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O filme “O Escafandro e a Borboleta” propõe uma reflexão acerca dos cortes

epistemológicos do conceito de Psicomotricidade. Sendo assim, o contexto da história se


passa em torno de um famoso jornalista, Jean Dominique Bauby, que sofreu de um acidente
vascular cerebral, ocasionando uma síndrome chamada de locked-in, resultando em suas
funções motoras lesionadas, impedindo-o de se locomover, falar ou comer. No entanto, ele
mantinha seu estado de consciência, era possível escutar e ver o que ocorria ao seu redor,
apenas conseguindo se comunicar através do olho esquerdo.
Para chegar ao atual conceito de psicomotricidade, é necessário levar em conta o
percurso histórico traçado. Diante disso, é possível perceber o modo em que o homem era
visto nas diversas épocas e em como o campo psicomotor foi influenciado. No filme,
podemos visualizar partes que dizem respeito a esses cortes e fazer um paralelo com a teoria.
O primeiro corte teve a influência do pensamento cartesiano, ao retratar a dualidade
entre corpo e mente, o corpo era visto como uma máquina, ou seja, era levada em conta a
concepção de corpo motor, baseado no discurso neurológico seguido por influências
francesas. Além disso, esse corte centrava-se na reabilitação psicomotora.
Destaca-se esse primeiro corte em uma das cenas onde é apresentada a hora do banho
de Jean, em que os profissionais reviravam seu corpo de um lado para o outro, como se o
próprio sujeito não tivesse importância e sendo tratado como um objeto. Em diversos
momentos, percebe-se que no início havia falta de comunicação por parte da equipe do
hospital ao se referir a ele. Havia também uma emergência para que ele desenvolvesse
novamente movimentos com a língua para que ele se recuperasse logo e passasse a emitir
sons com o objetivo apenas de recuperar o desempenho motor, sem levar em consideração
seus aspectos subjetivos e apenas enfatizando aquilo que deveria ser “consertado” no corpo.
No segundo corte, passa-se a romper com a ideia desse paralelismo de corpo-motor,
passando a ser considerado o corpo em movimento, baseado na educação psicomotora e
terapia psicomotora. Wallon, um de seus precursores percebe que as emoções, os afetos
encontram-se ligados ao campo psicomotor.
As cenas em que são possíveis verificar esse corte são apresentadas quando a
fonoaudióloga percebe a existência da possibilidade de Jean se comunicar a partir de uma
técnica em que era possível a compreensão das letras através do seu olho piscando. Sendo
assim, foi notório que mesmo com o corpo paralisado, ele era capaz de perceber tudo em sua
volta, levando-se em conta suas emoções.
O terceiro corte surge com a influência da Psicanálise sob a Psicomotricidade,
entrelaçado pelos conceitos de Real, Simbólico e Imaginário de Lacan, no qual o sujeito é
centrado na falta, naquilo que ele deseja com seu corpo em movimento.
Podemos observar esse corte, no processo que ocorre no decorrer das sessões de Jean
e uma dessas formas foi quando as pessoas em sua volta passaram a compreendê-lo no
contexto em que ele se encontrava, adaptando-se a sua nova forma de vivenciar a situação.
Considerando-se como um sujeito desejante, que mesmo aprisionado em seu escafandro, foi
capaz de escrever sua história, através de sua mente que vagueava como uma borboleta.
Penso que por diversas vezes, vivemos parecidos como Jean, mas nem sempre aquilo
que mais nos aprisiona é o nosso corpo, e sim a nossa mente. Que saibamos ser borboletas,
livres para amar, livres para escolher, livres para desejar.

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