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RESUMO
Na última década, temos assistido a intensificação de grandes projetos de intervenção construídos pelo governo
federal e pautados em uma agenda que focaliza o desenvolvimento nacional. Com este objetivo, foi lançado em
2002, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que contempla diversos empreendimentos. O Estado do
Rio de Janeiro vem se destacando na implantação de grandes empreendimentos do PAC, sobretudo, os voltados
à indústria do petróleo e gás. Neste contexto, ganha notória relevância o Complexo Petroquímico do Estado do
Rio de Janeiro (COMPERJ) em fase de construção na região da Baía de Guanabara. Em função da construção de
várias estruturas dentro da Baía de Guanabara, têm sido aumentadas as áreas de exclusão da pesca, devido às
faixas de restrição de uso imposta pelos novos empreendimentos, resultando assim na privatização do espaço
comum e na consequente espoliação dos pescadores, que por sua vez vêm se engajando em lutas que
materializam o conflito ambiental na região.
ABSTRACT
In the last decade, we have witnessed the intensification of large intervention projects built by the federal
government and guided by an agenda focusing on national development. To this end, was launched in 2002, the
Growth Acceleration Program (PAC), which includes several projects. The state of Rio de Janeiro has been
highlighted in the implementation of large PAC projects,especially those aimed at the oil and gas industry. In
this context, gains relevance the Petrochemical Complex of the State of Rio de Janeiro (COMPERJ) currently
under construction in the region of Guanabara Bay. Because the construction of various structures by COMPERJ
within the Guanabara Bay, the fishing exclusion areas have been increased due to the use restriction ranges
imposed by new buildings, resulting in the privatization of this common space and the consequent dispossession
of fishermen who in turn come engaging in fights that materialize the environmental conflict in the region.
INTRODUÇÃO
1
Termo designado para os empreendimentos auxiliares, pelo próprio EIA-RIMA do COMPERJ.
Terminal de Gás Natural (GNL) e o projeto para Gás Liquefeito de Petróleo (GLP); e (3) o
COMPERJ propriamente dito, no município de Itaboraí (LIMA/PPE/COPPE/UFRJ, 2009).
Tabela 01: Áreas de Influência Direta para os meios físico, biótico e antrópico.
um “bem de uso comum do povo”, definido no artigo 225 da Constituição Federal de 1988,
que consagra o meio ambiente como um bem que não possui características de bem público e,
muito menos privado.
Fica assim, instituído o meio ambiente enquanto um “direito difuso”, de forma que os
bens ambientais não podem ser utilizados pelo Estado ou por particulares de maneira que
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impeça que toda a coletividade use e desfrute desses bens (ASELRAD, 1992), ao mesmo
tempo deixa a cargo do Estado a tomada de decisões em relação ao acesso aos recursos e ao
nível e natureza da exploração, sobre os recursos comuns.
Entretanto, nos últimos anos, tem sido observado um intenso processo de tomada dos
ambientes comuns e coletivos por grandes empreendimentos privados. Diegues (2001), em
análise da realidade vivida atualmente por pescadores no Brasil, ressalta que as formas de
apropriação dos recursosapresentadas pelos pescadores passam a sofrer o impacto de outras
formas de propriedade, estatal ou privada, e tornam-se ameaçadas de desaparecer. Assim, são
expulsos de seus territórios tradicionais pela expansão dos grandes projetos de
desenvolvimento.
O geógrafo David Harvey inaugura o conceito de “acumulação por espoliação” como
parte de uma análise mais detalhada da acumulação primitiva delineada na teoria marxista que
representa “...uma acumulação que não decorre do modo capitalista de produção, mas é seu
ponto de partida.” (MARX, 2014. p.835). A acumulação descrita por Harvey (2013)inclui “a
escalada da destruição dos recursos ambientais globais (terra, ar, água) e a mercadificação da
natureza que tem varrido o mundo em uma nova onda de expropriação das terras comuns.”
(HARVEY, 2013, p.123).Compreende-se a acumulação por espoliação como “o custo
necessário de uma ruptura bem-sucedida rumo ao desenvolvimento capitalista, com o forte
apoio dos poderes do Estado.” (HARVEY, 2013, p. 128).
Nesse caso, o que a acumulação por espoliação faz é se apossar desses ativos e
propiciar um uso lucrativo. A acumulação por espoliação é a apropriação injusta da natureza
por parte do Estado em prol de interesses privados, em função de um modelo de
desenvolvimento alheio à reprodução da vida nos territórios antes públicos, comunais
(PEREZ & GOMES, 2014), e que vem sendo apropriado de maneira que gera a exclusão.
repente você fica proibido de trabalhar e não tem nada em troca”. (Presidente da Colônia Z-
9. Entrevista realizada em: 12/05/2014).
Ao verem a inviabilização dos seus modos de vida e da prática da pesca, pela
consolidação de novos empreendimentos, os pescadores se engajaram na luta social e deram
publicidade à realidade que a pesca na região está submetida, concretizando a situação de
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conflito ambiental. Assim, diante da atual realidade enfrentada pelos pescadores da Baía de
Guanabara, estes vêm fazendo uso de diversas estratégias de luta, como barqueatas
(manifestações realizadas no mar com pequenos barcos de pesca), manifestações em frente a
prédios públicos do governo e da empresa Petrobrás, pedidos de instauração de inquéritos em
órgão de direito, como o Ministério Público Federalonde tramita uma ação civil pública e um
inquérito civil público, pedidos de ajuda e intervenção à Organizações Não Governamentais
(ONG) e a organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Tais estratégias adotadas deram visibilidade à realidade do conflito ambiental na
região que tem como protagonistas os pescadores, que ao verem a inviabilização dos seus
modos de vida e da prática da pesca promovida pelos novos empreendimentos, se engajaram
na luta social que tanto concretiza a situação de conflito ambiental, quanto leva para a esfera
pública a realidade que a pesca na região está submetida. Percebe-se tambémo surgimento de
novas identidades coletivas, como é o caso da Associação Homens e Mulheres do Mar
(Ahomar). Conforme Alonso & Costa (2002), visando agir politicamente, os grupos tendem a
se organizar, gerar uma estrutura de grupo e redes de interdependência, ou estruturas de
mobilização.A entidade foi criada efetivamente no decorrer do conflito ambiental, conforme
afirma a liderança da Ahomar:
“A associação veio pra poder fazer a diferença. Fazer a fala que as outras entidades
por vários motivos desconhecem ou não querem fazer. Uma fala bem critica da
questão. Porque o empreendimento está ali? Porque o pescador tem que sair, não
existe outra alternativa?” (Presidente da AHOMAR, entrevista realizada em
27/09/2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como resultado das intervenções que a Baía de Guanabara está submetida atualmente,
observa-se uma neutralização deste espaço coletivo, por parte do Estado e da Petrobrás, que a
enxerga, enquanto um espaço deserto e vazio e, portanto, disponível para a implantação de
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grandes projetos de desenvolvimento em especial, os associados à cadeia produtiva de
petróleo e gás.
Com a imposição das novas áreas de exclusão de pesca proposta pelos novos
empreendimentos, os pescadores vêm perdendo importantes pontos de captura do pescado e
ficam cada vez mais confinados a um pequeno espaço da Baía de Guanabara onde a pesca
ainda encontra-se livre de qualquer empreendimento e/ou restrição.Num certo sentido,
verifica-se a invisibilização dos modos de vida e de trabalho dos pescadores artesanais umas
vez que, são vistos como um entrave, impedindo a geração de novos empregos e a melhoria
da arrecadação dos impostos, esperados a partir da implantação dos grandes projetos de
desenvolvimento.
No contexto da “acumulação por espoliação”,observa-se a tomada dos espaços
comuns e coletivos, isto é, a Baía de Guanabara, tornando-a num ativo para a acumulação
capitalista,resultando na espoliação dos pescadores artesanais, que se deparamcom as
ameaçastanto de seus modos de trabalho quanto da própria existência da categoria
profissional dos pescadores artesanais na Baía de Guanabara. Este processo apresenta como
pano de fundo, o orquestrar do Estado, que desempenha um papel fulcral no contexto da
acumulação capitalista assegurando assim, os meios que legitimam o empreendimento.
Diante da intensificação do processo de privatização da Baía de Guanabara, que
resulta na exclusão das áreas de pesca e na espoliação dos pescadores, estes emergem na
esfera pública, contestando a lógica em questão, que sacrifica seus modos de vida em nome de
um suposto desenvolvimento e a reestruturação da cadeia produtiva de gás e petróleo na
região.O conflito ambiental em questão reflete de imediato o choque entre os diferentes
projetos de uso e significação da Baía de Guanabara apresentado pelos atores sociais
envolvidos no conflito.
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