Você está na página 1de 16

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/352743713

Estudo sobre a Autorização e Concessão da Estocagem de Gás Natural no Brasil

Conference Paper · September 2017

CITATIONS READS

0 67

1 author:

Mario Jorge Figueira Confort


Brazilian Regulatory Agency of Petroleum, Gas and Biofuel
8 PUBLICATIONS   25 CITATIONS   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Mario Jorge Figueira Confort on 25 June 2021.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


ESTUDO SOBRE A AUTORIZAÇÃO E CONCESSÃO DA
ESTOCAGEM DE GÁS NATURAL NO BRASIL

Mário Jorge Figueira Confort1


Engenheiro Químico, Mestre e Doutor em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos,
com ênfase em gás natural e estocagem de gás, pela Escola de Química da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (EQ/UFRJ); Especialista em Regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP).

Endereço2: Av. Rio Branco, 65 – Centro – Rio de Janeiro – RJ. CEP: 20090-004 – Brasil
Tel. +55 (21) 2112-8100. e-mail: mariojfc@anp.gov.br / mconfort@gmail.com

RESUMO

A relação do Estado com o subsolo, frente ao possível surgimento da estocagem subterrânea de


gás natural no Brasil, foi o objeto de pesquisa do presente trabalho para fins de análise técnico-
jurídica dos regimes de outorga para seu exercício. O estudo foi conduzido tendo como base
características técnicas da estocagem, textos constitucionais que já vigeram no país, a
Constituição de 1988 e as leis principais do Direito Minerário e do Direito do Petróleo e Gás.
Verificou-se que a estocagem confere característica de jazida à massa mineral que confina o gás
por auferir-lhe valor econômico. Concluiu-se ainda que a atividade é integrante do monopólio da
União e, por fim, que o regime de outorga para a estocagem subterrânea não contempla ato
administrativo precário, mantendo coerência com os regimes aplicáveis a outras atividades de
aproveitamento do subsolo nacional.

Palavras-chave: Gás. Gás Natural. Estocagem Subterrânea de Gás Natural. Estocagem de Gás
Natural. Subsolo. Recursos Minerais. Jazidas. Monopólio da União. Autorização. Concessão.

1
DSc., Engo Químico e Especialista em Regulação da ANP, mariojfc@anp.gov.br.
2
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP.

281
1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir os regimes de outorga para a estocagem
subterrânea ou geológica de gás natural sob o ponto de vista técnico-jurídico. A estocagem de gás
natural é realizada em uma série de países e pode ser definida como uma atividade ou tecnologia
empregada para equilibrar a oferta de gás natural às demandas variáveis e, para tal, faz uso de
formações geológicas naturais do subsolo, capazes de armazenar volumes da ordem de 108-109
m³. São importantes em nações da América do Norte e Europa, ocorrendo principalmente em
reservatórios depletados de petróleo ou gás, em aquíferos e em cavidades salinas (INT, 2005;
MOTHÉ, CONFORT, 2013; TEK, 1996).
Apesar de o Brasil ainda não contar com sítios de estocagens operacionais, as principais
motivações para sua implantação residem na sazonalidade do consumo de gás para geração de
energia termoelétrica e no reforço à infraestrutura da indústria de gás. A literatura nacional sobre
o tema já vem apontando a importância da estocagem subterrânea e, de fato, desde o final do ano
de 2015, já existe um projeto autorizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) ainda a ser implantado na região de Camaçari/BA. No Brasil, a
estocagem geológica de gás natural é regida principalmente pela Lei nº 11.909/2009, a “Lei do
Gás” – que conferiu ao tema detalhamento inédito em nível legal, sendo que o exercício dessa
atividade pode se dar por meio de concessão ou autorização, conforme o caso.
Dado que o falta de clareza quanto à aplicação dos regimes de outorga de autorização e concessão,
cada qual com suas características próprias de relação entre o Estado e agentes econômicos, causa
incertezas tanto para agentes econômicos interessados em investir em estocagem como para
instituições públicas responsáveis pelas aprovações necessárias à sua implantação, o presente
trabalho reúne informações provenientes de textos legais, constitucionais e infraconstitucionais
que tratam do uso do subsolo no Brasil, além de informações técnicas relacionadas à filosofia de
funcionamento da estocagem de gás natural visando à minimização de conflitos de entendimento
existentes para a outorga e consequente implementação dessa infraestrutura, que demanda
vultosos investimentos.
Para o presente estudo, foram debatidas questões tais como: (i) se a formação geológica que
armazena gás se configura como jazida ou riqueza do subsolo; (ii) se a estocagem seria objeto do
Direito Minerário; (iii) se a atividade estaria incluída no monopólio da União, conforme art. 177
da CF; e (iv) como esses aspectos se relacionam ao regime de outorga da atividade de estocagem,
tendo em vista, inclusive, os marcos legais já vigentes para a indústria de petróleo e gás.

282
2. METODOLOGIA

A metodologia do trabalho consistiu primeiramente em apresentar as principais características


técnicas da estocagem no contexto das demais atividades da indústria de gás natural de modo a
melhor entender seu funcionamento e seu papel como ferramenta de equilíbrio da oferta e da
demanda a partir do emprego especialmente de estruturas geológicas do subsolo. Em seguida, foi
investigada a descrição da abordagem do uso e propriedade do subsolo e suas riquezas presente
nos textos constitucionais que já vigeram no Brasil desde a Carta Magna de 1824 até a
Constituição Federal (CF) de 1988. Por fim, foram verificadas normas infraconstitucionais
relativas tanto ao gás natural como a outras atividades econômicas que exploram o subsolo e como
essas normas abordam os regimes de outorga autorizativo e de concessão de forma a construir
relações com a estocagem de gás, atividade ainda inexistente no país.

3. A INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL E A ESTOCAGEM

É possível definir a indústria do gás natural como um conjunto de atividades inter-relacionadas


que têm como função levar este recurso natural, fóssil, predominantemente composto de metano
(CH4) e gasoso a consumidores e usuários finais. O gás pode ser aproveitado como fonte de
matéria-prima em alguns setores, como, por exemplo, o de metanol e o petroquímico, ou como
fonte energética, sua aplicação mais relevante, para indústrias, residências, estabelecimentos
comerciais, transporte veicular e geração de energia elétrica. Ele ocorre em estruturas geológicas,
podendo ser produzido associado ou não ao petróleo. Para encontrar as reservas, são empregados
levantamentos sísmicos e geológicos, seguidos de perfuração de poços que verificarão a
existência de sistemas gaseíferos aproveitáveis. Essa primeira etapa da indústria de gás é a
exploração ou fase de pesquisas, na qual basicamente se busca a localização de volumes de
economicamente atrativos. A etapa seguinte consiste em desenvolver o campo e extrair o produto
por meio de unidades de perfuração, completação e produção, a partir das quais ele é escoado a
unidades de processamento e tratamento para ser especificado.
Após o tratamento, o gás é movimentado até os consumidores e usuários finais principalmente
por gasodutos3, que podem ser basicamente de transporte ou distribuição. Os gasodutos de
transporte geralmente conectam as unidades de processamento a pontos de entrega, a partir dos
quais o gás entra nas redes de distribuição para chegar ao consumidor. O transporte e a

3
Quando reservas e mercados são separados por distâncias intercontinentais, a ligação se dá por navios
metaneiros, que transportam o gás natural na sua forma liquefeita (GNL).

283
distribuição por dutos, monopólios naturais clássicos da economia, são fortemente regulados de
forma a se buscar o uso destas infraestruturas pelo maior número possível de usuários e incentivar,
concomitantemente, o investimento em expansões. Ademais, devido à baixa densidade energética
do gás, há consideráveis dificuldades para sua movimentação e estocagem a custos razoáveis.
A estocagem de gás pode ocorrer em diversas localidades da cadeia, do upstream ao downstream,
e, diferentemente da movimentação, não é parte obrigatória da logística do gás, embora seja de
imperiosa relevância, podendo ser realizada, por exemplo, em tanques que o armazenam na forma
líquida (GNL). Porém, a categoria de estocagem que serve eminentemente à função de equilíbrio
da oferta com a demanda, devido às suas consideráveis capacidades, é a subterrânea ou geológica.
Neste caso, o gás é armazenado em formações geológicas naturalmente aptas à atividade, como
os reservatórios porosos – que podem ser campos exauridos ou depletados de petróleo/gás ou
aquíferos – ou em formações geológicas naturais salinas em que o espaço para confinamento é
construído pela lixiviação do sal. Enquanto reservatórios porosos são adequadas ao ajuste sazonal
de diferentes demandas ao longo das diversas estações do ano, as cavidades salinas são
empregadas no atendimento a picos de consumo. As estocagens podem ainda servir para atenuar
as variações dos campos de produção de gás ou óleo ou para evitar dimensionamento excessivo
de gasodutos e, quando desenvolvidas em campos em depleção, podem produzir óleo como
resultado da pressão fornecida ao reservatório ou do arraste de hidrocarbonetos nativos.
O investimento em um sítio de estocagem se inicia pela exploração ou pesquisa de estruturas
capazes de confinar volumes economicamente viáveis, o que inclui análises sísmicas e a
perfuração de poços exploratórios. Em seguida, o campo é desenvolvido por meio da injeção do
gás de base4 e da construção das instalações de superfície e subsuperfície (INT, 2005). Importante
mencionar que são etapas semelhantes às fases iniciais de exploração e desenvolvimento de
campos para produção. Por fim, a etapa principal da implantação de uma estocagem subterrânea
é a operação que, a princípio, possui duração indeterminada e agrega a um país uma capacidade
de estocagem que dificilmente retrocede (CONFORT, 2006, 2015).
Em sua fase operacional, a estocagem confere a um determinado sistema gasista flexibilidade e
maior capacidade de movimentação. Em comparação à indústria de petróleo e de combustíveis
líquidos, o armazenamento geológico e sua relação com as redes de gasodutos de transporte é
semelhante, por exemplo, aos terminais associados a oleodutos de transporte.

4
O gás de base ou cushion gas é o volume responsável por fornecer pressão ao reservatório de estocagem
para que se atinjam as pressões requeridas para uma determinada taxa de entrega requerida pelo mercado.
Ele pode ser constituído de gás nativo do reservatório ou pode ser adquirido. O volume efetivamente
movimentado é o gás útil ou gás de trabalho (working gas).

284
4. AS CARTAS MAGNAS DO BRASIL E O SUBSOLO

A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1824, tratou predominantemente sobre a


organização do novo Estado e das funções dos Poderes do Império, não abordando aspectos
econômicos referentes ao aproveitamento do subsolo. A Constituição seguinte, de 1891, foi a
primeira a tratar especificamente do direito de propriedade das minas, as quais pertenciam ao
proprietário do solo, influência do sistema de propriedade dos Estados Unidos enfraquecida por
normas infraconstitucionais posteriores como, por exemplo, o Decreto nº 2.933/1915, a “Lei
Calógeras”. Essa lei estabeleceu que as minas5 poderiam ser de propriedade da União, dos Estados
ou do proprietário do solo e instituiu a distinção entre a propriedade do solo da do subsolo, a qual
veio a se consagrar na Constituição de 1934. Essa nova Carta, em seus artigos 118 e 119, estabeleu
que “As minas e demais riquezas do subsolo (...) constituem propriedade distinta da do solo para
o efeito de exploração ou aproveitamento industrial” mediante “concessão ou autorização federal,
na forma da lei”, “conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil”.
Desta forma, eliminou-se pela primeira vez em nível constitucional, a possibilidade de
participação de empresas estrangeiras na exploração do subsolo e previu-se ainda a
“nacionalização progressiva das minas e jazidas minerais consideradas básicas ou essenciais à
defesa econômica ou militar da nação”. Nenhum desses dispositivos se modificou após a outorga
da Constituição de 1937 (BRASIL, 1824, 1891, 1934, 1937; PPSA, 2017).
A Constituição de 1946, promulgada após o final da 2ª Grande Guerra, manteve as características
das cartas republicanas anteriores, mas assegurou ao proprietário do solo preferência para a
exploração de minas e jazidas. Já a Carta Magna de 1967 manteve a separação da propriedade do
solo distinta das jazidas e minas do subsolo e assegurou ao proprietário do solo a participação nos
resultados da lavra quando jazidas e minas constituíssem monopólios da União. A Constituição
de 1967 foi também a primeira a trazer a nível constitucional o monopólio da União para a
pesquisa e a lavra de petróleo em território nacional, já vigente desde a edição da Lei nº 2.004, de
03/10/1953, norma que também criou a Petrobras, única autorizada ao exercício do monopólio.
Finalmente, a Constituição Federal (CF) de 1988 manteve a separação da propriedade das jazidas
e demais recursos minerais da propriedade do solo. Porém, diferentemente das Cartas anteriores,
determinou que esses recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertenceriam à União (arts. 20,
inc. IX, e 176), situação inalterada pelas emendas constitucionais que ainda viriam a ser editadas.
A nova Lei maior estabeleceu também que a pesquisa e a lavra de recursos minerais somente
poderiam ser efetuadas mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por

5
Definidas pela Lei Calógeras como “as massas mineraes ou fosseis existentes no interior ou na superfície
da terra, incluindo, entre elas, a hulha, o grafhito, os lignitos e os oleos mineraes”

285
brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras6 (art. 176,§1º). Por fim, a CF de 1988
constitucionalizou o monopólio estatal das seguintes atividades que, nos termos da Lei nº
2.004/1953, já eram monopólio da União: (I) “a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás
natural e outros hidrocarbonetos fluidos”, (II) “a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro”;
(III) “a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades
previstas nos incisos anteriores”; e (IV) “o transporte marítimo do petróleo bruto de origem
nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por
meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem”7(BRASIL,
1946, 1953, 1967a, 1988).
As principais normas infraconstitucionais que regulamentam os artigos 176 e 177 da CF de 1988
são as do Direito Minerário e as do Direito do Petróleo e Gás, apresentadas na Seção 5.

5. NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE MINERAÇÃO, PETRÓLEO E GÁS

5.1 O DIREITO MINERÁRIO

O Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, também denominado “Código de Mineração”,


recentemente alterado pela Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017 (MP 790/2017), é a
principal norma vigente no Direito Minerário do Brasil, tendo sido matéria recepcionada pela CF
de 1988, nos termos de seu art. 176. Ele estabeleceu, em seu art. 2º, a autorização para pesquisa
e a concessão de lavra como regimes principais para o aproveitamento de uma jazida, definida
como massa individualizada de recurso mineral ou fóssil que tenha valor econômico (art. 4º) e
“bem imóvel, distinto do solo” (art. 84). A mina, por sua vez, foi definida como “jazida em lavra”
e, além disso, jazidas de substâncias minerais que constituíssem monopólio estatal seriam regidas
por leis especiais (art. 10).
Para o aproveitamento das riquezas minerais, são conduzidas primeiramente pesquisas de
avaliação da disponibilidade de jazidas. A pesquisa mineral se dá mediante autorização, outorgada
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) 8, para a “definição, avaliação e
determinação (...) do aproveitamento econômico da jazida” (arts. 14 e 15). O autorizatário é

6
Antes da Emenda Constitucional nº 06/1995, a realização de pesquisa e lavra de recursos minerais era
permitida apenas a brasileiros e a empresas brasileiras de capital nacional.
7
A Emenda Constitucional nº 09/1995 permitiu à União contratar com empresas estatais ou privadas a
realização dessas atividades, flexibilizando o monopólio antes exercido somente pela Petrobras.
8
A Medida Provisória nº 791, de 25 de julho de 2017 criou a Agência Nacional de Mineração (ANM) e
extinguiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A ANM herdou as funções e
competências do DNPM.

286
obrigado a empreender as pesquisas em 60 dias e não pode interrompê-las injustificadamente por
mais de 3 meses consecutivos ou 120 dias, sob pena de sanção administrativa. Além disso, é
obrigatória a elaboração de relatório dos trabalhos realizados e seu envio ao DNPM que, após
conferi-lo, emite parecer de aprovação em caso de confirmação da jazida (arts. 29 e 30). O titular
de relatório aprovado tem até um ano para requerer a concessão de lavra (art.31), entendida como
o conjunto de operações coordenadas para aproveitamento da jazida (art. 36). O requerimento de
lavra deve ser encaminhado ao Ministro de Minas e Energia (MME) acompanhado, dentre outras
informações, de descrição da substância mineral a ser lavrada, plano de aproveitamento
econômico da jazida e comprovação da capacidade financeira da empresa (art. 38). O titular da
concessão é obrigado a iniciar os trabalhos previstos no plano de lavra dentro de 6 meses, contados
a partir da publicação do Decreto de Concessão no Diário Oficial da União, não podendo
interrompê-los por mais de 6 meses consecutivos e deve apresentar relatório anual das atividades
realizadas ao DNPM (arts. 49 e 50). Por fim, a não observância da obrigações decorrentes das
autorizações de pesquisa e das concessões de lavra prevê sanções, tais como multas9, suspensão
das atividades ou apreensão de equipamentos (art. 63) (BRASIL, 1967).
É nítido no Direito Minerário que a autorização nele contemplada não é mero ato administrativo
unilateral e precário, bem como a concessão não é ato que se materializa mediante contrato entre
as partes. À exceção dos seus objetos (pesquisa e lavra), não se observam diferenças notáveis
entre a autorização e a concessão. Ao contrário: ambas são outorgadas mediante atos do poder
outorgante e estabelecem uma série de obrigações, descritas ao longo do Decreto-Lei nº 227/1967.

5.2 AS LEIS DO PETRÓLEO E DO GÁS NATURAL

A Emenda Constitucional nº 09/1995 ao art. 177 da Constituição Federal de 1988 resultou na


edição, em 06/08/1997, da Lei nº 9.478, a “Lei do Petróleo”, norma que estabeleceu regras para
todas as atividades da cadeia de petróleo, seus derivados e gás natural, tanto para as atividades
integrantes do monopólio da União (exploração, produção, refino, transporte), como para aquelas
que eram de livre iniciativa (distribuição e revenda). Além disso, essa lei criou a ANP, órgão
responsável pela contratação, regulação e fiscalização das atividades do setor de óleo e gás.
As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de jazidas de petróleo e gás natural são
exercidas desde então mediante concessão, precedida de licitação, nos termos descritos na própria
lei, cabendo à ANP elaborar os editais, promover as licitações e celebrar os contratos delas
decorrentes, fiscalizando sua execução (art. 8º, inc. IV).

9
As multas podem chegar a 30 milhões de reais, conforme redação dada pela MP 790/2017.

287
O Capítulo VI da “Lei do Petróleo” estabeleceu que a construção e a operação de refinarias,
unidades de processamento, de liquefação, de regaseificação e de estocagem de gás natural estava
sujeita a autorização da ANP (art. 53). Finalmente, a lei determinou, em seu Capítulo VII, que
empresas ou consórcio de empresas poderiam receber autorização da ANP para construir
instalações – tais como dutos e terminais – para efetuar qualquer modalidade de transporte10 para
suprimento interno, importação e exportação (BRASIL, 1997).
A Lei nº 9.478/1997, apesar de ter sido um dos mais importantes marcos legais da indústria de
petróleo e gás natural do Brasil, foi considerada insuficiente para lidar com as especificidades da
indústria de gás natural, especialmente as do setor de transporte. Desta forma, após debates no
Congresso Nacional, foi editada, em 04 de março de 2009, a Lei nº 11.909/2009, a “Lei do Gás”.
Dentre as principais inovações trazidas pelo novo marco legal, estavam a adoção do regime de
concessão, precedido de licitação, como regra geral para a construção e operação de gasodutos de
transporte e a definição das modalidades de serviços de transporte que poderiam ser oferecidas,
dentre outros dispositivos.
A Lei nº 11.909/2009 também inovou ao reservar um capítulo inteiro à atividade de estocagem
de gás. Nos termos do Capítulo IV da Lei, a estocagem em “reservatórios de hidrocarbonetos
devolvidos à União e em outras formações geológicas não produtoras de hidrocarboneto” passou
a ser objeto de “concessão de uso, precedida de licitação na modalidade de concorrência, nos
termos do §1º do art. 22 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993” (art. 38). Nesse contexto,
caberia ao MME ou, mediante delegação, à ANP a definição das formações geológicas a serem
objeto de licitação. A lei previu ainda período de uso exclusivo da estocagem por agentes cuja
contratação de capacidade viessem a viabilizar sua implementação, cabendo ao MME, ouvida a
ANP, fixar a duração deste período. Pesquisas exploratórias para a confirmação da adequação de
áreas com potencial para a estocagem passaram a depender de autorização da ANP (art.39, §1º)
e, por fim, o regime autorizativo também passou a ser aplicável a “estocagem de gás natural em
instalação diferente das previstas no art. 38”. A “Lei do Gás” não explicitou com clareza quais
instalações são objeto de autorização.

10
Nas décadas de 2000 e 2010, outras leis foram editadas e alteraram alguns pontos da “Lei do Petróleo”.
Por exemplo, a Lei 12.490/2011 incluiu o transporte de biocombustíveis, tais como etanol e biodiesel, no
arcabouço regulatório da ANP, que passou a ser responsável também pela autorização de dutos e terminais
de movimentação exclusiva desses produtos, além dos que já eram regulados, tais como petróleo, seus
derivados e gás natural.

288
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO: A ESTOCAGEM, O SUBSOLO, O MONOPÓLIO E
OS REGIMES DE OUTORGA

Nesta Seção, foram consolidadas as relações entre a estocagem de gás e os aspectos técnicos e
legais apresentados nas seções anteriores referentes especialmente ao Direito Constitucional, ao
Direito Minerário e ao Direito do Petróleo e Gás para fins de melhor compreensão dos regimes
de outorga aplicáveis à atividade. Primeiramente, é importante entender sua relação com a questão
constitucional da propriedade do subsolo (Subseção 6.1) e com as atividades integrantes do
monopólio da União a que se referem o art. 177 (Subseção 6.2). Por fim, com base nas análises
efetuadas, são apresentadas considerações acerca dos regimes de outorga da estocagem (6.3).

6.1. SUBSOLO, RECURSOS, JAZIDAS E A ESTOCAGEM DE GÁS

De acordo com o levantamento constitucional realizado, a separação da propriedade do solo da


do subsolo foi construída e aprofundada ao longo de todas as Cartas Magnas, outorgadas ou
promulgadas desde 1934, até culminar com o disposto na Constituição Federal de 1988, que
determinou que os “recursos minerais, inclusive os do subsolo”, e as “jazidas, em lavra ou não”,
seriam de propriedade distinta do solo e “pertencem à União”. Recepcionado pela Constituição
de 1988, o Decreto-Lei nº 227/1967 regulamentou o significado desses termos a partir do seu
detalhamento. Conforme já mencionado, o referido Decreto determinou que os recursos minerais
do país são formados pelas “massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis,
encontradas na superfície ou no interior da terra”. Já as jazidas são os “recursos minerais que
possuem valor econômico” e, se constituídos de “substâncias minerais que são monopólio estatal,
reger-se-ão por leis especiais” (art.10), caso do petróleo e do gás, conforme art. 177 da CF.
O monopólio da União foi regulamentado em 1997 pela Lei nº 9.478/1997 (um exemplo de “lei
especial” a que se referiu o art. 10º da norma principal do Direito Minerário), que, ao lado do
Decreto-Lei nº 227/1967, também definiu o termo “jazida”. Para a “Lei do Petróleo”, “jazida” é
o “reservatório ou depósito já identificado e possível de ser posto em produção” (art. 6º, inc. XI),
sendo seu significado, portanto, mais restrito que aquele observado no Direito Minerário, uma
vez que é associado necessariamente à produção ou extração de hidrocarbonetos.
O “reservatório ou depósito”, por sua vez, foi definido na Lei nº 9.478/1997 como “configuração
geológica dotada de propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás, associados ou
não” (art.6º, inc. X). Na concepção da “Lei do Petróleo”, o legislador provavelmente só
considerou como “reservatório ou depósito” a formação destinada à atividade de produção.
Finalmente, a Lei nº 9.478/1997 definiu “estocagem de gás natural” como “armazenamento de
gás natural em reservatórios próprios, formações naturais ou artificiais” (art. 6º, inc. XIII). Dessa

289
forma, é possível inferir que a “Lei do Petróleo” considerou que o “reservatório ou depósito” é a
“formação natural” à qual a definição de estocagem se refere, por possuir “configuração geológica
dotada de propriedades específicas, armazenadoras de gás”. No entanto, não são plenamente
sólidas as bases dessa linha de raciocínio, haja vista que o legislador que concebeu a Lei nº
9.478/1997 deixou claro que o foco da inovação legal eram as atividades de exploração e
produção, às quais foi dedicada a boa parte da Lei. À estocagem de gás, por outro lado, além da
definição já citada, foi dispensada apenas uma única menção relativa à necessidade de outorga de
autorização da ANP para sua implantação. Ao lado de refinarias de petróleo e unidades de
processamento de gás natural, instalações com praticamente nenhuma relação com a estocagem,
essa menção leva a crer que o legislador se referia ao armazenamento em tanques.
A edição da Lei nº 11.909 em 2009, no entanto, alterou substancialmente essa visão ao estabelecer
uma série de dispositivos para a estocagem que tornava indubitavelmente claro que o novo marco
legal para o gás contemplava a modalidade geológica ou subterrânea da atividade. A nova lei, ao
definir “estocagem de gás” como “armazenamento de gás natural em reservatórios naturais ou
artificiais”, trouxe ao arcabouço jurídico nacional elementos para conferir, ao “reservatório ou
depósito” da “Lei do Petróleo”, o papel de “estrutura armazenadora” como função principal
adicional alternativa à função principal de “estrutura produtora”.
A combinação do Decreto-Lei nº 227/1967, da Lei nº 9.478/1997 e da Lei nº 11.909/2009 permite
entender um “reservatório natural”, no qual pode ser exercida a estocagem, como uma categoria
de “recurso mineral” com “configuração geológica dotada de propriedades específicas,
armazenadora de gás”. Interessante observar que, se para a “Lei do Petróleo” a caracterização do
“reservatório ou depósito” como “armazenador de gás” é uma situação apenas do presente
(armazenador de gás nativo), após a edição da “Lei do Gás”, a caracterização do “reservatório ou
depósito” como “armazenador de gás” passou a ser também uma situação futura (armazenador de
gás a ser injetado na fase operacional da estocagem, quando ocorrerá o aproveitamento comercial
do reservatório).
Por fim, a leitura combinada dos marcos legais principais do Direito Minerário e do Direito do
Petróleo e Gás permitem considerar a formação ou reservatório tecnicamente apto à estocagem
de gás natural como “jazida” ou “massa individualizada de recursos minerais com valor
econômico” (art.4º do Decreto-Lei 227/1967), valor este provido não pelos recursos a serem
produzidos, mas pela capacidade de estocar gás desses recursos.

6.2. O MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO E A ESTOCAGEM DE GÁS

Dentre as atividades elencadas como monopólio da União no art. 177 da Constituição Federal,
não está explícita a estocagem subterrânea ou geológica de gás natural, o que se justifica pelo fato

290
de praticamente não ter havido, até o final da década de 1980, debates públicos que permitissem
ao legislador constituinte conhecê-la a ponto de redigir o termo ispi litteris na Carta Magna. A
ausência literal, no entanto, não necessariamente atesta que a estocagem está excluída do rol de
atividades ou instalações integrantes do monopólio da União, como se pode depreender a partir
do que ocorre com os terminais de armazenagem e movimentação de petróleo e derivados.
Embora não esteja mencionada no artigo que trata das atividades que constituem monopólio da
União, a atividade de operação de terminais realiza: (i) a movimentação ou armazenamento de
petróleo ou derivados provenientes de condutos ou com destino a esses conduto; a (ii) importação
ou (iii) exportação de petróleo ou derivados de origem estrangeira; e (iv) a cabotagem –
movimentação em modal aquaviário ao longo da costa brasileira – de navios com derivados de
petróleo. Como todas estas atividades – importação, exportação, transporte marítimo e transporte
por meio de conduto – estão explicitamente mencionadas nos incisos III e IV do art. 177, não
faria sentido em se considerar suprimidas do monopólio a construção e operação de terminais,
instalações que constituem elo fundamental entre as atividades integrantes do monopólio da
União ou meio sem o qual essas atividades não seriam realizadas. Não por coincidência, a
construção e operação de terminais, bem como o acesso de terceiros a essas instalações, estão
disciplinados na “Lei do Petróleo” no mesmo Capítulo VII (“Do Transporte de Petróleo, seus
Derivados e Gás Natural”) que trata da construção e operação, bem como do acesso, a oleodutos
de transporte.
A estocagem, por sua vez, dentre outras funções, serve como instrumento de fortalecimento às
redes de gasodutos de transporte nas nações onde estão consolidadas e, em diversas localidades
como a Espanha, são vistas como parte integrante do sistema gasista. Se existissem no Brasil e
também fossem consideradas como constituintes do sistema de transporte de gás por conduto, não
restariam dúvidas de que o monopólio da União sobre o exercício da atividade de estocagem
encontraria alicerce no inciso IV do art. 177, o qual estabelece como monopólio o “transporte,
por meio de conduto, de gás natural de qualquer origem”. No entanto, esse raciocínio por si só
talvez pudesse, por exemplo, lançar a estocagem na esfera de monopólio dos estados11 de que
trata o art. 25, §2º, caso ela viesse a se configurar como parte das redes de distribuição.
No entanto, aliada à possibilidade de sua operação servir a outras atividades integrantes do
monopólio federal da indústria de petróleo e gás natural, o que inseriria as estocagens subterrâneas
de gás natural brasileiras, de forma categórica, no elenco de atividades sob o monopólio da União,
seria o fato de toda estocagem subterrânea contemplar a etapa de pesquisa – atividade abarcada
explicitamente no inciso I do art. 177 da CF de 1988. Adicionalmente, corroboram para esse

11
CF de 1988, art. 25, § 2º. Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua
regulamentação.

291
entendimento a já mencionada possibilidade de haver produção de hidrocarbonetos em sítios de
estocagem, atividade também constante do art. 177, inc. I, e o aproveitamento de jazidas de gás
natural já existentes como gás de base.

6.3. A ESTOCAGEM E OS REGIMES DE CONCESSÃO E AUTORIZAÇÃO

A estocagem de gás, como já exposto, é submetida ao regime de concessão, quando exercida em


reservatórios devolvidos à União e em “outras formações geológicas não produtoras de
hidrobarbonetos”, ou ao regime autorizativo, quando exercida em instalações diferentes daquelas
elencadas no artigo 38 (art. 40 da Lei nº 11.909/2009). Segundo esses ditames, é possível
interpretar que o legislador teve a intenção de reservar o regime de autorização aos
armazenamentos realizados em reservatórios artificiais, tais como tanques de GNL, por exemplo.
No entanto, a redação do art. 40, combinada com o art. 38 da “Lei do Gás” possibilitou a aplicação
do regime de autorização a estocagens em reservatórios produtores de hidrocarbonetos ainda não
devolvidos à União, isto é, concessionários de campos produtores, concedidos nos termos da “Lei
do Petróleo”. Com base neste entendimento, foi aprovado pela ANP, em 2015, o primeiro projeto
de estocagem subterrânea de gás natural do Brasil, ainda não operacional, no âmbito do plano de
desenvolvimento de um campo na região de Camaçari/BA (BRASIL, 2015). A partir da abertura
proporcionada pelo supracitado entendimento do art. 40 da “Lei do Gás”, não seria absurdo
aventar a possibilidade de uma estocagem geológica de gás natural ser meramente autorizada, ou
seja, ser exercida independentemente da celebração de um contrato de concessão. Na esteira desta
hipótese, poder-se-ia ainda indagar se teria sido a estocagem de gás objeto do regime apenas
autorizativo até a edição da Lei nº 11.909/2009, tendo em vista que o art. 53 da Lei nº 9.478/1997
determinava a necessidade de autorização prévia da ANP para o exercício da atividade de
estocagem de gás e contemplava, em seu art. 6º, inc. XXIII, a hipótese dela ocorrer em formações
naturais.
Provavelmente, caso algum projeto de estocagem tivesse sido proposto no Brasil entre 1997 e
2009, período em que a estocagem de gás teve suas regras ditadas somente pela “Lei do Petróleo”,
ele não se materializaria à margem de um contrato de concessão, haja vista a necessidade, inerente
a qualquer estocagem, da fase exploratória, à qual a Lei nº 9.478/1997 estabeleceu uma série de
regras. A edição da “Lei do Gás” afastou ainda mais a hipótese do exercício da atividade sob o
regime unilateral e precário da autorização, ato administrativo cuja aplicação não encontra bases
de sustentação para atividades que envolvam recursos minerais do subsolo, propriedade da União.
Ao tratar das riquezas do subsolo em nível infraconstitucional, o Direito Minerário não trouxe
abertura à utilização de ato administrativo precário para reger sua relação com a exploração das
jazidas. Em vez disso, a autorização para pesquisas de que trata o Decreto-Lei nº 227/1967

292
estabelece uma série de obrigações ao autorizatário durante o período de vigência do ato
administrativo, semelhante à concessão para a fase de lavra.
No exercício da estocagem no Brasil, nos termos do art. 39 da “Lei do Gás”, além do disposto no
seu art. 40, a autorização é o regime que rege a realização de pesquisas não exclusivas necessárias
à confirmação da adequação das áreas com potencial para estocagem, sendo esta a única hipótese
em que não se exige nenhuma obrigação ou comprometimento do autorizatário ou do outorgante,
no caso a ANP, nem a existência de contrato de concessão já firmado. Já para a operação efetiva
da estocagem, conforme exposto, há sempre a presença do regime de concessão, mesma
denominação do meio pelo qual o Estado outorga a agentes econômicos a lavra de jazidas.
Em um primeiro momento, poder-se-ia imaginar analogia entre aplicação dos regimes de
autorização para pesquisas e de concessão para armazenamento/lavra estabelecidos para a
estocagem pela Lei nº 11.909/2009 (arts. 38 a 40) e para as jazidas pelo Decreto-Lei nº 227/1967.
No entanto, autorização e concessão no Direito Minerário, pelas numerosas obrigatoriedades e
pela dispensa de assinatura de contratos, não podem ser confundidas com os regimes de
autorização e concessão do Direito do Petróleo e Gás, cujos sentidos são os do Direito
Administrativo (FREIRE, 2007). Além disso, ao contrário do que ocorre no Direito Minerário,
todas as atividades da indústria de petróleo e gás sob o regime de concessão são precedidas de
licitação.
Por fim, o regime puramente autorizativo do Direito Administrativo, no qual o autorizatário não
é vinculado à obrigação de realizar o investimento, só é aplicável, além da realização de pesquisas
exploratórias não exclusivas, para a construção e operação de estocagens não subterrâneas ou
geológicas, tais como, por exemplo, tancagens.

7. CONCLUSÕES

A partir do levantamento realizado, primeiramente constata-se que a separação de propriedade do


solo da do subsolo é consagrada em nível constitucional desde a Carta Magna de 1934, sendo a
União proprietária dos seus recursos minerais, conforme rege a Constituição Federal de 1988.
A forma como o Estado brasileiro se relacionou com o aproveitamento dos recursos do subsolo é
diferenciada há mais de um século – especificamente desde a edição da “Lei Calógeras” em 1915
e da Carta de 1934 – mantendo-se inalterada pelo Código Minerário de 1967, cujos regimes de
autorização e concessão, ao estabelecerem obrigações recíprocas e inexigirem contratos, afastam-
se dos regimes clássicos do Direito Administrativo. Ao determinar que o aproveitamento das
jazidas se daria por ‘lei especial’, nos casos que se configurassem monopólio da União, o Decreto-

293
Lei nº 227/1967 não se sobrepôs aos regramentos estabelecidos para jazidas de petróleo e o gás
natural, monopólios legais desde a Lei nº 2.004/1953 e constitucionais desde 1988.
Constatou-se que a estocagem subterrânea de gás natural, atividade inédita no país, é integrante
do monopólio da União de que trata o art. 177 da CF. Mesmo não sendo explícita na Carta a
menção à atividade, ela reúne características ao longo de seu ciclo de vida, como por exemplo a
etapa de exploração, que a atrelam indubitavelmente às atividades do monopólio.
A estocagem subterrânea ou geológica é uma forma de aproveitamento econômico das estruturas
do subsolo, cujo recurso mineral adquire valor por meio do retorno financeiro do armazenamento
de gás, conferindo a essa massa de substâncias minerais a característica de jazida. Importante
destacar que a mais importante inovação trazida pela estocagem geológica ao conceito de jazida
é a inesgotabilidade, tendo em vista que a atividade é não extrativista.
Conclui-se ainda que as leis ordinárias que tratam ou trataram da atividade de estocagem não
admitiram à modalidade subterrânea o aproveitamento sob regime de ato puramente precário,
mantendo, dessa forma, uma longa tradição de relação baseada em obrigações e
comprometimentos mútuos entre o Estado brasileiro e os agentes econômicos para
aproveitamento do subsolo.
Por fim, constatou-se que, quando se trata de pesquisas e armazenamento/lavra, não há analogia
entre os regimes de autorização e concessão do Direito Minerário e da “Lei do Gás” para a
estocagem, pois apenas para este último, e para as demais atividades da indústria de petróleo e
gás, esses regimes admitem o sentido preconizado no Direito Administrativo.

REFERÊNCIAS

BRASIL (1824). Constituição Política do Império do Brazil, de 25/03/1824.


BRASIL (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 25/03/1824.
BRASIL (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16/07/1934.
BRASIL (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10/11/1937.
BRASIL (1946). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18/09/1946.
BRASIL (1953). Lei nº 2.004, de 03/10/1953. Dispõe sôbre a Política Nacional do Petróleo e
define as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, institui a Sociedade Anônima, e dá
outras providências.
BRASIL (1967). Decreto-Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967. Código de Mineração.
BRASIL (1967a). Constituição da República Federativa do Brasil, de 24/01/1967.
BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988.

294
BRASIL (1997). Lei nº 9.478, de 06/08/1997. “Lei do Petróleo”. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil (DOU), Brasília, 07/08/1997. Seção 1, p. 16925-16932.
BRASIL (2009). Lei nº 11.909, de 04/03/2009. “Lei do Gás”. DOU, Brasília, 05/03/2009. Seção
1, p. 1-5.
BRASIL (2015). Despacho da Secretária Executiva da ANP nº 1592, de 13/11/2015, DOU nº
218, p. 102, Seção 1, de 16/11/2015, mediante o qual foi tornado público que a ANP aprovou
o Plano de Desenvolvimento e projeto de Estocagem Subterrânea de Gás Natural (Contrato de
Concessão nº 48000.003692/97-80), da Santana O&G.
CONFORT, M.J.F. (2006). Estocagem Geológica de Gás Natural e seus Aspectos Técnicos e
Regulatórios Internacionais. 139 f. Dissertação (Mestrado em Ciências). Pós-Graduação em
Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos (TPQB), Escola de Química da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (EQ/UFRJ). Rio de Janeiro.
CONFORT, M.J.F. (2015). Fundamentos e Modelagem da Evolução da Estocagem Geológica de
Gás Natural no Mundo e no Brasil. 308 f. Tese (Doutorado em Ciências). Programa de Pós-
Graduação em TPQB da EQ/UFRJ. Rio de Janeiro.
FREIRE, W. (2007). Regime jurídico dos recursos minerais no direito brasileiro - Regime
Constitucional brasileiro e aproveitamento das riquezas minerais. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, X, n. 39, mar 2007. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3770. Acesso:
agosto de 2017.

INT (2005). Instituto Nacional de Tecnologia. Estocagem subterrânea de gás natural: tecnologia
para suporte ao crescimento do setor de gás natural no Brasil. 1ª ed. São Paulo: Páginas e
Letras Editora Ltda., 2005. 226 p. ISBN: 85-09-00162-6.
MOTHÉ, C.G.; CONFORT, M.J.F. (2013). Panorama e Perspectivas da Estocagem Geológica
de Gás Natural no Brasil e no Mundo. 1. ed. Publit. Rio de Janeiro, 2013. 188p. ISBN: 978-
85-7773-649-2.
PPSA (2017). Pré-sal Petróleo S.A. Marcos Históricos da Legislação do Petróleo. Disponível em
http://www.presalpetroleo.gov.br/ppsa/a-ppsa/marcos-historicos. Acesso: agosto de 2017.
TEK, M.R. (1996). Natural Gas Underground Storage: Inventory and Deliverability. Pennwell
Publishing Co. 1996. 433 p. ISBN: 978-087814-614-7.

295

View publication stats

Você também pode gostar