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Especialização em

TERCEIRO
MÓDULO 3 TEOLOGIA
PENTECOSTAL

A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus
FACULDADE
CRISTÃ DECURITIBA
Sandro
Pereira

Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná –


FTBP (Curitiba – PR). Pós-graduado em Educação à Distância pela
Faculdade de Administração, Ciências e Letras – FACEL (Curitiba – PR).
Pós-Graduado em Pedagogia Social pela Faculdade de Administração,
Ciências e Letras – FACEL (Curitiba – PR). Mestre em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP (São Bernardo do
Campo – SP). Doutorando em Teologia pela PUC PR.

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A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

Nosso propósito é expor a doutrina pentecostal a respeito da Bíblia e de sua


interpretação. Como não se trata de uma Teologia Sistemática, optamos
por uma abordagem histórico-doutrinária dessa nossa crença fundamental;
crença que serve de fundamento para todas as outras crenças, doutrinas e
formulações teológicas no âmbito pentecostal.

Portanto, nossa abordagem começa por buscar qual era a teologia ensinada
nos primórdios do pentecostalismo. Limitamo-nos aqui à Doutrina das
Sagradas Escrituras. Rastrearemos o reavivamento iniciado no Bethel Bible
College, em Topeka, Kansas, desde 1901. Constataremos, desse modo, que
o movimento pentecostal nasce em meio ao estudo da Palavra de Deus.

Passaremos pela fundação do Concílio Geral das Assembleias de Deus


(1914) e, prosseguiremos visitando as publicações que, a seu tempo, deram
suas contribuições para o ensino, a preservação e a transmissão da
Doutrina das Escrituras no âmbito pentecostal. Veremos os principais
pontos e, descobriremos que cada publicação acaba por dar uma
contribuição singular à essa tão importante doutrina. Com isso, ao longo de
mais de um século , a crença pentecostal tem se mantido fiel às origens, e
as publicações de textos escritos pelos mais renomados teólogos de nossa
história, têm oferecido ao povo pentecostal uma base doutrinária sólida e
fundamental para o prosseguimento dessa tão importante tarefa, a de
evangelizar os perdidos e discipular aqueles que se arrependem e creem no
senhorio de Jesus Cristo.

A teologia nos primórdios do pentecostalismo

A origem do movimento pentecostal do qual fazemos parte, pode ser


rastreada até o reavivamento iniciado no Bethel Bible College, em Topeka,
Kansas, cujo início se deu no marco histórico de 01 de janeiro de 1901.
Desde já destacamos que o movimento pentecostal tem, portanto, sua
origem, no ambiente de estudo da Palavra de Deus e, assim, não é correto
afirmar que “a letra mata”. Principalmente quando levamos em conta que
não é isso o que o texto paulino quer dizer (2 Cor 3.6), ou seja, a “letra” não
se refere ao estudo bíblico teológico. Voltando às origens do atual
movimento pentecostal, depois que os derramamentos do Espírito se
espalharam, percebeu-se a necessidade da reunião e fundação do Concílio
1. No Brasil as Assembleias
Geral das Assembleias de Deus (reunido entre 2 e 12 de abril de 1914), por de Deus comemoram 110
pelo menos cinco razões : anos em 2021, ano dessa
redação.
1. Buscar uma melhor compreensão e unidade doutrinária;
2. MENZIES, William W.
HORTON, Stanley M.
2. Buscar meios para a conservação da obra de Deus em território Doutrinas bíblicas: os
nacional e estrangeiro; fundamentos da nossa fé. Rio
de Janeiro: CPAD, 1999, p.
3. Consultar os órgãos competentes com o intuito de proteger os fundos 10.
para serviços missionários;

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A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

4. Verificar a possibilidade de unificação das igrejas debaixo de uma


única denominação;

5. Programar e estabelecer uma escola de treinamento bíblico com uma


divisão literária.

Dentre as cinco razões elencadas, a primeira e a última demonstram que a


preocupação com o ensino bíblico e teológico, bem como com a unidade
doutrinária sempre estiveram nas origens do pentecostalismo clássico. O
desejo de estabelecimento de uma divisão literária mostra a preocupação
em produzir textos e subsídios para as inúmeras igrejas que foram sendo
plantadas, à medida em que a Palavra era semeada e o Espírito Santo
derramado.

O estabelecimento de uma escola demonstra a compreensão da


necessidade de um treinamento, mínimo que seja, a fim de que os obreiros
venham a ser orientados e, também, para que haja ao menos certa
hegemonia no ensino e doutrina. Apesar da diversidade, precisamos falar
uma mesma língua. A unidade doutrinária já era praticada na igreja
primitiva (At 2.42-47).

O Concílio reuniu mais de trezentas pessoas que, juntas, elegeram E. N.


Bell como o primeiro presidente das Assembleias de Deus. Dois anos depois
alcançamos o primeiro resultado prático do ponto de vista da unidade
doutrinária. Foi redigido um documento ao qual foi dado o nome de:
“Declaração de Verdades Fundamentais”.

De acordo com o preâmbulo do próprio documento, a Declaração de


Verdades Fundamentais não teve a intenção de se tornar um “credo” da
igreja. Tampouco seria uma base para a comunhão entre os crentes
pentecostais. Contudo, esse documento serviria como alicerce “da
unidade para o ministério (ou seja, que todos digamos a mesma coisa, 1 Co
1.10 e At 2.42) ”. Desde o início ficou claro que o texto não tinha a
pretensão de ser inspirado. Logo após a aprovação das Verdades
Fundamentais, os ministros da “unicidade” deixaram o Concílio de uma só
vez⁴. Apesar de não conter toda a verdade da Bíblia, servia bem para as
necessidades da época naquilo que se refere “às questões fundamentais
3. HORTON, Stanley M.
(Editor). Teologia
básicas da fé”⁵. Com a postura dos Unicistas, percebe-se logo que as
Sistemática: uma Perspectiva questões a respeito da Doutrina da Trindade eram uma das necessidades da
Pentecostal. Rio de Janeiro, época, e já começava a surgir no meio Pentecostal doutrinas divergentes
CPAD, p. 22. quanto àquilo que cremos, afirmamos e pregamos desde as origens.
4. Ibidem.
A Declaração de Verdades Fundamentais serviu como documento que
5. MENZIES, William W. visava a unidade entre todas as Assembleias de Deus. Somente em 1960
HORTON, Stanley M. Op. Cit., sentiu-se a necessidade de reescrever determinados artigos (inicialmente
p. 11. formulados de maneira muito resumida), o que resultou na aprovação,
adoção e publicação de um novo documento de 1961. Observamos mais

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A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
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uma vez a preocupação com a preservação da unidade doutrinária. Depois


de criada a Comissão Sobre Pureza Doutrinária, diversos documentos
foram elaborados e impressos até o ano de 1989 sob o título de “Onde
Estamos” (Where We Stand). O primeiro deles versa sobre “A Inerrância das
Escrituras”, tema esse que toca o alvo de nossa disciplina.

Se quisermos construir doutrinas bíblicas sólidas e verdadeiras, precisamos


partir sempre do mesmo princípio fundamental. Esse princípio constitui-se
na Primeira Verdade Fundamental:

1. AS ESCRITURAS INSPIRADAS

A Bíblia é a inspirada Palavra de Deus. Sendo a revelação de Deus ao


homem, constitui-se ela na infalível regra de fé e conduta. É superior à
consciência e à razão, mas não lhes é contrária (2 Tm 3.15 [sic!]; 1 Pe 2.2)⁶.

Neste primeiro registro escrito quanto à crença pentecostal nas Sagradas


Escrituras já encontramos alguns termos fundamentais para o estudo da
Doutrina das Escrituras: “inspirada”, “Palavra de Deus”, “revelação”,
“infalível”, “regra de fé e conduta”. Essas afirmações estão fortemente
fundamentadas em passagens das Escrituras.

Décadas depois da publicação da Declaração sobre as Verdades


Fundamentais, Stanley Horton e William W. Menzies redigiram em
6. Idem, p. 219. A referência
conjunto um livro destinado a explicar detalhadamente cada uma das bíblica correta é 2 Tm 3.16.
Verdades Fundamentais, o qual foi intitulado Bible Doctrines – A
Pentecostal Perspective, literalmente, Doutrinas Bíblicas – uma 7. O NOVO TESTAMENTO
Perspectiva Pentecostal, mas que foi traduzido no Brasil para: Doutrinas GREGO. ALAND, Barbara;
Bíblicas – Os Fundamentos da Nossa Fé; publicado pela CPAD. O título em ALAND, Kurt;
KARAVIDOPOULOS, Johannes;
português nos remete às Verdades Fundamentais. O livro segue os 16 MARTINI, Carlo M.; METZGER,
artigos da “Declaração de Verdades Fundamentais”. Bruce M. Barueri, SP:
Sociedade Bíblica do Brasil,
2009, p. 615.
A Palavra de Deus Inspirada
8. Idem, p. 857.
Em 2 Timóteo 3.16 encontramos a conhecida afirmação de que “Toda
Escritura é inspirada por Deus”. No idioma grego a expressão “inspirada por 9. GOULD, J. Glen. In
Deus” consiste em um único vocábulo “theópneustos”⁷ que pode ser Comentário Bíblico Beacon.
Gálatas a Filemon – 9. Rio de
traduzido tanto por “aspirada por Deus”, como por “inspirada⁸ por Deus”. Janeiro: CPAD, 2015, p. 530.
Gould completa dizendo que significa literalmente: “respirada por Deus de
fora para dentro⁹”. Pode ser dito daquilo que é relativo a uma comunicação 10. LOUW Johannes; NIDA
que foi inspirada por Deus. Em muitos idiomas pode ser expresso por Eugene. Léxico Grego-
Português do Novo
“Escritura, cujo escritor foi influenciado por Deus” ou “guiado por Deus” ⁰. Testamento baseado em
domínios semânticos.
Os rabinos daquele tempo ensinavam que O Espírito Santo pairava sobre os Barueri, SP: Sociedade
profetas e nos profetas. Assim o Espírito falava por meio deles de maneira Bíblica do Brasil, 2013, p.
que as palavras não eram propriamente deles, mas provinham diretamente 373.
da boca de Deus e, de igual modo, eles escreviam no poder do Espírito

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A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

Santo. A igreja primitiva era unânime quanto a esse ponto de vista .

Uma vez que a Escritura é inspirada, ela também é a Palavra de Deus. O


Senhor utilizou-se de instrumentos humanos para registrar a sua Palavra.
Nesse sentido, ela é, portanto, uma revelação. Foi assim que Deus quis
tornar-se conhecido. Deus tomou a iniciativa de se revelar ao ser humano.
Revelar-se significa que Deus se deu a conhecer totalmente porque deseja
estabelecer um relacionamento de amizade com a humanidade. Não
significa, contudo, que podemos colocar Deus num laboratório, nem
esgotar o conhecimento a respeito dEle. Assim, o Deus revelado também
permanece oculto, uma vez que Ele não se reduz ao mundo criado. Deus é,
e pode ser experimentado, mas não pode ser manipulado. O Deus revelado
permanece indisponível, no sentido de que não podemos dispor dEle a bel-
prazer, segundo as nossas conveniências e desejos.

Claro que as revelações divinas são, antes de tudo, experiências diretas


com Deus. Deus se fez conhecido à humanidade através da própria criação
(Sl 19.1) e da consciência (Rm 1.20). Ocorre que, em muitos casos, Deus
pretendeu que homens deixassem registradas essas experiências, ou
então, a revelação constitui-se apenas no registro propriamente dito. Mais
tarde, esses escritos foram compilados e, juntos, vieram a formar a nossa
Bíblia Sagrada.

Portanto, apesar de o conhecimento a respeito de Deus estar disponível a


todas as pessoas e em todos os lugares, é somente através das Escrituras
que Deus revela o seu plano de Salvação e o seu projeto de futuro para os
seres humanos. Em geral costuma-se chamar o conhecimento divino
impresso na natureza e na consciência humana por Revelação Geral e, o
conhecimento divino que visa mostrar ao ser humano o seu estado de
pecado e conduzi-lo ao caminho da salvação está todo registrado na Bíblia
Sagrada, e é chamado Revelação Específica.

A Revelação Específica contém tudo o que se pode transmitir a respeito da


notícia de que Deus interveio com atos salvíficos na história humana, tendo
por objetivo trazer a redenção. Esses dois termos para Revelação, Geral e
Específica, são conhecidos e consagrados na Teologia Sistemática.
11. RIENECKER, Fritz;
ROGERS, Cleon. Chave
linguística do Novo É assim que, mediante o “sopro” de Deus, o “Espírito Santo moveu os
Testamento grego. São Paulo: autores da Bíblia com tal precisão que” aquilo “que eles deixaram escrito
Vida Nova, 1995, p. 479. reflete com exatidão o que o próprio Deus quis dizer”. A compilação dos
livros dos profetas e dos apóstolos formam o conjunto de 66 livros do cânon
12. MENZIES, William W.
HORTON, Stanley M. Op. Cit., sagrado – A Bíblia Sagrada, e “na sua expressão original, são inteiramente
p. 19. dignos de confiança, tanto quanto a voz do Espírito Santo” .

13. LOUW Johannes; NIDA Alertamos, entretanto, que é importante que seja evitada a expressão
Eugene. Op. Cit., p. 374.
“ditado por Deus” . De fato, esta expressão se trata de uma teoria
errônea. A leitura mesma da própria Bíblia mostra que “personalidades e

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A Bíblia, a interpretação e a
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vocabulários particulares dos vários escritores são facilmente


distinguíveis” ⁴. Assim, é bom deixar muito claro que os escritores bíblicos
não agem como autômatos, ou como se estivessem em transe, como
pensam e afirmam alguns. Eles não foram manipulados como robôs e não
apenas emprestaram as mãos para Deus. Na verdade, o pentecostalismo
tem ensinado desde suas origens que Deus preparou os diversos autores por
meio de experiências com Ele, fazendo com que eles trouxessem à lume a
Sua Palavra exatamente como lhe fora revelada. Mesmo assim, a
personalidade de cada um deles foi preservada pelo mesmo Espírito que os
inspirou. Nós acreditamos na inspiração plenária (a inspiração envolve
todas as palavras).

O mesmo Espírito que inspirou o registro das Escrituras, é aquele que nos
ilumina para o entendimento da Palavra de Deus. Fazemos uso das
ferramentas hermenêuticas clássicas, como nos ensina nossa Declaração
de Fé, mas “interpretamos sob a orientação do Espírito Santo, observando
as regras gramaticais e o contexto histórico e literário” ⁵.

Cabe ressaltar, contudo, que apesar de as inúmeras traduções de que


dispomos na atualidade serem realizadas por homens e mulheres de Deus,
a inspiração “divina estende-se somente até o autógrafo; nenhum
argumento é apresentado acerca da inspiração das traduções ou versões da
Bíblia” ⁶. Mesmo assim, podemos confiar nas diversas traduções que estão
ao dispor do crente do século XXI.

Infalível

Ao afirmar que a Escritura é a “infalível regra de fé e conduta”, a Primeira


Verdade Fundamental publicada pelo primeiro Concílio, quis significar
que, por causa de sua origem divina, bem como de sua autoridade, a
Escritura é incapaz de erro; ela é incapaz de orientar de maneira errada ou
enganosa a seus leitores. O termo infalível, muitas vezes, é chamado por 14; MENZIES, William W.
alguns eruditos por “inerrante”, afirmando assim que a Escritura está HORTON, Stanley M. Op. Cit.,
isenta de erros. Contudo, outros estudiosos são mais específicos e dizem p. 19.
que a inerrância “enfatiza a veracidade das Escrituras”, e a infalibilidade
15. SOARES, Esequias (Org).
“enfatiza quão dignas de confiança são” elas ⁷. Declaração de Fé das
Assembleias de Deus no
A infalibilidade e a inerrância são aplicáveis a toda a Palavra de Deus. Aqui, Brasil. Rio de Janeiro: CPAD,
no entanto, é preciso mais um alerta: “a linguagem da Bíblia não é 2019, p. 29.
científica” ⁸. Esse é um erro que muitos têm cometido. Pessoas, por vezes
16. MENZIES, William W.
com a boa intenção de explicar a Palavra de Deus, acabam cometendo o HORTON, Stanley M. Op. Cit.,
erro de buscar explicações científicas para a Revelação divina. Muitas p. 26.
vezes, tal atitude permite a penetração de doutrinas equivocadas no meio
Pentecostal. 17. Idem, p. 22.

18. Idem, p. 24.


Talvez pudéssemos chamar a isso de racionalização das Escrituras.
Enquanto os Teólogos Liberais pretendem despir a Bíblia de seus “mitos”,

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A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

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os desavisados pretendem dar uma explicação racional para cada porção


das Escrituras. Não queremos dizer com isso, que o registro bíblico seja
irracional, mas as Escrituras estão acima da razão humana.

Superior à razão humana

A Primeira Verdade Fundamental ensina que a Palavra de Deus “É superior à


consciência e à razão, mas não lhes é contrária”. O crente do século XXI,
marcado pelo ensino secular racional e pelo cientificismo, deve tomar o
cuidado para não tomar a Bíblia e realizar a leitura como se estivesse
diante de um Livro de História produzido por um homem qualquer, ou
mesmo um livro legal produzido por juristas. De fato, quando estudamos os
diversos gêneros literários encontrados nas páginas da Bíblia, nos
deparamos com relatos de eventos históricos, milagres, poesia, textos
legais, profecia, apocalíptica, ditos proverbiais e centenas de outros
gêneros literários. Contudo, é preciso lembrar que essas designações se
referem a aproximações com a produção puramente humana. Isso significa
que a poesia bíblica é poesia apenas “a seu modo”, os textos legais na
Bíblia são jurídicos “apenas a seu modo”.

Um manual de doutrinas bíblicas

Com certeza o mais popular manual de doutrinas tenha sido: “Conhecendo


as Doutrinas da Bíblia” publicado pela primeira vez em 1937, compilado
das apostilas de Myer Pearlman, professor do Instituto Bíblico Central. Esse
manual foi traduzido para o Português por Lawrence Olson.

O Capítulo I dessa obra trata das Escrituras. Ele ensina a respeito da


necessidade, inspiração e a verificação das Escrituras Sagradas ⁹.

No que concerne à necessidade das Escrituras, o autor ensina que a


revelação de Deus é desejável, uma vez que o homem não pode, por si
mesmo, chegar ao conhecimento de como foi que Deus criou o Universo e
qual é o seu plano para o ser humano decaído pelo pecado. A natureza, que
nos permite alcançar a Deus pela razão, não é suficiente para nos revelar o
plano de redenção que Deus criou para a humanidade antes da fundação do
mundo. Contudo, se Deus apenas se revelasse aos homens, como fez
inúmeras vezes e de diversas maneiras, a transmissão dessa experiência de
geração em geração talvez pudesse sofrer algum tipo de modificação ou de
transformação.

Deus, em sua infinita sabedoria, ordenou desde o princípio que os homens


19. PEARLMAN, Myer. registrassem as suas Palavras. Assim, a Revelação Especial começou a ser
Conhecendo as Doutrinas da preservada desde cedo na História da Salvação. Durante um período
Bíblia. São Paulo: Editora milenar os homens, inspirados por Deus, continuaram a registrar as Palavra
Vida, 2006, pp. 15-26.
de Deus até que a revelação chegasse à sua plenitude. A preservação da
Revelação foi assim assegurada.

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A Bíblia, a interpretação e a
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Em seguida, o manual passa para a tradicional abordagem a respeito da


Inspiração das Escrituras. Do mesmo modo que as Verdades Fundamentais,
ele inicia tomando como fundamento o texto de 2 Timóteo 3.16, mas
acrescenta 2 Pedro 1.21.

O texto de 2 Pe 1.21 usa o mesmo conceito de inspiração, mas em outros


termos. Pedro diz que a profecia foi escrita por homens santos que falaram
da parte de Deus “movidos pelo Espírito Santo”. Essa última expressão é
“hypo pnéumatos hagiou pherómenoi” ⁰. A expressão tomada em sua
totalidade quer dizer que a profecia foi gerada, produzida pelo próprio
Espírito Santo .

Pearlman toma algumas definições eruditas sobre inspiração, das quais,


emprestamos a de Webster: “A influência sobrenatural do Espírito de Deus
sobre a mente humana, pela qual os profetas, apóstolos e escritores sacros
foram habilitados para exporem a verdade divina sem nenhuma mistura de
erro. ”

Dessa forma, ao influenciar os profetas, apóstolos e escritores sacros esses


foram capacitados pelo Espírito Santo para que expressassem a verdade. O
que temos, ao final, é Deus falando pelos homens aos homens. Deus se
revelando aos homens por meio de outros homens.

O professor do Instituto Bíblico Central enfatiza que apesar de escrita por


seres humanos, as Escrituras são divinas. Não podemos confundir
inspiração por esclarecimento. É verdade que todos os cristãos recebem o
esclarecimento, a iluminação, por parte do Espírito Santo, mas somente os
autores sacros são inspirados. A influência divina para a compreensão das
Escrituras (1 Co 2.4) não é a mesma coisa que inspiração divina.

Esclarecimento não pode ser confundido com inspiração. Muitas pessoas,


talvez por desconhecimento, talvez em meio à emoção, têm tido ideias
que julgam ser inspiradas por Deus. A ideia de revelação, enquanto dom do
Espírito Santo, não significa a mesma coisa que revelação enquanto
inspiração para o registro da vontade de Deus. 20. Novo Testamento
interlinear grego-português.
Nós, pentecostais, cremos na atualidade dos dons do Espírito Santo e, Barueri, SP: Sociedade
Bíblica do Brasil, 2004, p.
entre eles, cremos na atualidade do dom de revelação. Mas, jamais 874.
podemos imaginar que esse dom equivale ao dom que Deus dotou os
escritores sacros para redigirem os textos sagrados. Se isso fosse verdade, 21. VINCENT, Marvin R.
algo dito em um púlpito de nossas igrejas, poderia ser colocado por escrito Estudo no Vocabulário Grego
e tido como Palavra de Deus. Isso é um erro comum e pode trazer sérios do Novo Testamento. Volume
I. Rio de Janeiro: CPAD,
prejuízos à obra de Deus. 2012, p. 593.

O Manual também acrescenta a realidade de que a inspiração é viva e 22. PEARLMAN, Myer. Op.
completa. Viva, mais uma vez, no sentido de que o “Divino Espírito usou Cit., p. 17.
as” “faculdades mentais” dos escritores sacros, “produzindo desta

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Revelação de Deus

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maneira uma mensagem perfeitamente divina, e que, ao mesmo tempo,


conservasse os traços da personalidade do autor. Embora seja a Palavra do
Senhor, é ao mesmo tempo, em certo sentido, a palavra de Moisés, ou de
Paulo” .

Observe que ele conserva, mas expande, a explicação que, décadas mais
tarde, seria dada por Stanley Horton. Tudo isso mostra que as doutrinas
oficiais da Igreja permanecem iguais desde a sua origem e, assim, podemos
ter a garantia de que a Teologia Pentecostal é sólida desde a fonte.

Nós cremos

A produção em solo brasileiro teve início com o pioneiro Gunnar Vingren


que, já em 16 de abril de 1919 publicou, no Jornal “Boa Semente”, um
artigo intitulado “O que nós cremos”, onde tratou de traçar as linhas
mestras da crença pentecostal brasileira. O artigo foi reeditado e
publicado novamente em março de 1930, agora no jornal “O Som Alegre”.
Com a primeira Assembleia Geral da CGADB ⁴, ainda em 1930, os dois
jornais mencionados foram fundidos num só, e assim surgiu o “Mensageiro
da Paz” que, desde então, tem disso publicado de maneira ininterrupta
como órgão oficial das Assembleias de Deus no Brasil ⁵.

Na sequência, em janeiro de 1931, o missionário sueco Otton Nelson (1881-


1982), publicou um artigo no Mensageiro da Paz, cujo título recebeu o
nome de “O que ensinamos”. Depois houve mais uma publicação nesse
mesmo periódico. Agora foi a vez do missionário americano Theodoro
Richard Stohr que, em outubro de 1938, publicou um “Cremos” cujo título
foi “Em que creem os pentecostais”.

Mesmo não sendo um item oficial dos temários, as reuniões convencionais


realizadas nas décadas de 1960 e 1970 debateram se nossas igrejas
deveriam ter um “Credo”. Uns diziam que isso era coisa de católicos ou de
protestantes tradicionais, tendo em vista que, como temos visto, a Bíblia é
o nosso Credo. Por outro lado, outros já defendiam que deveríamos ter um
documento oficial professando aquilo em que nós cremos. Foi assim que o
23. Idem, p. 20. “Cremos”, segundo Isael de Araújo, “passou a ser publicado no Mensageiro
da Paz a partir de junho de 1969. Desde então, esse documento tem sido
24. Convenção Geral das submetido a revisões. ⁶”
Assembleias de Deus no
Brasil.
O primeiro artigo do Cremos traz de maneira resumida e direta, mas clara,
25. SOARES, Esequias (Org) . o que nós cremos a respeito da Bíblia. Assim, ele diz que nós cremos: “Na
Op. Cit., p. 18. inspiração divina verbal e plenária da Bíblia Sagrada, única regra infalível
de fé e prática para a vida e o caráter cristão (2 Tm 3.14-17) ⁷.
26. Idem, p. 18.

27. Ibidem, p. 21. Nesse primeiro artigo do Cremos, quando comparado com o primeiro item
da “Declaração de Verdades Fundamentais”, redigida nos Estados Unidos
em 1916, notamos a inclusão de dois conceitos teológicos de grande

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A Bíblia, a interpretação e a
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relevância e, além deles, o adjetivo “única”, como um qualificador da


Bíblia, enquanto regra infalível de fé e prática.

Os vocábulos “verbal” e “plenária” especificam em que tipo de inspiração


nós cremos, uma vez que somente o conceito de “inspiração” divina, é
muito abrangente. Ao incluir os termos mencionados, nosso “Cremos”
excluía a crença em uma inspiração “mecânica”, ou seja, de que a Bíblia
tenha sido ditada por Deus ⁸. Ao mesmo tempo, declara que Deus inspirou,
não apenas os pensamentos dos homens, mas as palavras que eles usaram
para redigir os textos que, mais tarde, foram canonizados. Trata-se de
inspiração verbal. Há mais: ela é plenária, no sentido de que a inspiração
divina atinge todas as palavras utilizadas, “inclusive a sua forma
gramatical” ⁹.

Apesar de as Assembleias de Deus no Brasil terem redigido e publicado a


Declaração de Fé em 2017, até hoje, o “Cremos” permanece válido; agora
como um resumo das principais verdades de fé cridas e ensinadas por nós.

As grandes doutrinas da Bíblia

O ano de 1987 trouxe à lume uma obra de grande importância para a crença
pentecostal no Brasil, inclusive no que diz respeito à Bíblia, enquanto
Palavra de Deus. O Pr. Raimundo de Oliveira publica “As Grande Doutrinas
da Bíblia”, na tentativa de oferecer, segundo ele mesmo, “um resumo das
doutrinas cardeais da fé cristã” ⁰.

Como não poderia deixar de ser, ele dedica o primeiro capítulo à “Doutrina
das Escrituras”, aonde já de início ele lembra que a “Escritura Sagrada”,
“Sagradas Escrituras”, simplesmente “Escritura” ou “Palavra de Deus”,
“constitui na única regra de fé e de conduta do cristão” , colocando-se
assim, na linha da tradição teológica do pentecostalismo clássico. O Pr.
Raimundo nos lembra que a Bíblia contém a mente de Deus. Ela revela o
estado espiritual do homem, o caminho da salvação para a felicidade dos
santos, e a condenação dos ímpios.
28. PEARLMAN, Myer. Idem,
Com essa obra, aprendemos que a inspiração designa a influência p. 21.
controladora de Deus sobre os escritores da Bíblia. Assim, o Espírito Santo,
29. BERGSTÉN, Eurico.
concedeu aos escritores inspirados, a capacidade de comunicar e registrar Teologia Sistemática. Rio de
a mensagem divina com exatidão absoluta, sem mácula. Diante de tantas Janeiro: CPAD, 2021, p. 12.
objeções levantadas contra essa crença fundamental, o autor lembrava
que a Bíblia “resume o propósito divino da revelação” e, para isso, na 30. OLIVEIRA, Raimundo
esteira de Menzies e Horton, ele aponta para 2 Pedro 1.19-21 que, abaixo Ferreira de. As grandes
doutrinas da Bíblia. Rio de
reproduzimos na íntegra: Janeiro: CPAD, 1987, p. 9.

19 E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis 31. Idem, p. 14.
em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro,

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Revelação de Deus

MÓDULO

até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça em vosso


coração, 20 sabendo primeiramente isto: que nenhuma
profecia da Escritura é de particular interpretação; 21
porque a profecia nunca foi produzida por vontade de
homem algum, mas os homens santos de Deus falaram
inspirados pelo Espírito Santo (Grifo nosso).

É por isso que o Pr. Raimundo é enfático ao dizer que estamos diante de um
assunto que necessita de uma exposição com absoluta clareza.

Assim, o autor apresenta alguns argumentos contrários à “crença de que as


Escrituras resumem em si a totalidade do propósito da revelação divina” .

O primeiro argumento contrário seria a afirmação de que seria preciso


distinguir entre a crença de Jesus e a crença dos apóstolos, “supostamente
em níveis diferentes”. Segundo esse argumento, Cristo estaria em
oposição aos apóstolos, e procurava salvá-los das equivocadas tradições
dos judeus de seu tempo. Essa oposição incluiria mesmo a crença na
inerrância das Escrituras. Os defensores dessa crença equivocada, usam
textos isolados de seu contexto como, por exemplo: Mateus 22.29; Marcos
12.24 e João 5.39. É claro que uma leitura atenta, e uma exegese fiel aos
textos, facilmente derrubam esse primeiro argumento.

O segundo argumento, afirma que os apóstolos acreditavam que a


inerrância das Escrituras hebraicas, nosso Antigo Testamento, seria uma
teologia insustentável. Surge assim o argumento da “Acomodação”. Para
os defensores desse argumento, todos “os escritores do Novo Testamento
teriam decidido por acomodar a sua linguagem à realidade espiritual dos
seus dias” .

Mas, ainda faltam dois argumentos: o da “Ignorância” e o da


“Contradição”.

O argumento da “Ignorância” quer ensinar que os apóstolos eram “homens


sem letras e indoutos” (At 4.13) e, por causa disso, eles estariam sujeitos
ao erro e, além disso, o próprio Jesus, por conta de sua encarnação, não
sabia nada além de “um pouco acima de seus contemporâneos” e “não
podia ter estado muito acima do nível cultural da sua própria época” ⁴.

Por fim, levanta-se o argumento da “Contradição”. Os defensores dessa


32. Idem, p. 18. doutrina equivocada vêm ao longo da história debatido a respeito de
suposta “contradição”, “inexatidão” e “inconsistência” das Sagradas
33. Ibidem.
Escrituras.
34. Idem, p. 19.
É claro que não podemos crer nesses argumentos. Para derrubar esses
argumentos contrários à crença pentecostal, o Pr. Raimundo nos leva a

12
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

verificar o que a Bíblia mesma diz a respeito de sua inspiração ⁵. Da mesma


forma que qualquer outra doutrina cristã, a doutrina da inspiração deriva
diretamente das Escrituras. É a própria Bíblia quem testifica de forma
abundante a respeito de sua inspiração.

Os autores das Escrituras Hebraicas tinham plena consciência de que tudo o


que eles escreviam vinha da parte de Deus (Êx 17.14; 34.27; Nm 33.2; Is
8.1; 30.8; Jr 25.13; 30.2; Ez 24.1; Dn 12.4). A consciência era tal que os
profetas introduziam as suas mensagens com fórmulas bem conhecidas,
como: “Assim diz o Senhor”, “Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo”,
“Assim me mostrou o Senhor Jeová”, dentre outras. Apesar de que essas
fórmulas faziam referência às palavras faladas, essas palavras vieram a ser
registradas e, por isso, devem ser tradadas com igualdade.

Os escritores do Novo Testamento, a seu turno, citam com muita


frequência passagens do Antigo Testamento e as tratam como Palavra de
Deus ou do Espírito Santo (Mt 15.4; Hb 1.5ss; 3.7; 4.3; 5.6; 7.21). De igual
modo, o apóstolo Paulo ensina que as suas palavras também consistem em
palavras que lhe foram ensinadas pelo Espírito Santo (1 Cor 2.13). Paulo
alega que é Cristo quem fala a ele (2 Cor 13.3) dizendo, por exemplo, que a
mensagem que pregou aos tessalonicenses é “a Palavra de Deus” (1Ts
2.13).

Finalmente, é de Paulo a clássica passagem que vimos mencionando desde


o início, de que “Toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para
ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça” (2 Tm 3.16).
Uma vez refutados os argumentos contrários à Inspiração das Escrituras,
fundamentando-se em textos das próprias Escrituras, o autor passa a tratar
da “Natureza da Inspiração das Escrituras”. É importante, antes de tudo,
também considerar dois conceitos equivocados a respeito da inspiração. O
primeiro é o da “inspiração mecânica” e o segundo, o da “inspiração
dinâmica”. Basicamente são dois extremos opostos.

Como aventamos acima, os defensores de uma “inspiração mecânica”,


advogam que Deus ditou exatamente o que os escritores dos livros que
foram canonizados deviam escrever. Esses escritores, assim, não eram
nada mais que “amanuenses do Espírito Santo”; eles registravam as
palavras que o próprio Deus escolhia. Nessa perspectiva, as faculdades
mentais dos escritores, bem como as culturas em que estavam imersos,
ficavam “suspensas”, em repouso, durante a inspiração, de modo que eles
em nada contribuíram para a forma e o conteúdo dos textos. Contudo, a
própria Bíblia demonstra que seus escritores não eram instrumentos
passivos na redação de textos. Eles não foram apenas escritores, mas
autores “no verdadeiro sentido da palavra” ⁶. 35. Ibidem, p. 19, 20.

36. Ibidem.
Os defensores da “inspiração dinâmica”, ao contrário, rejeitam a ideia de
uma operação direta do Espírito Santo de Deus sobre a produção dos livros

13
3
TERCEIRO
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

bíblicos, ou seja, uma operação com propósito específico para a produção


de textos canônicos. Essa teoria afirma, por conseguinte, que a
“qualidade” de inspiração dada aos escritores, é da mesma “qualidade”
que a iluminação espiritual de qualquer crente. Não há nenhuma
diferença, quer seja no grau, quer seja na essência. Além disso, segundo a
doutrina da “inspiração dinâmica”, o grau de penetração da inspiração não
se dá de modo homogêneo em todas as partes da Bíblia. Os textos de cunho
histórico, não têm o mesmo “grau” de inspiração que os livros doutrinários.
A doutrina da “inspiração dinâmica” acaba por despojar as Escrituras de
todo o seu caráter sobrenatural. Mais uma vez, esse conceito não resiste a
uma avaliação bíblica honesta.

Com o fim de contrapor a esses dois conceitos errôneos, o Pr. Raimundo


apresenta o conceito de “inspiração orgânica”. Esse é o nome que ele dá à
conhecida doutrina da “inspiração plenária” das Escrituras. Doutrina
aceita em todos os círculos conservadores. Para o autor, o termo orgânico
“põe em relevo o fato de que Deus não usou os escritores da Bíblia no
sentido mecânico, como se eles fossem robôs, mas que atuou sobre eles de
forma orgânica, em harmonia com as leis do ser interior desses escritores”.
Significa dizer que o caráter e o temperamento, os dons e talentos, a
educação e a cultura, o vocabulário e o estilo de cada escritor foi
preservado. Durante a iluminação, Deus guiou cada escritor na “seleção de
suas palavras e na expressão de seus pensamentos” ⁷.

Esse conceito, aceito pelos conservadores e, portanto, pelas Assembleias


de Deus, afirma que os escritores inspirados não foram simples
amanuenses, mas sim, verdadeiros autores dos textos bíblicos. Por vezes,
de fato, inspirados pelo Espírito Santo, eles escreviam os “resultados de
suas próprias investigações históricas”, com pode ser compreendido em
Lucas 1.1-4, ou de suas experiências. É por isso que podemos perceber em
cada escritor o seu próprio estilo; inclusive, os textos possuem as marcas
do contexto histórico/cultural em que foram produzidos ⁸.

No entanto, além do que foi dito acima, é possível falar sobre as provas da
inspiração da Bíblia. Em primeiro lugar, o próprio Senhor Jesus aprova essa
verdade (Lc 4.16-20; 24.27, 44; Mc 7.13). Jesus lia as Escrituras; quando
entrou numa sinagoga, num dia de sábado, na cidade de Nazaré, onde fora
criado, ele leu um trecho do profeta Isaías e o tratou como profecia (Lc
4.16-21). Nosso Senhor ensinou as Escrituras (Lc 24.25-27) e, acima de
37. OLIVEIRA, Raimundo tudo, Jesus mesmo chamou as Escrituras de Palavra de Deus (Mc 7.11-13, p.
Ferreira de. Idem, p. 22. ex.). Por fim, o Senhor Jesus Cristo afirmou que diversas profecias das
38. Ibidem. Escrituras foram cumpridas em sua pessoa (Lc 24.44), que elas eram a
verdade (Jo 17.17); viveu e agiu em conformidade com elas (Lc 18.31);
39. OLIVEIRA, Raimundo reconheceu que Davi falou inspirado pelo Espírito Santo (Mc 12.35,36). Já
Ferreira de. Idem, p. 22, 30- no início de seu ministério terreno, quando tentado no deserto, Jesus
31.
derrotou o inimigo citando as Escrituras como Palavra de Deus (Dt 8.3;
6.13,16; Mt 4.1-11) ⁹.

14
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

O Pr. Raimundo ainda nos recorda que a doutrina da inspiração das


Escrituras, a verdade de que elas são a Palavra de Deus, é aprovada e
ensinada por toda a História da Igreja. Diversos líderes espirituais ao longo
da história da Igreja defenderam a verdade de que a Bíblia é inspirada,
inerrante e infalível. O grande teólogo da antiguidade tardia, Agostinho de
Hipona, já declarava: “Aprendi a dar a eles (os Livros canônicos) tal honra e
respeito a ponto de crer com muita firmeza que nenhum destes autores
errou ao escrever qualquer coisa que seja”; ele afirmava ainda que
“nenhuma discordância de qualquer tipo teve permissão de existir” na
Bíblia. Os Reformadores agiam de igual modo. John Wesley chegou à
conclusão “de que a Bíblia precisa ter sido dada por inspiração divina”⁴⁰.

A Bíblia através dos séculos

A Casa Publicadora das Assembleias de Deus apresentou ao público a obra


do Pr. Antonio Gilberto ⁴ “A Bíblia através dos séculos”, cujo objetivo,
segundo o próprio autor, foi o de oferecer um “estudo introdutório ao Livro
Santo”. Estamos no ano de 1992 e a crença a respeito da Bíblia Sagrada no
movimento pentecostal brasileiro, permanece a mesma.

Assim, o teólogo pentecostal Antonio Gilberto, como não poderia deixar de


ser, vai destacar que é exatamente a inspiração divina o que diferencia a
Bíblia de todos os demais livros do mundo. É por isso que ela é chamada a
Palavra de Deus. Ele também alerta contra as falsas teorias da inspiração: 40. OLIVEIRA, Raimundo
Ferreira de. Idem, p. 24, 25.
inspiração natural ou humana, inspiração divina comum, inspiração
parcial, teoria do ditado verbal, inspiração das ideias. Ao fazer esse alerta, 41. O Pastor Antonio
ele reafirma a crença pentecostal na inspiração plenária e verbal⁴ . Gilberto, fundou, com as
irmãs Helene Figueredo e
A partir dessa obra, teremos um incremento em nosso aprendizado: a Albertina Malafaia, o Curso
de Aperfeiçoamento de
diferença entre “revelação” e “inspiração” (no tocante à Bíblia). Professores da Escola
“Revelação é a ação de Deus pela qual Ele dá a conhecer ao escritor coisas Dominical (CAPED), meio
desconhecidas, o que o homem, por si só, não podia saber”. “A inspiração pelo qual foi possível treinar
nem sempre implica em revelação. Toda a Bíblia foi inspirada por Deus, milhares de professores para
o ensino na Escola Dominical,
mas nem toda ela foi dada por revelação. Lucas, por exemplo, foi inspirado nas Assembleias de Deus e
a examinar trabalhos já conhecidos e escrever o Evangelho que traz o seu outras igrejas. Do prefácio à
nome” (Lc 1.1-4). “O mesmo se deu com Moisés, que foi inspirado a Edição Brasileira. SILVA,
registrar o que presenciara, como relata o Pentateuco”⁴ . Antonio Gilberto da. Bíblia
com comentários de Antonio
Gilberto. 1ª. ed. Rio de
Teologia Sistemática – uma perspectiva pentecostal Janeiro: CPAD, 2021, p. VII.

Apenas quatro anos após a publicação da obra do Pr. Antonio Gilberto, em 42. SILVA, Antonio Gilberto
1996, as Assembleias de Deus no Brasil recebem a tradução da volumosa da. A Bíblia através dos
séculos. 35ª. impressão. Rio
obra: Teologia Sistemática: uma Perspectiva Pentecostal, organizada pelo de Janeiro: CPAD, 2020, pp.
distinto catedrático emérito de Bíblia e de Teologia no Seminário das 40-44.
Assembleias de Deus, Stanley M. Horton. A obra havia sido publicada em
1994 nos Estados Unidos e, dada a sua relevância, dois anos depois os 43. Idem, pp. 40-45.
pentecostais brasileiros já puderam contar com ela no idioma português.

15
3
TERCEIRO
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

O capítulo 3, escrito por John R. Higgins, educador e missionário na Índia,


recebe o título “A Palavra Inspirada de Deus”. Serão dedicadas quase 60
páginas ao estudo da doutrina pentecostal a respeito da Bíblia Sagrada,
colocando-se assim como um dos mais extensos trabalhos já publicados
sobre o assunto em nosso idioma.

Higgins inicia abordando a verdade bíblica da Revelação de Deus ao Gênero


Humano. Passando pelas Revelação Geral e Especial, ele chegará ao nosso
ponto de discussão. A Revelação Especial é aquela que dará ao povo de
Deus as suas Escrituras Sagradas.

Ao entrar no debate se a Bíblia é a Palavra de Deus, ou apenas contém a


Palavra de Deus, lembrando que “ambas as ideias têm alguma
veracidade”, o missionário e educador conclui e ensina que:

[...] a Bíblia é “um livro-divino-humano no qual cada palavra


é, ao mesmo tempo, divina e humana”. A totalidade das
Escrituras é a Palavra de Deus em virtude da inspiração
divina dos seus autores humanos. A Palavra de Deus, na
forma da Bíblia, é um registro inspirado de eventos e
verdades da autorrevelação de Deus. [...] a Escritura não é
meramente “o registro dos atos de redenção mediante os
quais Deus salva o mundo, mas é em si mesma um desses
atos de redenção, e tem seu próprio papel a desempenhar
na grande obra de estabelecer e edificar o reino de Deus
(Grifo nosso) .
Aqui temos algo de extrema importância sobre o qual não havíamos
abordado ainda. Dentre todos os atos de redenção, a própria Bíblia
constitui-se como um deles. Os atos de redenção são aquelas intervenções
divinas na história a fim de resgatar o homem caído de seu estado de
perdição e levá-lo à condição de filho de Deus e conceder-lhe a vida eterna.
Assim, o ato de Deus ao revelar-se a Abraão trata-se de um ato de
redenção, uma vez que Deus prometeu ao patriarca que nele seriam
“benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Quando Deus fala com
Moisés no monte Sinai, três meses depois da libertação dos israelitas da
opressão no Egito, Deus faz uma aliança e declara que se eles ouvissem a
sua voz, seriam a Sua “propriedade peculiar dentre todos os povos; porque
toda a terra é” Sua. E que os filhos de Israel seriam para Deus um “reino
44. HORTON, Stanley M.
sacerdotal e povo santo” (Êx 19.5, 6). Temos aqui mais um dos atos de
(Editor). Teologia redenção.
Sistemática: uma Perspectiva
Pentecostal. Rio de Janeiro, Deus realizou muitos atos de redenção na história de Israel, mas, enquanto
CPAD, p. 85. cristãos, sabemos que o ápice dos atos de redenção de Deus, em favor da
humanidade, deu-se na encarnação, ministério, morte e ressurreição de

16
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

Seu filho, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Houve um momento na


história da humanidade, quando o Verbo eterno “se fez carne e habitou
entre nós” (Jo 1.14). Algumas décadas mais tarde, o autor de Hebreus irá
fazer a seguinte afirmação: “Havendo Deus, antigamente, falado, muitas
vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos,
nestes últimos dias, pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por
quem fez também o mundo” (Hb 1.1-2). Estamos diante do maior ato de
redenção de Deus.

Uma vez esclarecido e compreendido em que consistem os “atos de


redenção”, voltemos à afirmação de Higgins. A Bíblia Sagrada, a Palavra de
Deus, além de trazer o “registro dos atos de redenção”, dos quais
mencionamos alguns, é “um desses atos de redenção”. Em que sentido as
Escrituras constituem-se em um ato de redenção?

A Bíblia desempenha um papel fundamental na redenção do ser humano


caído, uma vez que é a exposição do seu conteúdo que leva o ser humano ao
arrependimento e à fé em Jesus Cristo. Deus quis salvar o homem por meio
da pregação. Se a salvação se dá por meio da fé, “a fé é pelo ouvir, e o ouvir
pela palavra de Deus” (Rm 10.17). É por isso que, de acordo com os meios
comuns de Deus operar em prol do ser humano, as pessoas não podem
alcançar a fé salvífica a menos que leiam a Bíblia, ou que tenham alguém
que possa transmitir-lhes a mensagem do evangelho registrada em suas
páginas. Foi a Palavra de Deus que o Espírito Santo usou para despertar a fé
em cada um de nós. Aqueles que confiam na Palavra de Deus podem
repousar na fé para a salvação.

Portanto, Higgins está coberto de razão ao afirmar que a Bíblia “tem seu
próprio papel a desempenhar na grande obra de estabelecer e edificar o
reino de Deus”. Um dos propósitos de Deus ao inspirar homens para que
registrassem a sua Revelação Especial, foi o de preservar para a
humanidade o veículo material através do qual os seres humanos podem
chegar ao conhecimento do Evangelho do Senhor Jesus, as boas-novas de
salvação.

Em seguida, o educador norte-americano passa a tratar da autoridade das


Escrituras e lembra que, da mesma forma que a inspiração, a autoridade da
Bíblia tem sido reconhecida ao longo da história da Igreja de Cristo;
autoridade nas questões de fé e de prática. Contudo, alerta para o fato de
que existiram e existem rivais quanto à “reivindicação de plena autoridade
feita pela Bíblia. Esses rivais tendem a subordinar, ou qualificar, a
autoridade das Escrituras, ou mesmo igualar-se a ela”. O primeiro rival é a
tradição oral, o segundo, a própria autoridade da Igreja e, em seguida, os
“credos, as confissões e outros padrões eclesiásticos de doutrina”, os
quais, muitas vezes, chegam, de forma consciente ou inconsciente, a 45. HORTON, Stanley M.
(Editor). Op. Cit., p. 86, 87.
“rivalizar com a autoridade das Escrituras”⁴⁵.

17
TERCEIRO
3 A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

Quando tratarmos de nossa Declaração de Fé, abordaremos esse assunto,


contudo, é preciso deixar claro, desde já, que ao longo da história da
Igreja, pessoas:

[...] piedosas, grandemente usadas por Deus, têm labutado


para definir padrões de doutrina e comportamento cristãos,
visando refletir a atitude e a vontade de Deus. Repetidas
vezes, houve apelo a esses documentos na busca de
orientação autorizada. Mas sem dúvida, os escritores seriam
os primeiros a reconhecer serem as obras falíveis e passíveis
de revisão, embora se reconheça facilmente a erudição
bíblica relevante por detrás desses importantes escritos ⁶.
Apesar de a Igreja reconhecer e estimar esses esforços, é preciso destacar
que os próprios Credos reconhecem a Escritura como autoridade plena e
máxima. As Confissões ou Declarações de Fé, os Credos, e outros
documentos doutrinários, até mesmo livros de teologia ou doutrina, são o
resultado do esforço da Igreja em explicar e ensinar o que os registros
bíblicos mesmos afirmam. São excelentes ferramentas para o aprendizado,
ensino e pregação, mas devem “ser conservados dentro do seu
relacionamento apropriado com as Escrituras. Permitir que se rivalizem
com a autoridade bíblica destruirá seu próprio valor normativo, e
rebaixará a Palavra de Deus que tanto desejam honrar”⁴⁷.

Outro problema que temos enfrentado, ao longo de toda a história da


Igreja, é a experiência de fé do indivíduo crente. Ainda que a autoridade do
cristão seja muito mais preciosa do que apenas papel e tinta:

“Nenhum encontro autoritativo com Deus supera a


autoridade de sua Palavra escrita. Doutra forma: a
“experiência de Deus” dos místicos hindus, ou de quem usa
drogas psicotrópicas, poderia reivindicar autoridade. A
validez de nosso encontro com Deus é determinada pela
autoridade das Escrituras que o revelam. Todas as
experiências pessoais devem ser averiguadas e avaliadas
pelas Escrituras ⁸.
É muito perigoso quando os crentes querem colocar as suas experiências
46. Idem, p. 87. acima da autoridade das Escrituras. Isso ocorre quando temos um claro
47. Ibidem. ensinamento das Escrituras a respeito de determinado assunto, mas o fiel
insiste em dizer: “eu creio assim”. Como se a fé dele, a forma como ele
48. HORTON, Stanley M. acredita, pudesse ter mais autoridade do que a Palavra de Deus inspirada,
(Editor). Op. Cit., p. 88. infalível e inerrante.

18
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

Existe um consenso doutrinário que, apesar de extenso, vale a pena ser


transcrito na íntegra. Os pentecostais clássicos sempre afirmaram que:

[...] toda e qualquer manifestação espiritual, ou em nome


do Espírito Santo, por palavra falada ou escrita, por atos,
por visões e revelações, precisa ser examinada, avaliada
segundo o critério da Palavra de Deus. Às vezes, um artigo
ou livro precisa passar pelo crivo da Palavra de Deus.
Somente a Palavra de Deus é perfeita e pura e dispensa
qualquer exame (Sl 18.30; 19.7; 2 Cm 22.31; Sl 119.140; Pv
30.5). [...] os sonhos e visões não possuem autoridade
doutrinária. Eles precisam ser provados e atestados com a
Palavra de Deus. Sonhos e visões (revelações particulares)
não podem tomar o lugar da revelação única que é a Bíblia.
Nenhuma doutrina ou procedimento pode ter base em
sonhos e visões. Igrejas têm sido forjadas por sonhos e visões
e estão fadadas ao fracasso, porque a Igreja tem seu
fundamento na Palavra de Deus ⁹.
Infelizmente, tem sido muito comum por parte de alguns, enaltecerem
uma “impressão direta” do Espírito, ou mesmo uma manifestação
espiritual, tal qual a profecia, acima da Palavra de Deus. Uma vez que
cremos que foi o próprio Espírito Santo quem inspirou a Palavra de Deus e
que, Ele mesmo concede autoridade a ela, também precisamos crer,
ensinar e afirmar que o Espírito Santo “nada falará contrário àquilo que a
Palavra inspirada declara, e nada além disso”⁵⁰.

Higgins, como era de se esperar, também trata da questão da inspiração e


da inerrância das Escrituras. Nesse sentido, a sua contribuição vem no
sentido de lembrar que os próprios escritores do Novo Testamento tinham
absoluta certeza de estarem falando em nome de Deus. Jesus, além de
dizer aos discípulos que pregassem, ele lhes disse claramente “o que” eles
deviam pregar (At 10.41-43). O apóstolo Paulo, por diversas vezes, deixa
claro que suas palavras deviam ser reconhecidas como “mandamentos do
Senhor” (1 Co 2.13). Assim também o apóstolo Pedro (2 Pe 1.12-21). Depois
de tratar das mais diversas teorias, das quais já mencionamos algumas, o 49. CABRAL, Elienai.
missionário propõe uma definição para a doutrina da inspiração plenária e Movimento Pentecostal: as
verbal das Escrituras⁵ . doutrinas da nossa fé. Rio de
Janeiro: CPAD, 2019, p. 101.
Segundo nosso autor, a inspiração verbal e plenária é “a crença de que a
50. HORTON, Stanley M.
Bíblia é inspirada nas próprias palavras (verbal) escolhidas pelos (Editor). Op. Cit., p. 88.
escritores”; é “plenária (plena, total, inteira) porque todas as palavras,
em todos os escritos originais (autógrafos), são inspiradas”. De forma 51. Idem, pp. 98-111.
técnica Higgins assim resume, finalmente, o conceito de inspiração bíblica:

19
3
TERCEIRO
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

“A inspiração é o ato especial do Espírito Santo mediante o qual motivou os


escritores bíblicos a escrever, orientando-os até mesmo no emprego das
palavras, preservando-os de igual modo de todos os erros ou omissões”.
Temos uma definição clara, resumida, direta e ortodoxa.

No tocante à inerrância, ou infalibilidade, é preciso alertar em primeiro


lugar que, se cremos que a Escritura é a Palavra de Deus, não podemos
deixar de crer que ela seja inerrante, infalível. Assim, a verdade divina nas
Escrituras é expressa com exatidão, livre de erros, inclusive nas próprias
palavras quando usadas para a construção das frases que vieram a compor
os textos bíblicos. Contudo, ressalta-se que a “verdade de Deus é
expressada de modo inerrante somente nos autógrafos (escritos
originais)⁵ , e de modo indireto, nos apógrafos (cópias dos escritores
originais)”. Isso deve ficar bastante claro para o estudante e para o obreiro
pentecostal. Mesmo assim, vale dizer, os apógrafos representam com total
exatidão os autógrafos. Apesar de não podermos dizer que as cópias, as
versões e as traduções são inspiradas, seguramente podemos afirmar que
elas retêm “a qualidade de inspiração que estava presente nos
autógrafos”.

Depois dessa última obra de que fizemos uso, o Pr. Eurico Bergstén (1913-
1999) também tratou do tema em seu livro Teologia Sistemática (1999). É
claro que ele também defende a doutrina da inspiração e inerrância das
Escrituras. Sua contribuição específica, contudo, talvez esteja no fato de
destacar que Deus não escreveu nenhuma parte da Bíblia. Mesmo que Deus
tenha escrito com o seu dedo os Dez Mandamentos em tábuas de pedra (Êx
32.15,16), Moisés as quebrou quando viu o bezerro de ouro que os israelitas
tinham feito em sua ausência (Êx 32.19). Assim, o registro que temos dos
mandamentos, foram posteriormente escritos por Moisés. Jesus também
escreveu algo na terra (Jo 8.8), mas ninguém sabe ao certo do que se
tratava⁵ .

O Pr. Antonio Gilberto também reuniu um grupo de teólogos e escritores


brasileiros para compor uma Teologia Sistemática Pentecostal em 2008. O
capítulo sobre a Doutrina das Escrituras foi escrito pelo Pr. Claudionor de
Andrade. Além de ratificar tudo o que os autores anteriores já haviam
ensinado, ele nos traz a verdade a respeito da completude da Bíblia. O que
52. Idem, p. 110. ele quer dizer com “completude da Bíblia”?

53. BERGSTÉN, Eurico. Op. Nas palavras do próprio escritor, “Completude é aquilo que, pela
Cit., p. 11. excelência de suas qualidades, satisfaz plenamente, não admitindo
54. SILVA, Antonio Gilberto
acréscimos nem diminuições; é aquilo que é suficiente por si mesmo”. Isso
da. [editor geral] Teologia significa que a Palavra de Deus contém todas as palavras e ensinamentos de
Sistemática Pentecostal. Rio que precisamos para a salvação, bem como, para que tenhamos certeza da
de Janeiro: CPAD, 2011, p. maneira de procedermos, de forma que podemos obedecer aos seus
43,44.
ensinos com tranquilidade⁵⁴.

20
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

Declaração de fé das Assembleias de Deus

No ano de 2017, a CGADB aprovou e publicou a Declaração de Fé das


Assembleias de Deus no Basil. Em 24 de Janeiro de 2017, uma Comissão
Especial da CGADB, presidida pelo Pr. Esequias Soares da Silva, apresentou
à liderança nacional os “vinte e quatro capítulos da Declaração que foram
lidos para todos os presentes, de forma alternada e em voz alta, pelo sub-
relator da Comissão Especial. Uma vez concluídos os trabalhos, o texto da
Declaração de Fé foi disponibilizado no site da CGADB”⁵⁵.

Essa Comissão Especial foi formada por diversos teólogos e pastores da


Convenção Geral, de diversos estados do país, a fim de elaborar uma
Declaração de Fé para as nossas igrejas no Brasil. Em primeiro lugar, ela
ratifica mais uma vez o nosso “Cremos” em 16 artigos nas páginas 21 a 24.
Em seguida, ela inclui um capítulo inteiro para tratar da crença
pentecostal assembleiana a respeito da Bíblia Sagrada⁵⁶.

O Capítulo – I – Sobre as Sagradas Escrituras, depois de mais de 100 anos de


Assembleia de Deus no Brasil, reafirma que nós “cremos, professamos e
ensinamos que a Bíblia Sagrada é a Palavra e Deus, única revelação escrita
de Deus” (Ap 1.1) “dada pelo Espírito Santo” (1 Cor 2.13, 14), “escrita para
a humanidade e que o Senhor Jesus Cristo chamou as Escrituras Sagradas de
a 'Palavra de Deus'” (Mc 7.13); “que os livros da Bíblia foram produzidos sob
inspiração divina” (2 Tm 3.16).

Com essa redação, nossa Declaração afirma mais uma vez que “toda a
Escritura foi respirada ou soprada por Deus, o que a distingue de qualquer
outra literatura, manifestando assim, o seu caráter sui generis”. Portando,
nós declaramos formalmente que as Escrituras são de origem divina.
Apesar de seus autores serem humanos, eles falaram e escreveram por
inspiração verbal e plenária do Espírito Santo (2 Pe 1.21).

Observamos mais uma vez a ratificação da crença na inspiração “verbal” e


“plenária”. Contudo, ainda que Deus tenha soprado nos escritores bíblicos,
é preciso ressaltar que eles viveram numa região e época específica da
história da humanidade e, portanto, a cultura de cada um exerceu
influência direta na redação de texto. Os escritores, como já dissemos
acima, não foram usados como robôs. Essa verdade é de vital importância
quando pensamos na própria interpretação das Escrituras.

Quando reafirmamos a inspiração plenária, também queremos dizer que


não existe um livro mais inspirado que outro. Todos os livros, todos os
textos das Escrituras possuem o mesmo grau de inspiração e autoridade. As
55. SOARES, Esequias (Org).
Assembleias de Deus no Brasil, reafirmam a crença de que a Bíblia é a nossa Op. Cit., p. 210.
única regra de fé e prática. Ou seja, tudo o que cremos e tudo o que
fazemos, deve estar respaldado pelos ensinamentos claros constantes nas 56. Idem, pp. 25-30.
páginas sagradas. A Bíblia é inerrante, infalível e completa.

21
3
TERCEIRO
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus

MÓDULO

No mesmo capítulo, ainda temos a Estrutura a qual defendemos, uma vez


que existem cânones diferentes – o Católico Romano, por exemplo – a
classificação dos livros, que, no caso do Antigo Testamento, também
recebem uma classificação diferenciada da Bíblia Hebraica.

Quanto ao propósito, ele procura responder à pergunta: quais são os


motivos de Deus ter inspirado autores humanos para, ao longo de mais de
um milênio, redigirem aqueles textos que, uma vez coligidos e reunidos,
viriam a compor o que nós, hoje chamamos: A Bíblia Sagrada. Nesse
sentido, os propósitos das Escrituras Sagradas são dois: revelar o próprio
Deus e expressar a sua vontade à humanidade.

Deus revelou a si mesmo por meio da Palavra escrita também. Depois, o


mesmo Deus, por intermédio do Espírito Santo, expressa a sua vontade
redentora a todos e a cada um dos seres humanos. A afirmação faz eco ao
texto de Higgins que já demonstrava o papel das Escrituras na redenção da
humanidade. Acrescenta-se ainda que a vontade redentora de Deus não faz
acepção de pessoas, por meio da fé em Cristo Jesus (Rm 1.17). A Bíblia tem
o poder de penetrar no mais íntimo do ser humano e, pelo poder do Espírito
Santo, levar o ser humano à conversão e à santificação. Mas, ela deve ser
corretamente interpretada⁵⁷. É o que veremos em nosso último tópico.

A interpretação das Escrituras

Como teremos um tratamento específico para a Hermenêutica, aqui nos


dedicaremos apenas em apresentar os textos em que aparecem, já, alguns
critérios de interpretação da Bíblia.

Em primeiro lugar, o Pr. Claudionor de Andrade, lembra os ensinos de Hank


Hanegraaff, que criou um acróstico com a palavra inglesa lights para
mostrar como as Escrituras devem ser interpretadas. Vejamos como ficam
57.No ano de 2021 a CPAD as regras básicas, quando vertidas para nosso idioma:
publicou a Bíblia com
comentários de Antonio L – Interpretação Literal
Gilberto. A partir da página I – Iluminação Espiritual
2431 temos um resumo de
nossa Declaração de Fé. G – Princípios Gramaticais
H – Contexto Histórico
58. Para uma melhor T – Ensino Teológico
explicação, remetemos à S – Simetria Bíblica (Grifo nosso).
obra de SILVA, Antonio
Gilberto da. [editor geral]
Teologia Sistemática Observe que as letras destacadas formam a palavra lights. Depois o escritor
Pentecostal. Rio de Janeiro: expande e explica com detalhes cada uma dessas afirmações.⁵⁸
CPAD, 2011, p. 45, 46.
Em segundo lugar, a Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil, no
59. SOARES, Esequias (Org).
Op. Cit., p. 29. mesmo capítulo Sobre as Sagradas Escrituras, afirma que nós “a
interpretamos sob a orientação do Espírito Santo, observando as regras
gramaticais e o contexto histórico e literário” (Rm 8.14).⁵⁹

22
A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus 3
TERCEIRO
MÓDULO

Observe que essa afirmação condiz com a asseveração anterior de que os


escritores “viveram numa região e numa época da história”, “cuja cultura
influenciou na composição do texto”. Ora, se a cultura, a geografia e a
própria ocasião histórica exerceram influência na redação dos textos, fica
fácil compreender a necessidade de uma ampla compreensão desse
contexto histórico e literário, a fim de chegar à correta interpretação das
Escrituras. Isso se dá sob a orientação do Espírito Santo, mas não dispensa o
uso das ferramentas hermenêuticas.

Considerações finais

Ao rastrearmos a história da recepção, transmissão e ensino da doutrina


das Sagradas Escrituras no Pentecostalismo Clássico, nas publicações em
língua portuguesa em nosso país, constatamos uma teologia sólida e que
vai na esteira da grande tradição da Igreja Cristã.

O autêntico Pentecostalismo prossegue afirmando as doutrinas da


Revelação Geral e Especial. Cremos que a Bíblia é a única revelação escrita
dada por Deus para toda a humanidade. Os textos das Sagradas Escrituras
têm sido preservados ao longo de milênios.

No que diz respeito à inspiração, continuamos a afirmar que se trata do


registro da revelação de Deus sob a influência do Espírito Santo. Todos os 66
livros da Bíblia são inspirados. Não existe um livro mais inspirado e outro
menos inspirado; um texto mais inspirado e outro menos inspirado; uma
palavra mais inspirada e outra menos inspirada. Assim, reafirmamos a
inspiração plenária e verbal das Escrituras, a Palavra de Deus. No que diz
respeito à inspiração verbal, esta não exclui o fato de que o tipo de
linguagem, o estilo e o vocabulário, são diversos em função de que cada
escritor recebeu influência do ambiente histórico/cultural em que estava
inserido. Mesmo assim, por inspiração verbal, entendemos que cada
palavra foi inspirada pelo Espírito Santo (1 Co 2.13).

Nós, pentecostais, temos a Bíblia como nossa única regra de fé e conduta.


Tudo aquilo que ensinamos, o modo como vivemos, recebe sua
fundamentação nas Sagradas Escrituras e a elas devem respeito. Elas são a
autoridade máxima de nossas crenças e práticas.

Ao interpretarmos os textos bíblicos, o fazemos totalmente na


dependência do Espírito Santo, mas não preterimos de uma boa
hermenêutica que busca o reconhecimento histórico-cultural-linguístico
de cada autor inspirado. As Escrituras devem ser interpretadas com a
máxima reverência e cuidado, buscando sempre o sentido pretendido pelo
autor.

23
3 A Bíblia, a interpretação e a
Revelação de Deus
TERCEIRO
MÓDULO
REFERÊNCIAS

BERGSTÉN, Eurico. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

CABRAL, Elienai. Movimento Pentecostal: as doutrinas da nossa fé. Rio


de Janeiro: CPAD, 2019.

GOULD, J. Glen. In Comentário Bíblico Beacon. Gálatas a Filemon – 9. Rio


de Janeiro: CPAD, 2015.

HORTON, Stanley M. (Editor). Teologia Sistemática: uma Perspectiva


Pentecostal. Rio de Janeiro, CPAD.

LOUW Johannes; NIDA Eugene. Léxico Grego-Português do Novo


Testamento baseado em domínios semânticos. Barueri, SP: Sociedade
Bíblica do Brasil, 2013.

MENZIES, William W. HORTON, Stanley M. Doutrinas bíblicas: os


fundamentos da nossa fé. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, SP: Sociedade


Bíblica do Brasil, 2004.

OLIVEIRA, Raimundo Ferreira de. As grandes doutrinas da Bíblia. Rio de


Janeiro: CPAD, 1987.

O NOVO TESTAMENTO GREGO. ALAND, Barbara; ALAND, Kurt;


KARAVIDOPOULOS, Johannes; MARTINI, Carlo M.; METZGER, Bruce M.
Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

PEARLMAN, Myer. Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. São Paulo: Editora


Vida, 2006.

RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento


grego. São Paulo: Vida Nova, 1995.

SILVA, Antonio Gilberto da. A Bíblia através dos séculos. 35ª. impressão.
Rio de Janeiro: CPAD, 2020.

SILVA, Antonio Gilberto da. [editor geral] Teologia Sistemática


Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.

SILVA, Antonio Gilberto da. Bíblia com comentários de Antonio Gilberto.


1ª. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

SOARES, Esequias (Org). Declaração de Fé das Assembleias de Deus no


Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.

VINCENT, Marvin R. Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento.


Volume I. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
24
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