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THIAGO SILVA DE OLIVEIRA

O PAI DAS MISSÕES MODERNAS

RECIFE/2018
RESUMO

O presente artigo trata sobre a vida e o legado de William Carey para o que se
convenciona chamar de missão moderna, caracterizada por um despertamento da
consciência de se levar o evangelho para aqueles que não faziam parte do território
influenciado pela fé cristã e que compunham a chamada cristandade, isso tudo se
passando no final do século 18 e início do século 19 da era cristã.

PALAVRAS-CHAVE: Missões, Evangelização, William Carey.


INTRODUÇÃO

A tarefa primordial da Igreja de Cristo é proclamar o Evangelho do Reino a


todos os povos e nações. A pregação do Evangelho em todos os lugares, alcançando
todos os povos ou etnias concomitantemente, deve permear a mentalidade do cristão,
não sendo assim, existe uma carência na práxis da igreja, alienando-a de sua missão na
terra.

A igreja deve exercer a proclamação do Evangelho do Reino do Senhor Jesus


Cristo de forma irrestrita, pois este é um dever para todo aquele que é um discípulo de
Jesus. Em Mateus 28 encontramos o “Ide” como um imperativo. E é justamente este o
imperativo que nos torna cônscios do nosso encargo como componentes da igreja de
Cristo.

William Carey foi alguém que levou a sério esta responsabilidade e, pela graça
divina, tornou-se o precursor das missões protestantes modernas. Saindo da Inglaterra
para viver na Índia, seu legado ainda inspira diversas pessoas que também atendem a
chamada de Cristo para levar as boas novas através de uma empreitada missionária
transcultural. São diversos homens e mulheres em campo que foram encorajados através
do contato com a biografia de Carey.

Neste trabalho, veremos um pouco da história do homem que ficou conhecido


para a posteridade como “o pai dos missionários modernos”. E o porque que é
importante conhecer a história deste homem notável? A citação do Granconato (2009)
elucida a questão:

Assim, a história do pai das missões modernas, se afigura como fonte de


instrução, estímulo, exemplo e correção. Por meio dela não somente se
detecta parte do que Deus realizou no grande século das missões ultramar,
mas também é possível sentir o coração inclinado para novos desafios e
para a expectativa de que ainda nesta geração o Senhor reavive a sua obra
em todo o mundo.
INFÂNCIA, JUVENTUDE E CASAMENTO

William Carey nasceu na Inglaterra, no ano de 1761. Sua família era ligada a
igreja da Inglaterra – Anglicana – e mesmo sendo uma família de poucos recursos,
William teve acesso a certo grau de educação devido aos seu pai ser professor de escola.
Ele foi o mais velho de 5 irmãos e nutria interesse pela botânica.

Ainda jovem, Carey foi aprender o ofício da sapataria e ali, tornou-se batista
graças a influência de outro aprendiz, um pouco mais velho que ele. Carey foi sapateiro
dos 16 aos 28 anos e aproveitava as horas vagas que tinha para ler a Bíblia. Também
tinha habilidade na área da linguagem. Aos 14 aprendeu latim sozinho, e quando
aprendiz, acabou assimilando o grego, graças a um morador da vila que era
universitário. Tornou-se um poliglota, dominando, além dos idiomas supracitados, o
hebraico, o italiano, o francês e o holandês. Ia aprendendo enquanto fabricava os seus
sapatos.

Aos dezenove anos, William Carey se casou com Dorothy. Ela era cunhada de
seu patrão e tinha cinco anos a mais que ele. Dorothy não sabia ler – sua assinatura no
registro de casamento foi uma cruz –e tinha um temperamento forte. O casal passou por
muitas dificuldades financeiras, que só se agravaram na medida em que a família ia
aumentando. No total tiveram 6 crianças, metade delas foram a óbito. Ademais, a
responsabilidade de cuidar de sua cunhada e de quatro sobrinhos, após a morte do seu
patrão, recaiu sobre os ombros de William.
DESPERTAMENTO MISSIONÁRIO

William Carey, é fruto do avivamento trazido pelas mensagens de John Wesley


e George Whitefield, que pregavam em praça pública e anunciavam o Evangelho para
todas as classes. Por aderir a confissão batista, foi batizado novamente, pois já tinha
sido na infância, no dia 5 de Outubro de 1783, sendo o pastor John Ryland quem
ministrou o rebatismo. Passados 4 anos, foi consagrado e começou a pregar,
acumulando os ofícios de sapateiro e exercendo o magistério.

Com a finalidade de ensinar geografia, Carey confeccionou um globo e nele


assinalou as diferentes terras até então conhecidas. Seu interesse pela geografia o fez se
dedicar por muitas horas semanais a produzir mapas com detalhes de regiões diversas e
as características de seus habitantes. Percebe-se que com o conhecimento geográfico
somado a sua desenvoltura em diversos idiomas, Deus já estava forjando nele as
habilidades que o ajudariam na sua posterior carreira missionária.

Carey então se convence de que a atividade missionária é dever de todo o


cristão. Em 1784, fica impactado após ler a biografia do missionário David Brainerd.
Imerso nesta temática, publica um tratado sobre a obrigação dos cristãos para com a
conversão dos pagãos. Este texto serviu para refutar a mentalidade da época, onde um
hipercalvinismo inviabilizava a empreitada missionária alegando que se Deus quisesse
salvar os pagãos, ele faria sem precisar que fosse enviados missionários para “ajuda-lO”
nisso.

Mas com intrepidez de quem está ciente da tarefa da Igreja, Carey prega para
um grupo de pastores batistas. Ministrando o texto de Isaías 54. 2-3 ele fala para sua
plateia ouvinte: “Esperai grandes coisas de Deus e empreendei grandes coisas por
Deus”. Esta frase tornou-se icônica, sendo o mote de todo o seu ministério. Logo,
alguns pastores foram se convencendo de que era da vontade de Deus levar o Evangelho
até os povos pagãos. Este foi o embrião para formar a Sociedade Missionária Batista. A
inauguração se deu em 1792 e menos de um ano depois, William seria um dos enviados
da Sociedade para trabalhar diretamente com o povo indiano.

PROCLAMANDO O EVANGELHO NA ÍNDIA

Em 1793, Carey chega a Calcutá acompanhado da esposa e do Dr, John


Thomas que também viajou com a esposa. Este segundo homem foi um médico que já
havia estado em um trabalho anterior na Índia.

Antes de partir da Inglaterra, a esposa de William foi o primeiro empecilho.


Todavia, ele conseguiu convencê-la a estar junto dele em missão. Só que havia outra
barreira que tinha o poder de deportá-los. Era a Companhia Britânica das Índias
Ocidentais que não enxergavam com bons olhos os missionários em suas colônias. Por
isso, quando desembarcaram em solo indiano, Carey e o Dr. Thomas não notificaram as
autoridades que haviam chegado.

No início, a instabilidade financeira foi constante. O Dr. Thomas contraiu


muitas dívidas, o que acabou por macular um pouco a reputação dos missionários.
Diante de tantas dificuldades, Carey solicita a missão inglesa que mande mais pessoas,
o que é atendido. Todavia, o grupo que chaga para trabalhar com Carey e Dr. Thomas
são barrados de entrar em Calcutá. Com isso, a missão passou a ter sua base em
Serampore, um território que estava sob o governo dinamarquês. Foi lá que coisas
memoráveis começaram a acontecer.

O grupo de missionários britânicos tinha o foco na pregação e na tradução e


distribuição de Bíblias. Carey, a essa altura, já havia estudado e dominado diversos
dialetos falados na Índia. Além de traduzir a Bíblia, também compôs dicionários e
gramáticas. Estima-se que ao longo de sua missão, Carey traduziu a Bíblia, seja em sua
totalidade ou em pequenas porções, para aproximadamente 35 línguas distintas. Sobre
isso nos diz Gonzales e Orlandi (2008, p.238-239):

Hoje sabemos que alguns de seus trabalhos carecem do rigor linguístico


necessário para produzir traduções aceitáveis e compreensíveis. Contudo,
o que ficou marcado na história foi a paixão de Carey em traduzir a Bíblia
e torna-la acessível às comunidades da Índia em seus próprios idiomas.

Os anos em Serampore foram frutíferos. Por quase quatro décadas, o saldo de


convertidos e batizados foi superior aos 600. O primeiro indiano a ser batizado, no ano
de 1800, foi um simples carpinteiro. Mas, cerca de três anos depois, um brâmane foi
batizado. Os brâmanes são os membros mais elevados no sistema de castas indiano.
Entre as castas, não deve haver misturas para quem professa o hinduísmo. De acordo
com essa crença, não pode haver mobilidade social. Só que mudança de concepção que
o Evangelho traz é tão poderosa, que há registo de um brâmane que se casou com a filha
um simples carpinteiro.

Mas as dificuldades ainda eram muitas. E a esposa de Carey acabou sendo m


fardo na concepção do missionário, pois perdera a sanidade. Granconato (2009) nos
relata como isto se deu:

A Companhia das Índias Orientais tinha virtualmente o controle do país, e


temia que os esforços evangelísticos de Carey diminuíssem, de alguma
forma, seus lucros. Com medo de ser deportado, Carey levou sua família
para morar no interior, onde passaram pobreza e grandes dificuldades. Ele
teve que trabalhar o tempo todo, pois o pouco que recebia da “Sociedade"
era insuficiente para seu sustento. Seu filho mais novo Peter de cinco
anos, morreu de disenteria e sua esposa jamais se recuperou desta perda,
ficando progressivamente deprimida e mentalmente perturbada, sendo
descrita depois por colegas da missão, como “totalmente louca".

Mesmo tendo essas dificuldades, o trabalho de Carey nunca retrocedeu. E


mesmo dentro de sua casa surtiu efeito, pois dois de seus filhos tornaram-se
missionários. Na sociedade indiana, algumas práticas consideradas culturais, e até certo
ponto toleradas por missionários anteriores foram confrontadas com o ethos do
Evangelho. Dentre tais práticas havia o sacrifício de crianças e o costume de queimar as
viúvas na pira fúnebre do esposo. Carey foi nomeado pelo governador local para
consultar os livros sagrados do hinduísmo para ver se tais coisas se encontravam
presentes em suas páginas. Carey logo viu que não era algo prescrito nos livros sagrados
e aliou isso como argumentação para que os hindus não mais sacrificassem a vida de
inocentes. Não foi fácil acabar com tais práticas, pois já estavam arraigadas naquela
sociedade havia anos. Todavia, com muita labuta, oração e proclamação, ela foi se
tornando impopular e se extinguiu.

Na Inglaterra, devido as muitas notícias que chegavam dos campos


missionários de Serampore, centenas de cristãos despertaram para a causa missionária.
Da Inglaterra para os Estados Unidos o entusiasmo foi se propagando e diversas
agências missionárias começam a surgir nesse período. Louvado seja Deus que através
da vida de um homem acabou trazendo um despertar para uma época em que a causa da
propagação do Evangelho não estava sendo observada. Ainda sobre Carey, Gonzales e
Orlandi (2008, p. 243) afirmam o seguinte:

Devemos assinalar que a motivação teológica do trabalho de Carey não se


caracterizava por um sentimento de lástima ou compaixão para com os
pagãos que estavam se perdendo, como acontecia no caso dos morávios.
Carey cria que os pagãos que não conheciam Jesus Cristo estavam
perdidos, mas o motivo que o impulsionava não era tanto um sentimento
de compaixão para com essas pessoas quanto a obrigação que sentia
provir do mandamento de Jesus Cristo de ir por todo mundo e pregar o
evangelho. Para Carey, as missões são um ato de obediência a Deus mais
do que a compaixão. A compaixão ocupa um papel importante, mas é
apenas o resultado da obediência.

William Carey morreu aos 73 anos no dia 9 de Julho de 1834. Faleceu em solo
indiano e sua morte foi lamentada por muitos, que viram nele um bem feitor, respeitado
por estrangeiros e nativos. Órgãos governamentais, para demonstrar o luto, içaram suas
bandeiras a meio mastro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando a pessoa e a trajetória do William Carrey, podemos tirar lições


práticas acerca do trabalho missionário e sermos contagiados por este notável
personagem da história das missões eclesiásticas.

Primeiramente, podemos notar que Carey é mais um desses homens comuns


que se tornam notáveis por não se preocuparem com o próprio nome. Ele não é alguém
que está buscando fama. Apenas busca ser obediente ao chamado do SENHOR para ir e
pregar a Palavra a todos os povos. Mas, aprouve a Deus, que é o Criador da História,
fazer deste humilde homem alguém lembrado por muitos e muitos anos após a sua
morte.

Um sapateiro, um autodidata. Acabou recebendo o título de Doutor em


Divindades da Brown University em 1807 aos 46 anos, e foi membro de três sociedades
científicas com sede em Londres. O púlpito da Abadia de Westminster, tem escrito a
sua célebre frase: “Esperem grandes coisas de Deus, empreendam grandes coisas para
Deus".

Essa não é uma história singular. Na Bíblia vemos como Deus se utiliza de
pessoas comuns, muitas consideradas inferiores ou pertencentes a lugares de pouca
expressão. De uma prostituta de Canaã chamada Raabe e de uma viúva moabita, -
chamada Rute - a linhagem do Rei Davi (que sendo o menos notável de seus irmãos se
torna o principal rei da monarquia judaica) foi sendo estruturada. E desta linhagem vem
José, belemita, casado com uma humilde moça que recebeu do Espírito Santo a divina
semente para gestar o Messias, o Deus-Homem, que se fez um carpinteiro nazareno e
habitou numa inexpressiva Palestina, anexada ao grandioso Império Romano. Esse
Jesus, o Filho de Deus escolhe doze homens comuns para levar a sua mensagem aos
povos. Dentre os primeiros discípulos há simples pescadores, e a eles uma promessa:
“Sigam-me e lhes farei pescadores de homens”. Mais tarde, dois destes pescadores
diante de estudiosos da Lei, homens de autoridade, falam com uma desenvoltura tal, que
seus ouvintes doutores se perguntam de onde veio a sabedoria daqueles homens que, em
sua ótica, só deveriam entender de peixe. Paulo, o apóstolo, esclarece:

Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos


eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos;
poucos eram de nobre nascimento. Mas Deus escolheu as coisas loucas do
mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as coisas fracas do mundo
para envergonhar as fortes. Ele escolheu as coisas insignificantes do
mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são,
para que ninguém se vanglorie diante dele. É, porém, por iniciativa dele
que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para
nós, isto é, justiça, santidade e redenção, para que, como está escrito:
"Quem se gloriar, glorie-se no Senhor".

1 Coríntios 1:26-31

Por isso, não importa se somos pequenos aos olhos dos homens. O Deus a
quem servimos é grande e em sua grandeza inverte todo tipo de valor mundano e faz o
que lhe apetece, pois é soberano. A máxima proferida por William Carey faz todo
sentido: “Esperem grandes coisas de Deus, empreendam grandes coisas para Deus".

A segunda coisa para se refletir é sobre o comprometimento com o mandamento


do Senhor Jesus de irmos levar o Evangelho aos povos. Carrey foi comprometido a tal
ponto que não regressou do campo missionário nem para morrer. Empreendeu uma
grande obra, como nos disse Gonzales e Orlandi, por estar convicto de que devia
obediência ao imperativo missionário “Ide e pregai”.

Como cristãos, membros da Igreja de Cristo, devemos atentar para este dever e
proclamar com mais afinco o Evangelho. A Igreja não tem o direito de decidir ser
missionária, pois o seu Senhor já decidiu por ela e impôs a sua vocação. Não ser
missionária é uma impossibilidade à Igreja. Todavia, é preciso analisar até que ponto
isto tem sido a realidade de nossas congregações.

Obviamente, nem todos vão estar na ponta, sendo enviados para outras nações.
Mas a tarefa da membresia da igreja é a de começar a proclamação onde está inserida.
Ela deve ser missional, isto é, empreender a missão em seu contexto local. Ademais,
também compete aos membros auxiliarem os missionários transculturais tanto
financeiramente como relacionalmente. Muitos que estão nos campos sofrem com o
isolamento e não são poucas as vezes em que pensam terem sidos abandonados pela
igreja que os enviou. Oração, telefonemas, trocas de correspondência e visitas in loco
são de muita ajuda e fazem com que o ânimo dos missionários seja revigorado.

Por fim, precisamos atentar para a boa mão de Deus em fazer a obra frutificar,
mesmo que as dificuldades sejam imensas. Carey passou por isso, como vimos neste
pequeno artigo. Mas, numa de suas correspondências para a Inglaterra ele escreveu:
“(...) há dificuldades por toda parte, e muitas mais adiante. Portanto, teremos de seguir
em frente”.

Os apóstolos passaram por diversos problemas. Foram perseguidos e mortos


por conta do Evangelho. Mas seu trabalho frutificou a tal ponto que o conteúdo de sua
proclamação chegou até nós. Como Deus disse ao apóstolo Paulo: “a minha graça de
basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9).

Nunca devemos esquecer que a missão é do Senhor, pelo Senhor e para o


Senhor Jesus Cristo. Repousemos em sua graça e empreendamos grandes coisas em Seu
santo nome.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONZALES, Justo. ORLANDI, Carlos Cardoza,. História do Movimento Missionário.


São Palo-SP: Hagnos, 2008.
GRANCONATO, Marcos. William Carey: A vida e a obra do pai das missões
modernas. Disponível em
http://igrejaredencao.org.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=90:william-carey-a-vida-e-a-obra-do-pai-das-
missoes-modernas-pr-marcos-granconato&catid=19:monografias-txt&Itemid=111
Acesso em: 01/08/2018.

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