses grupos como uma síntese de todos os demais segmentos envolvidos
com a atividade cultural e a esfera de produção de bens simbólicos de um
modo geral. Assim – e isso ficará claro ao longo de todo o texto, não só dessa
unidade –, ao se falar de intelectuais e de artistas, se aciona simultaneamente
um heterogêneo segmento de agentes, como: produtores, empresários,
professores, pesquisadores, escritores, músicos, cineastas, folcloristas,
atores, enfim, os profissionais da cultura.

Não obstante, para ser fiel ao processo sócio-histórico, a profissionalização e


diferenciação das atividades culturais, como veremos, é algo recente no Brasil.
Com efeito, prefere-se falar em intelectuais e artistas, pois esses são os
segmentos mais presentes desde a segunda metade do século XIX, quando o
Estado, ainda que de maneira muito incipiente, começa a estabelecer modelos
de políticas culturais
O movimento indianista brasileiro
Em face do que foi dito, há três grandes erros por parte da literatura nasceu em meados do século XIX,
sob a forma de um nacionalismo
especializada no que concerne ao tratamento dos modelos e experiências de que buscava sua identidade, e
encontrou no índio seu melhor
políticas culturais.
representante. O indianismo do
Brasil marca, também, o
A maioria dos trabalhos consiste em descrever o processo, em vez de analisá- momento de fixação de uma
língua literária com
lo também. Ou seja, apenas citam e informam de maneira geral o contexto características brasileiras.
histórico, sem mencionar os interesses e a atuação específica dos agentes e Apesar de nacionalista, este
movimento encontrou seus
atores no tocante a construção das políticas culturais. modelos no "bom selvagem" de
Jean-Jacques Rousseau, no livro
O espírito do cristianismo, de
Cujos desdobramentos e conseqüências derivam do primeiro, vem a ser a Chateaubriand, e no norte-
insistência em pensar a cultura como algo acessório e secundário, atenuando- americano James Fenimore
Cooper, autor de O último dos
se sua relevância. moicanos. Com estas fontes, os
literatos brasileiros criaram e
A ausência de um aporte teório-metodológico que sustente uma análise mitificaram a figura do índio
valente, nobre, leal e capaz de
segura sobre as transformações culturais no Brasil, a diferenciação assumida compreender e respeitar a
natureza.
no interior das atividades e ramos da cultura, chamando atenção para a
especificidade do consumo cultural e a especialização do processo cultural.

Esse terceiro e último erro têm como aspecto mais comprometedor a


indiferenciação no tratamento conceitual do termo cultura. Por exemplo, a
preocupação com a cultura nacional, que surgiu inicialmente na segunda
metade do século XIX, se dava em termos de valorizar (muitas vezes se
inventando e/ou oficializando uma narrativa épica, como fora o caso dos
primeiros escritores e poetas indianistas no Brasil, como José de Alencar e
Gonçalves Dias) o passado indígena, suas memórias e tradições.

Isso se dá muito em função do contexto histórico da pós-independência do


Brasil e da influência que o romantismo de matriz alemã exerceu sobre os
escritores e poetas brasileiros do período. Ou seja, a valorização da cultura
indígena, de seus mitos, lendas e tradições, brota do interior da cultura erudita
luso-brasileira, assentada na produção literária de jovens intelectuais que se
dirigiam a Portugal para completar seus estudos.

Da mesma maneira ocorreu durante as últimas décadas do século XIX, quando


muitos intelectuais e escritores da famosa geração de 1870 (Alonso, 2001)
inverteram a posição, passando a registrar exatamente, no índio e também no
negro, a ausência de uma cultura nacional. Os principais autores e intérpretes
do período identificavam na mestiçagem e no consórcio estabelecido entre as
três raças, mas, sobretudo, entre índios e negros, o fator de degeneração e
atraso do país (Shuwartz, 1994), assim como a ausência de uma sólida
unidade cultural.
Esses intelectuais e artistas, mais tarde
Ambas as interpretações brotam da chamada cultura erudita, lastreada na fundadores de órgãos e instituições
públicas ocupadas com o tema da
ampliação do número de leitores e de obras literárias publicadas, sobretudo cultura, constituíram os principais
grupos de pressão político-culturais do
na corte, nos últimos anos do século XIX. Como se pode notar, só se é possível início do século XX, atuando como
falar de cultura, pelos menos até o fim do século XIX e primeiros anos do século renovadores das várias linguagens
estético-artísticas nacionais. É por meio
XX, em termos de cultura erudita. Não que não existisse cultura popular. Não da atuação desses intelectuais e
artistas (entre os quais se pode citar
se trata disso. Mario de Andrade, Graciliano Ramos,
Rachel de Queiros, Oswald de Andrade,
entre muitos outros) envolvidos no
Ocorre que a valorização da cultura popular, a despeito do breve período em propalado movimento modernista dos
anos 20 e 30, que se estabelece um
que se valorizou, em meados do século XIX, as tradições indígenas, só será diálogo sistemático entre a cultura
efetivamente valorizada e celebrada a partir da intensificação dos processos popular e a cultura erudita.

de industrialização e de urbanização ocorridos no Rio de Janeiro e São Paulo


(1920 e 1930), quando então se estabelecem os grupos de intelectuais e Mário de Andrade: Intelectual
artistas modernos, realizando atividades e eventos a fim de legitimar as erudito e popular, crítico de arte,
professor de música, folclorista,
tradições populares; muitas, resultado do processo de mestiçagem. exímio poeta, cronista e orador,
Mário de Andrade se inscreve no
Não obstante, o diálogo parte do interior da cultura erudita, como veremos exitoso movimento de renovação da
linguagem artístico-cultural
mais a frente, a partir da atuação de nomes como o de Mário de Andrade. brasileira desencadeado a partir
dos anos 20. Personalidade
Foram os intelectuais e artistas modernistas que se interessaram pela coleta intrigante, dono de uma astúcia,
de materiais folclóricos, pelo registro áudio-visual de danças e folguedos, pelo perspicácia e sensibilidade que o
levaram a estabelecer, no
sincretismo religioso, enfim, pela densidade simbólica e ritualística disso que encadeamento que começa em
meados do século XIX, uma balança
compreendemos hoje em dia de diversidade e riqueza da cultura popular de prestígio envolvendo a
brasileira. intelectualidade do período.

Em função de razões políticas e econômicas, o poder da cultura erudita,


estabelecida nos grandes centros governamentais, estabeleceu, durante muito
tempo, o que era e o que não era cultura, e força-nos a começar o
rastreamento das experiências das políticas culturais, exatamente pelo campo
erudito, a partir da segunda metade do século XIX.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1997) chama esse poder, exercido


durante muito tempo pela cultura erudita, de poder simbólico, aquele que Saiba mais sobre o sociólogo
francês Pierre Bourdier no artigo
consiste na força da nomeação, classificação e delegação dos termos e
conceitos. O legado crítico de Pierre Bourdieu,
por Marco Weissheimer, no
endereço eletrônico:
Como se pode notar, só é possível falar em modelos e experiências de políticas http://www.espacoacademico.com
públicas culturais (pelo menos até os anos 20 e 30 do século passado) a partir .br/010/10bourdieu02.htm

dos debates e dos critérios de classificação estabelecidos com base no setor


erudito. O circuito cultural erudito se caracteriza pela produção de bens
simbólicos produzidos por especialistas e consumidos por especialistas, isto
é, um conjunto de bens culturais produzidos de especialistas para
especialistas, segundo os códigos estéticos de apreciação e estruturação dos
sistemas de gostos (Bourdieu, 2004).

Assim, os trabalhos de Machado de Assis, no passado, ou José Saramago, no


presente, são, em sua maioria, discutidos, lidos e apreciados, ou seja,
consumidos, também por especialistas, outros escritores, poetas, professores,
estudantes de terceiro grau e segundo grau, pesquisadores, jornalistas,
tradutores, filólogos, etc. Da mesma maneira, como os quadros de Picasso e
Veslasquez também circulavam e eram apreciados em um circuito restrito de
galerias, museus e centros de exposição e consagração.

É importante ressaltar que nada disso faz parte de uma aptidão natural, mas
antes de um processo sistemático de incorporação e valorização de certos
atributos estéticos. Ainda segundo Bourdieu, o sistema de aprendizado e
internalização, que estrutura os esquemas de gostos, fazem parte de um
mecanismo de busca de distinção e prestígio entre os grupos e classes sociais.

Foram as transformações advindas da industrialização e urbanização que


fizeram com que os cânones de valorização estética dentro do circuito erudito
mudassem. Essa mudança, que acompanharemos ao longo do texto, levou a
uma maior valorização dos códigos estéticos das tradições populares. Mas
essa mudança só se dá de fato, inclusive em termos de modelos de políticas
públicas oficiais, a partir dos anos 30 do século passado.

Como se pode perceber, o processo de valorização dos signos, manifestações


e celebrações da cultura popular dependeu de um arcabouço de mudanças
maiores, cujo impacto alterou a percepção artística e política dos agentes
(escritores, pintores, professores, poetas, músicos, etc.) do circuito da cultura
erudita, no sentido de valorizar e fomentar a cultura popular.

Vimos a especificidade do circuito erudito, assentado da produção e consumo


entre especialistas, responsável pela demarcação inicial do debate, vimos
também, ainda que de maneira breve, que a cultura popular no seu processo
de reconhecimento e valorização dependeu (e de certa maneira, ainda
depende) do poder simbólico do circuito erudito.

Historicamente, a cultura popular está vinculada às manifestações e rituais


(festas, eventos religiosos, comemorações cívicas, etc.), tecidos ao longo do
processo de colonização e, mais tarde, da cultura nacional brasileira.
Destacam-se nesse processo a mestiçagem, isto é, a mistura étnico-racial dos
três principais contingentes populacionais presentes na formação da
sociedade brasileira (negros, índios e europeu-portugueses) e o sincretismo
religioso. Ambos fornecem, em linhas gerais (Bastide, 1957), os eixos
estruturadores que compõem a especificidade da nação brasileira.

Assim, a cultura popular (um conceito híbrido, que tem uma série de pontos de
discordância entre antropólogos e sociólogos) é vista como pertencente às
populações que guardam, relativamente intactas, suas tradições e seus
repertórios de identificação. Entre essas populações enquadram-se,
sobretudo, as comunidades rurais e ribeirinhas, que se mantiveram
relativamente distantes das transformações urbanas e industriais.

A definição dos critérios responsáveis pela definição da(s) cultura(as)


popular(es) é demasiado difícil, sobretudo em um país que experimentou um
intenso processo de urbanização, industrialização e migração, como o Brasil.
Em que pese esta dificuldade, apenas para efeito de diferenciação, o circuito
da cultura popular pode ser caracterizado e entendido como a produção de
bens simbólicos de não-especialistas para não-especialistas ou, em outros
termos, de especialistas leigos para especialistas leigos.

Por paradoxal que pareça, falar em especialistas leigos (pois como é possível
alguém ser especialista e leigo ao mesmo tempo?), o termo significa que, no
caso do circuito da cultura popular, os realizadores e produtores (chefes de
cerimônias, cantadores, repentistas, animadores em geral) não necessitam
ingressar em instituições formais de ensino (universidades, centros
acadêmicos, museus, institutos de música e demais instituições do circuito
erudito) a fim de apreender e incorporar os códigos estéticos que estruturam o
gosto erudito. Basta crescer, viver e nascer em certa comunidade.

Certamente, há as atividades que demandam especialistas, como os cultos


religiosos e as cerimônias de passagem, mas a especialidade exigida é de
outra natureza e não se exige uma competência formal.
Essas distinções são precárias, mas deixam claro a complexidade do debate e
o cuidado que se deve ter no tratamento da questão. A diferenciação
conceitual consiste, apenas, em evidenciar como não devemos desviar das
transformações sócio-históricas, que são responsáveis pela maneira como os
circuitos componentes da esfera cultural foram surgindo e se transformando e,
hoje em dia, se aproximando.

Ademais, a diferenciação conceitual tem um claro objetivo didático. Nota-se


que os erros apontados acima, por parte da literatura, são fáceis de serem
cometidos, sobretudo quando não se está animado por equipamento teórico-
metodológico que permita desvelar parte da complexidade do tema.

Da mesma maneira como só é possível em termos históricos falar da


valorização da cultura popular a partir dos anos 1930 do século passado,
também só é possível se falar de cultura de massa no Brasil a partir da
segunda metade do século XX, quando então surge um mercado ampliado de
bens de consumo simbólico (cinema, música, jornais, revistas especializadas,
etc.).

Por seu turno, a cultura de massa supõe a produção de um conjunto de bens


simbólicos (cinema, música, publicidade, jornais, revistas especializadas, etc.)
feito por especialistas (cineastas, produtores musicais, músicos, agências de
publicidade, empresas de comunicação, etc.) e instituições especializadas
para um conjunto de consumidores não-especialistas.

A disseminação do consumo e sua padronização simbólica, assim como a


homogeneização dos gostos e das consciências (Adorno, 1947), seria o
resultado direto da cultura de massa, engendrada nos ambientes de intensa
urbanização e industrialização, como as principais cidades e metrópoles
brasileiras e mundiais. A cultura de massa pressupõe, para sua efetivação de
fato, o estabelecimento de uma forte e diversificada indústria cultural (Adorno,
1947).
Assim, a conformação de uma indústria cultural, que passe a industrializar a
atividade cultural, é uma pré-condição para o advento da cultura de massa.
Escola Crítica de Frankfurt: a
Segundo os autores da Escola Crítica de Frankfurt, a indústria cultural é uma finalidade desta escola era fazer
uma investigação social sobre a
das últimas etapas do capitalismo no seu incessante processo de dominação e industrialização moderna. O
“fetichização”. Segundo esses autores (Adorno, 1947), a indústria cultural movimento se iniciou na
Alemanha e recebeu o nome de
corresponde à industrialização do espírito, na qual a cultura passa a ser Instituto de Pesquisa Social,
criado em Frankfurt em 1924.
industrializada segundo os critérios convencionais de produção, padronização Este Instituto nasceu com uma
e valoração de qualquer mercadoria. inspiração marxista, no entanto
adotou uma postura crítica ao
marxismo, não levando em conta
Como se pode perceber, a diferenciação conceitual precisa estar atrelada às as idéias como, a "infra-estrutura
transformações sócio-históricas e às mudanças no interior dos circuitos econômica", "luta de classes".
Eles incorporaram algumas idéias
culturais e nas relações entre eles. Hoje em dia, é extremamente difícil separar de Max Weber, o conceito de
trabalho de Marx e a teoria de
e erguer claras fronteiras entre os circuitos que compõem o campo cultural Freud sobre a origem das
brasileiro e mundial de um modo geral, pois como ressalta a professora Maria civilizações. Fonte:
http://www.colegiolondrinense.c
Laura Viveiro de Castro “um músico erudito que compõe para a maravilhosa om.br/filosofiadisciplina/Filosofi
aTeoriaCritica.htm
rabeca popular, lavrador, que toca junto com toda família suas composições,
podem ter suas músicas gravadas num CD de divulgação nacional e
internacional”.

No que se segue, pretende-se ser fiel ao método e não repetir os erros


mencionados acima. Assim, daqui para frente, o texto busca descrever e
analisar a importância dos agentes – intelectuais-artistas e demais segmentos
envolvidos no trabalho cultural – para a realização das experiências e modelos
de políticas culturais, assim como apontar as mudanças entre as principais
políticas públicas de cultura no Brasil. Entre as políticas que merecem
destaques nessa unidade estão:

As ações realizadas a partir da década de 30 pelo movimento que instaurou o


Estado Novo; destacando-se a criação do SPHAN.

As políticas adotadas entre os anos 40 e 50, notadamente aqueles que


buscam delimitar um papel específico para o Estado diante do crescimento da
indústria cultural.
Os embriões de formação, durante os anos 70 e 80, de um ministério da
Cultura no Brasil, destacando-se a criação da empresas de cultura, como a
EMBRAFILME.

2.3 O movimento folclorista e as pressões por


políticas públicas
Para se compreender o delineamento das ações sistemáticas do poder de
Estado no tocante à cultura, algo que se dá a partir da década dos 30 do
século passado, é preciso mergulhar numa corrente do pensamento e de ação
concernente aos intelectuais ocupados com o tema do folclore e da cultura
popular. Portanto, é preciso recuar até as últimas duas décadas do século XIX.
Sílvio Romero: Crítico contumaz,
jornalista e historiador Silvio
No interior da conhecida geração intelectual de 1870 surgem autores e Romero destacou-se mesmo como
pesquisadores empenhados em dedicar suas energias criativas e empíricas à polemista das grandes questões de
seu tempo, exercendo uma
coleta e ao arquivo de traços do folclore nacional. Entre esses autores, modalidade de poder que
principiava no Brasil, o poder
certamente o mais destacado foi Sílvio Romero. A partir do trabalho de Romero simbólico exercido pelos
é possível se perceber uma linha de continuidade que atravessa as intelectuais, sobretudo os
chamados bacharéis.
contribuições e os trabalhos de Mário de Andrade, Câmara Cascudo e Edson
Carneiro, galvanizando, assim, um tipo de intelectual-pesquisador específico:
o folclorista.

O intelectual folclorista, só para citar um índice de complexidade, está inserido


em um movimento que se espraia, a partir da geração de 1870, por todo
pensamento social brasileiro. Um dos desdobramentos diretos das ações dos
intelectuais folcloristas fora a pressão exercida para a criação em diversas
instituições culturais contemporâneas.

Algo que ressoa hoje na construção das principais políticas públicas culturais,
notadamente, aquelas destinada ao registro dos bens de natureza imaterial,
como, por exemplo, o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial,
empreendido pelo Ministério da Cultura, cuja incumbência de execução está
sob orientação do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Acesse o site do IPHAN no endereço
Outro exemplo pode ser localizado a partir da intensa mobilização realizada, eletrônico
http://portal.iphan.gov.br/
sobretudo nos anos 40 e 50 do século passado, em torno da Campanha
Nacional de Defesa do Folclore Brasileiro e do movimento folclórico brasileiro
de um modo geral, cujo resultado, entre outros, fora a criação do Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular, também hoje sobre a alçada do
Departamento de Patrimônio Imaterial do IPHAN.

Importa ressaltar que o que estamos chamando aqui de “intelectuais


folcloristas” diz respeito ao encadeamento de três gerações distintas,
imbricadas no amplo movimento de constituição da modernidade brasileira,
que, por sua vez, trouxe em torno de si o imperativo de sedimentação de um
pertencimento fundado em registros unificadores e conciliadores.

As três gerações mencionadas, seus projetos, práticas e teias discursivas, se


encontram, por assim dizer, no intervalo existente entre o final do século XIX e o
início da década dos 60 do século passado. Os três representantes mais
célebres dessas gerações são: O positivismo foi uma corrente
filosófica cujo mentor e iniciador
principal foi Auguste Comte, no
Sílvio Romero, pertencente à paradigmática geração de 1870. século XIX. Apareceu como reação ao
idealismo, opondo ao primado da
razão, o primado da experiência
Mário de Andrade, arquiteto simbólico e institucional das primeiras sensível (e dos dados positivos).
instituições nacionais devotadas ao folclore e ao patrimônio artístico-histórico. Propõe a idéia de uma ciência sem
teologia ou metafísica, baseada
apenas no mundo físico/material. A
Édison Carneiro, forte entusiasta da “causa da cultura popular”, cuja atuação Filosofia Positiva de Auguste Comte
fora decisiva para a expansão da teia institucional de proteção e preservação nega que a explicação dos
fenômenos naturais, assim como
do folclore, ensejada nos anos cinqüenta do século passado. sociais, provenha de um só princípio.
A visão positiva dos fatos abandona
a consideração das causas dos
A escolha das três gerações decorre de um propósito de síntese: pensá-las à fenômenos (Deus ou natureza) e
luz do intenso processo de modernização nacional, intensificado a partir da torna-se pesquisa de suas leis, vistas
como relações constantes entre
década de 30 e recrudescido à medida que os fenômenos de urbanização, fenômenos observáveis.
industrialização, migração e conformação de um mercado de bens culturais se
sedimentam como vetores de transformação.

Na segunda metade do século XIX, o romantismo europeu (sobretudo o de


matriz alemã) disputava com o positivismo e o cientificismo a atenção dos
principais pesquisadores e intelectuais brasileiros. A influência do romantismo
alemão foi decisiva para a composição de uma sensibilidade que valorizasse
as tradições locais e, por conseguinte, a cultura popular e o folclore.

Cumpre, nesse instante, estabelecer as conexões entre aquele movimento


político-cultural europeu e a paradigmática geração de 1870, destacando a Você pode ler o artigo Revisitando a
absorção de certas noções, conceitos e valores por um dos nomes mais geração de 1870 de Eduardo
Kugelmas
destacados daquela geração, Sílvio Romero.
Professor do departamento de
Assentada em muitas das matrizes do pensamento social europeu, a geração Ciência Política da USP e
pesquisador do CEDEC Centro de
de 1870, entre outras coisas, pensou o Brasil sob o registro da falta e da Estudos de Cultura Contemporânea,
ausência. Todos os grandes nomes presentes na geração mencionada no endereço eletrônico:
http://www.scielo.br/scielo.php?pi
reclamam à adoção de um conjunto de reformas, todas inspiradas na d=S0102-
69092003000200012&script=sci_
experiência norte-americana e européia, que pusessem o Brasil na rota arttext
traçada por aqueles continentes.

O registro da falta e da ausência operava em várias frentes e faces:

faltava ao Brasil uma raça pura e homogênea, por isso o país, que exibia traços
marcadamente mestiços, estaria destinado ao estatuto do atraso;

faltava ao Brasil, do mesmo modo, um regime de liberdade e individualidade


que criasse as condições de modernização;

faltava ao Brasil um “povo”, uma “cultura”, um “caráter nacional”, etc.

Sílvio Romero se insere no registro da falta e da ausência, mas não de maneira


simplesmente negativa e melancólica, se empenha em mobilizar os materiais
que assegurassem a fundação e o reconhecimento do que ele chamou de
“literatura brasileira”. Tal noção representava para o crítico sergipano a
totalidade das práticas, hábitos, costumes, festejos, manifestações, etc.,
inscritas no “caráter nacional do povo”.

Ao contrário de muitos críticos de sua geração, Romero não via


necessariamente no fenômeno da mestiçagem um índice de atraso do e da sua
respectiva falta de unidade. Nas últimas décadas do século XIX, os estudos
acerca das tradições populares concentrado, sobretudo nas técnicas de coleta
Em 1878 foi fundada a Folklore
de manifestações orais e cantos populares, se expandiram por outros países Society, associação científica que
europeus, inclusive França e Inglaterra. Na década dos anos 70 do século XIX, objetivou discutir a abrangência
dotermo. Concluíram com algumas
mesma década na qual se plasmou entre nós a chamada geração de 1870, proposições: I - narrativas
tradicionais (contos,
Thomas fundou a primeira e mais prestigiada entidade folclórica de então, a baladas,canções, lendas); II -
Folklore Society. costumes tradicionais (jogos, festas
e ritos consuetudinais); III -
superstições e crenças (bruxarias,
Sílvio Romero sugeria que o maior problema do Brasil seria a ausência de um astrologia, práticas de feitiçarias); IV
- linguagem popular(nomenclatura,
caráter nacional totalizador. Para que o caráter nacional de um povo pudesse provérbios, advinhas, refrões, ditos).
vir à tona, era preciso conhecê-lo, estudá-lo e arquivá-lo. Através da influência
do romantismo alemão, sobretudo de nomes como Herder, Silvio Romero
passou a operar em torno da necessidade de reunião e catalogação dos
materiais folclóricos necessários à sistematização e visibilização do “caráter
nacional”. Em carta aberta a um jornal carioca, no final do século XIX, o crítico
assim se manifesta:
Johann Gottfried Herder: teólogo e
Quando todos os países da velha Europa possuem amplas coleções de sua filósofo que repudiava o
cosmopolitismo dos franceses e via a
poesia e tradições populares, o Brasil, e somente ele, não tem dado um passo história como um elemento
fortemente condicionador do
assinalado nesse sentido. Levados por meus estudos de crítica científica e indivíduo. Para Herder o homem tem
história literária a ocupar-me com o desenvolvimento intelectual do nosso sua origem a partir e dentro de uma
raça, e sua formação, educação e
povo, para logo deparei com tamanha lacuna e procurei removê-la [...] Depois modo de pensar são
fundamentalmente genéticos. O
de cinco anos de constante trabalho e fadigas, consegui e colecionar um vasto caráter dos povos, por sua vez,
repertório de poesias e histórias populares [...] a que dei o nome de cantos e resultado dos seus traços raciais, do
clima em que viviam, do tipo de vida
contos do povo brasileiro. material que enfrentavam e da
educação subseqüente que
recebiam.
Como se pode perceber, a influência do romantismo alemão é marcante em
Silvio Romero. O romantismo corresponde a um movimento estético-cultural
amplo que funda categorias cosmológicas de pertencimento: nação, povo,
caráter coletivo, caráter nacional espírito popular, cultura popular, etc. O
Folclore é a pedra de toque desse amplo movimento.
O romantismo, segundo Peter Burke, logrou mais força e penetrou mais
diretamente nos países Europeus periféricos, justamente os quais passavam
por um movimento sistemático de invenções de tradições e síntese de registros
de nacionalização. Segundo ele, França e Inglaterra, países centrais no
movimento moderno de industrialização e urbanização, ficaram, até pelo
menos a metade do século XIX, distantes da influência do romantismo de
matriz alemã.

William Jonh Thomas, responsável pela criação do neologismo anglo-saxão


folk-lore (adaptado pela maioria das línguas nacionais européias), e que veio
substituir expressões como “antiguidades populares e literatura popular”,
assume sua dívida junto ao romantismo alemão, ao ressaltar que estudiosos
alemães, como Jacob Grim teriam se dedicado há muito tempo e com bastante
rigor às tradições populares.

O fundador dos estudos folclóricos brasileiros, que trazia em sua atuação uma
marca decisiva do intelectual folclorista, ou seja, a militância e o ativismo
cultural jogou as sementes que mais tarde, nos anos 20 e 30 do século XX,
germinariam sob outra configuração político-cultural de poder, com grande
força e tenacidade.

Por meio da atuação enfática e apaixonada de Silvio Romero, é possível


antever a gênese do sistema de tensão que marca, de maneira estrutural, a
relação dos intelectuais-artistas com o poder de Estado e as respectivas
políticas públicas culturais. Tal sistema de tensão assumirá novos contornos,
ainda mais dramáticos, com o advento do Estado Novo e a incorporação de
muitos dos intelectuais modernistas em seu projeto político-cultural de
nacionalização.

Assim, para se compreender o processo de estruturação das primeiras


políticas culturais é preciso mergulhar na turbulência política que marca a
transição dos anos 20 para os anos 30 do século passado, destacando-se a
figura de Mário de Andrade. Pode-se dizer que Mário está inserido no longo
processo de reivindicação para adoção de códigos ético-morais próprios para
avaliar as atividades artístico-culturais e, por conseguinte, para pressionar o
poder do Estado no sentido de estabelecer políticas consistentes para a
cultura.

O movimento político que desencadeou a chamada Revolução de 1930 e que


assumiu o poder central a partir daquele ano, alimentou e, simultaneamente,
vetou as pretensões de autonomia dos segmentos intelectual-artísticos. A
partir da relação da relação de Mário de Andrade, e de muitos intelectuais de
sua geração, com o poder do Estado Novo é possível se perceber as muitas
fricções e, por conseguinte, o recrudescimento das tensões envolvendo
intelectuais-artistas e o poder de Estado.

Um bom exemplo a esse respeito pode ser ilustrado a seguir, a partir da figura
do ministro todo poderoso, Gustavo Capanema. Jovem intelectual mineiro, Na condição de modernista, jovem
Capanema é convidado para o Ministério da Educação e Saúde no início da era advogado destacado, simpatizante do
futurismo, amigo de Carlos
Vargas, de onde só sairia dez anos depois. A gestão de Capanema corresponde Drummond de Andrade, entre outros,
Gustavo Capanema se cercou de
ao período de maior força de atuação político-cultural do Ministério da muitos dos quadros da
Educação verificada até hoje. intelectualidade modernista.

O Ministério da Educação e Saúde criou, reformou, atualizou e expandiu a


estrutura de ensino do país, numa empreitada dirigida para o grande público
rural e urbano, e com vistas a nacionalizar, de uma vez por todas, as
populações espalhadas pelos rincões mais ermos do país. Foi o que se fez.
Não é preciso ressaltar, que para tal projeto, Capanema contou com a
contribuição e a tenacidade de muitos intelectuais, inclusive com as energias
criadoras do próprio Mário de Andrade. Mediante o movimento de 30, boa
parte das energias intelectuais e políticas desse grupo foram canalizadas na
direção do Estado que então se reformava.

A condição de intelectual-político marcou muitos nomes daquela geração,


sem, no entanto, deixar de engendrar novos eixos de tensão. Um bom exemplo
vem a ser a própria ascensão de Capanema ao posto de Ministro de Estado da
Educação e, com ele, a do também jovem poeta Carlos Drummond de
Andrade, que durante mais de dez anos exerceu o posto de chefe de gabinete
do ministério.

Simon Schwartzman e Helena Bomeny ressaltam que Capanema e Drummon


resolveram, pelo menos temporariamente, a tensão estrutural entre intelectual
e poder, através de uma associação na qual cada um assumia um tipo de
papel específico.

O Ministério da Educação e Saúde foi, durante todo primeiro período da Era


Vargas (1930-1945), a ponta de lança de um projeto nacional de unificação
simbólico-cultural. Esse projeto operava em várias frentes. Um delas, talvez a
mais importante, priorizava a equação civilização-nação.

Desde a consolidação do regime, a partir de 1932, e, sobretudo, após a


instauração do Estado Novo, importava para o Estado educar o homem
brasileiro segundo os códigos mais sutis e enriquecedores que o legado
civilizador europeu disponibilizou, ao mesmo tempo, que seria mais do que
imperativo e fundamental estabelecer, uma unidade nacional que irmanasse
todos, onde quer que estivessem.

A escola seria o vetor institucional para concretização de tal projeto, a começar


pela institucionalização e pela padronização geral da língua portuguesa, que
permitiria o aprendizado e a internalização de um conjunto de narrativas
nacionais e, por conseguinte, um vasto repertório de símbolos e ícones
nacionais que buscavam condensar a unidade nacional. É a partir desse
desiderato geral que o panteão modernista é chamado a integrar os quadros e
fileiras do Ministério da Educação e Saúde.

Sem dúvida, a inserção de alguns dos nomes mais proeminentes do


modernismo, como o próprio Mário de Andrade, no projeto político-cultural
pós-30 aponta para uma certa acomodação na tensa relação entre
intelectuais e poder de Estado.
A criação, em 1934, do Departamento e Difusão Cultural junto ao Ministério
da Justiça, mais tarde transferido para o Ministério da Educação e Saúde,
marca a sistematização de um projeto de montagem de uma infra-estrutura
técnica e simbólica destinada a educar a sensibilidade popular, sobretudo de
jovens e crianças, em torno dos registros que demarcariam a nacionalidade
brasileira, isto é, nossa civilização e cultura.

Entre 1938 e 1939, coube a Mário de Andrade redigir um documento que


estabeleceria as bases para a fundação de uma instituição federal destinada a
estudar o folclore musical brasileiro, propagar a música como elemento de
cultura cívica e desenvolver a música erudita nacional.

Segundo Schwartzman e Bomeny, a cada uma dessas funções caberia uma


seção distinta. A do folclore deveria desenvolver uma discoteca, um museu de
instrumentos e um serviço de tradução, estudo e publicação da música
recolhida pelos serviços de discoteca. A seção da música cívica: se destinaria
a criar por todo país a prática do coral e do coro com o acompanhamento de
instrumentos populares ou já perfeitamente popularizados no país; a dar
condições de existência material a esses corais; e a controlar e suprir a
programação deles, colecionando todo o hinário nacional, promovendo a
criação de novos hinos. Deveria ainda coralizar a música folclórica do país,
promovendo nos corais criados a execução anual em datas certas das danças
dramáticas tradicionais, cheganças, reisados, congados, bumba-meu-boi,
etc., com prêmios, auxílio financeiro, fornecimento de modelos de
indumentária e professores-coreógrafos.

Este é o embrião de uma proposta de institucionalização do fomento ao


folclore. Boa parte das propostas reunidas no documento elaborado por Mário
de Andrade não alcançaram seu fim, isto é, a efetivação de uma instituição em
âmbito federal que coordenasse as políticas públicas destinadas ao folclore
musical e a cultura popular de um modo geral.
No entanto, a partir do final dos anos 1990 do século passado, boa parte das
propostas de Mário estabelecidas no final da década dos 30 passou a sair do
papel. Como por exemplo, a promulgação do decreto nº 3551/2000, que
institui o registro do patrimônio imaterial e cria o Programa Nacional do Saiba mais sobre o Programa
Nacional do Patrimônio
Patrimônio Imaterial. Imaterial no endereço
eletrônico:
A música corresponde ao segundo elo estruturador dos grandes temas dos http://www.cultura.gov.br/pro
gramas_e_acoes/patrimonio/
estudos e das ações dos intelectuais folcloristas. Com Sílvio Romero, o patrimonio_imaterial/index.ph
p?p=15960&more=1&c=1&p
interesse se concentrou no que o autor chamou de “poesia popular”, que b=1
integrava o vasto manancial das atividades da literatura nacional que marca o
caráter do povo brasileiro.

É importante destacar Câmara Cascudo, um dos nomes mais importantes da


Conheça a vida e a obra de
geração seguinte a de Mário de Andrade, mas que também conviveu Câmara Cascudo no endereço
intensamente com este último. Câmara Cascudo inicia seus estudos eletrônico:
http://www.usp.br/jorusp/ar
folclóricos seguindo os rastros deixados por Romero. Pesquisou sobretudo os quivo/2003/jusp659/pag17.
htm
muitos cantos populares (o chamado aboio) dos vaqueiros do sertão
nordestino, condensados e publicado, em 1938, num livro intitulado
Vaqueiros e cantadores.

Já Mário de Andrade interessa-se, sobretudo, pela música, destacando a


melodia e coerência interna de muitas das canções e dos ritmos populares. Em
uma de suas visitas ao Nordeste brasileiro, ele assim se pronuncia sobre a
música popular inspirada na literatura de cordel: “sem abandonar a verdade
histórica, é admirável a destreza com que o cantador se transporta da verdade
pró-lendária, fundindo história e liberdade de invenção com uma firmeza
excepcional”.

Mais tarde, com a criação de algumas instituições de pesquisa folclórica e


com o fortalecimento do movimento folclórico em geral, a partir do final dos
anos de 1940, período em que se destacam nomes como os de Edison
Carneiro e de Renato Almeida, o tema predileto dos estudos folclóricos passa
a ser os folguedos populares: danças, celebrações, rituais religiosos, etc.
Certamente, é muito difícil separar essas três grades temáticas; elas possuem
tramas simbólicas, performáticas e ritualísticas muito intrincadas. Nota-se,
com efeito, como essas três dimensões temáticas estão presentes nos
principais documentos legais que amparam as ações do Ministério da Cultura,
nos textos destinados à cultura popular, produzidos por organismos
transnacionais, como a Unesco e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID). Além de comparecerem também nos instrumentos de incentivo e
fomento erguidos por empresas nacionais e transnacionais, públicas e
privadas, que participam das atividades artístico-folclóricas e da cultura
popular em geral. Analisaremos algumas dessas implicações nas unidades
seguintes.

Desde os primeiros tempos a frente do Departamento de Cultura e São Paulo,


Mário de Andrade se viu tolhido em muitos dos seus projetos de preservação e
atualização do patrimônio histórico e artístico nacional. Inseridos nesse
grande rol também as manifestações religiosas, as danças, os cantos, as
rezas, enfim, os saberes e os fazeres de um modo geral.

Tomado pela sua intensa atividade de etnógrafo informal, de crítico de arte e, Etnografia:
como ele mesmo dizia, de turista aprendiz, Mário, além de lançar as bases
1. estudo descritivo das diversas
para instituições de preservação do patrimônio histórico-arquitetônico
etnias, de suas características
nacional (como o SPHAN), teceu as bases de um documento (hoje elevado ao antropológicas, sociais etc.
status de síntese legal para muitas das políticas públicas destinadas ao
2. registro descritivo da cultura
patrimônio imaterial, como o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial) que material de um determinado povo
reuniria os critérios necessários para a obtenção do registro de patrimônio
Houassis, 2005.
Intangível.

Um desses patrimônios, segundo o olhar e a sensibilidade de Mário de


Andrade, seria exatamente a música popular. Professor de piano do
Conservatório Municipal, exímio conhecedor de canções, cantos e ladainhas,
publica, ainda em 1928, um ensaio sobre a música brasileira, que mais tarde
seria inserido no repertório de difusão da música popular empreendida pelo
governo Vargas.
2.4 O Estado Novo: políticas culturais e
nacionalismo
No início dos anos 30, o Brasil não era mais um país de perfil eminentemente
rural. Crescia intensamente os processos de urbanização e industrialização
nos grandes centros urbanos e, com isso, crescia também o consumo cultural.
Nesse movimento, a indústria cultural brasileira começava a dar os primeiros
passos, notadamente os setores de cinema e rádio.

O projeto das políticas culturais do Governo Vargas, sobretudo a partir da


ascensão do Estado Novo (1937), consistia em educar a população brasileira.
Educar, segundo as metas culturais daquele governo e do período em questão,
consistia em formar brasileiros, construir um conjunto de marcos simbólicos
de auto-identificação do povo brasileiro. A cultura entra aí como uma meta
política de nacionalização das consciências e dos hábitos.

O circuito erudito, baseado nas novas linguagens artísticas e estéticas dos


intelectuais modernistas, é chamado a repensar a cultura popular e o folclore,
assim como as nascentes atividades da cultura de massa. É nesse momento
que a política cultural da primeira Era Vergas (1930-1945) começa a ser
delineada, através dos primeiros marcos legais.

As primeiras políticas públicas de cultura atuam ainda no início da década de


30, no sentido de proteger e assegurar a riqueza cultural arquitetônica
brasileira. O principal legado de Mário de Andrade e, por conseguinte, de todo
debate em torno do eixo cultura popular/cultura erudita e nação, fora a
institucionalização do Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN).

Mas esse não foi o único legado do poeta modernista. Segundo muitos
críticos, Mário de Andrade estava inteiramente à frente de seu tempo. No
anteprojeto que resultou na criação no SPHAN, entregue a Capanema, previa-
se a proteção e, também, o fomento a muito mais do que os chamados
patrimônios materiais (de pedra e cal, casas, palácios e igrejas) de perfil
arquitetônico barroco do período da colonização portuguesa, e sediados nos
principais centros econômicos da colonização, como: Bahia, Pernambuco,
Minas Gerais e Rio de Janeiro.

A noção de bem cultural inscrita no anteprojeto trazia também como


contribuição inovadora as maneiras de fazer, os saberes e as técnicas de
trabalho e de diversão empregadas pelas comunidades e populações
brasileiras, por exemplo, a noção de bem móvel ou intangível.

Assim, no corpo do anteprojeto entregue ao ministro Capanema, Mário de


Andrade traçava, através de um livro de registro, os critérios e os eixos pelos
quais se deveria reconhecer, preservar e estimular o conjunto de saberes e
fazeres que integram o mosaico da cultura popular brasileira.

Em Agosto de 2000, mais de 60 anos após o esboço inicial do projeto feito por
Mário de Andrade, o Ministério da Cultura baixou o decreto-lei que
regulamenta o registro dos bens de natureza imaterial. Dentro da mesma
sistemática, foi criado o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial com vistas
a registrar e amparar os eventos, manifestações, festejos, rituais, enfim,
fazeres e saberes que se adequam e obedecem aos critérios julgados
apropriados para conferir o título de patrimônio imaterial brasileiro.

A partir do ano 2000 muitos grupos de trabalho foram constituídos, grupos


temáticos organizados e consultores contratados. O principal grupo de
trabalho lançou, em julho de 2003, um documento final estabelecendo um
balanço pormenorizado das atividades realizadas, assim como uma
contextualização geral realizada por antropólogos, historiadores, jornalistas,
entre outros, acerca do significado sócio-político do registro dos bens de
natureza imaterial.
Logo nas primeiras páginas, o documento explicita os quatro eixos norteadores
por onde o trabalho de registro deveria operar. Foram estabelecidos quatro
livros específicos:

Livro dos saberes: para o registro de conhecimentos e modos de fazer


realizados no cotidiano das comunidades;

Livro das celebrações: para festas, rituais e folguedos que marcam a vivência
coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e outras práticas da
vida social;

Livro das formas de expressão: para a inscrição de manifestações literárias,


musicais, plásticas e lúdicas;

Livro dos lugares: destinado à inscrição de espaços, como mercados, feiras,


praças e santuários onde se concentram e reproduzem práticas culturais
coletivas.

Ora, não é preciso ir longe para perceber que a compilação desse documento
foi inspirada nas propostas de Mário de Andrade nos anos 1930. Ademais, os
quatro livros mencionados contemplam as grades temáticas eleitas pelo
movimento folclórico ao longo de sua constituição, como a poesia popular, a
dança e os folguedos.

Não obstante, a geração seguinte, aquela responsável pela institucionalização


dos estudos do folclore e fundação de uma rede de proteção, incentivo e
amparo ao folclore, adicionou um tempero mais suave ao acirrado molho de
tensões existente entre intelectuais folcloristas e o poder de Estado.

Esta geração, que se consolidou ao longo dos anos cinqüenta do século


passado, porta nomes como: Édison Carneiro, Renato Almeida, Câmara
Cascudo, entre outros. Respirando os ares das liberdades democráticas
ensejadas no intervalo 1945-1964, a terceira geração de intelectuais
folcloristas foi, de fato, aquela que engrossou as fileiras do movimento
folclórico brasileiro. Nomes como os citados acima conseguiram estabelecer
uma rede nacional de coleta e estudo dos materiais folclóricos nacionais, no
processo de institucionalização dos principais órgãos destinados à pesquisa,
difusão e, por conseguinte, valorização do folclore brasileiro.

No início da década de 1960, o Conselho Nacional do Folclore (estrutura


deliberativa interna na Comissão de Defesa do Folclore Brasileiro – CDFB)
ampliou seus quadros e incorporou novos agentes políticos, passo decisivo na
criação do que mais tarde viria a ser o Instituto Nacional do Folclore. No
entanto, o dado mais relevante durante os anos 60, no que toca à
institucionalização e à visibilização das questões folclóricas, foi a criação da
Revista do Folclore Brasileiro. Tratava-se de uma publicação editada
trimestralmente e distribuída nos principais centros urbanos nacionais.

De 1961 a 1973, a revista circulou ininterruptamente, trazendo nas capas


desenhos, xilogravuras, imagens, fotografias, caricaturas e reproduções
gráficas das inúmeras manifestações folclóricas nacionais. Vê-se como o êxito,
logrado pelos intelectuais folcloristas durante os anos cinqüenta e início dos
60, marca uma nova trama relacional envolvendo intelectuais folcloristas e o
poder de Estado.

Muitos dos homens envolvidos em salvaguardar a riqueza material e simbólica


nacional pertenciam aos quadros da administração pública (estadual,
municipal e federal), o que facilitava certo trânsito dentro da estrutura político-
administrativa do Estado. Muitos deles exerciam outras atividades paralelas e
outros ocupavam altos postos na estrutura de comando do Estado.

Foi a complexificação na administração pública, a ampliação nas funções do


Estado e o aumento da demanda por serviços especializados que permitiu uma
maior penetração desses intelectuais no quadro administrativo geral do
Estado. Algo bastante diferente do quadro verificado nos anos 1930 e início
dos anos 1940.

A interrupção da militância cultural e do ativismo político da geração


folclorista dos anos 1950 e 1960, perpetrada pelo golpe de Estado de 1964,
não impediu que muitas das propostas daquela geração se materializassem
no decurso dos anos 1990 até os dias de hoje. As próprias instituições criadas,
como a CDFB e o Instituto Nacional do Folclore, respingaram nas décadas
seguintes. No entanto, o mais relevante a esse respeito vem a ser a
sedimentação de uma sensibilidade artístico-cultural voltada para o tema da
cultura popular em geral.

Os intelectuais folcloristas dessa última geração correspondem apenas a um


estrato específico do vasto movimento simbólico e político-cultural que elegeu
a cultura popular como ponta de lança de uma série de atividades intelectuais,
culturais e partidárias. Fazem parte desse movimento:

O Cinema Novo;

O Teatro de Arena;

Os Centros populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes;

A literatura regionalista;

O crescimento dos movimentos partidários (sob influência da Revolução


Cubana);

Os movimentos camponeses no campo;

Os segmentos das classes médias liberais e intelectualizadas (sobretudo


professores, estudantes e artistas, que se opunham ao movimento militar
desferido em 1964).

A espinha dorsal, por onde passam todos os circuitos nervosos envolvendo os


intelectuais-artistas e as políticas culturais, gravita em torno do tema da
nação. Não existe valor mais moderno do que a axiomática da nação. A
sociedade-Estado brasileira, assim como muitas outras, se viu enredado em
sua trama simbólica. A história do pensamento social brasileiro assim o
demonstra.
Os números temáticos da Revista do Folclore Brasileiro traziam, de três em três
meses, imagens de jangadeiros, baianas de acarajé, vaqueiros, repentistas,
capoeiras, carrancas, maracatus, forrozeiros, gaúchos, entre outros, ou seja,
as diversas paisagens humanas brasileiras.

O trecho a seguir, extraído de uma correspondência pessoal,


expressa o teor do que estamos procurando dizer. Por ocasião
da inauguração de um conjunto de telas que enfeitariam as
paredes da sede do recém inaugurado edifício do Ministério
da Educação e Saúde, o ministro Capanema assim se refere
em carta ao pintor Cândido Portinari acerca de um dos
espaços do edifício:

“[...] na sala de espera, o assunto será o que já disse – a


energia nacional representada por expressões de nossa vida
popular. No grande painel, deverão figurar o gaúcho, o
sertanejo e o jangadeiro. Você deve ler o III capítulo da
segunda parte de Os sertões, de Euclides da Cunha. Aí estão
traçados de maneira mais viva os tipos do gaúcho e do
sertanejo. Não sei que autor terá descrito o tipo do jangadeiro.
Pergunte ao Manoel Bandeira”.

Essa passagem do ministro Capanema ilustra a importância que o diálogo


entre cultura erudita e popular passa a ter na concepção de cultura do recém
criado Ministério da Educação, assim como constata a interface entre
intelectuais-artistas, modernistas-folcloristas e as também recém inauguradas
políticas oficias para a Cultura.

Por outro lado, revela também que a concepção de cultura brasileira, ao longo
do período de estruturação do movimento folclorista brasileiro, se aproxima
bastante da noção cunhada pelo Romantismo e daquela incorporada pela
Antropologia Social contemporânea, ou seja, uma totalidade de práticas,
fazeres e saberes pertencentes a um determinado grupo social.
Em síntese, é possível dizer que os intelectuais-artistas modernos legitimaram,
a partir do interior do aparelho político-administrativo-legal do Estado
brasileiro, a cultura popular, tão combatida e perseguida durante as décadas
finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Um pequeno fragmento
de um de seus artigos a respeito pode ajudá-lo a compreender sua percepção
de cultura popular e a relação desta com o Estado no Brasil:

Os cabocolinhos saem pelo carnaval, saem mesmo é quando podem


porque em nome dum conceito idiotissimamente nacional de
civilização, as prefeituras e as chefaturas de polícia fazem o
impossível para eles não saírem, cobrando diz que até duzentos réis
de licença. Será possível!! Já os caboclinhos saem raramente. Até
para ensaiar dentro de casa, pagam treze paus a polícia! Os grupos
e formas de bailados diversos. Além dos caboclinhos, tem os “índios
africanos”, tem os “Canidés”, os “Caramurus”, etc. Mas tudo vais se
acabando agora que o Brasil principia.

O primeiro documento legal de caráter estritamente cultural foi o decreto nº


22.928, de 12 de Julho de 1933, proteção ao patrimônio histórico e artístico
brasileiro, por meio do qual o governo Vargas estabelecia a cidade de Ouro
Preto como Patrimônio Nacional.

No artigo 148 da segunda constituição republicana, promulgada em 1934,


estavam estabelecidos os novos marcos legais com relação ao patrimônio
histórico e artístico nacional: “Cabe a União, aos Estados e municípios
favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da
cultura em geral, proter os objetos de interesse históricos e o patrimônio
artístico do país, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”.

Dando segmento a essa nova política, em março de 1936, Capanema


encomenda a Mário de Andrade o anteprojeto de criação do SPHAN,
oficializado e, definitivamente, estruturado a partir da lei n 378, de 13 de
Janeiro de 1937, e do decreto-lei n. 25, de 30 de novembro também de 1937.
Ainda, em 1937, foram criados o Instituto Nacional do Livro e o Serviço
Nacional de Teatro (SNT), além do início da sede histórica do Ministério da
Educação e Saúde (criado em 1930), onde esses órgãos passaram a ser
abrigados. Esses são, portanto, os primeiros marcos legais que assegura a
intervenção mais direta do Estado na cultura.

Aos poucos o governo Vargas vai se cercando de diversos mecanismos legais


para circunscrever um campo direto de atuação do Estado no âmbito cultural.
Pode-se dizer que o longo e lento processo de oficialização da cultura como
um tema das políticas públicas de Estado no Brasil tem seu início nos anos 30
e conclui sua trajetória nos anos 1980, com a criação do Ministério da Cultura.

A política de preservação de obras históricas e artísticas (sobretudo, sítios


arquitetônicos do período colonial) ganha fôlego nas décadas subseqüentes à
era Vargas, chegando aos anos 70 com uma rede diversificada de proteção e
fomento, como a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (1975), a
Fundação Pró-Memória, além da criação do Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas (1973).

Segundo Poerner (2000), ao completar cinqüenta anos da efetivação das


políticas de preservação do patrimônio histórico e artístico, em 1987, o saldo
era de 948 tombamentos de bens móveis e imóveis, naturais e etnográficos,
incluindo dois municípios, 29 núcleos urbanos e 55 conjuntos parciais de
arquitetura religiosa, civil (urbana e rural) e de ruínas, num total de 19 mil
unidades sob proteção oficial, além das obras de restauração e recuperação.

Como atesta o mesmo autor, alguns desses bens foram incluídos na lista da
Unesco de patrimônio cultural da humanidade: o sítio histórico de Ouro Preto e
o santuário de Bom Jesus do Matozinhos, em Congonhas, no Estado de Minas
Gerais; a cidade de Olinda, em Pernambuco; o centro Histórico de Salvador, na
Bahia; as ruínas de São Miguel das Missões, em Santo Ângelo, no Rio Grande
do Sul.
Na transição dos anos 1930 para os anos 1940 do século passado, os olhos
do governo Vargas, em termos de intervenção direta no setor cultural,
passaram a se dirigir para um novo circuito do campo cultural: o crescente
circuito da indústria cultural. Assentado sobretudo na indústria editorial, no
rádio e no cinema, o circuito da indústria cultural começava a dar seus
primeiros passos no Brasil.

No que tange a esse circuito, o Estado, fiel a sua nova postura de


institucionalização das políticas culturas, estabelece uma série de medidas
importantes, boa parte delas realizadas durante a primeira (1930-1945) e a
segunda era Vargas (1950-1954). Durante o período 1900-1930, o Estado
limitou-se, sobretudo no tocante ao cinema, a legislar sobre as chamadas
“casas de espetáculo”, sem se preocupar com o conteúdo exibido e/ou
apresentado e sem maiores preocupações culturais.

Durante esse período, o promissor cinema nacional é baseado mais nas ações
individuas dos empresários do setor, que atuavam de maneira muito
fragmentada. Embora algumas tentativas de estímulo tenham sido feitas,
como no caso da proposta de alguns deputados federais de São Paulo, que
consistia em criar prêmios pela câmara Federal para incentivar a prática do
cinema, pouco de fato se fez em termos mais sistemáticos e coordenados. O
quadro, no entanto, muda a partir dos primeiros anos da Era Vargas.

A grande intenção do governo Vargas (Vieira, 1987) era normatizar a força de


um bem que tinha grandes implicações políticas e culturais. Fiel à sua
proposta nacionalista, que se desenhava no interior de órgãos como o
Ministério da Educação e Saúde e o Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP), o governo passou a atuar em duas frentes conjugadas, no que toca ao
cinema.

De um lado, regular os critérios de exibição, assegurando espaço para os


filmes nacionais de exaltação de nosso passado; de outro, criar mecanismos
diretos de incentivo e fomento a atividade, como a criação, em 1937, da Lei
378, Artigo 30, de 13 de Janeiro de 1937, que criava o Instituto Nacional de
Cinema Educativo (INCE). A principal função de tal instituto era a criação de
um programa de exibição de filmes nacionais que fosse capaz de educar as
massas no sentido da valorização da cultura brasileira.

Ainda no final do século XIX, o cinema já se estabelecia como um bem de


razoável penetração entre os segmentos urbanos de cidades, por exemplo, Rio
de Janeiro e São Paulo. A partir das primeiras décadas do século XX começam
a surgir diversas salas especializadas em exibir as fitas e filmes vindos dos
Estados Unidos, assim como a instalação de muitos cinematógrafos (Gomes,
1981).

Estima-se (Wahrendorff e Montoro, 2006) que no início do século XX o Brasil


chegou a ser, depois dos Estados Unidos, o segundo país em salas de exibição
e número de expectadores de cinema. Nas primeiras décadas do século, o
cinema feito no Brasil possuía um caráter inteiramente experimental e
artesanal, conferindo-lhe um perfil de grande inovação na precariedade.

Alguns críticos, como Paulo Emílio Sales Gomes, reputam que as primeiras
duas décadas do século XX correspondem a uma das mais férteis da trajetória
do cinema brasileiro, sobretudo, porque o cinema desse período se
regionalizou e manteve uma pauta voltada principalmente para a vida
cotidiana nacional.

Segundo Caldas e Montoro, entre 1923 e 1933, foram filmados cerca de 120
filmes, quase o dobro da década anterior. A freqüência do público aumentou
bastante, surgindo, nesse período, as grandes obras clássicas do cinema
mudo nacional. Também durante o mesmo período, o nascente cinema
brasileiro se regionalizou, constituindo focos importantes em Minas Gerais,
Pernambuco e interior de São Paulo.

Em termos sócio-históricos, o cinema é responsável por uma grande


transformação na percepção humana: marca o advento de uma realidade cada
vez mais construída e mediada pelo conjunto de imagens e signos mobilizados
pelas narrativas cinematográficas.

O peso político-cultural do cinema leva o Estado, não só no Brasil, a regular a


atividade, assim como criar políticas específicas para o setor, que marca o
advento do circuito da indústria cultural entre nós.
Entre o conjunto de
O conjunto de transformações em curso no Brasil do início dos anos 1930 leva transformações podemos citar a
a cultura a um outro patamar de importância. O modelo de políticas públicas intensificação dos processos de
urbanização e industrialização,
do governo Vargas se amplia e se complexifica. Fiel ao seu propósito de educar centralização administrativa do
Estado, recrudescimento dos
a população brasileira, isto é, “brasileirar” e nacionalizar os hábitos e as fluxos migratórios, maior
consciências, o Estado começa a adotar medidas que pretendem entrar, de presença do Estado nas
atividades econômicas.
uma vez por todas, na promoção direta da cultura.

Assim, surgem as primeiras medidas do modelo Vargas para o setor de


cinema, como o Decreto n. 21.240, de 04 de Abril de 1932, que consistiu,
entre outras providências, em oficializar o serviço de censura e institucionalizar
a cobrança, aos produtores e distribuidores, de uma taxa para educação
popular na exibição de filmes nas salas de cinema. Ainda em 1931 o governo
Vargas instituiu uma comissão para estudar a situação do cinema brasileiro,
da qual brotou um documento que inspirou o referido decreto de 1932.

O Decreto n. 21.240 lançou as bases para o chamado “cinema educativo”,


instituindo o convênio cinematográfico, destinado à veiculação e à exibição
quinzenal de espetáculos infantis e filmes nacionais, concedendo aos seus
exibidores e produtores a isenção de impostos e taxas.

Os filmes nacionais passavam a ser exibidos no início de cada película


(nacional ou estrangeira), na forma de propaganda nacionalista educativa.
Essas medidas constituem a primeira ação direta do Estado no sentido de criar
mecanismos normativos para o fomento da atividade cinematográfica,
diminuindo em até 15% os impostos para a importação do filme comum,
películas virgens e filmes educativos, os últimos com abatimentos tributários
ainda maiores. Dentro dessas mesmas medidas, o governo Vargas estabeleceu
uma proporção para a exibição obrigatória de filmes nacionais nos cinemas
brasileiros.

No entanto, não é possível falar dos anos de 1930 e de 1940, sobretudo no


que diz respeito às relações do Estado com a cultura, sem mencionar a
importância do rádio. Em 1934, havia 65 emissoras de rádio no país. A rádio
Leia mais sobre a história do
Mayrink Veiga, por exemplo, com um transmissor de 25 quilowatts, era uma rádio no Brasil no endereço
das que cobriam uma maior extensão do território nacional. (A cidade do Rio eletrônico:
http://paginas.terra.com.br/laz
de Janeiro, então Distrito Federal, todo o Estado do Rio, Espírito Santo, Minas, er/sintonia/brasil.htm
partes de São Paulo, alcançando Bahia e Pernambuco). E ainda, graças a seu
canal livre internacional, alcançava regiões do Nordeste, sobretudo à noite.

Outras rádios possuíam um potencial parecido, como a Rádio Record, que


cobria, além do Sudeste, boa parte do sul do país. A partir dos anos 30 (até o
advento da televisão a partir dos anos cinqüenta) o rádio e o cinema
constituíram os setores mais importantes da nascente indústria cultural
brasileira. O governo Vargas, assim como entidades privadas, sabia da
relevância da propaganda/publicidade na condução das questões públicas e
na divulgação de produtos e marcas comercias.

Dentro do ambiente de tensão política, extensão econômica e


internacionalização dos conflitos mundiais marcam a década de 30. O rádio, o
cinema e também o crescente mercado editorial brasileiro passam a assumir
um papel cada vez mais presente nos hábitos e costumes do brasileiro
residente dos grandes centros urbanos em franca expansão. Muitos jornais e
revistas foram criados no período, como por exemplo, a revista O Cruzeiro e
outros periódicos que faziam parte do grupo de comunicação dos Diários
associados.

Durante os anos 30 e 40, por exemplo, o rádio teve seu apogeu no Brasil.
Jogos de futebol, campanhas eleitorais, rádio novelas, acontecimentos do
cotidiano, batalhas e conflitos internacionais eram acompanhados por ouvidos
atentos.
No mesmo período foram criadas muitas estações de rádio nos principais
centros urbanos brasileiros, como a Rádio Nacional, por exemplo, de onde se
transmitia, para todo território brasileiro, a Voz do Brasil. Ao mesmo tempo,
muitas rádios privadas transmitiam seus sons para os mais ermos rincões dos
país.

Na década de 1940 a indústria fonográfica brasileira, hoje uma das maiores


do mundo, encontrou no rádio um dos elos de promoção, difusão e legitimação
da música popular brasileira, notadamente no que concerne aos ritmos
regionais (o samba e o forró-baião), que mais tarde se nacionalizaram. Salta
aos olhos a diferenciação dos setores da indústria cultural, assim como os
estratos consumidores.

A partir de 1950, com a maior internacionalização da economia brasileira,


diversas empresas e corporações de entretenimento e diversão se
estabelecem em solo brasileiro. Como se pode notar, o rádio e o cinema
acompanharam, de um modo geral, a constelação de mudanças econômico-
sociais que o Brasil experimenta no decorrer dos anos 30 e cinqüenta do
século passado. Dentro dessa ampla constelação, o ator político mais
importante fora o Estado brasileiro, cuja atuação na cultura fora marcante no
período.

As duas frentes de atuação da política cultural da Era Vargas (primeiro governo


a de fato sistematizar uma política de cultura e oficializar a cultura como um
tema de Estado) eram interligadas e podiam ser resumidas na interface
estreita entre educação e cultura, seja no tocante à preservação do patrimônio
material, seja no que concerne ao conteúdo político-ideológico assumido
pelos órgãos oficiais da indústria cultural.

Isso se evidenciou ainda mais, a partir da instituição do Estado Novo e sua


política cultural-educacional de rádio-difusão realizada pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda, o DIP. Criado em 1939, o DIP fez parte do modelo
Vargas de criar órgãos de promoção cultural diretamente vinculados ao
Estado, como o Instituto Nacional de Cinema Educativo.

Como não é possível mencionar e analisar todos os setores da nascente


indústria cultural brasileira nos concentraremos no cinema pois, esse
incorpora, pela sua abrangência e impacto semiológico, todo o ambiente de
mudanças evidenciadas no Brasil do período, assim como o modelo da política
cultural.

Durante as décadas de 30, 40 e 50 foram criadas três das principais empresas


cinematográficas brasileiras, as quais se beneficiaram de algumas das
medidas introduzidas pelos decretos e leis culturais do período, como o
Decreto n. 21.240. Foram elas: a Cinédia, Atlântida e Vera Cruz.

A primeira foi criada como uma espécie de reação ao cinema estrangeiro,


concentrando-se nas chamadas “chanchadas pastelão”, a partir das quais se
destacam muitos atores que mais tarde integrariam os elencos televisivos. Nas
décadas de 30 e 40, a Cinédia dominou o cenário da produção
cinematográfica brasileira, exibindo um conteúdo voltado à cidade do Rio de
Janeiro e sua vida urbana.

A Atlântida também apostou nas chanchadas, fazendo desta última um gênero


consagrado do cinema brasileiro. A última, a Companhia cinematográfica Vera
Cruz, marca a cristalização dos interesses econômicos nacionais em fazer do
cinema uma grande indústria cultural do entretenimento e da diversão,
amparada em um sólido padrão tecnológico que aliasse rentabilidade, esmero
técnico e qualidade artístico-cultural.

Como ressalta Caldas e Montouro, a Vera Cruz marcou uma contraposição


direta à Cinédia e Atlântida. Ao contrário dos enredos carnavalescos das
chanchadas populares dessas últimas, de entendimento fácil e orçamentos
baratos, que evidenciavam um Brasil faceiro e mulato, a Vera Cruz marca o
advento do poder econômico e cultural da elite paulista, que não media
esforços para realizar um cinema “sério”, tecnicamente rigoroso e baseado
nos melodramas burgueses.

Fundada em São Paulo, em grandes estúdios e com orçamentos volumosos


para a época, a Vera Cruz assinala, pelo menos em parte, que o cinema deixa,
assim como a cultura como um todo, de ser algo privado e acessório em
termos econômicos e sócio-políticos.

Embora tenha fechado anos depois, a Vera Cruz marca a definitiva


possibilidade do cinema se estabelecer como setor importante do circuito da
indústria cultural, assim como um instrumento político-ideológico de grande
força.

Não é por outra razão que, ao final do primeiro período Vargas (1930-1945) e
no decurso dos anos 1950, o Estado incorporou o cinema ao conjunto de seu
modelo de política cultura, o que nos faz antever que o Estado corroborou
decisivamente no longo processo de formação da indústria cultural brasileira
e, por conseguinte, na instauração de um mercado ampliado de bens de
consumo simbólicos.

Nesse mesmo sentido, o modelo da política cultural da Era Vargas pode ser
sintetizado na seguinte assertiva: circunscrever um campo de atuação
específica para o Estado brasileiro no tocante a cultura. Para tanto, atuava em
duas frentes e dois setores distintos: por um lado regulamentava e
disciplinava, como fora o caso dos Decretos n. 22.240 e n. 22.928 e, por
outro, criava organismos e órgãos estatais, como o caso do (SPHAN) e do
Instituto Nacional do Cinema Educativo.

No caso do circuito da indústria cultural (sobretudo o cinema), esse propósito


ficou expresso na intenção de proteger o cinema nacional, como indústria
mesmo e deter a produção estrangeira, tudo animado por uma forte política
nacionalista.
Em uma palavra, o modelo de política cultural da Era Vargas consistiu em
corroborar para a industrialização do simbólico no Brasil (os exemplos do rádio
e do cinema não deixam dúvidas a esse respeito) e fazer da cultura um
mecanismo educacional de nacionalização das consciências, de formação da
brasilidade e da identidade nacional.

Muitos autores (Ortriz, 1989, Damatta, 1991, Miceli, 1988) atestam que o
Estado Novo e, seu respectivo populismo político, acolheu e legitimou boa
parte das tradições culturais populares, como o samba, o candomblé
(Umbanda) e o futebol.

O ideário nacional-populista de um país marcado pela mestiçagem, pela


alegria carnavalesca do samba e da mulata, pelo convívio das diferenças tem
no Estado Novo e em seu modelo de política cultural um dos vetores mais
poderosos de legitimação. Certamente a história social de formação da
identidade nacional tem no primeiro período da Era Vargas (1930-1945) um
de seus capítulos mais emblemáticos.

Essa tendência permanece nos anos 1960 e 1970. Não obstante, ela se
complexifica e assume novas direções. No fim dos anos 1950 e durante toda a
década seguinte, o Brasil experimenta um dos maiores períodos de tensão
político-ideológica e agitação cultural.

Da mesma maneira como os intelectuais modernistas da década de vinte se


impuseram o compromisso de renovação dos códigos estéticos da arte
nacional, as várias matrizes de intelectuais dos anos 60 se impuseram o
compromisso de transformar a vida política do país.

Para tanto, muitos utilizaram a produção cultural (Ridente, 2000), seja no


cinema (Cinema Novo), na poesia (Poesia Concretista), seja no teatro (Teatro
de Arena), seja na música (MPB e Tropicalismo), dentro e fora dos espaços
formais de aprendizado (por exemplo, a universidade), como foi o caso do
Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Assim, nos anos de 1960 e de 1970, o Brasil vive um acirramento das tensões
ideológicas. Todos os setores e organizações partidárias (de esquerda, de
direita ou de centro), religiosos e não-religiosos, acadêmicos e não-
acadêmicos, introduzem a cultura (tanto no sentido erudito, popular ou
industrial) no interior de suas lutas e legitimação de seus ideais.

2.5 A ditadura militar e a EMBRAFILME


Após o golpe de Estado de 1964, a cultura converte-se em razão de Estado,
inserida no arcabouço geral da chamada “doutrina de segurança nacional”. A
partir do início dos anos 1960, apenas para continuar no setor do cinema, são
constituídos diversos grupos de estudos voltados para o cinema nacional,
além de medidas de proteção do mercado brasileiro.

Durante a década de 1960, o cinema torna-se definitivamente um problema


de governo, ou melhor, um produto de governo. A partir da estabilização da
hegemonia política lograda a partir de 1964, a ditadura militar começa a
estabelecer metas para o setor, desenhando um modelo de política cultural
pós-1964.

Uma das medidas a esse respeito foi a criação, em 1966, do Instituto Nacional
de Cinema. O novo Instituto Nacional de Cinema – INC – (distinto do antigo
Instituto Nacional do Cinema Educativo) nasce após as intensas lutas políticas
do fim dos anos cinqüenta e metade dos 60. Segundo Ortiz Ramos, o INC
marcará o engajamento definitivo do Estado nas questões do cinema
brasileiro. Surgiu como uma autarquia subordinada ao Ministério da Cultura
(MEC), sendo um projeto criado pelo Grupo Executivo de Estudo da Indústria
Cinematográfica (GEICINE), sob a vigência do A-2 e valendo-se da autoridade
do decreto-lei.

De toda forma, o INC é demasiado importante para o desenho da política


cultural da ditadura militar que então se esboçava, pois se pode dizer que o
mesmo constituiu o embrião da futura Empresa Brasileira de Filmes, a
EMBRAFILME. A experiência do INC gerou um certo modus operandis que
contribuiu muito na criação da EMBRAFILME.

Uma citação de Caldas e Montouro a respeito da evolução do cinema brasileiro


pode ser útil para o contexto de criação do INC e o desenho da política cultural
da ditadura militar:

O INC não pretendia mais, naturalmente, o “status quo ante”


ou as empresas estrangeiras, mas antes aliar-se a elas. Nesse
sentido, a criação do INC faz parte da estratégia de inserção
do Brasil no capitalismo global, sob a forma de um
desenvolvimento associado, agora levado ao setor cultural e
mais especificamente ao cinema. Não havia uma diferença
substancial, nesse aspecto, do governo JK e do Regime Militar.
A principal diferença residia no aspecto ideológico e no
controle cultural. Enquanto Juscelino se movia dentro de um
contexto e sem uma clara proposta de hegemonia cultural, os
militares pretendiam usar o cinema como uma expressão de
seu poder e controle de seu conteúdo, o que Vargas já o fizera
via DIP.

A citação acima atesta como a indústria cultural brasileira, sob auspício do


governo militar, se achava associada ao capitalismo global. Entre as medidas
do governo militar, todas inseridas no seu desenho de uma política cultural de
controle do conteúdo, mas também de produção direta de certos bens, sem
dúvida a mais importante fora a criação da EMBRAFILME.

Fiel às suas política de circunscrição do papel do Estado em certos setores da


vida econômica brasileira (como infra-estrutura e segurança), cujo lado mais
direto se exerceu por meio da construção de empresas nacionais, o regime
militar resolve “empresariar” o cinema, atuando ele próprio como co-produtor
e também distribuidor.
Criada pelo Decreto n. 862, de 12 de Setembro de 1969, a EMBRAFILME faz
parte de um contexto de ampliação do mercado de símbolos nacionais, no
qual a televisão surge como principal vetor de formação de significados e
imagens do mundo, conformando pautas de discussão e temas do cotidiano
em todo território nacional.

Com a criação da EMBRAFILME, o Estado perde sua função de simples


mediador e regulamentador do setor de cinema (aquela altura, junto com a TV,
o mais importante do circuito da indústria cultural) e passa atuar diretamente
na produção dos filmes nacionais.

Durante a gestão do ministro Jarbas Passarinho a frente do Ministério da


Educação e Cultura (1969-1973), começa-se a esboçar, pela primeira vez,
uma política oficial de cultura coordenada, envolvendo vários circuitos e
setores da atividade cultural.

Os órgãos começam a ter atribuições mais definidas, as carreiras da


burocracia administrativa e executiva passam a ser estruturadas segundo
critérios técnicos de qualificação. À EMBRAFILME, por exemplo, cabia
financiar e custear certos projetos, mas também co-produzi-los com outros
grupos e empresários. Esse foi o formato que predominou na produção
cinematográfica brasileira nos anos 1970.

Durante a referida gestão, fora criado o Plano de Ação Cultural (PAC), que
definia metas e uma racionalidade administrativa, buscando resultados mais
diretos na cultura. Segundo o sociólogo Sérgio Miceli, a criação do PAC ia
além das propostas de financiamento de áreas culturais desassistidas pelos
órgãos federias, era também uma tentativa de “degelo” com certos grupos
intelectuais envolvidos com o trabalho cultural.

Nos anos 1970, algumas medidas legais foram tomadas em direção a esfera
cultural, como, por exemplo, a Lei n. 6.533, de 24 de maio de 1978 (Governo
Geisel), cujo teor trazia como principal medida a regulamentação e a proteção
de algumas profissões culturais, como a de artista e técnico em programas,
espetáculos e produções, definindo seu conceito e características.

Por meio da mesma, verifica-se um ganho trabalhista, pois trouxe para as


relações de trabalho também as profissões culturais. Detém importância
também o Decreto n. 82.385, de 05 de outubro de 1978, que estabelece a
definição das funções artísticas e técnicas nas artes cênicas, cinema,
fotonovela e radiodifusão; o estabelecimento dos conceitos sobre o estúdio de
gravação cinematográfica; entre outros. De toda sorte, a maior medida, que
logrou grande impacto na administração da cultura durante o regime militar,
foi a criação e a expansão administrativa da Embrafilme.

Nos seus 21 anos de atuação (1969-1990), a Embrafilme produziu e co-


produziu um sem número de filmes nacionais, corroborando para estabelecer
verdadeiros recordes de público e expectadores para o cinema nacional, a
maioria imbatíveis até hoje. Por meio da Embrafilme, o Estado operava uma
dupla intervenção na cultura e no cinema.

Essa dupla intervenção ocorria na dimensão econômico-mercadológica e


jurídico-legal. Para fortalecer a segunda dimensão foi criado, em 1976, o
Conselho Nacional de Cinema (CONCINE), que se incumbiu de fornecer
estrutura jurídica de regulação e de atuação à EMBRAFILME. Houve uma forte
ramificação das atividades da EMBRATEL no estabelecimento e gestão da
cadeia produtiva do cinema.

O Estado atuava da seguinte maneira: diversificava a produção, numa


abrangência profissional e temática, e fortalecia a atuação do
realizador/produtor, facilitando seu acesso aos recursos governamentais na
condição de clientelas favorecidas (Caldas e Montouro, 2006). Durante a
gestão de Roberto Farias (1974-1979), segundo presidente da EMBRAFILME,
se experimentou um certa inovação administrativa, resultando numa
imbricação das duas principais ramificações da atividade cinematográfica: a
produção e a distribuição, ambas cumpridas pela EMBRAFILME. (Veja Quadro
1 e 2).

Quadro 1- Reserva de Mercado de 1974 a 1986 e Quantidade de


Espectadores/Ano (Em 1.000)
Dias Espectadores Espectadores
Ano % Cresc. % Cresc. %Cresc.
Obrigatórios Nacionais Estrangeiros
1974 84 - 30.665 - 170.625 -

1975 84 - 48.859 59 226.521 33

1976 112 14 52.046 7 198.484 -12

1977 112 - 50.937 -2 157.398 -21

1978 133 18 81.854 21 149.802 -5

1979 140 5 55.836 -10 136.072 -9

1980 140 - 50.688 -9 114.086 -16

1981 140 - 45.911 -9 92.981 -18

1982 140 - 44.965 -2 82.948 -11

1983 140 - 33.774 -25 72.762 -12

1984 140 - 30.638 -9 59.301 -19

1985 140 - 21.928 -28 69.372 -17

Fonte: Ministério da Cultura, in A Evolução do Cinema Brasileiro no Século XX, CALDAS & MONTORO (Coord.), Brasília 2006, Casa das
Musas.
Quadro 2- Nº de Espectadores dos Filmes Nacionais com (e sem)
Prod. da Embrafilme, Arrecadação dos Filmes Nacionais com
(e sem) a partic. da Embrafilme 71-79
Filmes Espectadores
Arrecadação Arrecadação
Nacionais filmes c/
Ano % total de fimes Filmes c/ Partic. %
(total partic.
nacionais Embrafilme
espectadores) Embrafilme
1971 28.082.358 2.837.093 10,1 53.368.910 6.554.378 12,28
1972 30.967.603 4.641.502 14,98 74.262.010 11.975.916 16,12
1973 30.815.445 2.637.724 8,55 81.271.005 8.904.383 10,95
1974 30.665.515 6.803.153 22,18 89.787.200 24.966.707 27,8

1975 40.859.308 6.324.268 12,94 174.836.594 25.691.043 14,69


1976 52.046.653 13.944.515 26,79 252.882.333 75.143.941 29,71
1977 50.937.897 14.778.952 29,01 453.325.087 149.744.164 33,03
1978 61.854.842 21.790.564 35,23 775.731.656 294.683.301 37,99
1979 55.836.885 13.375.724 23,95 1.016.430.320 254.272.520 25,02
TOTAL 382.066.506 87.133.495 20,41 2.971.895.115 851.936.353 23,06
Fonte: Ministério da Cultura, in A Evolução do Cinema Brasileiro no Século XX, CALDAS & MONTORO (Coord.), Brasília
2006, Casa das Musas.

Os Quadros 1 e 2 não deixam dúvidas quanto à importância da EMBRAFILME


para a produção, distribuição e consumo do cinema nacional na década de 70,
assim como mostra a participação direta dos governos militares na esfera
geral da cultura.

Os quadros demonstram o crescimento da participação do cinema nacional no


total de filmes exibidos, assim como a obrigatoriedade crescente de dias
reservados ao cinema nacional, a reserva de mercado estabelecida, além do
aumento do volume de financiamento e do total arrecadado pelo cinema
nacional no período.
O governo militar que se instaura no pós-64 foi responsável por grandes
mudanças no âmbito cultural, assim como pela consolidação de algumas
tendências já esboçadas desde o período Vargas. É curioso notar que as duas
grandes experiências de políticas públicas analisadas (1930-1945/1964-
1985) se estruturaram e se estabeleceram sob o signo da censura. No entanto,
a censura não operava de maneira unilateral e linear.

Segundo Ortiz, a censura do período pós-64 possuía duas orientações. A


primeira consistia em simplesmente vetar, a segunda era mais complexa e
envolvia diversas negociações com segmentos artístico-intelectuais, com o
público e com a conjuntura política. O autor aludido assim sintetiza:

Durante o período 1964-1980, a censura não se define


exclusivamente pelo veto a todo e qualquer produto cultural,
ela age como repressão seletiva que impossibilita a
emergência de um determinado pensamento ou obra artística.
São censurados as peças teatrais, os filmes, os livros, mas não
o teatro, o cinema ou a indústria cultural. O ato censor atinge a
especificidade da obra artística, mas não a generalidade de
sua produção. O movimento cultural pós-64 se caracteriza por
duas vertentes que não são excludentes: por um lado se define
pela repressão ideológica e política; por outro, é um momento
da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos
os bens culturais. Isso se deve ao fato de ser o próprio Estado
autoritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua
forma mais avançada.

Os dois grandes modelos de políticas públicas culturais analisadas (1930-


1945/1964-1985), sem mencionar o interregno do segundo governo Vargas
(1950-1954), se assemelham em muitos pontos, mas também se distinguem.
Ambos se caracterizaram por uma forte atuação na esfera cultural,
incentivando, fomentando e criando empresas e instituições devotadas a
cultura. Ambos possuíam um traço marcadamente autoritário e se inspiravam
em um forte viés nacionalista. No entanto, as diferenças também existem.

Se o período da era Vargas implicou a construção de uma arquitetura cultural


destinada a formar a teia de sentido que compõe a nacionalidade e a
identidade cultural brasileira, vinculando diretamente educação e cultura, o
movimento militar pós-64 atuou mais no sentido de criar as condições
tecnológicas e econômicas que permitiram a expansão da indústria cultural
brasileira, ampliando o mercado de consumo dos bens culturais.

No entanto, a maior diferença vem a ser o momento de modernização


econômica que o movimento militar de 1964 testemunhou. Como veremos na
unidade seguinte, a cultura, no período dos anos que se sucedem ao golpe de
1964, passa a atrair a atenção empresarial e a virar um grande negócio
nacional.

No decurso dos primeiros anos da década de 1980, o país passa a


experimentar mudanças político-culturais que marcam a última parte do
exercício de retomada de algumas das experiências de políticas culturais no
Brasil. A experimentação artística e cultural tem novamente seu vigor
recuperado por conta das novas liberdades democráticas do período.

As ações de Estado voltadas para a cultura, desde as primeiras instituições


culturais do Estado Nação Imperial, passando pela interface cultura/educação
nacionalista da Era Vargas, até o viés empresarial e autoritário do período
militar, deságuam com toda força no início dos anos 1980.

Assim, muito por conta do otimismo geral ensejado por conta da


redemocratização, técnicos, servidores, artistas, intelectuais, consultores e
trabalhadores da cultura de um modo geral sintetizaram suas metas, dentro e
fora do Estado, em torno da criação de um Ministério de Estado da Cultura.

Não obstante, as medidas de formulação das propostas de criação do


Ministério da Cultura, como a série de encontros, no decurso dos primeiros
anos da década de secretários de cultura, já são informadas por um conjunto
de mudanças que apontam para a globalização da cultura e os demais
processos que levarão a cultura para o centro da vida sócio-econômica.

Remontar as experiências de políticas culturais, nos obriga a enfrentar uma


constatação. Nas principais políticas e períodos analisados não havia uma
grande coordenação técnica e uma rigorosa racionalidade administrativa
devotada à cultura, por uma simples razão: a cultura só se torna algo central à
trama sociológica brasileira a partir das décadas finais do século XX.

As mudanças econômicas e políticas que complexificaram o mundo no pós-


guerra levam a cultura a progressivamente penetrar fortemente na vida
econômica, política e social. Da seguinte maneira, cada vez mais a vida
político-partidárias das grandes organizações do Estado-nação (parlamentos,
poderes constituídos, etc.) passam a sofrer influência da cultura, da música,
das tendências estéticas, do cinema, entre outros, aproximando cada vez mais
cultura e política. Basta ver os movimentos sociais dos anos 60 e 70, como o
movimento hippie e os movimentos estudantis desencadeados a partir de
maio de 1968, na França.

No âmbito econômico, se sente cada vez maior a presença inconteste de uma


economia da cultura. Shows musicais, eventos de entretenimento e lazer,
viagens de turismo cultural, corporações globais de produção cinematográfica
e musicais, festas populares, entre outros, geram trabalho, emprego e renda,
tudo sintetizado na importância que o ócio vem assumindo na economia
contemporânea dos serviços. No que diz respeito ao aspecto social, cada vez
mais se classifica os grupos e as classes de acordo com os códigos
comportamentais, com os estilos e com os sistemas cambiantes de
estruturação dos gostos, no qual o principal eixo vem a ser a marca do
consumo dos bens culturais.

Com efeito, a importância da cultura é levada ao centro do debate econômico,


político e social. A partir dos anos 1980, o que antes parecia cindido e
separado, os setores de organização da esfera cultural (erudito, popular e de
massa) passam a fazer parte do mesmo amálgama.

O processo que os unifica é o consumo simbólico como:


v pela expansão e profissionalização das diversas atividades culturais;
v pela intensificação e simultaneidade dos fluxos informacionais e
comunicacionais;
v pelo estreitamento das cadeias de interdependências comerciais e
econômicas;
v pela dissolução de antigas culturas nacionais, surgimento de novas
identidades e pertencimentos (de gênero, de raça, de cunho sexual,
entre outros);
v pela aproximação das diferenças em âmbito mundial;
v pela simultânea homogeneização e heterogeneização das culturas
nacionais e locais;
v pela formação de circuitos globais, nos anos 90, de grandes circuitos
de viagens que fortalecem o turismo cultural;
v pela consolidação de certos eixos mundiais de diversão e
entretenimento, como festas nacionais (carnaval brasileiro, por
exemplo), eventos esportivos e musicais;

v pela chamada divisão do trabalho cultural na economia da cultural


global contemporânea.

O surgimento e a posterior extinção do Ministério de Estado da Cultura do


Brasil - exatamente os dois eventos mais importantes da história das políticas
para cultura no Brasil, o primeiro como auspicioso ato em direção a um futuro
promissor para a cultura nacional, o segundo como ato trágico para a mesma
– ocorrem em meio ao processo de consolidação da cultura como negócio e
ativo econômico global.

Em face disso, resolvemos abordar as políticas culturais contemporâneas na


unidade que se segue, intitulada Cultura como negócio e como ativo.
Resumo do Capítulo 2
O Capítulo 2 Experiência sobre os modelos de políticas culturais apresenta os
principais marcos das políticas culturais no Brasil, desde o século XIX até a
fundação do Ministério da Cultura.

A fim de localizar os atores históricos de promoção e legitimação das políticas


culturais, o Capítulo começa destacando a grande importância das diversas
gerações de intelectuais e artistas ao longo da criação das principais
instituições que hoje compõem o sistema federal de cultura.

Nesse Capítulo também foram apresentados as três principais experiências de


políticas culturais encampadas pelo Estado brasileiro como:

• a criação do SPHAN (Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional), nos anos 30;
• a criação da Embrafilme, no final dos anos 1960; e
• a criação do Ministério da Cultura, no início dos anos 1980, todos
tendo como dinamizadores os próprios artistas e intelectuais.
Capítulo 3
Cultura como negócio
e como ativo

3.1 Introdução
O texto a seguir busca traçar, num primeiro momento, o movimento geral que
liga Economia e Cultura. Para tanto, analisa o papel do consumo da cultura na
dinamização entre economia e o mercado de bens simbólicos. A partir daí,
analisa o crescimento da indústria cultural no Brasil, suas mudanças e
atualizações.

Por fim, explora o aspecto inovador da economia da cultura global


contemporânea: o surgimento das indústrias criativas, a partir das quais a
diversidade das culturas populares vêm sendo valorizada como forma de
integração econômica e manutenção dos modos tradicionais de vida.

3.2 O PIB da cultura


A produção cultural brasileira movimentou, em 1997, cerca de 6,5 bilhões de
reais. Isto corresponde a aproximadamente 1% do PIB brasileiro, nos termos
dos cálculos feitos para 1994, último ano para o qual existem dados
abrangentes e confiáveis. Para cada milhão de reais gasto em cultura, o país
gera 160 postos de trabalho diretos e indiretos.

Esse resultado revela uma dimensão que, habitualmente, não aparece nas
avaliações sobre a cultura, isto é, o seu impacto social e econômico,
mostrando claramente a potencialidade da área para o desenvolvimento
econômico.
Em 1994, por exemplo, havia 510 mil pessoas empregadas na produção
cultural brasileira, considerando-se todos os seus setores e áreas. Elas
distribuíam-se da seguinte forma:

· 391 mil empregadas no setor privado do mercado cultural (76,7% do


total);

· 69 mil como trabalhadores autônomos (13,6%);

· 49 mil ocupados nas administrações públicas, isto é, União, Estados e


municípios (9,7%).

Esse contingente era 90% maior do que o empregado pelas atividades de


fabricação de equipamentos e material elétrico e eletrônico, 53% superior ao
da indústria automobilística de autopeças e de fabricação de outros veículos e
78% superior ao que o empregado em serviços industriais de utilidade pública
(energia elétrica, distribuição de água e esgotos e equipamentos sanitários).

Ainda sobre o PIB da cultura, a última pesquisa da Fundação João Pinheiro


revelou que, já em 1980 (um dos anos analisados para fins de comparação),
enquanto o valor da produção cultural brasileira global alcançava 1%, os
serviços de saúde chegavam a 2,2%, e os de educação alcançavam 3,1%. Isso
mostra a importância das atividades culturais para a economia e a sociedade
brasileira.

Como se pode notar pelos dados apresentados, cumpre a essa unidade


apresentar a trajetória de desenvolvimento e inserção da cultura nas
atividades econômicas de grande porte. Embora ainda não seja uma conta
específica do cálculo específico da macro-economia nacional, salta aos olhos
a importância que a cultura vem assumindo no balanço e na contabilização
dos setores público e privado, nas suas mais variadas áreas de atuação e
níveis governamentais.

Para que fique bem claro, é preciso ressaltar que, na contemporaneidade das
sociedades globais, a cultura não corresponde a um todo unificado e
homogêneo; antes, o contrário. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que a
função das atividades culturais (manifestações populares, festas religiosas,
filmes, CDs, livros, peças teatrais, entre muitos outros) não cumpre tão-
somente um efeito econômico, mas também simbólico-político.

Não é possível nesse espaço problematizar os pormenores teórico-empíricos


que compõem a rica e complexa relação entre cultura e economia. Por isso,
nos concentraremos:

· nas transformações sociais das últimas décadas do século XX para


evidenciar o panorama geral da relação contemporânea de
complementaridade entre economia e cultura;

· no trabalho de uma modalidade específica de consumo – o consumo


simbólico –, que permite compreender melhor a interface entre
economia e cultura;

· discorreremos acerca de exemplos concretos que aproximam essas


duas esferas.

Embora a produção cultural brasileira tenha movimentado em 1997 cerca de


6,5 bilhões de reais, o que corresponde a 1% do PIB brasileiro, os cálculos
foram elaborados a partir do ano base 1995. Ainda faltam dados sistemáticos
e confiáveis, o que dificulta, em certa medida, um desenho geral da chamada
“economia da cultura”, além de dificultar a ação do Ministério da Cultura e de
outras instituições incumbidas do fomento da cultura.

Nesse sentido, o desenho das políticas públicas culturais ainda apresenta


contornos indefinidos, mas já permite vislumbrar o quanto estão imbricadas
com a dinâmica do consumo simbólico-cultural global. Mesmo assim, dados
da Fundação João Pinheiro, confirmam, como vimos acima, que no final da
década de 1990 cerca de 800 mil pessoas trabalhavam diretamente na
cultura.

Em que pese os últimos esforços do Ministério da Cultura, sobretudo aqueles


realizados pela gestão atual, em contratar estudos econômicos destinados a
calcular o PIB da cultura, ainda é muito difícil estabelecer uma metodologia
segura que permita se traçar um mapa abrangente do desempenho da cultura
apara a soma total do ativo circulante. O que se sabe, sem nenhuma dúvida, é
que a cultura corresponde a um setor multifacetado e extremamente
diferenciado.

Para se ter apenas uma breve idéia, o setor de serviços corresponde hoje no
Brasil a cerca de 50% do Produto Interno Bruto, no qual a cultura, definida
como uma área específica, desempenharia um papel importante. Dentro
daquilo que se concebe como economia de serviços, a cultura representa
cerca de 20% a 30% de seu potencial.

No entanto, a grande dificuldade consiste em saber o que de fato entraria na


conta da chamada economia da cultura, pois nele deve-se inserir um conjunto
de novas atividades que vem atraindo consumidores e diversificando o setor.

Na interface econômica e cultural é preciso inserir também o crescimento do


turismo cultural e tudo o que corresponde às atividades de entretenimento,
lazer e diversão, amalgamadas na importância que o ócio passou a
desempenhar nas últimas décadas, sobretudo em países como o Brasil
(Farias, 2001). Se o calculo da economia da cultura for estendido a essas
atividades, como as festas populares, jogos de futebol, shows musicais, entre
outros, estima-se que o valor do PIB da cultura chegue a cerca de 10% da Trabalhador da cultura: técnicos
de espetáculos, atores,
soma total do produto interno bruto. produtores, intelectuais em geral,
músicos, cineastas, consultores,
enfim, um conjunto de atividades
Percebe-se que o cálculo é complexo e enseja um longo debate por parte de que estão espraiadas pela junção
economistas e sociólogos, assim como pesquisadores do setor. No entanto, é contemporânea entre indústria do
entretenimento e da diversão,
possível se constatar alguns fatos nesse debate. Por exemplo, o trabalhador da rituais e celebrações da cultura
popular e eventos artísticos
cultura possui alta empregabilidade e também uma elevada escolaridade. ligados a cultura erudita).

Sem dúvida, não é possível compreender o cálculo da economia da cultura,


sobretudo em um país como o Brasil, sem considerar a importância que os
grandes eventos ligados às festas e celebrações populares desempenham,
como, por exemplo, os grandes eixos da diversão que organizam o calendário
das festas no Brasil: carnaval da Bahia, carnaval do Rio de Janeiro (fevereiro),
festa do Boi Bumba na Amazônia (novembro), festa do Peão de Boiadeiro em
Barretos, interior de São Paulo (agosto), e as festas juninas, em todo nordeste
brasileiro (junho).

Como se pode notar, cultura e economia abrigam hoje, na contemporaneidade


global, por um conjunto de processos que analisaremos mais ao final do texto,
mas que podem ser brevemente descritos.

Entre eles está a relação entre o crescimento do entretenimento e o surgimento


dos grandes circuitos globais de diversão e de consumo do lúdico, como:

· as festas populares brasileiras espalhadas por todo o calendário


anual;

· o surgimento de novos mercados e nichos de consumo ligados ao


turismo de eventos, que consiste em associar lazer e trabalho;

· o aumento massivo dos bens simbólicos produzidos pela indústria


cultural internacional (filmes, músicas, imagens, etc.);

· a expansão das cadeias de comunicação digital e o respectivo


aumento da oferta de programação e conteúdo; a conformação de
unidades de hipermídia;

· a internacionalização dos eventos da cultura erudita, antes voltados


para públicos restritos;

· por fim, o crescimento intenso do turismo de cultura, o chamado


“turismo cultural”.

3.3 Indústria cultural no Brasil e consumo


simbólico
Nas chamadas sociedades pós-indústrias (Tourain, 1998), fabricar deixou de
ser o mais importante e, em conseqüência, a prestação de serviços é mais
valorizada e agrega a um maior valor, além de diversificar muitos seus ramos. A
cultura, na maioria de suas atividade, faz parte de um serviço técnico e
artístico altamente especializado e complexo, que costuma agregar muito
valor e envolver diretamente os setores público e privado. Basta pensar na
cadeia produtiva do cinema brasileiro, por exemplo, que envolve
financiamento de ambos os setores, diversos profissionais e atinge a públicos
bastante diferenciados.

O mercado dos chamados bens simbólico-culturais (filmes, peças teatrais,


revistas especializadas, festas, concertos, eventos musicais, galerias, museus,
músicas, celebrações, entre muitos outros) envolve uma relação muito
específica com os bens, chamados “bens intangíveis e artísticos”.

As mudanças econômicas e políticas verificadas na última década (valorização


das chamadas autenticidades culturais, importância dos estilos de vida para
construção das personalidades individuais, aumento dos contatos inter-
étnicos, afirmação dos direitos culturais, etc.) trouxeram, entre outras coisas, o
declínio da produção em massa e do emprego em grandes linhas de
montagem e padronização, o que implicou num desejo de diversão e viagem
mais ligado a particularidades artísticas, a uma espécie de valorização do
outro, do desconhecido e do diferente.

O consumo das atividades artístico-culturais diz respeito a um movimento mais


amplo de configuração de um amplo mercado transnacional de cultura, no que
concerne à feitura, à circulação e ao consumo dos bens simbólico-culturais.

Essa hipótese não é nova, no entanto, guarda algumas especificidades


Saiba mais sobre o
exatamente no que toca aos processos simbólico-legais de legitimação,
economista, filósofo e
visibilização e registro de certos bens imateriais considerados patrimônios socialista alemão, Karl Marx
no endereço eletrônico
culturais. http://www.culturabrasil.org/
marx.htm
Na verdade, a relação que envolve o consumo cultural não é simplesmente de
compra e de trocas comerciais, há uma série de processos sociais inscritos na
experiência do consumo, que agrilhoados instauram um conjunto de sentidos,
valores, códigos ético-morais e, por conseguinte, conduzem para o aumento
do acervo de motivações em torno do consumo.
O consumo cultural está profundamente ligado, por um lado, à própria história
do capitalismo e, por outro, as éticas de vida surgidas no bojo de estruturação
da modernidade. Dizia Karl Marx: “o capitalismo não produz só as mercadorias
para o consumo, mas o próprio consumidor também”. Tal assertiva casa-se
com a distinção clássica entre necessidades reais e necessidades artificiais.

No entanto, mesmo as necessidades mais artificiais detectadas por Marx e no


tempo de Marx (toda suntuosidade e luxo das cortes européias em decadência
e dos palácios e salões burgueses em franca ascensão, durante o século XIX,
século de grande consumo do luxo) ainda eram de ordem eminentemente
material, isto é, jóias, carruagens, castelos, palácios urbanos, mobiliários,
entre outros. Obviamente possuíam, por trás de si, um imperativo social do
desempenho, “um estilo de vestir, comer, andar, falar, de fruir da decoração
doméstica, entre outros”.

Durante todo século XIX e primeiras décadas do século passado, o consumo de


cultura no Brasil se viu restrito aos círculos cortesãos localizados, cuja
chamada cultura erudita era produzida e consumida seletamente. Só para se
ter um exemplo, o setor gráfico e de editoração nacional praticamente
inexistiu. A maioria dos livros editados era confeccionada e impressa na
Europa, sobretudo na França e em Portugal.

Com a revolução de 1930 e com a respectiva reformulação das políticas


públicas estatais, da ampliação dos serviços (ainda concentrados nos centros
urbanos) do Estado, do aumento substancial da burocracia administrativa,
mas, sobretudo, da intensificação dos processos de industrialização e
urbanização, o mercado do livro se expande.

As condições técnicas se instalam e o mercado de consumo, na esteira do


aparecimento das classes médias urbanas, se amplia, redundando em um
crescimento vertiginoso do numero de exemplares vendidos, publicados,
diagramados e editados no Brasil.
Data desse período algumas das publicações mais importantes da literatura
brasileira: Vidas Secas, O quinze, Grande Sertão Veredas, Jubiabá, Menino de
Engenho, entre muitas outras.

Pela primeira vez, ao contrário do período imperial, há a profissionalização de


escritores e autores devotados à arte literária, podendo então sobreviver das
vendas de suas obras. Beneficiam-se com essa transformação nomes como
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, etc. Tal processo só se
acentua nas décadas seguintes, criando, aos poucos, um mercado cultural
nacional, ainda restrito a imprensa, ao setor editorial (revistas de época e
livros), ao rádio e a chamada “cultura erudita”.

Com a definitiva modernização da economia brasileira nos anos 1950,


sobretudo após o governo JK, o Brasil passa a importar, não só bens
manufaturados, como os recursos e o aprendizado técnico-científico para
introduzir entre nós companhias cinematográficas, redes de televisão,
agências publicitárias, gravadoras musicais, entre outras.

Com a expansão dos serviços urbanos e a definitiva composição de uma classe


média burocrático-liberal, formada de profissionais liberais e funcionários
públicos de um modo geral, os primeiros alicerces da chamada “Indústria
cultural” são erguidos.

Eis que o mercado de consumo simbólico, muito secundado na indústria


fonográfica (nos anos 1960 o Brasil já é um dos maiores consumidores de
discos de vinil do mundo) e na tríade rádio/TV/cinema, passa a se consolidar
em âmbito nacional, o que ocorre de fato na virada dos anos 1960 para a
década de 1970. Acerca dessa expansão, o sociólogo Renato Ortiz ressalta:

Se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momentos


de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de
60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens
culturais. Existe é claro um desenvolvimento diferenciado dos
diversos setores ao longo desse período. A televisão se
concretiza como veículo de massa em meados da década de
sessenta, enquanto o cinema nacional somente se estrutura
como indústria nos anos setenta. O mesmo pode ser dito de
outras esferas da cultura popular de massa: indústria do
disco, editorial, publicitária, etc. No entanto se podemos
distinguir um passo diferenciado de crescimento desses
setores, não resta dúvida que sua evolução constante se
vincula a razões de fundo, e se associa a transformações
estruturais por que passa a sociedade brasileira.

Como atesta Ortiz, a partir dos anos 1960 e 1970 a modernização cultural
brasileira se consolida e tem sua produção, distribuição e consumo
nacionalizados. No fim dos anos 60 o Brasil se associa ao Sistema
Internacional de Satélites (INTELSAT), dinamizando os fluxos comunicacionais
e informacionais com o mundo. Tem início, também nesse mesmo período, a
definição de uma política oficial de telecomunicações, com a criação do
Ministério das Telecomunicações.

Assim, o Brasil passa a superar os obstáculos tecnológicos que impediam a


expansão da televisão, assim como o monitoramento, via satélite, de vastas
áreas do território nacional, como a Amazônia. A integração nacional, via um
abrangente circuito de imagens e permitida por meio de investimentos em
infra-estrutura tecnológica, fazia parte do ideário de segurança e integração
nacional gestado pelo governo militar.

Segundo Ortiz, a idéia de integração nacional é central às propostas de


modernização tecnológica e cultural nas comunicações nacional, o que
acabou fazendo com que o Estado passasse a privilegiar certos grupos
empresarias de comunicação, como aqueles ligados à televisão.

Pode-se dizer que entre a segunda metade da década de 60 até o fim dos anos
70, a esfera cultural acompanhou de perto o crescimento econômico geral do
país. Assim, esse intervalo de tempo testemunha a consolidação de um
mercado cultural de massa.

Se até a década de 1950 o consumo era restrito, atingindo círculos pequenos


e estratos urbanos mais abastados, nos anos 1960 e 1970 os bens culturais
passaram a fazer parte do cotidiano de um número maior de pessoas. No
período em questão, ocorre a estruturação, expansão e consolidação dos
grandes conglomerados comunicacionais do país.

A indústria gráfica e o mercado editorial é um exemplo inconteste desse


crescimento. Segundo Ortiz, o exemplo mais acabado pode ser fornecido pelo
grupo editorial Abril, que expande e diversifica suas tiragens semanais e
mensais, passando a controlar o mercado de revistas no país.

A década de 1970 assiste a consolidação e a diversificação das publicações,


que ocorrem em três segmentos específicos:

· o infantil, com gibis e revistas semanais quinzenais e mensais


(Cebolinha, Luluzinha ,Piu-piu, Enciclopédia Disney, etc.);

· o feminino, com publicações periódicas também diversificadas


(Capricho, Você, Cláudia, etc.);

· o masculino, com publicações que procuravam atender as demandas


masculinas (Quadro Rodas, Playboy, Placar, etc.).

Outro crescimento vertiginoso ocorreu nos ramos que compõem a indústria


fonográfica, cujo desenvolvimento tecnológico também desempenhou um
papel decisivo. Desde os anos 30 e 40 que a indústria fonográfica, amparada
no sucesso e penetração maciça do rádio em todo território nacional, obtinha
um crescimento constante.

Mas, devido à facilidade de se obter eletro-eletrônicos e aparelhos sonoros de


um modo geral (radiolas, compacto simples, compacto duplo, fitas, etc.), que
a indústria fonográfica brasileira passou a apresentar dados substancias de
crescimento. Entre 1967 e 1980 a venda de discos cresce 813 %. O
faturamento das indústrias fonográficas cresce, entre 1970 e 1976, de
1.375%. O consumo de discos também nesse mesmo período aumenta
vertiginosamente, assim como os setores da atividade fonográfica se
diversificam, como indica o Quadro 3.

Quadro 3 - Comercialização de Produtos Fonográficos entre


1972 - 1976 e 1979.
Ano LPs Compacto Simples Compacto Duplo Fitas
72 11700 9900 2500 1000
73 15000 10100 3200 1900
74 16000 8200 3500 2800
75 16900 8100 5000 3900
76 24000 10300 7100 6800
79 39252 12613 5889 8481
TOTAL 122852 59213 27189 24881
Fonte: ABINEE, in A Moderna Tradição Brasileira, Ortiz, Renato; São Paulo, Brasiliense, 2001.

Talvez o exemplo que expressa melhor o crescimento, a diversificação e a


importância econômica do mercado de cultura brasileiro nos anos 1960 e
1970, sobretudo no que concerne ao circuito da indústria cultura, é fornecido
pela televisão.

Nos anos 1950, momento de fundação das primeiras redes e emissoras de TV,
como a TV Tupi, em São Paulo, as programações e as audiências locais,
concentradas nos dois principais centros urbanos nacionais, Rio e São Paulo.

A partir dos anos 1960, com o investimento do Estado em telecomunicações e


em infra-estrutura, muitos grupos privados nacionais (a maioria deles
vinculados a outros setores, como o rádio e o setor editorial) passaram a se
interessar pelo mercado televisivo que surgia, além de ventilar a possibilidade
de integrar os setores e as várias linguagens comunicacionais existentes no
período (rádio, Jornal, TV), como fora o caso do grupo comunicacional Os
diários Associados.
Como ressalta Ortiz, para o crescimento da TV e consolidação de seu potencial
de mercado, foi necessário um incremento na produção de aparelhos, na
distribuição e a melhoria geral das condições técnicas de transmissão e
recepção. No caso da produção, em 1970, ela já era de 860 mil unidades,
crescendo ainda mais nos anos seguintes.

Em meados dos anos 1980, havia no Brasil cerca de 2.000 estações de rádio e
140 de TV, sendo cerca de 56 milhões de aparelhos receptores de rádio e 26
milhões de TV. A rede de rádio, já aquela época, podia cobrir todos os
habitantes do país, enquanto a cobertura de TV alcançaria cerca de 80 milhões
de pessoas. No fim dos anos 1970, os números ermos são exatamente a
metade. O grande crescimento se verificou no setor de televisão, no qual o
número de receptores eram de 13 milhões (Gráfico 1 e 2).

Gráfico 1- Evolução no nº de aparelhos P&B de


1955-1980

Evolução no Nº de aparelhos P&B de 1955 ­ 1980

80 

70 
Ano 

60 

50 
0  5000  10000  15000  20000 
Nº de aparel hos P&B 

Fonte: ABINEE, in A Moderna Tradição Brasileira, Ortiz, Renato; São Paulo,


Brasiliense, 2001
Gráfico 2 - Nº de aparelhos PB&C

Nº de Aparelhos (PB&C) 

25000 

20000  19602 

15000 
Nº de Aparelhos 
(PB&C)
10000  10185 

5000  4931 
2202 
0  2  170  760 
1950  1955  1960  1965  1970  1975  1980 

Fonte: ABINEE, in A Moderna Tradição Brasileira, Ortiz, Renato; São Paulo,


Brasiliense, 2001

Outro setor fundamental para a modernização cultural experimentada no


período aludido, assim como para a sedimentação da indústria cultural no
Brasil, foi o crescimento do investimento em publicidade.

Tal crescimento dependeu de um conjunto de transformações associadas, da


importância de veiculação e de visibilização das marcas, da associação das
marcas de diversos produtos com temas e eventos do contexto nacional e
mundial, enfim, de uma maior racionalidade empresarial voltada para a
diferenciação dos públicos e das demandas específicas de classes, gêneros e
idades.

Com as transformações técnicas fomentadas pelo Estado e com o crescimento


macro-econômicos do período, o acesso aos equipamentos eletro-eletrônicos
foi demasiado facilitado. As campanhas publicitárias de marcas e produtos
existentes no mercado de bens matérias em âmbito nacional se dirigir, cada
vez mais, para a televisão, fazendo deste último o principal veiculo de
vizibilização e de legitimação de produtos e determinados estilos de vida de
certos grupos e classes sociais.

Aos poucos, a especialização do consumo, o que em si, já põe em suspenso a


noção conceitual de “cultura de massa” e os dispositivos simbólicos de
distinção e de estratificação forjaram seus nichos e segmentos específicos:

· A TV, após o barateamento dos aparelhos em meados dos anos 60,


logo assume a ponta de veiculo de entretenimento, concentrando-se
entre as classes médias e as camadas urbanas populares de um modo
geral.

· O rádio, espalhado pelos rincões rurais e cercanias urbanas.

· O cinema, restrito mais aos segmentos intelectualizados das classes


médias e elites intelectuais urbanas.

Tudo isso conduz a um aumento do consumo simbólico, mas especificamente


a experiência de constituição das classes sociais e grupos urbanos, mediante
a estruturação dos gostos e dos sistemas de valores coletivos mais caros a
certos estratos específicos.
Quadro 4 - Investimento Publicitário nos Veículos de Comunicação em%
Ano TV Revista Rádio Jornal Outros TOTAL
1962 24,7 27,1 23,6 18,1 6,5 100
1972 46,1 16,3 9,4 21,8 6,4 100
1982 61,2 12,9 8 14,7 3,2 100
Fonte: Meio e Mensagem e Grupo Mídia. In: A Moderna Tradição Brasileira, Ortiz, Renato; São Paulo, Brasiliense, 2001

Um dos grandes impactos tributários da modernização cultural e da


sedimentação da indústria cultural entre nós ocorre na estrutura da
mentalidade empresarial e administrativa dos detentores do capital e
investidores em cultura (Quadro 4).

A partir dos anos 1950, muitos sociólogos brasileiros atestam essa mudança
(Lanni, 1971; Cardoso, 1969; e Fernandes,1962), o planejamento e o cálculo
administrativo sistemático ganham peso nas atividades estatais e privadas,
conferido às ações de ambos uma racionalidade antes ausente. A indústria
cultural não escapa à essa mudança; antes, o contrário: ela é uma das
primeiras a adotá-la.

O conteúdo da programação, a durabilidade dos programas, o público-alvo, o


valor dos anúncios, o tempo de duração, o planejamento da grade de exibição
e muito mais passam a ser temas de departamentos e de setores específicos
dos conglomerados empresarias de cultura que surgem a partir doa anos
1960. A profissionalização, assim como a formalização das atividades
desempenhadas pelos profissionais do circuito da indústria cultural, passa a
ser a tônica geral do recrutamento no setor.

Técnicos de som, fotógrafos, coreógrafos, cinegrafistas, maquiladores, dublês,


roteiristas, etc. passam a ser profissões demandadas e valorizadas. A
profissão de fotógrafo pode ser um bom exemplo a esse respeito. Em 1950
existiam 7.921 fotógrafos ligados ao circuito da indústria cultural; em 1960,
13.397, número que passa para 25.453, em 1970, e 40.259, em 1980.

Segundo Ortiz, o espírito empreendedor aventureiro e voluntarista de


Chateaubriand (Assis Chateaubriand, maior empresário de comunicação no
Brasil até os anos 60) que caracterizou toda uma época, não era mais possível
e adequado dentro do capitalismo avançado dos anos 1960 e 1970.

Durante esse período, os grandes empresários do setor cultural são outros.


Eram homens que buscavam direcionar e, ao mesmo tempo, diversificar os
investimentos cujos objetivos visavam racionalizar os lucros, sempre atentos a
nichos de mercado. Segundo Ortiz, eram homens que administravam grandes
conglomerados, buscando integrar diversos setores empresariais, desde o
circuito da indústria cultural à industria propriamente dita.

· Civita: Editora Abril, Distribuidora Nacional de Publicações, Centrais


de Estocagem Frigorificada, Quaro Rodas Hotéis, Quatro Rodas
Empreendimentos Turísticos.

· Roberto Marinho: TV Globo, Sistema Globo de Rádio, Jornal O globo,


Rio Gráfica, Teleom, Galeria Arte Global, Fundação Roberto Marinho.

· Frias e Caldeira: Folha da Manhã Última Hora, Notícias Populares,


Litografia Ypiranga, Fundação Cásper Libero.

Como se pode notar em todos os exemplos citados, no intenso ritmo de


crescimento do circuito da indústria cultural brasileira, em sua associação
direta e indireta com o Estado nos anos de 1960 e de 1970, e, mesmo antes,
nas décadas de 30 e 40, a conversão da cultura como negócio não é recente.

A interface, como se viu, entre Cultura e Economia remonta a própria história


de mudanças e ciclos do capitalismo. O que de fato é novo, inédito, por assim
dizer, é a valorização das chamadas culturas populares em termos
propriamente econômicos, associadas ao desenvolvimento, ao bem-estar e à
geração de trabalho, de emprego e renda.
Após a valorização oficial das culturas populares promovidas pelos
intelectuais modernistas nos anos de 1930, o registro do popular passou a ser
identificado com o consumo. Popular passou a ser, sobretudo a partir dos anos
60, aquilo que era consumido, visto e apreciado pelos muitos grupos urbanos
espalhados pelos centros industriais dos pais.

Com as mudanças ensejadas a partir dos anos 80 e 90 do século passado,


contexto em que surge o Ministério da Cultura, isto é, a desregulamentação
das economias nacionais, aumento dos intercâmbios culturais via os grandes
conglomerados midiáticos de entretenimento e da globalização dos conflitos e
tensões mundiais, muitos grupos de intelectuais, pesquisadores e artistas
passaram a retomar o tema da cultura popular.

Passam a vinculá-la à autenticidade e à criatividade, assim como às várias


formas de resistência contra as indústrias culturas globais que, segundo os
grupos citados, insistiam na imposição de padrões culturais homogenizadores.

Os contornos iniciais dessa mudança podem ser verificados logo após o fim da
Segunda Guerra Mundial, mas só se intensificam de fato a partir do advento
dos processos de massificação e de intensificação dos fluxos financeiros,
econômicos, simbólicos e comunicacionais que marcam o advento da
globalização.

Assumindo o compromisso de valorizar, após as muitas irrupções de violência


durante a Segunda Guerra, como o holocausto, a diversidade étnico-cultural
em suas mais variadas formas, a ONU passou a empreender ações no sentido
de fomentar práticas de convívio pacífico com as mais variadas modalidades
de alteridade e de diferenças.

Em contraposição ao imperativo de padronização das indústrias culturas


globais, muitos organismos internacionais, governos nacionais, organizações
não-governamentais (a maioria delas tendo como dirigentes intelectuais,
artistas, pesquisadores e especialistas em cultura de um modo geral)
passaram a desenvolver atividades, programas, ações, organizações e
políticas em geral no sentido de preservar e, simultaneamente, promover
economicamente as tradições das chamadas culturas populares.

Essa é a grande mudança na relação economia/cultura, ou seja, a inserção


das tradições populares (rituais religiosos, festas, celebrações, culinárias,
artesanato, entre muitos outros) no circuito do consumo global, cujo objetivo
repousa em duas direções: promover, incentivar e fomentar a criatividade da
cultura popular, no sentido de desenvolver emprego e renda, disseminando
seus bens (matérias e imateriais), sem, contudo, comprometer a preservação
das tradições e as formas de identificação e pertencimento.

Nesse sentido, há uma vasta e densa teia de projetos, sistematizados por


órgãos e instituições transnacionais, que põem em ação os desejos de ampliar
e explorara as potencialidades das chamadas indústrias da criatividade,
sobretudo quanto à suas possibilidades de criação de emprego e geração de
renda. Estão inseridos nessa ampla constelação de instituições, como a ONU, o
BID, a UNESCO; programas, como o Pnud; centros de estudos, como o Centro

internacional das Indústrias Criativas, sediado no Brasil; entre muitos outros.

Na divisão do trabalho internacional da cultura que ora se estrutura (Yudice,


2000), a valorização das chamadas culturas locais ganhou novas intensidades
simbólicas, recrudescendo a partir do momento em que organismos
internacionais, como a UNESCO, passaram a manter com as atividades culturais
uma nova relação política, invertendo e/ou deslocando o conceito de cultura
para um patamar nunca antes explorado.

No entanto, só nos últimos anos da década passada e primeiros anos deste


século – no intervalo que compreende os últimos anos do governo FHC e agora
o governo Lula – é que o Minc se inseriu de fato nas teias institucionais
transnacionais, que estreitam as interdependências entre mercado e cultura
de ação, no interior das quais gira a noção de cultura e desenvolvimento
econômico.
Um exemplo acabado a esse respeito se encontra na instauração do Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial e toda sua adaptação à estrutura do Decreto
n. 3551/2000. A seguir, serão analisadas as implicações desses dispositivos
institucionais para a composição da nova configuração envolvendo Economia
e Cultura.

3.4 A cultura popular como fator de


desenvolvimento: as indústrias da criatividade
Estou falando de cultura no sentido amplo. O sentido que
damos a esta palavra no Ministério da cultura. Cultura como
galeria de expressões artísticas, obviamente, e cultura como
os modos de fazer e pensar do povo. Cultura como usina de
símbolos que nos identifica como espécie, sociedade, grupo
social e indivíduos. Cultura como produção simbólica e direito
humano fundamental, como base da cidadania. E cultura
como economia vital para o desenvolvimento, com alto
impacto na geração de renda e emprego.

Este é um fragmento de um discurso do Ministro da Cultura (Minc), Gilberto Gil,


proferido na câmara de comércio suíço-brasileira, reunida em São Paulo, no
dia 22 de novembro de 2003. Este é um elemento singelo dos novos
direcionamentos do Ministério da Cultura, sob os auspícios da gestão Gil e de
todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Das transformações ora em curso, muitas foram vicejadas ainda no início dos
anos 80, momento inclusive de fundação e institucionalização do Ministério
da Cultura brasileiro, quando o Brasil passou a experimentar um maior
expansão do setor de serviços de sua economia, algo que só de fato se
acentuou no decurso dos anos 90.

Desde a segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que duas


direções passaram presidira as ações do Minc. A primeira diz respeito à
visibilidade, à circulação e à pujança que o mercado de consumo cultural
nacional e transnacional passou a portar durante toda a década de 1990,
fazendo com que os embriões institucionais da interface cultura/
desenvolvimento econômico surgissem no Brasil.

A segunda direção passou a gravitar em torno do universo da chamada cultura


popular, para a qual foram destinados, através dos mecanismos de renúncia
fiscal e outros dispositivos de fomento, muitos dos recursos surgidos no
âmbito orçamentário e extra-orçamentário do Ministério. Desde meados dos
anos 90, é possível se verificar o advento de um novo arcabouço jurídico de
fomento e incentivo às atividades artístico-culturais, algo que veremos nas
unidades seguintes.

Cada vez mais os governos, sejam os de caráter federal, estadual, municipal


ou transnacional, se interessam por eventos que abriguem traços expressivos
das chamadas culturas locais e/ou tradicionais. Feiras, festas, celebrações,
exposições, centros de artesanato, casas de cultura, entre outros, entram no
circuito do entretenimento cultural e sedimentam novas rotas do turismo
global, engendrando elos maiores na cadeia produtiva da cultura.

Além do interesse de arrecadação e dinamização do setor econômico dos


serviços, os governos se esmeram em granjear, junto às atividades culturais,
modalidades de legitimação e visibilização de suas respectivas
administrações.

A gestão da cultura assume uma dinâmica de racionalidade administrativa


(calendários anuais, programações, vasta divulgação publicitária, patrocínio
privado, recursos extra-orçamentários, fundos de incentivo, renúncia fiscal,
entre outros) que passa a fazer parte das grandes políticas públicas de Estado,
como é o caso de algumas secretarias de cultura e turismo no país e do próprio
Ministério da Cultura.

Três pequenos exemplos podem bem ilustrar tal processo. Em uma publicação
recente, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, Bahia, em parceria
com a Petrobrás, intitulada Série Cultura Conquistense, divulgou algumas de
suas ações destinadas à cultura popular. Junto a essa publicação, foram
distribuídos CDs e DVDs contendo imagens e sons concernentes às
manifestações artístico-folclóricas (ternos de reis, repentistas, procissões,
entre outras) da região e do município.

No mês de janeiro de 2006, em uma escala maior do que àquela verificada em


Vitória da Conquista, o Governo do Distrito Federal, por meio de sua Secretaria
de Cultura, em parcerias com alguns ministérios da administração federal,
assim como bancos e instituições regionais e nacionais, como a Petrobrás e a
rede hoteleira local, realizou o IV Encontro da Folia de Reis do Distrito Federal,
evidenciando um acentuado grau de organização e sistematização das
políticas públicas e também privadas destinadas à cultura popular.

Em outra publicação regional, O dito e o feito, o Ministério do Trabalho e


Emprego, aliado aos órgãos de pesquisa da Administração Pública Federal,
realizou um levantamento significativo, em que consta também um CD, acerca
da geração de trabalho e renda existente no âmbito das atividades artístico-
foclóricas da cultura popular do Brasil Central.

Outro exemplo extremamente importante para essa discussão é Programa


Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) do Ministério da Cultura, claramente
inspirado nas propostas de Mario de Andrade, esboçadas nos anos 30, e no
Programa de valorização dos “mestres de arte”, do governo francês, surgido no
bojo dos programas de incentivo à preservação e à reprodução dos chamados
“tesouros humanos vivos”, empreendido pela Unesco.

Esta última define o patrimônio cultural imaterial como “o conjunto das


manifestações populares, tradicionais e populares, ou seja, as criações
coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre uma tradição. Elas
são transmitidas oral e gestualmente, e são modificadas através do tempo por
um processo de recriação coletiva. Integram essa modalidade de patrimônio
as línguas, as tradições orais, os costumes, a música, as danças, os ritos, os
festivais, a medicina tradicional, as artes da mesa e o ‘saber fazer’ dos
artesanatos e das arquiteturas tradicionais”.

Inspirados nessa ampla definição, mas concentrando as atenções na


expressão “o saber fazer”, o governo francês, por meio de seu Ministério da
Cultura, o programa “Mestres de arte”, inspirado, portanto, na recomendação
da Unesco para os chamados tesouros humanos vivos.

De um modo geral, tanto o programa francês quanto às recomendações da


Unesco – que também se traduzem em apoio financeiro e logístico – gravitam
em torno da concepção de que o saber popular acumulado pela comunidade
devem ser preservados, atualizados e reproduzidos. Condensado, muitas
vezes, na figura de um grande mestre (como são as paneleiras de Goiabeiras,
no Espírito Santo, as baianas do acarajé, na Bahia, os repentistas, no sertão
nordestino, ou as figuras esculpidas em barro, de mestre Salustiano, em
Caruaru, Pernambuco, e muitos outros).

Esses saberes geram produtos e atividades extremamente valorizados por


alguns nichos de consumo, sobretudo alguns setores das classes medias do
Sudeste do país e de determinadas partes do mundo.

No modelo francês, através da seleção de novos alunos (que recebem uma


bolsa de incentivo) que estejam dispostos a se aprimorar e reproduzir o ofício-
arte aprendido. Mediante tais desenhos institucionais, o Programa Nacional
Patrimônio Imaterial, criado a partir do Decreto nº 3551, de 04 de agosto de
2000, vem criando equipes de trabalho para estabelecer critérios de registro
dos bens culturais de natureza imaterial, inserindo ai discussões sobre os
“mestres de arte” e a noção de “tesouros humanos vivos”.

Há no mundo todo hoje uma rede de instituições, organismos nacionais e


transnacionais que atuam no sentido de subsidiar tecnicamente e
economicamente as chamadas “culturas populares locais” (muitas delas
estabelecidas nos antigos paises de terceiro mundo, hoje chamados países
em desenvolvimento, com, por exemplo, o Brasil).
No plano operacional, contratam órgãos especializados e Organizações Não-
Governamentais (ONGs), para estabelecer linhas de ação e auxílio técnico. No
plano estritamente econômico, incentivam e valorizam a produção e/ou
manutenção de bens e atividades culturais a fim de criar visibilidade e
mercado de consumo.

A lógica consiste em criar e/ou aumentar um tipo especifico de publico, isto é,


um consumidor/ apreciador: aquele que valoriza e incentiva a autenticidade e
criatividade da chamada “cultura popular”.

Como a valorização do particular, do diferente e do autêntico nunca esteve tão


em evidência, muitas empresas e organizações privadas, como veremos na
unidade acerca do financiamento da cultura, na atuação dos setores público e
privado, se associam a organismos internacionais (como a Organização
Mundial do Comercio, o Banco Mundial, o próprio sistema ONU, e muitos
outros) a fim de legitimar e divulgar, através da força simbólica das culturas
populares, suas marcas e produtos.

A economia da cultura contemporânea tem, nas culturas populares de muitos


paises periféricos e/ou em desenvolvimento, um dos setores de maior
desenvolvimento e geração de trabalho e renda.

Em países como o Brasil, a economia da cultura não pode ser avaliada apenas
pelo circuito da indústria cultural, que cresceu no mundo todo a partir do fim
da Segunda Guerra Mundial, inclusive no Brasil, como vimos. Ela também pelo
crescimento do circuito erudito e da valorização recente, dos anos 80 para cá,
da cultura popular e de seu respectivo potencial econômico.

Assim, a economia da cultura brasileira cujas atividades e produtos se


espalham pelo mundo inteiro, como novelas, filmes, celebrações populares,
carnaval e festas juninas, possui não só uma grande potencialidade, mas
também uma maior planejamento administrativo, sobretudo no que diz
respeito à integração dos circuitos de diferenciação dos públicos e dos bens
simbólicos: erudito, popular e indústria cultural.
Nesse sentido, se isolarmos as atividades, eventos, celebrações, festas, etc.
que fazem parte do vasto setor da cultura popular, perceberíamos facilmente
que aquilo denominado pelos economistas e sociólogos de “indústria da
criatividade” (danças, artesanato, folclore de um modo geral, musicas,
culinária, performances, etc.) tem, no Brasil, um grande substrato e um forte
potencial de desenvolvimento.

A UNESCO, através do sistema ONU, tem reconhecido tal fato e, junto com
entidades privadas e públicas, tem mapeado essa chamada “zona obscura”.
No entanto, como se mencionou no início dessa unidade, as debilidades ainda
são muitas, pois ainda há, sobretudo entre Estado e setor privado, uma falta
de sistematicidade e o reconhecimento definitivo de que a cultura popular é
geradora de recursos, divisas e ativos.

A gestão pública da cultura remonta, como se verificou na unidade anterior,


aos anos 1930 do século passado. No entanto, somente mediante as
transformações empresariais nos anos 70 vinculadas a cultura, assim como a
expansão e a consolidação, em âmbito cultural, de um mercado de bens
culturais (como se verificou acima), bem como o crescimento das atividades
lúdicas e do entretenimento nacional e internacional nos anos 80, é que a
gestão da cultura se regionalizou no Brasil.

Não obstante, a maior transformação, aquela responsável pela definitiva


transformação da cultura como negócio, pelo menos no Brasil, veio da junção
(que pode ser ainda maior) entre a indústria cultural e as manifestações
populares, sobretudo aquelas ligadas ao lúdico e ao entretenimento, como o
carnaval e as festas juninas.

Assim, somente no início dos anos 1990, a partir das transformações


mencionadas, é que os governos estaduais e municipais passaram a fundar e
definir os marcos de atuação das secretarias de cultura, desvinculadas da
pasta da educação. A esse respeito três exemplos podem elucidar bastante o
que estamos discutido:
· as Secretarias de cultura e turismo da Bahia;
· a Secretaria de cultura de Pernambuco; Visite o site da ENTURSA
http://www.emtursa.ba.gov.br/
· a secretaria de cultura do Rio de Janeiro.

A institucionalização e a regionalização de órgãos de cultura pelo país estão


associadas ao crescimento do circuito do entretenimento-turismo. Esse
A Bahiatursa – Empresa de Turismo
crescimento estabeleceu uma espécie de política pública indireta, na qual da Bahia S/A. – é o órgão oficial de
muitos municípios (Farias, 2001) e Estados passaram a adequar suas infra- turismo da Bahia sendo responsável
pela coordenação e execução de
estruturas urbanas para os grandes eventos de diversão e lazer, como o caso políticas de promoção, fomento e
desenvolvimento do turismo no
das festas populares. Estado, de acordo com as diretrizes
governamentais.
Foi assim em estados como o do Amazonas, da Bahia, do Pernambuco e do
Rio de Janeiro. A maioria das secretarias de cultura e turismo dos médio e
pequenos municípios brasileiros datam dos anos 90 (Alves, 2002),
Programa Estadual de Incentivo à
exatamente no período de maior crescimento das atividades vinculadas ao Cultura (FazCultura)
entretenimento-turismo no Brasil.
(Lei Nº 7.015/96)
Em Estados como o da Bahia, por exemplo, empresas públicas como a
O Fazcultura beneficia pessoas
EMTURSA e a BAHIATURSA estão inteiramente vinculadas a essa dinâmica, a físicas ou jurídicas, residentes ou
partir da qual alguns projetos de financiamento e subsídios fiscais são criados, domiciliadas na Bahia, há pelo
menos 3 anos. Tem como objetivo
como o Programa Estadual de Incentivo à Cultura do Estado da Bahia promover o incentivo ao estudo, à
(Fazcultura). Em uma longa pesquisa a cerca das interfaces envolvendo a pesquisa, à edição de obras e à
produção das atividades artístico-
economia da cultura e o entretenimento-turismo no país, o sociólogo Edson culturais nas seguintes áreas de
artes cênicas, plásticas e gráficas;
Farias ressalta: cinema e vídeo; fotografia; literatura;
música; artesanato, folclore e
A relevância monetária e financeira da cultura justifica a tradições populares; museus;
bibliotecas e arquivos. Também
sensibilidade para o aspecto econômico, na correlação promover a aquisição, manutenção,
conservação, restauração, produção
sociocultural e contemporânea. Porém isso não garante a e construção de bens móveis e
validade da opção teórica de caráter estrutural para restringir imóveis de relevante interesse
artístico, histórico e cultural;
o espetáculo a maneira apenas de uma “lógica cultural” – campanhas de conscientização,
difusão, preservação e utilização de
espécie de gramática ideológica do capitalismo tardio, cuja bens culturais; e instituir prêmios em
disseminação se dá à maneira de uma totalização histórica diversas categorias. Trecho retirado
do site:
contemporânea. Penso que a mesma disseminação não ocorre http://www.sct.ba.gov.br/fazcultura
em um vácuo tanto étnico quanto histórico, deslocado da /pop.htm
diversidade das experiências humanas. Pois as
particularidades étnico-históricas, dos múltiplos espaços
ensejados nas dinâmicas das transversalidades e
atravessamentos da mundialidade, além de oferecer
substância, dão à qualidade mesma da singularidade
histórica desta lógica planetária do espetáculo. Prefiro falar
então de um ajuste, na medida em que, “por afinidades
eletivas” com as memórias e com os móveis antropológicos e
históricos, esta gramática decide já o curso compartilhado na
transformação de muitas das matrizes culturais populares
como lugares do entretenimento-turismo.

Em uma de suas publicações mensais, a revista Desafios (publicada pelo


Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA) traz como tema de capa
a relação entre a criatividade popular e o desenvolvimento econômico.
Intitulada, Quanto vale a criatividade, a revista, por meio de um longo artigo,
associa diretamente o conceito de criatividade cultural ao de desenvolvimento
econômico, sendo a pedra fundamental disso a diversidade cultural.

A equação passa a ser agora, na nova economia da cultura global, cultura-


popular/diversidade-criatividade/desenvolvimento. Um dos diretores da área
de políticas culturais da UNESCO, assim se manifesta acerca da equação
mencionada: “descobrimos que, na era do conhecimento, quanto mais
diversificada for uma sociedade mais rica ela pode ser”.

A economista Ana Carla Fonseca Reis, economista do Programa das Nações


Unidas (PNUD) Para o Desenvolvimento, entrevistada pela revista, ressalta: “as
políticas públicas que facilitam a inserção das populações afastadas do
mercado são essenciais para o desenvolvimento do país como um todo, mas
elas só serão efetivas e eficientes se forem fundamentadas no conhecimento
da realidade”.
No Brasil o maior nicho de mercado da cultura popular, da sua diversidade
criativa, assim como sua apreciada multiplicidade e diversidade cultural, é
encontrado nos segmentos das classes médias mais escolarizadas, ligadas,
sobretudo, à estrutura burocrático-legal da administração pública (Federal,
Estadual e Municipal) e aos serviços e as ocupações que, por sua vez, ligados
às atividades e aos órgãos não-governamentais, assim como a estrutura de
ocupações unidas ao setor de serviços de um modo geral (Quadro 5 e Gráfico
3).

Os estratos e clivagens dessas classes médias, cujo grau de escolaridade é


bem maior do que a média da população de um modo geral, valorizam e
dinamizam, direta e indiretamente, as atividades, os eventos e o conjunto de
bens culturais produzidos pelo circuito artístico e cultural popular: o folclore,
as festas, as celebrações, os rituais religiosos, entre muitos outros.

Quadro 5 - Distribuição dos chefes de família pertencentes à classe


média e à população por escolaridade
Curso Classe Média População
Pré-escolar e alfabetização 2,7 7,9
Ensino Fundamental e 1º grau 21,6 36,9
Ensino Médio ou 2º grau 27,7 30,3
Superior - Graduação ou Pós Graduação 48 24,9
Total 100 100
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. In: Atlas da nova estratificação social no Brasil vol. I. Classe
média Desenvolvimento e Crise.
Gráfico 3 – Brasil – Composição setorial da classe
média urbana não proprietária, 1960/2000(em %)
B rasil ­ Co mposição setorial da classe média urbana não proprietária, 1960­ 
2000 (em % ) 
30  27,4 
24,9 
25  23,1  22,4 
20,7  21,9  20,9 
20  18,5  18,7 
16,5 
15  14,3  13,6 
13,1 
11,9  11,7 
9,7 
10  7,4 
5  3,6 


Comérci o  Indústria  Serviços  Setor  Adm .  Demais 
Soci ais  Fi nancei ro  Públ ica  Servi ços 
1960  1980  2000

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,


1991.

Fica cada vez mais claro, portanto, a interface entre cultura popular (sua
criatividade cultural e simbólica) e os nichos de mercado e consumo de bens
simbólicos no mundo, que transitam no interior dos circuitos da indústria
cultural e erudita. Como se viu, e o exemplo do Brasil é muito elucidativo a
esse respeito, a relação entre cultura e economia não é nova.

Não é de hoje que a economia cultural é parte significativa da dinâmica


econômica de muitos paises, o fator inovador e contemporâneo e a valorização
econômica da criatividade estética e artística, trazendo para o âmbito
propriamente econômico a discussão de valorização artística das culturas
populares feita pelos intelectuais modernistas nos anos 1920 e 1930 do
século passado.

Na segunda unidade desse trabalho, Experiências sobre modelos de políticas


culturais, apresentamos os marcos fundadores das políticas culturais
brasileiras, a partir de três momentos e seus respectivos desdobramentos:

· A Era Vargas, compreendida os dois períodos de administração do ex-


presidente Getúlio Vargas, o período pós-64;
· A partir dos sucessivos governos militares (exemplificado marco mais
importante a EMBRAFILME);

· O período pós-85, a partir da redemocratização e da fundação do


Ministério da Cultura.

Esta última experiência, no entanto, só pôde ser aprofundada agora, ou seja, a


partir da integração de todos os circuitos e setores da cultura (popular, erudito
e industrial) num eixo central de acumulação e desenvolvimento econômico.

Assim, a relação entre consumo cultural, entretenimento-turismo,


diversidade/criatividade popular na economia da cultura, políticas públicas
para a cultura, enfim, a interpenetração total entre cultura e
mercado/economia, tem pautado, de um modo geral, o último (e atual)
modelo de políticas públicas para a cultura (Quadros 6, 7 e 8).
Quadro 6 - Produção de bens e serviços industriais
relacionados à economia criativa - 2003 (em R$ bilhões)
Edição e impressão de livros, revistas e jornais 8,7

Calçados de couro 7,6

Móveis com predominância de madeira 4,2

Peças do vestuário (exceto roupas íntimas e semelhantes) 4,1

Calçados de plástico 2

Brinquedos e jogos recreativos 0,8

Lapidação de pedras preciosas e semipreciosas, ouriversaria e joalheria 0,5

Edição de discos, fitas e outros materiais gravados 0,1

Instrumentos musicais 0,09

Artigos de vestuário de tricô 0,04

Redes de cordoaria 0,04

Rendas e bordados manuais 0,02

TOTAL 28,19
Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial 2003. In: IPEA - Revista desafios do desenvolvimento. Fev. de 2006, ano 3, n. 19.
Quadro 7 - Número de trabalhadores em empresas e
organizações com atividades criativas – 2003
Confecção de artigos do vestuário e acessórios 590 mil

Atividades recreativas, culturais e desportivas 403 mil

Fabricação de artefatos de couro e calçados 400 mil

Atividades de informática 368 mil

Fabricação de móveis 356 mil

Edição, impressão, e reprodução de gravações 252 mil

Publicidade 85 mil

Pesquisa e desenvolvimento 38 mil

TOTAL 2492 mil

Fonte: IBGE - Estatísticas de Cadastro Nacional de Empresas - 2003. In: IPEA - Revista desafios
do desenvolvimento. Fev. de 2006, ano 3, n. 19

Quadro 8 - Salário médio dos trabalhadores na indústria


criativa - 2003 (em número de salários mínimos)
Agências de notícias 11

Programação de computador 8,8

Rádio e televisão 7,3

Bibliotecas, arquivos e museus 5,4

Cinema e vídeo 3,8

Remuneração média dos trabalhadores brasileiros 4

Fonte: IBGE - Estatísticas de Cadastro Nacional de Empresas - 2003. In: IPEA - Revista desafios do
desenvolvimento.
Resumo do Capítulo 3
O Capítulo 3 traça uma discussão, baseada em diversos dados, a respeito da
inserção da produção cultural como uma fatia significativa da economia
brasileira moderna.

Por fim, foi apresentado uma discussão extremamente atual e importante


acerca da cultura popular como fator de desenvolvimento econômico-social,
através de sua inserção nos diversos mercados culturais que valorizam,
mundo a fora, a diversidade e criatividade da cultura popular brasileira.
Capítulo 4
O financiamento da cultura no Brasil:
o setor público e privado

4.1 Introdução
O texto em questão busca apresentar a dinâmica do financiamento cultural
tanto no setor publico quanto privado. A partir de dados e relatórios de
pesquisa, muitos dos quais ainda de anos anteriores, apresentam um balanço
rápido das implicações das leis de incentivo a cultura, como também da
diversificação e composição do setor cultural como um todo. Essa unidade
está diretamente ligada a anterior, e se completam tanto em informações
quanto em desdobramentos que a análise pode oferecer na unidade seguinte.

A questão do chamado “financiamento da cultura” tem sido, de modo


declarado, elevada à condição de questão principal dos dirigentes do
Ministério da Cultura desde sua criação. Na emergência dos processos de
privatização do Estado, decorrentes dos novos modelos de gestão pública que
se implantam a partir dos anos 80, a direção política do Estado tomou a
iniciativa de montar o que denominou um “novo sistema de financiamento da
cultura”, mediado pelo mercado.

O objetivo, tal qual presente em diferentes áreas de atuação do Estado, era


fortalecer a cultura no espaço social e “enxugar” o Estado. Critica-se este
modelo de gestão sob o argumento de que ele trouxe como resultado a
privatização de serviços culturais e, conseqüentemente, o estreitamento do
seu caráter público (Dória, op.cit., p. 17).

Constatou-se, assim, a prevalência do mercado das empresas que apoiaram a


cultura com recursos a custo próximo de zero (renúncia fiscal) por meio do
fortalecimento de suas estratégias de marketing. Portanto, comparado com
períodos anteriores a esta modalidade de gestão cultural, revela que a
patrimonialização da cultura pelo Estado foi substituída pela “culturalização”
da estratégia mercadológica das empresas. Iremos nos debruçar nestes
aspectos na seqüência do capítulo centrando no financiamento publico e
privado da cultura na ultima década.

4.2 O público e o privado no financiamento da


cultura no Brasil
Acesse a Lei Rouanet
Após a promulgação da Lei Rouanet (1991), constata-se na gestão da política no endereço eletrônico:
http://www.cultura.go
cultural uma prioridade na obtenção de recursos financeiros para implementar v.br/legislacao/docs/
as ações do MinC. Uma rápida análise de diferentes momentos deste L-008313.htm

Ministério ao longo dos últimos anos mostra que praticamente todas as suas
ações estratégicas estão, de alguma maneira, voltadas para a criação de um
“sistema” de financiamento da cultura. Isto se reflete, por exemplo, no
Programa Nacional de Apoio a Cultura PRONAC e, como tal, responsável pela
estruturação de inúmeras de suas atividades.

Se nos basearmos nos dados de despesas do MinC entre 1995 e 2000, e o


compararmos com seu peso no Orçamento Geral da União para o mesmo
período, constataremos que apesar de haver crescimentos importantes, a sua
participação relativa nas despesas gerais da União manteve-se praticamente
estável (0,14% em média no período).

Com base nestes dados (ver Quadro 10) fica evidente a pequena participação
da “cultura” nas despesas da União, mostrando uma área de atuação do
Estado não prioritária face às demais, nas quais o Estado intervém (se em
valores absolutos, há aumentos importantes em valores relativos, e a situação
é estática).
Quadro 10 - Despesas, excluído o serviço da dívida e as inversões
financeiras (valores - base dezembro de 2000).
Em R$ milhões.
1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total das Unidades


Orçamentárias da
Cultura 164 188 204 193 266 271

Total das Despesas


Orçamentárias da 152.839,4 169.390,2 185.920,0 203.188,7
União 116.175,30 133.297,60 0 0 0 0

Cultura União (%) 0,14 0,14 0,13 0,11 0,12 0,13

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF). Ministério da Fazenda. In: Dória, Carlos Alberto.
Os Federais da Cultura. São Paulo, Biruta, 2003.

Ainda na década de 1990, a preponderância das fontes ordinárias


provenientes das receitas tributárias da União é a mais importante no conjunto
das demais fontes: 75% durante a década. Até 1996, nenhum recurso
orçamentário proveniente de operações de crédito externo foi alocado no
orçamento do Ministério da Cultura. O Monumenta é um
programa de recuperação
sustentável do patrimônio
No quadriênio 1997/2000 foram alocados recursos provenientes dessa fonte
histórico urbano brasileiro
no valor de R$ 38.502 mil, entretanto somente foram viabilizados R$ 669 mil tombado pelo IPHAN e sob
tutela federal. Tem como
no ano de 2000, relacionados ao projeto Monumenta. Isso está certamente objetivo principal atacar as
refletindo uma incapacidade de gastos em cultura dentro do MinC e o causas da degradação do
patrimônio histórico,
paradoxo do recursos disponíveis e ociosos oriundos de empréstimos geralmente localizado em
áreas com baixo nível de
internacionais. atividade econômica e de
reduzida participação da
Como se sabe, os acordos internacionais pressupõem contrapartida do sociedade, elevando a
qualidade de vida das
governo brasileiro que devem ser asseguradas pelos governos dos Estados e comunidades envolvidas.
municípios, exatamente onde se localiza o gargalho que impede a utilização
de tais recursos. Sabe-se das dificuldades orçamentárias dessas esferas
governamentais, o que tem inviabilizado a execução dessas operações.
O projeto Monumenta, que se insere nesta dinâmica, é um exemplo desse
impasse do qual a Lei de Responsabilidade Fiscal funciona como fator legal de
restrição. Esse contexto corrobora para a análise de Dória (op. cit, p. 82)
segundo o qual a evolução dos gastos orçamentários do MinC decorre, e
continuará a decorrer, fundamentalmente da alocação de recursos ordinários
da União (Quadro 11).

Quadro 11 - Ministério da Cultura - Fonte de Financiamento


(valores: base dezembro de 2000 em %)
Fontes 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Ordinárias 86 69 72 64 72 84 74 76 84 80

Vinculados 0 26 27 29 26 13 19 18 13 15

Receitas Próprias 8 4 1 6 3 2 3 5 3 5

Convênios e Doações 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0

Créditos 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Diversos 7 0 0 0 0 0 3 1 0 0

Total 101 100 100 99 101 99 99 100 100 100

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF). Ministério da Fazenda. In: Dória, Carlos Alberto.
Os Federais da Cultura. São Paulo, Biruta, 2003.

Nota: Despesas - excluídas as de pessoal e serviço da dívida.

É bem verdade que além do forte processo inflacionário no inicio da década,


deve ser levado em conta também que, naquele momento, a cultura estava
institucionalmente vinculada à Presidência da República, o que não indicava
prioridade do setor nas ações de governo. A elevação da Secretaria ao status
de Ministério, a partir de novembro de 1992, desligando-se da Presidência da
Republica, é marcada por uma alocação de recursos adicionais para a área já
no orçamento de 1993.
A partir de 1995, inicia-se um período marcado pela estabilidade monetária,
com implantação do Plano Real, em junho de 1994, o que contribuiu para a
melhoria da qualidade do processo de elaboração e execução orçamentária.

Por outro lado, a estabilidade monetária exigiu ajustes fiscais, com


contingenciamento das dotações aprovadas na lei do orçamento. Essa
repentina alocação de recursos e a falta de uma prévia programação fizeram
com que os recursos de 1995 ficassem significativamente ociosos, sendo
realizado menos da metade dos recursos aprovados na lei e em seus créditos
adicionais.

Outro fator marcante nesse ano foi à clara definição de prioridade conferida
pela administração federal à área da Cultura, dobrando a alocação de
recursos. A partir de 1996, o nível de recursos alocados mantém-se no
patamar de nível de recursos alocados mantém-se no patamar de 1995,
porem levemente declinante até o final da década conforme expressa a figura
o Gráfico 4.

Gráfico 4 – Evolução das despesas autorizadas e


realizadas do Ministério da Cultura 1991/2000.

Evolução das Despesas Autorizadas e Realizadas do Ministério da Cultura 1991/ 2000. 
Valo res em  R$ m i l hõ es. 

300.000 
250.000 
200.000  Lei Orçamentária 
150.000  Realizado 
100.000 
50.000 

1991  1992  1993  1994  1995  1996  1997  1998  1999  2000 
Ano 

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF). Ministério da Fazenda. In: Dória, Carlos Alberto. Os Federais
da Cultura. São Paulo, Biruta, 2003.

Em vista das oscilações conjunturais na economia nacional decorrente,


inclusive, de crises na esfera internacional – deve-se registrar que nos anos
1990 o Brasil está inserido totalmente na lógica da globalização e da
financiarização da sua economia – as alocações de recursos orçamentários no
MinC flutuam bastante.

Assim, os índices de execução orçamentária situou-se no patamar médio de


63% das dotações aprovadas nas leis orçamentárias do período 1996/1998,
elevando-se para 77% no último biênio da década, um patamar mesmo assim
baixo, se considerados os índices de outros Ministérios ou o índice do
Orçamento Geral da União.

Aqui é importante assinalar a irregularidade destes contingenciamentos entre


os vários órgãos do sistema MinC, conforme pode ser constatado na Quadro
12.

Quadro 12 - Índices de Execução Orçamentária no Sistema MinC

Ano MinC FCRB BN Palmares Iphan Funarte FNC


1995 39,04 97,09 98,11 95,2 91,86 92,28 52,14

1996 58,21 95,92 91,57 84,35 87,02 84,2 62,2

1997 79,33 87,72 84,37 86,65 66,1 79,53 65,59

1998 54,52 93,59 92,33 78,4 93,01 93,79 61,99

1999 74,21 89,29 91,06 90,25 95,05 92,33 59,18

2000 63,97 96,61 88,19 55,84 95,36 94,69 36,81

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF). Ministério da Fazenda. In: Dória, Carlos Alberto. Os Federais da
Cultura. São Paulo, Biruta, 2003.
O Quadro 12 evidencia que a Fundação Casa Rui Barbosa (FCRB), a Biblioteca
Visite o site da Fundação Casa Rui
Nacional (BN), a FUNARTE e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Barbosa:
http://www.casaruibarbosa.gov.br
Nacional (IPHAN) executam praticamente a totalidade dos recursos /
orçamentários (cerca de 95% dos recursos alocados) em 2000, enquanto a
Fundação Palmares deixa de aplicar 44% dos recursos disponíveis e a
Fundação Nacional de Cultura aplica apenas 37% dos seus recursos no
mesmo período.

4.3 Os recursos oriundos de incentivos fiscais


entre 1995 e 2000
Mais uma vez servimo-nos do texto de Dória (op.cit., p. 94) para recuperarmos
o estudo da Fundação João Pinheiro sobre o resultado financeiro da aplicação
das leis federais de incentivos à cultura .Tal estudo aponta que, em 1997,
houve ampla utilização de incentivos para viabilizar produtos culturais, sendo
responsáveis por cerca de 83,5% e concorrendo com doze leis estaduais e
dezessete leis municipais de (capitais).

De fato, a partir de 1995 fazem-se sentir, no financiamento da cultura, os


efeitos desse novo mecanismo, apoiado sobre os montantes oriundos da
captação junto ao mercado dos incentivos fiscais, concedidos a pessoas
físicas e jurídicas em cada exercício fiscal. Os montantes autorizados para
captação durante o período 1995/2000 foram os seguintes (Quadro 13):

Quadro 13 - Montantes Autorizados para Captação. Em R$ milhões


de março de 2001
Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Montante 157 n/d 140 177 174 160

Fonte: Decretos 1760/95, 2116/96, 2554/98, 3189/99, 3377/2000. In: Dória, Carlos Alberto. Os Federais
da Cultura. São Paulo, Biruta, 2003.
A ampliação dos recursos advindos desses mecanismos tem sido uma meta
perseguida com afinco pelos dirigentes do MinC, seja através da reivindicação
da ampliação da margem de incentivos coincididas pelo fisco, seja através de
ações de sensibilização do empresariado para contribuir com a cultura,
objetivando ampliar a margem de realização do autorizado. Esta nova política
deve ser observada sob um duplo ângulo: das demandas que geraria e do
atendimento das mesmas.

O PRONAC, por exemplo, demandou financiamento nos seis anos do período em


função da entrada de 33.228 projetos, numa média anual de 5.471. Quanto
ao valor, a média dos apresentados ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) foi de
R$ 135.264,20 e o dos apresentados ao mecenato dez vezes maior:
R$1.392.663,80.

Analisados regionalmente esta demanda, constata-se que o Sudeste produz


32% dos projetos do FNC e 67% daqueles do mecenato, o Nordeste produz
26% dos apresentados ao FNC e apenas 7,7% dos apresentados ao mecenato.
Considerado o valor global das solicitações, o Sudeste responde por 42,8% no
FNC e 75,5% no mecenato.

Em termos de valor demandado, constata-se uma demanda média anual de R$


4.810.065.820,00 em moeda corrente. Excetuado-se o FNC, temos R$
4.497.402.617,00. No entanto, a captação de recursos efetivada no período
1995-2000, pela lei Rouanet e pela do audiovisual, limitou-se à média de
R$1.295.545.989,07, equivalentes a 28,8% da demanda registrada e
aprovada pelo MinC na forma de projetos aptos para captação.

Também no quantitativo de projetos, faz-se sentir essa disparidade: para os


18.959 projetos aprovados, apenas 4.757 (25%) foram bem sucedidos na
fase de captação. Uma rápida análise dos projetos aprovados por área de
atuação evidencia que do total de 18.125 projetos apresentados entre 1995 e
2000, 3.998 são da “música”, 3.580 vêm das “artes cênicas”, 3.394 de
“humanidades” e 2.135 da “produção audiovisual”. O restante se distribui
pelos demais itens: “artes integradas” (1.936), “patrimônio cultural” (1.587),
“artes plásticas” (1.495).

4.4 O financiamento em períodos recentes (2001-


2005)
Uma breve apresentação dos dados de execução orçamentária, entre 2001 e
2005, permite atualizar a análise de Dória, que nos serviu de base para o
exposto até o momento. Fora os gastos com a Administração Direta, alocados
no orçamento do MinC, percebe-se que as três principais unidades
orçamentárias do Ministério são:

· O IPHAN que em 2003 aparece com R$86.554,00, passando para R$


103.367,80 em 2005;

· O Fundo Nacional de Cultura com R$46.968,80, para R$ 132.456,50;

· A Fundação Biblioteca Nacional com R$ 29.924,20 para R$


54.886,80 em 2005;

· A FUNARTE com R$ 29.337,20, passando a R$ 32.065,30.

Há que se destacar também os pequenos recurso da Fundação Palmares e da


Casa Rui Barbosa. Destaca-se ainda o pequeno recuo no total de recursos para
execução orçamentária do MinC, que dos R$ 315.976,10, em 2001, passa a
R$275.730,20, em 2003, saltando para R$ 542.635,30 em 2005.

Há, portanto, uma clara evidencia de injeção de recursos no MinC, por parte do
governo atual, se comparado aos anteriores, sobretudo se levarmos em conta
que a inflação está praticamente estabilizada ou decrescente no período
(Quadro 14)
.

Quadro 14 - Execução orçamentária por unidade


orçamentária, 2001 a 2003
UNIDADES 2001 2002 2003 2004 2005

Administração direta 105.367,2 77.674,7 62.385,9 89.494,7 160.489,5

Fund. Casa de Rui Barbosa 10.635,2 12.385,1 12.589,2 16.167,6 15.018,0

Fund. Biblioteca Nacional 26.949,1 29.784,9 29.924,2 37.815,4 54.886,8

Fund. Cultural Palmares 7.054,7 8.006,8 7.970,2 9.062,8 10.676,4

IPHAN 72.699,1 76.702,1 86.554,6 101.487,5 103.367,8

FUNARTE 28.883,1 29.181,6 29.337,2 31.464,4 32.065,3

ANCINE 0,0 0,0 0,0 27.603,6 33.674,9

Fundo Nacional de Cultura 64.387,7 43.631,6 46.968,8 85.613,3 132.456,5

TOTAL 315.976,1 277.366,8 275.730,2 398.709,1 542.635,3

Fonte: Ministério da Cultura

As planilhas do secretário executivo, também no site, apontam que 72,47% da


receita do orçamento do Minc, há quatro anos, tinham como endereço certo o
Sudeste do país. Consideradas as verbas da Lei Rouanet, 80% estavam
concentrados no eixo Rio-São Paulo, direcionados, de maneira restrita,
sempre
para os mesmo projetos.

Quadro 15 - Execução Orçamentária –


por Unidade Orçamentária - 1997 a 2005 em R$ mil
Unidades 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Administração 105.367,2 160.489,5
direta 61.225,60 59.205,00 82.227,50 89.323,70 0 77.674,70 62.385,90 89.494,70 0

Fund. Casa de
Rui Barbosa 6.284,40 8.073,90 8.322,60 9.787,60 10.635,20 12.385,10 12.589,20 16.167,60 15.018,00

Fund.
Biblioteca
Nacional 22.626,60 20.638,30 24.652,90 25.881,30 26.949,10 29.784,90 29.924,20 37.815,40 54.886,80

Fund. Cultural
Palmares 3.980,00 4.335,80 4.278,60 11.868,70 7.054,70 8.006,80 7.970,20 9.062,80 10.676,40

101.487,5 103.367,8
IPHAN 61.681,80 58.659,20 66.623,00 64.227,10 72.699,10 76.702,10 86.554,60 0 0

FUNARTE 26.418,30 23.936,80 23.391,30 23.937,20 28.883,10 29.181,60 29.337,20 31.464,40 32.065,30

ANCINE 0 0 0 0 0 0 0 27.603,60 33.674,90

Fundo
Nacional de 132.456,5
Cultura 24.370,90 20.947,30 19.134,00 46.630,40 64.387,70 43.631,60 46.968,80 85.613,30 0

206.587,6 195.796,4 228.629,8 271.656,0 315.976,1 277.366,8 275.730,2 398.709,1 542.635,3


TOTAL 0 0 0 0 0 0 0 0 0

(*) antes de 2004, a ANCINE não pertencia à estrutura do Min. Cultura 

Fonte: Siafi/Banco de Dados GPS/DGE

4.5 Gastos públicos com a cultura


O Brasil gastou, entre 1985-1995, cerca de R$ 5,00 per capita com cultura,
levando-se em conta os dispêndios da União, Estados e municípios de capital.
A Inglaterra, por exemplo, gastou sempre menos de US$ 5,00 per capita, entre
1979 e 1982, segundo alguns estudos.
Ao longo dos onze anos estudados pela pesquisa do Ministério da Cultura, os
gastos públicos brasileiros cresceram, em média, 2,8% ao ano, o que dá uma
idéia da importância que a cultura passou a ter depois da democratização do
país (Quadro 15 e 16).

Com efeito, entre 1985 e 1995, a despesa total com cultura do Estado
brasileiro, isto é, do Governo Federal,

Estados, Distrito Federal e municípios de capital, alcançou a média de 725


milhões de reais/ano (expressos em preços de dezembro de 1996). Deste
total, o Governo Federal é responsável por 32%, aproximadamente, enquanto
aos Estados e municípios de capital correspondem, respectivamente, 50% e
17% do total dispendido.

Uma avaliação realista destes dados deve levar em conta que, enquanto no
caso do Governo Federal a capacidade de gastar cerca de 1/3 do total dos
dispêndios públicos está concentrada em uma única agência, isto é, o
Ministério da Cultura, e outros órgãos federais, no caso dos Estados e
municípios, os outros 2/3 de recursos dispendidos distribuem-se entre mais
de 50 agências, isto é, 27 Estados e 27 municípios de capital,
respectivamente.

Os Estados da Federação tiveram gastos crescentes de 1985 a 1992, o que foi


o oposto do ocorrido com o Governo Federal que, em 1992, chegou ao seu
pico mais baixo. Quanto às capitais, considerando o conjunto de 26
municípios e o Distrito Federal, a despesa total com cultura, em 1995, foi de
76,5 milhões, enquanto, em 1995, chegou a 179,5 milhões, registrando uma
taxa média anual de crescimento de 8,06%.

Neste particular, chama a atenção o fato de que do total de gastos com cultura
feitos por municípios de capital, 88,83% do total correspondam a somente
oito capitais, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador,
Fortaleza, Recife, Curitiba e Porto Alegre.
Quadro 16 - Execução Orçamentária - Por Programa - 1995 a 2005 em R$ mil.
PROGRAMA 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Desenvolvimento
da Educação 0 0 0 0 0 0 10,1 0 0 0 0
Especial
Educação e
profissionalização
0 0 0 0 0 10,1 0 0 0 0 0
do portador de
deficiência visual
Previdência de
inativos e
15.561,30 19.483,30 22.180,50 26.577,20 29.585,00 31.495,30 34.959,60 37.793,50 39.371,40 43.856,30 45.497,10
pensionistas da
união
Turismo cultural 0 0 0 0 0 4.346,80 0 0 0 0 0
Música e artes
9.003,10 17.499,60 19.408,80 21.156,10 18.947,20 20.391,30 9.340,90 9.495,20 3.643,70 0 0
cênicas
Música e artes
18.642,70 27.521,50 25.647,10 12.971,10 21.738,80 13.606,30 27.544,30 14.093,20 24.290,50 30.323,10 28.370,80
cênicas
Livro aberto 7.378,50 10.610,80 12.582,20 14.589,20 19.944,40 15.441,00 21.931,20 10.296,60 6.140,40 15.857,60 32.842,90
Cinema, som e
3.486,80 4.016,50 8.297,10 5.825,70 11.135,00 14.240,00 14.321,20 5.677,50 16.304,30 20.107,20 51.939,50
vídeo
Produção e
13.396,60 11.690,40 18.254,10 15.668,70 18.887,80 49.077,00 68.515,90 49.896,90 25.887,70 0 0
difusão cultural
Museu memória e
6.675,50 8.929,70 10.300,80 8.225,00 9.060,70 9.672,70 11.071,60 11.624,90 14.067,80 16.865,60 20.339,10
cidadania
Cultura afro-
1.912,20 868,2 2.056,70 2.176,20 1.736,60 8.856,90 3.864,10 4.850,50 7.161,50 8.132,40 9.385,50
brasileira
Gestão da política
101,3 1.334,60 1.672,00 1.662,90 1.061,80 1.669,20 2.111,20 2.756,00 2.952,10 15.000,10 53.540,20
de cultura

Brasil 500 anos 0 300 70,1 27,3 893,3 1.893,10 0 0 0 0 0

Gestão da
participação em
188,9 0 0 322 613,8 799,5 940,6 700,1 883,9 582,2 503,1
organismos
internacionais

Apoio
79.052,50 80.829,10 75.682,90 77.685,40 85.058,40 83.115,30 89.462,00 103.964,30 103.574,70 125.056,00 125.724,90
administrativo
Comunicação de
0 3,4 1.513,10 0 878 785,1 692,2 696,8 0 0 0
governo
Valorização do
7.992,60 8.455,70 8.922,20 8.909,70 9.088,90 9.531,80 9.982,20 10.630,90 11.567,10 0 0
servidor público
Monumenta 0 0 0 0 0 3.432,90 14.404,80 12.098,20 14.417,50 22.650,30 37.880,40
Operações
especiais:
cumprimento de 0 0 0 0 0 2.533,90 4.325,60 570,6 4.194,60 2.743,30 1.437,40
sentenças
judiciais
Operações
especiais: serviço
da dívida externa 0 0 0 0 0 757,8 2.498,60 2.221,70 1.272,90 932,7 2.336,80
(juros e
amortizações)
Ver cinema, ser
0 0 0 0 0 0 0 0 0 27.582,60 0
brasil
Cultura,
identidade e 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4.073,70 53.822,40
cidadania
Engenho das
0 0 0 0 0 0 0 0 0 62.344,90 74.603,60
artes
Cultura e
tradições: 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2.601,10 0
memória viva
Identidade e
diversidade 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4.411,50
cultural

Total 163.392,00 191.542,90 206.587,50 195.796,40 228.629,70 271.655,90 315.976,10 277.366,70 275.730,10 398.709,10 542.635,20

Fonte: Siafi/Banco de Dados GPS/DGE

4.6 O investimento em cultura por empresas


públicas e privadas (1990 – 1997)
A participação da cultura em ações de comunicação e marketing, por
empresas públicas e privadas, em 1997, ocupa lugar de destaque, com 47%
das preferências das empresas entrevistadas pela Fundação João Pinheiro,
como mostra o Gráfico 5, enquanto as demais áreas de investimento –
assistencial, científica, educacional, esportiva, meio ambiente, saúde, turismo
– não passam, cada uma, de 13%.

Essa revelação consagra o marketing cultural como o meio mais importante,


para as empresas, de divulgação de suas marcas.
Gráfico 5 - Importância da cultura na comunicação
das empresas privadas (1997)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

4.7 Crescimento recorde de projetos patrocinados


No grupo formado pelas 111 grandes empresas brasileiras pesquisadas pela
Fundação João Pinheiro, o investimento em cultura, nos últimos oito anos, foi
de R$ 604 milhões. O crescimento dos gastos neste período passou de R$ 33
milhões, em 1990, para R$ 147 milhões, em 1997, representando uma
ampliação de 349%.

O número de empresas investidoras em cultura, nesta amostra de 111


empresas, aumentou 267%, passando de 27, em 1990, para 99 empresas em
1997. O número de projetos culturais patrocinados apresentou um percentual
de crescimento recorde de 737%, muitas vezes maior que aquele apresentado
pelo crescimento dos gastos com cultura e pelo número de empresas
investidoras. Isso indica que as empresas começaram a investir mais recursos
e que o montante acrescido foi distribuído por um número maior de projetos
(Gráficos 6 e 7).
Gráfico 6 - Crescimento do número de empresas
investidoras em cultura no período 1990-1997

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Gráfico 7 - Crescimento dos gastos com cultura no


período 1990-1997 (valores em R$ 1.000)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

4.8 Instituições privadas investem mais que as


públicas
Embora tenham uma tradição mais longa de investimento em cultura, as
empresas públicas apresentam crescimento constante pouco expressivo de
1990 até 1993, de R$ 25 milhões ao ano, com taxas de crescimento anual
variando entre 0,5% e 2,4%. Em 1994, o seu gasto com cultura cresceu 20%
em relação ao ano posterior, saltando em 1996 para R$ 56 milhões, o que
representa uma taxa de crescimento de 67,6% em relação ao ano de 1995.
As empresas privadas, por seu lado, apresentaram crescimento oscilante dos
gastos com cultura até 1993, variando entre R$ 8 milhões e R$ 19 milhões,
inferior aos gastos efetuados pelas empresas públicas nesse período. Em
1994, no entanto, as empresas privadas apresentaram taxa recorde de
crescimento anual de 280%. A partir dessa data, os gastos anuais dessas
empresas variaram entre R$ 53 milhões e R$ 68 milhões, ficando acima dos
investimentos culturais apresentados pelas empresas públicas no mesmo
período. Observe o Quadro 17 e os Gráficos 8 e 9.

Quadro 17 - Empresas incentivadoras da cultura no Brasil em 2005


(valores em R$ milhões).
Incentivador Valor do Apoio
Petróleo Brasileiro S. A – PETROBRÁS 49.481.777,31

Banco do Brasil S.A 13.911.392,25


Centrais Elétricas Brasileiras S. A – ELETROBRÁS 12.402.658,89
Companhia Vale do Rio Doce 9.049.924,65
Gerdau Aço Minas S.A 5.085.031,52
Itaú Previdência e Seguros S.A 5.000.000,00

Telemar Norte Leste S.A 4.483.840,69


Bradesco Previdência e Seguros S.A. 4.051.867,60
Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais 3.942.350,00
Banco Banestado S.A. 3.750.000,00
Fonte: Relatório Minc 2005.
Gráfico 8 - Crescimento dos gastos com cultura, por
empresas públicas e privadas – Brasil – 1990-1997
(valores em R$ 1.000)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Gráfico 9 - Média de gastos com cultura pelas


empresas públicas e privadas – Brasil – 1990-1997
(valores em R$ 1.000)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Ou seja, foi a partir de 1994 que os gastos com cultura das empresas privadas
começaram a ultrapassar aqueles efetuados pelas empresas do setor público.
Depois disso, com as mudanças na legislação de incentivo introduzidas pelo
governo FHC, a tendência de crescimento aumentou ainda mais. As empresas
públicas investidoras, embora sempre em número inferior ao de privadas,
suplantaram os gastos com cultura dessas últimas até 1993 (Veja as
motivações para investimento em cultura no Quadro 18).

Assim, houve um crescimento mais regular do número de projetos culturais


patrocinados pelas empresas privadas do que o das empresas públicas. As
primeiras patrocinaram, até 1994, uma média de 113 projetos culturais ao
ano; as maiores taxas de crescimento do número de projetos incentivados
pelas empresas privadas ocorreram nos anos de 1991, 1994 e 1996 (Gráfico
10).

As empresas públicas, por sua vez, mantiveram, até 1995, um baixo número
de projetos culturais incentivados, ou seja, 70 projetos ao ano, em média. A
partir de 1996, por decisão política do presidente Fernando Henrique Cardoso
e dos Ministérios da Cultura, Comunicações, Minas e Energia e outros, elas
apresentaram uma taxa de crescimento recorde de 226%. A partir daí até
1997, as empresas públicas patrocinaram 619 projetos, o que significa 59%
do total de projetos por elas patrocinados em todo o período analisado.

Gráfico 10 - Crescimento do número de projetos


culturais patrocinados por empresas públicas e
privadas – Brasil – 1990-1997

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)


Quadro 18 - Motivações das empresas amostradas
para investimento em cultura *

*Resultados de respostas múltiplas e não excludentes

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

4.9 Os gastos públicos em cultura no Brasil


De fato, podemos concluir que os gastos públicos do Estado brasileiro como
um todo, nos 11 anos estudados, cresceram a uma média anual de 2,81%,
sendo, nesse período, os estados da federação e municípios das capitais os
principais responsáveis por isso (Quadro 20).
Quadro 20 - Brasil - gastos públicos com cultura (*)
Governo federal, estados e municípios das capitais;
Período 1985-1995 (em milhões de reais)

(*) Em vista da existência de superestimação dos valores para


1993 e subestimação para os valores de 1992, decorrentes de
problemas na legislação contábil, optou-se por trabalhar com
a média dos dois períodos.

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estudos


Históricos e Culturais

Como é possível observar no Gráfico 11, embora a taxa de crescimento anual


de gastos públicos (União, Estados e municípios) seja quase de 3% ao ano, os
gastos do Governo Federal apresentam crescimento negativo. E isso foi devido,
fundamentalmente, à política do governo Collor, 1990-1992, de desobrigar o
Estado com a cultura.

Com efeito, a despesa total com cultura do Estado brasileiro, isto é, Governo
Federal, Estados, Distrito Federal e capitais, atinge, de 1985 a 1995, a média
anual de R$ 725 milhões (Quadro 20), expressos a preços de dezembro de
1996. Deste total, o Governo Federal tem sido responsável, aproximadamente,
por 32%, enquanto os Estados e Capitais representam, respectivamente, 50%
e 17% do total geral (Gráfico 11). Os estados e municípios das capitais,
somados, realizaram, portanto, parcela significativa dos gastos com cultura no
Brasil, média de 68% no período 1985-1995.

Para o último ano da série histórica da pesquisa, o valor estimado de gastos


públicos com cultura no Brasil atingiu cerca de R$ 700 milhões, expressos a
preços de dezembro de 1996.

Gráfico 11 - Gastos com cultura do Governo Federal,


Estados, capitais 1985-1995 (em R$ milhões).

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Verifica-se que os Estados da federação brasileira apresentam comportamento


de gastos crescentes até 1992, quando aplicam o maior volume de recursos,
exatamente o oposto do ocorrido com o Governo Federal que, neste ano,
apresenta o seu menor volume.

A partir deste exercício, as aplicações dos Estados entram em queda, até


alcançar seu menor valor em 1995 (deve-se considerar que essa diminuição
tem forte relação com a queda dos gastos do Estado de São Paulo que, no
cômputo geral, representa um percentual bastante importante do conjunto dos
gastos da esfera estadual), contrastando com a recuperação dos gastos do
Governo Federal e dos municípios, a partir de 1993. Apesar da queda ocorrida
no final do período, os Estados apresentam, no entanto, uma taxa de
crescimento médio anual, nos 11 anos da série (1985-1995), de 4,82%.

Por outro lado, para o conjunto dos municípios das capitais e Estados
brasileiros, verificou-se que a política cultural é resultante de uma ação mais
centralizada de governo, comparativamente a outras esferas de Administração
Pública (federal e estadual), com a presença de menor número de órgãos de
Administração Indireta. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, destacam-se,
por terem uma atividade cultural mais consolidada e, também, bastante mais
apoiada pelo poder público.

Considerando o conjunto das 26 capitais, o gasto médio per capita (expresso


em R$ de dezembro de 1996 por habitante por ano) passa de 2,55, em 1985,
para 4,08, em 1990, e 5,12, em 1995 (Diagnóstico dos Investimentos
Culturais no Brasil – Módulo 1: Gastos Públicos com Cultura no Brasil 1985-
1995 – Municípios das Capitais 1985-1995 – Volume 1 – Análise de Dados,
p. 51).

Para o conjunto dos 26 municípios das capitais de Estados brasileiros, a


despesa total realizada na execução do Programa 48, isto é, de Cultura, é
estimada, em reais, de dezembro de 1985, para 1996, em 76,5 milhões,
registrando um crescimento médio anual de 8,06% no período 1985-1995,
alcançando, em 1995, 179,5 milhões de reais.
Apenas oito municípios de capitais dos Estados brasileiros – São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Recife e Porto Alegre –
são responsáveis por 88,83% do gastos com Cultura do conjunto dos
municípios de capital (idem, p. 52).

O comportamento com gastos culturais depende da capacidade orçamentária


de cada esfera de governo. Conforme comprovado por vários estudos de
receitas públicas, ocorreu uma sensível melhoria no volume dos recursos
captados pelos principais municípios da Federação a partir da Constituição de
1988 (ib., p. 52). A par de conceder aos municípios uma repartição tributária
mais favorável (CF, Arts. 156 e 158), a Constituição estabeleceu como
atribuição dos municípios "promover a proteção do patrimônio histórico-
cultural local [...]" (CF, art. 30, IX).

O outro achado importante dessa pesquisa refere-se à evolução da despesa do


Governo Federal. De 1985 a 1990 (Quadro 20), é clara a tendência estável,
isto é, durante o Governo Sarney, quando oscilou de R$ R$ 208 milhões a R$
197 milhões. Em 1990 e, mais ainda depois, em 1991, ou seja, no início do
Governo Collor, houve uma queda drástica (R$ 131 milhões), seguida de outra
redução rediviva, em 1992, (R$ 108 milhões).

Com o Governo Itamar, os gastos voltaram a subir um pouco: R$ 222 milhões,


em 1993, para depois alcançarem, em 1995, R$ 245 milhões (Quadro 20 e
Gráfico 12). Mas os gastos do Governo federal voltam a crescer mesmo na
administração FHC, como mostra a curva relativa a 1995-1996 (Gráfico 12).

Aliás, só num aspecto, a alocação de renúncia fiscal (recursos do Tesouro


Nacional utilizados como incentivo fiscal através de imposto de renda não-
arrecadado, via Lei n. 8.313/91 e Lei n. 8.685 - Lei do Audiovisual), os gastos
chegaram, em 1997, à cifra recorde de R$ 138.545.181,71 que, comparados
com os R$ 598.152,58 de 1992, evidenciam a tendência de significativo
aumento.
Gráfico 12 - Gastos públicos com cultura do Governo
Federal, 1985-1994 (em R$ 1.000)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Com efeito, a tendência de crescimento dos gastos da União, como um todo,


durante o governo FHC, consolida-se em 1996, quando o volume de recursos
alocados ultrapassou o maior índice atingido, durante o governo Sarney, e
praticamente alcançou o maior índice registrado no governo de Itamar Franco.

Por outro lado, o mais importante, em termos de aplicação direta de recursos


pelo Ministério da Cultura, 1996 é o ano de maior investimento para todo o
período de 12 anos considerado, quando o governo federal aplica, através da
administração direta do Ministério da Cultura, R$ 156.968.000,00 na área.
Quadro 21- Gastos públicos com cultura (*) do
governo federal, 1985-1996 (em R$ 1.000)

(1) Para 1993, 1994 e 1995 os valores aplicados diretamente


pelo Ministério são estimados. Para 1996, os valores
aplicados por entidades supervisionadas pelo MEC são
estimados. A partir de 1992 foram incluídos os recursos do
Tesouro Nacional de incentivo fiscal, através de Imposto de
Renda não arrecadado, segundo as Leis n. 8.313 (Rouanet) e
n. 8.685 (Audiovisual).

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)


Quadro 22 - PIB da cultura em comparação com de
outras áreas da economia em 1994 (R$ 1.000)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Outro aspecto extremamente relevante revelado pela


pesquisa, e que se pode constatar no Quadro 23, refere-se ao
salário médio pago na área cultural: em 1994, era quase duas
vezes superior à média do conjunto de todas as atividades
econômicas do País. Era superior, ainda, aos salários de áreas
tão importantes como saúde, construção e agropecuária.
Quadro 23 - Salários da cultura em comparação
com outras áreas da economia brasileira em 1980
(em cr$ 1.000,00)

Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP)

Para 1980, por exemplo, a pesquisa pôde ainda comparar a ocupação de


mão-de-obra na área da cultura com as atividades de saúde e educação
(públicos e privados). Enquanto a cultura empregava 320 mil pessoas naquele
ano, as atividades de saúde tinham um efetivo de cerca de 941 mil pessoas, e
as de educação, de 1743 mil pessoas. Ou seja, o conjunto das atividades
culturais mantinha, naquele ano, um volume de emprego equivalente a 33% e
17%, respectivamente, dessas outras duas importantes atividades.

Ainda com relação ao PIB da cultura (Quadro 22), a pesquisa também mostrou
que, em 1980, as atividades da área representavam cerca de 1% do total,
contra 2,2% dos serviços de saúde e 3,1% dos serviços de educação. Por aí,
pode-se observar a magnitude que as atividades culturais representam para a
economia e a sociedade brasileira.

Observe que são considerados apenas os serviços que compõem diretamente


essas duas outras atividades, não estando contemplada, por exemplo, a
indústria farmacêutica, no caso da saúde. O salário médio nas atividades
culturais, na época, era ligeiramente superior ao dessas duas atividades e
situava-se 73% acima da média da economia.

Analisando-se o comportamento dos setores empresariais público e privado


que têm a cultura como área preferencial de marketing, verifica-se, em
seguida, que cerca de 68% das empresas públicas colocam-na em primeiro
lugar, contra os 47% das privadas. Nota-se ainda que as últimas atuam num
leque mais diversificado de áreas em suas ações de comunicação, ocorrendo,
portanto, maior competitividade entre as áreas neste grupo de
empresas.Capítulo 5 - Leis de incentivo à cultura.

5.1 Introdução
A estrutura a seguir está organizada da seguinte maneira. O texto busca situar
o quadro histórico dos anos 80 e 90 para analisar o advento das principais leis
de incentivo a cultura, cuja sistemática consiste em conceder isenção fiscal às
pessoas jurídicas que estejam dispostas a investir em cultura. Os principais
marcos legais a esse respeito são a Lei Sarney, a Lei Rouanet e a Lei do
Audiovisual. A partir a contextualização histórica, o texto passa analisar e
apresentar dados sobre cada um desses três institutos jurídicos.

5.2 A dinâmica da renúncia fiscal


A partir da criação do Ministério da Cultura, em 1985, um conjunto de
inovações jurídicas passou a presidir a ação do Estado. Analisaremos aqui três
institutos jurídicos fundamentais para desse novo marco legal envolvendo
Estado e cultura no Brasil. São elas:

· a chamada Lei Sarney, lei n 7.505, de 1986;


· a Lei Rouanet, Lei n 8313 de 1991;

· a Lei do Audiovisual, Lei 8686, de 1993.

Esses três institutos jurídicos fundamentam toda a base legal das políticas
publicas de Cultura no Brasil a partir de meados dos anos 80. Com a
oficialização e institucionalização do Ministério de Estado da Cultura, a carta
constitucional, promulgada em 1988, incorpora um marco legal inédito na
relação Estado e cultura: o direito à cultura, e com isso introduz o que os
críticos e pesquisadores da aérea chamam de ‘paradoxo Darcy Ribeiro’.

O paradoxo reside na seguinte indagação: como é possível se reivindicar


cultura, um direito específico, como os demais (educação, saúde, saneamento
etc.), se todas as comunidades, povos, sociedades tem cultura?

O fato é que uma série de mecanismos de renúncia fiscal passaram a serem


aplicados a partir dos anos 1980 para transformar todo o processo de
financiamento do Estado junto à cultura. Poderia-se afirmar que toda a
configuração (Elias, 1994) mudou, em sentido jurídico-legal e sócio-
econômico.

É possível dizer que as leis de incentivo à cultura, assim como todo marco legal
que passou a vigorar a partir de meados dos anos 1980 (atos, decretos,
portarias, etc.) possuem um duplo caráter político-econômico. Por um lado, o
Estado deixa de ser o indutor direto, promotor e centralizador das atividades e
bens concernentes à cultura (como foi em certa medida durante os anos 1970,
como no caso da EMBRAFILME) e passa a atuar como incentivador, realizador
indireto.

Ele utiliza seu poder político-legal para organizar o arcabouço geral de normas
e procedimentos, mas não age no empreendimento direto, é como se o Estado
se tornasse um filtro. Sem ele, muito provavelmente não haveria como
sustentar um Plano Nacional de Cultura.
Digamos que assim, por razões políticas e econômicas, o Estado é o maior
planejador e fomentador de cultura, mas não é o único, e nem tampouco tem
como meta executar toda cadeia de realização e produção de um determinado
bem cultural, como um filme, uma música, uma peça teatral, ou uma
apresentação folclórica, entre outras.

Por outro o lado, os mecanismos de isenção e renúncia fiscal passam a retirar,


progressivamente, a competência de formulação e coordenação de um plano
nacional de cultura. O crescimento do numero de atividades, projetos e bens,
em função da renuncia fiscal, tem como conseqüência perniciosa a
consolidação de uma postura que pode levar a concepção da renúncia fiscal
como único mecanismo de incentivo e fomento, e mais, a criar a impressão de
que os mecanismos de renúncia constituem uma política definida de Estado
para o setor cultural.

Algumas mudanças no âmbito do campo cultural, verificadas a partir da


década de 80, se devem a dois fatores: um de ordem mais econômica, o outro
de caráter político. A partir da desregulamentação dos mercados nacionais, da
quebra de monopólios estatais e da liberalização das trocas econômicas no
ambiente global pós-queda do muro de Berlim, em 1989, muitos Estados
passaram a adotar novos mecanismos de produção cultura. Na América
Latina, por exemplo, onde as culturas populares sempre foram muito
valorizadas, passou a ocorrer um fato ambíguo.

Em substituição ao caráter direto de produtor, ou mesmo promotor, o Estado


passa – a partir da institucionalização da renúncia fiscal como um vetor de
fomento à cultura – a agir como incentivador. Sua atuação torna-se a de um
grande filtro, a partir do qual os critérios legais são estabelecidos, e ele,
Estado, desvia parte dos recursos econômicos para a cultura. Só para citar um
exemplo dessa nova dinâmica, estima-se que a Lei Sarney, entre 1986 e 1990,
aplicou aproximadamente R$ 110 milhões em cultura. Mas os dados são
imprecisos.
É preciso compreender que a renúncia fiscal instituída a partir dos anos 1980
significa, em última instância, no Brasil, o advento de um modelo de mecenato
privado, que só se realiza, entretanto, com a colaboração pública. O fomento e
a sistemática de patrocínio da cultura se complexa a partir das mudanças e
diferenciações internas da economia brasileira.

Por um lado, os Estados passaram a se ausentar diretamente do fomento e da


promoção das culturas populares, por outro – muito em resposta ao
crescimento, nos anos 80 e 90, das corporações multimidiáticas – muitos
grupos e setores da Administração Pública passaram a incentivar com maior
força as chamadas “culturas populares”, como foi o caso do México e do
Brasil. No entanto, de um modo geral, a maioria dos estados que adotaram
reformas de cunho neoliberal passaram a tratar a cultura como atividade
privada e auto-suficiente, essa era, por exemplo, a visão do governo Collor.

No que diz respeito ao fator político, por outro lado, a redemocratização da


vida política nacional passou a exigir do Estado uma mudança de postura
quanto à criação artística de um modo geral. Passou-se a reivindicar maior
liberdade de criação, independência estética e artística dos projetos e
proposta de atualização da cultura brasileira, em todos os circuitos e níveis.

Desde o século XIX na Europa, que o campo de produção artística vem


reivindicando regras próprias de atuação e criação, estabelecendo critérios
estéticos auto-referidos ao próprio fazer artístico, livre, ainda que
relativamente, das injunções políticas e econômicas. No Brasil, como se
verificou na segunda unidade desse texto, os longos períodos ditatoriais
impediram a autonomização do campo artístico-cultural.

No entanto, a partir dos anos 1980 muitos grupos de aproximaram do Estado a


fim de cobra-lhe apoio, mas, ao mesmo tempo, liberdade e autonomia de
criação. Esses são valores caros aos seguimentos e grupos artístico-culturais.
No entanto, como conseqüência das transformações econômicas (algumas já
citadas) no ambiente global, o Estado brasileiro passou a se ausentar
diretamente de toda e qualquer atividade cultural, processo que culminou com
a extinção do Ministério da Cultura, em 1990.

O período 1990-1992 marca um intervalo de completa ausência de políticas


públicas culturais. Parece contraditório que, no momento de redemocratização
e maior participação de grupos e movimentos artísticos na vida cultural e A renúncia fiscal consiste
política do país, o Estado passe a adorar uma política de contenção e em incentivar atividades e
participações por parte das
atrofiamento das instituições oficiais incumbidas de promover o mundo da empresas interessadas em
cultura, como efeito o
cultura. É nesse ambiente que entram as leias de incentivo à cultura, cujo perfil estado (não só a união,
de atuação passa a ser o da renúncia fiscal coordenada. mas também estados e
municípios) concede
descontos fiscais, antes
Os dois institutos legais mais importantes a esse respeito são a Lei Rouanet e diretamente tributáveis no
a Lei do Áudio-visual. A renúncia fiscal foi o mecanismo encontrado pelo imposto de renda das
pessoas jurídicas.
Estado para cumprir sua obrigação constitucional (o direito à cultura), sem
atuar diretamente no fomento. Sua função passa a ser de coordenador e
incentivador indireto.

Como os dados a seguir comprovarão, a renúncia fiscal gerou, nas últimas


duas décadas, um aumento significativo da participação das empresas
privadas e estatais no fomento da cultura.É possível se afirmar que as
chamadas “atividades massivas” (música e cinema) receberam um maior
volume de recursos advindos da renúncia fiscal. No entanto, em que pese essa
nova configuração estatal, baseada na renúncia e na coordenação indireta das
atividades e produção de bens culturais, nos últimos cinco anos o Ministério
da Cultura, assim como sua teia de organizações e órgãos associados, passou
a apoiar e incentivar as diversas manifestações inscritas na área da cultura
popular brasileira, privilegiando sobretudos as regiões Norte e Nordeste.

O aumento das atividades destinadas às culturas populares por parte dos


órgãos oficiais e pela esfera pública de um modo geral se situa dentro daquilo
que chamamos, na seção sobre economia como negócio, de “emergência das
indústrias da criatividade”, a partir da qual se valoriza os bens e atividades
ligadas à memória popular e a sua diversidade criativa.
5.3 Lei Sarney
A Lei Sarney constituiu o primeiro marco legal em direção a essa nova
dinâmica de atuação do Estado junto à cultura. Regulamentada em julho de Veja na íntegra a Lei Sarney no
1986, a Lei Sarney estipulava um abatimento de até 100% do valor das endereço eletrônico
http://www.sinprorp.org.br/M
doações, 80% do patrocínio e 50 % do investimento na área cultural, todos a emorias/memoria86-88-
18.htm
partir do imposto de renda tanto das pessoas físicas quanto jurídicas.

A lei Sarney teve como principal inovação, sobretudo no aspecto operacional


de destinação dos recursos, o fato de que esses eram destinados aos produtos
culturais e não aos artistas responsáveis pela criação das obras. Era, portanto,
oposta a idéia do mecenato clássico, a partir da qual se destinava o recurso
primeiro para o criador, cuja conseqüência de seu trabalho seria a obra, um
filme, uma peça teatral, uma música, etc.

Antes da Lei Sarney as empresas doavam recursos sem nenhuma


contrapartida direta. Assim como ocorria no mecenato clássico (greco-
romano). Alguém realiza uma doação para área cultural a fim de se legitimar
perante certo público, cidadãos, consumidores, eleitores, etc. Com a lei, os
doadores passam a ter em contrapartida os correspondentes recursos
descontados e/ou abatidos.

A mudança mais imediata na relação Estado/cultura é que a lei criou a


possibilidade do Estado participar das atividades culturais, renunciando a
certos recursos, mas não tutelando diretamente, o que assegura certa
independência cultural, pelo menos em relação ao estado.

Outra implicação direta da lei foi que ela criou uma burocracia privada e
estatal, isto é, profissionais especificamente incumbidos de transitar entre os
aspectos legais, contábeis, econômicos e administrativos da lei, isto é,
advogados, contadores, administradores e economistas envolvidos na
sistemática criada pela lei. Muitas empresas passaram a contratar esses
profissionais, de preferência aqueles que condensassem muitas dessas
habilidades.
O efeito direto na organização interna de muitas empresas foi à criação, dentro
do departamento de marketing, de setores que passaram a associar a marca
das empresas a algum tipo de atividade cultural, seja da cultura popular
(rituais, danças, festas, etc.) e/ou da indústria cultural, seja das
manifestações da chamada “cultura erudita”: artes plásticas, teatro, opera,
etc.

Uma crítica muito recorrente aos desdobramentos da lei gira em torno da


afirmação de que, a partir da Lei Sarney, a cultura passou a ser gerenciada
pelos departamentos de marketing das empresas multinacionais e
transnacionais. Um das conseqüências, segundo esse argumento crítico, foi a
espetacularização da cultura, estruturada agora em torno de um número de
eventos de entretenimento e diversão. Cultura passou a ser equacionada no rol
simplesmente da diversão e do lazer.

Houve, segundo esse mesmo raciocínio, uma redução do nível de realização


das atividades artísticas e culturais de um modo geral. No ambiente geral da
Lei Sarney, no fim dos anos 1980, o governo criou uma serie de órgãos ligados
à cultura, que mais tarde, durante o governo Collor, foram sumariamente
extintos, como Fundação Nacional de Cinema, Fundação Nacional de Artes
Cênicas e o Instituto de Promoção Cultural. Em 1988, cerca de 15 mil
profissionais atuavam, direta ou indiretamente, no setor da cultura.

5.4 Lei Rouanet


Em 1991, o governo Collor elaborou uma versão atualizada da então extinta
Lei Sarney, rebatizada agora de Lei Rouanet que passou a ser, desde então, o
Acesse o emdereço
principal instrumento de incentivo e captação de recurso realizado no âmbito eletrônico abaixo e tenha
acesso a Lei Ruanet:
do setor cultural brasileiro. Não comentaremos aqui detalhadamente o teor da http://www.cultura.gov.br
lei (sua estrutura legal), uma vez que seu conteúdo é de fácil acesso, /legislacao/leis/index.php
?p=25&more=1&c=1&tb=
encontrado no sítio do Ministério da Cultura. 1&pb=1
Comentaremos e analisaremos as diferenças entre esta última e a Lei Sarney,
para depois apresentar um conjunto de dados acerca de sua
operacionalização.

Uma das principais medidas da lei foi instituir o Programa Nacional de apoio à
cultura (Pronac). A diferença marcante em relação à lei anterior era o rigor
formal, pois a definição de mecanismos de controle e fiscalização não
permitia, como a Lei Sarney, um incentivo fiscal sem limites.

Muitos críticos apontam que a lei vinculava diretamente o recebimento das


verbas e os repasses financeiros diretamente ao fluxo de recolhimento de
impostos por parte das empresas contribuintes, o que ergue grandes
obstáculos ao calendário dos espetáculos, além de depender das negociações
tributárias sempre tensas. O rigor legal da lei, a princípio, impediu um maior
aproveitamento dos mecanismos fiscais, mas logo começou a apresentar
resultados significativos, sobretudo a partir do primeiro ano da gestão
Francisco Weffort à frente do Ministério da Cultura.

Assim que assumiu a pasta do Ministério da Cultura, o sociólogo Francisco


Weffort criou a Secretaria de Apoio à Cultura cujo objetivo era facilitar as
formas de obtenção de recursos estabelecidos pela lei Ruanet, assim como
dinamizá-la através de algumas reformas em seu corpo legal.

A gestão FHC aumentou de 2% para 5% o desconto do imposto de renda das


empresas que investissem em projetos culturais. As mudanças introduzidas no
texto da lei permitiram, entre outras coisas, a criação do agente cultural,
espécie de captador de recurso, que também atua na venda de projeto e,
sobretudo, no trânsito entre as empresas e o Ministério da Cultura.

A partir de 1995, esses profissionais passam a atuar de modo mais


sistemático cuja atuação diversificou-se, assim como se diversificou o perfil
desse profissional, que passou a ter conhecimento da legislação tributária e
da gestão contábil das empresas proponentes.
A maioria das empresas que passaram a se envolver diretamente com as
atividades culturais, tanto as estatais quanto às empresas privadas de um
modo geral, o fizeram com vistas a melhorar e legitimar seus produtos junto a
públicos consumidores específicos.

A maioria das pesquisas sobre marketing cultural aponta que a melhoria da


imagem institucional da empresa é a principal razão para o apoio á atividades
culturais. Os anos do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso
(1995/1998) de fato marcaram uma maior racionalidade legal e
administrativa no processo de captação e investimento por parte das
empresas. Uma mudança significativa também passou a ser notada.

Se até os governos anteriores, a cultura poderia ser vista como algo acessório
e residual no computo geral dos setores mais representativos do produto
interno bruto brasileiro, a partir das gestões FHC, a institucionalização dos
mecanismos de renúncia tornam a atividade cultural economicamente
importante e ascendente.

Um fato decisivo para o crescimento do número de recursos liberados foi a


participação substancial das empresas estatais, todas agindo segundo ordens
expressas do governo de apoiar maciçamente a cultura a partir da Lei Ruanet.
De fato, a liberação rápida dos recursos e o interesse político em coordenar
setores e arregimentar forças nesse sentido permitiram que os números de
projetos e aumentassem significativamente.

Em 1996, 614 empresas participaram da renúncia fiscal, esse número saltou


para 1.133 em 1998. No entanto, em 1998 e 1999 verificou-se certa queda:
de 1.061 para 1.040, respectivamente. Esta queda resultou do processo de
privatização, a partir do qual muitas empresas, em fase de venda, passaram a
adotar outras prioridades. Os novos controladores dessas empresas (tais como
a Vale do Rio Doce) só voltaram a se interessar pelas atividades culturais no
ano de 2000, quando então passaram a lançar mão novamente dos
mecanismos legais.
Em que pese esse relativo sucesso, uma grande – e necessária – discussão,
promovida principalmente pelos profissionais de cultura, passou a ordem do
dia. O governo, na gestão do Estado, não poderia dinamizar o setor cultural
somente a partir dos incentivos fiscais. O gargalo que se verificou, sobretudo
em 1994, era um exemplo a esse respeito, visto que poucos projetos foram de
fato realizados. Ficou claro que a atuação do Estado deveria se dar em outros
níveis também, e partir de novas propostas. O mecenato fiscal privado era
necessário, porém insuficiente.

5.5 Lei do Audiovisual


Criada em 1993 durante a gestão Itamar Franco, a Lei do Audiovisual havia de
fato sido pouco utilizada até 1995. A partir de 1995, no entanto, a lei passou a Acesse Lei do
ser utilizada segundo a mesma sistemática da isenção fiscal, concentrando a Audiovisual no endereço
eletrômico:
captação de recursos para o cinema. Em julho de 1996, o governo editou uma http://www.ancine.gov.
br/cgi/cgilua.exe/sys/st
portaria que aumentou de 1% para 3% a dedução do imposto de renda das art.htm?infoid=198&sid
pessoas jurídicas que investissem em cinema.

A concentração nas atividades cinematográfica fez com que o governo


alterasse e ampliasse o escopo de atuação da Lei Rouanet, aumentando as
quantias de abatimento. No caso do teatro, por exemplo, o total investido
pelas empresas passou a ser inteiramente abatido do imposto de renda das
empresas realizadoras. Mesmo assim, a concentração da renúncia fiscal em
cima do setor cinematográfico se fez sentir. Em 1996, dos 101 milhões de
reais obtidos por meio da renúncia fiscal, cerca de 60% ficou com o
audiovisual.

Em 1997, uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Cultura, chegava-se


aos seguintes dados: o país gastava cerca de 1% do PIB com cultura, no
entanto apenas 10% desse percentual ficava a cargo da Administração Direta;
o crescimento dos números, dos valores e das atividades artístico-culturais
não foi, todavia, acompanhado por um crescimento nos gastos diretos: o país
se ressentia de um plano nacional e coordenado de cultura.
Os números eram expressivos, mas a fragilidade da política de financiamento,
baseada na renúncia fiscal, era evidente. Em 1994, os incentivos obtidos com
a Lei Rouanet não chegaram a 15 milhões. Já no ano seguinte, foi de 113
milhões. Na arquitetura do financiamento, o Estado continua a ser o principal
ator de estruturação e dinamização. Não só por que o dinheiro renunciado e de
caráter publico, pois faz parte do montante da arrecadação direta de tributos e
impostos, mas também através das dotações orçamentárias de estatais e
demais ministérios.

Hoje as leis, reformuladas e adaptadas à dinâmica de captação de recursos,


desempenham um papel extremamente importante no incentivo à cultura,
sobretudo para o crescimento do número de projetos culturais que, no período
de 1990 a 1997, foram patrocinados por empresas.

No grupo das 111 empresas consultadas, o investimento em cultura, nos 8


anos analisados, totalizou 604 milhões de reais. O crescimento dos gastos,
nesse período, passou de 33 milhões, em 1990, para 147 milhões, em 1997,
o que representa uma ampliação efetiva de cerca de 350% no período.
Também o número de empresas que investem em cultura cresceu bastante –
mais precisamente 267% -, levando-se em conta as respostas das 111
empresas ao questionário aplicado pela Fundação João Pinheiro: ele vai de
27, em 1990, para 99, em 1997.

Na realidade, segundo as informações da Secretaria de Apoio à Cultura, do


Ministério da Cultura, em 1997, mais de mil empresas investiram em projetos
culturais em todo o país; a diferença de números, nesse caso, explica-se
porque os resultados da pesquisa baseiam-se na amostra de apenas 111
empresas, enquanto os dados computados pelo Ministério referem-se a
conjunto de empresas brasileiras que no total destinaram algum tipo de
incentivo à cultura, seja o apoio logístico ou recurso financeiro direto.

As pesquisas realizadas acerca das leis de renúncia fiscal mostram que, de um


lado, as respostas das empresas atestam, claramente, a relação entre o
aumento do patrocínio a projetos culturais e a existência e funcionamento das
leis de incentivo fiscal ao setor. As leis federais foram as mais utilizadas,
particularmente a Lei Rouanet (8.313), que viabilizou cerca de 84% dos
projetos patrocinados no período em análise, enquanto 16% dos mesmos
foram apoiados pelas 12 leis estaduais e/ou pelas 17 leis de municípios de
capital em vigência.

A outra revelação interessante refere-se aos principais motivos invocados


pelas empresas para tomarem a decisão de investir em projetos culturais: 65%
delas consideram que esse investimento representa ganho de imagem
institucional, enquanto 28% acham que o investimento agrega valor à marca
da empresas.

De 1996 a 1999, houve um gasto direto de 372 milhões com a cultura, sendo
que os mecanismos de renúncia fiscal conseguiram obter 980 milhões,
chegando-se a um investimento da ordem de 1 bilhão e 353 milhões. O
exemplo do crescimento do público de cinema e do número de projeto
expressa o resultado expressivo da lei do audiovisual a partir de sua renúncia
fiscal específica. O público era de 271. 454, em 1994, passando para
3.150.000, em 1995, reduzindo-se um pouco para 2.388.888, em 1997,
subindo para 6 milhões, em 1999.

A mesma tendência ascendente acompanhou a produção de filmes nacionais.


De 12, em 1995, subiram para 23, em 1996; 22, em 1997; 26, em 1998 e
25, em 1999. Esse breve panorama permite afirmar que, no governo Fernando
Henrique Cardoso, o mecenato de estado (que existiu nos dois períodos de
execução analisados na segunda seção desse texto) foi substituído pelo
mecenato privado.

A seguir nos Quadros 24 ao 29 apresentaremos um conjunto de dados


tabulados e atualizados acerca da dinâmica de financiamento das Leis
Rouanet e do Audiovisual.
Quadro 24 - Valores Captados, por mecanismos,
alocados em projetos em 2005. (valores em R$ MIL).
Mecanismo 2004 2005(*)
LEI ROUANET - Lei Nº 8.313/91 34.361,10 35.501,10

ARTIGO 1º - Lei nº 8.685/93 56.232,10 34.831,10

ARTIGO 3º - Lei nº 8.685/93 37.915,00 35.364,80

ART. 39 MP 2228-1/01 16.669,00 14.921,60

FUNCINES (Art. 41MP 2228-1/01) 0,00 1.032,00

Conversão da Dívida (Lei nº 10.179/01) 0,00 0,00

TOTAL 145.177,20 121.650,60

Fonte: SDI

(*) Situação em 31/12/2005 - dados preliminares


Quadro 25 - Incentivadores por meio
da Lei Rouanet - Exercício 2005
Incentivadores Valores em R$

1 Petrobrás - Petróleo Brasileiro S/A 20.130.377,69

2 Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A. 2.655.000,00

3 CSN - Cia Siderúrgica Nacional 1.766.440,51

4 Petrobrás - Distribuidora S/A 1.620.000,00

5 Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos 1.000.000,00

6 Embraer - Empresa Brasileira Aeronáutica S.A. 798.000,00

7 Champion Papel e Celulose 752.103,89

8 Hipercard Banco Múltiplo S/A 700.000,00

9 Furnas Centrais Elétricas S.A. 600.000,00

10 Cia Vale do Rio Doce 600.000,00

11 ibi Bank S.A. Banco Múltiplo 450.000,00

12 CBMF - Comercial brasileira de Fomento Mercantil Ltda 355.000,00

13 Centrais Elétricas Brasileiras S.A. ELETROBRÁS 350.000,00

14 Minerações Brasileiras Reunidas S.A. - MBR 350.000,00

15 Banco Itaú S.A. 300.000,00

16 Rio Doce Manganês 288.835,22

17 Telecomunicações do Rio de Janeiro - TELERJ 250.000,00

18 CBMM - Cia Brasileira de Metalurgia e Mineração 210.000,00

19 GOIANAS SHOPPING LTDA 210.000,00

20 Brasil Prev Seguros e Previdência S.A. 200.000,00

21 Outros incentivadores 1.915.356.48

TOTAL 33.585.757,31

Fonte: SDI (Situação em 31/12/2005 - dados preliminares)


Quadro 25 - Investidores por meio do art. 1º da Lei do
Audiovisual - Exercício 2005.
Investidores Valores em R$
1 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A USIMINAS 2.600.000,00

2 Nossa Caixa Nosso Banco S/A 2.036.759,00

3 Petrobrás - Distribuidora S/A 1.542.100,00

Bradesco Previdência e Seguros S/A (Banco Brasileiro de


4 Descontos) 1.370.000,00

5 Goodyear do Brasil Produtos de Borracha Ltda. 1.350.000,00

6 Gol Transportes Aéreos S/A 1.295.000,00

7 Celular CRT S/A 1.035.000,00

8 Brasil Telecom S/A Matriz 750.595,00

9 Cia de Saneamento Básico de São Paulo - SABESP 745.000,00

10 Banco BMG S/A 681.596,00

11 Minerações Brasileiras Reunidas S.A. - MBR 650.000,00

12 Sasse Companhia Nacional de Seguros Gerais 638.890,00

13 Termopernambuco S/A 600.000,00

14 V&M do Brasil S/A 500.000,00

15 MRS Logística S/A 500.000,00

16 Companhia de Tecidos do Norte de Minas - COTEMINAS 500.000,00

17 Texaco do Brasil S/A 498.679,00

18 CEMIG Distribuição S/A 467.503,00

19 Telecomunicações do Rio de Janeiro - TELERJ 449.692,00

20 CIA Brasileira de Petróleo Ipiranga 440.000,00

21 Outros incentivadores 16.186.282,34

TOTAL 34.837.096,34

Fonte: SDI (Situação em 31/12/2005 - dados preliminares)


Quadro 26 - Empresas Brasileiras Representantes dos
Investidores por meio do Art. 3º da Lei do Audiovisual -
Exercício 2005
Incentivadores Valores em R$
1 Columbia Tristar Buena Vista Filmes do Brasil 12.797.434,25
2 Warner Bros. (South) Inc. 6.289.516,79
3 Fox Film do Brasil Ltda 5.823.242,41
4 Universal Pictures do Brasil Ltda 1.629.299,18
5 United International Pictures B.V. PARAMOUNT 1.567.822,20
6 Columbia Tristar Films of Brasil INC 1.416.384,07
7 Freeway entertainment KFT 1.354.010,09
8 Imagem Filmes Distribuidora Ltda 1.238.340,86
9 Columbia Tristar Home Video do Brasil Ltda 701.833,95
10 Playarte Pictures Ltda 700.000,10
11 Vídeo filmes Produções Artísticas Ltda 602.587,80
12 Consórcio Europa 467.990,94
13 Antônio Fernandes CD'S 370.304,37
14 E.B.A. Empresa Brasileira de Audiovisual S/A 300.948,64
15 PARAMOUNT home entertainment 105.000,00
TOTAL 35.364.715,65
Fonte: SDI (Situação em 31/12/2005 - dados preliminares)
Quadro 27 - Valores Autorizadas para
Captação em 2005 (por fonte de recurso)
Fonte de Recursos Valores
ARTIGO 1º - Lei nº 8.685/93 160.732.920,23
ARTIGO 3º - Lei nº 8.685/94 63.912.360,17
ARTIGO 18 - Lei nº 8.313/91 16.826.933,07
ARTIGO 25 - Lei nº 8.313/92 147.439.783,69
ARTIGO 39 MP 2228-1 (Isenção Condecines) 13.958.994,22
ARTIGO 43 MP 2228-1 (FUNCINES) 2.000.000,00
Conversão da Dívida (Lei nº 10.179/01) 1.000.000,00
Leis Estaduais de Incentivo à Cultura 6.397.245,77
Leis Municipais de Incentivo à Cultura 3.366.794,78
Outras Fontes de Recursos 10.792.226,61
Contrapartida 20.953.438,45
TOTAL 447.380.696,99
Fonte: Sistema de Acompanhamento das Leis de Incentivo - SALIC

Quadro 28 - Quantidade de Projetos Autorizados a


Captar em 2005 (por fonte de recurso)
Fonte de Recurso Projetos

ARTIGO 1º - Lei nº 8.685/93 121

ARTIGO 3º - Lei nº 8.685/94 51

ARTIGO 18 - Lei nº 8.313/91 134

ARTIGO 25 - Lei nº 8.313/92 23

ARTIGO 39 MP 2228-1 (Isenção Condecines) 14

ARTIGO 43 MP 2228-1 (FUNCINES) 1

Conversão da Dívida (Lei nº 10.179/01) 1

Fonte: Sistema de Acompanhamento das Leis de Incentivo - SALIC


Quadro 29 - Mecenato - Captação de recursos pos ano, área e
segmento.
2005 2006 TOTAL
134.262.250,9
Artes Cênicas 25.001.539,83 159.263.790,73
0
Circo 3.294.994,06 224.125,83 3.519.119,89
Dança 33.073.828,37 4.221.247,09 37.295.075,46
Mímica 0 150.862,00 150862
Teatro 95.953.127,94 19.656.166,91 115.609.294,85
Ópera 1.789.438,53 900.000,00 2.689.438,53
Artes Integradas 76.322.557,43 14.906.817,84 91.229.375,27
Artes Integradas 71.891.517,41 11.950.817,84 83.842.335,25
Carnaval 4.431.040,02 2.956.000,00 7.387.040,02
Artes Plásticas 68.013.329,75 14.372.767,93 82.386.097,68
Exposição Itinerante 32.605.319,30 4.835.375,74 37.440.695,04
Fotografia 2.415.007,29 534.160,00 2.949.167,29
Gravura 0,00 100.000,00 100.000,00
Gráficas 431.394,00 109.157,04 540.551,04
Plásticas 32.561.609,19 8.790.075,15 41.351.684,34
Audiovisual 65.805.364,16 11.748.649,01 77.554.013,17
Difusão 39.056.637,26 7.623.920,81 46.680.558,07
Eventos 4.857.200,00 493.000,00 5.350.200,00
Exibição
334.000,00 112.327,75 446.327,75
Cinematográfica
Infra-estrutura Técnica
29.996,05 0,00 29.996,05
Audiovisual
Multimídia 3.207.908,40 4.258.772,63 7.466.681,03
Preservação
/Restauração da
6.003.476,52 400.000,00 6.403.476,52
memória
cinematográfica
Produção
10.714.417,31 2.824.799,86 13.539.217,17
Cinematográfica
Produção Radiofônica 23.000,00 0,00 23.000,00
Produção Televisiva 132.441,39 0,00 132.441,39
Rádios /TVs Educativa 395.423,00 0,00 395.423,00
Humanidades 75.507.499,97 7.533.715,26 83.041.215,23
Acervo Bibliográfico 1.010.103,01 13.674,20 1.023.777,21
Biblioteca 1.078.640,00 10.000,00 1.088.640,00
Edição de Livros 71.868.437,32 7.424.481,06 79.292.918,38
Evento Literário 1.211.919,64 85.560,00 1.297.479,64
Periódicos 338.400,00 0,00 338.400,00
141.077.123,0
Música 20.052.141,57 161.129.264,59
2
Música Erudita 64.068.236,97 8.941.880,56 73.010.117,53
Música Instrumental 19.179.273,55 3.581.470,18 22.760.743,73
Música em geral 57.195.613,10 7.528.790,83 64.724.403,93
Orquestra 565.000,00 0,00 565.000,00
Áreas Integradas 69.000,00 0,00 69.000,00
124.004.721,6
Patrimônio Cultural 15.612.544,14 139.617.265,79
5
Acervo 4.698.174,08 1.394.984,47 6.093.158,55
Acervos Museológicos 6.945.238,31 531.020,00 7.476.258,31
Arqueológico/
3.607.432,62 314.634,64 3.922.067,26
Ecológico
Arquitetônico 71.214.729,60 10.843.726,75 82.058.456,35
Artesanato /Folclore 3.833.351,32 828.630,24 4.661.981,56
Cultura Afro Brasileira 89.600,00 0,00 89.600,00
Cultura Indígena 1.884.227,59 0,00 1.884.227,59
Histórico 10.121.409,63 881.585,00 11.002.994,63
Museu 21.610.558,50 817.963,04 22.428.521,54
684.992.847,4 109.228.175,5
TOTAL GERAL 794.221.023,07
9 8
Resumo do Capítulo 4
O Capítulo 4 ressalta as diferenciações entre os setores que financiam a
cultura no Brasil. Para tanto, lança mão de um minucioso quadro de dados e
informações qualitativas a fim de evidenciar o labirinto de escoamento e
destinação dos recursos financeiros destinados à cultura.

O objetivo desse capítulo foi demonstrar a evolução dos gastos públicos com
cultura e o novo interesse do setor privado com a mesma. Também foi
evidenciado as principais empresas responsáveis pelo financiamento e os
mecanismos legais utilizados.
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