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CAPÍTULO VII

Ordem PERLARIAE 45

54. Caracteres. - Insetos de 0,5 a 3 cms. de compri-


mento. Têm o corpo deprimido, o tegumento pouco esclero-
sado, geralmente de côr parda mais ou menos escura, ou es-
verdeada; apresentam dois pares de asas membranosas, as
posteriores, na maioria das especies, com a região anal for-
mando um lobulo mais ou menos saliente, que se dobra sob
o resto da asa, quando o inseto repousa, e o abdomen provido
de 2 cércos, na maioria das especies multisegmentados e mais
ou menos alongados. São insetos anfibioticos e hemimetabo-
licos.

55. Anatomia externa. - Cabeça, em geral chata, tra-


pezoide, apresentando pequenos olhos facetados e 2 ou 3 oce-
los. Antenas longas, setaceas, de 30 a 80 segmentos. Apare-
lho bucal de tipo mandibulado, rudimentar, em algumas es-
pecies, porém, desenvolvido e funcional (Gripopteryx, Tae-
niopteryx).

Tórax - Segmentos toracicos distintamente separados,


sub-iguais. Protorax livre, sobretangular ou eliptico. Pernas
normais, ambutalorias, com os quadris bem afastados; em va-
rias especies, porém, os quadris são aproximados. Tarsos de

45 De perla, nome dado por ALDROVANDI em 1638 ás libelulas, pelos olhos


grandes e brilhantes que apresentam. GEOFFROY em 1764 restringiu-o aos ver-
dadeiros Perlideos.
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3 artículos, apresentando o ultimo (pretarso), que é o maior,


um par de garras e entre elas um empodio em forma de cres-
cente ou triangulo chanfrado.

Anacroneuria s p. (cerca de X 2,5).


Fig. 49 -

Asas desiguais com a membrana hialina, mais ou menos


escura, ou com manchas. As anteriores, em repouso, cobrem
o abdomen. As posteriores, que são as mais curtas na maioria
das especies, apresentam o campo anal muito mais desenvol-
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vido que nas anteriores. Pousado o inseto, esta parte fica do-
brada sob o resto da asa, daí o nome Plecoptera 46 dado a esta
ordem por varios autores. Tal disposição das asas posterio-
res, o aspecto das peças bucais em algumas especies de tipo
mais generalisado e a constituição do intestino, geralmente
provido de cégos gastricos, evidenciam uma estreita afinidade
destes insetos com os Ortopteros.
Ha varios Perlideos cujos machos se apresentam mi-
cropteros, observando-se ás vezes, numa mesma especie, dife-
rentes gráus de micropteria.
Abdomen apresentando 10 uromeros distintos (o 11° re-
duzido), desprovido de gonapofises. Daí a copula realisar-se
quando a femea se acha pousada. O ultimo uromero apre-
senta, na maioria das especies, 2 cércos alongados e pluriar-
ticulados, excepto nas especies de Nemouridae cujos cércos
são muito curtos e têm de 1 a 3 segmentos.
A fórma do penultimo urosternito (placa subgenital) da
femea oferece bons caracteres para a separação das especies.

56. Habitos. - Como os Perlideos voam mal, raramente


se os vê longe dos criadouros naturais. Daí serem mais facil-
mente encontrados quando pousados sobre pedras nas mar-
gens dos rios e riachos encachoeirados dos lugares montanho-
sos. Ao anoitecer, porém, mostram-se mais ativos, podendo
então ser apanhados ao redor das lampadas de iluminação.
Ha, entretanto, algumas especies que voam bem durante
o dia entre as plantas situadas á margem das corredeiras.
Os Perlideos adultos, como as Efemeras, vivem pouco
tempo, e, excetuando as raras especies que possuem peças
bucais funcionais, não se alimentam.

57. Postura. - As femeas, depois de fecundadas, põem


de 1.500 a 6.000 ovos, segundo a especie. A viviparidade pa-
rece ocorrer raramente nos perlideos. NEEDHAM observou-a
numa especie norte-americana do genero Capnia. Em muitas

46 Gr. plecos, dobrado e pteron, asa.


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especies os ovos, ao serem postos, vão se acumulando em uma


massa arredondada, que fica presa sob a extremidade poste-
rior do abdomen da femea. Esta, finda a postura, mergulha
o apice do abdomen na correnteza, para destacar a referida

massa, e os ovos que a constituiam ou vão para o fundo ou


se prendem a qualquer suporte, geralmente por um filamento
que se desenrola do polo micropilar do ovo.
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58. Desenvelvimento post-embrionario. - Dos ovos nas-


cem as primeiras fórmas jovens, ou larvas, como tambem são
designadas. O seu aspecto é bem semelhante ao das fórmas
adultas. Encontra-se-as, quasi sempre, sob ou sobre pedras e
outros suportes submersos. Nelas, porém, as peças bucais são
relativamente robustas e funcionais. As pernas, nas fórmas
jovens mais desenvolvidas, são providas de franjas de longos
pêlos natatorios. As larvas e ninfas dos Perlideos, em geral,
movem-se lentamente e, como são predadoras, conseguem
capturar as presas mais pelo habito de se ocultarem que pela
agilidade.

Alimentam-se de outros insetos anfibiotieos, principal-


mente fórmas jovens de Efemerideos, larvas de Dipteros das
famílias Simuliidae e Chironomidae e de Trichopteros. As
fórmas mais robustas podem atacar as mais jovens, de espe-
cies diferentes ou da mesma especie.

As larvas e ninfas dos Perlideos são apneusticas, respi-


rando oxigenio do ar dissolvido nagua principalmente atravez
do tegumento.

Na maioria das especies as fórmas jovens mais desenvol-


vidas apresentam traqueobranquias externas cuja posição
varia segundo a especie. Ora elas se inserem na região pleural
(branquias pleurais) ora na extremidade do abdomen (Lepto-
perlidae), entre a inserção dos céreos (branquias anais), for-
mando a roseta anal (fig. 51), ora na base dos quadris (bran-
quias coxais), finalmente, na prosterno (branquias proster-
nais). As fórmas jovens dos Perlideos mais arcaicos da fami-
lia Eustheniidae, do Chile, Australia e Nova Zelandia, apre-
sentam traqueo-branquias de cada lado dos primeiros uro-
meros.
Na maioria das especies as traqueo-branquias são fila-
mentares ou tubulares, formando, geralmente, pequenos tufos.
Muito se tem escrito sobre a persisteneia no adulto das
traqueo-branquias larvais, depois da famosa descoberta de
NEWPORT (1844) da existencia de tais orgãos em Pteronarcys
regalis, do Canadá.
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Parece, porém, que a razão está com LESTAGE (1923),


que, em criteriosa critica dos trabalhos publicados sobre o as-
sunto, concluiu dizendo o seguinte:

Fig. 51 - Larva de Gripoptcryx sp. (1918) (cerca de x2).

"La thèse qui veut que les Perlides conservent à l'état


adulte les organes respiratoires larvaires n'est donc qu'une
hypothèse, et cecas de néotenie rest à prouver".

As fórmas jovens dos Perlideos, em geral, só vivem em


aguas muito arejadas. Daí habitarem rios e riachos, nas par-
tes em que a correnteza é mais rapida. Ha, entretanto, espe-
cies europeias de Nemoura que vivem nas aguas calmas, pouco
agitadas ou mesmo estagnadas dos pantanos.
As ninfas, depois de completarem o desenvolvimento, so-
frem a ultima ecdise fóra dagua, quasi sempre sobre uma pe-
dra, saindo da exuvia ninfal o inseto adulto.
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Quasi nada se sabe em relação ao ciclo evolutivo dos nos-


sos Perlideos.

59. Importancia economica. - NEWCOMER (1918), nos


Estados Unidos, assinalou os estragos produzidos por Rhab-
diopteryx pacifica (BANKS), que ataca botões florais, folhas
tenras e pequenos frutos de varias fruteiras, em pomares lo-
calizados nas proximidades de rios encachoeirados.
O referido inseto, que ataca de preferencia Rosaceas,
causa em alguns sítios danos apreciaveis.
No combate a esse inimigo, empregam, com algum resul-
tado, caldas arsenicais. NEWCOMER verificou que as fruteiras
tratadas pela emulsão de petroleo e sulfato de nicotina contra
o ataque dos pulgões, são pouco atacados pelo referido Per-
lideo.

60. Classificação. - Ha cerca de 700 especies descritas


da ordem Perlariae, distribuidas em 7 famílias. Quasi rodas
as especies da região neotropica pertencem á familia Perli-
dae, e, na maioria, ao genero Anacroneuria Klapálek, 1909.
Dentre as especies deste genero, mais frequentemente encon-
tradas no Brasil, citarei: Anacroneuria annulicauda (Pictet,
1842), A. nigrocincta (Pictet, 1842) e A. dilaticollis (Bur-
meister, 1839). Ha tambem algumas outras especies da fa-
milia Leptoperlidae, dos generos Gripopteryx Pictet, 1841 e
Paragripopteryx Enderlein, 1909.
Dou, em seguida, a chave para a determinação das famí-
lias de Perlariae, segundo TILLYARD (1921).

1 Lobulo anal da asa posterior com archedictyon 47 , margem


externa inteira, sem reintrancia na terminação da Cu 2
((Regiões australiana e neotropica) ........................ Eustheniidae48.
1' Lobulo anal da asa posterior sem arehedietyon; margem
externa com um angulo reintrante na terminação de
Cu2 ................................................................................................................. 2

47 Gr. Nas asas destes insetos, de tipo mais generalisado, ha, entre as
principais nervuras longitudinais, uma trama de nervnras mais finas, formando
um reticulo irregular, ao qual TILLYARD deu o nome da archedictyon.
48 Gr. eusthenes, forte.
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2(1') Quadris anteriores aproximados; archedictyon presente,


exceto no angulo anal, mandíbulas vestigiais .................................
........................................................................................... Pteronarcidae 49
2' Quadris anteriores bem separados ............................................ 3

3(2') Mandíbulas vestigiais; clipeo e labro escondidos sob uma


pala frontal; ultimo artículo dos tarsos muito mais com-
prido que 1 + 2 (Inclus. Perlodidae) ................................. Perlidae.
3' Mandíbulas, clipeo e labro normais; ultimo artículo dos tar-
sos não mais comprido que 1 + 2 ............................................ 4

4( 3 ' ) Asas anterior com 3 nervuras anais; IA muito aproximada


de Cu2 (Inclus. Gripopterygidae) (Reg. australiana) .................................
................................................................................................................ Austroperlidae.
4 Asa anterior com 2 nervuras anais (2A e 3A) ............................................ 5

5(4') Em ambas as asas não ha uma verdadeira anastomose li-


gando as nervuras principais de R para Cu 1 perto do meio
da asa; nervuras transversais sempre presentes na por-
ção distal das asas (Inclus. Gripopterygidae) (Reg. aus-
traliana e neotropica) ....................................................... Leptoperlidae 50
5' Uma verdadeira anastomose ou corda transversal sempre
presente, ligando as nervuras principais de ambas as asas,
de R a Cu 1 perto do meio da asa; nervuras transversais
nem sempre presentes para fóra (distad) da anasto-
mose .............................................................................................................. 6

6(5') Na asa anterior 3A em forquilha; cércos vestigiais, uniarti-


culados (Inel. Taeniopterygidae e Leuctridae) .................................
................................................................................................... Nemouridae 51
6' Na asa anterior 3A simples; cércos longos, pluriarticulados
(Reg. holoartica) ............................................................................ Capniidae

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