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Chapeuzinho Vermelho

Versão condagrada - A pedido da mãe, uma menina deve atravessar um matinho


sinistro pra levar comida até a casa da vó doente. No caminho, Chapeuzinho é
abordada por um lobo, que lhe indica um desvio longo enquanto pega um atalho até a
casa da velhinha e a devora sem dó. Chegando lá, Chapeuzinho trava um diálogo
recheado de duplos sentidos e também é comida. Eis que um caçador salva o dia,
tirando avó e neta da barriga do lobo.

Outra história - Na versão compilada por Perrault em 1697, a menina e a velhinha


morriam. Foram os Grimm, que, 160 anos depois, tiraram o caçador do chapéu. O final
varia, mas mantém-se o sugestivo diálogo que começa com "pra que esses olhos tão
grandes?" e termina com "pra te comer melhor!" Existe uma versão anterior à
tradicional, que inclui canibalismo (a menina bebe o sangue e come a carne da avó),
strip-tease e até sugestão de golden shower. Sim, o lobo pede que a menina urine
sobre ele.

Interpretação - Uma questão recorrente é por que Chapeuzinho dá trela ao lobo? "Ela
é uma criança com a ingenuidade de quem não sabe sobre o sexo. Ela pode não
saber que jogo está sendo jogado, mas é inegável seu interesse em participar",
escrevem os autores de Fadas no Divã. Esse caminho interpretativo leva ao campo
minado da sexualidade infantil. Segundo Freud, nossas primeiras experiências sexuais
são encobertas por uma espécie de amnésia que vai até os 6 ou 8 anos. A história
teria sobrevivido por usar símbolos que nos fazem pensar nessa questão. Ou seja: o
conto não fala apenas sobre o perigo do desconhecido, mas sobre a perda da
inocência.

Para maiores - No sexo, há adultos que agem como uma menina diante de um lobo.
"Quando a vida lhes impõe um papel sexual, vão oferecer o que têm: sua ingenuidade.
Ser uma assustada Chapeuzinho é até onde vai a sexualidade de quem não quer
saber nada do assunto", escreve o casal Corso.

Branca de Neve

Versão consagrada Sentenciada à morte por ser mais bela que a madrasta, Branca
escapa e é acolhida por 7 anões. Mas a megera não sossega: disfarçada de bruxa,
encontra a rival e lhe dá uma maçã envenenada. A jovem entra em coma, mas o beijo
de um príncipe lhe devolve a vida. A madrasta é punida com a morte.

Outra história - Apenas no filme da Disney os anões ganharam personalidades


distintas.

Interpretação - Em contos de fadas, madrasta é apenas um nome feio para mãe –


neste caso, uma mãe que inveja a filha que vira mulher enquanto ela envelhece.
Repare: o conflito só começa depois que o espelho informa que a madrasta não é
mais a nº 1 do reino – a identidade feminina da adolescente Branca de Neve já está
em construção. E a obra se completa com um leve toque de machismo: assim como a
Bela Adormecida, ela só conquista o príncipe semimorta – ou seja, inerte, quietinha,
comportada, como se espera de uma boa moça.

Para maiores - Todo namorado tem um pouco de "espelho, espelho meu",


constantemente requisitado a confirmar que, sim, a parceira é a mais linda e, não, não
existe mais ninguém. E que ele a ama. Pra sempre. De verdade.

Patinho Feio

Versão consagrada - Banido do ninho por deficiência estética, o Patinho enfrenta


doses variadas de rejeição administradas por humanos e animais. Ao final, entre
iguais, descobre que não era um pato feio, mas um lindo cisne.

Outra história - Diferentemente da maioria dos contos de fadas, compilados do folclore


europeu, este é uma criação do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875).

Interpretação - O mérito do conto é mexer com o senso de deslocamento comum a


toda criança. Todo mundo, em algum momento, sente que está no lugar errado, seja a
família, seja a escola, a turma, o mundo. Por outro lado, permite aos pais viver na
ficção o pavor de ter o filho surrupiado.

Para maiores - Alguns carregam o "complexo de patinho feio" para além da infância,
achando-se eternamente rejeitados e deslocados. Especula-se inclusive que Andersen
tenha feito o conto refletindo seus problemas de auto-estima.

João e o Pé de Feijão

Versão consagrada - Em vez de vender uma vaca como sua mãe pediu, João topa
com um açougueiro/engenheiro genético e troca a mimosa por feijões mágicos. Leva
um esporro, mas as sementes crescem até o céu, onde João encontra um gigante, de
quem rouba vários tesouros. Durante perseguição ao meliante, o grandão cai lá de
cima e morre. João e a mãe vivem ricos e felizes para sempre.

Outra história - Na primeira versão (1807), João sobe aos céus para vingar o pai, um
cavaleiro morto pelo gigante.

Interpretação - Cavaleiro, açougueiro, gigante: todos são faces do mesmo pai. A


trajetória de João reflete o processo natural (mais para homens, menos para
mulheres) de assimilar características e desejos da figura paterna na construção da
própria personalidade – inclusive se distanciando um pouco da mãe.

Para maiores - Há caçulas que passam a vida tratando irmãos mais velhos como
gigantes – para o bem e para o mal.

O Príncipe Sapo

Versão consagrada - Uma princesa mimada maltrata um sapo e é obrigada a dividir


cama e mesa com o batráquio. Depois de um tempo, ela acaba caindo pelos encantos
do bicho. E, assim que os dois se beijam, num passe de mágica, ele vira um príncipe.

Outra história A versão original não tem beijo: o sapo se transforma após ser jogado
na parede.

Interpretação - Diferentemente de histórias que terminam no casamento, esta e A Bela


e a Fera lidam com o complexo "depois". O nojinho da princesa com o ser viscoso
pode simbolizar o incômodo das crianças com o sexo, ou simplesmente com
relacionamentos fora da família – ambos redimidos ao final do conto.

Para maiores - Essa princesa é da linhagem das "megeras domadas", que


esperneiam, mas ao fim se submetem ao papel passivo reservado a elas.

Cinderela

Versão consagrada - A madrasta e as meias-irmãs de Cinderela lhe delegam o


trabalho doméstico, na esperança de que o batente a embarangue. Mas chega o baile
real. Repaginada por fadas, Cinderela brilha e conquista o príncipe, que guarda da
noite um sapatinho de cristal, abandonado pela bela enquanto fugia em desabalada
corrida. O príncipe sai calçando todas em busca da dona do sapato, até dar com o pé
de Cinderela e ambos viverem felizes para sempre.

Outra história - Há versões em que as irmãs invejosas são cegadas por aves amigas
de Cinderela.

Interpretação - Na superfície temos a fantasia dos adolescentes de que a sua vida não
pode ser a real: existe um destino melhor, que lhe pertence e que lhe foi roubado,
simbolizado na história pelo príncipe. "Essa história permite uma empatia imediata de
qualquer filho, já que cada um se sentirá demasiado injustiçado e exigido, assim como
pouco amado. Acreditamos que daí provém seu sucesso", escrevem Diana e Mário
Corso. "Onde houver irmãos, haverá desigualdade de fato ou a suposição de que ela
existe." Como costuma acontecer, a figura materna é multifacetada: é a mãe bondosa
que foi, a madrasta exigente e a fada que inspira sonhos. Quanto àquele sapatinho,
sim, ele pode ser interpretado como um traço de fetichismo, uma dica precoce de que
alguns elementos podem valer muito no jogo da sedução.

Para maiores - "A história de Cinderela é constantemente reciclada, em séries como


Sex and the City e boa parte das comédias românticas", diz Maria Tatar, folclorista da
Universidade Harvard e autora de Contos de Fadas: Edição Comentada e Ilustrada. A
personagem também une fantasias masculinas geralmente conflitantes: a princesa
para casar e a serviçal para... bem, servir. "Cinderela persiste na fantasia feminina.
Independentemente da mulher forte e capaz que ela se mostre no mundo, Cinderela
será a que, na intimidade, se disponha a brincar de esconde-esconde", afirmam os
autores de Fadas no Divã.

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