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Acorde Tem Um Estranho
Acorde Tem Um Estranho
Victor Lisboa
Mente e atitude
O Experimento Bargh
O modo como você anda, o quão persistente você é, qual seu nível de egoísmo e até
mesmo o que você comprará no supermercado: sinto muito, mas quem decide essas
coisas banais e outras tantas mais importantes não é você.
Por incrível que pareça, os voluntários do grupo com palavras associadas à velhice
caminhavam mais lentamente que os do outro grupo, como se fossem idosos.
Posteriormente, todos os voluntários disseram não ter percebido as palavras
relacionadas à velhice e tampouco notado algo de pouco natural no seu próprio jeito de
caminhar.
O teste foi repetido várias vezes, com rigor científico, e o resultado foi sempre o
mesmo.
Até então, a ideia de que mensagens subliminares (no sentido de informações apenas
percebidas pelo inconsciente de alguém) fossem capazes de realmente orientar o
comportamento humano era uma espécie de “lenda urbana” da psicologia. Mas, a partir
do experimento de Bargh, novas experiências foram desenvolvidas para apurar a
extensão desse efeito de mensagens associativas no comportamento humano mais
básico.
Em 2006, uma equipe de psicólogos publicou os resultados de um experimento
chamado The Psychological Consequences of Money ("As Consequências Psicológicas
do Dinheiro"). Essencialmente, se tratava de um experimento semelhante ao de John
Barg, mas com palavras e símbolos relacionados ao dinheiro, que os participantes
não percebiam, mas eram repassadas ao seu inconsciente.
Todas essas pesquisas demonstram, de forma sólida e objetiva, que o pilar central das
teorias psicológicas tradicionais realmente existe. Não se trata de uma pressuposição
abstrata, sem fundamento: o inconsciente, aqui entendido como uma parte de nossa
psique que escapa ao controle da nossa consciência, tem o poder de, frequentemente,
dar a última palavra em relação ao nosso comportamento.
Acorde.
Para ele, estamos sempre adormecidos, seja durante o sono noturno, seja com os
olhos abertos ao longo do dia, ocasião em que nos iludimos de que estamos
totalmente despertos.
Para entendermos o que ele quer dizer, precisamos compreender alguns aspectos
elementares dos sonhos. Quando dormimos à noite, ficamos apenas parcialmente e não
completamente isolados do mundo externo, sem perceber o que ocorre lá fora. Afinal,
fechamos nossos olhos para dormir, mas não nossos ouvidos e os demais sentidos de
nosso corpo.
Então, às vezes, percepções do mundo real vazam para dentro de nossos sonhos, e nós
incorporamos esses estímulos ao que sonhamos no momento. Todos nós já passamos
por esse tipo de experiência. Às vezes, sentimos sede e sonhamos que estamos bebendo
água. Dentro de nosso sonho um carro buzina, um telefone toca ou alguém nos chama
pelo nome, e logo em seguida despertamos para descobrir que no mundo real um carro
estava mesmo buzinando, nosso celular realmente tocava ou alguém de fato tentava nos
despertar.
Isso ainda acontece quando estamos supostamente acordados, pois em certo sentido
ainda continuamos a sonhar, e quem sonha de olhos abertos é alguém chamado “Ego”.
E o ego sonha porque tende a organizar todas experiências do mundo em torno de si,
como se tudo o que ocorresse tivesse ele, direta ou indiretamente, como protagonista,
como personagem central para o qual todas as coisas, todos os eventos, convergem.
Assim, a única diferença entre estar dormindo e estar acordado seria apenas do grau de
profundidade do ato de sonhar realizado pelo Ego. Isso porque os sonhos são formados
por fragmentos de estímulos do mundo lá fora e por elementos que estão em nosso
inconsciente. Há, por assim dizer, uma mistura de realidade e de subjetividade.
Durante o dia, a quantidade de percepções do mundo lá fora que vazam para esse nosso
"sonho" é muito maior, e o Ego se encarrega de ajustar todos esses estímulos exteriores
para formar uma narrativa coerente que confundimos com a realidade, mas que não
passa de algo imaginado - pois, no centro da narrativa, nós somos os protagonistas e a
verdade é que o mundo existe, as pessoas vivem e as coisas acontecem
independentemente de nossa existência.
Porém, para Gurdjieff, não percebemos os estímulos externos tais como são, mas os
selecionamos e os interpretamos conforme nossa perspectiva de Ego que está em parte
acordado e em parte sonhando.
Para explicar esse processo, há um conceito muito útil formulado pela psicologia. Trata-
se do fenômeno da projeção. Assim como um antigo projetor de cinema projeta na tela
branca cenas de um filme, da mesma forma nosso Ego projeta nos acontecimentos
suposições e circunstâncias que não são reais, mas que correspondem, de forma por
vezes simbólica, ao que está dentro de nós e que somos incapazes de reconhecer
conscientemente.
Esse é o motivo pelo qual, muitas vezes, um pequeno incidente no trânsito acaba em
violência desproporcional. Também é a razão pela qual uma rivalidade entre torcidas de
futebol pode ser a dar lugar a um homicídio, ou um pequeno desentendimento entre
familiares ou amigos pode resultar num grande desentendimento, com todos magoados
de forma incompreensível.
Matar por um time, agredir por causa de um pedaço de metal motorizado ou magoar-se
por um incidente minúsculo: fatos insignificantes que resultam em grandes tragédias. É
que, envolvendo os fugazes e pouco relevantes eventos da vida real, há camadas e
camadas de projeções resultantes de nosso estado semidesperto.
Nesses casos e em muitos outros, quem discute, agride ou se magoa não está realmente
enxergando o outro ser humano na sua frente, mas uma mistura da outra pessoa com
uma projeção de algo que existe apenas na sua cabeça. Porém, como sonhamos
acordados, julgamos ter existência concreta coisas que estão apenas em nossa mente. É
assim que nosso Ego mantém uma narrativa coerente, mas falseada, sobre sua
importância no mundo.
Mas se a diferença entre nosso sonho noturno e nosso sonho diurno está apenas no grau
em que os estímulos internos vazam para nosso sono, há algum modo de realmente
despertar?
E como despertar?
Essa, curiosamente, era a visão que outro maluco beleza, Wilhelm Reich, tinha sobre a
personalidade de Jesus Cristo. Para Reich, não se tratava do "filho de Deus", e
tampouco de um alienígena ou ser de alguma forma espiritualmente distinto dos
outros humanos. Ele teria sido apenas um homem que despertou mais do que seus
contemporâneos, e seu assassinato não começou no momento da crucificação, mas
quando seus discípulos passaram a tratá-lo como uma espécie de divindade,
deturpando suas palavras.
Mas ainda não chegamos ao que importa: há algum modo de não sonharmos mais?
Porém, um dos segredos da vida que nos poupa de sofrimento desnecessário é não
exigir de si um desempenho de perfeição a 100%. Admitir que a natureza humana é
falha e que graus menores de sucesso, atingíveis sem o sacrifício de nossas relações
humanas, são possíveis, é a atitude mais recomendável.
É por isso que se começarmos com uma compreensão de que qualquer pequeno
despertar diário, por menor que seja, já é uma vitória, estamos no caminho certo.
Seremos capazes de nos desculpar e compreender quando nos apanharmos
dormindo diante de uma situação, projetando no mundo real o que é “sonho" de
nossa mente, e seguiremos um trajeto suave, sem atritos e obsessões, para um
caminho de melhor qualidade de vida.
E qualidade de vida é uma palavra importante, pois deixa claro que, nesse tópico, o
fundamental é ser prático e não filosófico. Não queremos chegar a um estágio de
superioridade metafísica - queremos é viver bem e reduzir o sofrimento dos seres ao
nosso redor. Isso porque ainda não respondemos claramente como chegar a um maior
despertar.
Ocorre que a segunda atitude mental saudável é não se deixar prender a qualquer
filosofia ou doutrina específica que nos sirva como forma de despertar. Pois ao
lado do risco da "obsessão", também há o risco de "fanatização" com uma das
variadas doutrinas e técnicas que podem nos fornecer para deixarmos de dormir
acordados.
Porque há, sim, vários métodos capazes de servir como via para um maior
despertar. O grande truque é considerarmos todos esses métodos e doutrinas como
instrumentos, úteis dentro de determinados limites e contextos, e não como
verdades absolutas que trazem a panaceia para nossa situação.
Dito isso, uma das práticas mais antigas e eficientes para começar a trilhar o
caminho de um maior despertar é a meditação. Por assim dizer, a ela é uma
"tecnologia de despertar" desenvolvida no Oriente. Há, na verdade, vários tipos de
meditação, e a experiência de cada uma delas é tão particular que é como se fosse
uma roupa que se ajusta à cada pessoa conforme suas particularidades. Mas todas
induzem, de uma forma ou de outra, nossa mente a ficar mais atenta aos seus
processos internos e à relação com o mundo externo.
Um mundo com pessoas mais despertas é um mundo de pessoas mais amorosas em suas
relações e mais responsáveis em seus atos. Quem acordou um pouco mais do
sonambulismo diário é capaz de ter a abertura necessária para construir uma sociedade
realmente evoluída, em que o centro de nossas decisões não é o ego, mas o bem estar
coletivo.
Fazemos, por fim, amizade com o desconhecido que há em nós e que comanda nossas
vidas. Trazemos ele à luz, reconhecemos os seus objetivos confusos, medos ocultos e
desejos inconfessos. E ele se torna menos manipulável, menos cego em seus passos. Na
verdade, ocorre a fusão entre nós e uma parte de nosso ser que ignoramos. Por fim,
abrimos nossos olhos um pouco mais, pois eles estão fechados neste exato momento, e
sonhamos sem perceber.
Portanto, despertemos.