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A VERDADE SOBRE OS LABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS

20-09-2007

DICAS DE LEITURA

A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos


Como nos enganam, e o que fazer (The truth about the drug
companies, how they deceive us and what to do about it)
Marcia Angell / Record São Paulo 2007
Comentário por Ladislau Dowbor - 30/08/2007

A indústria farmacêutica é hoje um gigante, numa área, a saúde, ela


mesma em expansão. Nos Estados Unidos, é bom lembrar, a saúde
é hoje o principal setor da economia, com 15% do PIB e crescendo.
Isto torna a saúde, naturalmente, um grande negócio, e a guerra
pelos lucros tem pouco a ver com a imagem que encontramos nas
publicidades, com um senhor atencioso e elegante cuja
preocupação central é utilizar a ciência para o nosso benefício. De
preferência, a bata branca.

A indústria farmacêutica gosta de puxar para si o cobertor dos


grandes avanços que atingimos em termos de saúde, por exemplo
com o aumento da longevidade. A realidade, é que a parte
esmagadora dos avanços se deve à melhor alimentação, higiene,
água limpa e saneamento básico, elementos para os quais esta
indústria não contribuiu. E no caso das vacinas, trata-se de aportes
dos sistemas públicos de pesquisa e prevenção, que por razões
óbvias nunca interessaram muito às corporações. Menos doentes,
menos clientes.

O livro de Marcia Angell, médica e durante décadas editora de uma


das principais revistas científicas do setor, o New England Journal
of Medicine, está gerando um grande impacto, pois é realmente
uma autoridade no assunto, e escreve com os fatos na mão. Para
quem acompanha as falcatruas do setor – que têm aparecido
regularmente mas sempre em fragmentos nas mais variadas
publicações científicas – o sentimento é de que finalmente temos o
conjunto de dados básicos reunidos e sistematizados. E a imagem
que resulta não é muito animadora.

Primeiro, quando aos resultados efetivos: “Nos quatro anos a partir


de 2000, houve apenas 32 medicamenos inovadores num total de
314 aprovados. Mesmo nesta pequena coleção, apenas sete vieram
das 10 maiores empresas farmacêuticas americanas. Houve um
para cada empresa em Pharmacia, Merck e Bristol-Myers-Squibb
em 2000; um da Merck em 2001; nenhum em 2002; um para cada
em Pharmacia, Wyeth e Abbott em 2003. Onde estavamPfizer?
Lilly? Schering-Plough? O fraco resultado nunca chega perto de
justificar toda a retórica sobre quão inovadora seria a indústria
farmacêutica americana, nem todos os avisos de que se ousarmos
regular os preços, estaremos prejudicando o prodigioso fluxo de
medicamentos que salvam vidas”. (p.235 da edição original,
tradução nossa LD).

E esta quantidade de medicamentos que aparece no mercado? A


autora explica como 77% dos medicamentos aprovados são os que
chama de “me-too drugs”, medicamentos que não trazem nada de
novo relativamente a medicamentos anteriores, mas apenas uma
pequena alteração que justifique um novo nome, e se possível uma
nova patente. Patentes e direitos exclusivos de comercialização
permitem por sua vez manter preços astronômicos relativamente
aos custos dos medicamentos, e durante décadas, o que é absurdo
com o ritmo tecnológico moderno.

Tudo se justifica, naturalmente, com o fato das empresas terem de


desenvolver pesquisas. Com cifras, a autora mostra que na
decomposição dos preços de venda, seguem em ordem
decrescente grande massa de gastos com publicidade, os lucros e
em nível bem menor o gasto com pesquisa. Para as 10 maiores
empresas norteamericanas, as cifras respectivas em 2002, para um
valor total de vendas de 217 bilhões de dólares, são as seguintes:
os gastos com publicidade foram de 67 bilhões, os lucros de 36
bilhões, e a P&D 31 bilhões. E os gastos com pesquisa, na
realidade, consistem dominantemente na aquisição de direitos
sobre a pesquisa desenvolvida no setor público e no setor
universitário financiado com recursos públicos, fonte dominante da
base científica do setor nos Estados Unidos.

Angell traz também os dados (já de conhecimento público há algum


tempo) sobre a fraude que representou a cifra que foi martelada no
mundo inteiro de que custa em média 800 milhões de dólares
desenvolver um medicamentos. A cifra real não chega a 100
milhões. É interessante que a FAPESP, na sua publicação
Pesquisa, apresentou ao público científico brasileiro um amplo
artigo assumindo como real os 800 milhões, quando a sua falsidade
já estava amplamente comprovada, evidência da presença entre
nós do lobby do setor.

A grande verdade é que esta indústria (que gosta de se apresentar


com o nome de ‘laboratórios farmacêuticos”) responde aos
acionistas, e não aos usuários. Os usuários pela natureza do setor
não têm informação para contestar o conteúdo de uma pílula, ou o
preço no caixa. A ofensiva dominante das empresas consiste em
ganhar os médicos para os seus produtos, e o processo de
corrupção apresentado pela autora é impressionante, sobretudo
porque os próprios médicos ficam confusos com a quantidade de
drogas quase idênticas. Como já acontece no Brasil, o seguimento
das receitas nas farmácias permite controlar se os médicos
recrutados estão efetivamente receitando o que a empresa amiga
recomendou. Mas a indústria ganhou igualmente presença
importante dentro do FDA, o organismo que aprova os
medicamentos nos EUA, no escritório de patentes, e na bancada
republicana (não só) do Congresso.

A parte final do livro apresenta propostas práticas de regulação do


setor, nos planos do marco legal, da organização do controle, da
responsabilização pelos processos, da flexibilização de patentes.
Uma belíssima leitura, Marcia Angell escreve como quem não
precisa inventar nem ornamentar o que tem a dizer. É um estilo
franco e direto de quem domina o assunto e entende a urgência.

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Copyright © 1999 Ladislau Dowbor


http://dowbor.org — ladislau@dowbor.org

Fonte:
http://www.dowbor.org/resenhas_det.asp?itemId=83fdcf1e-27d9-
4c3f-a478-be64be3becfb
http://www.dowbor.org/

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