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LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

ÁLVARO CEZAR DA COSTA ALVES

A DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DAS TORCIDAS DE FUTEBOL NO


BRASIL: RIO DE JANEIRO X SÃO PAULO

CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ


2015.2
ÁLVARO CEZAR DA COSTA ALVES

A DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DAS TORCIDAS DE FUTEBOL NO


BRASIL: RIO DE JANEIRO X SÃO PAULO

Monografia apresentada ao Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense,
campus Campos-Centro, como requisito
parcial para conclusão do curso de Licenciatura
em Geografia.
Orientador: Me. Synthio Vieira de Almeida

CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ


2015.2
i
Dedico este trabalho a minha mãe, que sempre
me incentivou e foi meu exemplo de
perseverança nos momentos difíceis.

ii
Agradeço a todos que de alguma forma
contribuíram para a pesquisa e elaboração deste
trabalho.

iii
O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da
mídia.
Millôr Fernandes
iv
RESUMO

A construção da atual distribuição das torcidas do clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, os
dois estados mais fortes da federação, pelo território brasileiro nos mostra que ao longo da
difusão do futebol pelo país a construção das identidades futebolísticas foram manipuladas e
planejadas em consonância com os interesses de diversos atores políticos. Para elucidar o
processo espacial de expansão das torcidas dos clubes de futebol, foi feita uma pesquisa
bibliográfica baseada em livros, artigos e textos acadêmicos com a abordagem da Geografia
cultural, para embasar a ligação de identidade das torcidas com os clubes. Também foi
pesquisado textos do ramo de estudo da Geopolítica para explicar todo o uso político que foi
feito do futebol e da manipulação das torcidas através da diversas formas de mídia que surgiram
no século XX. A atual distribuição espacial das torcidas de futebol dos grandes clubes dos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo é fruto de uma soma de fatores que se destacam entre
eles a força econômica e a influência cultural que Rio de Janeiro e São Paulo tem sobre os
demais estados. Influência cultural esta que foi alimentada pela grande mídia nacional que se
desenvolveu nos dois estados, aliada de diversos atores políticos.

v
ABSTRACT

Construction of the present distribution of Twisted clubs in Rio de Janeiro and São Paulo, the
two strongest states of the federation, the Brazilian territory shows that throughout the country
spreading the football building's footballing identities were manipulated and planned for line
with the interests of various political actors. To elucidate the spatial expansion process of the
fans of football clubs, has taken a literature -based books, articles and academic texts with the
approach of cultural geography, to support the connection of twisted identity with clubs. Was
also researched texts branch of study of Geopolitics to explain the whole political use made of
football and manipulating twisted through various forms of media that emerged in the twentieth
century. The current spatial distribution of the fans of the great football clubs from the states of
Rio de Janeiro and São Paulo is the result of a sum of factors that stand out among them
economic power and cultural influence that Rio de Janeiro and São Paulo has over other states.
This cultural influence fueled by large national media that has developed in the two states, allied
with different political actors.

vi
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – A REDE SÓCIO-ESPACIAL DO FUTEBOL..........................................18


FIGURA 2: FOTO DO PRIMEIRO TIME DE FUTEBOL DO BRASIL, O SÃO
PAULO ATLETIC CLUB, FUNDADO POR CHARLES MILLER EM 1888.............39
FIGURA 3: POLOS DE CRESCIMENTO DO FUTEBOL NO BRASIL.....................40
FIGURA 4: CARTAZ DISTRIBUIDO A POPULAÇÃO DE SÃO PAULO A ÉPOCA
DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA.............................................................45
FIGURA 5: FOTO DA INAUGURAÇÃO DO MARACANÃ EM 1950......................50
FIGURA 6: OS UNIFORMES ANTES E DEPOIS DA MERCANTILIZAÇÃO DO
FUTEBOL: CORINTHIANS EM 1977 (A ESQUERDA) E EM 2009 (A DIREITA)..55
FIGURA 7: REGIÕES DE INFLUÊNCIA DAS CIDADES BRASILEIRAS 2007......59
FIGURA 8: TRANSMISSÃO DOS CAMPEONATOS ESTADUAIS 2014.................60
FIGURA 9: MAPA DA DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DAS TORCIDAS DE
FUTEBOL NO BRASIL.................................................................................................62

vii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 9
1 GEOGRAFIA E FUTEBOL: CONCEITOS E ABORDAGENS.................... 12
1.1 TERRITÓRIO, IDENTIDADE E ESPACIALIDADE FUTEBOLÍTICA......... 12
1.2 A DIFUSÃO ESPACIAL DO FUTEBOL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.. 19
2 GEOPOLÍTICA E FUTEBOL: ORGANIZAÇÃO E USO DO FUTEBOL... 25
2.1 DA GEOPOLÍTICA CLÁSSICA A GEOPOLÍTICA DO SÉCULO XXI:
ALGUNS APONTAMENTOS................................................................................. 25
2.2 A FIFA: O GRANDE ATOR GEOPOLÍTICO DO FUTEBOL......................... 29
3 A CONTRUÇÃO DO ESPORTE NACIONAL................................................ 35
3.1 CHEGADA DO FUTEBOL NO BRASIL E CONSTRUÇÃO DAS
IDENTIDADES FUTEBOLISTICAS...................................................................... 35
3.2 INTEGRAÇÃO E IDENTIDADE NACIONAL ATRAVÉS DO FUTEBOL:
EXPANSÃO DAS TORCIDAS DO RIO DE JANEIRO......................................... 42
3.3 ABERTURA POLÍTICA E MERCANTILIZAÇÃO DO FUTEBOL:
EXPANSÃO DAS TORCIDAS DE SÃO PAULO.................................................. 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 62
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 64

viii
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema a distribuição territorial das torcidas dos clubes de
futebol no Brasil, Rio de Janeiro x São Paulo. Enfoca-se na distribuição territorial das torcidas
de futebol dos grandes clubes dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo pelo fato de apenas
estes clubes terem uma distribuição territorial das torcidas consideravelmente nacional. Os
clubes de outros estados da federação têm suas torcidas concentradas, em sua maioria, nos seus
estados de origem.
O futebol é visto por este trabalho como um aspecto cultural do Brasil, porém permeia
todos os aspectos da espacialidade no território nacional, em especial os aspectos políticos e
econômicos. Os fenômenos que acontecem no espaço futebolístico interferem na vida da
sociedade brasileira. A popularidade do futebol no Brasil e a paixão que desperta em seus
amantes só pode ser comparada a uma religião. Isto faz com que o estudo do fenômeno futebol
pelas ciências humanas, dentre elas a Geografia, seja de suma importância para nos ajudar a
explicar todos os processos constituintes do espaço brasileiro. Os poucos estudos que se
encontram sobre futebol na área da Geografia se concentram no uso da seleção brasileira como
arma política, nos estudos geopolíticos e nas modificações de espaços de lazer das cidades
brasileiras para a prática do esporte.
Contudo poucos estudos são feitos com foco nos clubes de futebol e suas influências no
Espaço geográfico. Os clubes de futebol são o centro da rede sócio-espacial do futebol, o
cotidiano do espaço futebolístico gira em torno dos clubes e suas torcidas se organizam por
todo o território nacional em espaços privados ou em territórios delimitados por disputas de
poder com outras torcidas. Portanto conclui-se que os estudos dos fenômenos espaciais ligados
aos clubes de futebol são de grande importância para ajudar a explicar os processos sócio
espaciais no território nacional.
Para se estudar a distribuição territorial das torcidas dos clubes de futebol no Brasil foram
escolhidos referenciais teóricos que englobassem conceitos e teorias da Geografia cultural e da
Geopolítica. Os conceitos e teorias da abordagem cultural da Geografia foram escolhidos de
acordo com a sua proximidade com o futebol e com a sua utilidade em explicar a ligação das
torcidas com os seus respectivos clubes. Para explicar a ligação do grupo social torcida com os
clubes do qual elas torcem foram escolhidos conceitos que abordassem sentimentos de
identidade, representatividade, paixão/afetividade e territorialidade.

9
Na Geopolítica foram escolhidos conceitos que pudessem explicar as disputas entre os
atores políticos inseridos na rede sócio-espacial do futebol. O objeto de disputas no futebol é
essencialmente o aumento de torcedores em determinados clubes. Para isso se tenta manipular
ou modificar as identidades ligadas a determinados clubes ou mesmo ampliar a escala da
identidade territorial de um clube, através da sua visibilidade midiática para um território de
maior abrangência. Como as disputas entre clubes no Brasil se dá em uma escala nacional,
buscou-se referenciais nos conceitos renovadores da Geopolítica, concebidos em sua maioria,
a partir da década de 1970. Como o conceito de Geoeconomia de Lutwak e de
competição/cooperação de Thurow (2000).
É importante ressaltar que o conceito chave deste trabalho é o de território e sua visão
multidimensional que enfatiza as disputas de poder no espaço. Assim como visto por Raffestin
(1980) e Haesbaert (2007). Outro importante conceito utilizado é o de espaço de representação
do futebol, concebido por Fernando R. G. Campos (2008), baseado nas obras de Lefebvre e a
conceituação de identidade, que na Geografia pode estar ligada tanto ao território (identidade
territorial) quanto a identidades ligadas a grupos sociais como, por exemplo, classes sociais.
Importante na escolha do conceito chave foi a visão, concebida através das pesquisas
sobre o tema do trabalho, de que a distribuição das torcidas dos clubes de futebol no Brasil não
se deu apenas pelo aumento da prática social do esporte e por identidades territoriais ligadas
aos clubes devido a interação da sociedade com os mesmos. Mas porque ao longo do processo
de difusão sócio-espacial do futebol como esporte nacional, foram criadas e manipuladas
identidades de alguns clubes e criadas estratégias de expansão territorial das torcidas, tanto
pelos clubes como por atores políticos ligados ao futebol que pretendiam se beneficiar
indiretamente pelo aumento de determinadas torcidas. Criando assim uma disputa territorial
dentro do espaço de representação do futebol.
A metodologia de pesquisa usada neste trabalho foi a pesquisa bibliográfica, através da
leitura de diversos trabalhos acadêmicos como monografias, teses, livros e artigos. Devido à
pouca bibliografia encontrada sobre o tema central, a pesquisa se concentrou em trabalhos que
ligassem o futebol à Geografia, à Geopolítica e à História.
No primeiro capítulo do trabalho, intitulado: GEOGRAFIA E FUTEBOL:
CONCEITOS E ABORDAGENS, são abordados os conceitos da Geografia que foram
utilizados para estudar o fenômeno. Explica-se a organização geográfica do futebol, a sua
expansão pelo mundo até atingir o status de Word game através das rotas comerciais inglesas e
a sua receptividade pelas cidades brasileiras. São abordados os conceitos de território,

10
territorialidade, espaço de representação do futebol, rede sócio-espacial do futebol e difusão
sócio-espacial do futebol de forma a relaciona-los com a distribuição territorial das torcidas de
futebol do Brasil.
No segundo capítulo, intitulado: GEOPOLÍTICA E FUTEBOL: ORGANIZAÇÃO E
USO DO FUTEBOL, aborda-se os conceitos da Geopolítica que auxiliam a explicar as
diversas formas de organização política no futebol e do futebol. Preocupa-se também em
salientar os principais atores geopolíticos que fazem parte da rede sócio-espacial do futebol.
Por último faz-se um parâmetro sobre a organização da Fifa, o principal ator geopolítico do
futebol e sua importância para a expansão do esporte pelo mundo.
No terceiro e último capítulo, intitulado: A CONTRUÇÃO DO ESPORTE
NACIONAL, utiliza-se uma excrita cronológica com o intuito de demonstrar o
desenvolvimento espacial que o futebol obteve no território nacional até se tornar o esporte
nacional e um dos maiores aspectos culturais do país. Explica-se a expansão das torcidas dos
clubes de futebol do Brasil contextualizando-a historicamente para salientar as influências
políticas que ocasionaram a atual distribuição das torcidas dos clubes de futebol no território
brasileiro e sua polarização entre os clubes de futebol do Rio de Janeiro e os de São Paulo.

11
1 GEOGRAFIA E FUTEBOL: CONCEITOS E ABORDAGENS

1.1 TERRITÓRIO, IDENTIDADE E ESPACIALIDADE FUTEBOLÍSTICA

A Geografia e o futebol têm paralelos em suas respectivas histórias. A institucionalização


do futebol como esporte e a criação da ciência geográfica datam do final do século XIX. Tanto
o futebol quanto a Geografia cresceram em importância e se modificaram ao longo do século
XX pelas constantes mudanças socioeconômicas e culturais do mundo. Analisando todo o modo
de organização do futebol pode-se dizer que o esporte foi organizado por um viés espacial. Isto
faz da Geografia uma das ciências mais indicadas para estudar o fenômeno futebol e todas as
suas peculiaridades históricas, sociais, econômicas e culturais.
A Geografia é uma ciência abrangente, com vários ramos de estudo e correntes de
pensamento que modificam o olhar geográfico, ou seja, o olhar de como o fenômeno se insere
no espaço estudado. Portanto se faz necessário um recorte teórico metodológico para estudar o
fenômeno da distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil. Este trabalho segue a linha
de pensamento dos estudiosos da tendência renovadora da Geografia como Michel Foucault
Claude Raffestin e Henri Lefebvre que a partir das constantes mudanças socioeconômicas e
culturais, da evolução tecnológica e da entrada de novos atores políticos na disputa pelo poder,
criaram novas metodologias de estudo, novas formas de se observar o espaço e suas
espacialidades cada vez mais complexas.
Raffestin1, em sua obra Geografia do poder, de 1980, estuda a dimensão geopolítica do
espaço fazendo uma discussão acerca do conceito de território e do seu produto, a
territorialidade. O território é estudado a partir de uma abordagem relacional, ou seja, formado
por relações de poder. Estas relações de poder podem ser multidimensionais (material e
simbólica) e pode transitar em diferentes escalas. Raffestin rompe assim, com a visão clássica
de território, fundamentada nas obras de Ratzel, onde o mesmo é analisado a partir de uma
abordagem unidimensional, inspirada no determinismo, no romantismo, e no imperialismo
alemão, ligado somente ao poder do Estado, que controlava, apropriava e delimitava o território.

1
Claude Raffestin é um geógrafo Suíço. Formado na Universidade de Genebra em 1960, lecionou e fez suas
pesquisas na mesma instituição a partir de 1971. Seu trabalho mais conhecido é o livro Por uma Geografia do
poder, de 1980. Baseia seu trabalho na revisão e reflexão de conceitos que, para o mesmo, são mutáveis de acordo
com o tempo histórico. Atualmente é professor honorário da Universidade de Genebra (SAQUET, 2011).
12
Baseado nas obras de Michael Foucault2 sobre poder, Raffestin (1980) relaciona a imposição
do mesmo, com o estabelecimento de territórios (RAFFESTIN, 1980).
Por sua abordagem multidimensional Raffestin (1980) conceitua “Poder” e “poder”. O
Poder, com letra maiúscula, é aquele do estado institucionalizado e regulador da vida cotidiana.
O poder, com letra minúscula, seriam as outras formas de poder que interagem no espaço e nas
relações sociais. Assim, toda organização espacial pretendida por uma instituição ou grupo
social e que se relaciona com outros na sociedade exercem e disputam o poder (RAFFESTIN,
1980).
Em Raffestin (1980), o território é visto como produto das relações de poder exercidas
tanto pelo Estado quanto por outras organizações políticas. As organizações políticas se
articulam no espaço, de modo a se imporem sobre seus concorrentes e estabelecerem um
território criando, assim, uma territorialidade. É importante ressaltar que na abordagem
relacional, o território pode ter uma forma abstrata, não fixa na paisagem, não existem
fronteiras, não há delimitação definida, podendo ter sobreposição de territórios e de
territorialidades que convivam harmonicamente ou conflituosamente, dependendo dos
interesses envolvidos. Assim O território se torna multidimensional e transescalar
(RAFFESTIN, 1980).
Esta conceituação de Raffestin (1980) é vital para o estudo do futebol e, particularmente,
da distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil. Ela permite um olhar mais crítico
para as organizações futebolísticas, incluídas as federações, confederações e os clubes de
futebol. Estas organizações se relacionam no espaço de forma tanto harmônica como
conflituosa. Convivem como aliados políticos e econômicos ou concorrendo entre si por
mercados, mais especificamente por torcedores. Relacionam-se com outras organizações de
outras dimensões espaciais que podem ser instituições políticas e/ou econômicas com o intuito
de aumentar seu poder e seu território de influência podendo, assim, aumentar seu número de
torcedores.
Outro autor que partilha da visão multidimensional e mais complexa de território é
Rogerio Haesbaert. Em seu livro, O mito da desterritorialização, de 2004, Haesbaert partilha
da visão de Deleuze e Guatarri de um território cada vez mais complexo, com múltiplas
territorialidades interagindo em um mesmo espaço. Ele rejeita a ideia do fim dos territórios

2
Michael Foucault era um filósofo francês. Deu aulas de filosofia e psicologia em diversas
universidades. Desenvolveu todo o seu trabalho em torno da arqueologia do saber filosófico, da experiência
literária e da análise do discurso. Também se concentrou na análise entre poder e governabilidade, e nas práticas
de subjetivação (JÚNIOR, 2006).
13
defendida por alguns estudiosos da Geografia, quando argumentam que o grande
desenvolvimento do meio técnico cientifico informacional acarretou em uma compressão do
espaço-tempo tamanha, que haveria o fim das barreiras territoriais. Para estes, o espaço não
seria mais um obstáculo ao ser humano, que poderia viajar de um lugar a outro em um curto
espaço de tempo, interagir e trocar informações, em tempo real, com outras pessoas de qualquer
lugar do mundo. Portanto perderia a importância organizar, delimitar, ocupar ou manter um
território. As interações entre os grupos sociais seriam tão amplas que haveria uma
desterritorialização de grupos sociais menos privilegiados que teriam o seu território dominado
ou apropriado por grupos sociais dominantes, impondo seu poder pela territorialização cultural
(HAESBAERT, 2007).
Haesbaert (2007) defende que o processo de desterritorialização é um “mito”. Para ele, o
que ocorre é um processo de (re)territorialização. Este processo se desenvolve uma vez que as
interações ocorridas no espaço são uma via de mão dupla. Os grupos sociais minoritários
resistem à apropriação dos seus territórios pela cultura dominante, absorvem o que lhes convém
e mantêm alguns traços da sua própria cultura. Desta forma estabelece-se o nascimento de uma
nova territorialidade que se pode chamar de hibrida, por conter aspectos de várias culturas e
ligadas a várias territorialidades. Por consequência das mesmas interações, também ocorre
mudança na territorialidade e na cultura dos grupos sociais dominantes sendo que, de um modo
geral, essas mudanças costumam ser menores (HAESBAERT, 2007)
Outra conceituação importante para o estudo do futebol é a de espaço de representação
concebida por Henri Lefebvre3. Essa conceituação parte da ideia de um espaço mais complexo
que abrange o lado simbólico do espaço não negligenciando as relações sociais existentes. Essa
conceituação consiste em um caráter tríade de análise da espacialidade. A análise se baseia em
três instâncias, que são coexistentes e interdependentes. São elas: a prática social, o espaço de
representação e as representações do espaço (CAMPOS, 2008).
A instância da prática espacial é referente às relações materiais da espacialidade social,
da produção e reprodução de certos territórios. As representações do espaço, ou espaço
concebido, é a instância da espacialidade baseada nas relações de produção e nas consequências
que estas implicam. Trata-se da instância calcada em relações de poder. Ou seja, nas instituições
e nas diferenças hierárquicas. Os espaços de representação correspondem à instância simbólica

3
Henri Lefebvre era um filósofo e geógrafo francês. Formado em filosofia na Universidade de Paris em 1920.
Grande parte das suas obras foi dedicada a análise do marxismo do século XX, separando as obras de Marx e as
obras sobre Marx. Influenciou a renovação radical da ciência geográfica com sua concepção de espaço baseada
em uma tríade, espaço vivido, espaço percebido e espaço concebido (SOTO, 2011).
14
da espacialidade. Nela o ser humano se auto representa, a fim de buscar seu prazer e
autenticidade, esquivando-se do espaço concebido. Está ligado ao lado “clandestino” e
“subterrâneo” das práticas sociais, bem como às artes e às manifestações culturais (CAMPOS
(2008).
Influenciado pela conceituação de Henri Lefebvre, Fernando Rosseto G. Campos
teorizou o espaço de representação do futebol. Pelo caráter simbólico e cultural do futebol no
Brasil pode-se conceituar um espaço de representação do futebol que, além das características
descritas anteriormente, tem também a característica de ser articulado com outros universos
simbólicos capazes de produzir espaços de representação próprios. O espaço de representação
do futebol se divide em diversos elementos que interagem entre si. São eles a pratica social do
futebol, o fato futebolístico, o poder, o discurso, o mito, os símbolos, a identidade futebolística,
a paixão e/ou afetividade, a política institucional e o ethos futebolístico (CAMPOS, 2008).
Todos os elementos constitutivos do espaço de representação do futebol são fundamentais
para a sua espacialidade. Porém, para o estudo da distribuição territorial das torcidas no Brasil
é importante entender que só faz parte do espaço de representação do futebol aqueles que
participam do seu cotidiano e que interagem com todos ou com a maioria dos elementos do
espaço de representação desse esporte, ou seja, os torcedores. Os torcedores são, ao mesmo
tempo, construtores e construídos pelo espaço de representação do futebol. As torcidas são
formadas por um grupo social que constrói uma identificação ou uma representação por um
clube ou por uma seleção. A identificação ou representação está sempre ligada ao território.
Portanto é uma identidade futebolística atrelada ao território que constitui as torcidas. Nas
palavras de Campos:

[...] É através da identidade futebolística que os torcedores se aglutinam social


e espacialmente em torno de um clube. O compartilhamento de representações sociais
gera um sentimento de pertença, formando-se, assim, as torcidas, que têm por
característica a negação de outros clubes. Portanto, a identidade futebolística não se
resume apenas a se identificar com um clube, mas também de negar os demais,
principalmente os rivais [...] (CAMPOS, 2008, p. 257).

Os rivais, citados por Campos (2008), são, salvando raras exceções, clubes da mesma
cidade. As rivalidades foram criadas ao longo dos anos por intensas disputas em campeonatos
de escalas municipais e estaduais no Brasil. Ocorre também, a disputa entre esses clubes por
torcedores, pois estes, por terem a mesma identidade territorial, acabam disputando a
preferência da população de uma mesma cidade, estado ou região.

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Campos (2008) estudou as relações dentro do espaço de representação do futebol pelos
diversos atores sócio espaciais e instituições e conceituou uma rede sócio espacial do futebol.
A rede sócio-espacial do futebol é centrada na relação dos clubes com outros atores sócio
espaciais, pois os clubes são os verdadeiros dinamizadores das relações no espaço de
representação do futebol. São os clubes que criam representações de diversas formas.
Aglutinam pessoas no seu entorno, fazem parte do cotidiano de todos os atores do espaço de
representação do futebol. Para Campos:

[...] Os clubes geram símbolos, mitos, produzem discursos, promovem


identidade futebolística. É por eles que os torcedores nutrem sua paixão. Os clubes
também são o local de trabalho dos profissionais de futebol. Neles também ocorre a
política institucional e se produzem os valores do futebol. São eles, juntamente com
as seleções nacionais, que promovem o fato futebolístico (o jogo, seus preparativos,
etc.) e influenciam na prática social do futebol e nas relações de poder que este
promove [...] (CAMPOS, 2008, p. 259).

Diversas formulações da rede sócio-espacial são possíveis a partir dos clubes. Porém,
Campos (2008) seguiu o caminho trilhado por Toledo (2002) que agrupa os atores sócio
espaciais em três classes. São elas: os profissionais, os especialistas e os torcedores. Os
profissionais são todos que detém o poder de interferir diretamente no fato futebolístico. São os
jogadores, os técnicos, os fisioterapeutas, os médicos, os massagistas, os dirigentes, os
funcionários dos clubes, os árbitros, entre outros. Especialistas são os profissionais de mídia
que fazem a cobertura do futebol antes, durante e depois do fato futebolístico. Ocupam uma
posição entre os profissionais e os torcedores e procuram manter uma neutralidade com relação
aos clubes de futebol. São os comentaristas, os narradores, os repórteres, os cinegrafistas, entre
outros. Os torcedores são as pessoas que se aglutinam em torno de um clube por meio da
paixão, afetividade ou identidade futebolística. Os torcedores podem ser comuns ou
organizados. As torcidas organizadas são instituições ligadas de modo indireto aos clubes. Se
apropriam de seus símbolos, mitos e tradições. Promovem os gritos, os cantos e, algumas vezes,
a violência contra torcedores de clubes rivais (CAMPOS, 2008).
Os demais atores espaciais que se relacionam com os clubes são as instituições. Estas
podem ser divididas em instituições públicas ou futebolísticas, empresas e outros clubes. A
relação dos clubes de futebol com as instituições é complexa e depende das estratégias e
diretrizes formuladas pela política interna dos clubes. Mas pode-se afirmar que o número de
torcedores que o clube tem e o território em que eles se encontram é determinante na relação

16
do clube com todas as instituições. Para exemplificar a rede sócio-espacial do futebol, Campos
(2008) elaborou um diagrama que, centralizado no clube, expressa de forma sucinta a rede
sócio-espacial do futebol. O diagrama, a seguir, esquematiza o que foi descrito.

FIGURA 1 – A REDE SÓCIO-ESPACIAL DO FUTEBOL (CAMPOS, 2008)

(CAMPOS, 2008, p. 259)

É importante ressaltar que a visão do conceito de território de Lefebvre, utilizado por


Campos (2008), é multidimensional assim como a de Raffestin. Portanto, a identidade territorial
também adquire o caráter multidimensional (HAESBAERT, 2007). A territorialidade
transescalar resultante dos processos de representação, leva as pessoas a ter identidades com a
cidade em que foram criadas, com o estado, com o país e até com o continente. As múltiplas
identidades territoriais que um indivíduo pode ter estão relacionadas com a amplitude do espaço
de vivência possibilitado pela evolução tecnológica dos meios de comunicação e de transporte
ocorrida no século XXI. Como esta evolução não chega a todos os indivíduos de modo
igualitário, estas múltiplas identidades variam de acordo com o indivíduo e com sua identidade
territorial sendo proporcional a amplitude do espaço vivido (HAESBAERT, 2007).
A visão multidimensional de território é um dos conceitos explicativos do processo de
distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil. Neste esporte, o mesmo torcedor que
torce para o time da sua cidade em um campeonato estadual, pode vir a torcer para outro time

17
em uma escala de disputa mais abrangente como a nacional e, em escala mundial, torcer para a
seleção do seu país na disputa da Copa do Mundo. Mais recentemente assistimos também à
grande penetração dos clubes europeus no espaço de vivência dos torcedores brasileiros. Estes
clubes, apesar de disputarem campeonatos nacionais e continentais, tem uma abrangência
territorial de escala mundial e começam a rivalizar com os clubes brasileiros pela disputa por
torcedores no Brasil. Clubes do estado do Rio de Janeiro e de São Paulo conseguem disputar
torcedores com os clubes de outros estados no Brasil em seus próprios territórios, pois são os
únicos a terem uma abrangência territorial em escala nacional. Assim sendo quanto maior for a
abrangência do espaço vivido de um indivíduo, maior será o número de clubes que disputarão
a sua torcida e sua escolha dependerá de como o indivíduo se relaciona com cada escala de
identidade territorial em que se insere, ou seja, como o indivíduo se relaciona no espaço de
representação do futebol.
A identidade territorial não é o único modo de um indivíduo se fazer representar por um
clube. Há ainda identidade por grupos sociais economicamente compatíveis, identidades
ligadas a representatividade de grupos étnicos, identidade ligadas a um ambiente de trabalho e
ao ambiente familiar. A identidade que um indivíduo pode gerar com um clube também
depende da visão de representatividade que o clube já tem criado na sociedade. A visão de
representatividade que a sociedade tem de um clube pode ser mudada ao longo do tempo pelo
modo de como o clube de futebol se relaciona com a sociedade. Este processo pode durar muitos
anos, ou pode ser alterado intencionalmente por atores políticos ligados aos clubes como forma
de angariar um maior número de torcedores (COUTINHO, 2009)
Renato Soares Coutinho (2009), em seu artigo “Futebol e identidade nacional: o Clube
de Regatas do Flamengo e o projeto de construção e uma nação”, demonstra como um clube
pode mudar a visão da sua representatividade pela sociedade. Para Coutinho, o Clube de
Regatas do Flamengo até a década de 1930 era um clube que tinha sua representatividade ligada
às elites da capital federal, assim como o próprio futebol também o era até então no Brasil. Com
a crescente popularização do esporte no país e com as políticas de integração nacional de
valorização da raça miscigenada brasileira e de crescente utilização do futebol como
propaganda do país e do governo Vargas, o Clube de Regatas do Flamengo mudou sua postura
política tradicional contra a entrada de negros no futebol, contra a profissionalização do esporte
e tomou uma série de medidas que o ligassem a esse novo modo de enxergar o país e o povo
brasileiro. Contratou grandes craques negros e investiu em propaganda midiática (coisa rara
para um clube de futebol na década de 1930) para que construísse no seio da sociedade brasileira

18
uma identificação do clube como o “clube das massas do Brasil”, o representante do povo.
Identidade esta que perdura até os dias de hoje (COUTINHO, 2009).
A identidade de um clube também está ligada a sua história e às origens de sua fundação.
Alguns clubes têm sua identidade ligada a imigrantes estrangeiros que foram, em grande
maioria, os seus fundadores. Estes são os casos do Clube de Regatas Vasco da Gama, do Esporte
Clube Cruzeiro e da Sociedade Esportiva Palmeiras. Outros ligados às elites como o Fluminense
Futebol Clube, do tradicional bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e o São Paulo Futebol
Clube do luxuoso bairro do Morumbi, em São Paulo. Porém todos têm no território estadual o
grande motor de identidade das suas torcidas. Uma identidade passada de forma hereditária e
disseminada por todo o país com o desenvolvimento das comunicações (HOLLANDA, 2010).
Um dos grandes fatores explicativos para a fundação dos grandes clubes de futebol
brasileiros e a criação das suas identidades está no modo como chegou o futebol em nosso país.
Um esporte vindo da Inglaterra, que virou moda e que ganhou o mundo de forma rápida, chega
ao Brasil e, rapidamente, vira o esporte mais praticado no país. O contexto histórico e as
peculiaridades do esporte podem nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a chegada do
futebol no nosso país, de que forma ele foi encarado no primeiro momento pela população, por
que ele rapidamente se popularizou e se difundiu pelo Brasil e pelo mundo.

1.2 A DIFUSÃO ESPACIAL DO FUTEBOL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Para se estudar a distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil se faz necessário
um estudo sobre a difusão espacial do futebol pelo mundo, até sua chegada ao Brasil. Saber o
momento da chegada do futebol no nosso país, como ele chegou, quem foram os primeiros
praticantes e por quê rapidamente ele foi introduzido nas práticas sociais das cidades brasileiras,
são quesitos explicativos da fundação dos primeiros clubes do país, das identidades criadas em
torno dos clubes e da posterior expansão das torcidas dos grandes clubes dos estados do Rio de
Janeiro e de São Paulo para todo o território brasileiro.
Gilmar Mascarenhas de Jesus, em seu texto intitulado “Considerações teórico-
metodológicas sobre a difusão do futebol” buscou estabelecer alguns parâmetros para o estudo
espacial da difusão do futebol. O autor considera o futebol, no final do século XIX, como uma
inovação, por isso busca nos estudos do difusionismo de inovações algumas respostas para o
estudo da difusão do futebol (JESUS, 2000).

19
O corpo teórico difusionista pode ser dividido em duas grandes épocas. A primeira época
pode ser chamada de clássica e influenciou os geógrafos do final do século XIX no
estabelecimento dos conceitos etnográficos que justificaram a expansão colonial europeia para
a África e para a Ásia. Esta teorização consistia em uma expansão de culturas “superiores e
inovadoras”, que detinham a obrigação de expandir suas inovações para o resto do mundo com
culturas “inferiores”. A segunda grande época do difusionismo se deu a partir do final da
segunda grande guerra, chamada de moderna, que consistia em áreas superiores em termos
econômicos e tecnológicos que deveriam expandir seus avanços nestas áreas para o resto do
mundo, chamado de receptor de inovações. Com a renovação da Geografia, o difusionismo foi
deixado de lado por grande parte dos geógrafos. Pois estes consideravam esta teoria
“ideologicamente comprometida”, relacionada com planejamentos estatais de expansionismo
(JESUS, 2000).
Jesus (2000) considera que a teoria difusionista concebida até então, muito pouco tem a
acrescentar no estudo da difusão do futebol, então reivindica o tratamento do futebol como
inovação, porém busca novos caminhos para o estudo da difusão do futebol. Os novos caminhos
partem de uma pesquisa que englobe uma linha que contextualize a chegada do futebol com o
processo histórico que ele se inclui (o futebol não chegou em todas as áreas ao mesmo tempo)
e analisando as especificidades dos lugares e do esporte. Este método vem das ideias concebidas
por Milton Santos sobre o estudo de difusão de inovações em Geografia que Jesus utilizou em
seu estudo. Nas palavras de Jesus (2000):

Concordamos com Milton Santos (1979), para quem o estudo da difusão de


inovações é de grande utilidade, desde que se considere o tempo histórico das
formações sociais e sua ação em lugares concretos. Visualizamos assim uma história
social da difusão do futebol com conflitos e contradições no lugar de linearidades e
equilíbrios abstratos. Uma história contextualizada, envolvendo um processo dialético
de forças sociais em ação. A teorização acumulada lamentavelmente pouco ajuda, mas
não poderia jamais ser completamente ignorada. Tampouco nos inibe da tentativa de
trilhar novos caminhos. (Jesus, 2000, p. 5).

O futebol era uma inovação peculiar no final do século XIX. Uma nova prática esportiva
de lazer e de trabalho corporal que se encaixava como uma luva no seio de grandes mudanças
sociais da época. Uma inovação que se aproveitou da grande influência do império inglês no
âmbito cultural do mundo. As aglomerações urbanas, em crescimento na época, imitavam as
práticas e os costumes do grande império capitalista, como a moda, a comida e as práticas

20
esportivas. Como exemplo pode-se citar a queda do consumo do café na cidade do Rio de
Janeiro, que passou a ser substituído pelo famoso chá das cinco inglês (JESUS, 2000).
O futebol se destacou em relação à difusão espacial entre os demais esportes oriundos da
Inglaterra por ter uma prática social mais simples do que os demais esportes. Os equipamentos
eram de mais fácil acesso e os que não se conseguia encontrar eram facilmente substituídos por
utensílios, móveis ou qualquer outro objeto minimamente adequado. Um exemplo seriam os
inúmeros “campos de futebol” que temos no Brasil. Muitos são pastos onde são colocadas
traves de diferentes materiais, às vezes bambus, madeiras ou mesmo chinelos são usados. A
bola também foi, por várias vezes, imitada por meias com enchimento de papel, espuma ou
tecido. Esses fatores ajudaram o futebol na concorrência com outros esportes ingleses que
tiveram uma difusão espacial no final do século XIX, como o rugby o tênis e o cricket, por
localidades mais carentes onde o acesso aos equipamentos esportivos era pequeno
(CREPALDI, 2009).
A difusão do futebol tem um processo complexo e longo. Começa com a difusão do
futebol como aspecto cultural, que parte da ilha britânica para todos os cantos do mundo, e
continua com o advento dos meios de comunicação de massa que funcionou como propulsor da
difusão de práticas sociais, dentre elas o futebol (CREPALDI,2009).
A inovação futebol teve uma difusão espacial grande e rápida. Este fato se deve também
ao grande número de rotas comerciais e a grande área colonial controlada pela Inglaterra na
época de sua difusão (cerca de 1/4 do mundo fazia parte do grande império britânico do final
do século XIX) ou onde a Inglaterra tinha um grande contingente de negócios, principalmente
em áreas portuárias como na da bacia platina entre Argentina e Uruguai, em La Havre na
França, ou nas zonas portuárias do Rio de Janeiro e de Santos, no Brasil. Essas áreas podem ser
chamadas de áreas de recepção da inovação futebol. A maior parte das cidades portuárias
obtiveram um desenvolvimento econômico trazido por empreendimentos ingleses e um rápido
crescimento da área urbana com um grande crescimento demográfico. Muitas destas cidades
também absorveram grande parte da migração europeia do final do século XIX. Um terço dos
imigrantes europeus eram ingleses que partiam para outros países trabalhar em
empreendimentos ingleses. Os ingleses já eram conhecedores do esporte e levavam
equipamentos e livros com as regras para praticar o futebol nos outros países (JESUS, 2000).
A grande influência da Inglaterra também levou muitos jovens, de grande parte do mundo,
a estudar nas universidades inglesas. Muitos jovens voltavam para seus países de origem já
habituados com a prática do futebol e levavam consigo os ensinamentos ingleses sobre o esporte

21
que repassavam para outras pessoas do seu país. Esse foi o caso do Brasil com Oscar Fox, na
cidade do Rio de Janeiro, e Charles Miller, em São Paulo. Há ainda a influência de agentes
religiosos na adoção do esporte em algumas localidades rurais e cidades pequenas onde a
influência de tais agentes foi maior na prática social. Estes incorporaram o esporte como aspecto
pedagógico de moral e de valores (CREPALDI, 2009).
Há ainda que citar os fatores locais de receptividade da inovação futebol pelos lugares. A
partir do momento que os lugares têm o contato com o futebol, este é recebido com olhar das
pessoas de um lugar que já contém uma cultura construída através de processos históricos
anteriores. Portanto o futebol se mostrou mais receptivo em locais que detinham uma cultura
esportiva mais enraizada através da expansão cultural por outros lugares dos costumes das
grandes cidades inglesas. Os lugares que detinham maior conectividade com as atividades
industriais e comerciais inglesas detinham, de um modo geral, uma maior receptividade pela
população da inovação futebol. Exemplos desta rápida receptividade são as cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro no Brasil, Buenos Aires na Argentina e Montevideo no Uruguai (JESUS,
2000).
Porém, o futebol sofreu alguma resistência em lugares que detinham uma cultura
diferenciada e/ou desconectada das rotas comerciais da Inglaterra. Pode-se citar os exemplos
da região nordeste do Brasil que detinha, no começo do século XX, uma cultura totalmente
ligada a atividades rurais e uma repulsa a qualquer fator cultural que detivesse uma marca de
modernidade. Mascarenhas (2000) aborda os fatores de receptividade do futebol pelos lugares
da seguinte forma:

Em síntese, o lugar atua como condicionador de todo o processo. Tanto no


poder de atrair informações (grau de conectividade) quanto na capacidade de
transformar a informação em eventual ação concreta, quanto ainda na forma
específica de incorporá-la em sua prática cotidiana. A novidade do futebol inglês,
enquanto informação, circulou pelo mundo com grande seletividade espacial,
submetendo-se aos imperativos das redes do imperialismo britânico. E para se
incorporar à vida cotidiana das diversas localidades por onde foi “anunciado”, o
futebol necessitou contar com condições especiais: em cada lugar, um ritmo distinto
de adoção, definido por diferentes graus de rejeição e receptividade. E mesmo a forma
que assumiu variou conforme as especificidades de cada lugar. (JESUS, 2000, p. 9).

Pode-se citar o exemplo peculiar dos Estados Unidos que continha uma rede comercial
inteiramente ligada à Inglaterra. Detinham uma cultura de incorporação da modernidade do
esporte como atividade de condicionamento físico e aprimoramento corporal pelas cidades
americanas. Porém, resistiam a inovações culturais advindas da Inglaterra pelo movimento
22
nacionalista. Este movimento tentava rechaçar qualquer inovação cultural trazida da Europa
pelo milhões de imigrantes chegados ao país no final do século XIX, querendo que estes
incorporassem aspectos culturais dos Estados Unidos para se tornarem “verdadeiramente
americanos”. Este movimento conseguiu excluir das universidades americanas a prática do
futebol e retardou adoção do esporte nos Estados Unidos (JESUS, 2000).
No Brasil os fatores de receptividade são determinantes para explicar a grande diferença
entre a difusão espacial do futebol no país. As grandes cidades brasileiras do final do século
XIX, como o Rio de Janeiro e São Paulo, tiveram uma boa receptividade com a inovação futebol
e começou a sua prática do esporte antes do resto do país. Outra cidade que se pode destacar é
a cidade portuária de Santos, que detém uma grande conectividade com as redes comerciais
inglesas, por ter o maior porto do país. Este fato ajuda a explicar a força do Santos Futebol
Clube, único grande clube que não é sediado em uma capital. Outras grandes cidades, como
Porto Alegre, também tiveram boa receptividade da inovação futebol por ter recebido um
grande contingente de imigrantes europeus na época da grande difusão espacial do futebol.
Estas cidades observaram um crescimento da prática social do futebol em seus territórios e,
posteriormente, formaram a base da difusão do futebol para o resto do território nacional
(CREPALDI, 2009).
Em contrapartida, podemos citar o exemplo da cidade de Belém que mesmo tendo grande
conectividade com as rotas comerciais inglesas pela exportação da borracha através do porto
de Belém, não teve uma boa receptividade ao futebol no começo do século, pois tinha uma
cultura predominantemente rural e alheia a inovações vindas do exterior. O mesmo se pode
falar da região nordeste do Brasil, que tinha um olhar de desconfiança para a prática esportiva
e a considerava uma prática fora dos padrões masculinos (CREPALDI, 2009).
Portanto a difusão espacial do futebol no Brasil pode ser vista por dois momentos
distintos. O primeiro, no final do século XIX e começo do século XX, com a chegada do futebol
pelas rotas comerciais inglesas nas aglomerações urbanas brasileiras, com sua receptividade
ligada a expansão cultural dos costumes ingleses; e o segundo, a partir da década de 1930, com
a profissionalização do futebol e a sua grande popularidade nas grandes cidades brasileiras, o
governo varguista usa o futebol como umas das suas armas políticas de manipulação de massa
e passa a investir na sua difusão espacial para as outras regiões do país. Neste momento o
futebol já é visto como um aspecto cultural das grandes cidades brasileiras, que é transmitido
para o resto do país pela crescente mídia nacional, principalmente a partir da capital federal,
que utiliza o futebol como arma de valorização da raça brasileira e de construção de uma

23
identidade nacional. Identidade nacional centralizada nos mitos e símbolos da capital federal
Rio de Janeiro (SANTOS, 2012).
Para melhor estudar o uso político do futebol como aspecto cultural das grandes cidades
brasileiras, se faz necessário um aprofundamento nos estudos de conceitos geopolíticos que
possam auxiliar o entendimento da atual distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil.
No próximo capítulo abordaremos conceitos da Geopolítica clássica e da renovação radical da
Geopolítica que ajudam na pesquisa.

24
2- GEOPOLÍTICA E FUTEBOL: ORGANIZAÇÃO E USO DO FUTEBOL

2.1 DA GEOPOLÍTICA CLÁSSICA À GEOPOLÍTICA DO SÉCULO XXI: ALGUNS


APONTAMENTOS

Há um amplo debate sobre a inserção da Geopolítica no mundo acadêmico. Para alguns


estudiosos, a Geopolítica é uma área da Geografia política. Para outros a Geopolítica é um
campo interdisciplinar e utilitarista da ciência política aplicada. Não é fruto deste trabalho tomar
partido no debate, mas focar na natureza dos estudos geopolíticos que diz respeito à
"formulação de teorias de ações voltadas às relações de poder entre os Estados e às estratégias
de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros" (BOMFIM, 2007).
O marco de início dos estudos geopolíticos é controverso. Porém, a teoria mais aceita é
de que o pai da Geopolítica é o alemão Friedrich Ratzel com seu livro “Geografia política”,
publicado em 1897. Ratzel identificava o Estado como um organismo que pensava o território.
O Estado seria o grande responsável por ordenar, organizar planejar e defender o território. Este
era visto como a junção de diversos elementos naturais e humanos que eram pensados para unir
o povo ao solo, ou seja, para a identificação da sociedade para com o território do Estado
(BOMFIM, 2007).
Todavia, no final do século XX, a Geopolítica se vê em um momento de reinvenção.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial a geopolítica ficou muito associada às teorias nazistas
de Hitler e ao desenvolvimento da teoria expansionista alemã formulada pelo geógrafo-general
Karl Haushofer, no período entre guerras (BOMFIM, 2007).
A partir da década de 1970, com a criação da revista Hérodote por Yves Lacoste4, começa
um amplo debate sobre a renovação da Geografia no campo político. O debate é intensificado
com a publicação do famoso livro de Lacoste A Geografia - Isto serve, em primeiro lugar, para
fazer a guerra, em 1976. Lacoste defende em seu livro que a Geografia estava dividida em duas
formas de estudo. A primeira era a Geografia das universidades, das escolas e dos livros
didáticos. A segunda era a Geografia que “realmente importava”, a Geografia dos Estados
nacionais e das grandes empresas. A grande proposta de Lacoste no livro é a incorporação do

4
Yves Lacoste é um geógrafo francês, nascido no Marrocos em 1929, se formou na Universidade de Sórbornne
em 1951 e trabalhou a maior parte da vida na Universidade de Vincennes Paris VIII. Dedicou seus estudos a
reflexão dos estudos geográficos e contribui substancialmente para a renovação epistemológica da Geografia
(OLIVEIRA, 2009)
25
estudo do político na Geografia, dando assim um caminho novo para se pensar na Geografia
política e na Geopolítica (LACOSTE, 1988)
Um dos que formularam teorias para a renovação da Geopolítica foi o inglês Peter J.
Taylor, também fundador, em 1982, da revista especializada “Political Geography”,
contribuindo para renovar a Geopolítica, em uma perspectiva radical, ao aplicar à Geografia
Política à análise dos sistemas-mundo de Immanuel Wallerstein (REDACCIÓN, 2010).
Este trabalho segue a linha da renovação radical nas tentativas de desenvolvimento de
uma Geografia do poder, cujos expoentes são Claude Raffestin e Paul Claval5. Estes geógrafos
partem da ideia de que o poder é algo que circula, que aparece em todas as relações sociais
como seu elemento constitutivo, e produz o território a partir do espaço. Deste modo, as relações
espaciais são, em última instância, relações de poder, sendo estas últimas o “problema” objeto
de estudo de uma Geografia Política que não quer seguir os passos “totalitários” da versão
clássica da disciplina (COSTA, 2008).
Relativo à escala, os estudos tradicionais da Geopolítica se desenvolveram em uma escala
global tendo os Estados como atores privilegiados. Contudo, esta corrente vem sendo
crescentemente questionada por desprezar como atores geopolíticos os movimentos sociais
transnacionais, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) de âmbito global ou as
Organizações Internacionais Governamentais (OIGs). Também deve-se reivindicar o estudo da
Geopolítica em outras escalas, além da global, ou seja, das regiões existentes no interior dos
Estados (a “Geopolítica interna” de Hérodote6, por exemplo) ou a das localidades (“Geopolítica
das localidades7”), mas também a Geopolítica dos espaços macrorregionais de integração
supranacional que, na atualidade, já são algo mais que meras justaposições comerciais de
Estados (COSTA, 2008).
A nova concepção escalar da Geopolítica nos permite estudar movimentos políticos
internos do país, tanto no passado quanto no presente, que tentam direcionar e manipular o
futebol de acordo com os interesses políticos de forças estaduais que disputam o poder interno
ao Brasil. Na Era Vargas, por exemplo, se estabelece uma disputa entre os paulistas e o governo

5
Paul Claval é um geógrafo francês, nascido em 1932, leciona na Universidade de Sorbonne. Direcionou seus
estudos para a geografia cultural a partir dos anos de 1970, fazendo muitos estudos no Brasil. Aumentando a
discussão da problemática do local. Ganhou o prêmio Valtrin Lud em 1996 (GUIMARÃES, 2011).
6
A partir da década de 1980, a revista Hérodote passou a concentrar mais nos estudos das relações de poder dentro
dos países, os planejamentos e estratégias dos Estados para ordenar os territórios e a guerra dos lugares
(MONTEIRO (2013).
7
A Geografia das localidades é um conceito mais recente e está ligado as grandes inovações do meio técnico-
científico-informacional que aumenta os fluxos de tal maneira em uma localidade que seus fluxos ficam mais
“importantes do que os fluxos que ligam esta localidade a outras. Bertha Becker e Claude Raffestin são os
estudiosos que deram contribuições significativas nesta área (MACHADO 1993)
26
central, sediado no Rio de Janeiro, devido a interesses políticos e econômicos não contemplados
e a relutância por parte do presidente Getúlio Vargas em convocar uma assembleia constituinte.
Em 1932, houve um levante armado, ordenado pelas elites do Estado de São Paulo que ficou
conhecido como a Revolução Constitucionalista de 1932. Os paulistas foram rapidamente
derrotados no campo de batalha mas conseguiram que o governo central convocasse a
assembleia constituinte (AGOSTINO, 2011).
Após à revolta de 1932 os paulistas continuaram a ser os principais rivais políticos do
Governo Vargas. A disputa política entre Vargas e os paulistas afetou diretamente o futebol. O
governo varguista adotou políticas de manipulação e uso do futebol como propaganda política,
os clubes cariocas foram “privilegiados” em detrimento dos clubes paulistas pois o
investimento governamental no futebol ficou concentrado na capital federal. A mídia brasileira
de maior abrangência territorial ficava no Rio de Janeiro e era aliada do regime de Vargas.
Assim transmitia em sua maioria os jogos dos clubes do Rio de Janeiro para o resto do país
(AGOSTINO, 2011).
Os aliados do governo Vargas se empenharam em trazer para os clubes do Rio de Janeiro
os melhores jogadores do Brasil, grande parte dele jogadores da seleção brasileira, maior
símbolo futebolístico usado no governo Vargas. Esta política para o futebol gerou a ira dos
grandes clubes de São Paulo que se uniram para boicotar a seleção brasileira. Esse boicote
ocasionou a não participação dos jogadores dos clubes paulistas para defender a seleção
brasileira na Copa do Mundo de 1938 (AGOSTINO, 2011).
As novas ideias inseridas nas teorias mais contemporâneas da Geopolítica renovaram o
seu escopo no sentido de também procurar novas formas de entender a disputa por territórios
que não seja mais, predominantemente, pelo âmbito militar. Quem nos traz um clareamento
sobre essas novas concepções é José Willian Vesentini, em seu livro síntese “Novas
Geopolíticas” (2000). Neste livro o autor aborda os conceitos de pensadores geopolíticos como
Lester Thurow, Edward Luttwak, entre outros, para teorizar os novos objetos, atores e percursos
para as novas geopolíticas (VESENTINI, 2000).
Dentre todas essas teorizações das novas geopolítica destacamos aquela que nos auxiliará
na explicação da distribuição territorial das torcidas de futebol, no Brasil, considerando o
conceito de Geoeconomia desenvolvido por Edward Luttwak8 e a ideia de
competição/cooperação desenvolvida por Lester Thurow.

8
Edward Luttwak é um analista internacional, nascido na Romênia em 1942. Vive a muitos anos nos Estados
Unidos onde é assessor do Pentágono e do governo americano para assuntos estratégicos e internacionais
(BERTOMBA, 2012).
27
O conceito de geoeconomia de Luttwak consiste, basicamente, na mudança de direção do
estudo da Geopolítica. A partir da queda do bloco socialista e do fim da dicotomia entre
capitalismo e socialismo, este autor percebeu como crucial para a Geopolítica substituir o
estudo dos, fundamentalmente, de base militar para o estudo dos conflitos de base econômica.
Nesta teorização os estados nacionais perderiam em importância o foco dos estudos pois estes
estados-nação dividiriam com outros atores o poderio econômico. Empresas transnacionais,
novas tecnologias como a internet e organizações não governamentais teriam projetos paralelos
aos dos estados-nação. Além disso, o processo de privatizações ocorridos no final do século
XX em inúmeros países, reduziram o poder do Estado no que diz respeito a sua influência direta
na economia. A nova Geopolítica, que na verdade seria chamada de Geoeconomia, teria seus
estudos direcionados para a lógica do mercado, ou melhor, para a conquista de mercados
(VESENTINI, 2000).
A ideia de competição/cooperação de Lester Thurow 9vai de encontro ao conceito de
Geoeconomia de Luttwak. Além da ideia de substituição dos conflitos militares do século XX
pelos conflitos econômicos do século XXI, Thurow acrescenta a ideia de competição/
cooperação. A ideia de competição/cooperação consiste na “disputa entre amigos”, ou seja, em
um mundo onde a competição é por mercados. Neste caso, seria possível cooperar e competir
com o seu aliado. As alianças seriam necessárias para conquistar novos mercados consumidores
e acordos comerciais que fossem favoráveis as duas partes. A competição no mercado se daria
na produção e na venda, além da disputa por mercados consumidores de terceiros
(VESENTINI, 2000).
Exemplos dessa teorização são os acordos econômicos bilaterais entre países, fusões entre
multinacionais que mantêm suas gestões separadas, áreas de livre comércio como Mercosul,
União Europeia e Nafta e consórcios concebidos por várias empresas para pesquisa, produção,
construção ou gestão conjunta. Essas alianças podem servir para uma ação de marketing de um
produto em comum pelas empresas ou por países, negociação de ajudas fiscais e até para
controle de mercado visando diminuir a concorrência. Por outro lado, essas empresas não
deixam de competir no mercado, com seus diferentes produtos, pela preferência dos
consumidores utilizando, para isso, a conservação de segredos de produção, a diminuição cada
vez maior dos custos e do marketing para seus produtos (VESENTINI, 2000).

9
Lester Thurow é um economista político americano nascido em Livinsgton no ano de 1938. Escreveu inúmeros
livros sobre política econômica e escreve colunas nos jornais USA today e Boston Globe. Fundou em 1986 o
instituto de política econômica (wikipedia.org, 2014)
28
Essa teorização consiste no fato de que nas disputas militares do século XX, a intenção
era de arrasar, destruir ou conquistar o território do oponente. Já nas disputas econômicas do
século XXI não seria interessante para um ator geopolítico destruir seu oponente, pois os
mercados são cada vez mais ligados e dependentes uns dos doutros. A ideia da associação seria
de crescer conjuntamente uma vez que a crise em um lugar afetaria a economia em outro
(VESENTINI,2000).
A teoria de Thurow é de extrema importância para o estudo da distribuição territorial das
torcidas de futebol no Brasil. A ideia de competição/cooperação ajuda a entender o processo de
expansão das torcidas de clubes do mesmo estado, conjuntamente. Em um primeiro momento
houve a expansão das torcidas dos clubes do Rio de Janeiro e, posteriormente, a expansão das
torcidas dos clubes de São Paulo.
Os clubes formulam planejamento em conjunto com as federações dos seus respectivos
Estados para o desenvolvimento econômico do produto futebol. Os clubes se aglutinam,
também, para a comercialização de direitos de transmissão de campeonatos estaduais, nacionais
e continentais. Fazem parcerias no mercado de transferências, negociam conjuntamente acordos
com as federações, confederações e com os governos.
O desenvolvimento econômico de clubes de futebol passa, necessariamente, pela
conquista de cada vez mais torcedores, que são potenciais consumidores dos produtos dos
clubes do estado. As estratégias direcionadas à conquista de novos torcedores podem ser feitas
tanto dentro do seu próprio estado (com a conquista de pessoas que não costumavam participar
da prática social do futebol) como para a conquista de torcedores em outros estados (torcedores
de clubes dos seus estados que não são tão fortes na escala nacional).

2.2 A FIFA: O GRANDE ATOR GEOPOLÍTICO DO FUTEBOL

A Fifa (Fédération Internationale de Football Association) foi fundada em 1904 por sete
países europeus liderados pela França. É uma organização internacional não governamental
(OING) sediada na Suíça, na cidade de Zurique e gerida segundo o código civil suíço. A Fifa
se instalou na Suíça para se beneficiar da condição Offshore Financial Center (OFC) daquele
país para suas práticas financeiras (RAMOS, 2011).
A organização política da Fifa é um pouco parecida com a organização da ONU
(Organização das Nações Unidas), com uma diferença primordial. Diferentemente da ONU que

29
não regula de forma soberana a política mundial e não consegue se sobrepor à soberania dos
Estados nacionais, A FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL regula e subordina
todas as confederações (representantes continentais) e federações (representantes nacionais) de
futebol filiadas a ela. Como o número de instituições filiadas à Fifa chega, atualmente, a 208
filiados, pode-se dizer que a Fifa controla o futebol em todo mundo. Esse fato a torna o grande
ator geopolítico do futebol (RAMOS, 2011).
Logo depois de sua fundação, a Fifa encontrou grandes problemas políticos. Primeiro
com as federações britânicas, que por serem os inventores do esporte queriam controlar a prática
esportiva e a regulamentação das regras do esporte, por todo o mundo, alegando que o esporte
não estava tão difundido e que as federações de outros continentes eram irrelevantes no meio
futebolístico daquela época. Após muitas negociações a Federação inglesa se filiou à Fifa em
troca de grande representatividade na International Board (órgão que determina, ou não,
mudanças nas regras do jogo em si) e da promessa que presidiria a entidade no mandato
seguinte. Outro problema político enfrentado pela Fifa foi a tensão crescente entre as nações
europeias que culminou na primeira grande guerra no começo do século XX (RAMOS, 2011).
A Primeira Guerra Mundial causou disputas políticas dentro da Fifa provocando o
rompimento da Federação Inglesa com a mesma e a saída do então presidente inglês da
federação. Este fato gerou a subida ao poder do primeiro importante presidente da Fifa, o
francês Jules Rimet, com uma visão de expansão da prática futebolística por todo o mundo, mas
defensor dos países europeus. Jules Rimet foi o grande criador da Copa do Mundo entre nações,
até hoje o torneio mais importante de futebol do mundo. Mas a realização da primeira copa do
mundo, em 1930, no Uruguai, exigiu de Rimet um grande talento para a articulação política,
pois os europeus fundadores da entidade não estavam satisfeitos com o crescimento da
influência de outras federações, principalmente da América do Sul, no seio da FIFA
(AGOSTINO, 2011).
Muitas negociações com os governos das nações europeias para o financiamento da
competição e da participação das equipes foram necessárias. Nenhuma nação europeia estava
disposta a participar da competição sediada no Uruguai. O alto custo da viagem e da
manutenção das equipes em território Uruguaio eram um grande entrave. A Europa vivia uma
crise econômica resultante da grande depressão de 1929 e o custo de uma viagem transatlântica
na época era muito grande. Para que houvesse representantes europeus no torneio o presidente
Jules Rimet negociou com o governo Uruguaio o custeio da viagem e da manutenção de

30
qualquer equipe europeia que quisesse participar do torneio. Mesmo assim só quatro equipes
europeias aceitaram o convite, França, Bélgica, Iugoslávia e Romênia (AGOSTINO,2011).
Apesar dos problemas na organização da primeira copa do mundo, o torneio logo foi
enxergado pelos governos nacionais como grande motor do aumento de sentimentos
nacionalistas. Em uma época marcada por governos autoritários a Copa do Mundo foi um prato
cheio devido à grande popularização do esporte por todo o mundo (AGOSTINO, 2011).
O rápido sucesso do torneio é o grande processo legitimador do poder da Fifa no futebol
de todo o mundo. Pois a partir do momento que alguma federação não respeite as regras e as
regulamentações da Fifa, esta fica sujeita a sanções e exclusão dos torneios, o que acarretaria
uma perda imensa para as federações e para o futebol de um país como um todo (JENNINGS,
2004).
Com o crescimento rápido do número de filiados, a Fifa teve que se reorganizar
politicamente para eleger seu presidente e para escolher as sedes da Copa do Mundo. Ficou
decidido que a eleição do presidente da Fifa passa a ser feito em congresso, por voto direto de
todas as federações filiadas à entidade. Já a escolha das sedes das competições da Fifa, como a
Copa do Mundo, são feitas pelo comitê executivo. O comitê executivo é um órgão decisório da
Fifa formado pelo presidente, oito vice-presidentes e mais dezesseis membros eleitos pelo
congresso da federação sendo que um, obrigatoriamente mulher, com mandatos de quatro anos
(JENNINGS, 2004).
Devido ao grande crescimento do futebol em todo mundo e o aumento exponencial do
volume de dinheiro investido na indústria do futebol espetáculo as eleições na Fifa são, cada
vez mais, disputadas e recebem lobbies de políticos de todas as partes do mundo, interessados
em receber os torneios da federação, e de empresas multinacionais de produtos esportivos
interessadas em aliança com a Fifa para patrocínio dos eventos e a vinculação da sua marca à
federação (TERESA, 2006).
Com o crescimento da popularização do futebol em continentes como Ásia e América do
Norte a dicotomia política da Fifa entre os países europeus fundadores e tradicionalmente mais
fortes e os países emergentes no futebol com um número expressivo de votantes no congresso
da Fifa culminou em 1974 em uma disputa política entre seu presidente Stanley Rous, inglês e
defensor dos países europeus, apesar de ter sido na sua gestão em que o número de filiados não
europeus à Fifa mais cresceu, e o então presidente da CBD (confederação brasileira de
desportos) João Havelange, que se candidatou para presidente da federação competindo contra
Stanley Rous (JENNINGS,2004).

31
João Havelange se posicionou na disputa como o defensor dos países emergentes na Fifa.
Tinha propostas renovadoras como a ampliação de competições, entre elas a criação do mundial
sub-20 e de uma competição intercontinental entre clubes, fornecimento de material esportivo
para federações filiadas à Fifa de pequeno poder aquisitivo, a construção de uma nova sede para
a Fifa, mais moderna e o apoio ao crescimento de federações e confederações por todo o mundo.
Com estas propostas Havelange venceu a eleição sendo apoiado pelas confederações
americanas, africana e asiática, além de forte apoio dos governos ditatoriais da América do Sul,
principalmente do brasileiro, onde ele era homem forte das políticas implantadas para o futebol
pelos militares no período (JENNINGS, 2004).
No período em que Havelange foi presidente, a Fifa deixou, de uma vez por todas, o
eurocentrismo e expandiu seu poder por todo o mundo, ganhou um gerenciamento empresarial,
transformou o futebol em indústria de espetáculo e aumentou o número de competições
organizadas pela Fifa. A Fifa angariou patrocinadores, entre eles a Adidas, grande empresa de
materiais esportivos que se tornou sua grande parceira. Esta ligação não é por acaso. A Adidas
além de financiar a candidatura de Havelange, por muitos anos foi acusada de fazer lobby em
eleições da Fifa chegando até a comprar votos em eleição para sedes de copa do mundo e em
eleições para o comitê executivo. Outros patrocinadores são grandes marcas de outros ramos
industriais que são interessadas em ligar a sua imagem ao futebol (RAMOS, 2011).
A Fifa se tornou uma organização com arrecadações milionárias anualmente, devido a
contribuição de suas federações filiadas (atualmente chega ao incrível número de 208), a venda
dos direitos de imagem das inúmeras competições e pela verba paga anualmente pelos seus
patrocinadores. Devido ao grande crescimento econômico da Fifa, as federações europeias não
conseguiram desafiar o poder de Havelange que continuou como presidente até 1998,
conseguindo ainda eleger para a sucessão o então secretário geral da Fifa e seu aliado Josef
Blatter (RAMOS, 2011).
O grande crescimento financeiro e político da Fifa no período da presidência de
Havelange também aumentou a importância da federação na ordem geopolítica mundial.
Governos com que a Fifa tivesse aliança teriam mais chances de ganhar eleições para sedes de
competições da Fifa. A organização de uma Copa do Mundo pode acarretar no aumento do
apoio popular a um governo nacional, pois a organização de uma competição da Fifa em um
país é uma oportunidade para atrair investimentos estrangeiros de toda natureza, dinamizando
a economia. Além de uma competição organizada pela Fifa demandar grandes investimentos
em infraestrutura e logística devido aumento do fluxo de pessoas no período do torneio. A

32
organização do torneio também atrai inúmeras empresas que se instalam no país e aumenta o
número de turistas antes, durante e após a realização da competição (AGOSTINO, 2011).
A Fifa demanda dos governos um apoio à organização da competição onde a proteção
dos interesses (principalmente mercadológicos) são resguardados obrigando, por contrato, os
governos, até mesmo a criarem leis que defendam os seus interesses no período das
competições. Além da exigência da Fifa de pouca interferência estatal no futebol do país
(JENNINGS, 2004).
Atualmente a Fifa além de ser o principal ator geopolítico do futebol, é um grande ator
da geopolítica mundial. De acordo com seus interesses a federação internacional apoia governos
(apoiando financeiramente candidatos), defende uma série de “valores” para a prática do futebol
como direitos humanos, fair play,10 fim do preconceito racial, entre outros. Qualquer denúncia
de transgressão a esses valores a Fifa envia uma comissão ao país para investigar as denúncias
e, se forem comprovadas, a federação do país pode receber uma série de sanções e punições da
Fifa (RAMOS, 2011).
Ao longo de sua história a Fifa se tornou o grande órgão articulador entre as políticas do
futebol e a política institucional. Foi a grande responsável pela grande difusão, popularização e
pela regulação da prática do futebol por todo mundo. Portanto, um ator geopolítico
indispensável para o estudo da expansão de torcidas dos clubes de futebol, em qualquer escala.
A Federação Internacional entende que o futebol já ultrapassou a barreira de ser apenas um
esporte. É um mecanismo cultural que une todos os povos. E, por isso, tem de ser regulado
como tal. Assim, no estatuto atualizado está escrito que além do desenvolvimento do futebol a
Fifa tem como objetivo e função “sensibilizar o mundo, construir um futuro melhor e o
desenvolvimento social e humano na saúde, educação e na pacificação” (FIFA.com, 2010).
As políticas da Fifa para o futebol são seguidas por quase todas as suas federações
filiadas. Entre elas está a CBF (Confederação brasileira de Futebol) que se chamava
anteriormente de CBD (Confederação brasileira de desportos). As políticas da CBF para o
futebol brasileiro estão intrinsicamente ligadas as diretrizes da Fifa, podendo esta, ser
considerada como um braço de poder da Fifa dentro do território nacional, sua filiação a
entidade é condicionada ao seguimento das diretrizes da Fifa. A CBF tem como incumbência
organizar e gerenciar o futebol brasileiro, além de comandar a seleção brasileira. Sua história é
bem parecida com a da Fifa em termos de políticas adotadas e de procura por lucro, sendo que

10
Fair play é um termo em inglês que significa jogo limpo. Está vinculado à ética no meio esportivo, onde os
praticantes devem procurar jogar de maneira que não prejudiquem o adversário de forma proposital (fifa.com,
2014).
33
a principal fonte de recursos da CBF é a seleção brasileira por meio de inúmeros patrocinadores,
de contratos de fornecimento de material esportivo, da venda de amistosos da seleção brasileira
pelo mundo todo e de porcentagem da arrecadação de campeonatos organizados pela CBF
(TERESA, 2006).
A organização política da CBF também é muito parecida com a da Fifa. A assembleia
geral da CBF é composta pelos presidentes das vinte e seis federações estaduais filiadas e a
federação do Distrito Federal, além dos presidentes dos vinte clubes da primeira divisão do
campeonato brasileiro que elegem o presidente por metade mais um dos votos. Os presidentes
das federações estaduais são eleitos pelos presidentes dos seus clubes filiados. Isto acarreta em
uma disputa política similar à que acontece pelos cargos públicos, a escala de poder está
diretamente ligada a escala territorial de atuação das federações e confederações. Vale ressaltar
que diferentemente da maioria das federações nacionais a CBF é chamada de confederação pela
sua organização política, baseada em um conjunto de federações, assim como as confederações
continentais (JENNINGS, 2004).
É importante perceber como toda organização política do futebol foi formada com uma
lógica espacial. O futebol desde o seu surgimento é pensado e gerido de acordo com princípios
geográficos. O planejamento da Fifa para o futebol foi o de sempre expandir a prática social do
esporte para todos os cantos do mundo pois, assim, geraria cada vez mais praticantes do esporte,
torcedores e posteriormente consumidores que ajudariam a aumentar o poder da instituição e
consequentemente do futebol (no caso do esporte poder de manipulação de massa). Este
planejamento interfere diretamente na expansão do futebol no Brasil e a consequente
distribuição territorial das torcidas de futebol no país. A expansão territorial do esporte
planejado pela Fifa seguiu o mesmo caminho no Brasil, com o apoio das instituições públicas
lideradas por políticos interessados no poder de manipulação do esporte e em instituições
futebolísticas como a CBF.

34
3 A CONSTRUÇÃO DO ESPORTE NACIONAL

O presente capítulo apresenta uma evolução cronológica a fim de demonstrar o processo


de produção espacial do futebol no território brasileiro. Desde a chegada do esporte no Brasil
pelas cidades portuárias. Passando pela popularização do futebol nas grandes cidades
brasileiras, pela profissionalização e institucionalização do esporte na década de 1930 e pela
constituição do futebol como um símbolo nacional, devido ao uso político da popularidade do
esporte por governos populistas e ditatoriais. Até a mercantilização e globalização do futebol,
que tornou o esporte uma indústria do espetáculo que fatura bilhões por ano e emprega milhões
de pessoas no mundo.
O aumento do espaço de representação do futebol é concebido a partir do aumento de
praticantes do esporte e de pessoas que são atraídas por assistir as partidas. Após um tempo, as
pessoas se tornam torcedoras de um time por identificações as mais diversas. Portanto, não é
demais falar que todas as pessoas inseridas no espaço de representação de futebol são
torcedores. A torcida é vista por esse trabalho como um grupo social que se aglutina em torno
de um clube, ou de uma seleção, devido aos sentimentos de representatividade ou identidade
adquiridos durante sua integração no espaço de representação do futebol. Com base nessas
ideias, este trabalho foca, agora, na distribuição das torcidas de futebol no Brasil, enfatizando
a disputa territorial entre as torcidas dos grandes clubes dos estados do Rio de Janeiro e de São
Paulo (CAMPOS, 2008).

3.1 CHEGADA DO FUTEBOL NO BRASIL E CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES


FUTEBOLISTICAS

O exato momento da chegada do futebol no Brasil é controverso. Alguns historiadores


atribuem a sua chegada aos trabalhadores ingleses que migraram ao Brasil para trabalhar nas
empresas inglesas instaladas nas grandes cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro
e em São Paulo, por volta de 1880. Porém, o ponto de partida “oficial” ficou estabelecido com
o retorno do estudante brasileiro Charles Miller, ao Brasil, proveniente da Inglaterra, em 1894.
Miller chegou em São Paulo trazendo bolas, um livro de regras do esporte e outros materiais
necessários para a prática do futebol (AGOSTINO, 2011).

35
Para explicar a chegada do futebol no Brasil se faz necessário contextualizar o momento
histórico que o país vivia no final do século XIX. O Brasil era um país recentemente
republicano, os novos governantes do país queriam vencer o aspecto de cidades coloniais que
as cidades brasileiras possuíam até aquele momento e modernizar o país. Houve um grande
investimento em empreendimentos que mudassem a paisagem das cidades brasileiras e que
aumentassem o nível da infraestrutura urbana que favorecessem a exportação de produtos
nacionais para o exterior, especialmente para a Inglaterra. Um bom exemplo desta política é a
reforma Pereira Passos no Rio de Janeiro no começo do século XX (JESUS, 2008).
Os investimentos atraíram muitas empresas inglesas. A Inglaterra, grande potência
econômica do mundo naquele momento, exportava seus costumes, seus valores e sua cultura
para todo o mundo através das suas rotas comerciais. No Brasil não foi diferente, os costumes
ingleses começaram a ser bem aceitos nas grandes cidades brasileiras. A esses costumes eram
atribuídos o rótulo de modernos e se encaixavam muito bem na política de modernização das
cidades brasileiras do começo do século XX. Porém, a incorporação de costumes ingleses não
era para todos. As classes com maior poder aquisitivo eram as únicas que conseguiam adquirir
produtos ingleses e, consequentemente, incorporavam-se aos costumes ingleses com mais
facilidade (JESUS, 2000).
Assim, o futebol a partir de sua chegada, foi logo incorporado aos costumes das elites das
grandes cidades brasileiras. A chegada do futebol ao Brasil, como já foi mencionado, se deu
pelas rotas comerciais inglesas. Pode-se dizer que os estados e as cidades que detinham portos
conectados com as rotas comercias inglesas obtiveram os primeiros contatos com o futebol.
Neste trabalho vamos utilizar a ideia defendida por alguns historiadores de que o futebol teve
“várias portas de entrada” no país. Essas portas de entrada são as grandes capitais dos estados
mais desenvolvidos do país ou as cidades com grande conectividade com as rotas comerciais
inglesas. Exemplos de cidades receptoras do futebol no final do século XIX e começo do século
XX são: Rio de Janeiro (capital federal da época), São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Curitiba,
Recife e Santos (CREPALDI, 2009).
O futebol nas grandes cidades brasileiras se difundiu rapidamente como uma inovação
trazida da Inglaterra. As elites das grandes cidades e os imigrantes vindos da Europa passaram
a praticar o esporte que apresentava maior facilidade em ser incorporado no espaço das cidades
brasileiras. O futebol, diferentemente dos outros esportes difundidos pelas rotas comerciais
inglesas pelo mundo a época, é de fácil compreensão das regras e não demanda muitos

36
equipamentos caros. Assim, o esporte foi rapidamente incorporado no cotidiano das cidades
como uma nova forma de lazer e de utilização dos espaços públicos (CREPALDI, 2009).
O futebol foi, aos poucos, ganhando cada vez mais praticantes pelas cidades brasileiras e
se popularizando. Os espaços da prática do esporte foram aumentando pelos bairros. Com a
crescente popularização do esporte, a população mais pobre foi adaptando os materiais
necessários para pratica-lo. As elites foram deixando os espaços públicos da prática do futebol
em um movimento de auto-exclusão. Assim, alguns grupos de praticantes do esporte fundaram
em diversos bairros de alta classe, clubes de futebol. Os clubes eram espaços privativos a
associados preparados para práticas de lazer e de esporte. Como cita Franklin Foer em seu livro
- Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização - “Os clubes de
futebol no Brasil têm este nome porque de fato os são. Clubes com sedes sociais e diversos
espaços destinados à prática esportiva para associados. ” (FOER, 2005, p. 106). O objetivo da
maior parte dos clubes brasileiros fundados no final do século XIX e na primeira década do
século XX era ser um espaço privado para a prática esportiva, entre elas o futebol, e para o
lazer. Traços dessas origens são visíveis atualmente com muitos clubes tendo seus estádios
sendo integrantes das suas sedes sociais e sua organização política, com a eleição de presidentes
por um corpo de associados, se mantém inalterada. Fato este que diverge do pensamento
mercadológico que tomou conta do futebol mundial, sendo um dos alicerces do atraso
organizacional do futebol brasileiro com relação ao grande centro do futebol atual que é a
Europa (FOER, 2005).
Desta forma foram surgindo os clubes de futebol nas grandes cidades brasileiras. Quase
todos os clubes fundados nesta época, com uma identidade ligada às elites, podemos destacar o
Clube de Regatas do Flamengo (1895), o Clube de Regatas Vasco da Gama (1898), o
Fluminense Football Club (1902) e o Botafogo Football Club (1904) Todos do Rio de Janeiro.
De São Paulo destacam-se o São Paulo Athletic Club (1888) fundado por Charles Miller, e o
Palestra Itália (1914). De Campinas a Associação Atlética Ponte Preta (1900). E de Porto Alegre
o Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense e o Sport Club Internacional. Interessante verificar
também que a maior parte dos clubes fundados especificamente para a prática do futebol tem o
nome dos clubes com palavras em inglês. Demonstrando a ligação da fundação dos clubes com
a influência cultural do império britânico (SANTOS, 2012).
Vale ressaltar a fundação do primeiro clube ligado ao proletariado brasileiro, o The Bangu
Athletic Club (1904). O clube do bairro de Bangu foi fundado por altos funcionários da CIA.
Progresso Industrial do Brasil. Mas, somente os altos funcionários da empresa não conseguiam

37
formar dois times para praticar o esporte. Foram convidados os funcionários de escalões mais
baixos para completarem os times. Os funcionários mais baixos eram “premiados” com a
escalação no time devido ao bom desempenho profissional. As posteriores conquistas do Clube
de Futebol de Bangu, deu privilégios aos jogadores/empregados dentro da empresa e rendeu a
CIA. Progresso Industrial do Brasil uma fonte de propaganda jamais imaginada. A população
associava as vitorias do Clube de Bangu aos tecidos Bangu (produto comercializado pela
fábrica) o que gerou um bom lucro à empresa. Para o futebol, acelerou o processo de
popularização do esporte (CALDAS, 1994).

FIGURA 2: FOTO DO PRIMEIRO TIME DE FUTEBOL DO BRASIL, O SÃO PAULO


ATLETIC CLUB, FUNDADO POR CHARLES MILLER EM 1888

FONTE: http://veja.abril.com.br/blog/leonel-kaz/2014/04/13

É importante dizer que o Brasil, um país de grandes dimensões, possuía poucas ligações
comerciais e relações sociais entre suas diferentes regiões no começo do século. Isso
influenciou diretamente no crescimento do futebol no país, que se deu de forma distinta nas
diferentes cidades brasileiras. Para explicar melhor o crescimento do futebol no Brasil no
começo do século XX podemos falar em polos não ligados de crescimento do futebol. Cada
grande cidade brasileira desenvolveu o futebol distintamente da outra, sem intercâmbios e com
poucos jogos entre clubes de estados diferentes. O estágio inicial de crescimento do futebol
brasileiro em polos é um dos grandes responsáveis para o posterior surgimento de grandes
clubes com forças equivalentes em diversos estados brasileiros. Esta ideia é desenvolvida a
partir da conceituação de Milton Santos de ilhas de desenvolvimento urbano no Brasil, relatadas

38
por Daniel Damasceno Crepaldi, em sua dissertação de mestrado intitulada: A participação da
Rádio Nacional na difusão do futebol no Brasil nas décadas de 1930 e 40 (CREPALDI, 2009).

FIGURA 3: POLOS DE CRESCIMENTO DO FUTEBOL NO BRASIL

FONTE: Próprio autor

O futebol continua se expandindo nas grandes cidades, ganhando popularidade nas


localidades mais longínquas. Um dos números que comprovam este crescimento é o número de
clubes de futebol fundados até 1915 no Brasil, que é de 216. O esporte deixou de ser um
privilégio das elites e dos estrangeiros e passou a ser um lazer da população mais pobre, ainda
que os clubes de origem mais aristocrática demonstrassem certa resistência ao processo de
popularização (SANTOS, 2012).
Por decorrência da popularização do futebol, tornou-se necessária a criação de ligas de
clubes por todo o país. A primeira liga criada no Brasil foi a LPF (Liga Paulista de Futebol),
fundada em 1902. Logo após foram criadas ligas em outras grandes cidades do país, como a
LMF, Liga Metropolitana de Futebol no Rio de Janeiro, em 1905. O principal motivo da criação
das ligas era a organização de campeonatos (SANTOS, 2012).
Os primeiros campeonatos organizados no país foram na escala estadual, mesmo os
campeonatos tendo uma concentração de clubes das capitais dos estados. Os campeonatos
organizados nas primeiras décadas do século XX no Brasil, não tinham o “rótulo” de estaduais,
apenas passaram a ser considerados como estaduais posteriormente. A organização de
campeonatos serviu para aumentar ainda mais a popularidade do futebol nas grandes cidades
brasileiras. Os clubes passaram a angariar torcedores em seus bairros de origem. Os times, neste
39
período, eram como uma “seleção” dos praticantes do futebol de uma localidade. Estes
praticantes eram associados aos clubes dos seus bairros (nem todos os bairros tinham clubes
fundados, por isso alguns clubes angariavam praticantes de vários bairros ao seu redor) e os que
se destacavam eram chamados para fazer parte do time que representaria o clube. Essa pode ser
considerada a origem da identidade territorial dos clubes brasileiros. Visto que os clubes eram
representantes do coletivo de um bairro ou uma localidade (JESUS, 2008).
A grande popularidade que o futebol ganhou chamou a atenção de diversas forças
políticas que passaram a tentar influenciar nos rumos do esporte. A ideia de criar uma identidade
nacional por meio do esporte ganha força, principalmente no Rio de Janeiro, capital federal no
período e cujos acontecimentos repercutiam por todo território nacional. Assim em uma reunião
com diferentes representantes do esporte nacional foi criada o COB (Comitê Olímpico
Brasileiro), com a responsabilidade de preparar as delegações de diferentes esportes que fossem
representar o país nos jogos olímpicos. Também foi criada a FBE (Federação Brasileira de
Esportes), que teria o dever de planejar e organizar campeonatos e eventos esportivos dentro
do território nacional (SANTOS, 2012).
Esta ação não foi bem recebida pela LPF que não compareceu à reunião. Se articulou com
representantes de ligas do Rio Grande do Sul, do Paraná, da Argentina e do Uruguai para criar
uma entidade independente, que representasse apenas o futebol, assim foi criada a FBF
(Federação Brasileira de Futebol). Toda a disputa política no meio esportivo reflete o momento
político que o país vivia. O Estado de São Paulo com um crescimento econômico pujante, tenta
transformar seu poderio econômico em poder político. Em contrapartida, recebe a resistência
de Estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro que se sentem ameaçados pelos paulistas. O
impasse só terminou com a intervenção do Ministro de Relações Exteriores, Lauro Muller. Este
promove um grande acordo que termina com as atividades das duas entidades e a criação da
CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Em 1916 a CBD é reconhecida pela FIFA
(SANTOS, 2012).
A popularidade do futebol leva um número crescente de praticantes a tentar participar dos
campeonatos. Porém, neste período inicial os clubes brasileiros são marcados por muitos
preconceitos contra negros, contra pobres e contra o pagamento de salários aos jogadores.
Apesar da resistência dos clubes e da elite aristocrática nacional, o futebol já estava incorporado
nas práticas sociais de todas as classes sociais. Fazia parte do lazer da população de todas as
localidades das grandes cidades brasileiras, chegando em diversos bairros devido a prática do
esporte em fábricas para integração e recreação de trabalhadores. Assim, o processo de

40
popularização do futebol se tornava inevitável. Até mesmo se falando da política interna dos
clubes. Cada vez mais surgiam clubes ligados a camadas mais baixas e a fábricas que se
destacavam nos campeonatos, fazendo assim com que clubes mais aristocráticos repensassem
suas políticas (ANTUNES, 1994)
Vale ressaltar que o sucesso da seleção nacional no terceiro campeonato sul-americano
de futebol, em 1919, é fator determinante para a popularização do esporte no Brasil pois o
grande craque do time nacional foi o negro Arthur Friedenreich. Ficou claro para todo o país
que o futebol não era um esporte apenas para as elites (SANTOS, 2012).
O futebol cresce em popularidade no ritmo do crescimento das grandes cidades. Assim
rapidamente o futebol brasileiro ganha uma rivalidade, já latente politicamente, a rivalidade
entre Rio de Janeiro e São Paulo. As duas cidades são as que mais crescem no começo do século
XX, concentram grande parte dos investimentos nacionais e acumulam capital. Os clubes
paulistas se sentem prejudicados pelo governo federal e pela CBD com relação aos cariocas,
por isso fundam a Associação Paulista de Esportes Atléticos, chamada pela sigla APEA, que
rivaliza com a CBD na articulação e organização dos campeonatos. Rapidamente se cria um
impasse com a criação da Copa do Mundo pela FIFA, do presidente Jules Rimet, sobre quem
organizaria a seleção brasileira que representaria o país. O governo delega a função a CBD, os
paulistas reagem, impedindo os jogadores dos clubes paulistas de participarem. Os jogadores
paulistas formavam mais da metade da seleção brasileira dos anos anteriores. A seleção
brasileira vai para a copa desfalcada e é eliminada na primeira fase. Os paulistas comemoram e
há acusações mutuas de responsabilidade pelo fracasso (AGOSTINO, 2011).
Outro impasse político relevante no período é o do profissionalismo. A APEA defendia a
profissionalização do esporte nacional para evitar o êxodo para outros países, para melhor
organizar o futebol e para o melhor preparo atlético dos jogadores. Os defensores do
amadorismo, entre eles a CBD e os clubes cariocas excetuando o Vasco da Gama, defendiam o
amadorismo alegando que os valores do esporte se perderiam com o profissionalismo e que não
se jogaria mais por amor à camisa, mas sim, por um “prato de comida”. Na verdade, o embate
ideológico entre o profissionalismo e o amadorismo, é só mais um capítulo da inserção das
camadas mais pobres no espaço de representação do futebol. Os defensores do amadorismo
eram os clubes de com identidades aristocráticas, que vinham com olhares desconfiados a
inserção das camadas populares no esporte, principalmente a população negra. Mario Filho em
seu livro intitulado: O negro no futebol brasileiro, demonstrou este fato (COUTINHO, 2008)

41
Apesar da contínua mudança, a inserção da população mais pobre no futebol precisou de
uma mudança política de âmbito nacional, para se consolidar. Essa mudança veio com a
Revolução de 1930 e a subida ao poder de Getúlio Vargas.

3.2 INTEGRAÇÃO E IDENTIDADE NACIONAL ATRAVÉS DO FUTEBOL:


EXPANSÃO DAS TORCIDAS DO RIO DE JANEIRO

O impasse político no futebol em 1930 era apenas um reflexo do momento por que
passava a política nacional no período. A política dos Governadores, como ficou conhecida a
estratégia política de Campos Sales no período havia se esgotado. O Coronelismo não era mais
capaz de garantir os resultados pretendidos nas eleições e as oligarquias agroexportadoras dos
estados de São Paulo e Minas Gerais, afetadas pela crise econômica de 1929, desejavam o poder
do governo federal e tentavam se articular para o pleito (SANTOS, 2012).
Existia uma espécie de revezamento no poder central de candidatos indicados pelos
estados de São Paulo e Minas Gerais pela fraude nas eleições. Na eleição de 1930 era a vez do
indicado pelos mineiros assumir, este era Getúlio Vargas. Porém as eleições foram vencidas
por Júlio Prestes, candidato indicado pelos paulistas. Este fato ocasionou a insatisfação dos
mineiros que se articularam politicamente, se aliaram com as lideranças gaúchas e com oficias
de alto escalão do exército. O assassinato do candidato a vice-presidente de Getúlio Vargas,
João Pessoa, culminou em uma revolta armada que deu um golpe militar e que transferiu o
poder para Getúlio Vargas. Assim estava instalado o primeiro governo ditatorial do Brasil. Esta
contextualização se faz necessária para demonstrar o motivo de toda a política centralizadora
planejada pelo governo Vargas e sua interferência nos rumos do futebol (SANTOS, 2012).
O Governo de Getúlio Vargas implantou no país políticas públicas de industrialização,
com o objetivo de substituição das importações e como alternativa para sair da crise econômica
que o Brasil havia mergulhado. Também faz planejamentos para uma maior integração
nacional, com investimentos no setor logístico e investindo no crescimento de outras regiões
além da rica região do sudeste brasileiro. O objetivo do governo Vargas com essas políticas era
de angariar apoio político das massas e assim se fortalecer no embate político contra as antigas
oligarquias. O governo também criou diversas leis trabalhistas que melhoraram a vida dos
trabalhadores das fábricas nacionais. Por escolher este tipo de planejamento político o governo
Vargas é considerado por alguns pesquisadores como populista (CEPALDI, 2009).

42
No campo cultural o governo Vargas implantou uma série de políticas que tinham como
objetivo o aumento da identidade nacional. Para isso investiu em propagandas e discursos que
valorizassem a mistura de raças nacional, construindo a ideia de que a miscigenação brasileira
havia criado um povo com qualidades físicas únicas. Valorizava-se os aspectos que distinguem
o povo brasileiro do resto do mundo e aspectos culturais bem populares no período como a
música, (O Samba carioca foi escolhido), o carnaval e o futebol. As ideias políticas do governo
Vargas podem ser facilmente incorporadas no futebol usando a popularidade do esporte e o
modo de jogar futebol do Brasil como propaganda política. Assim o Governo Vargas foi o
primeiro a enxergar o futebol não só como um esporte popular no país, mas como arma de
propaganda governamental (através da seleção nacional) e fomento de políticas culturais com
alcance nacional (TERCIOTI, 2012).
O planejamento do governo Vargas tinha o nome de reestruturação nacional. Se baseava
na integração do território nacional e aumento da identidade nacional para uma unificação do
povo brasileiro. Para a criação da identidade nacional, foram usados símbolos ligados a
identidade da capital federal da época, o Rio de janeiro, com a finalidade da identidade nacional
ficar ligada ao poder central. Unificando o povo brasileiro ao redor do poder do governo de
Vargas e contra as oligarquias agrárias que eram inimigas políticas do regime, principalmente
as paulistas (HOLLANDA, 2010).
Assim, eclodiu em 1932, a revolução constitucionalista que tinha a liderança das
oligarquias paulistas e o objetivo de retomar o poder por vias militares. Os paulistas que
anteriormente tinham vários estados como aliados, se viram isolados logo após o começo da
luta e rapidamente foram derrotados pelas tropas governamentais. Após a vitória, Getúlio
Vargas se empenhou em superar as cicatrizes do ocorrido, com o discurso de unificação
nacional, anunciou que nenhum tipo de represália seria impingido a população paulista. No
campo esportivo, com a influência governamental foi criado o torneio Rio-São Paulo com o
objetivo de integrar as duas cidades e apaziguar os ânimos acirrados durante a revolução. Esta
competição foi a primeira do Brasil em uma escala supra estadual e ajudou a germinar a
rivalidade futebolística entre as duas capitais. O torneio Rio- São Paulo durou até a década de
1960 e foi o embrião para um posterior projeto de campeonato em escala nacional, além de
contribuir para a criação da rivalidade futebolística entre os clubes do Rio de Janeiro e de São
Paulo (AGOSTINO, 2011).

43
FIGURA 4: CARTAS DISTRIBUIDO A POPULAÇÃO DE SÃO PAULO A ÉPOCA
DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

FONTE: http://tudoporsaopaulo1932.blogspot.com.br/2013/04/quinze-cartazes-de-propaganda.html

As políticas implementadas na época tiveram grande influência na difusão espacial do


futebol no Brasil. A seleção brasileira era o maior símbolo nacional construído pelo governo e
o discurso de valorização da “raça miscigenada brasileira” era fortalecido pelo desempenho dos
grandes jogadores brasileiros que apareceram na época, a maioria negros e pardos. A população
mais pobre foi inserida definitivamente no espaço de representação do futebol com a
profissionalização do esporte regulamentada em 1933 e oficializada em 1937. Os jogos entre
os grandes clubes tinham públicos cada vez maiores e eram espaços cada vez mais frequentes
de aparições do presidente. O futebol tinha se tornado uma paixão nacional (TERCIOTI, 2012).

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Outros fatores que influenciaram na difusão espacial do futebol pelo território brasileiro
na época foram os investimentos governamentais nos setores de transporte e comunicações,
visando a integração do território nacional. O investimento no setor de transporte aumentou o
fluxo de pessoas no interior do território nacional, facilitando assim a interação da população
das grandes cidades litorâneas com a população do interior do país. Muitos amantes do futebol
viajavam apara o interior e mostravam os costumes das grandes cidades para a população
interiorana, ajudando no processo de conhecimento do esporte por essas populações (JESUS,
2008).
O investimento do governo Vargas no setor de comunicações foi o grande veículo de
expansão do futebol pelo interior do país como aspecto cultural e fator de identidade nacional.
Se destaca neste processo a mídia, com maior destaque para o rádio e os jornais impressos. A
chegada do rádio no Brasil acontece um pouco antes da revolução de 1930, mais precisamente
em 1923. Porém é só com o governo Vargas que se torna um veículo de massa. O aumento da
procura por comerciais e a regulamentação governamental são decisivos para o
desenvolvimento do rádio. Estes possibilitaram que as empresas acumulassem capital e
investissem em equipamentos avançados que ampliassem a sua transmissão por um território
cada vez maior. Rapidamente aparecem emissoras de rádio com transmissão com alcance
nacional. As primeiras são a Rádio Farroupilha do Rio Grande do Sul, a Rádio Tupi de São
Paulo e a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O rádio rapidamente se torna o meio de
comunicação mais popular do Brasil devido ao fato de o país conter um grande número de
analfabetos na época (CREPALDI, 2009).
O governo de Vargas enxergou o potencial que o rádio tinha para a transmissão da
ideologia do regime. Seguindo os passos de outros regimes totalitários da época como o
Fascismo e o Nazismo, passa a usar o rádio como grande veículo de propaganda ufanista
governamental. Nos primeiros anos do governo, as emissoras tiveram condicionadas as suas
concessões com a transmissão de programas governamentais, a partir de 1937 com a
radicalização do regime e o surgimento do chamado de “Estado Novo”, a interferência do
governo nas rádios se intensifica, passando a criar leis e resoluções de controle e
condicionamento da continuidade dos trabalhos das emissoras com a transmissão das ideologias
do regime e o alinhamento com as políticas populistas (CREPALDI, 2009).
O uso do rádio pelo regime ditatorial de Vargas influi diretamente na distribuição das
torcidas de futebol no Brasil. As rádios, na sua maioria alinhadas com o governo, transmitiam
os jogos da seleção brasileira e dos campeonatos mais importantes do Brasil. Os campeonatos

45
cariocas e paulistas eram transmitidos pelas rádios das suas respectivas cidades para todo o país,
porém só a rádio nacional, estatal a partir de 1939 e sediada no Rio de Janeiro, concentrava
mais de 70% da audiência da época. Este fato se deve a popularidade do governo Vargas e o
sucesso de suas políticas sócio culturais que faziam com que as camadas mais pobres da
população dessem preferência para a emissora do estado (CREPALDI, 2009).
A rádio nacional transmitia os jogos dos clubes cariocas para todo o país, ampliando
assim, o espaço de representação dos grandes clubes do Rio de Janeiro que, a partir deste
momento, adquire uma escala nacional. A população de inúmeros estados que não tinham um
desenvolvimento prévio do futebol, tem a sua inserção no espaço de representação do futebol
através das transmissões da rádio. A maior parte da população tem uma boa aceitação com
relação aos clubes cariocas, o mesmo não se pode dizer dos clubes do estado de São Paulo,
caracterizado como rivais dos clubes do Rio de Janeiro e do regime de Vargas. Vale salientar
que, no período em foco, ocorreu apenas o começo do processo de expansão das torcidas de
futebol dos grandes clubes do Rio de Janeiro. A expansão das torcidas dos clubes do Rio de
Janeiro continuou mesmo depois do termino do regime Varguista (HOLLANDA, 2010).
Outro meio de comunicação que teve grande influência na distribuição das torcidas dos
clubes de futebol, no período em foco, foi o Jornal dos Sports. Fundado por Mário Filho, com
a ajuda de Roberto Marinho e Getúlio Vargas, grandes amigos de Mário Filho. Até a fundação
do jornal dos Sports, os esportes tinham muito pouco espaço na mídia impressa nacional. Com
a concentração das notícias nos esportes, principalmente no futebol e com a criação de uma
narrativa romanceada para a crônica esportiva, o Jornal dos Sports rapidamente ganhou uma
tiragem nacional importante, influenciou muitas pessoas a se apaixonarem pelo futebol e pelos
clubes cariocas (HOLLANDA,2010).
Emblemático é o caso do Clube de Regatas do Flamengo estudado por Renato Soares
Coutinho em seu texto, Futebol e identidade nacional: o Clube de Regatas do Flamengo e o
projeto de construção de uma nação. O autor demonstra em seu texto como o Clube de Regatas
do Flamengo entendeu as mudanças políticas que o país e o futebol passavam, devido as
políticas do governo de Vargas e viu a oportunidade de se adequar a elas construindo
estrategicamente uma nova identidade para o clube. O Flamengo até a década de 1930 era um
clube ligado as elites do Rio de Janeiro assim como outros grandes clubes cariocas.
A partir de 1933, com a eleição do presidente José Bastos Padilha, o clube que era um
dos mais resistentes a adoção do profissionalismo muda completamente de política. O
Flamengo adota o profissionalismo e faz um planejamento para mudar a imagem do clube junto

46
à população. Com a ajuda do seu cunhado Maro Filho, através dos seu Jornal dos Sports,
Padilha começa a implementar uma imagem popular ao clube, ligando o Flamengo a política
de identidade nacional e de valorização da “raça miscigenada brasileira”. Os textos de caráter
romancista do Jornal dos Sports faziam abertamente uma relação com a identidade nacional e
o fato de torcer pelo Flamengo (COUTINHO, 2008).
Para enfatizar a imagem popular e valorizadora da “raça miscigenada brasileira” o clube
passa a contratar grandes craques negros e mestiços, que jogavam na seleção brasileira para
fortalecer a imagem de clube popular e nacional. Craques como Leônidas da Silva, grande
craque nacional da época, Domingos da Guia, considerado por muitos especialistas o maior
defensor da história do futebol brasileiro e o meia Fausto foram contratados e ajudaram o clube
a quebrar a sequência sem títulos em 1939, que já perdurava desde 1927 (COUTINHO, 2008).
Além dos investimentos no futebol e das alianças políticas o clube também investiu no
fortalecimento da imagem por meios culturais. Criou em 1937 um concurso, patrocinado pelos
jornais O Globo e Jornal dos Sports, intitulado: “Hoje criança Flamenga, amanhã homem do
Brasil, que estabelecia a composição de frases que ligassem as Brasil e Flamengo. O clube
também produziu um filme intitulado: “Alma e corpo de uma raça”. O filme tinha o objetivo
de arrecadar fundos para a construção do estádio do clube na Gávea, em terreno doado pelo
governo de Vargas. A história do filme consistia em um triangulo amoroso onde dois jogadores
do Flamengo disputavam o amor de uma mulher. Um jogador era pardo e oriundo de família
pobre, o outro era branco e oriundo de família rica. O jogador pardo e oriundo de família pobre
ganha o amor da mulher através da dedicação ao preparo físico e a disciplina mostrada em
campo. Não se pode negar que a história do filme está diretamente ligada a política cultural do
governo de Vargas e a nova identidade construída pelo clube (COUTINHO, 2008).
O Clube de Regatas do Flamengo foi pioneiro no planejamento clubístico no Brasil e se
pôs em um patamar supra regional, diferente de outros clubes que fortaleciam suas identidades
regionais e elitistas. Os demais clubes cariocas, apesar de mais vitoriosos que o Flamengo no
período do Governo Vargas, tinham uma receptividade menor do que o clube da Gávea nas
camadas mais pobres do Rio de Janeiro e dos outros estados, que foram incorporados no espaço
de representação do futebol pela visibilidade dada ao esporte na mídia, no período em foco. Os
demais clubes cariocas mantinham as suas identidades ligadas as elites, como Botafogo e
Fluminense, e a origem estrangeira, como o Vasco da Gama, explicando assim a preferência
das camadas mais pobres pelo Flamengo. Fato que perdura até os dias de hoje.

47
Os clubes paulistas tinham um menor espaço na mídia no período do governo Vargas,
apesar de já serem vitoriosos. O fato de a elite aristocrática de São Paulo ser inimiga política de
Vargas fez com que a mídia de São Paulo tivesse um controle maior do estado do que a mídia
do Rio de Janeiro, através dos órgãos de repressão do regime. As concessões públicas para o
rádio e para os jornais impressos só eram cedidas através do condicionamento de se enquadrar
as políticas e aos discursos do Governo federal. Restringindo as notícias de vitórias dos clubes
paulistas ao estado de São Paulo. A pouca receptividade por parte dos torcedores de outros
estados, foi acentuada pela origem da identidade dos clubes de São Paulo, onde a maioria tem
ligações com imigrantes espanhóis, italianos e alemães indo na contramão do sentimento de
identidade nacional criado na época (LOUZADA, 2011).
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939 e a entrada do Brasil na guerra contra
os alemães e italianos em 1942, a identidade ligada a imigrantes de alguns clubes de São Paulo
se torna ainda mais problemática e fator de rejeição por parte da população brasileira chegando
ao ápice quando o forte Palestra Itália é obrigado a mudar o seu nome e todos os símbolos que
tivessem ligação com a Itália. A Segunda Guerra Mundial acentua a identidade nacional e o
apoio da população ao regime de Vargas. Assim, aumenta proporcionalmente a rejeição a outras
identidades nacionais e aos inimigos políticos do regime, identificados como inimigos da pátria.
No futebol, a acentuação dos sentimentos nacionalistas aumenta a rejeição aos clubes paulistas
(LOUZADA, 2011).
Os clubes paulistas têm o crescimento das suas torcidas, no período em foco, relacionado
ao grande crescimento demográfico que o estado obtém devido ao crescimento econômico e
industrial que atraiu milhões de pessoas para São Paulo em busca de oportunidades de emprego,
a partir da década de 1930. Porém, no período em foco, é um crescimento quantitativo,
restringido espacialmente ao estado de São Paulo (CARVALHO E GIUBERT, 2010).
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, as pressões da elite nacional aumentam e o clamor
pela redemocratização é atendido com a saída de Vargas do poder e a eleição de Eurico Gaspar
Dutra. Porém no campo esportivo o Brasil já tinha uma distribuição territorial sedimentada.
Tendo os políticos do futebol apenas trabalhar para conquistar cada vez mais adeptos ao esporte
em regiões ou classes que ainda não estavam totalmente inseridas no espaço de representação
do futebol. Um exemplo da consolidação do futebol como esporte nacional e dos resultados das
políticas adotadas para o esporte no período do Governo de Vargas é a escolha do país para
sediar a Copa do Mundo de 1950 (SANTOS, 2012).

48
No concernente aos clubes brasileiros, a expansão do futebol como esporte nacional e
presente em todas as regiões, não acompanhou a organização dos campeonatos. Estes
continuavam a ser, em grande maioria, em escala estadual. A existência do torneio Rio-São
Paulo e o campeonato nacional de seleções estaduais foram as únicas tentativas de ampliação
da escala dos campeonatos. As justificativas apresentadas eram as dimensões continentais do
país que inviabilizavam o custo do torneio (SANTOS, 2012).
Este fato fortaleceu ainda mais a expansão das torcidas dos clubes do Rio de Janeiro para
outros estados, pois a concentração das transmissões no campeonato carioca pelas grandes
rádios, principalmente a Rádio Nacional, faz com que o cotidiano dos torcedores de grande
parte dos estados brasileiros fosse o de acompanhar os clubes do Rio de Janeiro. Estes tinham
em suas fileiras os grandes jogadores da seleção e o Maracanã, maior estádio do mundo a época,
grande templo do futebol nacional e orgulho de toda a população brasileira.

FIGURA 5: FOTO DA INAUGURAÇÃO DO MARACANÃ EM 1950

FONTE: http://www.portal2014.org.br

É importante ressaltar que, a partir da expansão das torcidas dos clubes do Rio de Janeiro
pelo território nacional, se cria uma oportunidade política de exploração da força midiática dos
clubes cariocas, que ajudou a manter as torcidas dos mesmos com um grande território de
domínio por um longo tempo. As empresas de mídia passam a transmitir os jogos dos clubes
que detém maiores torcidas para alavancar a sua audiência e os políticos tentavam ligar as suas
imagens a dos clubes para angariar apoio popular. Portanto se criou um ciclo, alimentado pelo
tamanho das torcidas, que quanto maior as torcidas dos clubes, maior era a visibilidade dada a
este, assim maiores eram as chances de aumentar a sua torcida ainda mais (HOLLANDA,
2010).
49
Nos governos posteriores ao regime de Getúlio Vargas até o governo de Juscelino
Kubistchek o status quo da distribuição territorial das torcidas de futebol no Brasil se manteve.
Isso se deve ao fato do Rio de Janeiro, sendo a capital federal, continuar concentrando grande
parte da mídia de abrangência nacional e da continuação das políticas nacionalistas de Vargas
pelos governos posteriores que idealizavam a cultura nacional orbitada pela cultura carioca. O
quadro começa a se alterar a partir de 1960, com a transferência da capital federal para a cidade
de Brasília na região Centro-Oeste do Brasil (HOLLANDA, 2010).
Quando há a transferência da capital federal para a cidade de Brasília, o Rio de Janeiro se
distancia do poder federal, perde em importância política no quadro nacional e passa por uma
crise econômica que contrasta com o crescimento econômico do país nas décadas de 1960 e
1970. A decadência econômica do Rio de Janeiro, neste momento chamado de estado da
Guanabara, contrasta com a pujança econômica do estado de São Paulo, que se torna o grande
motor do crescimento econômico do país. São Paulo passa a concentrar em seu território a
maior parte do parque industrial do Brasil e se torna o polo financeiro do país (CARVALHO E
GIUBERT, 2010).
O grande acúmulo de capital no estado de São Paulo fez com que parte deste fosse
direcionado para outras áreas além da indústria, assim a mídia paulista começa a se desenvolver
e a rivalizar com a mídia carioca no que diz respeito a jornais impressos, rádios e a recém-
chegada televisão (MIGUEL, 2001).
A televisão chegou ao Brasil ainda na década de 1950, na primeira década de implantação
da nova tecnologia no país a mesma ficou restrita a alguns poucos lares de pessoas com
condições financeiras para comprar o aparelho de televisão, cujo valor era elevado. As
transmissões também eram restritas para as cidades de origem das emissoras pois, a transmissão
em grande escala necessitava de grande investimento em linhas de transmissão (MIGUEL,
2000).
O futebol brasileiro na década de 1960 dá um passo adiante na construção de um
campeonato nacional de clubes, campeonato este, já existente em grande parte dos países
europeus e na Argentina, grandes rivais brasileiros no futebol. É criada a Taça Brasil, torneio
no formato de mata-mata, com a participação dos campeões estaduais de grande parte do país,
com os campeões estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo entrando na disputa já na fase de
semifinais. O calendário apertado e a grande importância dada pelos clubes aos campeonatos
estaduais eram as justificativas dadas ao modelo de disputa escolhido, além do já mencionado
custo com viagens devido ao tamanho continental do território nacional. O motivador para a

50
implantação da Taça Brasil foi a necessidade da indicação de representantes nacionais para a
recém-criada Taça Libertadores da América pela COMENBOL, torneio em escala continental
cujo campeão disputaria o torneio interclubes contra o campeão europeu (SANTOS, 2012).
A Taça Brasil sofreu ao longo dos seus anos de disputa com o desinteresse dos clubes e
com a falta de apoio político tanto da CDB quanto do governo federal para o seu fortalecimento.
A mídia encampava as disputas e os estádios estavam sempre cheios nos jogos, principalmente
nos jogos que envolviam os clubes do eixo Rio-São Paulo (SANTOS, 2012).
Muita coisa mudaria no país no ano de 1964. O país já mergulhado em uma crise
econômica desde a saída de Juscelino Kubistchek em 1960 e dividido internamente pela
bipolarização política mundial entre os chamados de direita e de esquerda, mergulha em uma
crise política que culmina no golpe militar de 1964, encabeçado por oficiais de alto escalão do
exército, grandes comerciantes e a CIA. O golpe militar de 1964 desencadeou um regime de
exceção no país que perdurou por vinte anos e que influenciou indiretamente na distribuição
territorial das torcidas de futebol no Brasil (MIGUEL, 2001).
A Ditadura Militar seguiu uma linha de interferência política no futebol bem parecida
com a do regime de Getúlio Vargas entre 1930 e 1945. Os presidentes militares usaram o futebol
como propaganda política, sobretudo a seleção brasileira de 1970, e influenciou diretamente na
organização interna do futebol (SANTOS, 2012)
O regime militar passou a controlar os meios de comunicação e instaurou um
departamento para censurar ou cancelar concessões de jornalistas que publicassem notícias que
não interessavam ao regime ou que seguissem uma linha editorial contrária ao regime militar.
Ao mesmo tempo se aliou a Roberto Marinho, dono do Jornal o Globo, para a implantação dos
discursos do regime nos meios de comunicação através do jornal já citado e concedendo-lhe a
concessão pública para a abertura da sua própria emissora de televisão, a Rede Globo
(MIGUEL, 2001).
A Rede Globo nos anos da ditadura se tornou o grande conglomerado midiático do país.
Sua aliança com os governos militares foi crucial para tal progresso. Com a justificativa de
maior integração nacional, o governo militar investiu maciçamente em linhas de transmissão
de televisão que permitiram que a Rede Globo conseguisse transmitir a sua programação para
94% do país já na década de 1980. É importante ressaltar que os investimentos do regime militar
não se concentraram apenas em redes de telecomunicações, porém para a distribuição territorial
das torcidas no futebol brasileiro esta é a parte importante do regime. Pois a Rede Globo
conseguiu reconcentrar as transmissões midiáticas no Brasil ao redor do seu conglomerado

51
(além da emissora de TV, a empresa já tinha o jornal impresso, rádio, revistas e outras empresas
de diversos tipos de mídia). A Rede Globo de Televisão era a única que alcançava os pontos
mais distantes do território nacional, e sua audiência era de mais de 70% da existente na época
(MIGUEL, 2001).
Pelo fato da Rede Globo ser instalada no Rio de Janeiro, esta acabou por fortalecer a
identidade nacional centralizada na identidade carioca criada nos anos de 1930. Ajudando assim
a expansão e consolidação das torcidas de futebol dos clubes do Rio de janeiro em estados das
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Vale lembrar que a emissora transmitia para todo o
Brasil os jogos do campeonato estadual do Rio de Janeiro e, quando transmitia os jogos dos
campeonatos nacionais, dava preferência por transmitir os jogos que envolvessem os times do
Rio de Janeiro.
É importante ressaltar que pelo investimento do regime militar, a televisão rapidamente
se espalhou por todo o país. Ter o aparelho de TV era considerado na época símbolo de
prosperidade e de ascensão social. Assistir aos jogos de futebol era o ápice do nacionalismo,
sobretudo da seleção nacional, que era aclamada pela mídia como o símbolo do Brasil prospero
e poderoso, que bem organizado venceria qualquer país. Portanto o poder de manipulação das
massas da Rede Globo de televisão era maior do que qualquer outro veículo midiático já teve
no país (Miguel, 2000).
Os governos militares interferiram diretamente na organização do futebol nacional.
Primeiro interferiram na CBD, aliados de João Havelange, presidente da entidade. Mudaram a
organização dos campeonatos de acordo com os interesses do regime. Criaram o Campeonato
Brasileiro de Futebol, em 1971, mudando a formula de disputa anterior, o Campeonato Roberto
Gomes Pedrosa e apoiaram João Havelange na sua candidatura para a presidência da Fifa. Após
Havelange sair da presidência da entidade, vencendo a eleição para a Fifa, o regime continuou
a indicar os presidentes da entidade. O Campeonato Brasileiro mudou de formula de disputa
em todos os anos do governo militar e este foi um dos motivos para o campeonato demorar a
pegar no gosto das massas, dividindo a atenção destes com os campeonatos estaduais e a
Libertadores da América (SANTOS, 2012).
Os clubes de futebol do Brasil, até a década de 1980, eram afetados indiretamente pelas
políticas dos governos federais e pelas empresas midiáticas, com os seus dirigentes não tendo
ainda uma visão política e organizacional dos seus clubes e do próprio futebol brasileiro que
não fosse apenas no campo esportivo. O caso já citado do Clube de Regatas do Flamengo é uma
exceção. Por essa exceção que o clube tem a maior torcida do país atualmente. Enquanto o resto

52
dos profissionais envolvidos na rede sócio espacial do futebol são assalariados e preparados
para exercer suas funções, os dirigentes são amadores, despreparados para os cargos que
exercem e que tem a sua ligação ao clube apenas pela paixão/afetividade (FOER, 2005).
Grandes mudanças acontecem no futebol a partir da década de 1980. O futebol se torna
um espetáculo de massas muito lucrativo através das transmissões televisivas. Passa a atrair
cada vez mais capital e interesses políticos, agora não apenas na ligação da imagem com o
clube, mas também no montante de dinheiro envolvido. Juntando-se a isso soma-se o início do
processo de redemocratização política do país que ocasiona a menor interferência do regime
militar no futebol brasileiro. Esses dois fatores afetam radicalmente o processo de distribuição
das torcidas de futebol no território brasileiro pois, desmonta toda a estrutura política dos anos
anteriores. Este acontecimento ajuda aos clubes paulistas que, a partir deste momento, passam
a disputar torcedores com os clubes do Rio de janeiro.

3.3 ABERTURA POLÍTICA E MERCANTILIZAÇÃO DO FUTEBOL: EXPANSÃO


DAS TORCIDAS DE SÃO PAULO

A partir da década de 1980, o montante de dinheiro envolvido no futebol passa a crescer


exponencialmente ano após ano. O crescimento financeiro do futebol está atrelado a sua maior
visibilidade midiática alcançada com as transmissões dos jogos pelas emissoras de televisão.
Os clubes ganham em poder de marketing, passam a angariar patrocinadores que estampam
suas marcas nos uniformes. As emissoras de televisão passam a pagar direitos de transmissão
dos jogos para os clubes e esse pagamento está atrelado diretamente a audiência que cada clube
pode proporcionar para a emissora e ao número de jogos transmitidos. Portanto se cria uma
hierarquia econômica no futebol onde os clubes mais ricos são os que tem mais poder midiático
(FAVERO, 2006)
O processo descrito acima é chamado de mercantilização do futebol e teve início na
Europa, onde os campeonatos eram mais organizados. Só após a redemocratização política do
Brasil é que o processo ganha força no território nacional, tendo como marco inicial a Copa
União de 1987. Apesar de o processo de mercantilização do futebol só ganhar força no Brasil
no final da década de 1980, os seus efeitos foram sentidos no Brasil logo no início com o
aumento do número de jogadores brasileiros que passaram a se transferir para clubes europeus

53
devido a ofertas astronômicas de salários para os jogadores e de cifras milionárias para os clubes
brasileiros liberarem seus craques. O “movimento migratório” dos jogadores brasileiros para
Europa a partir deste momento só cresceu, chegando ao número de milhares por ano. Um
movimento chamado por alguns estudiosos do futebol como de centro-periferia ou de
exportação de matéria prima (PRONI, 1998)

FIGURA 6: OS UNIFORMES ANTES E DEPOIS DA MERCANTILIZAÇÃO DO


FUTEBOL: CORINTHIANS EM 1977 (A ESQUERDA) E EM 2009 (A DIREITA)

FONTE: http://terceiro-tempo-files.s3-website-us-east-1.amazonaws.com/imagens/62/78/arq_156278.jpg

A mercantilização do futebol fez com que os maiores clubes brasileiros passassem a ter
faturamentos milionários a partir do final da década de 1980 e aumentou a diferença de poder,
principalmente financeiro, entre os grandes e os pequenos clubes devido a concentração da
maior parte da renda nos clubes de maior torcida. Clubes tradicionais como o Bangu e o
América do Rio de Janeiro, a Juventus e a Portuguesa de São Paulo perderam poder e
visibilidade, passando por imensas dificuldades para se manterem abertos atualmente
(AGOSTINO, 2011).
No Brasil, a mercantilização do futebol associada à redemocratização política do país
mudou radicalmente as relações de poder do futebol brasileiro. Os clubes paulistas passaram a
ter arrecadações tão grandes ou até maiores que os clubes cariocas devido ao maior poder
econômico do estado de São Paulo frente aos demais estados brasileiros. A grande concentração
financeira no estado de São Paulo possibilita uma transferência de renda maior para o mercado
do futebol no estado. A grande população do estado, sendo mais de duas vezes maior que a do
estado do Rio de Janeiro, possibilitou um grande crescimento das torcidas dos clubes de São
Paulo mesmo que mais concentrados espacialmente. Para completar, a redemocratização
política do país propiciou uma abertura midiática, possibilitando que emissoras de televisão de
54
São Paulo passassem a disputar com a Rede Globo o mercado midiático brasileiro. Dando maior
visibilidade aos clubes de futebol de São Paulo e fragilizando a identidade cultural nacional
centralizada na cultura carioca fomentada desde a ditadura de Getúlio Vargas em 1930
(AQUINO, 2007).
A partir da maior visibilidade midiática dos clubes do estado de São Paulo e de seu poder
financeiro equiparado ao dos clubes do estado do Rio de Janeiro pode-se visualizar uma disputa
geopolítica no espaço de representação do futebol brasileiro pela conquista espacial de
torcedores de estados com clubes de menor expressão no futebol nacional, onde os clubes do
estado do Rio de Janeiro tinham expandido suas torcidas anteriormente (PRONI, 1998).
A disputa pelo aumento do número de torcedores se torna vital para os clubes pois o poder
midiático de um clube está diretamente ligado ao seu número de torcedores. O torcedor se torna
a principal fonte de renda dos clubes pois além do poder midiático ser proveniente do número
de torcedores, a venda de produtos licenciados, a venda de ingressos e o valor pago pelos
patrocinadores estão diretamente ligados ao número de torcedores que um clube tem. O torcedor
se torna um consumidor do futebol e, principalmente, do seu clube de coração (PRONI, 1998).
Importante ressaltar que o processo de mercantilização do futebol está diretamente ligado
ao processo de globalização, que ganhou maior força na década de 1980 e que tem como
principal vetor a evolução dos sistemas de transporte e de telecomunicações que “encurtam” as
distancias e interliga os lugares que antes tinham poucos contatos entre si. Dentre muitos
trabalhos sobre globalização existentes em Geografia o que melhor propicia o entendimento do
processo de mercantilização do futebol é o livro “O mito da desterritorialização” de Rogerio
Haesbaert (2007).
Pode-se utilizar os conceitos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização
contidos no livro de Haesbaert (2007) para entendermos a difusão espacial do futebol no Brasil.
Em um primeiro momento, a expansão e predominância das torcidas dos clubes do estado do
Rio de Janeiro em território nacional seria a territorialização inicial do futebol. Uma rejeição
crescente a identidade nacional, proveniente do processo de globalização que ocasiona uma
diminuição das torcidas dos clubes do estado do Rio de Janeiro em estados com clubes de menor
expressão como um processo de desterritorialização. E uma possível reterritorialização com o
aumento do número de torcedores dos clubes paulistas nos mesmos estados em que o número
de torcedores dos clubes cariocas diminuíram (HAESBAERT, 2007).
A possibilidade descrita acima ainda não começou a acontecer em grande escala. O
espaço de representação do futebol é muito mais resistente aos processos mercadológicos

55
devido a ligação de um torcedor com o seu clube ser sentimental e não comercial. O torcedor
pode ser considerado o cliente mais fiel que se pode ter. Ele não muda de clube mesmo que este
não esteja obtendo vitórias. O processo precisa de gerações para acontecer. Lento e gradual e
obtendo resistência social, como toda mudança cultural (CAMPOS, 2008).
A primeira mudança que se pode perceber no espaço de representação do futebol
brasileiro é a concentração cada vez maior do número de torcedores em poucos clubes grandes,
na contramão do que se podia ver no início da espacialização do futebol brasileiro, ligado a
identidades locais devido as diversas “portas de entrada” da inovação futebol no Brasil. Há uma
tendência à concentração de torcedores em clubes de maior visibilidade midiática, clubes estes
que já tem muitos torcedores e por isso tem muita visibilidade midiática. Pode-se perceber um
ciclo de concentração de torcedores que tende a criar uma dicotomia de disputa de poder entre
os clubes do estado do Rio de Janeiro e os clubes do Estado de São Paulo (PRONI, 1998).
A disputa por torcedores entre os clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo está
intimamente ligado ao poder de identificação que os clubes e os seus estados de origem
conseguem exercer em pessoas dos outros estados. Está identificação está ligada ao poder
midiático de cada estado e também aos fluxos de pessoas e mercadorias que os lugares
conseguem atrair para o seu espaço. Quanto mais desenvolvido economicamente é um lugar,
maior será a sua área de influência e mais conexões com outros lugares terá. Um grande estudo
do IBGE (2007) (Instituto brasileiro de geografia e Estatística) chamado de regiões de
influência das cidades demonstra o tamanho da área de influência das principais cidades
brasileiras traçando um verdadeiro mapa da hierarquia urbana de todo o território nacional
(IBGE, 2007).
No estudo do IBGE fica claro o grande poder de influência que São Paulo pode exercer
no território nacional a partir de suas conexões sobre o fluxo de pessoas e mercadorias. Uma
área que abrange todos os estados que fazem fronteira com o estado de São Paulo, menos o Rio
de Janeiro e mais alguns estados com importantes conexões mercadológicas com o estado de
São Paulo como Santa Catarina e Mato Grosso fazem parte de sua área de influência. Em
comparação, o Rio de Janeiro tem suas conexões com “apenas” algumas cidades de Minas
Gerais e o estado do Espirito Santo (IBGE, 2007).
Importante ressaltar que os fluxos de pessoas e mercadorias aumentam a interação social
entre a população dos lugares tanto que influenciam quanto dos que são influenciados. Na
verdade, há uma influência mútua entre os lugares, que pende mais para a região mais
desenvolvida (HAESBAERT, 2007).

56
Emblemático é o caso de Goiânia, estudado por João Marcos Gonçalves e Alexsander
Batista e Silva (2011) no artigo “O futebol na Geografia: a difusão socioespacial do futebol em
Goiânia. Os autores demonstram no trabalho que a difusão espacial do futebol na cidade tem
ligação direta com os fluxos migratórios de trabalhadores de outros estados para a construção
da cidade planejada de Goiânia. Dentre esses fluxos se destacaram os da população paulista, a
dos cariocas e dos gaúchos (SILVA, 2011).
As três ondas migratórias são responsáveis pela fundação dos três clubes mais populares
da cidade: o Clube Atlético Goianiense, ligado a onda migratória carioca e tendo as cores
vermelho e preto, baseadas no Clube de Regatas do Flamengo do Rio de Janeiro; O Goiás
Esporte Clube, ligado a onda migratória paulista e que teve as cores verde e branco escolhidas
baseado nas cores da Sociedade Esportiva Palmeiras de São Paulo; e o Vila Nova Futebol Clube
ligado a onda migratória gaúcha e que teve as cores vermelho e branco escolhidas baseado no
Sport Club Internacional de Porto Alegre (SILVA, 2011).

FIGURA 7: REGIÕES DE INFLUÊNCIA DAS CIDADES BRASILEIRAS 2007

FONTE: IBGE (2007)


57
A interação social entre pessoas ocorre também devido ao fluxo de mercadorias. No
Brasil a maior parte das mercadorias são transportadas via transporte rodoviário e há um grande
fluxo de mercadorias entre a região central do país e os grandes portos exportadores do litoral,
notadamente o Porto de Santos, em São Paulo. O maior porto da América Latina é responsável
por mais da metade das exportações das áreas agroexportadores do Centro-Oeste brasileiro.
Soma-se a esse quadro, o fornecimento de produtos primários provenientes da região Centro-
Oeste para as áreas industriais de São Paulo. Forma-se um quadro de grande interação social e,
consequentemente, de trocas culturais entre as duas regiões que auxiliam na penetração de
inovações culturais paulistas na região Centro-Oeste (IBGE, 2007).
É necessário salientar que a desterritorialização não é um fenômeno que acontece sem
resistência. As forças geopolíticas responsáveis pela territorialização das torcidas dos grandes
clubes do estado do Rio de Janeiro continuam fortes e com um “status quo” bem definido que
auxilia na fomentação da territorialização existente. As empresas que transmitem os jogos de
futebol no Brasil escolhem os jogos a serem transmitidos para cada região a partir do tamanho
das torcidas já existentes. Assim, a maior parte dos jogos transmitidos para as áreas com
predominância de torcidas dos clubes do Rio de Janeiro são os jogos dos mesmos (SANTOS,
2012).

FIGURA 8: TRANSMISSÃO DOS CAMPEONATOS ESTADUAIS 2014

FONTE: globoesporte.globo.com (2014)


58
A Rede Globo mesmo perdendo o seu “monopólio” midiático a nível nacional, ainda é
um grande ator geopolítico no Brasil e conta com a maior parte da audiência televisiva do país.
Continuando assim a fomentar a identificação do resto da população com os símbolos culturais
cariocas e, consequentemente, com os clubes do Rio de Janeiro. No que concerne as
transmissões de jogos de futebol a Rede Globo mantém o seu monopólio midiático na chamada
“TV aberta” e cobra por fora para torcedores verem jogos dos seus clubes fora dos seus estados
de origem. Como a maior parte não pode pagar, acabam vendo os jogos transmitidos na TV
aberta (SANTOS, 2012).
Para entender melhor a ação das forças políticas do futebol o século XXI recorre-se aos
conceitos advindos do livro “Novas Geopolíticas” de José Willian Vesentini (2000) onde o
autor recorre a novos conceitos do ramo de estudo para explicar o mundo do século XXI. O
principal conceito que nos auxilia a explicar as disputas geopolíticas por torcedores entre os
clubes do Rio de Janeiro e São Paulo é o conceito de Geoeconomia de Edward Luttwak
(VESENTINI, 2000).
Pode-se utilizar o conceito de Geoeconomia para explicar as estratégias traçadas pelos
principais atores geopolíticos do futebol brasileiro como os clubes do Rio de Janeiro e de São
Paulo, as instituições futebolísticas e as empresas transnacionais envolvidas no mercado do
futebol, como a Rede Globo. Como o espaço de representação do futebol tem como principal
fomentador da paixão do torcedor o clube, os outros atores geopolíticos do futebol se aliam aos
clubes ou utilizam-se da paixão e do tamanho de suas torcidas para traçar suas estratégias
voltadas para ganhar mercado (VESENTINI, 2000).
O crescimento da força Geopolítica dos clubes de São Paulo e o seu consequente embate
por torcedores com os clubes do Rio de Janeiro se tornou matéria de debate nos últimos anos
no espaço de representação do futebol, principalmente pelos chamados especialistas em futebol
contratados por empresas de mídia. Como resultado deste embate surgiram diversas pesquisas
sobre tamanho de torcidas no Brasil e sua consequente distribuição no território nacional. A
partir da pesquisa sobre tamanho de torcidas das consultorias PLURI STOCHOS (2013), o site
“ Sinopse do futebol” elaborou o mapa da distribuição das torcidas de futebol no Brasil a partir
do predomínio de torcedores dos clubes de cada estado.
O mapa demonstra o atual estágio das disputas territoriais e mercadológicas no futebol
brasileiro por torcedores e, consequentemente, consumidores. O mapa foi elaborado a partir do
predomínio (maioria quantitativa) de torcedores de clubes de um estado sobre o espaço.
Portanto soma-se o número de torcedores dos grandes clubes do Rio de Janeiro, dos torcedores

59
dos grandes clubes de São Paulo, dos torcedores dos grandes clubes de Minas Gerais e dos
torcedores dos grandes clubes do Rio Grande do Sul para se fazer uma comparação e o estado
que tiver o maior número de torcedores em um determinado território é considerado como o
dominante e marcado com sua respectiva cor.
É importante salientar que o domínio no mapa de um estado sobre um território não
significa que os outros estados não tenham torcedores no espaço correspondente. Apenas
estabelece um domínio quanto a maioria de torcedores, podendo este número variar de território
para território. Por último, é importante ressaltar, que o mapa foi estabelecido levando em
consideração apenas os torcedores dos grandes clubes de futebol dos quatro estados listados,
deixando de lado todo o resto.

FIGURA 9: MAPA DA DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DAS TORCIDAS DE


FUTEBOL NO BRASIL

FONTE: Site sinopse do futebol, disponível em: http://sinopsedofutebol.blogspot.com.br/2011/10/distribuicao-


das-torcidas-pelo-brasil.html

No mapa é evidente a expansão espacial das torcidas de futebol dos grandes clubes de
São Paulo para além do seu estado de origem. Uma expansão que começa para as regiões de
maior contato social e mercadológico com o estado de São Paulo, mas que pode se expandir
60
ainda mais a partir do ganho de poder com o aumento da visibilidade e do aumento do número
de torcedores que se traduz em poder econômico.
Mesmo com a expansão das torcidas dos grandes clubes paulistas, os grandes clubes do
Rio de Janeiro continuam com uma área de expansão das suas torcidas muito grande e podem
se organizar politicamente para promover estratégias de resistência a expansão das torcidas dos
grandes clubes de São Paulo.
É importante ressaltar que a distribuição das torcidas de futebol no Brasil até o momento
é resultado da interação social e da articulação de forças políticas externas aos clubes. Ainda
não se tem conhecimento de estratégias políticas traçadas pelos clubes de futebol para expandir
suas torcidas além dos territórios dos seus estados. Os clubes brasileiros têm gestores ainda mal
preparados e ligados aos clubes de forma amadora (SANTOS, 2002).
Um conceito geopolítico que poderia ser utilizado pelos clubes paulistas ou cariocas na
formulação de suas estratégias para expansão de suas torcidas é o conceito de
competição/cooperação de Lester Thurow apud VESENTINI (2000) para se aliar aos clubes do
mesmo estado e traçar estratégias para a expansão das torcidas de forma conjunta, ganhando
assim, mercados se tornando cada vez mais fortes no cenário nacional e enfraquecendo os
adversários de outros estados (VESENTINI, 2000).

61
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise do material pesquisado conclui-se que a distribuição das torcidas de futebol
no Brasil é resultado de um processo histórico de difusão da inovação futebol pelo território
brasileiro. O processo de difusão da inovação futebol pelo território brasileiro foi impulsionado
pela crescente evolução da mídia de massa no país. A mídia de massa teve uma expansão pelo
território nacional planejada pelas diversas forças políticas atuantes no país nos diversos
momentos históricos.
Devido a interesses políticos, o começo da expansão da mídia pelo território nacional
ficou concentrada na mídia da cidade do Rio de Janeiro que, até a década de 1960, era a capital
nacional. A expansão da mídia carioca pelo país resultou na construção de uma cultura nacional
centrada em símbolos cariocas e, dentre esses símbolos o futebol, o que propiciou a expansão
das torcidas de futebol dos grandes clubes do Rio de Janeiro para outros estados.
A partir da década de 1980 acontecem mudanças de ordem política, econômica e
tecnológica no Brasil que interferem no status quo estabelecido no futebol brasileiro. O Rio de
Janeiro, que já não é mais a capital nacional, passa a perder poder de influência cultural com a
redemocratização política do país e com a expansão das mídias de outros estados do país.
Principalmente do estado de São Paulo, estado mais rico do país, que desenvolve e expande sua
influência cultural para além de suas fronteiras.
A expansão cultural do estado de São Paulo conjuntamente a perca de influência cultural
do estado do Rio de Janeiro estabelece uma verdadeira disputa Geopolítica no espaço de
representação do futebol por torcedores. Os grandes clubes do Rio de Janeiro e os grandes
clubes de São Paulo passam a disputar torcedores por todo o território nacional.
Porém, a que se ressaltar que essa disputa por torcedores se dá muito mais no aspecto
simbólico do que por um planejamento dos clubes de futebol para a expansão de suas torcidas.
Os clubes de futebol brasileiros ainda são, em sua maioria mal administrados e mal planejados.
Ainda mantém dirigentes com pensamentos retrógrados e ultrapassados que se concentram no
planejamento dos clubes no campo esportivo deixando de lado o planejamento das instituições
a longo prazo. Portanto não há planejamentos geopolíticos dos clubes de São Paulo e do Rio de
Janeiro para a expansão territorial das torcidas de futebol.
Devido ao processo de mercantilização do futebol as torcidas dos clubes de futebol se
tornaram ainda mais importantes para as vitórias esportivas dos clubes. O torcedor virou
consumidor do seu clube. É devido aos torcedores que os faturamentos dos grandes clubes se

62
tornaram milionários pois compram produtos licenciados, se tornam sócios, pagam para assistir
aos jogos nos estádios e pela televisão, se tornando assim a principal fonte de renda dos clubes.
Portanto o clube que conseguir conquistar mais torcedores provavelmente terá uma arrecadação
maior do que os seus adversários, tendo maior poder de investimentos, podendo contratar
jogadores cada vez melhores para montar seu time, tendo assim, mais chance de vitórias e de
títulos.
Como na pesquisa feita para este trabalho não foi encontrada nenhuma evidencia de
planejamento para a expansão territorial de torcedores pelos clubes de São Paulo e do Rio de
Janeiro, pode-se dizer que o clube que for o pioneiro terá grandes chances de crescimento no
espaço de representação do futebol brasileiro.

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ANEXOS

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