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Seria D. Pedro I o autor do Hino da Maçonaria?

Seria D. Pedro I o autor do Hino da Maçonaria?


Cloves Gregorio 20 agosto, 2021 2

Ilustração de Dom Pedro I


Queridos Leitores e Irmãos, em comemoração ao dia do maçom ou independência do Brasil eu
sempre publico algo que considero especial, e esse ano não será diferente.

É convencionado na maçonaria Brasileira que o Hino Maçônico, também chamado de Hino da


Maçonaria teve sua melodia composta por Dom Pedro I. Muitas vezes esse hino é recheado
em apensos em nossos Rituais, onde traz o nome do primeiro imperador do Império como seu
autor, assim como consta em uma avalanche de blogs, sites de obediências e qualquer confim
da internet.

Acontece que a beira da comemoração do dia do Maçom, onde plenários em diversos cantos
do Brasil recebem maçons, seus familiares, simpáticos a fraternidades, autoridades civis e
militares para uma solenidade, quase sempre é executado o hino de nossa instituição e é dado
o crédito ao Imperador Pedro I. Mas alguém já parou para pensar ou questionar de onde vem
essa informação? Pois bem, se não fizemos até agora, sobrou para o Clovão aqui.

Em uma busca rápida sobre o hino na internet, achei em sites de diversas obediências
maçônicas brasileiras o nome de Dom Pedro I como autor da melodia, e ainda traz Otaviano
Bastos como letrista. O Irmão Kennyo Ismail esclareceu em seu blog em matérias de 2012, que
o próprio Irmão Otaviano Bastos escreveu em seu livro Pequena Enciclopédia Maçônica que o
autor da letra era desconhecido. Mesmo porque o famigerado hino já estava publicado no livro
O Aprendiz-Maçom de Henrique Valadares em 1896, e Otaviano só viria a iniciar na maçonaria
em novembro de 1900. Vale salientar que no citado livro de Henrique Valadares não traz nome
de letrista ou compositor para a obra. Logo percebemos uma incongruência na informação
amplamente disseminada.

Hino executado em solenidade da Loja Capitular Cavaleiros da Cruz


Para pesquisar a ligação de Dom Pedro I ao hino, resolvi procurar em documentos oficiais do
Grande Oriente Brasil (GOB), ou seja, todos o boletins do GOB de 1871 a 1889 disponíveis na
Biblioteca Nacional, utilizando as palavras Hymno, Hino e Hymno Maçônico. Achei diversas
passagens relatando execuções de hinos maçônicos, mas nenhum atrelado ao nome do
Imperador. Uma informação interessante é que em uma exposição do Hymno Maçônico, a letra
era completamente diferente da que conhecemos hoje.

Aproveitei e pesquisei nos boletins do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil de
1873 a 1877 que estavam disponíveis na Biblioteca Nacional utilizando as mesmas palavras
para pesquisa, e consegui algumas informações interessantes. Existem muitos relatos de
novas composições para um hino da maçonaria, mas nenhuma delas ligada ao nome de Dom
Pedro I.

Pensei que talvez o motivo da omissão se desse ao fato de nessa época estarmos sob o jugo
do Império, o que faria os maçons brasileiros terem um pouco de discrição com o nome do Pai
do então imperador, por isso resolvi aplicar o nome de Pedro I a pesquisa. O resultado foi o
esperado, ou seja, uma avalanche de menções, inclusive a atribuição de Segundo Grão Mestre
do Grande Oriente do Brasil.

Nome do Imperador Dom Pedro I versando em boletim do Grande Oriente do Brasil


Para não deixar dúvidas procurei pela palavra Hymno e Hino em todo o acervo, e para minha
surpresa achei uma publicação da partitura para piano da obra distribuído pela Casa Arthur
Napoleão, infelizmente sem data. Porém Arthur Napoleão foi um famoso pianista português
que chegou ao Brasil em 1868, e logo se dedicou a novos empreendimentos musicais,
fundando assim uma casa de edição, publicação e comercialização de partituras. Não se sabe
o que levou Arthur a publicar a partitura do Hino da Maçonaria, mas pude constatar no Boletim
de Março de 1890, que em 24 de março do citado ano, o pianista executou o Hino da
Maçonaria durante a posse do Grão Mestre Manoel Deodoro da Fonseca. Como estou bem
enferrujado em teoria musical, resolvi pedir para meu amigo Marcos Paulo Nunes, músico
profissional, executar a partitura que confirmou ser a melodia que conhecemos hoje.

Colecção de Hymnos Brazileiros, publicação pela Casa Arthur Napoleão


Em artigo sobre os hinos compostos por Dom Pedro I, PINTO e PACHECO (2013) dizem que:

A esta lista poderíamos incluir o Hino Maçônico Brasileiro. No entanto, não há consenso acerca
do autor do referido hino. Seja como for, justamente por estar relativamente restrito aos círculos
maçônicos, o hino teve pouca repercussão social e importância menor na história dos hinos
luso-brasileiros, pelo que resolvemos excluí-lo deste trabalho, pelo menos até que seja possível
localizar fontes que confirmem sua origem. Dentre es- tes hinos, o Constitucional, o da
Independência e o Novo Constitucional mereceram foros de “nacional”.

Conclusão:

Sabe-se que Dom Pedro I era um exímio musicista, versado em instrumentos musicais
variados e compositor de diversos hinos com capacidade para a criação e execução do Hymno
Maçonico ou Hino da Maçonaria. Porém não achei quaisquer evidências que atribuísse a
autoria do hino de nossa fraternidade ao Imperador Pedro I.

Referências:
ISMAIL, Kennyo. Entendendo o Hino Maçônico. Disponível:
https://www.noesquadro.com.br/historia/entendendo-o-hino-maconico/. Acesso em agosto de
2021.

TOLENTINO, Abel. OTAVIANO DE MENEZES BASTOS. Disponível em:


https://www.masonic.com.br/rito/octaviano.html. Acesso em agosto de 2021.

Boletim do Grande Oriente do Brasil : Jornal Official da Maçonaria Brasileira, Publicação


Mensal(RJ) – 1871 a 1899. Disponível no site da Biblioteca Nacional.

Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil : Jornal Offical da Maçonaria
Brazileira (RJ) – 1873 a 1877. Disponível no site da Biblioteca Nacional.

MEDEIROS, Alexandre Raicevich de. MEMÓRIAS DE ARTHUR NAPOLEÃO. Disponível em:


http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276017543_ARQUIVO_TEXTOANPU
H.pdf. Acesso em agosto de 2021.

PACHECO, A. J. V.; PINTO, R. M. Os hinos de D. Pedro I e Marcos Portugal: em busca de


paradigmas. Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 – n.2, 2013, p. 136-167

Interpretação do hino maçônico

Da luz que de si difunde


Sagrada Filosofia
Surgiu no mundo assombrado
A pura Maçonaria

A Idade Média é considerada a “idade das trevas”, os “mil anos de escuridão”, pois a Igreja
Católica impedia a evolução da ciência e controlava a educação, promovendo a submissão da
razão em nome da fé. Após o fim da Idade Média, tem-se a Idade Moderna, na qual surgiram o
Iluminismo e a Maçonaria. A Maçonaria é considerada, junto de outras instituições, a
responsável pela difusão do ideal de livre busca da verdade.

Maçons, alerta! ]
Tendes firmeza ] Refrão
Vingais direitos ]
Da natureza ]
Os “direitos da natureza” são os direitos naturais, defendidos pelos jusnaturalistas. Trata-se dos
direitos considerados próprios do ser humano, independente de época e lugar. Entre esses
direitos, destaca-se os direitos a vida, a liberdade, a resistência à opressão, e a busca da
felicidade. Esses direitos foram, em outras épocas, tomados do homem através da tirania e do
fanatismo. E cada maçom deve defendê-los.

Da razão parto sublime


Sacros cultos merecia
Altos heróis adoraram
A pura Maçonaria

A alegoria da caverna, de Platão, mostra o homem cego e acorrentado pelas amarras da


ignorância, e ensina que a descoberta do mundo deve se dar de forma gradativa. O homem ao
sair da caverna sofre como um recém-nascido quando do parto, mas ambos ganham um
mundo novo. Após os anos de “mundo assombrado”, a humanidade assiste o nascimento da
Maçonaria, uma Ordem cujos ritos cultuam a razão, retirando homens da caverna da ignorância
e dando-lhes a luz de uma nova vida. Talvez por isso da Maçonaria ser berço de tantos heróis
e libertadores.

(Refrão)

Da razão suntuoso Templo


Um grande Rei erigia
Foi então instituída
A pura Maçonaria

O grande Rei erigindo um suntuoso Templo da razão é o Rei Salomão, tido como possuidor de
toda a sabedoria. E é da construção de seu templo que alegoricamente foi instituída a
Maçonaria, visto ter na lenda dessa construção o terreno fértil para a transmissão de muitos de
seus ensinamentos.

(Refrão)

Nobres inventos não morrem


Vencem do tempo a porfia
Há de séculos afrontar
A pura Maçonaria

“Porfia” significa “disputa”. Apenas as ideias nobres vencem a disputa contra o tempo. A
Maçonaria, por sua nobreza de ideais, tem sobrevivido ao passar dos séculos, ao contrário de
muitas outras instituições que sucumbiram diante do tempo, sempre implacável.

(Refrão)
Humanos sacros direitos
Que calcara a tirania
Vai ufana restaurando
A pura Maçonaria

“Calcar” significa “pisotear”, “esmagar”, enquanto que “ufana” significa “orgulhosa”, “triunfante”.
Em outras palavras, a estrofe diz que: a pura Maçonaria vai triunfante restaurando os sagrados
direitos humanos que foram pisoteados pela tirania.

(Refrão)

Da luz depósito augusto


Recatando a hipocrisia
Guarda em si com o zelo santo
A pura Maçonaria
A Maçonaria guarda em si, com o devido cuidado, a luz da razão. Em seu interior, a hipocrisia
vai sendo “recatada” (envergonhada), enquanto que a verdade é exaltada. A razão, duas vezes
citada no hino, está diretamente ligada à verdade, esta o oposto da hipocrisia, pois não existe
razão sem verdade, assim como a verdade só é encontrada com a razão.

(Refrão)

Cautelosa esconde e nega


À profana gente ímpia
Seus Mistérios majestosos
A pura Maçonaria

A Maçonaria mantém seu caráter sigiloso e grupo seleto em proteção de seus augustos
mistérios, para que aquelas pessoas ofensivas ao que é digno não possam alcançá-los.

(Refrão)

Do mundo o Grande Arquiteto


Que o mesmo mundo alumia
Propício, protege e ampara
A pura Maçonaria

E por fim, a Maçonaria é posta como instituição sagrada, da qual o próprio Grande Arquiteto do
Universo é favorável, e por isso a protege.

(Refrão)
COMENTÁRIOS FINAIS:
Questão interessante sobre esse Hino, que recebeu o nome genérico de “Hino da Maçonaria”
por não ter sido originalmente nomeado, é quanto a sua autoria. Várias fontes maçônicas o
colocam como sendo letra e música de D. Pedro I. Não há documento algum que corrobore
com essa teoria. Outras tantas fontes, inclusive o GOB, apontam o autor como sendo Otaviano
Bastos, o que é impossível. O próprio Otaviano escreveu em sua obra “Pequena Enciclopédia
Maçônica” que a música é de D. Pedro I, mas a letra é de autor desconhecido.
Há ainda outra questão relacionada ao hino e que merece atenção. Alguns escritores que se
propuseram a interpretar o hino, ao se depararem com o termo “recatando a hipocrisia”, não
compreendendo seu real significado, cometeram o gravíssimo erro de modificar a letra do hino
para “recatada da hipocrisia”, de forma que o hino pudesse se encaixar devidamente aos seus
entendimentos, em vez do contrário. Ora, imagine modificar a letra de um hino musicado por D.
Pedro I, cujo valor histórico e maçônico é incalculável, para se alcançar a interpretação
desejada… é o que podemos chamar de “estupro da história”.

CONSULTAS:
GUIMARÃES, José Maurício: Dissecando o Hino da Maçonaria. Portal “Formadores de
Opinião” e Portal “Samaúma”.
RIBEIRO, João Guilherme da C.: O Livro dos Dias 2012. 16a Edição. Infinity.
RUP, Rodolfo: O Hino Maçônico Brasileiro. Portal Maçônico “Samaúma”.

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