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RESUMO: Neste artigo buscou-se analisar e comparar algumas modificações nas propostas
para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil. Para isso, foi realizada uma pesquisa na LDB,
na Lei 11.161/05 e leis afins, além de documentos oficiais como os PCN e o Quadro Europeu
Comum de Referência. A partir das discussões e das informações, evidenciou-se que existe
uma política linguística pré-estabelecida, que direciona o ensino de línguas somente para dois
idiomas – inglês e espanhol – e que os parâmetros de referência acabam compactuando com
que essa política, além de forjar um ensino de línguas. Para essa pesquisa foram utilizados
como principais referências os autores Day (2012;2015), Gonçalves e Andrade (2007),
Guimarães (2001), Leffa (1999) e Santos (2015).
1 Introdução
Pós-graduando em Metodologia do Ensino de Línguas e Literaturas Estrangeiras pela Universidade Estadual
do Amapá/UEAP. E-mail: mirandacleuson@gmail.com
Pós-graduanda em Metodologia do Ensino de Línguas e Literaturas Estrangeiras pela Universidade Estadual do
Amapá/UEAP. E-mail: elaneviana07@gmail.com
orientações para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil e finalmente as últimas leis que
entraram em vigor no país, referentes a esse ensino, a LDB 9394/96, a Lei nº 11.161/05 e a
Lei nº 13.415/17, analisando suas determinações e apresentando enfim as conclusões a
respeito dos dados obtidos.
Com essa determinação, as escolas poderiam ou não escolher uma língua estrangeira
para preencher o currículo do ensino secundário – que na época tinha duração de 7 anos
divididos em 2 ciclos, ginasial e colegial – o que reduziu drasticamente a carga horária e
consequentemente a quantidade de línguas ofertadas pelas escolas. Dessa forma, “o latim,
com raras exceções, foi retirado do currículo, o francês quando não retirado, teve sua carga
semanal diminuída, e o inglês, de um modo geral, permaneceu sem grandes alterações”
(LEFFA, 1999, p. 13) e o português passou a ser a única língua de referência para se ministrar
os conteúdos referentes tanto ao primário quanto à educação secundária.
Em 1971 uma nova LDB viria para agravar ainda mais a situação da língua estrangeira
na educação brasileira. A lei nº 5.692 alterou o sistema de ensino no Brasil visando a
educação profissional. Assim, cada estabelecimento de ensino fica responsável pela
organização curricular obedecendo o núcleo comum e acrescentando à parte diversificada
disciplinas que atendam às realidades locais. O ensino de primeiro grau passou a ser
constituído por oito séries anuais e o de segundo grau por no mínimo três, sendo
obrigatoriamente ministrados em língua portuguesa, sendo reforçado seu ensino em ambos os
níveis de ensino, como se observa no artigo 4º, parágrafo 2º, o “ensino de 1º e 2º graus dar-se-
á especial relêvo [sic!] ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunicação e
como expressão da cultura brasileira”.
Para Leffa (1999, p. 14), “[...] a necessidade de se introduzir a habilitação
profissional”, atrelada a outros fatores, acabou provocando “uma redução drástica nas horas
de ensino de língua estrangeira”, que passou a ser trabalhada como um “acréscimo”, e nem
mesmo seria necessário ofertá-la no ensino regular, pois o artigo 8º sugere que
Obrigatória também em todo o ensino médio, com o acréscimo de uma optativa, como
se observa no artigo 36º, inciso III, que afirma que deverá ser “incluída uma língua
estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma
segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição”.
Todas essas oscilações no âmbito educacional brasileiro são reflexos das próprias
agitações políticas que o país sofreu durante sua história, que refletiram diretamente na
aplicação do ensino de línguas estrangeiras no Brasil. A partir dessas exposições, observa-se o
quanto a educação, e mais precisamente sobre as línguas estrangeiras, pode ter sido
prejudicada com tantas alterações e incertezas, que não pararam por aí, pois recentemente
tivemos ainda mais mudanças, que serão discutidas posteriormente.
3 Políticas linguísticas
Faz-se necessário ressaltar que, embora todas essas modificações pareçam ter
provocado um efeito negativo no que se refere à educação básica brasileira, não foram
decisões puramente aleatórias. Fatores diversos influenciam nessas determinações,
principalmente no que concerne ao ensino de línguas estrangeiras e de qual língua – ou
línguas – ensinar. Economia, geografia, cultura, globalização, dentre outros, afetam
diretamente na determinação de uma política para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil.
Para se compreender melhor as propostas para o ensino de línguas estrangeiras,
entendamos primeiro como se dá a política linguística, que Day (2012, p. 2) afirma possuir
“[...] um conceito amplo e abrangente” e se refere às tomadas de decisões por parte de agentes
sociais a fins de se estabelecer que língua usar em determinada situação, consistindo assim na
“identificação, segundo parâmetros relativos, de situações linguísticas não ideais e ideais e
dos mecanismos de passagem de uma [língua] para outra”, e como responsável por
transformar as políticas em realidade temos a Planificação Linguística.
Oliveira (2001 p. 1) acrescenta que as políticas linguísticas não ganham muita
visibilidade por que, em parte, “[...] aparecem diluídas dentro de políticas culturais,
educacionais, políticas de inclusão ou de exclusão, não aparecem em estado ‘puro’, embora
estejam necessariamente presentes na maioria das políticas educacionais e culturais”.
Embora seja um conceito relativamente novo, as políticas linguísticas sempre
estiveram presentes e, referente ao ensino de línguas, sejam elas maternas ou não, temos ainda
um componente da política linguística denominado política linguística educativa, que se
desenvolveu a partir da década de 1990 e
abrange tanto as políticas de ensino e de uso das línguas nos sistemas educativos,
principalmente públicos e oficiais, quanto o conjunto de problemáticas de uma
educação cívica para o multilinguismo e para a alteridade linguística (BEACCO &
BYRAN, 2003 apud DAY, 2015, p. 3).
Como visto, durante toda a história da educação no Brasil tivemos diversas situações
em que foram empregadas ações relacionadas às políticas linguísticas educativas e mais
recentemente, em consonâncias a essas políticas linguísticas, foram criados os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN 1998), que orientam o ensino de línguas estrangeiras a partir de
princípios da transversalidade. No que concerne à escolha de uma língua estrangeiras, os PCN
apresentam três fatores que podem ser levados em consideração no processo de escolha de
uma língua estrangeira, sendo eles: fatores históricos, fatores relativos às comunidades locais
e fatores relativos à tradição.
No que tange aos fatores históricos, uma determinada língua representa um papel
significativo em certos momentos históricos da humanidade, isso justificaria a aprendizagem
de uma língua estrangeira. Além disso, os PCN (1998) afirmam que a relevância pode ser
determinada pelo papel hegemônico que tal língua impõe à sociedade e essa relevância pode
ser percebida quando a língua é utilizada para estabelecer relações internacionais, implicando
em trocas interacionais de cultura, educação, ciência, trabalho etc. Dois exemplos bem claros
disso são: a língua inglesa, considerada a língua global, que se propagou em função do poder
e da influência, sobretudo, no contexto da Segunda Guerra Mundial; e a língua espanhola,
representando a maioria dos países da América Latina, que ganhou destaque por meio das
relações comerciais do Mercosul.
Sobre os fatores relativos às comunidades locais, está associado à convivência entre
comunidades locais e imigrantes falantes de outra língua, podendo influenciar na escolha de
uma determinada língua. Na relação de fronteira com o Brasil, por exemplo, existem as
seguintes línguas: francês, espanhol, guarani e até mesmo o inglês. Além desses exemplos, há
as comunidades de imigrantes, que podem justificar a inclusão do italiano, do alemão, do
japonês e de outros dialetos que sê mantém (DAY, 2012).
Concernente aos fatores relativos à tradição, esse fator está ligado ao papel que uma
determinada língua estabelece nas relações culturais e no acesso à informação e ao
conhecimento. Por meio desse fator, analisa-se a importância cultural que cada língua possui,
além de contribuir significativamente para o desenvolvimento intelectual e cultural da
sociedade.
Além desses fatores apresentados, os PCN (1998) orientam que o ensino de línguas
estrangeiras deveria atender a uma política de pluralismo linguístico, compreendido como a
aceitação da existência de diferentes línguas e a promoção do ensino de várias línguas.
Relacionando a essa variedade de línguas, o Quadro Comum Europeu (CONSEIL DE
L’EUROPE, 1998) postula que existem diferenças entre o Multilinguismo e o Plurilinguismo.
No que tange ao Multilinguismo, relaciona-se à oferta de diferentes línguas estrangeiras em
uma instituição ou no sistema escolar, e ao processo de motivação do aluno para a
aprendizagem de diferentes línguas ou para conduzir o aluno a estudar a língua das
comunicações internacionais, no caso, a língua inglesa. Concernente ao Plurilinguismo,
enfatiza-se o domínio de diferentes línguas nas suas práticas comunicativas, estreitando a
relação entre a língua e a cultura, a fim de estabelecer a intercompreensão e
intercomunicação.
Ainda sobre o plurilinguismo, Gonçalves e Andrade (2007) argumentam que a
competência plurilíngue é relativamente autônoma, visto que ela se estrutura e evolui para
além da escola, desenvolvendo-se de forma desequilibrada e aberta por meio de diferentes
línguas e contextos culturas. Dessa maneira, as autoras afirmam que um falante é capaz de
acionar essa competência para se comunicar e compreender diferentes discursos em um
determinado contexto que se configura pela interação de línguas.
Além dessas ideias, Gonçalves e Andrade (2007) postulam que o ensino de uma língua
estrangeira não deve somente ensinar uma determinada língua, mas que permita ao estudante
a construção de uma identidade cultural e linguística, além do desenvolvimento da capacidade
para aprender por meio da experiência diversificada relacionando as várias línguas e culturas.
Nessa perspectiva, as autoras afirmam que a educação em línguas precisa se reconceitualizar,
pois as escolas não deveriam mais se preocupar em formar sujeitos “bilíngues perfeitos”, mas
fazer com que os alunos desenvolvam uma competência plurilíngue.
Embora os PCN (1998) reconheçam a importância e o processo do ensino-
aprendizagem das línguas estrangeiras, infelizmente, o referido documento orienta que o
ensino de línguas estrangeiras no Brasil deva ser voltado para a leitura, visto que não se
vislumbra função social para as outras competências comunicativas (escrever, falar e ouvir).
Isso faz entender, no senso comum, que a disciplina não tem tanta importância na matriz
curricular, tampouco há necessidade de políticas públicas para o ensino de línguas
estrangeiras.
Por meio dessas discussões, percebe-se que o Brasil é um país multilíngue, devido às
questões de fronteiras, de comunidade de imigração e de influências internacionais. Além
disso, é perceptível, na atualidade, a existência de políticas linguísticas que direcionam as
escolhas e as propostas para o ensino das línguas estrangeiras, baseadas em acordos políticos
e econômicos.
[...]
§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino
de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das
possibilidades da instituição.
§ 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
§ 5o No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa. (Redação
dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
Conforme pode ser observado no fragmento acima, o artigo 26 da LDB normatiza que
o ensino de língua estrangeira se encaixa na parte diversificada da matriz curricular,
adequando-se às características particulares de cada localidade. No entanto, o antigo parágrafo
5º prescrevia a obrigatoriedade do ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna no
ensino fundamental, nesse caso, a comunidade escolar que deveria escolher a língua
estrangeira a ser ensinada, porém, era preciso verificar se a escola teria condições de ofertar
tal língua. Partindo dessa contextualização, era notório que o texto inicial, que foi revogado,
apresentava um avanço significativo para o Multilinguismo existente no Brasil, podendo
contribuir fortemente para a competência plurilíngue, pois a comunidade escolar tinha o
direito de escolher uma ou mais línguas estrangeiras para ser ensinada, respeitando tanto a
diversidade cultural quanto as relações de fronteira.
Na contramão dessas ideias, perpetuam-se ainda as políticas linguísticas que não
subsidiam as escolhas da comunidade escolar, fato que pode ser evidenciado através dos
programas governamentais que induzem à escolha do idioma, por exemplo: no Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM, o estudante pode optar somente entre duas línguas
(inglês e espanhol); e o Programa Nacional do Livro Didático que distribui somente os livros
de inglês e de espanhol. Por meio desses programas, percebe-se que as escolhas da
comunidade escolar são direcionadas somente para duas línguas, não fazendo sentido escolher
outras línguas que não são contempladas tanto no vestibular quanto na distribuição dos livros
didáticos.
Contrariando o direito de escolha, no ano de 2016, foi criada a Medida Provisória nº
746, que alterava o texto do parágrafo 5º. Nessa nova reformulação, ficou regulamentado que
Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 e
20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
as escolas deveriam ofertar o ensino de língua inglesa a partir do 6º ano (antiga 5ª série) do
ensino fundamental. Por meio dessa modificação, percebe-se um retrocesso no ensino de
línguas estrangeiras, visto que a comunidade escolar não poderia mais escolher a língua a ser
contemplada pela escola, tampouco houve espaço para promover uma segunda língua, isso
acabou refletindo negativamente em diversos âmbitos, entre eles: desrespeito e desvalorização
da diversidade cultural e multilíngue, não permitindo o desenvolvimento das práticas
plurilíngues; falta de incentivo nas relações de fronteira; monopolização do ensino-
aprendizagem de língua inglesa etc. Como consequência desse ato político, a Medida
Provisória nº 746 foi convertida para a lei nº 13.415/2017, que simplesmente ratifica as
propostas pontuadas pela medida provisória no que concerne ao ensino de línguas
estrangeiras.
Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino
médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:
(Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)
[...]
Antes das modificações na lei 9394/96, no inciso III do artigo 36, as propostas de
ensino de línguas estrangeiras para o ensino médio eram semelhantes às do ensino
fundamental, apresentando-se como obrigatória e a escolha ficava a critério da comunidade
escolar. Todavia, por meio da lei nº 13.415/17, a proposta curricular no ensino de línguas
estrangeiras para o ensino médio também sofreu alteração. Na nova reformulação,
regulamenta-se que o ensino de língua inglesa é obrigatório e que outros idiomas poderão ser
ofertados, porém, essas línguas serão ofertadas como optativas, havendo preferências para a
língua espanhola, e se houver condições para ofertá-la.
Conforme é possível observar, as novas propostas para o ensino de línguas
estrangeiras retiram a oportunidade de o estudante escolher um idioma conforme o seu
interesse, priorizando somente as línguas contempladas em acordo internacional como o
Mercosul (espanhol) e a língua multinacional (inglês). Essas tomadas de decisões deixam de
lado as outras línguas presentes no contexto geográfico do Brasil, sejam as línguas
encontradas nas fronteiras ou nas comunidades de imigração.
5 Considerações finais
Percebe-se que o ensino de línguas estrangeiras no Brasil teve seus altos e baixos,
houve momentos em que ganhou destaque devido à referência internacional na qual se
espelhava e, em outras circunstâncias, declinava-se para ceder lugar para outras prioridades.
Infelizmente, na atualidade, as línguas estrangeiras perdem cada vez mais o seu espaço e são
tratadas em segundo plano por não se vislumbrar uma função social.
Em consonância a ausência de função social, as políticas linguísticas não levam em
consideração o Multilinguismo presente no Brasil, isso pode ser evidenciado pelas leis e pelos
programas governamentais ao diminuir as possibilidades de aprender outras línguas
estrangeiras, restringindo-se às línguas inglesa e espanhola. Mas isso não quer dizer que essas
não devam ser ensinadas, mas que outras línguas deveriam estar entre as opções de ensino de
línguas, promovendo a valorização da diversidade cultural e do Multilinguismo, além de
possibilitar o desenvolvimento da competência plurilíngue.
Além disso, o sistema educacional conta com os Parâmetros Curriculares Nacionais,
que corroboram para um ensino de língua estrangeira direcionado somente para a leitura,
deixando de lado a habilidade de expressão escrita e as habilidades orais (falar e ouvir). Esse
documento, que deveria orientar o desenvolvimento das competências comunicativas,
simplesmente deixa a desejar e acaba forjando um ensino de línguas estrangeiras.
Espera-se que haja uma nova reformulação na LBD, que favoreça o ensino de
línguas estrangeiras, fazendo jus à pluralidade linguística presente no Brasil, e que conduza as
decisões políticas para uma educação pública de qualidade. Dessa maneira, não haveria a
necessidade de promover a crença de que somente as instituições privadas conseguem
oferecer o melhor ensino de línguas estrangeiras, tampouco se pensaria na possibilidade de
privatização da educação.
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