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As imagens sagradas que surgem imediatamente após as máscaras de abertura expressam os aspectos

temíveis das mães. Representam a essência de Gęlędę e constituem, conforme explicam os informantes,

o próprio “alicerce” (ìpilęsę) da sociedade. Tais máscaras possuem duas formas distintas, porém

conceitual e funcionalmente relacionadas. Dramatizam o lado espiritual da feminilidade em dois de seus

aspectos – uma mulher barbada, frequentemente denominada a Grande Mãe (Iyanla) e o Pássaro

Espírito (Ęyę Ọrọ).

A simplicidade, a audácia do motivo e a grande escala distinguem a máscara da Grande Mãe. Ela possui

duas partes: a cabeça e um comprido prolongamento abaixo do queixo. (…) A cabeça é hemisférica para

poder se encaixar na parte superior da cabeça e da testa do dançarino. Os traços são fortes, pesados,

claramente definidos. Olhos protuberantes dominam frequentemente o rosto, as cabeças são raspadas ou

simplesmente indicam a repartição dos cabelos, uma variedade de estilos de penteados ou, mais

dramaticamente, um proeminente tufo de cabelo coroa o centro da cabeça. Os únicos outros motivos são
uma serpente rodeando a cabeça ou um pássaro empoleirado no alto.

(…) Aquela parte que se projeta do queixo da Grande Mãe é identificada explicitamente como uma

barba (irungbǫn). Uma barba define uma pessoa mais velha, com todas as conotações de conhecimento

e sabedoria que semelhante status implica. No entanto, no reino feminino, a barba assume significados

adicionais, pois, por definição, uma mulher barbada possui extraordinário poder espiritual. As barbas

que se vêem em outras esculturas iorubá são muito menores e, algumas vezes, escurecidas. O exagero e

o alongamento da barba da mãe enfatizam sua extraordinária natureza, pois a barba em uma mulher

“não será como a de um homem”. O comprimento da barba implica em longevidade e em status de

mando. Um elemento adicional, a alvura da barba, enfatiza tais qualidades, pois os Iorubá afirmam:

(…) “a velhice (a sabedoria) é mostrada por cabelos brancos, a maturidade é mostrada por uma barba”.

A barba também sugere o poder de transformação das mães. Um devoto de uma divindade iorubá

observou: “Se você vir qualquer mulher com barba no queixo, ela “é aquela que possui dois corpos”. De

dia você a verá de um jeito, à meia-noite ela se transformará em outra coisa.”

Outro ícone associado à mãe barbada sugere ou retrata transformações. (…) Um escultor descreveu uma

referência mais explícita à transformação, na qual um pássaro estava em cima da cabeça da máscara de

uma mãe barbada. Os pássaros (…) constituem um símbolo comum das mães em um estado

transformado. (…) Outro escultor afirmou: “à meia-noite, quando os tambores estão tocando, a máscara

pode transformar-se num pássaro”.

As mães-pássaro, assim como as mães barbadas, são temíveis em sua ousada simplicidade. Predomina a

alvura do traje e da máscara. Um bico comprido, pontiagudo, projeta-se da cabeça, com seus olhos

pequenos. O aspecto letal do bico é realçado pela ponta, vermelha como sangue, e recorda “aquela que

faz barulho à meia-noite, que come da cabeça até os pés… o fígado e o coração”. Essas imagens

esculpidas muito se assemelham às descrições das mães transformadas em pássaros noturnos.

Outras características enfatizam a liminaridade da imagem da mãe-pássaro. (…) De acordo com a

crença iorubá, a concentração da força vital nas mulheres cria um potencial extraordinário, que pode se

manifestar de modo positivo e negativo. Termos como oloju meji, “alguém com dois rostos”, abaara
meji, “alguém com dois corpos”, aláàwò meji, “alguém de duas cores”, expressa com justeza essa

dualidade e alude aos supostos poderes de mutação atribuídos a certas mulheres, que lhes permite se

transformarem em criaturas noturnas tais como morcegos, cobras, ratos e especialmente pássaros.

O termo iorubá para esses poderes especiais e para uma mulher que os possui é àję, que tem sido

traduzido como “feitiçaria” ou “feiticeira”. Ulli Beier (1958:6), entretanto, argumenta que o termo

inglês “feiticeira” não é uma tradução muito precisa de àję, pois àję “representa antes os poderes

místicos da feminilidade em seu aspecto mais perigoso e destrutivo”. Qualquer mulher mais idosa, posto

que sua longevidade implica um conhecimento e um poder secretos, pode ser vista como uma àję , como

são todas aquelas que detêm importantes títulos no culto das divindades e ancestrais. O sentimento é

que, a fim de desempenhar apropriadamente seu papel, ela precisa possuir tal poder.

Essas mulheres e sacerdotisas idosas não são consideradas anti-sociais ou a personificação do mal. Na

realidade formam um importante segmento da população de qualquer localidade e tendem a ser objeto

de muito respeito e afeto. Devido a seu poder especial, têm maior acesso às divindades iorubá.

(…) Quando encolerizadas, as mães operam subrepticiamente, a fim de buscar e destruir suas vítimas.

Acredita-se que seus ataques resultem em partos de natimortos e males tais como elefantíase,

impotência, infertilidade, falsa gravidez ou doenças debilitantes, ataques que destroem lentamente a

vítima sem sinais exteriores. A inescrutabilidade das mães e seus mistérios intensificam seu poder nas

mentes dos homens.

Contrariamente às imagens dos homens que expressam agressão declarada, em temas como a guerra e a

caça, as imagens femininas expressam temas de secretividade e ocultamento. Disfarçadas de pássaros,

as mães operam à noite, numa cidade ou no campo.(…) Mulheres mais velhas, que já passaram pela

menopausa, são aquelas que mais provavelmente possuem este poder, não apenas devido a seu caráter

equilibrado, secretivo, oculto, mas também porque elas retêm o sangue que possui axé, força vital.

(…) A simplicidade iconográfica das máscaras e o segredo que as rodeia, durante o espetáculo e nos

assentamentos, são expressão da prática de revestir os objetos com força vital. Depois que tais máscaras

são esculpidas, os mais velhos aplicam nelas certas substâncias invisíveis ou “remédio”. A infusão de
substâncias que possuem axé, mais a invocação, ativam a máscara e garantem sua eficácia. A

concentração dessas substâncias em um objeto ou no assentamento da divindade constitui o poder e a

essência dessa divindade. Conforme nos foi explicado, “Ela (a máscara da mãe) não pode sair sem

remédio. É por isto que elas não gostam que as pessoas fiquem perto delas”. Acredita-se que o poder

irradiador do remédio cause amenorréia, infertilidade, insanidade ou cegueira. Os mesmos remédios

permitem àquela máscara servir de guardiã da comunidade, afastando as forças destrutivas, pois “ela é a

guardiã noturna da cidade”.

(…) A escala é outro traço significativo da máscara da mãe. O tamanho distingue a máscara da mãe do

resto das máscaras Gęlędę e sugere os temíveis poderes da mãe. A escala da máscara enfatiza a cabeça

interior, a fonte do poder oculto da mulher. A proeminência da testa relembra descrições de possessão,

nas quais a cabeça “incha” devido à presença espiritual. Esta ênfase no tamanho é uma expressão do

temor por algo que não pode ser contido, limitado, um poder que é onipotente.

(…) O ocultamento é outro tema dominante no espetáculo, nos assentamentos e na iconografia das Mães

Barbadas e das Mães-Pássaro. O que mais chama a atenção é o fato de que seu impacto sobre o

espetáculo depende mais daquilo que não é visto do que daquilo que se vê. O Pássaro Espírito, com seu

temível bico da cor do sangue e a Mãe Barbada circulam pelo mercado, rodeados pelos membros da

comunidade, antes de desaparecerem na escuridão. Essas aparições noturnas enfatizam a secretividade e

o ocultamento, propriedades que caracterizam a força vital das mulheres e sua essência espiritual ou

“cabeça interior”, bem como o potencial mais destrutivo das mães.

No assentamento, as imagens enroladas em panos ou com véus mantêm uma aura de mistério.

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