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RPIF DESAFIOS E COMPLEXIDADE PARA

2012 INOVAÇÃO A PARTIR DA BIODIVERSIDADE

04
BRASILEIRA

Jislaine de Fátima Guilhermino1, Antonio Carlos Siani2,


Cristiane Quental3, José Vitor Bomtempo4

1
Vice Presidência de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Fiocruz Mato Grosso do Sul, MS - Brasil.
2
Farmanguinhos/Fiocruz; 3Escola Nacional de Saúde Pública/ENSP/FIOCRUZ; 4Escola de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil.

RESUMO

O mercado nacional e internacional de medicamentos anseia por produtos oriundos da biodiversidade. No


entanto, tal sistema de geração de produtos não tem funcionado adequadamente no Brasil, o que estimula
esforços para um melhor entendimento sobre os passos desse processo de inovação em fitomedicamentos
visando proposições para sua otimização. Este artigo trata da composição, estrutura e funcionalidade do
sub-sistema de inovação em fitomedicamento (SIF), onde são destacados os atores que o compõem e as
relações entre eles, avaliando-se como os agentes influenciam o processo final de inovação nesse ambiente
complexo para a geração, o uso e a difusão de tecnologias aplicadas às distintas etapas da cadeia
tecnológica. Apresenta-se, assim, uma base para uma melhor compreensão das razões do relativo atraso
tecnológico nacional brasileiro nesta área e propostas de sua superação.

Palavras-chave: Fitomedicamentos; Inovação; Sistema de Inovação; Tecnologia.

ABSTRACT
The national and international market of medicines yearns for products from biodiversity. However, such a
system of generation of products has not worked properly in Brazil, which encourages efforts to a better
understanding of the steps of this process of innovation in phytomedicines seeking proposals for its
optimization. This article deals with the composition, structure and functionality of an Innovation sub-
system in phytomedicines, which highlights the actors that comprise it and the relationships between them,
assessing how agents influence the final process of innovation in this complex environment for the
generation, use and diffusion of technologies applied to different stages of technological chain. It appears,
therefore, a basis for better understanding the reasons for the Brazilian technological backwardness in this
area and proposals for overcoming them.

Key-words: Phytomedicines; Inovation; Inovation System; Technology.

Endereço para correspondência


Jislaine de Fátima Guilhermino
Fiocruz Mato Grosso do Sul, R. Gabirel Abrão, 92, Jardim das Nações,
79081-746, Campo Grande, MS, Brasil. Tel.: (67) 33464480
E-mail: Homepage: http://www.fiocruz.br.
Guilhermino et al./Rev. Pesq. Inov. Farm. 4(1), 2012, 18-30.

INTRODUÇAO médio porte na busca de novos produtos ou de


novas tecnologias (Zuanazzi, 2010).
A introdução de novos produtos,
A indústria farmacêutica é uma indústria intensiva
elemento central no padrão de competição dessa
em Ciência e Tecnologia (C&T), onde as inovações
indústria, teve desde os primórdios a grande
e as atividades de pesquisa e desenvolvimento
contribuição dos produtos naturais como fonte de
(P&D) subjacentes são a base da competição,
inovação (Baker, 2007). Um marco do nascimento
assumindo caráter estratégico pelas suas elevadas
da grande indústria farmacêutica alemã foi a
externalidades e impactos sociais (Gadelha, 2003).
descoberta, em 1829, do analgésico e antitérmico
O desenvolvimento dessa indústria, além dos
salicina, a partir das cascas do salgueiro (Salix
efeitos de indução científica e tecnológica,
alba). A salicina foi também objeto da primeira
representa um dos pilares do desenvolvimento
modificação sintética visando à obtenção de um
econômico e social.
fármaco - o ácido acetilsalicílico, considerado o
A indústria farmacêutica brasileira
marco zero da química medicinal e a primeira
apresenta-se quase que exclusivamente
patente de que se tem conhecimento na área de
concentrada nas atividades de produção e
medicamentos (Barreiro, 2009). Outros exemplos
marketing. Apesar de figurar entre os dez maiores
atuais comprovam a afinidade entre os fármacos
mercados mundiais, o país não foi capaz de
e a biodiversidade e justificam a exploração dos
promover a integração da cadeia farmacêutica
produtos naturais como um valioso instrumento
com razoável grau de densidade tecnológica
no desenvolvimento e na produção de fármacos
(Palmeira, 2010). Observam-se, entretanto,
inovadores (Barreiro, 2009).
movimentos recentes de empresas de pequeno e

Falha 3: As novas
drogas,
ou drogas
existentes, não
chegam ao
paciente.

Falha 1: A pesquisa
básica é publicada, Falha 2: As drogas
mas a pesquisa candidatas confirmadas não
pré-clínica não tem entram no desenvolvimento
início. clínico por opção
estratégica das empresas.

1 2 3

Registro

Pesquisa Básica Pesquisa Pré-Clínica


Ciência Básica motivada Pesquisa aplicada para Pesquisa Clínica Tratamento Disponível
pelo interesse validar as drogas Estudos clínicos fases Pós Marketing
em aumentar o candidatas, I, II, III,
atendimento incluindo estudos biodisponibilidade, Supervisão, relatório
de uma doença, de otimização, síntese, produção em escala, sobre
incluindo a identificação dosagem e estabilidade revisão pelas autoridades eventos adversos,
das drogas candidatas do composto chave e reguladoras produção e distribuição,
e a geração de estudos marketing e etc
compostos chave de segurança e
toxicologia

Figura 1. As principais falhas no processo de desenvolvimento de medicamentos.


Fonte: DNDi Annual Report 2010 & Henriques e cols., 2005: modificado pela autora.

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farmacêutico em geral, com enorme dependência


O desenvolvimento de um
da importação de drogas e alto custo para
fitomedicamento com comprovação científica de
empresas e consumidores (Calixto, 2003;
segurança, eficácia e qualidade demanda menos
Pinheiro, 2005; Alves, 2010; ABIFISA, 2010).
recursos e menos riscos do que o
Assim, o presente trabalho emerge da
desenvolvimento de um medicamento sintético.
premissa de que os fitomedicamentos
Isto porque, em geral, já há algum histórico
representam um nicho estratégico para a
relacionado ao uso popular das plantas
capacitação tecnológica e inovativa com efeitos
pesquisadas o que favorece no momento de
positivos tanto no dinamismo econômico da
desenvolver um fitoterápico, tanto no
indústria quanto na política de acesso aos
direcionamento dos ensaios quanto no número de
medicamentos. Daí justifica-se a necessidade de
testes que serão necessários para sua validação.
aprofundar o olhar sobre este segmento, sua
Os processos tecnológicos e produtivos mais
estrutura, seus componentes, e suas inter-
simples também apresentam um custo menor
relações, de forma sistêmica.
(Calixto, 2000). Nessa perspectiva, as plantas
Os objetivos deste estudo são a
medicinais e os fitomedicamentos podem
identificação e análise das principais lacunas que
contribuir para o crescimento da indústria
dificultam o desempenho do Sistema de Inovação
farmacêutica nacional e para a oferta de novas
em Fitomedicamentos (SIF) no desenvolvimento,
possibilidades terapêuticas para o sistema
uso e difusão de tecnologias e produtos. Busca-se
nacional de saúde (Zuanazzi, 2010). As substâncias
ainda, gerar e organizar informações de forma
ativas de plantas e extratos vegetais podem ser
sistemática como subsídio para o aprimoramento
utilizadas como protótipos para o
dos mecanismos de gestão do SIF.
desenvolvimento de novos fármacos, como fonte
de matérias-primas para obtenção de fármacos e
adjuvantes, além de medicamentos elaborados
exclusivamente à base de extratos vegetais – os
medicamentos fitoterápicos. METODOLOGIA
O Brasil é um dos países com maiores
perspectivas para exploração econômica da
biodiversidade, em função do número expressivo O presente estudo tem por objeto o Sistema
de espécies nativas, das excelentes condições Nacional de Inovação em Fitomedicamentos (SIF),
climáticas e edáficas, e do grande potencial a partir das abordagens de Sistemas Setoriais de
hídrico (Zuanazzi, 2010). Entretanto o Inovação (SSI) e Sistemas Sócio-Técnicos (SST) em
desenvolvimento e a produção nacional associada especial. Assume-se que o SIF apresenta
aos recursos da flora são ainda pouco expressivos; especificidades, permitindo o seu delineamento, e
o que é evidenciado pelo número reduzido de que a sua análise fornece subsídios para a
produtos registrados e desenvolvidos no país a identificação de agentes, atores e organizações
partir de espécies nativas. Até 2008, apenas 10 que influenciam na evolução do conhecimento e
das 162 espécies de plantas medicinais nos processos de aprendizagem e
registradas sob a forma de fitoterápicos na consequentemente impactam no processo de
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – inovação, bem como, identificar os arranjos
ANVISA/MS correspondiam a espécies nativas institucionais que os condicionam. A análise
(Carvalho, 2008). permitirá a identificação das lacunas existentes no
A situação é paradoxal. As plantas SIF e a discussão de ações necessárias para saneá-
medicinais brasileiras são consideradas como las.
altamente promissoras, mas são pouco Os componentes do SIF apresentados
conhecidas. Embora a produção científica nessa neste trabalho, seguindo as abordagens de
área seja considerada expressiva (Calixto, 2008), Malerba (2004) e Geels (2004), incluem a
os conhecimentos gerados não se refletem na indústria, as instituições de P&D e o Estado, este
disponibilidade de novas tecnologias e produtos. último representado pelas ações do governo
Este quadro desfavorável vem configurando na federal compreendidas na elaboração de políticas,
área de fitomedicamentos um panorama regulação, fomento, principalmente.
semelhante ao que já ocorre no mercado

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Para o levantamento das informações, cadeia, praticando relações recíprocas como


além da pesquisa bibliográfica e documental, fornecedores ou clientes.
junto a sites e bases de dados, foram aplicados
questionários eletrônicos
(www.encuestafacil.com) com representantes de
cada etapa da cadeia produtiva de
fitomedicamentos, com instituições de PD&I, com
alcance em toda a cadeia tecnológica
(botânica/agronômica; químico/farmacêutica e
biomédica); e representantes do estado (ANVISA
e DAF-MS).

Descrição e análise do SIF


A conformação esquemática do SIF envolve um
conjunto de atividades produtivas, que vai da
produção e/ou extração de plantas medicinais,
passa pelo conjunto de indústrias que as utilizam
como matéria-prima (medicamentos e fármacos,
cosméticos e alimentos) e chega ao mercado.
Inclui também agentes que se relacionam direta Figura 2. Etapas da cadeia tecnológica e produtiva
ou indiretamente com o setor produtivo, tais
de Fitoderivados.
como os Institutos de Ciência, Tecnologia e
Fonte: Elaboração a partir de Siani-
Inovação (ICTs – universidades e institutos de Alanac/Febraplame, 2007.
pesquisa).
Desse conjunto, destaca-se, por seu papel
crucial no financiamento e mesmo determinação Os fornecedores e a produção de matéria-prima
de interesses para finalização do processo, a vegetal
indústria em suas subáreas relacionadas aos Embora a maior parte da produção nacional de
vários componentes da cadeia de inovação ligada plantas medicinais seja obtida através do
à biodiversidade. processo extrativista, o cultivo de plantas
medicinais1 vem ganhando destaque ao longo dos
Indústria últimos anos especialmente por conta das
A indústria de que trata o SIF é entendida como legislações sanitária e ambiental e ainda pela
uma atividade humana que extrapola a pressão para melhoria da qualidade e
manufatura. Compreende não apenas o processo regularização da oferta (Batalha et al., 2003). O
de produção industrial do setor secundário, mas estado do Paraná é responsável por 90% da
agrega o conjunto de empresas do setor de produção nacional. São 40 mil toneladas/ano,
fitomedicamentos que compartilham tecnologias provenientes de três mil hectares plantados com
e objetivos comuns, incluindo a agroindústria diferentes culturas, movimentando cerca de R$ 25
(setor primário). A Figura 2 apresenta as cinco milhões/ano naquele estado (Corrêa, 2004). Entre
indústrias em que podem ser classificados os os 956 produtores existentes no Estado, 774
agentes produtivos, apresentando diferentes (cerca de 80%) são considerados produtores
papéis e etapas, requisitando estrutura, efetivos (escala comercial). Os 182 restantes são
tecnologias, capacitação e competências distintas. produtores em escala não comercial, tais como,
A indústria I corresponde aos fornecedores de prefeituras, pastorais da criança e da saúde,
matéria-prima ou droga vegetal; a indústria II hospitais, vilas rurais e outros.
abrange a produção de intermediários (extratos);
a indústria III está relacionada a produção de
substâncias isoladas; as indústrias de
transformação fitofarmacêutica IV e V 1
Entre as cultiváveis, é possível classificá-las em
correspondem respectivamente a produção de espécies nativas, características da flora brasileira, ou
fitoterápicos e fitofármacos. Normalmente, estas em espécies exóticas, originadas de outros países e que
empresas se estabelecem por etapas dessa foram adaptadas às condições brasileiras (Lourenzani,
2004).
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A produção de plantas medicinais utilizados como matéria-prima para a produção


apresenta maior rentabilidade quando comparada de fitomedicamentos (extratos secos).
aos cultivos tradicionais, por exemplo, 1 hectare Devido à complexa composição das
(ha) de planta medicinal equivale a 7 ha de soja. O substâncias vegetais, o processamento primário é
custo de produção de plantas medicinais é alto, e um passo crucial na manutenção da constância da
é determinado pela espécie cultivada e o sistema qualidade na matéria-prima. Alguns parâmetros
de cultivo. O investimento inicial também é alto, chave são de grande importância durante o
em função da necessidade de uma estrutura de processamento de extratos como, por exemplo,
beneficiamento além dos equipamentos parte da planta a ser usada (folhas, raízes, flores);
convencionais. O retorno ocorre em médio e coleta do material vegetal; método de extração e
longo prazo, dependendo do tamanho da área passos adicionais de purificação; tipo e
cultivada e do capital investido. A atividade concentração do solvente; razão entre o material
requer grande quantidade de mão-de-obra vegetal bruto e o solvente. Diferenças nas
quando comparado com outras atividades concentrações dos princípios ativos de extratos
agrícolas, com necessidade de mão-de-obra vegetais são minimizadas por processos
sazonal. tecnológicos de padronização do extrato bruto
Observa-se um crescimento sistemático através de metodologias de secagem.
na área ocupada pelo cultivo orgânico de plantas A região Sudeste, em especial o estado de
medicinais, em reposta à demanda do mercado. A São Paulo é considerado um grande centro de
produção de plantas medicinais é uma atividade comercialização e consumo de plantas medicinais
que vem crescendo cerca de 10% ao ano (Corrêa, pelas indústrias que estão, em sua maioria, lá
2004). Uma necessidade que advém do aumento localizados (Corrêa e Alves, 2008). No entanto, a
do consumo e da produção é a de certificação dos infra-estrutura industrial para a produção de
produtos e da rastreabilidade dos processos. extratos vegetais no Brasil é praticamente
Existe a necessidade de aperfeiçoamento das inexistente – o Grupo Centroflora é um dos raros
técnicas de produção e beneficiamento, com exemplos de sucesso de indústrias neste ramo de
atenção especial ao uso de tecnologias mais atividade. Dados da balança comercial refletem
adequadas para secagem e na obtenção de esta lacuna na cadeia tecnológica: o déficit no
concentração desejável dos princípios ativos. Um segmento de “sucos e extratos vegetais” cresceu
dos principais fatores que determinam o êxito de 393% entre 1990 e 2006, contra um crescimento
uma empreitada é a garantia da comercialização, de 55% da cadeia produtiva como um todo
considerando a alta especificidade deste (Rodrigues, 2008).
mercado. A indústria III se concentra nos processos
A produção de plantas medicinais tecnológicos de separação e purificação para a
apresenta características de produção de obtenção de princípios ativos de plantas
especialidades - produtos de menor volume, medicinais, podendo utilizar como matéria-prima
desenvolvidos para atender a propósitos a droga vegetal ou o produto da indústria
específicos - representando um nicho no mercado intermediária II, os extratos vegetais. O produto
agrícola. Seu desenvolvimento não passa pelo desta etapa tecnológica por sua vez, é utilizado
enquadramento de tal nicho no regime como matéria-prima para a indústria farmacêutica
dominante, utilizado nas culturas convencionais, ou para a produção de padrões de referência
de soja e milho, por exemplo, regido pelo (marcadores químicos).
produtivismo e comoditização (Marques, 2010), É possível que a Extracta tenha sido um
mas pela adoção de modelos mais próximos ao caso singular de uma empresa de bioprospecção
modelo agroecológico. atuando neste segmento. Seu principal objetivo
era a criação de um amplo banco de extratos e
moléculas, com o objetivo de realizar parcerias
Indústrias II e III: os Intermediários tecnológicas para a busca de novos fármacos.
A indústria II está concentrada na obtenção de Neste contexto, também foi a primeira a ter sua
produtos intermediários, os extratos vegetais, que coleção comercial credenciada pelo Conselho de
podem ser utilizados diretamente por Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do
profissionais da saúde como um recurso Meio Ambiente (CGEN-MMA), que conta com
terapêutico (extratos fluidos) ou podem ser aproximadamente 40.000 amostras

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representativas de quase 5.000 espécies vegetais fabricantes de medicamentos de origem vegetal.


brasileiras, que testa contra alvos biológicos De um lado, grandes empresas cujo peso nesse
específicos (Luis, 2008). mercado específico reflete o porte e atuação no
Outro exemplo de investimento em conjunto da indústria farmacêutica. A maior parte
fitofármacos foi o da empresa Merck com de suas vendas (na média, mais de 90%)
plantações próprias de jaborandi (Pilocarpus concentra-se em produtos sintéticos e a pequena
jaborandi) e de fava d'anta (Dimorphandra mollis) parcela dos medicamentos de origem vegetal é
no Maranhão para extração da pilocarpina e composta principalmente de produtos cujos
rutina, respectivamente, que constituem produtos princípios ativos são obtidos por extração
farmoquímicos de exportação. Informações (fitofármacos). De outro lado, estão os
coletadas até 2008 apontavam uma produção laboratórios menores, com produção direcionada
média de 450 toneladas de rutina por ano, mais fortemente para medicamentos de origem
atendendo cerca de 40% das necessidades vegetal, entre os quais, possivelmente, seja maior
mundiais dessa substância. Como subproduto da a participação de fitoterápicos em relação aos
extração da rutina, fabricava rhamnose e fitofármacos (Freitas, 2007). Nesse mercado de
quercetina. Produzia também 95% de toda a fitoterápicos, com predomínio dessas pequenas e
produção nacional de jaborandi. A Unidade médias empresas, os investimentos em P&D são
Industrial Vegetex, em Parnaíba, Estado do Piauí, ainda incipientes e restritos a um número
em parceria com a Vegeflora (grupo Centroflora), reduzido de laboratórios.
produzia anualmente 9 toneladas de pilocarpina No segmento de fitoterápicos, observam-
que, além de atenderem as necessidades se no país mercados concentrados por empresa e
nacionais, eram exportadas para a América do por produto, uma vez que 20 laboratórios
Norte, Ásia e Europa (Homma e Menezes, 2004; respondiam por 84,70% das vendas totais do
Pinheiro, 2002). Esse era um exemplo de segmento, sendo que 20 produtos respondiam
integração onde a mesma indústria produzia a por 67,44% do total faturado em 2007. O
matéria-prima, os intermediários e o produto laboratório de maior representatividade é o
final. Em 2010, a empresa americana Quercegen Altana Pharma, de capital alemão, seguido pelos
adquiriu a Divisão de Produtos Naturais da Merck, laboratórios Farmasa e Marjan. O produto na
incluindo as unidades de São Luís e Barra do primeira posição, tanto em quantidade quanto em
Corda, colocando o Brasil como o principal faturamento, é o laxativo Tamarine, da empresa
produtor mundial do flavonóide quercetina. Farmasa, de capital nacional (Freitas, 2007).
Esses princípios ativos, respondem por As normas e critérios para produção,
mais de 40% das exportações brasileiras neste comercialização e registro de medicamentos
segmento. Assim, pode-se inferir que esse é um fitoterápicos no país ainda constituem uma
mercado concentrado em termos do número de barreira institucional, principalmente para
exportadores, onde um único grupo industrial empresas de pequeno porte, já que o processo de
responde por parcela majoritária do total registro sanitário representa uma forte barreira,
exportado de princípios ativos (Aliceweb/MDIC, em função dos custos envolvidos na validação
2009). Estes dados reforçam a necessidade de científica e ética destes produtos (Freitas, 2007).
investimento nacional no segmento dos produtos Os padrões legais para registro de fitoterápicos
intermediários, representando uma janela de exigem a garantia de segurança no uso, eficácia
oportunidade para as empresas brasileiras. na utilização e qualidade farmacêutica do
produto. Incapacitadas técnica e financeiramente
para atender às novas exigências do mercado, é
Indústrias IV e V: transformação farmacêutica razoável supor que as empresas do setor, em sua
A indústria nacional de fitoterápicos é composta grande maioria, também não dispõem de fôlego
por 119 empresas que possuem registro de seus para enfrentar os desafios da inovação
produtos na ANVISA, e movimenta cerca de US$ tecnológica, isto é, do desejável e necessário
1,8 bi/ano. Estima-se que o mercado mundial de desenvolvimento de novos produtos.
fitoterápicos movimente cerca de US$ 30 bilhões De maneira geral, há um baixo
por ano (Carvalho, 2008; Freitas, 2007). investimento em P&D pela indústria. Este fato é
No Brasil, existem pelo menos dois grupos corroborado pela existência de apenas um único
distintos de empresas entre as maiores fitomedicamento totalmente desenvolvido e

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registrado até o momento no país, o processo: a pesquisa básica, a pesquisa aplicada e


antiinflamatório tópico Acheflan®, obtido da o desenvolvimento tecnológico (Siani, 2003).
espécie nativa Cordia verbenacea, lançado em A pesquisa básica é realizada em escala
2005, pelo Laboratório Aché. Depois de 16 anos e laboratorial, basicamente em atividades de
investimentos da ordem de R$ 15 milhões, a screening químico e biológico, quando se busca a
pomada desenvolvida chegou ao mercado com definição de um alvo biológico e terapêutico e a
potencial para se tornar um blockbuster, o que, no identificação dos constituintes químicos da
jargão farmacêutico, significa um medicamento matéria-prima, ainda utilizada em pequenas
com potencial de vendas de R$ 1 bilhão (Calixto, quantidades. No que diz respeito à coleta de
2008). Apenas outras nove espécies de plantas plantas medicinais há necessidade de estabelecer
medicinais brasileiras que tiveram a requisição de normas de acesso, especialmente no caso de
registro para produção de medicamentos junto à haver o conhecimento tradicional associado ao
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) uso das espécies pelas comunidades. Os
até do ano de 2006 (Rodrigues, 2008) – esses pesquisadores são unânimes em afirmar que a
medicamentos, entretanto, não foram legislação atual neste âmbito, além de não conter
desenvolvidos totalmente no Brasil. a biopirataria tem sido impeditiva ao cientista
O Brasil é considerado um país com baixo brasileiro, seja pela burocracia adicional imposta
nível de competitividade na cadeia produtiva de pela norma aos pesquisadores, seja pelo
plantas medicinais e de fitoterápicos. Estudos desconhecimento por parte destes dos caminhos
apresentados por Rodrigues (2008) apontam que para obtenção de autorização quanto ao acesso
o país é um tradicional importador líquido em ao patrimônio genético.
todos os segmentos dessa cadeia, sendo que o A pesquisa básica é, em sua maioria,
déficit geral da balança comercial2 no período de realizada na academia, onde os estudos de
1996 a 2006 aumentou 55,2%. patenteabilidade e viabilidade são normalmente
Segundo Freitas (2007), os principais negligenciados. O levantamento da
problemas que dificultam a atuação das empresas patenteabilidade pode demonstrar se o estudo
farmacêuticas brasileiras na área de produtos em questão apresenta alguma possibilidade de
naturais podem ser estabelecidos como (i) o inovação, revertendo-se eventualmente em
elevado grau de internacionalização da indústria posterior transferência de tecnologia de um
farmacêutica define uma orientação que privilegia produto ou processo. É importante também
as substâncias isoladas e obtidas por síntese; (ii) a realizar o estudo de viabilidade técnica e
maioria das empresas nacionais não tem porte econômica ao final dessa etapa. Entretanto, a
suficiente para realizar os investimentos academia esbarra na dificuldade de informações
necessários ao desenvolvimento tecnológico, o mercadológicas que possam comprovar ou
que acaba favorecendo a aquisição de pacotes substanciar a viabilidade econômica daquilo que
tecnológicos prontos; (iii) a baixa interação está sendo proposto.
universidade-empresa, não existindo mecanismos A fase de pesquisa aplicada envolve a
de comunicação eficientes entre essas realização dos estudos farmacológicos “in vivo”, a
instituições; (iv) dificuldades existentes para o definição de concentração de substância pura ou
suprimento, armazenamento, padronização e extrato (ensaios dose-resposta) e os primeiros
cumprimento de prazos de entrega de matérias- estudos de toxicidade aguda. No caso dos
primas (Freitas, 2007). fitoterápicos, a padronização química (definição
O Quadro 1 apresenta a caracterização dos marcadores químicos) e farmacognóstica
das cinco diferentes indústrias no SIF a partir dos (morfológica e química) devem ser concluídas
aspectos estruturais, de organicidade e de nesta etapa para que se iniciem, a partir do
relacionamento com o mercado que caracterizam extrato padronizado, os estudos toxicológicos em
cada uma delas, aqui definidos como dimensões. doses repetidas.
Esta etapa ainda está bastante
As etapas da P&D em fitomedicamentos e os relacionada ao meio acadêmico. Aqui, as maiores
entraves para a sua realização dificuldades residem no desconhecimento de
Para melhor avaliação das atividades de P&D protocolos que serão válidos na etapa posterior
realizadas podem ser identificadas três etapas no do desenvolvimento e também para fins de
suporte ao registro do produto final.
2
Correspondente a US$ 1 bilhão
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Quadro 1. Dimensões que caracterizam as indústrias do SIF.


Dimensões Indústria I Indústria II Indústria III Indústria IV Indústria V
Droga Vegetal = Marcadores e
Extratos Secos
Planta Seca Substâncias Medicamento Medicamento
Produtos (dispensação:
(dispensação: Químicas de Fitoterápico ético Fitofármaco ético
Extratos Fluidos)
Planta Fresca) Referência
Droga Vegetal ou
Matéria-prima Planta Medicinal Droga Vegetal Extratos Vegetais Fitofármacos
Extratos Vegetais
Pequeno e Médio Pequeno e Médio Pequeno, Médio e Pequeno e Médio Médio e Grande
Estrutura*
Porte Porte Grande Porte Porte Porte
Tecnologia Tecnologia
Base do Agronomia, Química e Química e
Farmacêutica, Farmacêutica,
Conhecimento Botânica, Genética Farmacognosia Farmacognosia
Biomédica Biomédica
Processos de Setor Primário:
Indústria de Indústria de Indústria de Indústria de
produção e Agroindústria e
transformação: transformação: transformação: transformação:
Tecnologia Indústria
intermediários intermediários Farmacêutica
Associada extrativista Farmacêutica

Monopólio das
Monopólio
grandes
Monopsônio
Participação transnacionais
Concentrado em Monopólio brasileira no
Mercado Concentrado por Oligopólio
termos de ocasional mercado nacional e
empresa, produto,
comprador internacional é
classe terapêutica e
muito pequena
espécie vegetal
- Desenvolvimento
de metodologias de
domesticação e - Ferramentas de
tecnologias para o Controle da
manejo; Qualidade;
- Transformação de
- Agregação de - Elaboração de
P&D em Med.
valor ao produto Monografias &
Fitoterápicos éticos;
primário pela Farmacopéias;
- Capacitação
incorporação de - Desenvolvimento - Processos de
industrial e
tecnologias de de tecnologias para certificação de Transformação de
Processos de tecnológica;
secagem e controle padronização e moléculas bioativas; P&D em Med.
aprendizagem - Competências
da qualidade; estabilização de - Expertise em Fitofármacos
integradas para
- Desenvolvimento extratos; química fina
produção de
de práticas - Aproximação com
inovações em
ambientalmente e a Indústria I para
produtos e
economicamente garantir a qualidade
processos.
sustentáveis; do produto
- Parceria com as - Transposição de
demais indústrias escala
para garantir do
mercado
Indústrias III e/ou
Indústrias II e/ou III;
IV;
Comércio informal
Comércio informal Indústria V,
em feiras livres;
em feiras livres;
ICTs, Indústrias II e Serviços de saúde Serviços de saúde
Usuário Comércio formal
Comércio formal IV (padrões público e privados público e privados
em farmácias
em farmácias fitoquímicos)
(manipulação) e
(manipulação) e
lojas de produtos
lojas de produtos
naturais
naturais
*Constatação da estrutura atual
Fonte: Elaboração própria

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Guilhermino et al./Rev. Pesq. Inov. Farm. 4(1), 2012, 18-30.

A legislação que trata do registro traz uma série padronizado e produto final. A infraestrutura de
de especificações para os protocolos, por biotérios é indispensável para o desenvolvimento
exemplo, com relação ao número de animais em fitomedicamentos e também um dos gargalos
utilizados num determinado experimento, e que a serem superados. Há expertise disponível na
nem sempre são exigidas para a publicação de academia científica, contudo voltada quase que
artigos acadêmicos. Ainda há que se exclusivamente ao ensino e pesquisa, pouco
considerarem os requisitos de Boas Práticas de atuando na lógica de interação com empresas.
Laboratório (BBL) nas etapas de pesquisa para fins Uma das grandes dificuldades na etapa de
de registro posterior. desenvolvimento é o escalonamento (scale up),
Outro entrave desta etapa é a especialmente em se tratando do processamento
disponibilidade de padrões fitoquímicos. As de grandes quantidades de matéria-prima
substâncias de referência utilizadas para o vegetal.
controle de qualidade de medicamentos de Ao final desta fase, o fitomedicamento
origem vegetal são importadas e possuem alto estará apto ou não para a realização dos estudos
custo. Adicionalmente, este fato é agravado pela de eficácia e segurança em seres humanos, os
indisponibilidade de padrões para as espécies estudos clínicos. Os requisitos de Boas Práticas de
genuinamente nacionais, o que dificulta ou quase Fabricação (BPF) devem ser atendidos na
inviabiliza o adequado controle de sua qualidade. produção dos lotes que serão utilizados nos testes
Há expertise acadêmica suficiente, porém clínicos. Os estudos clínicos são geralmente
inexistem projetos organizados voltados para demandados pela indústria e executados por
suprir as necessidades de prestação de serviços grupos especializados. Esta questão foi abordada
ao setor empresarial. de forma sistematizada por Quental e cols.
Com relação à toxicologia pré-clínica são (2006). Uma vez validados cientificamente, a
poucas as instituições estruturadas para etapa seguinte é da produção, seguida pelo
prestação de serviços, o que acarreta custos altos registro e comercialização. Uma questão
e morosidade na execução, quando não importante a ser levantada nesta fase é a
inviabilizá-la. Há, nas instituições universitárias transferência de tecnologia, uma área onde é
públicas e privadas, alguma condição de preciso que haja amadurecimento e experiência
realização desses estudos, para fins de pesquisa, por parte das instituições e de uma formulação
embora pouco adequadas e sem vinculação com mais sólida por parte do Estado promovendo o
as necessidades do setor produtivo. “diálogo” entre a lei de inovação com as parcerias
A etapa de desenvolvimento tecnológico público-privadas para que ICT, inventor, empresa
corresponde ao desenvolvimento do produto. A e financiador atuem com transparência e com
obtenção, produção e controle de qualidade da garantias (Barreiro, 2011).
matéria-prima são efetuados no início do O Quadro 2 resume os principais
processo, objetivando-se a obtenção de um “lote elementos abordados nesta seção e que
único” de planta ou extrato vegetal a partir do permitem comparar e diferenciar as fases da P&D
qual o fitomedicamento será inteiramente em fitomedicamentos, conforme acima
desenvolvido. A partir deste lote único, cuja delineadas.
composição é tida como constante durante todo o
processo, serão realizados os estudos de
estabilidade da formulação proposta. Desta
forma, o artifício do lote único garantirá suporte à
reprodutibilidade dos ensaios, assim como
fornece recursos para a rastreabilidade do
processo.
Esta etapa responde ainda pelos estudos
de complementação farmacológicos e
toxicológicos com substâncias puras e/ou extrato

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Guilhermino et al./Rev. Pesq. Inov. Farm. 4(1), 2012, 18-30.

Quadro 2. Principais variáveis relacionadas às etapas do P&D fitomedicamentos: local de execução,


atividades principais, produtos gerados e dificuldades.
Fase 01 Fase 02 Fase 03
Aspectos Pré-
Pesquisa Básica Desenvolvimento tecnológico
desenvolvimento
Universidade e
Universidade e Institutos Universidade e Institutos
Local de execução de Pesquisa de Pesquisa
Institutos de Indústria
Pesquisa

- Obtenção de Lote único


- Padronização química e padronizado
Obtenção de Lote
farmacognóstica
único padronizado - Estudos de eficácia e
- Coleta e identificação - Validação da atividade: segurança complementares
botânica - Estudos de eficácia
expansão de modelos com Lote único ou Produto
e segurança
experimentais, avaliação
- Screening químico e complementares - Formulação
do mecanismo de ação,
biológico com Lote único ou
estudos in vivo em dose-
Produto - Experimentos de
Principais - Toxicologia básica resposta
monitoramento do biomarcador
atividades (células e DL- 50 em - Formulação
- Estudos toxicológicos
animais) galênica - Estabelecimento da
pré- clínicos
metodologia para o CQ
- Patenteabilidade - Estabelecimento da
- Avaliação da
metodologia para o - Estudos Clínicos
- Estudo de viabilidade disponibilidade de
CQ
técnico- econômica matéria- prima - Scale up
- Transferência de
- Estudo de viabilidade - Tranferência de tecnologia
tecnologia (NITs)
técnico- econômica
- Registro

- Identificação de
- Identificação de moléculas ou extratos com
moléculas ou extratos atividade biológica
comprovada em sistemas - Fitomedicamentos com nível
com atividade biológica in de eficácia e segurança de uso
vitro in vitro e in vivo
- Teses estabelecido
Produtos desta - Criação de base de - Moléculas ou extratos
com mecanismo de ação - Artigos Científicos - Moléculas, extratos e produtos
etapa dados de moléculas com mecanismo de ação
bioativas parciamente elucidado - Patentes elucidado
- Artigos Científicos - Teses
- Portfólios de produtos
- Patentes - Artigos Científicos
- Patentes

- Coleta e acesso ao
patrimônio genético e - Utilização de protocolos - Alto custo desta fase, em
conhecimento padronizados e BPL especial dos estudos clínicos
tradicional: devido a - Dificuldades para se
- Padrões fitoquímicos - Poucas estruturas disponíveis
legislação inserir aspectos do
para estudos de transposição de
Principais - Alto custo de desenvolvimento
- Acesso as informações escala
equipamentos da química tecnológico na
dificuldades de mercado por parte da Academia
analítica - Legislação para o registro
academia
Poucas estruturas para - Cultura acadêmica - Falta de expertise na academia
- Pouco investimento por prestação de serviços em para a transferência de
parte da indústria nesta toxicologia pré- clínica tecnologia (NITs)
etapa inicial
Fonte: elaboração própria

CONCLUSÃO b) A produção de plantas medicinais


apresenta características de produção de
especialidades. Esforços devem ser aplicados para
Os componentes até aqui construídos sobre um
o fortalecimento do segmento de produção de
sistema de inovação em fitomedicamentos
matéria-prima vegetal, ao desenvolvimento
apontam algumas considerações importantes:
industrial e tecnológico relacionado ao
a) A cadeia produtiva/indústria apresenta
agronegócio, um elo importante desse sistema -
um recorte diferenciado no SIF, representado por
para o qual não são disponibilizados nem
cinco diferentes indústrias, tecnologias e produtos
programas de financiamento e linhas de crédito,
diferenciados em cada uma delas;
27
Guilhermino et al./Rev. Pesq. Inov. Farm. 4(1), 2012, 18-30.

nem pacotes tecnológicos específicos. Os modelos das mesmas bem como promover a sua
utilizados não podem ser aqueles utilizados nas articulação com as necessidades produtivas do
culturas convencionais, estando mais próximos ao setor.
modelo agroecológico. A produção de plantas c) Outro grande gargalo da P&D e da
medicinais deve ser entendida enquanto “janela produção (já que está relacionado ao controle dos
de oportunidade” dentro do segmento. Ficaram processos de produção) são os padrões
evidentes as potencialidades de crescimento fitoquímicos (marcadores) utilizados para o
desse mercado, até mesmo pela dificuldade de controle de qualidade de medicamentos de
suprimento observada pela empresas industriais. origem vegetal, exclusivamente importados e de
Ressalte-se que além de instrumento para alto custo. Não há disponibilidade de padrões de
alavancar o desenvolvimento rural e uma espécies nativas. Da mesma forma aqui, as
alternativa viável para a agricultura, sua competências em recursos humanos e
importância envolve questões como a equipamentos estão presentes nas instituições de
conservação da biodiversidade e os sistemas de PD&I e o acesso ao setor empresarial também é
conhecimento tradicional e popular. restrito nesse aspecto.
c) O peso das universidades e dos centros d) A produção de extratos no SIF conta
de pesquisa nos fluxos de informação tecnológica com reduzida infra-estrutura. Da mesma forma a
é expressivo e deve ser catalisado para o infra-estrutura para o “scale up” necessário na
desenvolvimento e difusão de tecnologias. A transição academia/industria. Não há padrões
infraestrutura científica no segmento de cientificamente estabelecidos e reconhecidos
fitomedicamentos no Brasil tem uma posição para extratos de plantas nativas, esta, por sua vez,
inicial que a credencia a apresentar contribuições uma das conseqüências da ausência de sinalização
ao processo de desenvolvimento econômico do das espécies prioritárias para investimento até
país e alimentar o setor industrial com recentemente.
conhecimentos científicos indispensáveis. Isto se O cumprimento de uma agenda integrada
reflete na relevância dos investimentos públicos entre os principais atores do desenvolvimento,
na área e na presença forte do Estado; dentro do cenário atual para a produção de
Quanto à validação científica das plantas medicamentos fitoterápicos no Brasil, pode
como produtos éticos, algumas áreas da P&D e de efetivamente melhorar a produção, ampliar o
prestação de Serviços são entendidas como mercado, promover inovações e, por conseguinte,
prioritárias e fundamentais para que a cadeia ampliar o acesso da população a este tipo de
científica e tecnológica seja cumprida de forma produto (Febraplame, 2007). A abordagem
adequada. Neste contexto alguns gargalos podem evolucionista aponta como característica do
ser detectados, assim como é possível estabelecer sistema, o caráter cumulativo do conhecimento
algumas ações no sentido de superá-los: científico e tecnológico, com longo tempo de
a) As estruturas de prestação de serviço maturação. Pode-se destacar o caráter
de toxicologia pré-clínica nas instituições cooperativo como processo indispensável para o
universitárias públicas e privadas são insuficientes SIF, demandando articulações institucionais
para a demanda, refletindo em altos custos, complexas. Essa articulação em “rede” pode
mesmo na demora ou impossibilidade de acelerar a curva de aprendizado, impactando no
execução. Aponta-se a necessidade de desenvolvimento tecnológico e diminuindo o
recrutamento das unidades acadêmicas e de tempo necessário para a estruturação, maturação
esforços para adequá-las ao atendimento das e competitividade do SIF.
necessidades empresariais na forma de prestação
de serviços.
b) Há poucas estruturas habilitadas e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
certificadas para o controle da qualidade, e para a
prestação desses serviços. Ainda que haja
profissionais disponíveis na academia, tais
Albuquerque EM, Cassiolato JE. As especificidades
instituições estão quase que exclusivamente do sistema de inovação do Setor Saúde: uma
voltadas ao ensino e pesquisa, pouco atuando na resenha da literatura como introdução a uma
lógica de interação com empresas. O lançamento discussão sobre o caso brasileiro – Belo Horizonte:
de um cadastro poderia favorecer a identificação FESBE (Estudos FESBE, 1), 2000.

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