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Transversalidade da língua
portuguesa: representações,
instrumentos e práticas
18 de Abril de 2008
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Ficha Técnica
Título: Actas do Seminário Transversalidade da língua portuguesa: representações,
instrumentos e práticas
Organização: Cristina Manuela Sá e Maria da Esperança Martins
Abril de 2008
Laboratório de Investigação em Educação em Português (LEIP)
Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores
(CIDTFF)
Universidade de Aveiro (UA)
Nº de exemplares: 80
Site: http://www.dte.ua.pt/PageText.aspx?id=7361
Depósito Legal: 274712/08
ISBN: 978-972-789-264-8
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▪ Índice
▪ Introdução.........................................................................................................................5
▪ Conferência de Abertura................................................................................................7
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Desenvolvimento de estratégias de leitura funcional através do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa no 3º Ciclo do Ensino Básico .............169
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▪ Introdução
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- de práticas conducentes à operacionalização da transversalidade da língua
portuguesa e promotoras do desenvolvimento de competências em compreensão na
leitura e em produção escrita.
Cristina Manuela Sá
Maria da Esperança Martins
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▪ Conferência de abertura
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A leitura na Escola. A Escola em leitura.
Resumo
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Todavia, este facto, parece não traduzir a realidade e, frequentemente, pode
não estar consciencializado ou até assumido por um grande número de professores,
nas diversas áreas disciplinares.
Graça Castanho, num estudo de 1997, refere que o princípio da
transversalidade da língua portuguesa, no domínio da leitura, está aquém do que
seria de esperar de uma Escola que deveria apostar no aprofundamento da
capacidade de ler dos alunos e na promoção do gosto pela leitura (citada por
Dionísio, 2000). A autora vai ainda mais longe, quando conclui que os dados que
apresenta parecem configurar que a quantidade de leitura realizada, nas diferentes
disciplinas, não é suficientemente reconhecida como prática conducente “à
promoção e consolidação das técnicas de leitura” (citada por Dionísio, 2000).
Corroborando esta ideia, Amor, já citada, entende que as práticas de leitura na
Escola, em cenários diferentes dos da aula de Português, devem estender-se para
além da leitura funcional e que aquelas “são possíveis e desejáveis” (Amor, 1993:
105).
Embora concordando, obviamente, com Emília Amor e desejando que se
valorize o valor formativo da leitura, em todas as áreas do conhecimento, estamos
em crer que este processo tem vindo a encontrar alguns obstáculos.
Se bem que entendida como capital simbólico no desenvolvimento da pessoa
humana, o significado da palavra leitura expande-se de dia para dia. As novas
tecnologias de informação fornecem-lhe novos atributos e outros sentidos.
A evolução da sociedade, a um ritmo vertiginoso, traz-nos novos hábitos de
leitura, novos leitores, novas vias de trabalho e de estudo e, concomitantemente,
novos materiais. Vive-se, segundo alguns estudiosos, “uma revolução leitora”.
Efectivamente, a leitura como comportamento sofreu profundas alterações.
Alteraram-se os formatos, diversificaram-se os textos, os livros grandes e pesados,
outrora lidos em espaços para o efeito, deram lugar à leitura em todos os lugares do
nosso quotidiano. Daqui a muitos anos, estas novas tecnologias da palavra, como
refere Chartier (1994), referindo-se aos computadores, causarão, certamente, o
mesmo assombro vislumbrado naquele Paris de século XVIII.
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balneares. Nas lojas lêem as mulheres, as crianças, os
moços e os aprendizes. Aos domingos lêem as pessoas em
frente das suas casas. Os lacaios lêem em seus assentos,
os cocheiros nas caleches, os soldados que fazem guarda
nas suas casernas” (reprodução de Wittman, cit por
Chartier, 1994).
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“Ai que prazer
Não cumprir um dever
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada
Estudar é nada
O sol doira sem literatura.”
(In Liberdade. Obra poética.
Rio de Janeiro, Nova Aguilar)
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subversiva que só dela alguns poderão usufruir, já que vai muito para além da
visualização ou da consulta de bases de dados?
Esta cultura da substituição, de que falava Duguid (1998), não pode fazer parte
da escola que todos nós queremos. Sem a outra informação, fica comprometido o
acesso aos mecanismos mais específicos, programas e processos organizativos –
veiculadores da Ciência e da Cultura – e, com ele, a conquista do Hommo Cultus,
que é, indiscutivelmente, o mais nobre à escala dos valores universais: a Cultura
(Baptista, 2003: 133).
É evidente que também sabemos que esta dimensão informativa assume, na
sociedade actual, um carácter de progresso e que a leitura instrumental é
fundamental, faz parte do quotidiano de todos nós, do nosso estilo de vida, desde o
uso do telemóvel à compra de uma revista de moda, que nos habituamos a ver e a
ter ao nosso alcance.
Contudo, estes modelos sociais, esta mudança na nossa cultura podem originar
um crescente fenómeno de iliteracia, com estudantes afectados, porque presos,
como refere Baptista, “a uma subdesenvolvida enciclopédia”, a uma inconsistente e
atípica biblioteca, a um raquítico e inexpressivo dicionário, a uma caógena porque
desarticulada gramática, e a uma cada vez mais estreita, se não mesmo distorcida,
“visão do mundo.”
Não pretendemos ser, de forma alguma, “Velhos do Restelo” e será nesta
perspectiva que se torna fundamental reflectir sobre a mudança que se espera e que
todos nós queremos na Escola.
Os sucessivos PISA têm revelado percentagens desoladoras. Algo corre mal no
nosso sistema educativo e, mesmo conhecendo as estatísticas dos PISA, estas nem
tudo mostram de forma clara, pois sabemos que existem problemas latentes e
camuflados.
A Escola tem, obrigatoriamente, de se adaptar, de forma equilibrada, às
mudanças que o novo século exige:
1. A leitura deixou de ser um processo linear. O hipertexto permite maravilhas…
2. A leitura tornou-se numa actividade multisensorial.
3. É interactiva, reflexiva, apelativa.
4. O texto escrito, completamente alterado, possibilita interacção através de
chats, de emails…
5. Aparecem novas formas de escrita.
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Enfim, é o deslumbramento total por uma realidade nova e em constante
mutação.
Estes novos paradigmas contêm em si inúmeras questões: - Será que a própria
literatura resistirá a tal impacto?
Indiscutivelmente, vem nascendo um novo leitor, que exige e se socorre de
novos modelos de leitura.
Mas, será que é este novo leitor que a escola pretende?
Numa aula de Didáctica do Português, ao tentarmos encontrar resposta para a
questão “Quem é o leitor?”, alguém respondeu: “É esse tipo de gente que se mete
em livrarias e bibliotecas ainda que chova a cântaros”.
Parece-nos uma frase um pouco “dejá vu”, dita num filme de Woody Allen.
Todavia, não deixa de tratar o leitor, o tal leitor do livro, do conhecimento e não da
informação, que faz parte de um passado deveras longínquo.
Em nossa opinião, e a propósito deste conceito de leitor, a Escola deve
conhecer toda a nossa realidade histórico-social, porque não se nos afigura nada
fácil formar leitores ou conquistar leitores.
Quando dizemos que estamos à conquista do leitor, estamos a falar de algo
que não existe. Aquele que era leitor, e esses são poucos, continua sendo. Não há
leitores, porque a maioria da população nunca leu. As novas tecnologias vieram
alterar as relações sociais e não os hábitos de leitura.
Assim, é fundamental e urgente parar, para se poder reflectir. Urge investir na
formação inicial de professores.
Se iniciarmos com os nossos estagiários um diálogo aberto e frontal, veremos
que revelam um desconhecimento, quase absoluto, das noções básicas de literatura
e, acerca dos clássicos, pouco ou nada sabem. Para se ser leitor e para se ensinar a
ler, é fundamental conhecer os elementos que condicionam e favorecem a produção
de textos, para poder interagir e aceder-se-lhes de forma profícua.
Como diz Calvino (citado por Batista, 2003:133): “toda a leitura de um clássico
é uma releitura; os clássicos são livros que quanto mais lermos, tanto mais novos,
inéditos e inesperados resultam!”
Ler os clássicos é conhecer a nossa identidade formada por uma narrativa que
Pinto (2002) afirma só ser possível construir-se através da leitura. Sem esta, a nossa
identidade ficará sempre imperfeita.
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Lendo, aprendemos a nossa língua com profundidade. É através da língua
como um elemento de identidade que o aluno tem conhecimento de si próprio e dos
outros falantes, nomeadamente dos colegas que falam outras línguas. “Quem é
limitado linguisticamente muito dificilmente tem a consciência de que é limitado em
todos os sentidos”, diz-nos Fernando Paulo Baptista (2003), que, a propósito,
relembra o célebre aforismo enunciado por Wittgenstein: “os limites da linguagem
significam os limites do mundo; os limites da minha linguagem significam os limites
do meu mundo.”
A língua, e neste caso a Língua Materna, desempenha, indiscutivelmente, um
papel transdisciplinar. É através dela que se estudam outras disciplinas, pois contém
um saber comum a todas elas, e é por via desta transdisciplinaridade que se pode
chegar a uma pluridisciplinaridade. Esta vem implicar o encontro de investigadores
de disciplinas comuns à volta de um tema comum, cuja abordagem encerra uma
metodologia específica de cada disciplina.
As novas orientações curriculares para o Ensino Básico reconhecem à Língua
Materna um papel fundamental na definição do sujeito como pessoa, que interage
com os outros, descobrindo, compreendendo e reinventando o mundo (Azevedo,
2006:47). Considerada como mediadora, é através da Língua Materna que temos
acesso ao conhecimento, à criação, à fruição da cultura. Sem o domínio daquela,
não existe participação activa na praxis social.
Assim sendo, a acção educativa é perspectivada como um processo de
transformação global, de matriz antropológica, cultural e axiológica, de modo a poder
proporcionar a plena humanização das crianças e dos jovens.
Através da Língua Materna, pretende-se o desenvolvimento das competências
literácitas, mas também, repito, que o cultivo, desde o início da escolaridade, das
dimensões cultural, lúdica e estética deve tornar-se uma prioridade.
A educação literária, no 1º Ciclo, não se tem privilegiada.
Refere Azevedo (2006: 6) que esta tem sido
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Não há, pois, razão para que os alunos não comecem, precocemente, a
interagir com obras de leitura integral, no sentido de poderem desenvolver a sua
competência literária. É esta que proporciona à criança, cuja competência
enciclopédica está ainda em fase incipiente de formação, um explodir das suas
expectativas, da sua capacidade de diálogo com outros mundos diferentes do seu.
Mas, neste novo século, apesar de toda a revolução tecnológica que nos
envolve, exige-se que o professor seja um Homem Culto, com uma personalidade
onde a dimensão da teoria, da práxis e da crítica coabitem em dinâmica e constante
interacção. Exige-se que, nos primeiros anos de ensino, não seja, como diz Pinto
(2002: 110), um mero alfabetizador,
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- o poder crítico, que fundamenta, justifica e confirma os produtos do poder
teórico sobre a língua, estabelecendo critérios e padrões de gramaticalidade, de
aceitabilidade, clarificando pressupostos, em suma, problematizando o poder teórico
sobre a língua.
Encerro esta conferência, com alguns conselhos extraídos de Cristina Manuela
Sá (2004: 19), no respeitante às práticas de promoção leitora na Escola:
- ler textos variados (evidentemente os literários também);
- ler alto para os outros;
- ler textos produzidos por si próprios;
- criar na sala de aula universos de leitura.
Que deste universo de partilha como o de hoje saiamos com a convicção de
que, se o bom leitor confere sentido ao texto e o texto por si confere sentido ao
mundo, as aulas de Língua Materna sejam sentidas de vários sentidos em cenários
com sentido.
Bibliografia:
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Pinto, M. G. (2002). Da literaria ou de uma narrativa sempre imperfeita de outra identidade
pessoal. Revista Portuguesa de Educação, Vol. XV, nº 11, 95-123.
Sá, C. M. (2004). Leitura e compreensão escrita no 1º Ciclo do Ensino Básico: algumas
sugestões didácticas. Aveiro: Universidade de Aveiro.
Terceiro, J. B. (1996). Sociedad digit@l. Del homo sapiens al homo digitalis. Madrid: Alianza.
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▪ A transversalidade da língua portuguesa: representações
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A transversalidade da língua portuguesa: representações de professores e
futuros professores do 1º Ciclo do Ensino Básico
Resumo
Na actual conjuntura do sistema educativo português, manifesta-se uma grande
preocupação, centrada na promoção da transversalidade da língua portuguesa,
nomeadamente associada à compreensão na leitura. Estudos realizados, a nível nacional e
internacional, visando a determinação do nível de literacia da população portuguesa,
demonstram nomeadamente que os nossos alunos do Ensino Básico têm algumas falhas
graves ao nível da compreensão na leitura.
É, por isso, imprescindível criar as condições necessárias para que estes possam vir a
usufruir do prazer de ler e, simultaneamente, adquiram e desenvolvam as competências
necessárias para compreenderem o que lêem. É indispensável também proceder a
alterações na formação de professores (inicial e contínua), de modo a prepará-los para a
operacionalização da transversalidade da língua portuguesa associada à compreensão na
leitura.
Estas razões motivaram-nos a realizar um estudo através do qual pretendíamos
recolher e comparar entre si as representações de futuros professores e de professores em
exercício do 1º Ciclo do Ensino Básico relativas à natureza da transversalidade da língua
portuguesa e à sua operacionalização associada ao desenvolvimento de competências em
compreensão na leitura.
Concluímos que: i) os inquiridos estavam conscientes da importância do trabalho
transversal da língua portuguesa associado ao desenvolvimento de competências em
compreensão na leitura para o alcance do sucesso escolar em todas as áreas curriculares
(disciplinares e não disciplinares) e para a formação de cidadãos mais críticos e
interventivos; ii) as maiores dificuldades se relacionavam com a concepção de formas de
operacionalizar a transversalidade.
Consideramos que algumas destas lacunas podem ser colmatadas através da
adopção de uma postura crítica e investigativa por parte de professores e futuros
professores do 1º Ciclo do Ensino Básico.
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1. Introdução
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O destaque que a área curricular disciplinar de Língua Portuguesa adquire
nesta reorganização curricular está profundamente ligado à ideia de que o insucesso
nesta área condiciona o sucesso escolar nas restantes áreas curriculares
(disciplinares e não disciplinares) e também à convicção de que o mau desempenho
nesta área impedirá o exercício de uma cidadania plena – ou seja, crítica e
interventiva –, levando à exclusão social.
Nesta área, merece particular destaque o desenvolvimento de competências
em compreensão na leitura.
A Escola moderna está a braços com problemas neste domínio. Os alunos não
estão motivados para a leitura e, de acordo com as conclusões de estudos nacionais
e internacionais centrados na problemática da literacia (Benavente et al., 1996;
PISA, 2001), concluem o Ensino Básico sem terem adquirido hábitos de leitura e
sem uma proficiência neste domínio que lhes permitam fazer face às necessidades
da vida activa na sociedade actual.
Cabe à escola – e, dentro desta, aos professores –, bem como a elementos da
comunidade em que ela se integra – nomeadamente, os encarregados de educação
– inverterem estas tendências negativas, promovendo a leitura, de forma a que não
se percam mais leitores durante a frequência do Ensino Básico. E esse esforço deve
ter início logo no 1º Ciclo.
É ainda necessário proceder a reformulações na formação de professores,
inicial e contínua, que lhes permitam fazer esta abordagem do ensino/aprendizagem
da língua portuguesa.
Como é evidente, conhecer as representações de professores em exercício e
futuros professores do 1º Ciclo relativamente a estas questões é indispensável, para
poder proporcionar-lhes uma formação inovadora neste domínio.
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das minorias linguísticas que vivem no país. Por isso, o domínio da língua
portuguesa é decisivo no desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento,
no relacionamento social, no sucesso escolar e profissional e no exercício pleno da
cidadania.” (Decreto-Lei 6/2001).
A área de Língua Portuguesa assume especial importância neste contexto, pois
é a principal responsável pelo ensino/aprendizagem do Português e, por
conseguinte, conduz ao desenvolvimento de competências comunicativas
fundamentais para o sucesso em todas as outras áreas curriculares, disciplinares e
não disciplinares.
Daí a necessidade de contemplar a transversalidade da língua portuguesa em
todas as áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares).
Surgem assim duas vertentes:
- uma primeira, que sublinha o contributo da área curricular disciplinar de
Língua Portuguesa para o desenvolvimento de competências essenciais ao sucesso
nas restantes áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares);
- uma outra que enfatiza o contributo das restantes áreas curriculares
(disciplinares e não disciplinares) para o desenvolvimento de competências
relacionadas com um adequado domínio da língua portuguesa.
Já em 1997, Sim-Sim, Duarte e Ferraz nos alertavam para esta realidade,
quando referiam que “vários estudos têm demonstrado um elevado nível de
correlação entre o desempenho atingido nas competências de leitura e de expressão
escrita em Língua Materna e o sucesso noutras disciplinas curriculares;
inversamente, tem sido igualmente demonstrado que, quanto maior atenção for dada
nestas à leitura e à escrita, tanto melhores serão os resultados obtidos pelos alunos
na disciplina de Língua Materna.” (Sim-Sim, Duarte e Ferraz, 1997:40).
Estes argumentos justificam o papel central atribuído à área de Língua
Portuguesa nesta reorganização curricular, que afecta o Ensino Básico e também o
Secundário.
Em suma, a Gestão Flexível do Currículo fomenta o trabalho transversal da
língua portuguesa.
A grande missão confiada aos professores passa por ajudar o aluno a
encontrar-se com a leitura, com o texto. Como nos diz Inês Sim-Sim (2006: 8), é
desta relação “que nasce o sabor da leitura [...] Um amante da palavra escrita é um
recuperador de memórias partilhadas que se enriquecem a cada nova leitura.”
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Sá (2003: 58) considera que “(....) a compreensão na leitura é, obviamente,
uma competência transversal, que desempenha um papel primordial na
aprendizagem de outras disciplinas do currículo dos alunos e na vida extra-escolar.
Ler e compreender textos são operações importantes no dia a dia do cidadão
perfeitamente integrado na sociedade.”
Com estas grandes ideias em mente, partimos para o estudo apresentado de
seguida.
3. O estudo empírico
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3.2. Breve referência à metodologia utilizada neste estudo
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Começámos por elaborar uma introdução clara e breve, para incentivar o
respondente a preencher o questionário.
Cada um dos questionários foi estruturado em três partes, cada uma delas
compreendendo um conjunto de perguntas subordinadas a uma mesma temática. A
primeira parte dizia respeito à caracterização dos respondentes, a segunda referia-
se à natureza da transversalidade da língua portuguesa e a terceira dizia respeito a
formas de operacionalizar a transversalidade da língua portuguesa associada à
compreensão na leitura.
Esta pareceu-nos a forma mais adequada de recolher dados, tendo em conta
os objectivos formulados para este estudo.
4. Conclusões do estudo
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- o facto de considerarem que o ensino da leitura é fulcral para o
desenvolvimento do cidadão, nomeadamente devido à importância que esta tem
para o usufruto de uma plena cidadania;
- ainda o facto de considerarem que a Língua Portuguesa é impulsionadora de
todas as outras áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares); ficou bem
patente que estes inquiridos consideravam que um bom desempenho na área
curricular disciplinar de Língua Portuguesa influi positivamente no bom rendimento
que os alunos possam obter nas restantes áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares).
Por seu lado, os professores em exercício foram de encontro às opiniões dos
futuros professores, ao considerarem que a língua portuguesa contribui para o
desenvolvimento de todas as outras áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares). De facto, defenderam que o trabalho na área de Língua Portuguesa
permite desenvolver competências de comunicação essenciais para o progresso nas
restantes áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares).
Os futuros professores atribuíram grande importância às áreas curriculares não
disciplinares (Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica).
Consideraram-nas como muito importantes na resolução de alguns problemas
associados às restantes áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares).
Segundo estes inquiridos, estas permitem que os alunos aprendam a estudar, que
desenvolvam a autonomia na sua própria aprendizagem, que aprendam a resumir e
a tirar apontamentos, além de poderem expressar os seus pontos de vista através
da participação em debates.
Relativamente às áreas com mais afinidades com a Língua Portuguesa,
verificámos que os professores em exercício inquiridos se dividiram.
Os afectos ao sim consideraram que as áreas com mais afinidades com a
Língua Portuguesa seriam o Estudo do Meio e a Matemática. Mais uma vez,
acabámos por constatar o domínio das áreas curriculares disciplinares de Estudo do
Meio, Matemática e Língua Portuguesa. Não é demais relembrar que o próprio
Ministério da Educação dá mais importância a estas áreas, nomeadamente através
da promoção de formações adicionais em Matemática e em Ciências, e, mais
recentemente, também, em Língua Portuguesa. Esta última área é ainda
contemplada através do Plano Nacional de Leitura.
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Verificamos também, por parte dos professores em exercício, o total
esquecimento das áreas curriculares não disciplinares, fundamentais para a
promoção da transversalidade da língua portuguesa, para a ajuda mais próxima na
resolução das dificuldades dos alunos e na sua formação como futuros cidadãos.
Os afectos ao não consideraram que todas as áreas se interligam, de forma a
contribuírem para a formação do aluno e para o alcance do sucesso escolar do
mesmo.
Ficou ainda patente, a partir da análise das respostas destes inquiridos, que, na
sua opinião, todas as outras áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares)
contribuem para o desenvolvimento da área de Língua Portuguesa, sendo
importante que o trabalho feito nesta área se estenda pelas restantes.
Ao nível das competências transversais definidas pelo Ministério da Educação,
verificamos que existe uma lacuna relativa ao conhecimento e operacionalização
das mesmas, por parte dos futuros professores, principalmente no que se refere à
competência transversal designada por Estratégias cognitivas. Houve inquiridos que
não responderam à questão que dizia respeito a esta competência transversal e as
respostas de outros foram anuladas.
Curiosamente, verificou-se o mesmo relativamente às respostas dos
professores em exercício.
Consideramos que os documentos publicados pelo Ministério da Educação
deveriam ser divulgados de uma forma mais eficaz, para todos terem acesso a eles.
Também seria importante que os professores e futuros professores
manifestassem maior interesse pelos documentos oficiais que deverão reger as suas
práticas, de forma a evoluírem, profissional e pessoalmente, no sentido de
conseguirmos uma escola melhor para todos.
Relativamente às restantes competências transversais, verificámos também
algumas lacunas que passamos a enumerar.
No que se refere à competência transversal Métodos de trabalho e de estudo,
verificámos que predominavam as situações de aprendizagem relacionadas com a
participação em actividades e aprendizagens, individuais e colectivas, de acordo
com regras estabelecidas. A lacuna detectada relaciona-se com o facto de ser difícil
participar em actividades sem se identificar, seleccionar e aplicar os métodos de
trabalho adequados.
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Na que diz respeito à segunda competência transversal, designada por
Tratamento da informação, verificámos também uma falha na articulação entre as
várias situações de aprendizagem. Os inquiridos valorizaram claramente a pesquisa
de informação em detrimento da organização, tratamento e produção da mesma.
Ao nível da Comunicação, os futuros professores privilegiaram nitidamente a
comunicação verbal em detrimento da não verbal.
Relativamente à última competência transversal – Relacionamento interpessoal
e de grupo –, assistimos a mais uma lacuna: era privilegiada a actuação de acordo
com as regras, menosprezando-se o conhecimento das mesmas.
Estas lacunas revelam o pouco conhecimento que os inquiridos tinham destas
competências. Este desconhecimento é, de certa forma, prejudicial ao
desenvolvimento de competências que favoreçam um adequado domínio da língua
portuguesa, pois este pressupõe uma boa articulação entre competências essenciais
e transversais.
Ainda no que se refere às competências transversais formuladas pelo Ministério
da Educação para o Ensino Básico, verificámos que os professores em exercício
inquiridos defenderam a importância de todas elas, considerando que estão
interligadas e são essenciais para a formação geral do indivíduo. Salientamos o
facto de estes docentes terem referido um aspecto muito relevante, que se prende
com a importância destas competências, não só no contexto escolar como no extra-
-escolar. Estas competências têm como função preparar o aluno para a vida futura,
como cidadão interventivo e crítico.
No entanto, só sugeriram actividades que contemplavam principalmente as
duas primeiras situações de aprendizagem previstas para cada uma delas, o que
revela dificuldades na sua operacionalização, apesar da sua experiência
pedagógica.
4.2. Relativas às representações sobre a operacionalização da
transversalidade da língua portuguesa associada à compreensão na leitura
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Os professores em exercício por nós inquiridos consideraram que as
dificuldades em compreensão na leitura manifestadas pelos alunos condicionavam o
seu sucesso escolar e conduziam à desmotivação face às aprendizagens.
Ao nível das estratégias subjacentes às actividades a realizar na área de
Língua Portuguesa para o desenvolvimento de competências em compreensão na
leitura, verificámos que os futuros professores privilegiavam aquelas que promoviam
a motivação para a leitura, em detrimento das que estavam mais centradas no
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
Estes dados surpreenderam-nos, dado que é justamente na área de Língua
Portuguesa que estas competências em compreensão na leitura devem ser mais
trabalhadas e valorizadas.
De qualquer forma, os nossos inquiridos deram importância à leitura de vários
tipos de textos na sala de aula, o que demonstra uma quebra em relação à escola
de hoje, onde predomina o uso do texto narrativo. Podemos constatar esta
realidade, abrindo um qualquer manual de Língua Portuguesa.
Estes nossos inquiridos valorizavam a criação de bibliotecas de turma e de
cantinhos de leitura como forma de motivar os alunos para a leitura.
No que se refere às estratégias subjacentes às actividades propostas para
trabalhar a leitura nas aulas de Língua Portuguesa, verificámos que os professores
em exercício por nós inquiridos privilegiavam as relacionadas com o
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, parecendo dar pouca
importância às centradas na motivação para a leitura.
Verificámos ainda que, tanto os futuros professores como os professores em
exercício, não valorizavam a identificação da estrutura de um dado tipo de texto num
texto lido.
É um dado pertinente, que deixa transparecer alguma falta de conhecimentos
relativos à importância dos alunos conhecerem as diferentes estruturas dos
diferentes tipos de texto, conhecimento esse que é fundamental para o aluno
compreender aquilo que lê. Por outro lado, quer na vida corrente, quer em contexto
escolar, verificamos que os textos informativos e argumentativos causam algumas
dificuldades aos alunos, visto que, no nosso sistema de ensino, se privilegia
nitidamente o texto narrativo.
É importante que se ajude estes futuros professores a planearem algumas
aulas, de forma a habituarem-se a contemplar estratégias relacionadas com a
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motivação para a leitura e também com o desenvolvimento de competências em
compreensão na leitura, antes de iniciarem a sua prática pedagógica.
Seria também interessante que os professores cooperantes, responsáveis pela
orientação da prática pedagógica, dispusessem de conhecimentos sólidos sobre a
temática da promoção da transversalidade da língua portuguesa associada ao
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, de forma a
colaborarem de forma ainda mais positiva na formação destes futuros professores.
Consideramos que os professores em exercício deverão aprofundar os seus
conhecimentos, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de
competências em compreensão na leitura. Um trabalho bem articulado, que
desenvolva competências neste domínio, dotará o aluno das armas necessárias
para se integrar na sociedade actual, que obriga a uma constante busca do
conhecimento. Só a escola poderá desenvolver nele essas competências.
Hoje, mais do que nunca, o docente (e futuro docente) tem que ter uma postura
investigadora. Como nos diz Inês Sim-Sim (2001:54-56), ensinar a ler exige do
docente “a actualização teórica, fundamentada na investigação, tendo sempre em
mente, que este como qualquer domínio do conhecimento está sujeito a evolução.
Os conceitos de leitura e do ensino da leitura como hoje são entendidos podem ser
sujeitos a novos desafios amanhã.”
No que dizia respeito ao desenvolvimento de actividades centradas na leitura,
quando se tratava de trabalhar as outras áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares), verificámos que os nossos futuros professores tiveram uma posição
contrária à que adoptaram nas suas respostas à Questão 11.2 (relativa a estratégias
subjacentes às actividades realizadas na área de Língua Portuguesa para
desenvolver a transversalidade associada à compreensão na leitura). Nas respostas
a esta pergunta (12.2.), estes nossos inquiridos deram mais ênfase às estratégias
promotoras do desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, em
detrimento das estratégias promotoras da leitura, mais ligadas à motivação para a
leitura.
Como já referimos na análise de dados, surpreendeu-nos esta observação,
uma vez que o desenvolvimento destas estratégias deve ser mais aprofundado na
área de Língua Portuguesa.
Nas suas respostas a esta questão, os futuros professores privilegiaram o
trabalho em torno da apreensão das ideias veiculadas pelos textos lidos, sugerindo
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actividades como o treino da leitura silenciosa e o estabelecimento de relações entre
o universo do leitor e o do texto.
Mais uma vez, não foi tido em conta o trabalho de identificação da estrutura de
um texto num determinado texto lido.
Também verificámos que os professores em exercício privilegiaram as
estratégias promotoras do desenvolvimento de competências em compreensão na
leitura nas respostas associadas à nossa segunda macrocategoria (52,18%), o que
nos leva a concluir que o trabalho em torno da motivação para a leitura é pouco
valorizado nas aulas destes docentes.
Podemos concluir que uma das causas do insucesso escolar em compreensão
na leitura pode incidir na falta de motivação para a leitura, derivada do pouco
trabalho centrado neste aspecto que se faz no 1º Ciclo do Ensino Básico,
nomeadamente quando se trabalha a área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa.
Uma forma de ajudar a ultrapassar esta lacuna será proporcionar aos
professores em exercício formações adicionais centradas na problemática da
promoção e operacionalização da transversalidade da língua portuguesa associada
à compreensão na leitura, já que estes são os principais actores que poderão mudar
esta realidade.
5. Reflexões finais
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com estes os problemas derivados de um mau ensino em compreensão na leitura.
Este espaço de reflexão deveria ser uma prática comum, de forma a evitar os
constrangimentos de se falar da própria prática em sala de aula. Não esqueçamos
que os professores são muito renitentes em falar da sua prática em sala de aula
perante os colegas de profissão.
Consideramos igualmente que o Ministério da Educação poderia contribuir para
esta reflexão, planeando acções de formação e debates, e até distribuindo
documentos pelas escolas, de maneira a fomentar o trabalho transversal da língua
portuguesa, particularmente quando associado ao desenvolvimento de
competências em compreensão na leitura.
Seria também importante que tanto professores como futuros professores
tivessem um conhecimento profundo da Reorganização Curricular do Ensino Básico,
instituída através do Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, em que o professor é
visto como um orientador de aprendizagens e não como o actor principal no
processo de ensino/aprendizagem.
Este diploma defende ainda o desenvolvimento das áreas curriculares não
disciplinares: Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica. Daí a
premência de os professores terem noção de como devem planificar, orientar e
desenvolver actividades no âmbito destas áreas curriculares.
Os professores e futuros professores deveriam também estar conscientes da
importância da construção dos projectos curriculares de turma para uma planificação
das suas actividades virada para a articulação de todas as áreas curriculares
(disciplinares e não disciplinares), de forma a desenvolverem e promoverem a
transversalidade da língua portuguesa.
Estes aspectos são essenciais, principalmente para auxiliarem os professores
em exercício a desvincularem-se do trabalho em torno do núcleo duro das áreas de
Matemática, Estudo do Meio e Língua Portuguesa, alargando os seus horizontes à
importância de todas as restantes áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares) para o processo de ensino/aprendizagem.
Relativamente aos futuros professores, estes deveriam aprender a planear as
suas actividades tendo em conta a transversalidade da língua portuguesa. Poderiam
começar a desenvolver competências nesse domínio durante os primeiros anos da
sua formação inicial, no âmbito das disciplinas da área de Didáctica, e reforçá-las
mais tarde, durante a prática pedagógica.
-32/205-
Além disso, os professores em exercício e os futuros professores do 1º Ciclo do
Ensino Básico deveriam tomar conhecimento atempado dos documentos
orientadores da actividade docente que vão surgindo, publicados tanto pelo
Ministério da Educação como por outras entidades reconhecidas.
Deveriam igualmente manifestar uma atitude crítica face a esses documentos.
Estes documentos são importantes para o exercício da sua actividade docente,
porque poderão ajudá-los a modificar as suas práticas, de forma a promoverem um
ensino de qualidade e orientado para a resolução das dificuldades dos alunos.
Requer-se ainda que, durante a sua formação inicial, os futuros professores
estejam a par destes novos documentos orientadores, para desenvolverem um
trabalho de sucesso durante a sua futura docência.
Para isso, é necessário que também os docentes do Ensino Superior estejam
em constante reciclagem de conhecimentos.
Seria importante também – principalmente nas universidades – que os alunos
desde cedo frequentassem a sala de aula do 1º Ciclo do Ensino Básico, de forma a
irem tomando contacto com a realidade escolar e a poderem confrontar os
conhecimentos e competências adquiridos e desenvolvidos na instituição do Ensino
Superior com o que é trabalhado efectivamente na sala de aula.
Também é premente o trabalho em torno do desenvolvimento das
competências transversais, tanto para os professores em exercício como para os
futuros professores. É necessário que todos conheçam o lugar destas competências
no currículo e que compreendam para que servem e como se desenvolvem em sala
de aula, já que elas são essenciais para a promoção da transversalidade da língua
portuguesa.
Como defende o Ministério da Educação (s.d.: 3), “(...) as competências
transversais estão relacionadas com a ideia da importância primordial de aprender a
aprender no decurso do ensino básico. Uma escolaridade significativa requer o
desenvolvimento de processos que contribuam para que os alunos sejam
progressivamente mais activos e mais autónomos na sua aprendizagem.”
Tal como a designação indica, as competências transversais atravessam todas
as áreas e ciclos de ensino, além de se revelarem essenciais para toda a vida futura
do aluno.
A articulação entre as competências essenciais e transversais é fundamental
para o desenvolvimento do currículo e da transversalidade da língua portuguesa.
-33/205-
Com este trabalho esperamos ter contribuído para a reflexão sobre este tema.
Bibliografia:
Benavente, A. Rosa, A., Costa, A. et al. (1996). A literacia em Portugal. Resultados de uma
pesquisa extensiva e monográfica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Pardal, L., Correia, E. (1995). Métodos e técnicas de investigação social. Porto: Areal
Editores.
-34/205-
Quivy, R., Campenhoudt, L. (1998). Manual de investigação em Ciências Sociais. 2.ª ed.
Lisboa: Gradiva (trad.).
Silva, M., Sá, C. M. (2004). Pelo facto do João estar a mentir não significa que o João é
mentiroso: algumas reflexões sobre o ensino do vocabulário. In M. H. A. e Sá et al.,
Transversalidades em didáctica das línguas. (pp. 29-40). Aveiro: Universidade de Aveiro.
SIM-SIM, I. (coord). (2006). Ler e ensinar a ler. Colecção “Práticas Pedagógicas”. 1ª edição.
Porto: Edições ASA.
Sim-Sim, I., Duarte, I., Ferraz, M. J. (1997). A Língua Materna na Educação Básica. Lisboa:
Ministério da Educação.
Legislação consultada:
-35/205-
Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto – Planos Curriculares dos Ensinos Básico e
Secundário
-36/205-
A transversalidade da língua portuguesa: representações de alunos do 2º Ciclo
do Ensino Básico
-37/205-
Introdução
-38/205-
2. Razões para a escolha da temática abordada
A escolha do tema abordado nesta investigação teve por base dois motivos: a
relevância para a construção do saber na área e a necessidade pessoal de entender
as representações dos alunos no que diz respeito a esta problemática.
O ensino/aprendizagem da língua portuguesa deve estar implicado com os
saberes sociais e culturais, para que garanta aos alunos o acesso a conhecimentos
que são fundamentais para a sua inclusão na sociedade. Por outro lado, enquanto
língua veicular, esta é transversal a todas as outras áreas curriculares, disciplinares
e não disciplinares.
Para o Ministério da Educação português, a língua portuguesa ocupa um lugar
decisivo no processo de ensino/aprendizagem, pois é um meio de veiculação de
saberes.
Referindo-se à área curricular disciplinar directamente responsável pelo seu
ensino/aprendizagem, no Currículo Nacional do Ensino Básico, o Ministério da
Educação (2001a: 31), recorda que “A disciplina de Língua Portuguesa desempenha
um papel fundamental no desenvolvimento das competências gerais de
transversalidade disciplinar…”
Mas a minha experiência profissional enquanto professora do 2º Ciclo revela-
me que nem sempre este aspecto da área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa é tido em conta nas escolas portuguesas. Muitas vezes, esta é vista
apenas como mais uma área curricular, com um papel semelhante ao de qualquer
outra.
Os programas, a que os professores têm acesso, induzem a um ensino da
Língua Portuguesa baseado na organização de um conjunto de actividades que
levam o aluno a desenvolver competências de compreensão e expressão, oral e
escrita, em situações de interacção, bem como a reflectir sobre o funcionamento da
língua a partir de situações de uso da mesma.
Se reflectirmos um pouco sobre o assunto, chegamos à conclusão de que, sem
o domínio da comunicação em língua portuguesa, o aluno dificilmente terá sucesso
em qualquer área curricular, disciplinar ou não disciplinar. Logo, este é um dos
aspectos a ter em conta, quando se reflecte sobre a questão da transversalidade da
língua portuguesa no processo de ensino/aprendizagem.
-39/205-
Mas, estando o aluno inserido numa sociedade em constante mutação, o
ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa deverá levar a algo mais do que a
comunicar bem, oralmente e por escrito, precisa de ter objectivos mais abrangentes.
A aula de Língua Portuguesa deve permite ao aluno estruturar, reflectir e analisar,
aprofundando os seus conhecimentos dentro da própria língua.
Neste contexto, a compreensão na leitura ocupa um lugar de destaque.
Referindo-se a este aspecto, Sá (2003: 58) comenta: “Com efeito, a
compreensão na leitura é, obviamente, uma competência transversal, que
[desempenha] um papel primordial na aprendizagem de outras disciplinas do
currículo dos alunos e na vida extra-escolar. Ler e compreender textos são
operações importantes no dia a dia do cidadão perfeitamente integrado na
sociedade.”
E, noutro momento (Sá, 2003: 60), salienta ainda: “É também interessante
notar que algumas destas directrizes de trabalho contribuem para dar uma dimensão
transversal à disciplina de Língua Portuguesa, já que promovem estratégias de
leitura de que os alunos se podem servir no âmbito das outras disciplinas.”
A tomada de consciência das dificuldades dos alunos, no que se refere à
compreensão na leitura, fez despertar em mim o interesse pela investigação neste
domínio, de forma a tornar mais explícitos os contornos desta problemática.
Assim, questiona-se a forma como os alunos encaram a leitura e a sua relação
com a aprendizagem da língua portuguesa. Será que percebem a importância da
língua portuguesa enquanto parte integrante da sua formação para a vida? Será que
consideram a área curricular disciplinar de Língua Portuguesa como promotora de
aquisições/aprendizagens conduzindo ao desenvolvimento de competências
essenciais para todas as disciplinas? Será que compreendem o papel que cabe à
compreensão na leitura neste domínio?
Torna-se, também, interessante perceber como é que os alunos encaram as
estratégias e as actividades de leitura que lhes são propostas pelo professor de
Língua Portuguesa. Será que lhes dão o devido valor?
São questões como essas que me fizeram pensar sobre o assunto e defender a
ideia de que é importante abordá-lo, partindo para a investigação.
-40/205-
3. Enquadramento teórico
-41/205-
Dado que o ensino da língua portuguesa, como o de qualquer outra área do
conhecimento, está comprometido com a aquisição de saberes fundamentais para o
aluno, cabe à escola tornar os indivíduos mais autónomos e capazes de a usar com
eficácia, de maneira a que não só saibam utilizar a língua de forma eficaz na
interacção, mas que também, através dela, tenham acesso à informação e
produzam conhecimento.
Segundo Andrade (1990: 60), não devemos encarar a “aprendizagem da língua
materna como a actualização de um sistema de signos”. Devemos vê-la antes como
um elemento de desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento, bem como
às relações sociais, escolares e profissionais de cada indivíduo. Então, cabe à
escola garantir ao aluno o desenvolvimento de competências específicas nos
domínios da oralidade, da escrita e do conhecimento explícito da língua.
No ensino de uma língua, segundo Ançã (1993: 55-62), os objectivos são
condicionados por factores exteriores e por elementos inerentes à constituição da
própria língua. Os objectivos do ensino de uma língua decorrem de dois níveis
superiores – fins e finalidades da educação –, que são determinados pela política
educacional e pela realização das intenções politicas.
De acordo com a mesma autora (Ançã, 1993: 55-62), depois de apresentados
os objectivos, os professores são, por sua vez, os agentes do processo de
realização da acção educativa. A eles compete a tarefa de organizar as suas
práticas pedagógicas, de forma a conduzirem os alunos à consecução dos
objectivos propostos para a sua formação.
Ainda segundo a mesma fonte (Ançã, 1993:56), esta política educativa é
resultado de “interacções entre vários outros sistemas, como o politico, económico,
administrativo, que por sua vez se enquadram nos contextos histórico, sociocultural,
geográfico, físico, filosófico, ético e religioso de determinado sistema educativo.”
Com o decorrer do tempo, a concepção de língua foi sofrendo alterações,
sempre na tentativa de se ajustar às necessidades da sociedade em cada momento
da sua evolução.
Para além dos responsáveis políticos e dos professores, também os
investigadores têm um contributo a dar para este esforço de adaptação.
-42/205-
3.2. O Currículo Nacional do Ensino Básico e a Língua Portuguesa
-43/205-
associado ao modo como o professor orienta e organiza o processo de ensino-
aprendizagem e as estratégias de ensino.
Amor (1997: 24) define currículo como “um conjunto de intenções e orientações
balizadoras da intervenção pedagógica, como a sua actualização, ou seja, o
processo experienciado pelos sujeitos de aprendizagem, resultante das interacções
provocadas por essa intervenção”.
Já no ponto 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 6 de 18 de Janeiro de 2001,
também se apresenta uma definição de currículo. Neste contexto, ele é visto como
“o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo
do ensino básico”.
Perante estas definições, verificamos que está em evidência o papel, de
máxima importância, que o aluno desempenha na concretização do currículo.
De acordo com legislação recente (Lei N.º 30/2002, de 20 de Dezembro): “Os
alunos são responsáveis, em termos adequados à sua idade e capacidade de
discernimento, pela componente obrigacional inerente aos direitos que lhes são
conferidos no âmbito do sistema educativo, bem como por contribuírem para garantir
aos demais membros da comunidade educativa e da escola os mesmos direitos que
a si próprio são conferidos, em especial respeitando activamente o exercício pelos
demais alunos do direito à educação.”
Segundo o artigo 7º da Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, é obrigação do
aluno, enquanto elemento central da comunidade educativa, a realização de uma
escolaridade bem sucedida, sendo todos os deveres referidos no artigo 15º da
mesma lei. Mas, para além desses deveres, o aluno tem que ter “o desejo de
conhecer e de compreender, [pois] a curiosidade pura, (…) [é o] (…) móbil
verdadeiramente inicial [da educação]” (Durkheim, 2001: 255).
No Currículo Nacional para o Ensino Básico actualmente existente (Ministério
da Educação, 2001a: 10), a Língua Portuguesa e a Matemática surgem como áreas
de base, contempladas com maior carga horária do que as restantes.
Além disso, à Língua Portuguesa é conferido um papel especial na formação do
indivíduo ao longo do Ensino Básico, sendo ela apresentada como “agente de
apropriação e estruturação de metodologias básicas de análise, investimento de
conhecimentos e mobilização de estratégias” (Ministério da Educação, 2001b: 31), o
que lhe confere a sua transversalidade.
-44/205-
De facto, no currículo, a área de Língua Portuguesa adquire funcionalidades
que excedem, sobejamente, os seus contornos, reflectindo-se noutros espaços
curriculares e apresentando-se como suporte de todas as aquisições/aprendizagens.
Mas, se a Língua Portuguesa desempenha uma função transdisciplinar,
condicionante de outras aquisições, por outro lado, sendo a língua veicular, ela é
também apresentada como um espaço de intervenção de todas as outras áreas
curriculares, disciplinares e não disciplinares.
3.3. Transversalidade da língua portuguesa associada ao
desenvolvimento de competências no domínio da compreensão na leitura
-45/205-
relação à qual existem inúmeras abordagens numa tentativa de compreender e
tentar resolver (…) [os problemas que possam surgir no ensino/aprendizagem].”
Rebelo, Marques e Costa (2000: 111) referem que “aprender a ler e escrever
significa para os sujeitos a aquisição de um método inteiramente novo, e
particularmente eficaz, para representar o mundo que os rodeia”.
Para isso, o aluno precisa de estar exposto a situações que apelem ao
exercício da leitura e à aplicação das competências relativas a este domínio. Essas
competências começam a ser adquiridos e desenvolvidos ainda no ensino pré-
escolar, vindo esta experiência exercer uma influência positiva nas futuras
aprendizagens.
Segundo Rebelo, Marques e Costa (2000: 115): “Saber ler significa: Conhecer
a língua escrita, a sua especificidade em relação ao oral, a sua organização gráfica
e os seus registos; Dominar o acto léxico visual e adaptar os tipos de leitura às
necessidades do momento; Viver de forma eficaz e adequada todas as formas
possíveis de comunicação diferida.”
Assim, a pedagogia da leitura, para ser eficaz, tem que estar “atenta aos ritmos
de aquisição e de estruturação dos educandos, às suas dificuldades particulares e
aos elementos novos” (Rebelo, 2000: 115).
No Currículo Nacional do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2001a: 31), a
este propósito, é referenciado que: “a meta do currículo de Língua Portuguesa na
Educação Básica é desenvolver nos jovens um conhecimento da língua que lhes
permita: Compreender e produzir discursos orais formais e públicos; interagir
verbalmente de uma forma apropriada em situações formais e institucionais; ser um
leitor fluente e crítico; usar multifuncionalmente a escrita, com correcção linguística e
domínio das técnicas de composição de vários tipos de texto; explicitar aspectos
fundamentais da estrutura e do uso da língua, através da apropriação de
metodologias básicas de análise, e investir esse conhecimento na mobilização das
estratégias apropriadas à compreensão oral e escrita e na monitorização da
expressão oral e escrita.”
Assim: “A disciplina de Língua Portuguesa desempenha um papel fundamental
no desenvolvimento das competências gerais de transversalidade disciplinar (...).
(Ministério da Educação, 2001b:31).
A língua portruguesa é, assim, o meio de comunicação de todos os professores
e alunos nas diferentes áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares. Esta é,
-46/205-
também, um veículo que define espaços de ensino-aprendizagem que conduzem ao
desenvolvimento de competências cognitivas, linguísticas e comunicativas por parte
dos alunos.
A importância da língua portuguesa em todas as áreas curriculares está
distinguida na Lei de Bases do Sistema Educativo, na qual se pode ler, no artigo 47,
ponto 7: “o ensino-aprendizagem da língua materna deve ser estruturado de forma
que todas as outras componentes curriculares dos ensinos básico e secundário
contribuam de forma sistemática para o desenvolvimento das capacidades do aluno
ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português.”
Desta forma, poder-se-á dizer que o ensino da língua portuguesa é o “conjunto
de modos de operacionalização transversal [que tem a] necessidade adicional de se
proceder a uma operacionalização específica, em ligação com tipos de acções a
desenvolver por todos os professores.” (Ministério da Educação, 2001a: 10).
Tal como é referido no Decreto-Lei nº 286/89: “Todas as componentes
curriculares dos ensinos básico e secundário devem contribuir de forma sistemática
para a formação pessoal e social dos educandos, favorecendo, de acordo com as
várias fases de desenvolvimento, a aquisição do espírito crítico e a interiorização de
valores espirituais, estéticos, morais e cívicos.”
As competências específicas da área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa estão situadas a nível do domínio do modo oral (compreensão e
expressão oral), do modo escrito (leitura e expressão escrita) e do conhecimento
explícito da língua (Ministério da Educação, 2001b: 32).
Neste contexto, a compreensão na leitura ocupa um lugar de destaque.
Segundo Inês Sim-Sim, Inês Duarte e Maria José Ferraz (1997: 28), “na
perspectiva da educação básica, é função da escola fazer de cada aluno um leitor
fluente e crítico, capaz de usar a leitura para obter informação, organizar o
conhecimento e usufruir do prazer recreativo que a mesma pode proporcionar.”
Assim, o aluno deve associar a leitura a um processo de aprendizagem
contínuo, cujo desenvolvimento é essencial.
A leitura permite estabelecer um universo de relações sociais e profissionais,
sendo necessário incentivá-la, promovê-la e assumi-la como fundamental no ensino-
aprendizagem, pois ela cruza transversalmente todas as outras áreas do currículo.
Os textos que se lêem e escrevem em todas as áreas curriculares disciplinares são
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agentes decisivos na criação de condições para a aquisição de saberes escolares e
sociais, bem como um instrumento fundamental de avaliação das aprendizagens.
3.4. Representações sociais e seu valor no âmbito da investigação
educacional
Nos últimos anos, o conceito de representação social tem sido referido, com
grande frequência, em estudos desenvolvidos em diversas áreas científicas.
Com efeito, este conceito atravessa as Ciências Humanas, não sendo
património de uma área em particular. Tem raízes na Sociologia e uma presença
marcante na Antropologia e na História.
Como acontece com vários outros conceitos, oriundos da Sociologia de
Durkheim, é na Psicologia Social que o conceito de representação social ganha
maior relevo, tendo sido objecto de uma teorização, desenvolvida por Serge
Moscovici e aprofundada por Denise Jodelet.
Moscovici (citado por Vala, 1996: 354) define representação social como “um
conjunto de conceitos, proposições e explicações criado na vida quotidiana no
decurso da comunicação interindividual. São o equivalente, na nossa sociedade, dos
mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem ainda ser vistas
como a versão contemporânea do senso comum.”
Já Denise Jodelet (citada por Vala, 1996: 354) define-a como “uma modalidade
de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objectivo prático e
contribuindo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.
Com o decorrer do tempo, as representações sociais passam a servir de
ferramenta para outros campos da acção humana, como o campo educacional, ao
qual está associada a Didáctica.
Entendendo representação social como a junção do conceito de representação
com o adjectivo social, supõe-se que esta é partilhada por um grupo de indivíduos.
Então, de acordo com Vala (1996: 357), poderemos dizer que representação
social é o “resultado da actividade cognitiva e simbólica de um grupo social”. Assim,
ainda de acordo com este autor (Vala, 1996: 364), as representações sociais são “o
saber funcional ou teorias sociais práticas”, que justificam os comportamentos e
avaliações do indivíduo.
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Logo, as representações sociais são o reflexo da sociedade e da cultura de um
determinado grupo, de acordo com os valores e ideais de cada indivíduo que o
constitui.
Poder-se-á dizer que os indivíduos constroem as representações na sua
própria estrutura social. As representações são a base de diversas fontes de
informação e surgem em consequência da interacção do indivíduo com as suas
vivências.
É incontestável o valor das representações sociais no âmbito da investigação
educacional, se tivermos em conta o facto de que as concepções de professores e
alunos sobre o processo de ensino/aprendizagem condicionam fortemente as suas
interacções.
Perante tudo o que foi salientado, parece ser legítimo afirmar que as
representações sociais são um objecto de estudo válido, no campo da investigação
em Educação, pois permitem-nos compreender as concepções dos intervenientes
neste contexto sobre variados aspectos do processo de ensino/aprendizagem e a
influência que terão sobre ele.
4. O estudo em curso
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- Que representações têm os alunos do 6º Ano sobre
• o papel que a Língua Portuguesa desempenha na sua formação?
• a natureza da transversalidade da língua portuguesa?
• a importância da compreensão na leitura neste contexto?
• as implicações da forma como é feito o seu ensino nas escolas
portuguesas?
- Que alterações será necessário introduzir, no ensino/aprendizagem da Língua
Portuguesa, para que se promova a operacionalização da sua transversalidade, no
2º Ciclo do Ensino Básico, no domínio da compreensão na leitura, tendo em conta
as representações dos alunos sobre esta questão?
4.2. Metodologia
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Com o questionário, que, segundo Bell (2002: 25), tem como objectivo “obter
informação que possa ser analisada, extrair modelos de análise e tecer
comparações”, pretendeu-se obter conhecimentos, com vista a promover uma
melhor compreensão do conceito, do ponto de vista dos participantes, e também
uma melhor operacionalização do mesmo.
4.3. Principais resultados obtidos
Como já foi referido, este estudo foi centrado na análise e interpretação das
respostas dadas a um questionário destinado a alunos do 6º Ano.
Responderam ao questionário 412 alunos, com idades compreendidas entre os
10 e os 15 anos.
A primeira parte do questionário incluía perguntas que possibilitavam a recolha
de dados para caracterizar os inquiridos, bem como o seu agregado familiar e o
meio social em que se inseriam.
Na segunda parte do questionário, surgia uma pergunta sobre o papel da língua
portuguesa no processo de ensino/aprendizagem e nas suas práticas sociais.
Relativamente a esta questão, metade dos inquiridos (50%) referiu que,
primeiramente, nas aulas de Língua Portuguesa, aprendiam a compreender o
funcionamento da língua. Já 37% dos inquiridos referiram a aplicação das
aprendizagens no domínio da língua portuguesa em diversas situações como o
aspecto mais trabalhado nas aulas de Língua Portuguesa. É de salientar ainda que
34% dos alunos inquiridos referiram a compreensão de enunciados orais como a
aprendizagem menos importante realizada no âmbito da área curricular disciplinar
de Língua Portuguesa.
Os resultados obtidos permitiram constatar que há coerência, no que diz
respeito à importância atribuída às aprendizagens feitas na área curricular disciplinar
de Língua Portuguesa. Através das respostas dos alunos, verifica-se que estes
assumiam como singularmente marcante o desenvolvimento de competências no
domínio do funcionamento da língua e a aplicação da língua portuguesa em diversas
situações.
Apesar da importância que estas competências têm no processo de
ensino/aprendizagem, os alunos desvalorizaram o seu desenvolvimento,
sublinhando a importância do domínio do funcionamento da língua.
-51/205-
Posteriormente, foi pedido aos inquiridos que referissem algumas situações, no
âmbito da vida escolar, em que pudessem aplicar as aprendizagens feitas nas aulas
de Língua Portuguesa.
Os inquiridos consideraram as aprendizagens feitas no domínio da
comunicação escrita (quer em compreensão, quer em produção), no âmbito do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa, como as mais aplicadas em contexto
escolar no geral. Assim, 20,3% dos inquiridos indicaram situações relacionadas com
a produção de textos escritos (nomeadamente, elaboração de resumos e realização
de testes escritos). É ainda de referir que 19,5% destes alunos referiram situações
relacionadas com a leitura e compreensão de enunciados escritos como das mais
relevantes entre as que permitem aplicar competências desenvolvidas no âmbito do
ensino/aprendizagem associado à área curricular disciplinar de Língua Portuguesa.
Tal facto não é de estranhar, dado que a compreensão na leitura e a produção
escrita são duas competências fundamentais a desenvolver, para que se possa
aprender e obter bons resultados em todas as áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares.
No âmbito da vida extra-escolar, 48,3% dos inquiridos consideraram que o
desenvolvimento da comunicação oral era uma das aprendizagens maioritárias nas
aulas de Língua Portuguesa. Por outro lado, 22% dos inquiridos referiram a leitura e
compreensão de textos escritos (tais como os que figuram em revistas e livros, as
legendas dos filmes, a publicidade, os rótulos de produtos) como a competência
desenvolvida a partir das aprendizagens feitas na área curricular de Língua
Portuguesa a que mais recorriam em situações do dia-a-dia.
A partir da análise das respostas dadas pelos inquiridos, verificou-se que, no
que diz respeito à aprendizagem e aplicação das competências no meio escolar,
estes alunos valorizaram mais as competências de escrita e leitura. Em
contrapartida, no meio social, consideraram que a competência oral era a mais
importante.
Tal facto deverá ser associado às actividades realizadas em sala de aula.
Tendo como base essas actividades, os alunos vêem como essencial o
desenvolvimento das competências de escrita e leitura, desvalorizando a
competência oral. Apesar de ser utilizada, possivelmente fica em défice nas aulas de
Língua Portuguesa.
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No que diz respeito à sua vida extra-escolar, viam a competência oral como a
mais importante a desenvolver. Davam ênfase ao diálogo com os outros,
defendendo que os conhecimentos em língua portuguesa clarificavam e
desenvolviam a capacidade de comunicar correctamente com as outras pessoas.
Foi, ainda, pedido aos inquiridos que dessem exemplos de actividades
realizadas nas diferentes áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, que os
ajudassem a melhorar o domínio da língua portuguesa. Nas suas respostas,
referiram a tradução de textos no Inglês como a actividade mais importante neste
contexto, prevalecendo, assim, o exercício das competências de leitura e escrita.
Apenas nas disciplinas de Educação Visual e Tecnológica e Educação Física
assinalaram a produção de textos orais como a actividade mais importante em
termos de contributo para um melhor domínio da língua portuguesa.
No que dizia respeito às áreas curriculares não disciplinares, prevaleceu a
produção de textos escritos.
No que se refere às representações dos inquiridos acerca do papel da leitura
nas suas aulas de Língua Portuguesa, bem como à forma como esta competência
era trabalhada nessas mesmas aulas, metade referiu que aprendia a trabalhar a
leitura para desenvolver as suas competências de compreensão de textos escritos
em Língua Portuguesa. Já 45% referiam que aprendiam a trabalhar a leitura para
desenvolver as suas competências de produção escrita. A aprendizagem da leitura
para desenvolver capacidades úteis na sua futura vida profissional aparecia assim
desvalorizada, pois apenas 12% dos alunos a considerou como uma actividade
principal no seu desenvolvimento.
Este facto permite concluir que há congruência, no que diz respeito à
importância atribuída ao desenvolvimento de competências associadas à
aprendizagem da leitura, pois a maior parte das respostas referem a leitura como
auxiliadora no desenvolvimento da competência de escrita.
Conclui-se, a partir da análise das respostas dos alunos, que estes assumiam o
trabalho em torno da leitura como particularmente importante para desenvolver as
suas competências de compreensão de textos escritos em Língua Portuguesa.
Quando inquiridos sobre situações em que aplicavam as aprendizagens
relacionadas com a leitura feitas nas suas aulas de Língua Portuguesa, no âmbito da
vida escolar, 40% valorizou a análise e compreensão de textos escritos e 20%
destacou a leitura de textos em diferentes disciplinas.
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É ainda de referir que 6,3% destes alunos mencionaram que aplicavam as
aprendizagens relacionadas com a leitura feitas nas aulas de Língua Portuguesa na
decifração de mensagens orais, o que lhes permitia estabelecer um universo de
relações pessoais e sociais.
Tal facto não é de estranhar, dado que a compreensão na leitura e a
comunicação oral são duas competências fundamentais a desenvolver, para que se
possa aprender e obter bons resultados em todas as áreas curriculares, disciplinares
e não disciplinares, bem como, seguindo noutro sentido, para garantir a inclusão
futura no mundo profissional.
No âmbito do seu dia-a-dia, 23,4% dos inquiridos consideraram que o que
monopolizava as aprendizagens feitas na Língua Portuguesa era a leitura e
compreensão de obras literárias do seu interesse. Já 18% afirmavam aplicar essas
competências na produção de pequenos textos utilizados no dia-a-dia.
A partir da análise das respostas dadas pelos inquiridos, verificou-se que, no
que dizia respeito à aprendizagem e aplicação das competências no meio escolar,
estes valorizavam mais as competências da escrita e da leitura, mas, em
compensação, no meio social, viam a comunicação oral como mais importante.
A actividade mais realizada nas aulas de Língua Portuguesa dos inquiridos era
a leitura e compreensão de textos, referida por 60% dos alunos. De seguida, surge,
com 14% de ocorrências, a redacção de pequenos textos. Além disso, 38% dos
educandos mencionou a realização de tarefas lúdicas, tais como, por exemplo,
palavras cruzadas e sopas de letras. É salientada por 20% dos inquiridos a
necessidade de ler obras literárias do seu interesse e livros que fossem ao encontro
das suas realidades, justificando que era mais interessante e motivante.
-54/205-
No contexto escolar, a Língua Portuguesa é a grande responsável pelo
desenvolvimento de competências essenciais à aprendizagem de outras áreas
curriculares disciplinares e não disciplinares. É importante referir que, no contexto
social, esta favorece o aluno numa futura integração na vida profissional.
Por outro lado, as restantes áreas curriculares surgem como desempenhando
um papel activo e interveniente na aprendizagem da língua portuguesa, sendo,
portanto, necessário e útil a continuidade, nas outras áreas, do trabalho
desenvolvido nas aulas de Língua Portuguesa.
Desta forma, pensa-se que é essencial promover um processo de
ensino/aprendizagem que permita assegurar a todos os alunos um bom domínio da
língua portuguesa, já que o desenvolvimento de competências a ele associadas
permite o acesso a novos conhecimentos, indispensáveis à aprendizagem em
qualquer área curricular, disciplinar ou não disciplinar, bem como à futura integração
socioprofissional do indivíduo.
Assim, pensa-se ser compromisso de todos os educadores relacionar entre si e
trabalhar as competências transversais definidas pelo Ministério da Educação, assim
como promover actividades e estratégias fomentadoras de um domínio da língua
portuguesa.
Todos os professores estão de acordo com a existência de proximidade entre a
Língua Portuguesa e as outras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares,
no que diz respeito à importância para o processo de ensino/aprendizagem. No
entanto, esta ambição nem sempre se concretiza.
Desta forma, é urgente a formação de grupos de trabalho que se dediquem à
articulação dos saberes através do currículo, concebendo estratégias e planificando
actividades que conduzam a uma melhoria das competências dos alunos,
combatendo as dificuldades existentes.
Bibliografia
-55/205-
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Setembro) – Lei de Bases do Sistema Educativo.
-57/205-
A transversalidade da língua portuguesa: representações de supervisores de
Português do 3.º Ciclo do Ensino Básico
Resumo
A presença da língua portuguesa no Ensino Básico tem vindo a ser encarada cada vez
com mais interesse, nestes últimos anos, por esta desempenhar um papel extremamente
importante na formação dos alunos a todos os níveis, se se tiver em conta as inúmeras
possibilidades abertas pela sua transversalidade.
A sua relevância deriva, por um lado, do facto de contribuir para o desenvolvimento de
competências indispensáveis ao sucesso escolar e à futura integração socioprofissional e,
por outro, do facto de todas as disciplinas poderem contribuir para um melhor domínio da
língua portuguesa, pois esta é o instrumento de aprendizagem privilegiado na construção de
saberes.
O reconhecimento desta relevância da língua portuguesa implica uma renovação das
práticas lectivas associadas ao seu ensino/aprendizagem.
Nesta perspectiva, decidimos canalizar as nossas atenções para a importância da
Supervisão na formação inicial, visto que se espera que o processo supervisivo seja capaz
de promover a reflexão sobre as práticas e o questionamento destas, conduzindo a uma
melhoria da qualidade de ensino.
O estudo realizado pretendeu identificar representações de supervisores de Língua
Portuguesa acerca: (i) da natureza da transversalidade da Língua Materna 1; (ii) de formas
de operacionalização dessa transversalidade em aulas de Língua Portuguesa, do 3º Ciclo do
Ensino Básico, nos domínios da leitura e da escrita; (iii) de estratégias que pudessem
consciencializar os professores em formação inicial por eles apoiados para a importância
desta problemática e dotá-los das competências necessárias à operacionalização da
transversalidade da Língua Materna nas suas aulas.
A partir da análise dos dados recolhidos, elaborámos algumas conclusões e
apresentámos algumas sugestões que, em nosso entender, permitem promover a
transversalidade da língua portuguesa, tendo em conta as duas vertentes que se cruzam
1
Consideramos que o conceito de Língua Materna se refere à língua portuguesa.
-58/205-
nesta investigação: a Supervisão no âmbito da formação inicial de professores e a Didáctica
do Português.
1. Introdução
Nos últimos anos, os currículos escolares têm vindo a ser alvo de minuciosa e
participada reflexão, uma vez que se exige à escola uma resposta educativa de
elevada qualidade para satisfazer os inúmeros desafios que a sociedade actual
impõe.
Assim, espera-se que o processo de ensino/aprendizagem não se limite apenas
aos conteúdos específicos de cada disciplina, de forma isolada. Ao invés, deseja-se
o desenvolvimento de várias competências, que favoreçam a aprendizagem de
múltiplos saberes e facilitem a integração socioprofissional do aluno/indivíduo,
harmonizando os contributos das diversas áreas do saber.
Nesta perspectiva, é inadiável a promoção e a operacionalização da
transversalidade da língua portuguesa através das práticas lectivas adoptadas por
todos os docentes, dado que estes são os modelos sociais privilegiados para
contribuírem para o adequado domínio da mesma por parte dos alunos.
No entanto, com base num estudo empírico realizado com supervisores de
Língua Portuguesa, que, no ano lectivo de 2002/03, colaboravam com a
Universidade de Aveiro, concluímos que os profissionais inquiridos tinham
conhecimento e estavam receptivos e conscientes da importância da
transversalidade da língua portuguesa, mas denotavam muitas dúvidas na
identificação de estratégias e na planificação de actividades que promovessem o
desenvolvimento de competências transversais nos seus alunos.
Não obstante, foi-nos transmitido pela maioria dos inquiridos que havia ainda
maiores dificuldades quando era necessário referir as estratégias utilizadas na
formação inicial de professores de Língua Portuguesa (LP) que contribuíssem para
os consciencializar da importância desta problemática e os dotar das competências
necessárias à operacionalização da transversalidade da língua portuguesa nas suas
aulas, nos domínios da leitura e da escrita.
Em suma, o objectivo deste documento consiste na partilha dos resultados da
investigação anteriormente referida, focalizando-se este artigo nas representações
dos supervisores que connosco colaboraram, de forma a permitir-nos sugerir
algumas formas de suprimir as lacunas detectadas.
-59/205-
2. Fundamentação teórica do estudo
-60/205-
treino de reflexão sobre a Língua Materna constituem factores que favorecem uma
aprendizagem bem sucedida.” (Sim-Sim, Duarte e Ferraz, 1997: 40).
Nesta perspectiva, que nós particularmente focamos, destaca-se o facto de o
processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa poder desenvolver
competências nos alunos que poderão ser postas ao serviço da aprendizagem
doutras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, e que,
consequentemente, serão essenciais na sua formação geral. Assim, a área
curricular disciplinar de Língua Portuguesa é, por excelência, aquela que contribui
mais activamente para o desenvolvimento de competências que serão fundamentais
para o sucesso escolar e para a formação geral do indivíduo.
Sim-Sim, Duarte e Ferraz (1997: 40) sublinham que “vários estudos têm
demonstrado um elevado nível de correlação entre o desempenho atingido nas
competências de leitura e de expressão escrita em Língua Materna e o sucesso
noutras disciplinas curriculares; inversamente, tem sido igualmente demonstrado
que, quanto maior atenção for dada nestas à leitura e à escrita, tanto melhores serão
os resultados obtidos pelos alunos na disciplina de Língua Materna.”
Neste âmbito, têm surgido diversos documentos normativos que favorecem
práticas facilitadoras da transversalidade da língua portuguesa, reconhecendo o
precioso contributo de um ensino transversal para a eficácia do sistema de ensino.
Por conseguinte, a língua portuguesa em si é um dos grandes factores que
condicionam a aprendizagem e o sucesso da mesma. Com efeito, segundo Santos
(1988: 57), “quaisquer que sejam os conteúdos disciplinares dos curricula a que
acede o sujeito de aprendizagem, a Língua Materna é a toile de fond, o pivot sobre
que vêm inscrever-se todos os saberes: o discurso do sujeito da aprendizagem
externaliza a sua relação com o mundo e com os saberes escolares.”
A língua portuguesa é ainda o suporte da comunicação e instrução,
frequentemente associada à reflexão metalinguística e metaprocessual – para
fornecer instruções pedagógico-didácticas (distribuição de tarefas, realização de
exercícios, estabelecimento de normas e todo o discurso relativo à função educativa
do professor) e para a reflexão sobre a aquisição de uma competência linguística
e/ou comunicativa, usada pelo professor e/ou pelos alunos quando são exigidas
explicações sobre a língua.
Silva (2000: 365) alerta para a necessidade de se reconhecer “a importância da
Língua Materna e o seu contributo como disciplina transversal e propedêutica, na
-61/205-
escola, directamente implicada no sucesso ou insucesso das demais disciplinas
curriculares.”
Em suma, concluímos esta ideia relembrando que “através da disciplina de
Língua Materna, o aluno deverá aprender a usar a linguagem, a defender-se da
linguagem, a interagir através da linguagem, a intervir nos outros pela linguagem. E
esse será o domínio com que o aluno parte, no presente da escola, para o sucesso
noutras disciplinas e, no futuro, para a integração na vida.” (Silva, 2000: 366).
O ensino e a aprendizagem da língua portuguesa obedecem a uma
especificidade muito própria, na qual os seus agentes, agências e circunstâncias
assumem lugares de destaque.
Sumariamente, um professor de Língua Portuguesa faz incidir o seu campo de
actuação no desenvolvimento da dimensão metacognitiva do aluno. Relativamente
aos outros professores, o professor de Língua Portuguesa produz e reproduz os
seus próprios meios de produção, a sua competência enquanto falante, a sua
capacidade de análise, interpretação e os seus conhecimentos sobre o
funcionamento da língua.
Não pretendemos, contudo, defender que todos os professores são professores
de Português. Ao invés, concordamos com Frias e Sousa (1999: 51-52), quando
estas autoras defendem que “nem todos os professores são professores de
Português, o que se supõe, e deseja, é que todos sejam utentes competentes da
LM, e contribuam para que os seus alunos adquiram progressivamente essa
competência ajudando-os de forma sistemática a corrigir as suas falhas e a
enriquecer o seu vocabulário, uma vez que as aprendizagens são veiculadas pela
língua em que pensam e falam.”.
A este propósito convém realçar que, segundo estas mesmas autoras (Frias e
Sousa, 1999: 52), “o professor de Português tem responsabilidades, actividades e
saberes específicos que não são passíveis de serem atribuídos a qualquer outro
professor.”
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2.1.2. No contexto social
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Contribui Desenvolve Contribui, em larga
activamente para o competências escala, para a
desenvolvimento da essenciais para a integração social e
formação integral do aquisição de outros profissional do
aluno/indivíduo. saberes. aluno/indivíduo.
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2.2. Factores condicionantes na operacionalização da transversalidade da
Língua Portuguesa
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Relativamente aos docentes de outras áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares (que não a Língua Portuguesa), muitos consideram (erradamente) não
ser da sua responsabilidade a formação linguística dos alunos, quando, na verdade,
o desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa é função de todos os
agentes educativos.
No que diz respeito à supervisão da prática pedagógica, elemento essencial da
formação inicial, muitas são as vezes em que o orientador não incentiva os
professores em formação a planificarem actividades que possam desenvolver
competências importantes para a aprendizagem noutras áreas curriculares,
disciplinares e não disciplinares, e para a vida extra-escolar. Este tema nem sempre
é visto como uma prioridade na formação dos docentes, sendo frequentemente
relegado para segundo plano, em favor de temas considerados mais importantes.
3. O estudo empírico
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O questionário era constituído por 4 partes, compreendendo 22 perguntas,
algumas das quais foram subdivididas em alíneas, o que perfazia um total de 42
questões.
Através da primeira secção do questionário, intitulada Dados pessoais, que
compreendia oito questões, pretendia-se reunir dados sobre os inquiridos, para se
poder proceder à sua caracterização.
Na secção seguinte, intitulada Natureza da transversalidade da LM,
apresentavam-se cinco questões (construídas a partir de uma perspectiva mais geral
para uma mais particular), destinadas a averiguar quais as concepções que os
supervisores detinham acerca da transversalidade da língua portuguesa.
A terceira parte – Formas de promoção da transversalidade nas aulas de LP –,
constituída por três questões, divididas em várias alíneas, fornecer-nos-ia dados
para apreendermos a forma como os nossos inquiridos promoviam a
transversalidade nas suas aulas de Língua Portuguesa.
Por fim, a quarta e última parte – intitulada A transversalidade da LM e o
professor estagiário –, que incluía seis questões, visava recolher informações que
nos permitissem compreender as estratégias a que os supervisores recorriam, na
orientação do estágio pedagógico, para formar docentes conscientes desta
problemática.
A análise das respostas implicou várias fases. Inicialmente, procedemos à sua
pré-análise, fazendo uma primeira leitura destas; em seguida, passámos a uma
leitura mais cuidadosa, com o objectivo de explorarmos e organizarmos os dados
obtidos; posteriormente, construímos categorias de análise, por diferenciação e por
reagrupamento das respostas numa ou várias das categorias previamente
estabelecidas; por fim, analisámos os dados em função dessas categorias e
procedemos à sua interpretação e discussão, tendo em conta as duas vertentes que
se cruzam no nosso trabalho (didáctica e supervisiva).
Recorremos à análise quantitativa, no caso das questões fechadas e de
escolha múltipla, e à análise qualitativa (através do processo de análise do
conteúdo), no caso das questões abertas.
Com o intuito de completar e aprofundar os dados obtidos a partir do
questionário, entrevistámos dois professores, que se disponibilizaram para esse
efeito.
-67/205-
3.2. Algumas conclusões do estudo
-68/205-
No entanto, as dificuldades nos domínios Ouvir/Falar, Ler e Escrever eram
enunciadas como as principais inibidoras de uma saudável integração
socioprofissional e os principais obstáculos ao sucesso escolar.
Na opinião de muitos respondentes, a interpretação/compreensão de ideias no
domínio da escrita e a expressão escrita deficiente eram os principais inibidores do
sucesso académico. Uma vez mais, se destaca a valorização da comunicação
escrita. Mas as componentes que estão na base de um bom domínio desta são
descuradas.
Relativamente às justificações ou à indicação de estratégias para superar as
lacunas detectadas, o Escrever foi sobrevalorizado, em detrimento dos outros dois
domínios (sendo o Ler o menos contemplado nas respostas dos supervisores, o que
se afigura como estranho, pois este era visto como o principal meio de acesso ao
conhecimento).
No que concerne às condições de emergência das representações sobre a
transversalidade da Língua Materna, podemos afirmar que, para a totalidade dos
inquiridos, o reconhecimento dessa transversalidade e da sua importância surgia
essencialmente aquando do exercício da docência. A leitura dos documentos
emanados do Ministério da Educação, relativos às competências essenciais a
desenvolver ao longo do Ensino Básico, a insistência das escolas (através dos
órgãos de gestão e do Conselho Pedagógico) na promoção de projectos
transversais e as conversas informais com os colegas eram as principais fontes de
informação sobre esta questão, o que demonstra que esta problemática preocupava
o corpo docente, conduzindo à discussão e à reflexão participada.
No que diz respeito às formas de operacionalização da transversalidade da
Língua Materna, nas aulas de LP, no 3º Ciclo do Ensino Básico, nos domínios da
leitura e da escrita, concluímos que ainda persistia alguma resistência à identificação
de estratégias e à planificação de actividades que permitissem o desenvolvimento
das competências transversais nestas aulas, dado que a maioria dos inquiridos
demonstrou uma certa dificuldade em enumerar os procedimentos adoptados.
Das estratégias/actividades indicadas para desenvolver, nas aulas LP, as
competências transversais, úteis na vida escolar e extra-escolar, elegeu-se a escrita
como a base de todo o processo.
Deduzimos, assim, uma certa indefinição e indecisão dos supervisores
relativamente ao potencial das competências transversais, como a promoção de
-69/205-
métodos de estudo e de trabalho, o tratamento da informação, a comunicação, o
desenvolvimento de estratégias cognitivas ou o relacionamento interpessoal e de
grupo, pois não planificavam a sua actividade nesse sentido.
A minoria dos inquiridos que privilegiava alguma das cinco competências
transversais em detrimento de outra(s) afirmou favorecer a Comunicação, dentre as
várias competências transversais cujo desenvolvimento é recomendado pelo
Ministério da Educação, talvez porque a capacidade de comunicar é um requisito
fundamental ao ser humano, indispensável à sua integração numa dada
comunidade.
De acordo com os nossos inquiridos, as competências transversais tinham de
ser trabalhadas em todas as áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares,
tendo em conta a especificidade de cada área ou departamento curricular, sendo
indispensável o trabalho colaborativo dos professores das várias disciplinas.
Com efeito, em matéria de obstáculos à operacionalização da transversalidade
da Língua Materna, de acordo com os nossos inquiridos, o principal parecia ser a
concentração dos docentes nos conteúdos específicos de cada disciplina, o que
contrariava uma educação transversal.
Na opinião dos supervisores que entrevistámos, do conjunto de lacunas que
afectam a actuação do corpo docente e que serão difíceis de resolver, destacavam-
se: a desmotivação, a falta de formação, o diálogo quase inexistente entre
professores (da mesma área curricular e de áreas diferentes), a ausência de um
órgão aglutinador das práticas e de um controlo mais rígido sobre as mesmas.
Em jeito de conclusão, cumpre-nos acrescentar que, através do estudo
empírico realizado, ficámos com a nítida sensação de que ainda eram muitas as
dúvidas a esclarecer e as preocupações a eliminar em torno da didactização da
transversalidade da língua portuguesa.
3.2.2. Vertente supervisiva
-70/205-
formação no domínio da transversalidade da LM que impliquem a consciencialização
desta problemática por parte dos professores em formação inicial.
O estudo feito permite-nos afirmar que este tema nem sempre era abordado
nos núcleos de estágio. De facto, cerca de um quarto dos inquiridos afirmou que não
o discutia com os professores estagiários, invocando a escassez de tempo para
trabalhar com eles e a necessidade de consagrar o tempo disponível à discussão de
assuntos que lhes pareciam de maior interesse.
Ao invés, aqueles que o faziam salientavam a sua importância como a razão
principal para esta actuação. Na discussão, no seio do núcleo, participavam os
diferentes intervenientes e este era o momento indicado para se formar professores
conscientes desta problemática, melhorar o desempenho dos professores
estagiários e planificar actividades que promovessem a transversalidade.
Por outro lado, foi-nos dito pelos próprios supervisores que a maioria dos
estagiários colocava dúvidas sobre esta temática, centradas no saber-fazer e no
fazer. Impera, de imediato, a necessidade de promover formas de operacionalização
da formação neste domínio. Contudo, os supervisores tiveram dificuldade em
precisar e esclarecer as dúvidas que os professores estagiários colocavam em
relação à questão da transversalidade da língua portuguesa.
Embora tenham sido mencionados alguns dos conselhos dados, no sentido de
levarem os estagiários a tomar consciência de uma perspectiva de ensino
transversal, ficámos com a sensação de que estes supervisores tinham opiniões
definidas sobre a problemática da transversalidade, mas que talvez ainda não
tivessem pensado em trabalhá-la com os seus estagiários ou então não se sentiam
muito seguros sobre a melhor forma de o fazer.
Nesta perspectiva, também constatámos o mesmo em relação às estratégias
que utilizavam na sua orientação e que implicavam a consciencialização da
problemática da transversalidade da língua portuguesa por parte dos professores
estagiários.
Os motivos que nos levam a fazer estas afirmações estão relacionados com as
elevadas percentagens de ausência de resposta às perguntas incluídas na última
parte do nosso questionário, intitulada A transversalidade da Língua Materna e o
professor estagiário. A taxa correspondente à categoria Sem resposta, para estas
questões, correspondeu sempre à maioria dos inquiridos.
-71/205-
Este é um dos factores que nos conduz, de imediato, a afirmar que é
necessário facultar mais formação sobre esta temática, se pretendermos que as
representações se alterem e as práticas evoluam e se tornem mais eficazes.
Em suma, é para nós claro que um conjunto de incertezas na orientação dos
professores estagiários para um ensino transversal impedia a operacionalização de
uma formação centrada nesta temática.
3.3. Algumas sugestões decorrentes do estudo
Tal como temos vindo a afirmar ao longo deste estudo, é imperioso promover
um ensino preocupado em assegurar um bom domínio da língua portuguesa a todo
e qualquer aluno/indivíduo.
Por isso, é dever de todos os educadores articular e trabalhar, nas suas aulas,
as competências transversais enunciadas pelo Ministério da Educação, assim como
se espera que promovam estratégias/actividades conducentes a um melhor domínio
da língua de escolarização.
Torna-se, portanto, urgente a criação de grupos de trabalho dedicados à
articulação dos saberes através do currículo. Estes deveriam conceber estratégias e
planificar actividades promotoras de uma efectiva melhoria da competência
comunicativa dos alunos.
Cabe às escolas/Ministério da Educação promover oficinas de estudo, onde os
alunos, em pequenos grupos, possam aprender a aprender. Aliás, as áreas
curriculares não disciplinares deveriam assumir este papel. Porém, acreditamos que
esta não é a prática mais frequente nas escolas.
Nesta perspectiva, denunciamos a limitação dos docentes, ao concentrarem-se
apenas nos conteúdos da sua área curricular, ilibando-se, consequentemente, de
responsabilidades na formação dos alunos e alimentando a ideia do “saber
estanque”.
O Ministério da Educação tem de intervir de forma mais activa na promoção da
transversalidade. Se, por um lado, evidencia uma preocupação notória, que se
manifesta na publicação de diversos documentos normativos e teóricos que
canalizem a reorganização curricular para práticas transversais, a verdade é que
esta actuação é insuficiente. É preciso investir muito mais na realização de acções
de formação que motivem os professores das diferentes áreas curriculares,
-72/205-
disciplinares e não disciplinares, para o desenvolvimento de competências
associadas ao domínio da língua portuguesa, numa perspectiva de co-
responsabilização, considerando esta problemática como uma prioridade na
definição das políticas educativas.
Aos órgãos de gestão das escolas caberá a criação de espaços de diálogo e
reflexão participada, envolvendo todas as áreas disciplinares, a fim de se promover
o conhecimento das múltiplas vantagens da transversalidade da língua portuguesa e
de formas de a operacionalizar.
Ao mesmo tempo, afigura-se-nos urgente haver uma referência directa a esta
problemática em documentos que regem o funcionamento da escola, tais como o
Projecto Educativo da Escola, o Plano Anual de Escola, o Projecto Curricular de
Escola e o Projecto Curricular de Turma, a fim de se enaltecer o ensino transversal e
favorecer a concretização de práticas transversais.
As áreas disciplinares deveriam ser vivamente aconselhadas a
identificar/planificar estratégias/actividades que contribuam para um ensino
transversal e um melhor domínio da língua portuguesa e devidamente
supervisionadas nesse seu esforço.
Aos Conselhos de Turma recomenda-se que se responsabilizem e
comprometam, com empenho, no trabalho conjunto de identificação de estratégias e
planificação de actividades que visem um melhor domínio da língua portuguesa.
Por seu turno, os docentes deverão ter a preocupação de acompanhar a
evolução do sistema educativo e de pôr em prática as orientações/princípios
emanados dos órgãos centrais. Deverão também sugerir eles próprios novas
práticas, mais eficazes, alinhadas por essas recomendações.
3.3.2. Vertente supervisiva
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competências importantes para a aprendizagem de outras disciplinas e para a vida
extra-escolar.
No que se refere ao acompanhamento por parte das instituições do Ensino
Superior, os estagiários deverão ser aconselhados a desenvolver trabalhos de
seminário em áreas relacionadas com a escola, pois cremos que assim haverá um
maior crescimento profissional progressivo do professor do que se trabalharem
outros temas apenas relacionados com a formação científica.
Esta medida poderá ainda ser reforçada pela criação de espaços de diálogo
semanais, na Universidade, subordinados a temas relacionados com a escola e
destinados a todos os professores estagiários, no sentido de se promoverem trocas
de ideias e/ou se desenvolverem projectos sobre formas de operacionalização da
transversalidade.
Importa, contudo, que os supervisores não limitem o debate de ideias no seio
do núcleo, mas que convertam os seminários em momentos de reflexão e encorajem
os seus estagiários a procurar formação e informação, quando se sentirem menos
conhecedores de determinado assunto.
Os professores em formação devem continuar a ser aconselhados a trabalhar
em colaboração com os outros professores, valorizando os diversos saberes e
partilhando as experiências e vivências de cada um.
Noutra linha de pensamento, cabe ao Ministério da Educação redefinir a
selecção dos supervisores, valorizando a formação específica. Ao mesmo tempo,
defendemos que esta temática também deve ser central na formação contínua de
todos os docentes (supervisores e professores), cabendo a promoção de projectos
de formação às Direcções Regionais de Educação, assim como a supervisão das
práticas lectivas após a frequência destas acções de formação.
Parece-nos ainda que a língua portuguesa deverá fazer parte do tronco comum
de todos os cursos vocacionados para o ensino, pois, como já referimos, esta é a
língua de escolarização e o instrumento de aprendizagem básico em todas as áreas
curriculares, disciplinares e não disciplinares.
Concluindo, reforçamos a ideia de que é preciso que o sistema de ensino se
integre na sociedade em mudança, reestruturando a escola e redimensionando o
ensino da língua portuguesa. Assim, é premente dar mais sentido à acção docente,
valorizando o trabalho dos professores, apoiando, efectivamente, o trabalho
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desenvolvido nas escolas e canalizando esforços e fundos para a educação a fim de
desenvolver projectos tendentes à promoção da transversalidade.
Por fim, todos os agentes educativos devem acreditar que na educação há
sempre mais e melhor para se fazer, uma vez que esta é um desafio constante. É
necessário partirmos em direcção a um melhor entendimento da transversalidade da
língua portuguesa, a uma compreensão mais profunda daquilo que fazemos, a uma
avidez constante de fazer sempre mais e melhor.
Neste contexto, conclui Sá (1996: 36) que “acima de tudo, o que interessa é
que cada professor faça render os conhecimentos que vai adquirindo – quer através
das oportunidades de formação que lhe vão sendo oferecidas, quer através da sua
interacção com os colegas, quer a partir da sua experiência pessoal de docente no
terreno, quer ainda a partir da sua experiência como orientador de estágio – para
reflectir sobre [a transversalidade da língua portuguesa] e construir o seu próprio
modelo de abordagem, simultaneamente baseado em fundamentos teóricos sólidos
e fomentador de práticas pedagógicas renovadas.”
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Transversalidade da língua portuguesa: representações de responsáveis
educativos do 1º Ciclo do Ensino Básico
Resumo
A actual política educativa, associada à reforma em curso, promove, entre outros
princípios essenciais, uma visão transversal do ensino/aprendizagem da língua portuguesa.
Este princípio também precisa de ser assumido pelos diferentes actores que intervêm
no processo: professores e alunos, mas também os responsáveis educativos, encarregados
de implementar as medidas promulgadas pelo Ministério da Educação nas escolas.
O reconhecimento do importante papel desempenhado por estes actores, tendo em
conta a influência que os responsáveis educativos nas escolas podem ter sobre as práticas
dos outros docentes, levou-me a investir num projecto para dissertação de mestrado
centrado na identificação e caracterização das suas representações relativas à natureza da
transversalidade da língua portuguesa e à sua operacionalização associada ao
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
O meu projecto visa, essencialmente, determinar que alterações será necessário
introduzir na formação de professores, em geral, e dos que irão assumir este género de
cargos, em particular, para que estes possam contribuir para uma melhor implementação da
reforma educativa em curso, nomeadamente promovendo práticas de ensino/aprendizagem
que apostem verdadeiramente na operacionalização da transversalidade da língua
portuguesa, em particular quando associada ao desenvolvimento de competências em
compreensão na leitura.
Os dados a analisar foram essencialmente recolhidos através de um questionário
aplicado aos responsáveis educativos de um agrupamento de escolas. Foi ainda possível
entrevistar alguns dos inquiridos, para aprofundar as ideias retiradas das suas respostas ao
questionário.
Neste momento, dei por concluída a análise e interpretação dos dados recolhidos e
estou a proceder à elaboração das conclusões do estudo.
-77/205-
Introdução
Através deste projecto, pretende-se aferir quais as representações de
responsáveis educativos sobre a problemática da transversalidade da língua
portuguesa e a sua operacionalização no 1º Ciclo do Ensino Básico, com particular
incidência nos aspectos associados à compreensão na leitura. Pretende-se ainda
apurar em que medida os responsáveis educativos (considerando-os como
professores que exercem cargos de "coordenação"), se percepcionam a si próprios
como supervisores.
Considera-se que estas representações podem ter repercussões no processo
de ensino e aprendizagem, devido à influência que estes responsáveis educativos
podem exercer sobre a actividade dos outros docentes.
A partir da identificação das representações destes responsáveis educativos,
pretende-se também propor estratégias de formação, para que estes se possam
aproximar das orientações emanadas do Ministério da Educação e desenvolver
concepções mais conformes com o quadro teórico a elas subjacente, contribuindo
para que venham a promover práticas fomentadoras da transversalidade da língua
portuguesa, em geral, e da transversalidade associada à compreensão na leitura,
em particular.
2. Contextualização do projecto
-78/205-
Tal realidade exige uma resposta da instituição escolar, nomeadamente a nível
da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa, pois, como o próprio Ministério
da Educação (2001:31) reconhece, “o domínio da língua portuguesa é decisivo no
desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento, no relacionamento social,
no sucesso escolar, profissional e no exercício pleno da cidadania”.
Neste contexto, será ainda necessário levar em consideração os fracos níveis
de literacia da população portuguesa, que estudos recentes referem. Este problema
está relacionado com a falta de competências no domínio da língua portuguesa,
situadas no campo da comunicação escrita.
De facto, de acordo com a OCDE, literacia será “a capacidade de compreender
e usar informação escrita nas actividades do quotidiano, em casa, no trabalho, na
sociedade, a habilidade de desenvolver conhecimentos e atingir objectivos.”
(Andreia Sanches, citada por Sá, 2004:10).
A literacia está, assim, relacionada com a aquisição/desenvolvimento de
competências em certos domínios. De acordo com Maria da Graça Pinto (citada por
Sá, 2004:10), a literacia deverá ser associada à “capacidade de usar as
competências (ensinadas e aprendidas) de leitura, escrita e cálculo (…).”.
Tal como é referido por Sá (2006), a questão da literacia foi despoletada por um
conjunto de estudos de cariz nacional e internacional. Dentre eles, merecem
destaque o estudo de Ana Benavente e sua equipa (Benavente et al., 1996) e os
relatórios relacionados com o PISA – Programme for International Student
Assessment, da responsabilidade da OCDE, nomeadamente o primeiro, consagrado
à literacia em leitura (GAVE, 2001).
Daqui decorre a importância da problemática da transversalidade da língua
portuguesa, enquanto possível vector de promoção do desenvolvimento de
competências em compreensão na leitura e em produção escrita em língua
portuguesa, que se reflectem de forma positiva noutras áreas curriculares,
disciplinares e não disciplinares, e na vivência de uma cidadania plena e activa.
Do mesmo modo, segundo Inês Sim-Sim, Inês Duarte e Maria José Ferraz
(1997), quanto mais atenção for dada à leitura e à escrita nas outras áreas
curriculares, disciplinares e não disciplinares, tanto melhores serão os resultados
obtidos pelos alunos na área curricular disciplinar de Língua Portuguesa.
-79/205-
É, portanto, inequívoca a importância do desenvolvimento de competências ao
nível da língua portuguesa, para todas e em todas as áreas do currículo, devendo
estas ser trabalhadas de forma transversal e integradora.
Neste contexto, é também de realçar a importância da compreensão na leitura,
uma vez que não basta saber ler, saber decifrar mecanicamente o código escrito,
mas é imprescindível saber compreender. De acordo com Inês Sim-Sim, Inês Duarte
e Maria José Ferraz (1997:27), um bom desempenho ao nível da leitura permitirá: “O
aumento do potencial comunicativo e a expansão dos interesses individuais, e é a
grande facilitadora das aprendizagens escolares e do crescimento cognitivo de cada
aluno”.
Por outro lado, tal como refere Dionísio (2000:42), "o sucesso escolar depende
muito da leitura: todo o saber aí transmitido está preservado na escrita, o acesso a
esse saber e a avaliação da sua aquisição implicam a leitura".
Obviamente, quanto melhor o aluno conseguir compreender a informação que
lê, maiores serão as suas possibilidades de obter sucesso, quer a nível escolar, quer
no contexto social.
No caso do 1º Ciclo do Ensino Básico, e por este constituir o primeiro nível do
ensino oficial do sistema educativo português, ou seja, a base deste, consideramos
ainda mais premente um ensino direccionado para o desenvolvimento de
competências nos alunos, nomeadamente em compreensão na leitura. Logo,
estamos perante um nível de ensino em que a problemática da transversalidade da
língua portuguesa deve assumir particular importância.
2. 2. Papel da Supervisão na renovação da Escola do séc. XXI
-80/205-
transferíveis para as situações educativas em que estes enquadram os seus
alunos.”
Do mesmo modo, o público-alvo deste projecto (ou seja, professores
dispensados de funções lectivas, exercendo cargos como responsáveis educativos)
poderá assumir funções supervisivas relativamente aos seus colegas em exercício
lectivo e, consoante os seus quadros de referência, influenciá-los, de modo a afectar
a sua acção enquanto profissionais da educação.
Poderemos, então, lançar uma questão essencial para este nosso projecto: se
os responsáveis educativos dos agrupamentos de escolas (nomeadamente ao nível
dos Conselhos Executivos e dos órgãos de decisão intermédia) se poderão ou não
considerar supervisores de professores e até que ponto a legislação que
regulamenta o exercício destas funções (nomeadamente a Lei 24/99 de 22 de Abril e
o Decreto Lei 115-A/ 98 de 4 de Maio) prevê (ou não) esta acepção.
Se considerarmos que a complexidade dos problemas que a escola hoje
enfrenta exige trabalho em equipa, cabendo, em primeiro lugar, aos responsáveis
educativos a tarefa de dar a conhecer ao restante corpo docente a legislação, os
programas de ensino e aprendizagem e as orientações emanadas das estruturas do
Ministério da Educação, poderemos facilmente associar a estas figuras o exercício
de funções de natureza supervisiva.
Numa escola que se pretende de cariz reflexivo e construtivo, atenta à
realidade sociocultural em que se insere, cremos que a estes responsáveis
educativos, devidamente enquadrados numa vertente supervisiva, se poderá, tal
como referem Alarcão e Tavares (2003:149) “atribuir-lhes a função de facilitadores
ou líderes de comunidades aprendentes” com a função de “fomentar ou apoiar
contextos de reflexão formativa e transformadora, que, traduzindo-se numa melhoria
da escola, se repercutem no desenvolvimento profissional dos agentes educativos
(professores, auxiliares e funcionários) e na aprendizagem dos alunos que nela
encontram um lugar, um tempo e um contexto de aprendizagem”.
Apurar as representações (em que consistem e de que modo se manifestam)
que os responsáveis educativos possuem acerca da transversalidade da língua
portuguesa, sobretudo associada à compreensão na leitura, e da sua
operacionalização no 1º Ciclo do Ensino Básico e ainda sobre o seu papel enquanto
supervisores permitirá compreender a influência que estes poderão exercer na
gestão curricular e, através desta, no processo de ensino e aprendizagem.
-81/205-
De facto, as representações sociais constituem sistemas de interpretação da
realidade que regulam a nossa relação com os outros e orientam o nosso
comportamento. Enquanto fenómenos cognitivos, podem ser consideradas como o
produto de uma actividade de apropriação da realidade exterior e, simultaneamente,
encaradas como processos de elaboração psicológica e social da realidade.
3. O estudo em curso
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• a natureza do seu contributo para a promoção da transversalidade da
língua portuguesa associada à compreensão na leitura no 1º Ciclo do Ensino Básico.
- Com base na identificação das representações destes responsáveis
educativos, apresentar algumas sugestões, a desenvolver no âmbito de planos de
formação contínua, que visem reforçar:
• a dimensão supervisiva no exercício das suas funções;
• o seu contributo para a promoção de práticas pedagógicas que
valorizem a transversalidade da língua portuguesa no 1º Ciclo do Ensino Básico,
nomeadamente associada à compreensão na leitura.
3.2. Metodologia adoptada
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procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (qualitativos ou não), que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens.”
3.3. Algumas conclusões provisórias
-84/205-
“direcção/gestão”. Já os que ocupam cargos como o de Coordenador da Articulação
Curricular ou do Conselho de Docentes reportaram-se à vertente de
divulgação/transmissão de informações.
Dos dados obtidos através da entrevista, depreende-se que as vertentes mais
em evidência no exercício das funções dos responsáveis educativos inquiridos são
as vertentes “legislativa”, de “orientação” e de “carácter pessoal e civilizacional”, o
que, atendendo aos cargos desempenhados pelos respondentes em questão, vem
corroborar as afirmações anteriores.
A ideia de que o supervisor é um orientador que deve motivar os seus
supervisandos para a análise e a reflexão e para a procura das competências e dos
conhecimentos necessários à resolução das situações que o quotidiano escolar
eventualmente envolve é confirmada pelas afirmações escolhidas nas respostas a
uma pergunta incluída no questionário (Questão 11). Com efeito, as afirmações que
recolheram a percentagem mais expressiva de concordância foram a afirmação
11.3. (O supervisor deve permitir que os seus supervisandos se constituam eles
próprios em agentes dinâmicos, cabendo-lhe o papel de os ajudar a analisar e a
repensar o seu desempenho.) e a afirmação 11.4. (O supervisor deve ajudar os seus
supervisandos a desenvolver capacidades e competências e a explorar os
conhecimentos de que dispõem para resolverem os problemas que a actuação
docente lhes apresenta, num clima de encorajamento.), tendo ambas sido referidas
por 10 pessoas (76,92%).
Consideramos que estas escolhas dos nossos inquiridos apontam no sentido
de encararem a escola como “uma comunidade de aprendentes” (Alarcão e Tavares,
2003, p.148), em que “na reconceptualização dos supervisores na escola reflexiva,
podemos atribuir-lhes a função de facilitadores ou líderes de comunidades
aprendentes, pois a sua função principal consiste em fomentar ou apoiar contextos
de reflexão formativa e transformadora que, traduzindo-se numa melhoria da escola,
se repercutem no desenvolvimento profissional dos agentes educativos
(professores, auxiliares e funcionários) e na aprendizagem dos alunos que nela
encontram um lugar, um tempo e um contexto de aprendizagem” (Alarcão e
Tavares, 2003, p. 149).
Quando confrontados com a questão “Considera que, devido ao cargo que
ocupa, tem possibilidade de desempenhar um papel inovador na “construção” de
uma nova escola?”, os nossos inquiridos responderam maioritariamente que sim (10
-85/205-
inquiridos, correspondendo a 76,92%), referindo maioritariamente como justificação
a razão ”pela postura assumida”, logo seguida de “através do incentivo, promoção
de debates”.
Estas referências parecem-nos importantes, na medida em que chamam a
atenção para o facto de que as possíveis “mudanças“ a promover na escola não
podem só ser definidas por decreto, necessitam da colaboração de todos os
intervenientes no processo educativo. A nosso ver, as relações interpessoais
estabelecidas entre estes são fundamentais, com particular relevo para as
interacções não formais estabelecidas entre os pares, sobretudo a nível de
microssistema e mesossistema.
Relativamente à questão que pretendia determinar se os inquiridos tinham ou
não conhecimento da existência de formação em supervisão, dois deles referiram
saber que existia formação nesta área a nível superior. Um deles tinha frequentado
uma formação dessa natureza e o outro não forneceu dados relativos à origem
dessa informação. Além disso, todos os entrevistados consideraram que seria
importante os Centros de Formação proporcionarem formação na área da
Supervisão.
As justificações relativas a este aspecto focaram basicamente três:
- a necessidade que sentiam, na prática, de formação nesta área, devido aos
cargos/papéis que, por inerência da profissão, são, por vezes, chamados a assumir;
- o facto de, eventualmente, sentirem necessidade de um esclarecimento mais
aprofundado sobre o significado e a abrangência do termo supervisão, pois, sendo
este usado muito comummente em situações díspares, o seu significado apresenta-
-se muito difuso; quanto a este ponto, parece-nos oportuno referir que o termo
supervisão tem assumido, ao longo dos tempos, diferentes e múltiplas
interpretações, sem que o seu “sentido” seja verdadeiramente consensual; de facto,
ele é, neste momento, referido em vários documentos oficiais, nomeadamente no
que se refere às Actividades de Enriquecimento Curricular no 1º Ciclo, embora as
dificuldades surjam, aquando da operacionalização dos procedimentos a cumprir na
prática;
- o facto de a frequência de formação nesta área ser sempre uma mais-valia,
no sentido em que contribuiria, quer para o esclarecimento de dúvidas, quer para a
formação de novas perspectivas subsequentes; parece-nos interessante destacar
este ponto, na medida em que “qualquer” formação encerra sempre esta mais-valia
-86/205-
de poder suscitar novas interrogações, novos interesses, que nos possam levar,
enquanto profissionais e pessoas, a questionarmo-nos e a reflectirmos crítica e
construtivamente sobre as nossas práticas.
Aliás, esta constatação vem ao encontro do que foi referido pelos inquiridos,
que afirmaram possuir formação relevante para o desempenho dos seus cargos (5
pessoas). Inquiridos sobre qual o contributo dessa formação para melhorar o seu
desempenho profissional, as razões apresentadas foram: i) mais conhecimentos; ii)
novas perspectivas e iii) incremento da reflexão.
Das três pessoas entrevistadas, as duas que referiram não possuir formação
em Supervisão consideraram que esta seria útil para o seu desempenho
profissional: o inquirido que desempenhava o cargo de Presidente do Conselho
Pedagógico pensava que essa formação lhe teria sido útil, na medida em que lhe
proporcionaria um acréscimo de confiança no exercício das suas funções. Referia
ainda que ser indicado para desempenhar este tipo de cargo sem ter nenhuma
formação específica adequada tinha sido “muito stressante / e exigiu da minha parte
/ um grande sentido de responsabilidade / de disciplina e muito trabalho /”. O outro
responsável educativo (Coordenador da Articulação Curricular) também considerava
que essa formação lhe teria sido útil, porquanto, se detivesse formação em
Supervisão, poderia “orientar melhor os outros”.
Um outro aspecto que nos parece importante referir reporta-se à constatação
de que a existência de formação em supervisão a nível superior é importante, mas
não é suficiente para abranger todo o público-alvo, quer porque, economicamente, é
onerosa, quer ainda porque exige um dispêndio a nível de tempo e de empenho, que
nem todos querem, ou podem assumir.
3.3.1. Relativas à transversalidade da língua portuguesa e sua
operacionalização
-87/205-
para o processo de ensino e aprendizagem de outras áreas curriculares,
disciplinares e não disciplinares
No que respeita ao papel que a língua portuguesa pode desempenhar no
desenvolvimento de competências que possam favorecer/propiciar a integração
socioprofissional dos alunos (Afirmação 14.2), os dados recolhidos revelam que 9
dos inquiridos (69%) consideravam esta realidade como muito importante. Também
a afirmação 14.3. – “Para a formação geral do aluno/indivíduo” foi assinalada por 10
pessoas (72,92%).
Parece-nos que estas afirmações vêm ao encontro do preconizado por
Nogueira (1984: 12-13), quando este refere que a língua portuguesa, enquanto
língua materna da maior parte dos discentes, é a “condição de conhecimento do
real: como meio ou instrumento de comunicação; como expressão de conteúdos;
como sistema de elementos e de regras.” Sem dúvida, a formação do indivíduo,
enquanto tal, é mediada pela apropriação que este faz da sua língua, pois é com
esta e através desta que ele vai desenvolvendo e formando a sua personalidade,
assim como interagindo com os que o rodeiam, e exprimindo os seus pontos de
vista.
Como Valadares (2003: 31) refere “é de salientar a notável função socializadora
que esta disciplina [Língua Portuguesa] desempenha, tendo em conta as
competências comunicativas que ela promove e que são essenciais e
indispensáveis à inserção social.”.
À questão “Qual julga ser o interesse (a principal vantagem) de um ensino
transversal da língua portuguesa?” todos os inquiridos responderam que seria “o
desenvolvimento de competências na área de língua portuguesa”. Como afirma o
RE7, permitiria desenvolver “competências ao nível da compreensão e da
contextualização”, o que – sublinhamos nós – facilitaria aos alunos um maior
sucesso nas outras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares de âmbito
curricular, pois em todas são requeridos conhecimentos que se enquadram neste
âmbito.
É de salientar também a importância atribuída à língua portuguesa no nosso
quotidiano, nos contextos social e profissional, o que faz com que esta se revista
implicitamente de carácter transversal, na medida em que tem um papel a
desempenhar numa melhor integração e inserção do indivíduo no seu meio
sociocultural. Segundo o RE 9: “Acho que não é uma questão de interesse // é uma
-88/205-
questão de ser absolutamente necessário / (…) a importância da língua portuguesa
no dia-a-dia é fundamental / se é fundamental no dia-a-dia // obviamente a
transversalidade // também é evidente /”
Era convicção generalizada entre os inquiridos que as outras áreas curriculares
(disciplinares e não disciplinares) podem contribuir para um melhor domínio da
língua portuguesa. Referimos explicitamente a resposta de um dos inquiridos, que
nos parece sintetizar as opiniões dos restantes: “através das demais áreas é
possível o desenvolvimento de esquemas mentais, técnicas, contextualizações, que
facilitam a aprendizagem da língua portuguesa”.
Cremos que tal acontece, porque, em todas as áreas curriculares (disciplinares
e não disciplinares), se desenvolvem e se trabalham competências que se incluem
explicitamente no espectro da língua portuguesa. Parece-nos que a vertente
transversal da língua portuguesa assume aqui um papel específico e explícito, sendo
esta parte integrante de todas as áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares) e não podendo, de modo algum, ser confinada à aula de Língua
Portuguesa. Até porque, sendo a nossa língua materna, é fundamental o seu
domínio para um bom desempenho nas restantes áreas curriculares (disciplinares e
não disciplinares).
Nas respostas dadas à questão “Na sua opinião, quais são as áreas
curriculares (disciplinares e não disciplinares) com maior relação com a área
curricular disciplinar de Língua Portuguesa?”, os inquiridos referiram sobretudo as
áreas curriculares disciplinares de Matemática e Estudo do Meio e as áreas
curriculares não disciplinares (Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação
Cívica).
A área curricular disciplinar de Estudo do Meio é referida por todos os inquiridos
provavelmente por ser uma área em que os conteúdos são muito diversificados, o
que poderá dar azo a maiores probabilidades de serem explorados de forma a
serem trabalhadas competências de âmbito da área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa. Outra razão para este factor poderá ser o facto de esta ser vista por
muitos docentes como uma “área integradora”, que serve de eixo central ao
currículo, sendo assim mais passível do desenvolvimento de competências
interdisciplinares.
Relativamente às áreas curriculares não disciplinares, não se nota preferência
acentuada por nenhuma.
-89/205-
Os nossos inquiridos chamam ainda a atenção para as disciplinas da área das
Expressões, considerando que estas também contribuem para um melhor domínio
da língua portuguesa, porque, no seu âmbito, também são abordadas competências
da área de Língua Portuguesa. De acordo com o RE7, por exemplo, na área da
Educação Física, “quando o professor de educação física / Ahm / aborda a uma
modalidade desportiva / os alunos // têm que ler / e compreender as regras”.
Depreende-se do discurso deste docente que, em todas as áreas, os alunos têm
que, quer perceber o discurso do docente, quer compreender os textos
apresentados por este, pois só assimilando a informação dada será possível
progredir nas suas aprendizagens.
De acordo com os dados obtidos, a larga maioria dos nossos inquiridos (11
pessoas) não tem dúvidas sobre o facto de, enquanto responsáveis educativos, as
suas próprias convicções sobre a importância da transversalidade da língua
portuguesa poderem influenciar a prática lectiva dos restantes docentes. É
interessante verificar que estes responsáveis educativos consideram que o podem
fazer “tomando posições a favor da transversalidade da língua portuguesa na prática
lectiva”, sendo que esta tomada de posições se pode contextualizar/materializar
através de “projectos, discussões orientadas para esta área, exploração de livros,
contacto com autores” ou “promovendo a reflexão em torno da problemática, (…)
definindo metodologias/estratégias de acção”.
Parece-nos que devemos também referir que ficámos com a sensação de que
os nossos inquiridos não se referiam só a um nível de influência a título formal, mas
também que acreditavam que o contacto informal com os colegas no qual se
assumia uma posição de defesa da transversalidade da língua portuguesa podia ser
considerado de relevo. Diz o RE7, na sua entrevista: “quem ocupa um cargo de
supervisão na escola / Ahm / automaticamente passa a ser alvo da observação dos
professores / e // a sua maneira de agir e de trabalhar // ahm / pode ser apontada
como exemplo / pela negativa / ou pela positiva // (…) adoptar essa postura de
defender a transversalidade da língua portuguesa / certamente que será / seria
reparada / Ahm / quer dizer comentada / e seguida por alguns dos restantes
professores /”.
Os nossos inquiridos consideram também que seria importante os Centros de
Formação oferecerem aos docentes formação relacionada com a problemática da
-90/205-
transversalidade da língua portuguesa. No entanto, ao nível das justificações,
dispersaram-se muito, não tendo referido razões específicas.
Bibliografia
Coelho, S. (2002). Evolução das crenças dos alunos – professores sobre a profissão
docente no ano de prática pedagógica. Dissertação de mestrado não publicada. Castelo
Branco: Instituto Politécnico de Castelo Branco.
-91/205-
GAVE (2001). Resultados do estudo internacional PISA 2000. Lisboa: Ministério da
Educação/Gabinete de Avaliação Educacional.
Sá, C. (1996). Núcleo central das representações sociais. Petrópolis, R.J.: Editora Vozes.
Sim-Sim, I., Duarte, I., Ferraz, M. J. (1997). A Língua Materna na Educação Básica:
competências nucleares e níveis de desempenho. Lisboa: Ministério da
Educação/Departamento de Educação Básica.
-92/205-
▪ A transversalidade da língua portuguesa: instrumentos
-93/205-
Transversalidade da língua portuguesa no 3º Ciclo do Ensino Básico e Gestão
Flexível do Currículo
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Introdução
-95/205-
associados à gestão flexível do currículo (Projecto Curricular de Turma), tendo em
conta as formas de operacionalização dessa transversalidade nas várias disciplinas
do currículo dos alunos e ii) a partir desta análise, traçar linhas de actuação que
pudessem contribuir para uma gestão flexível do currículo promotora da
transversalidade da compreensão na leitura.
-96/205-
Também na reforma educativa em curso, as competências específicas
definidas para a disciplina de Língua Portuguesa, no âmbito do Currículo Nacional
do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2001), seguem as propostas do final da
década de 80 e da década de 90 do século passado, salientando que a meta do
currículo de Língua Portuguesa na educação básica é desenvolver nos jovens um
conhecimento da língua que lhes permita atingir competências essenciais para a sua
evolução no processo de ensino/aprendizagem e para a sua futura integração
socioprofissional.
A importância destas competências é ainda sublinhada por Inês Sim-Sim, Inês
Duarte e Maria José Ferraz (1997), quando afirmam que o ensino/aprendizagem da
Língua Portuguesa, durante a educação básica, deve promover o desenvolvimento
de cinco competências, que consideram como nucleares: Compreensão do oral,
Leitura, Expressão oral, Expressão escrita e Conhecimento. Segundo estas autoras
(Sim-Sim et al., 1997: 33), estas competências devem também ser desenvolvidas
por todas as outras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, pois são
fulcrais para a formação científica, social e pessoal do aluno e dão “a todas as
crianças e jovens que a frequentam [a escola] idênticas oportunidades de
desenvolverem as suas capacidades.”
No entanto, o que se verifica, na realidade, é alguma dificuldade em
operacionalizar a transversalidade da língua portuguesa, o que é confirmado pelo
estudo levado a cabo por Rómulo Neves, no âmbito da sua dissertação de mestrado
(Neves, 2004). De acordo com este estudo (cf. Neves e Sá, 2005), as dificuldades
de operacionalização da transversalidade da língua portuguesa reveladas pelos
professores de Português derivam de vários factores, de entre os quais se destacam
a carência de formação e a resistência dos professores ao trabalho colaborativo.
Outros factores invocados são a mobilidade frequente dos professores, a sobrecarga
horária com que são muitas vezes confrontados, o número excessivo de alunos por
turma, a quantidade de conteúdos programáticos a leccionar, a ausência de controlo
das práticas lectivas por organismos competentes e a fuga dos professores das
restantes áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares) à responsabilidade em
tudo o que se refere à língua portuguesa.
-97/205-
2. 2 Sua importância no currículo do Ensino Básico
-98/205-
enquanto alunos do Ensino Superior e futuros professores (de Matemática) em
Português, da importância da língua em que iriam ensinar. Após a análise dos dados
recolhidos a partir da aplicação de um questionário a um grupo de alunos da
Licenciatura em Ensino de Matemática da Universidade de Aveiro, concluiu que
estes atribuíam a devida importância à língua portuguesa, enquanto língua materna,
mas também enquanto língua privilegiada de ensino e de aprendizagem. Na opinião
destes futuros professores, o domínio da língua reverteria não só a favor da
disciplina de Matemática, neste caso, mas também a favor da formação geral do
indivíduo, do cidadão e do professor. O grupo de inquiridos sublinhou ainda que
fazia parte das competências a adquirir e desenvolver, durante a frequência dos
Ensinos Básico e Secundário, dominar os instrumentos operatórios para uma
reflexão sobre a língua e sobre o seu funcionamento.
A outra vertente da transversalidade da língua portuguesa (referida
anteriormente) está associada ao facto de todas as áreas curriculares, disciplinares
e não disciplinares, poderem contribuir para um melhor domínio da mesma, pois,
como já foi referido, ela é o instrumento de aprendizagem em todo o currículo: é
veículo de comunicação entre professores e alunos e um espaço privilegiado para o
desenvolvimento das competências cognitivas, linguísticas e comunicativas dos
alunos.
Devido ao seu carácter aberto – associado ao facto de nelas nada estar
previamente programado, nem se prever a leccionação de conteúdos específicos no
seu âmbito –, as novas áreas curriculares não disciplinares apresentam-se como um
espaço ideal para promover o contacto entre as diferentes áreas curriculares
disciplinares. Temas ou conteúdos de qualquer disciplina podem ser abordados no
âmbito destas áreas, onde tudo pode ser relacionado, questionado e desenvolvido,
evidenciando-se assim o seu carácter interdisciplinar, multidisciplinar e
transdisciplinar.
Para além das áreas curriculares não disciplinares, os professores costumam
referir as disciplinas de Línguas Estrangeiras e de História como as principais
promotoras da transversalidade da língua portuguesa, como confirmam os
resultados obtidos por Rómulo Neves (2004: 166), no seu estudo sobre as
representações de supervisores de Português no 3º Ciclo do Ensino Básico relativas
a diversos aspectos da transversalidade da língua portuguesa.
-99/205-
Este fenómeno é de fácil compreensão, uma vez que as línguas apresentam,
no seu currículo, conteúdos semelhantes e pretendem desenvolver as mesmas
competências.
É evidente que todas as outras áreas curriculares (que não sejam a de Língua
Portuguesa) podem e devem desenvolver a transversalidade da língua portuguesa,
de acordo com a legislação em vigor.
Este princípio encontra-se definido em diversos documentos oficiais e essa é
também a concepção de muitos educadores e até encarregados de educação.
Segundo Fonseca (1990:52), “há uma (...) observação, frequentemente feita por
professores, pais e até pelos próprios alunos, que dá uma maior dimensão ao
problema [transversalidade da Língua Materna] (...): o insucesso noutras áreas do
saber ou disciplinas deve-se ou não é mais que insucesso em Língua Materna.”
No entanto, devido ao tradicionalismo do contexto educativo (que fecha cada
disciplina em si mesma), à resistência dos professores em abrir as fronteiras da sua
sala de aula (para a deixarem invadir por conhecimentos provenientes de outras
áreas do saber), à falta de trabalho colaborativo entre professores (que proporcione
a troca de experiências edificantes e que contribua para a adequação do processo
de ensino/aprendizagem ao grupo/turma em questão), à falta de formação para os
professores (que conduz às dificuldades de operacionalização), a transversalidade
da língua portuguesa encontra obstáculos, quando se trata de ser desenvolvida
pelas restantes áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares).
Em suma, todos os professores reconhecem realmente a sua importância, mas
sentem grande dificuldade em concretizar a sua operacionalização.
2. 3 O Projecto da Gestão Flexível do Currículo e a operacionalização
da transversalidade da língua portuguesa
Como refere Ana Maria Lopes (2003), o Conselho Europeu, reunido em Lisboa
em Março de 2000, instituiu a modernização do sistema educativo como um dos
objectivos da década em curso, de modo a que seja possível acompanhar as
mudanças socioeconómicas que se verificam em toda a Europa. Das conclusões
desta reunião, é oportuno destacar a que refere a necessidade de adaptar os
sistemas educativos na Europa às exigências da sociedade, nomeadamente
concedendo oportunidades de aprendizagem a diversos grupos sociais. Contribuir
-100/205-
para a formação de cidadãos responsáveis e intervenientes é o grande desafio que
hoje se coloca ao sistema educativo.
Espera-se que as mudanças que têm actualmente lugar em Portugal,
nomeadamente a Reorganização Curricular do Ensino Básico, consignada no
Decreto-Lei nº 6/2001 e inspirada nos mesmos princípios que regem o Projecto da
Gestão Flexível do Currículo, constituam um passo em frente na concretização
desse objectivo. Este projecto assenta no pressuposto de que cada escola – e, mais
especificamente, os professores de cada escola – dispõe de autonomia para gerir o
processo de ensino/aprendizagem. Pretende-se, assim, e tanto quanto possível,
atender à realidade e necessidades de cada grupo de alunos, de cada escola e de
cada região.
Tem-se consciência de que se pretende uma escolaridade “para todos”, mas,
complementarmente, que nem todos têm condições para obter o tão desejado
sucesso. Assim sendo, deve-se dar particular atenção às situações de exclusão e
tentar integrar no sistema educativo, da melhor forma, o maior número possível de
indivíduos, fornecendo-lhes formação e educação. No entanto, reconhece-se que
continuarão sempre a existir situações que é impossível controlar.
A partir das orientações curriculares em vigor no âmbito da Gestão Flexível do
Currículo e do núcleo de aprendizagens consideradas essenciais para todos os
alunos do mesmo ciclo, as escolas e os próprios professores têm oportunidade de
determinar as competências cujo desenvolvimento irão privilegiar, seleccionar
conteúdos a elas associados e determinar as actividades a implementar nas
diferentes áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, a fim de que elas
sejam efectivamente desenvolvidas. Paralelamente, poderão também organizar o
processo de ensino/aprendizagem, em termos de tempo e de métodos, tendo em
conta os contextos escolares e a comunidade educativa em causa.
Esta adequação é trabalhada em Conselho de Turma através da elaboração do
Projecto Curricular de Turma, uma das inovações desta Reorganização Curricular do
Ensino Básico, que serve de base à operacionalização do Projecto da Gestão
Flexível do Currículo. De facto, é através dele que se chega aos alunos de uma
dada turma, organizando-se e planificando-se o processo de ensino/aprendizagem
em função das suas necessidades e interesses específicos. A operacionalização
eficaz deste projecto pressupõe o trabalho colaborativo entre professores,
principalmente no seio do Conselho de Turma.
-101/205-
A elaboração, implementação e avaliação do Projecto Curricular de Turma
contribuem, de forma inestimável, para a operacionalização da transversalidade da
língua portuguesa.
No Decreto-Lei nº 6/2001, que regulamenta a Reorganização Curricular do
Ensino Básico, refere-se que “nesta reorganização assume particular relevo... o
reforço do núcleo central do currículo nos domínios da língua materna e da
matemática” e que “o diploma consagra [...] o domínio da língua portuguesa [...]
como formações transdisciplinares”. O artigo 6º do mesmo diploma volta a referir a
valorização da língua portuguesa como formação transdisciplinar.
Assim, pretendia, com este estudo, proceder à análise de Projectos
Curriculares de Turma, tendo em conta dois aspectos essenciais: i) a presença da
transversalidade da língua portuguesa nesses documentos e ii) propostas relativas à
sua operacionalização nas diversas áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares).
3. O estudo empírico
-102/205-
Para ser mais precisa no meu estudo e para responder a algumas dúvidas que
surgiram aquando da análise documental, recorri a outro método de recolha de
dados – a entrevista. Foram entrevistados alguns Directores de Turma, responsáveis
pela elaboração de Projectos Curriculares de Turma analisados, também com o
objectivo de determinar os princípios pedagógico-didácticos que tinham estado na
base da elaboração dos documentos analisados, procurando esclarecer pontos
menos claros. As entrevistas utilizadas foram do tipo semi-estruturado, isto é, feitas
com base num guião orientador, que foi utilizado de uma forma flexível. Este estava
organizado em três grandes blocos temáticos que exploravam aspectos importantes
para o estudo: i) a caracterização do Director de Turma, ii) o papel do Conselho de
Turma na elaboração do Projecto Curricular de Turma e iii) a relação entre o
Projecto Curricular de Turma e a transversalidade da língua portuguesa.
Ao confrontar os Directores de Turma entrevistados com os documentos
produzidos sob a sua orientação, pretendia-se reconstruir o sentido que eles davam
ao conceito de transversalidade e às práticas pedagógicas que deveriam conduzir à
operacionalização da transversalidade da compreensão na leitura. Pretendia-se
também levá-los a reflectir acerca das metodologias utilizadas para a construção do
Projecto Curricular de Turma e da adequação das ideologias subjacentes ao
mesmo.
3.2. Algumas conclusões do estudo
-103/205-
o que revela falta de articulação. Mas as áreas curriculares não disciplinares definem
estratégias/actividades que se destinam a atingir os objectivos delineados onde é
notória a operacionalização do desenvolvimento de competências transversais
associadas ao domínio da língua portuguesa. Por seu lado, as áreas curriculares
disciplinares não fazem qualquer referência a objectivos, mencionando somente as
competências específicas sem indicar qualquer estratégia que as desenvolva, que
pouco promovem a transversalidade da língua portuguesa. Constituem excepção as
Línguas Estrangeiras, a História e a Geografia.
Esta constatação explica-se pelo facto dos programas propostos pelo Ministério
da Educação para as áreas curriculares disciplinares de línguas se apresentarem já
organizados de forma a promoverem a transversalidade da língua portuguesa. O
facto de, nestas áreas curriculares disciplinares, serem exploradas praticamente as
mesmas competências linguísticas decorre da proximidade existente entre elas,
dado que todas pretendem promover o ensino/aprendizagem de uma língua.
A disciplina de História – pertencente, no sistema antigo, à área das
Humanidades, juntamente com as línguas – apresenta também afinidade com a
disciplina de Língua Portuguesa e o seu carácter documental e investigativo
promove o desenvolvimento de competências associadas à compreensão na leitura.
Por outro lado, a Geografia, apesar de ser uma ciência social, tem consciência
da importância da transversalidade da língua portuguesa e tenta operacionalizá-la,
constituindo uma excepção dentro das restantes áreas curriculares disciplinares,
revelando que os docentes desta disciplina consideram a língua portuguesa como
um instrumento essencial para que os alunos desenvolvam competências nesta
área.
No entanto, as restantes áreas curriculares disciplinares não promovem, nas
suas competências específicas, a transversalidade da língua portuguesa.
São várias as causas que estão na origem desta situação, destacando-se a
persistência do Ministério da Educação em implementar reformas sem proporcionar
aos docentes a formação necessária para as operacionalizar e a tendência dos
professores para não questionarem as directrizes do Ministério da Educação,
aplicando-as sem uma reflexão necessária a uma correcta aplicação, que favoreça
os alunos no processo de ensino/aprendizagem.
A ausência de referências a objectivos e a menção de competências sem
indicação de como vão ser operacionalizadas, referindo as estratégias/actividades
-104/205-
previstas para o efeito, resultam do facto dos professores não terem ainda
interiorizado o conceito de competência, à luz do novo paradigma crítico-reflexivo
em que se enquadra a Reorganização Curricular do Ensino Básico. Como
consequência da indefinição que rodeia o conceito de competência, surge a
identificação deste conceito com o de objectivo, confundindo-se o significado dos
dois conceitos.
Esta última observação conduz-nos a uma outra conclusão retirada do nosso
estudo: a ausência de reflexão por parte dos docentes.
Segundo Maria do Céu Roldão (2000: 17), “pensar curricularmente significa tão
só assumir conscientemente uma postura reflexiva e analítica face ao que constitui a
sua prática quotidiana, concebendo-a como campo de saber próprio a desenvolver e
aprofundar, não como normativo que apenas se executa sem agir sobre ele.”
Essa consciência só é conseguida através de uma profunda reflexão acerca
das práticas lectivas, permitindo operacionalizar os conceitos de adequação e
flexibilidade, exigidos pelo paradigma crítico-reflexivo e que são a expressão de toda
a ideologia que está na base do Projecto da Gestão Flexível do Currículo.
3.2.2. Decorrentes da análise dos dados recolhidos a partir das
entrevistas aos Directores de Turma
-105/205-
disciplinares e não disciplinares e também entre competências e conteúdos
indicados para as diferentes áreas curriculares disciplinares. A partir da análise das
respostas às entrevistas, apercebi-me da escassez de reuniões do Conselho de
Turma especificamente consagradas à elaboração do Projecto Curricular de Turma,
do não exercício da função de supervisor por parte do Director de Turma, da
atribuição exclusiva do desenvolvimento curricular nas áreas curriculares não
disciplinares ao professor responsável pela sua leccionação (numa das escolas),
tudo factores que levam a pressupor uma ausência de trabalho colaborativo entre os
professores envolvidos neste processo.
Os professores não trabalham em conjunto, porque tal exige mais tempo de
dedicação à escola, porque não querem partilhar saberes (pois receiam a avaliação
implícita em tal situação) e ainda porque não admitem hierarquias (indispensáveis a
uma boa orientação dos trabalhos).
Assim, a partir das entrevistas aos Directores de Turma, reforcei a ideia de que
a formação, a reflexão e o trabalho colaborativo são imprescindíveis para o sucesso
de qualquer reforma, principalmente de uma reforma que implica mudança de
mentalidades, como é o caso da Reorganização Curricular do Ensino Básico.
3.3. Algumas sugestões decorrentes do estudo
-106/205-
Assim, deveria constar do horário dos professores um espaço especificamente
destinado a este trabalho colaborativo. Entre outras finalidades, esse espaço seria
consagrado à concepção, elaboração, avaliação e reformulação do Projecto
Curricular da turma em questão, trabalho esse que favoreceria a articulação entre as
diversas áreas do currículo, particularmente em termos de abordagem da
transversalidade da língua portuguesa e da sua operacionalização.
As áreas curriculares não disciplinares deveriam explorar temas aglutinadores e
as actividades/estratégias aí desenvolvidas deveriam ser planificadas de acordo com
os objectivos de diversas áreas curriculares disciplinares, articulando os conteúdos e
promovendo o desenvolvimento de competências transversais.
O Ministério da Educação deveria também promover a transversalidade da
língua portuguesa de uma forma mais activa, pois é necessário não só legislar, mas
também mudar mentalidades.
As acções de formação poderiam não fazer parte do horário dos professores,
mas deveriam ser acreditadas, contribuindo para a progressão na carreira do
docente, motivando, desta forma, para a sua frequência.
Deveriam também contribuir para que todos os professores tomassem
consciência da importância do desenvolvimento de competências associadas ao
domínio da língua portuguesa – quer no âmbito da área curricular do mesmo nome,
quer no âmbito das restantes áreas curriculares disciplinares. Paralelamente, todos
os professores deveriam ser alertados para o papel a desempenhar pelas novas
áreas curriculares não disciplinares neste contexto.
Penso que, para que estas áreas curriculares não disciplinares atinjam os
objectivos para cuja concretização foram propostas, seria benéfico que a sua
dinamização fosse assegurada por, pelo menos, dois docentes de áreas diferentes.
Assim, seria combatida a tendência para trabalhar conteúdos directamente
relacionados com a disciplina do docente responsável pela sua leccionação, não
alimentando a ideia do “saber estanque”.
Além disso, os docentes responsáveis pela leccionação destas áreas deveriam
ter como função a sua coordenação efectiva, aproveitando as reuniões do Conselho
de Turma para pedir sugestões a todos os docentes da turma, visando o
desenvolvimento curricular destas áreas e promovendo, dessa forma, o trabalho
colaborativo.
-107/205-
Os órgãos de gestão da escola deveriam também proporcionar as condições
logísticas necessárias a este processo – por exemplo, através da criação de
espaços de diálogo e reflexão participada –, pois só assim se poderá proceder à
operacionalização de todo este processo.
Os Directores de Turma deveriam desenvolver uma concepção supervisiva das
suas funções, mediante uma formação adequada ao seu exercício.
Relativamente à elaboração dos Projectos Curriculares de Turma, com vista à
promoção da transversalidade da língua portuguesa (principalmente na área
curricular disciplinar do mesmo nome), essa questão deveria ser primeiro debatida
em Departamento, para depois as diferentes áreas curriculares disciplinares
poderem articular-se entre si em Conselho de Turma, tendo os diversos professores
já trabalhado nesse campo, facilitando a sua operacionalização.
Relativamente às áreas curriculares não disciplinares, a respectiva equipa
coordenadora deveria também programá-las no sentido de promover a referida
transversalidade, para, depois, ser operacionalizada em Conselho de Turma.
Para uma execução funcional do Projecto Curricular de Turma, seria
recomendável que o Conselho de Turma se reunisse mais frequentemente, com o
objectivo de o avaliar e de o reformular, adequando-o constantemente à turma em
questão.
Para fazer a avaliação do Projecto Curricular de Turma, seria também muito
importante a opinião dos alunos. Eles deveriam ser frequentemente auscultados
acerca do seu processo de aprendizagem, sendo-lhes permitido fornecer sugestões
que contribuíssem para uma melhor adequação do mesmo às suas necessidades.
Por fim, para que os diversos órgãos escolares actuassem no sentido de
promover a transversalidade da língua portuguesa, o Departamento de Língua
Portuguesa deveria ter um papel mais preponderante no meio escolar, promovendo
actividades que apelassem à acção dos outros professores nesse sentido, incluindo
mesmo acções de formação.
-108/205-
Bibliografia
Castro, R. V., Sousa, M. L. (1998). Hábitos e atitudes de leitura dos estudantes portugueses.
In R. V. Castro e M. L. Sousa (org.), Entre linhas paralelas – estudos sobre o português nas
escolas. (pp. 39-54). Braga: Angelus Novus.
Pardal, L., Correia, E. (1995). Métodos e técnicas de investigação social. Porto: Areal
Editores.
Sim-Sim, I., Duarte, I., Ferraz, M. J. (1997). A língua materna na educação básica.
Competências nucleares e níveis de desempenho. Lisboa: Ministério da
Educação/Departamento da Educação Básica.
-109/205-
Legislação consultada
-110/205-
Transversalidade da língua portuguesa no 1º Ciclo e Gestão Flexível do
Currículo
Resumo
Vivemos uma época de profundas mudanças, tanto na área económica e social, como
no interior dos sistemas educacionais, que afectam a vida da escola e dos seus principais
actores sociais: professores e alunos. A escola deve preparar os jovens para a vida,
permitindo-lhes, no futuro, exercer a cidadania de uma forma consciente e activa. Desse
esforço faz parte fornecer aos alunos as ferramentas necessárias para que possam
compreender a informação com que contactam todos os dias e usufruir dela.
Este esforço implica que a Escola, em geral, e o 1º Ciclo do Ensino Básico, em
particular, promovam a transversalidade da língua portuguesa, nomeadamente quando
associada ao desenvolvimento de competências em compreensão na leitura. Como
professora do 1º Ciclo do Ensino Básico, tenho verificado a existência de grandes problemas
neste domínio.
Dado que a reforma do sistema educativo português actualmente em curso inclui uma
vertente de Gestão Flexível do Currículo, que dá a cada escola e aos professores que nela
trabalham a possibilidade de organizar e adequar o processo de ensino/aprendizagem às
características e necessidades específicas dos seus alunos, parece-me que este é um
contexto favorável à promoção da transversalidade da língua portuguesa e à sua
operacionalização, associada ao desenvolvimento de competências em compreensão na
leitura.
Com estes princípios em mente, decidi investir num estudo centrado na análise dos
Projectos Curriculares de Turma de uma escola do 1º Ciclo do Ensino Básico, com o
propósito de verificar de que forma a transversalidade da língua portuguesa era abordada
nesses documentos, em termos de concepções e de operacionalização. Interessei-me
particularmente pelo desenvolvimento de competências associadas à compreensão na
leitura.
O estudo em curso tem por objectivo essencial conduzir à apresentação de linhas de
orientação que possam contribuir para uma gestão flexível do currículo promotora da
transversalidade da língua portuguesa associada à compreensão na leitura, no 1º Ciclo do
Ensino Básico.
-111/205-
1. Importância da transversalidade da língua portuguesa e da sua
operacionalização no processo de ensino/aprendizagem
-112/205-
2. Papel a atribuir ao desenvolvimento de competências em compreensão
na leitura neste contexto
-113/205-
Dado que o 1º Ciclo do Ensino Básico é o primeiro momento da escolaridade
obrigatória em Portugal, a este nível de ensino compete lançar as bases neste
domínio.
Tal implica saber fazer uma gestão curricular, que valorize e explore a
transversalidade da língua portuguesa. E, para o fazer, há que rentabilizar
oportunidades oferecidas às escolas, no quadro da reforma curricular em curso.
O Projecto de Gestão Flexível do Currículo constitui a possibilidade que cada
escola possui de organizar e adequar o processo de ensino/aprendizagem às
características e necessidades específicas dos seus alunos.
De acordo com os princípios que regem esta reforma do sistema educativo, o
currículo da escola deve partir do conhecimento prévio do aluno e não de um elenco
de conteúdos seleccionados por órgãos educacionais superiores. Está nas mãos de
cada professor utilizar a flexibilidade do currículo para o adaptar a todos os seus
alunos, tendo em conta as suas necessidades, motivações, expectativas, realidades,
etc.
É neste contexto que se situa a chamada diferenciação curricular, que o
professor tem a oportunidade de operacionalizar através do Projecto Curricular de
Turma.
Segundo Roldão (1999: 43), por projecto curricular entende-se a forma
particular como, em cada contexto, se reconstrói e se apropria um currículo face a
uma situação real, definindo opções e intencionalidades próprias e construindo
modos específicos de organização e gestão curricular, adequados à consecução das
aprendizagens que fazem parte do currículo para os alunos concretos daquele
contexto.
Assim sendo, o Projecto Curricular de Turma é, sem dúvida, um instrumento
essencial na promoção da transversalidade da língua portuguesa e na sua
operacionalização.
-114/205-
de concepções e de operacionalização. Interessei-me particularmente pelo
desenvolvimento de competências associadas à compreensão na leitura.
Para ser possível proceder à análise documental de forma orientada, indo ao
encontro dos objectivos delineados, foi necessário elaborar um instrumento – mais
concretamente, uma grelha de análise –, que permitisse organizar e sistematizar os
dados recolhidos e proceder à respectiva análise. Esse instrumento possibilitaria a
selecção dos dados que eram realmente pertinentes para o estudo e a sua
caracterização de acordo com categorias previamente definidas, imprescindíveis
para organizar as conclusões decorrentes do estudo.
Esta grelha compreende um conjunto de categorias, organizadas de forma
hierárquica. Nela foram definidas três macrocategorias, a saber Autonomia na
leitura, Compreensão na leitura e Interacção leitura-escrita.
No interior de algumas destas macrocategorias, foram ainda definidas
categorias.
A macrocategoria Autonomia na leitura abrange três categorias: Hábitos de
leitura, Recreação na leitura e Obtenção da informação através da leitura.
A macrocategoria Compreensão na leitura inclui também três categorias:
Apreensão das ideias do texto, Identificação das ideias principais do texto e
Identificação da estrutura do texto.
Por sua vez, a macrocategoria Interacção leitura-escrita engloba as seguintes
categorias: Prática da expressão escrita a partir da compreensão na leitura, Revisão
do texto produzido e Reescrita e melhoria do texto produzido.
Cada categoria inserida na macrocategoria Compreensão na leitura divide-se
ainda em três subcategorias: Antes da leitura, Durante a leitura e Após a leitura.
Estas categorias foram por nós consideradas como essenciais para a análise
de dados relativos ao desenvolvimento de competências associadas à compreensão
na leitura.
A análise dos Projectos Curriculares de Turma (PCTs) recolhidos incidiria em
determinados elementos incluídos na grelha e que deveriam constar dos
documentos analisados:
- Competências (subdivididas em Gerais, Transversais e Específicas);
- Objectivos;
- Conteúdos;
- Estratégias/Actividades;
-115/205-
- Material;
- Avaliação.
Em suma, iríamos procurar determinar de que forma é que as categorias por
nós definidas se operacionalizavam nos PCTs recolhidos através da análise destes
elementos, no âmbito do desenvolvimento de competências associadas à
compreensão na leitura, detectando formas de promoção da transversalidade da
língua portuguesa.
O estudo em curso tem por objectivo essencial conduzir à apresentação de
linhas de orientação que possam contribuir para uma gestão flexível do currículo
promotora da transversalidade da língua portuguesa associada à compreensão na
leitura, no 1º Ciclo do Ensino Básico.
É ainda objectivo deste estudo determinar a influência da monodocência
(característica da leccionação no 1º Ciclo do Ensino Básico) sobre concepções de
transversalidade da língua portuguesa associada ao desenvolvimento de
competências em compreensão na leitura e formas de operacionalização dessa
transversalidade na área curricular disciplinar de Língua Portuguesa presentes nos
PCTs analisados.
Através deste estudo, pretendo ainda obter respostas para as seguintes
questões investigativas:
- Qual o papel atribuído à transversalidade da língua portuguesa associada à
compreensão na leitura em documentos ligados à gestão flexível do currículo no 1º
Ciclo do Ensino Básico?
- Como se operacionaliza essa transversalidade nesses documentos, no âmbito
da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa?
- Que influência poderá a monodocência (característica da leccionação no 1º
Ciclo do Ensino Básico) exercer sobre concepções de transversalidade da língua
portuguesa associada à compreensão na leitura e formas de operacionalização
dessa transversalidade, no âmbito da área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa?
-116/205-
5. Algumas observações resultantes da análise dos Projectos Curriculares
de Turma
Embora ainda não tenha sido possível elaborar as conclusões da análise dos
PCTs, já tenho algumas observações importantes a registar.
Assim, constatei que:
- apesar de os PCTs analisados terem sido elaborados por professores que
exercem a sua actividade numa mesma escola do 1º Ciclo do Ensino Básico, cada
um deles segue um modelo diferente; tal facto leva-me a concluir que não há
trabalho colaborativo entre os professores;
- ao elaborar os PCTs analisados, os professores responsáveis pelos mesmos
procuraram valorizar aspectos como as competências a desenvolver nos seus
alunos, estratégias a adoptar em sala de aula e actividades a desenvolver com as
crianças; no entanto, nem sempre estes elementos estão relacionados entre si de
forma harmoniosa;
- normalmente, não são referidos objectivos nos PCTs analisados; tal facto
parece decorrer da dificuldade que os professores no terreno, actualmente, sentem
em distinguir objectivos que os alunos deverão atingir, através do seu envolvimento
no processo de ensino/aprendizagem, e competências que este processo deverá
desenvolver neles;
- apesar de o regime de monodocência poder ter alguma influência na forma
como estes professores do 1º Ciclo do Ensino Básico encaram a transversalidade da
língua portuguesa e a sua operacionalização na sala de aula, tal não transparece ao
nível da elaboração dos PCTs, nem na planificação das suas actividades; de acordo
com a análise feita, estes professores parecem ainda muito fechados no espaço
curricular da Língua Portuguesa, quando se trata de promover e operacionalizar a
sua transversalidade, esquecendo que as outras áreas curriculares, disciplinares e
não disciplinares, também têm um importante papel a desempenhar neste contexto
e que eles, sendo professores generalistas, se movem num contexto privilegiado, no
que se refere a esta problemática.
Bibliografia
-117/205-
Curriculares. (pp. 19-38). Lisboa: Ministério da Educação/Departamento da Educação
Básica.
CHARMEUX, E. (1994). Aprender a ler vencendo o fracasso. São Paulo: Cortez Editora
(trad.).
COSTA, J. A., VENTURA, A., DIAS, C. (2002). Dos projectos de escola aos projectos de
turma: perspectivas de mudança nas práticas organizacionais. In P. Abrantes, Gestão
Flexível do Currículo – reflexões de formadores e investigadores. (pp. 63-95). Lisboa:
Ministério da Educação/Departamento de Educação Básica.
SANTOS, O. (2000). Uma nova política da didáctica do português língua materna. Palavras,
18, pp. 6-17
-118/205-
SILVA, E. T. (1991). O ato de ler – fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da
leitura. 5ª Edição. São Paulo: Cortez Editora (trad.).
-119/205-
O papel dos manuais de Língua Portuguesa no desenvolvimento de
competências transversais associadas à compreensão na leitura
Resumo
Introdução
2
Com o financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
-120/205-
São vários os estudos que demonstram que a sociedade moderna tem,
necessariamente, que enfrentar um novo problema – o défice de competências
imprescindíveis à vida activa manifestado pela população de diferentes faixas
etárias, quer no domínio da comunicação escrita (que abarca a compreensão na
leitura e a produção escrita), quer no domínio do cálculo e de competências
relacionadas com os domínios científico e tecnológico (Sá, 2006).
Neste contexto, a Escola tem um papel muito importante a desempenhar.
Cabe-lhe a responsabilidade de desenvolver nos alunos competências transversais
necessárias à sua integração numa comunidade socioprofissional e ao usufruto dos
vários recursos postos ao seu dispor, deixando de se preocupar apenas com a
aquisição de conhecimentos.
Tendo presentes algumas leituras feitas, concluímos que a designação
“competências transversais” evidencia que estas competências atravessam todas as
áreas de aprendizagem propostas pelo currículo, ao longo dos vários ciclos de
escolaridade, e são, igualmente, relevantes para a vida extra-escolar dos alunos. Se
assim não fosse, o que se ensina aos alunos na escola só seria útil no âmbito da
própria escola e esta seria uma instituição sem outra finalidade que não promover-se
a si própria, o que poria em causa a sua própria razão de ser (Meirieu, 1988).
Algumas das competências transversais, que figuram entre as mais
importantes, estão ligadas à compreensão na leitura. Neste campo, importa ter
presente que o acesso à língua escrita tem consequências no desenvolvimento
científico e cultural das nossas sociedades e no desenvolvimento intelectual dos
indivíduos. A língua escrita associa-se, deste modo, a um aumento considerável das
possibilidades de comunicação e desenvolvimento pessoal, já iniciadas pelo
indivíduo com a aquisição da linguagem oral.
Uma dimensão que tem de ser considerada, quando se pretende trabalhar esta
problemática, é a dos manuais que dão apoio ao ensino/aprendizagem da Língua
Portuguesa (Castro e Sousa, 1998; Castro et al., 1999; Dionísio, 2000).
O interesse social da leitura tem sido um objecto privilegiado da investigação
em Educação, nas últimas décadas.
Somos de opinião de que os estudos sobre leitura beneficiaram da
unanimidade entretanto gerada em torno da definição do acto de leitura como uma
actividade cognitiva muito complexa, que envolve numerosos componentes básicos
e que pressupõe o recurso a mecanismos de decifração/descodificação, mas
-121/205-
também a compreensão do conteúdo expresso no texto, o que determina o seu uso
como um instrumento para aprender. Não basta identificar as palavras, é preciso
atribuir-lhes sentido, compreender, interpretar, relacionar e reter o que for mais
relevante.
Apesar do interesse crescente pela leitura e das competências transversais a
ela associadas, sentimos que ainda não se investigou o suficiente sobre o papel que
os manuais escolares poderão vir a ter na operacionalização dessa
transversalidade, nomeadamente no domínio da compreensão na leitura.
Neste contexto, temos presente, por um lado, a política educativa portuguesa,
que pretende promover um ensino capaz de proporcionar uma educação que
permita ao aluno crescer a nível pessoal, social e profissional e, inclusive, dotá-lo de
condições que lhe permitam fazer uma leitura crítica da realidade e participar
activamente na vida social. Por outro lado, não podemos esquecer a crescente
preocupação com o fraco nível de literacia (linguística, matemática e científica) que
caracteriza, quer a população portuguesa adulta (Benavente, Rosa, Costa et al.,
1996), quer os alunos à saída do Ensino Básico (GAVE, 2001).
Logo, é finalidade deste estudo tratar a questão da transversalidade da língua
portuguesa, tendo em conta especificamente o desenvolvimento de competências
no domínio da compreensão na leitura.
A presente comunicação tem ainda como objectivo reflectir sobre o papel
desempenhado pelos manuais de Língua Portuguesa do Ensino Básico na aquisição
e desenvolvimento de competências transversais em compreensão na leitura.
É nossa pretensão ultrapassar as meras alusões teóricas e permitir, a médio
prazo, dotar os jovens das competências essenciais que lhes possibilitem, uma vez
concluído o Ensino Básico, a aprendizagem ao longo da vida e o exercício pleno da
cidadania.
Dando seguimento ao que nos propusemos, concentraremos agora a nossa
atenção na presença da língua portuguesa no Ensino Básico e no importante papel
que esta desempenha na formação dos alunos a todos os níveis, se se tiver em
conta as inúmeras possibilidades abertas pela sua transversalidade.
-122/205-
2. A língua portuguesa no sistema de ensino português e o seu contributo
para o desenvolvimento de competências transversais
-123/205-
participação na praxis social. Neste contexto, o domínio da língua portuguesa é
encarado como um factor de comunicação e apropriação dos diversos conteúdos
disciplinares. A carência deste domínio não só condiciona o sucesso escolar, como
também põe em causa a realização plena do indivíduo.
Assim, como já ficou demonstrado, reconhece-se o papel de relevo que a
língua portuguesa desempenha na aquisição de múltiplos saberes e tem-se vindo a
reforçar a consciência da importância da sua transversalidade ao nível do currículo.
Ela é tida como elemento intermediário, que possibilita a construção da nossa
identidade, promove o nosso relacionamento com os outros e favorece o
entendimento do mundo que nos rodeia.
Como afirma Sá (2006), é crescente a referência à transversalidade da língua
portuguesa, que se manifesta em duas vertentes: no facto de, através do processo
de ensino/aprendizagem associado à área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa, os alunos desenvolverem competências importantes para o seu
sucesso escolar e a sua integração socioprofissional (nomeadamente as
competências de compreensão na leitura) e também no facto de o próprio
ensino/aprendizagem das outras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares,
poder contribuir para o melhor domínio da língua portuguesa, já que esta é a língua
veicular em que aquele se processa.
Embora tenhamos identificado, na literatura especializada, algumas referências
à transversalidade da língua portuguesa (Frias e Sousa, 1999; Funk, 2002; Neves,
2004; Sá, 2002, 2003; Santos, 2000), não encontrámos estudos que discutam a
importância da consciencialização da sua transversalidade e o contributo das
competências adquiridas através do seu ensino/aprendizagem para o sucesso do
aluno, a nível escolar e social. De facto, a necessidade de promover um
ensino/aprendizagem da língua portuguesa que conduza efectivamente ao
desenvolvimento de competências transversais, nomeadamente no domínio da
compreensão na leitura, tem sido apenas vagamente tratada.
Apesar de dificuldades e entraves vários, podemos concluir que a
transversalidade da língua portuguesa e a sua operacionalização no Ensino Básico
têm vindo a ser encaradas cada vez com mais seriedade, nestes últimos anos, dado
que esta desempenha um papel extremamente importante na formação dos alunos a
todos os níveis.
-124/205-
A promoção da transversalidade da língua portuguesa está inevitavelmente
ligada à abordagem da compreensão na leitura e a sua realização passa,
essencialmente, pelo desenvolvimento de competências neste domínio, aspectos
sobre os quais nos deteremos de seguida.
Eis algumas das questões que serviram de ponto de partida à nossa reflexão e
para as quais esperamos obter respostas ao longo do nosso estudo. São elas: O
que é ler?; Em que consiste o acto de leitura nas diferentes áreas do currículo
escolar?; Como incentivar o aluno a ler por prazer?; Como despertar e garantir o
interesse pela leitura?; Que actividades de leitura será necessário promover para
que os alunos desenvolvam competências de pesquisa, tratamento, selecção e
organização da informação, essenciais ao sucesso escolar e à integração social?;
Quando se deve ensinar ao aluno o que é ler, por que ler, para que ler, quando ler,
como ler em cada uma das disciplinas?
Na verdade, não podemos negar que, na sociedade actual, a leitura continua a
revestir-se de uma grande importância, apesar de as modernas tecnologias terem
dado origem a novos suportes, que podem competir com o livro. Tal justifica a nossa
procura de respostas para as questões há pouco enumeradas.
A capacidade de ler deve ser encarada como um poderoso instrumento de
aprendizagem e, paralelamente, como um meio através do qual o leitor extrai do
papel impresso ou do formato digital uma satisfação pessoal.
Desta forma é importante reforçar a sua importância pluridisciplinar e extra-
-escolar. Segundo Sá (2003), a compreensão na leitura é uma competência
transversal, que exerce um papel fundamental no ensino/aprendizagem de todas as
áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, e ainda no dia a dia do cidadão
integrado na sociedade.
É preciso ter presente que a leitura é sempre uma elaboração da informação,
variando somente a intenção que o leitor associa à situação em que realiza esta
actividade. Assim, é possível lidar com as diversas modalidades de leitura através
de um planeamento que permita a inserção da multiplicidade de textos (narrativos,
-125/205-
poéticos, teatrais, jornalísticos) num trabalho pedagógico que contribua para
promover o gosto pela leitura.
É, ainda, preciso superar algumas concepções tradicionais sobre a
aprendizagem da leitura. A principal é a de entender a leitura como uma
aprendizagem limitada aos primeiros anos de escolaridade e centrada apenas nas
capacidades de descodificação e de conversão das letras em sons, sendo a
compreensão consequência natural dessa acção. Devido a esta concepção errada,
a Escola tem produzido muitos “leitores” capazes de descodificar qualquer texto,
mas com enormes dificuldades para compreender o que lêem (cf. Amor, 1994: 82).
A leitura na escola, muitas vezes, tem sido apenas um objecto de ensino. Para
que possa constituir também objecto de aprendizagem, é necessário que faça
sentido para o aluno. Este processo deve ser encarado como um continuum que
começa mesmo antes da escolarização. É consensual a ideia de que os leitores se
formam muito antes da entrada para a escola, através dos seus contactos com
materiais e actividades de leitura, no contexto social.
O processo de aprendizagem da leitura deve, ainda, alargar-se a toda a
escolaridade e ir além dela, uma vez que deve ser entendido como uma capacidade
interpretativa válida na Escola e fora dela.
O ensino da leitura deve ainda ser entendido como uma tarefa própria dos
professores de todas as áreas de conhecimento. Possuir competências neste
domínio é determinante para a aprendizagem e para a obtenção de êxito escolar.
Dos estudos feitos no âmbito do PISA, conclui-se que os maus níveis de
desempenho relativos ao domínio da leitura identificados põem largamente em
causa as práticas escolares. Ficou demonstrado que, naquilo em que são
ensinados, os estudantes têm bons desempenhos – foi o caso da leitura da
narrativa, um tipo de texto obsessivamente presente ao longo da escolaridade.
O que se passa é que as competências que foram avaliadas no âmbito do PISA
(GAVE, 2001) não são de todo ou são insuficientemente desenvolvidas nas nossas
escolas. Se se entender que a aquisição de tais competências é imprescindível,
então é premente a discussão sobre os objectivos e os objectos que é preciso
contemplar na escola.
Por um lado, na aula de Língua Portuguesa, é importante promover o contacto
dos alunos com uma grande diversidade de textos, tornando-os capazes de ler em
diferentes situações e com diferentes finalidades.
-126/205-
Por outro lado, sabemos também que é indispensável integrar, no
ensino/aprendizagem das restantes áreas curriculares (disciplinares e não
disciplinares), estratégias e técnicas de leitura idênticas às que se utilizam na aula
de Língua Portuguesa.
Além disso, todos os professores devem ter um conhecimento aprofundado
sobre o que significa compreender os textos que normalmente propõem para estudo,
que capacidades e conhecimentos este processo requer do aluno/leitor e que
características textuais o favorecem ou dificultam.
Neste contexto, entendemos que o acto de ler ultrapassa os limites da sala de
aula e que, por essa razão, a Escola precisa de estar pronta para estabelecer
práticas de leitura que proporcionem ao aluno condições para se tornar um indivíduo
que procure contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática e
justa, sem perder de vista o prazer de ler.
Muitas são as mais valias a adquirir pelos alunos neste domínio. Damos
especial destaque (cf. Costa, 1998): à aquisição de conhecimento linguístico que
desenvolva a capacidade de reconhecer traços linguísticos, modelos organizacionais
da informação, estilos característicos de diferentes tipos de textos e que, portanto,
permita ler e compreender uma panóplia de tipos de textos; à capacidade de actuar
em função da informação obtida através da leitura de vários tipos de textos; à leitura
voluntária; à liberdade na escolha e avaliação de fontes de informação; ao controlo
consciente sobre cada tarefa de leitura, sobre o processamento online, sobre o tipo
de estratégias a utilizar.
Neste âmbito, o objectivo da Escola é formar cidadãos capazes de
compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, assim como as
diferentes leituras que deles podemos fazer. Por isso, é preciso organizar o trabalho
educativo para que os alunos experimentem e aprendam isso na Escola.
Na nossa experiência concreta de leitores, devemos vivenciar momentos de
leitura diferenciados, com diversas finalidades, com diferentes configurações. O acto
de leitura pode corresponder, por exemplo, a uma busca de informação, na qual o
principal objectivo do leitor é extrair do texto informação, ou ao estudo de um texto,
onde se explora em profundidade a relação leitor/texto/autor.
É importante precisar a que correspondem os momentos de leitura
diferenciados ou as situações de leitura diversas.
-127/205-
Baseada em leituras feitas (cf., por exemplo: Bastos e Keller, 1993; Geraldi,
1999), podemos distinguir nas situações de leitura possíveis cinco grandes grupos:
i) A leitura para informação, que tem lugar cada vez que uma mensagem é
apreendida a fim de completar uma lacuna no nosso conhecimento. Referimo-nos
em particular à leitura informativa de jornais, revistas, instruções diversas, normas,
etc., para recolha de dados para fins utilitários.
ii) A leitura para consulta, que é utilizada sempre que procuramos uma
informação pontual num conjunto complexo de informações: dicionários, anuários,
enciclopédias, guia de endereços, catálogos, entre outros. A leitura para informação
(jornais, revistas, etc.) pode tomar este aspecto, quando procuramos uma
informação precisa, em detrimento da restante informação disponível.
iii) A leitura para a acção é muito frequente e mecânica. Antecede, orienta ou
modifica um comportamento ou acção. Estamos perante situações de leitura rápida
e selectiva. Referimos, a título de exemplo: a leitura de placas de sinalização e de
orientação, de avisos, de instruções, de cartazes de rua, das regras de um jogo, dos
manuais técnicos de montagem.
iv) A leitura para reflexão é uma das leituras mais densas, caracterizada por
momentos de apreensão do conteúdo do texto e momentos de pausa para reflexão.
Nesta situação, o acto de ler está normalmente relacionado com o trabalho
intelectual.
v) A leitura literária é aquela em que o leitor, além de apreender o conteúdo
veiculado pelo texto, busca deleitar-se com a sonoridade das palavras. Visa a
fruição do texto e é movida pelo simples prazer. Infelizmente, está quase excluída de
nossa sociedade. Referimo-nos, por exemplo, à leitura de poesia.
Salientamos, assim, a importância de oferecer aos alunos oportunidades de
aprenderem a ler usando os procedimentos que os bons leitores utilizam e
trabalhando as diversas modalidades de leitura.
É também essencial que contactem com uma grande diversidade textual,
associada à abordagem de diversas finalidades da leitura.
É ainda necessário que os alunos, no acto de leitura, façam previsões e
construam inferências a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possuem
e que as verifiquem e integrem.
O trabalho desenvolvido nas escolas visa preparar o aluno para a sua
integração na sociedade de forma participativa. Os materiais escolares têm um
-128/205-
papel importante a desempenhar neste contexto. De entre os materiais escolares, o
manual assume um papel de destaque. É nele e no seu contributo para o
desenvolvimento de competências transversais em compreensão na leitura que
centraremos agora a nossa atenção.
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Em diferentes etapas da vida, crianças, adolescentes e adultos estão abertos a
diferentes tipos de promoção da leitura.
Deste modo, parece-nos que é importante questionar a forma como os manuais
aproveitam essa abertura. As medidas que apresentam são apropriadas ou revelar-
se-iam mais eficazes noutras etapas? Que importância conferem à leitura nos vários
graus de ensino? Definem ou não o que devem ler os alunos em cada grau de
ensino? Quais as medidas de promoção da leitura preferidas pelos manuais e quais
são aquelas que sabemos resultarem?
Eis algumas das questões que serviram de ponto de partida à nossa reflexão e
para as quais esperamos obter respostas ao longo do nosso estudo.
Neste texto, orientada pelo objectivo de contribuir para a definição de princípios
que promovam a elaboração de manuais mais adequados ao desenvolvimento de
competências transversais associadas à compreensão na leitura, procuraremos
apresentar as respostas possíveis às questões formuladas.
Os manuais, tal como todos os factores que interferem no processo de
ensino/aprendizagem, não têm só que se moldar às novas orientações curriculares,
mas também aos contextos sociais em que a aprendizagem ganha sentido.
No caso específico da disciplina de Língua Portuguesa, eles podem possibilitar
a aquisição e o desenvolvimento de competências no domínio da comunicação,
incluindo competências associadas à compreensão na leitura. Podem, de igual
forma, ajudar a desenvolver metodologias de estudo e estratégias de raciocínio
verbal importantes para a resolução de problemas do dia-a-dia do cidadão comum.
Poderão, também, permitir a descoberta da multiplicidade de dimensões da
experiência humana, através do acesso ao património escrito que constitui um
arquivo vivo da experiência cultural, científica e tecnológica da Humanidade.
Apesar de não ser o esperado, o que muitas vezes chega aos professores e
aos alunos, sob a forma de manuais, são imagens pálidas, simplificadas e, por
vezes, enviesadas, porque decorrentes de interpretações subjectivas, de
professores ou de pequenos grupos de professores, dos princípios e das opções
curriculares e didácticas determinantes do processo de ensino e de aprendizagem.
Professores e alunos ficam, assim, numa posição de dependência em relação
ao manual, que já tomou por eles a maioria das decisões curriculares, ao nível da
selecção e da sequencialização de conteúdos e de actividades e do modo como vão
ser concretizadas na sala de aula (cf. Cabral, 2005).
-130/205-
Não podemos criar generalizações, mas reconhecemos que muito pode ainda
ser feito pela melhoria dos manuais escolares.
São várias as funções associadas ao manual: (i) a planificação das acções
pedagógicas por parte dos professores é normalmente apoiada em manuais
escolares; (ii) as práticas pedagógicas têm como referência mais ou menos próxima
algum tipo de manual escolar e (iii) as aquisições realizadas pelos alunos são, em
larga medida, geradas, construídas ou reforçadas pela referência aos manuais
escolares.
No caso da disciplina de Língua Portuguesa, poder-se-á olhar para os
respectivos manuais como lugares em que são veiculadas representações sobre a
linguagem, sobre as práticas comunicativas e, obviamente, sobre a língua
portuguesa.
Com base na consulta de uma ampla bibliografia proveniente de diversos
países e nas nossas próprias reflexões, assentamos na ideia de que, para que um
manual escolar cumpra, na sua plenitude, o destino para o qual foi criado, isto é,
para que seja um instrumento susceptível de contribuir para um enriquecimento
global dos alunos que por ele estudam e de auxiliar o professor na construção da
sua prática pedagógica, é necessário ter em consideração diversos aspectos. Entre
eles, destacamos a estrutura da obra, a organização do ensino, a estruturação da
aprendizagem, a qualidade e o rigor científicos e as formas de comunicação
empregues.
Torna-se, por isso, cada vez mais necessária a problematização da selecção e
avaliação do manual escolar, em função de pré-requisitos pedagógica e
didacticamente bem alicerçados, para que os professores façam uma adopção mais
fundamentada e segura do manual escolar a utilizar com os seus alunos.
Deste modo, seria possível não só fazer uma utilização apropriada do manual
seleccionado, adequando-o às necessidades dos alunos, como também optar pela
manutenção do manual adoptado ou, pelo contrário, seleccionar oportunamente um
manual mais adequado.
Neste sentido, pretendemos trazer os manuais escolares de Língua Portuguesa
para o cerne da discussão e contribuir para a elaboração de manuais mais
adequados à promoção da transversalidade da língua portuguesa através do seu
ensino/aprendizagem. O estudo decorrente deste projecto e que dá corpo a este
texto deverá conduzir à produção de um documento contendo princípios que
-131/205-
possam apoiar a elaboração de propostas didácticas efectivamente orientadas para
o desenvolvimento de competências transversais associadas à compreensão na
leitura. Tal documento revestir-se-á de interesse, não só para os autores de manuais
e para as editoras responsáveis pela sua publicação, mas também para os
professores, podendo ajudá-los a seleccionar os manuais de uma forma mais
criteriosa e a fazer um uso mais crítico dos mesmos.
No referido estudo, contemplando os aspectos acima referidos, centrar-nos-
-emos na análise de manuais de Língua Portuguesa dos vários ciclos do Ensino
Básico, a partir de uma grelha elaborada para o efeito, tendo em conta os princípios
definidos pela literatura da especialidade e as directrizes propostas pela política
educativa portuguesa para este domínio.
Das muitas razões que conduziram à escolha do tema de trabalho exposto
destacam-se as seguintes: i) a consciencialização da transversalidade da língua
portuguesa e do contributo das competências adquiridas através do seu
ensino/aprendizagem para o sucesso do aluno a nível escolar e social; ii) a
necessidade de promover um ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa que
conduza efectivamente ao desenvolvimento de competências transversais; iii) a
importância do papel que os manuais escolares em que se apoia o processo de
ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa podem vir a ter na operacionalização
dessa transversalidade, nomeadamente no domínio da compreensão na leitura.
Partindo de alguns resultados de uma primeira análise dos nove manuais que
fazem parte do corpus do nosso estudo e do estudo-piloto que realizámos, estamos
em condições de afirmar que os manuais de Língua Portuguesa do Ensino Básico
nem sempre contemplam dimensões como: concepções adequadas de leitura e do
seu ensino; a aquisição e desenvolvimento de estratégias de compreensão e de
interpretação textuais; o contacto com textos de natureza diversificada; a promoção
da pesquisa, tratamento, selecção e organização de informação recolhida através da
leitura; e, por último, a motivação para a leitura.
No seguimento do nosso estudo, continuaremos à procura de respostas
possíveis para as questões apresentadas ao longo desta reflexão.
Terminamos, afirmando que o manual é um auxiliar precioso no apoio à
leccionação da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa, pelo que deve
haver, por parte dos autores, um cuidado especial na sua concepção e, por parte
dos professores, um cuidado especial na sua escolha e utilização, de modo a que
-132/205-
ele se constitua, efectivamente, como um bom instrumento de trabalho e contribua
para a qualidade de ensino.
É possível, ao mesmo tempo, concluir que o manual não deve ter a intenção de
substituir o docente. Deve haver espaços para a criatividade do professor, pelo que
este não deve encarar o manual escolar como um livro sagrado, mas sim como um
auxiliar da sua prática pedagógica.
Como afirmámos anteriormente (Martins, Sá, 2008), “O manual escolar, como
promotor da compreensão leitora, deve permitir criar uma atmosfera propícia à
leitura, apresentando finalidades, objectivos a atingir e competências a desenvolver
aquando da prática de leitura. Deve também disponibilizar aos alunos e ao professor
todos os conteúdos do currículo e materiais de leitura diversificados que os
permitam trabalhar, possibilitando a variação das experiências de leitura dos alunos,
para os motivar para a mesma.”
Comprovada que está a importância do manual escolar no processo de
ensino/aprendizagem e o seu contributo para a aquisição e desenvolvimento de
competências transversais e a abordagem de todos os aspectos a que nos
propusemos na introdução, passaremos agora a umas breves considerações finais.
5. Considerações finais
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Paralelamente, os professores devem ainda reservar tempo para promover o
gosto pela leitura
Com base na consulta de uma ampla bibliografia, no estudo-piloto que
realizámos e nas nossas próprias reflexões, assentámos na ideia de que o
ensino/aprendizagem, em sala de aula, tem sido e continua a ser mediado pelos
manuais escolares (cf., por exemplo: Gérard, Roegiers, 1998; Cabral, 2005, Martins,
Sá, 2008b)
Deste modo, o manual escolar, pela sua relevância no ensino da língua
portuguesa, deve ser um aliado do professor e promover o desenvolvimento de
competências no domínio da compreensão na leitura em todos os alunos de todos
os anos de escolaridade e, particularmente, nos que frequentam o Ensino Básico,
que, em Portugal, corresponde ainda à escolaridade obrigatória.
No seguimento deste estudo, continuaremos à procura de respostas mais
satisfatórias para as questões apresentadas ao longo desta reflexão e para outras
que entretanto surjam, de modo a contribuir para elaboração de propostas didácticas
efectivamente orientadas para o desenvolvimento de competências transversais
associadas à compreensão na leitura.
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Santos, O. (2000). Uma nova política da didáctica do Português língua materna. Palavras,
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▪ A transversalidade da língua portuguesa: práticas
-137/205-
Estrutura da narrativa e desenvolvimento de competências em lecto-escrita no
1º Ciclo do Ensino Básico
Resumo
Este projecto teve como objectivo principal determinar a possibilidade de desenvolver
competências de compreensão na leitura e de produção escrita em alunos do 1º Ciclo do
Ensino Básico, a partir do estudo da estrutura da narrativa. Concretizou-se através de uma
experiência de investigação-acção desenvolvida com alunos do 2º Ano de Escolaridade,
numa escola da cidade de Aveiro. Foi adoptado um modelo de estrutura da narrativa
construído com base na consulta de literatura especializada.
A partir da análise e interpretação dos dados recolhidos, foi possível concluir que os
alunos revelavam uma maior consciência da estrutura da narrativa, se mostravam capazes
de aplicar os conhecimentos adquiridos em actividades de compreensão na leitura e
produção escrita centradas em textos narrativos e tinham efectivamente desenvolvido
competências em lecto-escrita.
Obviamente, constatou-se que revelavam mais facilidade no tratamento de certas
categorias e subcategorias da estrutura da narrativa – identificação de personagens
principais e secundárias, no âmbito da Situação inicial, Problema e Resultado – e mais
dificuldades noutros – nomeadamente, caracterização das personagens e localização
espácio-temporal, no âmbito da Situação inicial, e Peripécias.
As dificuldades detectadas resultavam, quer de características do estádio de
desenvolvimento cognitivo em que os sujeitos de 7/8 anos de idade se encontram
habitualmente, quer de lacunas das práticas pedagógicas a que se recorre habitualmente no
1º Ciclo do Ensino Básico, no âmbito do ensino da Língua Portuguesa.
Concluiu-se, ainda, que, dadas as potencialidades reveladas pelo trabalho com textos
narrativos, já que estes são um dos primeiros tipos de texto com que a criança contacta, é
importante realizar actividades didácticas neles centradas, previamente planeadas e
devidamente fundamentadas, que, de forma sistematizada, os explorem, visando a
consciencialização da estrutura da narrativa, por parte do aluno, e o recurso a esses
conhecimentos em compreensão na leitura e produção escrita e, assim, contribuindo para o
desenvolvimento de competências em lecto-escrita.
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1. Razões para a escolha da temática abordada
A manipulação do código escrito é indispensável na sociedade contemporânea.
A sua apropriação ocupa um lugar fundamental na formação de cidadãos capazes
de compreenderem criticamente o mundo. Desenvolver competências de
compreensão na leitura e de produção escrita é um dos objectivos essenciais da
escolarização dos cidadãos e um contributo fundamental para a sua integração
social.
Mas é também uma área onde foram detectadas muitas dificuldades, em vários
estratos da população portuguesa. Estudos realizados no âmbito do PISA –
Programme for International Student Assessment (PISA OEDC, 2000 e 2003) e os
relatórios relativos aos resultados das provas de aferição para o 4º Ano, realizadas
desde 2000 pelo Ministério da Educação, revelam que existem bastantes lacunas
nesta área essencial para o desenvolvimento humano.
Os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico também têm consciência das
dificuldades reveladas pelas crianças nestes dois domínios e sentem que é
necessário encontrar novas estratégias de abordagem da leitura e da escrita neste
nível de ensino para ultrapassar as lacunas detectadas.
Essas dificuldades manifestam-se também relativamente ao texto narrativo,
apesar deste ser um dos mais trabalhados no 1º Ciclo, no domínio da lecto-escrita.
Aparentemente, nem sempre os alunos compreendem os textos narrativos que lêem
e estudam na escola. E também o seu desempenho na produção escrita de textos
desta natureza deixa muito a desejar.
A nossa experiência de docente do 1º Ciclo levou-nos a pensar que o trabalho
centrado nessas competências e feito a partir de textos narrativos não é realizado de
uma forma organizada, coerente e sistematizada, pelo que essas dificuldades não
são ultrapassadas. Por outro lado, pareceu-nos que algumas das dificuldades
detectadas, em termos de compreensão na leitura de textos narrativos e de
produção escrita dos mesmos, denunciam, por parte dos alunos, uma fraca
consciência da estrutura característica deste tipo de textos.
Consequentemente, propusemo-nos levar a cabo um projecto de investigação-
-acção, centrado no estudo da estrutura da narrativa e orientado para o
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura e expressão escrita
em alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico, que, simultaneamente, conduzisse à
consciencialização da estrutura característica dos textos narrativos.
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2. Fundamentação teórica do estudo realizado
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Uma outra forma de melhorar a compreensão na leitura passa por questionar o
texto. Numa perspectiva tradicional, o professor coloca as questões e os alunos
respondem. A propósito desta prática, Solé (1998: 37) refere que “A frequência e,
em algumas ocasiões, a exclusividade com que a sequência
leitura/perguntas/exercícios aparece, indica que para professores, autores e editores
esta é a melhor e talvez a única forma de proceder no ensino da compreensão.”
Paralelamente, as novas perspectivas sobre a lecto-escrita apontam o facto de ser
muito mais profícuo fazer alternar momentos desta natureza com momentos em que
seja o próprio aluno a produzir questões de acordo com o conteúdo do texto.
Giasson (2000: 301) refere que estes “(…) estudos mostram que se aprende mais a
fazer perguntas do que a responder a perguntas.”
Uma outra estratégia de leitura que precisa de ser activada e desenvolvida nos
alunos é a construção de inferências, já que estas constituem um elemento
essencial da compreensão na leitura. Como referimos anteriormente, os resultados
das provas de aferição aplicadas aos alunos do 4º Ano revelaram lacunas ao nível
da sua capacidade de inferir. Então, é premente que se comece, desde cedo, a
fomentar esta prática.
Não poderíamos deixar de referir o quão importante é, para uma melhor
compreensão na leitura, a activação dos conhecimentos prévios dos alunos acerca
do texto, já que estes constituem o seu primeiro suporte para a compreensão.
Uma outra estratégia de leitura que poderá ser implementada para melhorar a
compreensão da leitura é a utilização de gráficos. As representações gráficas
permitem orientar o aluno através do texto e verificar imediatamente se o está a
compreender.
Por último, segundo Cristina Manuela Sá (2004:23), o professor deverá
desenvolver nos alunos “(…) A capacidade de ler com uma finalidade específica
(…). Implica também alertar os alunos para o facto de que o tipo de leitura que
adoptamos para abordar um texto depende de diversos factores, tais como o tipo de
informação que se procura, o tipo de texto em questão (…)”
Por outro lado, como já foi referido anteriormente, nos contextos escolar e
extra-escolar, a leitura interage com a escrita.
Ao escrevermos, temos que nos organizar mentalmente. Mas, para isso
acontecer, é necessário que nos ensinem a fazê-lo!
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As práticas tradicionais salientavam que se aprendia a escrever escrevendo.
Paralelamente, a sociedade e a Escola foram aceitando que a escrita era um dom
com que apenas alguns nasciam.
É imperioso que se comece a desmistificar estas duas concepções.
Segundo Luísa Álvares Pereira (2000:154), “Embora não haja um único modelo
teórico acabado e, apesar da diversificação relativa dos vários modelos, de acordo
com os diferentes domínios convocados (…) na generalidade, consideram-se como
principais componentes do processo redaccional, a planificação, a textualização e a
revisão (Hayes & Flower, 1980).”
Cassany (2000: 59 e 60) refere ainda o posterior trabalho de Hayes, datado de
1996, onde este alarga o anterior modelo, nele integrando a memória de trabalho e
elementos motivacionais e emocionais, rompendo com a concepção sequencial dos
modelos prévios, que sugeriam linearidade e unidireccionalidade.
Neste contexto, será, então, importante que os alunos estejam motivados para
o trabalho que irão realizar.
E essa motivação estará, também, relacionada com o destinatário.
Tradicionalmente, a única pessoa que lia o que o aluno escrevia era o professor e
fazia-o para o corrigir. Actualmente, a investigação refere que os alunos devem
tomar contacto com situações reais de escrita: escrever para os colegas, para outras
turmas, para a comunidade em geral. As práticas de lecto-escrita necessitam de
situações autênticas.
Neste contexto, também não podemos esquecer o facto de que investigações
recentes ressaltam o poder de desenvolvimento que tem, para os alunos, trabalhar
em interacção com os seus pares em todos os aspectos e, também, ao nível da
lecto-escrita.
-142/205-
2.2. Estrutura da narrativa e desenvolvimento de competências em lecto-
-escrita no 1º Ciclo do Ensino Básico
-143/205-
dela se desenvolver com o tempo, pode acontecer que os leitores não a utilizem por
não saberem que é importante utilizá-la.
No caso do texto narrativo, as relações cronológicas e lógico-causais são
extremamente importantes e asseguradas por conectores. Logo, será importante
também contemplá-los no estudo deste tipo de texto, para que os alunos possam
compreender melhor textos desta natureza.
2.2.2.2. Na produção escrita
Cassany (2000: 32) refere que os textos são sistemas complexos de unidades
linguísticas de diferentes níveis (parágrafos, orações, sintagmas, palavras), regras
ou critérios de organização das mesmas.
Neste contexto, parece ser extremamente difícil que o aluno consiga redigir
utilizando esta panóplia de regras!
No entanto, se for realizado um trabalho concertado ao nível da escrita e da
tipologia textual (neste caso concreto, centrado na estrutura da narrativa), é possível
que se melhore o desempenho dos alunos em produção escrita. Os alunos só
perceberão que a narrativa tem características próprias e diferentes doutros tipos de
texto, se o vivenciarem e o trabalharem também em actividades de produção escrita.
Paralelamente, o texto a produzir deverá ser coeso. Neste sentido, um trabalho
centrado na produção escrita de textos narrativos, implicando o recurso ao
conhecimento da estrutura da narrativa, deverá também contemplar a gestão dos
conectores.
2.2.2.3. Importância da consciência metatextual associada à estrutura da
narrativa
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3. Características do estudo realizado
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Os dois primeiros momentos ocuparam quatro sessões e o último abrangeu
doze.
Na concepção e implementação do nosso projecto de intervenção, tivemos de
fazer diversas opções em termos pedagógico-didácticos, o que também se reflectiu
na forma como avaliámos o seu sucesso (cf. Anexo 1).
Dentre elas, destacamos algumas, que referiremos de seguida.
No que diz respeito à compreensão na leitura, optámos pelo recurso:
- à formulação de hipóteses (feita a partir de elementos dos textos narrativos a
estudar apresentados pelo professor) e à sua confirmação (feita a partir de
actividades de compreensão na leitura realizadas a partir desses mesmos textos);
- a diversas modalidades de leitura (em voz alta, silenciosa);
- à tomada de notas (durante a audição da leitura em voz alta de textos
narrativos estudados);
- a actividades de reconto (feitas oralmente e por escrito);
- à identificação das categorias da estrutura da narrativa a partir de diversos
tipos de elementos (blocos de texto dos contos em estudo, respectivas ilustrações),
com base em diversas actividades (preenchimento de lacunas, de esquemas, de
gráficos; delimitação das categorias da estrutura da narrativa no texto do conto em
estudo; elaboração de questões e de respostas a essas questões; produção de
ilustrações).
No que se refere à produção escrita, optámos:
- por algumas actividades que faziam interagir a leitura e a escrita (reconto
escrito; produção de novas Peripécias e de novos Resultados para um conto
estudado; produção de uma versão em banda desenhada de um conto estudado);
- pela elaboração de um conto original.
O desenvolvimento da consciência metatextual decorreu de algumas das
actividades relacionadas com o desenvolvimento de competências em compreensão
na leitura e em produção escrita, realizadas ao longo da intervenção didáctica, que
requeriam dos alunos a justificação de opções feitas.
Na realização das actividades incluídas no plano da intervenção didáctica,
optámos ainda pelo recurso a diversas modalidades de trabalho, explorando a
capacidade de trabalho colaborativo e a autonomia dos alunos: em grande grupo,
em pequeno grupo, aos pares e individual.
-146/205-
3.3. Análise dos dados
4. Conclusões
-147/205-
o local onde se desenrolava a acção e de fazer a respectiva descrição e ainda de
mencionar o tempo em que decorria a acção, utilizando determinadas expressões
temporais.
No que dizia respeito à categoria Problema, os alunos não revelaram quaisquer
dificuldades desde o início da intervenção didáctica.
Pelo contrário, no que se refere às Peripécias, as dificuldades foram sempre
muitas, já que a sua identificação implicava a identificação dos factos e momentos
mais relevantes da acção do conto. Pensamos que estas dificuldades estão
relacionadas com o desenvolvimento cognitivo característico das crianças, que,
nesta idade, revelam dificuldade em distinguir o essencial do acessório, dando mais
relevância ao que os impressiona mais.
No que se refere ao Resultado, os alunos não manifestaram grandes
problemas, ao longo da intervenção dicáctica.
Em suma, a partir da análise de dados feita, verificámos que, no final desta
intervenção didáctica, os alunos melhoraram o seu desempenho em compreensão
na leitura de textos narrativos e demonstraram estar sensibilizados para todas as
categorias características da estrutura da narrativa.
Pensamos que o facto de termos recorrido a uma conjugação premeditada de
várias tarefas permitiu que os alunos desenvolvessem o seu conhecimento da
estrutura da narrativa e a sua capacidade de reutilização do mesmo em tarefas
centradas na compreensão na leitura.
4.2. Relativas ao recurso ao conhecimento da estrutura da narrativa em
tarefas centradas na produção escrita
-148/205-
alunos mostraram-se capazes de seleccionar/produzir todos os acontecimentos que
podiam ser relacionados com esta categoria da estrutura da narrativa;
- no que dizia respeito às categorias Problema e Resultado, os alunos
manifestaram um bom desempenho desde o início da intervenção didáctica.
Julgamos que, ao longo desta intervenção didáctica, os alunos desenvolveram
a sua sensibilidade para todas as categorias da narrativa em termos de produção de
texto, com recurso a conhecimentos relativos à estrutura da narrativa.
Ao nível da Redacção do texto:
- relativamente à Coerência, os alunos conseguiram superar as suas grandes
dificuldades iniciais em termos de produção/selecção de informação relevante
adequada à categoria/subcategoria da estrutura da narrativa em questão;
chamamos a atenção para o facto de que, de acordo com estudos feitos, a
selecção/produção de informação relevante é uma actividade difícil para sujeitos
deste nível etário; assim, ao trabalharmos a estrutura da narrativa, estamos,
também, a ajudar os alunos a saber procurar/produzir a informação mais importante
e a mais adequada a cada categoria da narrativa;
- quanto à Ordenação lógica e cronológica da informação, no início da
intervenção didáctica, os alunos cortavam o seu discurso, deixando frases a meio ou
descontextualizadas, mas, na última fase, não só conseguiram seleccionar e
produzir informação adequada a cada categoria da estrutura da narrativa, como
também foram capazes de a ordenar, de forma lógica e cronológica, e de exprimir
relações de causa-efeito;
- no que se referia à Coesão do texto, desde o início da intervenção, o recurso
aos conectores (lógicos e temporais) suscitou algumas dificuldades; o trabalho
realizado em torno destes ajudou a resolver parcialmente estas dificuldades.
4.3. Relativas ao recurso ao conhecimento da estrutura da narrativa em
tarefas centradas na consciência metatextual da estrutura da narrativa
-149/205-
com o que apresentavam no início da intervenção didáctica e mesmo com o que
apresentavam no segundo momento.
Relativamente à Situação Inicial, no início da intervenção didáctica, os alunos
conseguiam explicitar a existência de uma personagem; contudo, nenhum conseguiu
explicitar qual era o estatuto da personagem referida (principal ou secundária).
Também ninguém fazia referência ao tempo ou ao local de acção como elementos
que deviam estar associados a esta categoria da estrutura da narrativa.
No final, todos os grupos explicitaram quais as personagens que deviam ser
associadas a esta categoria, fizeram a caracterização das personagens principais e
relacionaram a localização espacial da acção com esta categoria.
No que dizia respeito à categoria Problema, embora, no início da intervenção,
tivessem demonstrado alguma dificuldade na justificação, no final, o grupo
responsável pelo tratamento desta categoria da estrutura da narrativa identificou-a
adequadamente, adaptando a sua fundamentação à sua natureza e ao conteúdo do
conto.
Para a categoria Peripécias, no início da intervenção, todos os alunos
apresentaram justificações apenas parcialmente adequadas. Alguns omitiram
peripécias, outros atribuíram às peripécias que identificaram designações
relacionadas com as novas personagens que estas punham em cena e, também,
não conseguiram introduzir nenhuma argumentação válida para esta categoria.
Contudo, no final, souberam justificar correctamente a peripécia por si seleccionada.
No que se referia ao Resultado, ao longo de toda a intervenção, de uma forma
geral, os alunos conseguiram justificar adequadamente a opção tomada, isto é,
relacioná-lo com o desfecho do conto.
5. Sugestões pedagógico-didácticas
-150/205-
Já no que se refere à produção escrita, é importante promover a planificação do
texto e ainda fomentar a produção escrita de textos extensos e a revisão, reescrita e
melhoria dos mesmos.
As actividades de reflexão metatextual ligadas à justificação de opções feitas
no âmbito de actividades relativas à compreensão na leitura e à produção escrita
revelaram-se igualmente produtivas.
Salientámos o facto de o nosso estudo ter igualmente revelado a importância
de trabalhar com tipologias textuais nestes três domínios.
5.2. Relativas a diferentes modalidades de trabalho
-151/205-
Bibliografia
ADAM, J.-M. (1985). Le texte narratif – précis d’analyse textuelle. Paris: Éditions Fernand
Nathan.
PISA - Project for International Student Assessment. (2000 e 2003). GAVE – Gabinete de
Avaliação Educacional. (2005). www.gave.pt/pisa.htm. (consultado em 18/06/2005).
-152/205-
Anexo 1 – Plano da intervenção didáctica
-153/205-
PLANIFICAÇÃO DA INTERVENÇÃO DIDÁCTICA
-154/205-
- Identificar - Verificação da hipóteses de sentido estudados na aula a partir
esquemas formuladas e revisão, se necessário, de elementos apresentados Ficha 2º C – 2 e
narrativos dessas hipóteses. (título do conto, poster 3
simples. - Dedução do sentido global do alusivo ao conto).
texto.
- Sistematização de aprendizagens, Comparação entre
tendo em vista a melhoria de textos produzidos pelos
desempenhos. alunos e textos estudados
na aula.
-155/205-
- preenchimento de Ficha 3º C – 6 Peque
lacunas num texto escrito Ficha 4º C – 7 no
relativo ao conto em estudo; grupo
-preenchimento de um Ficha 1º C – 9 Peque
esquema relativo à estrutura Ficha 2º C – 11 no
do conto(s); grupo
-identificação de palavras-
pista relacionadas com a
delimitação dos diferentes
elementos da estrutura da
narrativa num conto
estudado / detecção de Ficha 1º C – 5 Pares
palavras/expressões comuns Fichas 2º C – 6.1
a contos e preenchimento de e 6.2 Peque
uma ficha (marcadores no
textuais); grupo
-elaboração de questões Ficha 1º C – 6 Pares
sobre partes do conto em Fichas 2º C – 7.1 Individ
estudo; e 7.2 ual
Pequen
-resposta por escrito a Ficha 1º C – 7 o grupo
questões sobre partes do
-156/205-
conto em estudo Ficha 3º C – 2
-produção de ilustrações Pequen
para partes do conto em o grupo
estudo; Ficha 4º C – 7
-preenchimento de
gráficos relativos à estrutura
do conto em estudo; Fichas 4º C – 6.1
-selecção de elementos a 6.6
do texto para legendar/para
produzir ilustrações; Ficha 2º C – 8
-ilustração de contos
estudados na aula ou
produzidos pelos alunos Ficha 1º C – 3
-preenchimento de uma Ficha1º C – 4
ficha de interpretação sobre Ficha 2º C – 10 Pequen
o conto em estudo. Ficha 4º C – 5 o grupo
Actividades de Pequen
reflexão metalinguística o grupo
sobre a estrutura da narrativa Ficha 1º C – 1
e as respectivas categorias
(justificação das opções
tomadas). Pequen
Produção de um Ficha 3 º C – o grupo
-157/205-
Expressão texto baseado na 4
escrita
apresentação da capa do Fichas 2 º C –
conto e do título. 3.1 a 3.4
Reconto escrito do Peque
conto. no
Elaboração de Ficha 2º C – 4 grupo
uma banda desenhada Ficha 2º C – 5
alusiva ao conto. Individ
Elaboração, por ual
escrito, de novas
Peripécias e de novos Ficha 4º C – 2
Produção escrita Resultados para o conto e3
- Planificação do texto a produzir, em estudo.
tendo em conta a intenção e a situação Planificação de Fichas 4º C – Peque
de comunicação, o destinatário, a partes do conto a 4.1 a 4.5 no
modalidade e o conteúdo da narrativa, escrever. grupo
recurso a aprendizagens anteriores; Elaboração de um
- Regulação intermédia; novo conto, seguindo o
- Reescrita (local, ou global, se modelo dos estudados na Peque
necessária); aula. no
- Avaliação dos resultados obtidos; grupo
- Estratégias de auto-correcção;
- Sistematização de aprendizagens, Pares
-158/205-
tendo em vista a melhoria de
desempenhos.
Peque
no
grupo
- Recontar, Peque
com ou sem no
apoio (textual, grupo
visual…), Pares
narrativas Peque
ouvidas ou no
lidas; grupo
- Operar Individ
expansões e ual
variações numa
narrativa (ex:
1ª/ 3ª pessoa;
alterar opções
das
personagens, Peque
-159/205-
desfechos, no
lugares, grupo
momentos);
- Criar
narrativas com
ou sem
instruções de Peque
produção, no
assegurando a grupo
coerência e a
produção
temática
Grand
e
grupo
Grand
e
grupo/
-160/205-
Peque
no
grupo
-161/205-
Anexo 2 – Listas de verificação centradas na compreensão na leitura
Ficha
LEITURA A
o o narrativa
Problema Resultado
de trabalho:
cronologicame
Situação inicial
Identifica Caracteriza Situa a Situa a
Identifica-as
logicamente
Peripécias
Ordena-as
Ordena-as
Resultado
Problema
personagens as acção acção
principais personagens no no
nte
tempo espaço
-162/205-
O – Não – Não consegue
Y – Parcialmente – Responde/Produz assunto de forma incompleta
A – Não foi pedido – Responde/Produz assuntos não solicitados
Z – Não aparece no conto – São solicitados aspectos que não aparecem no conto
D
CONHECIMENTO DA NARRATIVA EM ACTIVIDADES CENTRADAS EM ILUSTRAÇÕES
Ficha
analisada
com as categorias da narrativa para as quais não são propostas categorias da narrativa
ilustrações
trabalho:
Situação Problema Peripécias Resultado Situação Problema Peripécias Resultado Situação Problema Peripécias Resultado
inicial inicial inicial
-163/205-
X – Sim – Consegue de uma forma total e inequívoca
O – Não – Não consegue
Y – Parcialmente – Responde/Produz assunto de forma incompleta
A – Não foi pedido – Responde/Produz assuntos não solicitados
Z – Não aparece no conto – São solicitados aspectos que não aparecem no conto
-164/205-
Anexo 3 – Lista de verificação centrada na produção escrita
B
Ficha
Conectores de tempo
Personagens Tempo Espaço de lógica cronológica
Conectores lógicos
Principal Existência de da da informação da da
relevante informação informação
Situação inicial
outras acção acção
personagens
Peripécias
Peripécias
Resultado
Resultado
Problema
Problema
Q Com o Quem Como
u é são são
e
m
-165/205-
Z – Não aparece no conto X – Sim – Consegue de uma forma total e inequívoca
O – Não – Não consegue
Y – Parcialmente – Responde/Produz assunto de forma incompleta
A – Não foi pedido – Responde/Produz assuntos não solicitados
Z – Não aparece no conto – São solicitados aspectos que não aparecem no conto
-166/205-
Anexo 4 – Lista de verificação centrada na consciência metatextual
Ficha
ESTRUTURA DA NARRATIVA
Peripécias: Resultado:
Situação inicial Problema: qual esforços e qual foi o
de
-167/205-
Z – Não aparece no conto X – Sim – Consegue de uma forma total e inequívoca
O – Não – Não consegue
Y – Parcialmente – Responde/Produz assunto de forma incompleta
A – Não foi pedido – Responde/Produz assuntos não solicitados
Z – Não aparece no conto – São solicitados aspectos que não aparecem no conto
-168/205-
Desenvolvimento de estratégias de leitura funcional através do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa no 3º Ciclo do Ensino Básico
Resumo
Este projecto aborda alguns problemas ligados à integração dos jovens portugueses
na sociedade actual, tais como: encontrar soluções para ajudar a resolver as dificuldades ao
nível do desempenho em leitura reveladas pelos resultados dos estudos sobre literacia em
Portugal; definir o papel da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa no
desenvolvimento de estratégias relacionadas com o ensino e a aprendizagem da leitura que
contribuam para o sucesso escolar e social.
Através da sua concretização, pretendia-se essencialmente: i) definir linhas directrizes
de um processo de ensino da Língua Materna orientado para o desenvolvimento de
competências de leitura funcional, associadas à recolha e tratamento de informação numa
perspectiva multidisciplinar; ii) implementar actividades, definidas com base nessas linhas
directrizes, em aulas de Língua Portuguesa do 3º Ciclo do Ensino Básico; iii) avaliar o
impacto dessas actividades no aproveitamento dos alunos em Língua Portuguesa e noutras
disciplinas do seu currículo.
No centro deste estudo, encontra-se uma experiência pedagógica desenvolvida em
aulas de Língua Portuguesa. Foi concebido e desenvolvido um conjunto de actividades
destinadas ao ensino explícito de estratégias de recolha e tratamento de informação escrita
e à sua utilização em diferentes textos. As estratégias trabalhadas foram o sublinhar
informação relevante (SIR) e a tomada de notas (TDN).
Na análise dos dados, optámos por uma abordagem metodológica de tipo qualitativo.
Na discussão dos resultados, tivemos em conta o sucesso nas áreas curriculares
disciplinares de Língua Portuguesa e de História.
1. Introdução
O interesse pela problemática da leitura funcional, de que resultou o estudo em
que se fundamenta este texto (Balula: 2007), desenvolvido entre 2002 e 2007, teve
origem no confronto com os resultados dos estudos sobre literacia em Portugal,
publicados nos últimos anos (Benavente et al., 1996; OECD, 2001).
-169/205-
Por outro lado, a actividade por nós desenvolvida, ao longo de vários anos, no
âmbito da formação de professores (formação inicial, profissionalização em serviço e
formação contínua), mostrou-nos que é necessário desenvolver investigação que
aponte caminhos para uma alteração das práticas, nomeadamente ao nível de
estratégias de leitura, de modo a promover uma maior adequação às exigências que
actualmente a vida em sociedade coloca.
Fazemos hoje parte de uma sociedade em que o acesso ao conhecimento se
está a manifestar como uma questão muito importante para todos, atendendo às
implicações que tem, quer para os indivíduos, quer para as nações. Quanto mais a
Sociedade do Conhecimento evolui, maiores necessidades apresenta o Homem.
Para aceder à grande quantidade de conhecimento que a sociedade lhe
proporciona, precisa de estar preparado, ou então fica cada vez mais afastado
dessa mesma sociedade, que depende da criação desse conhecimento, bem como
da sua transmissão, disseminação e utilização.
A alfabetização é, portanto, a primeira condição para que o homem moderno
possa participar na sociedade e assim construa conhecimento, que lhe permitirá
exercer uma cidadania consciente, na plenitude dos seus direitos e deveres.
No entanto, para termos cidadãos capazes de usufruir plenamente das
vantagens da Sociedade do Conhecimento, é necessário que estes estejam dotados
de competências que ultrapassam a mera alfabetização. Torna-se indispensável
desenvolver neles competências que lhes permitam processar a informação que é
posta à sua disposição.
Ao conceito de alfabetização passa, assim, a contrapor-se o conceito de
literacia, que se refere ao recurso às competências de leitura, de escrita e de
cálculo, na vida quotidiana, com base em diversos materiais escritos de uso
corrente.
Como já foi dito, nos últimos anos, têm sido apresentados a público vários
estudos sobre a literacia em Portugal (Benavente et al., 1996; OECD, 2001).
Os resultados que estes estudos apresentam, bem como os números relativos
ao abandono escolar precoce, traçam um panorama que nada tem de positivo e
tornam imprescindível que a sociedade portuguesa, em geral, e os seus principais
responsáveis, em particular, reflictam e actuem, de forma a inverter a situação
desfavorável em que o país se encontra.
-170/205-
Perante esta constatação, a sociedade espera que a Escola seja a primeira
instituição a dar resposta a estes desafios e, por isso, como nos diz António
Moderno (1995, 32), «o processo de ensino aprendizagem tem necessidade de uma
ligação constante e estreita com o mundo exterior, com a prática, com os problemas
concretos com que se debate a sociedade.»
No contexto social, assume particular importância a questão da
transversalidade da língua portuguesa. Esta importância passa pelo facto de a
língua ser um veículo de transmissão de representações, concepções e valores
socioculturais e por, simultaneamente, ser um instrumento de intervenção social. Daí
a importância que as sociedades ocidentais atribuem ao desenvolvimento das
competências que conduzem a uma sofisticada mestria linguística, necessária ao
sucesso profissional e social do indivíduo, em particular, e da comunidade, em geral.
Por outro lado, uma vez que a língua escrita continua a ser uma fonte de
informação privilegiada, a preparação do indivíduo para esta sociedade emergente
passa necessariamente pelo desenvolvimento de competências relacionadas com o
processamento da informação escrita, ou seja, pela leitura.
A leitura apresenta-se, indiscutivelmente, como uma actividade que é
determinante em toda a vida do indivíduo, quer no que diz respeito à sociedade em
geral, quer no que diz respeito à Escola em particular. Daí que se imponha uma
nova atenção ao seu ensino/aprendizagem.
Ora, ler para recolher informação é uma das modalidades de leitura mais
imediatamente úteis, ao longo de toda a escolaridade (Ensinos Básico, Secundário e
Superior) e também ao longo de toda a vida. No âmbito da leitura para recolha de
informação, a modalidade de leitura que mais se destaca é a leitura funcional.
Por conseguinte, a leitura funcional é uma das bases da aprendizagem escolar,
pois, tal como refere Jorge Antão (2000, 27), «com ela se obtém informação
necessária para ampliar o conhecimento e dar resposta às necessidades de
formação e de desenvolvimento do indivíduo.»
Deve-se, portanto, procurar levar os alunos a adquirir e desenvolver estratégias
de leitura funcional susceptíveis de serem utilizadas na escola (nas diversas áreas
curriculares, disciplinares e não disciplinares) e fora da escola (no contexto
socioprofissional).
-171/205-
2. Enquadramento teórico
Nas últimas décadas do século XX e nesta primeira década do século XXI que
estamos a viver, habituámo-nos a ouvir falar de uma nova concepção da economia,
de novos paradigmas que a acompanham e definem, da era da informação e da era
da gestão do conhecimento (cf. Serrano e Fialho: 2003, 2).
Hoje em dia, desde o mais humilde cidadão de um país medianamente
desenvolvido até aos governantes das nações mais desenvolvidas, todos sentem,
simultaneamente, os benefícios e as consequências mais desagradáveis destas
alterações.
Vivemos numa «Sociedade Conectada», numa «Sociedade de Informação», de
«Convergência», de «Mobilidade» e do «Conhecimento» (cf. Junqueiro: 2002, 132).
A comunicação à distância imprimiu à sociedade actual um ritmo de
pensamento/acção de tal modo acelerado que não se compadece de quem não o
acompanha.
Trata-se de evidências que não são escamoteáveis e para as quais os
cidadãos dos países desenvolvidos não podem deixar de estar preparados, sob
pena de, pura e simplesmente, serem marginalizados pela sociedade por falta de
meios legítimos de sobrevivência, relacionados com o trabalho legal (cf. Oliveira:
2002, 45-46).
Como diz Philippe Quéau (2001, 413), «O acesso à informação torna-se um
factor chave na luta contra a pobreza, a ignorância e a exclusão social».
Mas, o mais importante parece ser, não a informação em si, já que ela está
acessível em rede, mas sim a capacidade de a apreender, compreender e
transformar em Conhecimento. Por isso, segundo Isabel Martins (2002, 11), «é
importante ensinar a saber enfrentar a evolução do conhecimento científico e
tecnológico, em vez de ensinar apenas aquilo que já é conhecido.»
O fenómeno de globalização, que tem caracterizado o percurso recente das
sociedades, e os avanços tecnológicos no domínio da informação fizeram emergir
novas necessidades ao nível da comunicação (cf. Canha e Alarcão: 2004, 150) e
realçaram o papel da língua portuguesa como pilar estrutural da formação nos
tempos actuais.
-172/205-
Estas novas necessidades obrigam a reequacionar o papel da área curricular
disciplinar de Língua Portuguesa e a desenvolver investigação sobre a forma como
ela pode efectivamente contribuir para o desenvolvimento de competências
transversais.
Da Escola, a sociedade espera que se organize à volta das aprendizagens
fundamentais, ou seja, daquilo que, ao longo de toda a vida, será para cada
indivíduo a fonte do conhecimento (cf. Delors: 1996, 77).
Saberes básicos ou competências essenciais passaram, assim, a ser as
grandes apostas para os novos desafios da Sociedade do Conhecimento, que se
impõe cada vez com mais firmeza. E a leitura compreensiva tem aqui um papel que
nos cabe explorar.
Apresentadas algumas das características da sociedade actual, importa
considerar, de seguida, o papel que a leitura poderá desempenhar nesta mesma
sociedade.
2.2. A leitura e a Sociedade do Conhecimento
-173/205-
Ainda segundo esta autora (Solé:1998, 198), aprender a ler significa aprender a
encontrar sentido e interesse na leitura. Significa aprender a ser activo perante a
leitura, a ter objectivos para ela, a auto-interrogar-se acerca do conteúdo do texto
lido e da própria compreensão. Significa ainda ser curioso e aprender a exercer um
controlo sobre a sua própria aprendizagem.
Estamos perante uma concepção de leitura como compreensão.
Leonor Lencastre (2003, 97-98) considera que «a visão mais actual da
compreensão de textos encara-a como um processo construtivo, fruto da interacção
de dois grandes grupos de variáveis, inerentemente mais ligadas ao leitor, ou ao
texto, não esquecendo todos os condicionalismos da situação particular da leitura.»
Assim, o conteúdo e a estrutura do texto, por um lado, e as motivações do
leitor, o tempo de que dispõe, o espaço em que se encontra, por outro, determinam
modalidades de leitura variadas.
Depois de analisarmos as características da Sociedade do Conhecimento e a
forma como se entende a leitura actualmente, chegamos à conclusão de que esta
pode ser o primeiro factor condicionante de uma aprendizagem e enriquecimento
pessoal permanentes e necessários.
Para isso, o leitor terá que se envolver na actividade de leitura, de forma a
construir sentido, em constante confronto com os seus conhecimentos e
experiências, podendo, simultaneamente, daí retirar prazer.
Mas é a leitura para recolha de informação que, de entre as diversas
modalidades disponíveis, assume um papel preponderante na Sociedade do
Conhecimento. Nesta sociedade, a capacidade de uma rápida e eficiente busca de
informação reveste-se de particular interesse.
2.3. A leitura funcional
-174/205-
O SIR consiste em destacar as partes mais importantes do texto, para reduzir a
informação retida e assim poder recuperar mais rapidamente o sentido de todo o
texto. A análise e avaliação necessárias para determinar o que deve ou não deve
ser sublinhado permitem, desde logo, facilitar a sua retenção.
Por sua vez, a TDN é uma estratégia complexa através da qual um indivíduo
apreende a informação essencial contida no texto e a regista de uma forma
abreviada, numa situação precisa e tendo em conta um objectivo de trabalho bem
determinado. Ao mesmo tempo que exige atenção, também ajuda a mantê-la e
favorece a concentração em relação à actividade e aos objectivos que se pretende
atingir, sendo essencial para a aprendizagem, em geral, e para a apropriação de
novos conhecimentos, em particular.
O produto da TDN, sendo sempre constituído por informação seleccionada e
condensada, pode variar em tamanho, em função de diferentes objectivos, em
função da organização espacial, das cores, em função da sua origem e também em
função do seu autor. Isto leva a que diferentes modalidades de TDN (notas lineares,
anotações à margem, notas lineares estruturadas, plano esquemático, resumo,
notas baseadas nas palavras-chave e notas pré-planificadas) possam evidenciar
diferenças ao nível da síntese da informação, da organização dos dados recolhidos
e da ligação ao texto fonte.
2.4. Abordagem didáctica da leitura funcional
-175/205-
favorecer a aprendizagem nas diferentes áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares.
Com este objectivo essencial em vista, concebemos, implementámos e
avaliámos um percurso didáctico associado ao ensino/aprendizagem da língua
portuguesa, mas com repercussão no sucesso escolar do aluno e na sua formação
para a vida em sociedade, de modo a desenvolver competências que favoreçam
uma aprendizagem permanente.
3. O estudo desenvolvido
-176/205-
descritiva, procurando desenvolver a compreensão da problemática em estudo (cf.
Bogdan e Biklen:1994).
O estudo desenvolvido no âmbito deste projecto de investigação corresponde a
um estudo de caso, levado a cabo com uma turma do 9º Ano de Escolaridade, dado
que se «analisa, de modo intensivo, situações particulares» (Pardal e Correia: 1995,
17). Consistiu na concepção, implementação e avaliação de um percurso didáctico
centrado no desenvolvimento de competências em leitura funcional com recurso a
duas estratégias essenciais: o SIR (sublinhar informação relevante) e a TDN
(tomada de notas).
3.3. Principais resultados obtidos a partir da análise de dados feita
-177/205-
em tarefas propostas nos testes, v) desempenho dos alunos a Língua Portuguesa e
vi) desempenho dos alunos a História.
3.3.1. Características dos alunos
-178/205-
integrada) e da complexidade do recurso a estratégias de leitura funcional como o
SIR e a TDN.
Contudo, verificou-se também uma persistência das dificuldades na
identificação dos elementos relevantes do texto em actividades de leitura funcional.
3.3.3. Desempenho dos alunos em termos de conhecimentos sobre leitura
funcional
-179/205-
o texto ou folha de resposta), a quantidade de notas que cada aluno tinha redigido, a
sua relação com o texto que lhes tinha servido de fonte e o tipo de notas.
Para a categoria “Como tiraram notas”, verificámos os seguintes aspectos:
material utilizado para registar as notas (lápis, caneta de várias cores, etc.), material
utilizado como suporte para a TDN (folha de apresentação dos textos ou folha de
resposta que foi disponibilizada aos alunos), utilização de sinais auxiliares e
utilização de abreviaturas.
3.3.4.1. Desempenho dos alunos em termos de recurso ao SIR
-180/205-
Contudo, verificámos ainda que os alunos, após a realização da experiência,
continuavam a manifestar alguma dificuldade em seleccionar o tipo de notas mais
adequado em função das circunstâncias.
3.3.5. Desempenho dos alunos a Língua Portuguesa
-181/205-
Parece-nos ainda que, com base nos resultados obtidos, se impõe que
reformulemos as linhas directrizes inicialmente traçadas e que não se mostraram
devidamente ajustadas para que obtivéssemos pleno sucesso em todos os planos.
De acordo com os dados obtidos a partir deste estudo, parece-nos que as
linhas directrizes de um processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa
orientado para o desenvolvimento de competências de leitura funcional, associadas
à recolha e tratamento de informação, numa perspectiva multidisciplinar, poderão
ser reformuladas e apresentadas do seguinte modo:
1 - ter em conta o desenvolvimento cognitivo dos alunos na concepção das
actividades a realizar com eles, nomeadamente nas suas implicações ao nível da
distinção entre o que é essencial e o que é acessório num texto escrito;
2 - trabalhar os vários aspectos associados à leitura funcional, de forma
explícita, ao longo de todo o Ensino Básico;
3 - desenvolver, nas aulas de Língua Portuguesa, um trabalho sistematizado
em torno da leitura funcional, que tenha em conta vários aspectos:
• trabalhar a leitura funcional por si própria,
• trabalhar a leitura funcional associada a outros elementos do programa,
• desenvolver estratégias que sejam utilizáveis em várias situações (em
articulação com outras áreas curriculares – disciplinares e não disciplinares);
4 - propor actividades que proporcionem ao aluno um desenvolvimento
progressivo da sua responsabilidade e autonomia;
5 - aplicar as estratégias em tarefas variadas e em diversos contextos;
6 - criar condições para que a reflexão sobre os resultados da aplicação das
estratégias se torne importante, a fim de que os alunos e os professores sejam
levados a valorizar a sua utilização.
3. 5. Limitações do estudo levado a cabo
Este trabalho de investigação, baseado num estudo de caso, não permite fazer
generalizações e centra-se num número restrito de estratégias de leitura funcional
[apenas duas estratégias de ajuda técnica - o sublinhar informação relevante (SIR) e
a tomada de notas (TDN)], aplicadas exclusivamente a textos escritos.
Uma outra limitação prende-se com o facto de terem sido utilizados apenas
dados recolhidos a partir de registos escritos.
-182/205-
Por fim, os resultados obtidos não foram analisados tendo em conta os
diferentes tipos de textos que podem ser objecto da leitura funcional.
3. 6. Sugestões para outros estudos no mesmo domínio
Bibliografia
ANTÃO, J. A. S. (2000). Elogio da leitura: tipos e técnicas de leitura. Porto: Edições ASA.
BELO, M., SÁ, C. M. (2005). A leitura em voz alta na aula de Língua Portuguesa. Aveiro:
Universidade de Aveiro.
-183/205-
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-185/205-
▪ Seminário “Transversalidade da língua portuguesa:
representações, instrumentos e práticas” – um primeiro balanço
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Transversalidade da língua portuguesa: representações, instrumentos e
práticas – um primeiro balanço do seminário
Resumo
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1. Introdução
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- da necessidade de fazer realmente uma abordagem transversal do seu
processo de ensino/aprendizagem, no âmbito da área curricular disciplinar de Língua
Portuguesa, tendo em conta o seu contributo essencial, tanto para o sucesso escolar
(já que esta é uma língua veicular em todo este processo e que as competências
desenvolvidas no seu decurso vão ser essenciais para as aquisições e
aprendizagens a fazer no âmbito de todas as áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares), como para a integração socioprofissional (o que é demonstrado pelos
estudos sobre a literacia do povo português, que tanto chamam a atenção para as
dificuldades de exercício de uma cidadania consciente, activa e crítica, devido aos
baixos valores de literacia registados, com particular relevo para a leitura);
- paralelamente, do contributo que as restantes áreas curriculares, disciplinares
e não disciplinares, podem dar para o melhor domínio da língua portuguesa, já que
nelas também se comunica em Português, quer oralmente, quer por escrito.
Constatou-se ainda que todos estes públicos valorizam o desenvolvimento de
competências em compreensão na leitura e em produção escrita, no seio de uma
abordagem transversal do ensino/aprendizagem da língua portuguesa.
Aliás, dada a indissociabilidade entre a comunicação escrita e a comunicação
oral, em qualquer contexto, nomeadamente no de sala de aula, pode-se também
deduzir destas representações que a abordagem transversal do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa implica igualmente o desenvolvimento
de competências neste outro domínio, que não pode nem deve ser esquecido.
Com efeito, de acordo com importantes textos orientadores da reforma
curricular em curso, a começar pelo Currículo Nacional do Ensino Básico (Ministério
da Educação, 2001), uma das grandes missões do Ensino Básico, em termos de
ensino/aprendizagem da língua portuguesa, é, não só introduzir o aluno no mundo
da comunicação escrita e levá-lo a adquirir e desenvolver competências nesse
domínio, que ele apenas aflora no contexto extra-escolar, mas também conduzi-lo
ao contacto com situações formais de comunicação oral, já que, ao entrar no
universo escolar, ele apenas domina a oralidade em contextos familiares.
Estas concepções sobressaem também da análise de alguns instrumentos de
que os professores e as escolas podem lançar mão, para promover uma abordagem
transversal da língua portuguesa. Mais concretamente, estamos a referir-nos aos
Projectos Curriculares de Turma, analisados do ponto de vista da promoção da
transversalidade da língua portuguesa e da sua operacionalização associada ao
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desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, em dois estudos
apresentados (Bartolomeu, 2008; Bizarro, 2008), o primeiro já concluído e o
segundo ainda em curso.
Dois outros estudos já concluídos (Balula, 2008; Carvalho, 2008), ambos
centrados no Ensino Básico, embora em ciclos diferentes, e procurando promover o
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, através da
operacionalização de estratégias/actividades implicando uma abordagem transversal
da língua portuguesa, revelaram que é possível fazê-lo, recorrendo a práticas bem
fundamentadas e devidamente sistematizadas.
Mais demonstraram que o processo que conduz ao desenvolvimento de tais
competências implica igualmente o desenvolvimento de competências em produção
escrita e em comunicação oral. E ainda que as referidas competências são de
interesse em termos de sucesso escolar, mas também no contexto extra-escolar.
Temos aqui um importante contributo, em termos de práticas a adoptar em sala
de aula, não de uma forma cega e acrítica, numa lógica de mera aplicação, mas sim
numa perspectiva reflexiva e crítica, essencial para a adequação do trabalho a
desenvolver aos públicos em questão, ideia-chave do Projecto de Gestão Flexível do
Currículo, elemento essencial da reforma do sistema educativo português em curso.
Convém ainda salientar que estas práticas de sala de aula:
- pressupõem uma participação activa dos alunos no processo de
ensino/aprendizagem;
- conduzem a uma maior responsabilização dos mesmos pelas aprendizagens
em curso, mesmo no caso em que o trabalho foi realizado com crianças a frequentar
o 1º Ciclo (Carvalho, 2008);
- favorecem o exercício de uma cidadania activa e crítica em sala de aula, ao
requererem o trabalho individual, mas também o trabalho a pares, em pequenos
grupos e em grande grupo;
- contribuem igualmente para o desenvolvimento da autonomia dos alunos.
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desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, também foram
identificados alguns problemas para os quais a investigação em curso pode ajudar a
encontrar soluções, como veremos na terceira parte deste texto.
Convém começar por referir que a maior parte destes problemas se relaciona
com dificuldades de operacionalização da transversalidade da língua portuguesa,
identificadas quer a partir das representações dos públicos inquiridos, quer através
da análise de alguns instrumentos, quer ainda aquando da concepção,
implementação e avaliação de estratégias/actividades capazes de promover a
abordagem transversal do processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa,
associada ao desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
Um primeiro grupo de problemas relaciona-se com os professores e os
responsáveis educativos das escolas.
Uma parte desses problemas prende-se com:
- a sua deficiente formação neste domínio, referenciada pelos próprios, nos
estudos relativos às representações (Barbosa, 2008; Neves, 2008; Santos, 2008), e
detectada num dos estudos centrados na análise de instrumentos fundamentais para
a operacionalização da transversalidade da língua portuguesa (Bartolomeu, 2008);
- o facto de os responsáveis educativos das escolas terem imensa dificuldade
em assumir uma atitude supervisiva em relação aos outros docentes, apesar de
reconhecerem que a sua influência pode ser muito importante para estes (Barbosa,
2008);
- a dificuldade que os professores e os responsáveis educativos das escolas
manifestam em adoptar uma atitude reflexiva e crítica face às directrizes do
Ministério da Educação, limitando-se, na maior parte dos casos, a seguir cegamente
essas orientações, mesmo quando não as interpretam da melhor maneira, o que foi
facilmente detectado em dois dos estudos relativos a instrumentos ao serviço da
operacionalização da transversalidade da língua portuguesa (Bartolomeu, 2008;
Martins, 2008).
Uma outra parte destes problemas centrados nos professores e responsáveis
educativos das escolas relaciona-se com:
- a sua grande dificuldade em promoverem um trabalho colaborativo e em se
envolverem neste, o que é particularmente destacado por um dos estudos
associados à identificação de representações (Neves, 2008);
-191/205-
- a sua insistência em permanecerem numa lógica disciplinar, em detrimento de
uma abordagem transdisciplinar ou sequer interdisciplinar, o que se depreende dos
resultados de estudos relativos às representações (Neves, 2008; Santos, 2008) e,
especialmente, dos que foram consagrados à análise de Projectos Curriculares de
Turma (Bartolomeu, 2008; Bizarro, 2008).
Outro grupo de problemas detectados está directamente relacionado com a
forma como os professores fazem a gestão curricular do processo de
ensino/aprendizagem da língua portuguesa.
A partir dos estudos consagrados à identificação e caracterização das suas
representações (Neves, 2008; Santos, 2008) e também dos relativos à análise crítica
de instrumentos de uma possível operacionalização da transversalidade da língua
portuguesa (Bartolomeu, 2008; Bizarro, 2008; Martins, Sá, 2007; Martins, 2008),
constatou-se que:
- quando o fazem, valorizam sobretudo a interacção da Língua Portuguesa com
determinadas áreas curriculares disciplinares (como a Matemática e o Estudo do
Meio, também elas privilegiadas pelo Ministério da Educação, no quadro da reforma
educativa em curso), considerando que estas dão um contributo particularmente
importante em termos de melhoria do domínio da língua portuguesa;
- manifestam grande dificuldade em determinar o papel a atribuir às áreas
curriculares não disciplinares neste contexto;
- de um modo geral, revelam dificuldade em rentabilizar situações de
ensino/aprendizagem associadas a outras áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares, na promoção de uma abordagem transversal da língua portuguesa e
de um melhor domínio da mesma.
Temos depois um grupo de problemas mais directamente relacionados com a
área curricular disciplinar de Língua Portuguesa:
- apesar de reconhecerem a importância de se fazer uma abordagem
transversal do ensino/aprendizagem da língua portuguesa, os professores
manifestam dificuldade em encontrar estratégias que permitam operacionalizá-la;
esta mesma dificuldade é também revelada pelos supervisores, quando se referem à
formação dos futuros professores para uma abordagem transversal do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa;
- por outro lado, quando procuram desenvolver nos alunos competências
associadas a uma abordagem transversal da língua portuguesa, tendem a valorizar
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muito o seu contributo para o sucesso escolar, esquecendo a sua importância para a
formação geral do indivíduo, ou seja, para a sua vida no universo extra-escolar.
Este último grupo de problemas foi detectado a partir de estudos sobre as
representações (Neves, 2008; Santos, 2008) e ainda dos três estudos sobre
instrumentos (Bartolomeu, 2008; Bizarro; 2008, Martins, 2008).
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- a organização de percursos de formação nas escolas, que podem ser
promovidos pelos respectivos responsáveis educativos (eventualmente em
colaboração com instituições do Ensino Superior locais);
- maior esforço de actualização por parte dos professores, no que diz respeito
às directrizes propostas pelo Ministério da Educação para a concretização no
terreno da reforma educativa em curso;
- maior empenho na análise reflexiva e crítica dessas mesmas directrizes por
parte de responsáveis educativos e professores em cada escola;
- aposta clara no trabalho colaborativo e numa abordagem transdisciplinar do
processo de ensino/aprendizagem, que, no caso do ensino/aprendizagem da língua
portuguesa, implicará a valorização
• da importância das competências desenvolvidas pelos alunos na
área curricular disciplinar de Língua Portuguesa, quer em termos
de sucesso escolar, quer em termos de intervenção consciente e
crítica no universo extra-escolar,
• do contributo das restantes áreas curriculares, disciplinares e não
disciplinares, para um melhor domínio da língua portuguesa;
- a aposta decisiva no desenvolvimento das competências transversais
definidas pelo Ministério da Educação (Ministério da Educação, 1999).
Podemos ainda consultar os dois estudos relativos a práticas (Balula, 2008;
Carvalho, 2008), com o propósito de neles encontrar inspiração para conceber,
implementar e avaliar intervenções didácticas sistematizadas e devidamente
fundamentadas, com o intuito de promover uma abordagem transversal do
ensino/aprendizagem da língua portuguesa, que possa simultaneamente contribuir
para o desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
Da apresentação das duas intervenções didácticas fica-nos a imagem de um
processo de ensino/aprendizagem em que professores e alunos se envolvem
activamente e partilham responsabilidades, independentemente do nível de ensino.
Por último, aparece uma sugestão que responsabiliza actores importantes da
formação de futuros professores, nas escolas e nas instituições de Ensino Superior,
particularmente destinada aos supervisores da Prática Pedagógica associada ao
processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa (cf. Neves, 2008).
Esta última sugestão preconiza a abordagem clara da problemática da
transversalidade da língua portuguesa e da sua operacionalização, o que
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subentende um esforço concertado, reflexivo e crítico, por parte de supervisores (da
escola onde se desenrole o estágio e da instituição de Ensino Superior que o
acompanhe) e de supervisandos.
5. Notas finais
Bibliografia
-195/205-
Bizarro, R. M. (2008). Transversalidade da língua portuguesa no 1º Ciclo e Gestão Flexível
do Currículo. In Cristina Manuela Sá e Maria da Esperança Martins (orgs.), Actas do
Seminário “Transversalidade da Língua Portuguesa: representações, instrumentos e
práticas”. (pp. 111-119). Aveiro: Universidade de Aveiro.
Martins, M. E., Sá, C. M. (2008). Ler… para ser. A vertente transversal da compreensão na
leitura em Língua Portuguesa. In Inês Cardoso, Maria da Esperança Martins e Zilda Paiva
(orgs.), Da investigação à prática. Interacções e debates. (pp. 128-136). Aveiro:
Universidade de Aveiro/Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa.
-196/205-
do Seminário “Transversalidade da Língua Portuguesa: representações, instrumentos e
práticas”. (pp. 37-57). Aveiro: Universidade de Aveiro.
-197/205-
▪ Índice de Autores
-198/205-
Cristina Manuela Sá (Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa –
Universidade de Aveiro) cristina@ua.pt
Currículo
Currículo
Currículo
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Encontra-se a desenvolver um projecto subordinado ao tema Manuais e
transversalidade da língua portuguesa na compreensão na leitura. Um estudo no Ensino
Básico., sob a orientação científica da Professora Cristina Manuela Sá, no LEIP –
Laboratório de Investigação em Educação em Português, do Centro de Investigação
Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores, sedeado no Departamento de
Didáctica e Tecnologia Educativa da Universidade de Aveiro.
Integra, de igual forma, o Projecto Línguas e Educação: construir e partilhar a
formação (PTDC/CED/68813/2006), coordenado pela Professora Doutora Ana Isabel
Andrade.
Currículo
Currículo
-200/205-
Paula Carvalho (Mestre em Educação em Línguas no 1º Ciclo do Ensino Básico pela
Universidade de Aveiro) paularodriguescarv@gmail.com
Currículo
Currículo
Currículo
-201/205-
Encontra-se actualmente a leccionar na Escola Secundária Marquês de Pombal, em
Lisboa, onde tenta operacionalizar a transversalidade da língua portuguesa associada ao
desenvolvimento de competências em compreensão na leitura em Projectos Curriculares
de Turma, dando continuidade ao estudo desenvolvido.
Currículo
Currículo
-202/205-
Susana Pereira (Mestrado em Didáctica de Línguas – Universidade de Aveiro)
susyviegas@hotmail.com
Currículo
-203/205-
-204/205-
-205/205-