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EQUIPAMENTOS NÃO-INSTITUCIONALIZADOS

ABERTURA

O espaço, o lugar, o território, a paisagem: uma visão humanista


(p.81-89 do documento Gênero, Trabalho e Migração)
Celso Antônio Spaggiari Souza

A intenção aqui, é fazer uma aproximação aos conceitos da geografia humanista de


espaço, lugar, território e paisagem, na tentativa de se compreender a realidade do
nosso trabalho.

Tem se visto a utilização pejorativa destes termos, o que compromete os seus


melhores significados. O conceito de território “foi tão usado, abusado, forçado e
estendido, que parece ter se esvaziado” e precisa ser “trazido a sua dimensão justa”.

Devemos entender que o espaço natural também é humano, demasiadamente


humano. Ele não se resume apenas à materialidade. Ele “é formado por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se
dá”. A incorporação da perspectiva da Cultura na interpretação dos espaços é uma
mudança de paradigma que faz surgir a Geografia Cultural ou Humanista, e buscar
compreender as relações entre as pessoas, seus comportamentos, ideias e
sentimentos na relação com o espaço. Com este novo olhar, identificamos outras
leituras mais apropriadas de “movimentos sociais, grupos sociais excluídos,
manifestações culturais, tribos urbanas e tantos outros sujeitos sociais” de nosso
tempo. De fato, o reconhecimento da ação humana no espaço físico amplia
imensamente o poder de compreensão do território instaurando uma “militância de
resistência.

É preciso ter em mente que, ao se referir a lugar, território e paisagem está se


referindo sempre a espaço. Espaço é o conceito mais amplo de todos: o espaço pode
conter o lugar, o território, a paisagem. “O espaço não é apenas um contêiner ou uma
ocupação, ele precisa ser pensado e investigado como condição e resultado de
processos sociais”. Existe história ali, existe movimento, construção e destruição.
Assim também ocorre com o conceito de território. Então, se o espaço contém o
território, por que e quando ele se transforma em território?

Território é ação: articula a materialidade e sujeitos sociais. Território existe porque


existe coexistência da diversidade num mesmo lugar, o que demanda negociação,
diálogos, conflitos e demarcação de pedaços de lugares. O sentido de território está no
‘campo de forças’, nas negociações, que desenham limites e alteridades, nas disputas
por uma mesma materialidade, articulada pelas suas ações e práticas que acontecem
ali. Para se constituir um território, as forças e a materialidade, como recurso, devem
ter vigor suficiente para imprimir neste espaço suas diferenças e impor sua presença,
em detrimento de outras forças espaciais concorrentes.
Um mesmo lugar pode ser palco de diferentes formações espaciais porque as ações
sobre ele variam segundo a classe social, as forças econômicas e sociais, o gênero, a
etnia, a geração, as diferentes intensidades da presença do Estado. Por isso podem se
erigir territórios, em lugares onde identidade e diferenças de interesses dos sujeitos
que interagem neste espaço se confrontam em práticas coletivas demarcadoras de
alteridade, projeção e visibilidade impondo sua primazia e domínio. Só assim, as forças
constitutivas do lugar, pode emergir com0 território.
A constituição de um território pressupõe, então, um domínio espacial em que vigora
um modo de organização das relações sociais e de apropriação da materialidade que
se impõe entre outros projetos em disputas. Portanto, o território é um conceito
espacial inserido no campo da política. Nele, está em jogo do poder de forças em
disputas por hegemonia no espaço.
De certa forma, a conquista do conceito de território faz parte de uma reação à
ideologia da desterritorialização que a globalização faz crer que seja a característica
hegemônica da sociedade atual.

E o conceito de lugar? Quando um espaço se transforma em lugar?


Segundo Yi-fu Tuan, em seu Espaço e Lugar: a Perspectiva da Experiência,  traduzida
por Lívia de Oliveira: espaço e lugar resultam da experiência. Lugar advém de uma
experiência captada pelos sentidos, percebida e carregada de sentido e significação. O
espaço se filia à experiência mais relacionada à imaginação, à liberdade ao fugidio,
convidando a mente a preenchê-lo com substância e ilusão (Alguém aqui lembra de
algum programa que faz isso?). O lugar é a apropriação do espaço pela perspectiva
das pessoas que lhe dão significados. Por isso o lugar se funda na experiência e pela
aspiração das pessoas. É o espaço vivido. “Viver em um lugar é experienciá-lo, é estar
consciente dele.

Pra citar Carlos Drummond de Andrade:


Como é o lugar quando ninguém passa por ele? Existem as coisas, o apartamento
desabitado, a pinça esquecida na gaveta, as árvores à noite, a formiga sob a terra
Que fazem? Que são as coisas não testadas como coisas? Estrela não pensada?
Palavra rascunhada no papel que nunca ninguém leu? Existe a concretude das coisas?
Falácia de olhar enganador? Da mão que brinca de pegar o não e pegando, concede-
lhe a ilusão da forma, a ilusão do sentido?

O conceito de espaço, aqui, deve ser entendido como a construção resultante das
relações que, por serem construídas, guardam a força da modificação, da
reconstrução, da desconstrução: o espaço nunca é permanente. Seu ordenamento é
provisório. Fundado num tempo passado, representa no tempo presente. O que
significa dizer que sua construção é essencialmente conflituosa.

Existe um determinante relacional na constituição do espaço. Não existe o espaço em


si, o lugar em si, o território em si. Por mais que os termos revelem uma materialidade
física, concreta e real, eles somente se constituem na relação com experiências sociais.
O lugar existe porque é construído pela ação da experiência humana sobre o espaço.
Por isso, “o lugar tem espírito e personalidade. Espírito, porque carrega emoções que
têm sentido para quem o ocupa. Personalidade, porque os lugares são o contexto
físico e as modificações forjadas pelas pessoas que ali vivem”. O lugar ganha
significado pela experiência direta e é percebido pelos sentidos humanos e o espaço,
pela experiência exercitada pela imaginação (Alguém conhece um programa que faz
isso?). “quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”.
“O lugar é segurança, e o espaço é liberdade: estamos ligados ao primeiro e desejamos
o outro”. Os sentidos humanos espacializam o mundo, apontam sua capacidade de
geometrizá-lo: “a visão, a cinestesia, o tato indicam a noção de espaço; o olfato, o
paladar, a audição estão associados ao sentido de lugar porque envolvem e o torna
familiar, conhecido”.
No lugar advém o viver, o trabalho, o entretenimento, o prazer, o afeto, o sofrimento,
o morar, todos os eventos da vida. Por ser referência de significados compartilhados
pela experiência humana, o conceito de lugar, pode ser ferramenta útil à compreensão
das singularidades de pessoas, dos grupos, das comunidades.
Em um esforço de síntese, com o propósito de relacionar os conceitos espaço, lugar e
território, podemos dizer:
Entre espaço e território, há o lugar, como conceito intermediário. Espaço como
categoria mais ampla, lugar como conceito mais empírico, que permite particularizar a
pesquisa, a experimentação artística, tornando-o apreensível ao sujeito do
conhecimento. Território como o conceito que nos permitirá apreender o espaço, no
lugar, pelo estudo de certos tipos de ações e práticas dos sujeitos sociais, em
negociação com outros sujeitos, com os quais são obrigados a coexistir.

E pra falar de paisagem trago Drummond, novamente.


PAISAGEM: COMO SE FAZ?
A paisagem existe? Existe e não existe.
Tudo é mais tarde. Vinte anos depois, talvez.
Por enquanto o ver não vê; o ver recolhe restos de horizonte, e nem percebe que os
recolhe para um dia tecer tapeçarias que são fotografias de impercebida terra visitada.
Alguém pergunta ao lado: O que há com você?
E não há nada. Quando as coisas existem com violência mais do que existimos: nos
povoam e nos olham. Contemplados e submissos, somos a paisagem da paisagem.

A paisagem não é um espaço que está no mundo, independente do olhar e sentimento


de quem observa. A paisagem incorpora ao natural uma construção da mente,
carregada de sentimentos. “qualquer paisagem é composta não apenas por aquilo que
está à frente dos nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em nossas
mentes”. Por esta acepção, paisagem contempla a infinidade de variações entre
natureza e cultura. Paisagem é mais que observação e experiência porque demanda
construção mental para construí-la:
A paisagem é mais que natureza superposta pelas expressões materiais da vida
humana. Ela significa para nós mais do que a soma de fatos, porque além da
apreciação, transferimos à paisagem conteúdos psicológicos, religiosos, estéticos e
morais.
É preciso pensar sempre o espaço, o lugar, o território, a paisagem. E depois nos
perguntarmos: ONDE faz sentido estar? O QUE faz sentido fazer?

Texto complementar Semana de Formação:


Equipamentos não-institucionalizados e acessibilidades

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