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1928

Era tarde demais para decidir se viveria ou morreria, seu corpo estava gélido com o vento o
pressionando para baixo. Amélia caia em câmera lenta em direção ao chão. Os moradores
chegaram para observar os movimentos parados no tempo que eram os braços da jovem, seus
familiares estavam aos prantos se perguntando o que tinham feito de errado. A dor antecipada
da queda lhes passou após semanas, em que o corpo da jovem ainda continuara a cair, tão
devagar e lento que as moscas cansaram de esperar pelo que seria sua refeição, os vermes
tinham mais outros a comer do que aquele corpo, que se negava a cair de vez e acabar com o
próprio sofrimento feito por ele mesmo. A família já não sentia dor, a vergonha se penetrou
sobre seus rostos, vergonha vermelha e marrom pintada como um quadro pelos sussurros que
os moradores faziam. Vinte quatro semanas e o corpo já tinha se deslocado fatidicamente em
direção ao chão, mas a sua volta agora só havia marcas de casas ao chão. Os moradores da vila
receosos de viver sobre a imagem de algo tão grotesco quanto um morto que ainda não se
decidia sobre continuar ou não a viver pegaram o pouco que tinham e se foram. Amélia
continuava ali, dessa vez só o vento era sua companhia. Era possível até mesmo ver as rochas
se embrenhando para que pudessem tocar em suas costas e pegar o corpo que lhes devia ter
sido a tempos, mas talvez o invisível decida que ainda faltava algo. Até que quando o
momento estava prestes a vir, uma rosa lilás cresceu embaixo do corpo de Amélia, não era a
mais linda, mas sim a mais simples. Suas cores não eram notáveis, nem mesmo seu formato –
este parecia já ter sido visto em becos e valões – mas sua forma era demasiada insignificante
perante o que sentia. Um embrenhado de células vegetais se apaixonará por um grande
pedaço de carne que viria a esmagar. Os dias estavam passando iguais a todos os outros, mas
para a rosa estavam rápido demais. Em momentos como esse recitava poemas ao que seria o
seu destino fatídico. ‘’Meu amor, o meu amor, que um dia me esmagará. Já é agora inegável
fato. Estou apaixonada por ti, mas algo em mim também me diz, me diz que não devia. Não
devia me apaixonar pela morte’’. Não sabia quais seriam as prosas de Amelia ou se quer quais
seriam suas ideias, a sua única visão era o rosto conformado em seu fim. Como poderia se
apaixonar por algo assim? Viver em destinos tão diferentes que assim que se chocassem se
destruiriam completamente? Essas questões eram as únicas que ocupavam outro espectador
além de você, caro leitor. Tais eram eles de uma borboleta que por um acaso viu a rosa, mas
não sentia o menor interesse em chegar perto demais, de algo tão complicado e estranho
como era esse amor, mas como seu tempo tinha intervalos desocupados; resolveu observar
até o fim dessa história, que era obvio a ela. 16:09 se deu o desfecho, o ápice, o estrondo que
ninguém a volta sabia se quer da existência do roteiro. O corpo intacto como se fosse seu
primeiro dia quando como pulou, caiu. Desabou sobre a flor que não aguardava que fosse em
um momento tão simples sob um dia com nuvens felizes e um sol escondido, como se
estivesse ocupado demais para se importar com quaisquer um abaixo. O corpo caiu, e a flor
em um vislumbre de dor interminável pode cumprir seu único desejo desde que soube qual
seria o destino de suas raízes. ‘’Um beijo é o que separa a razão da dissociação de estar.’’
Apenas isso que pode dizer em sua, pois seus lábios estavam ocupados demais sentindo o peso
e o gosto de algo morto. Insalubre e desnorteável foi a visão da borboleta.

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