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Turma: B
Resenha do livro:
LYRA FILHO, Roberto. “Pesquisa em que Direito?”. Brasília: Editora Nair Ltda, 1984.
O texto de Roberto Lyra Filho, “Pesquisa em que Direito?”, originalmente escrito para
o Seminário sobre Pesquisa em Direito da PUC-Rio, traz à tona uma importante questão
pouco discutida no cenário jurídico: a visão errônea do conceito de Direito. Este equívoco,
cada vez mais frequente nos dias atuais, “toma a norma pelo Direito e a sanção pela norma”
(LYRA, 1984, p. 13), ou seja, apoia toda a práxis jurídica no chamado Direito positivo, ou
mais precisamente o Direito normatizado. Assim, o autor aborda como o campo do Direito é
complexo e vasto, e não deve ser condicionado ao esgotamento de leis.
Com o tópico 3, inicia-se uma visão mais aprofundada da distinção entre Direito e
norma. O autor elenca cinco proposições combatidas pela NAIR, que são comuns ao
positivismo. São elas: tomar a norma pelo Direito; definir a norma pela sanção; reconhecer
apenas ao Estado o poder de sancionar e normar; abaixar-se ante ao “fetichismo do chamado
direito positivo” (LYRA, 1984, p. 12); e transformar o direito em um conjunto de restrições.
Segundo ele, a confusão feita entre as concepções de Direito e norma assemelha-se a
equivocar-se entre a embalagem e o produto.
Esta inversão dá-se, ainda, pelo pensamento jurídico tradicional que insiste em “dar
como Direito único o chamado ‘direito positivo’” (LYRA, 1984, p. 14), descartando as
normas jurídicas supra-estatais. Destarte, o Direito, que ao invés de obter sua concepção na
liberdade, define-se agora como restrição pura e simples a esta.
Entretanto, o autor deixa claro o desejo de não nulificar o direito estatal (direito
positivo), mas tão simples de vê-lo “subordinado à dialética do Direito” (LYRA, 1984, p. 15),
isto é, apresentar as normas desencarceradas dos dogmas, prontas a retificações e
questionamentos, ponderando a razão humana em direção ao fato, e não mais o observando e
ignorando-o.
A NAIR, portanto, tem este papel, isto é, renovar a abordagem do Direito, permitindo
que o processo continue, como Lyra mesmo define, contraditório, rico e complexo. Mediante
isso, dentro do tópico 4, o autor reitera o distanciamento da NAIR com as correntes do
positivismo e do jusnaturalismo. Afasta-se daquela, pois como já foi dito, não se identifica
com a normatividade do pensamento positivo, que, segundo Lyra, está totalmente mergulhado
nos interesses das classes dominantes. E muito menos bebe das águas do jusnaturalismo, que
sendo uma teoria de leis imutáveis, universais, invioláveis e atemporais, leva a Justiça dos que
dominam para o mesmo meio “da dominação espoliadora e repressiva” (LYRA, 1984, p. 16).
Por isso, Lyra elenca mais proposições oriundas da NAIR, sendo elas: a) “o Direito é,
antes de tudo, liberdade militante” (LYRA, 1984, p. 16), isto é, o Direito deve ser um
processo e um modelo de liberdade, e não uma ordem social determinada, tampouco norma e
princípio abstrato; b) a Justiça determina-se, novamente, pela liberdade, mas uma liberdade
conscientizada, ou seja, que reflete os direitos daqueles que são dominados e oprimidos; c) o
padrão de legitimidade das normas deve estar pautado no vetor histórico; d) a libertação não
deve estar isenta de limites jurídicos, contudo não deve aceitar tutores que determinem a
liberdade de cada um, pois “a emancipação das classes trabalhadoras não significa uma luta
por privilégios e monopólios de classe e, sim, uma luta por direitos e deveres iguais” (MARX
& ENGELS, p. 322); e a positivação dialética, que segundo Lyra, impede que o Direito seja
atado a uma ordem social e ao “direito positivo”, pois sua concretização dá-se mediante lutas
e direitos reclamados.
O Direito não se constitui, portanto, em “uma ordem natural e fixa, nem uma ordem
social e concreta, nem sequer uma ordem que troca de conteúdo, dentro de parâmetros
conceituais ou substanciais do Estado ou da razão pura” (LYRA, 1984, p. 18). Tal definição,
proposta pelo autor, contrapõe-se a definição da visão positivista, que diz que o Direito
caracteriza-se por um preceito moral de repreensão, ou seja, dotado de leis e normas, conduz a
sociedade baseado em regras com o intuito de punir aqueles que se distanciam de suas
preceituações. Acerca disso, o autor faz cinco sugestões: restituir ao Direito o seu lugar
próprio, a fim de cancelar os ideais positivistas; determinar para ele o objetivo da liberdade,
luta pela justiça histórica, social e concreta; enriquecer os direitos humanos através da
sustentação dos direitos das classes, grupos e povos ascendentes; destacar que “a própria
práxis transformadora do mundo tem limites jurídicos” (LYRA, 1984, p. 19); e por fim,
mostrar que a positivação dialética é um processo necessário, pois é transformativo, superior e
“mais amplo do que qualquer ordem determinada ou conjunto de normas produzido” (MARX,
p. 453).
Estas indicações estão justificadas nas influências sofridas pela NAIR, a saber: a
herança liberal – garantias democráticas e cortadas as aderências burguesas -, a dialética de
Hegel, a ontologia jurídica de Marx, a sociologia crítica marxiana dos anos maduros, a
contribuição da sociologia crítica pós-marxiana e a hermenêutica material. Observa-se,
portanto, o engajamento da NAIR em desconstruir uma concepção de Direito equivocada e
distante da realidade, restaurando o conceito de Direito nascido da história, “no útero da
libertação” (LYRA, 1984, p. 20) e fecundado pelo progresso. Isto, porque quando um povo
reclama seu direito, não se refere à norma propriamente dita, mas tão somente ao conteúdo
jurídico em que está implantada.
Apesar de o poder estatal, segundo Lyra, estar sob o domínio das classes e grupos
dominantes, o parâmetro jurídico parece posicionar-se a favor dos espoliados e oprimidos.
Um exemplo disso, citado pelo autor, é o direito de greve, que não se originou de normas
estatais, mas contra e supra legem (contrário à lei e acima da lei).
Por fim, o tópico 6, que pode ser segmentado em três grandes pontos necessários a
discussão: as dificuldades para uma realização correta da pesquisa jurídica; diferenciação
entre o “jurista dogmático e o verdadeiro jurista” (LYRA, 1984, p. 33 e 34); e a necessidade
de união entre sociólogos e juristas.
Para iniciar, o autor reforça o comprometimento da NAIR com a pesquisa jurídica,
entretanto sem esquecer toda a meditação já feita a cerca do Direito do qual se debate. Por
isso, retoma a importância do filósofo, posto que “o sobrevoo filosófico ajuda o pesquisador
de campo a não se perder entre as árvores, desconhecendo o mapa da floresta” (LYRA, 1984,
p. 32), ou seja, são os questionamentos oriundos do pensamento filosófico que permitem uma
visão geral e ampla do tema que se debate. O filósofo é, assim, o garoto que alerta o monarca
de sua nudez e diz o que ninguém tem coragem de dizer.
No primeiro tópico debatido nesta seção, o autor discorre sobre dificuldades que
precisam ser superadas para um estudo e realização efetivos da pesquisa jurídica. Cita o que
ele chama de esclerose institucional, que advém do poder social e reduz “os canais de
funcionamento de universidades e instituições científicas” (LYRA, 1984, p. 32). Além disso,
critica a redução do jurista “a beija-flor de pacotes e o Direito à castração da liberdade”
(LYRA, 1984, p. 32). Isto torna inábil uma visão de investigador “sério, fecundo e eficaz”
(LYRA, 1984, p. 32).
Consoante a isso, Lyra defronta dois tipos de juristas, o jurista “verdadeiro” e o jurista
“dogmático”. Este, segundo ele, declara a abordagem feita de forma crítica como não jurídica,
gerando desprestígio na comunidade em que estão inseridos, pois “enterram o Direito e
desviam a pesquisa para a visão falsa do universo jurídico” (LYRA, 1984, p. 33). Já aquele,
possui um ponto a mais, o de ser cientista social. Para Lyra, a união da sociologia com o
Direito – sociólogos e juristas – é fundamental e extremamente fecunda, visto que impede a
adoção do dogmatismo. Para exemplificar, apresenta alguns exemplos de estudos sociológico-
jurídicos, segundo a visão da NAIR, são eles: “o estudo sobre o silêncio e a inércia sociais”;
“a análise da jurisprudência contra legem”; e “o confronto entre os parâmetros da
Criminologia tradicional”. Para tanto, esta união da ciência social ao Direito deve evitar a
intransigência e a pseudoneutralidade, uma vez que, segundo o autor, ser neutro castra o
Direito, pois se nega a fazer política, quando na verdade o que está fazendo verdadeiramente é
política. Isso gera o que está em discussão neste texto, a troca do Direito pela norma estatal.
Aliado a isso, Liebknecht diz que política é a arte do impossível, sendo este impossível
passível de tornar-se possível, quando nos “conscientizamos para pressionar e conquistar”
(LYRA, 1984, p. 37).
O texto, escrito em 1984, possui uma ideologia totalmente voltada para os princípios
socialistas e de esquerda. O ano de publicação, não arbitrário, caracterizou-se por um
momento em que a população ansiava por mudanças realmente efetivas, tanto que no ano
seguinte chegaria ao fim a Ditadura Militar, que dominou a sociedade brasileira por vinte e
um anos. O ano de 1984 foi um ano que pedia pela redemocratização e anistia, o que inspirou
muitos autores como Lyra, a escrever e a falar sobre tais temas.
Referências Bibliográficas
1. E. EHRLICH, Grundlegung der Soziologie des Rechts, München, Dunker & Humblot,
1913.
2. MARX, in K. MARX & ENGELS. Obras Escolhidas, São Paulo, Alfa-Ômega, s/d, I,
p.322.