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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
DISCIPLINA: PESQUISA JURÍDICA
DOCENTE: JOSÉ GERALDO DE SOUSA JÚNIOR
DISCENTE: ALESSANDRA OLIVEIRA BARBOSA

TÁBOAS, Ísis. Métodos jurídicos feministas e o (des)encobrimento do Direito no cotidiano das


mulheres. In: SCHINKE, Vanessa Dorneles (org). A Violência de Gênero nos Espaços do
Direito: Narrativas sobre Ensino e Aplicação do Direito em uma Sociedade Machista. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 337-350.

O artigo “Métodos Jurídicos Feministas e o (Des)Encobrimento do Direito no cotidiano


das mulheres”, de Ísis Táboas, propõe uma reflexão acerca da desigualdade entre homens e
mulheres dentro do âmbito jurídico, o que provoca uma “invisibilização das lutas das mulheres
por direitos” (TÁBOAS, 2017, p. 338). Segundo ela, a linguagem configura-se em forte
instrumento dessa relação de poder, posto que sob o pretexto de ser universal, esconde a grave
exclusão das mulheres do campo do Direito. Como metodologia, Táboas não cita autores em
seu artigo, lançando mão apenas de trabalhos produzidos por mulheres, para com isso provocar
nos homens a mesma sensação de “silenciamento, incômodo e opressão” (TÁBOAS, 2017, p.
337) sentida pelas mulheres.

Apesar da grande diversidade de correntes, as teorias feministas no âmbito jurídico


encontram paridade no que concerne a “denúncia do caráter patriarcal do Direito” (TÁBOAS,
2017, p. 338). O texto em questão está embasado na corrente que denuncia esse caráter ligado
ao racismo, classismo e LGBTfobia. Ademais, toda a análise realizada por Táboas baseia-se no
“método jurídico feminista desenvolvido por Katherine Bartlett” (TÁBOAS, 2017, p. 339) e
está segmentado em três esferas: “a pergunta pela mulher, a razão feminista e a formação de
consciência” (TÁBOAS, 2017, p. 339).

Dentro do campo do Direito, os métodos jurídicos configuram-se em instrumentos de


extrema relevância, visto que, como explicita Catherine Mackinnon, são eles os responsáveis
pela organização da apreensão da verdade. Dessa forma, a metodologia feminista foi
desenvolvida com o intuito de criticar os métodos jurídicos tradicionais, posto que, segundo a
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autora, estes asseguram maior valor à positivação das leis, atribuindo maior valor à
previsibilidade.

Toda essa situação de desigualdade dentro do âmbito jurídico, que “marginaliza e


ludibria as mulheres” (TÁBOAS, 2017, p. 340), está prontamente alicerçada no contexto
histórico, que ao longo do tempo consolidou a visão de mulher submissa frente ao mundo. Para
exemplificar, Táboas apresenta o contexto da Revolução Francesa, que dizendo-se pautada em
um suposto discurso de universalidade e igualdade formal, realizou fortes repressões às
mulheres, aonde foram “violentamente caladas, suas manifestações, reprimidas, e sua
existência, escondida e apagada” (TÁBOAS, 2017, p. 340). Como ressalta a autora, as mulheres
ansiavam por participar do momento revolucionário, intentando de inúmeras formas organizar
sua própria frente de batalha, elaborando manifestos, organizando clubes políticos, contudo
“foram excluídas dos momentos decisórios desde o princípio do processo revolucionário”
(TÁBOAS, 2017, p. 341). Além do mais, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
fruto da Revolução Francesa, trouxe essa exclusão velada dentro de seu próprio texto. Segundo
Táboas, o termo “homem”, exposto no título, “apresenta inverdades [...], afirmando que foi
empregado como sinônimo de ser humano, quando não o foi” (2017, p. 340).

Segundo Celia Amorós (1995, p. 223), conforme citada por Táboas (2017, p. 341),
apesar de participarem ativamente de todo o processo, as mulheres ainda eram consideradas “el
tercer Estado del tercer Estado” - fazendo menção ao sistema de estratificação social, composto
por primeiro estado (clero), segundo estado (nobreza) e terceiro estado (burguesia e servos),
aonde, segundo Amorós, as mulheres estavam no nível social mais inferior -, não sendo
“consideradas sujeitas de direitos” (TÁBOAS, 2017, p. 341).

É papel, portanto, dos métodos jurídicos feministas, descobrir as lutas das mulheres,
eliminando toda “a repressão e silenciamento” (TÁBOAS, 2017, p. 342) “presentes ao longo
das construções jurídicas modernas” (TÁBOAS, 2017, p. 342). Para isso, torna-se cabível a
proposta metodológica de Katherine Bartlett, que trata, primeiramente da pergunta pela mulher,
ou seja, questiona-se em que lugar estão as mulheres em comparação aos homens, objetivando-
se revelar todas as desigualdades de gênero. Para deixar mais evidente essa situação, Táboas
apresenta o desenrolar da legislação até a aprovação da Lei 13.104, que trata do “feminícidio
como circunstância qualificadora do crime de homicídio” (TÁBOAS, 2017, p. 343). Percebe-
se, para tanto, o total desconhecimento da realidade das mulheres por parte da legislação, visto
que antes da lei do feminícidio entrar em vigor, o inciso II da antiga lei, trazia a condição de
“motivo fútil” para classificar homicídio qualificado. Seria, como levantado por Táboas, essa a
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visão do legislativo no que diz respeito a violência doméstica sofrida por milhares de mulheres
todos os dias em nosso país? Ou ainda aplicar sob o parágrafo 1º, dando ao agressor a
oportunidade de diminuição de pena, pois encaixa-se em um suposto “domínio de violenta
emoção”? São questões como essa que encaminham para o segundo âmbito proposto por
Bartlett: a razão prática feminista.

Esta razão prática busca dentro dos casos concretos, explicações e fundamentos para

a naturalização da violência contra nós [mulheres], a descaracterização da


condição feminina como elemento essencial para a compreensão da violência
sofrida, a revitimização imprimida por agentes do sistema de justiça e
segurança pública, ou a invisibilização de identidades ainda não reconhecidas
pelo Direito (TÁBOAS, 2017, p. 346).

Nesse sentido, segundo Táboas, violências como as psicológicas sofridas em ambiente


doméstico não são vistas pelo sistema de justiça como agressão, mas tão somente “meros
desentendimentos conjugais” (TÁBOAS, 2017, p. 347), como dito pelo juiz do caso
exemplificado no texto pela autora. Estes elementos concretos são vistos como secundários e
“irrelevantes ao processo” (TÁBOAS, 2017, p. 348), o que desacredita a vítima.

E por fim, como que num processo, o terceiro âmbito baseia-se na formação de
consciência. Táboas faz um apelo às mulheres que já sofreram algum tipo violência, a
pronunciarem-se e compartilhar suas experiências a fim de estabelecer debates a esse respeito.
Segundo ela, esse tipo de atitude abre portas para a formação de consciência do campo jurídico,
influenciando em suas decisões.

A formação de consciência é momento importante para promoção da


organização das mulheres em torno de projetos comuns e das lutas por direitos
que nos são negados. [...] É um momento que provê uma subestrutura para
outros métodos feministas – incluindo o formular a pergunta pela mulher e a
razão prática feminista – pois permite às feministas perceber e teorizar a partir
das experiências próprias e de outras mulheres, e usar estas reflexões para
questionar as versões dominantes sobre a realidade social (TÁBOAS, 2017,
p. 350)

Consoante a isso, entendo o papel desses métodos jurídicos feministas no cotidiano das
mulheres como a oportunidade para se estabelecer um pensamento mais igualitário no âmbito
jurídico, visto a grande desigualdade existente. Para isso, faz-se necessário reconhecer o valor
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e o papel da mulher nas grandes produções teóricas, entendendo que esse papel de submissão,
que por tanto tempo lhes foi empregado, não cabe mais, dando à elas mais liberdade,
emancipação e autonomia para se colocarem frente ao mundo. Ísis Táboas apresentou um
método que gera um processo de conhecimento do real lugar da mulher dentro da sociedade e
do Direito, não mais submissa e escondida, mas agora reconhecida como produtora de seus
trabalhos e ideias, à frente da batalha que todos os dias lhe é imposta, combatendo as
dificuldades que surgem.

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