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Laboratorio Digital | Fotografia e Cultura Visual

Prof. André Barbosa

Mal-Amada

Filipe Gonçalves
T1

2022/2023
Índice

• Memória Descritiva
• Metodologia de Projeto
• Imagens Finais
Memória Descritiva

As M3DUSA são um trio feminino de DJs, composto pela Inês Abreu, Mónica Caldeira e
Inês Condeço, que utilizam a música como extensão do seu ativismo feminista. O ativismo em
prol de uma minoria está sempre de mão dada com as restantes, que vão andando entre os
pingos da chuva de um universo composto maioritariamente por uma sociedade machista e
heteronormativa. Inspiram-se na sua própria força, nas suas experiências enquanto mulheres
deste mundo, mas também em experiências alheias, deste século ou de séculos passados, pois
o mesmo tipo de ações possíveis a ter contra as suas identidades são as mesmas, e que se têm
vindo a perpetuar nas variadas narrativas dos homens. O nome do grupo é inspirado na antiga
história da mitologia grega. A história de Medusa; está mais do que na hora de romper com a
mesma e começar a construir um novo relato para as “medusas” dos dias de hoje. Colocamos
um ponto final nos tempos em que os homens praticavam o antigo ato do “Mansplaining”.

Neste trabalho sirvo como meio de comunicação entre as M3DUSA e o público. Sou aqui,
o transporte entre quem está pronto a falar em nome do Feminismo e quem está pronto (ou
não) a ouvir o que as mulheres deste mundo têm a dizer sobre o seu papel no universo de
homens em que se inserem. Não se trata de uma causa de mulheres, mas sim de todos aqueles
que interessam por um mundo justo e sem desigualdade.

“A misoginia é o preconceito mais antigo da história e a narrativa da mulher


transformada em monstro repete-se até aos dias de hoje - a bruxa, a Eva, a sereia -, pois quantas
mais Medusas não se fizeram até aos dias de hoje?” – dizem as M3DUSA no seu manifesto,
manifesto esse que nos transporta com elas para esta luta constante pela igualdade de género.
Escolhi as M3DUSA para me ajudarem neste projeto por várias razões, mas principalmente
porque tive a oportunidade (e sorte) de trabalhar com elas no Arraial Lisboa Pride e consegui
ver de perto a garra com que se inserem no mundo da música. Foi fantástico sentir o palco a
vibrar e o público a ferver com a energia que nos rodeava. A sua irreverência no meio musical
tem sido correspondente com as suas intenções ativistas. Nesse dia tive a certeza que queria
realizar mais projetos ao lado destas três mulheres. É impossível não nos sentirmos inspirados
pela força e poder que elas carregam.

Nasce assim, o Mal-Amada.


Metodologia de Projeto

Todas as decisões do trabalho foram feitas em conjunto, para que estivéssemos os


quatro na mesma página e que o conforto de todos estivesse assegurado do início ao fim. Com
isto, as frases que surgem como elemento gráfico ao longo das dez imagens, foram sugestões
das M3DUSA e a partir daí, restou-nos encontrar maneiras de representar visualmente o peso
que cada uma delas tem. Decidiu-se interpretar algumas das frases com ironia, como se se
estivesse a dar uma “chapada de luva branca” a todos aqueles que proferem as expressões
escolhidas, e outras com um ponto de vista mais direto, devido à seriedade das frases em
questão. As mesmas foram selecionadas de um conjunto maior do que dez expressões, mas as
que se observam ao longo do projeto foram levadas a avante por serem mais comuns ouvir-se
ou testemunhar.

Ao longo da história, de toda aquela se conhece e a que está por ser descoberta, as
mulheres sempre foram mal-amadas, mal-respeitadas, mal-vistas e mal-compreendidas. O
nome “Mal-Amada” entra como título desta série pela mesma razão dos restantes elementos
textuais, com um sentido irónico, porque na verdade, mulheres não precisam de ser “bem-
amadas”, não necessitam de aprovações externas para viverem, para se viverem e explorarem
o mundo. Não devem nada, mas é lhes devido o respeito para o qual se está em falta, desde o
inicio dos tempos, às suas identidades.

A frase que surge em 1º lugar é a única cuja apropriação foi feita, pois é a mesma que
faz a introdução em todos os episódios do podcast que as M3DUSA produzem, o “Mulher
PodeCast”. É um programa onde elas falam de assuntos diversos, sempre em torno do
feminismo. “For too long women have not been heard or believed if they dared to speak their
truth to the power of those men, but their time is up”, disse Oprah Winfrey em 2018 ao receber
o Globo de Ouro Cecil B. DeMille, momento que a torna a primeira mulher negra na história a
receber este título. A decisão desta ser a 1ª imagem não é por acaso, é um ponto de exclamação
que enuncia a intenção de empoderamento feminino e abre a porta a um olhar desperto para o
que se segue. As imagens finais requerem que o observador as veja com mais atenção, pois
possuem diversos elementos, além do texto, que acrescentam ao contexto. Por exemplo, na 2ª
imagem vemos a Mónica a ler o livro “Caderno de Encargos Sentimentais” (escrito por Inês
Menezes), isto porque, seguindo o pensamento sarcástico que o projeto carrega, as mulheres
necessitam de um manual que as ensine a ponderar e equilibrar os seus sentimentos, para que
não sejam “demasiado emotivas”. Ainda na mesma imagem, decidiu-se introduzir o ato de
fumar por ser reconhecido como um momento de pausa e reflexão. Sendo assim, a leitura deste
produto final é concluida com a Mónica a fumar e refletir sobre as suas emoções.

Na penultima imagem, pode ler-se “O que é que levavas vestido?”. Esta representação
foi feita por ser demasiado comum fazer este questionamento a vítimas de assédio sexual, como
se a roupa que as mesmas levavam vestidas fosse algum factor a apontar contra elas, como se
isso fosse razão para poderem ser vítimas de um crime. Ao querer realizar um projeto cujo tema
é algo sério, é necessário ter cuidado com a forma como se escolhe fazê-lo, é preciso ter
consciência da possibilidade de várias pessoas o verem, com vários tipos de pensamento,
especialmente quando o que se pretende falar não é algo que se sofre na 1ª pessoa. A este
ponto na 9ª imagem, como dito anteriormente, está a mencionar-se uma pergunta
normalmente feita depois de ter sido praticado um ato criminoso e, por essa razão, a abordagem
decidida não foi sarcástica. Escolhemos ir diretos ao assunto e obrigar o visualizador a
questionar-se se de facto, a roupa que uma mulher escolhe usar é razão para a assediar, violar
ou pior.

Por fim, na última imagem da série, vemos a ser feito o inverso do que está
escrito. Contextualizando, “Manspreading” é o “ato” (se assim se puder chamar) de um homem
sentar-se com as pernas abertas, de modo a incomodar o espaço pessoal de quem se sente ao
lado dele, ou até mesmo em frente a ele. Normalmente isto observa-se em transportes públicos,
espaços de trabalho, etc. Mesmo tendo consciência de que isto é incomodativo, muitas vezes
ouve-se esses mesmos homens a dizer que a forma correta de uma mulher se sentar, é com as
penas fechadas. “Fecha as pernas” é o que mais se escuta quando se vê uma mulher de pernas
abertas, como se as mesmas não se pudessem sentir confortáveis a sentarem-se nessa posição.
Com isto, na imagem final, colocou-se a Inês no centro, de pernas abertas, claramente a
incomodar quem está ao lado dela. Esta imagem pode causar estranheza a quem a vê porque
habitualmente quem se senta assim são homens, e seja porque razão for, visualmente, isso não
nos incomoda. O facto da Inês estar de saia não é por acaso. Foi escolhida esta roupa para que
se causasse um maior desconforto ao ver-se uma mulher sentada nesta posição.

Aqui só resta questionar: Porque é que me incomoda se for uma mulher sentada desta
forma, mas o mesmo não acontece se for um homem? Na resposta, encontramos a misoginia
intrínseca à nossa sociedade e na nossa educação.

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