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TECNOSCOPIA:
a necessidade de “ver” e “ser visto” na contemporaneidade e sua implicação nas
artes visuais
TECHNOSCOPY:
the necessity to “see” and “be seen” in contemporary times and its implication in the
visual arts
CAMPINAS
2018
ALDO LUÍS PEDROSA DA SILVA
TECNOSCOPIA:
a necessidade de “ver” e “ser visto” na contemporaneidade e sua implicação nas
artes visuais
TECHNOSCOPY:
the necessity to “see” and “be seen” in contemporary times and its implication in the
visual arts
CAMPINAS
2018
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180
Título em outro idioma: Technoscopy : the necessity to "see" and "be seen" in the
contemporary times and its implication in the visual arts
Palavras-chave em inglês:
Voyeurism
Exhibitionism
Electronic surveillance
Art and technology
Contemporary art
Área de concentração: Artes Visuais
Titulação: Doutor em Artes Visuais
Banca examinadora:
José Eduardo Ribeiro de Paiva [Orientador]
Edson do Prado Pfutzenreuter
Sérgio Niculitcheff
João Carlos Massarolo
João Henrique Lodi Agreli
Data de defesa: 15-01-2018
Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO
MEMBROS:
Entitled “Technoscopy: the necessity to ‘see’ and ‘be seen’ in contemporary times and
its implication in the visual arts”, the present thesis is conducted in the line of research
“Multimedia and Art” during the period from 2013 to 2017, on the scope of Doctorate in
Visual Arts of Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), state of São Paulo,
Brazil, under the guidance of Professor José Eduardo Ribeiro de Paiva. This study has
as main object the technoscopy, terminology created here with the purpose of dealing
with voyeurism, exhibitionism and surveillance in the contemporaneity, made through
technological mediation. It is noted that there is a necessity to “see” and “be seen”
nowadays, mainly due to the omnipresence of electronic-digital machines connected in
a network in the routines of people around the world. Starting there, a global state of
affairs emerges from complex multidisciplinary relationships that embrace different
knowledge areas, such as: psychology, psychoanalysis, sociology, philosophy,
economics, politics, communication theory, advertising, entertainment, art etc. Among
them, art is primordial for the understanding and the confrontation of such questions. In
accordance to that, the thesis will discuss the three vertices of contemporary
technoscopy at a first moment to confront them after that with significant visual artistic
poetics in the meantime. This work is a continuation of the academic research that
begun in the Masters in Arts held at Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas
Gerais, Brazil, from 2010 to 2012, with the guidance of Professor Beatriz Basile da
Silva Rauscher.
INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………….………… 10
4.6. MAGIC MIRROR ON THE WEB | TCP#06 (TECNOSCOPIA 06) ……………….….. 354
INTRODUÇÃO
papel da cultura visual e das artes visuais nesse âmbito? Essas questões,
diretamente ligadas às recentes transformações do capitalismo, se originaram do
sistema econômico vigente ou, em contrapartida, tratam de mudanças psicossociais
que impactaram diretamente o consumo e a indústria cultural? Para onde tudo isso
aponta? Qual é o futuro? Todas indagações são dignas de reflexão e se colocam
como uma tendência acadêmica e cultural de crítica e análise, o que comprova a
contemporaneidade e a importância de tais discussões.
Um dos primeiros pontos de embate no início da pesquisa de doutorado se
refere à definição da correta metodologia de abordagem dos três conceitos.
Coincidentemente, esta investigação se iniciou em agosto de 2013, enquanto
“explodia” o escândalo da vigilância global americana, no qual o ex-consultor da
National Security Agency (NSA, Agência de Segurança Nacional dos Estados
Unidos), Edward Snowden, expôs as táticas e ferramentas de vigilância pelas quais
o governo americano mantinha nações de todo o mundo sob vigília. Dentre várias
tecnologias e métodos diversos da NSA, havia o polêmico uso de informações
apropriadas diretamente dos maiores serviços digitais da atualidade: Google,
Microsoft, Yahoo, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple – isso
explicitava, de maneira prática, a intrínseca correlação abordada no mestrado entre
voyeurismo e vigilância (escopofilia e panoptismo). No entanto, ela também
apontava uma potencialização das questões antes discutidas e trazia, em
consequência, novos desdobramentos e problemas metodológicos a serem
solucionados.
O primeiro (e principal problema) se referia à forma de tratamento de ambos
os conceitos. No mestrado, eles foram separados e categorizados, ou seja, em
alguns momentos se apontava determinada prática ou produto como voyeurista,
enquanto outros eram vistos como vigilantes. Claro que as inter-relações entre eles
eram exaltadas a todo o momento, mas, para além disso, há uma indissociabilidade
entre ambas. Outra questão se relacionava ao tratamento do exibicionismo como um
item significativo nesse contexto, por meio do qual se instaura um “olhar voyeurista”
e, consequentemente, ele permite que a vigilância delatada por Snowden se
instaure, dado que as informações que nutrem a vigilância global são “publicadas”
de modo consensual pelos sujeitos que explicitam sua intimidade de maneira
inerentemente exibicionista. Isso ocorre ao passo que os “voyeurs de plantão”
13
1 Por esse motivo, a palavra voyeur, assim como as expressões derivadas dela, não serão
apresentadas em itálico nesta tese. É importante frisar aqui que, seguindo esta lógica, todos os
termos estrangeiros que foram apropriadas pelos dicionários de português brasileiro também não
estarão em itálico no texto.
2 Peeping Tom surgiu em referência direta ao personagem homônimo descrito no famoso conto
anglo-saxão que relata o suposto fato em que a bela Lady Godiva (990-1067), esposa do Conde
Leofrico (968-1057), cavalgou nua pelas ruas da cidade em oposição aos altos impostos cobrados
pelo próprio marido aos cidadãos da cidade inglesa de Coventry – a nudez de Godiva foi a condição
de Leofrico para que as taxas fossem minimizadas. Durante a cavalgada, apenas um sujeito, de
nome Peeping Tom, ousou olhar para a mulher nua e, por isso, ele foi condenado à cegueira (em
algumas versões do conto, o personagem foi morto por esse fato).
19
Por sua vez, Carvalho (2011, p. 124) assevera que “[...] todos os instintos
orgânicos que atuam em nossa mente podem ser classificados como fome ou amor”,
em que há sempre uma “[...] ‘queda de braço’ entre os instintos de autoconservação
(fome) e os instintos sexuais (amor) pelo controle dos mesmos órgãos” (idem). Freud
(1996a, p. 79) já havia posto as relações existentes entre as pulsões sexual e de
nutrição, também se valendo da palavra “fome” para isso: “[...] falta à linguagem
vulgar (no caso da pulsão sexual) uma designação equivalente à palavra ‘fome’”.
O voyeurismo originalmente se apresenta como um meio para estabelecer a
relação sexual, pois o olho e o ato de olhar são fundamentais para a excitação.
4 Esse termo possui significado análogo ao voyeurismo e se apresenta como terminologia inerente à
área da psicologia clínica.
o indivíduo nunca executasse sua vontade parafílica. Para essa versão, as parafilias
eram caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes
e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e que causam
sofrimento significativo ou prejuízo social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo parafílico (APA, 2002). Já o DSM-5 se ocupa mais
com a concretização do comportamento do que com o desejo em si – que várias
pessoas têm mas não o concretizam.
Além do voyeurismo aqui analisado, o DSM-5 lista uma série de parafilias e
seus decorrentes transtornos, tais como:
7 Desviante é a relação comportamental entre sujeitos (na maioria dos casos, parceiros sexuais)
parafílicos e “normais”, ou entre pessoas com parafilias diferentes. No comportamento desviante,
ambos sujeitos conseguem conviver bem mesmo diante das diferenças.
8 Para que o texto seja mais fluido e inteligível, é utilizado apenas o termo voyeurismo em detrimento
aos conceitos de escopofilia ou mixoscopia. Os três vocábulos são similares conceitualmente e, para
não correr o risco de sobrecarregar o texto com diferentes conceitos que tratam das mesmas
questões, o voyeurismo foi eleito como o representante. No entanto, a palavra escopofilia é utilizada
em algumas expressões compostas, tais como: desejo escópico, sociedade escópica, pulsão
escópica, entre outras. É importante informar que o conceito criado no âmbito desta tese
(tecnoscopia) também é derivado diretamente de escopofilia.
26
!
Figura 1. “O Êxtase de Santa Teresa”, de Gian Lorenzo Bernini. Escultura em mármore. 1647-1652.
Fonte: <http://thiagof-amorim.blogspot.com.br/2012/12/o-extase-de-santa-teresa.html>. Acesso:
10/05/2017.
9O termo comorbidade refere-se a transtornos e parafilias que se relacionam com outros (transtornos
e parafilias), no momento em que eles atuam juntos, ou seja, quando um tipo de transtorno
acompanha outro já diagnosticado.
37
Em consonância com Adorno (1996), Debord (2003, p. 19; 21) expõe que a
alienação do espectador dos objetos de consumo ocorre à medida que o objeto é
contemplado de forma quase inconsciente:
[...] quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele
compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. [...] É
pelo princípio do fetichismo da mercadoria, a sociedade sendo
dominada por “coisas suprassensíveis embora sensíveis”, que o
espetáculo se realiza absolutamente. O mundo sensível é substituído
por uma seleção de imagens que existem acima dele, ao mesmo
tempo em que se faz reconhecer como o sensível por excelência.
na história: uma passagem de certo ‘regime de poder’ para um outro projeto político,
sociocultural e econômico” (SIBILIA, 2016, p. 25).
Os desdobramentos dos novos tipos de relações entre o homem e a
tecnologia, no que tange a “ver” e “ser visto”, trazem mudanças sociais significativas
e parecem anunciar um novo momento “divisor de águas”. Sobre isso, Sibilia (2016,
p. 155) continua ao indagar:
Conceição e King (2014) ainda salientam que o termo rede social foi utilizado
no século passado para designar um conjunto complexo de relações entre membros
de um sistema social. Por volta dos anos 1950, passou a se referir aos padrões de
laços existentes entre diferentes grupos e categorias sociais, como tribos, famílias,
gênero, etnia etc. Na Sociologia e na Antropologia Social, a terminologia foi
amplamente utilizada no final do século XX para tratar de questões que abarcavam
diferentes áreas do conhecimento, tais como “[...] a antropologia, a biologia, os
estudos de comunicação, a economia, a geografia, as ciências da informação, a
45
mas não levanta o véu; a intensidade entre os dois nada mais é que o segredo do
segredo”. De acordo com Gois (2012, p. 2-3):
[...] essa cumplicidade nada tem a ver com uma informação oculta ou
recalcada similar a catarse psicológica, provocada no setting
terapêutico ao revelar os interditos do inconsciente, mas na
suspensão do segredo que o observador tem em se satisfazer
através do olhar sobre o outro e esse sucessivamente capturado pelo
prazer em ser observado.
Ver o que quiser e quando quiser parece promover a “tríade oni” tão
importante para esta pesquisa: onividência, onipresença e onipotência. Afinal, quem
não gostaria de “brincar de Deus” nessa cultura de imagens facilmente acessáveis?
Sibilia (2016, p. 78) irrompe que, “[...] além de mais interativos e dispostos a
compartilhar suas experiências, os sujeitos estão se tornando ‘mais visuais do que
verbais’”. De fato, “[...] o rádio levou 38 anos para atingir 50 milhões de usuários,
enquanto a internet levou apenas 4 anos. O Facebook conquistou 200 milhões de
usuários em seu primeiro ano de vida” (CONCEIÇÃO; KING, 2014, p. 181).
É inegável que o desenvolvimento dos novos meios técnicos prioriza e
potencializa a exploração visual global, a partir de interfaces táteis em sua maioria:
controle remoto, mouse de computador, teclados, telas touchscreen etc. Tais
dispositivos, tidos como extensões dos sentidos humanos, na concepção de
McLuhan (1974), permitem que sistemas visuais (e audiovisuais) sejam acessados e
controlados por meio do tato e, mais recentemente, por controles de voz. Ainda
assim, a interface tátil é a mais comum, e assim o será provavelmente por algumas
décadas.
Flusser (2007, p. 36), assim como McLuhan (1974), discorre sobre o fato das
tecnologias serem, potencialmente, formas de próteses técnicas do homem: “[...] as
ferramentas, as máquinas e os eletrônicos são como imitações das mãos, como
próteses que prolongam o alcance das mãos e em consequência ampliam as
informações herdadas geneticamente graças às informações culturais,
adquiridas” (FLUSSER, 2007, p. 36). Mais do que evoluções biológicas no sentido
“darwiniano”, feitas em face do desenvolvimento genético adaptável ao meio, a
tecnologia seria uma evolução de nível cultural, quando a cultura permite ao homem
criar extensões de si mesmos para se adaptar ao ambiente, potencializando suas
funções.
Nessa evolução tecnocultural, Flusser (2007, p. 36) previu tipos de homens
tecnológicos surgidos a partir da Primeira Revolução Industrial: “Primeiro, o homem-
mão, depois, o homem-ferramenta, em seguida, o homem-máquina, e finalmente, o
homem-aparelhos-eletrônicos”. O autor continua, ao abordar que:
movimento entre duas ou mais pessoas, sem custo algum para além
do acesso à internet, algo que pouco tempo atrás fora uma das
fantasias mais habituais da ficção científica. Continuando esta rápida
revisão do trajet percorrido até agora, logo surgiriam serviços mais
específicos como Tinder, Grindr ou Happn, que se destinam a
contatar possíveis parceiros sexuais localizados em áreas próximas
ao local onde cada usuário se encontra no momento. Essa sucessão
de novidades foi transformando a tela de qualquer computador – e,
em seguida, a dos versáteis aparelhos móveis como os tablets e os
smartphones, que driblam quase todos os limites espaciais ou
temporais – em janelas sempre abertas e ligadas a quantidades
crescentes de indivíduos.
Grande parte dos novos voyeurs que buscam por imagens íntimas,
clandestinas e “vazadas” tendem a interagir com elas sem nenhum pudor ou receio
15 O termo vazar, ou leak, em inglês, refere-se a informações privadas e/ou confidenciais que se
tornam públicas sem o consentimento da parte que as produziu, e também será tratado no Capítulo 2.
1.2.3 Tecnoscopia
!
Figura 2. Representação do “triângulo tecnoscópico”.
Arte e técnica sempre coexistiram como faces de uma mesma moeda, mesmo
após as investidas pós-renascentistas em separá-las (“mundo das artes” e o “mundo
da técnica e das máquinas”), que, segundo Flusser (2007), foram desastrosas,
tornando essa cisão insustentável no final do século XIX. A restrição que Platão tinha
defronte à arte e à técnica se devia ao caráter ilusório da transformação das ideias
em matéria. Hoje, os homens se apropriam da arte enquanto técnica ou da técnica
enquanto arte, de maneira ainda mais ilusória que no classicismo grego, pois
emergem em um mundo de aparências que se apresenta como duplo digital do
mundo real, mas não o é: o ciberespaço.
Os termos tékhne e skopós, no âmbito da tecnoscopia, são fundamentais
para a compreensão do estado de coisas instaurado, pois podem remeter a
diferentes, mas complementares, entendimentos desse neologismo: “ver através da
técnica”, “ver por meio da arte”, “a técnica para espiar”, “a arte de vigiar”, entre
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texto e áudio, criam um ecossistema digital que afeta a forma como o mundo é
vivido e compreendido.
Essas relações novas e “miscigenadas” entre tecnologia, voyeurismo,
exibicionismo e vigilância (relações tecnoscópicas) contam com inúmeras variáveis
que comprometem o entendimento do escopo de análise e geram várias incertezas
– como no âmbito legal, por exemplo. Na legislação atual de diversos países,
quando um sujeito voyeurista é flagrado espiando outra pessoa “in loco” e “ao vivo”,
sem o consentimento dela, a autuação costuma ocorrer em tempo real (flagrante), e
a pena é significativa. Se o indivíduo for flagrado espiando imagens voyeuristas
feitas sem consentimento do observado (e quando aquele não é o autor das
imagens), raramente há pena. Quando o sujeito é então o autor das imagens e ele
não é preso em flagrante, ou seja, no ato do próprio registro, a autuação demora a
ocorrer e pode levar dias, meses ou anos de processo penal – isso evidencia um
novo “limbo” de incertezas e indefinições que a lei e a sociedade contemporâneas
ainda não estão aptas a resolver.
Vários projetos de lei tentaram abarcar essas questões, como o Stop Online
Piracy Act (SOPA) e o Protect IP Act (PIPA) norte-americanos, voltados
principalmente para a proteção de direitos autorais, de imagem e intelectuais, mas
que também abrangem outros aspectos; e o Marco Civil da Internet e a Lei Carolina
Dieckmann no Brasil18 . Mesmo diante dessas iniciativas legais, muitos problemas
relacionados à privacidade digital continuam sem solução e se acumulam nos
tribunais.
Para se ter uma noção quantitativa dos grandes números de dispositivos
técnicos pelos quais decorrem as atividades tecnoscópicas, Belló (2017, p. 39)
informa que, nos dias atuais, quatro bilhões de pessoas utilizam telefones celulares
(hoje conhecidos como smartphones) em todo o mundo e que:
18 Esses projetos de lei serão melhor discutidos nos Capítulos 2 e 3 desta tese.
63
sobre o que deve ser público e o que deve ser privado (BAUMAN;
LYON, 2013, p. 34).
[...] não são os aparelhos que causam mudanças nos modos de ser,
como costuma se afirmar com excessiva irreflexão mas, ao contrário
parece evidente que os artefatos técnicos são resultado de
processos históricos bem complexos, que envolvem uma infinidade
de fatores socioculturais, políticos e econômicos. Nesse sentido, as
tecnologias são inventadas para desempenhar funções que a
66
imagens seriam tão idênticas quanto a Brillo Box. [...] Olhando com
muita atenção, até poderíamos ver bolhas e arranhões. Assim, pode-
se dizer que num “retrato em movimento” não é a imagem que se
move, mas é uma tira de celuloide que se move. Warhol andava em
busca da essência das coisas, e raciocinou intuitivamente, como
Sócrates ou seus companheiros, propondo definições e testando-as.
Em Empire, Warhol mostrou que, num “retrato em movimento”, nada
no retrato tem de se mover. Na verdade, somente num retrato em
movimento é que uma coisa pode realmente ficar parada. Afinal,
ninguém que olhe para uma foto do Empire State Building vai
perguntar: “Por que não está se movendo?”.
!
Figura 3. “Empire”, de Andy Warhol. Frame de filme em extra-longa-metragem. 1964. Fonte: <https://
br.pinterest.com/laureng789/warhol/>. Acesso: 01/03/2017.
Agamben (2014, p. 65) também fala sobre esse tipo de olhar voyeurista e
volitivo do flâneur sobre a cidade, que, típico de um olhar de turista, é mais “ativo”
nas velhas cidades, pois elas:
do “ver” e “ser visto”, em que os “[...] inúmeros olhares sobre a cidade constituem um
repertório diversificado e relativamente desordenado de imagens cujos sentidos e
efeitos são múltiplos”. Hoje, uma nova maneira de se aventurar pelo espaço urbano,
porém, de forma integralmente digital, diz respeito às novas tecnologias de
visualização em 360° de fotografias e vídeos. As mais imersivas contam com o uso
de óculos de realidade virtual, conhecidos como óculos VR – essas tecnologias
foram anunciadas há mais de 20 anos, mas, apenas agora, estão de fato disponíveis
a todos. Dentre as tecnologias se destaca o serviço do Google denominado Street
View, lançado em 2007. Esse sistema, disponível em site e em aplicativos para
smartphones, permite que os usuários possam ver imagens em 360° de vários locais
do mundo, mapeadas pelo Street View Car, um carro da empresa que roda pelas
ruas de diversas cidades realizando fotografias panorâmicas que, quando
compiladas, dão a impressão de imersão digital em determinado local.
O voyeur observador da cidade no Google Street View seria “flâneur
cibernético” que “surfa” (ao invés de “vagar”) pela cidade digital, esta dada à
observação de todo o mundo. Bruno (2013, p. 110) aborda que o:
sites pornográficos, conhecidos também como XXX 21, representam pelo menos 30%
do tráfego de dados na web atualmente. De acordo com Ribeiro et al. (2015, p. 8-9)
e “[...] segundo dados da Covenant Eyes, um programa americano de filtragem e
prestação de contas de internet, 68% dos homens jovens assistem pornografia pelo
menos uma vez por semana, contra 32% das mulheres”.
21 XXX é uma terminologia utilizada para nomear sites pornográficos da internet, criada em referência
fonética à palavra sex e também à classificação etária norte-americana X-Rated, utilizada para
produtos destinados à maiores de 18 anos.
22 Este site precursor no âmbito do exibicionismo on-line será analisado no segundo capítulo desta
tese.
73
!
Figura 4. “Vênus de Milo”, autor desconhecido. Escultura em mármore. Supostamente entre 395 a
330 a.C. Fonte: <https://www.atlasobscura.com/articles/100-years-ago-american-women-competed-in-
serious-venus-de-milo-lookalike-contests>. Acesso em: 02/02/2018.
78
24 O uso do deus Cupido ao lado da mulher deitada aproxima essa obra à escultura já citada nesta
tese “O êxtase de Santa Teresa”, realizada em 1647 por Gian Lorenzo Bernini, artista contemporâneo
de Velázquez. O que leva à reflexão sobre a possível inspiração na deusa Vênus para representar a
imagem da santa na escultura.
79
!
Figura 5. “Vênus ao Espelho”, de Diego Velázquez. Pintura à óleo sobre tela. 1647. Fonte: <https://
cocanha.wordpress.com/category/maldades-do-hogarth>. Acesso em: 28/02/2017.
A humanização realística da deusa mitológica faz dessa obra uma das mais
importantes no âmbito da análise dos antecedentes voyeuristas na arte, justamente
pelo seu pioneirismo ao mostrar uma beleza feminina “real” e “banal”, em detrimento
da comum idealização da figura da mulher, sobretudo nas obras que remetem à
deusa Vênus. Assim, essa pintura possui maior relação com o cotidiano e menor
com os grandes temas sacros, mitológicos e bélicos. É interessante dizer que,
devido ao forte simbolismo erótico (entre outras questões), a obra de Velázquez foi
atacada em 1914 por uma militante sufragista e feminista britânica, Mary
Richardson, que causou sérios danos à pintura.
80
25Um vídeo contendo as imagens compiladas da obra “Webcam Venus“ pode ser assistido no link
<https://www.vimeo.com/60994603>.
26 Os nude selfies e os demais autorretratos sensuais contemporâneos serão analisados no Capítulo
2 desta tese.
81
!
Figura 6. “Webcam Venus”, de Pablo Garcia e Addie Wagenknecht. Vídeo digital. 2013. Fonte: <http://
www.pablogarcia.org/webcamvenus/kimisquirtx-as-Venus-of-Urbino-1538.jpg>. Acesso em:
08/04/2017.
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Figura 7. “Bad Boy”, de Eric Fischl. Pintura à óleo sobre tela. 1981. Fonte: <https://br.pinterest.com/
pin/738308932631660588/>. Acesso em: 13/04/2017.
Por sua vez, o artista brasileiro Fábio Baroli (1981-) também possui uma
proposta poética em seus trabalhos pictóricos que se relacionam a Eric Fischl, ao
remeter ao voyeurismo e à sexualidade adolescente em variadas produções. No
entanto, nem todas as obras voyeuristas desse artista trazem como temática
unicamente a sexualidade, uma vez que partem de um “olhar” sobre a banalidade
cotidiana que representa tanto uma eroticidade quanto as atividades corriqueiras, a
partir de um viés transgressor. Ao se valer de cores supersaturadas na maioria das
pinturas, Fábio trabalha com um tipo de impressionismo contemporâneo ao produzir
imagens naturalistas que, à distância, também são fiéis às imagens do mundo, mas,
quando vistas de perto, evidenciam fortes pinceladas texturizadas. A pintura “Sujeito
da Transgressão #2” (Figura 8), de 2011, é interessante no âmbito voyeurista, ao
representar um garoto adolescente se masturbando enquanto observa outro jovem
dormindo ao seu lado. Para vários de seus trabalhos, Baroli utilizou fotografias
apropriadas da internet ou realizadas por ele ou outrem – muitas delas trazem
motivos voyeurísticos.
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Figura 8. “Sujeito da Transgressão #2”, de Fábio Baroli. Pintura à óleo sobre tela. 2011. Fonte: <http://
itsvvhatever.tumblr.com/post/110755255482>. Acesso em: 13/04/2017.
!
Figura 9. “Étant Donnés”, de Marcel Duchamp. Instalação. 1946 . Fonte: <http://
aimagemcomunica.blogspot.com.br/2011/11/marcel-duchamp.html>. Acesso em: 28/02/2017.
!
Figura 10. “Morning Sun”, de Edward Hopper. Pintura à óleo sobre tela. 1954. Fonte: <http://
www.artchive.com/artchive/h/hopper/morn_sun.jpg.html>. Acesso em: 13/04/2017.
!
Figura 11. “A Leiteira”, de Johannes Vermeer. Pintura à óleo sobre tela. 1658-1660. Fonte: <http://
noticias.universia.com.br/tempo-livre/noticia/2012/03/28/920363/conheca-leiteira-johannes-
vermeer.html>. Acesso em 20/10/2015.
27A câmara escura é um equipamento formado por uma caixa (ou uma sala) com paredes opacas,
que traz em uma das faces um pequeno orifício que permite a entrada de uma faixa luminosa vinda
do exterior. Ao posicionar um objeto de frente ao orifício, nota-se que a imagem refletida e invertida
aparece na face oposta da caixa ou da sala.
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luminosa que remete às pinturas do Barroco – pois a bela composição dos quadros
e sua iluminação chiaroescura denotam certa mise-en-scène. Tais fotografias foram
realizadas sem o consentimento e o conhecimento dos retratados, o que demonstra
a capacidade do autor em recortar esteticamente a “realidade” e transpô-la para a
arte. Pela maneira que foi captado este trabalho, o artista respondeu a um
processado de invasão de privacidade. “Ao ser entrevistado sobre a decisão da
Suprema Corte de Nova Iorque a seu favor em um processo movido pelos vizinhos
fotografados sem consentimento, Svenson declarou: ‘Eu raramente, senão nunca,
fecho minhas cortinas’” (ibidem).
!
Figura 12. “The Neighbours”, de Arne Svenson. Fotografia. 2012. Fonte: <http://www.artcritical.com/
2013/07/09/arne-svenson/>. Acesso em 13/04/2017.
Como dito, o aparato técnico da câmara escura utilizado por Vermeer e outros
artistas ao longo dos séculos passados, principalmente desde Leonardo da Vinci
(1452-1519), viria a deflagrar no século XIX a invenção da máquina fotográfica. Esta,
por sua vez, inaugurou uma era de imagens maquínicas, dando o primeiro passo
rumo à tecnoscopia contemporânea. Por esse motivo, as produções que se
apropriam da fotografia, salvo a última aqui citada, e das linguagens e técnicas que
decorreram da invenção fotográfica serão analisadas no item a seguir.
trata do próprio mundo nos dias atuais, é preciso entender o mundo para se
relacionar com a obra. Pareyson (2001, p. 108) aborda que:
1.3.2.1 Fotografia
[...] a natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é
outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado
conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre
inconscientemente. Percebemos, em geral, o movimento de um
homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada
percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele
dá um passo. A fotografia nos mostra essa atitude, através dos seus
recursos auxiliares: câmara lenta, ampliação. Só a fotografia revela o
inconsciente óptico, como só a psicanálise revela o inconsciente
pulsional.
“consciente” não consegue captar, mas isso é, de fato, o que o olho voyeurista
gostaria de poder fazer: congelar um momento para “varrer” toda a imagem,
desvelando segredos ocultos até satisfazer sua pulsão.
Nesse sentido, Gunning (2004 apud BRUNO, 2009) relata que o uso
profissional da fotografia em seus primeiros anos, à parte das artes, se deu mais
para a captação de flagrantes sexuais e suspeitas conjugais. Freud, à época,
procedeu com uma interpretação interessante de um caso de paranoia de uma
paciente que estava convencida de estar sendo fotografada, chegando a ouvir o
clique de um obturador da câmera: “Freud atribui à alucinação de sua paciente um
deslocamento auditivo da vibração de seu clitóris excitado” (BRUNO, 2009, p. 50).
A máquina fotográfica apresenta-se como um instrumento ideal para a
realização de imagens que remetem principalmente ao voyeurismo e ao
exibicionismo, como será discorrido no próximo capítulo. Enquanto isso, as imagens
tendem a representar situações de cunho sexuais, a intimidade dos sujeitos ou
apenas as banalidades do cotidiano. A fotografia foi seguida por invenções que
potencializaram a documentação e o registro de imagens do dia a dia – cinema, TV,
vídeo e imagens digitais –, contribuindo para uma cultura visual produzida a partir da
mediação tecnológica. Hoje, a onipresença de imagens em todas as culturas ao
redor do mundo parte do legado deixado pela reprodutibilidade fotográfica.
Samuel (1994) faz outro tipo de abordagem relacionando as fotografias
antigas ao voyeurismo. Para o autor, o voyeurismo tem um papel óbvio no processo
de revelação fotográfica, por exemplo, a partir da recuperação do que até então era
secreto e da exposição de mundos privados, na curiosidade despertada ao se
revelar a imagem no papel fotográfico. O observador de uma fotografia seria o
equivalente a um bisbilhoteiro na concepção desse estudioso, pois ele fica sempre
atrás da cena de registro de pequenos ou grandes eventos, como nas fotografias da
série “Crimean War”, de 1855, produzidas por Roger Fenton (1819-1869), que
mostram oficiais e civis em momentos de lazer com feridos em suas macas e camas.
Outros exemplos deste tipo de ação bisbilhoteira se referem às fotografias de
celebridades que captam as “estrelas” em situação de lazer, ou às fotografias
documentárias em que imagens são captadas dos mais diversos e, por vezes,
desavisados sujeitos: trabalhadores descansando, um casal se acariciando na praia
e até mesmo soldados fotografados no momento da morte. Rivera (2006, p. 3), a
95
[...] trata daquele ponto fugidio, de localização lábil, que nos obriga a
fechar os olhos, diante da imagem, pois ele é pontiagudo, capaz de
atingir, furar (os olhos): o punctum. Este é de localização
estritamente subjetiva, justamente porque corresponde ao ponto em
que a foto toca e põe em movimento pulsional o sujeito.
fossem de celebridades (Figura 13). De acordo com Gediman (2017, p. 49), Ron
Galella:
!
Figura 13. “Windblown Jackie”, de Ron Galella. Fotografia. 1971. Fonte: <https://www.artsy.net/
artwork/ron-galella-windblown-jackie-new-york>. Acesso em: 09/04/2017.
!
Figura 14. “Femme Nue Devant un Miroir”, de Auguste Belloc. Fotografia estereoscópica. 1855.
Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Belloc_stereoscopic.jpg>. Acesso em: 09/04/2017.
!
Figura 15. “Kiki de Montaparnasse”, de Man Ray. Fotografia. 1923. Fonte: <http://afriendinparis.com/
montparnasse-the-roaring-20s/>. Acesso em: 10/04/2017.
! !
Figura 16. “Le Violon d’Ingres”, de Man Ray. Figura 17. “O Banho Turco”, de Jean-Auguste
Fotografia. 1924. Fonte: <http:// Dominique Ingres. Pintura à óleo sobre tela. 1863.
ineedartandcoffee.blogspot.com.br/2011/02/ Fonte: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/obras/
muse-of-montparnasse.html>. Acesso em: view/1024>. Acesso em: 01/03/2017.
01/03/2017.
!
Figura 18. “Untitled”, de Miroslav Tichý. Fotografia. 1950. Fonte: <ttp://www.americansuburbx.com/
galleries/miroslav-tichy-surveillance-pictures-of-women.> Acesso em: 13/04/2017.
!
Figura 19. “The Park”, de Kohei Yoshiyuki. Série fotográfica. 1971-1979. Fonte: <http://
iznotmeizyou.blogspot.com.br/2010/12/kohei-yoshiyuki-beach-house-walk-in.html>. Acesso em
25/03/2015.
de forma ilegal e com riscos ao próprio voyeur. Em outra obra, com cunho também
exibicionista, a artista esconde uma câmera de vídeo dentro de sua bolsa e a leva
para o interior dos trocadores de várias boutiques de moda, captando a si mesma e
as outras mulheres ali presentes. Sobre essa produção, a própria artista diz: “I had
always seen myself quite differently when I looked in the mirror. Suddenly I no longer
knew what I really looked like” (CONTEMPORARY ART, 2010, n.p.). Ambas as obras
têm relações diretas com um tipo de voyeurismo amador disseminado na internet,
em que imagens de cunho sexual, de pessoas se vestindo ou nuas, são flagradas a
partir das janelas de casas e prédios, assim como em trocadores de roupa em lojas,
clubes aquáticos e praias, principalmente.
!
Figura 20. “Dirty Windows”, de Merry Alpern. Série fotográfica. 1993-1994. Fonte: <https://
simsfangch.wordpress.com>. Acesso em 20/03/2017.
várias imagens, são vistos voyeurs de fato – sujeitos que passam no momento da
captação e aproveitam para ver “ao vivo” a simulada indiscrição das modelos.
Sobre esse artista, Hansen (2008) diz que, mesmo sendo considerado
apenas um fotógrafo pornográfico por alguns, Stuart tem uma visão crítica e bem
fundamentada de sua arte. Em uma entrevista, ao ser questionado sobre qual seria
a definição correta de erotismo, o artista disse:
!
Figura 21. “Summer in the City”, de Roy Stuart. Fotografia. 1993. Fonte: <http://
stuartporfolio.tumblr.com>. Acesso em 13/04/2017.
destaca por apresentar uma série de fotografias que mostram pessoas que foram
seguidas pela artista ao longo de vários meses, juntamente com textos que contêm
anotações sobre o processo.
Na obra, ela se põe no lugar de um voyeur stalker, que persegue suas
“vítimas” sem o conhecimento delas. Sobre esse processo, a artista diz: “[...] por
meses segui estranhos na rua. Pelo prazer de acompanhá-los, não porque me
interessa particularmente. Eu os fotografei sem seu conhecimento, tomei nota de
seus movimentos e, finalmente, perdi a visão e me esqueci deles” (WHITE CUBE,
2011, n.p.). O trabalho de Sophie Calle é inseparável de sua vida, dependendo
muitas vezes da coincidência para que ele aconteça. Para a artista, o sentimento
resultante da perseguição sobre pessoas estranhas pode ser comparado à emoção
de estar apaixonado.
Na verdade, essa famosa obra de Calle apresenta-se como uma releitura do
trabalho “Following Piece” (Figura 23), de Vito Acconci, um dos pioneiros da
videoarte e do uso de imagens maquínicas na arte contemporânea. Ao ser realizada
ainda em 1969, o artista partiu também de um voyeurismo stalker para seguir, todos
os dias e durante um mês, estranhos selecionados aleatoriamente nas ruas de Nova
Iorque, da mesma forma registrando sua experiência com fotografias e textos
contendo relatos daquilo que vivenciou.
!
Figura 22. “Vénitienne Suite”, de Sophie Calle. Série fotográfica. 1980. Fonte: <http://
blog.point101.com/blog/2012/10/29/sophie-calle-suite-vnitienne-and-the-hotel>. Acesso em
19/02/2015.
107
!
Figura 23. “Following Piece”, de Vito Acconci. Série fotográfica. 1969. Fonte: <http://
www.marthagarzon.com/contemporary_art/2010/03/exposed-voyeurism-surveillance-and-the-
camera>. Acesso em 21/04/2017.
!
Figura 24. “The Hotel, Room 47”, de Sophie Calle. Série fotográfica. 1981. Fonte: <http://
learn.surbitonhigh.com/hbeighton/2015/10/03/inspiration-from-sophie-calle/the-hotel-room-47-1981-
by-sophie-calle-born-1953>. Acesso em 13/04/2017.
!
Figura 25. “Donald Trump and Miss Mexico”, de Alison Jackson. Fotografia manipulada. 2017. Fonte:
<http://www.dailymail.co.uk/news/article-3918284/Spray-tans-porn-pageant-queens-Oval-Office-
dodgy-military-regalia-glimpse-life-like-inside-Trump-White-House.html>. Acesso em: 13/04/2017.
Para finalizar este item, uma obra fotográfica contemporânea que transpassa
a bidimensionalidade fotográfica e possibilita uma série de análises no âmbito desta
tese diz respeito à obra “Untitled” (Figura 26), de 2014, de autoria do chinês Cai
Dongdong (1978-). Alguns trabalhos do artista remetem ao voyeurismo sexual e
cotidiano, mas são poeticamente reforçados quando ele se apropria de objetos
simbólicos do dia a dia (lentes fotográficas, espelhos, flechas etc.) que são
literalmente colados (anexados) às fotografias, criando uma espécie de
assemblagem que o próprio artista chama de “fotoesculturas”. Cabe dizer que
algumas imagens são apropriadas de diversas fontes, principalmente da internet, e,
assim, não captadas pelo artista, como é o caso da obra ora analisada. Em
“Untitled”, o artista se apropria de uma fotografia erótica na qual uma mulher nua
(mostrada apenas pelo seu braço e um seio) segura o pênis de um homem. A
fotografia parece ser realizada de maneira amadora e exibicionista por um
dispositivo móvel postado pelo próprio homem autorretratado e deitado na cama
juntamente com a mulher. No entanto, Dongdong cola uma lente de câmera
fotográfica no lugar do pênis do homem, criando uma inquietante imagem em que a
mulher parece segurar a câmera que salta do próprio homem maquinizado.
110
!
Figura 26. “Untitled”, de Cai Dongdong. Fotografia e assemblagem. 2014. Fonte: <https://
www.artsy.net/artwork/cai-dongdong-untitled>. Acesso em: 13/04/2017.
1.3.2.2 Cinema
[...] first, there may be voyeurism in the content of films, as when one
character watches another character or a camera watches a
character. Second, there is voyeurism in the relationship between the
audience and the film – the audience watches the characters on the
screen, gazing at them without interacting with them or interfering
with the action as it unfolds.
Para além dessas relações narrativas e estéticas, vários filmes lançaram mão
do voyeurismo propriamente dito como temática em seus enredos ou remeteram a
29Feedback de vídeo é um tipo de efeito-processo que ocorre quando uma câmera é apontada para
o monitor em que ela está ligada (retorno do vídeo de reprodução). A imagem visualizada mostra um
mosaico em loop (repetição) infinito da imagem, que exibe a si mesma várias vezes.
112
ele a partir de algum recurso estético. Ainda segundo Calvert (2004), Hollywood, por
exemplo, produziu mais de 1.200 filmes de 1900 a 1995, que enfocavam atividades
voyeuristas nos enredos de seus filmes. Somado a isso, é importante dizer que a
câmera cinematográfica deu aos voyeurs (inclusive aos artistas-cineastas-voyeurs)
uma excelente ferramenta para a captação de imagens voyeuristas.
Estudos pioneiros sobre o voyeurismo no âmbito da psicanálise ocorreram
concomitantemente à invenção do cinematógrafo (a primeira câmera
cinematográfica), criada pelos irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière
(1864-1948), em Paris, no fim do século XIX. Rivera (2006) aborda que o cinema e a
psicanálise são contemporâneos, pois, enquanto Freud publicava seus primeiros
estudos, em 1895, os irmãos Lumière faziam as primeiras apresentações públicas
cinematográficas. Para o referido autor, Freud jamais se ocupou dessa nova arte,
mas sempre propunha analogias entre os aparelhos óticos e o aparelho psíquico.
Mesmo que o cinema não tenha relação direta com os estudos psicanalíticos
sobre o voyeurismo na época de sua origem, fica clara a predileção pela captação e
exibição de cenas que remetiam ao voyeurismo nas produções dos primórdios
dessa linguagem. De maneira geral, é certo dizer que o cinema em si mesmo já
transmite a sensação de onividência, pois coloca o público em uma posição
privilegiada e até metafísica, ao possibilitar o espectador de adentrar no enredo das
vidas alheias, na categoria de observador invisível.
Segundo Samuel (1994), vários teóricos do cinema já recorreram às noções
freudianas de escopofilia e de identificação do ego para tentar entender a
popularidade dos gêneros mais importantes de Hollywood. De acordo com o autor,
tais estudiosos dizem que o “prazer de olhar” libera desejos da libido e corresponde
aos desejos de narcisismo primário e de identificação. Machado (1996, p. 125)
aponta que “[...] quando estamos no cinema, submetemos a imagem – a imagem do
outro – a um olhar concentrado e bisbilhoteiro, como se a espiássemos pelo buraco
da fechadura, ocultos nas trevas da sala de exibição”.
Os primeiros filmes realizados pelos irmãos Lumière já traziam cenas de
registros documentais, de certa forma, e mostravam fatos banais do cotidiano: saída
dos empregados de uma fábrica, um trem chegando à estação, crianças brincando,
entre outros. Ainda antes dos Lumière, em 1891, Thomas Edison (1847-1931) criou
o cinetoscópio (Figura 27), um instrumento que permitia que pequenos filmes
113
!
Figura 27. Fotografia de aparelhos Cinetoscópios (Kinetoscopes) de Thomas Edison. Nova Iorque,
1894. Fonte: <http://wwmundovirtualblog.blogspot.com.br/2010/11/e-assim-nasceuo-cinema.html>.
Acesso em 21/10/2015.
individualizada dessas produções, Edison não ficou com o posto de “pai do cinema”,
pois os irmãos Lumière realizaram a primeira projeção pública em 1895 e são, ainda
hoje, conhecidos como os primeiros exibidores de um filme nos parâmetros
cinematográficos atuais.
Machado (2008) arrazoa que situações de voyeurismo eram relativamente
comuns em espetáculos de lanterna mágica, e o cinema deu continuidade à
tradição. O autor relata que diversas produções no início do cinema focalizavam
voyeurs em suas atividades indiscretas. Filmes como “Through the Keyhole in the
Door” (1900), “Down the Hotel Corridor” (1902), “La Fille de Bain Indiscrète” (1902),
“A Search for Evidence” (1903), “Un Coup d’Oeil par Étage” (1904), “The Inquisitive
Boots” (1905), “Peeping Tom in the Dressing Room” (1905), entre outros, mostram
pessoas percorrendo os corredores de um prédio ou de uma casa de banho para
espiar a intimidade dos condôminos ou dos banhistas. O único filme de animação
que restou do Teatro Óptico de Émile Reynaud (1844-1918), “Autour d’une
Cabine” (1893), mostrava um homem que espiava, por meio do buraco da fechadura
de uma cabine de banho, uma bela jovem que lá entrou para se trocar.
Muitos dos primeiros filmes incorporavam aspectos formais que se valiam do
uso de “máscaras” na imagem para evidenciarem situações voyeurísticas comuns,
diferentemente da linguagem moderna e contemporânea do cinema que dá ao
espectador a posição metafísica de observador invisível. Essas “máscaras” tinham,
por exemplo, o formato de um ou dois círculos vazados, ou, ainda, de uma
fechadura (Figura 28), formas que remetiam diretamente ao uso de instrumentos
ópticos para a visualização das cenas ou explicitavam a ocultação do indivíduo
observador. Elas tinham o intuito de demonstrar que o personagem voyeur no filme
observava suas “vítimas” através de lunetas ou binóculos, do buraco da fechadura,
do olho mágico de uma porta, de um buraco na parede etc.
O uso de elementos formais na época colocava o espectador no lugar do
personagem voyeurista e, de maneira quase catártica, transmitia sensações
escopofílicas ao observador. Uma vez que a linguagem do cinema estava em
processo de formação, era importante situar os espectadores em cena, e tais
artifícios serviam para isso. Os espectadores desse período ainda não entendiam a
estética do “observador cinematográfico onividente e invisível”, que se tornou
comum apenas anos mais tarde, principalmente a partir das produções de Edwin S.
115
!
Figura 28. “Through the keyhole in the door”, diretor desconhecido. Frame do filme em curta-
metragem. 1900. Fonte: <http://www.tumblr.com/search/19th+century+corset>. Acesso em
23/09/2014.
É fato que o cinema, em toda sua história, pôde apreender o “real” de maneira
ainda mais eficaz do que a fotografia, por trabalhar com imagens em movimento. Há
a impressão de que o voyeurismo é inerente a essa linguagem, ao passo que, na
tecnoscopia, o exibicionismo e a vigilância também se fazem presentes, seja nas
temáticas, em elementos estéticos ou mesmo na maneira como o filme foi produzido.
Mas é claro que, dentre eles, o voyeurismo é um dos principais artifícios para atrair a
atenção do espectador de cinema.
Conceituados cineastas já utilizaram o voyeurismo como importante elemento
narrativo e/ou estético em suas produções. Diversos filmes modernos e
contemporâneos “[...] recuperam numa outra linguagem o tema do buraco da
116
fechadura que é uma das chaves para a compreensão do próprio cinema como lugar
da pulsão escópica” (AUMONT, 2004, p. 126). A título de rápida análise e
conhecimento das principais obras, serão elencadas a seguir algumas significativas
produções nesse contexto.
O filme “Janela Indiscreta” (“Rear Window”), de 1954, do cineasta Alfred
Hitchcock (1899-1980), talvez seja o mais conhecido produto cinematográfico que
trata do voyeurismo realizado até a atualidade. Esse longa-metragem acompanha a
história de Jeff (James Stewart), um fotógrafo que sofreu uma lesão na perna e terá
de ficar confinado a uma cadeira de rodas por vários dias em seu apartamento.
Usando as lentes da câmera fotográfica (Figura 29), ele espia os vizinhos que, “[...]
sem perceber que estão sendo notados, vão desvelando em detalhes sua
privacidade como uma sucessão de narrativas ao olhar intruso de Jeff” (GOIS, 2012,
p. 7).
!
Figura 29. “Rear Window”, de Alfred Hitchcock. Filme em longa-metragem. 1954. Fonte: <http://
a69.g.akamai.net/n/69/10688/v1/img5.allocine.fr/acmedia/medias/nmedia/18/96/71/01/20484903.jpg>.
Acesso em 15/09/2015.
!
Figura 30. “Behind the Green Door”, de Artie e Jim Mitchell. Frame do filme em longa-metragem.
1972. Fonte: <http://www.insitu-collective.com/wp-content/uploads/2017/01/MARILYN-CHAMBERS-in-
BEHIND-THE-GREEN-DOOR-1972-behind-the-green-door-.png>. Acesso em 17/09/2016.
Outro clássico do cinema erótico traz o próprio título como “O Voyeur”, nas
versões em português e em inglês (“The Voyeur”), e em italiano se chama “L’uomo
che Guarda”. Esse filme foi produzido pelo renomado diretor erótico italiano Tinto
Brass (1933-), em 1994, e conta a história de Dodo (Francesco Casale), um
voyeurista compulsivo que dá preferência à satisfação sexual unicamente
escopofílica em detrimento das relações físicas. Por esse motivo, sua voluptuosa
esposa Silvia (Katarzyna Kozaczyk), sexualmente frustrada e insatisfeita, se lança
em relacionamentos extraconjugais que instauram uma crise matrimonial, levando
Dodo a nutrir incessantes paranoias.
Visto como um filme referência para uma geração de cineastas
independentes, “Sexo, Mentiras e Videotape” (“Sex, Lies, and Videotape”), do diretor
Steven Soderbergh (1963-), produzido em 1989, também lança mão de um
voyeurismo erótico. Nessa película, o voyeurismo é o próprio tema central,
apresentado na forma de fetiche sexual de um sujeito que entra abruptamente na
vida de um casal em crise amorosa. Logo, ele envolve várias pessoas em seu
projeto pessoal, do casal em crise à cunhada sexy, em que grava mulheres falando
sobre suas experiências sexuais (Figura 31), instaurando um jogo voyeurista/
119
!
Figura 31. “Sex, Lies, and Videotape”, de Steven Soderbergh. Frame do filme em longa-metragem.
1972. Fonte: <https://vareverta.files.wordpress.com/2014/01/sex-lies-and-videotape-1989-1080p-
bluray-dts-6.png>. Acesso em 16/09/2016.
espectadores porque ele “[...] não era um ator que interpretava as emoções falsas
de um personagem fictício, mas simplesmente vivia e mostrava suas emoções
autênticas de personagem real, como bem explicara seu produtor”.
À parte dos filmes de ficção, os documentários se apresentam como produtos
audiovisuais que tendem, em diversas ocasiões, a se aproximar de um certo tipo de
voyeurismo. Algumas produções documentárias, principalmente biográficas,
objetivam adentrar na vida de pessoas, simples ou públicas, e descortinar seu dia a
dia para mostrar fragmentos da intimidade, sob um viés investigativo, crítico,
didático, informativo e/ou poético. Para não arriscar a saturar a pesquisa com um
grande número de documentários, uma vez que podem ser encontrados elementos
voyeuristas em muitos deles, esta tese enfocará determinados documentários
realizados como propostas poéticas, nos quais o voyeurismo é parte fundamental da
narrativa e estética. Segundo Samuel (1994), um tipo de documentário chamado de
“poético realista” se refere à forma como são usadas a iluminação, a composição e a
tonalidade nessas produções, podendo transformar o empírico e o factual em
objetos do desejo. Para o autor, essa abordagem questiona empreendimentos
realistas de qualquer natureza, inclusive os históricos – ao focar o caráter
“compulsivo” do ato de ver, abre-se a questão da natureza da sensação visual. No
quesito formal, uma certa “estética da verdade” nos documentários se deve ao tipo
de captação e montagem das imagens que costumam remeter a imagens amadoras,
televisivas ou de registro.
Nesses termos, um documentário que foca diretamente os temas voyeurismo
e vigilância é “Tearoom”, de William E. Jones, produzido em 1967. O filme se
apropria de imagens de uma câmera de vigilância instalada 1962 pela polícia de
Mansfield, Ohio, em um banheiro público masculino. As imagens exibem o sexo
clandestino de inúmeros homens (Figura 32), “[...] produzindo provas que os
condenaram à prisão por pena mínima de um ano como sodomitas. Alguns desses
homens teriam se suicidado após a condenação” (BRUNO, 2013, p. 103). Nas
palavras dessa autora, tais imagens geram grande incômodo ao se situarem entre o
voyeurismo e a vigilância, a pornografia e o controle policial, o sexo marginal e a
prova jurídica, atuando no que ela denomina como “estética do flagrante”, já
abordada anteriormente.
121
!
Figura 32. “Tearoom”, de William E. Jone. Frame do filme em média-metragem. 1967. Fonte: <http://x-
traonline.org/article/an-invocation-of-ghosts-william-e-joness-killed>. Acesso em 01/03/2017.
!
Figura 33. “Sleep”, de Andy Warhol. Frame do filme em extra-longa-metragem. 1963. Fonte: <http://
www.galateca.ro/en/sleep-1963-proiectat-la-galateca-pe-11-decembrie-h-1700>. Acesso em
01/03/2017.
Steinberg (s.d. apud DANTO, 2013) dizia que Andy Warhol era um voyeur do
tipo sleepwatcher, uma pessoa que se satisfaz (escopicamente) ao observar outro
indivíduo dormindo. Danto (2013) conta que o próprio John Giorno, ator retratado no
123
!
Figura 34. “The Blair Witch Project”, de Eduardo Sánchez e Daniel Myrick. Frame do filme em longa-
metragem. 1999. Fonte: <http://www.nerdmaldito.com/2016/09/a-mitologia-da-bruxa-de-blair-
em.html>. Acesso em 07/03/2017.
mais crítica e assumem uma “estética da verdade” não apenas como uma proposta
voyeurista catártica (como os mockumentaries), como também lançam mão de
elementos documentais para provocar os espectadores ao mostrar a realidade “tal
como ela é”, o que faz esse tipo de produção também ser conhecido como “cinema-
verdade” ou “docudrama” – apesar de os dois últimos apresentarem algumas
características próprias que os diferem. Esse tipo de documentário se vale de
aspectos ficcionais adicionados no decorrer dos próprios acontecimentos, quando,
por exemplo, uma personagem desempenha o próprio papel na vida real. Um dos
mais conhecidos exemplos de docuficção é “Tabu”, de 1931, último filme dirigido
pelo conceituado cineasta alemão F. W. Murnau (1888-1931) antes de sua morte.
Além dele, há “O Ouro dos Mares” (1932), “Crianças de Hiroshima” (1952), “Close-
Up” (1990), “O Pão e o Vinho” (1979), “The Company of Strangers” (1990), “Zombie
and the Ghost Train” (1991), entre outros.
Salvas as questões comerciais já discutidas, enquanto o mockumentary utiliza
elementos do documentário para criar a ficção, em processo contrário, a docuficção
emprega elementos ficcionais para tratar crítica e poeticamente sua proposta
documental. Esses estilos, categorias, gêneros e modelos de produção
cinematográficos trazem à tona uma certa “estética do real” ou “estética da verdade”
que, em momentos pontuais da história do cinema, foi retomada para logo após ser
negada, num caminho cíclico que chega aos dias atuais. O cineasta e antropólogo
francês Jean Rouch (1917-2004) criou o termo cinéma vérité (cinema verdade) na
primeira metade do século XX, que ainda é usado na atualidade, para categorizar os
longas-metragens que se valem desta “estética da verdade”. A expressão foi
cunhada por estudos realizados sobre os filmes do cineasta russo Dziga Vertov
(1986-1954), que pioneiramente mesclou ficção e documentação em suas obras
produzidas nas primeiras décadas do século passado. Para Calvert (2004, p. 4),
cinéma vérité:
[...] the real-life problems of the Louds, a family from Santa Barbara,
California. “Starring” William and Pat Loud, along with their five
children, the show featured son Lance coming out of the closet and
his parents’ apparent refusal to acknowledge that their son was
131
homosexual. The cameras also captured the sad breakup of the Loud
family, including one infamous scene in which Pat told her husband,
William, that she wanted a divorce. It took a camera crew that lived
with the Louds seven months to film enough of this material to fill the
twelve-hour series. William Loud felt his family was misled in the end
result, alleging that the editors focused on the negative aspects of his
family’s life and that they had a preconceived liberal, leftist view. [...]
As Candid Camera and An American Family make clear, voyeurism
on television – be it the contrived voyeurism in which humorous gags
are created or the “vérité” voyeurism in which reality unfolds
unscripted and unceremoniously – is not necessarily a new
phenomenon but one that is today more prevalent, more ambitious,
today more prevalent, more ambitious, and more sensational.
!
Figura 35. “An American Family”, da rede estatal de TV americana PBS. Fotografia de divulgação do
Reality Show. 1972. Fonte: <http://video.pbs.org/video/2045835722/>. Acesso em 05/04/2015.
O reality show se tornou o formato televisivo mais popular das últimas três
décadas e, ainda hoje, é abundante em canais de TV abertos e pagos em todo o
mundo, principalmente no ocidente. Mas, para além do reality show e dos programas
do tipo vérité, vários filmes para TV, documentários e séries tratam criticamente de
questões contemporâneas acerca da tecnoscopia. Dentre vários produtos nesse
contexto se destaca a atual série televisiva “Black Mirror”, produzida pela empresa
de conteúdo streaming on demand31 Netflix. Criada em 2011 pelo controverso
roteirista, satirista e comentarista jornalístico britânico Charlie Brooker (1971-), essa
é uma série antológica de ficção científica, na qual cada episódio apresenta uma
diferente história sobre o poder da evolução tecnológica em diversas áreas da
sociedade, tanto no presente quanto num futuro hipotético, muitas vezes distópico.
De maneira crítica e com alta qualidade técnica, os episódios funcionam como filmes
em média-metragem que objetivam à reflexão do espectador sobre a relação
homem-máquina. É interessante dizer que muitos episódios trazem discussões
significativas sobre a instauração presente ou futura da tecnoscopia, em que o
voyeurismo, principalmente, e também o exibicionismo e a vigilância, dados por
meio da mediação maquínica, trazem preocupantes consequências sociais. Nesse
contexto, destacam-se os episódios “The National Anthem”, “The Entire History of
You”, “Shut Up and Dance”, “Nosedive”, “White Christmas”, “White Bear”, “Hated in
the Nation” e “Men Against Fire”.
Desde o início, o broadcasting televisivo se apresentou como um democrático
meio para a exibição de imagens em movimento, antes restritas apenas às salas de
cinema. No entanto, o surgimento da câmera eletrônica de vídeo em 1941 e o
posterior uso popular iniciado na década de 1950 deram ao antes espectador a
possibilidade de se tornar um produtor de imagens sequenciais.
Nesses termos, o vídeo levou as imagens em movimento dos processos
ótico-químicos do cinema para o campo eletrônico. Assim, além de possibilitar novas
formas de experimentações em captação, tratamento e exibição de imagens, ele foi
31 Os sistemas de transmissão de conteúdo via streaming serão detalhados no próximo capítulo desta
tese.
133
!
Figura 36. “Fishtank”, de Richard Billingham. Frame da videoarte. 1998. Fonte: <https://
www.starandshadow.org.uk/on/film/1027>. Acesso em 01/03/2017.
135
!
Figura 37. “4 Walls”, de Lucas Bambozzi. Fotografia da videoinstalação. 2001. Fonte: <http://
www.lucasbambozzi.net/archives/tag/microcinema>. Acesso em 20/04/2017.
!
Figura 38. “151 Pitt St.”, de William Mansfield. Fotografia da videoinstalação. 2007. Fonte: <http://
www.expialidocious.com.au/projects/151-Pitt-St/>. Acesso em 14/04/2017.
!
Figura 39. “Voyeuristic Mirrorball”, de Bart Polle. Fotografia da videoinstalação. 2011. Fonte: <http://
www.vimeoinfo.com/video/19234863/voyeuristic-mirrorball>. Acesso em 14/04/2017.
!
Figura 40. “Seitenflügel”, de Eve Sussman e Simon Lee. Frame da videoarte. 2012. Fonte: <http://
broadmuseum.msu.edu/exhibitions/global-groove-19732012>. Acesso em 14/04/2017.
atividade sadomasoquista, uma mulher nua, uma empregada doméstica que olha
para o observador-voyeur etc. O Hotel Sunrise, que serviu de inspiração para a obra,
existe e está localizado no centro da cidade de Nova Iorque.
!
Figura 41. “Sunrise Hotel”, de Emiliano Ponzi e Giacomo Benelli. Fotografia da videoinstalação. 2012.
Fonte: <https://www.behance.net/gallery/5679679/THE-ART-OF-VOYEURISM>. Acesso em
14/04/2017.
!
Figura 42. “S.I.M. – Sara is Missing”, desenvolvido por Kaigan Games. Imagem de divulgação do jogo
eletrônico. 2016. Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=jUWSnZxDdqY>. Acesso em 14/04/2017.
Esses são apenas alguns exemplos de produções que lançam mão das
linguagens e técnicas audiovisuais contemporâneas para tratar do voyeurismo na
atualidade. É possível constatar novamente, nesse ponto da leitura, que o
crescimento da quantidade de produções que remetem ao voyeurismo e aos seus
desdobramentos (exibicionismo e vigilância) é diretamente proporcional ao avanço
das tecnologias de captação e exibição de imagens. Machado (2007, p. 14) infere
que “[...] talvez até se possa dizer que um dos papéis mais importantes da arte numa
sociedade tecnocrática seja justamente a recusa sistemática de submeter-se à
lógica dos instrumentos de trabalho”. Com isso, os artistas se apropriam não apenas
de imagens voyeuristas, mas também das próprias tecnologias escópicas para
propor poéticas e tecer reflexões que venham a contribuir para o entendimento
crítico acerca da realidade instaurada e sobre o que está por vir.
141
vinculadas aos poderosos estúdios de cinema e à grande mídia, dado que qualquer
um pode ter o “filme de sua vida” exibido.
O reality show e os demais produtos vérités já evidenciavam a
espetacularização da intimidade desde a década de 1970, mas a web 2.0
democratizou a autoexposição e permitiu a quem quiser ter seu próprio reality show,
como ocorreu com o fenômeno erótico da década de 1990, JenniCam, e com a
transmissão da própria intimidade via streaming nas redes sociais, a exemplo dos
Youtubers – tais questões serão melhor analisadas a posteriori. Soma-se a isso uma
série de produções autobiográficas realizadas nas redes sociais ou em outros meios
que Sibilia (2016) e Bauman e Lyon (2013) tratam como produtos “confessionais”,
propondo um híbrido entre relatos reais e fotografias (na maioria, selfies) dos
próprios autores.
Nesse entremeio, Canevacci (2008) analisa um site muito famoso da
atualidade: o SuicideGirls, cujas imagens são enviadas pelas próprias retratadas ou
autorretratadas. Para serem aceitas, elas devem ser sensuais ou eróticas e, além do
exibicionismo do corpo, as mulheres devem se enquadrar em um determinado estilo
transgressivo contemporâneo (Figura 43).
!
Figura 43. Imagem de divulgação do site SuicideGirls. Fonte: <http://suicidegirls.tumblr.com/post/
50878147952/radeo-in-heliotrope>. Acesso em: 18/03/2017.
145
33A noção de narcisismo como fator fundamental para a pulsão de “ser visto” na contemporaneidade
será desconstruída a posteriori. Todavia, é importante entendê-lo inicialmente para depois proceder
com essa desconstrução.
146
34 Neologismo referente à postagem, ao ato de publicar um conteúdo nos serviços da web 2.0.
152
decotada; e não satisfeita (e para conseguir ainda maior visibilidade), sua próxima
fotografia mostrará ela seminua ou nua. Isso gera a necessidade ilimitada da
legitimação do ego dependente do olhar do outro que pode, tal qual o Narciso
original, levar a pessoa a se “afogar na própria imagem”. Resultados drásticos se
aglomeram em notícias por todo o mundo, principalmente em relação a suicídios de
adolescentes que não tiveram maturidade psicológica o suficiente para lidar com as
consequências da superexposição, o que será melhor discutido no próximo item
deste capítulo.
Mecler (2015) aponta o “medo” como um dos principais motivadores do TPD.
Para a autora, o medo (na maioria das vezes irreal) da pessoa em ser abandonada e
não conseguir sobreviver sozinha pode levá-la a tentar de tudo para ter alguém ao
lado. Carente e insegura, ela dedica todo o seu tempo e energia para quem
considerar importante em sua vida, situação que se agrava à medida que o número
de indivíduos importantes se multiplica consideravelmente pela quantidade de
“amigos” virtuais que possui.
A referida autora também elenca outras inter-relações entre o dependente e o
narcisista:
Tais autores ressaltam que até recentemente não havia um vocábulo que se
referisse a sentimentos e sensações advindos da impossibilidade de comunicação
realizada por meio do telefone celular, do computador ou de outros dispositivos
móveis. Vale ressaltar que a nomofobia ainda não é uma área psicopatológica
oficialmente definida ou um transtorno categorizado pelo DSM. Segundo Belló
(2017, p. 7):
No final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, muito se falou sobre
o vício do uso do computador e da internet, principalmente por parte dos jovens. À
medida que a informática se tornou elemento essencial para a vida diária e se
passou a considerar a geração de crianças nativas digitais (millenials), esse aspecto
viciante da tecnologia não era mais colocado em pauta. No entanto, com a
nomofobia, essas questões voltam exponencialmente.
A grande modificação no que se refere ao “vício” das duas eras se relaciona à
própria palavra “vício” em si. Em consonância com Cruz (2014), King e Nardi (2014,
p. 14) inferem que hoje não “[...] se costuma mais usar o termo ‘viciado’, e sim
157
A relação entre sujeito amado (elevado) com aquele que ama (rebaixado), ou
seja, entre o exibicionista (superestimado e popular) e o voyeur (humilde e solitário),
162
Esta autora adota o termo extimidade – proposto por Lacan e retomado por
Tisseron – para nomear tal situação. Sibilia (2016, p. 313), de maneiras análoga,
utiliza regularmente extimidade para tratar de toda forma de intimidade publicizada
na contemporaneidade, em que as vidas ficcionalizadas:
35Terry Gilliam (1940-) é um diretor norte-americano conhecido por realizar filmes de ficção científica
com elementos surrealistas e bizarros, principalmente. Em muitos deles, ele aborda questões sociais
de maneira crítica e sarcástica.
36 Youtubers é a nomenclatura pela qual são conhecidas as pessoas que possuem canais no serviço
de streaming de vídeo da empresa Google, o YouTube. A maioria desses canais é realizada na
íntegra (produzida, editada e publicada) pela própria pessoa que os apresentam. Eles possuem
vídeos que são publicados periodicamente e tratam de temas variados. Muitos de seus produtores, os
Youtubers, estão entre as celebridades mais famosas dos dias atuais.
164
[...] ninguém menos que Adolf Hitler foi eleito em 1938, Mahatma
Gandhi em 1930, o Ayatollah Khomeini em 1979, Mikhail Gorbachev
em 1989, George Bush em 2004 e Mark Zuckerberg, criador de
Facebook, em 2010. Mas quem foi a personalidade do ano em 2006,
de acordo com o respeitado veredito da Time? Você! Sim, você, ou
melhor: não apenas você, mas também eu e todos nós. Ou, mais
precisamente ainda, cada um de nós: as pessoas comuns. Um
espelho brilhava na capa da publicação e convidava seus leitores a
se contemplarem, como Narcisos satisfeitos de verem suas
personalidades cintilando no mais alto pódio da mídia (SIBILIA, 2016,
p. 15).
!
Figura 45. “Retrato de Dorian Gray”, de Ivan Albright. Pintura a óleo sobre tela que fez parte do
cenário do filme “The Picture of Dorian Gray” de Albert Lewin. 1945. Fonte: <https://
remodernreview.wordpress.com/tag/picture-of-dorian-gray/>. Acesso em 15/04/2017.
!
Figura 45. “Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio. Detalhe da obra, pintura a óleo sobre tela. 1509.
Fonte: <http://artemazeh.blogspot.com.br/search/label/Rafael%20Sanzio>. Acesso em 17/04/2017.
!
Figura 46. “As Meninas”, de Diego Velàzquez. Pintura a óleo sobre tela. 1656. Fonte: <http://
abelhadalua.blogspot.com.br/2011/06/as-meninas-de-velazquez.html>. Acesso em: 20/06/2017.
172
hoje em dia, “[...] qualquer um pode facilmente produzir imagens de si próprio com
uma câmara digital. Até um certo ponto qualquer um pode ser inventor e encenador
da sua própria imagem: por outras palavras, um autorretratista”. O autorretrato
democratizou-se, mas ele perde sua “aura” artística, ao passo que se banaliza ao se
tornar um relevante “motor” do capitalismo tecnoscópico. A seguir serão
apresentadas as mídias que possibilitaram essa democratização do autorretrato e,
consequentemente, contribuíram para a instauração do exibicionismo tecnoscópico.
A posteriori, em seção específica, serão retomadas as questões artísticas referentes
aos autorretratos e demais produções exibicionistas ora iniciadas.
!
Figura 47. “O Hospital Henry Ford”, de Frida Kahlo. Pintura a óleo sobre tela. 1932. Fonte: <https://
facaartenaoguerra.wordpress.com/tag/frida/>. Acesso em: 01/07/2017.
2.2.1.1 Selfie
“Se você alguma vez na vida já pegou uma máquina e se propôs tirar o
retrato de alguém, deve saber perfeitamente que a situação não é cômoda nem de
174
um lado nem do outro, nem para o modelo nem para o fotógrafo” (KUBRUSLY, 1983,
p. 46). A partir dessa citação, nota-se que, três décadas mais tarde, vários aspectos
mudaram, e o incômodo não se tornou apenas cômodo, como também comum e
necessário. As “tiranias da visibilidade”, conforme Sibilia (2016), obrigam grande
parte da população a se retratar a todo o momento e consensualmente, para
fotografias e/ou vídeos sociais, perfis de serviços da internet, currículos, máquinas
de checagem de identidade, imagens de vigilância, entre outras formas, numa
espécie de oniexibicionismo tecnoscópico intermitente.
É interessante refletir sobre essa mudança a partir de relatos que datam dos
primórdios da grande democratização do uso das máquinas de captação e exibição
de imagens. Nesse contexto, Kubrusly (1983, p. 46-47) indagava:
[...] quase ninguém se pergunta por que não fica à vontade diante da
objetiva. Pouquíssimos se propõem enfrentar o desafio. A reação
mais comum diante dos primeiros resultados desfavoráveis é se
autorrotular “não fotogênico” e passar a evitar daí por diante a
incômoda posição de modelo por mais que ela seja atraente. Esta
reação diante da câmara tem algo a ver com a da pessoa
surpreendida fazendo caretas no espelho. Nos dois casos há uma
ameaça à intimidade da relação do indivíduo com sua própria
imagem. Relação que nem sempre é cristalina e por isso mesmo, se
torna intrigante. Capaz de fazer aflorar conflitos e sensações que
reprimimos a maior parte do tempo. Posar para uma fotografia é se
expor, em todos os sentidos; expor-se, também, às tentações e
riscos de uma exibição, é desvendar sua imagem a uma plateia
imponderável, através de um documento que – supõe-se – não sabe
mentir. As luzes da cena atraem e atemorizam ao mesmo tempo.
2.2.1.2 Blog
[...] nada mais privado, porém, vale lembrar, que um diário íntimo à
moda antiga. Esses prezados objetos eram furtados à curiosidade
alheia, guardados em gavetas e esconderijos secretos, muitas vezes
protegidos por meio de chaves, cadeados ou senhas ocultas.
Chegavam a se converter, inclusive, em atividades seriamente
proibidas e perseguidas por maridos, pais e outras figuras
autoritárias. Enquanto isso, o universo dos computadores e celulares
ligados à internet, essa autêntica rede de intrigas com seus pontos
de fuga e seus inúmeros furos nas nuvens virtuais, não parece um
ambiente propício para a preservação dos segredos. E talvez nem
pretenda sê-lo, pelo menos nesse terreno das confissões
transmidiáticas, apesar dos escândalos que de vez em quando
estouram pelos ambíguos vazamentos de fotos, e-mails ou vídeos
éxtimos.
2.2.1.3 Streaming
dias atuais, em face de um ambiente em que todos parecem estar em débito com o
tempo, por não conseguirem cumprir todas as tarefas necessárias do dia a dia.
É claro que grande parte dos exibicionistas digitais de hoje são adolescentes,
carentes por atenção e afeição, que geralmente ficam sozinhos a maior parte do
tempo em face dos compromissos e do trabalho dos pais. Com certeza, eles sempre
devem estar em débito com as atividades escolares, pois um dos grandes
problemas da educação escolar tradicional é a falta de interesse deles em cumprir a
atividade extraclasse. Quando dizem que não têm “nada para fazer”, eles querem
dizer, na verdade, que não têm atividades prazerosas para executar, e o
exibicionismo é um tipo de atividade afetiva em grupo – estar conectado e se
mostrar supre parte dessa necessidade de pertencimento a uma “tribo”, de acordo
com a citação anterior de Maffesoli.
Assim como acontece com qualquer grupo, sempre há pessoas que se
destacam, atraindo a maior parte da atenção para si e fazendo de tudo para
conseguir a visibilidade almejada. Para isso, tudo é válido, inclusive atender aos
pedidos mais “ousados” e sem pudores dos voyeuristas interativos: tirar a roupa, se
masturbar em frente às câmeras, se ferir e se humilhar. Tudo para responder à ânsia
daqueles que se sentem empoderados pelo olhar escopofílico e fetichizado de
“possuir” a completa intimidade da pessoa observada.
Em vídeos e fotografias selfies, mesmo naqueles mais pudicos, o
enquadramento costuma ser médio ou em primeiro plano (da cintura ou do busto
para cima) e em plongé (na diagonal superior), tipo de quadro usado para enquadrar
o torso ou o busto além do rosto – com certeza, elas são as partes mais importantes
para o exibicionista. Nessas imagens, boa parte dos homens aparece sem camisa, e
as mulheres trazem roupas com grandes decotes nos seios, quando não os
mostram por completo, o que gerou a expressão adolescente contemporânea “pagar
peitinho”.
Quando alguém transmite um vídeo nos dias atuais, ele/ela acredita ser o
foco das atenções, já que a transmissão é unilateral na maioria dos casos dos
streamings ao vivo. O feedback diz respeito ao número de usuários que interagem
com o vídeo, seja apenas como es(x)pectador, ou através de “comentários”,
“compartilhamentos” e/ou “curtidas”. A pessoa que se exibe, em muitos casos, não
acompanha as informações tempo real, assim, ela tem a sensação do monólogo, do
185
controle, de ser o centro das atenções. Desta maneira, ela supre a necessidade de
popularidade dada pela dependência da interação alheia. Em vários momentos, o
exibicionismo extrapola os limites socialmente convencionados do pudor e da moral,
como já citados e que serão melhor discutidos no item a seguir.
[...] matou uma dezena de pessoas com uma arma de fogo num
centro comercial da região central dos Estados Unidos. No bilhete
que deixou antes de cometer suicídio, o adolescente confessava
seus motivos e sua intenção: morrer ‘com estilo’ para poder, enfim,
‘ser famoso’”.
!
Figura 48. “S&Man”, de J. T. Petty. Frame de filme em longa-metragem. 2006. Fonte: <http://
horrornews.net/wp-content/uploads/2010/10/SMan-Sandman-2006-movie-4.jpg>. Acesso em:
15/07/2017.
37 Preferiu-se abordar tal assunto neste tópico por conta de uma metodologia mais didática ao
discorrer sobre a morte, assunto que não foi analisado no capítulo que tratou do voyeurismo. A
ficcionalização de cenas íntimas nas produções de terror e a posterior entrega à observação dos
voyeurs es(x)petadores também possuem forte ligação com uma tendência exibicionista da tragédia
alheia ou pessoal.
188
38 Foi noticiado na época que o diretor do filme ficou detido até provar que os atores do filme estavam
vivos.
189
Isso leva a crer que sexo e morte são temas íntimos por definição e, logo,
despertam grande interesse nos observadores devido ao “gosto pelo proibido” e pelo
que é ainda “velado” (noções, em suma, voyeuristas), mas que agora devem ser
explicitados (de maneira exibicionista) para a satisfação de todos. Outra questão
atual e preocupante concerne aos literalmente violentos “jogos” de internet que se
disseminam por todo o mundo e levam os usuários a participar de experiências
humilhantes, a se autoflagelar e até ao suicídio.
Nos últimos anos, tornaram-se comuns os “jogos” de sufocamento online, em
que os participantes, em sua maioria, adolescentes, induziam os próprios
sufocamentos ou inalavam substâncias químicas em frente à webcam até
desmaiarem – em alguns casos, chegaram ao óbito. Um exemplo mais recente é o
polêmico “jogo” chamado de “Blue Whale” (“Baleia Azul”), o qual solicita que o
jogador cumpra missões diariamente durante 50 dias, nas madrugadas, sobretudo.
Esse “jogo” propõe desafios macabros, como se fotografar assistindo a filmes de
terror, se automutilar, ficar doente e até cometer suicídio. Também praticado em
grande parte por adolescentes, esse “jogo” é acusado como o responsável por
dezenas de suicídios no mundo todo, incluindo no Brasil. Especialistas afirmam que
os jovens que se submetem a esses tipos de atividades masoquistas podem ter
tendências depressivas ou outros transtornos psíquicos.
Em face da tecnoscopia exacerbada, pode-se concluir que o que leva os
jovens a ter tais atitudes é a “necessidade de ser visto”: sempre há um público, e a
experiência nunca é individualista. As imagens são “postadas” e “compartilhadas”
190
pelo menos no grupo de jogadores; logo, o que induz à participação não são
simplesmente as questões psicológicas pessoais (que, de fato, também
influenciam), nem mesmo os desafios do “jogo” – mas sim a possibilidade de serem
os “protagonistas do espetáculo tecnoscopista”, não mais os coadjuvantes e,
tampouco, meros espectadores. Para isso, vale mostrar toda sua vida ou se privar
dela.
Ainda há decorrências perigosas e abordadas de maneira sensacionalista que
também relacionam o exibicionismo à morte. Uma notícia divulgada em 2015, por
exemplo, afirmava que selfies matam mais do que ataques de tubarões. O número
de acidentes relacionados à falta de atenção por conta da realização de fotografias e
vídeos selfies aumenta a cada dia, o que torna essa notícia cômica e aparentemente
irreal, mas, ironicamente, é um fato a ser considerado. O site Extra (2014b) citou
que, em abril de 2014, uma americana de 32 anos bateu o carro e morreu na
Carolina do Norte, depois de postar um selfie no Facebook: “De acordo com o jornal
britânico Daily Mirror, a última mensagem da mulher na rede social foi publicada às
8h33min e, um minuto depois, o serviço de emergência 911 recebeu a primeira
chamada de socorro”. Apenas dois meses depois, em junho de 2014, o mesmo site
lançou a notícia de que uma estudante de 16 anos faleceu em Taranto, sul da Itália,
após cair de uma altura de 20 metros enquanto tirava um selfie à borda de um
penhasco (EXTRA, 2014a).
Sibilia (2016) aborda que tais notícias reafirmam o mito de Narciso na
contemporaneidade, pois, assim como o personagem mitológico, essas pessoas se
afogam no reflexo da própria imagem. Tal mito acompanhou esta discussão, pois a
sabedoria grega soube visionar o certo futuro da subjetividade humana.
Entorpecidos de “si mesmos”, não há outro caminho senão o afogamento na
vaidade. Isso pode parecer didático e moralista, mas, de fato, o exibicionista-
narcisista-dependente contemporâneo construiu armadilhas na busca pela fama. A
relativamente longa introdução a esta seção é necessária para o entendimento das
questões discutidas nos itens a seguir, atinentes às decorrências do exibicionismo
tecnoscópico a partir da sexualidade e da tragicidade em rede: sexting, leaks e
cyberbullying.
191
2.2.2.1 Sexting
Esse tipo de sexo mediado não deixa de ser pleno e satisfatório, mesmo
considerando a distância e a “frieza” das máquinas mediadoras: “Embora haja
ausência de contato físico direto, outros elementos importantes para o erotismo
estão presentes: o sensorial, refletido nas respostas físicas e fisiológicas dos corpos;
e o imaginário” (PEREIRA; CARDOSO, 2014, p. 249). Dentre uma grande
quantidade de apps 39 que permitem esse tipo de relação – consequentemente, e se
houver interesse recíproco, encontros in loco entre casais –, destacam-se Grindr,
Tinder, Bender, Scruff e Badoo.
Para Norbiato (2013, p. 74), a grande vantagem desses apps para a busca
por parceiros sexuais vai além da gratuidade e da ‘‘portabilidade’’ via celular ou
tablet, pois permitem a localização geográfica de possíveis parceiros “reais”, o que
torna a seleção deles muito mais simples: “Esteja onde estiver, o localizador GPS do
celular é ativado e aponta potenciais parceiros em diferentes raios, dependendo do
aplicativo utilizado e da seleção do usuário”.
Recentemente, um aplicativo integrado ao Facebook causou certa polêmica
pela explicidade de sua proposta: o Bang with Friends. Nele, o usuário seleciona em
sua rede de amigos do Facebook aqueles que gostaria de levar para a cama e,
quando o amigo em questão usa o aplicativo e o escolhe, ambos são informados e
combinam o encontro. Ou seja, os melindres e as preliminares do jogo da sedução
são eliminados, dado que a vontade mútua da relação sexual já foi demonstrada;
assim, o sexo pode ocorrer sem o “ritual” básico do primeiro contato interpessoal e
sem atender às “tradicionais regras da conquista amorosa”.
Para além dos aplicativos que se propõem a concretizar o encontro físico e in
loco para a relação sexual, atuando como facilitadores do primeiro contato, há
práticas contemporâneas direcionadas para um tipo de sexo virtual à distância, via
internet – em alguns casos, os amantes nunca chegam a se encontrar de fato –,
estes são nomeados hoje como sexting. O termo traz “[...] um neologismo formado
pela mistura das palavras ‘sex’ e ‘texting’ (o ato de mandar mensagens de texto pelo
celular)” (BUSCATO et al., 2014, n.p.). Assim como outras tendências e modismos
exibicionistas tecnoscópicos – o selfie e o streaming ao vivo recém citados, por
exemplo –, o sexting é mais comum entre os adolescentes. Nessa prática, “[...] fotos
que revelam o corpo e vídeos do momento a dois são capturados por câmeras cada
vez mais poderosas e enviados ao parceiro ou pretendente, como parte do jogo de
sedução. Ou como prova de confiança” (idem).
2.2.2.2 Leak
41 Julian Assange é um jornalista, escritor e ciberativista australiano. Ficou famoso pela criação do
site WikiLeaks em 2006, um portal de denúncias e vazamento de informações em que usuários
podem publicar anonimamente dados considerados confidenciais. Em 2010, um mês depois da
divulgação de documentos secretos do exército americano sobre a guerra do Afeganistão, a justiça
da Suécia expediu dois mandados de prisão contra Assange, um deles por estupro e outro por
agressão sexual. Em 2012, ele recebeu asilo político na embaixada do Equador em Londres, onde
vive até o momento.
197
Histórias ocorridas nos últimos anos são exemplares desse aspecto. Algumas
delas serão elencadas na citação a seguir, de acordo com matérias publicadas em
duas importantes mídias do Brasil, para demonstrar que esse é um problema social
ainda sem uma solução eficaz:
II. “Ele tirou minha vida, não tenho mais vida. Não consigo sair, não
consigo estudar, trabalhar”, disse ao programa Fantástico, da TV
Globo, uma jovem de 19 anos de Goiânia conhecida como Fran. Ela
acusa um ex-parceiro (ele nega) de ter divulgado no WhatsApp
vídeos e fotos em que ela se expõe nua para ele, fazendo gestos
alusivos a sexo. As imagens se espalharam pela internet e
começaram a ser imitadas de forma jocosa até por pessoas famosas,
sempre associadas ao nome da jovem. Fran disse que teve de deixar
o emprego como vendedora de loja, afastou-se da faculdade e
mudou de aparência, na tentativa de não ser mais reconhecida nas
ruas (idem).
IV. A paulista G.N., de 28 anos, não pôde contar nem com o apoio da
família quando o ex-namorado publicou fotos dela nua num perfil
falso no Orkut, em 2006. “Eu passava o dia inteiro procurando
minhas fotos e meus perfis falsos na internet”, diz G.N. As imagens
haviam sido enviadas por ela durante o relacionamento à distância
com um primo que morava na Itália e pedia provas de amor.
Terminado o namoro, ele ainda mandou as fotos aos pais de G.N.
pelo correio. Ela diz que eles não apoiaram sequer que ela
denunciasse a violência e a culparam pelo vazamento das fotos. O
problema nunca foi resolvido. Até hoje, G.N. esconde o rosto em
redes sociais, para evitar ser identificada. Usa pseudônimo no crachá
da empresa (ibidem).
V. [...] a carioca M., hoje com 22 anos [...] tinha 15 anos quando
vídeos seus com conteúdo sexual foram parar na internet. M. foi
vítima do ciúme da namorada de um ex-parceiro. A garota descobriu
os vídeos íntimos que M. mandara a ele durante o relacionamento e
a chantageou. M. não cedeu à pressão, e o vídeo foi parar nas mãos
dos colegas de escola. Até hoje, sete anos depois, pode ser
encontrado na internet, com direito à identificação, com nome e o
bairro onde ela morava. M. chegou a registrar queixa na polícia. A
denúncia não avançou porque ela não conseguiu provar que a garota
era a responsável pelo vazamento. M. teve de se conformar em viver
escondida sob um codinome. “Sinto falta de poder falar meu nome.
Ele era lindo”, diz (ibidem).
VI. Bruna, 13, não acreditou quando sua foto de lingerie, que havia
dado a um garoto, passou a circular no grupo de WhatsApp “Ousadia
e Putaria”, que reúne dezenas de rapazes de sua cidade. “Agora
todos riem de mim”, escreveu a menina, que cortou os pulsos e está
internada no hospital. Bruna não foi a única a ter suas fotos com
trajes íntimos divulgadas. Luísa, 13, foi ofendida nos corredores da
escola. Já Carla, 17, hostilizada pela vizinhança, foi à polícia. Mas,
surpresa: o estagiário da delegacia fazia parte do grupo, e o boletim
de ocorrência foi parar no “Ousadia”. [...] O delegado, Paulo Peixoto,
nega que a polícia tenha agido com preconceito e culpa o estagiário.
“Foi demitido no dia seguinte”. Cerca de 40 suspeitos, entre adultos e
adolescentes, serão ouvidos. Eles podem ser acusados de crime
contra o direito à privacidade. No caso das fotos envolvendo
menores, a punição é maior. [...] “Eu tinha um namorado que
passava confiança. Ele mandou uma foto e pediu uma também.
Mandei uma de calcinha e sutiã. Agora todos riem de mim. Meu pai
disse que não sou um exemplo de filha”, disse Bruna, 13 [...]
(SPERB, 2015, n.p.).
2.2.2.3 Cyberbullying
42 Discutido no Capítulo 1.
203
43 Uma tag é o correspondente em inglês para etiqueta. No âmbito da informática, trata-se de uma
palavra-chave ou um termo referente a uma informação, que permite que ela seja encontrada nos
sistemas de busca da web 2.0.
205
44 Deepweb e darknet referem-se a conteúdos não indexados nos buscadores convencionais da web
(como o Google) e que são acessados por meio de navegadores e serviços específicos que garantem
o anonimato dos usuários que ali navegam. Por conta disso, impossibilitam o rastreamento de tais
indivíduos, em que as plataformas são utilizadas também para atividades criminosas.
206
45 “Free the Nipple” (“Liberte o Mamilo”) é um movimento de igualdade de gênero originário do filme
homônimo da cineasta Lina Esco (1985-), de 2014. Luta-se pelo direito igualitário entre mulheres e
homens, pois a ambos deveriam ser concedidos liberdade e proteção de maneira idêntica e nos
termos da lei, incluindo poder mostrar os mamilos em público.
46 “Femen” é um grupo feminista da Ucrânia, fundado em 2008 pela ativista Anna Hutsol (1984-). O
grupo realiza protestos com mulheres de topless, tecendo críticas sobre turismo sexual, racismo,
homofobia, sexismo e outras questões.
207
!
Figura 49. “Self-Portrait in Drag”, de Andy Warhol. Série fotográfica. 1981. Fonte: <http://
www.complex.com/style/2015/05/collection-of-rare-andy-warhol-selfies-are-featured-in-sothebys-
contemporary-art-day-auction>. Acesso em: 20/05/2017.
!
Figura 50. “Rrose Sélavy”, de Marcel Duchamp e Man Ray. Fotografia. 1923. Fonte: <https://
www.fragrantica.com/news/Rrose-Sélavy-by-Maria-Candida-Gentile-8017.html>. Acesso em:
21/05/2017.
213
Ambas as obras não são autorretratos stricto sensu, pois não foram captados
pela própria pessoa em si, como muitos outros a seguir. Mas não é incorreto dizer
que tratam de autorretratos, dado que a concepção e o gênio criador do “artista-
modelo” são partes fundamentais da poética da obra. Outra questão que aproxima
tais criações da tecnoscopia contemporânea é a desconstrução da representação do
artista autorretratado. Nas duas obras, os autores se travestem e explicitam uma
personalidade criada para a ocasião, assim como as personas selfies atuais. Mas,
longe de serem simplesmente personagens encenados, tal como fazem os atores,
eles mostraram outros vieses das próprias personalidades, pois continuam sendo os
próprios artistas, mesmo travestidos.
Cindy Sherman (1954-) é outra referência no autorretrato poético
contemporâneo, que questiona o papel e a representação das mulheres na
sociedade, na mídia e na arte atual – desconstruindo arquétipos femininos, tabus e
convenções. Ela é produtora, realizadora e protagonista de todas as suas obras, nas
quais se responsabiliza por todo o processo de produção: idealização do
personagem, confecção do figurino, maquiagem, escolha das locações, iluminação,
performance em si e registro fotográfico. Em centenas de autorretratos realizados ao
longo de 40 anos, a artista também se transvestiu e, nesses casos, se inspirou em
personagens da cultura popular de revistas, programas de TV, filmes, internet,
famosas pinturas e fotografias da história da arte etc., mostrando retratos distorcidos
de si mesma, muitas vezes grotescos e bizarros. Em uma das suas primeiras séries
fotográficas, “Untitled Film Stills” (Figura 51), produzida entre 1977 e 1980, a artista
se guiou por imagens-clichês de filmes comerciais, principalmente de filmes B, para
mostrar como a mulher era vista e estereotipada pelo cinema de seu tempo.
!
Figura 51. “Untitled Film Stills”, de Cindy Sherman. Série fotográfica. 1977-1980. Fonte: <http://
www.christies.com/features/cindy-shermans-untitled-film-stills-4973-3.aspx>. Acesso em: 23/04/2017.
214
[...] quando era jovem, costumava escrever diários a fim de “reter sua
própria versão das coisas”. Isso aconteceu até o momento em que
ela descobriu as potências da câmera, uma ferramenta que lhe
ofereceria a inédita possibilidade de se “manter viva, sã e centrada”,
já que essa inscrição fotográfica de sua memória voluntária lhe
permitia “confiar na própria experiência” à medida que as coisas iam
acontecendo.
Figura 52. “Nan One Month after Being Battered”, de Nan Goldin. Fotografia. 1984. Fonte: <https://
ericatarina.wordpress.com/tag/nan-goldin/>. Acesso em 18/03/2017.
!
Figura 53. “Des Histoires Vraies”, de Sophie Calle. Livro de artista, série fotográfica e textos. 2002.
Fonte: <http://www.lepetitmariole.com/agenda/sophie-calle-au-theatre-liberte/>. Acesso em:
21/04/2017.
!
Figura 54. “Prenez Soin de Vous”, de Sophie Calle. Série fotográfica e textos. 2007. Fonte: <http://
www.saic.edu/vap/current/sophie-calle.html>. Acesso em: 18/03/2017.
Sendo assim, Sophie Calle coloca mais uma vez em cheque questões sobre o
público e o privado, ao publicizar sua privacidade e convidar o público – as 107
mulheres convocadas a responder a carta e o próprio es(x)pectador – para interagir
num jogo íntimo. É interessante notar que as três artistas – Sophie Calle, Cindy
Sherman e Nan Goldin – nasceram em datas bem próximas, entre 1953 e 1954, e
começaram a produzir obras autobiográficas nos 1970. As poéticas análogas
permitem refletir sobre o início da necessidade de mostrar a si mesmo na arte,
sobretudo para autoafirmar uma identidade feminina numa época em que as
mulheres começaram a se impor diante das desigualdades de gênero. O
exibicionismo, nesse entremeio, foi uma ferramenta fundamental para possibilitar a
217
desconstrução da mulher enquanto objeto idealizado, com o início de uma nova fase
de legitimação de obras de mulheres artistas que se autorretraram para criticar o
status quo. Soma-se a elas a artista da linguagem da performance Marina
Abramović, que será analisada no próximo item dedicado ao audiovisual. Pode-se
dizer que elas são as sucessoras contemporâneas de Frida Kahlo, pois possuem um
grande conjunto de obra autorrepresentativa que busca exprimir a individualidades
das próprias artistas, evitando tabus e clichês sexistas e culturais vigentes.
Outro artista também já citado nas discussões sobre a arte voyeurista
contemporânea é o americano Roy Stuart que captou, em sua obra categorizada
como erótica, uma série de imagens que remetem ao exibicionismo sexual feminino.
Mais do que isso, ele desconstrói clichês pornográficos que costumam representar a
mulher apenas como um “objeto” sexualizado para o “consumo” (masturbação)
masculina, para mostrar que o exibicionismo do corpo e das genitálias femininas
pode ser instrumento de dominação, que submete os homens ao “poder” e ao
“prazer” da mulher. Em uma série de fotografias que abordam esse mote, pode-se
destacar a série “Dominus Miss Acordia” (Figura 55), de 2000, na qual dois homens
são submetidos a uma dominatrix despida de armas de tortura, em que usa seu
sexo para isso.
!
Figura 55. “Dominus Miss Acordia”, de Roy Stuart. Série fotográfica. 2000. Fonte: HANSEN, Dian.
Roy Stuart Volume II. Hohenzollernring: Taschen, 2008.
218
!
Figura 56. “Made in Heaven”, de Jeff Koons. Série fotográfica, esculturas e objetos. 1889-1991.
Fonte: <http://deste.gr/exhibition/jeff-koons-a-millennium-celebration/>. Acesso em 03/06/2017.
parte da proposta artística de Koons? Holzwarth (2010, p. 39) revela que “[...] Koons
sabia que tinha encontrado a musa dos seus sonhos em Cicciolina. Uma espécie de
ready-made ambulante”; logo, o artista tinha total consciência da apropriação de
duas figuras midiáticas (ele mesmo e sua esposa), e a sublimação destes para o
terreno da arte, a partir da superexposição de suas intimidades. Isso não era
novidade para Ilona, de fato, mas assim o era para Koons, pois foi a primeira vez
que o artista se autorretatou em plena atividade sexual. As imagens remetem ao
pecado original bíblico, o que justifica o nome da obra. A produção já apontava
várias questões recorrentes na atualidade, como a maneira cada vez mais explícita
de exibir uma intimidade matrimonial, valendo-se do meio fotográfico para isso.
Avançando para o contexto de um exibicionismo online e mais focado nas
questões dos últimos anos, o projeto “24 Hrs in Photos” (“24 Horas em Fotos”),
elaborado pelo artista de holandês Erik Kessels (1966-) em 2011, foi realizado a
partir do download de 250 mil fotos postadas no período de 24 horas no sistema de
compartilhamento de fotografias Flickr, sendo impressas a posteriori (Figura 57).
!
Figura 57. “24 Hrs In Photos”, de Erik Kessels. Instalação. 2011. Fonte: <http://kesselskramer.com/
exhibitions/24-hrs-of-photos>. Acesso em 19/01/2017.
220
A pretensão de Erik Kessels era dar uma amostra física da gigantesca escala
numérica de fotografias enviadas diariamente ao site, em que foram empilhadas e
amontadas de modo aleatório, criando grandes montes de papel que foram exibidos
em galerias de artes e outros locais, incluindo igrejas, o que pode trazer
questionamentos sobre a “aura” e a “sacralidade” da imagem fotográfica digital nos
dias atuais.
O artista brasileiro Felipe Cama (1970-) possui vários trabalhos baseados na
cultura digital e na intermitente conectividade, em que aborda aspectos de um
exibicionismo tecnoscópico. Em “Autorretratos Estatísticos”, de 2012, ele se vale de
seu estado de humor, exames médicos, informações corriqueiras do dia a dia, entre
outros, e transforma os dados em gráficos que são pintados ou impressos,
culminando em “[...] um resultado visual geométrico e, por vezes, construtivista, num
jogo poético sobre o que define uma pessoa” (NORBIATO; ALZUGARAY, 2014, p.
56). Em outro trabalho, numa série de pinturas chamada de “Notícias de Lugar
Nenhum – Made in China” (Figura 58), de 2010, o artista se apropria de diversas
fotografias que pessoas fizeram de frente à Cidade Proibida da China – uma dessas
imagens, inclusive, traz um selfie dele próprio.
!
Figura 58. “Notícias de Lugar Nenhum - Made in China”, de Felipe Cama. Série de pinturas a óleo
sobre tela. 2010. Fonte: <http://www.conhecendomuseus.com.br/museus/museu-de-arte-
contemporanea-mac-usp/>. Acesso em 18/03/2017.
Nas duas produções, Cama se vale de uma linguagem tradicional para abordar
poeticamente questões tecnoscópicas contemporâneas. Apesar de ser constituída
por pinturas, a fotografia é determinante na obra “Lugar Nenhum – Made in China” e,
de certa forma, está implícita nos autorretratos computacionais a partir dos gráficos
gerados e posteriormente pintados em “Autorretratos Estatísticos”.
Os artistas italianos Alessandro Ludovico (1969-) e Paolo Cirio (1979-)
elaboraram em 2011 a instalação/site “Face to Facebook” (“Rostos para o
Facebook”), a partir da extração de um milhão de perfis dessa rede social para
alimentar um site de encontros virtuais 47 criado pelos artistas para a obra. Os artistas
utilizaram um software de reconhecimento de padrões faciais, com o objetivo de
encontrar combinações entre usuários diversos e, assim, propor a formação de
casais de acordo com a similaridade facial deles (Figura 59).
!
Figura 59. “Face to Facebook”, de Alessandro Ludovico e Paolo Cirio. Série fotográfica. 2011. Fonte:
<http://www.face-to-facebook.net/face-to-facebook.php>. Acesso em 18/03/2017.
!
Figura 60. “No Delete”, de Jeff Hamilton. Série fotográfica. 2014. Fonte: <http://goo.gl/y59Afq>.
Acesso em 23/09/2014.
!
Figura 61. “Memento Mori”, de Pablo Garcia. Série fotográfica. 2015. Fonte: <http://pablogarcia.org/
projects/memento-mori-selfie-stick/>. Acesso em 21/04/2017.
Esses são apenas alguns exemplos significativos que permitem uma ampla
reflexão com as questões teóricas ora abordadas. Concomitantemente às produções
fotográficas ou que se valeram de fotografias, o audiovisual tem grande contribuição
para o entendimento do exibicionismo tecnoscópico, como será discorrido a seguir.
49 Emojis, também conhecidos como emoticons, são imagens na forma de ícones e símbolos usadas
em mensagens digitais e textos diversos na internet. Eles mostram expressões faciais, objetos,
lugares, animais, tipos de clima etc.
!
Figura 61. “Tarnation”, de Jonathan Caouette. Frame de filme em longa-metragem. 2003. Fonte:
<https://i.ytimg.com/vi/sV2AsTHrkWg/maxresdefault.jpg>. Acesso em 03/07/2017.
225
possui uma fenda que exibe toda a sua vagina. A própria Marina Abramović fez uma
releitura dessa performance em 2006, 37 anos depois de a original ter acontecido.
!
Figura 62. “Rhythm 0”, de Marina Abramović. Performance captada em filme e vídeo. 1974. Fonte:
<https://lydiagledhill.wordpress.com/artist-influences-3/>. Acesso em 21/04/2017.
!
Figura 63. “Genitalpanik”, de Valie Export. Performance captada em filme. 1969. Fonte: <https://
alchetron.com/Valie-Export-530427-W>. Acesso em 21/04/2017.
227
!
Figura 64. “I’m Too Sad To Tell You”, de Bas Jan Ader. Performance captada em filme. 1971. Fonte:
<https://mubi.com/films/im-too-sad-to-tell-you>. Acesso em 21/04/2017.
Com uma proposta próxima à anterior, mas, dessa vez, em âmbito sexual e
sem uma pretensão, pelo menos a princípio, artística de per si, o site Beautiful
Agony52 (Figura 65) também traz como temática o exibicionismo da intimidade, em
que conta com a alimentação virtual de vídeos selfies enviados pelos próprios
usuários. A plataforma é composta por vídeos nos quais as pessoas captam os
próprios orgasmos, a maioria com close no rosto, seguidos ou precedidos de
confissões e relatos pessoais.
!
Figura 65. Frame de vídeo disponibilizado pelos próprios usuários no site Beautiful Agony. Fonte:
<http://www.sickchirpse.com/tag/jul-rc/>. Acesso em 18/03/2017.
!
Figura 66. “Untitled”, de Andrea Fraser. Performance captada em vídeo. 2003. Fonte: <https://
twitter.com/kunst_is_dead/status/771785842603991040>. Acesso em 14/04/2017.
[...] by removing the bath from it’s original setting, and projecting the
video in a corridor space, I wanted people to question the limitations
of public and private. While the movement is mundane, the conflict
occurs in the spatial element of the work: by projecting vertically,
reinforcing the camera angle, the bath is juxtaposed onto the floor,
230
and purity and dirt are in direct contact. Through physically looking
down on a female nude who washes without any awareness of being
observed, the audience is made to feel like a voyeur, inspiring further
political connotations, through an awareness of the male gaze
(SIMPKINS, 2013, n.p.).
!
Figura 67. “Untitled”, de Eva Goldwyn Simpkins. Videoinstalação. 2013. Fonte: <http://
www.evagoldwynsimpkins.co.uk>. Acesso em 14/04/2017.
!
Figura 68. “The E! True Hollywood Story”, de Martin Sastre. Videoarte. 2000. Fonte: <http://musac.es/
FOTOS/OBRAS/12081738081107890195up1copycopiatn.jpg>. Acesso em 25/09/2014.
!
Figura 69. “Listening Post”, de Mark Hansen e Ben Rubín. Videoinstalação. 2001. Fonte: <http://
www.ooekulturquartier.at/presse/cyberarts-04/>. Acesso em 18/03/2017.
232
!
Figura 70. “Mass Ornament”, de Natalie Boochkin. Videoarte. 2009. Fonte: <http://bagger-
ce.blogspot.com.br/2011/07/mass-ornament-2009-natalie-bookchin.html>. Acesso em 18/03/2017.
! !
Figura 71. “My Way 2”, de Amie Siegel. Videoinstalação. 2009. Fonte: <http://amiesiegel.net/detail/
my_way>. Acesso em 21/04/2017.
Para finalizar, em “Hello World! or: How I Learned to Stop Listening and Love
the Noise” (Figura 72), de 2008, o americano Christopher Baker (1973-) produziu
uma videoinstalação composta por milhares de diários em vídeo, com depoimentos
em primeira pessoa para a câmera (selfies) realizados por usuários do mundo todo e
apropriados para essa produção.
234
!
Figura 72. “Hello World! or: How I Learned to Stop Listening and Love the Noise”, de Christopher
Baker. Videoinstalação. 2008. Fonte: <http://www.saatchigallery.com/artists/artpages/
christopher_baker_hello_world1.htm>. Acesso em 18/03/2017.
Eles sabem mais sobre você do que você mesmo. […] Vocês sabem
que busca fizeram dois anos, três dias e quatro horas atrás? Vocês
não sabem, mas o Google sim (ASSANGE, 2013, p. 85).
3.1 Panóptico
(1748-1832) ao modelo de arquitetura criado por ele (Figura 73), com o objetivo de
permitir uma constante vigilância, a partir da distribuição de celas que cercam uma
torre central em um edifício circular. Esse tipo de arquitetura foi uma ferramenta de
observação e controle em diversas instituições, como prisões, manicômios,
hospitais, fábricas e escolas, mas seu maior uso se deu no sistema carcerário. A
partir do século XX, a estrutura panóptica foi de extrema importância para estudos
relativos aos modelos de vigilância pública, curiosamente muito mais utilizado nesse
âmbito epistemológico do que propriamente no contexto arquitetural.
!
Figura 73. Fotografia de presídio projetado de acordo com sistema panóptico de Jeremy Bentham.
Fonte: <http://educaoenovastics.blogspot.com/2010/09>. Acesso em 04/04/2011.
Roudinesco e Plon (1998) citam que o prefixo pan dá à palavra ligada a ele
dois possíveis sentidos: 1. Não há nada fora do que é designado pelo termo ligado;
e/ou 2. A ideia de algo universal. Os modelos de vigilância modernos e
contemporâneos que se valem do panóptico como metáfora ou princípio de
funcionalidade atendem, de certo modo, aos dois sentidos citados: a vigilância quer
239
captar tudo, em tempo real, em que nada pode ficar fora e, por isso, deve ser global
(universal).
De certa forma, a potencialidade universal da vigilância foi conquistada na
contemporaneidade com a tecnoscopia, ultrapassando exponencialmente os desejos
mais otimistas de Jeremy Bentham sobre o panóptico que, enquanto “arquitetura
imaterial”, se apresenta como a “morada” contemporânea do capitalismo e da
globalização. Essa estrutura ganhou força justamente quando transcendeu essa
“materialidade arquitetural” e passou não apenas ao mundo das ideias, mas também
ao imaterial mundo do espectro eletromagnético e da transmissão binária de dados
em rede.
Os itens a seguir detalharão separadamente o panóptico enquanto sistema
arquitetônico e conceito, assim como sua materialização (ou imaterialização) nos
sistemas eletrônicos que viriam a deflagrar a vigilância tecnoscópica, encerrando-se
o triângulo de forças escópico.
seria fazer com que os detentos “[...] por uma simples ideia de arquitetura se
sentissem vigiados, mesmo quando não houvesse vigia algum na torre central e
mesmo quando eles não estivessem sendo diretamente observados” (BENTHAM,
1994, p. 158).
A onipresença e a onividência do olhar são efetivas apenas na aparência, pois
os detentos jamais podem decidir se há ou não alguém na torre central (BRUNO,
2013). Ciente desse feito, Bentham (1994, p. 30-31) comemora:
55 Esses “upgrades panoptistas” serão melhor descritos e analisados na próxima seção desta tese.
242
Por sua vez, Bauman e Lyon (2013, p. 16) dizem que o modelo panóptico
obteve sucesso por permitir a imobilização dos prisioneiros e promover o movimento
dos observadores: “Era um plano, um diagrama, o desenho de um arquiteto. Mais
que isso, significava ‘arquitetura moral’, uma receita para refazer o mundo”. O uso
da palavra diagrama é interessante para o melhor entendimento do funcionamento
do panóptico. Para Deleuze (1986, p. 61 apud BRUNO, p. 27):
realidade distópica assolada por uma interminável disputa bélica entre três
“superestados”: Oceania, Eurásia e Lestásia. Os protagonistas do livro habitam a
Oceania, um estado totalitarista e governado por “Big Brother” (“Grande Irmão”), um
tirano que pode observar a todos, sempre que quiser, por meio de dispositivos
instalados em diversos locais e residências, chamados de “teletelas” (Figura 74). O
“Big Brother” encarnava em si mesmo a potência divina – ele era um ser onipotente,
onividente e onipresente.
!
Figura 74. “Nineteen Eighty-Four”, de Michael Radford. Frame de filme em longa-metragem
(mostrando o personagem “Big Brother” em uma teletela). 1984. Fonte: <http://
www.olhardireto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?id=6972>. Acesso em 07/06/2016.
Tal livro foi adaptado em duas ocasiões para o cinema: em 1956, sob a
direção do inglês Michael Anderson (1920-), e no próprio ano de 1984, com direção
do indiano Michael Radford (1946-). Além dos longas-metragens, tanto o livro quanto
o autor se tornaram referência para várias obras e discussões acerca de distopias,
autoritarismo e, é claro, vigilância global, em que passou a ser comum empregar o
adjetivo “orwelliano” para tratar desses temas. Bambozzi, Bastos e Minelli (2010)
afirmam que, mais de 50 anos depois da publicação do livro, a metáfora do “Big
Brother” ainda predomina na cultura popular para descrever quaisquer sociedades
de vigilância.
244
Assim como os personagens de “1984”, que sabiam que eram visíveis aos
olhos do “Big Brother” por meio das “teletelas” onipresentes, a autorregulação
panoptista concretiza o ideal cristão de fazer seus fiéis crerem que estão sempre
visíveis aos olhos de Deus: onipotente, onividente e onipresente. E as incontáveis
câmeras de vigilância espalhadas pelo globo remetem ao modelo “orwelliano” de
controle social, ao passo que os novos sistemas tecnoscópicos da
contemporaneidade se fazem ainda mais potentes e eficazes do que as câmeras
“bigbrotheranas”, ultrapassando, em certa medida, tanto o modelo “orwelliano” de
per si como o secular sistema panóptico enquanto diagrama e modelo de vigilância
perfeitos.
em 1824 para vigiar a população passante”. É interessante notar que o ser humano
sempre buscou algum tipo de mediação para poder olhar sem ser visto, como na
câmera supracitada que antecede a invenção da própria fotografia. As primeiras
formas de paranoia advindas de um constante sentimento de insegurança podem ter
sido suscitadas pela invenção do panóptico no século XVIII, pois a ele seguiram
várias invenções óptico-técnicas que atuavam como sistemas de vigilância/
segurança: câmera obscura, binóculos e telescópios domésticos e o famoso
dispositivo de segurança doméstica olho mágico. Sobre este, Beiguelman (2013, p.
113) descreve que:
novos panópticos eletrônicos ficam nos próprios bolsos. A tecnoscopia leva essa
situação para além e praticamente todos os setores da vida cotidiana, pois, hoje,
ninguém é forçado a carregar o telefone celular constantemente como exigência do
trabalho, a exemplo dos bips usados pela geração pré-aparelho celular.
Esses novos panópticos se constituem no ciberespaço, isto é, no espaço
tecnoscópico. A diferença entre eles e o panoptismo “clássico” reside justamente na
instauração da tecnoscopia plena, em que a lógica voyeurista/exibicionista
tecnológica atua como amplificadora do diagrama do panóptico. Mesmo que as
câmeras de vigilância unilaterais tenham maximizado o panóptico, hoje há uma
diversidade de novas e potentes câmeras: webcams, handycams, câmeras de
aparelhos celulares e tablets, microcâmeras espiãs, câmeras 360°, Google Street
View, drones, câmeras infravermelho e ultrassônicas, câmeras inteligentes, câmeras
com sensores para jogos, câmeras de tecnologias vestíveis, entre outras. Isso sem
considerar os dispositivos dotados de tecnologias de rastreamento e geolocalização
(GPS, RFID etc.) e de biometria e identificação (hoje disponíveis em aparelhos
celulares e notebooks, permitindo compras online por identificação biométrica, o
aumento da segurança, entre outras “vantagens”). Estes também incorporam um
“olhar onividente”, apesar de não possuírem câmeras de vídeo propriamente ditas.
Vale ressaltar que os dispositivos listados são exponencialmente mais onipresentes
do que as incontáveis câmeras dos circuitos de videovigilância do século XX.
Em inglês, a tradução de vigilância é surveillance. Bruno (2013, p. 138)
aborda a relação interessante entre essa expressão e a palavra surveying, que se
refere ao ato de produzir mapas: “[...] ‘survey’ em português tem o sentido de
‘relatório’, ‘enquete’, ‘exame’... Trata-se, mais precisamente, de uma forma de ‘olhar
atenciosamente para algo’ ou de ‘examinar dados de áreas’ ou ‘construir mapas’”.
Como projeto arquitetônico, o panóptico se mostra eficaz também quando visto na
forma de um mapa (Figura 75), realizado pelo próprio Bentham como um “croqui
vigilante ideal”, pois esboça um elemento centralizador (a torre) e seus diversos
observados (nas celas).
McLuhan (1972, p. 25) assevera que o mapa oferecera no século XVI uma
nova visão de periferias de poder e riqueza:
56Metadados são informações ocultas que acompanham outros dados e mostram informações sobre
arquivos digitais diversos, como tamanho, data e horário de criação e de modificação,
posicionamento geográfico, autor, permissões de acesso, histórico de edições, informações técnicas
específicas – dependendo do tipo de arquivo, entre outras. Eles podem ser decodificados e exibidos
por um dispositivo digital – alguns pelo próprio sistema operacional e outros somente com softwares
específicos.
252
!
Figura 75. Símbolo/croqui do sistema arquitetônico panóptico, idealizado por Jeremy Betham. Fonte:
<http://ict4accountability.wordpress.com/tag/monitoring/>. Acesso em 07/01/2012.
Figura 76. Mapa mundi do século XVIII, segundo a projeção cartográfica planisfério azimutal. Fonte:
<https://www.flickr.com/photos/mapasartisticos/6167814043>. Acesso em 19/03/2017.
253
57 Hoje, sabe-se que isso não é verdade, pois as ferramentas contemporâneas de vigilância têm
acesso a todos os dados de usuários de fato (não “apenas” aos metadados), de acordo com
parcerias entre governos e empresas específicas.
254
De acordo com Bigo (2008), o novo conceito combina a ideia inicial de “ban”,
de Jean-Luc Nancy (e desenvolvida posteriormente por Giorgio Agamben), com
“óptico”, em referência ao panóptico tratado por Foucault. Etimologicamente, o
prefixo ban tem origem grega, significa banimento e, aliado a óptico, referencia um
tipo de visão que tem o objetivo de excluir. Para Bauman e Lyon (2013), banóptico é
256
um termo feliz, ainda que aparente mais um trocadilho do que uma lógica semântica,
pois, semanticamente, define a exclusão de quem é visto e, nesse caso, o sujeito
excluído deveria se perder de vista. Na prática, a vigilância continua a ver esse
sujeito (teoricamente) para sempre, uma vez que garante a exclusão econômica,
política ou social da pessoa excluída, mesmo tendo ela sempre em vista
(controlada). Então, enquanto o panóptico colocava todos à vista para controlá-los, o
banóptico faz isso para selecionar e excluir, tentando evitar problemas futuros.
O banóptico é uma das “faces” da vigilância contemporânea mais explícita,
em que a maioria das pessoas reconhece como vigilância de per si. Essa nova face
da vigilância contemporânea foi, sem dúvida, a mais abordada nas últimas décadas
por pesquisas, congressos, manifestações, documentários, reportagens, filmes,
obras de arte, entre outros que teceram preocupações, debates e reflexões acerca
de uma vigilância global com fins governamentais e, em grande parte, bélicos.
Como vigilância implícita e camuflada nos serviços voyeuristas e
exibicionistas tecnoscópicos (que será abordada na próxima seção), o sinóptico é
hoje ainda mais eficaz e preocupante que o banóptico. Enquanto a vigilância
panóptica “clássica” é tão corriqueira na atualidade que já foi incorporada pelo
urbanismo contemporâneo, a vigilância banóptica se apropria da retórica do
contraterrorismo e da insegurança global para ser a que mais suscita indagações de
movimentos ativistas no mundo todo, sobretudo por estar diretamente relacionada a
questões bélicas e ao controle “capitalista-imperialista”, por parte das grandes
potências econômicas. O banóptico e o citado sinóptico possuem similaridades,
além de serem “upgrades digitais” do panóptico de Bentham. Dando continuidade ao
mesmo método adotado por esta pesquisa, a discussão a seguir tentará não focar
na diferenciação de tais conceitos, mas abordar suas atuações, recíprocas ou não,
no âmbito da tecnoscopia contemporânea.
O banóptico “[...] mostra quem é bem-vindo ou não, criando categorias de
pessoas excluídas não apenas de determinado estado-nação, mas de um conjunto
bastante amorfo e não unificado de potências globais” (BAUMAN; LYON, 2013, p.
71). Tais autores traçam relações entre esse tipo de sistema de vigilância e o conto
do autor Philip K. Dick (1928-1982), “Minority Report” (em português, “Relatório
Minoritário”), pois o banóptico opera no âmbito de uma vigilância preditiva e
preventiva. Tal obra foi publicada em 1956 e adaptada pelo cinema em 2002, com
257
A palavra paranoia tem sua etimologia no grego para, que significa contra, e
noss, relacionado a espírito. O DSM-5 se refere a ela no âmbito do Transtorno de
Personalidade Paranoide, com um comportamento a partir da “[...] desconfiança e
suspeita difusa dos outros, de modo que suas motivações são interpretadas como
malévolas” (APA, 2014, p. 649). Assim como as demais parafilias e transtornos
citados nesta tese, a paranoia parece também transcender as questões clínicas da
psicologia e da psicanálise para se instaurar no contexto social, sobretudo porque há
de fato um estado paranoico global que se difere do cânone psicanalítico do termo,
pois a paranoia contemporânea não é algo infundado. O medo do “terror” e da
criminalidade é recorrente nas ocasiões em que, de fato, nenhum mal ocorrerá. Mas
as chances de acontecer são reais e, por isso, a paranoia tecnoscópica é diferente
das categorias diagnósticas básicas do DSM-5.
Mekler (2015) relaciona a paranoia contemporânea à música “Every Breath
You Take”, composta em 1983 pela banda de rock inglesa “The Police”. Para a
autora, em tradução livre, a letra da música fala sobre “[...] indivíduos que a cada
respiração, a cada movimento, a cada passo, ‘estão observando você’. [...] Na ficção
ou na vida real, o paranoide vive em estado de observação, vigilância e
controle” (idem, p. 86). Nesse entremeio, Streker (2013) relata que há
verdadeiramente uma “paranoia cibersocial” generalizada que transcende, inclusive,
questões de segurança pública e medo do “terror” antes citadas. Na
contemporaneidade, informações podem facilmente viralizar nas redes sociais e,
então, provocar uma paranoia massiva digital e compulsiva.
Além disso, Mecler (2015) cita que até o recente fenômeno conhecido como
revenge porn, explicitamente tecnoscopista, é motivado por “paranoias cibersociais”,
pois a maioria dos “vazamentos” e “viralizações” de fotografias ou vídeos pode ser
262
[...] insistia em afirmar que eram duas coisas distintas, embora suas
conexões (eletrônicas) já estivessem evidentes. A segurança
transformou-se num empreendimento orientado para o futuro – agora
nitidamente descrito no filme e no romance intitulados Minority
Report (2002) – e funciona por meio da vigilância, tentando monitorar
o que vai acontecer pelo emprego de técnicas digitais e raciocínio
estatístico.
flâneur paranoico não é nada mais do que um voyeur maximizado pela tecnoscopia
que observa com o intuito de condenar. A exclusão banóptica cria também uma
espécie de exílio digital, na qual os exilados não são, necessariamente, obrigados a
se mudar de país – eles podem se exilar em sua terra natal, a partir do sentimento
de exclusão –, pois eles sofrem um considerável montante de preconceitos diários
(em sua maioria mediados pela tecnologia) que os forçam a serem reclusos ou a
evitar estar em determinados locais ou a usar determinados serviços. Alguns
autores, nesse âmbito, chegam a mencionar um suposto “apartheid digital”
contemporâneo.
É evidente que as maiores pretensões banópticas dizem respeito a questões
políticas e econômicas que partem de todas as retóricas de insegurança citadas,
mas que na verdade servem a outros propósitos: controle financeiro, manutenção do
status quo econômico das potências mundiais, erradicação das ameaças ao atual
sistema político-capitalista etc. Um major das Forças Armadas Americanas disse que
o “[...] domínio da batalha contemporânea começa com a capacidade de a pessoa
ver, visualizar, observar ou encontrar” (BAUMAN; LYON, 2013, p. 127).
Assange (2013, p. 62) aponta uma preocupante militarização do ciberespaço,
no sentido de uma ocupação militar:
obriga a deixar o vigia entrar em sua casa, pois sente muito medo das ameaças do
mundo e precisa de ajuda para combatê-las, ao passo que deve sempre convencer
o vigia de que ele próprio não é uma ameaça. E, no sinóptico, tratado a seguir, os
sujeitos abrem consensualmente as portas de suas casas em troca de conectividade
e visibilidade.
Ele aborda a vigilância global como uma grande “arma de opressão”. De fato,
a coleta de informações via cabos e o PRISM podem ser consideradas banópticas,
pois advêm da insegurança global e opera na exclusão e vigília de alvos vistos como
ameaçadores e também no controle dos indivíduos “incluídos”. No entanto, esse tipo
de vigilância ultrapassa o próprio banóptico, usando-o como retórica na maioria das
vezes. O “supersistema” PRISM, em especial, revela um recente e poderoso novo
tipo de panoptismo digital, uma vigilância tecnoscópica que utiliza “genialmente” os
270
[...] is composed of the Greek word syn which stands for ‘together’ or
‘at the same time’, and opticon, which, again, has to do with the
visual. It may be used to represent the situation where a large
number focuses on something in common which is condensed. In
other words, it may stand for the opposite of the situation where the
few see the many. In a two-way and significant double sense of the
word, we thus live in a viewer society. As I have said, the panoptical
and the synoptical structures show several conspicuous parallels in
development, and they together, precisely together, serve decisive
control functions in modem society.
Como visto, Mathiesen (1997) uniu a palavra grega syn (juntos) com o termo
óptico sempre utilizado nos sistemas de vigílias pós-panópticos. Essa “vigilância em
conjunto” é dada à medida que uma série de empresas e governos com interesses
diversos podem se concentrar especificamente no cidadão comum. Para Bruno
(2013, p. 46), sinóptico é “um modelo invertido do panóptico (onde poucos vigiam
muitos) que renova a face política, estética e tecnológica do antigo espetáculo das
sociedades de soberania. Como sabemos, as sociedades disciplinares invertem o
foco de visibilidade no exercício do poder”.
De acordo com Lyon (2015), pelo menos três dimensões da vigilância global
se evidenciaram após 2013: 1. Os governos realizam uma vigilância de massa com
os próprios cidadãos, ferindo a democracia básica; 2. As empresas compartilham
bancos de dados com o governo, visando benefício mútuo, pois aquelas procuram
contratos governamentais, e estes, acesso a dados; 3. Os cidadãos comuns, em
grande parte de suas atividades online, sem necessariamente estarem cientes disso,
disponibilizam informações para a NSA e outras agências diariamente.
Ao utilizar as tecnologias em rede contemporâneas, a privacidade está à
mercê de um grupo heterogêneo de indivíduos com objetivos vigilantes corporativos:
equipe técnica e de gestão dos programas, empresas de tecnologia que gerenciam
o software e seus parceiros comerciais que “compram” informações dos usuários
para alimentar o banco de dados de marketing direcionado, além dos próprios
governos. Em contrapartida, enquanto o sujeito comum está em evidência, os jogos
271
58 Conforme Hemment (2010), o termo mídias locativas é novo e pode ser contestado energicamente.
Para ele, uma interpretação mais solta se dá em dois sentidos: em relação ao “conjunto de
dispositivos e aparelhos disponíveis”, que permitem a mobilidade da informação; e ao ”movimento
tecnológico, social e artístico” conhecido por esse nome.
272
59 Cookies e web beacons são as duas tecnologias de rastreamento mais comumente usadas na
internet atualmente. Os cookies são arquivos armazenados no navegador web enquanto se navega
pela rede mundial, que contêm os metadados da navegação e podem ser visualizados a posteriori.
Por sua vez, os web beacons são objetos invisíveis e inclusos em uma página da web que permitem
o rastreamento do que o usuário faz em tempo real.
273
That is, some uses of big data may actually make some people more
vulnerable, and “big data surveillance” is just one such area. In
practice, big data has a close association with Big Brother – or rather
his twenty-first century digital descendants. The question before us is
how far big data intensifies certain surveillance trends associated with
information technologies and networks and is thus concerned with
emerging configurations of power and influence that are revealed,
especially post-Snowden.
tempo em que ela esteve conectada, em que há, inclusive, a descrição de todo o
percurso da pessoa durante o dia, caso ela utilize sistemas de GPS no telefone
celular. Ainda esboçam perfis pessoais, padrões de comportamento e expectativas
preditivas psicossociais que aproximam esse tipo de vigilância do já tratado
banóptico. O perigo maior do sinóptico tecnoscópico se refere ao fato de os perfis
pessoais poderem dizer mais sobre o sujeito do que aquilo que ele próprio pensa
saber sobre si.
Em suma, a única forma de conter a vigilância totalitária contemporânea seria
não utilizar os dispositivos eletrônicos. Para minimizar o problema, uma saída
paliativa seria a diminuição da quantidade de informações publicadas na internet, ou
seja, minimizar o ímpeto exibicionista. É fato que isso está longe de acontecer: o
exibicionismo nutre o voyeurismo, e o voyeurismo tecnoscópico dá a sensação de
onividência e onipresença, tornando difícil para uma pessoa comum abandonar
aquilo que dá a ela o status de Deus.
Ao mesmo tempo em que um sujeito vê o outro, ele é visto por mais pessoas
do que aquelas que ele acredita que estão o vendo, como fora mencionado no início
da tese. Esta afirmativa deve ser retomada aqui, pois o estado de “ser visto ao
passo que se vê” ganha uma nova amplitude epistêmica, quando analisada após o
entendimento de todo o triângulo tecnoscópico.
Espera-se que o leitor, neste ponto, esteja apto a tecer as próprias
considerações sobre essa tríade tão complexa, ampla e ainda em expansão. Parte
dos importantes tratamentos críticos e ativistas acerca do caráter vigilante da
tecnoscopia na contemporaneidade é tomada no âmbito artístico e cultural, como
será analisado a seguir.
subjetivos e psicossociais, a primeira possui um caráter mais político de per si, além
de suscitar uma ameaça constante às noções de liberdade e democracia tão
importantes para os artistas. Nesse caso, poéticas visuais engajadas,
conceitualmente críticas e ativistas são comuns no âmbito de uma “arte-vigilante”
que, na verdade, possui como um dos principais objetivos poéticos ativar o olhar dos
vigiados e fazê-los refletir sobre contemporaneidade e futuro.
É claro que algumas obras são menos engajadas do que outras e, dentre
estas, algumas ainda possuem alto comprometimento estético. Mas, na maioria, vê-
se uma exaltação da crítica social-política em detrimento das características formais
próprias das artes visuais. Pareyson (2001, p. 39), há quase duas décadas, relatava
que:
[...] há uma arte que quer ser empenhada, militante, engagé, que
quer enfrentar os problemas vitais de seu tempo, que quer difundir
uma determinada concepção religiosa, política, social; e há uma arte
que quer ser pura forma, decoração, arabesco, que só visa à poesia
pura e à arte pela arte.
!
Figura 77. “Os Sete Pecados Capitais”, de Hieronymus Bosch. Pintura a óleo sobre tela. 1480. Fonte:
<http://khristianos.blogspot.com.br/2015/11/os-sete-pecados-capitais.html>. Acesso em 21/04/2015.
São raras as obras pictóricas anteriores ao século XX, até mesmo em outras
linguagens, que se refiram explicitamente a um tipo de vigilância. Em sua maioria, as
possíveis representações de vigília são carregadas de uma carga maior de
voyeurismo, as quais já foram elencadas e analisadas nesta tese. No âmbito das
“imagens maquínicas”, as poéticas e os produtos culturais que se relacionam de
281
!
Figura 78. “Citizenfour”, de Laura Poitras. Cartaz do filme em longa-metragem. 2014. Fonte: <http://
www.tvi24.iol.pt/cinema/cinebox/filme-sobre-edward-snowden-estreia-em-portugal>. Acesso em
15/07/2017.
!
Figura 79. “Video Corridor”, de Bruce Nauman. Videoinstalação. 1968. Fonte: <http://
www.ilmuromag.it/wp-content/uploads/2013/05/tumblr_li9auz0LTp1qfaen4o1_500.jpg>. Acesso em
07/03/2015.
sala, fora do campo da câmera e da projeção, à distância. “Só o ‘outro’ tem o direito
de olhar para o ator que não pode mais ser espectador” (DUBOIS, 2004, p. 100).
!
Figura 80. “Men”, de Perter Campus. Videoinstalação. 1975. Fonte: <http://www.jeudepaume.org/
imagesZoom/PeterCampus_06.jpg>. Acesso em 19/03/2017.
!
Figura 81. “Der Riese”, de Michael Klier. Frame de filme em longa-metragem. 1983. Fonte: <http://
www.tvspielfilm.de/kino/filmarchiv/film/der-riese,1327770,ApplicationMovie.html>. Acesso em
17/10/2015.
!
Figura 82. “La Filature”, de Sophie Calle. Série fotográfica e textos. 1981. Fonte: <http://www.revue-
textimage.com/02_varia/photos/ulmeanu/ulmeanu_04.jpg>. Acesso em 25/09/2014.
!
Figura 83. “Good Morning, Mr. Orwell”, de Nam June Paik. Videoarte. 1984. Fonte: <http://
sridc.wordpress.com/2007/11/29/good-morning-mr-orwell-1984-de-nam-june-paik/>. Acesso em
03/05/2011.
!
Figura 84. “Not a Model for a Big Brother’s Spy Cube”, de Dieter Froese. Videoinstalação. 1987.
Fonte: <http://static.flickr.com/29/97538503_fce7b4e865.jpg>. Acesso em 19/03/2017.
288
!
Figura 85. “Threshold to the Kingdom”, de Mark Wallinger. Videoarte. 2000. Fonte: <http://
theartblog.org/2009/07/threshold-to-the-kingdom-mark-wallinger-at-pafa/>. Acesso em 15/05/2011.
!
Figura 86. “Guaritas”, de Elaine Tedesco. Intervenção urbana e série fotográfica. 2005. Fonte: <http://
www.bolsadearte.com.br/site/pt/acervo.asp?codConteudo=401>. Acesso em 19/03/2017.
!
Figura 87. “Mise-En-Scène”, de Regina Parra. Pintura a óleo sobre tela. 2009. Fonte: <http://
reginaparra.blogspot.com.br/p/mise-en-scene_21.html>. Acesso em 29/09/2014.
290
!
Figura 88. “Twenty to One”, de Sherry Karver. Pintura a óleo sobre tela. 2015. Fonte: <https://
www.artsy.net/artwork/sherry-karver-twenty-to-one>. Acesso em 21/04/2017.
291
"Webcam House II” (Figura 89) é um trabalho de 2013 elaborado por Pablo
Garcia, artista já citado anteriormente no primeiro capítulo, que exibe o projeto
arquitetônico de uma casa criado por ele com softwares de arquitetura e engenharia.
Nesse projeto, ele propõe a distribuição de várias webcams no interior da casa,
divididas em dois grupos com quantidades iguais de dispositivos, em que cada
família ficaria com um grupo de câmeras. A proposta do artista é que a casa ao ser
habitada por duas famílias, por questões de economia dada a crise econômica
norte-americana da última década, traria câmeras que fariam o “controle” de
vigilância das partes da casa que foram pré-divididas entre elas – devendo cada
uma habitar apenas os pontos cegos das câmeras da outra família. Segundo o
próprio artista, a casa se divide da seguinte maneira:
They share entry and circulation, but have private quarters. The
Joneses, keeping their consumption conspicuous, divide their house
into zones visible to neighbors through windows, and “blind spots”—
places in their house invisible to prying eyes. The Smiths live in the
Jones’ blind spots, satisfying neighborhood expectations,
telecommuting and living a sustainable lifestyle. The Joneses,
meanwhile, live in the Smith blind spots, just outside their webcam
cameras, giving the Smiths a suburban equivalent online (GARCIA,
2017a).
!
Figura 89. “Webcam House II”, de Pablo Garcia. Croqui (plano) impresso ou projetado. 2013. Fonte:
<http://pablogarcia.org/projects/webcam-house-ii/>. Acesso em 14/04/2017.
292
!
Figura 90. “14° 43' 19.9" N, 17° 29' 41.8" W Dakar, Senegal”, de Heba Amin. Fotografia. 2016. Fonte:
<https://www.artsy.net/artwork/heba-y-amin-14-degrees-43-19-dot-9-n-17-degrees-29-41-dot-8-w-
dakar-senegal>. Acesso em 21/04/2017.
Esses trabalhos são alguns entre vários exemplos de produções visuais que
se “debruçam” crítica e esteticamente sobre a vigilância contemporânea. As obras
293
listadas e analisadas a seguir são ainda mais críticas que estas – por serem
engajadas e militantes –, podendo ser enquadradas como poéticas ativistas de fato.
Para além da arte enquanto fim em si mesma, a maioria dos autores das obras que
serão apresentadas pretendem promover transformações sociais e, por isso, o
próximo subitem é dedicado exclusivamente a eles.
3.3.2 Arte-ativismo
!
Figura 91. "Time Capsule”, de Eduardo Kac. Bio-art. 1997. Fonte: <http://www.saic.edu/150/nothing-
new>. Acesso em 23/04/2017.
294
Na época, Eduardo Kac disse que era o primeiro humano do mundo a ter um
chip implantado no corpo, algo feito por ele mesmo e sob a supervisão de um
médico, numa performance artística acompanhada por diversas pessoas in loco e
registrada por uma série de fotógrafos e cinegrafistas, sobretudo do jornalismo
mundial. Sua obra sempre traz questionamentos sobre ética e tecnologia e, nesse
caso, ele foi o pioneiro ao abordar um tema ainda pouco discutido na época, pois os
debates acerca de uma vigilância global, fora os realizados na ficção científica
literária e do cinema, ainda eram muito incipientes. O artista anteviu a questão da
vigilância intermitente dada pelo rastreio e pela geolocalização a partir do uso de
sistemas GPS e de radiofrequência, abrindo caminho para as críticas à vigilância
tecnológica que seguiram em debate por vários artistas-ativistas em todo o planeta.
Hasan Elahi (1972-) é um artista de Bangladesh que possui grande repertório
de poéticas sobre a vigilância contemporânea. Diferentemente de outros arte-
ativistas que questionam criticamente as ferramentas pelas quais a vigilância se faz,
ele as assume justamente para atacá-la, em que lança mão dos outros eixos da
tecnoscopia (voyeurismo e exibicionismo) para desarmar a vigilância. Em “Tracking
Transience” (Figura 92), de 2005, o artista realizou uma videoinstalação a partir de
27 telas colocadas lado a lado, formando um grande painel, que exibiam milhares de
imagens captadas por ele diariamente sobre sua própria vida. Após esta instalação,
Elahi continua a exibir imagens de sua vida, sua localização, entre outras
informações, intermitentemente na internet60.
A ideia dessa obra surgiu em resposta a uma falsa suspeita do FBI que o
acusou de terrorismo em 2002. Segundo Bruno (2013, p. 133-134), após essa
suspeita, o artista disponibiliza continuamente na internet toda a sua vida por meio
de “[...] fotos, GPS e streaming. ‘A melhor maneira de proteger a sua vida privada é
torná-la pública’, diz ironicamente Elahi, driblando a vontade de tudo ver, pelo
excesso mesmo de visibilidade”. Bruno (idem) aborda que a tática de “combater” a
vigilância a partir da “abertura de portas” da privacidade é interessante, pois:
[...] visibilidade nestes casos não seria uma armadilha capturada pelo
olhar do outro, mas uma contravigilância exercida pela construção
ativa da sua própria imagem. No lugar do desejo de objetividade e
transparência implicados no olhar vigilante, essas táticas mostram o
60Link para a obra “Tracking Transience”, de Hasan Elahi, continuamente em atualização na internet:
<http://elahi.umd.edu/track/>.
295
!
Figura 92. “Tracking Transience”, de Hasan Elahi. Videoinstalação. 2005. Fonte: <http://
surveillance01.org/index.php/programartists/>. Acesso em 23/04/2017.
!
Figura 93. “Google Terms of Service 2014”, de Constant Dullaart. Web-art. 2014. Fonte: <http://
constantdullaart.com>. Acesso em 23/04/2017.
!
Figura 94. “Social Security Cameras”, de Fidia Falchetti. Instalação objetual. 2014-2017. Fonte:
<http://www.fidiafalaschetti.com/project/social-camera-projects>. Acesso em 23/04/2017.
!
Figura 95. “Faceless”, de Manu Luksch. Filme em média-metragem. 2002. Fonte: <http://
www.ambienttv.net/content/?q=downloads_resources>. Acesso em 10/04/2017.
Na obra:
manifesto criado pela artista e chamado de “Manifesto for CCTV Filmakers 62“, que
propõe o uso de imagens de arquivo de câmeras de vigilância (CCTV63) para a
realização de filmes.
Também com foco poético e crítico nas câmeras de vigilância, o grupo
americano Surveillance Camera Players, surgido em 1996, realiza performances em
frente às câmeras de vigilância em diversos espaços públicos, com vistas a “ativar” o
olhar dos transeuntes para objetos onipresentes na paisagem urbana
contemporânea e que se tornaram “invisíveis”, dada a indiferença dos sujeitos com
relação aos elementos de vigília. Em 2008, o grupo realizou a performance
“1984” (Figura 96), outra obra novamente em referência ao romance de Orwell. Nela,
os artistas exibiram cartazes e desenhos em relação direta com ao livro.
!
Figura 96. “1984”, do grupo Surveillance Camera Players. Performance captada em vídeo. 2008.
Fonte: <http://db.10plus1.jp/backnumber/article/articleid/420/>. Acesso em 13/04/2017.
!
Figura 97. “Surveillance Chess”, do grupo !Mediengruppe Bitnik. Hacker-art. 2006. Fonte: <http://
www.sikart.ch/kuenstlerinnen.aspx?id=12437082>. Acesso em 30/04/2017.
Google para encenarem uma ficção do espaço urbano, uma arte de rua improvisada
que também brinca com o espetáculo e com a vigilância participativa” (BRUNO,
2013, p. 116).
!
Figura 98. “Street With a View”, de Robin Hewlett and Ben Kinsley. Performance captada por
fotografia em 360º e exibida via web. 2008. Fonte: <https://www.slideshare.net/ubik/beyond-
augmented-reality-ubiquitous-media-experiences>. Acesso em 23/04/2017.
Por sua vez, o chinês Wang Guofeng (1967-) tece críticas sobre os conflitos
políticos mundiais, em que a vigilância tecnoscópica é um dos elementos
fundamentais para “instigar” e também para “resolver” tais conflitos – claro que, em
ambas as situações, isso sempre ocorre de maneira tendenciosa. Guofeng trabalha
com simples apropriações de imagens, como é o caso da obra “Who is he? What did
he say” (Figura 99), impressão digital sobre papel com uma fotografia desfocada de
Edward Snowden, com o título da obra impresso em inglês ao centro e sobreposto à
imagem, e o mesmo título em chinês na margem esquerda inferior. A produção foi
realizada em 2013, no mesmo ano do escândalo da vigilância global norte-
americana divulgado por Snowden.
301
!
Figura 99. “Who is he? What did he say”, de Wang Guofeng. Impressão digital sobre papel. 2013.
Fonte: <https://www.artsy.net/artwork/wang-guofeng-who-is-he-what-did-he-say>. Acesso em
10/04/2017.
!
Figura 100. “Blue Sky Days”, de Tomas Van Houtryve. Série fotográfica. 2015. Fonte: <http://
www.anastasia-photo.com/tomas-van-houtryve-blue-sky-days/>. Acesso em 26/04/2017.
Outra obra ativista que critica o uso de drones em atividades bélicas, “Under
the Shadow of the Drone” (Figura 101), feita em 2013 pelo artista britânico James
Bridle (1980-), é uma intervenção urbana que tenta dar visibilidade aos veículos
remotos cada vez mais presentes no cotidiano, mas que poucos conhecem o
potencial destrutivo deles, principalmente nas guerras travadas entre o ocidente e o
Oriente Médio. Nessa proposta, Bridle pinta no chão linhas que exibem uma
representação bidimensional (apenas os contornos) de drones de guerras, sendo
dispostas em vários locais pelo globo, com vistas a ativar o olhar dos sujeitos
transeuntes para a “sombra” de uma máquina de guerra quase invisível, mas letal.
Em outro trabalho anterior a esse e com poética correlata – “Dronestragram”, de
2012 –, o artista publica em suas redes sociais imagens do Google Maps que
mostram os mesmos pontos onde houve ataques de drones. De acordo com o
próprio artista:
!
Figura 101. “Under the Shadow of the Drone”, de James Bridle. Intervenção urbana com registro
fotográfico. 2013. Fonte: <http://designandviolence.moma.org/drone-shadow-james-bridle/>. Acesso
em 27/04/2017.
Por sua vez, o artista norte-americano Josh Begley (1984-) trabalha com o
desenvolvimento de aplicativos e web-art para tecer críticas atinentes a questões
sociais e políticas dos Estados Unidos. Em uma produção/aplicativo que também
critica o uso de drones como máquinas de guerra – “Metadata+” (Figura 103), de
2013 –, o artista desenvolveu um app para smartphone que notifica o usuário toda
vez que ocorre um ataque americano com drones. A notificação exibe na tela do
304
celular o local onde o ataque ocorreu e informações sobre as pessoas que foram
mortas ou feridas.
!
Figura 102. “5000 Feet Is the Best”, de Omer Fast. Videoarte. 2001. Fonte: <http://www.bbc.co.uk/
programmes/p0287rwj/p0287qtk>. Acesso em 30/04/2017.
!
Figura 103. “Metadata+”, de Josh Begley. App para smartphone. 2013. Fonte: <http://
metadata.joshbegley.com>. Acesso em 30/04/2017.
305
!
Figura 104. “Stranger Visions”, de Heather Dewey-Hagborg. Bio-art e impressão 3D. 2012. Fonte:
<http://deweyhagborg.com/projects/stranger-visions>. Acesso em 27/04/2017.
Este item sobre arte-ativismo iniciou e encerrou com obras que foram
produzidas com 15 anos de diferença entre elas e que abordaram uma vigilância
invasiva que atua no interior do próprio corpo humano – “biovigilância”. Como
Gediman (2017) citou, hoje são cada vez mais comuns as violações de dados
médicos pessoais nos sistemas antropométricos e essa possivelmente será a
próxima tendência da vigilância mundial. Após a visão do “corpo externo” (imagens
tecnoscópicas) e do “espírito cultural” do usuário (metadados e gerações de perfis
via big data), resta o acesso ao interior do corpo e a todo seu funcionamento
biológico. Não seria uma especulação à la ficção científica considerar que o
mapeamento do cérebro e dos pensamentos humanos seja também uma das
próximas investidas dos vigilantes tecnoscópicos.
São várias as poéticas que se preocupam com as questões em voga e as
vindouras. Infelizmente, esta tese não pode detalhá-las melhor ou até mesmo listar
outras. A escolha por esse formato metodológico, que abordou a tecnoscopia
teoricamente e a partir de eixos conceituais didaticamente definidos para depois
elencar e analisar sucintamente algumas produções artísticas, apresenta-se como
válida na escolha de tratamento de aspectos tão amplos, complexos e ainda em
discussão, por serem muito contemporâneos.
No capítulo final, a seguir, serão elencadas outras sete produções artísticas –
no entanto, estas correspondem ao acervo poético autoral do artista-pesquisador
que elaborou esta tese. Elas foram produzidas no âmbito dos estudos sobre
voyeurismo, exibicionismo e vigilância. As primeiras são anteriores à própria criação
do termo tecnoscopia, mas, ainda assim, se inserem na crítica aqui abordada e
contribuem para o tratamento dela no campo poético visual – conquanto as últimas
foram produzidas concomitantemente a esta pesquisa.
307
longa que simula uma captação amadora realizada com um smartphone a partir da
apropriação dos estilos mockumentary/found footage.
As sete produções autorais tecnoscópicas serão elencadas e analisadas uma
a uma – a seguir –, de acordo com a numeração (TCP) que se refere à data de
produção.
!
Figura 105. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte. 2010.
detalhes (Figura 106). Confeccionou-se o painel para ser colocado “em pé”, com
pequenos suportes que permitem fixá-lo e deixá-lo equilibrado, e na parte traseira foi
colocado um pequeno suporte para fixar a tela que exibiu o vídeo – o orifício pelo
qual ele é visto simula um olho mágico real para que o observador possa ter a
impressão referente à visão de um verdadeiro olho mágico.
!
Figura 106. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “Do Local
ao Lugar”. 2010.
1.3.2.2 nesta tese). No vídeo “Olho Mágico | TCP#01”, a arquitetura sempre estática
do interior do prédio permite que o olhar se direcione aos transeuntes que sobem e
descem as escadas, sem se perder na cena. O cinetoscópio, assim como a
visualização do “Olho Mágico | TCP#01” através do pequeno orifício, “alimenta o
olho, mas com alimento claramente designado, objetivado, delimitado; ele satisfaz o
olhar” (AUMONT, 2004, p. 43). Além do cinetoscópio, esse tipo de visualização se
relaciona com a consagrada obra de Marcel Duchamp, “Étant Donnés” (também já
descrita no item 1.3) – todas pedem a observação individual (Figura 107), e um só
espectador de cada vez irá olhar pelo orifício.
!
Figura 107. “Étant Donnés”, de Marcel Duchamp. Instalação. 1946-66. Fonte: <http://
petulantrumblings.com/?p=8889>. Acesso em 05/01/2012.
!
Figura 108. “Olho Mágico | TCP#01 | Versão_02”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte com o efeito
de sobreposição de imagens. 2011.
sua individualidade, mas todos se unem em uma multidão. Foucault (2010, p. 190),
no âmbito da vigilância, afirma que, para o vigilante, a multidão é uma:
67A exposição “Panóptico” representou a culminância da pesquisa de mestrado em Artes. Nela foram
exibidos os vídeos “Olho Mágico | TCP#01”, “Telescópio | TCP#02”, “Janela | TCP#03” e “À Espreita |
TCP#04”, além de uma interação proposta com o Google Street View. Para mais detalhes sobre a
exposição e o trabalho de pesquisa no mestrado, a dissertação pode ser acessada em: <http://
repositorio.ufu.br/handle/123456789/2027>.
317
!
Figura 109. Exposição “Panóptico”, de Aldo Pedrosa. Fotografia em panorâmica do interior da Galeria
de Arte do Centro de Cultura José Maria Barra. 2012.
!
Figura 110. Fotografia da fachada da Galeria de Arte do Centro de Cultura José Maria Barra, onde
ocorreu a exposição “Panóptico”, de Aldo Pedrosa. 2012.
!
Figura 111. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição
“Panóptico”. 2012.
Figura 112. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição
“Panóptico”. 2012.
320
!
Figura 113. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “En quête
du lieu – Espaces Traversés”. 2012-13.
!
Figura 114. “Panóptico”, de Aldo Pedrosa. Ambiente virtual interativo. 2012.
!
Figura 115. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição
“EMmEIO6.0”. 2014.
aproximar do tamanho do referido dispositivo. Agora, ele ocupa a pequena tela por
completo, numa nova experiência de exibição em que lançou mão de fones de
ouvido, para que o espectador tivesse acesso ao som do vídeo. Ambos, som e
imagem, só eram acessados de maneira privada – pois para ouvir o som era
necessário utilizar o fone, e a imagem era vista apenas individualmente, devido ao
seu pequeno tamanho. A tela pequena e o som em fones remetem diretamente aos
dispositivos móveis onipresentes e que contribuíram para a instauração da
tecnoscopia contemporânea (Figura 116).
!
Figura 116. “Olho Mágico | TCP#01”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “20 Anos
do Museu Universitário de Arte (MUnA)”. 2016-17.
precursora das demais poéticas, a produção não abarcou toda a tecnoscopia, mas
abriu caminho para os seis trabalhos elaborados nos seis anos seguintes.
Distância, para que o voyeur esteja seguro o bastante a ponto de “ver” sem
“ser visto”; frustração, pelo voyeur se sentir impotente diante do dispositivo óptico
que não consegue responder às suas necessidades – esses são os princípios
poéticos da produção “Telescópio | TCP#02” (“Telescope”), de 2011.
O telescópio é uma figura emblemática da prática voyeurista. O potencial
escópico desse dispositivo permite a visão à longa distância e, assim como a porta
(no caso do olho mágico e do buraco da fechadura), a distância é aqui a responsável
por velar e proteger o voyeur.
Esse mecanismo foi intensamente utilizado como tema no início do cinema.
Machado (2008) menciona que os primeiros filmes, por volta dos anos 1900,
utilizavam “máscaras circulares” nas imagens que sugeriam dispositivos de
ampliação – a princípio, a lupa e o microscópio; logo após, binóculos e telescópio
(este também chamado de luneta). Tal recurso era empregado no começo do
desenvolvimento da linguagem cinematográfica, pois ela não dispunha de outros
artifícios simbólicos para apresentar o primeiro plano 68.
Os primeiros tipos de utilização do telescópio como elemento de linguagem e
cênico no cinema eram inerentemente voyeuristas – para espiar a intimidade alheia.
Em um filme exemplar deste tipo, “As Seen Through a Telescope” (Figura 117), de
1990 e direção de George Albert Smith (1864-1959), Machado (2008, p. 127) relata
que:
[...] no primeiro quadro, o voyeur observa com sua luneta esse objeto
erótico por excelência (estamos em 1900, não o esqueçamos) que é
o tornozelo de uma mulher. No segundo quadro, nos é mostrado
aquilo que o personagem vê, o detalhe do tornozelo da mulher
isolado num primeiríssimo plano (para incrementar o erotismo, a
mulher levanta vagarosamente o vestido) e enquadrado numa
68 No início do cinema, o espectador era acostumado apenas aos planos abertos, que mostravam
cenas que se desenrolavam diante da câmera estática. Dessa forma, os primeiros planos (também
chamados de planos próximos) e os planos-detalhes eram mostrados com o uso de máscaras que
remetiam à visão de telescópios, binóculos ou lupas, para que o espectador compreendesse que se
tratava de uma imagem aproximada de um ser ou objeto.
325
!
Figura 117. “As seen through a telescope”, de George Albert Smith. Frames de filme em curta-
metragem. 1990. Fonte: <https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_film>. Acesso em 01/05/2017.
! !
Figura 118. “Body Double”, de Brian de Palma. Frame de filme em longa-metragem. 1984. Fonte:
<http://www.lazygirls.info/Deborah_Shelton/Body_Double35_GPLyiCT>. Acesso em 01/05/2017.
326
!
Figura 119. “Telescópio | TCP#02”, de Aldo Pedrosa. Frame de videoarte interativa. 2011.
!
Figura 120. Janela da área de serviço do apartamento do artista, onde foi realizada a gravação do
vídeo para a produção “Telescópio | TCP#02”.
Por meio do software de programação para artistas MAX MSP (Figura 121),
foi desenvolvido um sistema de interação em tempo real, no qual o movimento
realizado pelo interator no tripé do telescópio simulou o reenquadramento da
imagem do vídeo. Nessa programação, aplicou-se um zoom digital via software,
aproximando a imagem em quatro vezes. Com isso, há um pequeno recorte da
cena, que reenquadra o vídeo a partir do enquadramento original. Tem-se agora
apenas uma parte (¼) de todo o vídeo, somado a uma ferramenta que movimenta
esse recorte para que a impressão seja de “passear” pela imagem. Esse movimento
foi possível através do uso de um mouse de computador (do modelo “mouse de
esfera”70) adaptado e integrado ao tripé do telescópio (Figura 122). Criou-se, então,
um novo dispositivo híbrido (mouse + tripé) que permitiu que os movimentos de
panorâmica71 e de tilt72 do tripé movimentassem também o cursor do mouse no
computador – da esquerda para a direita e de cima para baixo, respectivamente.
Com isso, o tripé agora fazia movimentar o ¼ de imagem dentro do “grande quadro”
do vídeo.
70Também conhecido como “mouse de bolinha”, esse mouse usa o sistema analógico (ou mecânico)
para a movimentação do cursor na tela do no computador. Hoje, tais mouses são raros, pois foram
substituídos por mouses ópticos ou a laser.
71 Movimento horizontal sobre o próprio eixo no tripé: para a esquerda e para a direita.
72 Movimento vertical sobre o próprio eixo no tripé: para cima e para baixo.
328
Figura 121. Sistema (patch) desenvolvido no software de programação MAX MSP, que permite a
interatividade na produção “Telescópio | TCP#02”.
! !
Figura 122. Telescópio e dispositivo confeccionado a partir de um mouse de computador instalado em
tripé, que permitem a interatividade na produção “Telescópio | TCP#02”.
Pelo fato de a imagem do vídeo ter sido captada, editada e reprocessada com
o recurso do zoom digital (que simula a visão telescópica), ela não conta com uma
boa resolução (Figura 123). Essa é uma das poucas diferenças entre imagens vistas
em um telescópio real e as imagens captadas por uma câmera. Por ser totalmente
óptico, ele não desintegra os motivos em pixels, como faz a câmera com a imagem
eletrônica. O interator mais uma vez se torna um voyeur da própria condição da
imagem eletrônica, pois desvela sua mínima partícula formadora da imagem: o pixel,
grão quadriculado do mosaico imagético digital, por meio do qual é possível
encontrar apenas os conjuntos matemáticos da linguagem binária – não há o que
ver.
Figura 123. “Telescópio | TCP#02”, de Aldo Pedrosa. Frame de videoarte interativa. 2011.
Aproximação com zoom digital de 4x no plano geral do parque. Devido a esta aproximação, há visível
perda de definição na imagem.
Por mais exigente e frustrante que a experiência possa ser, o trabalho objetiva
estimular a curiosidade do es(x)pectador-interator, em face da promessa da invasão
das vidas alheias. O transporte espaço-temporal do interator faz com que ele ocupe
o lugar do voyeur e, mesmo frustrado, pode notar as particularidades das pessoas,
331
supor suas personalidades, adivinhar seus atos, julgar seus defeitos ou admirar suas
qualidades.
Outro aspecto que o trabalho põe em causa diz respeito à possibilidade de
“passear” pela cena como se “zapeasse” de uma para outra pessoa ou de um grupo
a outro, a exemplo do que o telespectador faz com os canais na televisão ou com os
conteúdos na internet. No entanto, ao decidir mudar o enquadramento, o voyeur
perderá a visão do todo, assim como o “zapper” perde a programação do outro canal
ou pode não conseguir mais encontrar o conteúdo antes visualizado.
Machado (1996, p. 163) observa proximidades entre o uso de um telescópio e
o efeito zapping da TV no filme “Janela Indiscreta” (“Rear Window”), exemplo
significativo do voyeurismo no âmbito do cinema (já descrito no item 1.3.2.2) em que
o voyeur, Jeff, por meio da teleobjetiva de sua máquina fotográfica, se esforça para
observar o que se passa em várias janelas simultaneamente, mas, ao focar em uma
cena, as outras se perdem:
O ato de “zapear” com o telescópio se torna algo intuitivo para o interator, mas,
assim como abordou Machado (1996) no caso do zapping na TV, diante do
“Telescópio | TCP#02”, o sujeito desconstrói a narrativa ao ficar “zapeando” pelas
diversas “narrativas pessoais” dos transeuntes; logo, não retém uma “narrativa
máster”, pois o “zapper” não tem a visão do todo – o interator pode criar a própria
narrativa a partir das escolhas escópicas –, assim como faz um montador de cinema
332
!
Figura 124. “Telescópio | TCP#02”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “Panóptico”.
2012.
333
!
Figura 125. “Telescópio | TCP#02 | Versão_02”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte com máscara
circular. 2012.
Dubois (1993) conta que, certa vez, Janouch mostrou a Franz Kafka uma
série de fotografias, dizendo: “Por mais ou menos duas coroas, é possível fazer com
que alguém o fotografe sob todos os ângulos. É o conhece a ti mesmo automático!”
Kafka responde: “É o engane a ti mesmo automático”. Janouch, então, protesta: “Por
que diz isso? O aparelho não consegue mentir!” E Kafka assim termina: “A fotografia
concentra seu olhar sobre o superficial. Desse modo, obscurece a vida secreta que
brilha por meio dos contornos das coisas num jogo de luz e sombra”.
!
Figura 126. Imagem da janela do apartamento vizinho ao do artista, Aldo Pedrosa, de onde foram
captadas as imagens para a videoarte interativa “Janela | TCP#03”.
A imagem da janela foi gravada por três horas e, a posteriori, editada para
ficar em tela apenas os momentos nos quais a luz interior do apartamento
permanecia acesa, resultando em um pseudo-plano-sequência de uma hora de
duração. Em decorrência disso, houve novamente o uso do software de
programação para artistas MAX MSP, com vistas a possibilitar uma interação em
335
tempo real. Nas exibições, o vídeo rodou intermitentemente e em loop, ao passo que
recebia imagens captadas ao vivo por uma webcam disposta ocultamente na galeria
de arte (Figura 127).
!
Figura 127. Webcam instalada no interior da galeria para a captação das imagens para a videoarte
interativa “Janela | TCP#03”.
Essas imagens eram exibidas com um delay (atraso) de cinco minutos a partir
da captação. A programação no software MAX MSP fundiu as duas imagens com a
técnica de incrustação74, conhecida também como chroma key (Figura 128). O vídeo
captado pela webcam oculta é “fundido” (“incrustrado”) no primeiro vídeo com a
imagem da janela. O chroma key utilizado apenas na cor azul permite que as
imagens ao vivo pareçam estar por detrás das cortinas semitransparentes e, então,
os es(x)pectadores-interatores passam a fazer parte daquele local onde
anteriormente havia apenas a janela e a cortina. Com determinados efeitos técnicos
executados no MAX MSP, a imagem subexposta à cortina adquire tons escuros e
silhuetados. Vê-se então aquilo que a câmera em delay captou há cinco minutos,
exposto como se estivesse no local (quarto ou sala do apartamento) e por trás das
cortinas (Figura 129). A “incrustação” também acontece de forma temporal, em que
passado e presente se unem entre o distante e o local – tudo isso permite que o
voyeur observe a si mesmo.
74 Segundo Dubois (2004), a técnica de inscrustração diz respeito à separação de um sinal de vídeo,
de acordo com sua crominância ou lumância, em que se cria um “buraco eletrônico” na imagem, que
pode ser então preenchido com outra imagem. Ou seja, em uma determinada imagem é selecionada
uma cor específica que, por sua vez, é retirada do vídeo, deixando essa parte em transparência para,
logo após, outra imagem ser inserida no local.
336
!
Figura 128. Sistema desenvolvido com software de programação MAX MSP, que permite a
interatividade na videoarte “Janela | TCP#03”.
!
Figura 129. “Janela | TCP#03”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte interativa. 2011.
337
[...] só existe onde há risco – nesse caso o risco de ser visto. Não
seria descabido pensar no ato do voyeur como um desejo
dissimulado (e espelhado em sua presa) de ser visto, como nos
jogos infantis em que se esconder é uma forma de chamar a atenção
para si mesmo.
!
Figura 130. “Janela | TCP#03”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “Panóptico”.
2012.
uma visão privilegiada: um campo amplo de visão numa posição superior que o
permite “ver” sem “ser visto”.
Na poética, as figuras do vigia e do voyeur se confundem, uma vez que o
observador assume o lugar de um detetive que se coloca em tocaia, à espreita, com
a finalidade de descobrir algo estranho ou suspeito nos comportamentos habituais e
cotidianos de pessoas desconhecidas ou não. É tanto mais voyeurista, devido à sua
intenção de submeter sujeitos comuns ao seu olhar curioso, atencioso e fetichista;
quanto vigilante, frente às questões inerentes ao ato de espionar ocultamente, com a
intenção prática de descobrir algo. O princípio desse vídeo é simples: novamente a
partir da janela do apartamento onde o artista residia, foram captadas imagens do
movimento de uma avenida (Figura 131). Pessoas, veículos, animais passaram por
ali durante todo o dia – foram 10 horas de gravação ininterruptas que mostraram, do
amanhecer ao pôr do sol, a movimentação de um dia comum nesse local.
!
Figura 131. “À Espreita | TCP#04”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte. 2012.
!
Figura 132. “A woman grasps a soldier as infantry march to the front line in August 1914 in Berlin”,
autor desconhecido. Frame de filme em curta-metragem. 1914. Fonte: <https://www.usnews.com/
news/articles/2014/07/30/world-war-i-the-1920s-and-modern-cool>. Acesso em 01/05/2017.
!
Figura 133. “La Sortie de l'usine Lumière à Lyon”, de Auguste e Louis Lumière. Frame de filme em
curta-metragem. 1895. Fonte: <http://www.grandpalais.fr/fr/article/la-sortie-dusine-lumiere-par-les-
cineastes-contemporains>. Acesso em 01/05/2017.
pode preencher no momento em que vê o vídeo (Figura 134). Esse relatório traz
algumas fichas em papel com perguntas relativas a possíveis situações que podem
(ou não) ser vistas na tela, e o participante pode anotar as respostas diretamente
nos formulários. Tais informações têm a intenção de estimular a curiosidade diante
do trabalho e trazem um caráter investigativo, esperando-se que o espião tenha
pleno conhecimento de tudo o que se passou ali.
!
Figura 134. Ficha disponibilizada, em grande quantidade, próxima à tela de exibição da videoarte “À
Espreita | TCP#04”, para anotação dos es(x)pectadores.
346
!
Figura 135. “À Espreita | TCP#04”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na exposição “Panóptico”.
2012.
Em 2013 foi realizada a videoarte “Le Voyeur {Paris Hôtel} | TCP#05” (“O
Voyeur {Hotel em Paris}”). Essa foi a primeira proposta poética produzida no âmbito
do estudo de doutorado do autor desta tese, ainda com base nas discussões
iniciadas no mestrado. O vídeo apresenta um mosaico de imagens voyeuristas
(Figura 136), compostas por dois elementos-chave. O primeiro, mostra um grande
quadro estático com uma imagem fixa em um único eixo que capta a fachada de um
prédio com 12 janelas. Esse, por sua vez, é rodeado por um mosaico com outros 14
348
!
Figura 136. “Le Voyeur {Paris Hôtel} | TCP#05”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte. 2013.
77 Um plano master é um tipo de tomada cinematográfica em que a câmera fica sempre fixa e, assim,
pode acompanhar o desenrolar da cena a partir do movimento de panorâmica (girando em seu
próprio eixo, para a esquerda ou para a direita) ou do movimento tilt (vertical, para cima e para baixo).
Mas no caso da produção “Le Voyeur {Paris Hôtel} | TCP#05”, o plano master é estático.
!
Figura 137. “Le Voyeur {Paris Hôtel} | TCP#05”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte com close no
quadro central. 2013.
!
Figura 138. “Psycho”, de Alfred Hitchcock. Frame de filme em longa-metragem. 1960. Fonte: <https://
blogcapucine.wordpress.com/tag/psycho/>. Acesso em 04/05/2017.
79 Ver sobre o efeito de “zapper” no filme “Janela Indiscreta”, no item 4.2 desta tese.
353
Sant (1952-) dirigiu um remake do filme de Hitchcock. Nele, Sant preferiu enfatizar
ainda mais o voyeurismo sexual da cena em que Bates espia Crane, ao mostrar o
assassino se masturbando enquanto vê sua vítima (de voyeurismo e de
assassinato). Vale dizer que os hotéis sempre tiveram ligações com o voyeurismo
sexual, talvez por conta da grande possibilidade das observações de “flagras”
íntimos nos mosaicos de janelas que dão a visão dos quartos desses edifícios que
sempre trazem habitantes temporários; por isso, as imagens íntimas serão
constantemente renovadas, sem repetir.
Alguns motéis (hotéis destinados a encontros sexuais) potencializam o
voyeurismo e o exibicionismo do local para satisfazer as pulsões sexuais de seus
clientes. Já há algumas décadas, um relativo número de motéis e hotéis pelo mundo
transmitia as imagens das relações sexuais dos casais de um para outro quarto
através de circuito fechado de vídeo. É claro que essa tendência diminuiu, à medida
que as câmeras de vídeo se tornaram mais comuns e populares e, assim, a
possibilidade do “vazamento” de imagens íntimas dos clientes aumentou
consideravelmente – agora, o “controle” interno e unilateral do circuito de vídeo não
funcionaria mais.
Recentemente, algumas notícias sobre voyeurismo e exibicionismo em hotéis
explicitaram as relações intrínsecas entre hotel e sexo. Em 2015, um luxuoso hotel
da rede Standard em Manhattan, Nova Iorque, Estados Unidos, trouxe como
proposta quartos com paredes translúcidas, em vidro, que podem ser observados
desde a rua, deixando à vista a cama e o banheiro. Em outro caso, ainda nesse
contexto, em 2016 houve a descoberta de que o dono de um motel da cidade de
Aurora, Colorado, também nos Estados Unidos, espiou seus clientes durante quase
30 anos. Entre as décadas de 1960 e 1990, ele os observou através de grelhas de
ventilação falsas, que davam acesso às lajes do edifício. Segundo o próprio dono,
que se autointitula como pioneiro “investigador do sexo”, ele fazia regulares
anotações por escrito de tudo o que via. Esta história foi contada através de diversos
artigos publicados pelo conceituado jornalista norte-americano Gay Talese (1932-),
que, por sua vez, deu origem ao documentário produzido pelo famoso serviço de
streaming em VoD (“Video on Demand” - “Vídeo sob Demanda”) Netflix em 2017,
que também possui o título “Voyeur”.
354
!
Figura 139. “Magic Mirror on the Web | TCP#06”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na
exposição “20 Anos do Museu Universitário de Arte (MUnA)”. 2016-17.
356
!
Figura 140. “Snow White and the Seven Dwarfs”, de Walt Disney. Frame do filme em longa-metragem.
1937. Fonte: <http://pyxurz.blogspot.com.br/2014/11/snow-white-and-seven-dwarfs-page-1-of-5.html>.
Acesso em 06/05/2017.
357
! !
Figura 141. “Magic Mirror on the Web | TCP#06”, Figura 142. “Magic Mirror on the Web |
de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte, com enfoque TCP#06”, de Aldo Pedrosa. Frame da
na fotomontagem das mirror-selfies/bruxas. 2015. videoarte. 2015.
!
Figura 143. “Magic Mirror on the Web | TCP#06”, de Aldo Pedrosa. Frame da videoarte, com
simulação da exibição do vídeo na tela de um smartphone. 2015.
reflete a imagem do celular para que o observador possa vê-la unicamente através
do espelho, pois o vídeo foi editado utilizando o recurso de inversão vertical
(espelhamento) – e a reinversão dessa imagem, corrigindo-a, ocorre apenas quando
ela é vista através do espelho. Além disso, a lente de aumento do espelho permite
que a imagem da pequena tela do aparelho fique maior, o que possibilita uma
visualização melhor (Figura 145).
!
Figura 144. “Magic Mirror on the Web | TCP#06”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na
exposição “20 Anos do Museu Universitário de Arte (MUnA)”. 2016-17.
!
Figura 145. “Magic Mirror on the Web | TCP#06”, de Aldo Pedrosa. Fotografia da exibição na
exposição “20 Anos do Museu Universitário de Arte (MUnA)”. 2016-17.
361
!
Figura 146. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Primeiro cartaz oficial. 2016.
dito, pois este último costuma seguir padrões e preceitos do cinema comercial
contemporâneo. Isso se revela nos estilos de captação e de edição das imagens que
se relacionam com o atual exibicionismo videográfico amador da internet
(tecnoscópico).
Este filme se apropria do estilo mockumentary (falso documentário) misto com
o found footage (imagens encontradas) que, como descrito no Capítulo 1 desta tese,
estão em voga no circuito cinematográfico experimental e comercial mundial, que
tendem a realizar produções de baixíssimo custo e, em alguns casos, conseguem
interessantes retornos de crítica e público. De fato, tais estilos são pouco explorados
no âmbito do cinema brasileiro, mas já se encontram em fase de saturação no
contexto cinematográfico mundial.
Todavia, “#ninfabebê” se propõe a desconstruir o cânone recém-
convencionado para esse estilo de produção. A narrativa do longa-metragem parte
do ponto de vista da câmera de vídeo de um único telefone celular, pertencente à
adolescente/protagonista do filme, Cibelle, vivida pela atriz Dandara Adrien. Na tela
do celular, que se apresenta integralmente à visão dos espectadores, é exibida a
interação da protagonista com diversos aplicativos (apps) do aparelho: captura de
imagem, entretenimento, redes sociais, entre outros. O celular, de certa maneira, se
transformou em um importante personagem na trama, constituindo-se como um item
simbólico que abarca por si só uma série de questões e críticas relacionadas à
tecnoscopia, já tratadas neste estudo. O foco principal da produção concerne a
apresentar uma crítica à tecnoscopia, com ênfase no “vértice exibicionista”, que
instaura uma preocupante realidade social e atinge um grupo heterogêneo de
pessoas em todo o mundo, mas é fato que os adolescentes são os maiores
consumidores/interatores nessa realidade, faixa etária abordada pelo enredo do
filme.
O roteiro do longa-metragem foi concebido concomitantemente à pesquisa
teórica desta tese. Desde o início dos estudos de doutorado, o autor deste trabalho
possuía a vontade de realizá-lo como uma das poéticas relacionadas. Mas, para
tanto, havia a preocupação com o custeamento do projeto, uma vez que uma
produção em cinema necessita de mais recursos financeiros, técnicos e humanos,
se comparada às propostas videográficas antes realizadas. Felizmente, em julho de
2015, o projeto de execução do “#ninfabebê” foi aprovado em primeiro lugar na
365
82 Nicknames, ou apenas nicks, são pseudônimos adotados pelos usuários de serviços sociais da
internet. Muito comuns no início dos primeiros serviços de chat online (ICQ, MiRC, MSN, entre
outros), caíram em desuso na última década e hoje são adotados por poucos usuários.
366
traz traumas de infância, como ter presenciado a própria morte da mãe quando tinha
sete anos de idade. Superdependente da interação digital, ela construiu uma
mitologia sobre si mesma na rede para ter a completa atenção de seus admiradores
virtuais, inclusive ao adotar o pseudônimo erotizado “ninfabebê”. É na rede que
Cibelle consegue se promover e se autoafirmar, pois sua personalidade instável e
autodestrutiva afasta as interações “reais” (in loco). Então, passou a transferir
dependências da relação materna inexistente para a relação paterna insuficiente,
com vários empréstimos de outras pessoas que fizeram parte de sua vida, e isso
culminou com a necessidade de sempre estar em companhia (virtual). Na rede,
defende uma imagem que não é ela de fato, assim como todas as personas que são
autoconstruídas na internet. Ela, por exemplo, não possui a experiência sexual que
demonstra ter – e que todos pensam que ela possui –, e isso ajuda a nutrir sua
personalidade narcísico-dependente.
A personagem Daiana apresenta-se como a contraparte a ser seduzida nesse
jogo voyeurista-exibicionista – na verdade, representa o próprio público que é
convidado a entrar na casa de Cibelle. Esse choque entre a ingenuidade de Daiana
e a personalidade exibicionista de Cibelle faz transparecer ao es(x)pectador as
relações virtuais que desembocam em trágicas consequências, intrínsecas às trocas
e “amizades” online bem ou mal estabelecidas.
O filme tenta levar o público ao limite entre a empatia com a protagonista e o
desejo de julgá-la, dadas as suas atitudes questionáveis. Ainda, há a tentativa de
chamar a atenção do público de outras gerações, sobretudo pais e responsáveis que
subjugam as ações virtuais da prole, e, de maneira quase pedagógica, alertar os
millenials de que, na verdade, o teatro da vida virtual em algum instante pode saltar
à tela para ferir aos voyeuristas de plantão, que pensam ser a parte passiva da
relação, isto é, aqueles que “apenas” veem.
Em cada um dos três capítulos que a produção foi dividida (“parte 1: ver”;
“parte 2: curtir”; e “parte 3: compartilhar”), busca-se mostrar um crescendo
quantitativo e qualitativo de questões/atitudes comuns aos dependentes virtuais, que
leva a narrativa a pontos de virada dramáticos e até bizarros. Do início lolitizado,
passando pelo suspense até o ápice de terror destrutivo do final, “#ninfabebê”
sugere que tudo se passa ao vivo para aflorar o sentimento voyeurista do
espectador contemporâneo. Enquanto o mais conservador se sentirá curioso, porém
367
!
Figura 147. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
!
Figura 148. “King Kelly”, de Andrew Neel. Frame do filme em longa-metragem. 2012. Fonte: <https://
www.rottentomatoes.com/m/king_kelly/>. Acesso em 13/05/2017.
83 Vários filmes significativos nesse âmbito foram elencados no item 1.3.2.3 desta tese.
369
!
Figura 149. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
simulado e a interação com elementos digitais (apps). Além disso, outros recursos
próprios da captação de imagens por smartphones são importantes elementos
imagéticos, a exemplo dos quadros verticais que simulam a captação das imagens
verticalmente (em pé) e transições de imagens captadas pelas câmeras traseira e
frontal (de selfie) do aparelho.
Outra constante nessa desconstrução se deu na tentativa de minimizar os
“ruídos de imagens” tão comuns em mockumentaries realizados nas últimas duas
décadas e que foram condizentes com as primeiras gerações de câmeras digitais
domésticas e a “geração YouTube”. Hoje, inseridos na “geração Instagram”, os
fotógrafos e videomakers digitais tentam compor harmoniosamente suas imagens,
ao passo que tentam se desviar o máximo possível (ou pelo menos pensam que
estão desviando) de uma estética inerentemente amadora.
Fotografias e vídeos realizados por pessoas comuns na atualidade
apresentam certa preocupação com o enquadramento, a iluminação e a mise-en-
scène (através de uma protodireção de arte). Há a aplicação de filtros e outros
efeitos, além de elementos formais que evidenciam um relativo cuidado estético,
mesmo nos registros corriqueiros – em contraposição às antigas imagens que se
preocupavam apenas em registrar de forma “crua” (amadora). Agora, os novos
amadores digitais tendem a negar o próprio amadorismo e muitos, inclusive, se
autoproclamam artistas.
Nesse contexto, o longa-metragem “#ninfabebê” tentou representar tal
tendência ao exibir imagens com harmonia estética e um cuidadoso apuro visual,
ainda que proponha a simulação de uma captação amadora. Para isso, a
composição das imagens da maioria dos quadros no filme se deu a partir de uma
harmonia axial quase simétrica, que distribuiu os elementos imagéticos
(personagens, cenografia e efeitos visuais) harmoniosamente por meio de um eixo
central (Figura 150). Essa característica desconstrutiva tenta aproximar
poeticamente a simulação da captação amadora com uma estética utilizada por
alguns diretores experimentais atuais, como nas obras do diretor americano Wes
Anderson (1969-), que se vale de uma interessante harmonia visual em suas
produções (Figura 151).
371
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Figura 150. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
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Figura 151. “Moonrise Kingdom”, de Wes Anderson. Frame do filme em longa-metragem. 2012.
Fonte: <http://focusfeatures.com/moonrise_kingdom>. Acesso em 13/05/2017.
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Figura 152. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
84Pelo menos a priori. Para entender essa questão com todos seus meandros, é necessário assistir
ao filme na íntegra.
373
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Figura 153. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
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Figura 154. “Volver”, de Pedro Almodóvar. Frame do filme em longa-metragem. 2006. Fonte: <http://
www.filmandfurniture.com/2015/03/red-in-almodovar-volver/>. Acesso em 13/05/2017.
374
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Figura 155. “Ninfas e Sátiro”, pintura de William-Adolphe Bouguereau. 1873. Fonte: <https://
pt.wikipedia.org/wiki/Ninfas>. Acesso em 13/05/2017.
375
“Argos” tinha uma cabeça rodeada por cem olhos; eles repousavam
por turnos, por grupos de dois a cada vez; todos os outros velavam e
permaneciam em ação. Isto faz deste “velador”, de insônia
irredutível, o espião ideal. A serviço de “Juno”, ele preenche
excelentemente a função de não tirar os olhos nem por um instante
da ninfa rival, transformada em novilha: fosse qual fosse sua atitude,
ele olhava para “Io”, ele tinha “Io” diante de seus olhos, mesmo de
costas. “Argos” tinha sempre pelo menos um olho virado na direção
de seu alvo.
O mito também diz que Zeus, para libertar Io, ordenou que Hermes matasse o
monstro. Feito isso, Hera o homenageou, transformando o monstro em pavão, em
cuja cauda ela pôs os cem olhos de Argos. Esse gigante também é conhecido como
“monstro escópico” e serve como interessante metáfora para o entendimento da
tecnoscopia atual. O próprio sobrenome Panoptes remete ao panóptico de Bentham
e aos pós-panópticos da contemporaneidade. Somada às ninfas, que exibiam seus
belos corpos para o deleite voyeurista dos deuses e sátiros, a tríade tecnoscópica é
representada nesse mito em face do triângulo amoroso – Zeus, Hera e Io. Por isso,
ele foi integrado à narrativa do filme e é apresentado verbalmente em determinada
cena, além de o nome Io estar tatuado no braço da personagem principal (Figura
156) e o nome Argos intitular o sistema operacional fictício criado para o longa-
metragem (Figura 157).
Além dessas relações, a mitologia greco-romana é referenciada em toda a
película, seja nas esculturas e em outros elementos distribuídos pelo set, nas
informações constantes nos aplicativos ou no endereço onde está situada a casa de
Cibelle – Rua Lago do Narciso, número 33 –, visto que o mito do Narciso é outro
referente abordado e analisado em toda a tese.
376
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Figura 156. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
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Figura 157. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
85A música tema do filme, homônima à banda, “Sexy Lollipop”, pode ser ouvida neste link: <https://
soundcloud.com/sexy-lollipop-band>.
378
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Figura 158. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Frame do filme em longa-metragem. 2016.
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Figura 159. Louros recebidos a partir das seleções e premiações em festivais e eventos de cinema
nacionais e internacional, totalizando 42, até o momento.
86Isso pode ser evidenciado na crítica internacional publicada pela Revista Cult Critics, uma das 50
melhores revistas digitais de cinema do mundo. A crítica foi assinada pelo redator-chefe da revista,
Antonio Rozich, e pode ser acessada no link: <http://hlc-cultcritic.com/babynymph/>.
380
Goiás e São Paulo. Após essa experiência, tentar-se-á prospectar novas parcerias
com salas de cinema87 ou distribuidoras.
O longa-metragem foi realizado com poucos recursos e através de um tipo de
produção independente e, de certa maneira, artesanal, o que necessitou do
empenho redobrado dos integrantes da equipe de aproximadamente 50 pessoas,
incluindo atores e técnicos, sendo gravado em uma única locação, durante 12 dias
distribuídos em seis finais de semana. Mesmo diante dessa difícil realidade, o
resultado final se mostra profissional: o filme foi finalizado em resolução de cinema
digital (2k) e com áudio em 5.1.
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Figura 160. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Flyer com divulgação da estreia na rede Cinemais em
Uberaba/MG e segundo cartaz oficial. 2017.
87 Até o momento não houve parceria com distribuidoras do Brasil. Por isso, a distribuição na Rede
Cinemais será independente - através de um selo de distribuição recentemente criado pelo autor
desta tese. Isso, de certa maneira, é incomum e representa uma investida contra os monopólios de
distribuição comercial de filmes no Brasil; principalmente pelo “#ninfabebê” se tratar de uma produção
do interior do País, e isso, infelizmente, acaba por gerar preconceitos que dificultam a prospeção de
parcerias com grandes empresas audiovisuais.
381
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Figura 161. “#ninfabebê”, de Aldo Pedrosa. Terceiro e quarto cartazes oficiais. 2017.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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