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COMPLEXO DENTINO-PULPAR:
fisiologia e resposta às injúrias
Diana Gabriela Soares
Ana Paula Dias Ribeiro
André Luiz Fraga Briso
Josimeri Hebling
Carlos Alberto de Souza Costa
D
D
FD
FD
F
repousa sobre a papila dentária, recebe o nome de órgão lia TGFβ, os quais se acumulam na membrana basal. Essas
dentário, cuja morfologia determina uma nova fase da proteínas bioativas se relacionam com os receptores de
odontogênese, o estágio de capuz. Ao redor do órgão den- membrana dos pré-odontoblastos, que passam a secretar
tário e da papila dentária, um grupamento significante de fibronectina e a expressar a proteína 165kDa, específica
células ectomesenquimáticas se organiza para originar o para interagir com a fibronectina. A interação entre essas
folículo dentário. Nesse momento, o germe dentário passa moléculas resulta na diferenciação final dos pré-odonto-
a ser composto de: (1) órgão dentário, que dará origem ao blastos em odontoblastos, momento em que ocorre o alon-
esmalte; (2) papila dentária, responsável pela formação da gamento das células e a polarização do núcleo (assumindo
dentina e da polpa; e (3) folículo dentário, que dá origem a posição basal), bem como o desenvolvimento do retículo
aos tecidos de suporte do elemento dentário, como o osso endoplasmático rugoso que se dispõe paralelo ao longo do
alveolar, o ligamento periodontal e o cemento.1 eixo da célula.2
Ocorrem diversos fenômenos durante a fase seguinte A partir desse momento, inicia-se a deposição de matriz
da odontogênese, chamada de estágio de campânula. Nes- de dentina, composta principalmente de colágeno tipo I,
sa etapa, diferentes estratos (epitélio dentário externo, retí- proteoglicanos e proteínas não colagenosas, como sialopro-
culo estrelado, estrato intermediário e epitélio dentário teína óssea, sialoproteína da dentina, osteocalcina, fosfofori-
interno) podem se diferenciar no órgão do esmalte. Já na na, osteopontina, osteonectina, entre outras. Nesse processo,
periferia do órgão dentário, as células mais próximas à pa- denominado dentinogênese, os odontoblastos se deslocam
pila dentária (epitélio dentário interno) adquirem forma centripetamente em relação à papila dentária, movimento
cilíndrica baixa e interagem reciprocamente com as células em que deixam para trás de seu corpo um prolongamento
do ectomesênquima, o que resulta na formação do comple- citoplasmático. Durante a mineralização da matriz dentiná-
xo dentino-pulpar. No epitélio dentário interno, as células ria, os prolongamentos citoplasmáticos dos odontoblastos
relacionadas às futuras cúspides tornam-se colunares al- são envolvidos pela matriz mineralizada, formando, assim,
tas, dando início ao estágio tardio de campânula, além de os túbulos dentinários, os quais conferem a característica de
promover uma sinalização, por meio da membrana basal, permeabilidade à dentina. Os odontoblastos se organizam
que passa a diferenciá-las das células mais periféricas da em monocamada em toda a periferia da polpa dental, for-
papila dentária, transformando-as em pré-odontoblastos. mando a camada odontoblástica1 (Figura 1.4).
Esse fenômeno se inicia pela secreção de fatores de cresci- Essa camada de odontoblastos é forte e intimamente
mento, particularmente aqueles pertencentes à superfamí- unida por junções intercelulares vigorosas que funcio-
B
MD
oo Figura 1.5
MD A Corte transversal na região de deposição de matriz dentinária não
mineralizada (pré-dentina) demonstrada em B. É possível observar a
presença dos túbulos dentinários que contêm, individualmente, prolon-
A gamentos citoplasmáticos (setas) dos odontoblastos. Entre os túbulos,
pode-se observar a matriz dentinária (MD) rica em colágeno. TEM.
Polpa dental
D
A polpa dental é constituída por um tecido conjuntivo
frouxo especializado, estruturalmente dividido em ca-
madas: a odontoblástica; a acelular; a rica em células; e a PD
central. Na periferia da polpa, encontram-se células orga- CO
nizadas em paliçada logo abaixo da pré-dentina, conheci-
da como camada odontoblástica (Figura 1.6).
Os odontoblastos, quando completamente diferencia- CA
dos, apresentam-se altamente polarizados (núcleo locali-
CRC
zado próximo à região subodontoblástica) e carateriza-
dos como células secretoras, com presença abundante do
retículo endoplasmático rugoso e complexo de Golgi.
Além disso, seus corpos celulares estabelecem entre si P
numerosos contatos por meio das junções intercelulares,
as quais permitem comunicação intercelular e trocas me- oo Figura 1.6
tabólicas.7 Responsáveis pela produção contínua de den- Neste corte histológico de um dente humano íntegro, pode-se obser-
tina fisiológica (dentina secundária), quando expostas a var as distintas estruturas e camadas que caracterizam o complexo
injúrias, essas células podem participar do processo de dentino-pulpar: dentina (D); pré-dentina (PD); camada de odonto-
esclerose dentinária e produção de dentina reacional, blastos (CO); camada acelular (CA); camada rica em células (CRC); e
bem como estão envolvidas na resposta imunoinflamató- região central da polpa (P). Tricrômico de Masson, 250 ×.
ria da polpa.
Logo abaixo dos odontoblastos, encontra-se uma del-
mecanismo natural de morte celular programada (apop-
gada área com nenhuma ou com poucas células, denomi-
tose) ou por um processo patológico, as células mesen-
nada zona acelular (zona de Weill). Essa camada, atraves-
quimais de reserva são estimuladas por meio da intera-
sada por prolongamentos de células adjacentes, vasos e
ção de mediadores químicos e fatores de crescimento
fibras nervosas, é parcialmente ocupada pelo plexo de
com receptores de membrana, o que resulta em sua dife-
Rashkow, constituído por fibras mielínicas (A-δ e A-β) e
renciação em novos odontoblastos, que agora levam o
fibras amielínicas (fibras C). Essa estrutura nervosa se
nome de odontoblastoides.10,11 Esse processo de recruta-
caracteriza por numerosos filetes nervosos, originados
mento e diferenciação celular ainda não está bem escla-
de um ou mais feixes nervosos centrais que penetram a
recido, porém sabe-se que ele é distinto daquele da odon-
polpa pelo forâmen apical e acompanham os vasos san-
togênese, no qual a presença de células epiteliais se faz
guíneos em sua rota. Deste plexo alguns filetes nervosos,
necessária.12
ricos em receptores para dor, passam através dos odonto-
A última camada, conhecida como zona central, é
blastos e terminam na pré-dentina ou dentina (cerca de
constituída por um tecido conjuntivo frouxo singular, no
100 µm dentro dos túbulos dentinários). Em virtude da
qual estão presentes fibroblastos, células mesenquimais
localização periférica dessas fibras nervosas de rápida
indiferenciadas, células do sistema imune (macrófagos e
condução e baixo limiar de excitabilidade, estímulos ex-
linfócitos), além de capilares e fibras nervosas distribuí-
ternos que conseguem provocar rápida movimentação do
das de forma equilibrada na matriz extracelular. Essa ma-
fluido dentinário promovem a ativação das terminações
triz é composta de elementos fibrosos e da substância
nervosas na embocadura dos túbulos e na câmara pulpar,
fundamental (formada por proteoglicanas, glicosamino-
gerando o quadro clínico de hipersensibilidade.8 Propos-
glicanas, glicoproteínas e água), sendo o colágeno o cons-
ta por Brännström no ano de 1986, essa teoria hidrodinâ-
tituinte fibroso mais abundante (Figura 1.7), e permite a
mica é a mais aceita pela comunidade científica para ex-
difusão de nutrientes, oxigênio e proteínas entre os com-
plicar o fenômeno de hipersensibilidade dentinária.9
ponentes celulares e a microcirculação, o que lhe consa-
Junto à camada acelular, existe uma delgada área es-
gra papel importante na manutenção da capacidade de
pecífica de tecido conjuntivo que apresenta notável
reparação pulpar.1,2,7
quantidade de células, a zona rica em células. Nessa re-
gião, está presente uma quantidade considerável de célu-
las mesenquimais indiferenciadas que funcionam como RESPOSTA DO COMPLEXO DENTINO-PULPAR
AOS AGENTES IRRITANTES
um sistema de reserva e que estão diretamente relaciona-
das com a manutenção da camada odontoblástica e, con- Uma vez rompida a integridade do esmalte, o comple-
sequentemente, com a reparação pulpar. Já foi observado xo dentino-pulpar fica exposto às diversas injúrias do
que, quando ocorre morte de odontoblastos, seja por um meio bucal, que compreendem desde estímulos de ori-
VS
oo Figura 1.7
A Detalhe da região central da polpa selecionada a partir de B. Nota-se
A que, neste tecido conjuntivo frouxo, há a presença de células do siste-
ma imune, fibroblastos (seta amarela) e vasos sanguíneos (VS) TEM.
gem microbiana, traumática e iatrogênica (preparos cavi- da dissolução da dentina. Essas proteínas são liberadas
tários e outros procedimentos clínicos) até traumas de no interior dos túbulos e ativam os odontoblastos, esti-
origem química advindos de materiais dentários. De ma- mulando a secreção de proteínas relacionadas à deposi-
neira geral, esse complexo responde a esses irritantes com ção de matriz dentinária. Dessa forma, os túbulos de den-
a produção de dentina, tendo como principal objetivo li- tina próximos ao processo de lesão por cárie podem ser
mitar a difusão de componentes tóxicos para o tecido obstruídos por proteínas secretadas pelos odontoblastos
pulpar, pela diminuição da permeabilidade do tecido em associação com cristais do fluido dentinário e da den-
dentinário, bem como afastar-se da fonte agressora. Des- tina descalcificada, além dos próprios componentes in-
sa forma, a resposta do complexo dentino-pulpar com- ternos dos túbulos.
preende três mecanismos básicos de defesa, que estão in- Quando ocorre a deposição de dentina terciária na pe-
timamente relacionados e que dependem do tempo e da riferia pulpar em resposta a um estímulo externo, o meca-
intensidade da agressão: a deposição de dentina intratu- nismo de defesa é conhecido como deposição de dentina
bular; a deposição de dentina terciária; e a inflamação/ terciária, considerada patológica, cujo objetivo, de maneira
resposta imune.13,14 geral e simplória, seria o distanciamento dos odontoblastos
O primeiro mecanismo, a deposição de dentina intra- do agente agressor. A dentinogênese terciária engloba um
tubular, resulta na formação da esclerose dentinária. Esse amplo espectro de respostas que vão desde a secreção de
fenômeno é considerado um importante mecanismo de uma dentina tubular, que pouco difere da dentina primá-
defesa da polpa, o qual reduz e pode até mesmo obstruir ria e da secundária, até a deposição de uma dentina amorfa
a luz interna dos túbulos dentinários, reduzindo drasti- e atubular. Dessa forma, a dentina terciária tem sido sub-
camente a permeabilidade da dentina. Essa redução no classificada em reacional e reparadora em virtude dos dis-
diâmetro tubular pode ocorrer em virtude do acúmulo tintos eventos biológicos que envolvem sua deposição, bem
de cristais de apatita provenientes da própria dissolução como de suas características morfológicas.17 Em situações
da dentina no interior dos túbulos, que leva à liberação de em que o complexo dentino-pulpar é submetido à agressão
proteínas não colagenosas aprisionadas na dentina mine- de baixa intensidade, os odontoblastos primários (os mes-
ralizada, as quais podem atuar diretamente nos odonto- mos responsáveis pela deposição da dentina primária e da
blastos, estimulando a produção de matriz extracelular.15 secundária) são estimulados a depositar e mineralizar ma-
Segundo Pashley e colaboradores,16 quando o dente é ex- triz dentinária, provavelmente por mecanismos associados
posto à atrição, ocorre uma alteração no movimento de à inflamação de baixa intensidade. Essa dentina, denomi-
fluido dentinário do interior da polpa para fora, com o nada reacional, pouco se diferencia da dentina primária e
objetivo de conduzir e formar depósitos de minerais no da secundária, apresentando, na maioria das vezes, carac-
interior dos túbulos. Já nos casos de lesões de cárie, este terística tubular (Figura 1.8).
mecanismo também está associado à resposta dos recep- Quando a agressão é de alta intensidade, pode ocorrer
tores de membrana localizados nos odontoblastos e/ou morte dos odontoblastos ou mesmo aspiração dessas cé-
em seus prolongamentos citoplasmáticos, que seriam ati- lulas para o interior dos túbulos dentinários (desenca-
vados por proteínas metabolicamente ativas provenientes deando um processo de autólise). Durante esse processo,
DRL
DRA
que a principal função dos odontoblastos é a síntese e pos- dos produtos de patógenos, essas células em estado imatu-
terior mineralização da matriz dentinária, estudos recen- ro iniciam um processo de maturação funcional e migram
tes demonstraram a participação desse tipo celular no pro- até os nódulos linfáticos regionais para apresentar os antí-
cesso de reconhecimento de padrões moleculares associados genos aos linfócitos T imaturos.34 O processo de maturação
aos patógenos, na produção de citocinas e quimiocinas e das células dendríticas resulta em maior produção de cito-
na regulação do fluxo sanguíneo pulpar.20,21,24 cinas pró-inflamatórias, as quais sustentam o recrutamen-
Os odontoblastos expressam receptores do tipo Toll to desse tipo celular circulante imaturo, de seus precurso-
(“Toll-like receptors”), que induzem a fase efetora da res- res e também de células T para o local da injúria.35 Os
posta imune inata pela ativação da via NF-κB, resultando macrófagos participam da resposta pulpar na apresentação
em secreção de citocinas pró-inflamatórias e quimioci- de antígenos, na fagocitose e na modulação da resposta
nas, na produção de peptídeos antimicrobianos e na ma- imune por meio da produção de diversas citocinas e fatores
turação das células dendríticas.25,26 Além disso, essas cé- de crescimento.21 Essas células, quando ativadas, produ-
lulas são responsáveis pela produção de certas zem TNF-α, IL-1, IL-10, IL-12, quimiocinas e vários me-
quimiocinas, como as CCL2 (que participam da quimio- diadores lipídicos, como o fator de ativação de plaquetas,
taxia de células dendríticas imaturas), os monócitos, os prostaglandinas e leucotrienos. Com relação aos linfócitos,
macrófagos ativos etc., para o sítio injuriado.24 Com rela- são mais encontradas células T do que B no tecido pulpar.
ção à participação dos odontoblastos na microcirculação, Quando ativados, os linfócitos T participam no reconheci-
foi demonstrado o aumento na expressão da quimiciona mento do antígeno por meio dos receptores de membrana
pró-angiogênica CXCL2 quando essas células foram esti- (células T “helper”) e atuam na eliminação de células do
muladas com LTA (ácido lipoteicoico), o que pode contri- hospedeiro infectadas e transformadas por vírus, induzin-
buir para o aumento na vascularização durante o proces- do a apoptose delas, além de produzir IFN-γ com objetivo
so inflamatório, particularmente em virtude de sua de aumentar a fagocitose (células T citotóxicas). Os linfóci-
posterior ligação a receptores nas células endoteliais.27 tos B são geralmente encontrados em lesões de cárie pro-
Esse mesmo estímulo (LTA) sobre células odontoblastoi- funda21 e caracterizam uma resposta pulpar adaptativa, ou
des e outras células pulpares resultou em aumento na seja, um antígeno específico. Além de sua função principal
produção do fator de crescimento endotelial vascular
em produzir anticorpos, as células B podem também atuar
(VEGF), um importante indutor de angiogênese e per-
como apresentadoras de antígenos, modular as funções
meabilidade vascular.28 Essas células também podem
das células dendríticas e produzir citocinas, como IL-10,
produzir a enzima NADPH-diaforase, envolvida na pro-
IL-4 e IFN-γ, em resposta aos patógenos.36,37
dução de óxido nítrico, um potente vasodilatador.29,30
Outros componentes dessa resposta imune pulpar são
os neuropeptídeos, responsáveis por alterar múltiplos pro- REPERCUSSÃO DOS PROCEDIMENTOS
cessos, como a permeabilidade vascular e a vasodilatação CLÍNICOS NO COMPLEXO DENTINO-PULPAR
no local da injúria.31 Entre os neuropeptídeos mais comu- A partir do rompimento da integridade do esmalte,
mente encontrados no tecido pulpar, estão o peptídeo rela- seja por um processo carioso ou mesmo durante a reali-
cionado ao gene da calcitonina (CGRP), a substância P zação de um preparo cavitário, túbulos dentinários são
(SP), a neuroquinina (NKA) e o polipeptídeo vasoativo expostos, criando, assim, uma via de comunicação direta
intestinal (VIP). O resultado final da inflamação neurogê- entre o tecido pulpar e o ambiente externo. Com o objeti-
nica é um aumento transiente na pressão tecidual intersti- vo de selar a dentina e atuar como agente de reparação
cial e na movimentação do fluido dentinário em sentido tecidual, diversos materiais dentários estão sendo empre-
contrário à polpa, sendo considerado, como descrito ante- gados na Odontologia. Entretanto, esses materiais apre-
riormente, um fator protetor do complexo dentino-pul- sentam características distintas no que se refere à compo-
par. No entanto, caso o tecido pulpar não consiga absorver sição química, hidrofilicidade, resistência mecânica,
esse excesso de fluido intersticial por meio dos sistemas adesividade com os tecidos dentários e presença de pro-
linfático e circulatório, um aumento nos níveis dos neuro- dutos de degradação, fatores intimamente relacionados à
peptídeos somado ao edema persistente podem levar à dor resposta do tecido pulpar. Dessa forma, uma característi-
e possível necrose local na polpa.32,33 ca extremamente importante na seleção do material den-
Os demais participantes da resposta imunoinflamató- tário ideal é a sua compatibilidade e capacidade de intera-
ria pulpar incluem células típicas do sistema imune, como gir com o complexo dentino-pulpar, com o objetivo de
células dendríticas, macrófagos, linfócitos T e B, além de prevenir danos pulpares ou, pelo menos, contribuir para
suas citocinas e quimiocinas. As células dendríticas são a reparação da polpa em um curto período de tempo.
consideradas a população mais importante no reconheci- Outro fator a ser levado em consideração no que diz
mento e na apresentação de antígenos do tecido pulpar. respeito à repercussão de um dado procedimento clínico
Diante da captura, do processamento e do reconhecimento no tecido pulpar é a profundidade do preparo cavitário.
pulpar. Por esse motivo, é recomendada a substituição cluir quase que totalmente a necessidade de anestesia lo-
frequente das brocas empregadas em procedimentos clí- cal; porém, o maior tempo clínico necessário para a exe-
nicos.41-43 Da mesma maneira, movimentos de pressão cução desse método foi considerado sua principal
intermitentes devem ser aplicados sobre a estrutura den- desvantagem.50-56 Em um estudo recente, desenvolvido
tária durante a preparação cavitária, o que reduzirá a com microtomografia computadorizada, ficou constata-
possibilidade de aquecimento excessivo do elemento den- do que esse método foi mais seletivo para remoção de cá-
tal. Pode-se recomendar a pressão de corte de quatro se- rie quando comparado a outros oito métodos.57
gundos com outros quatro segundos de descanso. Tam- O efeito do Carisolv™ em polpas humanas expostas foi
bém devem ser obtidas adequada refrigeração das brocas avaliado por Bulut e colaboradores.58 O produto foi aplica-
e das estruturas dentárias pela utilização de turbinas que do sobre a polpa exposta por um período de 10 minutos,
contenham pelo menos dois orifícios de diâmetros apro- tendo como controle a aplicação de solução salina. Após
priados, os quais devem estar totalmente desobstruídos uma semana, uma resposta pulpar semelhante, que consis-
durante o procedimento clínico de corte das estruturas tia em suave inflamação adjacente à área de perfuração, foi
dentárias.41,44 O descuido na observação de qualquer um encontrada em ambos os grupos, não havendo diferença
desses itens poderá acarretar sérios prejuízos ao tecido estatística entre eles. Os autores concluíram que o Cari-
pulpar, fato que certamente justifica os cuidados a serem solv™ não causa reações adversas para o tecido pulpar de
tomados. seres humanos, sendo considerado, assim, um produto
biocompatível. Em estudo recente, Chang e colaborado-
Método químico/mecânico res59 demonstraram que a utilização do Carisolv™ em cavi-
A remoção químico/mecânica do tecido cariado é um dades profundas, previamente ao capeamento pulpar indi-
método que foi proposto com o objetivo de desenvolver reto com hidróxido de cálcio, resultou em 95,3% de
procedimentos menos invasivos e mais confortáveis ao vitalidade pulpar em comparação com 87% quando o mé-
paciente. Ele propõe a aplicação de um agente químico todo tradicional foi empregado, uma diferença estatistica-
que consegue atuar apenas na dentina comprometida mente significativa.
pelo processo carioso, amolecendo-a e facilitando, assim, Dessa forma, e segundo os autores, o método químico/
sua remoção mecânica por meio de instrumentos manuais mecânico foi mais efetivo na preservação da vitalidade
especialmente desenhados.45 pulpar do que o método tradicional quando da realização
Já foram propostos diversos métodos químico/mecâ- de capeamento pulpar indireto em cavidades profundas.
nicos para remoção do tecido cariado.45,46 Atualmente, Outros estudos com polpa de ratos também foram realiza-
um método patenteado e com comprovada efetividade dos, sendo observado que a aplicação do Carisolv™ em pol-
para essa atividade é o que emprega o Carisolv™ (Medi pa exposta por períodos de 10 a 30 minutos não promoveu
Team Dentalutveckling AB, Sävedalen, Suécia), um pro- alterações significativas no tecido pulpar. Além disso, fo-
duto que apresenta, na sua composição, três aminoácidos ram observadas destruição tecidual superficial e necrose
com diferentes funções que interagem efetivamente na de coagulação em 150 μm de profundidade, limitada à área
dentina cariada: a lisina (aminoácido básico); a leucina exposta. Segundo os autores, esse produto causa uma hi-
(aminoácido hidrófobo); e a glutamina (aminoácido áci- drólise alcalina dos componentes celulares da polpa, po-
do). Além dos aminoácidos, o Carisolv™ apresenta um rém não decompõe o colágeno desse tecido.49,60,61
evidenciador de dentina cariada, a eritrosina (E127B),
Laser Er:YAG
água, hipoclorito de sódio e cloreto de sódio.
A mistura do hipoclorito de sódio com os aminoáci- O sistema de ablação a ar pela utilização do laser
dos, em um pH elevado, gera a formação de um aminoá- Er:YAG é uma alternativa para remoção do tecido caria-
cido N-clorado, em que o cloro frouxamente ligado é ati- do que tem sido bastante estudada.39,62 O laser Er:YAG
vado e ataca o colágeno desnaturado na lesão de cárie.47 O atua em um comprimento de onda cujo valor é igual ao
hipoclorito de sódio é um agente proteolítico não especí- pico de absorção da água e muito próximo do grupo hi-
fico que consegue remover componentes orgânicos e com droxila (OH–) referente à apatita mineral encontrada
reconhecida atividade antimicrobiana; porém, os amino- tanto no esmalte como na dentina.63-67 Esse importante
ácidos neutralizam o efeito agressivo dessa substância fator permite que a energia liberada pelo laser Er:YAG
sobre os tecidos sadios.48 O resultado é, basicamente, o seja satisfatoriamente absorvida, tanto pelo esmalte
amolecimento da dentina cariada, deixando a dentina como pela dentina,63 uma vez que ambas as estruturas
subjacente, a qual, apesar da presença de poucos micror- apresentam naturalmente água e cristais de hidroxiapa-
ganismos, mantém seu potencial de remineralização.49 A tita na sua composição.68
eficácia desse sistema na remoção do tecido cariado foi Durante a aplicação desse tipo de laser na superfície
avaliada em diversos estudos, que demonstraram que o dental, a água absorve a energia eletromagnética emitida
Carisolv™ é eficaz na remoção do tecido cariado, ao ex- pelo sistema de Er:YAG, transformando-a em energia tér-
mica, passando rapidamente do estado líquido para o esta- grupo experimental apresentou tecido pulpar com res-
do gasoso.69 Esse processo provoca intensa elevação da posta inflamatória significativa e notável desorganização
pressão interna do substrato mineral, rompendo a sua es- tecidual no corno pulpar diretamente relacionado com as
trutura pelo processo de microexplosões, um fenômeno paredes cavitárias. Nesses espécimes, o remanescente
conhecido como ablação.63,70 É nesse contexto que o siste- dentinário entre o assoalho da cavidade e a polpa era de
ma de laser Er:YAG tem sido utilizado para remover tecido 214 μm, para o método com laser, e de 413 μm, para a
cariado e realizar preparos cavitários.66,71-73 A capacidade turbina de alta rotação. Esses dados histológicos demons-
do sistema laser em ablacionar os tecidos dentais está dire- tram que ambos os sistemas apresentam potencial para
tamente relacionada a dois parâmetros: a energia por pul- causar agressões pulpares quando do corte ou da ablação
so; e a taxa de repetição. Assim, à medida que se aumentam de tecido dentinário muito profundo (RDT < 0,5 mm).
a taxa de repetição e a energia por pulso, maior é a eficácia Assim, os cirurgiões-dentistas devem estar atentos
de remoção do tecido dentinário. Porém, como consequ- quando da realização de procedimentos clínicos de pre-
ência, esse processo provoca aumento da temperatura do paração cavitária, especialmente quando houver a neces-
tecido irradiado.67,74 Segundo Kilinc e colaboradores,75 con- sidade de remoção de dentina próxima à polpa. Como
tudo, o aumento na temperatura da câmara pulpar, in vi- anteriormente discutido, esse procedimento se torna
tro, observado para o laser Er:YAG foi significativamente mais crítico quando o tecido dentinário profundo a ser
menor que o verificado para as brocas em alta rotação, não mecanicamente removido apresenta-se cariado. Nesse
ultrapassando 5,5°C. Outras pesquisas demonstram que a caso, os possíveis danos pulpares causados pelo preparo
refrigeração pela utilização de jato água/ar previne o au- cavitário podem se somar ao processo inflamatório pre-
mento excessivo da temperatura produzido durante o pro- viamente instalado na polpa em decorrência da presença
cesso de ablação, resultando em um mecanismo eficiente e de bactérias e seus produtos citotóxicos.
seguro para procedimentos clínicos.39,76,77 De acordo com Quanto à morfologia da cavidade, no estudo realizado
Hossain e colaboradores,78 a refrigeração com jato água/ar por Kina,81 foi relatado que o sistema laser não permitiu
não apenas impede o aquecimento excessivo das estruturas controle efetivo da eliminação dos tecidos mineralizados
irradiadas, como também aumenta a efetividade de ablação. do dente, quando foram obtidos preparos mais irregulares
Na literatura, não existe um consenso ou padronização do que aqueles confeccionados com turbina de alta veloci-
em relação aos parâmetros utilizados para realização da pre-
dade. Segundo o autor, esse fato pode ter resultado nas ex-
paração cavitária com o uso do laser, sendo que seus estudos
posições pulpares acidentais que ocorreram apenas neste
empregaram diferentes parâmetros, o que torna difícil a
grupo durante a realização do experimento. Neves Ade e
eleição de um método seguro e eficaz.77,79 Em estudo in vitro,
colaboradores57 observaram, em estudo in vitro com mi-
Promklay e colaboradores80 observaram que a aplicação do
crotomografia computadorizada, que a remoção do tecido
laser Er:YAG, com diferentes energias de pulso (120, 300 e
cariado com laser Er:YAG resultou em remoção não seleti-
500 mJ), sobre superfície de discos de dentina com 0,5 mm
va da cárie, quando comparado a outros métodos. Dessa
de espessura não causou alterações significativas sobre fi-
forma, apesar de estudos demonstrarem a ausência de efei-
broblastos cultivados no lado oposto dos discos. Os autores
tos adversos sobre o tecido pulpar, ainda não há evidências
observaram ainda que, para a energia de 500 mJ, houve au-
mento na produção de colágeno tipo I pelas células. da segurança na utilização desse método para remoção do
Os efeitos da preparação cavitária com laser Er:YAG tecido cariado (já que pode resultar em remoção inespecí-
sobre polpas humanas foi avaliada por João Fernando fica do tecido dental sem efetivo controle operacional),
Kina.81 O autor empregou energia de pulso de 500 mJ, bem como uma definição clara dos parâmetros ideais a
taxa de repetição de 10 Hz e volume de água de 8,4 mL/ serem empregados clinicamente.
min. O preparo com o laser foi realizado com movimen- Procedimentos restauradores
tos horizontais, lentos e contínuos, para evitar acúmulo
de energia em uma única região do preparo. A análise O procedimento restaurador visa a devolver as fun-
histológica dos dentes submetidos à preparação cavitária ções, a morfologia e a característica de cor ao elemento
a laser e com turbina de alta velocidade não demonstrou dental, possibilitando o rápido reparo do complexo den-
alterações significativas no tecido pulpar. Nessa pesquisa, tino-pulpar.17 Assim, a biocompatibilidade é uma impor-
não foi mensurada a temperatura gerada durante a con- tante propriedade a ser considerada na seleção de um
fecção das cavidades, entretanto o autor especulou que o agente restaurador, especialmente quando a restauração é
calor gerado foi baixo, pois não ocorreram danos teciduais realizada em cavidades profundas. Além da biocompati-
significativos na polpa dos pacientes, mesmo consideran- bilidade, pesquisas recentes têm investigado a capacidade
do que o RDT entre as paredes cavitárias e a polpa era, desses materiais dentários em interagir com o complexo
em média, de 935,2 μm. Em uma análise mais detalhada, dentino-pulpar e auxiliar no processo de regeneração por
foi possível constatar que apenas um (1) espécime de cada meio da modulação das respostas celulares.12 Sabe-se que,
elevados índices de sucesso clínico há décadas.14 Suas ca- remoção do excesso de água da cavidade, esse tipo de
racterísticas, que incluem ação bacteriostática e bacterici- substrato se mantém muito úmido, especialmente em
da aliada à sua alcalinidade, parecem exercer papel fun- virtude da presença do fluido dentinário, sendo que este
damental na paralização do processo carioso. Já foi quadro pode ser ainda mais intenso se o tecido pulpar
demonstrado que esse material promove a deposição de apresentar-se inflamado.17 Atenção especial deve ser dada
dentina reacional e esclerose dentinária.86 Quando usado ao procedimento de secagem da cavidade. Sabe-se que,
para forramento de cavidades profundas preparadas em em condições ideais, esse procedimento deve ser realiza-
dentes humanos ou mesmo para capeamento pulpar di- do de forma delicada, tomando-se cuidado para não desi-
reto, foi demonstrado que o hidróxido de cálcio, nas suas dratar e ressecar a dentina e provocar o colapso das fibri-
diferentes formulações, causa mínima resposta inflama- las colágenas, o que dificulta a formação da camada
tória pulpar, sendo considerado padrão-ouro em pesqui- híbrida. Em substrato dentinário profundo, a secagem
sas.42,87-94 Apesar das vantagens do uso dos cimentos de excessiva da cavidade gera um rápido movimento de saí-
hidróxido de cálcio como materiais para capeamento da do fluido dentinário,97 o que pode provocar aspiração
pulpar indireto, estes apresentam desvantagens relacio- do corpo dos odontoblastos para dentro dos túbulos den-
nadas às suas propriedades físicas, como falta de adesão tinários, ocasionando a morte dessas células, que são eli-
às estruturas dentárias, baixa resistência mecânica e ele- minadas dentro de alguns dias.
vada solubilidade. Dessa forma, apesar de os cimentos de A aplicação do sistema adesivo em um ambiente que
hidróxido de cálcio (Hidro C, Dycal e outros) continua- apresenta excesso de umidade resulta na formação de
rem sendo amplamente usados na clínica odontológica uma camada híbrida heterogênea e de qualidade inade-
para forramento cavitário e capeamento pulpar indireto, quada. O sistema adesivo compete com o fluido dentiná-
outros materiais têm sido propostos e estudados. rio para ocupar a região desmineralizada pelo condicio-
namento ácido, ou seja, não consegue penetrar em toda a
Sistemas adesivos área desmineralizada; dessa forma, permanecem gaps de
A aplicação de sistemas adesivos diretamente em ca- dentina descalcificada pobre em minerais, a qual é alta-
vidades profundas foi proposta, há alguns anos, por clíni- mente suscetível à hidrólise. Esses gaps tornam-se, então,
cos/pesquisadores que não recomendavam a aplicação sítios de falhas do mecanismo de adesão. Já foi demons-
prévia de um agente capeador indireto biocompatível trado que as metaloproteínases da própria dentina e/ou
para proteção do complexo dentino-pulpar. Porém, já da saliva podem degradar a interface adesiva.98 Além dis-
está comprovado, a partir de diversas pesquisas científi- so, a ampla umidade pode interferir na polimerização
cas, que esse procedimento pode causar reação inflama- dos monômeros resinosos do sistema adesivo: aqueles
tória crônica persistente do tipo corpo estranho e reab- não polimerizados permanecem livres em meio ao fluido
sorção dentária interna associada ou não a áreas de dentinário e podem se deslocar facilmente por meio dos
necrose do tecido pulpar.87 Diversos fatores estão envolvi- túbulos dentinários em direção ao tecido pulpar.
dos neste processo, os quais serão discutidos a seguir. A difusão in vitro de componentes resinosos pela den-
Atualmente, os sistemas adesivos são classificados de tina foi amplamente demonstrada na literatura.99-102 Costa
acordo com o número de etapas necessárias para sua apli- e colaboradores103 demonstraram que, quando o sistema
cação clínica e com o seu mecanismo de interação com o adesivo não é polimerizado, o efeito citotóxico in vitro so-
substrato dentinário. O primeiro grupo de sistemas ade- bre células odontoblastoides é exarcebado, ao ser compara-
sivos que surgiu é formado por aqueles que preconizam a do aos mesmos materiais submetidos à fotopolimerização.
remoção completa da smear layer por meio do condicio- Diversos estudos in vivo relataram que a aplicação de siste-
namento ácido total. Nesse procedimento, um ácido forte mas adesivos em cavidades profundas submetidas ao con-
(ácido fosfórico 30 a 40%) é aplicado sobre a superfície dicionamento ácido resultou na formação de longos tags de
dentinária, promovendo descalcificação da dentina in- resina e na difusão transdentinária de monômeros residu-
tertubular e peritubular e alargando a embocadura dos ais não completamente polimerizados do material em di-
túbulos dentinários. Em seguida, aplicam-se o primer e o reção à polpa.42,87,91,92,94,104 Associado à penetração de tais
adesivo, o que resulta na formação de uma camada híbri- glóbulos de materiais resinosos, observou-se no tecido pul-
da acidorresistente.45,95,96 par de dentes humanos intensa reação inflamatória e de-
O condicionamento ácido total aplicado em cavidades sorganização da camada de odontoblastos, sendo que este
muito profundas (RDT < 0,5 mm) pode resultar na expo- quadro não foi reversível.42 Porém, quando o substrato
sição de uma rede de fibrilas de colágeno parcialmente dentinário não foi submetido ao condicionamento ácido,
desnaturadas, entrelaçadas em meio a amplos túbulos foi observada apenas uma leve reação inflamatória.42,87
dentinários desobstruídos, os quais passam a permitir Outro procedimento clínico que pode influenciar na
uma intensa exsudação de fluido dentinário do interior difusão de componentes não polimerizados para o tecido
da polpa para a parede pulpar da cavidade. Mesmo após a pulpar é a fotopolimerização do sistema adesivo. Foi de-
monstrado no estudo de Hashimoto e colaboradores97 concentração considerável de HEMA possa atingir a câ-
que, durante a fotopolimerização, o aumento na tempera- mara pulpar após aplicação do sistema adesivo em cavi-
tura gerado pela luz promove inversão no sentido de mo- dades profundas condicionadas, ou seja, esse monômero
vimentação do fluido dentinário dentro dos túbulos, ou provavelmente é o principal responsável pelos efeitos de-
seja, este passa a se deslocar em direção à câmara pulpar, letérios no tecido pulpar após aplicação dos sistemas ade-
o que pode ocasionar maior difusão de monômeros resi- sivos.
duais para o interior da polpa. Já o Bis-GMA, apesar de sua elevada citotoxicidade,
Os sistemas adesivos apresentam, na sua composição, apresenta elevado peso molecular e é um monômero hidro-
diversos monômeros resinosos, como HEMA (2-Hydro- fóbico, o que limita sua difusão pelos tecidos dentários.110
xyethyl methacrylate), Bis-GMA (Bisphenol A-glycidyl Foi demonstrado por estudos in vitro que o contato
methacrylate), TEGDMA (Triethylene glycol dimetha- direto de monômeros resinosos com diferentes tipos ce-
crylate) e UDMA (uretano dimetacrilato), os quais apre- lulares promoveu aumento na produção de espécies reati-
sentam reconhecida citotoxicidade sobre células de ma- vas de oxigênio (EROs), além de diminuição da atividade
míferos em cultura.42,105-108 de antioxidantes intracelulares, desencadeando o proces-
Ratanasathien e colaboradores106 descreveram a se- so de estresse oxidativo celular, seguido de morte celular
guinte sequência decrescente de citotoxicidade: Bis-GMA por apoptose.111-115 Quando em contato com o tecido pul-
> UDMA > TEGDMA >>> HEMA. Apesar de sua menor par, os monômeros resinosos desencadeiam uma reação
toxicidade em relação aos demais monômeros resinosos, inflamatória crônica. Podem ser vistos macrófagos na
o HEMA é o principal monômero presente nos sistemas periferia da polpa relacionada à área de aplicação do sis-
adesivos. Já foi demonstrado que uma concentração de 16 tema adesivo, células que apresentam capacidade para
μmol/L de HEMA causou efeito inibitório irreversível so- fagocitar os componentes dos materiais resinosos; po-
bre a síntese de DNA, proteínas e metabolismo celular rém, as enzimas lisossomais produzidas por elas não con-
sobre fibroblastos em cultura.109 Contudo, os sistemas seguem digerir esses produtos, o que resulta em uma rea-
adesivos apresentam uma concentração de 4.000 μmol/L ção inflamatória persistente (Figuras 1.13 e 1.14).
de HEMA, número muito maior que o empregado no es- Um segundo grupo de sistemas adesivos disponíveis
tudo de Hanks e colaboradores.109 Além disso, esse mo- para uso clínico leva o nome de adesivos autocondicio-
nômero apresenta elevada hidrofilicidade e baixo peso nantes, os quais têm por objetivo modificar a smear layer
molecular, o que pode facilitar sua penetração e difusão e incorporá-la no processo de adesão.88 Como a smear
pelos túbulos dentinários. Acredita-se, então, que uma layer não é removida, acredita-se que a difusão de com-
oo Figura 1.13
Dente humano submetido a preparo cavitário muito profundo (RDT =
287 µm). Após condicionamento ácido total, um sistema adesivo foi
aplicado sobre todas as paredes cavitárias. Observa-se a desorganiza-
ção da camada odontoblástica, sendo que as células morreram por oo Figura 1.14
aspiração para o interior dos túbulos dentinários ou por contato direto Detalhe de uma área da Figura 1.13, em que um macrófago apresen-
com componentes resinosos que se difundiram por meio dos túbulos ta grande quantidade de glóbulos de material adesivo que alcançaram
dentinários. Tricrômico de Masson, 250 ×. a câmara pulpar. TEM.
ponentes monoméricos a partir desses materiais em dire- na da dentina, entre outros. Os autores sugerem que esse
ção à câmara pulpar possa ser minimizada. Com o obje- fenômeno ocorreu porque não houve energia suficiente
tivo de avaliar a segurança da aplicação de adesivos para a diferenciação celular, já que a maioria da energia
autocondicionantes em cavidades profundas, Souza Cos- disponível foi utilizada para reaver as reações oxidativas,
ta e colaboradores92 realizaram estudo em dentes huma- impedindo, portanto, a formação de barreira mineraliza-
nos. Os autores observaram presença de glóbulos de ma- da.121 Assim, como o advento desses materiais é recente e
terial resinoso não polimerizado em direção ao tecido poucos estudos estão disponíveis na literatura, parece
pulpar em apenas dois dos 15 espécimes estudados, asso- ainda ser de bom-senso, para situações clínicas de cavi-
ciada à intensa reação inflamatória, sendo que esses espé- dade profunda, utilizar materiais forradores que definiti-
cimes apresentaram RDT menor que 300 μm. Cetingüç e vamente apresentem boas propriedades biológicas.
colaboradores102 demonstraram que a penetração de
HEMA pelos tecidos dentais a partir de sistemas adesivos Cimento de ionômero de vidro
ocorre na seguinte ordem crescente: condicionamento As indicações de um material forrador vão muito
ácido + aplicação do sistema adesivo > adesivo autocon- além de proteger a polpa dos possíveis efeitos tóxicos dos
dicionante > aplicação do sistema adesivo sem condicio- materiais dentários. Na atualidade, sabe-se que um agen-
namento ácido. Porém, no mesmo estudo, foi mostrado te forrador/base pode ser utilizado para: (1) inibir a ativi-
que, quanto menor é o RDT, maior é a difusão de HEMA dade bacteriana na dentina afetada por cárie após remo-
a partir de sistemas adesivos autocondicionantes. Em es- ção da dentina infectada; (2) diminuir a área a ser
tudo recente, foi demonstrado que a aplicação de diferen- restaurada com resina composta, determinando uma im-
tes sistemas adesivos autocondicionantes sobre discos de portante redução na quantidade de material restaurador
dentina in vitro resultou em difusão significativa de mo- a ser aplicado na cavidade, bem como o número de incre-
nômeros resinosos – sendo o HEMA o principal compo- mentos necessários; e (3) regularizar o assoalho cavitário.
nente encontrado –, o que produziu redução significativa Apesar de sua comprovada eficácia para capeamento in-
da viabilidade de células odontoblastoides semeadas na direto em cavidades profundas, as desvantagens do hi-
superfície oposta dos discos de dentina.116 Outros estudos dróxido de cálcio anteriormente descritas neste capítulo
demonstram que pode ocorrer nanoinfiltração na cama- (falta de adesão micromecânica ou química à dentina,
da híbrida confeccionada sob substrato úmido.117,118 Des- não copolimerização com os materiais resinosos, elevada
sa forma, a degradação da camada híbrida e a consequen- solubilidade e baixa resistência mecânica) demonstram
te liberação de monômeros resinosos podem ocorrer com que esse material, apesar de amplamente utilizado, pare-
o decorrer do tempo e, assim, exacerbar os danos ao teci- ce não se enquadrar no perfil atual de um forrador ideal.
do pulpar.92 Diante disso, os cimentos de ionômero de vidro,
Tem sido demonstrado que os monômeros advindos modificados ou não por resina, têm sido propostos
dos sistemas adesivos podem interferir no metabolismo como material forrador/base cavitário, pois apresen-
celular causando danos ao DNA, com a ativação consecu- tam propriedades mecânicas e módulo de elasticidade
tiva de mecanismos de reparo e, eventualmente, apoptose semelhantes à dentina, além de comprovada atividade
celular.119 Mais recentemente, alguns estudos observaram antimicrobiana pela liberação de flúor, reduzida solu-
um retardo na resposta do sistema imune inato frente a bulidade, adesão ao substrato dentinário e copolimeri-
agentes agressores como o LPS (lipopolissacarídeo) cau- zação com materiais resinosos.122-124 Além disso, tem sido
sado pelos monômeros resinosos em virtude da redução demonstrado que a interação química entre componen-
da ação das MAP-kinases e, consequentemente, redução tes dos cimentos de ionômero de vidro com o tecido den-
de mediadores inflamatórios.120 Esse achado indica que tinário gera a formação de cristais na embocadura dos
os monômeros podem interferir na resposta inflamató- túbulos dentinários,125 o que pode reduzir a permeabili-
ria, permitindo que o sistema imune atue de forma mais dade da dentina, especialmente quando se trata de cavi-
branda. Essa ação de supressão dos sintomas inflamató- dades profundas. Porém, poucos são os estudos disponí-
rios pelos monômeros ainda permanece em questiona- veis na literatura que avaliaram a biocompatibilidade
mento, pois, apesar de poder favorecer a regeneração teci- desses materiais em cavidades profundas. Duque e cola-
dual, também pode levar a um quadro de sépsis em razão boradores126 demonstraram que a aplicação do cimento
da dificuldade em reverter o processo infeccioso.120 Outra de ionômero de vidro modificado por resina Vitrebond®
particularidade dos monômeros foi observada no estudo (3M ESPE, St. Paul, Minnesota, Estados Unidos) em ca-
de Galler e colaboradores,121 em que demonstrou-se que vidades profundas preparadas em dentes de primatas
células pulpares expostas a baixas concentrações de não causou reação inflamatória no tecido pulpar. Os au-
TEGDMA apresentaram redução na expressão de genes tores relataram apenas a ocorrência de discreta deposi-
relacionados à mineralização, como o colágeno tipo 1, a ção de dentina reacional na região da polpa relacionada
fosfatase alcalina, a silaproteína óssea, a sialofosfoproteí- com o assoalho cavitário. Pesquisas com dentes huma-
HC
BM
PRMTA
VS
VS
outro tipo de MTA que contenha bismuto na sua compo- mecânica quando comparada a de cimentos resinosos.153-156
sição como agente capeador (Figuras 1.21 e 1.22). Porém, como afirmado anteriormente, poucos são os
A utilização de outros materiais (sistemas adesivos, materiais com comprovada indicação para aplicação em
cimento de ionômero de vidro etc.) como agentes capea- substrato dentinário profundo, sendo necessários mais
dores diretos de polpas expostas são contraindicados. Tal estudos para indicação desses materiais para essa situa-
asserção foi baseada em diversos estudos realizados, es- ção clínica em particular.
pecialmente nos últimos 15 anos, em dentes humanos, Atualmente, uma nova categoria de cimentos resino-
nos quais demonstrou-se que o material adesivo resinoso sos, denominada cimentos autoadesivos, foi introduzida
aplicado sobre a polpa ocasionou reação inflamatória do na Odontologia. Para esses cimentos, também não há re-
tipo corpo estranho e reabsorção dentinária interna, as- comendação de qualquer pré-tratamento da superfície do
sociada à falta de diferenciação de novos odontoblastos e dente, sendo o material manipulado e aplicado em passo
consequente não formação de barreira.43,90,93,144-147 único.148,152,157 O mecanismo de adesão é baseado na ação
de monômeros multifuncionais com grupamentos de áci-
Agentes cimentantes do fosfórico, os quais simultaneamente desmineralizam e
O uso de restaurações indiretas na Odontologia é se infiltram no esmalte e na dentina.157 Nesse protocolo, a
uma modalidade de tratamento cada vez mais comum smear layer não é removida e a sensibilidade pós-operató-
na atualidade. Isso se deve à excelente estética final e às ria não é esperada.91 Como os cimentos resinosos autoa-
propriedades mecânicas desses materiais quando com- desivos não necessitam dos passos clínicos de condicio-
parados àqueles usados para restaurações diretas de ca- namento ácido e/ou fotoativação, eles se apresentam
vidades dentárias. Porém, uma grande desvantagem da como uma alternativa clínica interessante, pois, além de
reduzir o tempo do procedimento clínico restaurador,
execução de restaurações indiretas é a necessidade de se
seu uso poderia, hipoteticamente, prevenir a difusão
confeccionar preparos cavitários específicos para prover
transdentinária de monômeros residuais, evitando danos
estabilidade para a restauração, o que, muitas vezes, leva
às células pulpares.91
à necessidade de corte de tecido dental sadio e, conse-
Em um estudo in vivo realizado em pré-molares hu-
quentemente, exposição de grande número de túbulos
manos íntegros, foi demonstrado que a aplicação do ci-
dentinários altamente permeáveis. Estima-se que, de-
mento autoadesivo Rely X Unicem™ (3M ESPE, St. Paul,
pendendo do dente, cerca de 1 a 10 milhões de túbulos
Minnesota, Estados Unidos) em cavidades muito profun-
dentinários são expostos quando da realização do prepa-
das causou nenhuma ou discreta reação inflamatória pul-
ro para receber uma coroa total.148 Portanto, a escolha de par.91 Nos dentes onde foi aplicado um cimento resinoso
um agente cimentante biocompatível é fundamental convencional (Variolink; Ivoclar Vivadent, Schaan, Lien-
para o êxito do procedimento clínico. chstein), observou-se formação de longos tags de resina no
O cimento de fosfato de zinco é, até hoje, um material interior dos túbulos dentinários, associada à intensa rea-
amplamente utilizado na Odontologia. Apesar da falta de ção inflamatória e desorganização tecidual, a qual foi per-
adesividade, da ausência de atividade antimicrobiana e sistente em análises de 60 dias após a realização dos pro-
da elevada solubilidade, esse cimento apresenta compro- cedimentos clínicos. Outro estudo in vitro demonstrou o
vada eficácia clínica, demonstrada por diversos estudos discreto efeito citotóxico do Rely X Unicem™ para células
clínicos longitudinais.148 Porém, a acidez dele é conside- odontoblastoides em cultura.158 Os autores expuseram as
rada um fator de risco para danos ao tecido pulpar, sendo células, durante 24 horas, aos extratos provenientes de
contraindicado para aplicação em substrato dentinário corpos de prova preparados com Rely X Unicem™. Os ex-
profundo.148-151 tratos obtidos após 24 horas ou 7 dias de contato dos cor-
Os cimentos de ionômero de vidro e os cimentos resi- pos de prova com o meio de cultura causaram redução de
nosos são alternativas amplamente empregadas para a apenas 2,64 e 10,51% no metabolismo celular, respectiva-
cimentação de restaurações indiretas.148,152 mente. Essa leve redução metabólica causada pelo Rely X
Os primeiros apresentam diversas vantagens, como Unicem™ sobre as células odontoblastoides não foi estatis-
discutido anteriormente, sendo uma de suas caracterís- ticamente diferente dos dados obtidos para o grupo-con-
ticas marcantes sua biocompatibilidade com o comple- trole, em que as células não tratadas representavam 100%
xo dentino-pulpar.89,94 Sabe-se que a acidez desse tipo de de metabolismo. Os demais materiais avaliados, entre eles
material odontológico em contato com a dentina pode hidróxido de cálcio (Dycal® – Dentsply Caulk, Milford,
gerar a formação de cristais na embocadura dos túbulos Delaware, Estados Unidos), Vitrebond® (3M ESPE) e Rely
dentinários. Assim, não se espera a ocorrência de danos X Lutting™ (3M ESPE), promoveram redução do metabo-
ao tecido pulpar e sensibilidade pós-operatória quando lismo celular de 78 a 91%.
do uso de materiais ionoméricos como agentes cimen- Os excelentes resultados obtidos para o Rely X Uni-
tantes. Sua grande desvantagem é a baixa resistência cem™ podem estar relacionados, pelo menos em parte, à
composição desse cimento, aliados à ausência de pré-tra- polpa coronária desses dentes. No mesmo estudo, o pro-
tamento da dentina. Esse material apresenta o persulfato cedimento clareador foi realizado em pré-molares, onde
de sódio como iniciador da reação de polimerização, o não foram observadas alterações histológicas significati-
qual reduz a liberação de monômeros residuais.159,160Além vas. A espessura de dentina dos dentes foi mensurada,
disso, seu elevado nível de carga inorgânica, como a sílica sendo observado que nos pré-molares a espessura média
silanizada (5 a 10% em peso), pode limitar a liberação de foi de 3,1 mm, enquanto nos incisivos a média foi de apro-
monômeros residuais, bem como a difusão transdentiná- ximadamente 1,8 mm. Resultados semelhantes a esses
ria deles, pois o aumento na quantidade de carga em um foram observados por Seale e colaboradores,178 em que o
material resinoso previne sua degradação imediata em clareamento com H2O2 a 35%, associado ou não ao calor,
ambiente úmido.161 Portanto, esse cimento parece ser em caninos de cães, resultou em intensa reação inflama-
uma interessante opção para a cimentação de peças pro- tória no tecido pulpar, gerando morte de odontoblastos.
téticas em preparações dentárias que expõem dentina A espessura de esmalte e dentina dos dentes nesse estudo
profunda. foi de aproximadamente 1,7 mm. Dessa forma, fica claro
que a espessura de esmalte e dentina apresenta importan-
Clareamento dental te influência sobre os efeitos agressivos dos géis clareado-
O clareamento dental é um procedimento bastante res, provavelmente por interferir diretamente na difusão
requisitado na atualidade, porém, o problema da sensibi- transamelodentinária de componentes tóxicos.
lidade dental, comum após esse tratamento, tem atraído a Tem sido descrito que a associação dos géis clareado-
atenção dos pesquisadores.162 Estima-se que cerca de 2/3 res com calor ou luz, um procedimento que objetiva pro-
dos pacientes submetidos ao clareamento dental relatam mover um clareamento mais rápido, visto que a luz apre-
algum tipo de desconforto pós-tratamento.163 Foi de- senta um efeito catalítico que acelera a liberação de
monstrado por diversos estudos in vitro164-167 que a fisio- OH– bem como a difusão de H2O2 pelo esmalte e pela
patologia da sensibilidade dental pós-clareamento está dentina,179 resulta em maiores índices de sensibilidade
relacionada à penetração de peróxido de hidrogênio dental.163 Porém, já foi demonstrado em estudos in vivo
que a aplicação de luz ou calor não promoveu aumento na
(H2O2), principal componente ativo dos géis clareadores,
eficácia do procedimento clareador.180,181 Por sua vez, ou-
no tecido pulpar. Dessa forma, acredita-se que a aplicação
tros estudos demonstraram que esse procedimento pode
de géis clareadores na superfície dental promove a difu-
resultar em maior difusão de H2O2 pelas estruturas mi-
são de H2O2 e seus subprodutos de degradação, como íons
neralizadas do dente,179 bem como em aumento da tem-
hidroxila e ânion superóxido, para o tecido pulpar, geran-
peratura intrapulpar acima do limiar biológico das célu-
do uma reação inflamatória, intimamente relacionada ao
las pulpares.182 Maiores efeitos tóxicos para as células
processo de dor de origem pulpar.168 Se o procedimento
pulpares in vitro também foram demonstrados quando o
de clareamento dental resulta em dano ao tecido pulpar,
procedimento de clareamento de consultório foi realiza-
provavelmente ocorre a liberação de mediadores da infla- do associado à aplicação de luz halógena.171 Caviedes-
mação, como prostaglandinas, que podem excitar ou sen- -Bucheli e colaboradores183 demonstraram, ainda, que o
sibilizar nociceptores pulpares.169 clareamento de pré-molares com altas concentrações de
Diversos estudos in vitro utilizando câmaras pulpares H2O2 associadas ao laser ou à luz halógena resultou em
artificiais demonstraram elevada citotoxicidade transa- aumento significativo da expressão de substância P,
melodentinária sobre células odontoblastoides quando quando comparado com dentes apenas clareados com o
da aplicação de agentes clareadores com elevadas concen- gel. Esses achados podem explicar, pelo menos em parte,
trações de H2O2 (20 a 38%) sobre discos de esmalte/denti- a maior prevalência de sensibilidade dental após o clarea-
na, conforme recomendado para a técnica do clareamen- mento associado à luz.
to de consultório.170-173 Além disso, estudos in vivo Diante do comprovado efeito tóxico dos agentes clarea-
demonstraram presença de inflamação pulpar de leve a dores com altas concentrações de H2O2, a técnica de clare-
intensa, dependendo da espessura do dente clareado, a amento caseiro, pela utilização de géis com baixas con-
qual seria resultante da ação do H2O2 e seus produtos de centrações de peróxido de carbamida (PC), parece ser
degradação nas células pulpares.174-176 Nesses estudos in uma alternativa bastante interessante. Soares e colabora-
vivo, quando géis clareadores com 35 ou 38% de H2O2, dores184 observaram que a aplicação do gel clareador com
associados ou não à ativação por luz ou calor, foram apli- 10% de PC em discos de esmalte/dentina não resultou em
cados em pré-molares, não foram observadas alterações difusão de componentes tóxicos que podem promover re-
significativas no tecido pulpar.175-177 Entretanto, Souza dução significativa do metabolismo de células odonto-
Costa e colaboradores176 observaram que, em incisivos blastoides em cultura, independentemente do número de
inferiores, três aplicações consecutivas de um gel com aplicações do produto sobre a superfície dental (1, 7 ou 14
38% de H2O2, resultaram em necrose de coagulação da aplicações). Em estudo similar, Lima e colaboradores185
relataram que a aplicação do mesmo gel por seis horas na com menores riscos de danos ao tecido pulpar.184 Atual-
superfície de discos de dentina, com 0,5 mm de espessura, mente, apenas o gel clareador com 10% de PC recebeu o
não resultou em redução do metabolismo das células selo de aprovação pela ADA, o que determina sua segu-
odontoblastoides que estavam aderidas na superfície pul- rança e eficácia.188 Portanto, a eleição da melhor técnica e/
par do disco. Esses autores observaram, ainda, que uma ou produto a ser empregado para o clareamento dental
única aplicação de um gel clareador com 16% de PC sobre deve ser baseada em evidências científicas que proporcio-
a superfície dental resultou em difusão significativa de nem maior segurança do ponto de vista biológico.
H2O2, a qual foi suficiente para causar intensos efeitos tó-
xicos nas células odontoblastoides.184,185 De acordo com a ooCONSIDERAÇÕES FINAIS
literatura, a difusão de produtos do gel clareador é propor-
cional à sua concentração e ao seu tempo de aplicação so- De acordo com o exposto neste capítulo, fica claro
bre o esmalte.165-167 Portanto, o aumento da concentração que qualquer material dentário aplicado sobre dentes vi-
do gel clareador de 10 para 16% de PC provavelmente de- tais exerce, não apenas uma função mecânica/estética,
terminou maior difusão de componentes tóxicos do pro- mas também promove uma resposta no complexo denti-
duto por meio da estrutura dental, tornando a técnica de no-pulpar, cuja magnitude pode resultar em estímulo
clareamento com PC a 16% mais tóxica para as células para a reparação pulpar ou até mesmo em necrose desse
odontoblastoides. tecido altamente especializado. Assim, é importante que
Dessa forma, pode-se concluir que a utilização de géis os cirurgiões-dentistas conheçam a fisiologia e biologia do
clareadores com elevadas concentrações de H2O2 na sua tecido pulpar e os efeitos negativos que os procedimentos
composição deve ser repensada em virtude do elevado ris- clínicos e as diferentes classes de materiais dentários po-
co de danos ao tecido pulpar que apresenta, especialmente dem causar sobre o complexo dentino-pulpar. Dessa ma-
em dentes anteriores – por conta de sua reduzida espessu- neira, a seleção dos materiais e das técnicas a serem usa-
ra de esmalte e dentina –, sendo eles os dentes mais requi- dos em situações clínicas específicas deve ser baseada em
sitados para o clareamento dental. A aplicação de agentes evidências científicas e clínicas. Essa ação certamente
clareadores com baixas concentrações de PC, que promo- determinará um aumento no êxito dos tratamentos res-
vem liberação lenta e gradual de H2O2 para o dente,166 pa- tauradores usados todos os dias nos consultórios e clíni-
rece ser uma alternativa mais segura para o clareamento cas odontológicas, fornecendo maior segurança para os
dental por proporcionar um clareamento eficaz186,187 e cirurgiões-dentistas e seus pacientes.
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