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Formação Econômica

do Brasil
Material Teórico
Economia Escravista de Agricultura Tropical

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Nelson Calsavara Gonçalves de Medeiros

Revisão Textual:
Prof. Esp. Márcia Ota
Economia Escravista de Agricultura Tropical

• Introdução
• Capitalização e nível de renda na colônia açucareira
• Fluxo de renda e crescimento
• Projeção da economia açucareira

·· Nesta Unidade, será abordada a Economia Escravista de Agricultura Tropical, que,


em termos práticos, retrata a capitalização, o nível e o fluxo de renda e a importância
da pecuária. Com isso, será possível compreender a estrutura da economia agrícola
e também de suas economias satélites, com destaque para a pecuária.

O primeiro passo para o entendimento dessa Unidade é a leitura completa da bibliografia


indicada, inclusive do material complementar. Em seguida, você deverá (toda vez que julgar
necessário) entrar em contato com o tutor para que as dúvidas sejam esclarecidas. Feito isso,
deverá ainda assistir à videoaula e à apresentação narrada para só então executar as atividades
que serão propostas ao longo do estudo da unidade.

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Contextualização

A instalação da economia agrícola no Brasil precisou superar inúmeros desafios e um deles


foi a mão de obra. Imagine a dificuldade de trazer mão de obra especializada para a montagem
dos engenhos, motivada pela grande distância que se transformava em altos custos e também
pela total falta de infraestrutura na colônia. Além disso, havia também a necessidade de mão de
obra para o trabalho braçal, que inicialmente foi suprida com os índios em regime de escravidão
e depois foi substituída pela mão de obra africana, também em regime de escravidão.
Mas a economia agrícola por si só não era autossuficiente e precisava de madeira, utilizada
no processo de transformação do caldo da cana em açúcar, também era necessário o gado,
utilizado como tração que levava a produção para o porto. Para que todo esse ciclo fosse
completado havia a necessidade de remuneração dos fatores de produção envolvidos e por
isso, o entendimento de como a renda obtida fora distribuída é de importância vital. Isso porque
o leitor precisa compreender se, com o crescimento da lucratividade oriundo da atividade
agrícola, a distribuição de renda ocorria também.
Outro ponto importante é a compreensão dos gastos que precisavam ser deduzidos até
chegar à lucratividade, como por exemplo, o gasto com a madeira, com o gado, com a
importação de escravos, máquinas e equipamentos e a necessidade de pagar os holandeses
que foram primeiramente os financiadores e em seguida, os distribuidores do produto por toda
a Europa.
Por fim, o leitor deverá ficar atento à relevância da pecuária, que inicialmente fora tratada
como apenas uma economia satélite da agricultura, passou a desempenhar um papel maior,
sendo responsável pela colonização do interior do país.

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Introdução

A viabilização da economia açucareira pelos portugueses no Brasil foi um marco muito


importante. Para eles, porque a lucratividade (que será objeto de aprofundamento mais adiante)
alcançou cifras muito representativas. Para nós, porque corresponde o início da colonização
de nosso país.
Nesse sentido, essa unidade buscará o entendimento de como ocorreu a capitalização e
o nível de renda dessa atividade, em que serão investigadas, com detalhes, questões que
envolvem a utilização da mão de obra escrava, sendo primeiro o índio e a substituição pelo
africano. Em seguida, o papel das economias satélites, ou como alguns autores utilizam, das
atividades acessórias e a lucratividade da atividade principal.
Após, de posse do conhecimento de todo o sistema, será possível responder a seguinte
questão: havia distribuição de renda ou ainda possibilidade de um crescimento estrutural?
Por fim, o destaque será a compreensão do papel da pecuária. Isso porque essa atividade
que era inicialmente considerada como acessória, ganhou destaque, em virtude de uma
intervenção da coroa portuguesa. Tal destaque despertou o interesse de muitas pessoas para a
sua prática, porém muitos foram os fatores que contribuíram para que essa atividade também
não vingasse no sentido de lucratividade mas sim, no de apenas subsistência.

“Foram os cruzados e árabes que tornaram conhecido na Europa o


açúcar, primitivamente fabricado e usado na Ásia. Na Idade Média,
era um artigo caríssimo, escolhido para presentes régios e como
tal figurava nos próprios inventários monárquicos. Constituiu um
dos objetos do comércio das repúblicas italianas, que também
iniciaram a cultura da cana-de-açúcar e o seu fabrico nas Ilhas de
Rodes e Sicília, na bacia do Mediterrâneo. Os árabes introduziram
a indústria na Espanha”.
SIMONSEN (1978, p. 95).

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Capitalização e nível de renda na colônia açucareira

Independente de várias dificuldades que se opuseram ao desenvolvimento da indústria


açucareira, como: a hostilidade indígena e o custo dos transportes, essa logrou êxito, fato que
confirmou o esforço do governo português em viabilizar a atividade.

“Além disto, se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou


menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração do pau-
brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os
rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura.
Aos poucos se foi tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter
vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa
em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi
apenas um passo. Não eram passados ainda 30 anos do início da
ocupação efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura, e já
a escravidão dos índios se generalizara e instituíra firmemente em
toda parte. Isto não se fez, aliás, sem lutas prolongadas. Os nativos
se defenderam valentemente; eram guerreiros, e não temiam a luta.
A princípio fugiam para longe dos centros coloniais; mas tiveram
logo de fazer frente ao colono que ia buscá-los em seus refúgios.
Revidaram então à altura, indo assaltar os estabelecimentos dos
brancos; e quando obtinham vitória, o que graças a seu elevado
número relativamente aos poucos colonos era frequente, não
deixavam pedra sobre pedra nos núcleos coloniais, destruindo tudo
e todos que lhes caíam nas mãos”.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 21).

Um dos fatores que contribuiu para o êxito dessa indústria foi o privilégio dado ao
donatário de só ele fabricar moenda e engenho de água, além de favores especiais
que foram concedidos para aqueles que instalassem engenhos, tais como: a isenção de
tributos, garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias, títulos e
assim sucessivamente.
A maior dificuldade na etapa inicial era a contratação de mão de obra, já que não houve
adaptação dos índios, para atender toda a escala dos engenhos de açúcar.
Para os colonos europeus, a escravidão era uma questão de sobrevivência, já que não
conseguiram se organizar em comunidades dedicadas a produzir para a subsistência, pois,
para isso, a imigração dessas pessoas deveria ter sido organizada em outras condições.
Os grupos de colonos, que devido à falta de capital ou da escolha da localização errada,
tiveram que se dedicar na captura dos índios. Assim, a primeira atividade econômica estável
dos colonos foi o comércio de índios, apresentado na Figura 1.

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Figura I: Escravidão indígena

Fomte: Johann Baptist von Spix (1781-1826)/Wikimedia Commons

A mão de obra indígena permitiu a subsistência dos colonos que estavam localizados em
regiões do país que não se transformaram em produtoras de açúcar, porém, abasteciam essas
regiões com mão de obra.

“A questão indígena e os atritos dela resultantes nunca serão resolvidos no


Brasil senão indiretamente pelo recurso a outras fontes de trabalho, como
veremos abaixo, o que aliviará os índios. Mesmo assim, sobretudo em regiões
mais pobres que não poderão pagar o elevado preço dos escravos africanos,
os colonos nunca abrirão mão de sua pretensão de constranger os índios ao
trabalho; e não houve lei ou limitação que os detivesse. Este será, entre outros,
o caso de São Vicente (hoje São Paulo). A luta aí continuará vivíssima pelo séc.
XVII adiante, e os paulistas irão buscar os índios em fuga nos mais longínquos
territórios. Daí estas expedições conhecidas por "bandeiras", que percorrerão
todo o interior do continente e que alargarão consideravelmente, embora sem
consciência disto, os limites das possessões portuguesas”.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 22).

Desde o início da colonização, algumas comunidades se especializaram na captura de índios.


Contudo, na etapa seguinte, a de expansão da empresa, a mão de obra africana chegou e
pode assegurar a rentabilidade do negócio, na escala necessária.

O processo de substituição do índio pelo negro prolongar-se-á até o fim da


era colonial. Far-se-á rapidamente em algumas regiões: Pernambuco, Bahia.
Noutras será muito lento, e mesmo imperceptível em certas zonas mais pobres,
como no Extremo-Norte (Amazônia), e até o séc. XIX em São Paulo. Contra
o escravo negro havia um argumento muito forte: seu custo. Não tanto pelo
preço pago na África; mas em consequência da grande mortandade a bordo
dos navios que faziam o transporte. Mal alimentados, acumulados de forma a
haver um máximo de aproveitamento de espaço, suportando longas semanas
de confinamento e as piores condições higiênicas, somente uma parte dos
cativos alcançavam seu destino. Calcula-se que, em média, apenas 50%
chegavam com vida ao Brasil; e destes, muitos estropiados e inutilizados. O
valor dos escravos foi assim sempre muito elevado, e somente as regiões mais
ricas e florescentes podiam suportá-lo.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 23).

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Passada as dificuldades iniciais, a colônia açucareira progrediu muito rápido. No fim do


século XVI, a produção de açúcar superava os 2 milhões de arrobas, o que representava
um aumento substancial de vinte vezes, quando comparado com a produção auferida pelos
portugueses nas ilhas do Atlântico.
Não era somente a produção de açúcar que possuía números expressivos, pois o montante
de capital direcionado para o setor produtivo (engenhos) no fim do século XVI chegou a 15
mil libras esterlinas por engenho. Considerando um total de 120 engenhos, o número total
representava 1,8 milhões de libras.
A quantidade de escravos que trabalhavam nessa indústria também era muito grande,
chegando a cerca de 20 mil, o que representava aproximadamente 20% do total de capital
fixo investido.

“O número de trabalhadores é naturalmente variável. Nos bons


engenhos, os escravos são de 80 a 100. Chegam às vezes a muito
mais; há notícias, embora isto já se refira ao século XVIII, de
engenhos com mais de 1.000 escravos. Os trabalhadores livres são
raros, apenas nas funções de direção e nas especializadas: feitores,
mestres, purgadores, caixeiros (são os que fazem as caixas em que
o açúcar é acondicionado), etc. São, aliás, mais frequentemente,
antigos escravos libertos”.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 24).

Todos esses números garantiriam em um período favorável, uma renda de cerca de 2,5
milhões de libras em valores brutos. Em termos líquidos, essa quantia era de 60% desse
montante, já que havia gastos com equipamento importado e reposição de escravos, que
tinham como vida útil, uma média de oito anos.
Levando-se em consideração que a população européia no Brasil não era superior a 30 mil
habitantes, a renda per capita estava muito acima do padrão europeu, que foi estimada em
US$ 350.
Uma renda per capita alta não implica necessariamente em distribuição de toda essa renda,
já que havia uma forte concentração nas mãos da classe de proprietários de engenho.

A população colonial, com exceção apenas das suas classes mais


abastadas, viverá sempre num crônico estado de subnutrição. A
urbana naturalmente sofrerá mais; mas a rural também não deixará
de sentir os efeitos da ação absorvente e monopolizadora da cana-
de-açúcar que reservará para si as melhores terras disponíveis.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 28).

Estima-se que do total já apresentado, apenas 22,5 mi libras (menos de 2% da renda do


setor) eram pagas em forma de salários para aqueles que trabalhavam nos engenhos, como os
supervisores do trabalho de escravos e homens de vários ofícios.
Além desses gastos, os engenhos precisavam de gado para a tração e de lenha para as
fornalhas. Essas despesas formaram um vínculo muito importante entre o setor açucareiro e
os demais núcleos de povoamento da colônia. Em outras palavras, assim era estabelecido o
vínculo estabelecido era entre a atividade principal e as acessórias.

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Em relação ao gado, estima-se que o número total de bois utilizados nos engenhos era
praticamente o mesmo dos escravos e eles valiam aproximadamente a quinta parte de um
escravo e tinham uma vida média de três anos.

“Neste setor da subsistência também entra a pecuária. Ela


também se destina a satisfazer as necessidades alimentares da
população. A carne de vaca será um dos gêneros fundamentais do
consumo colonial. Mas a pecuária, apesar da importância relativa
que atinge, e do grande papel que representa na colonização e
ocupação de novos territórios, é assim mesmo uma atividade
nitidamente secundária e acessória. Havemos de observá-lo em
todos os caracteres que a acompanham: o seu lugar será sempre
de segundo plano, subordinando-se às atividades principais da
grande lavoura, e sofrendo-lhe de perto todas as contingências”.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 28).

Ainda que os gastos com lenha fossem o mesmo alcançado com os bois (atividades acessórias),
no máximo chegava a 3% da renda gerada pelo setor. Tudo isso leva à conclusão de que pelo
menos 90% da renda gerada no país pela exploração do açúcar estava concentrada nas mãos
da classe dos donos de engenhos e de plantações da cana-de-açúcar.

“O outro é das atividades acessórias cujo fim é manter em


funcionamento aquela economia de exportação. São sobretudo
as que se destinam a fornecer os meios de subsistência à
população empregada nesta última, e poderíamos, em oposição
à outra, denominá-la economia de subsistência. A distinção é
muito importante, porque além das características próprias que
acompanham um e outro setor, ela serve para conclusões de
grande relevo na vida e na evolução econômica da colônia”.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 26).

O que era feito com toda essa riqueza acumulada? Grande parte foi destinada à,
principalmente, artigos de luxo. Como exemplo, a importação com bens de consumo. Dados
relativos à administração holandesa apontam que em 1639 foram arrecadadas cerca de 160
mil libras em impostos de importação, que correspondiam a uma taxa de 20% ad valorem de
um total de importação de 800 mil libras.
Deve-se também levar em consideração que nesse momento, havia uma quantidade grande
com gastos de consumo, devido à necessidade de se manter uma tropa numerosa na colônia.
Excluindo-se esse efeito, ainda sim, é possível afirmar que a indústria açucareira possuía
uma enorme margem para capitalização e que também era suficientemente rentável para
autofinanciar uma duplicação de sua capacidade de produção, a cada período de dois anos.
A despeito de toda essa capacidade de financiamento, a mesma (renda) não foi empregada
com essa finalidade, mas especula-se que ela foi distribuída aos comerciantes que permaneciam
fora da colônia e que foram os responsáveis pelo escoamento da produção.

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Fluxo de renda e crescimento

Qual era a possibilidade desse sistema econômico apresentar crescimento, bem como
evolução estrutural? Para isso, deve-se observar um pouco mais a fundo os processos não só
de formação de rendam, mas também de acumulação de capital.
O empresário do setor açucareiro operava em grande escala e, para tanto, os capitais
eram importados. Além disso, foram utilizados equipamentos importados e a mão de obra
europeia especializada.
Já que o trabalho indígena não alcançou os objetivos propostos, é bem provável que ele fora
utilizado para alimentar a nova comunidade e nas tarefas de mão de obra não especializada
na fase de instalação.
Uma vez substituída a mão de obra indígena pela africana, em um primeiro momento, não
houve grandes modificações.
Na etapa seguinte, durante o processo de expansão, houve redução da mão de obra
especializada europeia e substituída pela africana, para treinamento daqueles que demonstravam
maior aptidão para as tarefas manuais.
Entretanto, tal redução não foi constatada na mão de obra africana, já que havia necessidade
de reposição, devido ao pequeno tempo médio de expectativa de vida, que pode ser atribuído
aos maus tratos e o modo de vida a que eram submetidos.
Nos EUA, diferentemente do Brasil, essa prática de importação frequente de escravos foi
abolida, quando algumas regiões especializaram-se na criação de escravos. Os portugueses
em nenhum momento adotaram esse tipo de conduta, pois tinham uma visão de curto prazo
sobre essa questão.

“Aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coice,


principalmente na barriga das mulheres, que andam pejadas, nem
dar com pau nos escravos, porque na cólera se não medem os
golpes, e podem ferir na cabeça a um escravo de préstimo que vale
muito dinheiro e perdê-lo”.
SIMONSEN (1978, p. 108).

Tendo em vista um sistema com esse funcionamento, a inversão de capital em uma economia
exportadora escravista era composta de:

a) parte da renda transforma-se em pagamentos feitos ao exterior, para pagar a mão de


obra, equipamentos e materiais de construção;

b) a parte maior tem como origem a utilização da força de trabalho, que serviu também
para executar serviços pessoais;
Pode-se apresentar que o lucro do empresário representava a diferença entre o custo de
reposição e de manutenção dessa mão de obra e o valor do produto do trabalho.

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Esse sistema somente fazia crescer a renda do empresário, já que não havia pagamentos
aos funcionários, pois a mão de obra escrava era considerada como custo fixo e gastos de
manutenção.
Desse modo, como os fatores de produção pertenciam ao empresário e toda a renda
gerada pelo processo produtivo voltava para suas mãos e não havia distribuição de renda e
crescimento.
Por isso, enquanto o mercado externo absorvesse todo o açúcar produzido a um nível
adequado de preços, tal sistema apresentaria condições favoráveis para o crescimento, desde
que houvesse quantidades crescentes de escravos e de terras para a plantação e cultivo da cana-
de-açúcar. Deve-se ressaltar que o financiamento não era um problema, como apresentado
anteriormente, devido à alta lucratividade.
Com a abundância das terras, da mão de obra e possibilidade de financiamento mais que
suficiente, o principal fator que limitou o crescimento ainda maior dessa economia foi a
possibilidade de que a oferta superasse a demanda, fato que pressionaria os preços.
Esse crescimento fomentava a ocupação de novas terras onde se formava uma densa
população e o aumento da importação.
De todas as variáveis apresentadas, a mais importante, que desencadeava todo o processo,
era a procura externa. Nos momentos em que isso acontecia, ocorria um processo de
decadência, onde o empresário deveria se adaptar a uma redução da procura ou, ainda, uma
redução nos preços.
Apesar de períodos de decadência, a economia açucareira do Nordeste, resistiu mais de
três séculos a esses movimentos de ápice e queda, sem que houvesse quaisquer mudanças na
estrutura dessa economia.
Esse sistema (ilustrado pela Figura 2) sobreviveu, por exemplo, à concorrência antilhana no
século XVII e no século XIX, voltou a funcionar em plena atividade.

Figura 2: Processos primitivos do fabrico do açúcar

Fonte: SIMONSEN (1978, p. 99)

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Projeção da economia açucareira

A grande rentabilidade da empresa açucareira constituiu um fator dinâmico para o


desenvolvimento de outras regiões do país. Como exemplo, pode-se citar a evolução de São
Vicente e a colônia da Nova Inglaterra (colônia da Inglaterra nas Antilhas), ambas colônias de
povoamento.
Na Nova Inglaterra, os colonos sobreviveram às dificuldades iniciais e se dedicaram à pesca.
Uma atividade que passou de subsistência para suas primeiras atividades comerciais.
Para desenvolver a pesca, foi necessário criar as ferramentas para tal atividade, as
embarcações. Além disso, deve-se levar em consideração que a Inglaterra, na segunda metade
do século XVII e XVIII, estava envolvida em guerras e disputas comerciais.
Esses fatores resultaram em grande êxito para essa colônia no período em questão.
Já na colônia de São Vicente, a falta de mão de obra foi uma questão mais profunda, em
comparação com aquela vivenciada pela Nova Inglaterra, que se aproveitou do excedente
de população nas Ilhas Britânicas e possibilitou a importação de europeus sob o regime de
servidão temporária.
Para suprir essa deficiência, a colônia de São Vicente dedicou-se à caça do índio, que
inclusive foi a primeira atividade comercial.
Descoberta essa vocação, os colonos se voltaram para o interior em busca de aumentar o
negócio, como sertanistas profissionais, conforme apresentado na Figura 3.

Figura 3: Entradas e bandeiras

Fonte: Benedito Calixto, Johann Baptist von Spix (Montagem)

Como limitações para as duas colônias, pode-se citar a abundância de terras para o cultivo
da cana (São Vicente) e a limitação das terras para a colônia da Nova Inglaterra.

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Com a expansão da economia açucareira, aumentou a necessidade de utilizar animais para
transportar a produção (ilustrado pela Figura 4), já que com a devastação da vegetação litorânea
(com o uso da madeira), se fazia necessário buscar lenha em distâncias cada vez maiores.

Figura 4: Pecuária no período colonial

Fonte: mestresdahistoria.blogspot.com.br

Além disso, não havia condições de manter a criação de gado na faixa litorânea, isto
é, dentro dos engenhos, devido ao problema de invasão dos animais nas plantações. Foi
justamente dessa separação, ordenada pelo governo português para que a criação de gado não
ocorresse no litoral, surgiram duas atividades econômicas distintas: açucareira e a criatória.

A cultura da cana não permitiu que se desenvolvesse nos férteis terrenos


da beira-mar. Relegou-a para o interior mesmo quando este apresentava os
maiores inconvenientes à vida humana e suas atividades, como se dá em
particular no sertão do Nordeste. Alia-se aí uma baixa pluviosidade à grande
irregularidade das precipitações. Estas se concentram em dois ou três meses do
ano; e isto nos casos mais felizes, porque são frequentes as secas prolongadas,
de anos seguidos de falta completa de chuvas. Um tal regime determinou
condições fisiográficas particulares e muito desfavoráveis. Com a exceção de
uns raríssimos ri-os, todos os cursos d'água desta vasta região que abrange mais
1.000.000 km2, são intermitentes, e neles se alterna a ausência prolongada e
total de água, com cursos torrenciais, de pequena duração, mas arrasadores na
sua violência momentânea. A vegetação compõe-se de uma pobre cobertura
de plantas hidrófilas em que predominam as cactáceas. Unicamente nos raros
períodos de chuvas nelas se desenvolve uma vegetação mais aproveitável que
logo depois das precipitações é crestada pela ardência do sol. Ê nesta região
ingrata que se desenvolve a pecuária que abastecerá os núcleos povoados do
litoral norte, do Maranhão até a Bahia Pode-se avaliar como seria baixo seu
nível econômico e índice de produtividade.
PRADO JÚNIOR (1970, p. 28-29).

A pecuária no Nordeste brasileiro e depois no sul do país gerou atividades complemente


distintas quando comparadas a da empresa açucareira.

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Como características, a atividade de criação de gado foi responsável pela penetração e


ocupação do interior brasileiro. Motivada pelo regime de águas, foi extensiva e até itinerante,
devido à necessidade de locomoção.

“No período em que nos fixamos, exercia a criação de gado, na economia social,
uma importância bem maior do que hoje. De fato, antes da era da máquina,
o gado bovino, cavalar e muar, além de produto básico de alimentação, servia
como agente motor e meio de transporte”.
SIMONSEN (1978, p. 149).

Inicialmente, essa atividade foi induzida pela economia açucareira e possuía uma rentabilidade
muito pequena. Como exemplo, pode-se citar que a renda total, gerada pela economia da
criação de gado no Nordeste, não ultrapassou 5% do valor da exportação do açúcar.
Outro ponto que deve ser considerado é que a população que se ocupava dessa atividade era
muito escassa, motivada, sobretudo, pelas condições da própria atividade e possíveis conflitos
com os indígenas, quando havia invasões territoriais.
Essa nova atividade econômica, dependia fundamentalmente da possibilidade de expansão
de suas terras. Não se pode esquecer que à medida em que as distâncias aumentavam, é claro
que o custo também, motivado pelo transporte do gado.
Para os colonos sem capital, essa atividade se mostrou muito atrativa, resultando em grande
mobilidade demográfica. Uma das razões foi a semelhança com o sistema de povoamento
adotados nas colônias inglesas e francesas. Nessas localidades, o homem, que trabalhava na
fazenda de criação de gado durante um tempo, adquiria direito a uma participação no rebanho
em formação, podendo, desse modo, iniciar a sua própria criação de gado.
Em relação à oferta, não existiam fatores que a limitassem. Porém, em relação à demanda,
eles existiam, pois dependiam da empresa açucareira.
Apesar disso, essa atividade devido à grande quantidade de pessoas envolvidas, fez pressão nos
salários e prejudicou, ainda mais, aqueles criadores que se encontravam a grandes distâncias do litoral.
Pode-se concluir que essa atividade foi, em grande medida, uma atividade ligada à subsistência.

“Adquirida a terra para uma fazenda, o trabalho primeiro era acostumar o


gado ao novo pasto, o que exigia algum tempo e bastante gente; depois ficava
tudo entrega vaqueiro. A este cabia amansar e ferrar os bezerros, curá-los das
bicheiras, queimar os campos alternadamente na estação apropriada, extinguir
onças, cobras e morcegos, conhecer as malhadas escolhidas pelo gado para
ruminar gregariamente, abrir cacimbas e bebedouros. Para cumprir bem com
seu ofício vaqueiral, escreve um observador, deixa poucas noites de dormir nos
campos, ou ao menos as madrugadas não o acham em casa, especialmente
de inverno, sem atender as maiores chuvas e trovoadas, porque nesta ocasião
costuma nascer a maior parte dos bezerros e pode nas malhadas observar o
gado antes de espalhar-se ao romper do dia, como costumam, marcar as vacas
que estão próximas a ser mães e trazê-las quase como à vista, para que parindo
não escondam os filhos de forma que fiquem bravos ou morram de varejeiras.
Depois de quatro ou cinco anos de serviço, começava o vaqueiro a ser pago;
de quatro crias cabia-lhe uma; podia assim fundar fazendas por sua conta”.
SIMONSEN (1978, p. 154).

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Material Complementar

Livros:
ALLENCASTRO, Luís Felipe de. Trato dos Viventes: A formação do Brasil no Atlântico
Sul. São Paulo: Cia das Letras. 2000.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,
2000, p. 189-216.
SIMONSEN, R. C. História Econômica do Brasil: 1500/1820. São Paulo: Ed. Nacional,
1978, p. 125-202.

Leituras:
SILVA, M. C. da, BOAVENTURA, V. M. e FIORAVANTI, M. C. S. Dossiê Pecuária:
História do Povoamento Bovino no Brasil Central. Revista UFG, dezembro, 2012,
ano XIII, no. 13.
Disponível em: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/dezembro2012/arquivos_pdf/05.pdf.
Acessado em 18/02/2015.

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Unidade: Economia Escravista de Agricultura Tropical

Referências

FURTADO, CELSO. Formação Econômica do Brasil. 34 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007. Páginas: 75 a 100.

PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 26 ed. São Paulo: Brasiliense, 1970,
p. 21, 22, 23, 24, 26, 28 e 29.

SIMONSEN, R. C. História Econômica do Brasil. 8 ed. São Paulo: Nacional, p. 95, 99,
108, 149 e 154.

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Anotações

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