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0 capa Lopes Siqueira.

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1 O Complexo Dentino-Pulpar.pdf
2 Patologias Pulpar e Perirradicular.pdf
3 Alterações Patológicas Simulando Patologia Endodônticas.pdf
4 Microbiologia Endodôntica.pdf
5 Diagnóstico em Endodontia.pdf
6 Preparação para o tratamento endodôntico.pdf
7 Anatomia interna, cavidade de acesso e localização dos canais.pdf
8 Fundamentação Filosófica do tratamento endodôntico.pdf
9 Instrumentos Endodônticos.pdf
10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares.pdf
11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos Fundamentos Teóricos e Práticos.pdf
12 Acidentes e Complicações em Endodontia.pdf
13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares.pdf
14 Medicação Intracanal.pdf
15 Materiais Obturadores.pdf
16 Obturação dos Canais Radiculares.pdf
17 Retratamento Endodôntico.pdf
18 Cirurgia Perirradicular.pdf
19 Emergências e Urgências em Endodontia.pdf
20 Analgésicos em Endodontia.pdf
21 Antibióticos em Endodontia.pdf
22 Traumatismo Dentário.pdf
23 Reabsorções Dentárias.pdf
24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta.pdf
25 Inter-relação Endodontia e Periodontia.pdf
26 Síndrome do Dente Rachado.pdf
27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico.pdf
Capítulo 1
O Complexo
Dentino-Pulpar

Andréa Braga Moleri


Luiz Carlos Moreira
Doralina do Amaral Rabello

 INTRODUÇÃO As características dos tecidos dentais dependem


do método usado para preparar o espécime. Assim,
O conhecimento sobre a formação, estrutura e
nos cortes por desgaste do dente, o tecido conjuntivo
função do esmalte, dentina, polpa, cemento, ligamento
pulpar e o ligamento periodontal são eliminados, ob-
periodontal e osso alveolar é clinicamente importante
tendo-se um material transparente. No caso dos den-
e frequentemente decisivo para a preservação dos den-
tes preparados com agentes descalcificadores, o tecido
tes e tratamento dentário bem-sucedido.
conjuntivo não calcificado é mantido, mas o esmalte
Neste capítulo serão descritas as características
altamente mineralizado se perde (Fig. 1-1A e B).
morfológicas e funcionais do complexo dentino-pul-
A polpa e a dentina formam a verdadeira unida-
par e os aspectos que, correlacionados com a ativida-
de biológica, conhecida como complexo dentino-pulpar
de clínica, possam subsidiar o profissional que deseja
por seus aspectos embrionários, estruturais e funcio-
fundamentar em bases biológicas os procedimentos da
nais. Embriologicamente, dentina e polpa se origi-
prática odontológica.
nam da papila dental. Estruturalmente, os corpos dos
odontoblastos se localizam na interface entre a polpa
e a dentina, e seus alongados processos citoplasmá-
ticos, os processos odontoblásticos, se localizam no
interior dos túbulos dentinários, percorrendo grande
extensão da dentina; funcionalmente, os odontoblas-
tos são responsáveis pela formação e manutenção
da dentina, que, por sua vez, protege a polpa. Por
essas razões, dentina e polpa são consideradas uma
estrutura integrada, denominada complexo dentino-
pulpar.

 CARACTERÍSTICAS GERAIS
A B
A dentina constitui o tecido mineralizado que
Figura 1-1. Cortes de dentes obtidos por meio de desgaste (A) e forma o maior volume do dente. A porção coronária é
por meio de descalcificação (B). recoberta por uma camada de esmalte, e a região radi-

1
2 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

cular é revestida pelo cemento. Interiormente, a denti-  ESTRUTURA DO COMPLEXO


na delimita uma cavidade que contém a polpa dental DENTINO-PULPAR
(Fig. 1-1A e B).
Como o esmalte é translúcido, a dentina branco- Dentina primária
amarelada é a responsável pela cor do dente, que varia A dentina do manto e a dentina circumpulpar,
de acordo com o grau de mineralização, idade, pig- que se formam até o fechamento do ápice radicular,
mentos endógenos e exógenos. Quando a polpa perde constituem a dentina primária.
a vitalidade, a cor do dente se modifica. Após a extir-
pação pulpar ou mesmo pela ação de alguns medica- Dentina do manto
mentos usados no tratamento endodôntico, o dente se
A dentina do manto é a primeira dentina sinteti-
torna acinzentado. As hemorragias pulpares decorren-
zada pelos odontoblastos recém-diferenciados, locali-
tes de traumatismos, como sequelas de tratamento en-
zada abaixo do esmalte e do cemento (Fig. 1-2). Espes-
dodôntico ou fraturas dentárias, podem deixar a coroa
sas fibras de colágeno dispostas de forma ordenada e
enegrecida.
regular formam a matriz orgânica. A dentina do man-
A dentina é um tecido menos mineralizado do
to, menos calcificada do que a circumpulpar, contém as
que o esmalte e mais mineralizado do que o osso e o
ramificações terminais dos túbulos dentinários e, por
cemento. As diferenças entre dentina, esmalte e osso
isso, eles são mais numerosos nessa localização.
podem ser observadas nas imagens radiográficas com
diferentes graus de radiopacidade; no entanto, denti-
Dentina circumpulpar
na e cemento apresentam grau de radiopacidade se-
melhante. A mineralização da dentina começa na dentina
A elasticidade da dentina compensa a rigidez do manto a partir de vesículas de matriz. Em segui-
do esmalte, evitando que ele frature ao amortecer os da, a mineralização progride para as fibras colágenas
impactos mastigatórios. Sua permeabilidade é outra e formam-se glóbulos de calcificação (ou calcosferitos),
importante característica, pois a presença dos túbulos que coalescem deixando pequenas regiões de dentina
dentinários permite a penetração relativamente fácil de interglobular como áreas hipomineralizadas (Fig. 1-3).
elementos externos, tais como micro-organismos. Após a mineralização da dentina do manto, os
A cavidade pulpar é dividida em câmara pulpar odontoblastos começam a se deslocar centripetamente
coronária e canais radiculares. A forma da câmara pul-
par corresponde à da coroa do dente, com extensões
para as extremidades incisais e topos das cúspides.
Essas extensões contêm os cornos pulpares. A camada
de dentina oclusal forma o teto da câmara pulpar. Nos
dentes multirradiculares, a dentina inter-radicular for-
ma o assoalho da câmara pulpar. O sistema de canais
radiculares pode variar muito na forma e número, e
seu curso individual é imprevisível.
A polpa dental é um tecido conjuntivo frouxo de
consistência gelatinosa que, no forame apical, se comu-
nica com os tecidos periodontais. Por estar alojada em
uma rígida estrutura calcificada, a polpa não pode ex-
pandir-se, e assim, quando inflamada, desencadeia um
processo doloroso com características que, muitas vezes,
podem indicar o grau de comprometimento pulpar.
Os forames apicais de dentes recém-erupcionados
são amplamente abertos, e tardiamente, com a comple-
ta formação do ápice, tornam-se mais estreitos. O ta-
manho e a direção dos canais próximos ao ápice são Figura 1-2. No corte por desgaste são observadas a dentina do
manto (DM), a dentina circumpulpar (DC), as quais constituem a
determinados pelo curso e arranjo dos vasos sanguí-
dentina primária, e a pré-dentina (PD). A região escura indica a den-
neos que entram e saem da polpa. O estudo detalhado tina afetada por prolongamentos odontoblásticos degenerados e
da anatomia interna dos dentes é feito mais adiante. se denomina tratos mortos ou dentina opaca.
O Complexo Dentino-Pulpar 3

formados por uma parede de dentina e dentro deles


se encontram o líquido tecidual (fluido dentinário) e o
prolongamento principal dos odontoblastos (processo
odontoblástico).
A configuração dos túbulos indica o curso segui-
do pelos odontoblastos durante a dentinogênese. Na
dentina coronária, eles seguem um trajeto ligeiramente
sinuoso em forma de S desde a superfície externa da
dentina até a periferia da polpa, como podemos obser-
var na Fig. 1-4A. Como a superfície da dentina é maior
na junção com o esmalte do que próximo à polpa, os
túbulos estão mais próximos entre si na região adjacen-
te aos corpos dos odontoblastos. Como resultado desse
apinhamento, há mais túbulos dentinários por unida-
de de superfície próximo à polpa (aproximadamente
45.000 por mm2) do que nas regiões mais externas da
dentina (de 15.000 a 20.000 por mm2). Na região radicu-
lar, os túbulos apresentam curvatura pouco pronuncia-
Figura 1-3. O limite entre a pré-dentina e a dentina está indicado
entre as setas. A dentina apresenta a matriz intensamente corada da, e próximo ao ápice são praticamente retos.
pela hematoxilina, tornando os calcosferitos bem evidentes. Os túbulos dentinários ramificam-se em um siste-
ma canalicular com diferentes diâmetros e numerosas
anastomoses. As ramificações de maior diâmetro são
e a depositar a dentina circumpulpar, que constitui o as ramificações terminais dos túbulos e ocorrem com
maior volume do dente e se estende até a pré-dentina. maior frequência na dentina radicular do que na den-
O processo de mineralização torna-se mais regular, e as tina coronária.
regiões interglobulares, menos evidentes. A natureza tubular da dentina torna esse tecido
permeável, favorecendo o desenvolvimento de proces-
Túbulos dentinários sos cariosos e acentuando a resposta da polpa aos pro-
Os túbulos dentinários são estruturas cilíndri- cedimentos restauradores. Nos dentes descalcificados
cas delgadas que se estendem por toda a espessura e preparados para observação à microscopia de luz é
da dentina desde a polpa até a união amelodentinária possível observar as estruturas tubulares nos cortes
ou cementodentinária (Fig. 1-4A e B). Os túbulos são longitudinais, que se apresentam como orifícios nos
cortes transversais (Fig. 1-5A e B).

Dentina intratubular (peritubular)


Os túbulos dentinários estão limitados por uma
parede denominada dentina intratubular altamente
mineralizada e nitidamente demarcada da dentina in-
tertubular. A dentina intratubular se deposita centri-
petamente em relação ao túbulo dentinário de maneira
lenta e gradual.
As regiões dentinárias submetidas a estímulos
persistentes e não muito graves, como as cáries de evo-
lução lenta, podem aumentar a quantidade de dentina
A B intratubular, chegando a obliterar totalmente os túbu-
los. Essa dentina de aparência cristalina é chamada de
Figura 1-4. Em A, as setas indicam regiões hipomineralizadas de esclerosada ou translúcida (Fig. 1-6A e B).
dentina interglobular em dente preparado por desgaste. Observa-se Pessoas com mais idade desenvolvem a denomi-
a curvatura em S provocada pela movimentação dos odontoblastos
durante a formação dos túbulos dentinários. Em B, numa visão mais
nada dentina esclerosada fisiológica, que se forma pela
aproximada, a junção amelodentinária apresenta-se como uma li- obliteração e mineralização dos túbulos da dentina ra-
nha festonada. dicular, especialmente na região apical. A dentina fi-
4 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

siológica não está relacionada com um estímulo exter-


no que possa ser identificado.
Quando a dentina é afetada por uma lesão rela-
tivamente intensa, os odontoblastos se defendem re-
traindo seus prolongamentos e deixando os túbulos
vazios. O dente preparado por desgaste e examinado
ao microscópio de luz mostra áreas escuras, efeito pro-
duzido pelos túbulos preenchidos somente pelo ar.
Essa dentina é chamada de opaca e contém tratos mor-
tos ou desvitalizados (ver Fig. 1- 2).

Conteúdo dos túbulos dentinários


O revestimento dos túbulos dentinários é cons-
tituído por um material orgânico e hipomineralizado,
A denominado lâmina limitante. Os processos odonto-
blásticos no interior dos túbulos dentinários são cir-
cundados por um espaço preenchido pelo fluido den-
tinário e alguns constituintes orgânicos como fibras
colágenas.
Existem opiniões distintas em relação à extensão
dos prolongamentos no interior dos túbulos. As obser-
vações em microscopia de luz não são conclusivas (Fig.
1-7). Pela microscopia eletrônica de transmissão, pare-
ce que os odontoblastos não se estendem além de dois

Figura 1-5. Fotomicrografia de dente desmineralizado que mostra


os túbulos dentinários (T) cortados transversalmente com aspecto
de pequenos orifícios em A e cortados longitudinalmente em B.

Figura 1-7. As setas indicam estruturas no interior dos túbulos


dentinários (pequenos pontos escuros). Para alguns investigadores,
Figura 1-6. Corte por desgaste mostrando cárie cervical. Observa- essas estruturas podem ser interpretadas como processos odonto-
se a cavitação da dentina na junção amelodentinária provocada blásticos. Entretanto, outros acreditam que sejam lâminas limitan-
pela cárie. Subjacente a ela formou-se dentina esclerosada, e as áre- tes, constituídas por feixes de colágeno que revestem os prolonga-
as escurecidas indicam os tratos mortos. mentos.
O Complexo Dentino-Pulpar 5

terços no interior da dentina, porém estudos imunoci- calcificação da dentina. As linhas de Owen indicam a
toquímicos evidenciam componentes do citoesqueleto quantidade de dentina calcificada produzida durante
(actina, vimentina e tubulina) que indicam a presença determinado período.
do prolongamento citoplasmático por todo o compri- Uma linha de contorno mais acentuada é a linha
mento dos túbulos. neonatal, que se produz ao nascimento e nos dias sub-
A discussão em relação à extensão dos prolonga- sequentes e cessa após o recém-nascido ajustar sua vida
mentos odontoblásticos no interior dos túbulos denti- ao novo ambiente. Os períodos de nutrição inadequa-
nários não está inteiramente resolvida. Entretanto, a da ou enfermidades febris de longa duração também
importância de verificar a presença do prolongamento ficam marcados pelo maior número de linhas ou por
citoplasmático está relacionada com a capacidade rea- contorno acentuado.
cional da dentina. Linhas de Von Ebner. Constituem o limite entre as
distintas fases alternadas de atividade e repouso na
Dentina intertubular dentinogênese: refletem o ritmo diário de aposição da
A dentina intertubular se distribui entre os túbu- matriz dentinária. O trajeto dessas linhas é aproxima-
los dentinários e, fundamentalmente, é formada por damente perpendicular aos túbulos dentinários.
fibras de colágeno que constituem uma malha fibrilar
na qual se depositam os cristais de hidroxiapatita. Essa Dentina interglobular
matriz constitui a matéria orgânica da dentina. Os espaços interglobulares, de tamanhos variá-
veis, são áreas que se formam por defeito de minera-
Linhas incrementais de crescimento lização da dentina devido à falta de fusão dos calcos-
Assim como o osso, a dentina cresce continua- feritos ou glóbulos de mineralização. Com a técnica de
mente por aposição. Esse tipo de crescimento determi- preparo por desgaste dos dentes, os espaços interglo-
na a formação de linhas incrementais. As linhas incre- bulares são vistos com nitidez como áreas vazias cheias
mentais são bem observadas em cortes longitudinais de ar e, por isso, aparecem escuras (Fig. 1-9).
de dentes preparados por desgaste (Fig. 1-8). As linhas
maiores são as linhas de contorno de Owen e as meno- Camada granulosa de Tomes
res são as linhas de Von Ebner. Em dentes preparados por desgaste, é possível
Linhas de Owen. As linhas de Owen são irregula- observar, ao microscópio de luz, grânulos escuros na
res na espessura e espaçamento. Originalmente, foram
descritas como curvaturas secundárias coincidentes
entre os túbulos dentinários vizinhos, mas atualmen-
te são interpretadas como alterações no processo de

Figura 1-8. Neste corte por desgaste podemos notar as linhas in-
crementais (setas) indicando as fases alternadas de atividade e re-
pouso durante a dentinogênese, formando linhas transversais em Figura 1-9. Regiões hipomineralizadas de dentina interglobular (se-
relação aos túbulos dentinários. tas) em dente preparado por desgaste.
6 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

interface entre a dentina e o cemento, que caracterizam Dentina secundária


a camada granulosa de Tomes. Possivelmente, a luz re-
A dentina secundária se deposita mais lentamen-
fratada pelo ar contido na porção terminal encurvada
te do que a dentina primária e sua produção continua
dos túbulos dentinários resulta na aparência de grânu-
durante toda a vida do dente.
los (Fig. 1-10).
A distribuição dos túbulos é ligeiramente menos
regular do que na dentina primária. O limite entre am-
bas é observado pela mudança de direção dos túbu-
los dentinários nos dentes preparados por desgaste.
Na microscopia de luz também é possível observar o
limite entre as dentinas primária e secundária por uma
linha de demarcação distinta formada pela curvatura
dos túbulos (Fig. 1-11A e B).
A dentina secundária se forma por dentro da den-
tina circumpulpar em toda a periferia da câmara pulpar.
Sua deposição diminui progressivamente o tamanho da
câmara pulpar e, consequentemente, diminui o número
de odontoblastos por mecanismo de apoptose.
As alterações na espessura do dente produzidas
pela deposição de dentina secundária podem ser con-
troladas por meio de imagens radiográficas. Durante
os preparos de cavidade em dentes de pacientes jo-
vens, são maiores as chances de atingir um corno pul-
par e expor a polpa acidentalmente. Diferentemente no
adulto, que sofreu redução no volume da polpa dentá-
ria, pode-se trabalhar com maior segurança.

Dentina terciária
Figura 1-10. Na região de dentina radicular podemos notar uma
camada externa de cemento (C), a camada hialina (CH) e a camada A dentina terciária é a que se forma mais interna-
granulosa de Tomes (CGT). mente, alterando a morfologia da câmara pulpar nas

Figura 1-11. Em A, observa-se o li-


mite entre a dentina primária (P) e
a secundária (S). A linha de demar-
cação entre ambas se forma com
a mudança de direção dos túbulos
dentinários. No canto superior po-
demos ver a dentina terciária (T),
que, juntamente com a dentina
secundária, são depositadas no in-
terior da câmara pulpar. Em B, os
túbulos dentinários que aparecem
como linhas escuras estão presen-
A B tes nas dentinas primária, secundá-
ria e terciária.
O Complexo Dentino-Pulpar 7

regiões onde existe um estímulo localizado. Esse tipo


de dentina é produzido pelas células diretamente re-
lacionadas com o estímulo nocivo, formando uma bar-
reira entre a polpa e o local afetado.
A dentina terciária formada por odontoblastos é
denominada dentina reacional, e a dentina que se for-
ma por células recém-diferenciadas, semelhantes aos
odontoblastos, denomina-se dentina reparadora.
A quantidade e a qualidade de dentina terciária
que se produz dependem da duração e da intensida-
de do estímulo; quanto mais acentuados esses fatores,
mais rápida e irregular será a aposição da dentina.
Por exemplo, as cáries extensas que se desenvolvem
rapidamente podem induzir a formação de denti-
na terciária com padrão tubular irregular (Fig. 1-12)
e, com frequência, odontoblastos ficam incluídos no
material mineralizado, caracterizando a chamada os-
teodentina.

Pré-dentina
A pré-dentina, uma camada de dentina não mi- Figura 1-13. Região de corno pulpar. Observe que a pré-dentina
neralizada, localizada entre os odontoblastos e a den- (seta) é uma camada mais clara e bem nítida entre a dentina mine-
tina circumpulpar, é constituída pelos prolongamentos ralizada e a polpa não mineralizada.
citoplasmáticos, acompanhados por fibras nervosas
amielínicas e matriz orgânica dentinária. A pré-denti-
na, localizada entre a dentina mineralizada e a polpa,
evita que ocorra reabsorção pelo contato entre essas  JUNÇÃO AMELODENTINÁRIA E
duas estruturas (Fig. 1-13). Em um corte histológico de CEMENTODENTINÁRIA
dente descalcificado e corado com hematoxilina-eosi-
O limite amelodentinário se distingue como uma
na, a pré-dentina é facilmente observada, pois se cora
linha festonada, bem nítida, entre esmalte e dentina,
menos intensamente. Pode apresentar 10 a 50 µm de
dois tecidos de estrutura e origem muito diferentes
espessura.
(Fig. 1-4B).
Ao microscópio de luz, o limite cementodentiná-
rio pode ser observado em dentes descalcificados como
uma linha bem corada pela técnica de hematoxilina-eo-
sina, que separa as duas estruturas (Fig. 1-14).
Entre a dentina radicular e o cemento é descrita
uma camada hialina de tecido (camada de Hopewell-
Smith). Para alguns investigadores, sua existência é
discutível. Outros consideram um tipo diferente de
dentina, uma variedade de cemento ou, ainda, um teci-
do distinto unindo cemento e dentina (Fig. 1-10).

 POLPA DENTAL
Do ponto de vista estrutural, a polpa dental é um
tecido conjuntivo frouxo, ricamente vascularizado e
Figura 1-12. Dentina terciária que, quando depositada em respos-
ta a um estímulo leve, apresenta túbulos discretamente irregulares
inervado. As principais células da polpa são odonto-
e, quando o dano é mais grave, forma-se uma dentina irregular com blastos, fibroblastos, ectomesenquimais indiferencia-
túbulos desorganizados e escassos como nesta imagem. das e macrófagos.
8 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

Figura 1-15. Este corte histológico revela com nitidez a camada de


odontoblastos na região coronária. A retração do tecido, provocada
pelo processamento laboratorial, permite observar as estruturas que
Figura 1-14. Junção cementodentinária em um corte de tecido normalmente se encontram no interior dos túbulos dentinários.
descalcificado (seta maior). Entre o ligamento periodontal e o ce-
mento existe uma camada mais clara de pré-cemento. Localizados
na superfície desta camada, observam-se os cementoblastos dentro
do ligamento periodontal (setas).

Odontoblastos
São células especializadas do tecido pulpar loca-
lizadas na periferia desse tecido e adjacente à pré-den-
tina. A camada odontoblástica é formada por células
dispostas em paliçada (fileira de núcleos alongados pa-
ralelos entre si), que se assemelha ao epitélio cilíndrico
pseudoestratificado na região coronária (Fig. 1-15) e, na
superfície radicular, assemelha-se ao epitélio cilíndrico
simples (Fig. 1-16). Na região coronária, as células são
maiores e mais numerosas do que na região radicular.
As variações morfológicas indicam se a célula
está em atividade ou em repouso. Quando estão em
Figura 1-16. Fotomicrografia da camada de odontoblastos na re-
máxima atividade secretora, os odontoblastos são ob-
gião radicular. Neste local, as células são menores e cuboidais.
servados pela microscopia de luz como células cilín-
dricas altas com núcleos grandes de localização basal e
citoplasma intensamente basófilo. nulos maduros e escassas organelas. Os processos são
Ultraestruturalmente, os odontoblastos ativos responsáveis por transportar e liberar, por exocitose, os
apresentam o retículo endoplasmático rugoso mui- grânulos maduros ao espaço extracelular. Tais grânu-
to extenso, ocupando grande parte do citoplasma. O los contêm glicosaminoglicanas (GAG), glicoproteínas
complexo de Golgi, de localização supranuclear, está e precursores do colágeno, componentes básicos da
muito desenvolvido com numerosos grânulos de con- matriz orgânica da dentina.
teúdo filamentoso. Além disso, o citoplasma possui A extremidade distal do corpo celular possui um
abundantes mitocôndrias. Nos prolongamentos odon- citoesqueleto bem desenvolvido, constituído de micro-
toblásticos de uma célula jovem ativa observam-se grâ- túbulos, que proporcionam rigidez e mantêm a forma
O Complexo Dentino-Pulpar 9

da célula, regulam o movimento intracelular de orga-


nelas e vesículas, além de permitirem o movimento
celular. Os filamentos de actina também atuam na mi-
gração celular. Além disso, são observados filamentos
intermediários, que conferem força mecânica às células,
unindo citoplasmas nas junções intercelulares. Essas
estruturas reforçam os prolongamentos odontoblásti-
cos em sua base, formando uma trama terminal que se
relaciona lateralmente com os complexos de união.
O odontoblasto maduro é uma célula altamente
diferenciada que perde a capacidade de se dividir. Os
novos odontoblastos que se formam nos processos re-
paradores da dentina se originam de células ectome-
senquimais. Entretanto, alguns autores acreditam que Figura 1-17. Corte histológico que mostra a região central da pol-
elas possam se originar dos fibroblastos da polpa. pa coronária. Nota-se que o tecido é vascularizado e celularizado,
sendo os fibroblastos as células mais numerosas.

Fibroblastos
Os fibroblastos são as células mais numerosas do O número de células ectomesenquimais diminui
tecido conjuntivo pulpar, especialmente na região co- com a idade. Geralmente, estão na região subodonto-
ronária, onde formam uma camada altamente celulari- blástica, intimamente relacionadas com a microvascu-
zada. Essas células multifuncionais formam, mantêm e larização pulpar, e são muito semelhantes aos fibro-
regulam a matriz extracelular fibrilar e amorfa. blastos quando observadas em cortes histológicos para
Existem grupos distintos de fibroblastos que di- microscopia de luz, porém são menores com aspecto
ferem fenotipicamente. Essas células formam diversos estrelado.
tipos de colágeno de acordo com suas propriedades
funcionais e químicas. Macrófagos
Como células ativas, são fusiformes com citoplas-
Os macrófagos são células que participam do me-
ma basófilo e organelas bem desenvolvidas que atuam
canismo de defesa e pertencem ao sistema fagocítico
na síntese de proteínas. O núcleo, geralmente elíptico,
mononuclear e, como tal, originam-se dos monócitos.
possui um ou dois nucléolos evidentes. Os fibroblastos
Os macrófagos modificam sua forma de acordo
secretam os precursores das fibras colágenas, reticula-
com o local em que se encontram no tecido conjunti-
res e elásticas, assim como a substância fundamental
vo. As células livres são arredondadas e os macrófagos
da polpa. Assim, o aspecto fusiforme ou estrelado dos
fixos são irregulares pela presença de verdadeiros pro-
fibroblastos depende do tipo de matriz extracelular na
longamentos citoplasmáticos. O citoplasma não é bem
qual se encontram submersos (Fig. 1-17).
visualizado pela microscopia de luz e o núcleo é ligei-
Em polpas jovens, essas células ativas possuem
ramente excêntrico. Do ponto de vista ultraestrutural,
longos e delgados prolongamentos citoplasmáticos
o complexo de Golgi e o retículo endoplasmático liso
que formam complexos juncionais com outros fibro-
(REL) são bem desenvolvidos, além de apresentarem
blastos. Na polpa adulta, essas células se transformam
retículo endoplasmático rugoso (RER), mitocôndrias,
em fibrócitos, com formato ovalado, núcleo e croma-
abundantes vacúolos e lisossomos.
tina mais densos e escasso citoplasma com reduzidas
organelas.
Outras células do tecido pulpar
Ao serem examinados os componentes da polpa
Células ectomesenquimais normal humana, outros tipos celulares podem ser identi-
Também denominadas células ectomesenquimais ficados, como células dendríticas, linfócitos, plasmócitos
indiferenciadas, derivam-se do ectoderma e da crista e, ocasionalmente, eosinófilos e mastócitos. Essas células
neural. Constituem as células de reserva da polpa pela são bem observadas nos processos inflamatórios.
sua capacidade de se diferenciar em novos odontoblas- Células dendríticas são células apresentadoras de
tos ou fibroblastos, de acordo com o estímulo atuante. antígenos que estão posicionadas estrategicamente na
10 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

região odontoblástica e próximas a vasos sanguíneos, Substância fundamental


como parte do mecanismo de vigilância imunológi-
A substância fundamental constitui um meio de
ca. No evento de uma ameaça de invasão bacteriana
transporte pelo qual as células recebem os nutrientes
associada à cárie, por exemplo, antígenos bacterianos
do sangue arterial, e os produtos que devem ser elimi-
que migram pelos túbulos e alcançam a polpa são cap-
nados são transportados até a circulação eferente.
turados por essas células e levados aos linfonodos re-
Também denominada matriz extracelular amor-
gionais, onde são apresentados aos linfócitos. Após a
sensibilização do hospedeiro, uma resposta de defesa é fa, ela é constituída principalmente de proteoglicanos
então mobilizada para a região da agressão. e água. Na substância fundamental do tecido pulpar de
Tem sido mostrado, por citometria de fluxo, que dentes recém-erupcionados, a GAG predominante é o
a polpa possui linfócitos T, e, normalmente, os linfó- sulfato de dermatan. No tecido pulpar de dentes ma-
citos B estão ausentes. Os linfócitos T participam da duros, o ácido hialurônico é o componente essencial,
resposta imunológica inicial, ativados pela presença de sendo o sulfato de dermatan e o sulfato de condroitina
antígenos provenientes de cáries, e liberam citocinas, observados em menor quantidade.
provocando a vasodilatação pulpar. Provavelmente, O ácido hialurônico confere viscosidade e coesão à
esse mecanismo permite a migração dos linfócitos B da polpa, tornando-a um tecido conjuntivo gelatinoso. Essa
corrente sanguínea até o tecido pulpar. Os linfócitos B propriedade, somada aos constituintes fibrosos que es-
se diferenciam em plasmócitos e elaboram anticorpos tão em maior quantidade na região apical, permite extir-
específicos para os antígenos que desencadearam a res- par a polpa sem rompimento durante os procedimentos
posta inflamatória (ver Capítulo 2). endodônticos, introduzindo um instrumento farpado
Os mastócitos identificados na polpa possuem até o ápice e tracionando a polpa em sentido coronário.
tamanho e número variáveis, geralmente com distri- Além disso, o ácido hialurônico é encarregado de man-
buição perivascular. São células redondas com abun- ter a fluidez e a permeabilidade da substância funda-
dantes grânulos citoplasmáticos. O RER é pouco de- mental, regular o transporte de metabólitos e impedir
senvolvido, o complexo de Golgi é bastante extenso ou pelo menos retardar a difusão de micro-organismos.
e as mitocôndrias são escassas. Os mastócitos atuam
nos processos inflamatórios que acometem a polpa li- Camadas topográficas da polpa
berando histamina, aumentando a permeabilidade dos
Estruturalmente, a polpa se divide em quatro
vasos e produzindo edema.
regiões distintas (Fig. 1-18). Segue uma descrição, ini-
ciando pela camada mais superficial até a região cen-
Fibras tral da polpa:
Fibras colágenas. O colágeno tipo I constitui 60% Camada odontoblástica. É constituída apenas pelos
do colágeno encontrado na polpa. Essas fibras são es- corpos dos odontoblastos, já que seus prolongamentos
cassas e desorganizadas na polpa coronária. Na região permanecem dentro dos túbulos dentinários.
radicular são mais abundantes e dispostas paralela- Camada subodontoblástica ou pobre em células. Tam-
mente. A extremidade apical do dente é a mais fibrosa bém denominada camada de Weil, geralmente é bem
em relação ao restante da polpa. definida na região coronária dos dentes recém-erupcio-
A matriz extracelular da polpa difere da matriz nados, porém pode estar ausente na região radicular.
dentinária porque contém quantidade significativa de Na microscopia de luz observa-se que essa cama-
fibronectina e colágeno tipo III. O colágeno tipo IV for- da é atravessada por numerosos prolongamentos das
ma parte da membrana basal dos vasos sanguíneos, e o células subjacentes, que se ramificam e estabelecem
tipo V reforça a parede dos vasos. contatos com os odontoblastos. Nela se encontram o
Fibras reticulares. São formadas por delgadas fibri- plexo capilar subodontoblástico e o plexo nervoso de
las de colágeno tipo III associadas à fibronectina. Essas Raschkow, que pode ser mais bem observado com téc-
fibras são muito finas e se distribuem em grande quan- nicas de impregnação com prata.
tidade no tecido mesenquimático da papila dentária. Camada rica em células. Caracteriza-se pela alta
Na maturidade essas fibras podem aumentar de diâ- densidade celular, destacando-se as células ectomesen-
metro. quimais indiferenciadas. Fibroblastos também estão
Fibras elásticas. São muito escassas no tecido pul- presentes, quase todos em estado de repouso. As célu-
par e se localizam nas paredes dos vasos sanguíneos las emitem prolongamentos para a camada acelular e
aferentes. Seu principal componente é a elastina. para a região central da polpa.
O Complexo Dentino-Pulpar 11

sangue do leito capilar. Os estudos da polpa indicam


que a vitalidade do dente depende de sua microcircula-
ção em maior grau do que de seu mecanismo sensitivo.

Vasos linfáticos
As investigações mais recentes indicam que exis-
tem numerosos vasos linfáticos na região central da
polpa e, em menor número, na sua periferia, próximo à
camada odontoblástica.
Os vasos linfáticos deixam a polpa radicular acom-
panhados de nervos e vasos sanguíneos pelo forame api-
cal para drenar em vasos linfáticos maiores do ligamen-
to periodontal. Nos dentes anteriores, os vasos linfáticos
drenam até os gânglios linfáticos submentonianos e, nos
dentes posteriores, drenam para os gânglios linfáticos
submandibulares e cervicais profundos.

 INERVAÇÃO
Figura 1-18. Fotomicrografia da polpa próximo à pré-dentina coro- O tecido pulpar se caracteriza por ter uma inerva-
nária, onde se observa um arranjo celular característico. O significa- ção sensitiva e autônoma. As fibras nervosas chegam
do desse arranjo é desconhecido. 1 = dentina; 2 = pré-dentina; 3 = na polpa acompanhando os vasos sanguíneos aferentes
camada de odontoblastos; 4 = camada de Weil; 5 = camada rica em
células; 6 = região central da polpa.
através do forame apical e são constituídas por fibras
nervosas sensitivas mielínicas (tipo A) e amielínicas
(tipo C), além das fibras simpáticas (Fig. 1-19). As fibras
Região central da polpa. É formada por tecido con- nervosas simpáticas são também amielínicas e perten-
juntivo frouxo, diferentes tipos celulares, escassas fibras cem ao sistema nervoso autônomo. São fibras de con-
em uma matriz amorfa e abundantes vasos e nervos. dução lenta, provenientes do gânglio cervical superior,
As células principais são os fibroblastos, que podem que controlam o calibre arteriolar (função vasomotora).
estar ativos ou em repouso, células ectomesenquimais As fibras nervosas sensitivas constituídas pelos aferen-
indiferenciadas e macrófagos perivasculares. tes sensoriais do trigêmeo (V par do nervo craniano) são
responsáveis pela transmissão da dor. As fibras mielíni-
cas sensitivas do tipo A, localizadas na periferia da pol-
 VASCULARIZAÇÃO
pa, são responsáveis pela dor aguda pulsátil, típica da
Vasos sanguíneos
Devido ao seu reduzido tamanho, a polpa possui
vasos sanguíneos de pequeno calibre (Fig. 1-19). Os va-
sos sanguíneos entram e deixam a polpa pelo forame
apical e forames acessórios acompanhados de fibras
nervosas sensitivas e simpáticas. Na região coronária,
os vasos se ramificam, diminuem de calibre e formam
o plexo capilar subodontoblástico. Essa extensa rede
capilar se localiza na camada pobre em células com a
função de nutrir os odontoblastos. As artérias estão lo-
calizadas mais perifericamente, enquanto as vênulas se
localizam mais centralmente.
Algumas arteríolas formam alças em U e anasto-
moses arteriovenosas e venovenosas. As anastomoses
arteriovenosas são pontos de contato direto entre a cir- Figura 1-19. Corte histológico corado com hematoxilina-eosina. A
culação arterial e venosa, e por meio dela se desvia o polpa dental é ricamente vascularizada e inervada.
12 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

estimulação dentinária. As fibras amielínicas sensitivas Atualmente, existem três teorias que tentam explicar a
do tipo C, localizadas profundamente na polpa, são res- sensibilidade dentinária:
ponsáveis pela dor excruciante e difusa da polpa, típica A primeira, baseada em aspectos morfológicos,
de pulpite irreversível sintomática. explica o mecanismo de sensibilidade pela presença de
Os nervos mielínicos são mais numerosos na pol- terminações nervosas próprias. Entretanto, apesar de o
pa coronária do que na região radicular. Suas ramifi- plexo de Raschkow já ter sido bem estudado, não se co-
cações formam o plexo nervoso subodontoblástico de nhece a quantidade de fibras nervosas que existe dentro
Raschkow, localizado na camada de Weil. dos túbulos. Além disso, na presença de tais terminações
A maioria dos feixes nervosos termina no plexo nervosas, a aplicação de anestésicos locais na superfície
subodontoblástico como fibras amielínicas (os axônios dentinária eliminaria a dor, o que não ocorre.
perdem a delgada bainha de mielina). Entretanto, al- A segunda afirma que o odontoblasto, acoplado
guns axônios penetram entre os corpos dos odonto- às terminações nervosas da polpa, atuaria como recep-
blastos e entram nos túbulos dentinários, ficando in- tor dos estímulos. Por ser o odontoblasto uma célula
timamente relacionados com os prolongamentos dos com origem na crista neural, ela poderia reter a capa-
odontoblastos. cidade de receber e transmitir estímulos, através de
seus prolongamentos citoplasmáticos, estabelecendo
sinapses com as fibras nervosas da polpa. Entretanto,
 SENSIBILIDADE DENTINO-PULPAR
a atividade dos odontoblastos como células nervosas
Por muito tempo, acreditou-se que o estímulo do ainda não foi comprovada, tampouco a existência das
complexo dentino-pulpar produzia sempre a sensação referidas sinapses nervosas.
de dor. Entretanto, estudos mais recentes sugerem que A terceira teoria, hidrodinâmica, considera que os
os aferentes da polpa podem distinguir os diferentes estímulos que atuam sobre a dentina provocam o mo-
estímulos e perceber sua natureza mecânica, térmica vimento do fluido dentinário no interior dos túbulos e
ou tátil. podem ser percebidos pelas terminações nervosas li-
A dentina é um tecido muito sensível aos estí- vres da polpa. Nos preparos de cavidade, por exemplo,
mulos externos recebidos pelas terminações nervosas quando a dentina é exposta, parte do fluido dentinário
da polpa. Ainda permanece a discussão em relação à se perde e esse estímulo provoca a movimentação do
forma de transmissão dos impulsos nervosos e que es- fluido dentinário. Dessa forma, as terminações nervo-
truturas estão envolvidas nesse processo que resulta na sas livres estimuladas desencadeiam o estímulo dolo-
sensibilidade do complexo dentino-pulpar (Fig. 1-20). roso.
Em muitas situações, é possível que vários fatores
estejam atuando simultaneamente. Assim, a explicação
para a sensibilidade do complexo dentino-pulpar pode
estar nessas três teorias.

 CALCIFICAÇÕES PULPARES
O aparecimento de áreas mineralizadas é relativa-
mente comum na polpa madura, especialmente na re-
gião central. A quantidade de calcificações é maior nos
dentes de indivíduos com mais idade e dentes expos-
tos a traumatismos e cáries. Elas ocorrem sob a forma
de cálculos pulpares, nódulos pulpares ou calcificações
difusas.
Acredita-se que os cálculos pulpares ou dentículos
Figura 1-20. Desenho esquemático ilustrando as teorias sobre a sejam formados durante o desenvolvimento da polpa
sensibilidade dentinária. A primeira teoria, em A, sugere a sensibili- com a deposição de dentina tubular pelos odontoblas-
dade pela presença da fibra nervosa no interior do túbulo dentiná- tos. Os dentículos podem ser observados no canal radi-
rio; a segunda teoria, em B, admite que o odontoblasto mantém a
cular e na câmara pulpar (Figs. 1-21 e 1-22). A maioria
capacidade de transdução dos impulsos nervosos; a terceira teoria,
em C, considera o estímulo das fibras nervosas pela movimentação deles está aderida à parede dentinária. Os cálculos pul-
do líquido no interior dos túbulos dentinários. pares podem trazer complicações para o tratamento
O Complexo Dentino-Pulpar 13

As calcificações difusas são áreas de calcificação ir-


regular, frequentemente paralelas aos vasos. Elas po-
dem ser observadas na câmara pulpar ou nos canais.
Os cálculos pulpares e os nódulos maiores podem
ser detectados em radiografias intraorais. As calcifica-
ções difusas não são usualmente detectadas radiogra-
ficamente.

 CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS
Mudanças com a idade
Algumas mudanças são observadas nas estrutu-
ras dentárias e seus tecidos de sustentação com o en-
velhecimento do indivíduo e são mais acentuadas nos
dentes submetidos a irritantes externos, como trauma,
cárie e procedimentos restauradores.
A espessura da dentina secundária aumenta com
o passar dos anos, diminuindo o volume da polpa den-
Figura 1-21. A presença de um cálculo pulpar, como se observa tal. No dente do adulto, a polpa se caracteriza por ser
neste dente, pode dificultar a instrumentação endodôntica na re- pobre em células, suprimentos sanguíneo, linfático e
gião apical. nervoso. Ao contrário do que se pensava, o conteúdo
de colágeno não se modifica com a idade. Por ser a
polpa menos celularizada, diminuem a síntese e degra-
dação do colágeno. A degeneração de fibras nervosas
diminui a sensibilidade do complexo dentino-pulpar.
A mineralização gradual da dentina intratubu-
lar pode resultar no completo fechamento dos túbu-
los dentinários e, dessa forma, a polpa se torna mais
protegida dos efeitos nocivos do meio, como a invasão
microbiana.
As modificações decorrentes da idade diminuem a
capacidade de reparação do complexo dentino-pulpar.
No caso de injúria tecidual com dano irreversível aos
odontoblastos, a polpa madura nem sempre consegue
diferenciar novas células para produção de dentina re-
paradora da mesma forma que uma polpa jovem.
No indivíduo idoso, a calcificação pulpar, a de-
posição de dentina secundária e a formação de dentina
esclerosada são mais comuns. Por um lado, tal situação
permite que os preparos de cavidade sejam realizados
Figura 1-22. O maior aumento da lâmina anterior (Fig. 1-21) per- com menor risco de expor a polpa acidentalmente. No
mite ver o cálculo pulpar aderido à pré-dentina com túbulos denti- entanto, quando existe a necessidade de tratamento
nários evidentes. endodôntico, o profissional pode encontrar dificulda-
de para localizar a entrada dos canais quando a mine-
ralização depositada impede a visualização deles por
endodôntico no momento de abrir a câmara pulpar e obstrução.
instrumentar os canais. Entretanto, não estão relacio- A cor do dente é mais escura com o passar do
nados com a dor pulpar. tempo. Tal escurecimento pode ser provocado por ma-
Os nódulos pulpares são calcificações concêntricas terial orgânico do meio que se incorpora ao esmalte.
ou radiais de material calcificado regular. Estão presen- Outra possível causa é o escurecimento da dentina, que
tes na polpa coronária e podem ser livres ou aderidos. se torna mais mineralizada e pode ser observada atra-
14 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

vés do esmalte, que, além de ser translúcido, é mais são observadas na superfície do cemento, porém, em
desgastado e fino. determinadas situações, podem aparecer, provocando
Para compensar o desgaste oclusal que ocorre com a reabsorção desse tecido.
o tempo, o dente se movimenta axialmente. É possível A formação do osso alveolar, cemento e liga-
que o desgaste oclusal seja compensado pela deposição mento periodontal ocorre simultaneamente. Durante
contínua de cemento ao redor do ápice do dente, que o desenvolvimento do osso alveolar, parte das fibras
ocorre após o dente ter-se deslocado. Com a idade, a principais do ligamento, elaborada por fibroblastos, é
espessura do ligamento periodontal diminui. incorporada à matriz óssea de maneira similar ao que
ocorre com a formação do cemento.
O tratamento endodôntico e o periodonto de O ligamento periodontal é composto de células,
sustentação fibras e substância fundamental. Os fibroblastos, as
principais células, são capazes de degradar e sintetizar
Os tecidos do periodonto de sustentação se ori- o colágeno simultaneamente e, por isso, são respon-
ginam de células ectomesenquimais, que se diferen- sáveis pela grande capacidade de renovação do com-
ciam em cementoblastos, fibroblastos e osteoblastos partimento extracelular. Os osteoblastos, osteoclastos e
para formar cemento, ligamento periodontal e osso, cementoblastos, apesar de estarem funcionalmente as-
respectivamente. Esses tecidos constituem a unidade sociados ao osso e ao cemento, são células que se loca-
estrutural que participa na sustentação do dente aos lizam no interior do ligamento periodontal (Figs. 1-14
ossos maxilares. Feixes grossos de fibras colágenas do e 1-23). No dente completamente formado existe uma
ligamento se inserem no cemento (Fig. 1-23) e no osso população de células ectomesenquimais no ligamento
alveolar, e essas estruturas ficam intimamente relacio- periodontal que permite a diferenciação, quando ne-
nadas. Coletivamente, são também conhecidos como cessário, de novas células de natureza conjuntiva.
tecidos perirradiculares, termo a ser usado em todos os Frequentemente, as manipulações endodônticas
capítulos deste livro. (extirpação pulpar, alargamento dos canais com instru-
O cemento, um tecido conjuntivo mineralizado, mentos endodônticos e obturação do canal radicular)
recobre a dentina radicular e permanece firmemente provocam injúrias aos tecidos perirradiculares. A ex-
aderido a sua superfície mesmo após a extração do tirpação da polpa vital pode provocar hemorragia e in-
dente. Assim como o tecido ósseo, sua matriz orgâni- flamação aguda no ligamento periodontal apical e nos
ca é constituída, principalmente, por colágeno tipo I e espaços medulares do osso adjacente. Em alguns casos
pode sofrer reabsorção e neoformação. A maior espes- ocorrem destruição parcial do ligamento periodontal e
sura de cemento é observada na região de ápice radicu- reabsorção óssea. Entretanto, os tecidos perirradicula-
lar. Em condições de normalidade, células clásticas não res usualmente se reparam rapidamente sem perder a
estrutura ou função.
Muitos estudos indicam que a reparação tecidual
se desenvolve melhor na presença de quantidade mí-
nima de tecido pulpar e alguns afirmam ainda que a
preservação do coto pulpar não constitui aspecto im-
portante para o processo de reparação tecidual após o
tratamento de canal. O Capítulo 8 discute essa questão
com mais detalhes.
O uso do hidróxido de cálcio tem-se consagrado
na prática endodôntica pelos bons resultados clínicos
obtidos. A análise histológica mostra que esse mate-
rial em contato com a polpa estimula a neoformação
de dentina e, em contato com o ligamento periodontal,
estimula a neoformação de cemento. Convém lembrar
que as células ectomesenquimais indiferenciadas no li-
gamento periodontal provavelmente continuam como
Figura 1-23. Os feixes grossos de fibras colágenas do ligamento
periodontal estão inseridos no cemento, como revela este corte his-
precursoras dos fibroblastos, dos cementoblastos e os-
tológico. Nota-se ainda os cementoblastos enfileirados na superfície teoblastos no dente formado e, dessa forma, esse tecido
do cemento, mas dentro do ligamento periodontal. assume importância fundamental no processo repara-
O Complexo Dentino-Pulpar 15

dor dos tecidos perirradiculares após o tratamento en- perfícies da mucosa bucal. Além disso, o uso do tabaco
dodôntico. e a ingestão de álcool, os principais agentes etiológicos
A manipulação dos canais radiculares pode do câncer bucal, devem ser evitados pelo paciente em
provocar danos aos tecidos perirradiculares se a ins- razão da possibilidade dos seus efeitos carcinogênicos
trumentação ultrapassar o forame apical, injuriar os somatórios.
tecidos do ligamento e introduzir bactérias. Geralmen- A junção amelocementária (JAC) deve ser cui-
te, esse tipo de trauma resulta em inflamação crônica dadosamente avaliada pelo clínico que planeja fazer
apical, formação de granuloma, e, em alguns casos, na o clareamento dentário interno. Produtos químicos,
presença de elementos epiteliais, desenvolve-se um como agentes clareadores, quando colocados na câ-
cisto perirradicular (ver Capítulo 2). Além disso, na mara pulpar, podem ser extravasados através dos tú-
presença de canais acessórios, as doenças inflamatórias bulos dentinários, induzindo um processo inflamató-
da polpa podem progredir para o ligamento periodon- rio subclínico na região cervical gengival, dissolvendo
tal e vice-versa (ver Capítulo 25). a matriz extracelular ou o cemento intermediário de
O tratamento endodôntico de dentes com rizogê- proteção. Essa região é considerada vulnerável, pois
nese incompleta objetiva estimular a complementação nem sempre a dentina está protegida pelo cemento
radicular, quando a polpa está preservada, e induzir e esmalte, existindo, assim, as chamadas janelas ou
o fechamento do forame apical com tecido mineraliza- gaps.
do, quando a polpa sofreu necrose. Histologicamente, Alguns trabalhos recentes mostraram que agen-
forma-se uma barreira de tecido duro de cemento ce- tes clareadores internos e externos podem alargar as
lular ou dentina, promovendo o selamento do forame janelas de dentina. O aumento da permeabilidade den-
apical. tinária pela redução da espessura cervical nos proce-
dimentos endodônticos e a presença de microáreas de
exposição de dentina na JAC favorecem a difusão do
Efeitos dos agentes clareadores sobre o
peróxido de hidrogênio. A dentina desprotegida fica
esmalte e o complexo dentino-pulpar
exposta aos elementos celulares do tecido conjuntivo e
O escurecimento do dente ocorre pela formação às células que reconhecem proteínas dentinárias espe-
de estruturas quimicamente estáveis responsáveis cíficas como antígenos e inicia-se o processo de reab-
pela formação de manchas na coroa do dente. O cla- sorção dentária.
reamento realizado por meio de substâncias químicas A erupção passiva do dente que ocorre com o
transforma produtos orgânicos em dióxido de carbo- tempo faz com que a JAC perca o contato com os te-
no e água. O momento crítico desse processo ocorre cidos gengivais e passe a se relacionar com o epité-
quando se inicia a perda da estrutura dental. Alguns lio juncional, podendo ainda ficar exposta ao sulco
estudos indicam que o uso de peróxido de hidrogê- gengival ou ao meio bucal. Dessa forma, existe uma
nio por 24 horas provoca alterações superficiais, bem menor possibilidade de ocorrer uma reabsorção cer-
como diminuição significativa da dureza da dentina vical externa com o uso de agentes clareadores inter-
intertubular. O uso de tomografia microcomputadori- nos em adultos com mais de 30 anos do que nos mais
zada para avaliar os efeitos do peróxido de carbamida jovens.
a 10% sobre o esmalte revelou a sua desmineralização
em 50 micrômetros de profundidade. Alguns estudos
Alterações do desenvolvimento dentário
ainda devem ser realizados para avaliar esses resul-
que podem dificultar ou contraindicar o
tados, pois tais efeitos, clinicamente, parecem ser mí-
nimos. Além disso, o clínico deve estar atento para
tratamento endodôntico
as alterações que podem ser provocadas por agentes As anomalias dentárias podem ser influenciadas
clareadores sobre as restaurações que o paciente já por fatores ambientais, ser hereditárias ou ainda idio-
possui. páticas. O exame clínico e radiográfico cuidadoso do
O peróxido de hidrogênio tem sido considerado dente deve ser realizado antes de iniciar o tratamento
altamente reativo, podendo danificar os tecidos moles endodôntico, pois, dessa forma, o clínico estará evitan-
e duros da boca quando usado em concentrações eleva- do os atropelos de um mau planejamento provocados
das por longos períodos de exposição. Novos estudos pela desatenção ao se deparar com dentes malforma-
sobre o assunto são necessários, e recomenda-se que dos que, muitas vezes, contraindicam o tratamento en-
seja usado com cautela, evitando o contato com as su- dodôntico.
16 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

As anomalias dentárias, por si só, constituem


um capítulo de livro, e o seu estudo completo foge do
objetivo deste texto. Assim, apresentaremos a seguir
somente alguns casos de interesse relevante, especial-
mente na prática da endodontia.

Dente invaginado
O dente invaginado é uma profunda invagina-
ção da superfície para dentro da coroa ou raiz. O re-
sultado dessa anomalia é uma cavidade no interior
do dente revestida por esmalte. O dente afetado des-
sa maneira apresenta-se grosso e deformado, tendo Figura 1-26. Na imagem radio-
gráfica do dente invaginado da
a polpa, muitas vezes, necrosada e infectada (Figs. Fig. 1-24 se destaca a radiopacida-
1-24 e 1-25). Os incisivos laterais permanentes são os de do esmalte e o ápice se encon-
dentes mais afetados. O exame radiográfico revela a tra aberto.
invaginação contornada pelo esmalte radiopaco (Fig.
1-26). Em alguns casos, a invaginação pode romper-se
lateralmente, provocando uma lesão inflamatória la-
teral, porém com a preservação da vitalidade pulpar.
Histologicamente, o esmalte invaginado está defeituo-
so, especialmente abaixo da invaginação (Fig. 1-27). A
restauração é indicada para prevenir o envolvimento
por cárie da invaginação com inflamação pulpar sub-
sequente. O dente invaginado dificulta o tratamento
endodôntico, tornando-se um grande desafio para o
endodontista.
Figura 1-24. Dente invaginado.
O esmalte invagina profunda-
mente e pode se estender até a
raiz, porém a invaginação da co-
roa, como neste caso, é a forma
mais comum.

Figura 1-25. O dente da Fig.


1-24 foi desgastado e mostra a
invaginação no interior da coroa Figura 1-27. O exame microscópico do dente invaginado desgas-
formando uma cavidade revesti- tado permite analisar a profundidade da cavidade recoberta por
da pelo esmalte. esmalte defeituoso.
O Complexo Dentino-Pulpar 17

Odontodisplasia regional
A odontodisplasia regional, também chamada
dente-fantasma, é uma alteração no desenvolvimento lo-
calizada, não hereditária, que afeta o esmalte, a dentina
e a polpa. A maioria dos casos é idiopática. Em geral,
a alteração envolve vários dentes em uma mesma re-
gião (Fig. 1-28). O dente afetado mostra uma acentuada
distorção da forma anatômica, aspecto grosseiro na su-
perfície de coloração amarelada ou acastanhada (Fig.
1-29). O exame radiográfico revela uma diminuição da
radiopacidade, não sendo possível distinguir o esmalte
da dentina. Além disso, a câmara pulpar se encontra
ampliada e, muitas vezes, os ápices estão abertos (Fig.
1-30). Estas características conferem ao dente o aspecto

Figura 1-30. A imagem radiográfica do dente-fantasma não permi-


te distinguir o esmalte da dentina.

fantasma descrito na literatura. Histologicamente, ob-


serva-se uma acentuada alteração estrutural do esmalte
e da dentina. O esmalte é hipoplásico e irregularmente
mineralizado e os prismas são irregulares ou ausentes.
A dentina apresenta áreas interglobulares e material
amorfo. Os túbulos dentinários são menos numerosos
na odontodisplasia regional (Fig. 1-31). Sempre que

Figura 1-28. Radiografia oclusal da região anterior da maxila mos-


trando dois dentes-fantasmas.

Figura 1-29. O dente obser-


vado na radiografia na Fig.
1-28 foi desgastado com difi- Figura 1-31. Microscopicamente são observados a superfície do
culdade por causa da ampla esmalte e o limite com a dentina. O dente-fantasma desgastado re-
câmara pulpar. vela a má formação tanto do esmalte quanto da dentina.
18 Capítulo 1  O Complexo Dentino-Pulpar

possível, os dentes afetados devem ser mantidos. Exis- radiopacidade da pérola de esmalte em relação à den-
tem relatos de dentes tratados endodonticamente com tina. Além disso, a mudança de angulação do feixe de
sucesso. Dentes com grande comprometimento e infec- raios X pela técnica de Clark ajuda a diagnosticar a pé-
tados devem ser removidos. rola de esmalte pelo deslocamento da imagem.

Pérolas de esmalte  AGRADECIMENTOS


As pérolas são ilhotas de esmalte encontradas, ge-
Agradecemos ao professor Minoru Takagi, nosso
ralmente, próximo à junção do cemento com o esmalte
fraterno parceiro, apesar da distância que nos separa, e
ou na área de furca. São mais comuns na bifurcação
aos amigos, Dr. Esguerra Renelson Laurente e Terasaki
das raízes dos molares (Fig. 1-32). Radiograficamente,
Haruka, da Tokyo Medical and Dental University-Japão,
as pérolas são glóbulos radiopacos bem definidos que
que gentilmente cederam parte do material histológico
podem ser confundidos com calcificações no interior
que apresentamos neste capítulo.
da polpa (Fig. 1-33). Quando existe dúvida, deve-se
Novas imagens foram adicionadas a este capítulo e
sondar o dente cuidadosamente e atentar para a maior
resultaram dos trabalhos de uma das linhas de pesquisa
coordenadas pela professora Andréa Braga Moleri, no
Laboratório de Histopatologia Oral da Universidade do
Grande Rio (Unigranrio).

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Capítulo 2
Patologias Pulpar e
Perirradicular

José Freitas Siqueira Jr.


Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

Um profissional da área de saúde está necessaria- so crônico, caracterizado pela participação da resposta
mente voltado para a prevenção e o tratamento de uma imunológica adaptativa, de caráter específico. Nesse
doença. No caso específico da Endodontia, o profissio- caso, se a resposta imunológica não consegue eliminar
nal lida com as patologias pulpares e perirradiculares. o agente agressor, pelo menos e na grande maioria das
Para ser bem-sucedido em prevenir e tratar qualquer vezes, ela consegue controlá-lo, confinando-o ao local
doença é essencial o conhecimento dos seus aspectos da agressão. Na persistência do estímulo agressor, as
etiológicos e fisiopatológicos, bem como da sua mani- próprias respostas de defesa do hospedeiro, específicas
festação clínica. Apenas de posse desse conhecimento ou inespecíficas, podem gerar o dano tecidual. No caso
poderá o profissional exercer de forma competente o das doenças pulpares e perirradiculares, a destruição te-
diagnóstico, a prevenção e o tratamento das doenças cidual causada pelas defesas do hospedeiro em resposta
pulpares e perirradiculares. Grande parte da frustração a uma agressão persistente parece ser mais significativa
de profissionais e pacientes no que concerne a várias
situações clínicas provém da falta de conhecimento do
profissional em relação à patologia a ser diagnosticada,
prevenida ou tratada.
As principais alterações patológicas que acome-
tem a polpa e os tecidos perirradiculares são de natu-
reza inflamatória e de etiologia infecciosa (Fig. 2-1). A
inflamação é a principal resposta da polpa e dos teci-
dos perirradiculares a uma gama variada de estímulos
que causam injúria tecidual. A intensidade da respos-
ta inflamatória irá variar conforme o tipo de agressão
e, principalmente, a sua intensidade. Uma vez que a
agressão rompe a integridade tecidual, a resposta infla-
matória visa a localizar e preparar os tecidos alterados
para reparação da região afetada. Figura 2-1. As patologias pulpar e perirradicular são de natureza
inflamatória e de etiologia microbiana, com a cárie e a infecção do
Muitas vezes, quando a agressão é persistente e
sistema de canais radiculares representando as principais fontes de
não resolvida pela mobilização dos mecanismos ines- agressão microbiana persistente à polpa e aos tecidos perirradi-
pecíficos de defesa do hospedeiro, instala-se um proces- culares, respectivamente.

21
22 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

do que os próprios efeitos diretos proporcionados pe- A agressão física à polpa pode ser representada
los micro-organismos, embora esses sejam os principais por:
agentes desencadeadores de todo o fenômeno.
Antes de discutirmos as características específicas • calor gerado durante o preparo cavitário, durante a
das patologias pulpar e perirradicular, cumpre revisar, reação de presa de materiais restauradores ou du-
de forma sucinta, a dinâmica de eventos e os componen- rante o polimento de uma restauração (Fig. 2-2);
tes envolvidos nas respostas inflamatória e imunológica. • ação mecânica de brocas, durante exposição aciden-
tal da polpa;
• trauma, levando à fratura de esmalte e dentina, com
 INFLAMAÇÃO exposição pulpar;
Introdução e definição • pressão exercida durante a moldagem protética.

O termo inflamação provém do latim enfflamare, A agressão física ao ligamento periodontal deve-
que significa atear fogo. Em aproximadamente 1650 se basicamente à:
a.C., um símbolo hieroglífico, representado por um
braseiro, foi traduzido como inflamação158. • sobreinstrumentação (Fig. 2-3);
Inflamação pode ser definida como a reação da mi- • sobreobturação (Fig. 2-4).
crocirculação a uma injúria aos tecidos, com a consequente
movimentação de elementos intravasculares, como fluidos,
células e moléculas, para o espaço extravascular118.
Os conhecimentos de inflamação são de extrema
importância para o profissional que pratica a Endodontia,
uma vez que estão diretamente relacionados com o de-
senvolvimento de sinais e sintomas das patologias pulpa-
res e perirradiculares, à patogênese dessas doenças e aos
mecanismos de reparação. Dessa forma, o profissional en-
tra em contato com inflamação: durante o diagnóstico das
doenças; durante a indicação e execução do tratamento e
durante a prosservação, avaliando o sucesso da terapia
instituída. Em outras palavras, o profissional contata in-
flamação antes, durante e após o tratamento. Nada mais
coerente do que reconhecer a importância de se terem,
Figura 2-2. O preparo cavitário representa agressão física (mecâni-
pelo menos, conhecimentos básicos neste assunto.
ca e térmica) à polpa.

Causas da inflamação
A agressão tecidual é o agente desencadeador
da resposta inflamatória, por induzir o rompimento
da homeostasia mantida por meio da relação célula-
meio, este último representado pelos fluidos extrace-
lulares e a microcirculação. A agressão à polpa e ao
ligamento periodontal pode ser de origem biológica,
física ou química.
A agressão biológica, representada por micro-or-
ganismos, é a mais importante no que tange à indução
e principalmente à perpetuação das patologias pulpar
e perirradicular. Micro-organismos presentes em uma
lesão de cárie ou estabelecidos no interior do sistema
de canais radiculares contendo polpa necrosada repre-
sentam a principal causa de inflamação pulpar e perir- Figura 2-3. A sobreinstrumentação representa agressão mecânica
radicular, respectivamente. aos tecidos perirradiculares.
Patologias Pulpar e Perirradicular 23

Figura 2-6. O ataque ácido de dentina e/ou da polpa representa


agressão química a esses tecidos.

A agressão química ao ligamento periodontal de-


ve-se aos efeitos:
Figura 2-4. A sobreobturação representa agressão mecânica e quí-
mica aos tecidos perirradiculares. • das soluções utilizadas na irrigação dos canais (mor-
mente quando extravasadas pelo forame apical);
• da medicação intracanal (quando são utilizados me-
A agressão química à polpa deve-se basicamente dicamentos irritantes);
à ação de: • do material obturador (geralmente dos cimentos en-
dodônticos, quando extravasados).
• seladores temporários (Fig. 2-5);
• materiais restauradores definitivos; Embora a agressão física ou química possa iniciar
• ataque ácido da dentina e/ou da polpa (Fig. 2-6); uma resposta inflamatória na polpa e nos tecidos pe-
• dessecantes e desinfetantes de cavidade. rirradiculares, geralmente ela não é persistente. Assim,
a alteração patológica não se perpetua. Micro-organis-
mos e seus produtos representam uma agressão bioló-
gica que, na grande maioria das vezes, é persistente,
evocando, assim, uma resposta inflamatória também
persistente. Por essa razão, micro-organismos e seus
produtos são, na grande maioria das vezes, conside-
rados essenciais para a perpetuação de uma patologia
pulpar ou perirradicular8,24,47,126. Isso se deve às difi-
culdades encontradas pelos mecanismos de defesa do
hospedeiro para alcançar e combater micro-organismos
presentes em uma lesão de cárie ou no interior do siste-
ma de canais radiculares contendo polpa necrosada.

Tipos de inflamação
A resposta inflamatória pode ser classificada como
aguda ou crônica de acordo com os seguintes critérios:

a) Duração
Figura 2-5. Materiais restauradores temporários ou definitivos re- A resposta inflamatória aguda é de curta duração,
presentam agressão química à polpa. usualmente não excedendo de 2 a 3 dias. Qualquer res-
24 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

posta inflamatória que dure por dias ou semanas é, em


um sentido temporal, um processo crônico. Se o agente
agressor que evocou uma resposta inflamatória aguda
persiste, a resposta evolui para um quadro crônico, que
pode ter longa duração se o agente agressor não for
eliminado.

b) Natureza
A resposta inflamatória aguda é de natureza exsu-
dativa, caracterizada pelo aumento de permeabilidade
vascular, que permite a saída de líquido e proteínas
plasmáticas do compartimento intravascular para os
tecidos. Já a resposta inflamatória crônica é de natureza Figura 2-8. Linfócitos e plasmócitos em área de inflamação crônica.
proliferativa, em razão da presença de fibroblastos, va- (Gentileza do Prof. Carlos José Saboia Dantas.)
sos sanguíneos neoformados e, em determinadas situa-
ções, fibras nervosas em estado de proliferação. A pre-
sença desses elementos estabelece uma estreita relação vasos sanguíneos neoformados e brotamentos axonais
entre a inflamação crônica e o processo de reparo. Um também estão presentes nos processos crônicos. Assim,
exemplo extremamente evidente da natureza prolife- na inflamação crônica existe a coexistência de células
rativa de processos crônicos é a pulpite hiperplásica, imunocompetentes (de defesa) e elementos envolvidos
onde há formação de um pólipo de tecido pulpar que na reparação.
protrai para a cavidade oral através da área de exposi- Em normalidade, o pH tecidual é levemente alca-
ção da polpa. lino, variando entre 7,2 e 7,4. Em um tecido acometi-
do por inflamação aguda, o pH cai, tornando-se ácido
c) Células envolvidas (pH = 6,5 ou menos), como resultado do ácido lático
oriundo da glicólise anaeróbica realizada por células
A inflamação aguda é caracterizada pelo predo-
inflamatórias. A estase sanguínea também permite o
mínio de neutrófilos polimorfonucleares no local afe-
acúmulo de CO2, que contribui para a queda de pH.
tado (Fig. 2-7). Macrófagos também estão presentes,
Por outro lado, o aumento da vascularização associado
contudo, em menor número. Na inflamação crônica, as
à inflamação crônica faz com que o pH se eleve, alcan-
células predominantes são mononucleares, como linfó-
çando a neutralidade ou ficando ligeiramente alcalino
citos, plasmócitos e macrófagos, componentes da res-
(pH = 7,0 a 7,2)84.
posta imunológica adaptativa (Fig. 2-8). Fibroblastos,

 INFLAMAÇÃO AGUDA
A resposta inflamatória aguda, que consiste na
primeira linha de defesa do hospedeiro contra um
agente agressor, faz parte de uma imunidade inata in-
duzida, de caráter inespecífico, cuja sequência de even-
tos usualmente independe do tipo de agente agressor.
O objetivo da inflamação é, basicamente, localizar a re-
gião agredida, eliminar o agente agressor e remover os teci-
dos degenerados, preparando a área afetada para a reparação.
Para esse intento, a inflamação envolve:

• alterações vasculares;
• células responsáveis pelo combate ao agente agressor
e eliminação de componentes teciduais alterados;
Figura 2-7. Área de inflamação aguda purulenta evidenciando nu-
• uma miríade de moléculas que controlam todos os
merosos neutrófilos polimorfonucleares. (Gentileza do Prof. Fábio eventos associados à inflamação – os mediadores
Ramoa Pires.) químicos.
Patologias Pulpar e Perirradicular 25

A resposta aguda é rápida, durando minutos a 2


ou 3 dias. Se a agressão for transitória, ela é suficiente
para eliminá-la. A resposta inflamatória aguda, ao con-
trário da resposta imunológica adaptativa (crônica),
não possui especificidade para o combate ao agente
agressor. Esse caráter inespecífico se deve ao fato de
que, na inflamação aguda, os mecanismos envolvidos
permitem apenas o reconhecimento de uma lesão aos
tecidos, não distinguindo o agente agressor, tampouco
o que é próprio ou não do organismo.

Eventos vasculares da inflamação aguda


1. Após a agressão tecidual, as arteríolas sofrem cons-
trição (vasoconstrição), mediada por fibras nervosas Figura 2-9. Rolamento e adesão de neutrófilos às paredes vascu-
autônomas, que não dura mais do que 5 segundos. lares com posterior migração para o espaço extravascular. Esses
2. Em sequência ocorre a vasodilatação, inicialmente arte- eventos são dependentes da expressão de moléculas de adesão em
riolar, com consequente aumento da pressão hidros- células endoteliais, induzida por mediadores químicos.
tática vascular (hiperemia). Isso, por sua vez, provoca
um aumento da transudação de fluidos com baixo
junções interendoteliais ampliadas e migram para o
conteúdo proteico ao nível de capilares. Mediadores
espaço extravascular, processo conhecido como dia-
químicos endógenos estão envolvidos nessa fase. À
pedese (Fig. 2-9).
medida que mais sangue passa pelos vasos, capilares
e vênulas também se tornam dilatados.
Neutrófilos são as primeiras células que deixam
3. Há um aumento da permeabilidade vascular devido à
os vasos e adentram o local da agressão. Eles fagocitam
ação de mediadores químicos e da pressão intravas-
bactérias, substâncias estranhas, complexos imunes e
cular aumentada. As vênulas são os principais vasos
tecidos degenerados, mas também podem perpetuar a
envolvidos nesse aumento de permeabilidade me-
resposta inflamatória por liberarem enzimas, mediado-
diado por substâncias vasoativas. Em consequência,
res químicos e radicais livres tóxicos.
ocorre a saída de fluido rico em proteínas (exsudato)
para o meio extravascular. A exsudação resulta na
Aumento da permeabilidade vascular
redução do fluxo sanguíneo e no aumento da vis-
cosidade do sangue. Outrossim, a saída anormal de Uma das alterações vasculares mais significativas
fluidos dos vasos induz aumento da pressão hidros- que se desenvolve em decorrência da injúria tecidual é
tática tecidual, com consequente formação de edema o aumento da permeabilidade dos vasos. O aumento
(acúmulo de fluido no espaço extravascular). da permeabilidade vascular durante a inflamação pode
4. Em um determinado momento há uma queda acen- ser devido a diferentes mecanismos, os quais podem
tuada do fluxo sanguíneo (velocidade com que o ocorrer isoladamente ou combinados:
sangue passa pelo leito vascular). Essa estase vascular
se deve à grande perda de fluidos pela exsudação e • Aumento do espaço interendotelial induzido pela
aumento da concentração de elementos figurados do contração de células endoteliais, a qual é resultado
sangue na região vascular afetada (hemoconcentração). da ação de mediadores químicos. Usualmente se
Neutrófilos polimorfonucleares deixam sua posição restringe a vênulas. A adesão e a migração de leucó-
axial natural no leito vascular e assumem uma posi- citos também ocorrem predominantemente nesses
ção mais periférica, próxima ao revestimento endo- vasos. Na maioria das vezes, o aumento da permea-
telial (marginação). A marginação de neutrófilos au- bilidade vascular ocorre principalmente devido à
menta a resistência ao fluxo sanguíneo, favorecendo ação de mediadores químicos sobre células endo-
a estase vascular. Subsequentemente, os neutrófilos teliais, induzindo sua contração, com consequente
passam a “rolar” sobre o endotélio, até que ocorra ampliação das junções interendoteliais.
uma adesão firme a ele. Uma vez aderido às células • Aumento da transcitose através do citoplasma das
endoteliais, o neutrófilo emite pseudópodos entre as células endoteliais. A transcitose ocorre através de
26 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

canais intracelulares transcitoplasmáticos formados Geralmente os leucócitos são encontrados no cen-


por vesículas e vacúolos interligados, os quais estão tro dos vasos sanguíneos, onde o fluxo é mais rápido.
localizados próximos e, talvez, conectados às jun- Em condições inflamatórias, a redução do fluxo san-
ções intercelulares. Vênulas são os vasos envolvidos guíneo permite o deslocamento dessas células para a
também nesse mecanismo. periferia dos vasos, alinhando-os próximos ao revesti-
• Injúria endotelial direta, por dano vascular. mento endotelial, o que permite a adesão do leucócito
• Neoformação vascular. Durante o processo de infla- à célula endotelial.
mação crônica ou de reparação tecidual, as células Após a adesão, a célula inflamatória emite pseu-
endoteliais proliferam e dão origem a novos vasos, dópodos através das junções interendoteliais amplia-
o que é denominado de angiogênese. À medida que das pela ação de mediadores químicos. Atravessada a
vão sendo formados, os brotos vasculares permitem barreira endotelial, a célula agora se situa entre essa e a
o escape de fluidos. Essa exsudação ocorre até que membrana basal, podendo permanecer momentanea-
se complete a diferenciação das células endoteliais e mente nessa posição até enfim ultrapassar essa última,
se formem as junções interendoteliais. penetrando assim no tecido extravascular.
Nas primeiras 24 horas, os neutrófilos predomi-
Exsudação nam no local inflamado, sendo substituídos posterior-
mente por monócitos em 24 a 48 horas.
Exsudato é um fluido extravascular de origem in-
Uma vez no compartimento extravascular, os
flamatória que contém altas concentrações de proteínas e
leucócitos podem fagocitar partículas estranhas (neu-
muitos detritos celulares. O exsudato pode ser classifi-
trófilos e macrófagos), tornar-se ativados (linfócitos e
cado, dependendo da quantidade de proteínas ou de
monócitos) ou podem deixar os tecidos via vasos lin-
células, em:
fáticos.

• Exsudato seroso: ocorre em inflamação leve. É um


fluido claro com baixo conteúdo proteico e celular. Quimiotaxia
• Exsudato fibrinoso: o fluido que escapa dos vasos é
A migração e a atração de neutrófilos, monócitos
rico em fibrinogênio. Uma vez nos tecidos, o exsu-
e linfócitos ao local afetado são reguladas por media-
dato pode coagular.
dores químicos da inflamação denominados de qui-
• Exsudato purulento: ocorre em inflamação grave, ge-
miocinas. Quimiocinas são citocinas quimiotáticas que
ralmente por agente etiológico infeccioso. É caracte-
podem ser classificadas em quatro famílias de acordo
rizado por um líquido amarelado, rico em neutró-
com o número e a localização de resíduos de cisteína:
filos, que liberam enzimas proteolíticas e radicais
CC, CXC, C e CX3C. Por exemplo, na família CC há re-
livres que levam à lise tecidual, além de detritos ce-
síduos de cisteína adjacentes, enquanto na CXC eles se
lulares e micro-organismos vivos e mortos. Conhe-
encontram separados por um outro aminoácido. Cada
cido como pus.
grupo recebe ainda a letra L, significando ligante. Den-
tre as várias quimiocinas existentes, as de maior rele-
O exsudato exerce um papel de extrema relevân-
vância no recrutamento de células inflamatórias para o
cia no processo inflamatório por suprir nutrientes para
local da agressão são1:
as células inflamatórias no espaço extravascular, diluir
e/ou inativar toxinas bacterianas, delimitar o processo
• CXCL8 (anteriormente IL-8 ou interleucina-8): en-
inflamatório (quando o fibrinogênio estiver presente) e
volvida na atração de neutrófilos.
conter moléculas de defesa (anticorpos e componentes
• CXCL1, CXCL2 e CXCL3: também envolvidas na
do sistema complemento).
atração de neutrófilos.
• CCL2 (anteriormente MCP-1 ou proteína quimiotá-
Adesão e migração leucocitária tica para monócitos): envolvida na atração de monó-
Os neutrófilos polimorfonucleares são as primei- citos.
ras células que adentram o local agredido. Eles fagoci- • CXCL9, CXCL10 e CXCL11: envolvidas na atração
tam bactérias, substâncias estranhas, complexos imu- de linfócitos T efetores.
nes e tecidos degenerados, mas também podem per- • CCL5 (anteriormente Rantes ou regulated on activa-
petuar a resposta inflamatória por liberarem enzimas, tion, normal T cell expressed and secreted): quimiotática
mediadores químicos e radicais livres tóxicos109. para vários leucócitos.
Patologias Pulpar e Perirradicular 27

inflamação aguda da polpa, o único sinal verificado é a


dor. Na periodontite apical aguda, caracterizada por al-
terações inflamatórias no ligamento periodontal, a dor e
a perda de função dentária (dificuldade de mastigação
devido à dor) são os sinais cardeais observados. Já o abs-
cesso perirradicular agudo, caracterizado por inflamação
purulenta dos tecidos perirradiculares, pode evidenciar
todos os sinais cardeais quando em fases avançadas de
evolução, onde pode haver envolvimento extraoral.

 MEDIADORES QUÍMICOS DA
INFLAMAÇÃO AGUDA
Figura 2-10. Substâncias com efeito quimiotático sobre células de Como resultado da agressão ao tecido, várias subs-
defesa as atraem para o local da infecção. Uma vez no espaço extra- tâncias químicas são liberadas na região74,108, as quais
vascular, neutrófilos e macrófagos eliminam o agente agressor por são responsáveis pela indução, controle e amplificação
meio de fagocitose. dos eventos vasculares e celulares associados à infla-
mação. São os mediadores químicos da inflamação, os
Além das quimiocinas, outros mediadores envolvi- quais podem ser vasoativos, causando vasodilatação e
dos na atração de células inflamatórios são C5a (fragmen- aumento da permeabilidade vascular, e quimiotáticos
to oriundo da ativação do sistema complemento), LTB4 para células inflamatórias, atraindo-as para o local da
(leucotrieno B4), PAF (fator ativador de plaquetas) e pro- lesão tecidual. Além disso, algumas dessas substâncias
dutos bacterianos, como peptídeos N-formilados (carac- podem estar envolvidas na opsonização, na destruição
terística singular de bactérias), contendo aminoácidos ter- tecidual e na indução da dor (Quadro 2-1).
minais N-formil-metionil-leucil-fenilalanina (Fig. 2-10). Os mediadores químicos da inflamação podem
ter basicamente duas origens. Determinadas substân-
cias envolvidas na mediação da resposta inflamatória
Sinais cardeais da inflamação
podem ter origem intravascular (plasmática), sendo
No primeiro século d.C, Celsus, um escritor roma- ativadas principalmente após o dano aos vasos. Os me-
no, descreveu os quatro sinais cardeais da inflamação: diadores de origem plasmática incluem o sistema das
calor, rubor, tumor e dor. Posteriormente, um outro si- cininas, o sistema complemento, o sistema fibrinolítico
nal clínico, a perda de função, foi descrito por Virchow. e o de coagulação.
O aparecimento de tais sinais ajuda a caracterizar um Outras substâncias podem ser encontradas já pré-
quadro de inflamação. formadas ou serem imediatamente produzidas após
a injúria tecidual. Os elementos celulares componen-
• Calor: elevação da temperatura local devido à vaso- tes dos tecidos são os responsáveis pela liberação de
dilatação. tais substâncias, representadas por: aminas vasoativas
• Rubor: o local afetado fica avermelhado devido à va- (histamina e serotonina); derivados do ácido aracdôni-
sodilatação. co (prostaglandinas, tromboxanes e leucotrienos); en-
• Tumor: tumefação localizada devido ao aumento de zimas lisossomais; radicais livres derivados do oxigê-
permeabilidade vascular. nio e do nitrogênio; fator ativador de plaquetas (PAF);
• Dor: deve-se à ação direta de mediadores químicos neuropeptídeos e citocinas.
sobre fibras nervosas ou devido ao aumento de per-
meabilidade vascular. O edema tecidual comprime as Aminas vasoativas
terminações nervosas livres, sendo a principal causa
de dor associada à inflamação na maioria dos tecidos. Nesse grupo estão incluídas a histamina e a sero-
• Perda de função: em razão da tumefação e da dor, os tonina.
tecidos afetados perdem as suas funções normais.
Histamina
A inflamação aguda em determinados tecidos A histamina é o mediador químico mais importante
pode não apresentar todos esses sinais. Por exemplo, na das fases iniciais da resposta inflamatória aguda. Isso se
28 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Quadro 2-1 Funções básicas dos mediadores químicos Serotonina (5-HT)


A 5-HT é encontrada em plaquetas, em algumas
Efeito Mediador envolvido
regiões do cérebro e em células enterocromafins do in-
Vasodilatação Prostaglandinas testino. Ela não é quimiotática para células inflamató-
Histamina rias e seu papel na inflamação em seres humanos pa-
Óxido nítrico rece ser irrelevante. Em polpas dentais, a 5-HT pode
Neuropeptídeos sensibilizar fibras nervosas intradentais, tornando-as
Aumento de permeabilidade Histamina
mais susceptíveis a estímulos hidrodinâmicos, como
vascular C3a e C5a frio e evaporação.
Bradicinina
Leucotrienos C4, D4 e E4
PAF Derivados do ácido aracdônico
Neuropeptídeos (Eicosanoides)
Radicais oxigenados
Após a ativação celular por uma variedade de es-
Quimiotaxia Quimiocinas tímulos, os lipídios da membrana citoplasmática são
C5a rapidamente remodelados para gerar mediadores lipí-
Leucotrieno B4 dicos biologicamente ativos, os quais funcionam como
PAF
sinais intra ou extracelulares.
Peptídeos bacterianos
N-formilados O ácido aracdônico (AA) não se encontra livre na
Fibrinopeptídeos célula, mas esterificado nos fosfolipídios da membrana
citoplasmática. Ele é liberado por meio de fosfolipases
Dano tecidual Radicais oxigenados
celulares após estímulos mecânicos, físicos ou quími-
Enzimas lisossomais
Metaloproteinases de matriz
cos. Uma vez liberado, o AA pode ser oxidado por
Óxido nítrico duas vias enzimáticas:
Citocinas
Prostaglandinas • da cicloxigenase, que dá origem às prostaglandinas
e tromboxanes;
Febre IL-1 e TNF
Prostaglandinas • da lipoxigenase, que origina os leucotrienos e lipo-
xinas.
Dor Bradicinina
Prostaglandinas
Histamina Prostaglandinas (PG)
Estímulos podem levar a uma perturbação na
membrana citoplasmática com consequente influxo
deve em grande parte pelo fato de ela se encontrar já for- de Ca+2 na célula e ativação da enzima fosfolipase A2.
mada e estocada nos grânulos de mastócitos e basófilos. Essa enzima hidrolisa a ligação éster dos fosfolipídios
Plaquetas, após agregação, também podem liberá-la. da membrana e promove a liberação do AA27. Uma vez
Os estímulos que causam a liberação de histami- liberado, o AA é oxidado pela enzima cicloxigenase
na são: (COX). Fibroblastos e monócitos possuem altos níveis
de AA e COX; logo, são capazes de produzir grandes
• Agentes físicos: trauma, calor e frio. quantidades de PGs. Neutrófilos não possuem COX e
• Reação imune mediada por IgE. só produzem PGs na presença de plaquetas. Anti-infla-
• C3a e C5a. matórios não esteroidais inibem a COX e consequente-
• Lipopolissacarídeo. mente a síntese de PGs.
• IL-1. Dois tipos de COX são atualmente reconhecidos:
COX-1 e COX-2160. COX-1 é constitutivamente expressa
A histamina causa vasodilatação, aumento da pela maioria dos tecidos, atuando na síntese de prosta-
permeabilidade vascular e está relacionada com a dor glandinas e tromboxanes, que regulam atividades fi-
por atuar diretamente sobre fibras nervosas amielíni- siológicas. Por exemplo, essa enzima está presente em
cas, assim como a bradicinina. Não é quimiotática para plaquetas, endotélio, estômago e rins. As prostaglandi-
neutrófilos. nas produzidas ao nível de estômago estão envolvidas
Patologias Pulpar e Perirradicular 29

na proteção da mucosa gástrica da ação de ácidos. A portantes na inflamação é o LTB4, um potente agente
produção de COX-2 é induzida pelo dano tecidual e quimiotático para neutrófilos, eosinófilos e monócitos.
pela ação de lipopolissacarídeos bacterianos, citocinas Ele também pode estimular a liberação de enzimas e
e fatores de crescimento. Essa enzima está envolvida produção de ânion superóxido por neutrófilos. LTB4
na produção de prostaglandinas durante processos in- pode aumentar a permeabilidade vascular, permitindo
flamatórios. Todavia, evidências recentes sugerem que extravasamento de plasma.
COX-1 é responsável pela produção de prostaglandi-
nas envolvidas na resposta inflamatória imediata ao Enzimas lisossomais e outros componentes
estímulo, enquanto COX-2 está primariamente envol- granulares
vida na síntese de prostaglandinas à medida que a in-
flamação progride60. A primeira célula a migrar dos vasos para o tecido
A tromboxane A2 é um ativador da agregação pla- para combater um agente agressor durante a respos-
quetária e potente vasoconstrictor; logo, sendo importan- ta inflamatória aguda é o neutrófilo polimorfonuclear.
te na obtenção da hemostasia. Plaquetas possuem ní- Essa célula tem propriedade fagocítica, isto é, internali-
veis elevados da enzima tromboxane sintetase. Trom- za estruturas estranhas, como, por exemplo, bactérias,
boxane A2 tem meia-vida de alguns segundos e sua destruindo-as por meio de um sistema dependente ou
atividade pode ser inibida por anti-inflamatórios não independente do oxigênio. Tais sistemas dependem
esteroidais. da ação do conteúdo dos grânulos do neutrófilo. Na
Tanto a PGI2 (prostaciclina) quanto a PGE2 são verdade, neutrófilos possuem em seu citoplasma três
potentes vasodilatadores, que também potencializam o principais tipos de grânulos12,13:
aumento da permeabilidade vascular. Ambas causam dor
indiretamente por aumentar a permeabilidade vas- • Grânulos primários ou azurófilos. São lisossomas ver-
cular, o que resulta na formação de edema que com- dadeiros contendo proteínas microbicidas (p. ex., de-
prime fibras nervosas. Além disso, elas amplificam os fensinas e azurocidina), proteinases (elastase e ca-
efeitos da bradicinina e da histamina, possivelmente tepsinas), lisozima e mieloperoxidase.
através da diminuição do limiar de excitabilidade de • Grânulos secundários ou específicos. Contêm lisozima,
nociceptores vinculados a fibras nervosas. Nesse as- catelicidina, colagenase e lactoferrina e são menores
pecto, os efeitos de PGI2 são mais pronunciados do que que os azurófilos.
os da PGE2. PGI2 também inibe a agregação plaquetária. • Grânulos terciários ou de gelatinase. Contêm gelatinase.
PGE2 é a principal prostaglandina produzida durante
um processo inflamatório e está associada ao proces- Além dos efeitos benéficos na eliminação de pa-
so de reabsorção óssea. Citocinas, como a IL-1, podem tógenos e partículas estranhas fagocitadas, o conteúdo
estimular a biossíntese de PGs por células envolvidas dos grânulos de neutrófilos pode ter efeitos inflamató-
na reabsorção óssea, como fibroblastos, macrófagos e rios e promover destruição tecidual. Para isso, devem
osteoblastos. Osteoblastos exercem um papel central ser liberados para o meio extracelular. O conteúdo dos
no processo de reabsorção do tecido ósseo. Estímulos grânulos azurófilos é preferencialmente liberado no
que perturbam a homeostasia dos osteoblastos podem vacúolo fagocítico, enquanto os dos demais são geral-
induzir a liberação de colagenase, que destrói o osteoi- mente liberados para o ambiente extracelular72.
de, matriz óssea não calcificada, criando uma condição A elastase é uma importante proteinase de neu-
predisponente para o início da reabsorção. Osteoblas- trófilos polimorfonucleares. Essa enzima promove
tos afetados por PGs liberam citocinas que estimulam a a degradação de elastina, fibrinogênio, cininogênio,
atividade osteoclástica. Além disso, a indução de reab- componentes do complemento e colágeno estrutural.
sorção por PGs parece ser por meio da potencialização Assim, dentre outros efeitos, está envolvida na geração
da ação de mediadores químicos com propriedades de bradicinina e de C5a, um potente agente quimiotáti-
pró-reabsortivas. co subproduto do sistema complemento. Colagenase e
As prostaglandinas podem induzir efeitos sistêmicos, gelatinase são metaloproteinases com ação lítica sobre
como febre e mal-estar. o colágeno, estando envolvidas na destruição tecidual.
A catepsina G é um outro exemplo de proteinase, que
Leucotrienos (LT) parece ter funções similares às da elastase.
Os leucotrienos são formados a partir da ação da Defensinas são peptídeos catiônicos ricos em cis-
enzima 5-lipoxigenase sobre o AA68. Um dos mais im- teína que contribuem para a defesa contra infecções72.
30 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Elas são incorporadas à membrana celular de bactérias Radicais livres derivados do oxigênio
durante a fagocitose, rompendo a sua normalidade
As células fagocíticas ativadas por micro-orga-
e alterando o fluxo de íons, com subsequente lise da
nismos ou outros estímulos na presença do oxigênio
célula bacteriana36. Azurocidina é uma proteína catiô-
experimentam uma explosão respiratória, caracterizada
nica que pode neutralizar lipopolissacarídeos (LPS) e
por um aumento de duas a vinte vezes no consumo de
atuar como opsonina26. Seus efeitos na indução de in-
oxigênio. Grande parte do O2 consumido pelo fagóci-
flamação estão relacionados com o fato de que ela é se-
to é convertida diretamente a ânion superóxido (O2–).
cretada por neutrófilos durante os estágios iniciais da
Por sua vez, o ânion superóxido pode ser convertido
inflamação quando da interação com o endotélio e par-
a peróxido de hidrogênio (H2O2) pela ação da enzima
ticipa na indução de aumento da permeabilidade vas-
superóxido dismutase. Alternativamente, o ânion su-
cular e extravasamento de neutrófilos para o exterior
peróxido pode reagir com o H2O2, na presença de ferro
do vaso26,71. Além disso, também é quimiotática para
ou de outro metal catalista, dando origem a radicais
monócitos e linfócitos71. A catelicidina é outro exemplo
hidroxilas (OH–).
de proteína com atividade tóxica direta contra diversos
Quando liberados para o meio extracelular, os ra-
micro-organismos72.
dicais livres derivados do oxigênio podem causar uma
Outras substâncias microbicidas presentes nos
série de efeitos. A liberação pode ocorrer após exposi-
grânulos de neutrófilos incluem mieloperoxidase, lac-
ção do fagócito a agentes quimiotáticos (C5a e LTB4), a
toferrina e lisozima. A mieloperoxidase é uma enzima
complexos imunes e a desafios fagocíticos, isto é, partí-
que está envolvida em um sistema antibacteriano de-
culas muito grandes ou aderidas a superfícies.
pendente de oxigênio. A lactoferrina é uma proteína
Os radicais oxigenados podem causar danos a célu-
que possui ação antibacteriana por quelar íons de ferro,
las endoteliais, promovendo aumento da permeabilidade
tornando-os indisponíveis para o metabolismo bacte-
vascular. Eles também são citotóxicos para várias outras
riano. A lisozima é uma enzima bactericida por agir cli-
células do hospedeiro, como eritrócitos, fibroblastos e
vando a ligação glicosídica entre o ácido N-acetilmurâ-
leucócitos. A citotoxicidade parece estar relacionada
mico e a N-acetil-glicosamina, açúcares componentes
com efeitos diretos sobre fosfolipídios da membrana
do peptidoglicano da parede celular bacteriana.
citoplasmática, proteínas e DNA28,33. Os radicais livres
induzem peroxidação lipídica por reagirem com ácidos
Metaloproteinases de matriz (MMPs) graxos insaturados dos fosfolipídios da membrana, ge-
rando peróxidos que iniciam uma reação autocatalítica,
Usualmente, a degradação da matriz extracelular
resultando na perda de ácidos graxos insaturados, com
do tecido conjuntivo induzida por micro-organismos é
consequente dano extenso à membrana citoplasmática.
mediada por fatores do hospedeiro. Patógenos podem
A oxidação de proteínas celulares, principalmente de
causar a destruição tecidual isoladamente e de forma
enzimas contendo grupamentos sulfidrila, pode torná-
direta pela liberação de enzimas proteolíticas, sem a
las inativas. Por fim, radicais podem interagir com o
participação de células do hospedeiro. Todavia, isso é
DNA, causando danos irreversíveis à molécula.
uma exceção.
As metaloproteinases de matriz (MMPs) são enzi-
mas que estão envolvidas no processo de remodelação
Fator ativador de plaquetas (PAF)
tecidual, clivando componentes da matriz extracelular O PAF não é armazenado no interior celular, mas
do conjuntivo. Todavia, elas são as principais respon- pode ser rapidamente produzido após estímulo apro-
sáveis pelo dano ao tecido conjuntivo durante uma priado. Esses estímulos podem ser representados por
agressão microbiana. A atividade catalítica dessas en- complexos imunes, peptídeos quimiotáticos, trombi-
zimas reside em um domínio ativo que possui um sítio na, colágeno, ou por outros mediadores químicos. As
ligante de zinco (Zn+2), dependendo da presença desse principais células envolvidas na produção do PAF são
metal para serem ativas, daí o termo metaloproteinase. mastócitos, basófilos, neutrófilos, monócitos, células
Como exemplos, temos algumas MMPs que podem endoteliais, plaquetas e eosinófilos. O precursor do
ter ação de colagenase (MMP-1 e MMP-8) ou de gela- PAF encontra-se em altas concentrações nas membra-
tinases (MMP-2), as quais degradam diversos tipos de nas citoplasmáticas dessas células.
colágeno118. As MMPs são sintetizadas por células do O PAF pode promover vasodilatação e aumento
próprio tecido conjuntivo, macrófagos, osteoblastos, da permeabilidade vascular, como também pode es-
osteoclastos e células endoteliais. timular a adesão de neutrófilos ao endotélio, além de
Patologias Pulpar e Perirradicular 31

ser quimiotático para leucócitos. A sua ação sobre pla- uma vez liberado para o meio externo, exerce vários
quetas consiste na indução da agregação, favorecendo efeitos biológicos. CGRP é um potente vasodilatador
a obtenção da hemostasia após lesão vascular. arteriolar e normalmente está presente em fibras peri-
vasculares. Ele também pode exercer algum efeito so-
Neuropeptídeos (NPs) bre a permeabilidade vascular. Por isso, CGRP é um
importante mediador da inflamação neurogênica120.
O sistema nervoso periférico é dividido em sis-
Esse peptídeo também pode estar envolvido no proces-
tema nervoso somato-sensorial e sistema nervoso au- so de reparação tecidual, estimulando a proliferação de
tônomo. Esse último, por sua vez, é subdividido em fibroblastos.
sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassim- Neuropeptídeos também podem ser produzidos e
pático. As fibras nervosas relacionadas com esses siste- liberados por fibras dos sistemas simpático e parassim-
mas são capazes de, quando estimuladas, liberar NPs, pático. Uma catecolamina, noradrenalina (NA), é o neu-
substâncias dotadas de vários efeitos biológicos, dentre rotransmissor nos nervos simpáticos, sendo sintetizada
eles, a indução de eventos que culminam em inflamação pela ação da enzima dopamina beta-hidroxilase (DBH).
neurogênica10, a qual é definida como a inflamação cau- Um peptídeo isolado dessas fibras, o neuropeptídeo Y
sada pela ativação de neurônios periféricos. (NPY), induz vasoconstricção. O polipeptídeo vasoin-
NPs são sintetizados no corpo celular do neurô- testinal (VIP) é um neuropeptídeo sintetizado por fibras
nio, localizado em um gânglio nervoso, sendo condu- colinérgicas, sendo capaz de induzir vasodilatação e de
zidos para a periferia através do fluxo axonal e então promover alterações bioquímicas e morfológicas em os-
estocados no citoplasma, até a liberação no terminal teoblastos conduzindo à reabsorção óssea78.
nervoso induzida por um estímulo, como, por exem-
plo, agressão tecidual. Óxido nítrico (NO)
Alguns NPs são sintetizados e liberados por fibras
nervosas do sistema nervoso somato-sensorial, prova- O NO é produzido por células endoteliais, macró-
velmente por fibras amielínicas do tipo C, visto que o fagos e alguns neurônios específicos no cérebro através
estímulo necessário para induzir a liberação é de maior da atividade da enzima NO sintase. O NO produzido
intensidade que o necessário para ativar fibras mielí- por macrófagos, após a indução da NO sintase por ci-
nicas do tipo A-δ. Os principais NPs de fibras senso- tocinas, pode ser usado para destruir células infecta-
riais são substância P (SP) e peptídeo relacionado com das e células tumorais. NO apresenta citotoxicidade
o gene da calcitonina (CGRP). por ser altamente reativo e ligar-se ao ferro de grupos
SP é um peptídeo formado por 11 aminoácidos e prostéticos de certas enzimas envolvidas na respiração,
inativando-as e levando à morte celular89.
pode coexistir com outros neuropeptídeos, como NKA
NO não é apenas citotóxico, mas pode também
(neurocinina A) e CGRP, na mesma fibra nervosa afe-
atuar como mensageiro intercelular. Células endote-
rente. Quando liberada para o meio extracelular, ela
liais produzem e liberam NO após estimulação por ci-
exerce uma série de efeitos biológicos, tais como vaso-
tocinas ou acetilcolina. O NO liberado difunde-se para
dilatação e aumento de permeabilidade vascular, com
o músculo liso adjacente, induzindo seu relaxamento e
extravasamento de plasma e consequente formação de
consequente vasodilatação.
edema101. SP também induz a liberação de mediadores
por mastócitos, pode ser quimiotática para monócitos,
induz a liberação de enzimas lisossomais por neutró- Citocinas
filos polimorfonucleares e pode favorecer o reparo te- Citocinas são polipeptídeos produzidos por uma
cidual por estimular a proliferação de fibroblastos. A variedade de células do hospedeiro, responsáveis pela
maioria das fibras contendo SP está relacionada com modulação da função de diferentes tipos celulares. Os
vasos sanguíneos. Entretanto, algumas fibras também fatores estimuladores de colônias (CSFs) estimulam o cres-
podem estar presentes em locais onde existem poucos cimento de leucócitos a partir de precursores na me-
vasos, como na camada odontoblástica da polpa den- dula óssea. As interleucinas atuam primariamente so-
tal. Essas fibras também podem penetrar na pré-den- bre leucócitos. As quimiocinas estimulam e direcionam
tina e dentina161,162. Nessas regiões, SP pode participar a quimiotaxia de leucócitos. Os fatores de crescimento
dos mecanismos de transmissão da dor. estão envolvidos na indução da proliferação de dife-
CGRP é primariamente produzido por fibras ner- rentes tipos celulares. Citocinas não são estocadas em
vosas aferentes do sistema nervoso somato-sensorial e, grânulos ou outras estruturas citoplasmáticas, sendo
32 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

sua síntese induzida por algum estímulo e iniciada por efeitos na reabsorção dependentes e independentes de
uma nova transcrição do gene responsável. PGs. Os efeitos a longo prazo de IL-1 na reabsorção
Citocinas podem exercer a sua função sobre dife- óssea são inibidos por indometacina, um inibidor da
rentes tipos celulares, propriedade essa denominada de síntese de PGs.
pleiotropismo. Além disso, elas podem ter vários efei-
tos diferentes sobre o mesmo tipo celular, e alguns até Interleucina 6 (IL-6)
ocorrendo simultaneamente. Esses efeitos dependem da
IL-6 é uma citocina de cerca de 26 kDa sintetizada
interação de citocinas com receptores de superfície na
por macrófagos, células endoteliais, fibroblastos, osteo-
célula-alvo. Se a citocina age sobre a própria célula que a
blastos e outras células. Ela pode ser indutora da dife-
secretou, temos uma ação autócrina. Se as células afetadas
renciação terminal de células B em plasmócitos, células
estão próximas ou distantes daquela que secretou citoci-
produtoras de anticorpos, e está também envolvida na
nas, as ações são parácrina e endócrina, respectivamente.
reabsorção óssea. Ela é sintetizada por osteoblastos em
Citocinas possuem várias funções, dentre elas:
resposta a outros agentes envolvidos na reabsorção,
como PTH, PG e IL-1. IL-6 pode estimular a formação
• mediadores da inflamação;
de osteoclastos a partir de precursores hematopoiéticos.
• reguladores da ativação, crescimento e diferencia-
ção de linfócitos;
• mediadores da resposta imunológica adaptativa; Quimiocinas
• indução da formação e da reabsorção óssea. Quimiocinas foram descritas previamente neste
capítulo na seção Quimiotaxia.
As principais citocinas envolvidas no processo in-
flamatório são:
Fator de necrose tumoral (TNF)
Existem duas formas de TNF: alfa e beta. TNF-α é
Interleucina 1 (IL-1)
produzido por monócitos e macrófagos, principalmen-
Existem basicamente duas formas de IL-1: alfa e te quando ativados. TNF-β também é conhecido como
beta. Macrófagos ativados são os principais produtores linfotoxina e é produzido por linfócitos T.
de IL-1. Células endoteliais e algumas epiteliais tam- Os principais efeitos inflamatórios do TNF são:
bém podem produzir essa citocina.
Os principais efeitos inflamatórios da IL-1 sobre • estimulação da expressão de moléculas de adesão
células e tecidos são: por células endoteliais, tornando-as próprias para a
adesão por neutrófilos polimorfonucleares e subse-
• ativação de macrófagos; quentemente por monócitos e linfócitos;
• estimulação para a síntese de PGs por macrófagos e • ativação da capacidade citocida de neutrófilos e mo-
fibroblastos; nócitos;
• ativação de células endoteliais; • estimulação da produção de IL-1, IL-6 e outras cito-
• indução de febre por estimular células hipotalâmi-
cinas;
cas a sintetizar PGs;
• ação sobre células do hipotálamo, estimulando a
• estimulação da reabsorção óssea.
síntese de PGs e, assim, induzindo febre;
• estimulação da reabsorção óssea, mas em propor-
A IL-1β é talvez a mais importante citocina en-
ções bem menores que IL-1.
volvida na reabsorção óssea25, sendo responsável por
cerca de 60% da atividade total de reabsorção. IL-1β é
15 vezes mais potente que IL-1α e mil vezes mais que
Fatores estimuladores de colônias (CSFs)
TNF em induzir reabsorção. Ela é encontrada em ní- Os CSFs formam uma classe de fatores de cresci-
veis elevados associada aos processos de perda óssea mento responsáveis pelo crescimento e diferenciação
das patologias periodontais e perirradiculares. IL-1 de células hematopoiéticas. Os principais envolvidos
pode estimular a diferenciação dos precursores hema- na resposta inflamatória são:
topoiéticos dos osteoclastos em osteoclastos maduros.
Isto pode ocorrer indiretamente pela ação de IL-1 sobre Fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF)
osteoblastos, fazendo com que esses liberem mediado- É um polipeptídeo de cerca de 40 a 70 kDa, produ-
res solúveis, responsáveis pela diferenciação. IL-1 tem zido por macrófagos, células endoteliais, osteoblastos e
Patologias Pulpar e Perirradicular 33

fibroblastos. Seu efeito principal é a estimulação das cé- quimiotaxia para células inflamatórias. A bradicinina
lulas precursoras destinadas a se desenvolver em macró- também pode induzir dor por ação direta sobre as fi-
fagos. Por não ser detectado na circulação, parece que o bras nervosas.
M-CSF apenas possui ação no local onde é produzido.
Sistemas de coagulação e fibrinolítico
Fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF)
Existem dois mecanismos básicos, ativados em
O G-CSF é um polipeptídeo de aproximadamente
cascata, que estão envolvidos na coagulação sanguínea.
19 kDa, produzido por macrófagos, fibroblastos e célu-
O fator XII (Hageman) contata a membrana basal vas-
las endoteliais. Ele estimula a formação de granulócitos
cular ou plaquetas ativadas em locais de injúria vascu-
na medula óssea. Devido ao fato de ter ação a distância,
lar e sofre uma alteração conformacional, tornando-se
o G-CSF produzido em uma resposta inflamatória na
ativado (transforma-se então em fator XIIa). Isso ocorre
periferia pode estimular uma maior produção de neu-
pela exposição de um centro ativo da molécula, fazen-
trófilos pela medula óssea e, assim, aumentar o supri- do com que ela passe a apresentar a capacidade de cli-
mento de células de defesa. var proteínas e ativar uma variedade de mediadores.
O fator XIIa desencadeia a via intrínseca de coagulação
Fator estimulador de colônias de granulócitos e enquanto o fator VII, em conjunto com a tromboplas-
macrófagos (GM-CSF) tina, leva à ativação da via extrínseca. A primeira é in-
O GM-CSF é uma glicoproteína de 22 kDa sinte- trínseca porque todos os fatores envolvidos nessa via
tizada por células T, macrófagos, células endoteliais, estão presentes na microcirculação. A segunda é ex-
osteoblastos e fibroblastos. Ele estimula o desenvol- trínseca, pois o fator necessário para a ativação da via,
vimento de células precursoras da medula óssea em isto é, a tromboplastina, é liberado pelo tecido agredi-
granulócitos e macrófagos. Assim como o M-CSF, ele do. A tromboplastina tecidual é um complexo formado
não tem ação a distância. Quando produzido fora da por fosfolipídios da membrana e lipoproteínas.
medula óssea, pode atuar na ativação de macrófagos, Ambas as vias conduzem a um efeito em cascata,
mas com potência menor que interferon-γ (IFN-γ). convergindo para a conversão do fibrinogênio à fibrina
pela ação da trombina.
Sistema das cininas Dois componentes específicos do sistema de co-
agulação funcionam como elos entre a inflamação e a
A bradicinina é a molécula de maior atividade
coagulação sanguínea:
biológica do sistema das cininas. Ela é um peptídeo
composto por nove resíduos de aminoácidos. A sua
• Trombina, que cliva o fibrinogênio em fibrina. Du-
síntese depende da ativação do fator de Hageman, o fa-
rante a conversão, fibrinopeptídeos são gerados, os
tor XII da cascata de coagulação. Essa ativação se dá
quais induzem aumento de permeabilidade vascu-
após o contato desse fator com superfícies carregadas
lar e quimiotaxia para leucócitos.
negativamente, como a membrana basal vascular. En-
• Fator Xa. Ambas as vias de coagulação convergem
dotoxinas (ou lipopolissacarídeos), liberadas por bac-
para um ponto onde o fator X é convertido a fator Xa
térias gram-negativas, heparina e sulfato de dextrana
(ativado). Esse fator passa a apresentar atividade de
também podem ativar o fator de Hageman.
proteinase que, após ligação a seus receptores, causa
Durante a ativacão, o fator de Hageman é clivado
aumento de permeabilidade vascular.
em duas partes, unidas por uma ligação dissulfeto. A
parte maior possui o domínio responsável pela adesão
No sistema fibrinolítico, o plasminogênio, uma pro-
a superfícies, enquanto no fragmento menor está o sítio
teína plasmática, pode ser ativado pelo fator de Hage-
com atividade enzimática, que converte a pré-calicreí-
man, gerando uma protease multifuncional – a plasmi-
na plasmática em uma outra enzima ativa, a calicreína.
na. A plasmina lisa coágulos de fibrina, formando pro-
Essa cliva o cininogênio, uma glicoproteína plasmática,
dutos de degradação que aumentam a permeabilidade
em bradicinina. Por sua vez, a enzima calicreína pode
vascular e são quimiotáticos para neutrófilos.
ativar o fator de Hageman, amplificando o sistema.
A bradicinina tem ação potente sobre a permea-
Sistema complemento
bilidade vascular, causando um aumento da filtração
de fluido com duração média de 10 minutos. Ela tam- O sistema complemento é composto por várias
bém promove a vasodilatação arteriolar e pode causar proteínas plasmáticas que são ativadas por micro-
34 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

organismos e levam à destruição dos mesmos e à infla- • A via da lectina é ativada na ausência de anticorpos
mação. Os principais efeitos biológicos decorrentes da pela ligação de polissacarídeos microbianos a lecti-
ativação do sistema complemento são: nas circulantes, como a lectina fixadora de manose
(MBL) ou a lectinas conhecidas como ficolinas que
• Citólise de micro-organismos pela formação de um reconhecem N-acetilglucosamina e o ácido lipotei-
complexo de ataque à membrana citoplasmática cóico da parede celular de bactérias gram-positivas1.
(C5b-9). Quando determinados componentes do Essas lectinas são membros da família das colectinas.
complemento se polimerizam sobre a membrana de Assim, nessa via de ativação, MBL se liga a resíduos
um micro-organismo, ela tem sua integridade des- de manose presentes em polissacarídeos bacterianos
truída com consequente lise osmótica celular. e também às proteases serinas MASP-1 e MASP-2.
• Opsonização, onde alguns componentes do comple- Essa última então cliva C4 e C2, e os eventos subse-
mento se ligam à superfície de micro-organismos e quentes são idênticos aos que ocorrem na via clássi-
partículas estranhas, o que favorece a sua fagocitose ca. Esses resíduos se encontram expostos em muitos
por células fagocíticas. Essas, por sua vez, precisam micro-organismos, mas são cobertos e mascarados
expressar receptores de superfície que reconheçam por outros carboidratos em células do hospedeiro.
o componente do complemento que está agindo
como opsonina. C3b é uma opsonina que se liga à
superfície microbiana ou à porção Fab da molécula
 FAGOCITOSE
de imunoglobulina. Um dos principais mecanismos de defesa do hos-
• Ação de anafilatoxina, que ativa mastócitos e basófilos, pedeiro contra micro-organismos dá-se por meio da
promovendo a liberação de histamina, leucotrienos fagocitose realizada por determinadas células. Muitos
e prostaglandinas. C3a, C4a e C5a são anafilatoxinas tipos celulares são capazes de ingerir partículas estra-
que possuem uma arginina terminal, exposta apenas nhas, mas nem todos são capazes de destruir micro-
após a ação enzimática sobre C3, C4 e C5, respecti- organismos. As células capazes de realizar tal função
vamente, que é responsável pela ligação a recepto- são denominadas de fagócitos profissionais e compre-
res e consequente ativação de mastócitos e basófilos. endem os macrófagos e neutrófilos. Esses últimos são
Esses componentes do sistema complemento indu- capazes de fagocitar cinco a vinte bactérias antes de
zem aumento de permeabilidade vascular. morrer, enquanto os macrófagos, quando ativados, po-
• Quimiotaxia para leucócitos, atraindo-os para o local dem fagocitar até cem bactérias (Fig. 2-11).
de agressão. C5a é quimiotática para neutrófilos, que Os neutrófilos são as primeiras células a deixar
possuem receptores de superfície para esse compo- os vasos sanguíneos e alcançar o tecido agredido (Fig.
nente do sistema complemento. Além disso, pode 2-12). Posteriormente, monócitos deixam a corrente
estimular a produção de radicais livres derivados sanguínea e, ao adentrarem os tecidos, diferenciam-se
do oxigênio por neutrófilos. em macrófagos. Macrófagos também estão envolvidos
na indução da resposta imunológica adaptativa por
A ativação do sistema complemento ocorre em
cascata, podendo ocorrer por três vias:

• Quando ativado pela via clássica, o complemento se


torna um dos principais mecanismos efetores da res-
posta imunológica específica. Nessa via, a ativação é
iniciada por complexos antígeno-anticorpos (Ag-Ab).
• Quando ativado pela via alternativa, o complemento
participa de forma eficaz na defesa inata não indu-
zida e na resposta inflamatória aguda, não neces-
sitando de anticorpos para a ativação da cascata, a
qual se dá pela ligação de certos componentes do
sistema sobre a superfície de micro-organismos. Os
termos clássica e alternativa se referem à ordem que
essas vias foram descobertas e não à importância Figura 2-11. Macrófagos em região inflamada. Essas células têm
de cada uma. alta capacidade de fagocitose.
Patologias Pulpar e Perirradicular 35

cítico. Como já aclarado, os grânulos contêm vários ele-


mentos microbicidas, como mieloperoxidase, defensinas,
azurocidina, catelicidina, lactoferrina, lisozima e outros.
Após a internalização, a célula bacteriana pode
então ser destruída pelos seguintes mecanismos:

1 – Pela ação do conteúdo microbicida dos


grânulos
Os efeitos antimicrobianos do conteúdo dos grâ-
nulos já foram discutidos (ver enzimas lisossomais).

2 – Por radicais livres derivados do oxigênio


Quando uma célula fagocítica interage com uma
bactéria, ocorre um aumento considerável do consumo
Figura 2-12. Neutrófilos fagocitando bactérias. Essa eletromicro-
de O2, conhecido como explosão respiratória. O siste-
grafia foi obtida do interior da loja de um cisto perirradicular.
ma gerador primário de radicais oxigenados livres é
o sistema de fagócito oxidase, uma enzima ativada na
também estarem envolvidos na apresentação de antí- membrana do fagolisossoma, cuja função é reduzir o
genos para a produção de anticorpos e citocinas e para oxigênio molecular ao ânion superóxido pela doação
a ativação de células T citotóxicas. de mais um elétron à última camada orbital do O2, com
Após a migração para os tecidos, os fagócitos de- a forma reduzida da nicotinamida adenina dinucleo-
vem primeiro reconhecer a estrutura a ser fagocitada. tídeo fosfato (NADPH) atuando como cofator. Como
Nesse fato reside a importância da opsonização. Por a fagócito oxidase está na membrana, a formação de
meio do reconhecimento de alguns componentes da ânion superóxido ocorre dentro do vacúolo fagocítico.
superfície bacteriana, micro-organismos cobertos por A enzima superóxido dismutase, também pre-
opsoninas, como C3b, IgG, pentraxinas (como a proteí- sente na membrana, transforma o ânion superóxido
na C-reativa), MBL ou ficolinas são prontamente fago- em peróxido de hidrogênio. Alternativamente, o ânion
citados, pois as células fagocíticas possuem receptores superóxido pode reagir com o peróxido de hidrogênio,
de superfície para essas moléculas ligantes. na presença de ferro, gerando radicais hidroxila (OH–).
Após a ligação de receptores às opsoninas, os bor- Radicais OH–, ânion superóxido e peróxido de hidro-
dos da membrana do fagócito invaginam, permitindo gênio são extremamente tóxicos para bactérias, por se-
o englobamento do micro-organismo. Assim, um nú- rem instáveis e capazes de reagir e alterar moléculas
mero maior de opsoninas irá contatar os receptores de como o DNA, proteínas e lipídios.
superfície. Há então a formação de um vacúolo, deno- A interação entre peróxido de hidrogênio e a enzi-
minado de fagossoma. ma mieloperoxidase, presente em grânulos azurófilos,
O pH cai rapidamente dentro do fagossoma. Isso gera produtos oxidantes de ação microbicida (ácido hi-
ocorre por uma característica natural da célula, onde o pocloroso), desde que na presença de cloro.
pH cai à medida que se aproxima do núcleo ou devido O fagócito é protegido dos efeitos deletérios des-
à glicólise anaeróbica realizada pela célula fagocítica ses radicais oxigenados pela ação das enzimas superó-
em ambiente inflamatório com baixa tensão de oxigê- xido dismutase e peroxidases, presentes na membrana
nio, gerando acúmulo de ácido lático. Essa capacidade celular que envolve o fagossoma.
de os fagócitos utilizarem uma via alternativa para o
metabolismo da glicose é de suma importância para 3 – Pelo óxido nítrico
eles, visto que a fagocitose ocorre muitas vezes em O óxido nítrico, produzido através da ação da en-
condições de hipoxia tecidual. Contudo, essa queda do zima óxido nítrico sintase sobre o aminoácido argini-
pH, muitas vezes, não é de magnitude suficiente para na, pode também participar do processo de destruição
causar a morte de bactérias. bacteriana intracelular por fagócitos. O óxido nítrico
A fusão de grânulos citoplasmáticos ao fagossoma é um radical extremamente reativo que pode ligar-se
leva à formação de um fagolisossoma, onde o conteúdo e desativar enzimas envolvidas na cadeia respiratória
dessas organelas é descarregado dentro do vacúolo fago- bacteriana.
36 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Ativação de macrófagos Além de a síntese de citocinas por macrófagos ser


aumentada após ativação, essas células ativadas tam-
Macrófagos comuns podem ser incapazes de lidar
bém apresentam maior capacidade de destruir micro-
com micro-organismos ou substâncias que sejam resis-
organismos fagocitados e de apresentar antígenos para
tentes à destruição. Dessa forma, essas células podem
linfócitos118.
tornar-se ativadas, para melhor efetuar suas funções19.
A ativação consiste em alterações quantitativas
na expressão de determinados produtos de genes  INFLAMAÇÃO CRÔNICA
(proteínas), que permitem à célula executar funções
A inflamação crônica pode suceder um episódio
adicionais. Os agentes que promovem aumento da
de inflamação aguda, desde que o agente agressor não
transcrição genética e consequentemente ativação de
tenha sido eliminado. Em determinadas circunstâncias,
macrófagos são citocinas (IFN-γ, TNF, GM-CSF), LPS
a resposta inflamatória crônica pode ser iniciada sem
de bactérias gram-negativas e moléculas de matriz ex-
a ocorrência prévia de uma resposta aguda, como sói
tracelular.
acontecer na presença de agentes agressores de baixa
O LPS ou endotoxina representa um dos ativado-
toxicidade.
res mais potentes de macrófagos. Uma vez liberado da
A maioria dos processos inflamatórios crônicos
membrana externa de bactérias gram-negativas, o LPS
está associada a infecções persistentes, visando à eli-
interage com LBP, ou proteína fixadora de LPS, presen-
minação dos agentes agressores. A presença de células
te no sangue, formando um complexo. Esse complexo
relacionadas com a resposta imunológica adaptativa
liga-se então a um receptor de superfície do macrófago,
nesses processos crônicos indica que esta está envolvi-
CD14112. A ativação subsequente do macrófago é resul-
da na eliminacão de antígenos, exercendo um papel de
tado de um sinal gerado por outro receptor de super-
extrema importância na inflamação crônica.
fície do fagócito – o receptor tipo Toll (TLR) (Fig. 2-13).
Apesar de envolver células imunocompetentes,
A família de receptors tipo Toll compreende moléculas
voltadas para a eliminação de antígenos, a inflama-
transmembrana que ligam o compartimento externo,
ção crônica também apresenta caráter destrutivo. Por
onde contato e reconhecimento de micro-organismos
exemplo, o macrófago ativado é a célula que desempe-
ocorrem, com o compartimento celular interno, onde
nha um papel de extrema relevância na inflamação crô-
cascatas de sinalização são ativadas e induzem a res-
nica. Além de participar no combate ao agente agres-
posta da célula ao ambiente externo. TLR-4 está envol-
sor, essa célula pode liberar substâncias com potencial
vido na ativação de macrófagos por LPS da maioria
destrutivo aos tecidos envolvidos, como, por exemplo,
das bactérias gram-negativas, embora TLR-2 seja res-
enzimas, radicais oxigenados e citocinas. Esses elemen-
ponsável pela sinalização do LPS de algumas espécies,
tos podem induzir direta ou indiretamente a destrui-
como Porphyromonas gingivalis62. A resposta da célula
ção do parênquima tecidual. Se o tecido ósseo for en-
normalmente é representada pela ativação de genes
volvido no processo, citocinas como IL-1 e TNF podem
que codificam várias citocinas117.
ativar osteoclastos, estimulando a reabsorção óssea20.
Se, por outro lado, houver a ativação de osteoblastos,
haverá produção anormal de osso, característico da os-
teíte condensante.
Concomitantemente ao processo de destruição
tecidual, ocorre a estimulação de fibroblastos, que pas-
sam a produzir colágeno, caracterizando um processo
de reparo, o que resulta na formação de fibrose que,
dependendo da quantidade formada, pode acarretar
sérias sequelas aos tecidos, como a perda de função. As-
sim, em uma resposta inflamatória crônica, períodos de
destruição tecidual alternam com períodos de reparo.
Enquanto o agente etiológico não for eliminado, a cura
não ocorre totalmente. Por isso, a inflamação crônica é
muitas vezes referida como “reparo frustrado”.
Figura 2-13. Plasmócitos produzem e secretam anticorpos. Notar
o extenso retículo endoplasmático, típico de células com alta ativi- Observa-se também em áreas de inflamação crô-
dade de síntese proteica. nica a proliferação de fibras nervosas por surgimento
Patologias Pulpar e Perirradicular 37

de brotamentos axonais e angiogênese com a presença  RESPOSTA IMUNOLÓGICA ADAPTATIVA


de inúmeros vasos neoformados. Essas características
A resposta imunológica é o mecanismo de defesa
também são típicas de uma tentativa de reparação.
do hospedeiro induzido ou estimulado por substâncias
As alterações teciduais associadas à inflamação
estranhas, que apresenta alta especificidade para macro-
crônica podem ser reversíveis ou irreversíveis. Se as
moléculas distintas, possuindo a capacidade de aumentar
células do órgão afetado pela inflamação crônica são
a atividade de defesa após sucessivas exposições a essas
destruídas, a capacidade de regeneração do órgão após
macromoléculas. Se os mecanismos de defesa inata, como
a eliminação do agente agressor dependerá da capaci-
a resposta inflamatória aguda, não conseguem eliminar o
dade regenerativa dessas células. Evidentemente, isso
agente agressor, entra em cena um mecanismo de defesa
vai depender também da quantidade de tecido cicatri-
mais sofisticado: a resposta imunológica adaptativa.
cial formado.
A resposta imunológica adaptativa é dividida em
dois tipos básicos:
Causas da inflamação crônica
A persistência de um agente agressor que difi- • imunidade humoral, mediada por anticorpos, molécu-
culta a sua eliminação do organismo é a principal cau- las responsáveis pelo reconhecimento específico de
sa de uma inflamação crônica. Os agentes agressores partículas estranhas;
podem ser: • imunidade celular, mediada por linfócitos T.

• Micro-organismos. Quando a defesa inata não é su- Os indivíduos expostos a uma molécula estranha
ficiente para eliminar uma infecção, entra em cena são ditos sensibilizados.
uma resposta inflamatória crônica, em que a respos- Uma vez que a resposta imunológica adaptativa,
ta imunológica adaptativa exerce um papel de des- de caráter específico, é o principal componente de uma
taque na eliminação focal do agente agressor. inflamação crônica voltado para o combate a um agen-
• Produtos e componentes estruturais bacterianos. Em te agressor persistente, cumpre aqui discutir alguns as-
determinadas circunstâncias, fatores de origem bac- pectos básicos relacionados com essa resposta.
teriana podem causar agressão tecidual, mesmo na
ausência de bactérias viáveis no local afetado. Esses
fatores incluem toxinas, enzimas e componentes da Características
parede celular. Um exemplo disso é a inflamação Especificidade
da polpa dental em um dente acometido por cárie, O sistema imune possui especificidade para com-
onde a exposição pulpar ainda não ocorreu. A difu- ponentes estruturais específicos de antígenos distintos.
são de produtos bacterianos oriundos do processo As porções antigênicas reconhecidas são denominadas
carioso pelos túbulos dentinários evoca uma infla- de epítopos ou determinantes antigênicos.
mação pulpar.
• Corpos estranhos. Compostos de origem vegetal con-
tendo celulose (papel, algodão e alimentos), talco,
Diversidade
objetos metálicos e material de sutura são exemplos O repertório de linfócitos é extremamente amplo –
de elementos de difícil degradação por parte do cerca de 1 bilhão de determinantes antigênicos diferentes
organismo, evocando uma reação de corpo estranho, podem ser discriminados. Cada clone de linfócitos é capaz
caracterizada pelo acúmulo de macrófagos e a for- de responder a um determinante antigênico distinto. Esse
mação de células gigantes multinucleadas. é o conceito básico da teoria de seleção clonal. O desenvol-
• Produtos metabólicos. Produtos do metabolismo ce- vimento desses clones ocorre antes e independentemente
lular podem ser a causa de inflamação crônica. Por da exposição ao antígeno. Quando um antígeno invade o
exemplo, a deposição de cristais de colesterol nos hospedeiro, induz a proliferação do clone específico para
tecidos pode induzir reação de corpo estranho. seu determinante antigênico. Como o clone responsável
pela resposta corresponde a uma fração mínima do nú-
As principais células envolvidas na inflamação mero total de linfócitos de um indivíduo, a contagem de
crônica são: macrófagos, linfócitos, plasmócitos, fibro- linfócitos no sangue não se altera significativamente du-
blastos, mastócitos, células epiteliais, fibras nervosas e rante uma resposta imune. Assim, com base nessa teoria,
elementos vasculares. Nota-se então que há uma coe- infere-se que duas moléculas antigênicas diferentes não
xistência entre elementos de defesa e de reparação. podem ser reconhecidas pelo mesmo linfócito.
38 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Memória
A exposição do sistema imune a um determina-
do antígeno aumenta a sua capacidade de responder
em encontros subsequentes. No segundo encontro de-
senvolve-se a resposta imunológica secundária, que é
muito mais rápida, mais eficaz e de maior intensidade
que a resposta primária.

Discriminação entre o próprio e o estranho


Linfócitos são treinados para reconhecer e res-
ponder a antígenos estranhos. Em condições normais,
essas células não respondem a substâncias com poten-
cial antigênico presentes no indivíduo. Essa ausência
de resposta para antígenos próprios é denominada de
autotolerância.
Figura 2-14. Plasmócitos, células que secretam anticorpos, são ori-
ginadas da ativação de linfócitos B. A ação de diferentes citocinas
Fases dita a classe de anticorpo a ser produzida (setas).
Reconhecimento
É a fase onde ocorre a ligação entre a molécula de
antígeno e os receptores de superfície dos linfócitos. tos B em resposta ao antígeno. Cumpre ressaltar que
Nos linfócitos B, esses receptores são anticorpos expres- apenas os linfócitos B são dotados da capacidade de
sos na superfície celular, que reconhecem antígenos de sintetizar imunoglobulinas.
natureza proteica, polissacarídica ou lipídica na forma Uma vez estimuladas por antígenos, as células B
solúvel. Os linfócitos T possuem receptores que apenas maduras passam a ser denominadas de linfócitos B ati-
reconhecem pequenas sequências peptídicas em antíge- vados, que proliferam e se diferenciam em plasmócitos
nos proteicos, apresentados a eles em conjunto com mo- (Fig. 2-13), produzindo uma proporção maior de anti-
léculas do complexo principal de histocompatibilidade corpos, agora secretados para o meio extracelular. Os
(MHC)1. plasmócitos podem produzir anticorpos de diferentes
isotipos (classes) como IgM, IgG, IgA e IgE (Fig. 2-14).
Ativação IgD, um receptor acoplado à superfície de linfócitos B,
Após o contato do antígeno com um clone especí- perde-se durante a diferenciação em plasmócitos ou
fico de linfócitos, ocorre a proliferação desses linfócitos células de memória. Os membros de cada clone de lin-
com consequente expansão do clone, o que garante a am- fócitos B apresentarão sempre, pelas suas vidas, a mes-
plificação da resposta de defesa. Em sequência, os linfóci- ma especificidade antigênica. Contudo, a afinidade do
tos diferenciam-se em células efetoras, responsáveis pela anticorpo pelo antígeno geralmente aumenta depois
eliminação do antígeno. Linfócitos B diferenciam-se em da estimulação antigênica, sendo maior em uma res-
plasmócitos, células produtoras de anticorpos, enquanto posta secundária.
os linfócitos T se diferenciam em células que ativam fa-
gócitos ou em células que lisam diretamente outras célu-
las do hospedeiro infectadas por microrganismos. Ativação dos linfócitos B
A resposta humoral se inicia após a ligação de um
Efetuação antígeno ao complexo receptor de antígenos do linfóci-
to B maduro (BCR ou B cell receptor), o qual é composto
É a fase onde os linfócitos ativados realizam suas
por imunoglobulinas M ou D presentes na membra-
funções visando à eliminação dos antígenos.
na celular (que reconhecem o antígeno) em conjunto
com cadeias Igα e Igb (que geram sinais intracelulares
Resposta imune humoral para ativação do linfócito B). Essa ligação inicia uma
A resposta imune humoral é mediada principal- série de eventos que promove a proliferação do clone
mente pelas imunoglobulinas sintetizadas por linfóci- e diferenciação, resultando em plasmócitos ou células
Patologias Pulpar e Perirradicular 39

A resposta primária resulta da ativação de clones não


estimulados de linfócitos B, enquanto a secundária
envolve clones já expandidos, compostos por células
de memória. Na resposta primária, IgM predomina,
pois as células de repouso expressam apenas IgM e
IgD em sua superfície. IgD é raramente secretada.
Na resposta secundária, os outros isotipos são mais
encontrados, devido ao switch de classes. O princípio
de muitas vacinas está relacionado com a indução de
uma resposta secundária, mais rápida e mais eficaz
que a primária.
Os antígenos introduzidos em um indivíduo in-
teragem com os linfócitos B específicos nos tecidos lin-
fóides periféricos, como baço (antígenos no sangue) e
linfonodos (antigenos coletados pela linfa), locais de
maior circulação de linfócitos, nos quais há uma maior
probabilidade de haver o encontro entre o antígeno e o
linfócito específico para ele. Entretanto, essa interação
pode se dar, mesmo que raramente, no local de entrada
do antígeno.
Figura 2-15. Resposta imune humoral. Linfócitos B são ativados
Haptenos são antígenos de baixo peso molecular,
após contato com linfócitos Th e dão origem a plasmócitos e a cé-
lulas de memória. que por si sós não são capazes de evocar uma resposta
imunológica. Contudo, se complexados a uma proteí-
na carreadora, isso se torna possível. Substâncias como
de memória (Fig. 2-15). Um simples linfócito B pode, penicilina, tricresol formalina, eugenol e paramonoclo-
em uma semana, gerar aproximadamente 4.000 células rofenol canforado podem atuar como haptenos.
secretoras de anticorpos, produzindo mais do que 1012 Linfócitos B são excelentes células apresentadoras
moléculas de anticorpos por dia. Essa expansão subs- de antígenos (APCs) para linfócitos T, pois suas Igs de
tancial é necessária para fazer frente a micro-organis- membrana permitem a ligação específica aos antígenos
mos em rápida proliferação1. em baixas concentrações. São as APCs preferenciais
Antígenos proteicos não induzem a produção de quando a quantidade de antígenos introduzida no hos-
anticorpos na ausência de linfócitos T. Assim, proteí- pedeiro é mínima.
nas são consideradas antígenos timo-dependentes. Na resposta imunológica primária existem pou-
Nessas circunstâncias, uma célula B em repouso requer cas células B específicas para um antígeno que está
dois sinais para proliferação e diferenciação: a ligação sendo contatado pela primeira vez. Nesse tipo de res-
do antígeno ao BCR e a ação dos linfócitos T helper (TH) posta, macrófagos e células dendríticas são as prin-
e suas citocinas. cipais APCs. Essas células processam o antígeno e
Antígenos não proteicos, como glicolipídios e apresentam-no às células TH, que, uma vez ativadas,
polissacarídeos, induzem a produção de anticorpos interagem com as células B, que também podem estar
na ausência de linfócitos T, sendo, assim, antígenos apresentando o antígeno, induzindo a sua proliferação
timo-independentes. Um exemplo de antígeno timo- e diferenciação.
independente é o LPS, que é capaz de estimular a sín- Na resposta imunológica secundária, isto é, aque-
tese de anticorpos de especificidades diversas, sendo la que ocorre em uma segunda exposição ao antígeno,
um ativador policlonal de linfócitos B, estimulando a os clones expandidos de células B de memória podem
proliferação e a diferenciação dessas células. funcionar perfeitamente como APCs.
A resposta imunológica secundária desenvolve- Citocinas liberadas por células T ativadas pos-
se mais rapidamente que a primária, além de envolver suem duas funções específicas na resposta humoral:
uma quantidade bem maior de anticorpos, com maior
afinidade antigênica. Essa maior afinidade garante uma a) Estimulam a proliferação e diferenciação dos linfó-
resposta eficaz mesmo na presença de menor quantidade citos B em plasmócitos, células produtoras de anti-
de antígenos, o que se deve à memória imunológica. corpos.
40 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

IL-2, IL-4 e IL-5 podem agir em sinergismo, induzin-


do a proliferação do linfócito B. IL-4 e 5 podem estar
envolvidas na síntese de anticorpos. IL-6 é um fator
de crescimento e diferenciação de linfócitos B.
b) Induzem o switch de classes de anticorpos.

Citocinas estão envolvidas na troca de produção


de isotipos de imunoglobulinas.

Sequência de eventos na resposta imune humoral


1. Depois de 1 a 2 dias da introdução do antígeno em
um indivíduo, macrófagos e/ou células dendríticas
apresentam-no a linfócitos T inocentes (naive) CD4+
Figura 2-17. Anticorpos secretados por plasmócitos exercem vá-
no baço ou linfonodos. Essas células são ativadas, rias funções importantes no combate à infecção.
passam a expressar o ligante de CD40 (CD40L) e ini-
ciam a produção de citocinas. Macrófagos também
produzem citocinas envolvidas na expansão e dife- centrar no local onde a agressão tecidual está ocor-
renciação dos linfócitos. rendo (onde há um grande número de antígenos).
2. Linfócitos B específicos são ativados pelo antígeno, As funções a serem executadas pelos anticorpos de-
que pode estar na forma solúvel ou apresentado por penderão de seu isotipo.
APCs. Os linfócitos B internalizam o antígeno, pro- 4. Em uma segunda exposição ao antígeno, a resposta
cessando-o e finalmente o apresentando às células é bem mais rápida, de maior eficácia e intensidade.
TH ativadas. O linfócito B começa então a proliferar e Nesse momento, as células B de memória são as
se diferenciar, induzido pela ligação de CD40 (sobre APCs predominantes.
a sua superfície) a CD40L (sobre o linfócito T) e pela
ação de citocinas (Fig. 2-16). A ligação de anticorpos liberados por plasmócitos
3. Os linfócitos B ativados, os plasmócitos e os anticor- ao antígeno promove (Fig. 2-17):
pos secretados podem entrar na circulação e se con-
a) neutralização do antígeno (anticorpos envolvidos:
IgG, IgM e IgA), o que é vantajoso se o mesmo for
uma toxina ou uma molécula envolvida em adesão;
b) opsonização (anticorpo envolvido: IgG), favorecen-
do a fagocitose e eliminação do antígeno;
c) ativação do sistema complemento (anticorpos en-
volvidos: IgM e IgG), levando à lise da célula micro-
biana sobre a qual o antígeno se encontra.

Resposta imune celular


Enquanto a resposta imune humoral é mediada
basicamente por moléculas de imunoglobulinas, o sis-
tema imune é capaz de ativar um segundo mecanis-
mo envolvido no combate a antígenos introduzidos no
hospedeiro. Esse segundo mecanismo, que na maioria
das vezes ocorre em conjunto com a resposta humoral,
é mediado por células, mais especificamente os linfóci-
tos T e seus produtos.
Figura 2-16. Ativação de linfócitos B e de linfócitos TH2. Ambas as Os linfócitos T reconhecem antígenos apenas
células reconhecem epítopos diferentes oriundos do mesmo com-
quando estes estão complexados a moléculas do com-
plexo antigênico. Da mesma forma, para serem ativadas, ambas ne-
cessitam dos seguintes sinais: reconhecimento e ligação ao antíge- plexo principal de histocompatibilidade (MHC) ex-
no, interação com moléculas coestimuladoras e ação de citocinas. pressas na superfície de APCs especializadas, que po-
Patologias Pulpar e Perirradicular 41

Enquanto a maioria dos linfócitos T exibe TCRαβ


como receptor, uma pequena subpopulação apresenta
TCRγδ. Esses linfócitos Tγδ não são restritos a MHC e
reconhecem formas de antígenos diferentes das reco-
nhecidas por linfócitos Tαβ, incluindo lipídios.

Dinâmica da resposta imune celular mediada por


células TH CD4+
1. Antígenos proteicos introduzidos em um indivíduo
e presentes no compartimento extracelular são cap-
Figura 2-18. Resposta imune celular. Linfócitos Th são ativados após
turados por APCs, processados, expressos em sua
contato com uma APC expressando o antígeno. Após ativação, os
linfócitos liberam citocinas que irão desenvolver importantes fun- superfície em conjunto com moléculas de MHC clas-
ções no combate à infecção. se II e levados a órgãos linfoides secundários, como
os linfonodos, onde linfócitos T inocentes têm maio-
res chances de contatar os antígenos para os quais
dem ser células dendríticas, macrófagos ou linfócitos são específicos e serem ativados. Em decorrência do
B. Proteínas de origem exógena são internalizadas pe- contato e processamento do antígeno, a APC se tor-
las APCs por meio de endocitose e, uma vez no interior na ativada e expressa a molécula coestimuladora B7
da célula, são processadas em um compartimento ve- em sua superfície (Fig. 2-19).
sicular, dando origem a vários fragmentos peptídicos. 2. Esses fragmentos antigênicos complexados ao MHC
Ainda no interior da célula, aqueles fragmentos com II são reconhecidos pelo complexo receptor (TCR)
potencial imunogênico se ligam às moléculas de MHC dos linfócitos TH CD4+. Após o reconhecimento do
classe II e são então expressos na superfície da APC. antígeno (sinal 1) e da ligação de CD28 a B7 expressa
Esse complexo é então reconhecido por linfócitos TH pela APC (sinal 2), os linfócitos T são ativados, pro-
CD4+, gerando a ativação dessas células (Fig. 2-18). liferando e diferenciando-se em células efetoras que
Os linfócitos T CD8+ podem ser divididos em duas sintetizam citocinas (Fig. 2-19). Alguns desses linfó-
subpopulações: os citotóxicos e os supressores. Os linfóci- citos T efetores deixam o órgão linfoide e migram
tos T citotóxicos apenas reconhecem antígenos complexa- para o local da infecção, onde o antígeno para o qual
dos a moléculas de MHC classe I presentes na superfície eles são específicos pode ser reencontrado. Outros
de uma célula-alvo, a qual pode estar infectada por para- podem permanecer no órgão linfoide, em que po-
sitas intracelulares, como vírus, que induzem a síntese de
proteínas virais pela célula, ou ser uma célula considera-
da estranha pelo organismo, que produz proteínas anor-
mais, reconhecidas como antigênicas. Essas proteínas vi-
rais ou anormais sintetizadas no citossol são conduzidas
ao retículo endoplasmático onde formam um complexo
com as moléculas de MHC I, sendo expressas na super-
fície celular. Quando esse complexo é reconhecido por
linfócitos T CD8+ citotóxicos, a célula-alvo é destruída.
Os linfócitos T supressores estão envolvidos em um me-
canismo de controle e regulação da resposta imune.
Sempre vale ressaltar que, enquanto os linfócitos
B e os anticorpos secretados podem se ligar a antígenos
na forma solúvel, os linfócitos T apenas reconhecem
antígenos proteicos ligados a superfícies celulares.
O complexo receptor de antígenos dos linfócitos
T (TCR ou T cell receptor) é composto de duas cadeias
polipeptídicas chamadas TCRα e β, além do CD3 e
da cadeia ζ. Enquanto o TCRαβ reconhece o antígeno Figura 2-19. Após reconhecimento do antígeno capturado e ex-
complexado ao MHC, CD3 e a cadeia ζ iniciam a sina- presso por uma APC, o linfócito TH sofre expansão clonal e ulterior
lização intracelular para ativação do linfócito T. diferenciação em células efetoras e células de memória.
42 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

dem auxiliar linfócitos B a se diferenciarem em plas- Uma subpopulação de linfócito TH produz citocinas
mócitos. Células de memória também geralmente que podem regular negativamente a outra subpopulação.
permanecem nos órgãos linfoides e são mantidas Células TH2 secretam TGF-β e IL-10, que inibem a ativação
por citocinas (p. ex., IL-7) constitutivamente produ- e o crescimento de células TH1. Por sua vez, essas últimas
zidas no tecido e que sustentam uma proliferação produzem IFN-γ que inibe o crescimento de células TH2.
celular de baixa intensidade. Isso é importante para Um outro fator que influencia a diferenciação de cé-
manter disponível uma população de células de me- lulas TH é a quantidade de antígenos que inicia a resposta.
mória por longo período. Grandes quantidades de peptídeos que atingem uma alta
3. Uma vez no local da infecção, o encontro com o an- densidade sobre a superfície da APC tendem a estimular
tígeno para o qual são específicos leva os linfócitos T a diferenciação em TH1, enquanto uma baixa densidade
efetores a produzirem citocinas direcionadas para a de peptídeos durante a apresentação induz TH2. Além
eliminação da fonte do antígeno (micro-organismos, disso, a ligação de alta afinidade entre o peptídeo e o TCR
por exemplo). Dependendo da população de linfóci- estimula TH1. Ligações mais fracas induzem a diferen-
tos T CD4+ envolvida, as citocinas produzidas po- ciação em TH2. É possível também que determinadas se-
dem ter as seguintes funções: quências de aminoácidos em um peptídeo possam estar
envolvidas na diferenciação das duas subpopulações.
• participação na resposta imune humoral, estimu- Em suma, os fatores envolvidos na diferenciação
lando linfócitos B e auxiliando na síntese de anti- de linfócitos T inocentes em TH1 ou TH2 são (Fig. 2-20):
corpos;
• ativação de macrófagos, favorecendo a destruição • citocinas presentes durante a estimulação;
de antígenos; • quantidade de antígenos;
• auxílio na diferenciação de linfócitos T citotóxicos. • afinidade de ligação do antígeno com o TCR;
• sequência de aminócidos que compõem o peptídeo.
Subpopulação de linfócitos TH
Resposta citolítica mediada por linfócitos T
Essas funções já relatadas dependem da subpopu-
citotóxicos CD8+
lação de células TH CD4+ ativadas – TH1 ou TH2. Durante
a resposta inicial a um antígeno nos órgãos linfoides pe- Os linfócitos T citotóxicos (Tc) estão envolvidos
riféricos, ocorre a diferenciação do linfócito TH em uma na destruição de células infectadas por parasitas in-
das suas duas subpopulações: TH1 e TH2. Dependendo tracelulares, como, por exemplo, vírus, na rejeição de
de qual subpopulação for gerada, a resposta imunoló- transplantes e na destruição de células consideradas
gica estará predominantemente voltada para a ativação estranhas, como as tumorais.
de macrófagos (TH1) ou para a produção de anticorpos
(TH2). Os linfócitos TH1 secretam IL-2, TNF e IFN-γ, en-
quanto os linfócitos TH2 produzem IL-4, IL-5, IL-10, IL-13
e TGF-β. Embora não atuem como auxiliares na resposta
humoral, os linfócitos TH1 podem dela participar por li-
berar IFN-γ, envolvido no switch de classes para IgG.
A diferenciação do linfócito T inocente pode ser
influenciada por citocinas. A estimulação dessas célu-
las na presença de IL-12 e IFN-γ, produzidos por ma-
crófagos e/ou células NK, induz a diferenciação em
TH1. Por sua vez, a ativação na presença de IL-4 e IL-6
tende a estimular a diferenciação em TH2.
Assim que uma das subpopulações se torna domi-
nante, é muito difícil a transição da resposta para o ou-
tro tipo. Uma das razões para tal reside no fato de que as
citocinas que induzem a diferenciação para um tipo de
linfócito TH inibem a ativação do outro. Por essa razão,
certas respostas a agentes infecciosos podem ser domi- Figura 2-20. Fatores envolvidos na diferenciação das duas subpo-
nadas por uma resposta humoral (TH2) ou celular (TH1). pulações de linfócitos TH.
Patologias Pulpar e Perirradicular 43

Linfócitos Tc apenas reconhecem antígenos asso-


ciados ao MHC classe I, graças à afinidade específica
da molécula CD8 em sua superfície. Como todas as
células nucleadas do organismo expressam moléculas
de MHC classe I, teoricamente toda célula infectada ou
estranha pode ser eliminada pela ação citolítica de Tc.
Se o TCR do linfócito Tc reconhece peptídeos estranhos
associados ao MHC classe I, ocorre a ligação entre a
célula-alvo (infectada) e o linfócito T CD8+.

Dinâmica da resposta imune celular mediada por


linfócitos T citotóxicos CD8+
1. O TCR do linfócito Tc reconhece um peptídeo es-
tranho expresso em conjunto com o MHC classe I
na superfície de uma célula-alvo. Outras moléculas
Figura 2-21. Resposta citolítica com envolvimento de linfócitos T
como CD8, CD2 e LFA-1 potencializam a adesão en- citotóxicos. O efeito lítico dessas células sobre uma célula-alvo se
tre as duas células. dá pela ação de perforinas, granzimas e ligação a Fas, eventos que
2. O linfócito Tc é ativado pela ligação ao antígeno e culminam na indução da morte por apoptose.
devido à ação de citocinas, diferenciando-se.
3. O linfócito Tc promove a exocitose de perforinas,
que também leva à ativação da apoptose da célula-
granzimas e citocinas (Fig. 2-20). Essas substâncias
alvo (Fig. 2-21).
são liberadas no ponto de contato do linfócito Tc
5. Caspases ativadas na célula-alvo por granzimas e
com a célula-alvo. As perforinas se polimerizam,
por FasL clivam muitos substratos e ativam enzimas
formando uma estrutura cilíndrica que se insere
que degradam DNA. Por ativarem nucleases na
na bicamada lipídica da membrana citoplasmática
célula-alvo, linfócitos Tc iniciam a destruição tanto
da célula-alvo, formando poros. Esses rompem a
do DNA microbiano quanto da célula hospedeira,
integridade da membrana, podendo levar à morte
eliminando assim a célula infectada e o DNA poten-
celular. Contudo, acredita-se que a formação de po-
cialmente infectante.
ros seja reduzida, insuficiente para matar a célula,
6. O linfócito Tc livra-se da célula-alvo pela redução da
mas capaz de permitir a entrada de granzimas no
afinidade das suas moléculas de adesão pelos ligan-
citoplasma da mesma. Granzimas são proteases que
tes específicos.
ativam o programa de apoptose, que é uma forma
de morte celular diferente de necrose. Na morte por
Cada linfócito Tc é capaz de lisar várias células-
apoptose há a ativação de nucleases endógenas que
alvo.
promovem a fragmentação do DNA e a degradação
do núcleo. A célula-alvo então sofre autodestruição,
processo também conhecido como morte programa-
Citotoxicidade mediada por células natural killer
da. O fato de perforinas e granzimas já serem en- As células natural killer (NK) são derivadas da me-
contradas pré-formadas nos grânulos dos linfócitos dula óssea e assemelham-se a linfócitos grandes, com
Tc explica o curto período necessário para essas cé- numerosos grânulos citoplasmáticos. Entretanto, elas
lulas eliminarem seus alvos, programando-os para não possuem receptores de superfície convencionais de
morrer40. O linfócito Tc não morre durante o ataque linfócitos, como TCR e BCR, os quais são responsáveis
à célula-alvo por produzir uma enzima proteolítica pelo reconhecimento do antígeno e pelo caráter de espe-
(catepsina B) que é direcionada para a sua superfície cificidade da resposta imunológica adaptativa. Cumpre
durante a exocitose dos grânulos e que degrada mo- salientar que, embora as células NK não possuam um
léculas errantes de perforinas. aparato celular para reconhecer células estranhas, sua
4. O linfócito Tc pode usar um outro mecanismo para atividade citolítica não deixa de apresentar especifici-
matar a célula-alvo. Uma vez ativado, o linfócito Tc dade, a qual é ditada por moléculas de sua superfície
expressa uma proteína denominada de ligante de e das células não infectadas do hospedeiro. Por exem-
Fas (FasL), que se liga ao “receptor de morte” Fas plo, quando há a ligação de IgG à superfície de outras
expresso pela maioria das células do hospedeiro, o células, a porção Fc do anticorpo é reconhecida por um
44 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

receptor expresso por células NK, o CD16 (FcγRIII). A dem produzir uma quantidade anormal de IgE, o que
ligação de CD16 presente na célula NK à IgG ligada à é ditado por fatores hereditários, pela natureza do
célula-alvo promove a interação entre os dois tipos ce- antígeno e por citocinas produzidas por células TH2,
lulares. Dessa forma, a célula-alvo é destruída. Os efei- como IL-4, que induz o switch de classe de anticorpo
tos citotóxicos promovidos por células NK são análogos para IgE.
àqueles descritos para os linfócitos Tc, isto é, pela exoci- As moléculas de IgE sintetizadas ligam-se a re-
tose de grânulos contendo perforinas e granzimas e pela ceptores específicos para sua porção Fc, presentes na
ligação a Fas119,154. Células NK também liberam citocinas superfície de mastócitos e basófilos. Em uma exposição
com funções antivirais e envolvidas na ativação de ma- subsequente ao antígeno que sensibilizou o indivíduo
crófagos, como IFN-γ e TNF11. há a formação de complexo antígeno-anticorpo sobre a
Uma pequena população de células expressa superfície do mastócito ou basófilo. Consequentemen-
marcadores encontrados tanto em células NK quanto te, há a ativação dessas células que liberam mediadores
em linfócitos T, incluindo TCRαβ, resultando na de- químicos já estocados em seus grânulos ou que foram
nominação de células NKT. Essas células reconhecem recém-sintetizados.
glicolipídios de bactérias gram-negativas e espiroque- Em indivíduos atópicos, isto é, mais suscetíveis
tas apresentados pela glicoproteína CD1d relacionada a desenvolver reações de hipersensibilidade imunoló-
com MHC I159. gica, ocorre uma maior síntese de IgE específica para
o antígeno (ou alérgeno, pois pode causar alergia).
Assim, uma quantidade maior de IgE específica para
 IMUNOPATOLOGIA um determinante antigênico está ligada à superfície de
Na maioria das vezes, o sistema imune é capaz de mastócitos ou basófilos. Em uma segunda exposição, o
proteger, sem contudo causar maiores danos ao hos- antígeno irá ligar-se a duas IgEs de superfície, de for-
pedeiro. Entretanto, em determinadas situações, a res- ma cruzada, o que é necessário para a ativação do mas-
posta imunológica pode causar dano tecidual se for ex- tócito ou basófilo.
cessiva ou prolongada, como em infecções persistentes Os principais mediadores químicos liberados por
por micro-organismos que são capazes de resistir aos mastócitos ou basófilos ativados podem ser:
mecanismos de defesa inata e adaptativa. Dessa forma,
há uma estimulação antigênica persistente que resulta • pré-formados: histamina e enzimas (aril sulfatase e
em uma resposta imunológica também persistente, ca- proteases serinas);
racterizando uma inflamação crônica. Uma outra causa • recém-sintetizados: PGD2, leucotrienos (LTC4, LTD4,
provável seria a similaridade entre antígenos estranhos LTE4) e PAF.
e antígenos próprios, que levariam à destruição de te-
cidos do próprio hospedeiro. Essas reações imunes de Em conjunto, esses mediadores podem causar in-
caráter destrutivo ocorrem geralmente após contatos flamação local com vasodilatação, aumento de permea-
subsequentes com o antígeno que sensibilizou o hos- bilidade vascular e dano tecidual.
pedeiro. Essa reação é denominada de hipersensibilidade
O dano pode decorrer da ação de anticorpos ou imediata ou anafilática, que se desenvolve dentro de 5
de células de defesa. Em outras palavras, tanto a res- a 15 minutos após a exposição ao antígeno.
posta imune humoral quanto a celular podem resultar
em dano aos tecidos, que é em muita das vezes, como IgG e IgM. O dano pode ocorrer após a ligação
nas lesões perirradiculares e nas doenças periodontais, dos anticorpos IgM ou IgG a antígenos presentes na
mais significativo do que aquele causado pela ação di- superfície de micro-organismos ou outras células-alvo.
reta dos micro-organismos. Essa ligação gera a destruição da célula-alvo por dois
mecanismos:

Dano pela ação de anticorpos • citotoxicidade mediada por células dependente de


IgE. Após o primeiro contato com um antígeno, anticorpos (ADCC), onde a porção Fc do anticorpo é
linfócitos B podem produzir IgE. Esses antígenos po- reconhecida por fagócitos (neutrófilos e macrófagos)
dem ser haptenos, i.e., proteínas ou moléculas capazes ou por células NK, que promovem a lise celular;
de se ligarem a proteínas do hospedeiro e evocarem • citotoxicidade dependente do complemento, onde a
uma resposta imune. Determinados indivíduos po- ligação do anticorpo ao antígeno leva à ativação do
Patologias Pulpar e Perirradicular 45

complemento pela via clássica e à formação do com- Um antígeno introduzido no organismo pela se-
plexo de ataque à membrana, que lisa a célula. gunda vez é internalizado por uma célula apresentado-
ra, processado e expresso na superfície celular em con-
Além da lise da célula-alvo, a ligação do fagócito junto com moléculas de MHC classe II. Esse antígeno
à porção Fc do anticorpo ativa a produção de radicais é então reconhecido por linfócitos TH1 específicos, que
oxigenados livres, a liberação de componentes lisos- uma vez ativados liberam citocinas com efeitos diver-
somais e a produção de prostaglandinas, colaborando sos, como o do IFN-γ, que promove a ativação de ma-
para a destruição dos tecidos adjacentes. A ativação do crófagos. Macrófagos ativados podem liberar enzimas
complemento também gera fatores quimiotáticos, ana- lisossomais e radicais oxigenados para o meio extra-
filatoxinas e opsoninas com efeitos pró-inflamatórios. celular, causando dano aos tecidos não mineralizados.
A reação citotóxica inicia-se de 5 a 8 horas depois da Citocinas, como IL-1, TNF, IL-3 e IL-6, e outros media-
exposição ao antígeno. A célula-alvo pode ser, por dores químicos, como PGE2 e VIP, podem ser liberados
exemplo, bactérias, fungos e células epiteliais com al- por células presentes em um sítio acometido por infla-
terações de superfície (como em cistos). mação crônica, apresentando efeito pró-reabsortivo,
A formação de complexos imunes solúveis, pela levando à ativação de osteoclastos e/ou a diferencia-
ligação do anticorpo a um antígeno livre não associado ção de seus precursores hematopoiéticos. Linfócitos T,
a células, também pode acarretar o dano aos tecidos. A macrófagos ativados, fibroblastos, osteoblastos e fibras
reação se desenvolve em 2 a 8 horas após a exposição nervosas são os principais elementos envolvidos na li-
ao antígeno. Nesses casos, o complexo imune formado beração de tais fatores relacionados com a degradação
promove a ativação do sistema complemento, geran- do tecido mineralizado.
do produtos quimiotáticos (C5a) e anafilatoxinas (C3a, Assim, o dano mediado por células presentes
C4a e C5a). O complexo pode ligar-se a plaquetas atra- em um infiltrado inflamatório crônico pode abranger
vés da porção Fc do anticorpo e induzir agregação pla- tanto os tecidos mineralizados quanto os não minera-
quetária com formação de microtrombos e liberação de lizados.
aminas vasoativas. Essas substâncias provenientes da
ativação do complemento e da ativação de plaquetas
promovem aumento de permeabilidade vascular, com  PATOLOGIA PULPAR E PERIRRADICULAR
formação de exsudato, e atração de fagócitos para o Patologia pulpar
local de deposição do complexo imune. A destruição
tecidual ocorre devido à produção de radicais oxige- Resposta da polpa à agressão
nados e liberação de enzimas lisossomais por parte do Muito embora bactérias possam alcançar a polpa
fagócito, durante uma tentativa fracassada de fagocitar de maneiras diversas (ver Capítulo 4), a cárie dentária
o complexo imune. Na verdade, o fagócito liga-se ao é indubitavelmente a via mais comumente observada
complexo imune graças aos seus receptores para Fc do na prática clínica.
anticorpo e para C3b. Como o complexo geralmente A polpa normal contém elementos de vigilância
está depositado sobre superfícies teciduais, como, por imunológica, no caso células dendríticas, macrófagos
exemplo, as paredes vasculares, a fagocitose torna-se e células NK e NKT, estando assim preparada para se
difícil. Assim, pelo mecanismo de “fagocitose frustra- defender de eventuais desafios antigênicos por bacté-
da”, o fagócito libera enzimas, radicais oxigenados e rias e seus produtos migrando via túbulos dentinários
óxido nítrico para o meio extracelular, causando dano. adjacentes a uma área de exposição dentinária41-44,54.
Se a lesão ocorre devido a apenas uma breve ex- Macrófagos e células dendríticas expressam MHC II e
posição ao antígeno, ocorre o reparo das áreas lesadas. funcionam como APCs na polpa, estando em grande
Mas, se ocorre exposição prolongada ao antígeno, há número nas camadas odontoblástica e paraodontoblás-
o desenvolvimento de uma inflamação crônica, com tica, as quais então representam regiões estratégicas de
dano tecidual mais grave. defesa. Prolongamentos de células dendríticas podem
até mesmo ser ocasionalmente visualizados penetran-
do em túbulos dentinários.
Dano causado por células imunocompetentes A intensidade de uma resposta inflamatória pul-
As células envolvidas nesse tipo de dano são ge- par abaixo de uma lesão de cárie dependerá da profun-
ralmente linfócitos T e macrófagos, caracterizando uma didade da invasão bacteriana e das alterações da permeabili-
sequela da resposta imune celular. dade dentinária decorrentes do processo carioso.
46 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Os odontoblastos podem responder à cárie pelo inflamatória pulpar é inicialmente crônica e de baixa
aumento da produção de dentina peritubular, origi- intensidade.
nando a esclerose tubular, representada pela redução Nos primórdios da evolução da cárie de dentina,
do diâmetro dos túbulos dentinários. Em estágios um discreto infiltrado de células mononucleares (lin-
mais avançados de destruição dentinária, devido à fócitos e macrófagos) é observado no tecido pulpar,
proximidade com a polpa, os produtos bacterianos na área adjacente aos túbulos expostos. Isso se deve
tóxicos têm difusão facilitada pelo aumento de per- à agressão de baixa intensidade causada pela difusão
meabilidade dentinária, podendo alcançar concentra- dos produtos bacterianos, como enzimas, toxinas e pro-
ções mais tóxicas às células pulpares, mormente aos dutos metabólicos, que se tornam diluídos pelo fluido
odontoblastos (Fig. 2-22). Quando essas células são dentinário. Tem sido demonstrado que mesmo lesões
destruídas pela agressão, forma-se um trato morto. Em incipientes de cárie podem induzir acúmulo de células
seguida, células mesenquimais indiferenciadas da expressando MHC II na região pulpar subjacente aos
polpa se diferenciam em odontoblastos, iniciando-se túbulos dentinários pelos quais produtos bacterianos
então a produção de dentina reparadora que irá selar migram e atingem a polpa167,168. Os produtos bacterianos
a porção pulpar dos tratos mortos. Esse tipo de denti- antigênicos que alcançam a polpa podem ser captura-
na apresenta menos túbulos e é menos calcificado do dos e processados por células dendríticas presentes na
que a dentina primária, podendo exercer um papel de camada odontoblástica e paraodontoblástica e por ma-
proteção à polpa. crófagos pulpares, sendo então transportados aos linfo-
As lesões de cárie consistem, usualmente, em um nodos, onde são apresentados aos linfócitos. Antígenos
processo intermitente, alternando períodos de rápida na forma solúvel também podem, menos comumente,
atividade com os de quiescência. As lesões podem pro- ser drenados pelos linfáticos para os linfonodos. A res-
gredir lentamente por anos. Por essa razão, a resposta posta imunológica adaptativa é ativada, culminando
com a mobilização de células imunocompetentes, como
linfócitos T e B, plasmócitos e macrófagos, para a área
adjacente aos túbulos dentinários expostos.
Se a espessura de dentina remanescente for igual
ou maior do que 1mm, a resposta inflamatória da pol-
pa é de baixa intensidade. Entretanto, se a lesão cario-
sa progride e passa a distar cerca de 0,5mm da polpa,
invadindo assim a dentina reparadora, a inflamação
pulpar usualmente se torna aguda105. A camada de
odontoblastos é então destruída e substituída por cé-
lulas inflamatórias.
A
Evidências indicam que anaeróbios estritos pre-
sentes na lesão de cárie de dentina estão envolvidos na
indução dos sintomas de pulpite reversível e irrever-
sível. Bactérias gram-negativas dos gêneros Prevotella
e Porphyromonas foram frequentemente isoladas de le-
sões de cárie de dentina sem exposição pulpar e com
sintomas clínicos de pulpite reversível, tais como dor
provocada e exacerbada a estímulos térmicos82. Em
dentes com lesões de cárie de dentina associadas a pul-
pite irreversível e exacerbação da sintomatologia pela
aplicação de calor, bacilos produtores de pigmentos
negros foram frequentemente isolados32. Uma correla-
ção positiva também foi verificada entre a presença de
B
Fusobacterium nucleatum e Actinomyces viscosus na lesão
cariosa e a sensibilidade ao frio32. Recentemente, um
Figura 2-22. Odontoblastos são as primeiras células pulpares a so-
frerem alterações em resposta à cárie. A. Odontoblastos em polpa
estudo utilizando Real-Time PCR revelou associação
normal. B. Destruição da camada de odontoblastos em resposta a positiva significante entre a presença de Parvimonas mi-
uma lesão de cárie profunda. cra (previamente Peptostreptococcus micros) e Porphyro-
Patologias Pulpar e Perirradicular 47

monas endodontalis na dentina cariada e a ocorrência de área localizada da polpa pode ser acompanhada de um
pulpite irreversível79. infiltrado leve a moderado de células inflamatórias. A
Os eventos vasculares da inflamação aguda se zona livre de células da polpa pode ser ocupada por
desenvolvem, sendo induzidos e amplificados por me- esse infiltrado, na região subjacente aos túbulos den-
diadores químicos liberados após a agressão tecidual. tinários afetados. A polpa encontra-se usualmente or-
Neuropeptídeos, como CGRP e substância P, são me- ganizada.
diadores importantes nas fases iniciais da inflamação
aguda, uma vez que há poucos mastócitos na polpa
Diagnóstico
sadia para liberar histamina161. As alterações vascula-
res incluem, como aclarado anteriormente, vasodilata- Sinais e sintomas
ção, aumento da permeabilidade vascular e posterior A pulpite reversível é, usualmente, assintomática.
migração de células inflamatórias, principalmente de Contudo, em determinadas situações, o paciente pode
neutrófilos PMNs. A migração de neutrófilos para o acusar dor aguda, rápida, localizada e fugaz, em res-
espaço extravascular adjacente ao local da agressão posta a estímulos que normalmente não evocam dor,
bacteriana pode, eventualmente, estimular o desenvol- pois ela cede imediatamente ou poucos segundos de-
vimento de uma resposta supurativa, por liberar enzi- pois da remoção do estímulo. A dor ao frio é a queixa
mas lisossomais e radicais oxigenados que promovem mais comum por parte do paciente.
a destruição dos tecidos. A vasodilatação prolongada pode resultar em
injúria capilar, com consequente extravasamento de
Pulpite reversível fluido para o compartimento extravascular. Além
É por definição uma leve alteração inflamatória disso, a ação de mediadores químicos promove um
da polpa, em fase inicial, em que a reparação tecidual aumento da permeabilidade, a princípio, ao nível ve-
advém, uma vez removido o agente desencadeador do nular. A formação de edema então é discreta nessas
processo. Se os agentes irritantes persistem ou aumen- fases iniciais da resposta inflamatória aguda na pol-
tam, a inflamação pulpar torna-se de intensidade mo- pa, exercendo pressão sublimiar sobre fibras nervosas
derada a grave, o que caracteriza a pulpite irreversível, A-δ, responsáveis pela inervação e pela dor dentiná-
com ulterior progresso para necrose pulpar. ria. Assim, não há dor espontânea nessa fase do pro-
cesso inflamatório da polpa. Contudo, esse aumento
Características histopatológicas de pressão pode diminuir o limiar de excitabilidade
Em resposta a uma lesão cariosa profunda, que dessas fibras, fazendo com que a dentina fique em es-
ainda não causou exposição, vasos sanguíneos pulpa- tado de hipersensibilidade, o que faz com que estímu-
res tornam-se dilatados, um quadro conhecido histo- los (como o frio), que normalmente não evocam dor,
logicamente como hiperemia (Fig. 2-23). A vasodilata- passem a fazê-lo.
ção prolongada predispõe ao edema, como resultado A dor oriunda da estimulação de fibras A-δ é re-
da elevação da pressão capilar e do aumento de per- sultado da hidrodinâmica do fluido dentinário, sendo
meabilidade vascular. A resposta hiperêmica em uma aguda, súbita e fugaz, passando rapidamente após a
remoção do estímulo96,157. É possível que mediadores
químicos endógenos da inflamação, como prostaglan-
dinas e serotonina, também promovam a redução do
limiar de fibras A-δ65. Produtos bacterianos, como
amônia, indol e determinadas enzimas, podem tornar
fibras A-δ mais excitáveis98,100. Os níveis de endotoxinas
em lesões cariosas parecem estar também diretamente
relacionados com a sintomatologia pulpar59.

Inspeção
Pelo exame visual se detecta restauração ou lesão
de cárie extensa. Não há ainda exposição pulpar. En-
tretanto, deve-se ter em mente que em alguns casos,
Figura 2-23. Hiperemia pulpar. Notar o aumento do calibre vascular. mesmo antes de haver exposição da polpa, pode ha-
48 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

ver o desenvolvimento de uma pulpite irreversível (ver teste é de grande valia para dentes com restaurações
adiante). extensas, que podem não reagir aos demais testes.
Cumpre salientar que todos os testes citados estão
Testes pulpares sujeitos a resultados falso-positivos (resposta positiva
Térmico de uma polpa necrosada) e falso-negativos (resposta
Calor – O calor pode ser aplicado por meio de negativa de uma polpa vital). Um estudo comparou a
bastão de guta-percha aquecido (76oC) ou pela fricção capacidade de testes térmico e elétrico em avaliar a vita-
de uma taça de borracha sobre a superfície vestibular lidade pulpar103. A probabilidade de um teste negativo
do dente. Em casos de normalidade pulpar, o paciente significar uma polpa verdadeiramente negativa foi si-
acusa dor tardia à aplicação inicial do estímulo (segun- milar para os testes térmico de frio e elétrico (89 e 88%,
dos depois, à medida que a temperatura aumenta na respectivamente). O teste térmico de calor com bastão
polpa, pela manutenção do estímulo). Dentes acome- de guta-percha aquecido foi muito inferior em detectar
tidos por pulpite reversível podem responder da mes- um resultado verdadeiro-positivo (48%). Outrossim,
ma forma. Em outras ocasiões, o paciente pode relatar a probabilidade de uma resposta positiva representar
dor aguda e imediata, que passa logo após a remoção uma polpa verdadeiramente vital foi similar para os
do estímulo. Esse tipo de dor é característico das fibras testes de frio, calor e elétrico (90, 83 e 84%, respectiva-
nervosas do tipo A-δ, cujas terminações se encontram mente). No geral, os testes de frio e elétrico tiveram va-
na porção pulpar da dentina (penetram de 100 a 200µm lores similares de eficácia (86 e 81%), sendo ambos mais
de profundidade nos túbulos). eficazes que o teste térmico de calor (71%).
Frio – A aplicação de frio, por meio de bastões
de gelo (0oC), neve carbônica ou gelo seco (–78oC) ou Testes perirradiculares
spray refrigerante, como o tetrafluoretano ou o diclo-
Percussão e palpação – Esses testes apresentam re-
rodifluormetano (Endo-Ice, a -30oC), evoca dor aguda,
sultado negativo na pulpite reversível, uma vez que não
rápida, localizada, que passa logo ou poucos segundos
há comprometimento dos tecidos perirradiculares.
após a remoção da fonte estimuladora. Essa resposta
é bastante similar à de uma polpa normal. Com a ma- Achados radiográficos
nutenção da aplicação do estímulo, a dor diminui, até Radiograficamente, verifica-se a presença de le-
desaparecer. sões cariosas ou restaurações extensas, próximas à câ-
A dentina é normalmente mais sensível ao frio mara pulpar. Na grande maioria dos casos, apenas por
do que ao calor. Isso se deve provavelmente ao fato de radiografias é arriscado afirmar se houve ou não ex-
que, pela teoria hidrodinâmica que explica a sensibi- posição da polpa. Por exemplo, cáries ou restaurações
lidade dentinária, a resistência ao movimento de flui- por vestibular ou lingual podem sobrepor-se à câmara
do pelo túbulo é diferente quando o mesmo se move pulpar na radiografia, dando a falsa impressão de ter
no sentido da polpa ou interno (calor aplicado) ou no atingido a polpa.
sentido contrário à polpa ou externo (frio aplicado).
No sentido externo, o fluido pressiona o odontoblas-
Tratamento
to firmemente para o interior do túbulo, reduzindo as
O tratamento da pulpite reversível consiste, basi-
dimensões para movimento de fluido intratubular, o
camente, na remoção de cárie ou da restauração defei-
que resulta em maior pressão contra odontoblastos e
tuosa (e/ou extensa) e aplicação de um curativo à base
fibras nervosas. No movimento em sentido interno, o
de óxido de zinco-eugenol, o qual é dotado de efeito
odontoblasto é empurrado em direção à polpa, ofere-
analgésico e anti-inflamatório. O paciente é remarcado
cendo menos resistência ao deslocamento intratubular
para, pelo menos, 7 dias depois, quando o caso é rea-
de fluido.
valiado, considerando-se a possibilidade de restaurar o
Elétrico – Quando da utilização de um Pulp Tes-
dente definitivamente.
ter, a intensidade de corrente elétrica necessária para
o paciente acusar um formigamento ou sensação de
queimação geralmente é igual ou levemente inferior à Pulpite irreversível
de um dente normal, usado como controle. Quando a polpa é exposta, fica estabelecida uma
Cavidade – A estimulação dentinária por meio de área de contato direto dessa com os micro-organismos
brocas, sonda exploradora ou colher de dentina evo- da cárie (Fig. 2-24). Inicia-se então um verdadeiro “com-
ca dor, indicando presença de vitalidade pulpar. Esse bate” visando à eliminação do agente agressor. Con-
Patologias Pulpar e Perirradicular 49

Figura 2-24. Exposição pulpar por cárie. Quando uma lesão exten-
sa de cárie atinge a polpa, ela se torna intensamente inflamada na
tentativa de impedir o avanço da infecção. (Gentileza do Prof. Ricar-
do Carvalhaes Fraga.)
Figura 2-25. Cárie profunda de dentina em um segundo pré-molar
superior associada à dor espontânea. A polpa apresenta inflamação
grave e irreversível após exposição (a área de exposição não pode
tudo, na grande maioria das vezes, devido às caracte-
ser visualizada nesse corte, mas aparece em outros cortes seriados
rísticas anatômicas peculiares da polpa, ela invariavel- do mesmo espécime). Os espaços vazios indicam a presença de
mente sofre alterações irreversíveis, caracterizadas por abscessos na polpa coronária. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
inflamação grave. Mesmo a remoção de irritantes não
é suficiente para reverter o quadro, havendo a neces-
sidade de intervenção direta na polpa. Acometida por
um processo inflamatório de caráter irreversível, a pol-
pa invariavelmente progride para necrose, a qual pode
dar-se lenta ou rapidamente. A necrose pulpar pode
ser retardada se o exsudato inflamatório for absorvido
por linfáticos ou vênulas ou se for drenado pela área de
exposição. A polpa radicular pode permanecer viável
por dias a anos. Se essa área de exposição for selada
ou obstruída, a necrose terá progressão rápida e total,
com consequente desenvolvimento de patologia perir-
A
radicular.
É imperioso ressaltar que, em alguns casos, a pul-
pite irreversível pode se instalar mesmo sem haver ex-
posição da polpa à cavidade oral.

Características fisiopatológicas
Bactérias podem causar dano direto, por meio de
seus fatores de virulência, e indireto, por evocar res-
posta inflamatória e/ou imunológica no tecido pulpar
que, quando exacerbada, é crítica para a sobrevivência
da polpa. Peptídeos N-formilados (liberados por bac-
térias), componentes do sistema complemento (ativa- B
do pela formação de complexos antígeno-anticorpos)
Figura 2-26. Exposição pulpar por cárie. A. Presença de microabs-
e mediadores químicos da inflamação (oriundos do
cessos na região pulpar próxima à exposição. B. Intenso infiltrado
tecido pulpar ou do plasma), são quimiotáticos para inflamatório na polpa adjacente a uma área de exposição por cárie.
neutrófilos PMNs, atraindo-os para o local da agres- Notar a ocorrência de necrose tecidual na superfície pulpar exposta.
50 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

são118. A liberação de enzimas proteolíticas e radicais a dor pulsátil da pulpite sintomática, aumentada du-
oxigenados por essas células inflamatórias promove rante esforço físico ou ao se deitar35.
destruição tecidual, na maioria das vezes caracterizada Cumpre salientar, entretanto, que a dor em pul-
por microabscessos (Figs. 2-25 e 2-26). pite irreversível nem sempre está presente, podendo
A área tecidual imediatamente em contato com o ser considerada exceção e não regra. Na verdade, tem
agente agressor também sofre uma série de fenômenos sido sugerido que o papel principal das fibras nervosas
fisiopatológicos, ditados pelos caracteres anatômicos pulpares seria controlar o fluxo sanguíneo e participar
da polpa. A resposta inflamatória se torna então mais da inflamação neurogênica. Existem algumas razões
acentuada, devido a esse contato direto da polpa com plausíveis para a pulpite assintomática. Muitas vezes
as bactérias. Como resultado do aumento de permea- há drenagem de exsudato inflamatório para a cavidade
bilidade vascular prolongado e acentuado, há elevação oral, via exposição pulpar. Isso ajudaria a impedir o es-
significativa da pressão hidrostática tecidual. A pres- tabelecimento de sintomatologia oriunda da compres-
são gerada pode exceder o limiar de excitabilidade são de fibras nervosas pelo edema, podendo também
das fibras nervosas amielínicas do tipo C, o que gera retardar, mas não impedir, a necrose pulpar. Além dis-
a dor pulsátil, excruciante, lenta, lancinante e espontâ- so, embora a maioria dos mediadores químicos libera-
nea, característica de pulpite irreversível. Em estágios dos durante a inflamação ative ou sensibilize os neurô-
mais avançados de aumento de pressão, o fluxo san- nios periféricos, alguns mediadores liberados na polpa
guíneo torna-se reduzido, o que faz com que as fibras após a injúria parecem ser inibitórios17. Esses incluem
A-δ, oxigênio dependentes, parem de responder, de- somatostatina e opioides endógenos, como a endorfi-
generando-se64. Por essa razão, em estágios avançados na, os quais reconhecidamente reduzem ou cessam a
da inflamação pulpar, a polpa apenas responde a altas atividade nervosa sensorial intradental, mesmo na pre-
correntes do teste elétrico e não responde positivamen- sença de mediadores estimulantes17. Esses mediadores
te ao teste térmico de frio. Quando o calor é aplicado, têm sido encontrados na polpa normal, mas principal-
a dor é exacerbada. Isso ocorre porque o calor causa mente na inflamada, e linfócitos T são aparentemente a
vasodilatação, potencializando a pressão tecidual. O principal fonte dessas substâncias92. A liberação dessas
frio pode causar alívio da sintomatologia, graças ao seu substâncias durante a inflamação pode ser uma das ex-
efeito vasoconstrictor ou anestésico. Pacientes acome- plicações para o fato de a maioria dos casos de pulpite
tidos por pulpite irreversível sintomática comumente ser assintomática17,87.
procuram o auxílio do profissional portando uma bolsa A elevação da pressão hidrostática tecidual não
de gelo ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas. é tão crítica para outros tecidos do organismo, quanto
As fibras tipo C são mais resistentes à hipoxia tecidual, o é para o cérebro e para a polpa. Em outras áreas, a
podendo sobreviver por períodos prolongados em presença de edema gera um aumento de volume teci-
áreas de necrose64. dual, caracterizado por tumefação. Na polpa, a qual se
Mediadores químicos como bradicinina e hista- encontra situada entre paredes inextensíveis de denti-
mina podem causar dor por ação direta sobre fibras na, esse aumento da pressão hidrostática tecidual pode
do tipo C. Prostaglandinas reduzem o limiar dessas comprometer sua sobrevivência.
fibras, tornando-as mais suscetíveis aos efeitos esti- Para melhor entendimento da resposta vascular
mulatórios da bradicinina e da histamina. Uma polpa da polpa à inflamação e dos efeitos da pressão, cumpre
inflamada pode apresentar níveis elevados de pros- revisar que a microcirculação pulpar é composta basi-
taglandinas73. Esses mediadores parecem não causar camente por63:
dor de forma direta sobre fibras A-δ, embora possam
reduzir seu limiar de excitabilidade. Embora esses • arteríolas – vasos com calibre abaixo de 100µm e
mediadores possam exercer um efeito direto sobre pressão sanguínea de 43mmHg;
fibras do tipo C, o aumento de pressão tecidual é o • capilares – vasos com calibre aproximado de 10µm e
principal responsável pela dor de origem pulpar e pe- pressão de 35mmHg;
rirradicular. • vênulas – vasos com calibre abaixo de 200µm e pres-
A inflamação pulpar pode diminuir o limiar de são de 19mmHg.
excitabilidade das fibras nervosas ao ponto em que um
aumento na pressão sanguínea sistólica pode ativar O aumento da pressão tecidual exerce mais efei-
neurônios pulpares. A sincronia de ativação das fibras tos sobre as vênulas, vasos mais calibrosos, mas com
pulpares em resposta aos batimentos cardíacos explica paredes mais finas e que apresentam a menor pressão
Patologias Pulpar e Perirradicular 51

se torna infectada, bactérias passam a agredir a região


da polpa adjacente, que sofrerá todos os fenômenos in-
flamatórios já descritos. Em resumo, bactérias agridem
uma região, que se torna inflamada e necrosa. Bactérias
então avançam e ocupam essa região, passando a agre-
dir a porção tecidual adjacente, em direção apical, a
qual sofrerá os mesmos eventos de inflamação, necrose
e invasão bacteriana. Destarte, cada compartimento te-
cidual experimenta os eventos agressão, inflamação, ne-
crose e infecção, os quais ocorrem gradativamente, por
compartimentos teciduais, até que toda a polpa esteja
necrosada e infectada.
Figura 2-27. Exposição pulpar por cárie. Na região da polpa adja- Tendo em vista o conhecimento desses fenôme-
cente à exposição há degeneração avançada do tecido (à esquer- nos, sabe-se atualmente que o processo inflamatório e
da). Na região oposta, ainda na câmara pulpar, o tecido se encontra
a necrose pulpar são compartimentalizados e a necrose
em relativa normalidade (à direita).
total da polpa se origina da coalescência de focos loca-
lizados de tecido necrosado.
intravascular dentre os componentes da microcircula- Em determinadas situações, a inflamação aguda
ção. Uma vez comprimidas, há aumento da resistên- da polpa pode se tornar crônica, sem progredir para a
cia venular, o que impede a drenagem sanguínea da necrose diretamente, o que acontece quando a agressão
região, induzindo, assim, a redução do fluxo sanguí- bacteriana tem sua intensidade reduzida e/ou quan-
neo136. Isso favorece a ocorrência de hipoxia tecidual, do há drenagem satisfatória do exsudato inflamatório,
a concentração de produtos tóxicos oriundos do meta- que pode se dar por meio de vênulas, linfáticos ou por
bolismo celular e a queda de pH. Dessa forma, a área uma área de exposição pulpar extensa. Uma polpa aco-
limitada da polpa que contata diretamente a agressão metida por inflamação crônica pode levar anos para se
torna-se necrosada (Fig. 2-26). tornar necrosada. Alterações degenerativas da polpa,
Toda essa sequência de eventos ocorre na região como fibrose e reabsorção interna, podem eventual-
tecidual em contato com o agente agressor e não em mente se desenvolver durante o curso de um processo
toda a extensão do tecido pulpar. A região tecidual inflamatório crônico na polpa (Fig. 2-28).
subjacente à zona agredida não apresenta sinais de
inflamação grave63 (Fig. 2-27), o que é confirmado por
achados fisiológicos inerentes à pressão pulpar. Tonder
& Kvinnsland137 relataram que na porção inflamada a
pressão tecidual pode atingir cerca de 16mmHg. Na re-
gião 1 a 2mm distante dessa a pressão é de aproximada-
mente 7mmHg, muito próxima da normal encontrada,
que foi de 6mmHg. Essa diferença de pressão entre a
área inflamada e a adjacente não inflamada pode resul-
tar de vários mecanismos voltados para a manutenção
da normalidade fisiológica da região que não está sen-
do agredida diretamente, impedindo a disseminação
do aumento de pressão tecidual. A elevação de pressão
na área agredida pode forçar fluidos e macromoléculas
de volta para vasos sanguíneos e linfáticos na região
subjacente38,136,137. Além disso, a pressão pode ser dissi-
pada por compartimentos extracelulares presentes em
um tecido conjuntivo frouxo (no caso, a polpa).
Contudo, quando uma região localizada da polpa
se torna necrosada em decorrência da agressão, a capa-
cidade de defesa contra a invasão bacteriana é perdida.
Uma vez que a área afetada por inflamação e necrose Figura 2-28. Reabsorção interna da polpa. Radiografia de diagnóstico.
52 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Diagnóstico
Sinais e sintomas
A grande maioria dos pacientes que são acome-
tidos por pulpite irreversível não se queixa de dor.
Por essa razão, a dor em pulpite irreversível pode
ser considerada exceção e não regra. Poucos pacien-
tes relatam episódio de dor prévia. Como discutido
alhures, a ausência de sintomas da pulpite irrever-
sível provavelmente se dá em virtude da exposição
pulpar, que permite a drenagem do exsudato infla-
matório e/ou da liberação de substâncias analgésicas
A
na região inflamada. Além disso, o fenômeno dor é
extremamente influenciado por fatores psicológicos,
além dos somáticos. Assim, muitos pacientes aco-
metidos por inflamação pulpar aguda podem não se
queixar de dor.
Quando presente, a dor associada a uma inflama-
ção aguda da polpa, em estágios intermediários, pode
ser provocada, aguda, localizada e persiste por um
longo período após a remoção do estímulo. O paciente
usualmente relata o uso de analgésicos, que podem ou
não ser eficazes no alívio da sintomatologia. Em casos
mais avançados de inflamação pulpar aguda, a dor re-
latada pelo paciente pode ser pulsátil, excruciante, lan-
B
cinante, contínua e espontânea. O emprego de analgé-
sicos comuns pelo paciente usualmente não apresenta
Figura 2-29. Pulpite irreversível hiperplásica. A. Aspecto clínico.
eficácia em debelar os sintomas.
(Gentileza da Dra. Maria Urânia Alves.) B. Aspecto histopatológico.

Inspeção

Em dentes de pacientes jovens, a inflamação Pelo exame clínico visual geralmente se observa
crônica da polpa pode resultar na formação de um a presença de cáries ou restaurações extensas (Fig.
pólipo, condição conhecida como pulpite hiperplá- 2-30A). Uma vez removidas, na grande maioria das
sica. Essa é uma forma de pulpite irreversível, ca- vezes se observa exposição pulpar, observação essa
racterizada pela proliferação de um tecido granulo- de fundamental importância para se estabelecer o
matoso que protrai pela câmara pulpar (Fig. 2-29). O diagnóstico da pulpite irreversível. Entretanto, o
pólipo formado pode tornar-se epiteliado, uma vez profissional deve estar consciente de que a exposi-
que células epiteliais descamadas da mucosa oral ção pulpar não é condição sine qua non para se es-
são adsorvidas à superfície do tecido granulomato- tabelecer o diagnóstico de pulpite irreversível. Se a
so, o que contribui para a redução da sensibilidade causa da exposição for de origem microbiana, pela
desse tecido exposto. cárie, considera-se que a polpa está inflamada irre-
Em suma, uma polpa agredida por bactérias se versivelmente, necessitando de tratamento invasivo
torna inflamada. A inflamação poderá ser aguda e/ou nesse tecido, representado pela pulpotomia ou pelo
crônica, dependendo de uma série de fatores, e, se o tratamento endodôntico. Entretanto, em casos de
agente agressor não for eliminado, invariavelmente exposições traumáticas recentes (máximo de 48 ho-
progredirá para a necrose do tecido. ras) ou iatrogênicas assépticas, pode-se considerar
Uma vez que a necrose e a colonização bacteriana que a inflamação pulpar tem caráter de reversibili-
se estendem para a porção mais apical do canal, apro- dade, podendo o tecido ser salvo pelo capeamento
ximando-se do forame apical, a agressão e a resposta direto, uma vez que não houve ainda tempo hábil
passam a envolver os tecidos perirradiculares. para maciça colonização e invasão bacteriana da su-
Patologias Pulpar e Perirradicular 53

A B

Figura 2-30. Exposição pulpar em decorrência de cárie extensa (A) ou fratura coronária causada por traumatismo dentário (B). A causa e o
tempo de exposição podem influenciar o tratamento a ser efetuado. (Gentileza do Prof. Ricardo Carvalhaes Fraga.)

perfície pulpar exposta (Fig. 2-30B). Por outro lado, a) à ativação de mecanonociceptores pulpares em de-
mesmo que não se observe a inflamação pulpar, mas corrência da inflamação;
o paciente se queixa de dor lancinante, espontânea, b) à extensão da inflamação pulpar para os tecidos
pulsátil e contínua, há fortes indícios de que o teci- perirradiculares, ativando mecanonociceptores no
do pulpar está inflamado irreversivelmente e o trata- ligamento periodontal apical;
mento endodôntico convencional está indicado. c) à sensibilização central ao nível do corno dorsal da
medula, causada por atividade intensa dos nocicep-
Testes pulpares tores pulpares durante a inflamação. A sensibiliza-
Térmico ção central resulta em expansão dos campos recep-
Calor – O resultado do teste é positivo. Nos casos tivos periféricos, levando ao desenvolvimento de
sintomáticos, a aplicação de calor exacerba a dor. Isso alodinia mecânica em regiões mais distantes (como
ocorre porque o calor causa vasodilatação, potenciali- o ligamento periodontal e até mesmo os dentes e
zando a pressão tecidual. mucosa adjacentes).
Frio – Nos estágios iniciais da pulpite pode haver Palpação – A palpação da mucosa ao nível do ápi-
resposta positiva. Entretanto, nos estágios mais avan- ce gera resposta negativa.
çados da inflamação pulpar geralmente não há respos-
ta positiva devido à perda de atividade por hipoxia e Achados radiográficos
degeneração das fibras A-δ. Nos casos sintomáticos, Pela radiografia podem ser detectadas lesões ca-
o frio pode causar alívio da dor, graças ao seu efeito riosas e/ou restaurações extensas, geralmente suge-
vasoconstrictor e anestésico. Pacientes acometidos por rindo exposição pulpar. O espaço do ligamento perio-
pulpite irreversível sintomática comumente procuram dontal (ELP) apresenta-se normal ou, algumas vezes,
o auxílio do profissional portando uma bolsa de gelo ligeiramente espessado.
ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas
Elétrico – Usualmente se observa que a polpa Tratamento
apenas responde a altas correntes do teste elétrico. O tratamento consiste na remoção do tecido pul-
Cavidade – A resposta geralmente é positiva. par, total (tratamento endodôntico convencional) ou
parcial (tratamento conservador pulpar).
Testes perirradiculares
Percussão – Usualmente negativo, pois a resposta
inflamatória normalmente é localizada e restrita à pol- Necrose pulpar
pa. Contudo, um estudo relatou que 57% dos pacientes A necrose é caracterizada pelo somatório de alte-
com pulpite irreversível apresentaram alodinia me- rações morfológicas que acompanham a morte celular
cânica em resposta ao teste de percussão99. Isso pode em um tecido118. Dependendo da causa, a necrose pul-
ocorrer devido31: par pode ser classificada como:
54 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

• Necrose de liquefação – É comum em áreas de in- Frio – A resposta à aplicação de frio é sempre ne-
fecção bacteriana. Resulta da ação de enzimas hidro- gativa. Esse é um dos testes mais confiáveis para deter-
líticas, de origem bacteriana e/ou endógena (neu- minar a necrose pulpar.
trófilos), que promovem a destruição tecidual. Elétrico – Não há resposta à corrente elétrica por
• Necrose de coagulação – Geralmente é causada parte da polpa. Em raras ocasiões, se ainda houver fi-
por uma lesão traumática, com interrupção do su- bras tipo C viáveis ou a polpa apresentar necrose de
primento sanguíneo pulpar devido ao rompimento liquefação, altas correntes podem evocar uma resposta
do feixe vasculonervoso que penetra pelo forame positiva (falso resultado).
apical, ocasionando isquemia tecidual. Embora o Cavidade – É um teste também bastante eficaz para
núcleo seja perdido, a morfologia celular é usual- diagnosticar a necrose pulpar. A resposta é negativa.
mente mantida, a despeito da morte. Esse modelo
de necrose resulta de extensa desnaturação proteica, Testes perirradiculares
não apenas de proteínas estruturais, mas também de
Percussão e palpação – Podem evocar resposta
enzimas autolíticas, impedindo a proteólise e total
positiva ou negativa, dependendo do status dos tecidos
destruição da célula.
perirradiculares.
• Necrose gangrenosa – Dá-se quando o tecido que
sofreu necrose de coagulação é invadido por bacté-
rias, que promovem a liquefação. Ocorre em dentes Achados radiográficos
traumatizados, cujas polpas sofreram necrose de Pela radiografia de diagnóstico observa-se a pre-
coagulação asséptica e que se tornaram infectadas sença de cárie, coroa fraturada e/ou restaurações ex-
posteriormente. Os modelos de coagulação e lique- tensas. Se a causa de necrose foi traumática, a coroa
fação coexistem na gangrena pulpar. dentária pode apresentar-se hígida ou com pequenas
restaurações. O ELP pode apresentar-se normal, espes-
Diagnóstico sado, ou uma lesão perirradicular caracterizada por re-
absorção óssea pode estar presente.
Sinais e sintomas
A necrose pulpar geralmente é assintomática, com Tratamento
o paciente podendo relatar episódio prévio de dor. En-
O tratamento da necrose pulpar consiste na remo-
tretanto, dependendo do status dos tecidos perirradi-
ção de todo o tecido necrosado e possivelmente infec-
culares, a dor pode estar presente, como nos casos de
tado, medicação intracanal e obturação do sistema de
periodontite apical aguda ou abscesso perirradicular
canais radiculares.
agudo.

Patologia perirradicular
Inspeção
Em linhas gerais, depreende-se do exposto até
Pelo exame clínico-visual detecta-se a presença aqui que o processo patológico perirradicular se ini-
de cáries e/ou restaurações extensas que alcançaram a cia na grande maioria das vezes com um processo
polpa. Em outras situações, quando a causa de necro- carioso. Uma vez não tratada, a cárie resultará em
se foi traumática, a coroa dentária pode estar hígida. inflamação pulpar que será reversível até o momen-
A necrose pulpar também pode promover o escureci- to em que a polpa fique exposta, condição essa que
mento da coroa. usualmente induz um quadro de irreversibilidade da
condição inflamatória pulpar. O processo de inflama-
Testes pulpares ção, necrose e infecção pulpar progride por compar-
Térmico timentos em direção apical até que os tecidos perirra-
Calor – A aplicação de calor, na grande maioria diculares sejam afetados (Fig. 2-31). Em alguns casos,
das vezes, não evoca dor. No entanto, há raras situa- uma lesão perirradicular pode ser detectada mesmo
ções em que o paciente pode acusar sensibilidade, de- antes de todo o canal estar necrosado e infectado3,106.
vido à presença de fibras do tipo C, que por serem mais A ocorrência da patologia perirradicular está associa-
resistentes à hipoxia tecidual podem permanecer res- da às respostas inflamatória e imunológica do hospe-
ponsíveis por um determinado período após a necrose deiro com o intuito de conter o avanço da infecção
pulpar. endodôntica122,139,145.
Patologias Pulpar e Perirradicular 55

A B C D E

Figura 2-31. Dinâmica dos processos patológicos pulpar e perirradicular tendo como início um processo de cárie. A. Pulpite reversível. À
medida que a cárie avança na dentina em direção à polpa, aumenta a gravidade do processo inflamatório pulpar. B. Pulpite irreversível. Após
exposição pulpar por cárie, a agressão exercida diretamente por micro-organismos é intensa e gera inflamação grave e irreversível. C. Pulpite
irreversível e necrose parcial. A infecção avança no canal em direção apical. D. Necrose e infecção de praticamente toda a polpa radicular,
como resultado do avanço apical dos eventos compartimentalizados de agressão, inflamação, necrose e infecção. E. Estando localizada a
infecção na porção mais apical do sistema de canais radiculares, a agressão incide sobre os tecidos perirradiculares, estabelecendo-se uma
lesão inflamatória.

A ocorrência de dano aos tecidos perirradicu-


lares pode resultar do efeito direto ou indireto das
bactérias. A agressão tecidual causada diretamente
por bactérias é dependente de alguns de seus fatores
de virulência. Esses incluem enzimas (p. ex., colage-
nase, hialuronidase, condroitinase, fosfatase ácida),
exotoxinas e produtos metabólicos (p. ex., butirato,
propionato, amônia, indol, compostos sulfurados).
Além disso, componentes bacterianos podem ativar
as defesas do hospedeiro132. Quando da persistência
da agressão, essa ativação pode ser responsável pela
autólise tecidual. Assim, bactérias também exercem
um efeito destrutivo de forma indireta por ativarem
elementos de defesa do hospedeiro.

Resposta dos tecidos perirradiculares à agressão


A intensidade da agressão microbiana depen-
de do número de micro-organismos patogênicos e do
seu grau de virulência. Esses fatores, dependendo da
resistência do hospedeiro, podem estimular o desen-
volvimento de uma resposta inflamatória aguda, com
a ocorrência da periodontite apical ou do abscesso, ou
crônica, com a formação de granuloma, cisto ou abs-
Figura 2-32. Lesão perirradicular crônica associada à reabsorção
cesso perirradicular crônico, com consequente destrui- óssea. O osso reabsorvido é substituído por tecido granulomatoso
ção óssea (Fig. 2-32). voltado para o combate à infecção do canal.
56 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Micro-organismos estão localizados em posição


privilegiada e estratégica no interior do sistema de
canais radiculares contendo tecido necrosado. As cé-
lulas fagocíticas não têm como alcançá-los e eliminá-
los nessa localização, uma vez que não há mais vasos
sanguíneos ativos na polpa necrosada. Por outro lado,
os micro-organismos que avançam para fora do canal,
inicialmente em direção ao ligamento periodontal, são
imediatamente combatidos pelos mecanismos de de-
fesa do hospedeiro. Esses, representados por mecanis-
mos de defesa inata não induzida, pela resposta infla-
matória inespecífica (aguda) ou por uma resposta imu-
nológica adaptativa (crônica) de caráter específico, são
mobilizados para impedir o avanço da infecção118,121. Se
isso não ocorresse, uma infecção endodôntica poderia Figura 2-33. Receptores de superfície da família Toll, que capaci-
causar problemas mais sérios, como osteomielite ou até tam as células de defesa a reconhecerem diversos componentes
mesmo efeitos sistêmicos indesejáveis138. Assim, embo- bacterianos.
ra a fonte original da infecção, dentro do canal, não seja
debelada, o hospedeiro consegue estabelecer um equi-
líbrio. Quando o canal radicular é tratado convenien- inicial do tecido conjuntivo, as células bacterianas são
temente, o profissional desequilibra em favor do hos- imediatamentre combatidas por macrófagos teciduais
pedeiro, e a reparação é então iniciada. Destarte, lesões residentes e pelo sistema complemento, ativado pela
perirradiculares são consideradas como uma segunda vias alternativa e/ou da lectina. Macrófagos e outras
linha de defesa do hospedeiro, objetivando confinar a células de defesa possuem receptores que reconhecem
infecção ao canal radicular e prevenir seu egresso para componentes da superfície bacteriana e geram sinais
o osso alveolar e para outras regiões do corpo via dis- que ativam funções antimicrobianas e pró-inflamató-
seminação sistêmica. rias, além de poderem favorecer a fagocitose, os quais
A defesa do hospedeiro contra uma infecção con- incluem receptores tipo Toll, como TLR-4 (reconhece
siste basicamente em três mecanismos, os quais usu- LPS), TLR-2 (peptidoglicano, ácido lipoteicoico e LPS
almente atuam obedecendo uma sequência cronológi- de algumas espécies), TLR-5 (flagelos) e TLR-9 (DNA
ca118 (Quadro 2-2). O primeiro mecanismo é representa- bacteriano) (Fig. 2-33), o receptor de manose e o de gli-
do pela defesa inata não induzida, que pode ser consi- cana, receptores depuradores (scavenger), receptores
derada uma resposta pré-inflamatória. Após a invasão para peptídeos bacterianos formilados e outros1.

Quadro 2-2 Mecanismos de defesa do hospedeiro contra bactérias presentes no canal radicular

Mecanismo Características 2o encontro Elementos de defesa Patologia


perirradicular

Defesa inata não induzida Inespecífica não induzida S/memória Macrófagos S/alterações
Complemento (va, vl)   significativas

Resposta inflamatória aguda Inespecífica induzida S/memória Neutrófilos PAA


Macrófagos APA
Complemento (va, vl)
Anticorpos (–)

Resposta imunológica adaptativa Específica induzida Memória Macrófagos PAC


Anticorpos (+) GP
Complemento (vc) CP
APC
va: via alternativa; vl: via da lectina; vc: via clássica; PAA: periodontite apical aguda; APA: abscesso perirradicular agudo; PAC: periodontite apical crônica; GP: granuloma perir-
radicular; CP: cisto perirradicular; APC: abscesso perirradicular crônico.
Patologias Pulpar e Perirradicular 57

Uma vez ativado por componentes bacterianos, dores químicos envolvidos na inflamação, a resposta
o macrófago tem sua capacidade fagocítica aumenta- de defesa subsequente.
da, assim como a capacidade de apresentar antígenos Em decorrência da persistência da agressão bacte-
aos linfócitos. O macrófago ativado passa também a riana oriunda do canal, a qual não foi eliminada pelos
apresentar uma pronunciada atividade biossintética, mecanismos de defesa inata não induzida, um dano
liberando uma gama variada de mediadores, como as tecidual é gerado, levando ao desenvolvimento da res-
citocinas IL-1, IL-6, IL-8/CXCL8 e TNF-α mediadores posta inflamatória aguda, inespecífica. Essa é caracte-
lipídicos (como prostaglandinas e leucotrienos), enzi- rizada pelos eventos vasculares e celulares já descritos
mas lisossomais, radicais oxigenados e óxido nítrico. no início deste capítulo. A periodontite apical aguda está
Em caso de necessidade, como a persistência da fonte então instalada. Se essa resposta não reduz a intensi-
de agressão, esses mediadores poderão estar envolvi- dade de agressão proveniente do canal, pode se tor-
dos na indução do segundo mecanismo de defesa, a nar exacerbada, dando origem ao abscesso perirradicular
resposta inflamatória inespecífica. Componentes da agudo. Como essa resposta não é capaz de eliminar bac-
superfície bacteriana, como LPS, peptidoglicano e áci- térias no canal, mas apenas de reduzir a agressão cau-
do lipoteicoico, podem ativar o sistema complemento sada por bactérias que egressam pelo forame apical, o
pela via alternativa, enquanto bactérias que expressam processo se cronifica, sendo composto agora por com-
manose na superfície podem ativar o complemento ponentes do terceiro mecanismo de defesa, a resposta
pela via da lectina. Em conjunto com macrófagos resi- imunológica adaptativa, com caráter de especificidade.
dentes, outro mecanismo inicial de defesa inata é en- Uma inflamação crônica, caracterizada por componen-
tão ativado, sendo representado pelo efeito citolítico tes da resposta imunológica adaptativa e por elemen-
e opsonizador exercido por componentes do sistema tos de reparação, se instala nos tecidos perirradiculares,
complemento. A ativação do sistema complemento dando origem à periodontite apical crônica. Se o estímulo
pelas vias alternativa e da lectina é de grande impor- persiste no sistema de canais radiculares, esse proces-
tância, pois precede a ativação desse mesmo sistema so crônico resulta em reabsorção óssea, dando origem
pela via clássica, a qual se dá em cerca de 5 a 7 dias, ao granuloma perirradicular e, posteriormente, ao cisto
tempo necessário para haver a síntese de anticorpos. perirradicular (Fig. 2-34). Como já aclarado, a resposta
Ao mesmo tempo, produtos da ativação do sistema inflamatória crônica pode se desenvolver sem ser pre-
complemento, como C3a e C5a, atuam como anafilato- cedida pela resposta inflamatória aguda, desde que a
xinas, que estimulam a desgranulação de mastócitos e agressão inicial seja de baixa intensidade. A dinâmica
a consequente liberação de histamina e outros media- dos mecanismos de defesa do hospedeiro em respos-

Figura 2-34. Lesões perirradiculares


em resposta à infecção do canal em
dentes de ratos. A. Granuloma pe-
rirradicular, evidenciando um aglo-
merado de células de defesa adja-
centes ao forame apical na tentativa
de impedir o avanço da infecção. B.
Cisto perirradicular contendo gran-
A B de quantidade de detritos no inte-
rior da loja cística.
58 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

ta à agressão proveniente do canal será discutida com mados23. O LTC4 tem ação vasodilatadora e por meio
mais detalhes adiante. da ligação a células endoteliais promove o aumento da
permeabilidade vascular.
Mediadores químicos envolvidos na patogênese LPS liberado por bactérias gram-negativas e ou-
das lesões perirradiculares tros produtos bacterianos que alcançam os tecidos
Os mediadores químicos detectados em lesões perirradiculares via forame apical podem estimular a
perirradiculares formam uma rede interligada, onde síntese e expressão de quimiocinas que irão atrair um
um mediador pode ativar, ter ação sinérgica ou mesmo maior número de células inflamatórias para a região.
suprimir o outro. A progressão e a estabilização da le- Por meio de imuno-histoquímica, Marton et al.81 detec-
são perirradicular serão determinadas pelo status dessa taram três importantes quimiocinas em lesões perirra-
diculares crônicas – IL-8/CXCL8 (quimiotática para
rede de mediadores52.
neutrófilos), MCP-1/CCL2 (quimiotática para monó-
citos/macrófagos) e Rantes/CCL5 (quimiotática para
Resposta inflamatória inespecífica linfócitos T e outros leucócitos). A distribuição diferen-
Os principais mediadores químicos da resposta in- ciada de MCP-1/CCL2, a qual foi a única quimiocina
flamatória aguda são: neuropeptídeos, fibrinopeptídeos, presente no endotélio, sugere que esteja envolvida no
bradicinina, componentes do sistema complemento, ami- contínuo recrutamento de células de defesa para a re-
nas vasoativas, enzimas lisossomais, derivados do ácido gião, enquanto IL-8/CXCL8 e Rantes/CCL5 podem
aracdônico, radicais oxigenados, óxido nítrico e citocinas. alcançar os vasos sanguíneos, mas apenas exercer uma
Uma vez liberados após a agressão tecidual, esses me- função quimioatrativa periodicamente.
diadores químicos podem iniciar, amplificar e perpetuar Shimauchi et al.113 relataram a ocorrência de IL-8/
uma alteração patológica dos tecidos perirradiculares. CXCL8 e óxido nítrico em 24 e 19 das 27 amostras de
O sistema complemento pode ser ativado por três lesões perirradiculares, respectivamente. Enquanto ní-
vias, a clássica, a alternativa e a da lectina, sendo que as veis significantes de IL-8/CXCL8 foram detectados em
duas últimas fazem parte dos principais mecanismos lesões sintomáticas, não houve correlação entre níveis
de defesa inespecífica do hospedeiro. Estudos relata- elevados de óxido nítrico e a presença de sintomas.
ram a presença do componente C3 do sistema comple- Os tecidos perirradiculares são inervados por fi-
mento em lesões perirradiculares69,146. bras sensoriais e simpáticas45,152,163 e o brotamento de axô-
Marton et al.80, investigando a atividade de radicais nios tem sido observado em lesões inflamatórias18,37,61,66.
oxigenados em lesões perirradiculares crônicas, revela- Fibroblastos estimulados pela agressão podem liberar
ram que eles foram primariamente liberados por células NGF (fator de crescimento de nervos), o qual se liga
fagocíticas e que podem contribuir para a destruição te- a um receptor expresso na membrana axonal e nas
cidual e perda óssea associadas a essas lesões. células de Schwann, fazendo com que ocorra a pro-
Enzimas lisossomais hidrolíticas, como as arilsul- liferação de fibras nervosas. Isso resulta em aumento
fatases A e B, foram encontradas em níveis elevados da densidade nervosa, com consequente aumento da
nas lesões perirradiculares2. liberação de neuropeptídeos. Assim, a agressão aos
Prostaglandinas podem exercer um papel impor- tecidos perirradiculares induz aumento da densidade
tante na patogênese de lesões perirradiculares141,142. nervosa, por brotamento axonal mediado por NGF, o
McNicholas et al.185 encontraram altos níveis de pros- que pode elevar os níveis de neuropeptídeos, como a
taglandinas em lesões perirradiculares, mormente nos SP e o CGRP, liberados nos tecidos perirradiculares
abscessos agudos. Takayama et al.130 encontraram cor- afetados17. Neuropeptídeos causam vasodilatação e
relação entre os níveis de PGE2 e a presença de sinto- aumento da permeabilidade vascular, exercendo papel
matologia clínica. importante nas fases iniciais da inflamação. O número
Torabinejad et al.144 relataram que os níveis de de fibras nervosas contendo CGRP está correlacionado
LTB4, um leucotrieno quimiotático para neutrófilos com o tamanho da lesão, enquanto o número de fibras
PMNs, foram significativamente maiores em lesões sin- contendo SP está associado ao acúmulo de células in-
tomáticas. Um estudo demonstrou que a concentração flamatórias. É bem estabelecido que interações neuroi-
de LTC4, outro leucotrieno pró-inflamatório, liberado munes são moduladoras importantes na determinação
principalmente por mastócitos e possivelmente por ou- da progressão das lesões perirradiculares52.
tras células inflamatórias, foi significativamente maior Bactérias e seus produtos também podem causar a
em lesões perirradiculares do que em tecidos não infla- lesão de vasos sanguíneos. Isso pode ocorrer por meio
Patologias Pulpar e Perirradicular 59

da ação de enzimas bacterianas que degradam o coláge- diada basicamente por linfócitos T, macrófagos e cito-
no, componente da membrana basal vascular. Produtos cinas secretadas, e por uma resposta humoral, mediada
do metabolismo bacteriano também podem ser tóxicos por linfócitos B, plasmócitos e anticorpos secretados.
às células endoteliais, rompendo, assim, a integridade Tem sido demonstrado que o canal radicular pode
do revestimento endotelial interno dos vasos. Outros- funcionar como uma via para a sensibilização do hospe-
sim, o dano vascular causado por bactérias pode se dar deiro164. Em outras palavras, produtos antigênicos pre-
por ação indireta delas. Macrófagos ativados por com- sentes em um canal infectado podem ser conduzidos aos
ponentes bacterianos liberam enzimas e radicais livres linfonodos regionais e desencadearem uma resposta imu-
que danificam as paredes dos vasos. Uma vez que os nológica, que irá se concentrar nas imediações do local
vasos são lesados, há a ativação dos sistemas de cininas, de saída dos antígenos (forame apical ou ramificações)116.
de coagulação e fibrinolítico, resultando na produção Estudos revelam que praticamente todos os componentes
de potentes mediadores químicos, como bradicinina e de uma resposta imunológica adaptativa estão presentes
fibrinopeptídeos. Níveis elevados de cininas têm sido em lesões perirradiculares crônicas, como granulomas e
detectados em lesões perirradiculares150. cistos104,132,147. Dessa forma, infere-se que essas lesões re-
Níveis elevados de ciclooxigenase 2 (COX-2) e presentam uma resposta imunológica adaptativa a antí-
óxido nítrico sintase, envolvidos na produção de pros- genos presentes no sistema de canais radiculares, visan-
taglandinas e óxido nítrico durante inflamação, têm do ao combate da infecção, mas resultando na inevitável
sido relatados em macrófagos presentes em lesões destruição óssea perirradicular.
perirradiculares127,131. A síntese desses mediadores Macrófagos expressando MHC II parecem partici-
também parece estar relacionada com o período inicial par ativamente da fase inicial de expansão da lesão, en-
de expansão da lesão. quanto células dendríticas expressando MHC classe II
Kettering & Torabinejad57 relataram a presença de parecem estar mais envolvidas na defesa imune contra
células NK em lesões de origem endodôntica. A detec- desafios antigênicos que persistem após a estabilização
ção de células NK em praticamente todas as lesões gra- da lesão48. Um papel de grande relevância para essas
nulomatosas e císticas examinadas por Saboia-Dantas células na lesão perirradicular seria a apresentação de
et al.111 confirma que essas células podem participar antígenos para linfócitos T efetores ou de memória que
ativamente do processo de defesa (Fig. 2-35), princi- circulam pela região e encontram, então, o antígeno
palmente em casos nos quais há infecção de células do para o qual são específicos, capturado e expresso por
hospedeiro por herpesvírus. macrófagos e células dendríticas49,50.
Stern et al.125 relataram que macrófagos, seguidos
Resposta imunológica adaptativa por linfócitos, são as principais células inflamatórias pre-
A resposta imunológica adaptativa, de caráter es- sentes em lesões perirradiculares. Isso foi confirmado
pecífico, é representada por uma resposta celular, me- por estudo de Kopp & Schwarting67. Torabinejad & Ket-

A B

Figura 2-35. Células Natural Killer detectadas em lesões perirradiculares e evidenciadas por imuno-histoquímica (A e B), de acordo com
Saboia-Dantas et al.111.
60 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

tering147 relataram a presença de linfócitos B e T em lesões TNF-α é significativamente aumentada nos estágios
perirradiculares, com os linfócitos T sendo significativa- iniciais de expansão da lesão51. IL-12 e IFN-γ (citocinas
mente mais numerosos do que os linfócitos B. Stashenko de TH1) podem participar da destruição óssea perirra-
& Yu124 demonstraram a presença de linfócitos T CD4+ e dicular por induzirem a produção de outras citocinas
CD8+ em lesões perirradiculares. Eles observaram que pró-inflamatórias por macrófagos51. Por outro lado,
durante o período de atividade lítica da lesão (expansão) IL-4 e IL-10 (citocinas de TH2) parecem participar da
os linfócitos T CD4+ (helper) predominaram. Nas fases estabilização da lesão52. IL-6 e IL-11, que podem esti-
de estabilização do crescimento da lesão, os linfócitos T mular a formação de novos osteoclastos a partir dos
CD8+ (supressor) estavam em maior número. precursores hematopoiéticos, também têm sido detec-
As duas subpopulações de linfócitos TH, TH1 e tadas em lesões perirradiculares5,51,122.
TH2, parecem exercer papéis distintos na patogênese Receptores para produtos bacterianos também
das lesões perirradiculares. Inflamação e reabsorção exercem um papel importante na fisiopatologia de le-
óssea são aparentemente aumentadas por células TH1 sões perirradiculares por sinalizarem para que células
e diminuídas por TH2. TH1 aumenta a produção de IL-1 de defesa iniciem a produção de mediadores inflamató-
e outros mediadores pró-inflamatórios, enquanto inibi- rios. Por exemplo, tem sido demonstrado que camun-
dores de IL-1 estão relacionados com TH2. A produção dongos deficientes para TLR-4, o receptor primário
de citocinas de TH1 predomina no estágio inicial de ex- para LPS, têm resposta reduzida de citocinas inflama-
pansão da lesão, enquanto a produção de citocinas de tórias e consequentemente também reduzida reabsor-
TH2 é induzida em estágios mais tardios51. Assim, lin- ção óssea perirradicular39, o que enfatiza a importância
fócitos TH1 parecem contribuir para a fase de progres- desse receptor na indução da expressão de IL-1 e TNF,
são das lesões perirradiculares, enquanto linfócitos TH2 importantes citocinas pró-reabsortivas.
podem estar mais associados à fase de estabilização da O osteoclasto é uma célula gigante multinuclea-
lesão. O envolvimento de TH1 na indução de lesões em da oriunda da mesma linhagem de células precursoras
humanos tem sido confirmado pela detecção de células dos monócitos/macrófagos (Fig. 2-36A), cuja diferen-
positivas para IFN-γ nessas lesões46. Por sua vez, uma ciação é primariamente regulada por M-CSF, ligante
maior expressão de IL-4, IL-6 e IL-10 do que de IL-2 e do receptor para ativação do fator nuclear kappa B
IFN-γ em lesões de humanos sugere que mediadores (RANKL) e osteoprotegerina (OPG)135. A diferenciação
relacionados com TH2 predominam e agem na fase de do precursor em osteoclasto requer a presença de cé-
estabilização de lesões crônicas122. lulas do estroma da medula óssea ou osteoblastos, as
Níveis elevados de citocinas, como IL-1 e TNF, quais expressam as duas moléculas essenciais para a
as quais são potentes mediadores da reabsorção óssea, promoção da osteoclatogênese – M-CSF e RANKL70,134
têm sido verificados em lesões perirradiculares em hu- (Fig. 2-36B). M-CSF, que é mandatório para a matu-
manos e em animais4,6,34,75,165,166. A produção de IL-1 e ração de macrófagos, liga-se ao seu receptor, c-Fms,

A B

Figura 2-36. Osteoclastos, células multinucleadas envolvidas na reabsorção óssea. A. Corte histológico evidenciando osteoclasto reabsor-
vendo osso. B. A ativação de osteoclastos requer a presença de células do estroma da medula óssea ou de osteoblastos, as quais expressam
as duas moléculas essenciais para a promoção da osteoclastogênese – M-CSF e RANKL.
Patologias Pulpar e Perirradicular 61

expresso na superfície dos precursores do osteoclasto, tornando bactérias mais prontamente fagocitadas e eli-
gerando os sinais necessários para sua sobrevivência minadas por neutrófilos e macrófagos. Das subclasses
e proliferação133. Embora o M-CSF seja um produto de IgG, IgG1 é produzida em maior quantidade seguida
secretado, a osteoclastogênese requer contato entre o por IgG2, IgG3 e IgG4, as duas últimas em níveis simi-
precursor do osteoclasto e as células do estroma da lares128. Matsuo et al.83, avaliando o exsudato coletado de
medula ou osteoblastos. Na verdade, esses últimos lesões, encontraram que os níveis de IgG e IgA foram di-
produzem uma molécula de superfície, o RANKL, que retamente proporcionais ao tamanho da lesão perirradi-
é essencial para a diferenciação do osteoclasto através cular. Relataram, ainda, que esses níveis decaíram após
da ligação a RANK expresso pelo precursor do osteo- a realização do tratamento endodôntico. Esses dados
clasto133. A OPG, também produzida por osteoblastos, sugerem que essas imunoglobulinas podem estar envol-
se liga a RANKL, impedindo a interação com RANK, vidas na imunopatogênese de lesões perirradiculares.
e assim neutralizando a ativação de osteoclastos defla- Complexos imunes (antígeno/anticorpo) po-
grada por RANKL16. dem ser formados em lesões perirradiculares quando
Um estudo utilizou real-time PCR para avaliar a antígenos microbianos interagem com IgG ou IgM.
expressão do mRNA para RANKL, RANK, OPG e ci- Tem sido demonstrado que as reações oriundas da
tocinas em lesões perirradiculares experimentais em formação de complexos imunes podem participar
ratos e demonstrou que a expressão de RANKL foi au- na patogênese das lesões perirradiculares149. Quando
mentada, mormente em comparação com seu competi- complexos imunes foram aplicados a canais radicu-
dor OPG, durante o período de expansão da lesão53. A lares de gatos, houve rápido desenvolvimento de le-
expressão de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, sões perirradiculares, caracterizadas por perda óssea
IL-1α e IL-1β, também aumentou nesse estágio, indi- e acúmulo de neutrófilos e osteoclastos143. Em lesões
cando sinergismo entre RANKL e citocinas na expan- perirradiculares crônicas, tais complexos ficam a elas
são da lesão. A maioria das células produzindo RANKL confinados, não penetrando na circulação e, portanto,
foram fibroblastos, mas também foram envolvidos lin- não se distribuindo sistemicamente151. Por outro lado,
fócitos T53. Outro estudo também havia indicado que a complexos que se formam durante alterações agudas,
presença de células expressando RANKL é aumentada como os abscessos, atingem concentrações mais ele-
no estágio inicial de expansão da lesão169. A expressão vadas na circulação quando comparados a pacientes
do mRNA para RANKL também foi relatada em lesões sem essas lesões55.
perirradiculares de humanos110. Pesquisadores têm relatado a presença de plas-
Os diversos isotipos de anticorpos têm sido detec- mócitos contendo IgE em lesões perirradiculares125,148.
tados em lesões perirradiculares69,93,125,153. Esses incluem Bactérias e seus produtos são as principais fontes de
aqueles com especificidade para bactérias, mormente alérgenos encontrados no canal radicular. Kettering &
as anaeróbias estritas, presentes no sistema de canais Torabinejad55 encontraram níveis elevados de IgE no
radiculares7,58. soro de pacientes com abscesso perirradicular agudo, o
Plasmócitos, células produtoras de anticorpos, mesmo não sendo relatado para os pacientes que apre-
correspondem a cerca de 19% das células inflamatórias sentavam lesões perirradiculares crônicas56. Quando o
presentes em uma lesão perirradicular125. IgG foi pro- alérgeno envolvido em um flare-up não for associado a
duzida por 74%, IgA por 20%, IgE por 4% e IgM por uma bactéria viva, a terapia antibiótica será ineficaz.
2% dos plasmócitos125. Pulver et al.104 confirmaram que A presença dos inúmeros componentes das rea-
IgG foi o principal isotipo de anticorpo produzido em ções imunológicas nas lesões perirradiculares indica
lesões perirradiculares. Demonstraram, também, que os que eles podem iniciar, amplificar e perpetuar tais al-
níveis de imunoglobulinas, em especial IgA, eram mais terações, desde que o elemento desencadeador de tais
elevados em cistos do que em granulomas. Kuntz et al.69 reações, o qual é representado pela infecção do sistema
observaram a presença de IgG, IgA, IgM e C3 em lesões de canais radiculares, não tenha sido eliminado. Tais
perirradiculares. Os anticorpos foram detectados tanto elementos, além de participarem na defesa do hospe-
extra quanto intracelularmente em plasmócitos, sendo deiro contra a infecção, também são os principais res-
os mais numerosos aqueles sintetizando IgG. Estudos ponsáveis pela destruição tecidual associada às lesões
recentes sugerem que IgG exerce um papel importan- perirradiculares. A Quadro 2-3 resume os principais
te em lesões perirradiculares no que tange à proteção elementos de defesa do hospedeiro presentes em le-
contra a disseminação da infecção endodôntica122. Tal sões perirradiculares, bem como suas prováveis e mais
papel deve-se provavelmente ao seu efeito opsonizador, importantes funções.
62 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Quadro 2-3 Funções de células e moléculas de defesa presentes em lesões perirradiculares

Células Função

Neutrófilos Fagocitose; produção de citocinas e outros mediadores


Macrófagos Fagocitose; apresentação de antígenos para linfócitos T; produção de citocinas e
outros mediadores
Linfócitos B Diferenciam-se em plasmócitos; apresentação de antígenos para linfócitos T; baixa
produção de anticorpos
Plasmócitos Grande produção de anticorpos
Linfócitos T CD4+ TH1: resposta imune celular – ativação de macrófagos; produção de citocinas
TH2: auxilia na resposta imune humoral; produção de citocinas que participam na
modulação anti-inflamatória
Linfócitos T CD8+ Citotoxicidade celular; supressão da resposta imune
Células NK Citotoxicidade celular; produção de citocinas

Moléculas Função

Anticorpos IgG: opsonização; formação de complexos imunes; ativação do complemento


IgM: ativação do complemento
IgA: inibição de adesão microbiana
IgE: desconhecida, mas pode estar relacionada com fenômenos de anafilaxia
Sistema complemento Opsonização; quimiotaxia; citólise de micro-organismos
Citocinas Quimiotaxia; ativação celular, incluindo macrófagos, neutrófilos e osteoclastos
Outros mediadores químicos Vasodilatação; aumento da permeabilidade vascular; adesão de leucócitos aos vasos
sanguíneos; quimiotaxia

Periodontite apical aguda ma sensibilidade ao toque do dente e a sensação de


Se a agressão causada por bactérias protraindo pelo ele estar “crescido”. Isso está relacionado com a ligeira
forame apical é de alta intensidade, há o desenvolvimen- extrusão dentária, visando a acomodar o edema infla-
to de uma resposta inflamatória aguda no ligamento pe- matório formado no ligamento periodontal apical. A
riodontal, denominada de periodontite apical aguda, a qual mastigação usualmente provoca ou a exacerba.
é caracterizada por aumento de permeabilidade vascular,
com consequente edema, que causa elevação da pressão Testes pulpares
hidrostática tecidual. Como resultado, fibras nervosas Os resultados dos testes pulpares são negativos,
são comprimidas gerando dor. Mediadores químicos são uma vez que a periodontite apical aguda está associa-
gerados após a agressão tecidual. Bradicinina, prosta- da, usualmente, à necrose pulpar. Nos raros casos em
glandinas e histamina também podem causar dor, agindo que essa patologia perirradicular estiver associada à
sobre as fibras nervosas. Contudo, a compressão de fibras inflamação pulpar irreversível, os resultados dos testes
é mais significativa nesse aspecto116,158. serão similares aos da pulpite irreversível.

Características histopatológicas
Testes perirradiculares
A análise histopatológica evidencia hiperemia e
a presença de um infiltrado inflamatório no ligamento Percussão – A resposta a esse teste é sempre po-
periodontal contendo, predominantemente, neutrófi- sitiva, podendo, por vezes, ser extremamente dolorosa
los PMNs. Fibras colágenas podem estar dilaceradas, ao paciente. Assim, quando se suspeita de periodontite
como resultado do edema formado. apical aguda com base nos achados do exame subjeti-
vo, o teste de percussão, se necessário, deve ser apenas
Diagnóstico realizado por meio de leve pressão vertical, em direção
apical, exercida pela polpa digital do dedo indicador
Sinais e sintomas
sobre o dente suspeito.
O paciente geralmente se queixa de dor intensa, Palpação – Pode revelar sensibilidade ou não, de-
espontânea e localizada. Pode também relatar extre- pendendo da extensão da resposta inflamatória.
Patologias Pulpar e Perirradicular 63

pus. O abscesso perirradicular agudo está então formado.


O processo agudo geralmente não dura mais do que 72
a 96 horas, sendo bastante eficaz em reduzir a agressão
bacteriana, embora isso possa custar a destruição da
arquitetura tecidual. Todavia, a disseminação da infec-
ção para espaços anatômicos da cabeça e do pescoço
pode levar a quadros clínicos graves, inclusive com ris-
co de mortalidade.

Características histopatológicas
Verifica-se a presença de reação intensa, locali-
zada e adjacente ao forame apical, caracterizada pela
presença de exsudato purulento (pus) (Fig. 2-38A). Cé-
lulas inflamatórias (principalmente neutrófilos) podem
Figura 2-37. Periodontite apical aguda. Notar espessamento do
espaço do ligamento periodontal. ser detectadas em combate franco contra bactérias, em
estado de degeneração ou já deterioradas (Fig. 2-38B).
As fibras periodontais podem se encontrar dilaceradas
Achados radiográficos pelo edema intenso.
Na grande maioria das vezes, a radiografia revela
espessamento do ELP apical (Fig. 2-37), o que se deve Diagnóstico
à leve extrusão do dente no alvéolo para comportar o Sinais e sintomas
edema formado. Uma vez que o processo é rápido, não
O paciente queixa-se de dor espontânea, pulsátil,
houve ainda tempo disponível para que ocorresse a re-
lancinante e localizada, podendo ou não apresentar
absorção óssea perirradicular. Quando se observa ex-
evidências de envolvimento sistêmico, tais como lin-
tensa área de destruição óssea perirradicular associada
fadenite regional, febre e mal-estar. A dor é pronun-
à periodontite apical aguda, essa se encontra associada
ciada quando o abscesso ainda está intraósseo ou já
à agudização de um processo crônico, como granulo-
se localiza de maneira subperiosteal; nesse caso, por
ma ou cisto.
causa da rica inervação do periósteo155. Um dramáti-
co alívio da dor ocorre após a ruptura do periósteo
Tratamento pelo exsudato purulento, atingindo os tecidos moles
Consiste na eliminação do agente agressor por supraperiosteais.
meio da instrumentação, irrigação e medicação do ca-
nal, seguindo-se a obturação em sessão posterior. Para
Inspeção
alívio da sintomatologia, o dente deve ser retirado de
oclusão (por desgaste orientado por fita de carbono) e Verifica-se tumefação intra e/ou extraoral, flutu-
um analgésico/anti-inflamatório deve ser receitado. ante ou não, o que dependerá do estágio de evolução
do abscesso (Fig. 2-39). Nas fases iniciais, quando a
Abscesso perirradicular agudo inflamação aguda purulenta está confinada apenas ao
ligamento periodontal apical, pode não haver tumefa-
Em resposta à agressão, células inflamatórias,
ção. Em determinados casos verifica-se a presença de
principalmente neutrófilos PMNs e macrófagos, são
mobilidade dentária e de ligeira extrusão dentária.
atraídas para o local, visando à eliminação de bactérias
invadindo os tecidos perirradiculares. Se a resposta in-
Testes pulpares
flamatória não consegue eliminar o agente agressor ou
reduzir a intensidade da injúria, há exacerbação, carac- O normal seria todos os testes pulpares apresen-
terizada por inflamação purulenta. Isso ocorre devido tarem resultados negativos, uma vez que a polpa en-
à presença de bactérias altamente virulentas associadas contra-se necrosada. Entretanto, em raras ocasiões, os
à infecção. Em associação com enzimas proteolíticas li- testes de calor e elétrico podem oferecer falsos resulta-
beradas por bactérias, enzimas lisossomais, bem como dos, devido à presença de líquido no canal, oriundo da
radicais oxigenados, são descarregados por neutrófi- necrose de liquefação. Os testes do frio e de cavidade
los, os quais promovem liquefação tecidual, gerando o são os mais seguros.
64 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Figura 2-39. Tumefação associada a abscesso perirradicular agudo.


B
A. Intraoral, nesse caso específico localizada no palato e associada a
abscesso no incisivo lateral. B. Extraoral. (Gentileza do Dr. Henrique
Figura 2-38. Abscesso perirradicular agudo. Clinicamente esse caso Martins.)
apresentava dor e tumefação. A. Corte passando pelo forame apical
e evidenciando extensa lesão inflamatória aderida à raiz, com intenso
infiltrado inflamatório rico em neutrófilos. B. Maior aumento da lesão
evidenciando neutrófilos envolvidos em atividade fagocítica. Bactérias Achados radiográficos
podem ser vistas nos citoplasmas dos neutrófilos. (Gentileza do Dr. Do-
menico Ricucci.) Quando o abscesso se desenvolve pela agudiza-
ção de um granuloma ou cisto preexistente, observa-se
a presença de destruição óssea perirradicular (área ra-
diolúcida). Quando o processo supurativo desenvolve-
Testes perirradiculares
se como extensão direta da necrose e infecção pulpar,
Percussão – Esse teste apresenta resultado posi- verifica-se apenas a presença de um espessamento do
tivo, devendo, assim como nos casos de periodontite ELP apical, como resultado do edema que extrui o den-
apical aguda, ser realizado com extrema cautela, pois a te no alvéolo.
sensibilidade pode ser exagerada. Pode ser observada também a destruição da coroa
Palpação – O resultado é geralmente positivo. dentária por processo carioso extenso ou a presença de
Patologias Pulpar e Perirradicular 65

restauração extensa e profunda, associada ou não à cá- ainda avançar para os espaços faríngeo e cervical, re-
rie recidivante. sultando em obstrução das vias aéreas e em risco de
vida (Fig. 2-41).
Tratamento Os segundos e terceiros molares inferiores tam-
O tratamento imediato deve ser direcionado bém podem drenar para o espaço pterigomandibular.
para a drenagem da coleção purulenta e eliminação Infecções resultantes da anestesia troncular do nervo
do agente agressor. Se o profissional é bem-sucedido alveolar inferior também podem atingir esse espaço.
nesse intento, advém a remissão dos sintomas. A dre- Dentes posteriores superiores, cortical vestibular: a
nagem do exsudato purulento pode ser obtida via via de disseminação pode ser o fundo de vestíbulo se o
canal radicular, por incisão da mucosa ou ambos. O ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da
canal deve ser limpo e desinfetado, preferencialmen- inserção do músculo bucinador (Fig. 2-40B).
te na consulta de emergência. Em sessão ulterior, após Dentes superiores, cortical palatina: a via de disse-
medicação intracanal, obtura-se o canal. Analgésicos/ minação pode ser o palato. Os dentes comumente en-
anti-inflamatórios devem ser prescritos. O emprego de volvidos são o incisivo lateral superior, o primeiro pré-
antibióticos apenas está indicado em condições espe- molar superior e os molares (raiz palatina).
ciais (ver Capítulo 21). Incisivo central superior, cortical vestibular: a via de
disseminação pode ser a base do lábio superior se o
Vias de disseminação e drenagem do abscesso ápice do dente envolvido estiver localizado acima da
Dependendo da relação anatômica do ápice do inserção do músculo orbicularis oris.
dente envolvido com as inserções musculares, a disse- Canino e primeiro molar superiores, cortical vestibu-
minação da infecção pode seguir vias diferentes e re- lar: a via de disseminação pode ser o espaço infraorbi-
sultar em tumefação intraoral ou extraoral (Fig. 2-40). tário ou canino se o ápice do dente envolvido estiver
O abscesso irá se disseminar por áreas de menor resis- localizado acima da inserção do músculo levantador
tência, e a proximidade do ápice com a cortical óssea do anguli oris (Fig. 2-40A).
também irá ditar se a tumefação será por vestibular ou Infecções do espaço canino ou do fundo de vestí-
lingual/palatina. bulo que podem se disseminar para o espaço periorbi-
Dentes inferiores, cortical vestibular: a via de disse- tal também podem ser muito perigosas, uma vez que
minação pode ser o fundo de vestíbulo mandibular se podem resultar em trombose do seio cavernoso. Sob con-
o ápice do dente envolvido estiver localizado acima dições normais, as veias oftálmica e angular e o plexo
da inserção do músculo bucinador (dentes posterio- venoso pterigoide drenam para as veias facial e jugular
res) (Fig. 2-40F) ou mentoniano (dentes anteriores) externa. Todavia, se uma infecção se dissemina para a
(Fig. 2-40E). região mediana da face, o edema e a pressão resultante
Dente anterior inferior, cortical vestibular: a via de podem fazer com que o sangue flua de volta para o seio
disseminação pode ser o espaço mentoniano se o ápice cavernoso, no qual pode estagnar e coagular. Os trom-
do dente envolvido estiver localizado abaixo da inser- bos infectados gerados permanecem no seio cavernoso
ção do músculo mentoniano (Fig. 2-40C). ou escapam para a circulação. Clinicamente o paciente
Dente anterior inferior, cortical lingual: a via de dis- com trombose do seio cavernoso usualmente apresenta
seminação pode ser o espaço submentoniano se o ápice edema facial, febre, mal-estar, exoftalmia com edema
do dente envolvido estiver localizado abaixo da inser- periorbital, pupilas dilatadas e cessação de reflexos
ção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40D). corneais.
Dentes inferiores, cortical lingual: a via de dissemi-
nação pode ser o espaço sublingual se o ápice do den-
te envolvido estiver localizado acima da inserção do Periodontite apical crônica
músculo milo-hióideo (Fig. 2-40H). Quando a resposta inflamatória associada à perio-
Dentes posteriores inferiores, cortical lingual: a via dontite apical aguda é eficaz na redução da intensidade
de disseminação pode ser o espaço submandibular se da agressão, a resposta cronifica. Células imunocom-
o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo petentes, como linfócitos, plasmócitos e macrófagos,
da inserção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40G). Se são atraídas para a região afetada, o que representa o
os espaços submentoniano, sublingual e submandi- início da resposta imunológica adaptativa, de caráter
bular forem envolvidos ao mesmo tempo, o quadro específico. Está estabelecida a periodontite apical crônica.
será denominado de angina de Ludwig, a qual pode É imperioso ressaltar que, se o agente agressor for ini-
66 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

A
B C

D E F

Figura 2-40. Vias de drenagem do abs-


cesso perirradicular agudo. A dissemina-
ção do processo purulento vai depender
da localização do ápice do dente em re-
G H lação às inserções musculares. (Ver texto
para detalhes.)

cialmente de baixa intensidade, a inflamação crônica inferiores pode drenar para os submentonianos e da
no ligamento periodontal pode se estabelecer sem ser região de molares diretamente para os cervicais pro-
precedida por uma resposta inflamatória aguda. fundos, que são secundários dos submentonianos e
Para que se inicie a resposta imunológica especí- submandibulares.
fica, o hospedeiro precisa ser sensibilizado pelos antí- Uma vez aprisionada no linfonodo por células es-
genos que saem pelo forame apical. A sensibilização pecializadas, a probabilidade de a molécula antigênica
para antígenos oriundos do canal se dá ao nível de lin- ser apresentada a linfócitos circulantes inocentes (que
fonodos, onde os linfócitos T ou B específicos para um ainda não contataram o antígeno) ou células de memó-
determinado antígeno terão mais chances de encontrá- ria residentes no linfonodo (resultado de expansão clo-
lo e, assim, serem ativados. nal após o primeiro contato), com especificidade para
Durante a resposta inflamatória aguda são gera- ela, é muito maior do que ocorreria nos tecidos perirra-
dos vários fragmentos antigênicos, oriundos da des- diculares. Por isso, nos primórdios do desenvolvimen-
truição de bactérias, os quais podem ser drenados para to de uma lesão perirradicular crônica, o antígeno deve
os linfonodos por meio de vasos linfáticos aferentes, ser conduzido ao linfonodo para que seja apresentado
ou na sua forma solúvel ou capturados por APCs. A a linfócitos com especificidade para ele. Além de se-
linfa da maioria dos dentes drena para os linfonodos rem especializados em aprisionar antígenos e facilita-
submandibulares. A linfa proveniente dos incisivos rem o encontro entre esses e os linfócitos específicos, os
Patologias Pulpar e Perirradicular 67

As células efetoras, imunocompetentes, se estabelecem


na região, visando a conter o avanço do processo in-
feccioso. Um estudo revelou que as células imunoló-
gicas raramente proliferam na lesão perirradicular. Na
verdade, a proliferação de tais células de defesa ocorre
a distância, nos linfonodos, após o reconhecimento de
antígenos específicos e então caem na circulação e mi-
gram para a lesão perirradicular129.
Se o indivíduo já tiver sido sensibilizado por um
contato prévio com os antígenos dos mesmos micro-
organismos, a resposta secundária pode se desenvol-
ver muito mais rapidamente e se deve à apresentação
e reconhecimento dos antígenos por células de memó-
ria formadas quando do primeiro contato. Essas célu-
las são então rapidamente ativadas. O contato prévio
do sistema imune com os mesmos micro-organismos
pode ter ocorrido, por exemplo, em resposta à cárie,
doença periodontal ou mesmo lesão perirradicular em
outro dente, desde que o(s) micro-organismo(s) que
está(ão) causando o problema agora também tenha(m)
Figura 2-41. Disseminação do abscesso perirradicular agudo para
estado presente(s) em uma dessas outras patologias.
espaços anatômicos, resultando em angina de Ludwig. (Gentileza
do Dr. Henrique Martins.) Na verdade, inúmeros antígenos diferentes estão si-
multaneamente envolvidos na patogênese das lesões
perirradiculares (uma célula bacteriana pode ter vários
órgãos linfoides secundários (no caso, os linfonodos) antígenos distintos e, considerando-se que as infecções
também permitem o estabelecimento de interações ce- endodônticas são mistas, pode-se imaginar a grande
lulares, necessárias para a ativação1. quantidade de antígenos diferentes envolvidos). Isso
Quando o linfócito específico para um determina- leva à resposta por múltiplos clones diferentes de lin-
do antígeno o reconhece no linfonodo, passa então a fócitos, cada um específico para cada antígeno, e pro-
proliferar, expandindo o clone. A proliferação é inten- vavelmente à sobreposição das respostas primária ou
sa, de forma que um linfócito original ativado pode dar secundária, ou seja, alguns antígenos podem estar sen-
origem a um clone de aproximadamente 1.000 células- do contatados pela primeira vez e outros não.
filhas de idêntica especificidade antigênica. Essas en-
tão se diferenciam em células efetoras. Linfócitos B dão Características histopatológicas
origem aos plasmócitos, que são células que secretam No ligamento periodontal adjacente ao forame
anticorpos. Os linfócitos T se diferenciam em células apical ou às ramificações observa-se a presença de um
que destroem células-alvo infectadas por vírus ou es- infiltrado inflamatório do tipo crônico, composto ba-
tranhas (T citotóxico CD8+) ou que ativam outras célu- sicamente por linfócitos, plasmócitos e macrófagos, e
las do sistema imune (TH CD4+). de componentes do processo de reparo tecidual, como
Depois de ativados, os linfócitos levam 4 a 5 dias fibroblastos, além de fibras nervosas e vasos sanguí-
para promover expansão clonal completa e ulterior neos neoformados. Não há ainda reabsorção óssea. A
diferenciação1,40. Por essa razão, a resposta imunoló- periodontite apical crônica, se não tratada, representa
gica adaptativa se desenvolve tardiamente. Algumas o início da formação do granuloma, o qual é caracteri-
células não sofrem a diferenciação final, dando origem zado por reabsorção óssea e substituição do osso reab-
às células de memória. sorvido por tecido granulomatoso.
Após ativação, as células efetoras passam a ex-
pressar, em sua superfície, moléculas de adesão es- Diagnóstico
pecializadas que irão afetar o padrão de recirculação.
Sinais e sintomas
Após deixarem o linfonodo, são atraídas para o foco
infeccioso por mediadores químicos, onde o antígeno Ausentes, sendo que o paciente pode relatar ape-
responsável pela ativação está em altas concentrações. nas episódio prévio de dor.
68 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Inspeção plasmócitos e neutrófilos. Mastócitos também podem


ser encontrados em granulomas perirradiculares102.
Verifica-se a presença de cárie profunda ou de res-
tauração extensa associada ou não à cárie recidivante.
Patogênese
Testes pulpares Em resposta à agressão bacteriana aos tecidos pe-
rirradiculares, as células presentes no ligamento perio-
Apresentam resultados negativos, desde que a
dontal e no osso produzem uma gama variada de me-
polpa encontre-se necrosada. Na grande maioria das
diadores químicos. Citocinas, como IL-1α e β, TNF-α,
vezes em que se detecta a necrose pulpar associada à
IL-6, M-CSF e GM-CSF, e prostaglandinas são molécu-
ausência de sintomatologia e de sinais radiográficos,
las bioativas de grande relevância na indução da reab-
pressupõe-se que, na grande maioria das vezes, se está
sorção óssea68,107,118,123. Além disso, RANK, RANKL e
perante um quadro de periodontite apical crônica.
OPG são moléculas essenciais para a ativação e dife-
renciação dos osteoclastos15,135.
Testes perirradiculares
Como resultado dos efeitos dos mediadores quí-
Percussão e palpação – Também resultam em res- micos, o osso é reabsorvido e substituído por tecido
postas negativas. granulomatoso, constituído basicamente de células
imunocompetentes, como linfócitos, plasmócitos e
Achados radiográficos macrófagos, e de componentes do processo de reparo
O ELP encontra-se normal ou espessado na ra- tecidual, como fibroblastos e fibras nervosas e vasos
diografia. A causa da necrose pulpar também pode ser sanguíneos neoformados (Fig. 2-42). Assim, o pro-
detectada radiograficamente (cárie e/ou restaurações cesso reabsortivo cria um espaço capaz de comportar
extensas etc.).

Tratamento
O tratamento consiste na eliminação do agente
agressor por meio da limpeza e desinfecção do sistema
de canais radiculares, seguidas pela obturação em ses-
são posterior à aplicação de uma medicação intracanal.

Granuloma perirradicular
O granuloma é a patologia perirradicular mais co-
mumente encontrada. Bhaskar9, examinando o número
expressivo de 2.308 lesões perirradiculares, constatou
que 48% delas eram granulomas. Os cistos correspon-
deram a 42% das lesões, enquanto as demais patolo- A

gias perirradiculares compreenderam 10% do total de


espécimes analisados. Nair et al.94, avaliando 256 lesões,
relataram que 50% dessas eram granulomas, 35% abs-
cessos e 15% cistos.

Características histopatológicas
O granuloma é constituído, basicamente, por um
infiltrado inflamatório do tipo crônico, associado a ele-
mentos de reparação, caracterizando um tecido granu-
lomatoso que substitui o osso reabsorvido (Fig. 2-34A).
Na periferia, circunscrevendo a lesão, encontra-se uma
cápsula composta basicamente por fibras colágenas. As
B
células inflamatórias compreendem cerca de 50% dos
elementos da lesão, sendo que os macrófagos predo- Figura 2-42. Vasos sanguíneos em granulomas. A. Capilares. B.
minam, seguidos em ordem decrescente por linfócitos, Neoformação vascular.
Patologias Pulpar e Perirradicular 69

Figura 2-44. Reabsorção radicular extensa em um dente com lesão


perirradicular (granuloma).

a) presença de pré-cemento. A reabsorção ocorre em


superfícies do osso alveolar não cobertas por os-
teoide. A porção mineralizada do cemento é reves-
B tida por pré-cemento, uma camada de matriz não
mineralizada de 3 a 5µm de espessura, que é conti-
Figura 2-43. Reabsorção radicular. A e B. Notar reabsorções ativas nuamente depositada durante a vida. Por sua vez,
de cemento e dentina associadas a lesões perirradiculares em den- o osso alveolar apenas é coberto por osteoide (ma-
tes de cães. triz óssea não mineralizada) durante a formação do
osso. A matriz não mineralizada tende a resistir à
um maior número de células imunocompetentes na atividade osteoclástica88;
região adjacente ao forame apical, visando a impedir b) restos epiteliais de Malassez podem de alguma for-
a disseminação da infecção para o tecido ósseo e o ma proteger o cemento contra reabsorção;
restante do organismo, o que permite o estabeleci- c) cementoblastos formando uma camada que reveste
mento de um equilíbrio entre a agressão e a defesa. a superfície radicular podem também exercer papel
Na periferia desse tecido granulomatoso ocorre de- protetor por não responder a estímulos reabsortivos
posição de fibras colágenas, que encapsulam a lesão, como fazem as células que revestem o osso;
formando-se então o granuloma perirradicular. A le- d) ausência de vascularização do cemento14.
são passa a ser detectada radiograficamente a partir
do momento em que quantidade suficiente de osso é Proliferação epitelial no granuloma
reabsorvida. Como resultado da resposta inflamatória no liga-
Reabsorção radicular, principalmente envolven- mento periodontal, células epiteliais, remanescentes
do cemento, pode ser observada acompanhando a re- da bainha epitelial de Hertwig, começam a proliferar.
absorção óssea em dentes com granuloma ou outras Essas células, conhecidas como restos epiteliais de Ma-
lesões perirradiculares crônicas (Figs. 2-43 a 2-45). lassez, são, em condições fisiológicas, quiescentes, não
Mesmo assim, o cemento é significativamente menos apresentando atividade mitótica (Fig. 2-46). Contudo,
afetado por reabsorção do que o osso. As razões para durante um processo inflamatório crônico (resposta
tal incluem: imunológica adaptativa localizada) diversos fatores de
70 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

A B

Figura 2-45. Reabsorção radicular de dentes com lesão perirradi-


cular. A. Área de reabsorção radicular adjacente ao forame apical. B.
Maior aumento da área de reabsorção mostrada na figura A. Notar
a presença de inúmeras células clásticas. C. Múltiplas lacunas de re-
C absorção radicular levando à aparência de “favo de mel” devido à
extensa área de erosão próxima ao forame.

origem bacteriana ou endógena podem ativar a proli-


feração epitelial.
O fator de crescimento epidermal (EGF) é um pep-
tídeo que pode ser produzido por macrófagos ativados,
presentes em uma área inflamada. Essa citocina é um
potente fator de crescimento para células epiteliais, fi-
broblastos e células endoteliais. Para induzir seu efeito,
o EGF deve ligar-se a receptores específicos presentes
na membrana citoplasmática da célula-alvo. Essa liga-
ção gera um sinal mitogênico intracelular, conduzindo
à proliferação celular. Tem sido demonstrado que os
restos epiteliais de Malassez possuem receptores de
superfície para EGF77.
Uma outra citocina, o fator de crescimento de cera-
tinócitos (KGF), também é mitogênica para células epite-
liais, estimulando sua proliferação. O KGF pode ser pro-
Figura 2-46. Restos epiteliais de Malassez. Quando estimulados a
duzido em grandes quantidades por fibroblastos estimu- proliferar, resultam na formação do granuloma epiteliado e do cisto
lados por citocinas, como IL-1, TNF e PDGF, liberadas perirradicular.
Patologias Pulpar e Perirradicular 71

durante a resposta imunológica adaptativa ocorrendo expressão de receptores para EGF na célula epitelial e
em um granuloma. Gao et al.29 relataram que, enquanto uma maior biossíntese de KGF por fibroblastos.
o ligamento periodontal em condições de normalidade Componentes bacterianos, como endotoxinas
apresentava poucas células produzindo KGF, a síntese (LPS), que podem ser encontrados em elevadas con-
desse fator de crescimento de células epiteliais era pro- centrações no granuloma, também induzem a prolife-
nunciada no estroma do tecido conjuntivo próximo a lo- ração de células epiteliais86.
cais de proliferação epitelial em granulomas e adjacente A proliferação epitelial no granuloma gera a for-
ao revestimento epitelial de cavidades císticas. mação de fitas e verdadeiras ilhotas de epitélio organi-
Outros mediadores químicos produzidos por cé- zado, condição conhecida, histologicamente, como gra-
lulas presentes em um granuloma (linfócitos, fibroblas- nuloma epiteliado (Figs. 2-47 e 2-48). Acredita-se que essa
tos e, principalmente, macrófagos) podem estimular a proliferação visa a produzir uma barreira física contra
proliferação epitelial, os quais incluem: TNF, IL-1, IL-6 irritantes que egressam pelo forame apical, o que seria
e PGE2. As próprias células epiteliais podem produzir mais um mecanismo de defesa do hospedeiro.
IL-1 e IL-6, citocinas que podem ter efeito autócrino,
i.e., agir sobre a própria célula que as produziu. É bas- Diagnóstico
tante admissível que os efeitos desses mediadores so-
Sinais e sintomas
bre a atividade mitótica das células epiteliais ocorram
de forma indireta, por meio da indução de uma maior Geralmente, o granuloma é assintomático.

A B

Figura 2-47. Granuloma epiteliado. A e B. Notar fitas de proliferação epitelial em um granuloma.

A B

Figura 2-48. Granuloma epiteliado. A. Fitas de proliferação epitelial. B. Início da formação de uma cavidade cística.
72 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Inspeção Cárie e/ou restauração extensa pode ser obser-


vada.
A causa da necrose pulpar pode ser aparente,
como indicada pela presença de cárie e/ou restaura-
Tratamento
ção extensa. O dente pode apresentar escurecimento,
O indicado é o tratamento endodôntico conven-
oriundo da necrose pulpar.
cional, e o seu insucesso pode indicar a cirurgia perir-
Testes pulpares radicular.

Usualmente negativos, uma vez que a polpa se


Cisto perirradicular
encontra necrosada.
O cisto perirradicular é sempre originado de um
Testes perirradiculares granuloma, que se tornou epiteliado, embora nem todo
granuloma necessariamente progrida para um cisto.
Percussão e palpação – Negativo. Em raras ocasiões,
Mantida a causa, que é a infecção situada no interior do
o paciente pode se queixar de ligeira sensibilidade. Quan-
sistema de canais radiculares, a proliferação epitelial
do há fenestração óssea ao nível apical, a palpação pode
assume maiores proporções, gerando lojas no interior
revelar um leve aumento de volume devido à presença
de aglomerações de células epiteliais. Está formado o
de tecido granulomatoso abaixo da mucosa e, inclusive,
cisto perirradicular. Tal mecanismo sugere que esse tipo
a própria fenestração pode ser causada pela expansão da
lesão, que promove o rompimento da cortical óssea. de lesão é resultado de uma infecção endodôntica de
longa duração.
Achados radiográficos
Características histopatológicas
Os achados radiográficos são o principal elemen-
Histologicamente, o cisto consiste em uma cavi-
to de diagnóstico para o granuloma. Pela radiografia
dade patológica contendo material fluido ou semis-
verifica-se a presença de uma área radiolúcida associa-
sólido, o qual é composto principalmente por células
da ao ápice radicular ou lateralmente à raiz (quando
epiteliais degeneradas. Essa loja é revestida por epité-
associado a um forame lateral), bem circunscrita, com
lio estratificado pavimentoso, escamoso, de espessura
perda da integridade da lâmina dura. A radiolucidez
variável (Figs. 2-50 e 2-51). O cisto perirradicular pode
perirradicular se deve à reabsorção óssea com conse-
ser classificado como “verdadeiro” ou “em bolsa” (ou
quente perda de densidade do osso e substituição por
um tecido granulomatoso (Fig. 2-49). “baía”), dependendo da relação da loja cística com o
canal radicular via forame apical ou lateral95,106,114. Se a
loja cística está imediatamente contígua ao canal, ele
é conhecido como cisto “em bolsa” ou cisto “baía”. Se
a loja cística não tem qualquer contato com a luz do
canal, sendo completamente envolvida por epitélio, o
cisto é conhecido como “verdadeiro”.
Em contato com o epitélio está um tecido granu-
lomatoso que, à semelhança do granuloma, é consti-
tuído de macrófagos, linfócitos, plasmócitos, neutrófi-
los, fibroblastos e vasos neoformados. Eventualmente,
cristais de colesterol podem ser observados (Fig. 2-52).
Mais externamente se encontra uma cápsula de tecido
conjuntivo denso composto basicamente de colágeno e
que separa a lesão do osso (Fig. 2-51F).

Patogênese
Várias teorias tentam explicar a formação da loja cís-
tica, sendo a mais plausível a que sugere o envolvimen-
to do sistema imune140, a qual se baseia na presença de
Figura 2-49. Imagem radiográfica sugestiva de granuloma perirra-
elementos da resposta imunológica adaptativa na lesão,
dicular. Todavia, não se pode distinguir granulomas e cistos apenas como linfócitos T e B, plasmócitos, macrófagos, células
tendo como base a radiografia. NK, anticorpos e componentes do sistema complemento.
Patologias Pulpar e Perirradicular 73

A Figura 2-50A e B. Cisto perirradicular. (Gentileza do Dr. Domenico


Ricucci.)

A B

C D Figura 2-51. Cisto perir-


radicular. A. Zonas mor-
fológicas, da esquerda
para a direita: Cápsula fi-
brosa, tecido granuloma-
toso, revestimento epi-
telial e loja cística. B a D.
Epitélio cístico. Notar in-
clusões de tecido conjun-
tivo, provavelmente ori-
ginadas de projeções do
mesmo. E. Eletromicro-
grafia do revestimento
E F epitelial da loja cística. F.
Cápsula fibrosa.
74 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

A B

Figura 2-52. Cristais presentes em um cisto perirradicular. A. Corte histológico evidenciando cristais de colesterol. B. Eletromicrografia de
um cristal presente em cisto perirradicular, próximo a células inflamatórias.

Formação do cisto perirradicular – Papel do sistema imune nantes antigênicos, capazes de evocar uma resposta
autoimune140.
Células epiteliais no centro de uma massa celu-
d) Lipopolissacarídeos (endotoxinas), liberados por
lar tridimensional sofrem apoptose e dão origem à
bactérias gram-negativas, dependendo da concen-
cavidade cística76. É possível que durante a prolifera-
tração que atingem nos tecidos, podem atuar como
ção essas células adquiram propriedades antigênicas,
ativadores policlonais, estimulando a proliferação
fazendo com que sejam reconhecidas como estranhas
de vários clones de linfócitos, com diferentes espe-
(non-self) pelo sistema imune. Siqueira116 propôs alguns
cificidades1. Linfócitos que reconhecem antígenos
dos seguintes mecanismos possivelmente envolvidos
próprios são eliminados ou inativados (anergia), o
na aquisição de antigenicidade pelo epitélio:
que impede o desenvolvimento de doenças autoi-
a) Os restos epiteliais de Malassez, em estado de pro- munes. Se, porventura, houver a ativação de clones
liferação induzido por um processo patológico, po- autorreativos circulantes com especificidade para
dem expressar em sua superfície moléculas que an- moléculas presentes em células epiteliais, elas po-
teriormente, em estado quiescente, não produziam. dem ser destruídas. Embora possível, esse mecanis-
Se o sistema imune não foi treinado para reconhecer mo é pouco provável de acontecer.
tais moléculas como próprias (self), o epitélio é des-
truído. A produção de moléculas estranhas (princi- Independentemente da forma que o epitélio ad-
palmente proteínas) pode resultar de alterações ge- quire antigenicidade, o sistema imune pode exercer
néticas induzidas pelos processos inflamatório e/ou seu efeito citotóxico, levando à formação do cisto. Essa
de envelhecimento. Cumpre ressaltar que o cisto citotoxicidade pode ser mediada pela ação de anticor-
perirradicular é formado por restos celulares que já pos, sistema complemento, células NK e linfócitos T
completaram a sua função de formação da raiz. citotóxicos.
b) Pode haver reatividade cruzada entre antígenos pró-
prios (da célula epitelial) e estranhos (de origem bac- Anticorpos
teriana). Quando existe similaridade antigênica, o sis- Imunoglobulinas podem se ligar a moléculas an-
tema imune pode reagir contra antígenos estranhos e tigênicas presentes na superfície de células epiteliais,
destruir componentes próprios (no caso, o epitélio). induzindo a lise celular, a qual não se dá diretamente
c) Durante a resposta inflamatória podem ocorrer al- pelos efeitos dos anticorpos, mas sim por intermédio
terações estruturais nos tecidos, como resultado da do sistema complemento ou de células NK. Esse tipo
ação de substâncias bacterianas, virais e/ou endó- de resposta é denominado de hipersensibilidade do
genas. Células epiteliais podem ter moléculas de tipo II, ou citotóxica, estando acorde a classificação de
superfície alteradas, gerando, assim, novos determi- Gell & Coombs30.
Patologias Pulpar e Perirradicular 75

• Complemento. Se anticorpos do isotipo IgG reconhe- Testes pulpares


cem e se ligam a moléculas antigênicas sobre a su-
Geralmente apresentam resultados negativos,
perfície celular, o sistema complemento é ativado
uma vez que a polpa se encontra necrosada.
pela via clássica. Uma série de reações de clivagem
de proteínas se desencadeia, levando à formação
Testes perirradiculares
do complexo C5b-9, que se fixa à membrana, pro-
movendo sua lise e consequentemente da célula. O Percussão e palpação – Também apresentam re-
complexo C5b-9 forma poros na membrana, oriun- sultados negativos. Em raras ocasiões, o paciente pode
dos da polimerização de 12 a 15 moléculas de C9. se queixar de ligeira sensibilidade. Assim como no gra-
Esses poros permitem a difusão passiva de peque- nuloma, a ocorrência de uma fenestração óssea ao nível
nas moléculas, íons e água, mas não de moléculas apical pode fazer com que, à palpação, se sinta um leve
maiores, como proteínas, impedindo que escapem aumento de volume, devido à expansão da lesão.
do citoplasma. Assim, há uma grande entrada de
água no compartimento intracelular, fruto do dese- Achados radiográficos
quilíbrio osmótico gerado, resultando em lise celu- Os achados radiográficos assemelham-se aos do
lar. Esse fenômeno é denominado de lise osmótica. granuloma, o que faz com que essas duas entidades
• Células NK. Anticorpos podem se ligar à superfície patológicas sejam indistinguíveis radiograficamente.
das células epiteliais se elas expressam moléculas Essas duas patologias apenas poderão ser diferencia-
reconhecidas como estranhas. A lise da célula cober- das clinicamente por meio de outros testes, como a ele-
ta por anticorpos por meio de células NK é denomi- troforese do fluido da lesão90,91, por tomografia compu-
nada de citotoxicidade mediada por células depen- tadorizada156, incluindo a técnica cone-beam115 e ultras-
dente de anticorpos (ADCC). Estudos têm relatado sonografia em tempo real (ecografia)21,22. Entretanto, a
a presença de células NK em lesões perirradiculares necessidade de diferenciação é questionável, uma vez
crônicas, incluindo cistos57,111. que o tratamento e o prognóstico não diferem para es-
sas duas entidades patológicas.
Linfócitos T citotóxicos (Tc) A lesão cística pode assumir grande diâmetro, até
Peptídeos antigênicos sintetizados no citossol mesmo levando ao deslocamento dos elementos dentá-
de células epiteliais podem ser expressos na membra- rios envolvidos (Fig. 2-53).
na delas, associados a moléculas de MHC classe I. O
TCR de linfócitos T citotóxicos (Tc) apenas reconhece
antígenos de natureza proteica complexados às molé-
culas de MHC I. Após o reconhecimento antigênico, o
linfócito Tc liga-se à célula-alvo (no caso, a epitelial),
tornando-se ativado, o qual então promove a exocitose
de substâncias que levarão à morte da célula epitelial
por apoptose.

Diagnóstico
Os achados dos exames são similares aos do gra-
nuloma, uma vez que o cisto é oriundo dele.

Sinais e sintomas
Na grande maioria das vezes, o cisto perirradicu-
lar é assintomático.

Inspeção
Detecta-se a presença de cárie e/ou restauração
extensa. A coroa do dente pode se apresentar escureci- Figura 2-53. Radiografia evidenciando extenso cisto perirradicular.
da, como resultado da necrose pulpar. Notar a separação de raízes.
76 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

Tratamento programada das células epiteliais agora desprovidas


O tratamento indicado é o endodôntico convencio- de estímulos para proliferação e sobrevivência76.
nal ou, nos casos de insucesso, a cirurgia perirradicular.
Abscesso perirradicular crônico
Reparo de cistos perirradiculares Um outro tipo de lesão perirradicular de origem
Embora o sistema imune disponha de mecanis- inflamatória é o abscesso perirradicular crônico, também
mos para eliminar as células epiteliais em proliferação, conhecido como periodontite apical supurativa. Essa
essa é continuada em razão da manutenção do fator patologia resulta do egresso gradual de irritantes do
etiológico, isto é, a infecção endodôntica. canal radicular para os tecidos perirradiculares, com
Existe uma crença de que lesões císticas não re- consequente formação de exsudato purulento no in-
gridem após a terapia endodôntica. Contudo, fortes terior de um granuloma. Essa lesão também pode se
evidências científicas indicam que tal afirmativa não originar da cronificação do abscesso perirradicular
procede. Ao utilizarem o método de eletroforese para agudo.
diagnosticar cistos clinicamente, Morse et al.91 demons-
traram que muitas dessas lesões ficaram saradas após Características histopatológicas
o tratamento endodôntico. Outrossim, a maioria dos Histologicamente, verifica-se a presença de zonas
cistos perirradiculares pode regredir espontaneamente de necrose de liquefação contendo neutrófilos PMNs
após a extração do dente afetado, no qual se localiza o desintegrados, circundadas por macrófagos e neutró-
fator etiológico97. filos. A fístula comunica essas zonas à periferia, sendo
Deve-se ter em mente que o cisto perirradicular revestida por epitélio ou por tecido conjuntivo infla-
é meramente o resultado da resposta do hospedeiro à mado.
infecção do sistema de canais radiculares e não a fon-
te de irritação. Uma vez eliminada a causa da prolife- Diagnóstico
ração epitelial, por meio do tratamento endodôntico, Sinais e sintomas
ela cessa, e o sistema imune, gradualmente, promove
a destruição e remoção das células epiteliais prolifera- Geralmente assintomático, o abscesso crônico se
das. Se a agressão persiste, o sistema imune pode não encontra associado a uma drenagem intermitente ou
ser capaz de lidar, de forma eficaz, com a frequente re- contínua por meio de fístula, a qual pode ser intraoral
novação das células epiteliais em proliferação140. ou extraoral (Fig. 2-54).
Além desse mecanismo, tem sido sugerido que,
Inspeção
uma vez cessada a produção de citocinas, de fatores
de crescimento e de outros mediadores envolvidos Verifica-se a presença de cárie e/ou restauração
na proliferação epitelial, sinais de morte são gerados extensa. Uma fístula, ativa ou não, usualmente locali-
durante a reparação que ativam a apoptose ou morte zada ao nível da mucosa alveolar, é observada. Seu tra-

A B

Figura 2-54. Abscesso perirradicular crônico. A. Fístula intraoral. (Gentileza do Prof. Fábio Ramoa Pires.) B. Fístula extraoral. Um cone de guta-
percha foi introduzido na fístula para seguir seu trajeto e indicar o dente responsável.
Patologias Pulpar e Perirradicular 77

Figura 2-56. Imagem radiográfica de um dente com abscesso pe-


rirradicular crônico. Notar a presença de reabsorção radicular. A fís-
Figura 2-55. Rastreamento. Radiografia após inserção de um cone tula extraoral mostrada na Fig. 2-54B estava associada a esse dente.
de guta-percha em uma fístula, visando a seguir o trajeto fistuloso e
detectar o dente envolvido.

Tratamento
jeto pode ser rastreado pela introdução de um cone de Consiste, assim como nas outras entidades pato-
guta-percha em sua luz, seguido por constatação radio- lógicas perirradiculares, basicamente, na eliminação
gráfica (Fig. 2-55). O cone percorre o trajeto e alcança o da fonte de irritantes situada no interior do sistema
ponto de origem do processo, isto é, o dente envolvido. de canais radiculares. Se o canal radicular é tratado
Esse procedimento, denominado de rastreamento da convenientemente, a lesão e a fístula regridem. O
fístula, é de grande utilidade para a detecção do dente profissional deveria utilizar a fístula como indicador
afetado, uma vez que a fístula nem sempre se encontra biológico de que o tratamento foi eficaz para elimi-
próxima a ele. nar a fonte de infecção. O desaparecimento da fístula,
que usualmente ocorre entre 7 e 30 dias, indica que
Testes pulpares os procedimentos endodônticos foram realizados de
Resultam em respostas negativas, uma vez que a forma satisfatória. Entretanto, se na sessão marcada
polpa se encontra em estado de necrose. para a obturação a fístula persistir, há fortes indícios
de que irritantes permanecem no canal. O prognós-
Testes perirradiculares tico do tratamento, quando se obtura o canal nessas
circunstâncias, é sombrio116. É aconselhável, então, re-
Percussão e palpação – Usualmente negativos,
capitular a instrumentação, a irrigação e a medicação
não devendo ser descartada a hipótese de haver uma
intracanal, apenas obturando após o desaparecimento
ligeira sensibilidade em resposta a eles.
do trato fistuloso.

Achados radiográficos
Observa-se, assim como para o granuloma e o
 ABREVIATURAS
cisto, uma área de destruição óssea perirradicular, 5-HT: 5-hidroxitriptamina (serotonina)
indistinguível dessas outras duas entidades patológi- ADCC: citotoxicidade mediada por células de-
cas (Fig. 2-56). Todavia, os limites da área radiolúcida pendente de anticorpos
podem não ser bem definidos, como o são para o gra- APC: célula apresentadora de antígenos
nuloma e o cisto. Cáries e/ou restaurações profundas BCR: B cell receptor
também podem ser detectadas radiograficamente. CD: cluster of differentiation
78 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

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82 Capítulo 2  Patologias Pulpar e Perirradicular

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Alterações
Patológicas
Capítulo 3
Simulando
Patologias
Endodônticas
Fábio Ramôa Pires

As doenças de origem inflamatória pulpar ou, médica atual e pregressa dos pacientes podem salien-
mais raramente, endoperiodontal são aquelas que com tar dados importantes sobre manifestações orais de do-
maior frequência acometem a região perirradicular. enças sistêmicas e limitações ao tratamento dentário.
Essas, em conjunto, são usualmente tratadas por meio Além disso, a história familiar é essencial quando pen-
da terapia endodôntica convencional ou, quando indi- samos em condições geneticamente adquiridas, como
cado, mediante manobras cirúrgicas, sejam elas dire- síndromes, que podem manifestar-se nos maxilares.
cionadas a cirurgias perirradiculares ou a remoção da Esse conjunto de informações, aliadas àquelas obtidas
lesão em conjunto com o elemento dentário associado, pelo exame físico, pode justificar a necessidade de so-
quando sua estrutura remanescente não permite sua licitação de exames complementares laboratoriais, vi-
permanência na arcada dentária. sando à confirmação do diagnóstico e melhor planeja-
Entretanto, diversas outras patologias podem mento terapêutico.
manifestar-se na região perirradicular dos elementos A avaliação clínica detalhada, que faz parte do
dentários, sem mostrar relação etiológica com inflama- exame físico locorregional, deve ser parte ao menos da
ção pulpar ou periodontal12,23,41. Essas devem fazer par- avaliação inicial dedicada a todos os pacientes odon-
te do arsenal de conhecimentos do cirurgião-dentista, tológicos. Nesse momento temos a oportunidade de
devendo ser incluídas no diagnóstico diferencial das associar os achados clínicos objetivos às informações
patologias perirradiculares. Em virtude de sua origem obtidas durante a anamnese, além de podermos diag-
não inflamatória, seu tratamento diverge das terapias nosticar alterações não percebidas previamente pelos
habituais para as lesões perirradiculares inflamatórias, pacientes, oferecendo a possibilidade de diagnóstico
reforçando a necessidade da correta anamnese, da ava- precoce de diversas condições. Informações precisas
liação clínica minuciosa e da correta indicação e inter- quanto à integridade das mucosas, sensibilidade à pal-
pretação dos exames complementares laboratoriais e pação, localização das alterações e relação com os ele-
imaginológicos23,41. mentos dentários são essenciais quando caminhamos
Na anamnese, a obtenção do maior número de no processo diagnóstico das doenças inflamatórias
informações sobre a história da doença atual, incluin- perirradiculares. Em adição ao exame físico, os testes
do especialmente seu tempo e padrão de evolução, complementares de sensibilidade e vitalidade pulpar
sintomatologia associada e resposta a terapias prévias são imprescindíveis, quando indicados, no diagnóstico
utilizadas, é essencial para a consideração da origem do comprometimento pulpar e, consequentemente, no
inflamatória do quadro. Informações sobre a história diagnóstico das afecções inflamatórias perirradicula-

83
84 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

res. Cabe ressaltar que, mesmo que um determinado quando do estabelecimento do diagnóstico diferencial
elemento dentário não responda aos testes de sensibi- entre as diferentes doenças perirradiculares. Incluímos
lidade pulpar, esse achado isoladamente não permite a ainda um grupo de condições que podem simular do-
conclusão quanto à sua participação etiológica no qua- enças inflamatórias agudas (tais como os abscessos pe-
dro em questão. Eventualmente podemos encontrar rirradiculares), que podem não apresentar alterações
um elemento dentário com necrose pulpar na mesma radiográficas marcantes.
região anatômica onde se localiza uma alteração radio-
gráfica de origem não inflamatória, por vezes dificul-
tando o correto diagnóstico final e, consequentemente,  Alterações inflamatórias/
a melhor terapêutica a ser proposta. infecciosas de origem não pulpar
Mesmo com todas as informações obtidas com a que podem simular abscessos
anamnese completa e o exame físico apurado, o diag- perirradiculares
nóstico das alterações perirradiculares inflamatórias
Sialolitíases
depende de exames complementares imaginológicos.
Dentre esses, as radiografias convencionais, incluindo Sialolitíases ou sialoadenites litiásicas são pro-
radiografias panorâmicas e oclusais, mas principal- cessos inflamatórios agudos ou crônicos associados à
mente as radiografias periapicais, são componentes presença de sialolitos (cálculos ou pedras salivares)
imprescindíveis nesse processo de diagnóstico. Nessas localizados no sistema glandular. Os sialolitos são
últimas, a avaliação da integridade do contorno radi- compostos por mucina, restos celulares, restos bacte-
cular, assim como do espaço correspondente ao liga- rianos e cálcio e, embora sejam mais comuns no sis-
mento periodontal e da lâmina dura do osso alveolar tema de ductos excretores, podem ser encontrados
adjacentes, é fundamental para o correto diagnóstico também no istmo glandular ou mesmo nos ductos
das alterações inflamatórias. As alterações perirradicu- intraglandulares21. Esses depósitos levam à obstrução
lares inflamatórias produzem alteração nos tecidos que parcial ou total do fluxo salivar, podendo ocasionar
compõem o ligamento periodontal, determinando as- aumento de volume doloroso na glândula afetada, o
sim seu alargamento, com consequente resposta de es- qual pode estar associado à infecção secundária oca-
clerose ou rompimento da integridade da lâmina dura sionada por bactérias orais migrando por via retró-
do osso alveolar. Esse processo, quando não interrom- grada e, consequentemente, drenagem purulenta35. As
pido, e na dependência direta de seu padrão de evolu- glândulas submandibulares são as mais envolvidas
ção, pode também determinar alterações reacionais no especialmente por secretarem uma saliva mais visco-
osso alveolar adjacente, visíveis ao exame radiográfico sa (predominantemente mucosa), e por apresentarem
convencional. Mais recentemente, tomografias compu- um sistema ductal longo, tortuoso e de sentido anti-
tadorizadas obtidas pela técnica volumétrica trouxeram gravitacional35 (Fig. 3-1). As sialolitíases são mais fre-
valiosa contribuição ao estudo particular de alguns ca-
sos, mas as técnicas radiográficas convencionais ainda
representam o pilar do diagnóstico endodôntico.
Nas páginas seguintes, procuramos resumir in-
formações importantes acerca do diagnóstico dife-
rencial das principais condições que podem clínica e
radiograficamente simular doenças inflamatórias pe-
rirradiculares de origem pulpar. Esse texto não tem a
pretensão de esgotar o assunto e, muito pelo contrário,
servir apenas de porta de entrada para o estudante de
Odontologia, para o cirurgião-dentista clínico geral ou
especialista em outras áreas e para o especialista em
endodontia, neste fascinante capítulo da Odontologia
que integra a Endodontia, a Imaginologia, a Estoma-
tologia e a Patologia Oral. Apenas por finalidade di-
dática, as condições serão divididas em alterações que
possam produzir imagens radiográficas radiolúcidas Figura 3-1. Aumento de volume submandibular do lado esquerdo
ou radiopacas, de forma a facilitar a consulta do leitor em paciente apresentando sialoadenite litiásica.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 85

Tuberculose ganglionar
Tuberculose é uma infecção bacteriana causada
por Mycobacterium tuberculosis, representando um gran-
de problema de saúde em nossa população. A patogê-
nese da doença se dá pela infecção primária pulmonar
por via inalatória, seguida de um período de latência
e da progressão do quadro infeccioso nos pulmões e
eventual disseminação a outros sítios. O envolvimento
oral pela tuberculose é bastante incomum, sendo que
ele usualmente representa a disseminação secundá-
ria da doença a partir do foco primário pulmonar por
meio de contato direto do escarro contaminado ou por
via hematogênica21. Entretanto, o M. tuberculosis e o M.
bovis podem também causar doença nos linfonodos
Figura 3-2. Detalhe da radiografia panorâmica da paciente da Fig. cervicais, no quadro clínico conhecido como tubercu-
3-1 mostrando imagem radiopaca bem delimitada sobreposta à
região posterior de mandíbula do lado esquerdo, compatível com
lose ganglionar ou escrófula19,31 (Fig. 3-3). Clinicamente
sialolito. essa forma se apresenta como aumento de volume úni-
co ou múltiplo, submerso, fibroelástico, discretamente
doloroso, podendo se apresentar recoberto por pele
normal, eritematosa ou ulcerada com presença de dre-
quentes em adultos jovens, não mostrando predileção
nagem purulenta31 (Fig. 3-4). Essa forma clínica pode
por gênero e, por determinarem obstrução do fluxo
simular quadros semelhantes a abscessos perirradicu-
salivar, podem mostrar variações na sintomatologia,
lares e deve ser considerada como possibilidade diag-
sendo usualmente mais sintomáticas na proximidade
nóstica em aumentos de volume cervicais de caracterís-
das refeições. Clinicamente, além do aumento de vo-
ticas inflamatórias. Como os pacientes acometidos por
lume da glândula associada, pode ser observado au-
tuberculose ganglionar frequentemente não apresen-
mento de volume normocrômico ou levemente ama-
tam envolvimento pulmonar sincrônico, o diagnóstico
relado na área da mucosa onde se localiza o sialolito,
deve se basear em exames imaginológicos (ultrassono-
especialmente em associação ao ducto da submandi-
grafias, tomografias computadorizadas e ressonâncias
bular na porção lateral do assoalho de boca. Por se-
magnéticas), punção aspirativa ou biópsia, e cultura
rem compostos de material mineralizado, os sialolitos
nos casos onde se obtém material de drenagem19. O
apresentam consistência pétrea e usualmente podem
tratamento segue normas semelhantes àquelas empre-
ser visualizados em exames radiográficos de rotina,
gadas no tratamento da tuberculose sistêmica.
incluindo especialmente radiografias oclusais inferio-
res e radiografias panorâmicas21 (Fig. 3-2). Entretanto,
eventualmente o grau de calcificação dos sialolitos
pode não ser suficiente para sua visualização em exa-
mes radiográficos rotineiros e, nessas situações, são
úteis as ultrassonografias e tomografias computado-
rizadas. Em virtude da possibilidade de inflamação
aguda e sintomatologia dolorosa associadas aos sialo-
litos, esses quadros podem se confundir clinicamente
com abscessos perirradiculares21,35. Seu tratamento é
variável e depende de seu tamanho e da sua relação
com a estrutura ductal da glândula, podendo incluir:
estimulação do fluxo salivar (aumento da ingestão de
líquidos, sucos de frutas cítricas, chicletes sem açúcar,
sialogogos como a pilocarpina etc.), calor úmido local,
ordenha ductal e massageamento da glândula, sialoli- Figura 3-3. Aumento de volume múltiplo em região subman-
totripsia, e a remoção cirúrgica do sialolito, associada dibular e submentoniana em paciente portador de tuberculose
ou não com a remoção da glândula associada. ganglionar.
86 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

área radiolúcida unilocular bem delimitada, circunda-


da por uma cortical de esclerose e localizada na linha
média da maxila ao longo da rafe palatina, podendo
situar-se entre as raízes dos incisivos centrais ou mais
superiormente22 (Fig. 3-5). Quando há sobreposição da
imagem radiográfica do cisto com a imagem da espinha
nasal anterior, ela pode se assemelhar à imagem de um
coração. Cistos pequenos podem ser radiograficamente
indistinguíveis da imagem do forame nasopalatino, e a
presença de afastamento dentário e de sintomatologia
dolorosa são informações úteis no estabelecimento do
diagnóstico diferencial. Eventualmente, o desenvolvi-
mento do cisto nessa região pode envolver apenas os te-
cidos moles da área, situação na qual utilizamos o termo
Figura 3-4. Aumento de volume de características intensamente cisto da papila incisiva. Além disso, alguns pacientes
inflamatórias na região cervical superior do lado direito com diag- podem apresentar uma imagem semelhante à do cisto
nóstico de tuberculose ganglionar.
do ducto nasopalatino na linha média do palato duro
acima das raízes dos incisivos centrais superiores. Essas
 Áreas radiolúcidas que lesões têm sido denominadas de cistos palatinos media-
nos e sido consideradas variantes dos cistos do ducto
podem simular granulomas,
nasopalatino localizados superiormente, mas a origem
cistos e cicatrizes fibrosas
a partir de deficiência de fusão dos processos palatinos
perirradiculares
tem sido sugerida por alguns autores22,40. Essas lesões
Cistos produzem abaulamento assintomático na linha média
do palato duro, em localização posterior à papila inci-
Cisto do ducto nasopalatino
siva, tendo predileção por adultos jovens. A imagem
O cisto do ducto nasopalatino, também conhecido
radiográfica dessa variante também é radiolúcida uni-
como cisto nasopalatino, cisto do canal incisivo e cisto
locular bem delimitada circundada por uma cortical de
do ducto incisivo, é o cisto não odontogênico intraósseo
esclerose, à semelhança do cisto do ducto nasopalatino.
mais comum dos maxilares21. A despeito, representa
O tratamento do cisto do ducto nasopalatino, do cisto
apenas cerca de 1 a 2% dos cistos dos maxilares e é mais
da papila incisiva e do cisto palatino mediano envolve
infrequente que a maioria dos cistos odontogênicos
a enucleação cirúrgica.
inflamatórios e do desenvolvimento. Sua origem está
associada à proliferação de remanescentes epiteliais do
ducto nasopalatino, estrutura embrionária que comuni-
ca a cavidade nasal com a porção mediana anterior do
palato duro, desembocando no forame nasopalatino40.
Em virtude dessa associação, sua localização anatômi-
ca é bastante típica, ao longo da linha média de união
das duas maxilas. Esse cisto apresenta predileção por
homens adultos, usualmente se manifestando por um
aumento de volume recoberto por mucosa normal de
evolução lenta, entre as raízes dos incisivos centrais
superiores, produzindo aumento na região da papila
palatina e muitas vezes afastando as raízes dos incisi-
vos centrais superiores40. As lesões podem ser assinto-
máticas; entretanto, dor e desconforto local são achados
frequentes, visto que o cisto cresce dentro do forame
nasopalatino, local onde anatomicamente existe o feixe Figura 3-5. Cisto do ducto nasopalatino mostrando área radiolúci-
vasculonervoso palatino anterior. Radiograficamente, da unilocular bem delimitada na linha média do palato duro. Obser-
o cisto do ducto nasopalatino se apresenta como uma var a relação próxima com o periápice dos incisivos superiores.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 87

Cisto nasolabial
Esse cisto não odontogênico dos tecidos moles da
face, também conhecido como cisto nasoalveolar ou
cisto de Kledstadt, tem sua origem associada à perma-
nência de restos epiteliais embrionários aprisionados
na fusão dos processos maxilar, nasal mediano e nasal
lateral durante a embriogênese da face, que prolife-
ram sob estímulo desconhecido na vida adulta21. Cli-
nicamente, produz um aumento de volume no fundo
de vestíbulo superior, lateralmente à linha média, na
região correspondente aos incisivos laterais e caninos
superiores25 (Fig. 3-6). Esse abaulamento usualmente é
visível no lábio superior e produzindo elevação da asa
do nariz. Acomete preferencialmente indivíduos adul-
tos, sem mostrar predileção marcante por gênero. No
início, essas lesões são assintomáticas, mas em virtude
de seu crescimento lento e progressivo podem se tornar
secundariamente traumatizadas e infectadas, passando
a ter sintomatologia dolorosa42. Nessas situações po- Figura 3-7. Radiografia periapical da mesma paciente e da mesma
dem apresentar quadro clínico compatível com lesões região anatômica da Fig. 3-6 mostrando área radiolúcida difusa so-
breposta ao periápice dos dentes 12 e 13. (Reproduzida de Pascual
perirradiculares inflamatórias agudizadas. A despeito et al. Rev Bras Odontol, 2007; 64: 200-4.)
de surgirem nos tecidos moles dessa região anatômi-
ca, elas podem causar com seu crescimento reabsor-
ção superficial da cortical óssea, produzindo imagem
autores têm preconizado a injeção intralesional de con-
radiográfica radiolúcida difusa sobreposta aos ápices
trastes seguida de tomadas convencionais, facilitando
dos incisivos laterais e caninos superiores25 (Fig. 3-7).
a observação dos limites da lesão e, consequentemente,
A proximidade da lesão com a fossa nasal pode fazer
sua remoção cirúrgica. Seu tratamento inclui a remoção
com que as queixas nasais sejam mais evidentes que as
cirúrgica conservadora; entretanto, alguns cistos maio-
queixas orais, o que pode também fazer com que os pa-
res e inflamados podem mostrar cápsula com íntimo
cientes procurem avaliação otorrinolaringológica antes
contato com a mucosa nasal, o que aumenta a possibi-
da avaliação odontológica. Na tentativa de obterem
lidade de comunicação buconasal pós-operatória.
imagens radiográficas convencionais da lesão, alguns
Cisto paradentário
O cisto paradentário foi primeiramente descrito
por Craig em 1970, e, a despeito de ser considerado
um cisto odontogênico relativamente frequente, pou-
cas séries de casos têm sido reportadas na literatura20,26.
À semelhança dos cistos perirradiculares e residuais,
esse cisto também é classificado como um cisto odon-
togênico de origem inflamatória, para o qual diversas
etiologias têm sido sugeridas, embora a mais provável
inclua um processo inflamatório crônico, muitas vezes
precedido por episódios agudos de pericoronarite, em
um elemento dentário semierupcionado. Acredita-se
que a inflamação localizada entre a coroa/face lateral
da raiz do elemento dentário semierupcionado e o epi-
Figura 3-6. Aumento de volume submerso no fundo de vestíbulo télio do capuz pericoronário ou do sulco gengival, cor-
superior na região de incisivo lateral e canino do lado direito em
paciente portadora de cisto nasolabial. Observar a cicatriz de bióp- respondendo a uma bolsa periodontal inflamada, pro-
sia incisional prévia. (Reproduzida de Pascual et al. Rev Bras Odontol, duza destruição do osso alveolar na face lateral da raiz,
2007; 64: 200-4.) levando à formação de uma cavidade na região20. Os
88 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

Cisto dentígero
O cisto dentígero, também conhecido como cisto
folicular, é um cisto odontogênico caracterizado pelo
acúmulo de líquido entre a coroa de um dente não
erupcionado e o epitélio reduzido do órgão do es-
malte que a circunda21. É considerado o segundo cisto
odontogênico mais comum, sendo apenas menos fre-
quente que o cisto perirradicular e sua variante, o cisto
residual1. Por associar-se a dentes não erupcionados,
apresenta predileção por indivíduos jovens, nas duas
primeiras décadas de vida, não mostrando predileção
por gênero. Além da ausência clínica do elemento den-
tário associado, esse cisto pode promover abaulamento
local, usualmente assintomático e recoberto por muco-
Figura 3-8. Área radiolúcida bem delimitada sobreposta distalmen- sa normal. Os dentes mais acometidos são aqueles que
te às raízes do dente 36, diagnosticada como cisto paradentário na permanecem mais tempo retidos nos maxilares, in-
variante da bifurcação vestibular.
cluindo especialmente os terceiros molares e caninos.
Radiograficamente, esse cisto se caracteriza por uma
área radiolúcida unilocular envolvendo a coroa de um
cistos paradentários apresentam predileção pelos ter- dente não erupcionado e, nessa situação, dificilmente
ceiros molares, por serem esses os dentes que permane- consideraremos uma lesão perirradicular inflamatória
cem semierupcionados com maior frequência. Em vir- em seu diagnóstico diferencial36. Entretanto, em pacien-
tude dessa patogênese, a porção radicular distal desses tes em fase de dentição mista, faixa etária comum para
dentes é a área de predileção, mas esses cistos também o surgimento do cisto dentígero, frequentemente há
podem surgir em associação à face vestibular dos mo- sobreposição da imagem do cisto com o periápice dos
lares, especialmente dos primeiros molares inferiores, dentes decíduos localizados na região (Fig. 3-9). Nessa
sendo denominados de cistos da bifurcação vestibular situação clínica, é essencial testar a sensibilidade dos
quando surgem nessa situação anatômica21 (Fig. 3-8). dentes da região para excluir envolvimento inflamató-
Os cistos paradentários usualmente são assintomáticos, rio do tecido pulpar37. Nos casos onde o elemento decí-
podendo ou não mostrar aumento de volume distal ou duo associado não apresenta sensibilidade pulpar por
vestibular. Seu aspecto radiográfico mostra uma área
radiolúcida unilocular bem delimitada, localizada mais
comumente na face distal da raiz de um terceiro molar
semierupcionado26. Quando se associa à porção vesti-
bular do dente afetado, há sobreposição dessa imagem
com a porção inferior da coroa e superior da raiz. É
importante ressaltar que, muito embora a imagem ra-
diográfica desse cisto mostre íntima relação com a face
lateral da raiz de um elemento dentário, ele apresenta
resposta positiva aos testes de sensibilidade dentária,
visto que sua origem não está relacionada com a infla-
mação pulpar. Seu tratamento usualmente inclui a enu-
cleação cirúrgica associada à exodontia do elemento as-
sociado, especialmente quando se trata de um terceiro
molar, mas o elemento dentário pode ser mantido caso
seja viável. Quando analisado laboratorialmente, o cis-
to paradentário apresenta aspecto microscópico muito
semelhante ao cisto perirradicular e ao cisto residual, e
Figura 3-9. Área radiolúcida unilocular associada lateralmente à
a associação do padrão microscópico com os aspectos coroa do dente 35 incluso e em íntima relação com o periápice
clínicos, radiográficos e transcirúrgicos é essencial para do dente 75 sem vitalidade pulpar, diagnosticada como cisto den-
seu correto diagnóstico20. tígero.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 89

outras causas, incluindo especialmente cáries e trauma,


será muito difícil diferenciar uma lesão perirradicular
inflamatória do dente decíduo de um cisto dentígero
do elemento permanente incluso. Nesses casos muitas
vezes há indicação de intervenção cirúrgica na região
visando ao mesmo tempo esclarecimento diagnóstico e
a terapêutica para o caso. Nessa situação clínica onde
há necrose pulpar do dente decíduo em íntimo conta-
to com um cisto dentígero associado à coroa do dente
permanente incluso que o substituirá, é possível que
a inflamação altere o padrão do revestimento epitelial
cístico, dificultando sobremaneira o diagnóstico final
correto e valorizando a importância dos aspectos clíni-
cos, imaginológicos e transcirúrgicos37. De forma geral,
o tratamento do cisto dentígero inclui a enucleação cís- Figura 3-10. Queratocisto odontogênico (tumor odontogênico
tica, associada ou não à exodontia do elemento asso- queratocístico) caracterizado como área radiolúcida na região pos-
ciado, na dependência direta da possibilidade de seu terior da mandíbula do lado esquerdo, mostrando associação com
aproveitamento, que pode ser auxiliado via traciona- o periápice dos molares da região.
mento ortodôntico. Cistos dentígeros grandes podem
se beneficiar de descompressão ou marsupialização
prévias ao procedimento cirúrgico final. imagens radiográficas radiolúcidas bem delimitadas
por uma cortical de esclerose, as quais podem ser uni-
Queratocisto odontogênico loculares ou multiloculares, e que estão comumente
em íntima associação com as raízes dos elementos
O queratocisto odontogênico tem merecido des-
dentários da região8,24 (Fig. 3-11). Cerca de 25 a 40%
taque especial dentro da Patologia Oral, em especial
dos queratocistos podem estar associados a dentes
por sua recente classificação como tumor odontogêni-
não irrompidos, em uma relação que lembra aque-
co com morfologia cística, sendo denominado tumor
la encontrada nos cistos dentígeros. Nesses últimos,
odontogênico queratocístico segundo a última classi-
a coroa do elemento dentário associado se encontra
ficação dos Tumores Odontogênicos da Organização
projetada dentro da cavidade cística, relação que não
Mundial da Saúde de 20051. Embora essa sugestão
ocorre nos queratocistos, nos quais o elemento den-
de nova nomenclatura não seja universalmente acei-
ta, é reconhecido seu comportamento biológico mais
agressivo com maior potencial de crescimento e reci-
diva, reforçando a necessidade de seu correto diag-
nóstico e tratamento32. Acredita-se que essas lesões
surjam a partir da proliferação de remanescentes da
lâmina dentária. Os queratocistos são comuns, sendo
considerados menos frequentes apenas que os cistos
perirradiculares/residuais e cistos dentígeros9. Po-
dem acometer uma ampla faixa etária; entretanto, são
mais comuns em adultos jovens, apresentando discre-
ta predileção pelo gênero masculino. Embora possam
ocorrer em qualquer região anatômica dos maxilares,
cerca de 60 a 80% dos casos envolvem a região pos-
terior da mandíbula, podendo estender-se ao ramo
mandibular21 (Fig. 3-10). Usualmente são assintomá-
ticos e não promovem abaulamento das corticais por
apresentarem padrão de crescimento que permeia
Figura 3-11. Imagem radiolúcida na região posterior da mandíbula
os espaços do osso medular, mas lesões grandes po-
do lado direito em íntima associação com o periápice do dente 47,
dem produzir aumento de volume local, assim como diagnosticada como queratocisto odontogênico (tumor odontogê-
afastamento dentário36. Os queratocistos apresentam nico queratocístico).
90 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

tário se encontra afastado de sua localização original Cisto periodontal lateral


pelo crescimento do cisto. Os queratocistos frequente- O cisto periodontal lateral é um cisto odonto-
mente apresentam queratina em seu interior, de onde gênico incomum, representando menos de 2% dos
provém seu nome, mas a ausência de queratina não cistos odontogênicos. Entretanto, é uma importante
deve descartá-los como possibilidade diagnóstica1. condição a ser considerada no diagnóstico diferen-
A punção aspirativa prévia à exploração cirúrgica é cial das lesões perirradiculares inflamatórias, por se
útil na evidenciação da queratina no interior do cis- manifestar lateralmente à raiz de elementos dentários
to, reforçando sua possibilidade diagnóstica. O tra- erupcionados11. Sua etiologia possivelmente está as-
tamento dos queratocistos pode incluir a enucleação, sociada à proliferação de remanescentes epiteliais da
a descompressão e a marsupialização, a curetagem bainha epitelial radicular de Hertwig (restos epiteliais
associada à osteotomia periférica e até mesmo as res- de Malassez) ou a restos da lâmina dentária, e esse
secções cirúrgicas, na dependência especialmente do cisto acomete especialmente adultos jovens, sem pre-
tamanho, localização e relação dentária das lesões, dileção por gênero21. Usualmente se apresenta assin-
e da idade e do grau de colaboração e compreensão tomático, mas alguns pacientes reportam a sensação
dos pacientes. De qualquer forma, independente- de pressão entre os dentes vizinhos, assim como pode
mente da forma de tratamento escolhida, o diagnós- existir discreto afastamento entre eles. Há uma re-
tico microscópico correto é essencial para o sucesso gião de predileção para o surgimento desse cisto, que
da terapia. Vale ressaltar que essas lesões apresentam inclui a área de mandíbula entre o canino e os pré-
índices maiores de recidiva, quando em comparação molares, acometida em cerca de 60 a 70% dos casos7.
com outros cistos odontogênicos, e que são maiores Sua imagem radiográfica é, na grande maioria das ve-
ou menores em relação à terapia proposta, reforçando zes, radiolúcida unilocular bem delimitada por uma
a necessidade de monitoramento dos pacientes após cortical de esclerose óssea, localizada entre as raízes
o tratamento32. de dois elementos dentários erupcionados, raramen-
Alguns pacientes podem apresentar queratocis- te ultrapassando 1cm em seu maior diâmetro7 (Fig.
tos múltiplos e, nessa situação, devem ser pesquisa- 3-12). Em alguns casos, a imagem pode ser radiolú-
dos quanto à possibilidade da presença da síndrome cida multilocular, e, macroscopicamente, o cisto pode
dos múltiplos carcinomas basocelulares nevoides, apresentar também múltiplas lojas. Alguns autores
também conhecida como síndrome de Gorlin-Goltz21. consideram essas lesões multicísticas em separado,
Essa síndrome, usualmente de transmissão autossô- especialmente em virtude de seu maior potencial de
mica dominante, caracteriza-se por mutações no gene agressividade local e recidiva, chamando-as de cistos
PTCH, que levam à predisposição ao aparecimento de odontogênicos botrioides, embora outros autores as
múltiplos carcinomas basocelulares de padrão nevoi-
de, cistos epidermoides, disqueratose palmoplantar,
alterações nas costelas (costela bífida ou fusão de cos-
telas), calcificações cerebrais e outros tumores, como os
meduloblastomas, nos pacientes afetados. Na região
de cabeça e pescoço, os pacientes podem apresentar
especialmente bossa craniana, hipertelorismo ocular e
múltiplos queratocistos nos maxilares, os quais estão
presentes em até 75% dos pacientes com a síndrome,
sendo considerados um importante marcador diagnós-
tico. Esses queratocistos associados à síndrome apre-
sentam relação frequente com dentes não irrompidos,
especialmente os terceiros molares, o que pode estar
associado ao fato de que os queratocistos na síndrome
usualmente acometem pacientes mais jovens21. Pacien-
tes portadores dessa síndrome devem receber, além da
terapêutica para os cistos, avaliação médica sistêmica
para diagnóstico, monitoramento e tratamento dos de-
Figura 3-12. Área radiolúcida unilocular bem delimitada localizada
mais sinais e sintomas da condição, assim como acon- entre as raízes dos dentes 34 e 35, diagnosticada como cisto perio-
selhamento genético. dontal lateral.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 91

considerem apenas como variantes do cisto periodon-


tal lateral21. É importante frisar que embora o cisto pe-
riodontal lateral apresente íntimo contato com a face
lateral das raízes dos dentes adjacentes, sua origem
não é inflamatória e, portanto, os dentes usualmente
apresentam vitalidade pulpar11. Radiografias periapi-
cais da região acometida por esses cistos mostram o
espaço correspondente ao ligamento periodontal pre-
servado. Seu tratamento inclui a enucleação cirúrgica
conservadora.

Figura 3-13. Área radiolúcida unilocular bem delimitada, conten-


Cisto odontogênico calcificante do pequenos focos de calcificação na região anterior da mandíbula,
diagnosticada como cisto odontogênico calcificante (tumor odon-
Esse cisto, também conhecido como cisto de togênico cístico calcificante). (Gentileza da Dra. Valéria Totti e do Dr.
Gorlin, muito embora mostre a designação cisto em Jacks Jorge Júnior.)
sua nomenclatura, já era considerado como neopla-
sia benigna de padrão predominantemente cístico na
classificação de cistos e tumores odontogênicos da
Alterações do desenvolvimento e alterações
Organização Mundial da Saúde de 1992. Em 2005, na
de etiologia indefinida
classificação mais recente dos tumores odontogêni-
cos da mesma organização, essa condição foi reclas- Depressão mandibular lingual da glândula
sificada em duas variantes: o tumor odontogênico submandibular
cístico calcificante e o tumor dentinogênico de células Essa alteração do desenvolvimento, também cha-
fantasmas1. A primeira representa a variante cística mada de defeito de Stafne, cisto ósseo de Stafne, cisto
do cisto odontogênico calcificante, representando 85 ósseo estático e defeito ósseo estático, foi primeiramente
a 98% dos casos, e a segunda sua contraparte sóli- descrita por Stafne em 1942, de onde provém seu epôni-
da (2 a 15% dos casos)21. Analisadas em conjunto, mo. A despeito da nomenclatura de cisto, utilizada em
essas lesões apresentam predileção por pacientes jo- virtude da semelhança da imagem radiográfica com a
vens mas não por gênero. Acometem a região ante- de cistos intraósseos dos maxilares, essa alteração não
rior dos maxilares em até 65% dos casos, incluindo a apresenta revestimento epitelial, não sendo considera-
área de incisivos e caninos, sem mostrar predileção da uma lesão cística verdadeira28. Representa uma de-
pela mandíbula ou pela maxila. Embora usualmente pressão na cortical lingual da mandíbula, mais comu-
os cistos odontogênicos tenham localização intraós- mente localizada na região da fóvea submandibular,
sea, os cistos odontogênicos calcificantes apresentam mas que pode se apresentar mais anteriormente e, ra-
uma relação aproximada de 4:1 entre lesões intraós- ramente, na região de ramo mandibular28. Sua origem
seas e extraósseas, sendo um dos cistos odontogêni- está associada ao posicionamento mais lateralizado da
cos que com maior frequência acometem os tecidos glândula submandibular e, consequentemente, ao afi-
moles da gengiva e do rebordo alveolar1,6. Embora namento da espessura do osso mandibular na região,
sua imagem radiográfica mais comum inclua uma produzindo uma imagem radiográfica que simula lise
área radiolúcida unilocular com radiopacidades em óssea. Os casos localizados mais anteriormente podem
seu interior, encontrada na metade dos casos, lesões estar associados à glândula submandibular ectópica ou
iniciais podem apresentar imagem exclusivamente às glândulas sublinguais, e aqueles localizados no ramo
radiolúcida6,32 (Fig. 3-13). Em virtude da faixa etária mandibular podem associar-se às glândulas parótidas.
de acometimento, é frequente a associação com den- A imagem radiográfica mais comum dessa condição é
tes não irrompidos (até 30% dos casos), especialmen- radiolúcida unilocular, bem ou mal delimitada, localiza-
te os caninos, e esses cistos podem estar associados da na região de corpo mandibular posterior, próximo ao
a outros tumores odontogênicos, especialmente aos ângulo mandibular e em continuidade com a cortical in-
odontomas. Seu tratamento usualmente inclui a enu- ferior da mandíbula, usualmente abaixo do canal man-
cleação cirúrgica, muito embora alguns casos possam dibular (Fig. 3-14). Essa condição é assintomática, sendo
ser tratados em conjugação com as técnicas de mar- detectada em exames radiográficos de rotina, podendo
supialização e descompressão. estar presente em até 0,3% das radiografias panorâmi-
92 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

Cavidade óssea idiopática


Essa alteração tem sido descrita com uma série de
sinônimos na literatura científica, dentre os quais cisto
ósseo simples, cisto ósseo traumático, cisto ósseo soli-
tário e cisto ósseo hemorrágico, mas a nomenclatura ca-
vidade óssea idiopática parece descrever melhor o quadro
clínico-macroscópico encontrado33,39. Representa um
pseudocisto, visto que embora se assemelhe macrosco-
picamente a um cisto não possui revestimento epitelial
interno. A teoria mais aceita para sua formação é a de
que um trauma ósseo produza uma área de hemorragia
e reabsorção óssea, preenchida inicialmente por um co-
águlo, que aos poucos vai sendo reabsorvido, deixan-
Figura 3-14. Área radiolúcida sem corticais de esclerose localizada do uma cavidade vazia39. Embora essa patogênese seja
na região posterior da mandíbula do lado esquerdo, diagnosticada
como depressão lingual da glândula submandibular.
bem aceita, apenas cerca de 10% dos pacientes relatam
trauma importante na região. Acomete pacientes jo-
vens, usualmente na segunda década de vida e de for-
ma unilateral e apresentando grande predileção pela
cas. Aproximadamente 80 a 90% dos casos de defeito de mandíbula, especialmente em sua região posterior. As
Stafne acometem homens, especialmente adultos e de lesões são assintomáticas e usualmente descobertas em
forma unilateral. Curiosamente para uma alteração do radiografias de rotina, frequentemente solicitadas por
desenvolvimento, sua frequência é relativamente baixa motivos ortodônticos39. Normalmente não há alteração
em crianças e jovens. A imagem radiográfica usualmen- clínica no local, mas cerca de 20% dos pacientes podem
te é suficiente para o diagnóstico da depressão mandi- mostrar abaulamento local. A imagem radiográfica da
bular lingual da glândula submandibular, mas muitas condição é radiolúcida unilocular, podendo ou não
vezes, especialmente quando a imagem se sobrepõe à apresentar as bordas radiopacas de esclerose bem defi-
porção medular do osso mandibular ou ao periápice nidas (Fig. 3-15). Na região de molares inferiores, essa
dos elementos dentários da região, há necessidade de imagem radiolúcida frequentemente se insinua por
estabelecer o diagnóstico diferencial com outras doen- entre as raízes dos dentes, dando um aspecto festona-
ças intraósseas odontogênicas ou não dos maxilares36. do (em forma de “dedos de luva”) às bordas da lesão33
Radiografias oclusais inferiores normalmente não mos- (Fig. 3-16). Mesmo com essa íntima relação, os dentes
tram a depressão na face interna da mandíbula, visto
que sua localização é muito posterior; portanto, nesses
casos, a melhor indicação inclui as imagens de tomogra-
fia computadorizada em cortes axiais, que evidenciam
a presença de depressão na face lingual da mandíbula
na área afetada. Outros exames de imagem, incluindo
ressonâncias nucleares magnéticas e sialografias, têm
sido relatados como auxiliares de diagnóstico, mas sua
complexidade e custo dificultam a utilização rotineira.
Embora o diagnóstico seja eminentemente imaginoló-
gico, alguns casos podem não mostrar a depressão ca-
racterística da condição, achado que indica a exploração
cirúrgica da área para observação do tecido glandular
e confirmação diagnóstica. Embora essa condição já te-
nha sido denominada cisto ósseo estático e a maioria das
lesões permaneça com a mesma imagem radiográfica
ao longo dos anos, o controle radiográfico panorâmico
Figura 3-15. Área radiolúcida unilocular bem delimitada localizada
anual deve ser sugerido aos pacientes, visto que existem na região anterior da mandíbula de paciente jovem em íntima rela-
relatos esporádicos de aumento da área de depressão ção com as raízes dos dentes 43 e 44, diagnosticada como cavidade
cortical com fragilização da região acometida. óssea idiopática.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 93

Figura 3-16. Detalhe das radiografias periapicais de uma lesão,


diagnosticada como cavidade óssea idiopática, mostrando as bor-
das festonadas se insinuando entre as raízes dos dentes da região.

Figura 3-17. Aumento de volume eritematoso em fundo de vestí-


não estão associados com seu surgimento, mostrando bulo ântero-superior do lado esquerdo, diagnosticado como lesão
resultados positivos frente aos testes de sensibilidade central de células gigantes, inicialmente interpretada como absces-
pulpar. Seu diagnóstico é feito analisando em conjunto so dentoalveolar agudo.
as características sociodemográficas, clínicas e radio-
gráficas, usualmente associadas à abordagem cirúrgica
das lesões. A ausência de conteúdo na cavidade, que
pode ser visualizada previamente através da punção
aspirativa, e a curetagem das paredes internas da loja
óssea estimulando hemorragia intralesional e posterior
neoformação óssea são usualmente as formas de diag-
nóstico e tratamento da cavidade óssea idiopática.

Lesão central de células gigantes


Essa condição, também conhecida como granu-
loma central de células gigantes, embora seja consi-
derada como não neoplásica, pode eventualmente
apresentar comportamento agressivo com grande
destruição tecidual local32. Apresenta predileção por
Figura 3-18. Radiografia oclusal superior do mesmo paciente da
pacientes jovens, com cerca de 60% dos pacientes
Fig. 3-17 mostrando área radiolúcida mal delimitada localizada em
pertencendo às três primeiras décadas de vida, aco- maxila à esquerda. Observar a imagem radiográfica dos acessos en-
metendo preferencialmente as mulheres. Localiza-se dodônticos nos dentes 22 e 23.
preferencialmente na região dos maxilares anterior
aos pré-molares, e a mandíbula é sede de cerca de 70%
dos casos32. Clinicamente pode produzir abaulamento
das corticais, sendo usualmente assintomática, mas
podendo causar discreto desconforto local (Fig. 3-17).
Ao exame radiográfico, pode apresentar-se como áreas
radiolúcidas uniloculares ou multiloculares, as quais
podem ser bem ou mal delimitadas4,13 (Figs. 3-18 e
3-19). Eventualmente podem ser observadas discretas
áreas de maior radiodensidade em seu interior pela
formação de tecido osteoide em associação à lesão. Figura 3-19. Área radiolú-
Essa heterogeneidade radiográfica faz com que essa cida unilocular associada ao
periápice dos dentes ântero-
condição seja frequentemente incluída no diagnósti-
inferiores com diagnóstico
co diferencial das lesões radiolúcidas dos maxilares. final de lesão central de cé-
O aspecto microscópico dessa condição é semelhan- lulas gigantes.
94 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

te ao de outras doenças dos maxilares caracterizadas


pela presença de células gigantes multinucleadas, tais
como a lesão periférica de células gigantes, o queru-
bismo e os tumores marrons do hiperparatireoidis-
mo, das quais deve ser diferenciada32. O tratamento
da lesão central de células gigantes é variado e pode
incluir procedimentos cirúrgicos tradicionais como
curetagens ou ressecções, ou tratamentos mais con-
servadores, como a injeção intralesional de esteroides.
As taxas de recidiva podem ser altas, variando de 10 a
50%, dependendo da terapêutica selecionada.

Tumores
Ameloblastoma
Figura 3-20. Aumento de volume recoberto por mucosa normal
Os ameloblastomas representam, depois dos no fundo de vestíbulo e rebordo alveolar na região ântero-inferior,
odontomas, os tumores odontogênicos mais comuns, causando afastamento dentário na região, diagnosticado como
sendo considerados um capítulo à parte dentro da Pa- ameloblastoma.
tologia Oral, visto que, a despeito de seu comporta-
mento benigno, podem causar grande destruição local
por seu caráter infiltrativo de crescimento. São subdi-
vididos em três variantes: a forma sólida, policística,
multicística ou comum, que representa até 85% dos
casos; a forma unicística representando até 20% dos ca-
sos; e a rara forma periférica, que representa apenas 2%
dos casos1,17,32. A forma mais comum de ameloblastoma
apresenta predileção por pacientes adultos entre a 3a e
a 5a décadas de vida, de ambos os gêneros, localizando-
se na região posterior da mandíbula em até 75% dos
casos. Apesar de usualmente mostrarem abaulamento
local assintomático, alguns casos podem causar dor e
desconforto, além de rompimento das corticais ósseas
(Fig. 3-20). Radiograficamente sua imagem mais co-
Figura 3-21. Radiografia panorâmica do mesmo paciente da Fig.
mum é na forma de áreas radiolúcidas multiloculares,
3-20 mostrando área radiolúcida unilocular bem delimitada e reab-
que podem conter lojas pequenas (aspecto de “favos sorção radicular dos dentes associados à lesão.
de mel”) ou grandes (aspecto de “bolhas de sabão”),
as quais podem estar associadas à reabsorção dentária,
mas também podem se apresentar na forma de áreas
radiolúcidas uniloculares1,5 (Figs. 3-21 e 3-22). O trata-
mento desses ameloblastomas usualmente inclui a res-
secção marginal ou segmentar, mas mesmo assim as
taxas de recidiva se aproximam de 15 a 20%.
A forma unicística apresenta algumas variações Figura 3-22. Área radiolú-
cida na região anterior da
quando comparada à forma sólida/multicística con-
mandíbula diagnosticada
vencional. Mostra predileção por pacientes na 2a dé- como ameloblastoma. A
cada de vida e sua imagem radiográfica é mais comu- despeito de sua proximi-
mente radiolúcida unilocular. A mandíbula posterior é dade com o periápice dos
o sítio das lesões em até 90% dos casos e há associação dentes da região e da exis-
tência de cárie e restau-
de um dente incluso, especialmente um terceiro mo- rações, todos os dentes
lar inferior, em 50 a 80% dos casos3,17. Nessa variante, apresentavam vitalidade
caracterizada pela presença de uma única cavidade, pulpar.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 95

lembrando a morfologia de um cisto, podem existir fo- Lesões fibro-ósseas benignas


cos de proliferação ameloblastomatosa no interior da Essas condições fazem parte de um grupo de
luz do cisto ou na parede da cápsula, conferindo riscos doenças benignas, em sua maioria consideradas alte-
variados de recidiva. Usualmente o tratamento dessa rações do desenvolvimento, caracterizadas pela troca
variante é mais conservador que o da variante sólida. do osso normal por um tecido fibroso que vai sendo
gradativamente mineralizado14. Comumente, o padrão
Tumor odontogênico adenomatoide microscópico dessas condições não é suficientemente
O tumor odontogênico adenomatoide representa específico para diferenciá-las, e a associação com os
cerca de 5% dos tumores odontogênicos, mostrando achados sociodemográficos, clínicos e radiográficos é
predileção por pacientes jovens na 2a década de vida imprescindível para seu diagnóstico correto. Em vir-
e acometendo as mulheres em uma relação de 2:1 para tude da patogênese semelhante entre as doenças desse
os homens1,27. Esses tumores apresentam baixo poten- grupo, iniciando-se com áreas de reabsorção óssea e
cial de agressividade local e mostram predileção pela culminando com áreas de neoformação óssea, o aspec-
região anterior da maxila, estando frequentemente as- to radiográfico desse grupo de doenças pode envolver
sociados a um dente incluso, especialmente os caninos imagens radiolúcidas (imaturas), mistas (intermediá-
superiores. Clinicamente podem causar abaulamento rias) e radiopacas (maduras)14. Assim, podem simular
local, mas são assintomáticos. Sua imagem radiográfi- em seus estágios iniciais lesões radiolúcidas perirradi-
ca usual é radiolúcida unilocular com focos de calcifi- culares de origem inflamatória, ao passo que em suas
cação, lembrando um padrão dito em “flocos de neve”, fases intermediárias e maduras podem compor diag-
associada à coroa de um dente não erupcionado, seme- nóstico diferencial de osteítes condensantes e osteo-
lhantemente ao cisto odontogênico calcificante27. Al- mielites dos maxilares.
guns casos podem não mostrar o componente radiopa- A displasia fibrosa é considerada uma alteração
co, lembrando a imagem radiográfica vista nos cistos do desenvolvimento que pode envolver apenas um
dentígeros, e outros casos podem não estar associados osso (forma monostótica, responsável por 80 a 85% dos
a um elemento dentário incluso (Fig. 3-23). Usualmen- casos) ou vários ossos do esqueleto (forma poliostóti-
te são submetidos à enucleação cirúrgica conservado-
ca, 15 a 20% dos casos)1,32. A forma poliostótica pode
ra, com pequeno potencial de recidiva.
ser associada a manchas cutâneas tipo café com leite
e alterações endócrinas, especialmente a precocidade
sexual em mulheres, no quadro conhecido como sín-
drome de McCune-Albright. Quando a displasia fibro-
sa monostótica acomete a região de cabeça e pescoço,
é mais encontrada em pacientes jovens com predileção
pela maxila. Clinicamente, apresenta-se como um au-
mento de volume de consistência pétrea, de evolução
lenta e sem sintomatologia. Alguns casos se iniciam na
maxila, mas com sua progressão podem envolver ou-
tros ossos adjacentes, no quadro chamado displasia fi-
brosa craniofacial. A imagem radiográfica da displasia
fibrosa pode ser radiolúcida, mista ou radiopaca, mas
usualmente se mostra mal delimitada, misturando-se
com o osso normal adjacente. Nas fases mais maduras,
as áreas radiopacas de osso neoformado lembram pa-
drão semelhante a “vidro fosco” ou “vidro despolido”32
(Fig. 3-24). Sua delimitação irregular influencia no tra-
tamento, que inclui inicialmente apenas o acompanha-
mento clínico-radiográfico, visto que a condição tende
a paralisar ou estabilizar seu crescimento no início da
Figura 3-23. Tumor odontogênico adenomatoide mostrando
vida adulta. Nesse momento podem ser realizados pro-
área radiolúcida relacionada com a coroa de um canino incluso
e com o periápice dos dentes decíduos na região de maxila à es- cedimentos cirúrgicos remodeladores visando a uma
querda. melhora estética e funcional na região afetada.
96 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

Figura 3-25. Radiografia periapical da região ântero-inferior


mostrando displasia cemento-óssea periapical em sua fase ini-
Figura 3-24. Displasia fibrosa acometendo a mandíbula à di- cial, com imagem radiolúcida bem delimitada próxima ao periá-
reita mostrando o aspecto de “vidro despolido” na radiografia pice do dente 32.
periapical.

As displasias cemento-ósseas, incluindo as for-


mas periapical, focal e florida, são também conside-
radas alterações do desenvolvimento e da maturação
óssea, podendo se manifestar como áreas radiolúcidas,
mistas ou radiopacas14,15,32,38. A forma periapical apre-
senta predileção por mulheres melanodermas adultas
Figura 3-26. Radiografia
e idosas, manifestando-se de forma isolada ou múltipla periapical da região ân-
usualmente na região periapical dos dentes anteriores tero-inferior mostrando
inferiores. Essa condição é assintomática e, como não displasia cemento-óssea
mantém relação com estímulo inflamatório, os dentes periapical em fase mais
madura, com imagem
da região usualmente apresentam vitalidade pulpar14.
mista próxima ao periá-
As áreas se iniciam radiolúcidas e, especialmente nes- pice dos incisivos inferio-
sa fase, é imprescindível a diferenciação com doenças res, todos com vitalidade
inflamatórias perirradiculares, evitando o tratamento pulpar.
endodôntico desnecessário dos elementos associados
(Figs. 3-25 e 3-26). Não há necessidade de tratamento
específico para essa condição, apenas acompanhamen-
to clínico-radiográfico periódico.
A forma focal acomete preferencialmente mu-
lheres adultas, sendo considerada por alguns como
uma forma intermediária entre as formas periapical
e florida. Localiza-se preferencialmente na região
posterior da mandíbula, sendo também assintomá-
tica e raramente ultrapassando 1,5cm em seu maior
diâmetro38. O aspecto radiográfico pode ser variável
como na forma periapical e, de forma semelhante à
primeira, os dentes da região não apresentam alte-
rações nos testes de vitalidade pulpar38 (Fig. 3-27).
Nessa região anatômica são frequentes lesões císti- Figura 3-27. Área radiopaca circundada por halo radiolúcido pró-
cas e tumorais que podem acometer os maxilares; xima ao periápice dos dentes 34 e 35 diagnosticada como displasia
portanto, a biópsia pode ser necessária para escla- cemento-óssea focal.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 97

recimento diagnóstico, após o qual basta apenas o dros assintomáticos não necessitam tratamento, ape-
controle clínico-radiográfico. nas controle clínico-radiográfico como as outras duas
A displasia cemento-óssea florida é a forma mais formas. Deve-se orientar os pacientes acometidos para
exuberante dessa condição, acometendo mulheres me- evitarem trauma ou irritação local desnecessária ou ia-
lanodermas adultas e idosas em 90% dos casos15. Nessa trogênica nas áreas acometidas, tais como trauma por
forma, as lesões são múltiplas e usualmente bilaterais próteses mal adaptadas, exodontias, doença periodon-
em ambos os maxilares ou só na mandíbula, podendo tal crônica e colocação de implantes ósseo-integrados
ou não ser simétricas. Lesões em pacientes mais jovens para evitar o desenvolvimento de osteomielites. Al-
tendem a ser mais imaturas e, portanto, radiolúcidas, guns autores sugerem que exista uma forma de displa-
ao passo que em pacientes idosos tendem a mostrar sia cemento-óssea florida com componente hereditário
imagem radiopaca (mais madura)14 (Figs. 3-28 e 3-29). autossômico dominante, chamada de cementoma gi-
Algumas áreas podem apresentar cavidades vazias as- gantiforme familiar.
sociadas, as quais são compatíveis com áreas de cavi- O fibroma ossificante central faz parte desse
dades ósseas idiopáticas. O quadro isolado das lesões mesmo grupo de condições, sendo considerado, ao
é usualmente assintomático, mas quando as áreas, es- contrário das anteriormente descritas, uma neoplasia
pecialmente as radiopacas, se tornam secundariamen- benigna verdadeira14,32. Afeta especialmente pacientes
te inflamadas ou infectadas por trauma local, infecção adultos jovens, com predileção por mulheres e acome-
dentária ou ambos, podem se tornar sintomáticas e tendo preferencialmente a região posterior da mandí-
apresentarem drenagem purulenta15. Nesses casos, bula. Clinicamente produz abaulamento das corticais
pode ser observada a formação de sequestros ósseos, na região afetada, mas é usualmente assintomático.
que devem ser removidos sob antibioticoterapia. Qua- Sua imagem radiográfica pode ser radiolúcida, mista
ou radiopaca, como na displasia fibrosa e nas displa-
sias cemento-ósseas, mas tipicamente se mostra bem
delimitada em relação ao osso normal adjacente pela
presença de uma borda de esclerose óssea14. Pode pro-
duzir ainda afastamento dentário, além de divergência
e reabsorção radiculares. Seu tratamento usualmente
inclui a enucleação cirúrgica simples, com excelente
plano de clivagem, raramente produzindo recidivas.

 Áreas mistas (radiolúcidas e


radiopacas) ou totalmente
Figura 3-28. Radiografia panorâmica mostrando áreas predomi- radiopacas que podem simular
nantemente radiolúcidas próximas ao periápice dos elementos
dentários em uma paciente portadora de displasia cemento-óssea
osteítes condensantes e
florida. osteomielites dos maxilares
Alterações do desenvolvimento e alterações
de etiologia indefinida
Osteoescleroses idiopáticas
Essas lesões, também conhecidas como cicatrizes
ósseas, enostoses e osteopetroses perirradiculares fo-
cais, representam áreas focais de condensação óssea,
de origem idiopática16. Devem ser diferenciadas de
áreas radiograficamente similares de causa inflamató-
ria (como a osteíte condensante e a osteomielite crônica
esclerosante), displásica e neoplásica (como as lesões
fibro-ósseas benignas). À semelhança das displasias
Figura 3-29. Paciente portadora de displasia cemento-óssea flo-
rida apresentando múltiplas áreas envolvendo a proximidade das
cemento-ósseas, apresentam predileção por mulhe-
regiões perirradiculares nos dentes inferiores, simulando lesões pe- res melanodermas adultas, sendo assintomáticas. Em
rirradiculares de origem pulpar. cerca de 90% dos casos acometem a região posterior
98 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

citar o torus palatino, o torus mandibular, as exostoses


vestibulares, as exostoses em tuberosidade e as exosto-
ses subpônticas21. As formas mais comuns, encontra-
das em 5 a 60% da população de acordo com diversos
estudos, incluem o torus palatino e o torus mandibular.
O torus palatino localiza-se caracteristicamente na por-
ção mediana do palato duro, sendo usualmente séssil
e podendo apresentar morfologia variada, incluindo
lesões achatadas, fusiformes, nodulares e lobuladas. Já
o torus mandibular surge na face lingual do rebordo al-
veolar inferior acima da linha milo-hióidea, usualmen-
te na região de caninos e pré-molares, sendo bilateral
em até 90% dos casos. Usualmente são encontradas
mais de uma protuberância, as quais podem variar de
discretas elevações a grandes massas de tecido ósseo
que podem dificultar o posicionamento lingual, com
Figura 3-30. Área radiopaca se misturando ao tecido ósseo normal alteração na fala e deglutição. As exostoses vestibula-
adjacente, sem a presença de halo radiolúcido próxima ao periápice
res são mais incomuns que os tori e, embora frequen-
do dente 36 com vitalidade pulpar, diagnosticada como osteoescle-
rose idiopática. temente sejam múltiplas, podem ser encontradas isola-
damente em uma determinada área da mandíbula ou
maxila (Fig. 3-31). As exostoses palatinas se localizam
da mandíbula, estando frequentemente localizadas na região de tuberosidade, sendo usualmente bilaterais
na proximidade do periápice dos dentes da região, os e simétricas. A forma mais incomum de exostoses é a
quais apresentam vitalidade pulpar16. Podem ser únicas exostose subpôntica, que, como indica sua nomencla-
ou múltiplas e radiograficamente se apresentam como tura, surge em áreas edêntulas abaixo de pônticos de
áreas radiopacas de formato arredondado ou elíptico, próteses parciais fixas. Acredita-se que a impactação
sem halo radiolúcido ou delimitação em relação ao de alimentos durante a mastigação abaixo do pôntico
osso normal adjacente, medindo entre 3 e 20mm21 (Fig. sirva de estímulo à proliferação de tecido ósseo a partir
3-30). Com seu aspecto radiográfico típico e com a vi- da cortical superior do rebordo alveolar.
talidade dos dentes adjacentes não há necessidade de O diagnóstico das exostoses é realizado pelo exa-
tratamento complementar. Entretanto, áreas com dúvi- me clínico, mas vários casos podem requerer avaliação
da diagnóstica podem ser removidas cirurgicamente, radiográfica complementar. Dependendo de sua loca-
com a finalidade de excluir outras possibilidades. O lização e dimensão, as exostoses podem mostrar ima-
simples acompanhamento radiográfico é preconizado
para a maioria dos casos, alguns dos quais podem até
regredir.

Exostoses
Exostoses são protuberâncias e crescimentos ori-
ginados a partir da porção cortical do osso, comumente
encontrados na mandíbula e na maxila. Sua etiologia é
desconhecida, mas acredita-se que fatores genéticos e
ambientais participem em conjunto, e diversos autores
têm sugerido que o trauma local pode produzir respos-
ta proliferativa no osso subjacente. São usualmente en-
contradas em pacientes adultos, sem predileção mar-
cante por gênero, sendo normalmente assintomáticas e
recobertas por mucosa normal. À palpação apresentam
consistência pétrea e não apresentam mobilidade em
relação aos planos teciduais adjacentes. Existem várias Figura 3-31. Paciente apresentando múltiplas exostoses vestibula-
formas clínicas de exostoses, dentre as quais podemos res assintomáticas em maxilas e em mandíbula bilateral.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 99

Figura 3-32. Radiografia periapical da região de molares superiores Figura 3-33. Massa radiopaca relativamente bem delimitada
do lado direito mostrando a sobreposição das áreas de neoforma- localizada em continuidade com a raiz do dente 26, circundada
ção óssea das exostoses com as raízes dos elementos dentários na por discreto halo radiolúcido, diagnosticada como cementoblas-
área (mesmo paciente da Fig. 3-31). toma.

gem radiográfica radiopaca difusa, que eventualmente do usualmente ao terço apical da raiz do dente associa-
se sobrepõe à porção radicular dos elementos dentá- do, circundada por um halo radiolúcido, podendo pro-
rios, especialmente no torus mandibular e nas exosto- duzir reabsorção radicular2 (Fig. 3-33). Seu tratamento
ses vestibulares34 (Fig. 3-32). Nessas situações, é impor- envolve a remoção da lesão associada ou não à raiz
tante considerá-las no diagnóstico diferencial das os- acometida ou ao dente associado por completo.
teítes condensantes, pois mostram imagens radiopacas
difusas sem halo radiolúcido e em continuidade com
Osteoma
o osso adjacente, sendo essencial a correlação clínico-
radiográfica. As exostoses usualmente não requerem Os osteomas são neoplasias benignas de tecido
tratamento, exceção feita àqueles casos nos quais exista ósseo, cuja localização preferencial no esqueleto in-
interferência estética ou funcional, quando estejam lo- clui a área craniofacial, especialmente a mandíbula, a
calizadas em áreas sujeitas a trauma constante ou os maxila, o côndilo mandibular e os seios paranasais21.
raros casos que apresentem sintomatologia dolorosa, Quando surgem a partir do osso cortical, seu diag-
usualmente por trauma local. nóstico é mais simples; entretanto, quando surgem a
partir do osso medular, podem simular outras lesões
radiopacas dos maxilares, incluindo aquelas associa-
Tumores
das à inflamação pulpar e perirradicular10. Mostram
Cementoblastoma predileção por pacientes adultos jovens, e não por gê-
Os cementoblastomas são neoplasias odontogêni- nero, e usualmente são assintomáticos, causando ape-
cas incomuns caracterizadas pela proliferação de tecido nas abaulamento local de proporções variáveis, sendo
mineralizado de origem cementária unido à raiz de um este geralmente mais evidente nas lesões de origem
ou mais elementos dentários2. Acometem usualmente cortical. Radiograficamente se manifestam como mas-
pacientes jovens nas 2a e 3a décadas de vidas, sem pre- sas escleróticas radiopacas circunscritas corticais ou
dileção por gênero. A mandíbula posterior é a região medulares, tratadas por meio de remoção cirúrgica
de predileção, e o primeiro molar inferior é o dente conservadora10 (Fig. 3-34).
mais associado ao desenvolvimento dessas lesões21. Ao Osteomas geralmente são lesões únicas, e a pre-
contrário da grande maioria dos tumores odontogêni- sença de múltiplos osteomas faz necessária a pesquisa
cos, os cementoblastomas apresentam dor associada da possibilidade de síndrome de Gardner, uma condi-
em cerca de 50% dos casos. Ao exame radiográfico se ção rara de transmissão usualmente autossômica domi-
observa uma massa de tecido misto ou radiopaco uni- nante21. Essa síndrome é caracterizada, além da presen-
100 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

cia relativa das drogas, de forma que o zolendronato e


o pamidronato apresentam os maiores riscos18. Como
essas drogas apresentam níveis baixos de excreção e
possuem elevada adesão ao tecido ósseo, seus efeitos
podem perdurar por anos, mesmo após a suspensão
de seu uso. Usualmente as áreas de necrose óssea sur-
gem após manipulação dentária cirúrgica na região,
especialmente exodontias, mas o quadro pode surgir
espontaneamente ou motivado por trauma por próte-
ses mal adaptadas29. Clinicamente podemos observar
áreas de inflamação aguda dolorosa, associadas ou
não a áreas de exposição de osso necrótico na cavida-
de oral (Fig. 3-35). Na avaliação radiográfica, as áreas
acometidas podem variar de alterações precoces, tais
Figura 3-34. Paciente portador de síndrome de Gardner apresen-
como espessamento da lâmina dura do osso alveolar,
tando osteomas na região anterior da maxila, próximo ao ápice dos alargamento do espaço correspondente ao ligamento
incisivos superiores, e no seio maxilar do lado direito. periodontal e áreas discretas de lise óssea, até extensas
áreas radiolúcidas e radiopacas mal delimitadas, simu-
lando osteomielites (Figs. 3-36 e 3-37). Nos momentos
ça dos osteomas surgindo na puberdade, pelo quadro iniciais nos quais ainda não se visualiza exposição ós-
de polipose colorretal familiar e pelo desenvolvimento sea, o quadro doloroso agudo pode simular odontal-
de cistos epidermoides e fibromas cutâneos múltiplos. gias, dentre as quais aquelas de origem endodôntica e
Nos maxilares, além dos osteomas, podemos encon- os abscessos periodontais29. Nesses casos, a anamnese
trar múltiplos dentes supranumerários frequentemen- minuciosa especialmente sobre a história oncológica
te impactados e odontomas. A maior importância da ou de osteoporose, assim como o tratamento dos pa-
síndrome reside na possibilidade de desenvolvimento cientes, é essencial para o diagnóstico da osteonecrose
de adenocarcinomas a partir dos pólipos intestinais dos maxilares por bisfosfonatos. Vale ressaltar que o
preexistentes, motivo pelo qual os pacientes devem ser manejo dessa condição envolve usualmente manobras
sistemicamente monitorados.

Injúrias físicas e químicas nos maxilares


Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de
bisfosfonatos
No ano de 2002 surgiram na literatura os primei-
ros relatos de necrose óssea dos maxilares associada
ao uso de bisfosfonatos, medicamentos que possuem
como função principal a inibição da função osteoclásti-
ca18. Essas drogas, análogas dos pirofosfatos, aderem-se
à superfície óssea, inibindo a ação osteoclástica e, con-
sequentemente, o turnover do tecido ósseo. Suas prin-
cipais utilizações incluem o tratamento da osteoporose
e o controle da progressão do envolvimento ósseo por
cânceres, em especial mieloma múltiplo e neoplasias
metastáticas de mama e próstata. Nessas situações, a
forma de utilização dessas drogas pode ser oral (na
osteoporose – alendronato de sódio, Fosamax®) ou in-
travenosa (no tratamento do envolvimento neoplásico
Figura 3-35. Paciente portadora de osteonecrose dos maxilares as-
ósseo – pamidronato – Aredia® – e zolendronato – Zo- sociada ao uso de pamidronato e zolendronato, apresentando área
meta®). O risco de desenvolvimento dessas áreas de de exposição óssea e drenagem purulenta na região posterior da
necrose é proporcional à forma de utilização e à potên- mandíbula do lado direito.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 101

procedimentos cirúrgicos e a adaptação das próteses


antes dos seus efeitos no osso alveolar29.
Cabe ressaltar que no processo de diagnóstico
dessas osteonecroses associadas aos bisfosfonatos,
deve ser excluída a possibilidade de osteorradionecro-
se, questionando ao paciente a realização prévia de ra-
dioterapia na região de cabeça e pescoço, envolvendo
em seus campos a mandíbula e as maxilas21. Diversos
estudos têm mostrado que o risco de desenvolvimento
de osteorradionecrose pode aumentar com o intervalo
de tempo pós-radioterapia, achado que reforça a ne-
cessidade de criteriosa anamnese nesses pacientes. O
aspecto clínico-radiográfico pode ser muito semelhan-
te ao da osteonecrose induzida por bisfosfonatos, e seu
tratamento usualmente inclui irrigação (oxigenação)
Figura 3-36. Paciente portador de osteonecrose dos maxilares as-
sociada ao uso de zolendronato em mandíbula mostrando aumen- local, controle da infecção secundária, remoção dos se-
to do espaço correspondente ao ligamento periodontal e da lâmina questros ósseos e, eventualmente, oxigenação hiperbá-
dura do osso alveolar na região. rica acessória; entretanto, a melhor forma de prevenção
é a realização do tratamento odontológico necessário
previamente ao início da radioterapia.

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5. Faitaroni LA, Bueno MR, De Carvalhosa AA, Bruehmueller
Figura 3-37. Área radiolúcida difusa em associação ao periápice Ale KA, Estrela C. Ameloblastoma suggesting large apical
do dente 37 em paciente portadora de osteonecrose associada a periodontitis. J Endod, 2008; 34: 216-9.
zolendronato, inicialmente diagnosticada como abscesso dentoal- 6. Fregnani ER, Pires FR, Rivera DQ, Shih IM, Almeida OP,
Vargas PA. Calcifying odontogenic cyst: clinicopathologi-
veolar agudo.
cal features and immunohistochemical profile of ten cases. J
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7. Formoso Senande MF, Figueiredo R, Berini Aytés L, Gay Es-
conservadoras, incluindo antibioticoterapia e remoção coda C. Lateral periodontal cysts: a retrospective study of 11
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8. Garlock JA, Pringle GA, Hicks ML. The odontogenic kera-
e que os procedimentos cirúrgicos mais amplos estão
tocyst: a potential endodontic misdiagnosis. Oral Surg Oral
reservados para situações específicas, nas quais as ma- Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, 1998; 85: 452-6.
nobras conservadoras não produziram o efeito dese- 9. Jones AV, Craig GT, Franklin CD. Range and demographics
jado30. De qualquer forma, a cura completa das áreas of odontogenic cysts diagnosed in a UK population over a
30-year period. J Oral Pathol Med, 2006; 35: 500-7.
de osteonecrose pode não ser o objetivo final do tra- 10. Kaplan I, Nicolaou Z, Hatuel D, Calderon S. Solitary central
tamento, o qual visa usualmente ao controle local e à osteoma of the jaws: a diagnostic dilemma. Oral Surg Oral
estabilização do quadro. O ideal para esses pacientes Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, 2008; 106: 22-29.
11. Kerezoudis NP, Donta-Bakoyianni C, Siskos G. The lateral
é a avaliação odontológica prévia ao início da terapia periodontal cyst: aetiology, clinical significance and diagno-
com bisfosfonatos para que possam ser realizados os sis. Endod Dent Traumatol, 2000; 16: 144-150.
102 Capítulo 3  Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas

12. Kuc I, Peters E, Pan J. Comparison of clinical and histolo- report. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod,
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Capítulo 4
Microbiologia
Endodôntica

José Freitas Siqueira Jr.


Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

A Endodontia pode ser definida essencialmente sa área conhecer as principais nuances do processo
como a disciplina clínica voltada para o tratamento infeccioso endodôntico, reconhecendo os principais
ou a prevenção das patologias perirradiculares. Uma micro-organismos envolvidos, suas vias de acesso ao
vez que essas doenças apresentam etiologia infeccio- sistema de canais radiculares, o padrão de colonização
sa, depreende-se então que a Endodontia é a disciplina microbiana desse sistema e as consequências da infec-
envolvida com o controle e a prevenção das infecções ção endodôntica para o hospedeiro (paciente). Em tal
pulpares e perirradiculares (Fig. 4-1). Baseado nesse conhecimento reside a base sólida fundamental sobre a
conceito, é dever do profissional que se habilita nes- qual o profissional irá apoiar sua estratégia para tratar
e prevenir uma infecção endodôntica com o intuito de
lograr êxito na terapia endodôntica.

 RELAÇÃO CAUSAL ENTRE


MICRO-ORGANISMOS E AS PATOLOGIAS
PULPAR E PERIRRADICULAR
O primeiro relato da presença de bactérias em
canais radiculares remonta ao século XVII, pelo fabri-
cante amador de microscópios, o holandês Antony van
Leeuwenhoek (1632–1723). Em 1697, ele escreveu: A co-
roa deste dente estava praticamente toda cariada, suas raízes
apresentavam duas ramificações, eram ocas e as cavidades
nelas estavam preenchidas com uma matéria amolecida. Eu
removi este material dos canais das raízes, misturei com água
de chuva limpa e levei ao meu microscópio para ver se havia
tantas criaturas vivas nele quanto eu já tinha observado an-
Figura 4-1. Lesões perirradicu- teriormente; e devo confessar que todo o material parecia es-
lares são doenças infecciosas
causadas por micro-organismos
tar vivo42. Entretanto, naquela época, desconhecia-se o
infectando o sistema de canais papel dos “animálculos” (bactérias) de Leeuwenhoek
radiculares. na indução de doenças. Apenas cerca de 200 anos de-

103
104 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

pois, as suas observações quanto aos canais radiculares uma relação de causa e efeito. Cerca de 70 anos após
foram ratificadas e uma relação de causa e efeito entre os achados clássicos de Miller, um estudo confirmou
bactérias e lesões perirradiculares foi sugerida. definitivamente o papel essencial desempenhado por
Isso ocorreu em 1894, quando Willoughby Dayton bactérias na etiopatogenia das doenças pulpares e
Miller, um dentista norte-americano que desenvol- perirradiculares. Kakehashi et al.89 expuseram polpas
veu seus estudos relacionados com a Microbiologia dentais de ratos convencionais e germ-free ao meio bu-
Oral, inspirado por Robert Koch, em Berlim, Alema- cal, observando a resposta desse tecido por métodos
nha, relatou a associação entre bactérias e a patologia histológicos. Enquanto nos animais convencionais se
perirradicular após a análise de material coletado de desenvolveu inflamação grave ou necrose pulpar as-
canais radiculares contendo polpas necrosadas125. Por sociada a lesões perirradiculares, nos animais germ-free
bacterioscopia do esfregaço obtido dos canais, ele en- esse tipo de resposta não ocorreu. Na ausência de mi-
controu os três tipos morfológicos básicos de células cro-organismos, as polpas de animais germ-free se repa-
bacterianas, isto é, cocos, bacilos e espirilos (Fig. 4-2). raram por deposição de dentina neoformada na área de
Verificou também que muitas bactérias observadas exposição, isolando o tecido pulpar da cavidade oral.
em microscopia não foram passíveis de cultivo pelas Até meados da década de 1970, a maioria dos
técnicas disponíveis naquela época. Miller relatou que estudos microbiológicos das infecções endodônticas
os odores desenvolvidos pela polpa são determinados pela indicava o predomínio de bactérias facultativas. As
natureza das bactérias presentes e também pelo estágio de espécies comumente isoladas eram Streptococcus mitis,
putrefação. Dentre os produtos de decomposição, eu encon- Streptococcus salivarius, Streptococcus mutans, Streptococ-
trei facilmente amônia e hidrogênio sulfuretado (sulfeto de cus sanguinis e enterococos. Staphylococcus epidermidis,
hidrogênio). (...) Diferentes espécies de bactérias na polpa lactobacilos, pseudomonas e Candida albicans (um fun-
doente ainda não foram passíveis de cultivo em meio artifi- go) também eram frequentemente isolados de canais
cial, e seus efeitos patogênicos não são definidos. O grande radiculares infectados134,198. Em alguns casos, micro-
número de bactérias em algumas polpas, e especialmente a organismos não foram isolados dos canais radiculares
repetida ocorrência de espiroquetas, sugere que, sob certas em casos de polpa necrosada com lesão perirradicular
circunstâncias, elas podem exercer um papel importante em associada. Em decorrência de tais achados, estabeleceu-
processos supurativos. se a crença de que o tecido pulpar necrosado, embora
Todavia, os achados de Miller, embora pioneiros, estéril, pudesse representar um irritante para os tecidos
não eram suficientes para o estabelecimento de uma perirradiculares, capaz de per se induzir e perpetuar o
relação causal entre micro-organismos e as patologias desenvolvimento de uma lesão.
de origem endodôntica. Dois eventos que ocorrem Entretanto, em meados da década de 1970, com
simultaneamente não necessariamente representam o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas de
isolamento e cultivo de anaeróbios estritos, foi gerado
um interesse considerável quanto ao papel desses mi-
cro-organismos na patogênese das doenças endodôn-
ticas. O estudo de Sundqvist, em 1976286, representou
um marco na literatura endodôntica, tendo em vista o
fato de que seus achados revolucionaram os conceitos
vigentes até então. Esse autor avaliou as condições bac-
teriológicas de 32 canais de dentes unirradiculares com
polpas necrosadas e coroas intactas, sem cáries ou res-
taurações. A perda da vitalidade pulpar foi resultado
de injúria traumática. Não havia doença periodontal,
tampouco a existência de fístula. Em 19 dentes foi de-
tectada radiograficamente a presença de lesão perirra-
dicular. Alguns dos achados mais importantes desse
estudo foram:

Figura 4-2. Ilustração do trabalho clássico de W. D. Miller (1894),


a) Bactérias apenas foram encontradas em casos de
evidenciando as formas bacterianas encontradas em um canal in- dentes com lesões perirradiculares associadas. Esse
fectado. achado confirmou o papel importante desempenha-
Microbiologia Endodôntica 105

do por bactérias na etiopatogenia dessas lesões, além (atualmente, membros dos gêneros Porphyromonas e
de ter combatido o conceito de que o tecido pulpar Prevotella). Esse foi o primeiro estudo a encontrar a
necrosado, mesmo na ausência de micro-organis- associação entre uma determinada espécie bacteria-
mos, fosse um irritante tecidual. Evidentemente, a na e algum tipo de sinal ou sintoma de uma doença
explicação para a diferença entre seu estudo e os tra- de origem endodôntica.
balhos que o precederam reside na sensibilidade da
técnica utilizada no que tange ao isolamento de ana- Möller et al.131 também confirmaram o papel cru-
eróbios estritos. Depreende-se, então, que o simples cial exercido por micro-organismos na etiopatogenia
fracasso em isolar micro-organismos de canais com de lesões perirradiculares. Esses autores induziram
polpa necrosada e lesão perirradicular não implica necrose pulpar asséptica ou séptica em dentes de ma-
que eles estivessem ausentes. Muito provavelmente, cacos e, após 6 a 7 meses, as análises clínica, radiográ-
pela baixa sensibilidade e limitações das técnicas até fica, microbiológica e histológica evidenciaram que,
então empregadas, bactérias anaeróbias não foram enquanto nos casos de polpas necrosadas não infecta-
passíveis de ser isoladas. das os tecidos perirradiculares estavam desprovidos
Deve-se ter precaução quando se analisa esse de inflamação e apresentando indícios de reparação,
achado. Cumpre lembrar que as amostras do traba- nos casos de dentes contendo polpas infectadas hou-
lho de Sundqvist consistiram de dentes traumatiza- ve sempre o desenvolvimento de lesões perirradicu-
dos, sem exposição pulpar. Em situações clínicas em lares.
que ocorre a exposição da polpa à cavidade oral e Os estudos citados definitivamente demonstra-
essa se torna necrosada, micro-organismos passam ram a relação causal entre micro-organismos e as do-
a colonizar o canal radicular mesmo que uma lesão enças de origem endodôntica. Também recentemente
perirradicular ainda não se tenha desenvolvido. É estudos moleculares evidenciaram a presença de bac-
apenas uma questão de tempo. Dessa forma, o pro- térias em todos os casos de infecções endodônticas as-
fissional deve ter em mente que está tratando um sociadas a lesões perirradiculares258,259. Os conceitos en-
processo infeccioso, havendo a necessidade de utili- tão vigentes na atualidade, sustentados por evidências
zar meios adequados de controle da infecção. científicas sólidas e irrefutáveis, afirmam que micro-or-
b) No total, 88 cepas bacterianas foram isoladas dos 18 ganismos exercem um papel-chave no desenvolvimento das
canais infectados. Dessas, apenas cinco foram anaeró- patologias pulpares e perirradiculares e que o tecido pulpar
bias facultativas. Assim, bactérias anaeróbias estritas necrosado, na ausência de infecção, não possui a capacidade
representaram 94,3% das cepas isoladas. As bactérias de estimular, tampouco de sustentar o desenvolvimento de
mais frequentemente isoladas foram espécies de ba- uma lesão perirradicular. Micro-organismos colonizando
cilos produtores de pigmentos negros, Fusobacterium, o sistema de canais radiculares estão usualmente orga-
Eubacterium e Peptostreptococcus. Esse achado modifi- nizados em biofilmes. Portanto as lesões perirradiculares,
cou o conceito de que os principais patógenos endo- em regra geral, podem ser incluídas no grupo de doenças
dônticos eram bactérias facultativas. causadas por biofilmes bacterianos.
c) Casos sintomáticos foram diretamente relacionados
com um maior número de bactérias no canal.
d) O número de espécies no interior dos canais variou
 ENVOLVIMENTO MICROBIANO NOS
de 1 a 12.
e) Houve uma correlação positiva entre o tamanho da
PROBLEMAS ENDODÔNTICOS
lesão perirradicular e a densidade e o número de Como aclarado, micro-organismos são os prin-
espécies bacterianas presentes no canal. Em outras cipais agentes etiológicos das patologias de origem
palavras, quanto maior o diâmetro da lesão perirra- endodôntica. Embora fatores de natureza química ou
dicular, maior era o número de células (densidade) física possam induzir uma patologia pulpar ou perir-
e de espécies (complexidade) bacterianas no interior radicular, os mesmos usualmente não são capazes de
do canal radicular. perpetuar o processo patológico30,89 (ver Capítulo 2), o
f) Em sete casos houve a presença de sinais e sinto- que se justifica pelo fato de serem fatores agressores
mas de inflamação aguda perirradicular. Em todos apenas transitórios. Por sua vez, micro-organismos
esses casos foi detectada uma espécie do grupo dos presentes em uma lesão de cárie ou em um canal in-
bacilos produtores de pigmentos negros, naquela fectado representam fonte de agressão persistente para
época denominados de Bacteroides melaninogenicus a polpa e para os tecidos perirradiculares, respectiva-
106 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

mente. Assim, além de induzirem uma patologia, são decorrência de uma série de fatores já discutidos no
também capazes de perpetuá-la. Capítulo 2, micro-organismos invadem e colonizam
Micro-organismos e seus produtos exercem papel o sistema de canais radiculares. Uma vez que a pol-
de extrema relevância na indução dos seguintes pro- pa se torna infectada, o egresso de micro-organismos
blemas: e de seus produtos para os tecidos perirradiculares
estimula o desenvolvimento das respostas inflama-
a) Patologia pulpar e perirradicular tória e imunológica. A ocorrência de uma patologia
perirradicular está associada às respostas inflama-
Micro-organismos e seus produtos estão indubi-
tória e imunológica do hospedeiro com o intuito de
tavelmente associados à indução e à perpetuação das
conter o avanço da infecção endodôntica33,92,209,279,295,296.
doenças pulpares e perirradiculares210. A cárie e a polpa
Tem sido demonstrado que lesões perirradiculares
necrosada infectada representam as principais fontes de
podem conter anticorpos específicos contra micro-
irritantes microbianos para a indução da patologia pul-
organismos alojados no interior do sistema de canais
par e perirradicular, respectivamente (Figs. 4-3 e 4-4).
radiculares11,96.
Enquanto a polpa se encontrar em estado de
A agressão aos tecidos perirradiculares pode
vitalidade, uma infecção não se instala nesse tecido.
resultar de uma ação direta ou indireta dos micro-
Todavia, se o tecido pulpar se tornar necrosado em
organismos. O dano aos tecidos causado diretamen-
te por bactérias é dependente de alguns de seus fa-
tores de virulência. Esses incluem enzimas (p. ex.:
colagenase, hialuronidase, condroitinase, Dnase,
Rnase, fosfatase ácida, hemolisina), exotoxinas e
produtos metabólicos (butirato, propionato, amô-
nia, indol, poliaminas e compostos sulfurados)53,54,1
59,194,205,221
. Além disso, componentes bacterianos co-
letivamente denominados de modulinas, como pep-
tidoglicano, ácido lipoteicoico, fímbrias e lipopolis-
sacarídeos (endotoxinas), podem ativar macrófagos
e o sistema complemento19,80,82,194,221,309,314, envolvidos
na defesa do hospedeiro. Quando da persistência da
agressão, essa ativação pode ser a responsável pela
autólise tecidual. Por exemplo, macrófagos ativados
sintetizam e liberam citocinas como IL-1β, TNF-α e
Figura 4-3. Bactérias em uma lesão de cárie representam a princi- IL-6, além de prostaglandinas, mediadores químicos
pal causa de agressão à polpa. envolvidos na reabsorção óssea1,260,278-280,314. Assim,
micro-organismos também exercem um efeito des-
trutivo de forma indireta por ativar elementos de
defesa do hospedeiro. Tal efeito indireto parece ser o
mais relevante na indução do dano tecidual associa-
do às lesões perirradiculares210.
Micro-organismos estão localizados em uma po-
sição privilegiada e estratégica no interior do canal
radicular contendo tecido necrosado. Células e mo-
léculas de defesa não têm acesso à polpa necrosada
e portanto não são capazes de eliminar micro-orga-
nismos nessa localização. Por outro lado, micro-or-
ganismos que avançam para fora do canal, inicialmen-
te em direção ao ligamento periodontal, são imedia-
Figura 4-4. Lesão perirradi- tamente combatidos pelos mecanismos de defesa do
cular extensa detectada ra-
diograficamente, cuja cau-
hospedeiro. Esses, representados por uma resposta
sa é a infecção do canal ra- inflamatória inespecífica ou por uma resposta imuno-
dicular. lógica adaptativa, de caráter específico, são mobiliza-
Microbiologia Endodôntica 107

dos para impedir o avanço da infecção209. Se isso não


ocorresse, uma infecção endodôntica poderia resultar
em osteomielite ou, até mesmo, em envolvimento sis-
têmico. Assim, embora a fonte original da infecção
no interior do canal não seja debelada, o hospedeiro
consegue estabelecer um equilíbrio. Quando o canal
radicular é tratado convenientemente, o profissional
desequilibra em favor do hospedeiro, e a reparação é
então iniciada.

b) Flare-ups
Micro-organismos e seus produtos, quando da
extrusão de detritos contaminados pelo forame api-
cal, do desequilíbrio da microbiota endodôntica ou
mesmo da elevação do potencial de oxirredução den-
tro do canal radicular, podem ser responsáveis por
manifestações agudas que se desenvolvem entre as
sessões do tratamento endodôntico124,139,199,206,212,242 (ver
Capítulo 19).
Figura 4-5. Fracasso endodôntico atribuído a sobreobturação tem
geralmente um componente microbiano associado.
c) Sintomatologia clínica e/ou exsudação
   persistente
Micro-organismos que adentram o canal durante
ou entre as consultas de tratamento ou aqueles que não
foram eliminados pelos procedimentos intracanais po-
dem manter a agressão tecidual, com consequente ma-
nutenção de sinais e sintomas216,262,266. Isso caracteriza
uma infecção persistente ou secundária205,242.

d) Fracasso do tratamento endodôntico


Embora existam alguns relatos isolados sugerin-
do que fatores não microbianos endógenos ou exóge-
nos estejam envolvidos em alguns casos de insucesso
endodôntico142, micro-organismos e seus produtos,
constituindo uma infecção persistente ou secundária,
são os principais responsáveis pela manutenção ou
aparecimento de lesão perirradicular pós-tratamento Figura 4-6. Lesão perirradicular que se desenvolve em associação
com casos de acidentes, como essa perfuração, é na verdade causa-
endodôntico 48,109,126,128,139,141,160,162,163,165,166,189,201,207,232,283,284
da por infecção endodôntica concomitante.
(ver Capítulo 17). Casos de acidentes como desvios,
degraus, perfurações, instrumentos fraturados e so-
breobturações, usualmente resultam em fracasso
quando associados a um processo infeccioso109,204 (Figs. responsáveis pelo fracasso da terapia73,112,140,143,207,211,250
4-5 e 4-6). Mesmo quando o tratamento endodôntico é (ver Capítulo 8).
executado de forma adequada, o fracasso pode advir
em alguns casos. Micro-organismos localizados em ir-
regularidades das paredes do canal, em lacunas de re-
 VIAS DE INFECÇÃO DA POLPA DENTAL
absorção cementária, em ramificações, em deltas, em Em condições normais, os envoltórios naturais do
túbulos dentinários e na lesão perirradicular podem dente, e.g. esmalte e cemento, protegem e isolam a den-
sobreviver aos procedimentos intracanais e serem os tina e a polpa dental da agressão por parte de micro-
108 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

A B C D

Figura 4-7. Vias de infecção pulpar. A. Exposição dentinária por macro ou microfissuras de esmalte. B. Exposição pulpar por cárie.
C. Exposição da dentina cervical. D. Doença periodontal atingindo o forame apical.

organismos provenientes da cavidade oral. Contudo, podendo, na junção AD, apresentar cerca de 15.000 tú-
em determinadas situações nas quais essa proteção é bulos/mm2, ocupando uma área de 1% do total300.
perdida (como, por exemplo, por cárie, trauma ou pro- Os túbulos de uma dentina vital contêm em seu
cedimentos restauradores), cria-se um potencial para a interior prolongamentos odontoblásticos, fibras colá-
invasão microbiana do tecido pulpar com consequente genas, fluido dentinário e, algumas vezes, fibras nervo-
instalação de um processo infeccioso242 (Fig. 4-7). As sas. A espessura da dentina é, em média, de 3 a 3,5mm.
principais vias de acesso que as bactérias utilizam para O prolongamento do odontoblasto possui de 0,1 a 1mm
atingir a polpa são: túbulos dentinários, exposição pul- de comprimento, percorrendo então, no máximo, apro-
par, periodonto e anacorese hematogênica. ximadamente 1/3 da espessura dentinária156.
O fluido dentinário, que ocupa cerca de 22% do
Túbulos dentinários volume da dentina, é um transudato de plasma oriun-
do da microcirculação pulpar que banha toda a exten-
Os túbulos dentinários percorrem toda a extensão são tubular. Seu conteúdo é similar ao do fluido inter-
da dentina, desde a junção dentino-pulpar (JDP) até as celular, isto é, composto basicamente por água (cerca
junções amelodentinária (AD) ou cementodentinária de 95%), íons e moléculas. Em condições fisiológicas, o
(CD). Esses túbulos ocupam 20 a 30% do volume da fluxo de fluido dentinário tem direção periférica, tendo
dentina e apresentam uma conformação cônica, com em vista o fato de que a pressão intrapulpar é maior
diâmetro maior próximo à polpa, o qual é, em média, do que a atmosférica e é transmitida para o comparti-
de aproximadamente 2,5µm, próximo à JDP. Na peri- mento intratubular. Vários estudos tentaram quantifi-
feria, nas junções AD ou CD, o diâmetro médio dos tú- car a pressão intrapulpar normal, com os valores mais
bulos é de aproximadamente 0,9µm60. aceitos atualmente variando entre 6 e 10,4mmHg (7,5 a
Os túbulos dentinários também são mais nume- 14cm H2O), dependendo da metodologia utilizada27,294.
rosos na JDP, atingindo um valor numérico de apro- Sempre que a dentina é exposta por perda de es-
ximadamente 45.000 túbulos/mm2. A área ocupada malte ou cemento, a polpa é colocada em risco devido à
pelos túbulos nessa região corresponde a 22% da área permeabilidade relativamente alta da dentina normal,
de superfície total. À medida que se distancia da polpa, o que é ditada pela presença dos túbulos dentinários
em direção à periferia, a densidade tubular diminui, (Fig. 4-8). Essa permeabilidade é ainda aumentada
Microbiologia Endodôntica 109

bactérias proteolíticas. Assim, uma sucessão de popu-


lações microbianas pode ocorrer durante a formação
da cárie de dentina. A microbiota que coloniza lesões
profundas de cárie de dentina tem como predominan-
tes bactérias anaeróbias gram-positivas dos gêneros
Propionibacterium, Eubacterium, Lactobacillus, Peptos-
treptococcus e Actinomyces45. Bactérias gram-negativas
dos gêneros Prevotella e Porphyromonas foram frequen-
temente isoladas de lesões de cárie de dentina sem
exposição pulpar e com sintomas clínicos de pulpite
reversível, tais como dor provocada e exacerbada por
estímulos térmicos121. Enzimas e produtos do metabo-
lismo bacteriano, como amônia e indol, podem tornar
Figura 4-8. Eletromicrografia da dentina, evidenciando sua estru- fibras nervosas sensoriais mais suscetíveis a estímulos
tura tubular.
que provocam dor149,154. Em dentes com lesões de cárie
de dentina, associadas à pulpite irreversível e exacer-
quando se aproxima da polpa, devido ao aumento do bação da sintomatologia pela aplicação de calor, baci-
diâmetro e da densidade tubulares. Assim, teorica- los produtores de pigmentos negros foram frequente-
mente, uma dentina exposta oferece uma franca via de mente isolados75. Uma correlação positiva também foi
acesso para bactérias alcançarem o tecido pulpar. verificada entre a presença de Fusobacterium nucleatum
Bactérias contatam a dentina basicamente de e Actinomyces viscosus na lesão cariosa e a sensibilida-
três formas: contaminação de uma área de dentina de ao frio75. Um estudo utilizando real-time polymerase
exposta por saliva; formação de placa bacteriana so- chain reaction (real-time PCR) revelou associação posi-
bre uma superfície dentinária exposta ou por um pro- tiva significante entre a presença de Parvimonas micra
cesso de cárie. e Porphyromonas endodontalis na dentina cariada e a
O diâmetro dos túbulos dentinários é inteiramen- ocorrência de pulpite irreversível120. Todos esses acha-
te compatível com aquele da maior parte das bactérias dos fornecem indícios significativos de que anaeróbios
encontradas na cavidade oral. Dessa forma, se esse fos- estritos presentes na lesão de cárie dentinária estão en-
se o único fator envolvido na invasão bacteriana, seria volvidos na indução dos sintomas de pulpite reversível
apropriado afirmar que, uma vez que a dentina é ex- e irreversível.
posta, bactérias têm livre acesso à polpa. Entretanto, A maioria das bactérias presentes em uma lesão
túbulos dentinários associados a uma polpa vital não de cárie não apresenta motilidade. Sua movimentação
são facilmente invadidos por bactérias115,138. A presen- se dá lentamente por meio do processo de divisão ce-
ça de prolongamentos odontoblásticos, de fibras colá- lular. Embora a pressão do fluido dentinário seja, na
genas, da lâmina limitante e do fluido dentinário em maioria das vezes, insuficiente para impedir a invasão
túbulos de uma dentina vital pode retardar a invasão tubular pelo processo de multiplicação bacteriana, sa-
intratubular. Outros fatores, tais como esclerose den- be-se que pode pelo menos retardá-lo. Entretanto, em
tinária, dentina reparadora, smear layer e a deposição algumas ocasiões, a pressão da mastigação pode deslo-
de proteínas plasmáticas, como o fibrinogênio, nas pa- car bactérias profundamente no interior tubular.
redes tubulares, podem limitar ou impedir o avanço Hoshino et al.83 relataram que, em seis de nove ca-
bacteriano via túbulos dentinários. Anticorpos e com- sos, bactérias presentes em lesões profundas de cárie
ponentes do sistema complemento presentes no fluido de dentina foram capazes de invadir a polpa. Bactérias
dentinário também podem ajudar a conter a invasão anaeróbias estritas dos gêneros Eubacterium, Propioni-
bacteriana147,148. Por outro lado, túbulos dentinários de bacterium e Actinomyces foram as predominantes.
dentes tratados endodonticamente ou com polpa ne- Na maioria das vezes, bactérias não alcançarão
crosada são facilmente invadidos por bactérias138. a polpa via túbulos até que o processo carioso tenha
Anaeróbios estritos são os principais micro-orga- destruído o tecido dentinário e deixado uma espessu-
nismos isolados das porções mais profundas de cáries ra remanescente de dentina de 0,2mm que o separe da
de dentina. A formação da lesão na dentina envolve polpa32. Todavia, antes mesmo que bactérias atinjam
desmineralização por uma microbiota acidogênica e diretamente a polpa, seus produtos, como enzimas,
ulterior degradação da matriz orgânica exposta por toxinas, ácidos graxos, compostos sulfurados e amô-
110 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

nia, difundem-se pelo fluido dentinário, alcançando a ou trauma. Nessas circunstâncias, a inflamação pul-
polpa. Nissan et al.145 demonstraram que a endotoxi- par pode ser mais deletéria, pois há uma predisposi-
na, fator de virulência de alto peso molecular liberado ção para o acúmulo de produtos bacterianos tóxicos
por bactérias gram-negativas, pode se difundir pela no tecido.
dentina e alcançar a polpa. Khabbaz et al.97 demons- Se a cárie não for tratada convenientemente, mi-
traram que a quantidade de endotoxinas em lesões de cro-organismos inevitavelmente alcançarão o tecido
cárie foi significantemente maior em dentes com pul- pulpar, estabelecendo um contato direto e induzindo o
pite irreversível sintomática do que em casos assinto- desenvolvimento de uma inflamação mais grave.
máticos. A difusão de produtos bacterianos pela den-
tina induz alterações inflamatórias no tecido pulpar.
Exposição pulpar
Em uma polpa sadia, jovem, a microcirculação pode
rapidamente diluir e drenar esses produtos bacteria- A cárie dental é, inquestionavelmente, a causa
nos, impedindo sua concentração na região tecidual mais comum de exposição pulpar (Fig. 4-9). Quando a
subjacente aos túbulos afetados pelo processo cario- lesão de cárie destrói uma quantidade suficiente de te-
so. Contudo, em lesões cariosas profundas, a concen- cido dentinário, a polpa se torna então exposta direta-
tração de produtos bacterianos tóxicos pode exceder mente a micro-organismos e a seus produtos presentes
essa capacidade de drenagem da microcirculação, tanto na lesão cariosa, quanto na saliva. Uma miríade
principalmente se ela encontrar-se alterada pelo pro- de espécies bacterianas passa a colonizar a superfície
cesso inflamatório. da polpa exposta. Em resposta, a polpa se torna infla-
Assim, a intensidade da resposta inflamatória mada. Se o tecido pulpar irá permanecer inflamado
pulpar sob uma área de dentina cariada dependerá do por um longo período ou se irá sucumbir, necrosando,
balanço entre os produtos bacterianos que alcançam a dependerá dos seguintes fatores: número e virulência
polpa e a capacidade de drenagem da microcirculação dos micro-organismos, resistência do hospedeiro, esta-
pulpar. Esse balanço pode ser influenciado pela viru- do da microcirculação e grau de drenagem do edema
lência microbiana, pela concentração que os produtos gerado durante a inflamação.
bacterianos atingem na polpa, pela duração da agres- Como a densidade bacteriana e o número de espé-
são e pelo estado geral de saúde da polpa. Se o dente é cies se tornam aumentados devido à exposição, o tecido
tratado por remoção da cárie e colocação de uma res- pulpar passa então a ser afetado por maiores concen-
tauração adequada, a polpa volta ao normal. trações de produtos bacterianos tóxicos. Dessa forma, a
Por outro lado, a polpa pode encontrar-se debili- porção tecidual em contato direto com o agente agressor
tada como resultado de um processo carioso de longa sofre alterações inflamatórias graves, culminando com
duração, envolvimento periodontal, envelhecimento sua necrose. Essa área de tecido necrosado não oferece

A B

Figura 4-9. Exposição pulpar por cárie. A. Aspecto clínico. B. Eletromicrografia evidenciando diversos morfotipos, como cocos, filamentos e
espiroquetas, em um biofilme associado à cárie profunda de dentina. A polpa exposta entra em contato direto com esse biofilme.
Microbiologia Endodôntica 111

introduzidos, do estado de saúde pulpar, do tratamen-


to e das medidas restauradoras a serem instituídas.

Periodonto
Durante o curso de uma doença periodontal, bac-
térias e seus produtos presentes na bolsa podem ter
acesso à polpa via forames laterais associados a rami-
ficações do canal (canal lateral), túbulos dentinários e
forame apical.
Canais laterais estão presentes em cerca de 27%
dos dentes, sendo mais frequentes em pré-molares e
molares, mormente na região mais apical34.
Túbulos dentinários podem estar expostos em
10% dos casos na região cervical do dente por ausência
de coaptação entre esmalte e cemento144. Além disso, os
túbulos podem ainda ser expostos por perda do envol-
Figura 4-10. Exposição pulpar traumática. Na maioria dos casos, se tório de cemento, oriundo da necrose e/ou reabsorção
o traumatismo é recente, a infecção pulpar é apenas superficial.
desse tecido, ou de sua remoção por procedimentos
periodontais. A exposição de forames laterais e túbu-
los dentinários às bactérias componentes do biofilme
qualquer resistência à invasão bacteriana que se dá por periodontal não parece induzir maiores alterações no
meio de proliferação celular. Uma vez que avançaram tecido pulpar, desde que ele esteja em estado de vita-
apicalmente na polpa, bactérias passam a agredir a por- lidade. Alterações degenerativas, como calcificações,
ção tecidual subjacente. Essa passará pelos mesmos fe- fibrose e produção de dentina reparadora, podem ser
nômenos já descritos, sofrendo necrose. Depreende-se, observadas na porção pulpar adjacente a um forame
então, que os processos de agressão bacteriana, inflama- lateral exposto.
ção pulpar, necrose pulpar e invasão bacteriana avan- Entretanto, existem fortes evidências de que a total
çam gradualmente pela polpa em direção apical. desintegração do tecido pulpar, caracterizada por necro-
A polpa também pode se tornar exposta após se, apenas ocorre quando a doença periodontal atinge o
trauma ou por procedimentos iatrogênicos. Uma polpa forame apical104 (Fig. 4-11). Nesses casos, o feixe vasculo-
vital, sadia, exposta por trauma, apresenta uma grande nervoso principal que penetra pelo forame apical pode
resistência à invasão bacteriana, a qual ocorre lenta-
mente. Por exemplo: quando uma lesão traumática re-
sulta em exposição da polpa e essa permanece exposta
à saliva por duas semanas, a necrose pulpar e invasão
bacteriana usualmente irá se restringir apenas a uma
extensão de aproximadamente 2mm9. Uma polpa ex-
posta por trauma e que tenha permanecido até cerca
de 48 horas em contato com a microbiota da cavidade
oral é ainda passível de recuperação por meio de cape-
amento direto (Fig. 4-10). Se o período de exposição ex-
ceder 48 horas, deve-se considerar a porção superficial
da polpa já infectada, requerendo um tratamento mais
invasivo, como pulpotomia, ou tratamento endodônti-
co (biopulpectomia).
A exposição iatrogênica da polpa não oferece
grandes problemas se ocorrer de forma asséptica. Con-
tudo, se houver contaminação pela saliva ou pelo pró-
prio instrumento que promoveu a exposição (brocas Figura 4-11. Quando a doença periodontal atinge o forame apical,
contaminadas por cárie, p. ex.), a resposta da polpa de- podem advir alterações significativas na polpa, incluindo necrose e
penderá do número e virulência dos micro-organismos infecção. (Gentileza do Dr. Wilson Rosalém Jr.)
112 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

ser lesado, havendo necrose pulpar. Destarte, a invasão


bacteriana pelo forame fica facilitada, uma vez que a
polpa não tem mais como combatê-la. Kobayashi et al.100,
examinando 15 dentes com necrose pulpar associada a
bolsas periodontais de 6 a 12mm de profundidade, que
atingiam o forame apical, coletaram amostras microbio-
lógicas do canal radicular e da bolsa. Eles verificaram que
o predomínio de anaeróbios estritos foi mais pronuncia-
do no canal do que na bolsa periodontal. Várias espécies
bacterianas dos gêneros Peptostreptococcus, Eubacterium,
Fusobacterium, Porphyromonas e Prevotella foram comuns
a ambos os sítios. Kurihara et al.102 também realizaram
um estudo dessa natureza e verificaram que, enquanto
na bolsa periodontal o número de espécies bacterianas
isoladas era elevado, no canal radicular esse número era
reduzido. As espécies que predominaram na bolsa nem Figura 4-12. Trauma dentário que resultou em sangramento ao ní-
sempre foram as mesmas que predominaram no canal vel do sulco gengival. Nessa situação, micro-organismos presentes
do mesmo dente, o que pode ser facilmente explicado no sulco podem adentrar vasos sanguíneos rompidos e então de-
pelas diferenças ecológicas. Ambos os estudos citados sembocar nos tecidos perirradiculares, próximos a uma polpa com
vitalidade comprometida (anacorese hematogênica). Essa via de
sugeriram que a causa da infecção pulpar foi a doença infecção pulpar é bastante questionável. (Ver texto.)
periodontal.

veiculadas no canal pelo profissional, durante a execu-


Anacorese hematogênica ção da terapia endodôntica sem adequados cuidados
Esse fenômeno pode ser definido como a atra- de assepsia, ou ser oriundas de uma bacteremia.
ção que tecidos inflamados, debilitados ou necrosados Embora a via anacorética seja possível de ocorrer
exercem sobre bactérias presentes na circulação san- como demonstrado em experimentos em animais40, não
guínea durante uma bacteremia. Essas bactérias pas- existem evidências que a comprovem como fonte de in-
sam a colonizar esses tecidos alterados, estabelecendo, fecção na situação clínica. No estudo de Möller et al.131,
assim, um processo infeccioso71. após induzirem necrose asséptica em polpas de maca-
Teoricamente, essa via de infecção da polpa pode cos, esses autores observaram que todas as polpas per-
ocorrer, como, por exemplo, nos casos de dentes trau- maneceram isentas de micro-organismos após um perí-
matizados que, mesmo sem apresentarem exposição odo de 6 a 7 meses, o que depõe contra a teoria da ana-
pulpar, podem desenvolver uma infecção pulpar e con- corese. Na verdade, a hipótese mais verossímil para ex-
sequente lesão perirradicular. Após o trauma, o feixe plicar a infecção endodôntica em dentes traumatizados
vasculonervoso que penetra pelo forame apical pode sem exposição pulpar aparente pode ser outra. Quando
ser rompido, resultando em necrose pulpar. Se a ne- acometido por um traumatismo, o esmalte dental pode
crose permanece estéril, não há o desenvolvimento de apresentar rachaduras e/ou fissuras, ou acentuá-las (se
uma patologia perirradicular. Contudo, o trauma pode já existentes), que expõem a dentina em extensões de
acarretar uma lesão no ligamento periodontal, rom- profundidades variáveis. Esses defeitos são, na maioria
pendo vasos sanguíneos, o que é caracterizado clini- das vezes, imperceptíveis clinicamente. Por eles, bacté-
camente pela hemorragia sulcular (Fig. 4-12). Bactérias rias podem invadir os túbulos dentinários expostos, os
que colonizam o sulco gengival podem, então, ter aces- quais não oferecem maior resistência, uma vez que o
so à corrente sanguínea pelo rompimento desses vasos, seu conteúdo se encontra necrosado e sem função, como
ocorrendo uma bacteremia. Se o trauma também pro- resultado da necrose pulpar advinda do trauma114,115,209.
move a ruptura de vasos sanguíneos ao nível apical, a Love113 demonstrou in vitro a penetração de Streptococ-
polpa é afetada. Bactérias na corrente sanguínea deixa- cus gordonii em fissuras de esmalte e dentina, com con-
rão os vasos nessa região, podendo encontrar na polpa sequente invasão do canal radicular. Cumpre salientar
afetada condições propícias para se estabelecerem. Ou- que, se a injúria traumática não afetar a vitalidade pul-
trossim, bactérias da microbiota normal do intestino par, as bactérias não conseguirão invadir os túbulos ex-
que têm sido isoladas de canais radiculares podem ser postos e, dessa forma, alcançar a polpa.
Microbiologia Endodôntica 113

 ANATOMIA DA INFECÇÃO – PADRÃO


DE COLONIZAÇÃO BACTERIANA DO
SISTEMA DE CANAIS RADICULARES
O conhecimento da estrutura da microbiota endo-
dôntica, da sua organização e distribuição no interior
do sistema de canais radiculares assume importância
vital no entendimento do processo infeccioso e no es-
tabelecimento de estratégias terapêuticas que visem a
erradicar a infecção endodôntica.
Estudos utilizando microscopia ótica e/ou eletrô-
nica têm sido efetuados para investigar a organização
e a estrutura da microbiota infectante do sistema de ca-
nais radiculares132,141,200,250. Morfologicamente, a micro-
biota consiste de cocos, bacilos, filamentos e espirilos Figura 4-14. Eletromicrografia evidenciando biofilme bacteriano
aderido às paredes do canal e composto por formas celulares di-
(Fig. 4-13). Enquanto a maioria dos membros da micro-
versas.
biota endodôntica se encontra usualmente em suspen-
são na fase fluida do canal141, grandes aglomerações de
células bacterianas podem também ser vistas aderidas às paredes do canal formando estruturas semelhantes a
biofilmes de multicamadas e multiespécies250 (Figs. 4-14
a 4-17). Em muitos casos, micro-organismos são encon-
trados em uma estrutura que sugere o estabelecimento
de uma comunidade clímax, onde a comunidade micro-
biana se encontra em equilíbrio com seu microambiente
e cada espécie exerce uma função importante para a ma-
nutenção da comunidade250. É inteiramente possível que
as células bacterianas presentes na fase fluida do canal
estejam sendo liberadas a partir do biofilme aderido à
parede do canal. Quanto maior o grau de organização
da comunidade microbiana instalada no sistema de ca-
nais radiculares, maior o seu potencial patogênico e mais
difícil será sua eliminação durante a execução da terapia
A
endodôntica. Pressupõe-se que, quanto maior a lesão
perirradicular, maior será a probabilidade de se encon-
trarem no canal tais organizações microbianas, o que se
explica pelo fato de, em tais circunstâncias, a infecção
endodôntica ser de longa duração. Nesses casos, há um
maior risco para o fracasso endodôntico, e por isso to-
dos os esforços devem ser despendidos no sentido de
eliminar a infecção de forma adequada (ver Capítulo 8
para mais informações sobre o tratamento desses casos).
Torna-se então evidente que as lesões perirradiculares,
assim como a cárie e as doenças periodontais, também
são doenças causadas por biofilmes.
Bactérias compondo biofilmes nas paredes do ca-
B nal radicular são muitas vezes visualizadas se estenden-
do para o interior dos túbulos dentinários (Fig. 4-18).
Figura 4-13. Padrão de colonização bacteriana do canal radicular. Esse achado pode ser observado em qualquer região
A. Bactérias na forma de cocos, bacilos e espirilos colonizando a pa-
rede do canal, compondo uma infecção mista. (Reproduzida de Si- do canal, desde sua porção mais coronária até a apical.
queira et al.250, com a permissão da editora.) B. Bactérias colonizando Apesar de uma penetração mais superficial ser o achado
a parede do canal radicular, com predomínio de cocos. mais comum, há regiões em que bactérias são visualiza-
114 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

A
A

E F

Figura 4-15. Anatomia da infecção endodôntica. A. Dente de cão com necrose e infecção pulpar associada à lesão perirradicular.
B. Agregado bacteriano aderido à parede do canal. C. Bactérias formando um biofilme na parede do canal. D e E. Agregados e células bac-
terianas livres em suspensão na luz do canal principal. F. Invasão bacteriana dos túbulos dentinários da parede do canal. No centro, maior
aumento do delta apical salientado em A, mostrando bactérias no interior da ramificação e nos túbulos dentinários adjacentes. (Gentileza
dos Drs. Adriana Silveira e José F. Siqueira Jr.)
Microbiologia Endodôntica 115

das em uma profundidade de aproximadamente 300µm


no interior tubular250 (Fig. 4-19). A infecção intratubular
também não é uniforme. Enquanto alguns túbulos po-
dem ser densamente infectados, a maioria dos túbulos
adjacentes usualmente se mantém livre de infecção. A
razão para isso não é aparente, mas pode estar relacio-
nada com fatores nutricionais, anatômicos e com os tipos
de espécies microbianas que estão infectando o canal.
Tanto cocos quanto bacilos podem invadir os túbulos, e
o fato de que podem ser vistos se dividindo no ambiente
intratubular indica que bactérias também têm acesso a
nutrientes nessa região. Siqueira et al.213 demonstraram
que patógenos endodônticos, como P. endodontalis, Por-
phyromonas gingivalis, F. nucleatum, Actinomyces israelii,
Figura 4-16. Seção transversal de um canal mesial do primeiro
molar inferior evidenciando um autêntico biofilme bacteriano, re- Propionibacterium acnes e Enterococcus faecalis, são dota-
cobrindo as paredes e avançando para a região de istmo. (Gentileza dos da capacidade de invadir túbulos dentinários (Fig.
do Dr. Domenico Ricucci.) 4-20). Peters et al.161, em um estudo in vivo, isolaram e

A C

Figura 4-17A. Seção transversal de um espécime corado com 4’-6-diamidino-2-fenilindol (DAPI) observado em microscopia de fluorescên-
cia. B e C. Maiores aumentos da luz do canal, evidenciando densa colonização bacteriana. (Gentileza dos Drs. Flávio R. F. Alves, Alexandre S.
Rosado e José F. Siqueira Jr.)
116 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

identificaram bactérias presentes em túbulos dentiná-


rios em diferentes profundidades. O maior número de
células bacterianas foi detectado próximo à luz do ca-
nal principal, mas bactérias também foram detectadas
em 62% dos dentes em amostras de dentina mais peri-
férica, próxima ao cemento. No geral, as espécies mais
frequentemente isoladas de túbulos dentinários per-
tenciam aos gêneros Prevotella, Porphyromonas, Fusobac-
terium, Veillonella, Peptostreptococcus, Eubacterium, Acti-
nomyces, Lactobacillus e Streptococcus. Matsuo et al.122, por
meio de análise imuno-histológica de dentes extraídos
que apresentavam infecção endodôntica, relataram que
70% dos casos apresentavam bactérias invadindo túbu-
los dentinários. As espécies mais encontradas foram F.
Figura 4-18. Aglomerados bacterianos, compostos quase que ex- nucleatum, Pseudoramibacter alactolyticus, Eubacterium no-
clusivamente por cocos, colonizando a parede do canal radicular datum, Lactobacillus casei e P. micra. Fungos, como a C.
com algumas células invadindo os túbulos dentinários.
albicans, também têm a capacidade de invadir túbulos
dentinários251 (Fig. 4-21).
Micro-organismos podem aderir a componentes
orgânicos ou inorgânicos da dentina, o que pode favo-
recer a colonização das paredes dentinárias do canal
radicular e a invasão intratubular. Esses componentes
incluem colágeno tipo I, Gla-proteínas, osteocalcina,
osteonectina, sialoproteína, fosfoproteínas, glicosa-
minoglicanas (sulfato de condroitina, 95%; dermatan
sulfato, 2%)64,116. A hidroxiapatita também pode servir
de sítio para adesão bacteriana3. Evidências recentes
indicam que algumas bactérias, como os estreptococos,
podem reconhecer componentes presentes nos túbulos
dentinários, principalmente o colágeno do tipo I, que
podem estimular a adesão bacteriana e o crescimento
Figura 4-19. Bactérias invadindo túbulos dentinários. Notar que
intratubular115.
algumas células estão em processo de divisão celular, o que sugere
a presença de nutrientes no interior dos túbulos. (Reproduzida de
Siqueira et al.250 com a permissão da editora.)

Figura 4-20. Células de Actinomyces israelii invadindo túbulos Figura 4-21. Penetração intratubular por células de Candida al-
dentinários. (Reproduzida de Siqueira et al.213 com a permissão da bicans. A área delimitada à esquerda é vista em maior aumento à
editora.) direita.
Microbiologia Endodôntica 117

Figura 4-22. Fungos colonizando a parede do canal.

Fungos, mormente na forma de leveduras, mas


também às vezes na de hifas, têm sido ocasionalmente Figura 4-23. Infecção primária do canal associada à lesão perirra-
observados na microbiota associada à infecção endo- dicular.
dôntica primária200,250,261,308 (Fig. 4-22). Nesses casos, eles
estão geralmente associados a bactérias, condição que
difere das infecções secundária e persistente, onde fun-
gos têm sido usualmente observados em monoinfecção.
Micro-organismos colonizando o sistema de ca-
nais radiculares utilizam como fonte de nutrientes:
componentes dos fluidos teciduais e exsudato infla-
matório (geralmente proteínas e glicoproteínas) que
provêm dos tecidos perirradiculares; componentes da
saliva que podem penetrar no canal; células pulpares
mortas; tecido pulpar necrosado e produtos do meta-
bolismo de outras bactérias.

TIPOS DE INFECÇÃO ENDODÔNTICA


Existem diferentes tipos de infecção endodôntica
que estão relacionados com diferentes situações clíni-
cas. A classificação do tipo de infecção endodôntica é
baseada na localização da infecção e no momento de
Figura 4-24. Casos de fracasso do tratamento endodôntico causa-
estabelecimento microbiano no canal radicular205,210. do por uma infecção persistente ou secundária. Em canais aparen-
Enquanto a infecção primária do canal está envolvida temente bem tratados, a microbiota é menos complexa do que em
na etiologia das lesões perirradiculares primárias agu- casos tratados de forma inadequada.
das e crônicas, as infecções secundária e/ou persistente
são as causas de lesões perirradiculares também secun-
dárias e/ou persistentes que podem resultar em sin-
tomatologia e/ou exsudação persistente e até mesmo
a) Infecção intrarradicular primária
no fracasso da terapia endodôntica (Figs. 4-23 e 4-24). Causada por micro-organismos que colonizam o te-
A composição da microbiota varia de acordo com os cido pulpar necrosado. Pode ser chamada também de in-
diferentes tipos de infecção, daí a natureza semiespecí- fecção inicial. A microbiota envolvida pode variar de acor-
fica das infecções endodônticas. Os diferentes aspectos do com o tempo de infecção. Outrossim, tem sido suge-
de cada tipo de infecção serão discutidos adiante neste rido que a microbiota também pode diferir, dependendo
capítulo. Segue agora apenas a definição de cada tipo. do tipo de lesão perirradicular (aguda ou crônica).
118 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

b) Infecção intrarradicular secundária é selecionado e capaz de colonizar o sistema de canais


radiculares contendo polpa necrosada52,210. Resultados
É causada por micro-organismos que não estavam
de estudos utilizando métodos de cultura e de biologia
presentes na infecção primária e que penetraram no ca-
molecular têm permitido dissecar a diversidade micro-
nal durante o tratamento endodôntico, entre as sessões
biana em canais infectados, revelando que mais de 400
ou mesmo após a conclusão do tratamento. Recebe
espécies já foram encontradas em canais. O Quadro
essa denominação por ser secundária à intervenção pro-
4-1 apresenta os principais gêneros e espécies de bac-
fissional. Se tais micro-organismos forem competentes
térias encontradas em infecções endodônticas. Dessas,
em sobreviver e colonizar o novo hábitat (o canal radi-
é possível identificar um grupo mais seleto de espécies
cular), uma infecção secundária se estabelecerá.
consideradas patógenos endodônticos putativos, ba-
seado principalmente em dados de prevalência e po-
c) Infecção intrarradicular persistente tencial patogênico. As próximas seções deste capítulo
É causada por micro-organismos que, de alguma discutem, entre outros aspectos, as espécies com maior
forma, resistiram aos procedimentos intracanais de possibilidade de classificação como patógenos endo-
desinfecção. Os micro-organismos envolvidos foram dônticos.
membros da infecção primária ou de uma secundária. Estudos utilizando o método de cultura de-
Infecções persistentes e secundárias são geral- monstraram definitivamente o papel essencial de
mente difíceis de serem diferenciadas clinicamente. micro-organismos na etiologia das diferentes formas
Todavia, nas seguintes circunstâncias o profissional de lesões perirradiculares. Além disso, vários patóge-
pode ter certeza de que o problema foi causado por nos suspeitos têm sido identificados (Fig. 4-25). Mais
uma infecção secundária: a) desenvolvimento de um recentemente, com o advento de métodos sofisticados
abscesso perirradicular agudo (infecção) após a inter- de biologia molecular, várias limitações do método
venção em um canal com polpa viva (sem infecção); e de cultura foram significativamente contornadas ou
aparecimento de uma lesão perirradicular associada a resolvidas12,228. Esses métodos moleculares podem
um dente com o canal tratado e que na época do tra- detectar e identificar micro-organismos baseados em
tamento não apresentava lesão. Infecções persistentes informações genômicas, diretamente na amostra clí-
e secundárias podem ser responsáveis por vários pro- nica e sem a necessidade de cultivo em laboratório. A
blemas clínicos, incluindo exsudação e sintomatologia aplicação de métodos moleculares na pesquisa endo-
persistente, flare-ups, e fracasso do tratamento caracte- dôntica não só confirmou os achados da maioria dos
rizado por persistência ou aparecimento de uma lesão estudos anteriores usando cultura, como também tem
perirradicular. expandido significativamente a lista de patógenos en-
dodônticos putativos12 (Figs. 4-26 e 4-27). Essa nova
d) Infecção extrarradicular tecnologia tem permitido o reconhecimento de no-
vos patógenos que jamais haviam sido identificados
A forma mais comum de infecção extrarradicu- em canais pelos métodos de cultura229,234. Outrossim,
lar é o abscesso perirradicular agudo. A origem das muitas espécies que já possuíam o status de patógenos
infecções extrarradiculares é usualmente a infecção endodônticos suspeitos em razão de suas altas pre-
intrarradicular que se estendeu para os tecidos perir- valências relatadas por métodos de cultura têm sido
radiculares. Com exceção do abscesso, a infecção ex- encontradas ainda com maior frequência por métodos
trarradicular é uma ocorrência pouco comum. Em uma moleculares, reforçando a associação com as lesões
dessas raras ocasiões, a infecção extrarradicular pode perirradiculares.
ocorrer no interior de lesões perirradiculares crônicas Métodos de cultura e de biologia molecular têm
e persistir a despeito da eliminação eficaz da infecção coletivamente revelado a natureza polimicrobiana
intrarradicular, resultando no fracasso da terapia en- das infecções endodônticas com um evidente pre-
dodôntica. domínio de bactérias anaeróbias estritas na infecção
primária. A composição da microbiota varia signifi-
cativamente de indivíduo para indivíduo117,119,190,256,
 INFECÇÃO INTRARRADICULAR
indicando que as lesões perirradiculares têm uma
PRIMÁRIA
etiologia heterogênea, em que diferentes combina-
Das mais de 700 espécies bacterianas capazes de ções de espécies podem causar a mesma doença em
colonizar a cavidade oral157,274, um grupo mais restrito diferentes indivíduos.
Microbiologia Endodôntica 119

Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções
endodônticas

Gram-negativos Gram-positivos

Anaeróbios Facultativos Anaeróbios Facultativos

Bacilos Bacilos

Dialister Capnocytophaga Actinomyces Actinomyces


D. invisus, C. gingivalis, A. israelii, A. naeslundii
D. pneumosintes, C. ochracea A. gerencseriae,
   filotipos não   A. meyeri,
   cultiváveis A. odontolyticus
Porphyromonas Eikenella Pseudoramibacter Corynebacterium
P. endodontalis, E. corrodens P. alactolyticus C. matruchotii
P. gingivalis
Tannerella Haemophilus Filifactor Lactobacillus
T. forsythia H. aphrophilus F. alocis L. salivarius,
L. acidophilus,
L. paracasei
Prevotella Eubacterium
P. intermedia, E. infirmum,
P. nigrescens, E. saphenum,
P. tannerae, E. nodatum,
P. denticola, E. brachy,
P. multissacharivorax, E. minutum
P. baroniae,
   filotipos não cultiváveis
Fusobacterium Mogibacterium
F. nucleatum, M. timidum,
F. periodonticum, M. pumilum,
   filotipos não cultiváveis   M. neglectum, M. vescum
Campylobacter Propionibacterium
C. rectus, P. acnes, P. propionicum
C. gracilis,
C. curvus, C. showae
Synergistes Eggerthella
filotipos não cultiváveis E. lenta
Selenomonas Olsenella
S. sputigena, O. uli, O. profusa
S. noxia, filotipos não cultiváveis
filotipos não cultiváveis
Centipeda Bifidobacterium
C. periodontii B. dentium
Catonella Slackia
C. morbi   S. exigua
Atopobium
A. parvulum,
A. minutum,
A. rimae
Solobacterium
S. moorei
   filotipos não cultiváveis
Lactobacillus
L. catenaformis

(Continua)
120 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções
endodônticas (continuação)

Gram-negativos Gram-positivos

Anaeróbios Facultativos Anaeróbios Facultativos

Cocos Cocos

Veillonella Neisseria Parvimonas Streptococcus


V. parvula, N. mucosa, P. micra S. mitis,
   filotipos não cultiváveis N. sicca S. sanguinis,
S. gordonii,
S. oralis
Megasphaera Peptostreptococcus Enterococcus
filotipos não cultiváveis   P. anaerobius, E. faecalis
filotipos não cultiváveis
Finegoldia
F. magna Granulicatella
Peptoniphilus G. adiacens
P. asaccharolyticus,
P. lacrimalis
Anaerococcus
A. prevotii
Streptococcus
S. anginosus,
S. constellatus,
S. intermedius
Gemella
G. morbillorum

Espirilos (espiroquetas)

Treponema
T. denticola,
T. socranskii,
T. parvum,
T. maltophilum,
T. lecithinolyticum

Diversidade da microbiota o tamanho da lesão perirradicular – lesões pequenas


(<5mm) apresentaram cerca de 12 espécies, lesões de 5
Infecções primárias são caracterizadas por uma
a 10mm apresentaram 16 espécies e lesões maiores que
comunidade mista composta por 10 a 20 espécies em
média (podendo atingir até 40 a 50 espécies!) e 103 a 108 10mm apresentaram cerca de 20 espécies. Alguns ca-
células bacterianas por canal17,20,135,172,190,191,195,229,256,286,304. nais de dentes com grandes lesões apresentaram mais
Canais de dentes associados a fístulas (abscesso perir- de 40 espécies172.
radicular crônico) podem abrigar uma média de 17 es- Evidências científicas revelam que bactérias par-
pécies172. Quanto maior o diâmetro da lesão perirradi- ticipantes da infecção endodôntica primária pertencem
cular, mais complexa é a microbiota, com mais espécies a 9 dos 13 filos que possuem representantes orais, mais
e mais células52,172,241,255 (Fig. 4-28). Rôças e Siqueira172 especificamente Firmicutes, Bacteroidetes, Spirochaetes,
demonstraram em um estudo molecular que o número Fusobacteria, Actinobacteria, Proteobacteria, Synergistes,
de espécies por canal foi claramente relacionado com TM7 e SR1135,172,189,190,240. Dentre as espécies representan-
Microbiologia Endodôntica 121

Figura 4-25. Microbiota endodôntica determinada por cultura em estudo de Sundqvist et al.285.

Figura 4-26. Microbiota endodôntica determinada pelo método molecular checkerboard para hibridização DNA-DNA em estudo de Siqueira
et al.258.
122 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

Figura 4-27. Microbiota endodôntica em casos sintomáticos e assintomáticos determinada por método molecular nested PCR em vários
estudos de Siqueira e Rôças.

tes desses filos se incluem muitas bactérias cultiváveis leculares analisando a sequência do gene do 16S rRNA,
previamente isoladas por cultura ou recentemente de- a qual permite classificar a bactéria em um gênero ou
tectadas por métodos moleculares. Além disso, é digna família com base em análise filogenética. Tais bactérias
de nota a alta ocorrência de bactérias não cultiváveis – são então denominadas de filotipos e não oficialmente
cerca de 40 a 55% das espécies encontradas na microbio- classificadas pelo gênero (ou unidade taxonômica mais
ta endodôntica de infecções primárias compreendem elevada) seguido de um código composto por letras e
filotipos que ainda não foram cultivados no laborató- números, escolhidos a critério do investigador (exem-
rio, não foram ainda caracterizados fenotipicamente e, plo: Dialister clone oral 55A-29, Eubacterium clone oral
portanto, ainda não têm nome de espécie135,190. Bactérias BB142, Synergistes clone oral BA121, Bacteroidetes clone
não cultiváveis têm sido descobertas por métodos mo- oral X083 etc.).
Microbiologia Endodôntica 123

das para o gênero Prevotella86,172. Espécies de Prevo-


tella, principalmente P. intermedia, P. nigrescens, P.
tannerae, P. multissacharivorax, P. baroniae e P. dentico-
la, têm sido frequentemente detectadas em infecções
primárias4,14,15,25,43,62,66,74,98,172,190,201,288,311,318 (Fig. 4-30). Das
espécies de Porphyromonas encontradas em humanos,
apenas P. endodontalis (o epíteto endodontalis se refere
ao fato de essa espécie ter sido originalmente encon-
trada em canais) e P. gingivalis parecem estar envol-
vidas com a etiologia de diferentes formas de lesões
perirradiculares, inclusive abscessos66,74,118,201,254,258,288,301
(Fig. 4-30).
Tannerella forsythia é uma bactéria anaeróbia gram-
negativa que tem sido considerada um importante pa-
tógeno periodontal276,292. Essa espécie jamais havia sido
isolada de canais radiculares por cultura, sendo pela
primeira vez identificada em infecções endodônticas
por um método molecular (PCR)28. Estudos posteriores
usando PCR e seus derivados, além de outras técni-
Figura 4-28. Lesões perirradiculares extensas abrigam um maior cas moleculares, têm confirmado que T. forsythia é um
número de células e espécies bacterianas. membro comum da microbiota associada a diferentes
tipos de infecção endodôntica, incluindo casos de abs-
cessos57,65,88,178,196,222,258,259,305 (Fig. 4-31).
Bacilos produtores de pigmentos negros são as- Espécies do gênero Dialister são cocobacilos gram-
sim denominados por causa da capacidade de formar negativos anaeróbios estritos e assacarolíticos que
colônias com pigmentação negra sobre a superfície representam outro exemplo de bactérias detectadas
de placas de ágar sangue (Fig. 4-29). Essas bactérias consistentemente em infecções endodônticas depois
eram conhecidas como Bacteroides melaninogenicus do advento de técnicas de biologia molecular. Dialister
e foram reclassificadas em dois gêneros: Prevotella pneumosintes e Dialister invisus (espécie recentemente
(contendo as espécies sacarolíticas) e Porphyromonas proposta) têm sido frequentemente encontrados como
(espécies assacarolíticas)202,203. Algumas espécies não membros da microbiota endodôntica em casos sinto-
pigmentadas de Bacteroides também foram transferi- máticos e assintomáticos135,170,171,179,189,190,227,236,240.

A B

Figura 4-29. Bacilos produtores de pigmentos negros. A. Cultura pura de Prevotella intermedia. B. Amostra clínica evidenciando infecção
mista, com tipos coloniais diferentes, incluindo colônias pigmentadas (Porphyromonas gingivalis).
124 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

Figura 4-30. Prevalência de quatro espécies de bacilos produtores de pigmentos negros em infecções endodônticas primárias revelada por
diferentes estudos. Pe – Porphyromonas endodontalis; Pg – Porphyromonas gingivalis; Pi – Prevotella intermedia; Pn – Prevotella nigrescens.

Figura 4-31. Prevalência de Tannerella forsythia em infecções endodônticas primárias reveladas por diferentes estudos.
Microbiologia Endodôntica 125

F. nucleatum, um bacilo filamentoso gram-negati- foram identificadas ao nível de espécie. A razão para
vo anaeróbio estrito, é uma das espécies mais frequen- isso se deve ao fato de que são bactérias de difícil culti-
temente encontradas em canais radiculares infectados vo em laboratório. A aplicação de métodos moleculares
associados a lesões crônicas e abscessos14,36,57,88,103,230,285,313. demonstrou que essas bactérias espiraladas são comu-
Atualmente, é classificado em cinco subespécies (fu- mente encontradas em infecções primárias associadas a
siforme, nucleatum, polymorphum, vincentii e animalis)26. diferentes formas de lesões perirradiculares. Até o pre-
Contudo, a prevalência dessas subespécies em infec- sente momento, apenas 10 espécies orais de Treponema
ções endodônticas ainda precisa ser determinada. Mo- são cultiváveis. Elas podem ser classificadas em dois
raes et al.133 analisaram a diversidade clonal de cepas de grupos de acordo com a capacidade de fermentar car-
F. nucleatum isoladas de infecções endodônticas usan- boidratos: as espécies sacarolíticas incluem T. pectinovo-
do ERIC-PCR e AP-PCR. Eles identificaram quatro ti- rum, T. socranskii, T. amylovorum, T. lecithinolyticum, T.
pos clonais, dois por canal. Um dos clones foi bastan- maltophilum e T. parvum, enquanto as espécies assacaro-
te prevalente, sugerindo que tipos clonais diferentes líticas compreendem T. denticola, T. medium, T. putidum
podem ter acesso ao canal radicular, mas nem todos e T. vincentii193. Todas as 10 foram recentemente identi-
podem predominar no canal infectado e, assim, parti- ficadas em infecções endodônticas primárias por méto-
cipar ativamente do processo infeccioso. Outra espécie dos de biologia molecular13,56,65,87,172,175,181,233,238,239,248,249,253,305
do gênero Fusobacterium – Fusobacterium periodonticum (Fig. 4-32). As espécies mais prevalentes são T. denticola
– foi detectada em casos de abscesso pelo método do e T. socranskii13,175,239,249. As espécies T. parvum, T. malto-
checkerboard para hibridização de DNA-DNA259. philum e T. lecithinolyticum são moderadamente preva-
Espiroquetas são bactérias gram-negativas espi- lentes, enquanto as demais são encontradas, mas em
raladas dotadas de motilidade, a qual é ditada pela menor número de casos13,87,181,233,239.
presença de flagelos periplásmicos que se originam em Embora se acredite que bactérias anaeróbias
polos opostos da célula. Todas as espiroquetas orais es- gram-negativas sejam as mais frequentes em infecções
tão incluídas no gênero Treponema41 e podem estar asso- endodônticas primárias, vários bacilos gram-positivos
ciadas a várias doenças na cavidade oral31,44,47. Embora também têm sido detectados em elevada frequência
espiroquetas tenham sido observadas em canais radi- na microbiota mista do canal. Desses, Pseudoramibacter
culares infectados por meio de microscopia, elas nunca alactolyticus pode ser encontrado em prevalência tão

Figura 4-32. Prevalência de espécies de Treponema orais em infecções endodônticas primárias reveladas por estudos de Rôças e Siqueira.
126 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

alta quanto os mais prevalentes gram-negativos237,243,285. licatella adiacens, Gemella morbillorum, Capnocytophaga
Filifactor alocis foi apenas ocasionalmente isolado de gingivalis, Corynebacterium matruchotii, Bifidobacterium
canais infectados por cultura285, mas estudos molecu- dentium e lactobacilos anaeróbios180,224,232,258,259,285.
lares mostram que essa espécie pode ser bastante co- Algumas espécies que não são membros da mi-
mum, sendo detectada em cerca de metade dos casos crobiota oral podem ser ocasionalmente encontradas
de infecção primária65,226. Slackia exigua, Mogibacterium em infecções endodônticas primárias. Elas incluem
timidum, Eubacterium saphenum e Eubacterium infirmum Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli e Staphylococcus
foram identificados em canais infectados por meio de aureus, as quais são, contudo, mais comumente detecta-
técnicas moleculares em prevalências relativamente das em infecções endodônticas secundárias, sendo in-
altas58,77. Espécies de Actinomyces, particularmente A. troduzidas no canal durante o tratamento, usualmente
gerencseriae e A. israelii, as quais podem estar envolvi- devido à quebra na cadeia asséptica.
das no fracasso da terapia endodôntica por causar uma O Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemco-
infecção extrarradicular denominada de actinomico- mitans, espécie envolvida na etiologia de algumas pe-
se perirradicular (ver adiante), têm sido detectadas riodontites marginais, particularmente da periodontite
em cerca de 10% dos casos257,285, embora prevalências agressiva localizada (ou periodontite juvenil)275,293, é
mais elevadas têm sido relatadas por alguns estudos raramente detectado em canais infectados247 o que su-
para essas ou outras espécies de actinomicetos291,317. gere que essa espécie capnofílica não é favorecida no
Propionibacterium propionicum, uma outra espécie que microambiente endodôntico e, portanto, não participa
pode estar envolvida com actinomicose perirradicular, da patogênese das lesões perirradiculares.
também é comumente encontrada em infecções pri- Filotipos são espécies que não foram ainda cultiva-
márias263. Espécies de Olsenella compreendem bacilos das e que são conhecidas apenas pela sequência do gene
anaeróbios gram-positivos que representam mais um do 16S rRNA, o mais usado atualmente para identifica-
exemplo de bactérias encontradas em infecções en- ção molecular de bactérias. Dados de estudos molecula-
dodônticas somente após o emprego de técnicas de res recentes indicam que novos filotipos bacterianos po-
identificação molecular57,135. Dos membros desse gêne- dem participar em infecções endodônticas primárias. Por
ro, Olsenella uli é a espécie mais comum em infecções exemplo, os filotipos orais de Synergistes, especificamen-
primárias23,172,173. te denominados de clones BA121, E3_33, BH017 e W090,
Alguns cocos gram-positivos também podem ser têm sido comumente detectados em amostras de infec-
membros comuns da microbiota endodôntica. Parvimo- ções primárias sintomáticas e assintomáticas170,231,240,246.
nas micra (previamente Micromonas ou Peptostreptococcus A grande maioria das espécies do filo Synergistes não é
micros) é um coco anaeróbio assacarolítico que tem sido cultivável, sendo identificadas apenas por métodos mo-
encontrado em aproximadamente 1/3 dos canais com leculares, o que explica o fato de essas bactérias nunca
infecção primária e sua prevalência em casos sintomáti- terem sido relatadas como possíveis patógenos endo-
cos também pode ser elevada25,67,98,244,285,313. Membros do dônticos. Da mesma forma, o clone I025 do filo TM7, o
grupo dos Streptococcus anginosus são os estreptococos qual não possui qualquer representante cultivável, foi
mais prevalentes, mas S. gordonii, S. mitis e S. sangui- encontrado em infecções endodônticas primárias170,240.
nis são também frequentemente encontrados255,257,285. E. Resultados de estudos analisando bibliotecas de clones
faecalis, espécie fortemente associada ao fracasso endo- do gene 16S rRNA também evidenciaram a presença
dôntico (ver adiante), não é tão frequente em infecções de filotipos não cultiváveis dos gêneros Dialister, Prevo-
primárias177,257. tella, Solobacterium, Olsenella, Eubacterium, Megasphaera,
Espécies de Campylobacter, como C. gracilis e C. Selenomonas, Veillonella e Cytophaga, além de filotipos
rectus, são bacilos anaeróbios gram-negativos que po- relacionados com a família Lachnospiraceae e com o filo
dem ser encontrados em infecções primárias, mas em Bacteroidetes135,172,182,189-191,306.
prevalência baixa a moderada105,165,223,258,285. Catonella Em um estudo em associação com pesquisadores
morbi, um bacilo gram-negativo anaeróbio e sacarolíti- japoneses190 encontramos filotipos não cultiváveis entre
co que pode estar associado à doença periodontal, foi as bactérias mais prevalentes em infecções primárias,
recentemente encontrado em cerca de 1/4 dos casos incluindo Lachnospiraceae clone oral 55A-34, Megaspha-
de infecção endodôntica primária224. Outras espécies era clone oral CS025 e Veillonella clone oral BP1-85. Dois
bacterianas mais esporadicamente encontradas em in- filotipos – Bacteroidetes clone oral X083 e Dialister clo-
fecções primárias incluem: Veillonella parvula, Eikenella ne oral BS016 – foram detectados apenas em casos as-
corrodens, Neisseria mucosa, Centipeda periodontii, Granu- sintomáticos, enquanto Prevotella clone oral PUS9.180,
Microbiologia Endodôntica 127

Eubacterium clone oral BP1-89 e Lachnospiraceae clone rar diretamente a microbiota endodôntica de pacientes
oral MCE7_60 estiveram presentes exclusivamente em residindo em localidades diferentes. Nossos resultados
casos sintomáticos (abscessos)190. Detecção de filotipos sugerem que há realmente diferenças na prevalência de
não cultiváveis em amostras de infecções endodônticas importantes patógenos endodônticos putativos14,167,215
indica que são bactérias previamente desconhecidas (Figs. 4-33 e 4-34). Análises do perfil das comunidades
que podem estar participando da etiologia das lesões bacterianas em amostras de abscessos perirradiculares
perirradiculares. Dos filotipos ainda não cultiváveis agudos de pacientes do Brasil e dos Estados Unidos
encontrados em infecções endodônticas destacam-se também revelaram um padrão relacionado com a posi-
o Bacteroidetes clone X083 e o Synergistes clone BA121, ção geográfica, com várias espécies sendo exclusivas de
os quais podem ser bastante prevalentes em infecções uma localidade e outras mostrando grandes diferenças
endodônticas primárias172,240. de prevalência119. Resultados similares foram observa-
dos quando amostras de canais associados a lesões crô-
nicas de pacientes brasileiros e noruegueses foram com-
Influência geográfica paradas264. Os fatores que podem levar a tais diferenças
Achados de laboratórios em diferentes países usu- na composição da microbiota endodôntica e o impacto
almente diferem muito quanto à prevalência de deter- dessas diferenças no tratamento, principalmente em ca-
minadas espécies em infecções endodônticas12, isto é, sos de abscessos que requeiram antibioticoterapia sistê-
espécies muito prevalentes em um país podem ser pou- mica, necessitam ser elucidados.
co encontradas ou mesmo ausentes em amostras de um
outro. Embora essas diferenças possam ser atribuídas a Outros micro-organismos em infecções
variações nas técnicas de identificação usadas nos dife-
endodônticas
rentes laboratórios, uma influência geográfica na com-
posição da microbiota pode explicar tais discrepâncias. a) Fungos
Iniciativas de nosso grupo em associação com outros Fungos são micro-organismos eucariotas que po-
grupos dos Estados Unidos, Coréia do Sul e Noruega dem ser encontrados em duas formas básicas: os bolo-
utilizaram diversos métodos moleculares para compa- res (fungos filamentosos multicelulares que consistem

Figura 4-33. Prevalência de diferentes espécies em amostras de abscesso perirradicular agudo do Brasil e dos Estados Unidos. Dados de
Baumgartner et al.14 e Rôças et al.167.
128 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

Figura 4-34. Prevalência de diferen-


tes espécies em infecções endodôn-
ticas primárias de pacientes brasilei-
ros e sul-coreanos. Dados de Siqueira
et al.215.

de túbulos cilíndricos ramificados) e leveduras (fungos e arqueias na comunidade. Um outro estudo confirmou
unicelulares com células assumindo uma forma ova- que esse filotipo relacionado com a Methanobrevibacter
lada ou esférica). Embora fungos sejam membros da oralis pode ser encontrado em infecções primárias306.
microbiota oral, em particular espécies de Candida, eles
são apenas ocasionalmente encontrados em infecções c) Vírus
primárias46,103,130,252. Contudo, um estudo molecular16 re-
Vírus não são células, mas partículas estrutural-
latou a ocorrência de C. albicans em 21% das amostras
mente compostas de uma molécula de ácido nucleico
de canais com infecção primária.
(DNA ou RNA) e uma cobertura proteica. Vírus são
inanimados, não replicam por si sós e são parasitas in-
b) Archaea (arqueias) tracelulares obrigatórios que necessitam infectar célu-
O domínio Archaea representa um dos três domí- las vivas. Quando eles infectam uma célula, a molécula
nios evolucionários de vida no planeta, sendo distintas de ácido nucleico viral tem a capacidade de direcionar
filogeneticamente dos outros dois domínios, Bacteria a replicação completa do vírus e assume o controle
e Eucarya. Arqueias são procariotas, mas bastante di- das atividades metabólicas da célula hospedeira. Uma
ferentes de bactérias. Membros desse domínio foram vez que os vírus requerem células vivas para infectar e
tradicionalmente considerados como extremófilos, isto usar a maquinaria celular para replicar o genoma viral,
é, capazes de sobreviver somente em condições am- eles não conseguem se estabelecer em canais radicu-
bientais extremas, onde nenhum outro membro dos lares contendo polpa necrosada. A presença de vírus
demais domínios poderia se estabelecer. Todavia, re- no canal só foi relatada em casos de polpas vitais não
centemente algumas arqueias têm sido encontradas inflamadas de pacientes infectados pelo vírus da imu-
em ambientes não extremos, como o corpo humano, nodeficiência humana adquirida (HIV)63.
embora nenhum patógeno tenha sido ainda reconhe- Por outro lado, herpesvírus têm sido detectados
cido. Arqueias metanogênicas têm sido encontradas na em lesões perirradiculares onde células vivas podem ser
placa subgengival associada à doença periodontal106. encontradas em abundância. Os herpesvírus consistem
Embora um estudo não tenha encontrado arqueias em em uma molécula dupla-fita de DNA inserida em um
canais com polpas necrosadas245, outro estudo detectou envelope viral. Oito herpesvírus humanos são atualmen-
arqueias metanogênicas em 25% dos canais de dentes te identificados: vírus herpes simplex 1 e 2, vírus Vari-
com lesões perirradiculares crônicas303. A diversidade cella-Zoster, vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus
de arqueias foi restrita a um filotipo semelhante a Me- (HCMV), herpesvírus 6, herpesvírus 7 e herpesvírus 8
thanobrevibacter oralis, e a proporção da população de (vírus do sarcoma de Kaposi)281. Evidências acumuladas
arqueias correspondeu a até 2,5% do total de bactérias nos últimos anos relatam o envolvimento de HCMV e
Microbiologia Endodôntica 129

EBV na etiologia das doenças periodontais29,90,101,155,272. perirradicular185,186. Pacientes HIV-positivo são mais
Mais recentemente, estudos usando métodos molecu- suscetíveis à coinfecção da lesão perirradicular com her-
lares183-186,273 e imuno-histoquímica187,188 têm detectado pervírus187 (Fig. 4-36).
herpesvírus em amostras de lesões perirradiculares, e
um papel na patogênese dessas doenças tem sido pro-
posto. HCMV e EBV poderiam participar da etiologia
Infecções sintomáticas
das lesões perirradiculares por ação direta da infecção Infecções sintomáticas são tipicamente caracteri-
e replicação viral, induzindo a liberação de citocinas e zadas pela presença de uma periodontite apical aguda
outros mediadores inflamatórios, por ação citotóxica di- ou de um abscesso perirradicular agudo. Tem sido su-
reta na célula infectada ou por reduzir as defesas locais gerido que algumas bactérias anaeróbias gram-negati-
do hospedeiro, favorecendo a proliferação de bactérias vas podem estar relacionadas com o desenvolvimen-
na porção mais apical do canal radicular127,273,310 (Fig. to de lesões sintomáticas67,69,176,190,286,301,320. Entretanto,
4-35A). Transcritos de HCMV e EBV foram encontrados vários estudos têm relatado frequências similares das
em alta prevalência em associação com sintomas184,186 mesmas espécies em casos sintomáticos e assintomáti-
(Fig. 4-35B), em lesões com alta ocorrência de bactérias cos15,57,74,88,258,259. Assim, outros fatores além da mera
anaeróbias185 e em casos de extensa destruição óssea presença de uma espécie potencialmente patogênica

A B

Figura 4-35. Ocorrência de herpesvírus associado a lesões perirradiculares sintomáticas. Dados de Sabeti et al.184.

A B

Figura 4-36. Herpesvírus em lesões perirradiculares. A e B. Análise imuno-histoquímica revelando células infectadas por citomegalovírus
(HCMV) em lesão perirradicular. (Reproduzida de Saboia-Dantas et al.187 com a permissão da editora.)
130 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

podem influenciar o desenvolvimento de dor. Esses f) Infecção concomitante por herpesvírus. Conforme já
fatores incluem205,212: aclarado, esse fator pode estar associado à reduzi-
da resistência do hospedeiro. Infecções por HCMV
a) Presença de tipos clonais virulentos. Tipos clonais de e EBV foram significativamente associadas a qua-
uma determinada espécie patogênica podem diver- dros de dor184, sugerindo que esses vírus podem
gir em relação à propriedade de virulência5,53,70,137,151. iniciar ou contribuir para a ocorrência de sinto-
Uma doença atribuída a um patógeno é na verdade mas273.
causada pelos tipos clonais virulentos daquela espé-
cie. Destarte, a presença de tipos clonais mais viru- As alterações na microbiota durante a transi-
lentos de uma determinada espécie no canal pode ção de um quadro assintomático para sintomático
ser um fator predisponente para dor. não foram ainda completamente elucidadas. Estudos
b) Interações bacterianas aditivas ou sinérgicas. A maio- transversais sugerem que uma sucessão bacteriana
ria dos candidatos a patógenos endodônticos ape- realmente ocorre entre esses dois estágios256. Há a
nas apresenta virulência ou é significativamente possibilidade de que, em um determinado momen-
mais virulenta quando em associação com outras to durante o processo infeccioso, a microbiota atinja
espécies10,51,95,218,289,319. Isso ocorre devido a interações um grau de patogenicidade que evoque uma resposta
aditivas (resultado final igual à soma da virulência inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares com
das espécies) ou sinérgicas (resultado final superior consequente desenvolvimento de dor, acompanha-
à soma da virulência das espécies). É inteiramente da ou não de tumefação. A estrutura das comunida-
plausível que casos sintomáticos abriguem combi- des bacterianas em canais associados a sintomas é
nações bacterianas mais virulentas. significativamente diferente em comparação a casos
c) Número de células bacterianas. A “carga” bacteriana assintomáticos256. Tais diferenças são principalmen-
é bem estabelecida como um fator relevante para te representadas por diferentes espécies dominantes
a indução de doença. Casos sintomáticos podem nas comunidades e por um maior número de espécies
apresentar um maior número de células bacterianas em casos sintomáticos. Destarte, uma modificação na
quando comparados a casos assintomáticos. estrutura da comunidade bacteriana provavelmente
d) Sinais do microambiente. Um tipo clonal virulento de antecede o aparecimento de sintomas. Tal modifica-
uma determinada espécie patogênica nem sempre ção pode ser decorrente da chegada de novas espécies
expressa seus fatores de virulência durante o ciclo de no local ou consequência de variações e rearranjos na
vida. O microambiente exerce um papel importante composição dos membros da comunidade mista colo-
nesse aspecto, pois pode fazer com que genes de vi- nizando o canal. Diferenças no tipo e carga das espé-
rulência sejam “ligados” ou “desligados”8,54,99,315, o que cies dominantes, bem como as interações resultantes,
representa uma parte crucial de adaptação de bactérias podem ser responsáveis por diferenças no grau de
ao ambiente, permitindo o estabelecimento, crescimen- patogenicidade da comunidade como um todo. Es-
to e sobrevivência55. Bactérias podem sentir o ambiente ses dados confirmam que não há um patógeno-chave
e então responder pela expressão de determinados ge- envolvido no aparecimento de sintomas. Na verdade,
nes que irão permitir a adaptação naquele ambiente. junto com os demais fatores já citados, a ocorrência
Estudos revelam que sinais do microambiente influen- de certas combinações bacterianas pode ser um fator
ciam a expressão de genes e proteínas de vários pató- decisivo na indução de dor.
genos orais (e endodônticos), incluindo P. gingivalis, F.
nucleatum, P. intermedia e treponemas59,93,94,321,323. Se as  REQUISITOS PARA SE DEFINIR UM
condições microambientais no canal forem favoráveis
PATÓGENO ENDODÔNTICO
à expressão de genes de virulência, essa pode ser au-
mentada e levar à indução de sintomas. Os seguintes requisitos são necessários para um
e) Resistência do hospedeiro. É sobejamente conhecido determinado micro-organismo (ou uma comunidade
que diferentes indivíduos apresentam também dife- de micro-organismos) conseguir se estabelecer no canal
rentes padrões de resistência a infecções e tais pa- e participar da patogênese da doença perirradicular205:
drões podem variar mesmo durante a vida de um
determinado indivíduo126. Teoricamente, indivíduos 1. O micro-organismo (ou a comunidade microbiana)
com reduzida resistência podem ser mais propensos deve atingir número suficiente para induzir e man-
a desenvolver dor. ter uma lesão perirradicular.
Microbiologia Endodôntica 131

2. O micro-organismo (ou a comunidade) deve possuir nal após o preparo químico-mecânico ou a medicação
um conjunto de fatores de virulência que devem ser intracanal podem ter sido resistentes ou inacessíveis
expressos durante a infecção do canal radicular. aos procedimentos intracanais de desinfecção225. De
3. O micro-organismo (ou a comunidade) deve estar qualquer forma, o número de células e espécies bac-
espacialmente localizado no sistema de canais radi- terianas no canal é significativamente reduzido após
culares de forma que seus fatores de virulência pos- tratamento. Amostras de canais radiculares positivas
sam ter acesso aos tecidos perirradiculares. para o crescimento bacteriano após preparo químico-
4. O microambiente endodôntico deve permitir a so- mecânico seguido ou não de medicação intracanal
brevivência e o crescimento do micro-organismo podem abrigar uma média de uma a cinco espécies.
(ou da comunidade) e prover sinais que estimulem Nesses casos, o número de células pode variar entre
a expressão de genes de virulência. 102 e 105 por canal21,191,219,220,267,304. Nenhuma espécie em
especial tem sido reconhecida como persistente aos
5. Micro-organismos inibidores devem estar ausentes
procedimentos intracanais. Bactérias gram-negativas,
ou presentes em baixos números no microambiente
que são muito comuns no canal infectado não tratado,
endodôntico.
são usualmente eliminadas após o preparo seguido
6. O hospedeiro deve montar uma estratégia de defe-
ou não da medicação. Exceções talvez incluam alguns
sa nos tecidos perirradiculares, a qual o protege da
bacilos anaeróbios, como F. nucleatum, Prevotella spp. e
disseminação da infecção, mas ao mesmo tempo é o
C. rectus, que têm sido encontrados em amostras pós-
principal responsável pelo dano tecidual associado
instrumentação21,68,160,191,265,267. Todavia, a grande maioria
a uma lesão perirradicular. dos estudos revela que bactérias gram-positivas são as
mais frequentemente encontradas. Bactérias gram-po-
sitivas anaeróbias estritas ou facultativas que têm sido
 INFECÇÃO INTRARRADICULAR isoladas ou detectadas em amostras colhidas pós-tra-
SECUNDÁRIA/PERSISTENTE tamento incluem estreptococos (S. mitis, S. gordonii, S.
Além de causarem outros problemas na clínica anginosus, S. sanguinis e S. oralis), P. micra, Actinomyces
endodôntica diuturna, infecções persistentes ou secun- spp. (A. israelii e A. odontolyticus), Propionibacterium
dárias são os principais agentes etiológicos do fracasso spp. (P. acnes e P. propionicum), P. alactolyticus, lactoba-
da terapia endodôntica, caracterizado pela manuten- cilus (Lactobacillus paracasei e Lactobacillus acidophilus),
E. faecalis e O. uli21,22,24,68,158,160,191,214,219,220,267. Tais achados
ção ou aparecimento de uma lesão perirradicular pós-
sugerem que gram-positivos podem ser mais resisten-
tratamento166. Essa afirmativa tem o suporte de dois
tes ao tratamento antimicrobiano e também mais capa-
fortes argumentos baseados em evidências:
zes de se adaptarem às condições ambientais bastante
desfavoráveis em um canal instrumentado (e medica-
1o) Há um risco aumentado de fracasso do tratamento
do). Um estudo molecular realizado pelo nosso grupo
se bactérias são encontradas no canal no momento
em associação com um grupo japonês revelou que 42%
da obturação (culturas positivas)48,49,79,129,150,267,287,307,322. das bactérias encontradas em amostras pós-instrumen-
2 ) Praticamente todos os casos de fracasso abrigam
o
tação ou pós-medicação não são cultiváveis191.
uma infecção intrarradicular2,108,110,162,168,169,192,235,287. Para que bactérias remanescentes no canal após o
tratamento causem o fracasso, elas devem225:
Baseados nesses argumentos, estudos têm objetiva-
do identificar micro-organismos presentes no canal no a) se adaptar ao microambiente drasticamente modifi-
momento da obturação, os quais têm o potential de colo- cado pelos procedimentos de tratamento, adquirin-
car o tratamento em risco, e micro-organismos em canais do nutrientes e resistindo aos efeitos antimicrobia-
já tratados e apresentando lesões perirradiculares, os quais nos dos materiais obturadores;
podem ser os causadores do fracasso do tratamento. b) alcançar números críticos e exibir atributos de viru-
lência suficientes para manter ou induzir a inflama-
ção perirradicular;
Bactérias presentes no momento da
c) ter acesso irrestrito aos tecidos perirradiculares para
obturação – fracasso em potencial
exercer a patogenicidade.
Mesmo quando bem realizado, o tratamento pode
fracassar em promover a total eliminação bacteriana A necessidade de preencher tais requisitos ajuda
dos canais radiculares. Bactérias encontradas no ca- a explicar o porquê de algumas lesões perirradiculares
132 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

A B

Figura 4-37. Enterococcus faecalis. A. Colônias crescidas sobre a superfície de meio ágar Mitis-Salivarius. B. Formando um biofilme sobre as
paredes dentinárias do canal radicular.

se repararem mesmo quando bactérias são encontradas Microbiota em dentes com canal tratado –
no canal no momento da obturação49,267. Contudo, o fato fracasso estabelecido
de que há um risco aumentado de fracasso quando o ca-
nal é obturado na presença de bactérias48,49,79,129,150,267,287,307,322 A microbiota de canais tratados associados à pa-
indica que, em muitos casos, bactérias residuais conse- tologia perirradicular persistente também apresenta
reduzida diversidade quando comparada à infecção
guem preencher os requisitos supramencionados, sobre-
primária. Canais tratados de forma aparentemente
vivendo e proliferando no canal obturado e mantendo a
adequada podem abrigar uma a cinco espécies, en-
lesão perirradicular.
quanto canais com tratamento inadequado podem
apresentar até cerca de 30 espécies, o que é bastante si-
milar a casos de infecção primária162,174,235,287 (Fig. 4-24).
O número de células bacterianas pode variar entre 103
e 107 em canais tratados17,158,197. Independentemente do
método de identificação bacteriana utilizado, E. faeca-
lis tem sido a espécie mais prevalente em dentes com
canal tratado, atingindo frequências de até 90% dos
casos128,162,168,169,177,197,235,287,324 (Figs. 4-37 e 4-38) (Quadro
4-2). E. faecalis é nove vezes mais comum em canais
tratados do que em infecções primárias177, o que suge-
re que essa espécie pode ser inibida por outros mem-
bros da comunidade microbiana mista comumente
encontrada em infecções primárias e que as condições
ambientais áridas em um canal tratado não impedem
sua sobrevivência.
O fato de E. faecalis ser a espécie mais comumen-
te encontrada em canais tratados e a sua capacidade
de sobreviver em condições ambientais desfavoráveis
fizeram com que muitos autores o apontassem como
o principal patógeno envolvido no fracasso do trata-
mento. Em decorrência, uma avalanche de artigos foi
publicada tendo como foco essa espécie277. Contudo,
Figura 4-38. Prevalência de diferentes espécies em amostras de dados de estudos recentes realizados em laborató-
fracasso endodôntico de pacientes brasileiros e sul-coreanos. Notar
que Enterococcus faecalis foi o mais prevalente, a despeito da locali- rios diferentes têm de alguma forma questionado o
zação geográfica. Dados de Rôças et al.169 e Siqueira e Rôças235. papel do E. faecalis como principal espécie envolvida
Microbiologia Endodôntica 133

Quadro 4-2 Dados de estudos avaliando a microbiota de casos de fracasso do tratamento endodôntico

Estudo
Método de Amostras positivas Enterococcus faecalis Fungos
identificação para a presença de
micro-organismos

Engström, 1964 Cultura 21/54 (39%) 5/21 (24%) –


Möller, 1966 Cultura 31/54 (57%) 9/31 (29%) 1/31 (3%)
Sundqvist et al. , 1998 Cultura 24/54 (44%) 9/24 (38%) 2/24 (8%)
Molander et al., 1998 Cultura 68/100 (68%) 32/68 (47%) 3/68 (4%)
Peciuliene et al., 2000 Cultura 20/25 (80%) 14/20 (70%) –
Peciuliene et al., 2001 Cultura 33/40 (83%) 21/33 (64%) 6/33 (18%)
Hancock III et al., 2001 Cultura 34/54 (63%) 10/33 (30%) 1/34 (3%)
Cheung & Ho, 2001 Cultura 12/18 (67%) 0/12 (0%) 2 (17%)
Rolph et al., 2001 PCR 10/11 (91%) 0/5 (0%) –
Pinheiro et al., 2003 Cultura 51/60 (85%) 27/51 (53%) 2/51 (4%)
Siqueira & Rôças, 2004 PCR 22/22 (100%) 17/22 (77%) 2/22 (9%)
Rôças et al., 2004 PCR 30/30 (100%) 20/30 (67%) –
Rôças et al., 2004 PCR 14/14 (100%) 9/14 (64%) 0/14 (0%)
Kaufman et al., 2005 PCR 35/36 (97%) 2/36 (6%) –
Zoletti et al., 2006 PCR 23/23 (100%) 18/23 (78%) –
Sedgley et al., 2006 Cultura 27/48 (56%) 4/48 (8%) –
Sedgley et al., 2006 PCR 48/48 (100%) 43/48 (90%) –
Schirrmeister et al., 2007 PCR 13/20 (65%) 4/13 (31%) –
Gomes et al., 2008 PCR 39/45 (87%) 35/45 (78%) –

no fracasso. Enquanto um estudo nem mesmo detec- bacterianas distintas podem participar na etiologia do
tou E. faecalis em casos de fracasso182, outros demons- fracasso endodôntico174.
traram que essa espécie, quando presente, não era a
dominante168,174,192. Estudos também mostraram que o
E. faecalis não é mais prevalente em canais tratados
 INFECÇÕES EXTRARRADICULARES
de dentes com lesão em comparação a dentes sem Lesões perirradiculares são formadas em resposta
lesão91,324. Todos esses achados aparentemente ques- à infecção intrarradicular e, de um modo geral, repre-
tionam o status do E. faecalis como a mais importante sentam uma barreira eficaz contra a disseminação da
espécie causadora do fracasso. Todavia, outros fatores infecção para o osso alveolar e outras regiões do cor-
relacionados ainda necessitam ser considerados antes po. Na maioria das situações, as lesões perirradiculares
que tal questionamento se transforme em certeza324. conseguem prevenir o acesso de micro-organismos aos
Outros micro-organismos encontrados em canais tecidos perirradiculares. Entretanto, em circunstâncias
tratados associados à lesão perirradicular incluem es- específicas, micro-organismos podem superar essa
treptococos, C. albicans e algumas espécies bacterianas barreira e estabelecer uma infecção extrarradicular. A
anaeróbias estritas – P. alactolyticus, P. propionicum, forma mais comum de infecção extrarradicular é o abs-
F. alocis, D. pneumosintes e D. invisus128,162,174,235,240,287 (Qua- cesso perirradicular agudo, caracterizado por inflama-
dro 4-3). Bactérias não cultiváveis correspondem a ção purulenta nos tecidos perirradiculares em resposta
55% das bactérias encontradas em canais tratados192. à saída maciça de bactérias virulentas pelo forame api-
Dessas, Bacteroidetes clone oral X083 tem sido bastante cal. Há, entretanto, uma outra forma de infecção extrar-
prevalente192. Na verdade, a estrutura das comunida- radicular que, ao contrário do abscesso, é usualmente
des bacterianas em casos de fracasso pode variar de caracterizada pela ausência de sintomas. Essa condição
indivíduo para indivíduo, sugerindo que combinações consiste no estabelecimento de micro-organismos nos
134 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

Quadro 4-3 Micro-organismos detectados em casos de


fracasso do tratamento endodôntico. Dados de estudos
usando métodos sofisticados de Biologia Molecular, de
acordo com Siqueira & Rôças235,240

Espécie microbiana Prevalência (%)

Enterococcus faecalis 77
Pseudoramibacter alactolyticus 55
Propionibacterium propionicum 50
Filifactor alocis 48
Dialister pneumosintes 46
Streptococcus spp. 23
Tannerella forsythia 23
Dialister invisus 14 A
Campylobacter rectus 14
Porphyromonas gingivalis 14
Treponema denticola 14
Fusobacterium nucleatum 10
Prevotella intermedia 10
Candida albicans 9
Campylobacter gracilis 5
Actinomyces radicidentis 5
Porphyromonas endodontalis 5
Parvimonas micra 5
Synergistes oral clone BA121 5
Olsenella uli 5

tecidos perirradiculares aderidos à superfície radicular


B
externa e formando biofilmes146,297 ou formando colô-
nias coesas no interior do corpo da lesão inflamató-
ria143. A infecção extrarradicular tem sido considerada
como uma das causas de fracasso do tratamento endo-
dôntico, mesmo quando foi bem executado299.
A infecção extrarradicular pode ser dependente
ou independente da intrarradicular207. Por exemplo, a
presença de fístula usualmente indica a ocorrência ex-
trarradicular de bactérias (Fig. 4-39). O fato de que a
maioria das fístulas fecha após tratamento endodôntico
adequado sugere a ocorrência de uma infecção extrar-
radicular dependente da intrarradicular. Além disso, o
abscesso perirradicular agudo é geralmente dependen-
te da infecção intrarradicular, e uma vez que a infecção
intrarradicular é devidamente controlada pelo trata-
mento endodôntico ou pela extração dentária e a drena-
C
gem de pus é obtida, a infecção extrarradicular é então
combatida pelas defesas do hospedeiro, sendo usual-
Figura 4-39. Casos apresentando fístula geralmente estão associa-
mente eliminada. Todavia, deve-se ter em mente que, dos à cronificação de abscessos agudos e infecção extrarradicular.
em alguns casos mais raros, bactérias que participaram A. Intraoral. B e C. Extraoral, tendo como origem um molar inferior.
de um abscesso podem persistir nos tecidos perirradi- (Gentileza do Dr. Fábio Ramoa Pires.)
Microbiologia Endodôntica 135

culares após a resolução da fase aguda e estabelecer e apenas poucas espécies têm a capacidade de desa-
uma infecção extrarradicular associada à inflamação fiar e superar as defesas do hospedeiro, adquirir nu-
crônica. Isso caracterizaria um exemplo de infecção ex- trientes e prosperar nos tecidos perirradiculares infla-
trarradicular independente da intrarradicular. mados, estabelecendo então uma infecção extrarradi-
Exceto pela actinomicose perirradicular e casos cular. Das várias espécies que têm sido detectadas em
com fístula, há ainda controvérsias se lesões perirra- lesões refratárias ao tratamento endodôntico, algumas
diculares crônicas podem abrigar bactérias por muito são dotadas de um conjunto de fatores de virulência
tempo além da invasão tecidual inicial. Estudos de que pelo menos teoricamente pode possibilitar que
cultura282,298,312 e de métodos moleculares61,283,284 rela- invadam e sobrevivam em ambientes hostis (como os
taram a ocorrência extrarradicular de uma microbio- tecidos inflamados). Por exemplo, é atualmente reco-
ta complexa associada a lesões que não responderam nhecido que espécies de Actinomyces e P. propionicum
favoravelmente ao tratamento. Bactérias anaeróbias podem participar de infecções extrarradiculares e cau-
foram as predominantes em várias dessas lesões282,284. sar uma entidade patológica denominada actinomicose
Uma vez que esses estudos não avaliaram as condições perirradicular76,207,270 (Fig. 4-41). Alguns patógenos pu-
bacteriológicas da porção mais apical do canal radicu- tativos, como Treponema spp., P. endodontalis, P. gingi-
lar associado a essas lesões, torna-se impossível deter- valis, T. forsythia, Prevotella spp. e F. nucleatum, também
minar se as infecções extrarradiculares eram depen- têm sido encontrados em lesões perirradiculares crôni-
dentes ou independentes da intrarradicular. cas por estudos usando cultura, métodos moleculares
A presença de colônias bacterianas fora do canal ou métodos imunológicos7,61,269,284,298. A maioria dessas
usualmente caracteriza uma delimitação entre a infecção espécies possui um grupo de fatores de virulência que
intrarradicular e os tecidos perirradiculares inflamados as permite evitar ou superar as defesas do hospedeiro
(Fig. 4-40). Mesmo assim, a presença dessas bactérias no nos tecidos perirradiculares18,50,81,302.
espaço extrarradicular pode caracterizar uma infecção, a A incidência de infecções extrarradiculares em
qual é, contudo, dependente de uma infecção intrarradi- dentes sem tratamento endodôntico é consideravel-
cular no sentido de que, se essa for controlada de forma mente baixa141,217, o que é compatível com o alto índice
eficaz, a infecção extrarradicular pode ser combatida e de sucesso do tratamento endodôntico convencional268.
eliminada pelas defesas do hospedeiro. Mesmo em dentes com canal tratado e apresentando
Na verdade, a maioria dos micro-organismos lesão perirradicular pós-tratamento, para os quais uma
orais tem comportamento de patógenos oportunistas maior incidência de infecção extrarradicular tem sido

Figura 4-40. A fronteira entre a in-


fecção endodôntica e as defesas do
hospedeiro pode estar dentro do ca-
nal, no limite do forame apical ou já no
ambiente extrarradicular.
136 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

é possível inferir que muitas das infecções extrarradi-


culares observadas em dentes com canal tratado na
verdade eram mantidas (dependentes) por uma infec-
ção intrarradicular.
Bactérias alcançam os tecidos perirradiculares e
estabelecem uma infecção extrarradicular da seguinte
forma208:

a) quando do avanço direto de algumas espécies que


superam as defesas do hospedeiro concentradas
próximo ao forame apical ou que conseguem inva-
dir a cavidade de cistos em bolsa, a qual está em co-
A
municação direta com o forame apical (Figs. 4-42 e
4-43);

Figura 4-42. Agregado bacteriano conhecido como “espiga de mi-


lho” em uma área de infecção extrarradicular. Tal formação consiste da
coagregação entre uma bactéria filamentosa e vários cocos. (Repro-
duzida de Siqueira e Lopes217 com a permissão da editora.)

Figura 4-41A. Actinomicose perirradicular. B e C. Maiores aumen-


tos da colônia actinomicótica, mostrando a aparência de “fungo
raiado”. (Gentileza do Dr. Fábio Ramoa Pires.)

relatada, o elevado índice de sucesso após retratamen-


to268 indica que a principal causa do fracasso é uma
infecção intrarradicular persistente ou secundária.
Isso tem sido confirmado por inúmeros estudos que Figura 4-43. Colônia bacteriana circundada por células de defesa
investigaram as condições microbiológicas de casos no interior da cavidade de um cisto em bolsa persistente após o
de fracasso128,162,174,235,287. Com base nesses argumentos, tratamento endodôntico.
Microbiologia Endodôntica 137

reação aos relatos de Hunter84,85, um médico que no


início do século XX publicou artigos que atribuíam a
culpa de várias doenças sistêmicas às infecções orais,
a Odontologia por muitos anos descartou a hipótese
da infecção focal, exceto para os pacientes com risco
de desenvolver endocardite infecciosa e aqueles imu-
nocomprometidos. Todavia, um interesse renovado
por esse assunto tem surgido nos últimos anos39,107,136.
Relatos recentes de estudos epidemiológicos têm
apresentado a tendência de mudar o paradigma a fa-
vor da aceitação da teoria da infecção focal123,290. Uma
vez mais, a despeito do dano criado à Odontologia
pelo legado de Hunter, o conceito de infecção focal
Figura 4-44. Extrusão apical de detritos dentinários contaminados está batendo em nossas portas. Felizmente, dessa vez,
durante a instrumentação pode ser uma das causas de infecção ex- ele pode ser mais bem avaliado e discutido sobre ba-
trarradicular.
ses científicas sólidas.
Achados referentes a estudos epidemiológicos
b) quando da persistência bacteriana em uma lesão apenas podem detectar relação entre dois fatos, mas
após a remissão de um abscesso; são insuficientes para estabelecer uma relação cau-
c) quando detritos contaminados são extruídos duran- sal271. O fato de que duas coisas estão acontecendo ao
te o preparo químico-mecânico (geralmente após so- mesmo tempo não necessariamente indica uma rela-
breinstrumentação) (Fig. 4-44), tais detritos podem ção de causa e efeito. Outrossim, nenhum estudo bem
fisicamente proteger bactérias contra as defesas do controlado e reprodutível tem substanciado a teoria
hospedeiro e assim persistir nos tecidos perirradi- da infecção focal.
culares, gerando ou mantendo inflamação. O estabelecimento de um elo entre uma doença
oral e doenças em outras partes do corpo depende de
Nesses casos, a virulência e a quantidade das bac- alguns fatores mais importantes. Talvez um dos mais
térias envolvidas bem como a resistência do hospedei- relevantes seja determinar se o micro-organismo asso-
ro são fatores decisivos no que se refere ao desenvolvi- ciado à doença em outra região do corpo seja o mesmo
mento de uma infecção extrarradicular. micro-organismo oral suspeito. Ser o mesmo inclui não
apenas a espécie, mas também o biotipo, o sorotipo
e/ou o genotipo. Além disso, o início da doença médi-
 BACTEREMIA E INFECÇÃO FOCAL
ca deve ser subsequente ao início da infecção oral. Nos
Em 1900, William Hunter84 escreveu: casos em que um procedimento odontológico é suspei-
to de causar bacteremia, o início da doença médica de-
“... quanto mais eu estudo a sepsia oral como causa de veria se dar dentro do período de incubação153.
doenças médicas, mais impressionado eu fico com sua im- Nenhum estudo demonstrou até o momento que
portância e com a extraordinária negligência com a qual bacteremias espontaneamente ocorrem em casos de ca-
ela é tratada por médicos e cirurgiões.(...) Eu confesso que nais infectados associados a uma lesão perirradicular
é urgente, para o bem daqueles acometidos por gastrite, bem crônica. Por outro lado, bacteremias podem ocorrer em
como para aqueles sofrendo de infecções piogênicas gerais, casos de abscesso perirradicular agudo e durante a ma-
que algumas providências sejam tomadas com relação à boca nipulação de canais radiculares infectados36,39,78. Embo-
– o canal principal de acesso, em minha opinião, de todas as ra tenha sido demonstrado que as espécies presentes
infecções piogênicas.” no sangue de pacientes submetidos ao tratamento en-
dodôntico são as mesmas de seus respectivos canais35-38,
A despeito dos relatos anedóticos referentes a tais achados apenas significam que a terapia endodôn-
pacientes que foram curados de problemas médicos tica causa bacteremia, mas não necessariamente que
após a extração dentária, a teoria da infecção focal os micro-organismos envolvidos irão causar danos em
tem permanecido controversa em razão da ausência partes remotas do corpo.
de evidências inquestionáveis sobre a relação causal Deve-se ter em mente que bacteremias podem na-
entre infecções orais e outras condições médicas. Em turalmente ocorrer como resultado de atividades diá-
138 Capítulo 4  Microbiologia Endodôntica

rias normais, como durante a escovação dos dentes e coronal leakage after root canal treatment: a preliminary
study. Int Endod J, 2004; 37: 542-51.
a mastigação. Alguns indivíduos podem gerar bacte-
   3. Appelbaum B, Golub E, Holt SC, Rosan B. In vitro studies of
remia 90 horas por mês devido a atividades normais72. dental plaque formation: adsorption of oral streptococci to
Mais importante do que a bacteremia per se, é a viru- hydroxyaptite. Infect Immun, 1979; 25: 717-28.
lência e o número dos micro-organismos que obtêm    4. Bae KS, Baumgartner JC, Shearer TR, David LL. Occurrence
of Prevotella nigrescens and Prevotella intermedia in infections
acesso à corrente sanguínea, a duração da bacteremia e of endodontic origin. J Endod, 1997; 23: 620-23.
fatores predisponentes do hospedeiro. Bacteremias são    5. Baker PJ, Dixon M, Evans RT, Roopenian DC. Heteroge-
usualmente transitórias, não durando mais que 10 a 30 neity of Porphyromonas gingivalis strains in the induction of
alveolar bone loss in mice. Oral Microbiol Immunol, 2000; 15:
minutos6,78,111,163,164. Além disso, a quantidade de células 27-32.
bacterianas lançadas na corrente sanguínea após uma    6. Baltch AL, Pressman HL, Schaffer C et al. Bacteremia in
intervenção odontológica atinge usualmente 1 a 10 uni- patients undergoing oral procedures. Study following pa-
renteral antimicrobial prophylaxis as recommended by the
dades formadoras de colônias (UFCs) por mL de san- American Heart Association, 1977. Arch Intern Med, 1988;
gue, enquanto a quantidade necessária para causar en- 148: 1.084-88.
docardite experimental em animais seria muito maior,    7. Barnett F, Stevens R, Tronstad L. Demonstration of Bacte-
roides intermedius in periapical tissue using indirect immu-
isto é, de 103 a 109 por mL de sangue152. nofluorescence microscopy. Endod Dent Traumatol, 1990; 6:
Dentistas foram e têm sido muitas vezes acusados 153-56.
de induzir infecções metastáticas devido à bacteremia    8. Bassler BL. How bacteria talk to each other: regulation of
gene expression by quorum sensing. Curr Opin Microbiol,
gerada por procedimentos odontológicos, mas eles 1999; 2: 582-87.
são raramente culpados. Todavia, na ausência de evi-    9. Baumgartner JC. Endodontic microbiology. In: Walton RE,
dências definitivas com relação aos efeitos da bactere- Torabinejad M, eds. Principles and practice of endodontics.
3a ed. Philadelphia: WB Saunders, 2002: 282-94.
mia em indivíduos medicamente comprometidos, um
10. Baumgartner JC, Falkler WA, Jr., Beckerman T. Experimen-
consenso empírico indica que a profilaxia antibiótica tally induced infection by oral anaerobic microorganisms in
deveria ser administrada em tais pacientes, mormente a mouse model. Oral Microbiol Immunol, 1992; 7: 253-56.
11. Baumgartner JC, Falkler WA, Jr., Bernie RS, Suzuki JB. Se-
naqueles com risco de desenvolver endocardite bacte-
rum IgG reactive with oral anaerobic microorganisms as-
riana. Além disso, pacientes imunossuprimidos, indi- sociated with infections of endodontic origin. Oral Microbiol
víduos sofrendo hemodiálise e pacientes com próteses Immunol, 1992; 7: 106-10.
ortopédicas podem ter algum benefício ao receber pro- 12. Baumgartner JC, Hutter JW, Siqueira JF, Jr. Endodontic
microbiology and treatment of infections. In: Cohen S, Har-
filaxia antibiótica, embora não existam evidências cla- greaves KM, eds. Pathways of the pulp. 9a ed. St. Louis: Mos-
ras a esse respeito. by/Elsevier, 2006: 580-607.
Excluindo esses raros exemplos nos quais há um 13. Baumgartner JC, Khemaleelakul SU, Xia T. Identification of
spirochetes (treponemes) in endodontic infections. J Endod,
risco não comprovado, mas potencial de ocorrer com- 2003; 29: 794-97.
plicações decorrentes de bacteremia, a infecção focal é 14. Baumgartner JC, Siqueira JF, Jr., Xia T, Rôças IN. Geo-
um fenômeno improvável em pacientes saudáveis. En- graphical differences in bacteria detected in endodontic
infections using polymerase chain reaction. J Endod, 2004;
tretanto, um fator importante que deve ser elucidado é 30: 141-44.
o quanto uma lesão perirradicular persistente (inflama- 15. Baumgartner JC, Watkins BJ, Bae KS, Xia T. Association of
ção em resposta à infecção) pode contribuir para o es- black-pigmented bacteria with endodontic infections. J En-
dod, 1999; 25: 413-15.
tado geral do paciente. Há uma crescente preocupação 16. Baumgartner JC, Watts CM, Xia T. Occurrence of Candida
no sentido de que uma inflamação de longa duração, albicans in infections of endodontic origin. J Endod, 2000; 26:
mesmo que localizada, possa afetar a saúde geral do 695-98.
17. Blome B, Braun A, Sobarzo V, Jepsen S. Molecular identifi-
paciente316. Enquanto esse fator não for elucidado de cation and quantification of bacteria from endodontic infec-
forma convincente, os dentistas devem resistir à ten- tions using real-time polymerase chain reaction. Oral Micro-
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Capítulo 5
Diagnóstico em
Endodontia

Parte 1
Diagnóstico e seleção de casos
Wantuil Rodrigues Araujo Filho • Marcelo Sendra Cabreira • Wanderson Miguel Maia Chiesa

A técnica de diagnóstico exige uma abordagem tados de medicina e psicologia e na própria vivência
sistemática do paciente, incluindo anamnese, exame clínica dos autores.
físico e exames complementares. A interpretação e o Classificamos o comportamento dos pacientes
cruzamento dos sinais e sintomas colhidos em casa em frente a uma condição odontológica em três grupos
uma das três etapas permitirão o fechamento do diag- principais: o paciente colaborador, o paciente refratá-
nóstico com a consequente elaboração do plano de tra- rio e o paciente simulador.
tamento. Diagnóstico é, portanto, conhecimento, lógica
e raciocínio. Paciente colaborador
A anamnese constitui-se no primeiro passo para o Nesse tipo de paciente podemos estabelecer o diag-
estabelecimento do diagnóstico. Por meio dela, ouve-se nóstico com mais facilidade. Ele responde de forma equi-
o paciente. Inicia-se pela queixa principal, seguida pela librada e confiante às perguntas formuladas, bem como
história da doença atual que se amplia para a história aos testes e manobras que veremos adiante. Ele demons-
médica pregressa, a qual pode modificar, adiar ou mes- tra estar psicologicamente compensado, mesmo às vezes
mo inviabilizar o atendimento em nível ambulatorial, acometido de uma dor importante. A sua atitude será
na dependência do estado médico do paciente. decisiva para a rapidez do diagnóstico e também para o
sucesso da terapêutica a ser instituída, porque ele se en-
trega às mãos do profissional, disposto a ser submetido
EXAME FÍSICO DO PACIENTE ao tratamento e a seguir as prescrições necessárias.

Na busca de uma otimização do atendimento ao


paciente, além de se objetivar uma visão mais huma-
Paciente refratário
nista e menos tecnicista, propomos uma classificação É aquele em que há grande dificuldade em se co-
calcada em conceitos semelhantes encontrados em tra- lherem as informações adequadas pela falta de colabo-

147
148 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

ração. Diversos fatores levam a esse tipo de comporta- podem denunciar a intensidade da dor e características
mento, desde os casos de uma leve inibição, passando psicológicas do paciente.
pelo grupo dos pacientes portadores de necessidades Assimetrias faciais que acometam os ângulos
especiais, com problemas sensitivos ou motores, exis- mandibulares e a região geniana costumam ser nota-
tindo, ainda, duas razões principais para que o pacien- das numa observação a distância.
te refratário se comporte como tal. Se a história clínica e os aspectos semiológicos da
A primeira razão está relacionada aos pacientes dor são compatíveis com polpa viva, a busca deve ser
portadores de fobia restrita a alguma situação alta- direcionada a cavidades de cárie, restaurações infil-
mente específica (locais fechados ou elevados, tro- tradas e restaurações recentes. O advento das técnicas
vões, escuridão etc.), podendo estar aí incluída a ida adesivas, em que ataques ácidos em cavidades profun-
ao consultório odontológico. Mesmo que a situação das são realizados rotineiramente, tem incrementado
desencadeante possa parecer inofensiva, o contato grandemente os casos de comprometimento pulpar.
com ela pode desencadear um estado de pânico no Restaurações complexas em resinas fotopolimerizáveis
paciente. Essa circunstância é descrita no Código In- tornam esses dentes potenciais candidatos ao trata-
ternacional de Doenças sob o CID no F40.2. – Fobias mento endodôntico.
específicas (isoladas). Se os aspectos semiológicos da dor apontam para
A segunda razão aparece em decorrência de pa- um dente despolpado, deve-se direcionar a busca por
cientes sob forte abalo psicológico. Em não raras oca- elementos endodonticamente tratados, coroas naturais
siões, o paciente se encontra refratário porque sua dor escurecidas, grandes restaurações metálicas ou coroas
pode tê-lo deixado uma ou várias noites em vigília, protéticas e, mais uma vez, por extensas restaurações
diminuindo a sua tolerância a qualquer estímulo. Por- em resina fotopolimerizável, frequentemente relacio-
tanto, ao quadro patológico que possa apresentar se nadas à necrose pulpar.
associa todo um complexo psicossomático, podendo Alterações de cor ou contorno dos tecidos moles
alterar as respostas aos testes rotineiros empregados na junto ao periápice dos dentes só serão observadas, no
Odontologia, fazendo com que o paciente se compor- abscesso perirradicular agudo a partir do seu estágio
te de forma diferente da maioria dos indivíduos com intermediário, quando o edema pode se estender até
aquele tipo de sensibilidade. Esse quadro se encontra mesmo aos dentes vizinhos.
enquadrado no CID no F68.0 – Sintomas físicos aumenta- Em sua forma mais exuberante, o abscesso pe-
dos por fatores psicológicos. rirradicular agudo produz edema que se dissemina
pelas fáscias e espaços intermusculares. O paciente
Paciente simulador apresenta manifestações sistêmicas do processo infec-
cioso como febre, anorexia, prostração e enfartamento
Em outras ocasiões, um curioso aspecto precisa ganglionar periférico. Pode haver, principalmente em
ser abordado neste capítulo: o da simulação de uma molares inferiores, limitação da abertura da boca, com
doença endodôntica. necessidade premente de internação e atendimento em
Parte desses pacientes é portadora de trans- nível hospitalar.
torno hipocondríaco (CID no F45.2), cabendo também A cronificação natural do processo infeccioso
nesse grupo os pacientes com produção deliberada ou pode ocorrer pela drenagem da secreção por tratos fis-
simulação de sintomas ou de incapacidades, físicas ou tulosos com formação de parúlides que se abrem nas
psicológicas (transtorno factício) (CID no F68.1). Esses proximidades do ápice do agente causal. O rastreamen-
pacientes frequentemente requerem cuidados espe- to radiográfico pelo contraste de cones de guta-percha
ciais multiprofissionais, envolvendo a Psicologia e a inseridos nessas fístulas pode ser de grande valia para
Psiquiatria. a identificação do elemento dentário comprometido.
Lamentavelmente, junta-se a esse grupo outro tipo
de paciente, o simulador consciente (CID no Z76.5). O pa-
ciente simulador pode muitas vezes estar simulando al-  RECURSOS SEMIOTÉCNICOS
guma doença que não possui ou poderá estar disposto EMPREGADOS NA ENDODONTIA
em esconder os sintomas, e fará o possível também para
ocultar os sinais de uma entidade patológica existente.
Inspeção bucal
O exame físico do paciente começa quando aden- É o exame visual da boca como um todo. Devem
tra o consultório. O relato, o gestual e a expressão facial ser observados a alteração de cor da coroa, o estado das
Diagnóstico em Endodontia 149

restaurações, a exposição pulpar e a presença ou au-


sência de cáries. Nesse momento, o endodontista não
deve se esquecer também de observar as demais estru-
turas bucais, sua cor e morfologia, buscando averiguar
a presença de tumefações ou edemas, existência de
fístulas e suas parúlides, demais aspectos dos tecidos
moles e, principalmente, realizar o exame da língua,
pois a ida ao dentista é uma das poucas oportunidades
em que o paciente pode ser submetido a um exame por
profissional qualificado em identificar doenças bucais
em fase precoce, tal como um carcinoma in situ. Todos
os dados devem ser registrados na ficha clínica do pa-
ciente, e o mesmo deve ser informado sobre quaisquer
Figura 5-1.1. Avaliação da mobilidade dentária pela utilização de
alterações. dois instrumentos metálicos. (Gentileza e permissão do Prof. Dr.
Lúcio de Souza Gonçalves.)
Palpação apical
Utilizando-se a ponta do dedo indicador, deve-se
apalpar a região apical do elemento examinado, verifi-
cando se há alguma resposta dolorosa ou, pelo tato, a
presença de alterações patológicas de sua forma.

Percussão horizontal e vertical


A percussão deve ser iniciada com delicadeza,
empregando-se preferentemente também o dedo indi-
cador. Se essa manobra resultar negativa, aí sim fica
indicado lançar mão do cabo do espelho, percutindo
a coroa do paciente, perpendicularmente à mesma
ou no sentido do seu eixo, sempre de forma delicada,
Figura 5-1.2. Avaliação da mobilidade dentária pela utilização de
evitando-se o sofrimento desnecessário do paciente. A
um instrumento metálico e um dedo. (Gentileza e permissão do
percussão vertical positiva tem sido associada à infla- Prof. Dr. Lúcio de Souza Gonçalves.)
mação de origem endodôntica, enquanto a dor relacio-
nada com a percussão horizontal diz respeito a altera-
ções periodontais. A presença de uma mobilidade patológica pode
ser causada por diversos fatores: perda de suporte ós-
seo do dente, sobrecarga dentária e trauma oclusal,
Mobilidade dentária
hipofunção do dente, extensão de um processo infla-
O método de avaliação da mobilidade dentária matório no tecido gengival ou na região perirradicular,
envolve um procedimento clínico simples por meio após cirurgia periodontal e nos processos patológicos
da utilização de dois instrumentos metálicos apoiados que resultam em destruição do osso alveolar ou das
com firmeza na superfície dentária (Fig. 5-1.1) ou utili- raízes dentárias. Além disso, tem sido verificado tam-
zando um instrumento metálico e um dedo (Fig. 5-1.2). bém um aumento da mobilidade dos dentes durante
Aplica-se uma força numa tentativa de movimentar o a gravidez, associado ao ciclo menstrual ou ao uso de
elemento dentário em todas as direções (a mobilidade anticoncepcionais.
patológica ocorre com mais frequência no sentido ves-
tibulolingual). Dessa maneira, gradua-se a mobilidade
Fistulografia (rastreamento radiográfico)
como se segue:
Quando o paciente apresenta uma fístula cuja
• Grau 1: ligeiramente maior que a normal; origem não pode ser determinada pelos demais exa-
• Grau 2: moderadamente maior que a normal; mes complementares, pode-se introduzir um cone de
• Grau 3: mobilidade grave vestibulolingual e guta-percha delicadamente através do trajeto fistuloso,
mesiodistal, combinada com deslocamento vertical. desde sua saída (parúlide) até o ponto em que encontre
150 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Exames complementares
São considerados exames complementares, po-
rém rotineiros na Odontologia: o exame radiográfi-
co, os exames hematológicos, as provas bioquímicas
do sangue e a biópsia. Nos dias atuais, o exame pela
tomografia computadorizada para a Odontologia
tem assumido especial importância, particularmente
a partir do advento de aparelhos com imagens mais
adequadas ao exame dos dentes e dos tecidos perirra-
diculares, com maior qualidade de imagem abrangen-
do mais especialidades odontológicas, assunto que
está especificamente tratado na Parte III deste mesmo
capítulo.

Exame radiográfico
Figura 5-1.3. Origem da fístula evidenciada pelo uso do cone de
guta-percha, conforme o texto. O exame radiográfico do paciente pode se inserir
em qualquer momento do processo de diagnóstico. É
de praxe a solicitação de radiografia periapical da boca
completa, complementada pelas radiografias interpro-
resistência. Uma radiografia será então realizada, e o
ximais e panorâmica para a execução do plano de trata-
dente responsável, identificado (Fig. 5-1.3).
mento. Nesse caso, o diagnóstico pode ser antecipado
pela presença de cáries extensas, grandes infiltrações
Exploração cirúrgica sob coroas protéticas e/ou pela presença de lesões pe-
A exploração cirúrgica é um último recurso para rirradiculares.
a elucidação de situações obscuras, lançando-se mão As incidências de maior interesse ao diagnóstico
de um exame invasivo, em que o paciente é informa- são a periapical, interproximal e panorâmica. São limi-
do de ser aquela uma tentativa de esclarecimento so- tadas pela bidimensionalidade de suas imagens e ape-
bre a entidade patológica que acomete o dente ou re- nas sugestivas das alterações nelas observadas.
gião (Fig. 5-1.4). A presença de fraturas verticais não A incidência periapical constitui-se em elemen-
visualizadas radiograficamente é um exemplo típico to imprescindível ao planejamento do tratamento en-
de casos em que a cirurgia exploratória pode ser in- dodôntico. Além de uma visão panorâmica do dente,
dicada. podem ser observados a largura, o comprimento e o
raio da curvatura radicular, elementos determinantes
no planejamento do tratamento endodôntico. Mostra
também alterações ósseas perirradiculares resultantes
do comprometimento da polpa dental.
A incidência interproximal mostra a coroa den-
tal e o segmento cervical da raiz. Podem ser nela mais
bem observadas a relação de proximidade entre a pol-
pa dental e as restaurações ou cavidades de cárie, bem
como a deposição irregular de dentina ou calcificações
que possam modificar a arquitetura da câmara pulpar.
O arco de curvatura do segmento cervical do canal ra-
dicular, que define o perfil de emergência do mesmo
na câmara pulpar, também pode ser observado na to-
mada radiográfica interproximal.
A radiografia panorâmica pode ser útil para uma
eventual avaliação das estruturas anexas, em casos de
Figura 5-1.4. Exploração cirúrgica: exame da região perirradicular lesões extensas ou para melhor observação da intimi-
do elemento 24, com auxílio de microespelho. dade entre acidentes anatômicos, como o seio maxilar e
Diagnóstico em Endodontia 151

o canal mandibular, com elementos endodonticamente Técnica do uso do gás refrigerante


comprometidos. • Isolamento do dente (relativo ou absoluto).
Há de chegar o tempo em que as imagens radio- • Aplicação do gás sobre cotonete ou mecha de al-
gráficas mostrem com exatidão e em tempo real os de- godão apreendida com pinça. O tempo de apli-
talhes anatômicos que determinam o planejamento do cação não deve exceder 5 segundos. Em caso de
tratamento endodôntico. necessidade de repetição, aguardar pelo menos 5
minutos.
 SENSIBILIDADE versus VITALIDADE
Testes Teste pelo calor
Nesse caso, o calor é transferido ao dente através
Na Endodontia, algumas manobras frequente-
de substância ou instrumento previamente aquecido.
mente utilizadas receberam há muitos anos a deno-
Com essa finalidade, tem sido relatado o emprego de
minação de testes de vitalidade pulpar, muito embora se
água morna, aquecimento da superfície dental com
saiba que a grande maioria desses testes apenas reflita
taça de borracha ou por meio de um bastão de guta-
a sensibilidade positiva ou negativa do paciente ao es-
percha aquecida em chama de lamparina, sendo esse
tímulo aplicado, sem que isso represente a real condi-
último o mais usado.
ção de higidez da polpa dentária. Contudo, esses testes
são de grande valia na prática clínica diária e de fácil
execução. Técnica da aplicação da guta-percha
Os testes mais frequentemente empregados • Isolamento do dente (relativo ou absoluto).
para diagnóstico das enfermidades pulpares são: a) • Aplicação de gel isolante na superfície do dente (va-
testes térmicos; b) teste da anestesia; c) teste de cavidade; selina), evitando que a guta-percha fique aderida ao
d) teste elétrico (pulp tester); e) teste de identificação de dente quando da sua retirada.
fraturas; f) transiluminação. À exceção desse último, • Aquecimento da guta-percha na chama.
todos os outros trabalham com a resposta dolorosa • Aplicação da guta-percha sobre a superfície do den-
do paciente, podendo levar a algum grau de descon- te enquanto esta ainda estiver brilhosa.
forto. Assim, o paciente deverá ser tranquilizado,
devendo-se explicar que mediante qualquer mani-
festação dolorosa o estímulo aplicado será removi-  TESTE DA ANESTESIA
do e as providências no sentido de minimizar sua O teste da anestesia deve ser empregado quando
dor serão imediatamente tomadas. Deve-se também o paciente refere uma dor difusa ou reflexa, não sa-
estabelecer um código de resposta ao estímulo apli- bendo dizer exatamente qual dente está sendo respon-
cado, podendo-se, por exemplo, pedir que o pacien- sável por ela. Assim, o teste consiste em se anestesiar
te erga sua mão esquerda assim que sinta qualquer o elemento dentário suspeito. Se a dor cessar após a
desconforto, solicitando também que a abaixe assim anestesia, sua hipótese diagnóstica está confirmada,
que a dor desapareça. identificando-se o elemento que gera a dor (dente al-
gógeno) e o elemento que somente está refletindo a dor
EMPREGO DOS TESTES TÉRMICOS (dente sinálgico).

Teste pelo frio


Ao realizar o teste pelo frio, o profissional pode
 TESTE DE CAVIDADE
utilizar o bastão de gelo ou a neve carbônica (gelo Por ser classicamente considerado um teste
seco). Contudo, o uso de spray de gás refrigerante ga- invasivo, deve ser utilizado como último recurso.
nhou ampla aceitação nos últimos anos. Os gases mais Consiste em estimular o dente suspeito de necrose
comuns utilizados são o butano, podendo-se usar os pulpar sem anestesiá-lo previamente, com auxílio
recipientes contendo fluido para recarregar isqueiros de uma broca de alta rotação. Contudo, é necessário
para sua obtenção, além do diclorodifluormetano ou lembrar que muitas vezes apenas o jato de ar da se-
tetrafluoretano, esse último considerado ecológico ringa tríplice ou a turbina de alta rotação é suficiente
pelo fabricante, por não agredir a camada de ozônio ao para garantir a resposta positiva do paciente, antes
redor da Terra. mesmo que uma cavidade seja aberta. A persistir a
152 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

resposta negativa, a remoção de restaurações antigas Técnica de aplicação do pulp tester


porventura existentes deve ser procedida e somen- • Isolamento do elemento a ser testado, podendo ser
te depois disso deve-se avançar com a cirurgia de relativo ou absoluto. É importante que os dentes
acesso até que a trepanação seja obtida. Apenas em vizinhos não estejam em contato com o dente tes-
uma minoria de casos o paciente com necrose pulpar tado e, para isso, o lençol de borracha é um valioso
ainda referirá desconforto de origem pulpar, o que é auxiliar.
atribuído às células nervosas do tipo C (amielínicas)
• A fim de aumentar a condutividade elétrica, a ponta
remanescentes23.
do eletrodo deve ser ligeiramente untada com al-
gum creme de concentração salina, tais como pasta
 TESTE ELÉTRICO dental, gel de anestesia tópica ou flúor.
• Encostar o eletrodo distante da gengiva e de restau-
O teste elétrico consiste na aplicação de uma cor-
rações metálicas, o que poderia gerar um falso resul-
rente de baixa voltagem e intensidade crescente, utili-
tado positivo. A ponta do eletrodo pode ser encosta-
zando-se um aparelho específico para esse fim, deno-
da por vestibular, no 1/3 médio da coroa do dente.
minado pulp tester. Seu objetivo é estimular as fibras
Nos dentes anteriores a aplicação do eletrodo sobre
sensoriais pulpares, obtendo respostas positivas ou
a superfície incisal tem sido apontada como sendo
negativas. As respostas positivas serão consideradas
de grande eficácia23.
normais dentro de uma escala fornecida pelo fabrican-
• Uma das mãos ou pelo menos um dedo do paciente
te, mas também se deve procurar obter um padrão do
deve estar em contato com a peça de mão do pulp
próprio paciente, como já enfatizado. Em caso de anor-
tester, melhorando a qualidade do estímulo elétrico
malidade das condições da polpa, as respostas colhi-
transmitido. Dessa forma, o paciente poderá retirar
das poderão acontecer com estímulos elétricos abaixo
a mão ou dedo assim que sentir algum estímulo.
do esperado (polpa hiperativa) ou acima deste (polpa
hipoativa), podendo-se ainda colher resposta negativa,
denotando necrose pulpar. Alguns autores questionam Têm sido consideradas como principais razões
o emprego desse teste, pela ocorrência de falsos resul- para falsos resultados positivos:
tados positivos ou negativos, como veremos a seguir, e
também pelo fato do seu uso implicar mais um investi- • Eletrodo em contato com restaurações metálicas ou
mento no consultório com equipamento específico para gengiva.
esse fim. Ainda assim, é um teste válido a permanecer • Ansiedade excessiva do paciente.
incluído como ferramenta do endodontista. No Brasil, • Falta de colaboração ou de orientação adequada
como exemplo, temos o aparelho Pulp Tester Digital do paciente. Lembre-se de que o paciente deve ser
VCR-200 da Odous de Deus®, que tem bom desempenho esclarecido, mas não assustado com frases do tipo
clínico (Fig. 5-1.5). “Quando sentir um choque, me avise”.
• Necrose por liquefação – transmissão do impulso
elétrico pela solução salina existente no interior do
dente.
• Existência de fibras do tipo C remanescentes.
• Isolamento inadequado do dente.

Em contrapartida, são consideradas razões para


falsos resultados negativos:

• Pacientes sob forte medicação analgésica ou opioi-


de, tranquilizantes ou alcoolizados.
• Aplicação do eletrodo em áreas de esmalte sem su-
porte em dentina com consequente interrupção do
estímulo até a polpa.
• Traumas dentais recentes. Em caso de dentes trau-
Figura 5-1.5. Aparelho Pulp Tester Digital VCR-200 da Odous de matizados, os elementos devem ser reavaliados cer-
Deus®, conforme o texto. (Cortesia do fabricante.) ca de 7 dias após o trauma, checando-se novamente
Diagnóstico em Endodontia 153

se as respostas aos testes permanecem negativas, já


que as respostas precoces podem sofrer alterações.
• Dentes com rizogênese incompleta.
• Calcificação da polpa dental coronária.
• Necrose pulpar parcial.

É oportuno lembrar que esse e outros aparelhos


que podem disparar corrente elétrica estão contraindi-
cados em pacientes que fazem uso de marca-passo.

 TESTE PARA IDENTIFICAÇãO DE


FRATURAS
Em casos de dentes portadores de fraturas de co-
roa ou raiz, muitas vezes se tornam bastante difíceis Figura 5-1.6. Fratura evidenciada pela técnica do azul de metileno.
sua identificação clínica e radiográfica, bem como a re- Fotografia sob microscopia operatória com aumento 25 x.
produção no consultório dos sintomas dolorosos que
o paciente alega ter sentido em outras ocasiões. Algu-
mas vezes, o paciente pode relatar a procura a outros • Aplicação da solução aquosa de azul de metileno (1
profissionais sem sucesso no diagnóstico, bem como a 2%) sobre a área suspeita.
episódios alternados de dor espontânea ou muito in- • Remoção do excesso de azul de metileno com gel de
tensa à mastigação, caracterizando a chamada síndrome ácido ortofosfórico a 37% por 30 segundos.
do dente fraturado, seguida de períodos com misteriosa • Nova irrigação e secagem.
remissão dos sintomas. Para esses casos, têm sido pro- • Inspeção da fratura (Fig. 5-1.6).
postas as seguintes técnicas:
Microscopia clínica
Técnica da mordida sobre superfície maleável Com a finalidade de melhorar a possibilidade de
Consiste em pedir que o paciente morda com o se identificarem fraturas, o emprego da microscopia
elemento suspeito de fratura sobre alguma superfície clínica, também conhecida como microscopia cirúrgica
dotada de flexibilidade, tal como um dispositivo em- ou microscopia operatória, tem sido demonstrado como
borrachado, palito de madeira ou mesmo o sugador de valoroso auxiliar (Fig. 5-1.7). O uso da técnica do azul de
plástico, buscando-se reproduzir a exata posição em
que a trinca existente possa ser estimulada a se abrir,
deflagrando a dor de origem pulpar ou periodontal de-
corrente da mesma.

Técnica de identificação de fraturas com uso de


solução aquosa de azul de metileno (1 a 2%)
Deve-se impregnar a região suspeita da localiza-
ção da fratura com solução aquosa de azul de metileno
de 1 a 2%, removendo seu excesso com ácido fosfórico
gel utilizado para restauração fotopolimerizável, con-
forme se segue:

• Remoção de cáries ou restaurações antigas.


• Acesso o mais franco e direto possível à área sus-
peita da fratura. No caso de suspeita de fratura de
soalho ou radicular, realizar a cirurgia de acesso à
cavidade pulpar no dente em questão.
• Irrigação da cavidade pulpar com NaOCl a 2,5%, se-
cagem com mechas de algodão e/ou cones de papel. Figura 5-1.7. Exame realizado com auxílio do microscópio clínico.
154 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

metileno combinada com a ampliação microscópica da


região otimiza a sua evidenciação. Também para outras
finalidades no diagnóstico, tais como localização de ca-
nais, evidenciação de perfurações e identificação de cor-
pos estranhos nos canais, dentre outros, a microscopia
clínica tem sido largamente empregada. Além disso, o
microscópio clínico aparece definitivamente incorpora-
do ao consultório odontológico, uma vez que também
traz vantagens de uso em quase todas as fases do trata-
mento dentário, sobretudo na prática da endodontia.
Tanto isso é fato que existe uma recomendação
da American Dental Association5, expedida em julho de
2007, por sua Comissão de Credenciamento Odonto-
lógico, com o intuito de assegurar que os estudantes
em Programas de Endodontia nos Estados Unidos da
América sejam treinados no uso de instrumentos que Figura 5-1.8. Transiluminação, conforme o texto.
forneçam a ampliação e a iluminação do campo opera-
tório. Segundo aquele parecer, em adição ao microscó-
pio operatório, esses instrumentos podem incluir, mas mados recursos fisiométricos, já largamente emprega-
não ser limitados ao endoscópio, orascópio ou outro dos na Medicina, sendo que a fluxometria a laser busca
que traga magnificação. avaliar a microcirculação sanguínea de um determina-
do tecido e a oximetria de pulso monitora a taxa de
pulso e o grau de oxigenação sanguínea2.
 TRANSILUMINAÇÃO
Consiste em aplicar um feixe luminoso intenso,
de lingual para vestibular, a fim de que possam ser  FLUXOMETRIA LASER DOPPLER
diagnosticadas, por translucidez do esmalte e da den- Criada na década de 1980, é uma técnica não in-
tina, algumas alterações presentes, tais como: fraturas, vasiva de alta tecnologia usada para medir diretamen-
perfurações, cáries interproximais, reabsorções coroná- te o fluxo sanguíneo no interior dos vasos, capilares,
rias e escurecimento da área correspondente à câmara vênulas e arteríolas da polpa coronária, funcionando
pulpar nas necroses pulpares. pelo processamento do chamado Efeito Doppler, que
Há alguns anos, alguns equipamentos odonto- consiste na variação do comprimento de onda sofrida
lógicos ou fotopolimerizadores traziam o dispositivo por um corpo ao se deslocar. Quanto mais próximo à
transiluminador acoplado. Nos dias atuais, a luz ha- fonte, maior sua frequência e menor o comprimento
lógena de fotopolimerização tem sido empregada para de onda. Assim, quando o feixe laser Hélio-Neônio é
esse fim. Faz-se necessário que o ambiente do consultó- aplicado em direção à coroa dental, ele bombardeia o
rio permita uma adequada penumbra (Fig. 5-1.8). tecido pulpar, sendo uma parte absorvida e outra par-
Além dos testes já descritos, hoje considerados ro- te refletida, sendo que o feixe refletido se divide em
tineiros e de mais fácil emprego, apresentaremos uma dois componentes, um refletido dos tecidos estáticos
possibilidade diagnóstica de uso um pouco mais recen- que possuem o mesmo comprimento de onda do feixe
te na Odontologia, o uso da fluxometria laser Doppler e emitido e o segundo componente que é o laser refletido
do oxímetro de pulso. pelas células sanguíneas em movimento, que produ-
zem um comprimento de onda diferente. Um fotode-
tector capta esses tipos de laser, transformando-os em
 MÉTODOS FISIOMÉTRICOS DE
um sinal elétrico que é transmitido e processado por
DIAGNÓSTICO
um programa de computador específico, produzindo
Conforme já explicado, os testes de sensibilidade um valor de fluxo sanguíneo em unidades arbitrárias2.
não são capazes de determinar o real grau de envol- A fluxometria laser Doppler tem sido considera-
vimento pulpar, sobretudo em condições específicas, da como método viável de diagnóstico na Endodontia,
como no caso de dentes traumatizados. Diante disso, detectando corretamente as situações de vitalidade ou
tem sido recentemente proposta a aplicação dos cha- sua ausência37 (Figs. 5-1.9 e 5-1.10).
Diagnóstico em Endodontia 155

Figura 5-1.9. Aparelho de Fluxometria Laser Doppler moorVMS-


LDF. (Gentileza e permissão da Moor Instruments Ltd, Axminster,
Devon, Inglaterra.) Figura 5-1.11. Aparelho oxímetro de pulso, marca Oxigraph, com
sensores em Y. Branco – emissor, preto – receptor. (Gentileza e per-
missão do Prof. Dr. Celso Luiz Caldeira.)

Figura 5-1.10. Aplicação da Fluxometria Laser Doppler. (Gentileza e


permissão do Prof. Dr. Celso Luiz Caldeira.)

Figura 5-1.12. Sensores em posição para teste de vitalidade pulpar


por meio da oximetria de pulso. (Gentileza e permissão do Prof. Dr.
Celso Luiz Caldeira.)
 OXIMETRIA DE PULSO
É uma técnica igualmente não invasiva e capaz de
determinar o nível de saturação do oxigênio e a taxa de
pulso dos tecidos. O princípio consiste em dois diodos  CLASSIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS
emissores de luz, um vermelho e outro infravermelho, PULPARES E PERIRRADICULARES
que são ligados e desligados em ciclos (500 vezes por
segundo). As emissões dessa fonte de luz são captadas
Classificação histopatológica
por um fotodiodo receptor e convertidas por circuitos Houve um tempo em que se tentou classificar a
eletrônicos em saturação arterial de oxigênio e taxas de doença pulpar por meio da correlação entre os achados
pulso (Figs. 5-1.11 e 5-1.12). clínicos e histológicos. A doença pulpar evolui por sí-
156 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

tios de comprometimento e, não raramente, o mesmo de intensidade compatível com a excitação provocada,
dente apresenta sintomatologia compatível com os vá- com declínio imediato à remoção desse estímulo. As
rios estágios do desenvolvimento da doença. Os cortes manobras de palpação apical e percussão resultam em
histológicos do tecido pulpar inflamado apresentam resposta negativa.
um padrão celular diversificado de acordo com o sítio Embora o exame radiográfico periapical em den-
de inflamação observado, o que inviabiliza essa tenta- tes portadores de polpa sadia apresente integridade
tiva de classificação. da lâmina dura e espaço periodontal de espessura
As classificações histológicas podem assumir al- semelhante ao longo de toda a região perirradicular,
gumas vezes aspectos rotulatórios e até cabalísticos, esse achado radiológico isolado tem sido atualmente
uma vez que a realidade tecidual, vista ao microscópio bastante questionado como parâmetro de integrida-
óptico, pode apresentar áreas simultaneamente distin- de da polpa, a partir dos exames imaginológicos por
tas, cabendo ao histopatologista decidir qual a predo- tomografia computadorizada (TC) para a Odontolo-
minância de um quadro sobre outro4. gia, já que a TC tem sido capaz de detectar alterações
As principais alterações pulpares detectadas his- perirradiculares muito antes que o exame periapical
topatologicamente são hiperemia pulpar, pulpite agu- possa fazê-lo.
da serosa, pulpite aguda purulenta, pulpite crônica O paciente em um dente com polpa normal não
ulcerativa e pulpite crônica hiperplásica. As alterações refere a utilização de medicação analgésica.
perirradiculares inflamatórias incluem os cistos, gra-
nulomas e abscessos. Pulpite reversível
Os dentes acometidos de pulpite reversível apre-
Classificação clínica sentam uma sintomatologia provocada de resposta
A grande maioria dos autores da Endodontia um pouco mais intensa que na polpa normal. Pode
tem refutado o emprego na prática clínica das mes- ser evidenciada uma dor brusca com aplicação do frio
mas denominações utilizadas pelos patologistas, já e/ou quente, porém ela tenderá a desaparecer poucos
que não é usual a coleta de material da polpa para segundos após a sua remoção. Assim, a dor nesses ca-
análise sob a luz de microscopia óptica em lâminas sos é ainda provocada, cessando com a remoção do es-
coradas, única maneira de se obter um diagnóstico tímulo. Porém, em cavidades cariosas, é comum o pa-
histopatológico preciso. ciente referir dor persistente após a ingestão de doces
Embora exista uma enormidade de classificações e alimentos gelados, muitas vezes porque esses fatores
empregadas para designar as alterações inflamatórias de agressão ficam retidos nas lesões de cárie. Quando
da polpa dental, o consenso na atualidade aponta para removidos pela escovação dental ou bochecho, costu-
a adoção de uma classificação diagnóstica clínica básica mam referir o alívio imediato. A radiografia é em tudo
e simples das doenças pulpares e perirradiculares, sem semelhante à de um elemento dental hígido. Frequen-
a pretensão de agrupar todas as prováveis variações pa- temente o paciente informa não ter sentido necessida-
tológicas, o que a tornaria complexa, uma vez que não de de buscar medicação analgésica para o desconforto
é possível estabelecer uma correlação direta entre acha- experimentado. Um tratamento de rotina dentro dos
dos cínicos e histopatológicos. Desse modo, interessa ao princípios que regem a abordagem em dentística, com
clínico saber se deve ou não conservar a polpa. remoção de tecido cariado e restauração apropriada,
Clinicamente, o estado pulpar e perirradicular leva à completa remissão dos sintomas evidenciados.
pode ser classificado em: A hipersensibilidade frequente que ocorre nos casos
de pulpite reversível já foi erroneamente associada ao
• Polpa normal ou sadia quadro histológico de hiperemia pulpar30.
• Pulpite reversível
• Pulpite irreversível (sintomática ou assintomática) Pulpite irreversível sintomática
• Necrose pulpar
Nos pacientes portadores desse tipo de pulpi-
• Lesões perirradiculares
te, a dor aparece espontaneamente, embora seja for-
temente exacerbada com aplicação do frio e/ou do
Polpa normal ou sadia calor. Essa pode ser intermitente ou contínua, levan-
A polpa dental em sua normalidade fisiológica do muitas vezes a grande sofrimento físico e psico-
costuma reagir aos estímulos com resposta dolorosa lógico. Com bastante frequência, o paciente observa
Diagnóstico em Endodontia 157

que a sua dor aumenta nos momentos de repouso crônicos de defesa na região perirradicular, podendo
em decúbito. Em algumas situações, o paciente pode resultar em inflamações perirradiculares (periodontite
referir aumento da dor com aplicação de frio e seu apical aguda ou crônica), na formação de cistos e gra-
alívio quando entra em contato com uma substância nulomas apicais e, eventualmente, no surgimento de
quente. Noutras vezes, é exatamente o contrário que coleções purulentas (abscessos).
ocorre (alívio com frio e dor com o quente), o que já Clinicamente é possível diagnosticar a necrose
foi atribuído à fase de pulpite irreversível ser inicial pulpar, os quadros de periodontite apical e de absces-
ou tardia, mas o que de concreto se sabe é que ambas sos agudos ou crônicos, mas o diagnóstico diferencial
caracterizam a necessidade de uma intervenção com entre cistos e granulomas apicais só acontecerá me-
remoção da polpa envolvida, total ou parcialmente diante análise histopatológica.
(pulpectomia ou pulpotomia). De qualquer forma, a Na presença de um quadro de necrose pulpar, a
dor experimentada nesse quadro é importante, po- odontalgia está absolutamente ausente na esmagadora
dendo ser paroxística, ou seja, uma dor excrucian- maioria dos casos. No entanto a dor de origem odon-
te considerada a de maior intensidade no curso da togênica poderá ainda ser referida, sendo proveniente
inflamação pulpar. A resposta à palpação apical e dos tecidos perirradiculares inflamados. Assim, a res-
percussão vertical pode ser negativa ou positiva e o posta aos estímulos térmicos e elétricos será negativa,
aspecto radiográfico pode se apresentar normal ou e a radiografia variará desde situações em que ainda
com ligeiro espessamento do espaço periodontal. O
existirão os padrões de normalidade, passando pelos
uso de analgésicos/anti-inflamatórios costuma não
quadros de espessamento do espaço periodontal, po-
surtir o efeito desejado na remissão dos sintomas do-
dendo ser identificadas as chamadas lesões perirradi-
lorosos.
culares.

Pulpite irreversível assintomática


 lesões perirradiculares
Os dentes portadores de pulpite irreversível assin-
tomática são frequentemente observados em pacientes As lesões perirradiculares são processos inflama-
jovens, cuja agressão pela cárie leva à sua exposição. tórios reversíveis que podem ocorrer em dentes por-
Um exemplo bastante elucidativo e rotineiro de pulpite tadores de polpa viva hígida, inflamada ou necrótica,
irreversível assintomática é o dos quadros clínicos do tendo várias e distintas causas.
surgimento do pólipo pulpar, que guarda relação clíni-
ca direta com o quadro histológico da pulpite crônica Lesão perirradicular em dentes portadores
hiperplásica. Embora essas duas entidades patológicas de polpa viva
estejam fortemente correlacionadas, faz-se necessário
enfatizar ser mais adequado ao cirurgião-dentista em- Agressões ao periodonto apical podem ser leva-
pregar a expressão pólipo pulpar em seu diagnóstico das a efeito sem alteração detectável na polpa den-
clínico, uma vez que a hiperplasia é uma manifestação tária. Restaurações com sobrecontornos oclusais,
somente observável nos achados sob a luz de micros- maloclusões e forças ortodônticas excessivas podem
copia. Assim também, cabe esclarecer que não se pode desencadear o seu aparecimento. A remoção dos fa-
observar clinicamente o quadro de pulpite crônica ul- tores desencadeadores nesses casos levará à remissão
cerativa, por se tratar igualmente de uma classificação do quadro, na maioria das vezes sem necessidade de
histológica, somente detectável à luz do microscópio, e intervenção endodôntica.
nunca clinicamente.
Lesões perirradiculares em dentes
Necrose pulpar despolpados
Sabe-se que a morte do tecido pulpar está forte- Agudas
mente associada à presença de micro-organismos, mes- A sobreinstrumentação de canais além da região
mo nos casos em que a causa da necrose teve origem foraminal, a extrusão de debris, os restos necróticos e as
em fatores não microbianos, conforme discutido no bactérias, além da injeção acidental, via forame, de subs-
Capítulo 4. tâncias químicas irritantes, podem levar ao aparecimen-
Em resposta à agressão e morte da polpa den- to do quadro de periodontite apical aguda. A dor nesses
tária, o organismo desencadeia processos agudos ou casos tem sido referida como sendo latejante e martelan-
158 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

te. Um sinal determinante desse quadro é a sensação de


dente crescido referida pelo paciente. De fato, o ligamento
periodontal inflamado leva a uma discreta extrusão do
elemento, produzindo tal desconforto, onde o paciente
mal consegue tocar o dente com seu antagônico. Ingle &
Taintor30 afirmavam que, muitas vezes, o paciente pode
implorar para ter seu dente extraído, mas, mesmo que
a exodontia seja realizada, a dor poderá continuar por
dias, já que o problema não é mais o dente e sim a in-
flamação perirradicular existente. A resposta aos testes
pelo frio, quente e elétrico é negativa, a dor à percus-
são vertical e palpação apical resulta em um dente mui-
to sensível. A radiografia pode apresentar um discreto A
espessamento do espaço periodontal e a tentativa de
aliviar o problema doloroso com medicação sistêmica
pode não surtir efeito.

Crônicas
Nas lesões perirradiculares crônicas a dor pode
estar completamente ausente ou ser discreta, sempre
proveniente dos tecidos perirradiculares. Os testes frio/
quente/elétrico têm resposta negativa, e a resposta à
palpação e à percussão resulta em dentes pouco sensí-
veis. A imagem radiográfica apresenta espessamento do
espaço periodontal.

Abscessos perirradiculares
B
Abscessos são cavidades circundadas por paredes
de tecido fibrótico ou de granulação, contendo pus em Figura 5-1.13A. A radiografia foi determinante para o diagnóstico,
seu interior. Podem ocorrer na região apical, como con- mostrando o aspecto de radiolucidez perirradicular difusa, associa-
da ao ápice do elemento 24. B. A cirurgia de acesso resultou em
sequência da morte das células de defesa no combate à
drenagem via canal do processo purulento
infecção perirradicular preexistente, recebendo o nome
de abscessos perirradicularess, também conhecidos como
abscessos periapicais, apicais ou ainda como abscessos den-
toalveolares.

Agudos
Os abscessos perirradiculares agudos, embo-
ra costumem ser bastante sensíveis às manobras de
percussão e palpação, estão sempre associados à pre-
sença de polpa necrótica, onde o dente não responde
mais aos testes térmicos ou elétrico. O aspecto radio-
gráfico depende do tempo de evolução do caso, apre-
sentando desde um aumento do espaço periodontal,
passando pela perda de continuidade da lâmina dura,
até à presença de radiolucidez perirradicular difusa
associada ao ápice dentário (Fig. 5-1.13). Tumefação Figura 5-1.14. Paciente com edema apical na região dos dentes 24
de tecidos moles também é visível em casos mais evo- e 25. A restauração antiga e infiltrada de amálgama poderia sugerir
luídos (Fig. 5-1.14). o envolvimento do 25 no processo.
Diagnóstico em Endodontia 159

Crônicos  TEMPO DE EVOLUÇÃO


Caracterizam-se por processos inflamatórios onde A dor da polpa viva pode evoluir ao longo de se-
a formação de pus se dá lentamente, sem desconforto manas ou mesmo meses, com episódios que vão desde
importante para o paciente. Pode estar acompanhada a resposta fugaz às bruscas mudanças de temperatu-
de fístula, sinal patognomônico dessa doença. ra, à dor contínua, espontânea e intensa. A tendência
dos episódios de dor provocada, quando a doença é
deixada ao próprio curso, é progredir para surtos que
 ASPECTOS CLÍNICOS RELEVANTES se prolongam após a remoção do estímulo e se tornam
menos espaçados, com clara redução no limiar da dor.
A queixa principal refere-se ao motivo da procura
A dor que se repete ao longo de semanas ou meses
pelos nossos serviços e, por uma questão legal, deve
e se manifesta de maneira constante, denotando um
ser anotada com as próprias palavras do paciente. Ex.:
caráter estático, tem origem diversa e não se origina
“Estou sentindo dor quando mastigo deste lado.”
em polpa viva.
Sendo a dor o principal sintoma associado à do-
A dor do dente despolpado pode se apresentar
ença pulpar e perirradicular, a história da doença atual
por longos períodos em um quadro relatado como “do-
confunde-se com a própria análise das características
lorido”, quase sempre referido pelo paciente como dor
semiológicas da dor, a saber: tempo de evolução, fre-
ao toque ou à mastigação. Pode haver relato de exacer-
quência, duração, intensidade, localização, fatores que
bação com remissão espontânea da sensibilidade dolo-
exacerbam e fatores que amenizam. O histórico de in-
rosa, em resposta ao equilíbrio da equação:
tervenções passadas pode também ser determinante
para o esclarecimento da origem da dor.
no de micro-organismos × virulência
A doença pulpar inflamatória, normalmente, é
assintomática. Seu diagnóstico na maioria das vezes é Capacidade de resposta do hospedeiro
realizado por achados em exames de rotina. Cavidades
de cárie interproximais, cáries sob restaurações e lesões O desequilíbrio definitivo em favor da micro-
ósseas no periápice dental passam com frequência des- biota determinará periapicopatia aguda. A dor então
percebidas ao paciente. será de curso rápido, passando de dolorimento à dor
Atualmente se divide a inflamação da polpa den- espontânea em questão de horas. A resposta à per-
tal em reversível ou irreversível, de acordo com o com- gunta Há quanto tempo a dor está presente? pode, por-
portamento clínico da doença. As manifestações do- tanto, direcionar a atenção para um dente vital ou
lorosas nas pulpites sintomáticas evoluem em relação despolpado.
direta com a intensidade do agente agressor, desde um
quadro de hipersensibilidade por exposição dentinária
até a dor espontânea, ponto de referência para a irre-  FREQUÊNCIA
versibilidade da doença pulpar e marco indicativo da
terapia endodôntica radical. A dor intermitente é característica de dentes pos-
Pode-se pensar nos dentes jovens, na manutenção suidores de polpa viva. A alternância entre dor e acal-
da polpa vital, naqueles casos onde a dor espontânea mia coincide com o comprometimento progressivo da
e de leve intensidade ocorra em episódios espaçados polpa dental, até que a extensão do processo determine
e que respondam prontamente ao uso de analgésicos dor intensa e contínua.
comuns. Nos pacientes adultos, essa tentativa tende ao A dor da periapicopatia aguda, causada por
fracasso. trauma de manipulação endodôntica e/ou pela capa-
Existe um padrão de manifestação que diferencia cidade de agressão microbiana, manifesta-se de forma
a dor que tem origem em dente vital daquela oriunda contínua.
do dente despolpado. O entendimento dessas mani-
festações dolorosas básicas permite que o profissional
desconfie de sintomatologia incomum, que leve ao
 DURAÇÃO
diagnóstico diferencial com afecções de origem diversa Nos dentes vitais, a dor pode se estender duran-
que possam acometer os dentes e/ou ossos maxilares. te alguns segundos após a remoção do estímulo até
Passemos então a avaliar as características semio- longos períodos de dor que mereçam o uso de anal-
lógicas da dor. gésicos.
160 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Nas periapicopatias, a dor irá permanecer por al- ramente, pela presença de dentina exposta ou restau-
gumas horas, quando a origem é o trauma da manipu- rações defeituosas, se tornam sensíveis ao consumo de
lação endodôntica ou, até que o processo se cronifique, alimentos doces ou ácidos. A posição de decúbito pode
quando a origem for infecciosa. Esse critério de avalia- determinar o início ou a exacerbação da sensibilidade
ção deve até nortear a conduta clínica em casos de dor dolorosa.
pós-operatória. A dor espontânea que se estende após Dentes despolpados apresentam desconforto pela
a segunda dose de um analgésico comum quase sem- mastigação, pelo toque e compressão, quando termina-
pre é de origem infecciosa. ções nervosas contidas no ligamento periodontal ede-
maciado são estimuladas.

 INTENSIDADE
O limiar da dor é muito semelhante para indiví-
 FATORES QUE AMENIZAM
duos da mesma espécie. O padrão de manifestação da As mesmas variações térmicas responsáveis pela
dor é que varia em função de questões culturais. A in- exacerbação da dor em polpa viva podem amenizá-la.
tensidade da dor relatada pelo paciente deve, portanto, A figura do paciente portando uma garrafa térmica
ser analisada com prudência. Um indicador palpável na sala de espera do endodontista é consagrada na li-
de referência seria a necessidade e a frequência da in- teratura.
gestão de analgésicos. Assim, dores leves não merece- Dentes despolpados nos estágios iniciais do com-
riam o uso de analgésicos e dores intensas não cede- prometimento perirradicular poderão ter o desconfor-
riam ao uso de analgésicos comuns. to amenizado pelo ajuste oclusal ou retirada de função.
Dores intensas em polpa viva ou em dentes des- Na periapicopatia aguda de natureza infecciosa, essas
polpados são agentes facilitadores do diagnóstico, por- medidas serão paliativas e somente o uso de analgési-
quanto são de fácil localização. cos potentes ou a cronificação do processo será capaz
de mitigar a dor.

 LOCALIZAÇÃO
A dor da polpa viva inflamada, especialmente nos
 CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES
estágios iniciais do processo inflamatório, apresenta-se O diagnóstico pode ser complicado quando nos
difusa. É um clássico do diagnóstico em endodontia o deparamos com um padrão pouco usual da dor, quan-
paciente imputar a um dente endodonticamente trata- do a sintomatologia incide de forma espaçada ou quan-
do a responsabilidade por sensibilidade térmica acom- do as informações prestadas são conflituosas.
panhada de dor que se irradia para estruturas ana- Por vezes, faz-se necessária a prescrição de me-
tômicas anexas. Esse fato se explica por ser a dor um dicação analgésica, com o adiamento da abertura do
fenômeno aprendido. O cérebro registra o desconforto dente suspeito. Essa conduta expectante propicia o
e a agressão sofridos durante o tratamento endodônti- surgimento de sintomas mais claros, característicos das
co, e qualquer desconforto futuro que acometa aque- etapas evoluídas da doença pulpar.
la região será inconscientemente imputado ao dente O clínico se defronta eventualmente com quadros
tratado. Ora, a sensibilidade térmica, especialmente dramáticos de dor. Reiteramos aqui a idéia de que o
pelo frio, só se justifica pela presença da polpa viva, profissional não se deixe envolver pelo desespero do
o que descarta a participação de um dente despolpa- paciente. O erro mais comum cometido nessas cir-
do. Ademais, o processo inflamatório ao se estender ao cunstâncias é o bloqueio anestésico da área suspeita.
periápice acomete fibras proprioceptivas do ligamento Os dentes anestesiados não mais serão responsivos aos
periodontal, tornando a dor localizada. exames complementares, ficando o diagnóstico invia-
Dor irradiada é, portanto, característica de polpa bilizado. Assim, o risco de se abrir o dente errado é
viva. Dente despolpado, se dói, o faz obrigatoriamente grande. A anestesia só deve ser aplicada após o fecha-
ao toque. mento do diagnóstico ou, como veremos adiante, como
último recurso do próprio diagnóstico.
A indicação equivocada de tratamento endo-
 FATORES QUE EXACERBAM dôntico realizada pelo clínico geral pode se justificar
Dentes vitais têm o desconforto exacerbado por pela pouca vivência e fundamentação semiológica de
agentes térmicos e, em especial, pelo frio. Mas não ra- alguns profissionais. A abertura equivocada de um
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares*

Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade

Normal ou sadia Ausente Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Normal Róseo Nenhuma
Quantidade X
de corrente

Pulpite reversível Dor provocada Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Normal Róseo Eliminação da causa;
e aguda; curta Corrente proteção pulpar
duração; menor que X direta ou indireta.
desaparece com Acompanhamento
a remoção do clínico e radiográfico
estímulo

Pulpite irreversível Dor espontânea; Positivo Resposta rápida intensa Positivo Negativo aos três Normal ou com Róseo Tratamento
sintomática aguda, latejante, Corrente com aplicação do frio, testes ou positivo espessamento endodôntico ou,
persistindo após menor que X experimentando alívio à percussão e/ou à do espaço quando indicada,
remoção da causa. pela aplicação do palpação periodontal pulpotomia.
Exacerbada por quente Acompanhamento
mudanças bruscas clínico e radiográfico
de temperatura e ou
em decúbito
o contrário: alívio com
o frio, tendo resposta
rápida intensa com
aplicação do quente

Pulpite irreversível Assintomático Positivo Discreta sensibilidade Positivo Negativo Normal ou com Róseo Tratamento
assintomática ou com dor Corrente ou espessamento endodôntico ou,
moderada, maior que X negativo do espaço quando indicada,
ligeira e surda por periodontal. pulpotomia.
compressão da Nos pólipos Acompanhamento
polpa exposta pulpares há uma clínico e radiográfico
comunicação
ampla da
Diagnóstico em Endodontia

câmara com a
cavidade oral
161

(continua)
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação) 162

Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade

Necrose pulpar e Negativo aos três Normal, com Área escura Tratamento
periodontite apical Assintomático Negativo Negativo Negativo Negativo testes ou positivo espessamento endodôntico.
crônica à percussão e/ou à do espaço Acompanhamento
palpação periodontal clínico e radiográfico
ou, ainda, lesão
perirradicular

Periodontite apical Sensação de Positivo Positivo Positivo Positivo Positivo à percussão. Normal ou com Róseo Identificar a causa e
Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

aguda (polpa viva) “dente crescido”, Mobilidade pode espessamento removê-la.


dor contínua, estar presente do espaço Ajuste oclusal.
pulsátil, agravada periodontal Medicação analgésica
pela pressão e anti-inflamatória.
e oclusão dos Se houver indicação
dentes por doença
pulpar irreversível
concomitante,
iniciar o tratamento
endodôntico

Periodontite apical Idem Negativo Negativo Negativo Positivo por Positivo à percussão. Normal ou com Área escura Imediata: cirurgia
aguda em dente trepidação Mobilidade pode espessamento de acesso, irrigação
despolpado de estar presente do espaço abundante.
origem bacteriana periodontal Estabelecimento de
patência foraminal.
Medicação antis-
séptica no canal,
selamento. Alívio
oclusal.
Mediata: tratamento
endodôntico.
Acompanhamento
clínico e
radiográfico
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)

Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade

Periodontite apical Idem Negativo Negativo Negativo Positivo por Idem Idem Área escura Imediata: cirurgia
aguda em dente trepidação de acesso, irrigação
despolpado por abundante.
trauma ou agente Estabelecimento de
químico patência foraminal.
Medicação
analgésica e anti-
inflamatória no
canal, selamento.
Alívio oclusal.
Medicação
analgésica e anti-
inflamatória sistêmica.
Mediata: tratamento
endodôntico.
Acompanhamento
clínico e radiográfico

Abscesso Dor aguda, Negativo Negativo Pode Positivo por Mobilidade Perda da Área escura Imediata: cobertura
perirradicular latejante; alívio ter dor trepidação acentuada. lâmina dura; antibiótica,
agudo pela pressão axial violenta Sensibilidade espessamento drenagem via canal
sobre o dente. se o calor extrema à apical ou zona e/ou via cirúrgica.
Dor agravada em for muito percussão e radiolucente Mediata: tratamento
decúbito intenso palpação difusa endodôntico.
Acompanhamento
clínico e
radiográfico.

Abscesso Assintomático Negativo Negativo Negativo Positivo por Levemente dolorido Perda da Área escura Tratamento
perirradicular ou com dor trepidação à percussão lâmina dura; endodôntico.
crônico moderada e palpação. espessamento Acompanhamento
Mobilidade apical ou zona clínico e
Diagnóstico em Endodontia

moderada radiolucente radiográfico


difusa
163

(continua)
164

Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)

Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade

Granuloma Assintomático, Negativo Negativo Negativo Negativo Às vezes sensível à Rarefação óssea Área escura Tratamento
Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

perirradicular ** exceto quando percussão. mais ou menos endodôntico.


em casos de Palpação e arredondada Acompanhamento
agudizações mobilidade clínico e
negativos radiográfico

Cisto perirradicular** Assintomático, Negativo Negativo Negativo Negativo Às vezes sensível à Rarefação óssea Área escura Tratamento
exceto quando percussão. mais ou menos endodôntico.
em casos de Palpação e arredondada ou Particular atenção no
agudizações mobilidade área definida, acompanhamento
negativos. redonda clínico e radiográfico
Quando volumoso, ou elíptica, da regressão da
crepitação óssea à podendo ser lesão pela
palpação limitada por possibilidade
linha radiopaca de indicação de
(linha de enucleação cística
osteogênese
reacional)

* Elaborado e adaptado a partir do Manual de Endodontia da Disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia da UFRJ (1980).
** Só o exame histopatológico fornece diagnóstico diferencial. O objetivo é apresentar características clínicas e radiográficas mais evidentes, independentemente da imprecisão fornecida pelo diagnóstico clínico.
Diagnóstico em Endodontia 165

elemento suspeito de dor pelo endodontista constitui, mento odontológico, pacientes cardiopatas e diabéticos
porém, verdadeiro desastre e depõe fortemente contra têm maior chance de sofrer situações emergenciais. Tal
a especialidade. Difícil explicar ao paciente que a dor situação obriga o profissional de odontologia a buscar
permanecerá sob controle analgésico até que se escla- novos conhecimentos que o habilitem a tratar esses pa-
reça por completo a sua origem. Impossível, porém, ex- cientes com mais segurança, para sua tranquilidade e a
plicar quando o dente aberto não alivia a dor preexis- confiança daqueles que o procuram.
tente. Há uma máxima consagrada no meio científico
que diz: “Saber parar também é arte”.
 PACIENTES CARDIOPATAS
As doenças cardiovasculares persistem como a
 CUIDADOS NO ATENDIMENTO DE maior causa de morte em todo o mundo.
PACIENTES COM NECESSIDADES O número de pacientes portadores de cardiopa-
ESPECIAIS tias vem crescendo muito ultimamente, tanto pela po-
Uma vez realizado o diagnóstico e confirmada pulação ter adotado um estilo de vida mais sedentário
a necessidade do tratamento endodôntico, o paciente e estressante, como também por ter adquirido hábitos
deve ser avaliado sistemicamente na busca de alguma nocivos à saúde.
condição impeditiva para o início imediato da terapia. O cirurgião-dentista tem papel fundamental na
Nessa abordagem é importante considerar o pa- salvaguarda da saúde oral dos pacientes e, consequen-
ciente no aspecto geral. Um comprometimento da saú- temente, deve estar apto a reconhecer doenças cardio-
de pode, muitas vezes, complicar um caso aparente- vasculares e os fatores de risco a elas associadas. O ma-
mente simples. Ao realizar a anamnese, é importante nejo odontológico desses pacientes implica o reconhe-
uma atenção apurada do profissional nas informações cimento da doença, o estudo da terapia farmacológica
prestadas pelo paciente, nos exames realizados e todos e as possíveis interações medicamentosas a que estão
os detalhes apurados para uma atuação segura e em- sujeitos. Estando ciente desses itens, o cirurgião-den-
prego dos cuidados necessários ao paciente. tista pode prover a saúde bucal de seus pacientes sem
Para a identificação de alguma condição sistêmica prejudicar outros sistemas.
ou a utilização de algum medicamento especial pelo Muitas vezes o trabalho conjunto do dentista e do
paciente é necessária em algumas situações uma abor- médico é imprescindível para a promoção da saúde do
dagem multidisciplinar, e um contato com o médico paciente como um todo.
que o assiste será uma conduta prudente para uma Estudos demonstram que o estresse provocado
avaliação em conjunto sobre o estado de saúde geral pelo tratamento dentário pode ocasionar alterações
do paciente. transitórias no sistema cardiovascular. Num paciente
É importante lembrar que nesses casos o trauma- saudável, essas alterações não teriam grandes proble-
tismo e a possibilidade de se provocar uma bactere- mas, ao contrário do que pode ocorrer num paciente
mia transitória, como consequência de um tratamento portador de algum distúrbio cardiovascular. Esses pa-
endodôntico, são sempre menores do que quando se cientes estão sujeitos a uma resposta hemodinâmica
realiza uma exodontia, segundo Bender et al.12 e Ben- (variações da pressão arterial e frequência cardíaca)
der e Montgomery13, ao estudarem a incidência de bac- limitada diante do estresse metabólico de um procedi-
teremia após manipulação endodôntica, exodôntica e mento odontológico. Quando isso ocorre, o miocárdio
periodôntica. (músculo cardíaco) exige uma elevada demanda de
Baseados nesse ponto de vista, a Endodontia sem- oxigênio, determinada por um aumento do nível de
pre é a primeira opção, mesmo nesses pacientes espe- catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) secundá-
ciais, desde que tomados alguns cuidados preventivos. rias à ansiedade, à dor e ao estresse gerado pelo pro-
A cada dia aumenta o número de pacientes por- cedimento como um todo. Torna-se evidente que esse
tadores de doenças sistêmicas que procuram o trata- processo presente em indivíduos com cardiopatia deve
mento odontológico, como é o caso dos hipertensos, ser realizado em condições de absoluta segurança para
diabéticos e cardiopatas. Isso reflete o aumento da ex- garantir o sucesso do procedimento e a segurança do
pectativa de vida, decorrente do avanço da Medicina e paciente.
da mudança de postura do indivíduo, que cuida mais Uma vez identificados os pacientes portadores
de sua saúde nos vários aspectos. Embora qualquer de doença do sistema cardiovascular, eles são consi-
paciente possa desenvolver problemas durante o trata- derados como compensados ou controlados quando se
166 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

enquadrarem numa das seguintes condições, com uma É importante identificar a natureza da cardiopa-
boa margem de segurança, segundo Andrade6. tia e o grau de risco diante de um procedimento en-
dodôntico, principalmente os mais invasivos. Por isso
• período mínimo de 6 meses após o infarto do mio- é importante conhecer a história médica pregressa do
cárdio ou acidente vascular cerebral (AVC); paciente, buscando avaliar sua estabilização clínica ad-
• período mínimo de 3 meses após cirurgia de revas- quirida no tratamento médico realizado e dessa forma
cularização do miocárdio como “ponte” de veia de realizarmos o tratamento endodôntico com mais segu-
safena ou artéria mamária; rança.
• angina pectoris estável (a medicação prescrita pelo É importante salientar a necessidade de verifica-
médico deve ser suficiente para evitar episódios ção dos níveis de pressão arterial antes do procedimen-
constantes de dor no peito); to em todos os pacientes, cuja anamnese os identificou
• tomar a pressão arterial e avaliar o pulso carotídeo como portadores de cardiopatia ou como pacientes
antes e durante a sessão de atendimento; suspeitos, com base em sua história médica. Para sua
• insuficiência cardíaca congestiva estável (avaliação identificação consideramos os níveis do VII Relatório
médica); do Joint National Committee31.
• hipertensão arterial controlada – pressão diastólica
até 100mmHg;
• frequência cardíaca em repouso menor que 100 bati- Cuidados com o uso de medicamentos em
mentos/minuto; pacientes cardiopatas
• pacientes que estiverem fazendo uso de vasodilata- Anestesia local
dor coronariano deverão receber uma dose profilá-
No atendimento de pacientes cardiopatas um
tica via sublingual, 1 a 2 minutos antes do procedi-
procedimento de muita controvérsia é a escolha da
mento, sob orientação médica;
solução anestésica local. Isso se deve, principalmente,
• pacientes que fazem uso de anticoagulantes e antia-
à recomendação da maioria dos médicos de empregar
gregadores plaquetários devem entrar em contato
nesses pacientes anestésicos locais sem vasoconstritor.
com o médico antes de realizar procedimentos que
Compreendemos que isso ocorra pelo fato de que a
envolvam sangramento para saber se há necessida-
adrenalina usada em medicina ocorre principalmente
de ou não de suspender ou diminuir a dose da me-
em situações emergenciais, onde a média empregada
dicação enquanto dura o tratamento;
é de 0,5 a 1mg, enquanto num tubete anestésico com
• pacientes com insuficiência cardíaca congestiva de-
esse vasoconstritor a 1:100.000, encontramos apenas
vem procurar uma posição mais confortável na ca-
0,018mg34.
deira odontológica, com o encosto menos reclinado,
para evitar dispneia; Ao empregar uma solução anestésica em pacien-
• nenhuma mudança recente quanto aos medicamen- tes cardiopatas, precisamos lembrar dois pontos im-
tos ou orientação médica. portantes: 1) a presença de um vasoconstritor promove
uma anestesia pulpar de maior duração, o que não é
A avaliação dos sinais vitais deve fazer parte do conseguido quando se utiliza uma solução sem agente
exame físico em toda consulta inicial ou antes de cada vasoconstritor associado; 2) quando se emprega solu-
sessão de atendimento. A obtenção de valores relati- ção anestésica local sem vasoconstritor, a margem de
vos ao pulso carotídeo, frequência respiratória, pressão segurança clínica é diminuída, pois a dose máxima é
sanguínea arterial e temperatura, com o paciente em geralmente calculada em função da quantidade do sal
repouso, deve constar do prontuário odontológico5. anestésico e não do agente vasopressor5.
Principais doenças cardíacas encontradas na po- O uso do anestésico local em pacientes cardiopa-
pulação adulta: tas deve obedecer aos seguintes princípios básicos:

• Doenças orovalvulares • a injeção deve ser lenta e precedida de aspiração


• Cardiopatias congênitas prévia;
• Doença arterial coronária: angina pectoris (estável e • respeitar a quantidade máxima de 0,04 mg de adre-
instável) nalina (equivalente a 2 tubetes);
• Infarto agudo do miocárdio • empregar vasoconstritor em concentrações mínimas
• Insuficiência cardíaca – adrenalina 1:100.00 ou 1:200.000 ou felipressina
• Arritmias cardíacas 0,03Ul/mL;
Diagnóstico em Endodontia 167

• havendo contraindicação absoluta do uso de vaso- prolongada (betametasona ou dexametasona), adminis-


constritor, pode-se optar pelas soluções anestésicas trados em uma ou no máximo duas doses, se consti-
à base de mepivacaína a 3% sem vasoconstritor, que tuem numa boa opção5.
proporcionam uma anestesia pulpar de até 20 minu-
tos nas injeções infiltrativas e de até 30/40 minutos Pacientes com hipertensão arterial
nos bloqueios regionais5. A hipertensão arterial é um dos principais fatores
• levar em consideração o risco das interações medi- de risco para o aparecimento das doenças cardiovascu-
camentosas indesejáveis, uma vez que esses pacien- lares. À medida que a idade passa, essa doença se torna
tes normalmente fazem uso de medicamentos que mais prevalente, trazendo grandes implicações no apa-
podem interagir com os vaso constritores adrenér- recimento dos infartos do miocárdio, acidentes vascu-
gicos e provocar efeitos adversos. Por exemplo, a lares cerebrais e disfunção do músculo cardíaco16.
noradrenalina interagindo com o propanolol, uma Mesmo nos pacientes com diagnóstico realizado
droga betabloqueadora, pode promover taquicardia nos consultórios médicos, apenas uma parcela é trata-
e aumento brusco da pressão arterial sanguínea29. da e dessa parcela apenas um percentual controla ade-
quadamente a PA. Com isso, de cada 100 hipertensos,
Controle da ansiedade aproximadamente 70 são descobertos, 41 recebem tra-
Em pacientes cardiopatas deve-se reduzir ao má- tamento e 14 estão bem controlados38.
ximo possível o nível de estresse, apreensão, medo e A classificação mais recente da hipertensão ar-
procedimento longos. Para tanto, recomenda-se que terial baseia-se no VII Joint of National Committee29,
o atendimento seja realizado preferencialmente pela conforme consta no Quadro 5-1.1.
manhã, quando ele se encontra mais calmo e tranqui- O conhecimento das medicações hipertensivas
lo. A relação profissional-paciente deve ser sustentada é fundamental para o profissional de Odontologia.
pela confiança, atenção e segurança. Prever no planeja- Vários efeitos dessas drogas têm interferência antes
mento do tratamento um intervalo entre as sessões de e durante o procedimento. Os betabloqueadores,
pelo menos 10 dias. Manter diálogo permanente com por exemplo, podem causar bradicardia e fadiga
o paciente e evitar surpresas no decorrer do tratamen- e aumentam o efeito da lidocaína; os inibidores da
to. Para tanto, o procedimento deverá ser explicado de enzima de conversão da angiotensina, mais comu-
forma clara e objetiva, utilizando uma linguagem que o mente utilizados, podem causar tosse, hipotensão e
paciente entenda, não omitindo informações, e enfati- diminuir o efeito de anti-inflamatórios.
zar as medidas que serão tomadas no caso de dor para Dessa forma é interessante o endodontista ter
que o paciente permaneça o mais tranquilo possível. em seu consultório um Dicionário de Especialidades
Como medida complementar ao combate da an- Terapêuticas (DEF) para identificação das substân-
siedade é indicado o uso de métodos farmacológicos, e cias anti-hipertensivas, cujas apresentações comer-
a primeira escolha têm sido os benzodiazepínicos. Des- ciais são as mais variadas, e a partir daí saber as suas
se grupo de drogas se destacam diazepam, lorazepam e possíveis interferências no procedimento proposto.
alprazolam, que diferem entre si, principalmente com A segurança do procedimento odontológico
relação ao início e duração da ação. As doses recomen- depende de vários aspectos, que podem estar rela-
dadas para adultos são as seguintes: cionados com o paciente, o profissional e a sua equi-
pe, o tipo de intervenção, a estrutura montada e a
1. Diazepam, 5 a 10mg ou 0,5 a 0,75mg de alprazolam, estratégia de atendimento.
que tem rápido início de ação: dose única 30 a 45
minutos antes do atendimento; Quadro 5-1.1 Classificação de hipertensão arterial em
2. Lorazepam, 1 a 2 mg, que tem início de ação mais len- adultos acima de 18 anos – VII Joint of National Committee
ta: dose única 2 horas antes do atendimento.
Classificação da PA PA sistólica PA diastólica
(mmHg) (mmHg)
Controle da dor pós-operatória
Nas situações onde a expectativa de dor pós- Normal <120 <80
operatória é de intensidade leve a moderada, as dro- Pré-hipertensão 120-139 80-89
Estágio 1 140-159 90-99
gas indicadas são dipirona ou paracetamol. Em proce-
Estágio 2 ≥ 160 ≥ 100
dimentos mais invasivos, os corticosteróides de ação
168 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Quadro 5-1.2 Manuseio odontológico relacionado com o risco da intervenção

Classificação da PA Encaminhar para o médico Tratamento odontológico

Normal e pré-hipertensão Não – <120/<80 e 120-140/80-89 Sim

Estágio 1 Sim – 140-159/90-99 Sim, maior parte dos procedimentos

Estágio 2 Sim – 160-179/100-109 Sim, procedimentos não invasivos,


Sim, imediatamente monitorando a pressão
≥180/≥110 Eletivo: não

Nos pacientes mais estressados é prudente in- lorazepam 1 ou 2mg como medicação pré-anestésica,
dicar o uso de ansiolíticos 30 a 45 minutos antes do 1 hora antes do procedimento. Os pacientes no Es-
procedimento. tágio 2, com pressão diastólica acima de 100mmHg
O Quadro 5-1.2 revela a postura profissional e/ou sistólica acima de 180mmHg, que necessitem
recomendada por Little et al. (33) diante de paciente atendimento de urgência devem primeiro receber
com hipertensão arterial. um benzodiazepínico (p. ex.: diazepam 5mg) para se
O uso de vasoconstritor junto com os anesté- tentar obter uma redução da pressão arterial1.
sicos deve ser feito com muito critério, já que pode
causar elevações da pressão arterial, porém a dor en-
volvendo o procedimento, quando a analgesia não
Prevenção da endocardite infecciosa
ocorre de forma adequada, pode ser muito pior para A endocardite infecciosa (EI) é uma doença agu-
a resposta da pressão arterial. Com isso devemos da ou subcrônica consequente à invasão bacteriana de
usar a menor quantidade possível e evitar a injeção uma área focal do endotélio de uma válvula cardíaca
intravascular. ou de uma cavidade do coração, com liberação contí-
Vários estudos demonstraram que a injeção de nua de micro-organismos infectantes para a corrente
1,8mL de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 sanguínea16.
em pacientes saudáveis não resulta em aumentos Os pacientes que têm maior risco de desenvolvê-
significativos da pressão arterial ou da frequência la são aqueles portadores de doença cardíaca congêni-
cardíaca22,49. Por outro lado, outros estudos demons- ta, reumática ou próteses valvulares cardíacas.
traram que 5,4mL de lidocaína a 2% com epinefri- Dentre os fatores precipitantes da EI, por favo-
na a 1:100.000 resultaram em grandes elevações da recerem a passagem de bactérias para a corrente san-
pressão arterial e frequência cardíaca, porém sem guínea, citamos: alguns procedimentos odontológicos,
sintomas significantes22. tonsilectomia, piodermite, pneumonia, intervenções
Segundo Andrade7, o uso de vasoconstritor in- geniturinárias ou uterinas, hemodiálise, cateteres ve-
corporado nas soluções anestésicas locais não é con- nosos, uso de drogas venosas ilícitas etc.
traindicado, podendo ser empregada a adrenalina Classicamente, os estreptococos são os agentes
(1:100.000 ou 1:200.000), em doses pequenas, com etiológicos mais comuns (30 a 50% dos casos). Ulti-
injeção lenta e aspiração prévia negativa, empregan- mamente, entretanto, a porcentagem dos estafilococos
do no máximo dois tubetes. No entanto, Armonia vem aumentando, encontrando-se taxas superiores a
& Tortamano8 afirmam que a adrenalina, noradre- 30%. Bactérias gram-negativas, fungos e bactérias do
nalina, fenilefrina e levonordefrina podem interferir grupo HACEK são outros micro-organismos que po-
com alguns anti-hipertensivos. Outra opção é o uso dem causar EI.
da felipressina 0,03UI/mL associada à prilocaína a As manifestações clínicas da EI podem ser infec-
3%, que seguramente não altera a pressão arterial e ciosas, cardíacas, pulmonares, cutâneas, oftalmológi-
atividade cardíaca, não interferindo, portanto, com cas, vasculares ou abdominais.
o efeito farmacológico dos anti-hipertensivos. Prostração, perda de peso, febrícula e palidez
Para os pacientes com hipertensão no Estágio cutânea mucosa são sintomas da endocardite aguda
1 e 2 recomenda-se a prescrição de diazepam 5mg ou (EA). Na fase aguda ela se caracteriza por início sú-
Diagnóstico em Endodontia 169

bito de febre alta com calafrios, sudorese, fenômenos Quadro 5-1.3 Pacientes com risco de adquirir EI grave
tromboembólicos, manifestações neurológicas, lesões
cutâneas de Janeway (máculas hemorrágicas, indolo- Portador de prótese cardíaca valvar
Valvopatia corrigida com material protético
res, encontradas em palmas e plantas), insuficiência
Antecedente de endocardite infecciosa
cardíaca, manchas de Roth (lesões pálidas e ovalares Valvopatia adquirida em paciente transplantado cardíaco
situadas na retina) e nódulos de Osler (lesões firmes, Cardiopatia congênita cianogênica não corrigida
elevadas, dolorosas, avermelhadas e de centro claro), Cardiopatia congênita cianogênica corrigida que evoluiu com
localizadas nas pontas dos dedos, palmas das mãos e lesão residual
planta dos pés. Cardiopatia congênita corrigida com material protético
O diagnóstico da EI é realizado com base no
quadro clínico, hemoculturas seriadas, num período
de 24 e 48 horas (em número de quatro a seis hemo-
Quadro 5-1.4 Procedimentos odontológicos e indicação de
culturas) e ecocardiograma. O prognóstico depende profilaxia de EI
de fatores como: virulência do micro-organismo in-
fectante, idade e estado geral do paciente, estruturas Indicada Não recomendada –
valvares envolvidas, duração da infecção, presença quaisquer pacientes que
de complicações. se submeterão aos
Certas cardiopatias estão associadas a endocar- procedimentos abaixo
dites mais frequentemente do que outras. Além disso,
Para pacientes com risco Anestesia local em tecido não
quando a endocardite se desenvolve em indivíduos
de El grave e que se infectado
com cardiopatias preexistentes, a gravidade da doença submeterão a Radiografia odontológica
e a morbidade subsequente podem ser variadas. procedimentos que Colocação ou remoção de
Cerca de 2/3 dos pacientes com EI apresentam envolvem a manipulação aparelhos ortodônticos
pelo menos um dos seguintes fatores de risco para de tecido gengival, região Colocação de peças em
aquisição dessa infecção: doença cardíaca estrutural, periodontal ou perfuração aparelhos ortodônticos
da mucosa oral Queda natural de dente decíduo
prótese valvar cardíaca, uso de drogas intravenosas, EI
Sangramento oriundo de trauma
prévia, HIV/AIDS, procedimentos invasivos intravas- da mucosa oral ou lábios
culares em ambiente hospitalar e hemodiálise. Pacien-
tes jovens com EI, em geral, são portadores de sequela
valvar de febre reumática, cardiopatia congênita ou
são usuários de drogas intravenosas. O maior número Um procedimento adequado para a profilaxia
de casos tem sido observado em idosos, pacientes ins- da endocardite bacteriana deve considerar a condi-
titucionalizados/hospitalizados e submetidos a proce- ção geral do paciente, o risco aparente de o procedi-
dimentos invasivos. mento causar bacteremia, possíveis reações adver-
Quanto às recomendações atuais para a profilaxia sas do agente antimicrobiano a ser empregado e, por
da EI, dois aspectos são fundamentais: fim, a relação custo-benefício do regime recomenda-
do. É prudente trocar informações com o médico do
1. Identificação de pacientes de alto risco para adqui- paciente ou com um cardiologista de confiança, o
rir EI e que tenham maior chance de evoluir com EI que transmitirá maior confiabilidade e segurança ao
grave (Quadro 5-1.3); paciente7.
2. Identificação de procedimentos odontológicos de Recomenda-se também a utilização de boche-
alto risco para bacteremia significativa (Quadro cho com solução de digluconato de clorexidina a
5-1.4). 0,2% por 1 minuto antes de cada procedimento.

Pacientes que se enquadrarem nesses casos de-


 PACIENTES PORTADORES DE DIABETES
vem receber profilaxia para EI, que deve ser adminis-
trada preferencialmente via oral, utilizando-se amoxi-
MELLITUS
cilina ou clindamicina, esta última em caso de alergia Diabetes mellitus é uma doença sistêmica crônica
a penicilina e derivados. A administração endovenosa que engloba sistemas metabólicos, vasculares e endó-
será utilizada na impossibilidade do uso por via oral crinos, provavelmente de caráter hereditário, conse-
(Quadro 5-1.5). quente à deficiência parcial ou total de insulina, que
170 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Quadro 5-1.5 Esquemas medicamentosos de profilaxia para endocardite infecciosa antes de procedimentos
odontológicos

Via de administração Medicação Dose única 30 a 60 minutos antes do procedimento

Criança Adulto

Oral Amoxicilina 50mg/kg 2g

Oral – alergia a penicilina Clindamicina 20mg/kg 600mg


Azitromicina ou 15mg/kg 500mg
Claritromicina

Parenteral (EV ou IM) Ampicilina 50mg/kg 2g


Cefazolina ou 50mg/kg 1g
Ceftriaxona

Parenteral (EV ou IM) – alergia a penicilina Clindamicina 20mg/kg 600mg

acarreta uma inadequada utilização dos carboidratos e Normas gerais de conduta


alterações no metabolismo lipídico e proteico7,45.
A partir do momento em que a doença é relatada
No Brasil, estima-se que essa doença já atinja
mediante anamnese dirigida e identificação dos princi-
13 milhões de indivíduos. De acordo com Verma e
pais sintomas como a xerostomia, polidipsia, poliúria
Bhat50, a American Diabetes Association no ano 2000
e polifagia, algumas das seguintes questões precisam
removeu a classificação da diabete baseada no trata-
mento e na idade (insulino-dependente e não insuli- ser definidas45:
no-dependente) e introduziu um sistema baseado na
etiologia da doença, classificando a diabete em qua- a) Descoberta do paciente diabético:
tro tipos: • você é diabético?
Tipo 1: causada pela destruição das células, le- • que medicamentos faz uso?
vando a uma deficiência absoluta de insulina; • está sob cuidados médicos?
Tipo 2: pode ser desde uma resistência à insulina, b) Gravidade da doença e o grau de controle:
com relativa deficiência dessa, até um defeito secretó- • quando foi a primeira vez que foi diagnosticada
rio predominante, com pequena resistência à insulina; sua doença?
Tipo 3: defeitos genéticos na função das células, • quando foi realizado seu último exame e qual foi
caracterizados por mutação. o resultado?
Defeitos genéticos na ação da insulina. • como está sendo o seu tratamento de diabete?
Endocrinopatias. • com que frequência você tem reações com insulina?
Doenças do pâncreas exócrino. • quando foi a última consulta com o médico?
Diabete induzida por drogas ou produtos quí- • você tem qualquer sintoma de diabete atualmente?
micos. c) Marcar a consulta pela manhã, o paciente deve ali-
Diabete relacionada a infecções. mentar-se normalmente, e caso o procedimento se
Outras síndromes genéticas associadas à diabete: prolongue até o horário das refeições deve ser inter-
síndrome de Down, síndrome de Turner etc. rompido para que o paciente se alimente.
Formas incomuns de diabete imunologicamente d) Tempo de trabalho e estresse deve ser reduzido. A an-
mediadas – presença de anticorpo antirreceptor; siedade e o medo podem induzir uma maior secreção
Tipo 4: gestacional – descrita como hiperglicemia de catecolaminas pelas suprarrenais, desencadeando
diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez. A o processo de glicogenólise hepática e aumentando
maioria das mulheres tem o quadro revertido para ní- ainda mais os níveis de glicemia. Está indicado o uso
veis normais de glicose após o parto, porém com subs- de ansiolíticos, como os benzodiazepínicos – diazepam
tancial risco de desenvolver diabete posteriormente. (p. ex.: Valium) ou lorazepam (p. ex.: Lorax).
Diagnóstico em Endodontia 171

e) Os pacientes não compensados não devem ser sub- Além das mudanças físicas, que a preparam para
metidos ao tratamento odontológico. o parto e amamentação, acontecem algumas alterações
f) O tipo de anestésico a ser empregado no paciente fisiológicas importantes. A frequência cardíaca aumen-
acometido de diabetes mellitus é motivo de contro- ta na ordem de 10 batimentos/minuto a partir da 14a
vérsia entre alguns autores. Perusse et al.40, num até a 30a semana de gestação. A pressão arterial dias-
trabalho de revisão sobre as contraindicações de tólica pode diminuir discretamente e a sistólica, por
vasoconstritores em Odontologia, sugerem que os sua vez, aumentar levemente, a partir da 30a semana.
mesmos podem ser empregados com segurança na A capacidade respiratória vital se encontra aumentada,
maioria dos pacientes diabéticos em condições es- levando a maior consumo de oxigênio e aumento da
táveis. No entanto, pelos conhecimentos atuais do frequência respiratória7.
efeito hiperglicêmico da adrenalina, embora seja As alterações hormonais durante a gestação são
empregada em baixas concentrações, a maioria dos notáveis, tornando a mulher grávida uma pessoa mui-
autores reconhece que em pacientes diabéticos ins- to especial que, até mesmo pelas suas alterações psi-
táveis ou não compensados o uso de vasoconstrito- cológicas, poderá questionar todo e qualquer procedi-
res do grupo das catecolaminas deve ser evitado. mento proposto pelo dentista, com o instinto de prote-
Armonia & Tortamano9 sugerem utilizar como ro- ção ao futuro bebê, em especial quanto ao emprego dos
tina Citanest a 3% ou Citocaína a 3%, associado à raios X, anestésico ou outro medicamento.
felipressina, obedecendo às doses limites recomen- Assim se justifica que para o atendimento de uma
dadas para as distintas soluções anestésicas. mulher gestante, especialmente para a realização de
g) Quando for necessária a utilização de analgésico ou um tratamento endodôntico, algumas das seguintes
anti-inflamatório, recomenda-se nunca utilizar: ácido normas de conduta devem ser adotadas para maior se-
aceltisalicílico, sulfas, oxifenilbutazona e corticosteroide, gurança e tranquilidade de nossa paciente:
pois essas drogas aumentam a atividade de insuli-
na e dos medicamentos hipoglicemiantes; embora o 1. Relação entre dentista/médico/paciente
uso prolongado do corticosteroide provoque hiper- É extremamente interessante do ponto de vista
glicemia8. Nas situações onde a dor é de intensidade clínico e psicológico que haja uma interação amigável
leve a moderada, a dipirona ou o paracetamol são as entre os profissionais visando ao plano de tratamento
drogas indicadas7. odontológico e à avaliação risco/benefício dos proce-
h) Quanto à terapêutica antimicrobiana, em diabéticos dimentos que serão realizados e medicamentos neces-
cuja doença se encontra bem controlada, não há ne- sários. Esse procedimento, além de ético, dará maior
cessidade de se receitarem antibióticos previamente confiança à paciente4.
a qualquer procedimento odontológico.Tal conduta
só deve ser observada em pacientes descompensa- 2. Procedimentos
dos, apresentando cetoacidose sanguínea e cetonú-
ria (presença de corpos cetônicos na urina), situação A condição de gravidez não contraindica o trata-
mento endodôntico, mas por uma questão de bom sen-
na qual as funções dos neutrófilos se encontram di-
so é preciso avaliar previamente as condições da pa-
minuídas7.
ciente e o período de gestação, priorizando a princípio
o controle da dor e da infecção, programando para o
 PACIENTES GESTANTES período pós-parto procedimentos mais invasivos como
cirurgias perirradiculares. O profissional deve otimizar
Ao atender uma gestante, o dentista se defronta
o tratamento para evitar o estresse da mesma, já agra-
com uma dupla responsabilidade, pois, além de pro-
vado pela situação especial da paciente.
porcionar um tratamento seguro para a mãe, deve
também se preocupar com a saúde do feto. Assim, o
atendimento desse grupo de pacientes requer certos 3. Época de atendimento
cuidados, especialmente com relação ao uso das solu- O primeiro trimestre é o mais crítico para o em-
ções anestésicas locais e a outros medicamentos. Além brião, pois, nessa época, estão se desenvolvendo os vá-
disso, devemos estar atentos às alterações psíquicas e rios órgãos, tornando-o mais vulnerável às agressões
fisiológicas dessa paciente, que passa por um momento teratogênicas e ao aborto, embora não haja evidências
ímpar em sua vida, momento de profundas mudanças efetivas de que a medicação ou o tratamento dentário
em toda a sua estrutura física e espiritual. causem abortos7.
172 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

O terceiro trimestre é o mais crítico para a gestan- o uso da radiografia. No entanto, o uso do aparelho
te, pois, nessa fase, pode ser encontrado um aumento de raios X convencional não deve ser motivo de pre-
entre 20 e 40% no seu débito cardíaco, além de um au- ocupação do profissional, embora ainda seja tema de
mento de 30% no seu volume sanguíneo. Em alguns muita angústia para a gestante, por falta de orientação
casos o feto pode exercer pressão sobre a veia cava in- e conhecimento. As radiações ionizantes são fatores
ferior, quando a mãe se encontra deitada, prejudican- sabidamente responsáveis por mutações genéticas. A
do o retorno venoso, gerando hipotensão e síncope46. quantidade de radiação para uma radiografia periapi-
Outro fenômeno que pode ser observado nesse perío- cal está muito aquém dos níveis nocivos. A maioria dos
do é a dispneia, que pode levar à hipoxia discreta das autores concorda que doses abaixo de 5 a 10 rads não
gestantes quando na posição supina. O mecanismo res- trazem qualquer prejuízo ao feto. A literatura registra
ponsável por essa alteração é o volume do conteúdo malformações com doses acima de 250 rads, antes de
abdominal pressionando o diafragma33. 16 semanas de gestação3. Para compararmos, em raios
O segundo trimestre constitui-se na melhor época X de abdome AP, a dose é de 0,05 a 0,1 rad, e em uma
para o atendimento da gestante, pois é o período em que panorâmica essa dose cai para 0,00015 rad1.
a organogênese está completa, o feto já está desenvolvi- Com tudo isso no atendimento às gestantes re-
do e a gestante já bem adaptada física e psicologicamen- comenda-se que as tomadas radiográficas devam ser
te. Segundo Andrade6, existe apenas o perigo de hipo- feitas apenas quando indispensáveis, que se utilize um
tensão postural se a paciente é tratada na posição supina fator de proteção como um avental com revestimento
e houver uma mudança brusca para a posição em pé. de chumbo e que se empreguem filmes ultrarrápidos
Por outro lado, devem ser consideradas em caráter que permitem um menor tempo de exposição.
de urgência, independentemente do período da gesta-
ção, as intervenções que tenham por objetivo controlar
6. Uso de medicamentos
a dor e remover focos de infecção, pois tem sido de-
monstrada a relação das infecções com a toxemia33,39. Segundo Bedran11, o efeito dos medicamentos so-
Sabe-se que a disseminação sistêmica de uma in- bre o feto depende de uma série de fatores, incluindo a
fecção (septicemia) é considerada teratogênica e pode quantidade de substâncias que o atinge e sua suscetibi-
ser apontada como uma das causas, em potencial, do lidade ao efeito das drogas (idade gestacional).
aborto espontâneo48. O principal mecanismo de passagem placentária
dos medicamentos é por difusão simples. A quantida-
4. Duração da consulta e posicionamento da de de substância que atinge o feto depende basicamen-
paciente te do peso molecular da droga, sua lipossolubilidade,
grau de ionização, ligação às proteínas, fluxo sanguí-
O atendimento à gestante deve ser de preferência
neo uteroplacentário e as condições das plaquetas44.
pela manhã com procedimentos otimizados e o menos
Quase nenhum fármaco é totalmente inócuo para
extenuante possível. É conveniente que a gestante não
o concepto, pelo que a conduta geral deve ser a de evi-
fique na posição supina, principalmente após o 6o mês
tar o uso de medicamentos durante a gestação.
de gestação, quando o feto pode exercer uma pressão
O efeito teratogênico com relação ao feto ou em-
sobre as veias abdominais, diminuindo o retorno ve-
brião tem uma relação direta com a dosagem e concen-
noso dos membros inferiores, predispondo a paciente
tração da droga, dependendo de vários fatores. Entre
à hipotensão postural. Convém que a paciente, ao tér-
eles podemos citar: época gestacional em que a droga
mino da consulta, fique sentada ou deitada pelo lado
é utilizada; via de aplicação da droga; solubilidade da
esquerdo por alguns minutos antes de assumir a posi-
droga; quantidade prescrita; peso molecular; doenças
ção em pé7.
maternas que poderão alterar a permeabilidade pla-
centária. São fatores que estarão influenciando direta-
5. Exame radiográfico mente a passagem ou não da droga pela placenta.
Embora a radiografia seja essencial para o trata- Em caso de necessidade, antes de prescrever, o
mento endodôntico, o avanço tecnológico de hoje nos dentista deve verificar se ele é considerado seguro na
permite obter imagem com o mínimo de radiação por fase da gestação. Deve também avaliar se a indicação
meio da radiografia digital. Os localizadores apicais medicamentosa é realmente indispensável, não poden-
eletrônicos também são excelentes recursos que possi- do ser substituída por um procedimento clínico que re-
bilitam a obtenção do comprimento de trabalho sem mova a dor ou infecção.
Diagnóstico em Endodontia 173

Dessa forma, Andrade7 não recomenda o uso de Todos os anestésicos, por serem lipossolúveis,
ansiolíticos em gestantes e em pacientes extremamente atravessam a placenta. A velocidade e a quantidade
ansiosas, devendo-se optar pela tranquilização verbal transferida são proporcionais ao tamanho das molécu-
ou outro método de condicionamento psicológico, evi- las e ao grau de ligação plasmática do anestésico na
tando-se o uso de agentes farmacológicos. Ainda se- circulação materna e aos tecidos da mãe. Assim, quan-
gundo o autor, quando houver uma indicação precisa to maior o grau de ligação do anestésico às proteínas
de analgésicos, deve-se empregar o paracetamol (500 a plasmáticas, maior é o grau de proteção ao feto41.
700mg) ou dipirona (500mg) , respeitando-se o limite de A escolha da solução anestésica local no tratamen-
três doses diárias, com intervalos de 4 em 4 horas, por to de paciente gestante ainda é muito controvertida,
tempo restrito. Os anti-inflamatórios não esteroides principalmente pela presença ou não do vasoconstri-
(Aines), assim como aspirinas, devem ser usados com tor. Há um consenso, porém, de que o anestésico local
muita precaução nos últimos 3 meses de gestação e por deve ser aquele que proporcione a melhor anestesia à
tempo restrito. Armonia & Tortamano9 contraindicam grávida.
esse tipo de medicamento, assim como as drogas mior- Segundo Little et al.33, a Associação de Cardiolo-
relaxantes. gia e o Conselho de Terapêutica Odontológica Norte-
Com relação ao uso de antibióticos, o procedi- Americano recomendam o uso de vasoconstritor em
mento mais adequado é remover a causa de infecção todos os anestésicos locais, pois há riscos no uso dessas
e evitar o uso dessa medicação. Quando houver indi- soluções sem ele. A anestesia pode não ser eficaz, além
cação do uso de antimicrobianos, deve-se optar pelas de seu efeito passar rápido demais. A dor resultante
penicilinas (penicilinas V ou amoxicilina), por serem pode levar o paciente ao estresse, fazendo com que
praticamente atóxicas, não causando danos ao organis- haja liberação de catecolaminas endógenas em quan-
mo materno e ao feto. Nos casos de alergia às penicili- tidades muito superiores àquelas contidas em tubetes
nas, a opção é a eritromicina sob a forma de estearato anestésicos e, consequentemente, mais prejudiciais.
em vez do estolato, que apresenta um maior potencial Os vasoconstritores são adicionados às soluções
hepatotóxico43. anestésicas locais com vistas a obter vantagens impor-
Em infecções mais graves recomenda-se o uso de tantes: prolongam a duração da anestesia, já que o va-
metronidazol (p. ex., Flagyl), associado às penicilinas, soconstritor diminui a velocidade de absorção do sal,
ou empregar a amoxicilina associada ao clavulanato de diminuindo assim sua toxicidade; permitem um cam-
potássio (p. ex., Clavulin) e optando pela clindamici- po operatório com menor sangramento nos procedi-
na para as pacientes alérgicas a penicilina. No entanto, mentos cirúrgicos em função da diminuição do calibre
o profissional sempre deve usar do bom senso e avaliar dos vasos com a vasoconstrição; promovem hemosta-
junto ao médico a relação risco/benefício quanto ao sia; aumentam a concentração local dos anestésicos, o
uso desses medicamentos. que permite uma anestesia mais profunda, reduzindo a
dose administrada. Essas características dos vasocons-
tritores promovem maior conforto ao paciente, pois a
7. Uso de soluções anestésicas locais maior efetividade anestésica evita o estresse provocado
A partir do momento em que o dentista decide pela dor e por injeções repetidas de anestésico local.
usar os anestésicos, ele se torna imediatamente res- No Brasil, atualmente, estão disponíveis para uso
ponsável por todas as implicações que venham surgir em Odontologia os seguintes sais anestésicos: prilo-
durante e após o procedimento clínico. Portanto, é im- caína, mepivacaína, bupivacaína, lidocaína e articaína.
portante, para a sua segurança e a do paciente, que co- Os vasoconstritores mais usados são: adrenalina, no-
nheça as propriedades, indicações e dose máxima per- radrenalina, levonordefrina, felipressina e fenilefrina.
mitida de cada um dos anestésicos locais disponíveis Que substâncias são mais indicadas para uso em ges-
no mercado. tante? É preciso conhecer um pouco mais sobre suas
Segundo Seavuzzi & Rocha43, devem ser observa- características para que possamos tomar uma decisão
dos os seguintes aspectos no uso de anestésicos locais consciente em benefício dos pacientes (gestante e feto)
em gestantes: técnica anestésica; quantidade da dose que estão sob nossos cuidados.
administrada; ausência/presença de vasoconstritor; Prilocaína – Entre os sais anestésicos, a prilo-
efeitos citotóxicos e possibilidade de causar problemas caína é o que apresenta menor percentual de ligação
no feto (quando ocorre a passagem da solução anesté- protéica (55%), o que permite uma maior proporção
sica por meio da placenta). de passagem pela placenta. Sabe-se que quanto maior
174 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

o grau de ligação do anestésico às proteínas plasmá- trações de 2% e 3%, sem vasoconstritor ou associa-
ticas na circulação materna, maior a proteção ao feto. do à adrenalina (1:50.000 e 1:100.000), noradrenalina
O metabolismo da prilocaína é hepático, produzindo (1:50.000) e fenilefrina (1:2.500)28.
metabólitos contendo ortotoluidina. Esses metabólitos, A princípio, os anestésicos sem vasoconstritores
se doses excessivas forem empregadas, podem oxidar são contraindicados, salvo em casos específicos, con-
a hemoglobina, transformando-a em metemoglobina e forme já relatado. No que se refere às associações com
tornando a molécula incapaz de transportar oxigênio, os demais vasoconstritores, a maioria dos autores pre-
desenvolvendo um quadro de cianose, redução da fun- coniza a utilização da lidocaína a 2% com adrenalina
ção cerebral, fraqueza, dispneia e cefaleia, fenômeno a 1:100.000 ou noradrenalina 1:50.000, respeitando o
chamado de metemoglobinemia7,43. limite máximo de dois tubetes por consulta7.
É importante destacarmos que a quantidade de Articaína – É um anestésico tão seguro e potente
metemoglobinemia formada é diretamente proporcio- quanto a lidocaína35, porém não há estudos conclusi-
nal à dose de prilocaína administrada. A dose máxima vos sobre sua ação em pacientes gestantes. Seu empre-
de prilocaína num indivíduo saudável de 60kg de peso go no Brasil teve início em 1999. Segundo Malamed48,
seria de 360mg, equivalente ao volume aproximada- a articaína também tem o potencial de produzir mete-
mente de seis a sete tubetes. Verifica-se assim que o moglobinemia, embora nos estudos realizados tenha
risco de metemoglobinemia se desenvolver numa pa- sido utilizada dosagem acima das empregadas em
ciente ambulatorial é muito difícil, desde que as doses odontologia.
sejam administradas nos limites recomendados. Vasoconstritores – Entre os principais utilizados
Entretanto, devemos estar atentos à possibili- em Odontologia, a adrenalina é o mais potente e um
dade de ocorrer uma injeção acidental intravascular dos mais empregados. Durante muito tempo seu uso
da solução anestésica, tornando o risco de uma mete- em gestante foi visto com desconfiança, pois se acre-
moglobinemia muito maior, que pode ser preocupante ditava que a adrenalina adicionada às soluções anes-
para o dentista, não somente em relação à mãe, mas tésicas locais poderia reduzir a frequência e a duração
principalmente ao feto7. Esse fato reforça a importância das contrações uterinas, dificultando o parto. Entre-
da aspiração prévia antes da injeção e de administrá-la tanto, ao entrar na corrente circulatória, a adrenalina é
lentamente para diminuir a ocorrência de concentração rapidamente biotransformada, não sendo seus efeitos
sanguínea excessivamente alta. cumulativos. É importante ressaltar que a adrenalina
A prilocaína apresenta ainda outro problema adi- e a noradrenalina são hormônios produzidos pelo or-
cional. Todas as soluções comercializadas no Brasil, ganismo, estando sempre presentes na corrente circu-
contendo esse sal anestésico, possuem em sua compo- latória. O estresse causado pela dor ou ansiedade pode
sição o vasoconstritor felipressina, que em altas doses provocar o aumento desses hormônios acentuadamen-
provoca contrações uterinas41. te, tornando-se mais lesivo à mãe e ao feto do que a
Mepivacaína – A duração e a profundidade des- presença desses vasoconstritores nas soluções anes-
se sal anestésico são excelentes. O grau de ligação às tésicas, sempre em concentrações muito diluídas. A
proteínas plasmáticas é de 77%, o que oferece uma boa adrenalina na concentração de 1:100.000 é atualmente
proteção ao feto. No entanto, o que restringe seu uso em o vasoconstritor mais indicado para uso com bastante
pacientes gestantes é sua velocidade de metabolização, segurança em pacientes gestantes, desde que se obser-
que no feto é de duas a três vezes menor que a da lido- vem a recomendação da técnica de injeção e a dosagem
caína. Como o sangue fetal tem menor quantidade de máxima recomendada (dois tubetes)24.
globulinas, a ligação proteica é de aproximadamente A noradrenalina na concentração de 1:50.000 tam-
50% daquela observada nos adultos. Em consequência, bém é recomendada por alguns autores9,21. Corrêa24,
tem-se mais anestésico livre na circulação, tornando-a no entanto, relata que ela pode ser mais preocupante
mais tóxica. que a adrenalina. Devido ao seu mecanismo de ação,
Bupivacaína – Esse sal anestésico tem alto grau ela pode causar aumento mais acentuado da pressão
de ligação com as proteínas plasmáticas da mãe, o que arterial e resistência vascular periférica, ocasionando
poderia supor ser uma excelente indicação para as ges- uma bradicardia reflexa, efeito indesejável não apenas
tantes. Entretanto, sua longa duração de ação (média às gestantes, mas a todos os pacientes.
de 6 a 7 horas) limita seu uso em pacientes grávidas. A felipressina não é contraindicada em pacientes
Lidocaína – É o anestésico mais utilizado em todo gestantes, mas deve ser evitada por sua semelhança
o mundo. Pode ser encontrado no Brasil nas concen- com o hormônio ocitocina, conforme já citado.
Diagnóstico em Endodontia 175

O vasoconstritor fenilefrina tem efeito ocitóxico, 15. Berbert A et al. Endodontia prática. São Paulo: Sarvier, 1980.
16. Brounwald J et al. Heart Disease: A text book of cardiovascu-
diminui a circulação placentária e dificulta a fixação do
lar disease. 6a ed. Philadelphia: WB Saunders, 2001; 941-68.
óvulo no útero da mulher. 17. Caldeira CL, Lemos EM, Gavini G. Tecnologia para o diag-
Além desses fatores relacionados com o estado ge- nóstico. In: Luciano LD, Saddy MS (orgs.). Atualização clí-
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176 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

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Parte 2
Aspectos radiográficos de interesse endodôntico
Arlindo dos Santos Costa Filho • Márcia Valéria Boussada Vieira

Os raios X constituem peça fundamental no exer- cionais, filmes e técnicas de processamento, ainda
cício da Endodontia, visto que o profissional ligado a é o método mais utilizado no dia a dia da prática
essa especialidade é o que mais manuseia o aparelho, odontológica.
depois do radiologista, sendo necessário em todas as O processamento radiográfico, de acordo com a
fases do tratamento. Portanto, quanto mais o profissio- legislação vigente (Portaria SVS/MS 453), preconiza o
nal dominar os recursos que eles lhe oferecem, melho- uso de câmaras escuras portáteis opacas à luz, e, com
res serão os resultados. isso, o método tempo-temperatura precisa ser respei-
O tratamento endodôntico exige o uso da sensibi- tado. O tempo pelo qual o filme permanecerá imerso
lidade tátil como “extensão dos olhos”, aliada à habi- na solução reveladora é determinado de acordo com a
lidade e aos conhecimentos que se completam quando medida da temperatura do revelador. Para isso, uma
se adquire a capacidade de se extraírem das nuanças tabela de tempos de processamento, de acordo com a
radiográficas, limitadas pela bidimensionalidade, in- temperatura das soluções, deve ser consultada e tam-
formações necessárias à complementação do diagnós- bém precisa estar afixada no local destinado ao proces-
tico e tratamento. Por conseguinte, é inquestionável a samento das radiografias.
dependência das manobras endodônticas às tomadas Todas as radiografias deverão ser anexadas ao
radiográficas para que se atinja o objetivo, ou seja, o prontuário do paciente e constituem um documento
sucesso endodôntico. com valor legal. Desse modo, elas precisam ser ade-
A proposta desta seção é abordar alguns aspec- quadamente processadas, secas e acondicionadas em
tos da Radiologia na prática da Endodontia, sem, no cartelas apropriadas com a identificação do paciente e
entanto, ter a intenção de esgotar a relação existente o registro da data do exame.
entre esses temas. O foco é oferecer ao leitor uma re- Acreditamos que a grande evolução na Endo-
visão breve de alguns aspectos técnicos e filosóficos dontia será através da imagem, quando obtivermos
que poderão vir a contribuir para o êxito da inter- a imagem tridimensional da morfologia do elemento
venção endodôntica, já que a radiografia convencio- dentário, bem como da cavidade pulpar e dos forames
nal, que emprega equipamentos de raios X conven- e foraminas.
Diagnóstico em Endodontia 177

 PRINCÍPIOS BÁSICOS
Variação angular
A ausência da noção de profundidade na radio-
grafia faz com que se lance mão de recursos calcados
no Princípio do Deslocamento de Imagens. A elucida-
ção de problemas é conseguida com novas radiogra-
fias obtidas utilizando-se Variações de Angulação do
Cilindro Posicionador, que podem ser horizontais ou
verticais.

Angulação horizontal
Refere-se à variação de direção dos feixes de raios
X, num plano horizontal, quando o cabeçote do apare-
lho se movimenta para a direita ou para a esquerda na Figura 5-2.1. Observe que na radiografia a raiz mesial apresenta
direção horizontal. duas linhas de terminação apical em níveis diferentes. Aplicando-se
a Regra do Objeto Bucal, o canal MV é aquele cuja linha terminal
apical se encontra mais acima, enquanto o canal ML tem a sua linha
Angulação vertical
terminal mais abaixo.
Refere-se à variação de direção dos feixes de raios
X, num plano vertical, significando que o cabeçote se
movimenta de cima para baixo ou vice-versa.  LOCALIZAÇÃO DE CANAIS
Dentro dessas variações de angulação é que se
estabelece a regra de Clark8-20: “Objetos mais afasta- O reconhecimento e a localização de canais radi-
dos do cilindro posicionador (objeto linguopalatino) culares superpostos são facilmente obtidos mediante a
deslocam-se no sentido do deslocamento do cilindro aplicação da regra de Clark8 (Fig. 5-2.2).
posicionador.” Assim, o objeto mais próximo do cilin-
dro posicionador, consequentemente mais afastado do
filme, se desloca mais, enquanto o objeto mais distante
do cilindro posicionador ou mais próximo do filme se
desloca menos. Convém ressaltar que a regra de Clark
é aplicada rotineiramente na Endodontia. Nos Estados
Unidos esse fenômeno é conhecido pelo nome de Re-
gra do Objeto Bucal (SLOB – Same Lingual Opposite
Bucal). Algumas radiografias de molar inferior podem
apresentar a terminação apical dos canais de modo du-
plo, trazendo dúvidas quanto ao verdadeiro limite api-
cal radiográfico. Esse fenômeno é explicado na Regra
do Objeto Bucal (Fig. 5-2.1).
Figura 5-2.2. Incidên-
Indicações cia ortorradial no 1o pré-
molar superior. Presença
A aplicação dos princípios básicos e mais o co- nítida de dois canais ra-
nhecimento da anatomia da cavidade pulpar permitem diculares, evidenciados
pela incidência mesior-
localizar canais, entrada de canais com câmara pulpar
radial no mesmo dente.
atresiada, ápices radiculares da raiz palatina dos mo- Incidência ortorradial no
lares superiores encobertos pelo processo zigomático 1o molar inferior. Presen-
ou osso malar, visualização dos ápices das raízes vesti- ça de dois canais me-
bulares dos molares superiores, verificação do sentido siais evidenciada pela
incidência mesiorradial.
das curvas apicais, localização das perfurações radicu- Seta indicando provável
lares e reconhecimento da variação angular por meio presença de outro canal
do deslocamento da asa do grampo de isolamento12,13. na raiz distal.
178 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Figura 5-2.3. Forte evidência de presença de mais de um canal ra-


dicular devido à interrupção da radiolucidez do canal. Presença de
três canais radiculares obturados, observados em razão da incidên-
cia radiográfica com variação do ângulo horizontal.

Figura 5-2.5. Incisivo lateral superior atresiado. Ponta da sonda ex-


ploradora para distal da entrada do canal radicular. Desgaste para
mesial permitiu a localização e penetração no canal radicular.

são no instrumento no sentido apical. O dente deve es-


tar com isolamento relativo a fim de facilitar as mano-
bras de visão e localização. A seguir, procede-se a uma
tomada radiográfica ortorradial, com um instrumento
inserido no espaço criado (p. ex., sonda clínica) que nos
indicará a direção que a broca está seguindo em termos
Figura 5-2.4. Instrumento endodôntico no canal palatino do molar de lateralidade, isto é, sentido mesio-distal. Uma segun-
superior em posição excêntrica, trazendo forte suspeita da presença da radiografia com variação do ângulo horizontal po-
de outro canal. Radiografia após a obturação, confirmando a pre- derá ser feita, se necessário, e nos indicará a direção da
sença de outro canal na raiz palatina.
broca no sentido vestibulo-lingual (Fig. 5-2.5).
Assim procedendo, consegue-se a localização do
Dente que apresenta a radiolucidez do canal in- canal, mediante pequenos ajustes.
terrompida pode significar provável presença de mais
de um canal (Fig. 5-2.3).
 DIFICULDADES NA OBSERVAÇÃO
Caso uma raiz contenha apenas um canal, ele de-
RADIOGRÁFICA DE MOLARES
verá estar situado provavelmente no centro da raiz ou
próximo do centro. Quando se suspeita da presença
SUPERIORES
de mais de um canal, introduz-se um instrumento en- Esta situação pode ser vencida pela utilização da
dodôntico no canal localizado e faz-se uma exposição técnica de Le Master16, que consiste numa pequena varia-
com variação horizontal. Seguramente outro canal es- ção da técnica convencional. Um rolo de algodão pode
tará presente caso o instrumento endodôntico se afaste ser fixado à radiografia, com o auxílio de fita adesiva, de
demasiadamente do centro da raiz25 (Fig. 5-2.4). modo que fique paralela ao plano do dente. A angulação
vertical é substituída pela horizontal (Fig. 5-2.6).
Um recurso por nós utilizado é o de direcionar o
 Câmara pulpar e canais atresiados cilindro posicionador de raios X junto à comissura pal-
A localização da entrada de canais e a penetração pebral, em um ângulo que varia de 40 a 45o (Fig. 5-2.7).
neles algumas vezes se tornam tarefa difícil. Nesses Algumas vezes a radiografia ortorradial não per-
casos podemos utilizar o seguinte artifício: coloca-se a mite visualizar os ápices vestibulares dos molares su-
ponta de uma sonda exploradora reta na área onde se periores quando se faz a odontometria ou a seleção de
supõe estar a entrada do canal e se solicita ao paciente cones. Com o auxílio da técnica de Clark8 a dificuldade
que a segure com uma das mãos, fazendo ligeira pres- deixa de existir (Fig. 5-2.8).
Diagnóstico em Endodontia 179

As curvas apicais, quando posicionadas no sen-


tido vestibular, lingual ou palatino, também não são
detectadas nas radiografias ortorradiais, fornecendo
uma imagem falsa de ápice reto. Um exemplo clássi-
co é o encurvamento apical da raiz palatina dos mola-
res superiores, quase sempre voltado para vestibular.
Ressalte-se que outros tipos de curvatura podem estar
presentes, destacando-se bastante a disto-palatina das
raízes dos incisivos laterais superiores.

 localização das perfurações


radiculares
Para as perfurações radiculares existem oito po-
Figura 5-2.6. Técnica de Le Master. sições possíveis de serem localizadas, conforme a Fig.
5-2.9, representativa de um corte transversal radicular.

Figura 5-2.7. Presença do osso malar interferindo na nitidez do


ápice da raiz palatina de molar superior. Posicionamento do cilindro
localizador próximo à comissura palpebral externa. Visão nítida da
raiz palatina do molar superior.

Figura 5-2.9. Diagrama mos-


trando os pontos e quadran-
tes onde podem se localizar
as perfurações. A definição
correta em uma das oito po-
sições é obtida por exclusão,
Figura 5-2.8. Incidência ortorradial quando da seleção de cones, após as incidências radiográ-
onde se observa que as terminações apicais das raízes vestibulares ficas orto, mésio e distorra-
não são nítidas. A variação horizontal permitiu a observação nítida dial. (Esquema segundo Bra-
dos ápices radiculares. mante et al.)
180 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Elas podem ser localizadas nos pontos marcados por sionais tendem a extrair dados além do que a ima-
letras (V – vestibular, P – palatino, M – mesial e D – gem fornece; outros, ao contrário, pouco visualizam.
distal) ou nos quadrantes marcados por setas (mesio- É preciso ter sempre em mente a bidimensionalidade
vestibular, distorradicular, mesio-palatino ou disto-pa- da imagem e que o aparelho é específico para tecidos
latino). Bramante et al.5, em artigo publicado em 1980, duros9-28.
fizeram uma abordagem clara sobre o tema.
A localização pode ser possível mediante três
tomadas radiográficas: uma, ortorradial, e as outras,  RADIOGRAFIA INICIAL E
mésio e distorradial, que deverão ser analisadas em ODONTOMETRIA
conjunto. Também chamada incorretamente de radiografia
Dois exemplos mostrados na Fig. 5-2.10A e B bas- de diagnóstico por alguns profissionais, é de grande
tam para o entendimento. valia, pois revela detalhes que ajudarão no diagnóstico
e no tratamento.
O aspecto da câmara pulpar pode requerer cuida-
 INCONVENIÊNCIAS
dos adicionais quando da cirurgia de acesso. A forma
As radiografias ortorradiais são as que apresentam e diâmetro apical, bem como o raio de curvatura radi-
as imagens mais nítidas. A utilização da variação angu- cular nos darão indícios para a escolha do instrumento
lar horizontal e vertical pode trazer algumas inconveni- empregado na instrumentação apical. Canais extras ou
ências, como a perda de nitidez, deformação das raízes, parcialmente obstruídos, reabsorções dentárias, pre-
dificuldades na visualização do limite apical, na distin- sença de instrumentos fraturados no canal radicular e
ção do radiopaco e o radiolúcido, aumento, diminuição raízes com pequenos raios de curvaturas são situações
ou eliminação da área radiolúcida. A fim de evitar ou, que podem influenciar no plano de tratamento.
pelo menos, minimizar essas inconveniências é aconse- O uso de mais de um filme para o auxílio do
lhável utilizar a menor variação angular possível. diagnóstico é válido em certas situações. Brynolf6 afir-
ma que detalhes da interpretação radiográfica podem
aumentar 74 a 90% em relação a uma simples tomada
 INTERPRETAÇÃO radiográfica, quando se usam três radiografias com an-
É fundamental que se estude a radiografia com o gulações diferentes.
auxílio de lupa (aumento mínimo de três vezes) e sob A imagem da radiografia inicial deve ser a mais
iluminação em negatoscópio. próxima do tamanho real do elemento dentário em
Os dados fornecidos pela película são muito li- questão, posto que é utilizada como base para a obten-
mitados, e a sua interpretação está, quase sempre, na ção do comprimento de exploração inicial (CEI) do ca-
razão direta do conhecimento clínico. Alguns profis- nal radicular (odontometria).

A B

Figura 5-2.10A. Diagrama mostrando uma perfuração radicular mesiovestibular. B. Diagrama mostrando perfuração radicular para distal da
raiz. (Esquema segundo Bramante et al.)5
Diagnóstico em Endodontia 181

A odontometria obtida por meio da radiografia é radiografia pode apresentar diferentes resultados,
denominada de método de Ingle13, que não é o único tais como:
disponível na Endodontia, mas que por sua simplici-
dade ganhou muita popularidade entre a maioria dos • A extremidade do instrumento aparece além do vér-
profissionais. A radiografia inicial deve ter o mínimo tice radicular. O comprimento do dente será, então,
de distorção. De posse dessa radiografia se toma o o do instrumento, deduzindo-se o da medida do
comprimento do dente, traçando uma reta paralela segmento que ultrapassou (medir esse segmento na
ao seu eixo em toda a sua extensão. A seguir, nessa radiografia).
reta projetamos duas linhas perpendiculares; uma, • A extremidade do instrumento coincide com o vér-
passando pelo ponto de referência oclusal/incisal, e tice radicular. Nesse caso, o comprimento do dente
a outra, passando pelo vértice do ápice radicular. A corresponde ao do próprio instrumento.
distância entre as linhas perpendiculares à reta é co- • A extremidade do instrumento está aquém do vér-
nhecida como comprimento do dente na radiografia tice radicular. Nessa situação, sugere-se que o com-
(CDR). Para canais radiculares retos ou com curva- primento do dente deverá ser aquele da medida do
turas suaves, uma medida correspondente a 2 mm instrumento somado à distância existente da ponta
menor que o CDR é transferida para um instrumento do instrumento ao vértice radicular.
tipo K de aço inoxidável como medida de segurança
(CEI). Para canais com curvaturas moderadas e acen- A seguir, em função do resultado obtido, é de-
tuadas, a medida correspondente ao CDR ou até mes- terminado o comprimento de trabalho (CT). O com-
mo acrescida de 2 a 3mm é transferida para o instru- primento de trabalho é obtido com a dedução de 1 a
mento endodôntico (CEI), o que é justificado porque o 2mm do vértice radiográfico do dente (comprimento
comprimento do segmento de um arco é maior do que do dente).
o segmento de uma linha reta. A seleção do primeiro O comprimento de trabalho do canal pode ser de-
instrumento é feita de acordo com o presumível diâ- terminado por meio de radiografias ou método eletrô-
metro do canal e com o comprimento do dente (CDR). nico. Entretanto, é necessário ressaltar que o método
O cursor é ajustado no comprimento (CEI), e o instru- eletrônico, embora eficiente, não permite a visualiza-
mento deve ser então introduzido no canal radicular ção da trajetória do instrumento no interior do canal
até o limitador de avanço (cursor) tocar o ponto de radicular. O profissional não pode ficar privado de
referência oclusal/incisal. uma imagem radiográfica que revele a trajetória de um
Nova radiografia é então obtida e, após seu instrumento endodôntico em toda a extensão do canal
processamento, o profissional fará uma avaliação radicular. O método eletrônico não deve ser usado iso-
da relação entre a extremidade do instrumento e o ladamente, mas sim combinado ao radiográfico (Fig.
vértice radicular. Nesse momento, a observação da 5-2.11A e B).

A B

Figura 5-2.11. Odontometria. A. Comprimento do dente na radiografia (CDR). B. Comprimento de trabalho (CT).
182 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

 RESTRIÇÕES
As radiografias nem sempre revelam condições
patológicas perirradiculares apesar de muitas vezes
estarem presentes. Diversos trabalhos mostraram, por
meio de “lesões experimentais” criadas no osso espon-
joso e se estendendo aos limites da superfície do osso
cortical, que elas não são visíveis radiograficamente3,9,22.
Afirmam que essas lesões não são visíveis aos raios X
enquanto pequenas9,27.
Segundo Bender3, lesões mesmo enormes que
atinjam apenas o osso esponjoso não serão vistas na
radiografia, independentemente da sua espessura. A Figura 5-2.12. As setas indicam presença de linhas radiolúcidas,
visualização radiográfica não está diretamente relacio- oriundas das projeções do ligamento periodontal. A linha radio-
nada com o volume perdido de tecido calcificado. A lúcida do suposto canal radicular não faz contato com a câmara
quantidade de tecido envolvido necessária para pro- pulpar.
duzir lesão em nível radiográfico depende especifica-
mente da composição mineral por unidade de volume
de tecido. Assim, em tecido calcificado contendo um mineral. Assim, por causa da curvatura mandibular
elevado conteúdo mineral, basta uma pequena destrui- associada às diversas variações da espessura, são es-
ção dele para que haja visualização radiográfica. senciais diferentes tomadas radiográficas em diferen-
Entretanto, se o conteúdo mineral por unidade de tes angulações para facilitar o diagnóstico e adicionar
volume de tecido é baixo, como, por exemplo, o osso mais detalhes durante a prosservação.
esponjoso, uma grande quantidade desse tecido pre-
cisa ser destruída para que mudanças na radiografia
possam ser vistas. Além disso, um somatório de fatores  ESTRUTURAS ANATÔMICAS
responsáveis pelo contraste radiográfico, tais como a Seios maxilares, fossas nasais, projeção do nariz
espessura da tábua cortical da mandíbula, as trabécu- ou do lábio, fossa canina, forame palatino anterior,
las, grossa da região endosteal e a fina da área medular espinha nasal, forame mentoniano, canais nutrientes,
central, pode fazer com que a lesão localizada no osso fossa mandibular, canal dentário e trabeculagem óssea
esponjoso não seja observada. são estruturas que não devem se prestar a confusões
Bender3 ainda chama atenção para a acentuada va- com lesões patológicas.
riação na espessura e curvatura das corticais no mesmo Uma estrutura que se pode passar por canal radi-
paciente. Desse modo, uma lesão com um determina- cular é a projeção do ligamento periodontal das raízes
do tamanho pode ser vista em uma região coberta por dos molares inferiores (Fig. 5-2.12).
um fino osso cortical, enquanto a mesma lesão em uma
região coberta por uma cortical mais espessa não será
observada. A lesão é prontamente visualizada radio-  ÁREAS RADIOLÚCIDAS E RADIOPACAS
graficamente quando está no osso cortical ou próxima Essas áreas, quando próximas à região apical, po-
a ele, menos prontamente visualizada quando localiza- dem ser mal interpretadas, posto que estruturas ana-
da na região endosteal e ainda bem menos visualizada tômicas assim como lesões ósseas são confundidas, às
quando está na estrutura esponjosa. Não é o tamanho vezes, com lesões de origem endodôntica. As rarefa-
da lesão que produz a visualização radiográfica, a qual ções de origem endodôntica apresentam diversas ca-
está na dependência da percentagem de perda mine- racterísticas, mas duas são marcantes: a) a área radiolú-
ral dentro do trajeto do feixe central de raios X quando cida permanece junto ao ápice do dente quando se faz
perpendicular ao objeto. Isso pode ser mais bem expli- variação no ângulo horizontal; b) o dente se apresenta
cado quando uma mudança na angulação dos raios X sem vitalidade pulpar (Fig. 5-2.13).
ou na posição do objeto provoca um desaparecimento Um outro tipo de radiolucidez que pode estar
da lesão radiográfica no filme. presente é a cicatriz apical, resultado da cura de lesão
A tomada radiográfica em outro ângulo dá a im- perirradicular de origem endodôntica ou de cirurgia
pressão de diminuição da espessura óssea ou subtração perirradicular, cuja área não sofreu uma remineraliza-
Diagnóstico em Endodontia 183

ção completa em razão da destruição das tábuas ósse-


as vestibular e palatina, ficando o preenchimento por
conta do tecido conjuntivo fibroso (Fig. 5-2.14).
As áreas radiopacas de origem endodôntica são re-
presentadas pela osteíte condensante, também denomi-
nada de osteomielite esclerosante crônica focal. É uma
reação de tecido ósseo em face de uma infecção de baixa
virulência10,14,17,26. Observa-se em indivíduos jovens, e o
dente envolvido geralmente é o primeiro molar inferior.
Há pontos não esclarecidos sobre essa lesão, cuja pre-

Figura 5-2.15. Paciente jovem com 10 anos de idade. Molar in-


ferior apresentando osteíte condensante em torno dos ápices
radiculares. Quatro meses depois, uma nova radiografia mostra a
ausência da osteíte condensante. O dente havia sido submetido a
uma pulpotomia.

sença parece depender de dente com polpa cronicamen-


te inflamada10. O aspecto radiográfico revela uma massa
radiopaca bem circunscrita de osso esclerótico sob o ápi-
ce de uma ou de ambas as raízes (Fig. 5-2.15).
É preciso ter em mente o diagnóstico diferencial
dessa lesão com outras entidades de origem não endo-
dôntica, tais como a enostose (osso esclerótico), osteo-
ma, odontoma, hipercementose e raízes residuais26.
Figura 5-2.13. Área radiolúcida junto ao ápice radicular do 11, que
apresentava vitalidade pulpar. Uma incidência excêntrica revelou se As lesões radiolúcidas de origem não endodôntica
tratar de um acidente anatômico. são numerosas, porém não frequentes. Walton, em seu
livro Principles and Practice of Endodontics, afirma que
Bhaskar enumerou a existência de 3825 lesões radiolú-
cidas nas arcadas dentárias, com apenas três sendo de
origem endodôntica (cistos, granulomas e abscessos)25.
Das lesões radiolúcidas de origem não endodôntica a
mais comum é a displasia cementária perirradicular,
que pode se prestar a erros de diagnóstico na sua fase
inicial, quando se apresenta radiolúcida17 (Fig. 5-2.16).

 TÉCNICA DA BISSETRIZ – ERROS MAIS


FREQUENTES
Em face da necessidade de diversas tomadas radio-
gráficas durante o tratamento endodôntico, a técnica da
bissetriz, também denominada de técnica de Ciezinsky28
(conhecida anteriormente como cone curto), é a mais uti-
lizada pelos endodontistas por ser de fácil manipulação
e rápida obtenção. Consiste em dirigir o feixe de raios X
para a área apical de modo que o raio central se deslo-
Figura 5-2.14. Cicatriz apical. Radiografia após retratamento. Pros- que perpendicularmente à bissetriz do ângulo formado
servação de dois anos. pelos planos do filme e do dente (Fig. 5-2.17).
184 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Figura 5-2.16. Presença de displasia cemento-óssea periapical en-


volvendo os ápices radiculares dos incisivos centrais inferiores. A B

Figura 5-2.18A. Feixe de raios X


perpendicular ao plano do filme.
Imagem encurtada. B. Feixe de
Figura 5-2.17. Técnica da bissetriz ou de Ciezinsky, antes denomi- raios X perpendicular ao plano
nada de técnica do cone curto. do dente. Imagem alongada. C.
Feixe de raios X perpendicular à
bissetriz do ângulo formado pe-
C los planos do filme e do dente.
Imagem radiográfica normal.
O iniciando em Endodontia encontra muita difi-
culdade no manejo radiográfico, produzindo diversos
tipos de erro, sendo os mais freqüentes:

Alongamento ou encurtamento do dente Superposição da asa do grampo aos ápices


No primeiro caso, o feixe de raios X foi dirigido
radiculares
perpendicularmente ao plano do dente, enquanto, no Dá-se quando diante de molares inferiores com
encurtamento do dente, o feixe se desloca perpendicu- acentuada inclinação da coroa para lingual ou dentes
larmente ao plano do filme. Esses dois acontecimentos com raízes curtas. Para se fugir desse problema é ne-
são comuns em tomadas radiográficas em pacientes cessário mudar a angulação vertical. Esse acontecimen-
portadores de abóbada palatina rasa e dentes anterio- to pode ser visto também com dentes superiores (Fig.
res em protrusão e retrusão (Fig. 5-2.18A a C). 5-2.19).
Diagnóstico em Endodontia 185

 TÉCNICA DO PARALELISMO –
LIMITAÇÕES
Essa técnica tem como característica básica a ma-
nutenção do filme paralelo ao plano do dente, forne-
cendo uma imagem praticamente sem distorções no
que concerne à forma e ao tamanho. Não é a técnica de
rotina dos endodontistas, pois dois fatores a limitam: é
pouco prática, pois necessita do uso de suportes posi-
cionadores do filme; exige um maior tempo de exposi-
ção devido ao aumento da distância focal em torno de
40cm4.
Figura 5-2.19. Superposição da asa do grampo aos ápices radi-
culares.
 RADIOGRAFIA BITE-WING –
IMPORTÂNCIA
Ausência de nitidez apical e distorção da
Também é denominada de interproximal. Em
imagem alguns acessos complicados orienta o endodontista,
Dentes portadores de canais superpostos quando mostrando a relação assoalho-teto com um mínimo de
submetidos a radiografias excêntricas podem apresen- deformação. Auxilia na avaliação da direção dos ca-
tar pouca nitidez apical quando a variação do ângulo nais radiculares nos dentes posteriores e na observa-
horizontal excede a 20º25 (Fig. 5-2.20). ção da presença de nódulos de calcificação na câmara
Caso o dente esteja em giroversão é evidente que pulpar. Contribui para o planejamento de um aumento
não haverá necessidade de variação do ângulo hori- de coroa clínica, para permitir o isolamento absoluto,
zontal, bastando a tomada radiográfica ortorradial. O mostrando a altura das cristas ósseas interproximais.
comprimento de trabalho em molares superiores exe- Fornece informação sobre a relação de proximidade de
cutado nos três canais radiculares simultaneamente restaurações presentes, recidivas de cárie e proteções
pode ser inviável em uma única tomada radiográfica. pulpares com o teto da câmara pulpar (Fig. 5-2.21).
Os resultados são melhores quando a odontometria
dos canais vestibulares é obtida em separado, isto é,
 NOVAS CONCEPÇÕES EM RADIOLOGIA
com mais de uma radiografia.
Outro fato que pode trazer prejuízo à nitidez api- Desde a descoberta dos raios X em 1895, o filme
cal é a pressão exagerada na película, tornando-a ar- foi o primeiro método para capturar, apresentar e ar-
queada18. mazenar imagens radiográficas. É uma tecnologia que
os cirurgiões-dentistas estão mais familiarizados e se
sentem mais confortáveis em termos de técnica e inter-
pretação.

Figura 5-2.20. Incidência radiográfica excêntrica excessiva. Dificul-


dade na observação do limite apical (raiz mesial). Incidência menor
proporciona nitidez apical. Figura 5-2.21. Bite-wing.
186 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Na clínica odontológica o filme intraoral conven- ma de sensor direto ser mais sensível à radiação que o
cional está por mais de um século na posição de um filme radiográfico convencional. Em comparação com
contribuinte importante e relevante de receptor de o filme Kodak Ektaspeed, a redução é de aproxima-
imagem, sendo a única opção. damente 60%24. Outras vantagens são a capacidade
A Odontologia passou por uma evolução e, em de manipular a imagem após a sua obtenção, a redu-
termos radiográficos, nos últimos anos também, pois a ção do tempo entre a exposição e a interpretação da
pesquisa avança continuamente e, no que diz respeito imagem, a capacidade eletrônica de arquivar clínica
ao progresso da tecnologia radiográfica, toda ela visa: e radiograficamente os dados num arquivo eletrôni-
a reduzir a dose de radiação ao paciente, aprimorar a co7 e, por último, a de dispensar os equipamentos e
qualidade da imagem, facilitar a obtenção da radiogra- soluções utilizadas no processamento dos filmes ra-
fia e diminuir o tempo gasto para sua confecção. Desse diográficos.
modo, surgiram algumas propostas inovadoras no ce- O sistema de radiografia intraoral digital (Radio
nário odontológico. VisioGraphy) foi introduzido no mercado internacio-
A partir da década de 1970, diversos estudos nal em 1987. Nesse sistema se utiliza um écran reforça-
passaram a propor nova tecnologia para videoobser- dor que transforma a radiação X em luz, onde um feixe
vação19, com a finalidade de solucionar ou diminuir prismático de fibras óticas transporta a luz a um detec-
os efeitos da radiação X, a radiografia intraoral digital tor CCD19. A maior parte dos estudos de avaliação des-
(Charge Couple Device – CCD), em que a quantidade se sistema envolveu dentes extraídos. Foram poucos
de radiação necessária por exposição era 80% menor os estudos in vivo1,11,15,21. Nesse sistema, a imagem pode
do que a utilizada anteriormente para a sensibiliza- ser alterada pela variação do contraste numa escala de
ção de um filme radiográfico (filme radiográfico D- cinza que vai de 1 a 33, revertendo a imagem escura em
speed)11,15. Atualmente diversos sistemas de radiogra- mais clara ou vice-versa11.
fia digital estão sendo comumente usados nas clínicas Entretanto, temos no mercado odontológico dois
odontológicas2. conceitos diferentes no que diz respeito à obtenção da
Nessa nova tecnologia se constatou que a com- imagem intraoral digital direta, os Sistemas CCD e os
binação dos detetores CCD com cintiladores, que são Sistemas de Armazenamento de Fósforo. Esses últimos
dispositivos utilizados para conversão dos raios X em surgiram em meados da década de 1990, e o lançamen-
luz (écran intensificador), foi sugerida como forma de to da tecnologia foi com o Digora (Soredex Orion Cor-
melhorar os detalhes visuais da imagem final obtida1. poration, Helsink, Finlândia), surgindo logo após ou-
A radiografia intraoral digital (CCD) utiliza a in- tros equipamentos comercialmente disponíveis dessa
formática e programas de imagens, possibilitando uma modalidade.
avaliação detalhada das áreas do filme, quando repro- Os profissionais que desejam incorporar e assi-
duzidas digitalmente, transformando dados numéricos milar essa tecnologia no dia a dia de trabalho preci-
da imagem digital analógica em pequenos quadrados sam acumular conhecimento profundo do assunto,
ou retângulos denominados pixel, e associa a cada um considerando as vantagens e desvantagens. Ao assim
deles um número que represente uma cor da imagem, agirem, os profissionais estarão aptos a realizar a es-
formando um conjunto de números que são avaliados colha do equipamento que irão adquirir, ajustando
e armazenados na memória de um computador23. sua opção à sua especialidade e às condições físicas
Dos diversos sistemas de radiografia digital, po- dos respectivos consultórios, e conscientes em reco-
demos destacar: Radio VisioGraphy (Trophy Radiolo- nhecer as limitações desse método radiográfico. Claro
gy, Toulouse, França)1,11,15,21; o Digora System, fabrica- está que essa informação precisará ser obtida na lite-
do pela Soredex, que utiliza placas de imagem fósforo- ratura especializada e nos cursos de educação conti-
fotoestimuláveis24. nuada em nível de atualização e pós-graduação sobre
Posicionados adequadamente o sensor intraoral o assunto.
e o tubo de raios X, o profissional pode com rapidez Como a radiografia convencional na prática endo-
observar a qualidade da imagem no vídeo e, se neces- dôntica ainda não foi substituída pela radiografia digi-
sário, corrigir a posição do sensor e a angulação do tal, essa parte deste capítulo foi elaborada para abor-
feixe de raios X, refazendo a imagem final21. A ima- dar os aspectos operacionais e as técnicas radiográficas
gem direta intraoral digital oferece, ainda, algumas convencionais.
vantagens sobre o filme radiográfico, como a baixa Cumpre acrescentar o aspecto legal que cerca as
dose de radiação por exposição, em razão de o siste- imagens da radiografia digital, uma vez que elas po-
Diagnóstico em Endodontia 187

dem ser alteradas na sua forma original com a aplica- 13. Ingle JS & Bakland KL. Endodontics. 4a ed. Philadelphia: Ed.
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ção de programas gráficos.
14. Langeland K. Curso sobre considerações biológicas em den-
Importante salientar que uma das grandes des- tística operatória. Associação Paulista de Cirurgiões Dentis-
vantagens da radiografia digital para o profissional tas, julho de 1979, apud Holland R e Souza V. Considerações
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188 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Parte 3
Tomografia computadorizada como recurso
diagnóstico em Endodontia
Ricardo Affonso Bernardes

 DIAGNÓSTICO RADIOGRÁFICO Há ainda a limitação da capacidade diagnóstica de


reabsorções em radiografias. Reabsorções cervicais em
O diagnóstico é o alicerce para o tratamento
estágios iniciais são mais difíceis de serem diagnosticadas
odontológico e, mais especificamente, o endodôntico.
que as de tamanhos maiores. Além disso, são visualiza-
Ele normalmente é estabelecido por um conjunto de
das mais facilmente as reabsorções localizadas nas super-
exames clínicos, baseados em sinais e sintomas aliados
fícies proximais do que as localizadas nas superfícies ves-
a outros exames, chamados de auxiliares ou comple-
tibulares. Alguns estudos13,15 compararam radiográfica e
mentares e, dentre esses, os exames radiográficos.
microscopicamente a ocorrência de reabsorções perirra-
As radiografias periapicais são, pela facilidade e
diculares e observaram 94,4% de casos de reabsorção por
simplicidade em suas tomadas normais e variações de
microscopia contra 36,1% no exame radiográfico. Esses
técnica, de extrema utilidade em Endodontia. Na clíni-
resultados revelam que alguma forma de reabsorção ra-
ca diária, o uso das radiografias como recurso auxiliar
dicular pode estar presente na maioria dos dentes porta-
permite um amplo espectro de diagnósticos e procedi-
dores de lesão perirradicular crônica, que, muitas vezes,
mentos ao profissional da área, sendo que a radiografia
em função da sua extensão e da limitação diagnóstica ra-
periapical é a mais utilizada para a detecção da doença
diográfica não pode ser detectada pelo profissional19.
periodontal, reabsorções dentárias, fraturas radicula-
res e lesões perirradiculares. Com a radiografia digital ocorreu uma evolução
A imagem radiográfica periapical é excelente no diagnóstico endodôntico. Esse sistema não utiliza
para a análise de estruturas, como a coroa dental, raiz e filme para captura das imagens e sim a tecnologia com-
lesões perirradiculares. Contudo, ainda há dificuldade putadorizada, que é composta por um sensor intraoral,
para que sejam diagnosticadas a presença e a extensão constituído por uma placa intensificadora e por um mi-
de lesões no osso esponjoso, em função do percentual núsculo sensor (como o CCD) acoplado em fibras ópti-
de osso cortical destruído, das limitações da imagem cas, que substitui a prata. As vantagens desse sistema
bidimensional a partir de um objeto tridimensional, são a diminuição da exposição aos raios X e a rapidez
sobreposição de imagens de estruturas anatômicas e a da formação da imagem, projetada em um monitor de
angulação dos feixes de raios X. computador, além de possibilitar a manipulação das
As dificuldades de diagnóstico pela imagem ra- imagens24. Tem também sua utilização para avaliação
diográfica estão presentes em casos de fraturas radi- e confirmação do reparo de lesão perirradicular pela
culares, o que pode ser explicado pelo fato de que há técnica radiográfica de subtração digital. O método
uma demora no aparecimento de sinais radiográficos também apresenta maior sensibilidade que a radio-
que possibilitariam se suspeitar do problema. Os sinais grafia convencional para diagnóstico de reabsorções
radiográficos mais visíveis de suspeita de fratura são: radiculares e fraturas. Porém, há de ser ressaltado que
radiolucência do ligamento periodontal; perda óssea a radiografia digital também possui limitações, pois,
significativa ao redor da raiz; separação de fragmentos como as radiografias convencionais, sua imagem é bi-
radiculares, perda óssea horizontal em dente anterior; dimensional de objeto tridimensional e há a sobrepo-
perda óssea na furca e reabsorção óssea ao longo da sição de imagens, o que proporciona a limitação tanto
imagem de fratura. Os sintomas mais evidentes são dor da avaliação da forma total do objeto, como da correta
moderada a mastigação e edema. Bolsas ao redor dos localização e forma das estruturas.
dentes suspeitos são um sinal clínico importante. Tam- Na clínica endodôntica, o profissional tem ainda
se33 observou que linhas de fratura aparecem apenas como recurso auxiliar de diagnóstico as radiografias pa-
em 35,7% dos casos. É importante saber que a maior norâmicas. Suas indicações em Endodontia são: verifica-
associação dos sinais e sintomas aumenta a probabili- ção de lesões e sua extensão, relação de estruturas ana-
dade de diagnóstico de fraturas dentárias33. tômicas e planejamento de cirurgia perirradicular. Essa
Diagnóstico em Endodontia 189

técnica radiográfica tem a seu favor a pequena dose de


radiação, simplicidade de operação, melhor tolerância
por parte do paciente, maior quantidade de estruturas
examinadas e economia de tempo. Alguns autores res-
saltam que, além de as radiografias panorâmicas permi-
tirem menor dose de radiação, são melhores para o diag-
nóstico de extensão de lesões em alguns casos, pois per-
mitem melhor visualização do defeito ósseo em dentes
posteriores em comparação com as radiografias periapi-
cais, fato que se explicaria pela distorção da cortical óssea
produzida pela técnica panorâmica em região posterior.
Todavia, na maioria das vezes esse tipo de radiografia
não oferece nitidez adequada para um exame mais de-
talhado, de maneira que apresenta como desvantagens a
necessidade de equipamento especial, o custo, as distor-
ções de imagem e a má definição de detalhes6.
Figura 5-3.1. Tomografia helicoidal apresentando distorção da
Diagnóstico radiográfico tomográfico imagem por artefatos metálicos. (Gentileza do Dr. José Ribamar de
Azevedo.)
Em 1972, Hounsfield e Cormack desenvolveram
a tomografia computadorizada (TC), revolucionando a
área de diagnóstico por imagem. O objetivo era mon- ta de uma única vez, por meio da transformação da
tar essas imagens em um sistema de visualização volu- imagem algorítmica volumétrica, em três planos XYZ,
métrica tridimensional para mostrar órgãos e tecidos o que permite a visualização da imagem nos planos
com grande detalhe. O uso da TC convencional possui axial, sagital e coronário com excelente nitidez. A dose
características que a tornam mais vantajosa que a ra- de radiação e o custo para o paciente são reduzidos em
diografia convencional. Ela é bastante utilizada na área relação à TC convencional e, como há também dimi-
médica, apresentando algumas deficiências para sua nuição da presença de artefatos metálicos, isso torna a
utilização na Odontologia. As principais deficiências TCCB indicada no diagnóstico de pequenas lesões, de
consistem no aumento da radiação à qual o paciente fraturas radiculares e de reabsorções dentárias, sendo
fica exposto em relação à radiografia convencional; na considerada de grande importância e efetividade no
presença de artefatos inerentes ao método de aquisição; diagnóstico endodôntico.
resolução espacial relativamente pequena; incapaci- O primeiro aparelho a utilizar a tecnologia da TCCB
dade de detecção de doenças em estágios incipientes foi o NewTom 9000, desenvolvido na Itália por Mozzo
que não tenham resultado ainda em alterações signifi- et al., em 1998. Esse tipo de TC é baseado na formação
cantes dos coeficientes de densidade dos tecidos; tem- da imagem após emissão de feixe de raios X em forma
po de exame demorado; necessidade de grande espaço de cone centrado em uma única rotação. São obtidas
para a instalação do aparelho e custo do exame14. imagens em qualidade alta e com formato e resolução
Para a Endodontia, apesar das inovações de qua- diferentes (Fig. 5-3.2). O tempo para aquisição é de 36 se-
lidades de imagens 3D apresentadas pela TC helicoi- gundos. Com o paciente deitado, a exposição é de 5,4 se-
dal, há de ser pesado o custo ainda alto do aparelho/ gundos. Os tamanhos volumétricos das imagens são em
exame, a elevada dose de radiação e distorção quando voxel de 0,29mm, podendo ser de diâmetros entre 10, 15
da presença de artefatos metálicos, que são típicos na e 20cm, conforme o modelo do aparelho com detector de
Endodontia. Considera-se, como na TC convencional, a 1.000 × 1.000 pixels. Esse tipo de TC possui um software
sua indicação limitada para a Endodontia, como diag- de construção de imagem que permite analisar o volume
nóstico complementar (ver exemplo na Fig. 5-3.1). de dados do paciente em qualquer secção 3D, com boa
resolução espacial. A precisão geométrica, avaliada com
referência a várias modalidades de reconstrução e orien-
Tomografia computadorizada Cone Beam (ou
tações de espaço diferentes, é de erro de 0,8-1% para as
de Feixe Cônico) medidas de largura e de 2,2% para as de altura. A dose
Nessa última década foi desenvolvida a TC Cone de radiação absorvida é de aproximadamente 1/6 da TC
Beam (TCCB) ou TC de Feixe Cônico. A captura é fei- helicoidal. Há ainda a redução do custo e das dimensões
190 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

lindro. A unidade mínima que constitui uma imagem


(voxel) é um cubo com medida lateral de 0,125mm (Fig.
5-3.3) O aparelho de tomografia gera um volume de
imagem que pode ser rotacionado em qualquer direção
e visualizado nos planos X (coronário), Y (sagital) e Z
(axial). Sua dose de radiação é baixa, o tempo de expo-
sição máximo é de 17 segundos e de 10 minutos o de
reconstrução para a formação da imagem (Fig. 5-3.4).
Com o desenvolvimento desse novo aparelho de TC,
obtém-se imagem 3D com boa definição e baixa dose
de radiação, útil para o diagnóstico de doenças na re-
gião maxilofacial1.
Em 2001, a empresa J. Morita. Corp. fabricou um
aparelho de TC com tecnologia TCCB, com a denomi-
nação de Accuitomo 3DX, baseado nos princípios dos
trabalhos de Arai23.
A TCCB tem sido alvo de diversos estudos que
comprovam sua indicação para diferentes áreas da
Odontologia: Endodontia4,8,12,25, Odontopediatria9, Im-
plantodontia21, Cirurgia Bucomaxilofacial34, Ortodon-
tia14 e diagnóstico de desordens na ATM16.
A TCCB representou um grande incremento para
o diagnóstico, pois além de possibilitar o exame diag-
nóstico com mais detalhes permite uma baixa dose de
radiação16,36. A unidade SI de dose equivalente é o Sievert
(Sv). Foi criada a expressão dose equivalente para levar em
conta as diferentes capacidades de interações biológicas
das diferentes radiações às quais os organismos são sub-
metidos. Para comparação, a dose de radiação anual mé-
Figura 5-3.2. Diferenciação da forma de aquisição de imagens en-
dia à qual o individuo é submetido, em contato com a
tre a TC de feixe cônico (única) e a TC médica (várias secções). (Gen- atmosfera terrestre, é de 0,25 a 0,3mSv e a dose letal para
tileza do Dr. Bruno Azevedo.) o homem é estimada em 4,5 Sv (Quadro 5-3.1).

do aparelho, que tem tamanho similar ao do tomógrafo Quadro 5-3.1 Comparação entre os diferentes níveis de
dosagem de radiação
médico. O novo sistema de tomografia foi um grande
advento para diagnóstico26. Dose efetiva de Mínima Máxima
Arai et al.1 relataram o desenvolvimento de uma radiação (µSv)
TC com resolução cúbica superalta (Ortho-CT), carac-
terizada pelo tamanho pequeno do aparelho e pela Paciente submetido 20.000 – Anual
capacidade de produzir imagens em 3D de resolução 100.000 – 5 anos
alta. A tomada de imagens é realizada com o paciente 4.500.000 µSv = 4,5 Sv (letal)
sentado, em um aparelho semelhante ao da radiografia Contato com atmosfera 0,25 0,3 (anual)
panorâmica, com uso de 85kV e 10mA, usando filtro Rx periapical 1,1 5
fixo de 1mm, com tempo de exposição de 17 segundos Rx periapical (arcada) 33 84
e tempo de reconstrução em 3D de 10 minutos. A for- Panorâmica 15 66,7
mação da imagem é feita pela emissão de feixe cônico TC Convencional 1.200 3.300
de raios X centrado numa área que tem a reconstrução
TC Feixe Cônico 7 68
da forma de um cilindro com altura de 32mm e diâme-
Radiação cósmica
tro de 38mm, no qual é formada, após a rotação, uma (Viagem entre Paris e Tóquio) 150
imagem retangular com as mesmas dimensões do ci-
Diagnóstico em Endodontia 191

Figura 5-3.3. Forma de aquisição de imagem pelo tomógrafo Accuitomo 3DX e sua unidade mínima (voxel cubo de pixel com medida
lateral de 0,125mm).

Como incremento para pesquisa científica foi Vários trabalhos avaliaram molares superiores
desenvolvida a Microtomografia Computadorizada com a MTC após instrumentação e obturação do sis-
(MTC), sistema que é constituído de um aparelho tema de canais radiculares, onde foram observadas: a
portátil que possui uma fonte de emissão de feixe capacidade em exibir as morfologias externa e interna
cônico de raios X, com um tubo focal de tamanho dos dentes, sem a necessidade de sua destruição, com
menor que 8µm, ligado a um detector de radiografia cálculo das áreas de superfície e volumes de tecidos
com sistema fotográfico CCD (1.024 × 1.024 pixels antes e depois da instrumentação do canal2,17.
com 12-bit). Esse sistema é interligado por uma fibra Balto et al.2 avaliaram o uso da MTC quanto à
óptica a um cintilador radiográfico, tendo um filtro rapidez e quantificação de lesões não invasivas do
automático de 25% de reconstrução controlado por osso perirradicular comparadas à análise histológica.
um computador. Os espécimes são rotacionados a Os resultados mostraram uma correlação altamente
180o no eixo vertical e rotação simples de 0,9o, sendo significante entre a MTC e o resultado da análise mi-
o algoritmo de reconstrução rápido, em torno de 5 croscópica, confirmando a utilidade da MTC para a
segundos, permitindo cortes em tamanhos de 100 a quantificação precisa das mudanças na arquitetura
200µm. Diversos estudos relatam o uso e aplicação óssea, em espécimes pequenos. A MTC também foi
na Endodontia da MTC (Fig. 5-3.5). utilizada com o objetivo de determinar a frequência
192 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Figura 5-3.4. Imagem formada nos três planos – axial, sagital e coronal – pela TC de feixe cônico (Accuitomo 3DX).

e a extensão de reabsorções radiculares apicais as- dos artefatos metálicos, além de possibilitar o diag-
sociadas a lesões perirradiculares, onde concluíram nóstico com mais detalhes.
que a MTC pode ser considerada ferramenta para Diversos trabalhos científicos têm-se baseado
estudar reabsorções. nesse novo tipo de tomógrafo, e muitos aparelhos
A MTC também apresentou excelentes resulta- foram desenvolvidos com a utilização dessa nova
dos na análise da anatomia interna dental, conforme tecnologia. No Brasil existem os seguintes apare-
demonstrado no Atlas de Anatomia 3D de Brown e lhos: 3D Accuitomo-FPD (J. Morita Manufactu-
Herbranson. ring, Kyoto, Japão) (Fig. 5-3.6); NewTom QRV 9000
Em especial para a Endodontia, a TCCB repre- (Quantitative Radiology, Verona, Itália) (Fig. 5-3.7);
sentou uma modificação nos conceitos de diagnós- o i-CAT (Xoran Technologies, Ann Arbor, Michi-
tico, não só pela baixa dosagem de radiação, como gan/Imaging Sciences International, Hatfield, PA,
também pela excelente qualidade diagnóstica e pela EUA) (Fig. 5-3.8).
possibilidade de obtenção e manipulação de ima- Desde 1998 até os dias atuais, aperfeiçoou-se
gens 3D com melhor visualização das estruturas a tecnologia desses aparelhos, diminuiu-se o cus-
anatômicas, com formação de imagens com adequa- to para aquisição do equipamento e aumentou-se
da geometria e contraste, diminuição significativa a quantidade de aparelhos disponíveis para a rea-
Diagnóstico em Endodontia 193

Figura 5-3.5. Microtomógrafo Computadorizado SkyScan 1172 Figura 5-3.7. Aparelho NewTom QRV 9000. (Quantitative Radiolo-
High-Resolution Micro-CT (http://www.microphotonics.com). gy, Verona, Itália.)

Figura 5-3.6. Aparelho Accuitomo-3DX. (J. Morita Manufacturing, Figura 5-3.8. Aparelho i-CAT. (Xoran Technologies, Ann Arbor, Mi-
Kyoto, Japão.) chigan/Imaging SciencesInternational, Hatfield, Pa, EUA.)

lização dos exames. Hoje, a grande preocupação sentado, o NewTom 9000 VG. A empresa Siemens
das empresas é criar tomógrafos que utilizam a lançou nesse mesmo ano um tomógrafo portátil,
tecnologia do feixe cônico, semelhantes ao i-CAT o Siremobil, como também a Hitachi lançou o CB
e Accuitomo, que permitem a realização do exame MercuRay (Hitachi Medical Corp, Chiba-ken, Ja-
com o paciente sentado, possibilitando, dessa for- pão). A empresa japonesa J. Morita melhorou a tec-
ma, manter a posição natural da cabeça na aquisi- nologia de seu tomógrafo Accuitomo-3DX com o
ção da imagem. Em 2007, a Quantitative Radiology aparelho Accuitomo-FPD.
(Verona, Itália), que fabrica o NewTom 9000 QRV, O Quadro 5-3.2 mostra os detalhes e diferenças
lançou um tomógrafo com a tecnologia do feixe cô- entre cada de tipo de aparelho existente no mercado
nico que permite realizar o exame com o paciente nacional.
194 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Quadro 5-3.2 Detalhes e diferenças entre cada de tipo de aparelho disponível no mercado nacional.
Adaptado de Danforth et al.10

Tipo de aparelho TC Helicoidal NewTom i-Cat Accuitomo 3DX Accuitomo FPD

Tipo Rx Seccional Feixe Cônico Feixe Cônico Feixe Cônico Feixe Cônico
Sensor Captura Linear Área (CCD) Área (FPD) Área (CCD) Área (FPD)
Posição Paciente Deitado Deitado Sentado Sentado Sentado
Tempo Aquisição Minutos 36s 10-40s 17s 17-s
Área de imagem Corpo inteiro 130 x 130 a 220 x 250mm 110 x 110 a 170 x 170mm 40 x 30mm 60 x 60mm
Secção de imagem 1mm 0,2 a 0,4 0,2 a 0,4 0,125 a 2 0,125 a 2
Dose Radiação(µSv) 1.200-3.300 50 34 a 68 7 7

Figura 5-3.9. Comparação de imagens pelas TCs com diferentes aparelhos. (Gentileza do Dr. Bruno Azevedo.)

Na comparação dos aparelhos, todos permi- ou cirurgia, a TCCB pode assumir aspecto de suma im-
tem uma melhor qualidade diagnóstica em relação portância para a Endodontia (Figs. 5-3.10 a 15).
às radiografias e TC helicoidal. Porém, o conforto
proporcionado ao paciente está diretamente relacio-
nado com a posição (sentado) e a rapidez do exame,  DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO DE
a menor área de imagem obtida, à menor dose de tratamento
radiação, e para o diagnóstico, quanto menor a sec- Para diagnóstico e planejamento de cirurgias, a
ção de corte que o aparelho produz, melhor será a TCCB permite visualização do elemento dental e sua
qualidade da imagem obtida (Fig. 5-3.9). relação com suas estruturas anatômicas circunvizinhas
Em função de suas qualidades, a TCCB Feixe como seio maxilar, forame mentoniano, canal alveolar
Cônico possibilita diferentes indicações e formas de inferior etc.36 (Figs. 5-3.16 e 17).
diagnóstico na Endodontia4,5,8.

Diagnóstico de lesões perirradiculares


 DIAGNÓSTICO DE ANATOMIA E
A dificuldade de diagnóstico por imagens ra-
MORFOLOGIA DE CANAL diográficas de lesões perirradiculares já foi citado por
Nos casos de diagnóstico de possíveis falhas no tra- diversos autores. Tal fato é atribuído, dentre outros
tamento endodôntico e decisão quanto ao retratamento fatores, principalmente ao tempo para a evolução da
Diagnóstico em Endodontia 195

lesão e rompimento da cortical óssea3, o que permitiria


sua visualização radiograficamente. Tais dificuldades
ocorrem tanto em relação às radiografias periapicais,
quanto às panorâmicas27.
Já com as tomografias, o incremento diagnóstico
das lesões é significativo4,5,12. Simon et al.28 compararam
a capacidade da TCCB de diagnosticar lesões perirra-
diculares (granuloma e cisto) quando em comparação à
biópsia, obtendo coincidência em 13 de um total de 17
casos28. Outros autores também comprovaram a eficá-
cia diagnóstica desse tipo de tomografia4,5,8,12.
Bernardes,5 em 2007, comparou a capacidade
diagnóstica da TCCB utilizando o aparelho Accui-
Figura 5-3.10. Corte tomo- tomo 3DX com as radiografias periapicais e panorâ-
gráfico revelando tratamento micas em casos de lesões perirradiculares, fraturas
endodôntico aquém dos limi- radiculares e reabsorções dentárias. Para tal, foram
tes aceitáveis e em associação analisadas as imagens obtidas por meio da tomogra-
com lesão. Imagem obtida pelo
fia e pelas técnicas radiográficas periapical e pano-
aparelho NewTom 9000. (Gen-
tileza do Centro Radiológico 3a râmica de 150 casos clínicos, por dois examinadores
Dimensão, Brasília – DF.) calibrados, usando escores preestabelecidos. Os resul-

A B C

D E F

Figura 5-3.11. Localização de canal sem obturação na raiz distal do segundo molar inferior. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico
(Accuitomo3DX) da raiz distal. C. Corte mesial. D. Notar a presença do 4o canal. E. Radiografia para comprovação do 4o canal. F. Radiografia
de prosservação.
196 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

A B

C D

Figura 5-3.12. Diagnóstico: falta de obturação do canal radicular e desvio. A. Radiografia periapical. B. Tomografia (Accuitomo3DX) com
extensão da lesão. C. Corte tomográfico para diagnóstico da falta de obturação de canal radicular e desvio. D. Radiografia periapical do canal
retratado.

A B C

Figura 5-3.13. Diagnóstico de anastomose do nervo alveolar inferior com lesão perirradicular. A. Radiografia periapical após desobstrução
do canal radicular e da medicação, a dor não cessava. B, C. Detalhe da extensão na TC com Accuitomo da lesão que fazia contato com rami-
ficação do nervo alveolar inferior. (Gentileza do Dr. José Ribamar Azevedo.)
Diagnóstico em Endodontia 197

A B

Figura 5-3.14. Defici-


ência na obturação e 4o
canal não tratado no 1o
molar superior. A. Ra-
diografia periapical. B.
4o canal detectado na
tomografia (seta). C, D.
C D Mensuração do limite
apical das obturações.

A B

Figura 5-3.15. Diagnóstico


de tratamento endodôntico
deficiente. A. Radiografia pe-
riapical, paciente apresenta-
va dor constante à mastiga-
ção. B. Tomografia com Ac-
cuitomo. B. Raiz MV. C. Raiz
C D
DV. D. Raiz P.
198 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

B C D

Figura 5-3.16. Diagnóstico de lesão e distâncias para cirurgia perirradicular. A. Radiografia panorâmica. B. Radiografia periapical. C. Corte
tomográfico com extensão da lesão e distância para o forame mentoniano. D. Radiografia de prosservação após 1 ano.

Figura 5-3.17. Distância do material obturador extravasado para o nervo alveolar. Imagem do aparelho NewTom 9000. (Gentileza do Centro
Radiológico 3a Dimensão Brasília – DF.)

tados permitiram afirmar que a técnica da tomografia Diagnóstico de fraturas radiculares


apresentou diferença estatisticamente significante em
relação às técnicas radiográficas, com um grande in- O baixo índice de diagnóstico de fraturas nas ra-
cremento no diagnóstico da extensão e localização de diografias periapicais é devido à ausência de condições
lesões perirradiculares (Fig. 5-3.18), fraturas radicula- nítidas, como linhas de fraturas em direção à raiz, ou à
res e reabsorções dentárias5. obturação dos canais, espaço entre a parede do canal e
Diagnóstico em Endodontia 199

B C D

Figura 5-3.18. Diagnóstico de lesões perirradiculares. A. Radiografia panorâmica, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no
dente 11. B. Radiografia periapical, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no dente 11. C, D. Cortes tomográficos (Accuitomo)
com visualização da lesão perirradicular no dente 11.

a obturação, perdas ósseas, perda da continuidade do tadas, são preenchidas por um novo cemento e regula-
ligamento periodontal e halos radiolucentes22,33. Porém, rizadas. Nessas áreas há nova camada cementoblástica
as tomografias, principalmente a TCCB, por apresenta- e reinserção de fibras periodontais, restabelecendo-se
rem imagens com qualidade em 3 dimensões, mostram assim a função local. Nos estágios iniciais, as lesões
melhor capacidade em diagnosticar e visualizar fratu- são microscópicas e não detectáveis radiograficamen-
ras radiculares4,5,20,22 (Figs. 5-3.19 a 22). te. “A detecção precoce de lesões iniciantes durante o
tratamento ortodôntico é essencial para minimizar os
Diagnóstico de reabsorções radiculares danos resultantes da progressão desse processo se a
Freitas15 relatou que “a reabsorção radicular ex- causa não for removida”15. Todavia, a detecção de rea-
terna é um fenômeno que pode ser induzido por vá- bsorções em estágios iniciais por meio de radiografias
rios fatores etiológicos independentes, ou seja, agindo é extremamente difícil13-15,19,37.
cada um isoladamente, não se caracterizando como Nesse mesmo estudo, Freitas15, comparou o diag-
uma lesão multifatorial, expressão que transmite a ne- nóstico das reabsorções dentárias utilizando dois tipos
cessidade de ação conjunta e simultânea deles”. A re- de exame: radiografia periapical e TCCB (tomógrafo
absorção radicular tem seus mecanismos conhecidos e iCat). A amostra constituiu-se de 16 dentes anteriores e
esclarecidos, caracterizando-se por se paralisar assim da descrição clínica de 20 exames tomográficos de feixe
que sua causa, devidamente identificada, seja removi- cônico. Nos dentes anteriores foram analisadas as carac-
da. Do mesmo modo que controláveis, as reabsorções terísticas morfológicas da raiz dentária comparando a
dentárias são reversíveis, pois as lacunas de Howship, imagem da radiografia periapical e os cortes tomográfi-
que representam as irregularidades das superfícies afe- cos transversais oblíquos. Os resultados revelaram que a
200 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

A B C

Figura 5-3.19. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B, C. cortes tomográficos (Accuitomo), que mostram fratura no terço
médio da raiz distal.

A B

Figura 5-3.20. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B. Cortes tomográficos (Accuitomo) mostrando a fratura.

A B

Figura 5-3.21. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B. Cortes tomográficos (Accuitomo).


Diagnóstico em Endodontia 201

TCCB é um meio de diagnóstico eficiente para previsibi-


lidade e avaliação das reabsorções radiculares. Os cortes
tomográficos transversais oblíquos permitem a análise
das faces vestibular e lingual do dente e, nos cortes to-
mográficos sagitais oblíquos, são obtidas as imagens
das faces mesial e distal. Não houve correlação entre o
diagnóstico obtido na radiografia periapical e nos cortes
tomográficos transversais oblíquos.
A TCCB tem grande potencial de aplicação clínica
no diagnóstico e confecção de um plano de tratamento
para as reabsorções radiculares, permitindo determi-
nar a complexidade da reabsorção, sua localização, ex-
tensão e proximidade com estruturas anatômicas5,7,20,22
(Fig. 5-3.23 a 5-3.25).
Figura 5-3.22. Localização de fratura pela TC com New. (Gentileza
do Dr. Olavo Lira.) Considerações gerais
Quando forem esgotados todos os recursos ad-
vindos das técnicas radiográficas e suas variações e a
dúvida ainda persistir, o uso da TCCB com obtenção
de imagens tridimensionais está indicado, represen-
tando um grande avanço para o diagnóstico clínico,
tanto pela baixa dose de radiação, como pela grande
magnificação de imagem 3D5,8,12,20,25. Deve ser ressalta-
do o custo maior desse recurso em relação aos exames
radiográficos convencionais e a necessidade de encami-
nhar o paciente a um centro radiológico. A introdução
desse novo tipo de tecnologia em universidades pode
ser uma forma de socialização do diagnóstico.
É importante salientar ainda que, embora essa
nova técnica tomográfica reduza o aparecimento de
Figura 5-3.23. Determi- artefatos de imagem comuns na TC convencional, eles
nação do grau de reabsor-
ainda podem existir quando da presença de mate-
ção interna pelo aparelho
NewTom. (Gentileza do Dr. riais radiopacos, como metais, guta-percha e cimentos
Olavo Lira.) obturadores11,18,20,29.

A B C

Figura 5-3.24. Diagnóstico de reabsorção radicular com Accuitomo. A. Radiografia periapical do dente 11. B. Corte tomográfico do dente
11. C. Corte tomográfico do dente 21 (reabsorção radicular apical).
202 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

A B

C D E F

Figura 5-3.25. Diagnóstico de reabsorção radicular com aparelho iCat. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico indicando reabsorção
cervical externa. Reconstrução tridimensional da vista vestibular da região do dente 23 em C; com remoção do tecido ósseo em D; vista
mesial do dente 23 em E, vista palatina do dente 23 em F. (Gentileza da Dra. Patrícia Z. Freitas.)

Portanto, esse fato deve sempre ser levado em con- ficas, antes da indicação do recurso tomográfico como
sideração no momento do fechamento do diagnóstico. auxiliar de diagnóstico e, acima de tudo, considerar que
Daí ser importante correlacionar sinais e sintomas com os sinais e sintomas devem ser soberanos com relação à
o laudo tomográfico, conscientizar o paciente do fato e, decisão sobre o procedimento a ser realizado, pois nada
acima de tudo, a responsabilidade ética e profissional substitui a capacidade, o senso clínico e a acurácia do
deve ser soberana em decisões radicais (Fig. 5-3.26). profissional. O conhecimento e o uso de novas técnicas
A TCCB como uma nova ferramenta é um excelen- são parceiros de sucesso, porém, acima de tudo, devem
te recurso auxiliar do diagnóstico. Contudo, devem ser ser aliados à responsabilidade e respeito ao paciente, fa-
esgotados todos os recursos clínicos e técnicas radiográ- tores imprescindíveis para o êxito do tratamento.

A B C

Figura 5-3.26. Exemplo de artefato metálico produzido em TCCB. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico com sugestão de fratura.
C. Foto demonstrando ausência de sinais e sintomas.
Diagnóstico em Endodontia 203

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17. Jung M, Lommel D, Klimek J. The imaging of root canal ob- WD, Souza PH. Conventional and digital radiographic meth-
turation using micro-CT. Int Endod J, 2005; 38: 617-26. ods in the detection of simulated external root resorptions: a
18. Katsumata A, Hirukawa A, Noujeim M, Okumura S, Naitoh comparative study. Dentomaxillofac Radiol, 2004; 33: 233-5.
M, Fujishita M et al. Image artifact in dental cone-beam CT. 38. Youssefzadeh S, Gahleitner A, Dorffner R, Bernhart T, Kain-
Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, 2006; 101: berger FM. Dental vertical root fractures: value of CT in de-
652-7. tection. Radiology, 1999; 210: 545-9.
204 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

BOXE 5-3.1

Cortes para análise por Tomografia


Computadorizada de Feixe Cônico
Leonardo M. Veiga

Uma vez que a tomografia computadorizada MPR – Reconstrução Multiplanar


Cone Beam (ou do Feixe Cônico) foi recentemente Composta por três imagens:
introduzida como excelente opção de diagnóstico Axiais – Sequências de cortes paralelas ao pala-
viável e de alta sensibilidade em Endodontia, é im- to duro (Fig. 5-3.1).
portante que o profissional conheça os possíveis pla- Coronais – Sequências de cortes paralelas à su-
nos (cortes) utilizados para avaliação e interpretação tura coronal (Fig. 5-3.2).
nessa técnica. Este boxe exemplifica tais cortes. Sagital – Sequências de cortes paralelas à sutura
sagital (Fig. 5-3.3).

Corte panorâmico – Coronal oblíquo


Composto por duas imagens, sendo o corte
axial a referência para traçarmos a panorâmica.
Axiais (Fig. 5-3.4).
Panorâmica (Fig. 5-3.5).

Figura 5-3.1. Corte axial.

Figura 5-3.2. Corte coronal. Figura 5-3.4. Corte axial.

Figura 5-3.3. Corte sagital. Figura 5-3.5. Corte panorâmico.


Diagnóstico em Endodontia 205

Corte oblíquo Corte transaxial


Formado a partir do corte transaxial, tendo Formado a partir do corte axial tendo como re-
como referência o corte axial. ferência o corte panorâmico.
Axiais (Fig. 5-3.6). Axiais (Fig. 5-3.9).
Transaxial (Fig. 5-3.7). Panorâmica (Fig. 5-3.10).
Oblíquo (Fig. 5-3.8). Transaxiais (Fig. 5-3.11).

Figura 5-3.6. Corte axial.

Figura 5-3.7. Corte transaxial.

Figura 5-3.8. Corte oblíquos.


206 Capítulo 5  Diagnóstico em Endodontia

Figura 5-3.9. Corte axial.

Figura 5-3.10. Corte panorâmico.

Figura 5-3.11. Corte transaxial.


Preparação para o Capítulo 6
Tratamento
Endodôntico

Parte 1
Esterilização e desinfecção em Endodontia
Julio Cezar Machado de Oliveira • Flávio Rodrigues Ferreira Alves

Viena, Áustria, em 1846, era a capital do Império crepantes. Semmelweis se iniciou então nos estudos de
Austro-Húngaro, uma das principais cidades do mun- Anatomia Patológica e Medicina Legal na tentativa de
do nessa época. Ali havia um importante hospital, o identificar a causa de tantas mortes. Observou que as
Allgemeine Krankenhaus (hoje um hospital universi- pacientes apresentavam supurações extensas e que es-
tário), onde em uma de suas enfermarias obstétricas sas lesões eram semelhantes às de um colega médico
se observava um índice extremamente elevado de que se havia ferido durante a realização de um parto.
mortes decorrentes de infecção puerperal*. Curiosa- Logo depois, observou que um dos professores de Me-
mente, uma enfermaria vizinha apresentava índices dicina morreu após se ferir com o bisturi com o qual
de mortalidade dez vezes menores. A primeira enfer- fazia a necropsia de um dos casos de infecção puerpe-
maria era atendida por estudantes de Medicina e seus ral. Analisando a história da instituição, Semmelweis
orientadores. Por sua vez, a que apresentava baixos notou que o índice de mortalidade, paradoxalmente,
índices de mortalidade era atendida por parteiras. Um aumentou quando se iniciaram os estudos de Anato-
jovem médico húngaro, Ignaz Philipp Semmelweis, mia Patológica no hospital. Os médicos tinham como
foi contratado para trabalhar nessa enfermaria, e com rotina realizar as necropsias, onde mostravam aos seus
os conhecimentos da época não conseguiu encontrar alunos a aparência anatomopatológica dos cadáveres
explicação para esses índices de mortalidade tão dis- e, logo depois, se encaminhavam às salas de parto para
atender às gestantes. Semmelweis, então, encontrou
a solução para o enigma: algo era transferido de uma
∗ Infecção puerperal é um quadro febril que se caracteriza por ocorrer
pessoa para aquela que desencadeava a doença, prova-
pelo menos 24 horas após o parto e que tem como etiologia dominante velmente transportado pelos instrumentos cirúrgicos
a contaminação dos órgãos geniturinários da parturiente pelos e/ou pelas mãos dos operadores, isto é, instrumentos
procedimentos realizados antes e durante o parto. O tipo mais comum
de infecção puerperal é a endometrite, infecção no útero que, se não que mal eram limpos após cada procedimento e mãos
for corretamente tratada, evolui para infecção generalizada e óbito. que não eram sequer lavadas entre um procedimento

207
208 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

e outro. Semmelweis decidiu por conta própria, sem a já que as patologias endodônticas são, em essência,
autorização de seus superiores, afixar cartazes nas en- doenças infecciosas causadas por micro-organismos
fermarias com os seguintes dizeres: “A partir de hoje, (ver Capítulo 4). A eliminação dos micro-organismos
15 de maio de 1847, todo estudante ou médico é obri- do sistema de canais radiculares e as medidas volta-
gado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica, a das para a manutenção desse ambiente livre de micro-
lavar as mãos, com uma solução de ácido clórico*, na organismos constituem os principais fatores para um
bacia colocada na entrada. Esta disposição vigorará prognóstico favorável ao tratamento endodôntico28.
para todos, sem exceção.” Não devemos encarar a biossegurança apenas
No entanto, para os médicos da época, reconhe- como uma consciência individual do profissional,
cer que Semmelweis estava correto resultava em assu- mas sim como um compromisso coletivo de todos os
mir que haviam sido responsáveis pela morte de um membros da equipe, sendo o descaso de um o pre-
número incontável de mulheres. Esse fato, associado a juízo de todos.
questões pessoais e políticas, resultou na demissão de Os instrumentos endodônticos são classificados
Semmelweis e no não reconhecimento oficial de sua va- como críticos em razão de terem contato com tecido
lorosa contribuição para a ciência. Essa situação acon- conjuntivo e sangue2,29, requerendo, portanto, esterili-
teceu alguns anos antes que Robert Koch e Louis Pas- zação. O equipamento considerado como padrão para
teur estabelecessem a correlação entre doença e micro- a esterilização do material endodôntico é a autoclave.
organismos e, consequentemente, a relação entre sujeira Nessa seção apresentaremos os principais con-
e contaminação dos processos cirúrgicos. Ironicamente, ceitos que norteiam o controle de infecções na prática
Semmelweis morreu vítima de infecção generalizada em endodôntica, assim como as etapas e considerações do
1865, mesmo ano em que um cirurgião escocês chamado processamento dos artigos endodônticos.
Joseph Lister, que havia lido sobre as teorias do médico
húngaro, começou a ficar famoso ao obter os menores
índices de óbitos pós-cirúrgicos da Europa. Lister utili-
 CONCEITOS
zava uma solução de fenol para a desinfecção das mãos, • BIOSSEGURANÇA – Condição de segurança alcan-
do instrumental e do ambiente cirúrgico. çada por um conjunto de ações destinadas a preve-
As décadas seguintes consolidaram as primeiras nir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às
medidas eficazes para fornecer as bases justificadoras atividades que possam comprometer a saúde huma-
dos protocolos de biossegurança hoje difundidos mun- na, animal e vegetal, ou o meio ambiente.
dialmente. Os conhecimentos acumulados pela Micro- • LIMPEZA – Remoção mecânica de sujidades com
biologia mostraram que a eliminação de todas as for- o objetivo de reduzir a carga microbiana, a matéria
mas microbianas não era obtida adequadamente pela orgânica e os contaminantes de natureza inorgâni-
utilização apenas de soluções desinfetantes, nem com ca, de modo a garantir o processo de desinfecção e
a fervura do instrumental cirúrgico, desenvolvendo-se esterilização e a manutenção da vida útil do artigo.
a esterilização em temperaturas mais elevadas, che- Deve ser realizada em todo artigo exposto ao campo
gando-se ao forno com 170ºC e às modernas autocla- operatório.
ves que trabalham com umidade a altas temperaturas • DESINFECÇÃO – Processo físico ou químico que
sob pressão. Descobriu-se que mesmo a lavagem das elimina a maioria dos micro-organismos patogêni-
mãos não garantia a proteção do ambiente cirúrgico e cos, com exceção de esporos bacterianos, de objetos
do próprio operador contra infecções, e se desenvolveu inanimados e superfícies.
o recurso das luvas cirúrgicas. • ESTERILIZAÇÃO – Processo que visa destruir ou
Dentro deste contexto, o controle de infecções na eliminar todas as formas de vida microbiana presen-
prática endodôntica assume especial interesse, pois, tes por meio de métodos físicos ou químicos.
além dos riscos biológicos do próprio trabalho odon- • ANTISSEPSIA – Processo físico-químico que elimi-
tológico, o ambiente endodôntico ora é rico em tecido na a maioria dos micro-organismos patogênicos,
conjuntivo e sangue, ora em micro-organismos. Não é com exceção de esporos bacterianos, de superfícies
somente uma questão de controlar e prevenir os riscos expostas do corpo humano.
inerentes à atividade clínica, mas também uma questão • ASSEPSIA – Prevenção de contaminação por micro-
que influencia diretamente o sucesso dos tratamentos, organismos. Inclui condições estéreis em tecidos,
materiais e em salas, obtidas por exclusão, remoção
*Soluções diluídas de ácido clorídrico, fonte de cloro. ou destruição de micro-organismos.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 209

 EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO sujeira ou matéria orgânica pela ação de ondas ultras-


INDIVIDUAL (EPI) NA PRÁTICA sônicas de baixa frequência (Fig. 6-1.2). As cubas ul-
ENDODÔNTICA trassônicas promovem a cavitação ultrassônica, que
se propaga através dos materiais condutores de som
De acordo com o Ministério da Saúde, o equipa- como metal, vidro e líquidos, promovendo a limpeza
mento de proteção individual (EPI) é todo dispositivo em cavidades e orifícios de difícil acesso. Uma solução
ou produto de uso individual, utilizado pelo traba- de detergente enzimático deve preencher a cuba e nela
lhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de os instrumentos ficam submersos. Algumas cubas exis-
ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. O Quadro tentes no mercado promovem o aquecimento da solu-
6-1.1 apresenta os EPIs indicados pelo Ministério da ção enzimática durante o processo. A limpeza ultrassô-
Saúde para a proteção corporal do cirurgião-dentista nica apresenta como vantagens a redução do risco de
e demais membros da equipe de saúde odontológica acidentes durante a limpeza dos artigos, a reprodutibi-
contra diferentes ameaças, incluindo recomendações lidade e o fato de que reduz significativamente os de-
específicas para cada equipamento2. tritos residuais das limas endodônticas quando compa-
rada a outros métodos7,21,32. Pelo exposto, consideramos
essa limpeza passo essencial durante o processamento
 PROCESSAMENTO DE ARTIGOS
dos artigos endodônticos, que quando combinada com
ENDODÔNTICOS (Fig. 6-1.1) a limpeza manual proporciona a máxima eliminação
1a Fase – Imersão: após a consulta endodôntica, o de detritos presentes nos instrumentos15,20.
profissional deverá acondicionar todos os artigos não 3a Fase – Enxágue: imediatamente após a lim-
descartáveis em um recipiente de plástico resistente, to- peza, deve-se enxaguar os artigos sob água corrente,
talmente imersos em solução de detergente/desincros- garantindo a completa remoção das sujidades e do(s)
tante enzimático, seguindo as instruções do fabricante produto(s) utilizado(s) na limpeza. Artigos que contêm
quanto ao tempo de ação e à diluição. Os detergentes lúmen, como cânulas de aspiração, devem ser enxa-
enzimáticos degradam apenas a matéria orgânica, não guados com bicos de água sob pressão.
afetando, portanto, os instrumentos metálicos. É impor- 4a Fase – Inspeção visual: após o enxágue, deve-se
tante salientar que todos os instrumentos contidos no inspecionar o material a fim de verificar a qualidade da
mesmo recipiente antes do atendimento devem ser con- limpeza e a integridade dos artigos. Caso exista sujidade
siderados como contaminados, uma vez que esse reci- visível, devemos repetir os passos anteriores. Na inspe-
piente tenha sido violado (aberto) independentemente ção das limas endodônticas, se detectadas deformações
de ter sido utilizado diretamente para o atendimento plásticas, elas devem ser descartadas e substituídas.
ou não. Após esse procedimento, o profissional deverá Nessa etapa, lupas auxiliam o profissional no exame do
se dirigir ao setor ou local de expurgo, distante do am- material, principalmente das limas endodônticas.
biente clínico, para proceder às etapas seguintes. 5a Fase – Secagem: a secagem do material pode
2a Fase – Limpeza dos artigos endodônticos: in- ser realizada com o auxílio de compressas descartáveis
dependentemente do fato de necessitarem de esterili- (tipo fralda) ou em estufa a 60ºC. Os lúmens dos arti-
zação, os artigos endodônticos utilizados (que devem gos devem ser secos com ar comprimido.
ser considerados como contaminados) e não descartá- 6a Fase – Acondicionamento e empacotamento dos
veis deverão receber uma limpeza prévia e, para tal, artigos endodônticos: como o processo de esterilização
o profissional deverá utilizar EPIs apropriados para indicado para artigos endodônticos é físico, utilizan-
essa etapa, os quais incluem luvas de borracha resis- do-se autoclaves, é necessário que os instrumentos
tente e de cano longo, gorro, máscara, óculos de pro- metálicos estejam acondicionados preferencialmente
teção, avental impermeável e calçados fechados. A em caixas metálicas perfuradas e fechadas, a fim de se
limpeza pode ser realizada de duas formas: manual prevenir a perfuração das embalagens. As embalagens
ou ultrassônica (automatizada). A manual consiste devem permitir a penetração do agente esterilizante e
na aplicação de sabão/detergente nos artigos, se- posteriormente proteger os artigos de modo a garantir
guida da fricção com escovas e esponjas. Instrumentos a esterilidade até o seu rompimento2.
que retêm sujidades, como as limas endodônticas, os A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
grampos de isolamento e as brocas, devem ser desin- (ANVISA) recomenda os seguintes materiais para em-
crustados com escovas de cerdas de metal. Já a limpeza pacotamento: papel grau cirúrgico, papel crepado, te-
ultrassônica é realizada para a remoção mecânica de cido não tecido (TNT) e tecido de algodão cru (campo
210 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador

Parte do corpo EPI indicado Proteção contra Recomendações


protegida

Gorro Contaminação por secreções, Deve ser preferencialmente


aerossóis e produtos, além de descartável, cobrir todo o cabelo
prevenir acidentes e evitar a e as orelhas, e ser trocado sempre
Cabeça queda de cabelos nas áreas de que necessário ou a cada turno de
procedimento. trabalho. Recomenda-se o uso pelo
paciente em casos de procedimentos
cirúrgicos.

Óculos de proteção Impactos de partículas volantes. Deve possuir as laterais largas e


Luminosidade intensa. ser confortável, com boa vedação
Radiação ultravioleta. lateral, e totalmente transparente,
Respingos de produtos químicos e permitir a lavagem com água e sabão,
material biológico. desinfecção quando indicada, sendo
guardado em local limpo, seco e
embalado.
Recomenda-se o uso também pelo
paciente para evitar acidentes.

Protetor facial Impactos físicos. Fabricado em policarbonato, o


Impactos de partículas volantes. protetor facial pode substituir o óculos
Respingos de produtos químicos e de proteção, porém não substitui a
material biológico. máscara.
Olhos e face Atua também como coadjuvante
na proteção respiratória contra:
gases emanados de produtos
químicos, vapores orgânicos ou
gases ácidos no ambiente e
aerossóis.

Máscara Impactos de partículas volantes. Deve ser descartável, de filtro


Luminosidade intensa. duplo e tamanho suficiente para
Radiação ultravioleta. cobrir completamente a boca e o
Respingos de produtos químicos e nariz, permitindo a respiração normal
material biológico. e não irritando a pele. Deve ser
descartada após o atendimento a cada
paciente ou quando ficar umedecidas.

Avental Aerossóis e respingos durante os Deve ser de mangas longas, tecido


procedimentos. claro e confortável, podendo ser
Riscos de origem térmica. de pano ou descartável para os
Acidentes de origem mecânica. procedimentos que envolvam
Ação de produtos químicos. o atendimento a pacientes e
Tronco Umidade proveniente de operações impermeável nos procedimentos de
com uso de água. limpeza e desinfecção de artigos,
Contaminação por agentes equipamentos ou ambientes. Deve
biológicos. ser usado fechado durante todos os
Exposições radiológicas – vestimenta procedimentos.
plumbífera.

(continua)
Preparação para o Tratamento Endodôntico 211

Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador
(continuação)

Parte do corpo EPI indicado Proteção contra Recomendações


protegida

Luvas Agentes abrasivos e escoriantes. Devem ser de boa qualidade e usadas


Agentes cortantes e perfurantes. em todos os procedimentos. Devem
Choques elétricos. ser utilizadas luvas apropriadas para
Agentes térmicos. cada momento, conforme segue:
Agentes biológicos. Luva de procedimento – exame clínico
Agentes químicos. e tratamento odontológico de rotina.
Luva cirúrgica (esterilizada) – indicada
para procedimentos cirúrgicos.
Membros
Luva de borracha espessa longa –
superiores
indicada para lavagem do material
e remoção de barreiras físicas dos
equipos.
Sobreluva – indicada para recobrir
a luva de procedimento quando
o profissional necessitar tocar em
aparelhos e objetos não recobertos
por barreiras físicas.

Calçados Impactos de quedas de objetos. Devem ser fechados e com solado


Choques elétricos. antiderrapante.
Agentes térmicos.
Membros
Agentes cortantes e escoriantes.
inferiores
Umidade proveniente de operações
com uso de água.
Respingos de produtos químicos.

Figura 6-1.1. Processamento de artigos en-


dodônticos.
212 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

O profissional deverá adequar seus jogos à sua necessi-


dade, de acordo com suas técnicas de instrumentação
e obturação. Existem evidências comprovando que a
utilização de esponjas não interfere na esterilização das
limas endodônticas por meio de vapor saturado sob
pressão3,31. Todo o conjunto deve ser convenientemente
embalado e esterilizado, estando pronto para uso. Vale
ressaltar que a utilização das esponjas favorece a lim-
peza desses instrumentos durante o atendimento, pro-
cedimento esse que otimiza o trabalho do profissional,
pois não será necessária a confecção do jogo durante a
consulta, o que demanda tempo. Não recomendamos
a confecção de jogos de limas organizados em gazes e
acondicionados em envelopes de grau cirúrgico ou ou-
Figura 6-1.2. Cuba ultrassônica para limpeza de instrumental. tros, em virtude do risco de perfuração das embalagens,
da contaminação durante a abertura e da dificuldade do
trabalho durante o atendimento.
duplo). A utilização de indicadores de monitoramento 7a Fase – Esterilização: a esterilização dos arti-
dentro ou fora das embalagens é imprescindível (Qua- gos endodônticos deverá ser realizada por proces-
dro 6-1.2), assim como a colocação no material da data so físico, utilizando-se o vapor saturado sob pressão
em que está sendo realizada a esterilização. (autoclave)13,29 (Fig. 6-1.3 e Quadro 6-1.3), exceção
Acondicionamento das limas endodônticas: as apenas para os cones de papel e de obturação, que se-
limas endodônticas e materiais de dimensões similares rão esterilizados por métodos próprios, apresentados
(brocas de Gates-Glidden, espirais de Lentulo, espaça- adiante. A autoclavação destrói micro-organismos e
dores digitais etc.) sempre foram instrumentos de difícil partículas virais por meio da ação combinada da tem-
armazenamento no que concerne à combinação da este- peratura, pressão e umidade, que promove a termoco-
rilização com o trabalho ergonômico. Existem inúmeras agulação e a desnaturação das proteínas e da estrutura
formas de organizarmos esses instrumentos. Apresen- genética deles2.
tamos então nossas recomendações visando a atender As autoclaves odontológicas são, em sua maioria,
aos preceitos anteriores. Existem recipientes plásticos do tipo gravitacional. Nesses modelos, o ar é eliminado
ou metálicos destinados ao armazenamento de limas e por gravidade à medida que o vapor é admitido. Cum-
instrumentos similares de maneira agrupada. Uma for- pre ressaltar que o ar pode prejudicar o processo de
ma muito prática e efetiva é a confecção de diferentes esterilização, pois atua como obstáculo na transmissão
jogos de acordo com o comprimento dos instrumentos. de calor e umidade, razão pela qual deve ser removido.

Quadro 6-1.2 Indicadores para o monitoramento da funcionalidade das autoclaves

Físicos Químicos Biológicos

Informações obtidas dos Avaliam o ciclo de esterilização, Realizado utilizando-se tiras de papel
mostradores dos equipamentos: pela mudança de cor, na presença da impregnadas por esporos bacterianos do
Temperatura, pressão e tempo. temperatura, tempo e vapor saturado, gênero Bacillus, capazes de crescer em
conforme o indicador utilizado. Podem ser temperaturas nas quais as proteínas são
usados indicadores de processo, teste desnaturadas.
Bowie-Dick, de parâmetro simples,
multiparamétrico, integrador e emuladores. O
mais comum indicador químico é a fita adesiva
para autoclave, indicando que a temperatura
selecionada para esterilização foi atingida em
algum momento.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 213

químicas não podem ser monitoradas biologicamente;


instrumentos esterilizados por soluções necessitam de
rinsagem em água esterilizada e secagem com compres-
sa esterilizada, o que não permite o empacotamento dos
instrumentos, fazendo com que devam ser utilizados
imediatamente ou estocados em condições estéreis1.

 OBSERVAÇÕES QUANTO AO
PROCESSAMENTO DE ARTIGOS
SUJEITOS A CORROSÃO
A autoclavação pode determinar o aparecimen-
to de corrosão em alguns instrumentos endodônticos.
Um exemplo típico desse problema é a corrosão de
brocas de baixa rotação fabricadas em aço carbono.
Segundo o Ministério da Saúde, a corrosão em ins-
trumentos odontológicos pode ser removida, desde
que não comprometa a utilização do artigo, por meio
de soluções ácidas pré-aquecidas, seguindo as orien-
tações do fabricante. Entretanto, ressalta-se que não
Figura 6-1.3. Autoclaves para uso odontológico. devem ser utilizados produtos e objetos abrasivos2.
(Para aspectos particulares quanto à corrosão de li-
mas endodônticas ver Capítulo 9.)

Quadro 6-1.3 Padrões de temperatura e pressão


correlacionados ao tempo de esterilização em autoclaves  ESTERILIZAÇÃO DE DENTES HUMANOS
EXTRAÍDOS
Temperatura 121°C a 127°C 132°C a 134°C
O método mais eficaz para a esterilização de
Pressão 1atm 2atm dentes humanos extraídos destinados a estudo e trei-
namento é o vapor saturado sobre pressão (autocla-
Tempo 15 a 30min 4 a 7min ve). Entretanto, dentes portadores de restaurações em
amálgama devem ser esterilizados em solução de for-
malina a 10% por 7 dias, devido ao risco de liberação
de vapores e contaminação residual por mercúrio nos
As autoclaves devem ser monitoradas por indicadores autoclaves6,14.
químicos, físicos e biológicos, a fim de evidenciar possí-
veis falhas humanas ou mecânicas durante o processo,
 ESTERILIZAÇÃO DE CONES DE
conforme apresentado no Quadro 6-1.2. A eficiência de
corte dos instrumentos endodônticos não é afetada pela
OBTURAÇÃO
esterilização pelo vapor saturado sob pressão, mesmo A fabricação dos cones de guta-percha e dos co-
após repetidos ciclos, independentemente de a liga me- nes de polímero sintético termoplástico (poliéster)
tálica ser de aço inoxidável10,18 ou de níquel-titânio23,24,30. ocorre em ambientes não esterilizados. Além disso,
Embora a ANVISA permita a utilização de méto- alguns tipos de cones de guta-percha ainda são fabri-
dos químicos para a esterilização de artigos termossen- cados manualmente. Mesmo cones de guta-percha tes-
síveis, por meio de soluções, quando não houver outro tados diretamente de caixas lacradas pelo fabricante
método que o substitua, na Endodontia, a única medida demonstraram contaminação microbiana8,9,17. Portanto,
a frio indicada é para a desinfecção dos cones de guta- é imprescindível a desinfecção desses cones previa-
percha, para os quais indicamos a imersão em solução de mente à obturação dos canais radiculares. Baseados
hipoclorito de sódio a 2,5% por 1 minuto. Existem várias na literatura, recomendamos a imersão dos cones de
razões para não recomendarmos soluções esterilizan- guta-percha e de poliéster em soluções de hipoclorito
tes em Endodontia, a saber: esterilização por soluções de sódio de 2,5 a 5,25% por 1 minuto4,9,19,22,25-27.
214 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

 ESTERILIZAÇÃO DOS CONES DE PAPEL 12. Holland R, Bernabé PF, Nagata MJ, Mitsuda ST. Métodos de
esterilização dos cones na Endodontia – influência do mé-
Embora a esterilização de cones de papel absor- todo de esterilização dos cones de papel e de guta-percha
no comportamento do tecido conjuntivo subcutâneo do rato.
vente seja possível no ambiente clínico por meio de
RGO, 1990; 38: 133-7.
métodos físicos e químicos, empregando-se calor se- 13. Hurtt CA, Rossman LE. The sterilization of endodontic hand
co12, esterilizador de bolinhas de vidro16 e pastilhas de files. J Endod, 1996; 22: 321-2.
14. Kumar M, Sequeira PS, Peter S, Bhat GK. Sterilisation of ex-
formaldeído11, desaconselhamos esses métodos devido
tracted human teeth for educational use. Indian J Med Micro-
à dificuldade de controle e às possíveis alterações na biol, 2005; 23: 256-8.
propriedade de absorção desses cones quando subme- 15. Linsuwanont P, Parashos P, Messer HH. Cleaning of rotary
tidos a temperaturas elevadas5. nickel-titanium endodontic instruments. Int Endod J, 2004;
37: 19-28.
Existem no mercado cones de papel esteriliza- 16. Lopes HP, Elias CN, Costa Filho AS, Motta AG, Costa MM.
dos por meio de radiação gama em embalagens tipo Avaliação da capacidade de absorção de cones de papel. Rev
cell pack. Recomendamos esses cones em razão dos Bras Odontol, 1992; 49: 48-51.
17. Montgomery S. Chemical decontamination of gutta-percha
motivos já citados e pela praticidade. Além disso, cones with polyvinylpyrrolidone-iodine. Oral Surg Oral Med
não existe o risco de contaminação dos outros cones Oral Pathol, 1971; 31: 258-66.
contidos nas caixas, já que eles são providos em cé- 18. Morrison SW, Newton CW, Brown CE, Jr. The effects of
steam sterilization and usage on cutting efficiency of endo-
lulas individuais contendo pequena quantidade de dontic instruments. J Endod, 1989; 15: 427-31.
cones, o suficiente para a secagem de um canal ra- 19. Pang NS, Jung IY, Bae KS et al. Effects of short-term chemical
dicular. disinfection of gutta-percha cones: identification of affected
microbes and alterations in surface texture and physical
properties. J Endod, 2007; 33: 594-8.
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Preparação para o Tratamento Endodôntico 215

Parte 2
Anestesia em Endodontia
José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes

Um dos conceitos arraigados na população em de técnicas e agentes anestésicos, bem como o manejo
geral se refere à concepção de que o tratamento odon- de casos especiais. Para mais detalhes sobre técnicas e
tológico, e em particular o endodôntico, é doloroso. A agentes anestésicos o leitor deve consultar obra inteira-
associação entre dor e o cirurgião-dentista assume às ve- mente dedicada ao assunto22.
zes proporções exageradas e insensatas que contribuem
para uma visão distorcida da profissão. Tal visão é cal-
cada em experiências que remontam à época em que a Requisitos para a técnica anestésica
Odontologia realmente não dispunha de métodos efica-
Devem ser observados os seguintes critérios para se
zes para tratar sem dor (especialmente em casos de in-
considerar uma técnica anestésica de grande utilidade:
flamação), sendo então perpetuada pela crença popular
e, até mesmo, pela conivência e contribuição de alguns
• deve prover profundidade adequada de anestesia;
profissionais mal informados ou mal preparados.
• o tempo de latência deve ser rápido;
De fato, na atualidade, o desenvolvimento de
• a duração deve ser suficiente para a execução dos
anestésicos e de técnicas eficazes permite a execução
procedimentos;
de todo e qualquer tipo de tratamento odontológico de
• o desconforto durante e após a injeção não deve
forma indolor. A anestesia local bem-sucedida confere
ausência total de sensibilidade, o que na grande maio- existir ou pelo menos ser mínimo;
ria das vezes é de vital importância para a execução • a injeção deve ser segura para a polpa e para o perio-
satisfatória de uma intervenção voltada para a remo- donto;
ção do fator etiológico da doença a ser tratada, além de • a técnica deve ser segura para o paciente em geral,
reduzir drasticamente os níveis de estresse tanto para sem expô-lo a maiores riscos.
o paciente quanto para o profissional.
Anestésicos locais são basicamente utilizados em Características dos agentes anestésicos
Endodontia para a obtenção de três efeitos16:
A potência intrínseca de um agente anestésico lo-
a) anestesia durante o procedimento endodôntico; cal é determinada por sua lipossolubilidade. Quanto
b) hemostasia durante procedimentos cirúrgicos; maior o seu coeficiente de partição óleo/água, maior
c) controle da dor pós-operatória. será sua potência.
A duração da anestesia é ditada pelo grau de li-
O objetivo deste capítulo é discutir vários aspectos gação a proteínas apresentado pelo agente anestésico
da anestesia em Endodontia, incluindo as indicações (Quadro 6-2.1). Anestésicos que apresentam grande

Quadro 6-2.1 Farmacocinética de alguns agentes anestésicos locais usados em Endodontia

Agente PKa Coeficiente de partição Ligação a proteínas Latência Duração

Lidocaína 7,8 2,9 64% Rápida Moderada

Prilocaína 7,9 0,9 55% Rápida Moderada

Mepivacaína 7,8 0,8 77% Lenta Moderada

Articaína 7,8 52 95% Rápida Moderada

Bupivacaína 8,1 27,5 95% Lenta Longa


216 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

afinidade aos componentes proteicos da fibra nervo- promovido pela lidocaína. Além disso, a bupivacaína
sa têm menor probabilidade de se difundir para além também apresenta efeito pós-analgésico, o que usual-
do local da injeção e de serem absorvidos pela corren- mente dispensa o emprego de analgésicos potentes no
te sanguínea. Por conseguinte, permanecem por um pós-operatório imediato2,33.
tempo maior no local, aumentando assim a duração do
efeito anestésico.
A constante de dissociação (pKa) representa
Anestesia indolor
o pH, no qual as formas ionizadas e não ionizadas Além do fato de que a anestesia deve ser eficaz,
de um agente anestésico estão em equilíbrio (Qua- também é de extrema relevância a aplicação indolor.
dro 6-2.1). Apenas a forma não ionizada consegue Existem várias medidas propostas para se reduzir o des-
atravessar a bainha de mielina e a membrana nervo- conforto gerado durante a injeção do anestésico. Algu-
sa, penetrando assim na fibra nervosa e bloquean- mas medidas apresentam um caráter empírico, enquan-
do a propagação do impulso nervoso. O pKa de um to outras têm eficácia clínica realmente comprovada.
anestésico determina seu tempo de latência. Quanto O emprego de anestésicos tópicos na mucosa da
mais alto seu valor, menor a proporção de formas área a ser injetada tem sido prática comum na clínica
não ionizadas, indicando que o tempo de latência do odontológica (Fig. 6-2.1). Todavia, a eficácia dos anes-
agente anestésico será maior. Consulte o Boxe 6-2.1 tésicos tópicos em aliviar a dor da injeção é controver-
para mais detalhes sobre o mecanismo de ação dos sa. Talvez, o aspecto mais importante relacionado com
agentes anestésicos locais. o seu uso não seja tanto a diminuição da sensibilidade
A associação do anestésico com um vasoconstri- da mucosa, mas a demonstração de que tudo está sen-
tor reduz temporariamente a circulação local nos te- do feito pelo profissional para prevenir a ocorrência
cidos, retardando, assim, a remoção do anestésico20, de dor. Outro fator envolvido é o poder de sugestão
o que aumenta a eficácia e a duração da anestesia. de que o anestésico tópico irá reduzir a dor da injeção.
Uma outra vantagem é que o vasoconstritor pode Ambos os fatores introduzem um efeito placebo que
reduzir o sangramento durante um procedimento pode realmente funcionar na maioria dos pacientes.
cirúrgico. O uso de anestésicos pré-aquecidos não tem demons-
trado eficácia em aliviar a dor da injeção. Os diferentes
calibres das agulhas comumente usadas em odontolo-
Agentes anestésicos a serem utilizados em
gia (gauge 25, 27 ou 30) também parecem não influen-
endodontia ciar a incidência de dor durante a injeção53.
A solução recomendada para ser utilizada é a lido- A injeção lenta da solução permite a distribuição
caína a 2% com 1:100.000 de epinefrina como vasocons- gradual nos tecidos sem pressão dolorosa. A injeção
tritor. Todavia, um estudo demonstrou que a prilocaína deveria idealmente levar aproximadamente 1 minu-
a 4% e a mepivacaína a 3%, um agente anestésico que to por tubete. Tal conduta é significativamente eficaz
não requer o emprego de vasoconstritor, apresentaram em reduzir a dor da injeção. Sistemas computadoriza-
a mesma eficácia que a lidocaína a 2% com epinefrina dos para aplicação controlada de anestesia têm sido
a 1:100.000 na anestesia pulpar após bloqueio do nervo disponibilizados no comércio. Exemplos de sistemas
alveolar inferior23. atualmente disponíveis incluem CompuDent/Wand
Anestésicos de longa duração, como a bupiva- (Milestone Scientific), Comfort Control Syringe (Mi-
caína e a etidocaína, podem ser utilizados em casos dwest Dentsply) e QuickSleeper (Dental Hi Tec) (Fig.
de consultas extensas, de cirurgia perirradicular ou 6-2.2). São equipamentos que requerem maior espa-
quando há risco de flare-ups. Todavia, nem todos os ço operacional, mas têm boa receptividade por parte
pacientes desejam se submeter à dormência labial por dos pacientes. Embora os resultados quando com-
longos períodos, devendo ser consultados quanto às parados às técnicas tradicionais no que tange à dor
suas preferências. Dos anestésicos de longa duração, a da injeção sejam promissores, os dados no geral são
bupivacaína a 0,5% com epinefrina a 1:200.000 tem sido conflitantes28,30,38.
bastante recomendada. A anestesia pulpar com a bupi- A vibração dos tecidos moles (lábios ou bochecha)
vacaína pode levar mais tempo do que com a lidocaína durante a inserção da agulha, com os dedos da mão
para ocorrer (tempo de latência), mas apresenta dura- que não está segurando a seringa, desvia o foco de
ção de aproximadamente 5 a 9 horas, o que representa atenção do paciente, o que também ajuda a amenizar a
praticamente duas a quatro vezes o tempo de duração sensação da injeção.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 217

BOXE 6-2.1

MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS


Eduardo Dias de Andrade* • José Ranali* • Maria Cristina Volpato*

A membrana nervosa é o sítio onde os anestésicos lo- • Articaína a 4% com epinefrina 1:100.000 ou
cais exercem sua principal ação farmacológica. Das várias 1:200.000
hipóteses propostas para explicar o mecanismo de ação Obs.: Nos bloqueios regionais, a articaína está associada
dos anestésicos locais, a mais aceita é a teoria do receptor a parestesias mais prolongadas.
específico. Segundo ela, a forma não ionizada dos anesté- 2. Tratamentos endodônticos cujas sessões de atendi-
sicos locais atravessa a membrana do axônio, penetrando mento são muito prolongadas ou no caso das cirur-
na célula nervosa onde se liga a receptores específicos gias perirradiculares.
nos canais de sódio, reduzindo ou impedindo a entrada • Bupivacaína a 0,5% com epinefrina 1:200.000 (nas
desse íon na célula. Isso resulta no bloqueio da condução técnicas de bloqueio regional promove, em média,
nervosa e, consequentemente, da percepção da dor. anestesia dos tecidos moles em torno de 7 horas).
Obs.: A critério do endodontista, podem ser empregadas
duas soluções anestésicas distintas na mesma sessão de
atendimento (p. ex.: lidocaína + articaína, lidocaína +
bupivacaína etc.).

PACIENTES QUE REQUEREM CUIDADOS ADICIONAIS


1. Gestantes
• Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou
1:200.000
Obs.: Máximo de dois tubetes por sessão (3,6mL da so-
lução).
2. Hipertensos com a doença controlada
• Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou
1:200.000 ou
Esquema simplificado do mecanismo de ação dos anestésicos
• Articaína a 4% com epinefrina 1:100.000 ou
locais
Ao ser injetada nos tecidos, parte das moléculas dos anestésicos locais 1:200.000
fica na forma ionizada (AL+) e parte na não ionizada (AL). As moléculas não Obs.: Máximo de dois tubetes por sessão (3,6 mL da so-
ionizadas atravessam a membrana do axônio. Dentro da célula nervosa, lução).
ocorre o restabelecimento do equilíbrio entre as formas não ionizada e 3. Hipertensos com a doença não controlada (atendi-
ionizada. A forma ionizada se liga aos receptores (R) dos canais de sódio,
impedindo a entrada desses íons na célula, bloqueando a propagação do dos somente em casos de urgência, após avaliação de
impulso nervoso e a percepção da dor. que não há outras complicações sistêmicas).
• Prilocaína a 3% com felipressina 0,03UI/mL.
Critérios de escolha das soluções anestésicas locais Obs.: Máximo de três tubetes por sessão (5,4mL da so-
em endodontia lução).

PACIENTES COM CONDIÇÕES NORMAIS DE SAÚDE GERAL


1. Procedimentos endodônticos de rotina Referência Bibliográfica
• Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou Volpato MC, Ranali J, Andrade ED. Anestesia local. In: Andrade ED. Tera-
1:200.000 ou pêutica Medicamentosa em Odontologia, 2a ed., São Paulo, Artes Médicas, 2006.
p. 35-45.
• Mepivacaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou
218 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

do. O paciente anestesiado pode colaborar muito mais,


uma vez que se sente protegido pela anestesia.
É recomendável testar se a polpa foi anestesiada
de forma eficaz (por meio de testes de vitalidade pul-
par, principalmente frio ou elétrico) antes do início dos
procedimentos operatórios.
A colocação dos grampos para isolamento absolu-
to pode em alguns casos gerar desconforto ao paciente
e, nessas situações, impedir a obtenção de um adequa-
do isolamento. As razões para emprego de anestésicos
durante o tratamento de dentes com polpa viva e du-
rante a cirurgia perirradicular são óbvias. Já nos casos
de dentes com polpa necrosada, alguns profissionais
Figura 6-2.1. Uso de anestésico tópico na mucosa da área a ser questionam a necessidade de se anestesiar o paciente.
injetada. Seu valor em promover injeção indolor parece estar rela- Nesses casos, além da necessidade de se realizar a anes-
cionado com fatores psicológicos. tesia para facilitar a aplicação do isolamento absoluto,
é comum na clínica endodôntica diuturna se observar
que em alguns casos o paciente ainda se queixa de sen-
sibilidade quando o profissional introduz uma lima no
interior de um canal contendo polpa necrosada. Isso
geralmente é observado quando o instrumento alcança
o terço médio ou apical do canal. As justificativas para
tal ocorrência podem ser diversas:

a) Uma delas se refere ao fato de a necrose pulpar ocor-


rer por compartimentos teciduais e, como conse-
quência, a necrose ainda não ter ocorrido em toda a ex-
tensão pulpar. Isso é chamado de necrose parcial e pode
até mesmo ser observado em dentes que já apresentam
lesão perirradicular detectada radiograficamente.
b) Outra causa de dor durante a manipulação de canal
contendo polpa necrosada se refere à ação de êmbolo
que o instrumento endodôntico pode exercer quan-
do inserido apicalmente no canal, levando à com-
pressão do ligamento periodontal apical pelo tecido
necrosado sendo empurrado em direção a ele.
c) Uma outra causa se refere ao fato de que as fibras
do tipo C pulpares são mais resistentes à hipoxia tecidual
oriunda da necrose do tecido. Se a necrose pulpar
ocorreu recentemente, essas fibras podem ainda es-
Figura 6-2.2. Aparelho para injeção anestésica controlada por
tar reativas e responder à dor durante o avanço do
computador.
instrumento no canal.

A utilização de limas no comprimento de patên-


Quando anestesiar
cia do canal com o intuito de limpar o forame apical
Todos os dentes que serão submetidos a qualquer tipo faz com que essas inevitavelmente contatem os teci-
de procedimento endodôntico devem ser anestesiados. Tal ne- dos perirradiculares, os quais podem estar em norma-
cessidade é calcada no fato de que o paciente pode apre- lidade ou inflamados. Tal contato pode gerar algum
sentar sensibilidade durante a execução de um procedi- desconforto para o paciente e pode ser prevenido
mento, o que poderá impedir ou atrapalhar a sua correta quando o paciente é anestesiado para uma consulta
realização. Além disso, há o efeito psicológico envolvi- de instrumentação do canal, independentemente de
Preparação para o Tratamento Endodôntico 219

ser uma biopulpectomia, necropulpectomia ou retra-


tamento.
Durante a obturação do sistema de canais radi-
culares, componentes de forças laterais e verticais são
sempre gerados durante a condensação do material ob-
turador, independentemente da técnica de obturação,
para se obter um adequado preenchimento e selamento
do canal. Tais forças geradas podem ocasionar um des-
conforto ao paciente e, por conseguinte, impedir que o
profissional proceda à obturação de forma adequada.
Por exemplo, o cone principal de guta-percha usual-
mente está em íntimo contato com os tecidos perirradi-
culares via forame apical. Durante a condensação para
a obturação, o cone pode comprimir os tecidos perirra-
diculares, ou o cimento endodôntico pode extravasar,
o que gera então dor em um paciente não anestesiado,
prejudicando sua colaboração com o profissional. Se o
Figura 6-2.3. Bloqueio do nervo alveolar inferior.
paciente se encontra anestesiado, tal problema não exis-
tirá. Todavia, o profissional deve estar atento e cons-
ciente de que forças excessivas geradas pela técnica
obturadora podem não ser detectadas por um paciente do, isso apenas indica que a injeção bloqueou os nervos
anestesiado e podem levar a danos irreparáveis ao den- dos tecidos moles do lábio e não necessariamente que
te, como é o caso das fraturas radiculares verticais ou a anestesia pulpar foi obtida. Todavia, se a dormência
oblíquas, cuja causa principal é justamente o emprego labial não for relatada, isso significa que o bloqueio não
demasiado de força durante a obturação17,26,39. ocorreu. A duração da anestesia labial não correspon-
Casos de retratamento também requerem o em- de inteiramente à pulpar, uma vez que a polpa não per-
prego de anestesia para permitir a remoção adequada manece anestesiada por tanto tempo quanto os tecidos
do material obturador no limite desejado. Em muitos moles do lábio. A anestesia pulpar ocorre em cerca de
casos, na porção do canal apical ao material obturador 10 a 15 minutos e, em média, pode durar aproxima-
a ser removido pode ainda existir tecido pulpar em es- damente 2 a 2,5 horas. As fibras nervosas localizadas
tado de vitalidade, podendo resultar em desconforto no centro do nervo inervam as regiões mais distantes
quando tocado por um instrumento endodôntico utili- e são as últimas a serem anestesiadas46, o que pode até
zado para a desobstrução do canal. Durante a desobs- explicar por que a anestesia de molares é mais rápida
trução do canal, o material obturador amolecido pode do que a de dentes anteriores.
ser forçado contra o ligamento periodontal apical e tal Conforme Malamed22, de todas as técnicas de blo-
compressão pode gerar dor. A anestesia também deve queio anestésico, a alveolar inferior convencional ofe-
ser empregada durante a instrumentação e a obturação rece o maior índice de fracasso, mesmo quando bem
de canais sendo retratados pelas razões já discutidas. executada. Tem sido relatado que, a despeito da condi-
ção pulpar (inflamada ou não), é difícil se lograr uma
completa anestesia pulpar por meio do bloqueio do
 INDICAÇÕES PARA TÉCNICAS nervo alveolar inferior.
ANESTÉSICAS EM ENDODONTIA Na verdade, a taxa de fracasso da anestesia de
dentes com pulpite irreversível por meio de bloqueio do
Anestesia mandibular nervo alveolar inferior pode variar de 40 a 81%3,8,18,31,34,35.
A principal técnica indicada para anestesia dos A principal causa do fracasso no bloqueio do alveolar in-
dentes inferiores a serem tratados endodonticamente, ferior se deve a erros de técnica anestésica. A ocorrência
principalmente os posteriores, é o bloqueio do nervo de variações anatômicas pode ser uma das responsáveis
alveolar inferior (Fig. 6-2.3). Após a anestesia, o pacien- pelo fracasso da técnica, mesmo quando tenha sido bem
te relata dormência de lábios, bochecha e língua, com executada. Em alguns casos, a solução anestésica pode
o dente parecendo “morto”. A dormência dos lábios não se difundir completamente pelo nervo para produ-
usualmente ocorre em cerca de 5 a 7 minutos. Contu- zir um bloqueio adequado em todos os dentes. Além
220 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

disso, o nervo milo-hióideo pode fornecer inervação Gow-Gates13,14,25, que afeta todo o nervo mandibular
acessória para os molares inferiores. Tal probabilidade com suas ramificações, e a de boca fechada de Akinosi1,
varia de 10 a 20% dos casos e pode parcialmente explicar que afeta o alveolar inferior. Tais técnicas não são su-
o fracasso do bloqueio do alveolar inferior11,41. Todavia, periores à convencional de bloqueio do nervo alveolar
o índice de fracasso do bloqueio excede a incidência de inferior, além da dificuldade de serem aplicadas. Toda-
inervação acessória dos molares inferiores. via, podem ser empregadas em pacientes com proble-
Uma excelente alternativa para anestesia dos den- mas que impedem o uso da técnica convencional, como
tes anteriores é o bloqueio do nervo incisivo (segmento em casos de trismo ou tumefações difusas.
anterior do nervo alveolar inferior) através da injeção
de cerca de 0,5mL dentro do canal mandibular via fo- Anestesia maxilar
rame mentoniano. Nesses casos, é recomendável tam-
A anestesia maxilar é usualmente mais previsível
bém complementar com uma injeção infiltrativa por
do que na mandíbula. A anestesia infiltrativa utilizada
vestibular ao nível do ápice do dente envolvido.
isoladamente apresenta alto índice de sucesso em toda
a arcada, razão para ser a preferida para anestesia dos
Medidas alternativas em caso de fracasso da dentes superiores (Fig. 6-2.5). Com esse tipo de injeção,
anestesia mandibular a anestesia pulpar ocorre em 3 a 5 minutos, mas em
molares pode demorar mais. A duração é de aproxi-
A anestesia infiltrativa por vestibular ou lingual,
madamente 30 a 60 minutos. Uma pequena quantidade
quando utilizada isoladamente, não é muito eficaz
de anestésico deve ser injetada na região palatina dos
para a anestesia de dentes inferiores anteriores ou pos-
dentes para aplicação do isolamento absoluto.
teriores. Contudo, como suplementar à alveolar infe-
rior tradicional, a anestesia infiltrativa por vestibular
Medidas alternativas em caso de fracasso da
aumenta o sucesso da anestesia pulpar dos dentes an-
teriores (Fig. 6-2.4).
anestesia maxilar
O volume ideal de lidocaína a 2% com epinefrina Em casos de anestesia infiltrativa, o aumento do
necessário para induzir o bloqueio adequado do alveo- volume de anestésico de um para dois tubetes reforça a
lar inferior é de cerca de 2mL (aproximadamente um eficácia e a duração da anestesia pulpar.
tubete de 1,8mL). O aumento do volume anestésico de O bloqueio do nervo alveolar superior posterior
um para dois tubetes não aumenta o sucesso da anes- anestesia os 2os e 3os molares e, usualmente, os 1os mo-
tesia pulpar com o bloqueio do nervo alveolar inferior, lares. A infiltrativa por mesial (próximo ao ápice da
particularmente quando os sintomas clássicos de anes- raiz mesiovestibular) às vezes se torna necessária para
tesia são relatados pelo paciente. a anestesia adequada dos 1os molares superiores21. O
Existem técnicas alternativas ao bloqueio con- bloqueio do nervo alveolar superior posterior pode ser
vencional do nervo alveolar inferior – a técnica de empregado quando é desejado que sejam anestesiados
todos os molares.

Figura 6-2.4. A anestesia infiltrativa em dentes inferiores apresenta


maior eficácia quando utilizada como técnica suplementar ao blo- Figura 6-2.5. A anestesia infiltrativa na maxila é a de escolha para o
queio do alveolar inferior. tratamento endodôntico de dentes superiores.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 221

O bloqueio do nervo infraorbitário resulta em (gauge 25, 27 ou 30) também não influenciam o suces-
dormência labial, mas que não indica necessariamente so da técnica52.
anestesia das polpas dos incisivos. Ele é mais eficaz para A agulha é inserida no sulco gengival na região
os pré-molares, com duração de anestesia inferior a 60 mesial do dente a ser tratado, em um ângulo de 30° com
minutos. Em geral, para os pré-molares, a eficácia do o longo eixo do mesmo e em contato com ele (Fig. 6-2.7).
bloqueio infraorbitário equivale à da injeção infiltrativa. A agulha deve ser segura e sustentada com os dedos do
Ocasionalmente, pode ser necessária a aplicação profissional ou com um porta-agulhas (mais seguro do
adicional de cerca de 0,5mL de anestésico na região ponto de vista da biossegurança) e então posicionada
palatina correspondente ao ápice da raiz palatina dos com penetração máxima entre a raiz e a crista óssea, com
molares superiores para eliminar a sensibilidade even- o bisel voltado para o dente, para evitar que a raiz seja
tualmente persistente. sulcada, o que pode posteriormente favorecer a retenção
de placa bacteriana subgengival. Deve-se então aplicar
lentamente uma forte pressão no êmbolo da seringa por
 ANESTESIA SUPLEMENTAR cerca de 10 segundos. Quando são empregadas seringas
As técnicas convencionais nem sempre resul- especiais, o gatilho deve ser acionado lentamente uma
tam em anestesia pulpar eficaz, principalmente na ou duas vezes. Se não houver resistência à injeção, a
mandíbula9,53,54. Em geral, se os sintomas clássicos da agulha deve ser reposicionada e nova tentativa deve ser
anestesia são relatados pelo paciente, uma nova inje- feita. Repete-se a injeção na região distal do dente. Cerca
ção é ineficaz. Se a sensibilidade pulpar ainda persistir de 0,2mL de solução é injetada tanto na mesial quanto
após o emprego das técnicas indicadas, deve-se tentar na distal do dente. Esse tipo de anestesia pode ser muito
as medidas alternativas já especificadas. Se ainda assim doloroso em dentes anteriores.
uma anestesia pulpar profunda não foi obtida, pode-se A denominação anestesia intraligamentar é errô-
selecionar uma técnica suplementar que usualmente nea, uma vez que a solução injetada não atinge os ner-
oferece grandes possibilidades de sucesso. Cabe aqui vos pulpares por se difundir por meio do ligamento
salientar que essas técnicas são suplementares, não po- periodontal24. Na verdade, a anestesia intraligamentar
dendo, pois, substituir as técnicas indicadas, mas ape- força a solução anestésica por meio da lâmina cribrifor-
nas complementá-las quando houver necessidade. me do osso alveolar (a qual é muito porosa na região
cervical) para o interior dos espaços medulares e os va-
Injeção intraligamentar sos, dentro e ao redor do dente. A direção primária não
é o ligamento periodontal, não estando relacionado o
Pode ser considerada a técnica suplementar de
mecanismo de ação com a pressão direta sobre as fi-
escolha quando a anestesia convencional foi ineficaz.
bras nervosas40, ao contrário da injeção intrapulpar5,48.
A técnica é clinicamente eficaz, sendo considerada
A pressão, na verdade, é necessária a fim de forçar o
uma auxiliar de grande valia. Existem no mercado
anestésico para os espaços medulares com o objetivo
seringas especialmente desenhadas para se aplicar
de contatar e bloquear as fibras nervosas43,50,51.
essa técnica anestésica, mas que não são imprescin-
A anestesia ocorre imediatamente40,44,52,55, não
díveis (Fig. 6-2.6). Na verdade, não há vantagens no
havendo necessidade de esperar o início do procedi-
emprego das seringas especialmente desenhadas para
mento clínico. A anestesia dura aproximadamente 20
esse tipo de injeção44,52,53. Diferentes calibres de agulha
minutos e é mais eficaz em dentes posteriores. Toda-
via, na maioria das vezes, sua duração é imprevisível.
Pode ser aplicada sem que o isolamento absoluto seja
removido. Como técnica suplementar apresenta índice
de sucesso em 63 a 74% dos casos e, se necessário, a
reinjeção aumenta o índice de sucesso para 92 a 96%
dos casos7,44,52.
Um leve desconforto pós-operatório pode ocorrer
na maioria dos casos e persistir por horas até um ou
dois dias. Esse risco deve ser comunicado antecipada-
mente ao paciente. Isso ocorre devido ao leve dano te-
Figura 6-2.6. Seringa especialmente desenhada para a injeção in- cidual imposto no local de penetração da agulha. Con-
traligamentar. tudo, tal dano é mínimo e reversível.
222 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

Figura 6-2.7A. Anestesia in-


traligamentar. B. Esquema da
injeção intraligamentar. Notar
o ângulo de introdução da agu-
A B
lha e a posição do bisel voltado
para o dente.

A injeção intraligamentar é usualmente segura O efeito da pressão para a eficácia da aneste-


para a polpa, não apresentando efeitos deletérios a sia intrapulpar é mais significativo do que propria-
longo prazo, embora alterações fisiológicas, principal- mente a solução anestésica empregada5,42. A pressão
mente caracterizadas por diminuição do fluxo sanguí- prolongada leva à degeneração das fibras nervosas e
neo, possam ocorrer, dependendo do vasoconstritor é a responsável pela anestesia gerada pela técnica5.
empregado36,47,52. Entretanto, tais efeitos usualmente Todavia, se a polpa não for totalmente removida du-
não acarretam risco à sobrevivência da polpa mesmo rante o efeito da anestesia, sua sensibilidade poderá
durante a execução de procedimentos restauradores, retornar.
muito embora não se conheçam os seus efeitos em ca- Para se aumentar a pressão durante a injeção,
sos de preparos cavitários extensos ou em dentes com podem ser utilizados stoppers, como cursores para li-
cáries extensas e profundas. mas, guta-percha, cera ou mecha de algodão, ajusta-
A técnica é contraindicada em dentes com patolo- dos à agulha e bloqueando a cavidade de acesso, o que
gia perirradicular sintomática (periodontite apical agu- aumenta a resistência ao refluxo da solução injetada.
da ou abscesso perirradicular agudo), sendo provável Depositar passivamente o anestésico na câmara pulpar
que apresente efeitos adversos em dentes com doença não é um procedimento usualmente eficaz para se atin-
periodontal. Tem o potencial também de acarretar da- gir a anestesia suplementar.
nos a dentes não erupcionados. O índice de sucesso da técnica intrapulpar é de
cerca de 95% dos casos quando a resistência à injeção é

Anestesia intrapulpar
Usualmente, é considerada como a anestesia su-
plementar de segunda escolha. A injeção pode ser ex-
tremamente dolorosa, devendo o paciente ser consul-
tado quanto à permissão para sua utilização.
A anestesia é imediata e dura cerca de 15 a 20 mi-
nutos. Uma anestesia profunda é obtida se executada sob
pressão (Fig. 6-2.8). Na verdade, a resistência à injeção é
essencial para o sucesso da técnica. Com os dedos firman-
do a agulha, ela é inserida lentamente no canal ao mesmo
tempo em que o êmbolo da carpule também é pressiona-
do lentamente para injetar a solução anestésica. A agulha
é inserida apicalmente até sofrer máxima resistência. Nes-
se ponto, uma forte pressão deve ser aplicada ao êmbolo Figura 6-2.8. Anestesia intrapulpar. A pressão exercida durante a
da carpule por cerca de 5 a 10 segundos. injeção é essencial para o sucesso da técnica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 223

sentida. É contraindicada em dentes com necrose pul- Vários sistemas têm sido propostos para a apli-
par, pois pode projetar micro-organismos para os teci- cação da anestesia intraóssea, tais como o sistema Sta-
dos perirradiculares. bident (Fairfax Dental, Miami, EUA) e o X-tip (X-tip
Technologies, Lakewood, NJ, EUA). Todavia, um que
tem recebido grande atenção recentemente é o Intra-
Anestesia intraóssea Flow (Pro-Dex Inc, Santa Ana, CA, EUA) (Fig. 6-2.9),
A injeção intraóssea é uma técnica de anestesia su- devido à facilidade de aplicação e eficácia. O sistema
plementar que tem demonstrado grande eficácia clínica19, IntraFlow compreende uma peça de mão com um per-
principalmente após o fracasso no bloqueio do nervo al- furador/agulha acoplado na ponta e integrada a um
veolar inferior. Em casos de pulpite irreversível, o índice sistema de injeção por pressão de ar. A peça de mão é
de sucesso da técnica como anestesia suplementar é de 71 acoplada na saída de ar do equipo e o sistema é então
a 98%4,29,31,32,34. Essa técnica encontra grande popularida- controlado pelo pedal. O sistema permite em um só
de nos Estados Unidos19, sendo para alguns profissionais passo a perfuração do osso e a subsequente deposição
a principal técnica de anestesia suplementar, mas não é de solução anestésica pela própria luz do perfurador/
muito difundida no Brasil. Por requerer dispositivos es- agulha19.
peciais e treinamento prévio específico, seu uso deve se A técnica intraóssea consiste na aplicação de so-
restringir a especialistas em Endodontia. lução anestésica diretamente no osso esponjoso adja-

Figura 6-2.9. Sistema IntraFlow para anestesia intraóssea (cortesia do fabricante).


224 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

cente ao dente. A porosidade do osso permite rápida cessidade de uma nova injeção (infiltrativa, tanto para
difusão da solução anestésica, promovendo anestesia superiores quanto para inferiores) ou o emprego da
profunda quase que imediatamente após a injeção. A técnica intraligamentar.
área de perfuração do osso e injeção está 2 a 3mm em Em alguns casos, a inflamação pulpar se localiza
direção apical à interseção entre uma linha horizontal, na porção apical do canal, enquanto a polpa coroná-
que passa pela margem gengival vestibular, e uma li- ria pode estar necrosada. Como suplementares nesses
nha vertical, que passa pela papila interdental distal casos são utilizadas as técnicas intraligamentar e intra-
ao dente a ser anestesiado. Os tecidos moles devem pulpar (diagnóstico diferencial deve ser feito em den-
ser inicialmente anestesiados por injeção infiltrativa. tes com periodontite apical aguda, por meio de teste de
Depois o perfurador é inserido na gengiva perpen- percussão, onde essas duas técnicas suplementares são
dicularmente à cortical óssea. O dispositivo é então contraindicadas).
ativado, sob pressão moderada constante até que a
cortical seja perfurada e a sensação de “queda” no
osso esponjoso seja sentida, ocasião em que se injeta a Abscesso perirradicular agudo
solução anestésica. A anestesia intraóssea da mandí- Se uma tumefação está presente, podem ser
bula dura aproximadamente 60 minutos, enquanto o realizadas infiltrações em cada lado (anterior e pos-
bloqueio do alveolar inferior pode durar cerca de 120 terior) ou então o bloqueio. Em dentes superiores,
a 150 minutos. dependendo da região envolvida, pode-se fazer o
Um estudo35 sugeriu que a anestesia intraóssea bloqueio do nervo alveolar superior posterior ou da
com o sistema IntraFlow pode ser usada como aneste- segunda divisão (tuberosidade alta) para os molares,
sia primária em dentes com pulpite irreversível, uma ou do infraorbitário para os anteriores. Em dentes
vez que apresentou eficácia estatisticamente compará- inferiores se opta pelo bloqueio do nervo alveolar
vel com o bloqueio do nervo alveolar inferior. O suces- inferior.
so da anestesia primária com o IntraFlow foi de 87%, Em casos de tumefações no palato onde se re-
enquanto o do bloqueio foi de 60%, muito embora não quer incisão para drenagem, procede-se à injeção de
tenha havido diferença estatisticamente significante um pequeno volume de anestésico no forame nasopa-
entre as técnicas. Para ser usada como técnica primária, latino (para dentes anteriores) ou no forame palatino
os autores recomendam anestesia infiltrativa prévia no maior (para posteriores). A injeção no forame palati-
local a ser perfurado com cerca de 0,1mL de lidocaína a no maior anestesia o mucoperiósteo dos 2/3 posterio-
2% com epinefrina a 1:100.000, com a finalidade de as- res do palato no lado injetado. Se a tumefação estiver
segurar conforto ao paciente durante o procedimento. sobre um dos forames, devem ser feitas infiltrativas
A injeção intraóssea é contraindicada nos casos de lateralmente a ela.
infecção no local da injeção e quando há grande proxi- Em caso de incisão para drenagem em dentes
midade com estruturas vitais, raízes dentárias ou den- mandibulares posteriores, deve-se proceder, além do
tes em estágio de desenvolvimento. bloqueio do alveolar inferior, à injeção bucal longa para
anestesia do nervo bucal. O bloqueio do nervo lingual
também pode ser necessário.
 INDICAÇÕES PARA A TÉCNICA As técnicas suplementares intraligamentar e in-
ANESTÉSICA EM DIFERENTES trapulpar são contraindicadas nesses casos. Embora
SITUAÇÕES CLÍNICAS eficazes em dentes com polpa viva, são extremamente
dolorosas e ineficazes em dentes com inflamação perir-
Pulpite irreversível radicular aguda.
Os dentes com pulpite irreversível mais difíceis O emprego da bupivacaína ou da etidocaína pode
de anestesiar são, em ordem decrescente, os molares ajudar a controlar a dor pós-operatória, o que não exclui a
inferiores, os pré-molares inferiores e superiores, os necessidade do uso de analgésicos/anti-inflamatórios.
molares superiores e os incisivos inferiores. As principais razões para não se realizar a injeção na
Após a anestesia convencional (infiltrativa nos coleção purulenta são devidas à dor resultante da pressão
superiores e bloqueio nos inferiores), pode-se opcio- e à ineficácia da técnica, a qual pode ser explicada princi-
nalmente testar a anestesia pulpar por meio de testes palmente pelo maior fluxo sanguíneo da área inflamada,
térmicos e elétricos antes de se fazer o acesso. Se o pa- que remove o anestésico rapidamente para a circulação,
ciente ainda responde com dor, deve-se avaliar a ne- e/ou pelo edema que dilui a solução anestésica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 225

Quadro 6-2.2 Indicações sugeridas para técnicas anestésicas em diferentes situações endodônticas

Condição clínica 1ª escolha Suplementar

Pulpite irreversível
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar ou intrapulpar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar, intrapulpar ou intraóssea

Necrose assintomática
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar

Abscesso agudo ou PAA


Dentes superiores Infiltrativa ou bloqueio –
Dentes inferiores Bloqueio do NAI –

Cirurgia perirradicular
Dentes superiores Infiltrativa e bloqueio –
Dentes inferiores Infiltrativa e bloqueio do NAI –

Incisão p/ drenagem
Dentes superiores
Vestibular Infiltrativa –
Palatina Infiltrativa –
Dentes inferiores Bloqueio do NAI –

Obturação ou retratamento
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar
NAI, nervo alveolar inferior.
PAA, periodontite apical aguda.

O Quadro 6-2.2 resume as indicações de técnica do nervo alveolar inferior e injeções infiltrativas na região
anestésica em Endodontia. vestibular da área envolvida, as quais são essenciais para
se obter adequada vasoconstrição. Quando a cirurgia en-
Necrose assintomática volve dentes superiores, estão indicadas injeções infiltra-
tivas na região envolvida. Além disso, deve-se também
As razões para o desenvolvimento de dor durante
proceder à anestesia no forame nasopalatino (para dentes
a manipulação de canais contendo polpa necrosada já
anteriores) ou no forame palatino maior (para posterio-
foram explicitadas alhures. As técnicas a serem utiliza-
res) (Fig. 6-2.10). Durante o procedimento cirúrgico, a ten-
das são a infiltrativa nos dentes superiores e o bloqueio
tativa de se obter anestesia adicional por meio de injeção
nos inferiores. Se necessária uma anestesia suplemen-
na área sensível geralmente é infrutífera.
tar, deve-se empregar a intraligamentar. A anestesia
intrapulpar é contraindicada.
 FRACASSO DA ANESTESIA
Cirurgia perirradicular O estado psicológico do paciente em combinação
Para a execução da cirurgia perirradicular, é de ex- com alterações teciduais decorrentes da inflamação
trema importância a obtenção de uma anestesia eficaz e pode significativamente diminuir o limiar de excitabi-
profunda na região a ser operada. A indicação de técnica lidade das fibras nervosas e resultar em decréscimo da
para a cirurgia envolvendo dentes inferiores é o bloqueio eficácia do agente anestésico.
226 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

Figura 6-2.10. Anestesia palatina. A. Injeção ao nível do forame nasopalatino. B. Injeção ao nível do forame palatino maior.

Estado psicológico do paciente uma ocorrência comum em dentes inferiores após


bloqueio do alveolar inferior. Nesses casos, o anes-
Limiar de excitabilidade representa o nível em que
tésico é depositado em uma região não inflamada,
acima dele um estímulo causará dor. A ansiedade dimi-
o que elimina a hipótese do efeito químico direto,
nui diretamente o limiar para dor6,10. Tal redução torna o
usualmente creditado ao baixo pH de áreas inflama-
anestésico local menos eficaz. A fadiga e o estresse tam-
das, sobre o agente anestésico. As fibras nervosas no
bém resultam em redução do limiar de excitabilidade.
tecido inflamado apresentam alterações no potencial
O manejo psicológico do paciente é um fator
de repouso e no limiar de excitabilidade, as quais
de extrema relevância para a elevação do limiar de
não estão restritas ao tecido inflamado apenas, mas
excitabilidade10,53. Algumas vezes, em casos de apreen-
afetam também toda a extensão da membrana neu-
são extrema e de difícil manejo, pode ser necessária a
ronal em cada fibra envolvida27,49. A natureza dessas
prescrição de ansiolíticos previamente à consulta. Ou-
alterações é tal, que a redução no fluxo iônico e no
tro fator de extrema importância no manejo de pacien-
potencial de ação gerada pelos agentes anestésicos
tes é a obtenção de anestesia profunda, a qual alivia a
não é suficiente para prevenir a transmissão do im-
dor, se presente, e ameniza a ansiedade e apreensão
pulso nervoso, devido ao fato de que o limiar de ex-
do paciente em relação à probabilidade de sentir dor
citabilidade reduzido ainda permite a transmissão
durante os procedimentos.
mesmo sob condições de anestesia. Um outro fator é
o aumento da expressão de canais de sódio tetrodo-
Alterações teciduais toxina-resistentes (TTXr) por fibras nervosas pulpa-
O processo inflamatório pode induzir alterações res em casos de pulpite irreversível45. Esses canais de
em toda a extensão dos nervos até o sistema nervo- sódio TTXr também são resistentes à ação de anesté-
so central, causando maior reatividade ao estímulo15. sicos locais37. A administração prévia de agentes an-
Além disso, o brotamento nervoso aumentado em área ti-inflamatórios não esteroidais, como o ibuprofeno,
de inflamação supre mais receptores para dor na pol- pode aumentar a eficácia anestésica por inibir a sín-
pa, o que, teoricamente, pode aumentar a sensibilidade tese de prostaglandinas e consequentemente bloque-
desse tecido. A principal conduta na maioria dos casos ar a expressão de canais de sódio TTXr associados à
resistentes é proceder à introdução de uma quantidade dor de origem inflamatória12.
suficiente de um agente anestésico apropriado nas pro-
ximidades ou mesmo na própria região inflamada para
bloquear de forma eficaz os nervos sensoriais.
Variações anatômicas
Pacientes podem apresentar evidências de ade- Inervações cruzadas podem ser a causa de fracas-
quado bloqueio regional, mas acusam dor quando so da anestesia em alguns dentes, mas não são usual-
o profissional tenta fazer o acesso coronário. Essa é mente a causa primária.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 227

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Parte III
Isolamento absoluto em Endodontia
Inês de Fátima Azevedo Jacintho Inojosa

 INTRODUÇÃO soluto é considerada negligência profissional, podendo


ocasionar a contaminação da câmara pulpar e do canal
Na Odontologia, o isolamento absoluto é um
radicular e até acidentes de maior complexidade1.
meio intrabucal empregado para isolar um ou mais
No tratamento endodôntico o isolamento absolu-
dentes do contato com a saliva e fluidos orais duran-
to proporciona as seguintes vantagens:
te tratamentos clínicos restauradores e endodônticos,
sendo também utilizado em algumas modalidades de
1. Diminui o cansaço e melhora o desempenho profis-
cirurgia perirradicular3,8.
sional, ao permitir atuar em um campo seco, isolado
Sua invenção ocorreu por acaso durante o trata-
da saliva, sangue e outros fluidos tissulares.
mento restaurador com ouro coesivo em um molar in-
ferior esquerdo; a frustração em não conseguir conter 2. Ajuda a manter o campo de trabalho asséptico e re-
a umidade da saliva apenas com ajuda de papel ab- duz a possibilidade de contaminação adicional ao
sorvente levou o cirurgião-dentista de Nova York, Dr. canal radicular6,9,13,16,18.
Sanford Christie Barnum, em 1864, a cortar um pedaço 3. Auxilia no controle de infecção, sendo um compo-
de seu avental de tecido oleado, fazer um orifício no nente exigido em programas desse controle. O uso
mesmo, fixando-o ao colo do dente com um pequeno do lençol de borracha diminui o risco de infecção
anel de borracha, denominando o conjunto de dique de cruzada e proporciona uma excelente barreira con-
borracha. Dois meses depois, essa grande invenção foi tra a disseminação potencial de agentes infecciosos
apresentada pelo Dr. Barnum à New York City Dental (Fig. 6-3.1A)2,5,13.
Society7,20. 4. Protege o paciente contra possível ingestão e aspira-
Nos dias atuais, por questões biológicas, éticas ção de pequenos instrumentos (Fig. 6-3.1B)6,9,11,13,23.
e legais, o isolamento absoluto é considerado um dos 5. Impede o contato direto de debris, substâncias quími-
princípios básicos da Endodontia, por impedir que du- cas e medicamentos que podem ocasionar injúrias aos
rante o tratamento haja contato do campo operatório tecidos da cavidade oral do paciente (Fig. 6-3.1C)6,9,13.
e dos instrumentos de trabalho com a saliva, sangue, 6. Promove afastamento da língua e bochecha, me-
fluidos tissulares e demais estruturas da cavidade oral. lhorando a visibilidade da área de trabalho pelo
Consequentemente, a não utilização do isolamento ab- operador6.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 229

 MATERIAL E INSTRUMENTAL
Lençol de borracha – Como o próprio nome diz,
é um lençol confeccionado em látex natural, fino e liso
(Fig. 6-3.2A) comercializado nos tamanhos 15 × 15cm
ou 13 × 13cm, em diferentes espessuras, cores e aro-
mas. Os de espessura média permitem uma adaptação
adequada à região cervical do dente, não rasgam com
facilidade, promovem elevada proteção aos tecidos
moles subjacentes e exercem maior força de retração
sobre os lábios e bochechas. A vantagem da espessura
fina ocorre no isolamento de dentes parcialmente ir-
rompidos, onde é menor a força de deslocamento que
o lençol exerce sobre o grampo, permitindo a sua reten-
ção em dentes afunilados e com coroas expulsivas. No
A
entanto, rasgam-se com facilidade. Quanto às cores, as
escuras oferecem maior contraste entre dente e lençol,
e as mais claras permitem visualizar o posicionamento
do filme para a tomada radiográfica.
Em caso de alergia ao látex deve ser utilizado
lençol antialérgico à base de silicone (Roeko Dental
Dam Silicone Non Látex®) ou lençol de borracha sin-
tética, não derivada do látex (Roeko Flexi Dam Non
Látex®)17.
Todo lençol de borracha deve ser descartado após
seu uso.
Arco ou porta-lençol – É fabricado em metal ou
plástico autoclavável e tem por função fixar o lençol de
borracha nas projeções laterais em formas de espinhos
ou farpas, mantendo-o distendido, firme e liso. Na En-
B dodontia é indicado o arco de plástico, que não neces-
sita ser removido durante as tomadas radiográficas por
ser radiolúcido. Dessa forma, a face do lençol voltada
para o dente em tratamento não entra em contato com
a saliva, contribuindo para a manutenção da cadeia as-
séptica (Fig. 6-3.3A e B). Os dois tipos de arcos mais
usados são em forma de U, com a denominação de arco
de Young, ou em forma octogonal, chamado arco de
Ostby. Além desses são encontrados arcos dobráveis,
indicados para pacientes que têm “sensação de falta
de ar” ou claustrofóbicos22 e arcos descartáveis, que já
vêm adaptados ao lençol, disponíveis também para pa-
cientes alérgicos.
Pinça perfuradora – É responsável pela perfura-
ção do lençol de borracha, sendo geralmente utilizado o
C alicate ou perfurador de Ainsworth (Fig. 6-3.2B). Como
na Endodontia, isola-se na maioria das vezes apenas o
Figura 6-3.1A. O isolamento impediu a entrada de exsudato puru- dente a ser tratado, e o orifício de maior diâmetro, reco-
lento proveniente do canal radicular para a cavidade oral. (Gentileza
da Profa Elaine Ferreira – UFAL.). B e C. Proteção do paciente contra a
mendado para o dente que vai receber o grampo, é uti-
ingestão acidental de instrumentos endodônticos e substância quí- lizado em qualquer caso de isolamento unitário. Com
mica, na odontometria e irrigação dos canais, respectivamente. o lençol preso no arco, o local da perfuração é realizado
230 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A C

D E

Figura 6-3.2A. Lençol de borracha e arco de


Ostby. B. Pinça perfuradora. C. Pinça porta-grampo.
F D. Grampos para incisivos. E. Grampos para pré-mo-
lares. F. Grampos para molares.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 231

A B

Figura 6-3.3A. Tomada radiográfica com lençol parcialmente removido do arco de plástico, evita que a face do lençol voltada para o dente
em tratamento seja contaminada por saliva. B. A não remoção do arco matém o campo seco e sem contaminação durante radiografia com
os cones principais de guta-percha para obturação dos canais.

no centro para os dentes posteriores e 1cm acima ou Dispositivos auxiliares


1cm abaixo do ponto central para os dentes anteriores
Com o objetivo de obter a excelência no isolamen-
superiores e anteriores inferiores, respectivamente4,
to absoluto, o profissional deve dispor dos seguintes
sendo esse método simples, asséptico (dispensa o uso
dispositivos auxiliares (Fig. 6-3.7A-G):
de marcação com canetas) e eficaz (Fig. 6-3.4A a E).
• fio dental: é utilizado para amarrar e prevenir a in-
Pinça porta-grampo – É utilizada para posicionar
e remover o grampo do colo dentário por meio da sua gestão do grampo durante sua escolha e colocação12,
apreensão e distensão durante o uso19. As pinças do na confecção de amarrias que auxiliam na retenção e
tipo Palmer (reta) (Fig. 6-3.2C) ou Brewer (com dupla adaptação cervical do lençol e para adaptar o lençol
curvatura) são as mais difundidas. nos espaços interproximais, promovendo o veda-
Grampos – Têm a finalidade de reter e manter a mento dessa área10,19;
borracha adaptada ao colo clínico do dente, além de • tira de lixa: tem por função regularizar arestas dentá-
promover o afastamento gengival. São comercializados rias cortantes situadas nas faces dentárias interpro-
por uma série de fabricantes, com diferentes números ximais em situações que impedem a correta passa-
e com uma variedade de formatos para todas as clas- gem do lençol;
ses de dente. De forma didática e objetiva, os grampos • sugador de saliva: irá proporcionar conforto ao pa-
mais comumente utilizados são numerados de acordo ciente e profissional, impedindo a salivação excessi-
com os grupos de dentes em: 200 a 205 para molares; va durante o tratamento;
206 a 208 para pré-molares; 210 a 212 para caninos e • tesoura pequena: útil, quando é necessário cortar o
incisivos. Em dentes parcialmente erupcionados, com lençol;
coroas cônicas, muito destruídas, mal posicionados, • cureta de dentina ou similar: empregada para remover
entre outras situações que dificultam o isolamento, são o lençol das asas do grampo;
empregados grampos especiais, como os de nos 14, 14A • tubo de cianoacrilato21 ou protetor gengival fotopolime-
e W8A ou 8A para molares (Fig. 6-3.5A e B) e os de nos rizável: veda pequenas falhas cervicais existentes
00, 1, 1A e 2 para pré-molares e incisivos. No entanto, o no isolamento, que permitem infiltração de fluidos.
grampo 211 para incisivos é chamado de grampo uni- Dessa forma, estando com o dente isolado banhado
versal, podendo ser usado em qualquer tipo de dente, em água, solicita-se ao paciente que sopre levemente
principalmente os mais difíceis de isolar (Fig. 6-3.6A-C). e, caso haja formação de bolhas, significa passagem
Na Fig. 6-3.2D-F e no Quadro 6-3.1 encontram-se dis- do ar, sendo então indicado o vedamento cervical
tribuídos alguns grampos para isolamento absoluto de adicional para não ocorrer infiltração de saliva ou
acordo com os grupos de dente e suas indicações. ingestão de substâncias químicas (Fig. 6-3.7A-H).
232 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

C D

Figura 6-3.4A. Localização das perfurações de


acordo com o grupo dentário. B. Perfuração no
centro do lençol para isolamento de dente pos-
terior sem necessitar de marcação com caneta. C.
Posição após isolamento do dente. D. Isolamento
E de dentes anteriores inferiores. E. Isolamento de
dentes anteriores superiores.

A B

Figura 6-3.5A. Mordentes do Grampo W8A bem adaptados e estabilizados na cervical, apesar da expulsividade vestibular e lingual obser-
vada em B.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 233

B C

Figura 6-3.6A. Remanescente coronário do dente 15 praticamente ausente. B e C. Isolamento com o grampo universal 211 e uso do prote-
tor gengival fotopolimerizável (Top Dam®), vedando a interface dente/lençol.

Quadro 6-3.1 Sugestão de grampos úteis para isolamento absoluto na Endodontia, comercializados pela S. S. White,
Ivory e Hu-Friedy

Grampos (Número) Indicação

9 (Ivory e Hu-Friedy) 211*(SS White) Grampo universal para dentes anteriores, úteis para pré-molares e molares difíceis
de isolar

212 (Ferrier), sem asa Dentes anteriores que necessitam de afastamento gengival

00 Pré-molares e dentes anteriores inferiores pequenos

1A Pré-molares e anteriores superiores com pouca retenção, expulsivos, coroa


destruída etc.

2 Pré-molares e dentes anteriores

3 Molares menores

7 Molares superiores e inferiores

W8A (sem asa) Molares menores com pouca retenção, expulsivos, coroa destruída etc.

12A e 13A (serrilhado) Molares esquerdo e direito onde se deseja maior retenção

14 e14A Molares menores e maiores, respectivamente, com pouca retenção, coroa destruída
etc.
234 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

C D

E F

G H

Figura 6-3.7A. Fio dental verificando os contatos das faces proximais. B. Amarria do grampo com fio dental. C e D. Falha cervical no isola-
mento e vedamento dela com protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®). E e F. Aplicação de cianoacrilato (Super Bond®) na interface
dente/lençol. Impede infiltração de fluidos através das pequenas falhas existentes. G. Isolamento em fenda e vedamento dos espaços com
cianoacrilato. H. Dente banhado em água para verificar falhas no vedamento pela formação de bolhas de ar ao soprar.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 235

 MOMENTO DO ISOLAMENTO a pinça e, com o auxílio de um instrumento de ponta


romba, alivia-se a borracha das aletas ou asas do gram-
Inicialmente se realiza profilaxia no dente para eli-
po para, em seguida, acomodar o lençol nos espaços
minar o biofilme bacteriano10 e, em situações mais com-
interproximais com o fio dental (Fig. 6-3.8 A a F).
plexas, pode ser necessária a cirurgia periodontal prévia
2a – Coloca-se primeiro o grampo no dente, se-
para aumento de coroa clínica com o objetivo de isolar e
guido do lençol preso ao arco: indicada para grampos
tratar adequadamente o dente. Após profilaxia, passa-se
sem asa. Após seleção, coloca-se o grampo no colo do
o fio dental nas regiões interproximais para verificar os
dente devidamente amarrado pelo fio dental, para em
contatos dessas áreas e, se necessário for, utiliza-se tira
seguida distender a abertura do orifício do lençol já
de lixa para regularizar arestas cortantes10.
preso no arco, passando-o sobre o grampo de distal
Estando a coroa do dente sem placa, cálculos
para mesial, a fim de posicionar o lençol sob o grampo
e devidamente anestesiado, o dente deve ser isolado
por vestibular e lingual e, com ajuda do fio dental, o
para dar início ao acesso à câmara pulpar e demais eta-
lençol é acomodado nos espaços interproximais (Fig.
pas do tratamento. No entanto, como o lençol de bor-
6-3.9A-E).
racha impede observar a posição do dente e de seus
3a – Coloca-se o lençol/arco envolvendo o colo do
vizinhos na arcada dentária, pode levar à ocorrência
dente, seguido do grampo: essa opção é indicada para
de perfurações durante a abertura coronária em mãos
grampos com ou sem asa, sendo geralmente realizada
inexperientes, como também em casos de difícil acesso
a quatro mãos, ou seja, enquanto o operador ou auxi-
à câmara pulpar, como nos dentes com coroas inclina-
liar posiciona e mantém o orifício do lençol, já preso no
das em relação à raiz, casos de fenestração de coroas
arco, adaptado ao colo do dente, o outro leva o gram-
totais, acesso endodôntico em dentes preparados para
po em posição com o auxílio da pinça porta-grampo.
prótese ou com calcificações na câmara, entre outras
No entanto, pode ser realizada a duas mãos, desde que
situações. Diante disso, não é errado realizar o isola-
haja domínio por parte do operador (Fig. 6-3.10A-E).
mento somente após cair na câmara pulpar na primeira
A escolha pela técnica de colocação depende do
sessão de atendimento, pois, ainda que ocorra a conta-
caso em particular e da preferência do profissional e,
minação da mesma, ela será fugaz e transitória, sendo
uma vez posicionado, verifica-se a qualidade do veda-
rapidamente eliminada após irrigação com hipoclorito
mento (Fig. 6-3.7H) e realiza-se a desinfecção do gram-
de sódio a 2,5%.
po, lençol e arco, friccionando uma mecha de algodão
embebida em hipoclorito de sódio a 2,5%14, no sentido
centrífugo a partir do dente, quantas vezes for necessá-
 TÉCNICAS DE APLICAÇÃO rio durante o tratamento (Fig. 6-3.11A e B).
Independentemente da técnica de aplicação, faz-se
o preparo inicial do dente, citado no item anterior. Em se-
 SITUAÇÕES ATÍPICAS NO ISOLAMENTO
guida, escolhe-se o grampo de acordo com o dente e sua
condição clínica e, uma vez adaptado ao colo dentário,
ABSOLUTO
sua estabilidade e retenção são testadas pressionando-o Isolamento em fenda ou em bloco – Indicado
com a ponta dos dedos polegar e indicador. Na prova para isolar dentes que sofreram traumatismos dentá-
do grampo é fundamental amarrá-lo corretamente com rios, dentes apinhados ou mal posicionados, dentes
fio dental para prevenir sua ingestão ou aspiração em sem coroa, elementos dentários de ponte fixa, entre ou-
caso de fratura ou deslocamento do dente12. tras situações onde o isolamento unitário não pode ser
Terminados os procedimentos iniciais e seleção executado. Nessa técnica, o isolamento de vários dentes
do grampo, aplica-se o isolamento com uma das se- será feito por meio de uma fenda realizada no lençol de
guintes opções técnicas10: borracha, através da união de dois ou mais orifícios de
1a – Coloca-se o conjunto, grampo, lençol de maior calibre, englobando o dente que irá ser subme-
borracha e arco de uma só vez: essa técnica é indica- tido ao tratamento endodôntico e um ou mais dentes
da para grampos com asa, que permitem sua adapta- para distal e mesial. O grampo deve estar posicionado
ção no orifício do lençol de borracha já distendido e no(s) dente(s) situado(s) na(s) extremidade(s) da fenda
preso no arco. Estando preparado o conjunto, abre-se para manter o lençol em posição e, nos espaços onde o
o grampo previamente selecionado com o auxílio de vedamento estiver comprometido, emprega-se ciano-
uma pinça porta-grampo, levando-o em posição até acrilato ou realiza-se uma barreira com protetor gen-
alcançar o colo clínico do dente. Feito isso, remove-se gival fotopolimerizável, resina acrílica, cimento provi-
236 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

C D

E F

Figura 6-3.8A. Seleção do grampo. B. Conjunto preparado (lençol, arco e grampo). C. Grampo distendido e posicionado com a pinça.
D. Remoção do lençol das asas do grampo com cureta. E. Adaptação interproximal com fio dental. F. Dente isolado.

sório, entre outras situações, para impedir a infiltração Isolamento de dentes que necessitam de re-
de saliva e ingestão de substâncias químicas usadas na construção coronária provisória – Com o advento das
irrigação do canal (Fig. 6-3.12A-E). resinas compostas fotopolimerizáveis e sistemas ade-
Isolamento de dentes com aparelho ortodôn- sivos, a reconstrução provisória da coroa de dentes
tico – Nessas situações o isolamento é individual e o parcialmente destruída, cria condições para realizar
grampo normalmente é posicionado sob o braquete, uma boa adaptação e estabilização cervical do gram-
na cervical do dente. Os espaços existentes são então po15, fornecendo um reservatório intracoronário para
vedados com barreira, como o protetor gengival foto- a solução irrigadora, prevenindo que ela seja ingeri-
polimerizável (Fig. 6-3.13A-D). da pelo paciente e impedindo a infiltração de saliva e
Preparação para o Tratamento Endodôntico 237

A B C

Figura 6-3.9A. Colocação do


grampo sem asa W8A. B e C.
Distensão do orifício e passa-
gem do lençol sobre o grampo
de distal para mesial. D. Adapta-
D ção interproximal com fio den-
E
tal. E. Dente isolado.

A B C

Figura 6-3.10A e B. Auxiliar mantendo o lençol


adaptado no colo dentário. C. Operador posicio-
D E nando o grampo com a pinça. D. Adaptação inter-
proximal com fio dental. E. Dente isolado.
238 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

Figura 6-3.11A e B.
Mecha de algodão em-
bebida em hipoclorito
de sódio a 2,5% para de-
A B
sinfecção do isolamento
absoluto.

A B

C D

Figura 6.3-12A. Dente 22 sem remanescente coronário. B. Isola-


mento em fenda englobando um dente na mesial e na distal, fixado
por meio de amarria com fio dental e vedamento da interface den-
te/lençol/mucosa com cianoacrilato. C. O grampo foi posicionado
sobre o lençol no dente 24 para auxiliar a sua fixação. D. Dente 13
com prótese unitária retida por pino. E. Isolamento em fenda en-
globando um dente na distal e na mesial, realizando barreira com
E protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®) para vedamento
dos espaços da fenda.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 239

sangue na cavidade pulpar durante o tratamento (Fig. cal oposto ao do tratamento parcialmente descoberto
6-3.14A-F). pelo lençol, o que proporciona intenso alívio ao pacien-
Isolamento de dentes que necessitam de ci- te (Fig. 6-3.16A e B).
rurgia periodontal – Determinadas situações clíni-
cas, como dentes que sofreram invaginação gengival
 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE
no espaço coronário destruído, dentes com fratura
corono-radicular, dentes com remanescente coroná-
ISOLAMENTO ABSOLUTO
rio subgengival, entre outras, necessitam que proce- Em virtude de a terapêutica endodôntica em-
dimentos periodontais cirúrgicos sejam realizados, pregar uso farto e abundante de substâncias quími-
como gengivectomia ou até mesmo uma cirurgia a cas que agridem o organismo quando ingeridas, de
retalho para recuperação do espaço biológico com operar com instrumentos de pequenas dimensões,
ou sem osteotomia, para permitir que o tratamento que ingeridos ou aspirados colocam a vida do pa-
endodôntico seja realizado sob isolamento absoluto ciente em risco, e de ter na manutenção da cadeia
(Fig. 6-3.15A-K)15. asséptica um dos pilares para o sucesso do tratamen-
Isolamento de pacientes claustrofóbicos – Em to, faz-se necessário ter em mente a importância que
pacientes que durante o isolamento absoluto sentem esse procedimento ocupa durante a fase operatória e
dificuldades de respirar ou sensação de sufocamento, o ter em mãos instrumentais e materiais apropriados
profissional pode fazer uso do arco dobrável ou então para planejar e executar um isolamento absoluto de
cortar o lençol no sentido vertical, deixando o lado bu- excelência.

A B

C D

Figura 6-3.13A a D . Isolamento de dentes com aparelho ortodôntico.


240 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

C D

E F

Figura 6-3.14A. Destruição distolingual da coroa de dente 36 permitiu infiltração de saliva através do isolamento, impedindo a continu-
ação do tratamento. B e C. Reconstrução provisória da coroa com resina fotopolimerizável permitiu isolar o dente em condições ideais. D.
Dente 16 cariado na face distolingual. E e F. Isolamento com grampo 14A após remoção da cárie e acesso pulpar mostra infiltração de saliva.
Reconstrução provisória com resina fotopolimerizável solucionou o problema.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 241

A B C

D E F

G H I

J K

Figura 6-3.15A. Dente 46 com hiperplasia gengival mesial. B. Cirurgia gengival da área hiperplásica e sutura, permitindo isolamento imediato
com adaptação cervical do lençol, conforme observado na C. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) D. Invaginação da papila interpro-
ximal na cavidade distal do primeiro molar superior. E. Tecido gengival hiperplásico removido e isolamento absoluto do dente. F. Reconstrução
das paredes destruídas com resina composta fotopolimerizável. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) G. Necessidade de cirurgia pe-
riodontal no incisivo lateral12. H e I. Gengivectomia e gengivoplastia da região. (Gentileza da aluna Renata Cabral de Vasconcellos e do Prof. Adelmo
Farias Barbosa – UFAL.) J. Aspecto clínico 15 dias após cirurgia periodontal. K. Isolamento absoluto realizado em condições ideais.
242 Capítulo 6  Preparação para o Tratamento Endodôntico

A B

Figuras 6-3.16A e B. Isolamento com arco dobrável e A com o lençol cortado em B, indicado para pacientes claustrofóbicos.

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Anatomia
Interna, Cavidade
Capítulo 7
de Acesso e
Localização dos
Canais
Armelindo Roldi
Rosana de Souza Pereira
Rogério Albuquerque Azeredo

 CAVIDADE PULPAR DOS DENTES interna dos dentes para que possa ter maior sucesso em
PERMANENTES seus procedimentos, pois não são raras as vezes em que
se fazem perfurações durante a preparação de acesso,
A cavidade pulpar, situada geralmente no centro
que podem levar até a perda do dente.
dos dentes, é constituída por duas porções – a câma-
Com o estabelecimento de uma alteração patoló-
ra pulpar e o canal radicular –, localizadas na coroa e
gica irreversível no tecido pulpar, faz-se necessário ins-
na raiz, respectivamente. A morfologia dessa cavida-
tituir uma técnica de tratamento dos canais radiculares
de corresponde à estrutura externa do dente, isto é, o
visando ao controle da infecção, à execução de uma ob-
contorno da câmara e do canal radicular acompanha
turação compacta do sistema de canais e, consequen-
o contorno da superfície externa do dente. Também é
temente, ao favorecimento de atuação dos processos
do nosso conhecimento que essa morfologia poderá se
biológicos na reparação tecidual, restabelecendo, as-
modificar, dependendo das agressões que o dente vier
sim, o estado de normalidade das estruturas dentárias.
a sofrer durante toda a vida, e, por conseguinte, atuar
Dessa forma, faz-se necessário amplo conhecimento da
sobre a polpa indiretamente. De tais agressões pode-
mos enumerar as de natureza mecânica, térmica, quí- anatomia interna dos dentes para o sucesso da terapia
mica ou bacteriana. endodôntica.
Outro fator a que se deve dar ênfase é o tamanho Segundo Pineda e Kuttler38, para desobstruir,
da câmara e dos canais radiculares, que nos indivíduos preparar e preencher o canal radicular corretamente é
jovens é sensivelmente maior do que nos idosos. necessário conhecer detalhes de sua morfologia inter-
O estudo da anatomia do sistema de canais ra- na. Os canais radiculares podem variar em número, ta-
diculares era realizado pelo único método disponível manho, forma e apresentar diferentes divisões, fusões,
para o clínico – o radiográfico –, tendo-se ressalvas des- direções e estágios de desenvolvimento. No passado,
se, em razão de a própria característica do exame não o endodontista trabalhava com informações vagas, es-
mostrar o aspecto tridimensional dos dentes e sim pro- cassas e até falsas a respeito desse fator fundamental:
jetar bidimensionalmente a morfologia do órgão den- consequentemente, poderia se esperar um sucesso te-
tário. Na atualidade, pode-se fazer uso de um método rem sido empregados técnicas e métodos ao longo dos
moderno de avaliação tridimensional das estruturas anos com o objetivo de estudar os mínimos detalhes da
ósseas e dentárias – tomografia computadorizada. cavidade pulpar. Essas técnicas têm incluído estudos
É de extrema importância que o profissional espe- radiográficos, desgastes, cortes histológicos, diafaniza-
cializado tenha conhecimento minucioso da anatomia ção, uso do computador, utilização da técnica de pro-

243
244 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

cessamento digital, isótopos radioativos, microscopia Considerando que os dentes estão em grupos mor-
eletrônica e tomografia computadorizada16,19,20,33,34,38,40. fofuncionalmente diferenciados, onde cada elemento
O estudo da anatomia da cavidade pulpar deve tem função definida, e que dentro de cada grupamento
ser tridimensional, e os trabalhos até então limitados à existem variações morfológicas, é fundamental uma vi-
terapia aplicada. são particularizada dos elementos, uma vez que para
Várias considerações têm demonstrado que a alcançarmos o sentido clínico que eles impõem à tera-
morfologia dentária apresenta características variáveis, pia endodôntica é necessário conhecê-los em seus as-
revelando que a configuração dos canais não é apenas pectos fundamentais e particulares.
um espaço tubular único e sim um complexo sistema
apresentando canais acessórios, canais secundários, ca-
nais laterais e comunicações10,11,20,39,44,45. Portanto, torna-
 TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA –
se importante uma visualização espacial, tridimensio- CONE BEAM 3D (TCFC) E A ANATOMIA
nal no sentido longitudinal, uma vez que as variações DENTÁRIA – Márcia Gabriella Lino de Barros
são observadas entre os grupos dentários, entre as raí- Bortolotti
zes de um mesmo dente e até mesmo em uma mesma A tomografia computadorizada (TC) é um méto-
raiz, dependendo do segmento observado. Acresce-se do de diagnóstico por imagem que utiliza a radiação
a essa complexidade morfológica a localização do den- X, permitindo a reprodução de uma secção do corpo
te em relação ao arco dental, no qual, quanto mais pos- humano em quaisquer uns dos três planos do espaço,
terior for o dente, mais variável será sua anatomia18. diferentemente das radiografias convencionais, que
De acordo com a condição anatomopatológica, não po- projetam em um só plano todas as estruturas atraves-
demos esquecer que várias irregularidades abrigam o sadas pelos raios X. Existem dois tipos principais de
tecido pulpar e que, durante o preparo e a obturação TC: a tomografia computadorizada tradicional e a to-
do sistema de canais radiculares, elas podem influen- mografia computadorizada de feixe cônico (cone-beam
ciar no sucesso da terapia endodôntica, uma vez que computed tomography – CBCT)16.
para limpar e modelar o sistema, independentemente A TC apresenta as vantagens de eliminar as so-
da técnica, ela deve atingir todas as áreas do canal, o breposições de imagem com muito boa resolução atri-
que na prática é limitado, tendo em vista que o acesso buída ao grande contraste e à possibilidade de recons-
mecânico, principalmente na região apical, é dificulta- truir essa imagem nos planos axial, coronal, sagital e
do pela complexa anatomia desse segmento (Fig. 7-1). oblíquo, assim como obter uma visão tridimensional
da estrutura de interesse16.
A tomografia computadorizada de feixe cônico
– Cone Beam 3D (TCFC) – é uma tecnologia recente
que permitiu o desenvolvimento de tomógrafos menos
onerosos, menores em tamanho e com maior precisão
das imagens em relação às técnicas radiográficas con-
vencionais. Essa nova tecnologia, especialmente indi-
cada para a região dentomaxilofacial, está provendo à
Odontologia a reprodução de imagens tridimensionais
com mínima distorção e dose de radiação significante-
mente reduzida em comparação à TC tradicional44.
O aparelho de TCFC é muito compacto e se asse-
melha ao de radiografia panorâmica. Apresenta dois
componentes principais, posicionados em extremos
opostos da cabeça do paciente: a fonte ou tubo de raios
X, que emite um feixe em forma de cone, e um sen-
sor de raios X. O sistema tubossensor realiza somen-
te um giro de 360º em torno da cabeça do paciente e
a cada determinado grau de giro (geralmente a cada
1°), o aparelho adquire uma imagem-base da cabeça
Figura 7-1. Pré-molar diafanizado mostrando o complexo sistema do paciente, muito semelhante a uma telerradiografia,
de canais no segmento apical. sob diferentes ângulos ou perspectivas. Essa sequência
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 245

de imagens-base (raw data) é reconstruída para gerar a


imagem volumétrica em 3D, por meio de um software
específico com um sofisticado programa de algoritmos,
instalado em um computador convencional acoplado
ao tomógrafo. O tempo de exame pode variar de 10 a
70 segundos (uma volta completa do sistema), porém
o tempo de exposição efetiva aos raios X é bem menor,
variando de 3 a 6 segundos44.
Uma grande vantagem da TC odontológica é
que os programas que executam a reconstrução com-
putadorizada das imagens podem ser instalados em
computadores convencionais e não necessitam de uma
Workstation como a TC tradicional, apesar de am-
bas serem armazenadas na linguagem Dicom (Digital
imaging and communication in Medicine). Portanto, se o
profissional possuir o software específico instalado em
seu computador pessoal, poderá manipular as imagens
tridimensionais, segundo a sua conveniência, assim
como mostrá-las em tempo real aos pacientes. As ima-
gens de maior interesse ainda podem ser impressas e
Figura 7-2. TCFC com filtro para avaliação de estruturas de teci-
guardadas no prontuário, como parte da documenta- dos moles e vias aéreas mostrando nitidez em relação à anatomia
ção. Adicionalmente, o programa permite gerar ima- dentária.
gens bidimensionais, réplicas das radiografias conven-
cionais utilizadas na Odontologia, como a panorâmica
cessos patológicos, visualizar dentes retidos, avaliar
e as telerradiografias em norma lateral e frontal, função
os seios paranasais, diagnosticar trauma, mostrar as
com a denominação de reconstrução multiplanar em
estruturas ósseas da articulação temporomandibular e
volume, que constitui outra importante vantagem da
os leitos para implantes dentários (Fig. 7-2).
TCFC44.
Na Endodontia, a tomografia computadorizada
A TCFC é especial para a ciência odontológica de-
de feixe cônico possui grande valor para o diagnóstico
vido às suas características para a obtenção de imagens
e tratamento, onde podemos avaliar:
da região maxilofacial:

• Raízes (morfologia radicular e desvio do segmento


• O tomógrafo pode ser ajustado para fazer a varredu-
apical) e estágio de formação radicular (Figs. 7-3 e
ra de pequenas regiões para diagnóstico específico,
7-4)
como, por exemplo, somente da maxila ou até de
• Odontometria (Fig. 7-5)
uma região da maxila ou da mandíbula.
• Número de canais (Fig. 7-6)
• A imagem é adquirida em uma única rotação; por-
• Fraturas dentárias e relação dos dentes com estrutu-
tanto, os tempos de varredura são rápidos (5 a 40
ras anatômicas (Figs. 7-7 e 7-8)
segundos).
• A dose de radiação é significativamente reduzida
comparando com a tomografia convencional e equi-
vale a aproximadamente um levantamento radio-
gráfico periapical.
• As imagens resultam em um nível baixo de artefatos
metálicos.

Possui aplicabilidade em todas as especialidades


da Odontologia. É um exame de eleição para imagens
dos tecidos ósseos e dentários. A imagem da TCFC dis-
tingue esmalte, dentina, cavidade pulpar e cortical al- Figura 7-3. TCFC mostrando a morfologia radicular de molares su-
veolar. Pode ser usada para identificar e delimitar pro- periores sem a interferência das estruturas ósseas.
246 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

Figura 7-4. TCFC mostrando a morfologia radicular em detalhes


para a direção e curvatura das raízes de molares superiores.

Figura 7-6. Nitidez da TCFC na avaliação da presença de canais em


molares superiores e da presença do quarto canal, também chama-
do de MV2. Presença de quatro canais e de cinco canais.

Figura 7-5. TCFC pode ser aplicada para a medição dos canais ra- Figura 7-7. TCFC na determinação da fratura dentária vertical e re-
diculares. lação dos dentes com as estruturas anatômicas (canal mandibular).
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 247

Figura 7-8. TCFC na visualização de fratura radicular horizontal e


relação do dente com o seio maxilar.

 ANATOMIA INTERNA DOS DIFERENTES


GRUPOS DENTAIS Figura 7-9. Anomalia de incisivo central superior apresentando
dois canais.
Considerações clínicas
Podemos distinguir na câmara pulpar: o teto
(parede oclusal); o assoalho ou soalho, só situado no Incisivo lateral superior
interior do bulbo radicular nos dentes posteriores; ves-
O incisivo lateral superior apresenta uma confi-
tibular; lingual; mesial e distal. No soalho dos dentes
guração na sua morfologia muito semelhante à anato-
muitirradiculares podem ainda ser notadas depressões
mia interna do dente anterior, ressalvando-se as pro-
em forma de cones que correspondem às entradas dos
porções. É o elemento dental que apresenta as maiores
canais radiculares.
variações, entre elas a microdontia, o dens invaginatus
e a fusão, casos que devem merecer atenção especial
Incisivo central superior durante a terapia endodôntica devido à morfologia di-
O incisivo central superior, numa visão vestibu- ferenciada. Apesar de a raiz ser única, ela tende a apre-
lolingual, apresenta uma câmara pulpar estreita na re- sentar curvaturas acentuadas para distal e lingual, o
gião incisal e aumenta em direção cervical até chegar que, muitas vezes pelo desconhecimento, leva o profis-
ao seu máximo de diâmetro. Quando no sentido me- sional a provocar desvios e/ou perfurações, uma vez
siodistal, a câmara se apresenta mais ampla e podemos que o exame radiográfico não exibe tais curvaturas.
encontrar cornos pulpares evidentes, dependendo da
morfologia da borda incisal. O canal radicular se afila Canino superior
até se tornar constrito no ápice do dente, sendo que o
Este é o dente que apresenta maior dimensão na
forame apical está localizado próximo a esse, podendo
norma vestibulolingual. A câmara pulpar e o segmento
desviar-se para vestibular ou para lingual. Do ponto
cervical da raiz são muito amplos, sendo que o canal se
de vista clínico, apesar de o canal se apresentar único
afila abruptamente quando se aproxima do segmento api-
na maioria dos casos, é importante salientar que pode
cal, continuando suavemente até o ápice. O forame apical
ocorrer uma variação anatômica e encontrarmos dois
geralmente se situa no ápice da raiz, podendo se localizar
canais (Fig. 7-9).
na vestibular, e a raiz dele pode apresentar desvios para
Devemos considerar que os incisivos superiores
mesial ou distal, sendo o mais longo dos dentes.
apresentam um cíngulo proeminente e que na margem
cervical palatina encontraremos uma projeção denti-
nária, que deverá ser removida por meio de desgaste
1o Pré-molar superior
compensatório, objetivando assim o acesso direto ao É um dente que geralmente se apresenta com
canal radicular. duas raízes bem desenvolvidas, podendo também ser
248 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

observadas duas raízes não totalmente separadas ou têm a seguinte relação: o lingual é centralizado na raiz
uma única raiz bem larga. Não é muito comum, mas lingual, o distovestibular está perto do ângulo obtuso
pode apresentar três raízes, o que constitui dificulda- e o mesiovestibular está localizado mesialmente ao
de na intervenção endodôntica. Recursos radiográficos anterior, situado dentro do ângulo agudo da câmara
devem ser utilizados para que não ocorram sobreposi- pulpar. Em seção do segmento médio das raízes são
ções das raízes, permitindo uma visualização mais de- observados o canal lingual com seção circular; o mesio-
finida dos canais radiculares. Embora ocorra variedade vestibular, oval e alongado, ou possuindo a forma de
no número de raízes, esse dente geralmente apresenta um rim; e o distovestibular, redondo ou oval.
só dois canais radiculares. Normalmente, o contorno
da câmara no segmento cervical tem a morfologia de 2o molar superior
um rim, aspecto conferido devido ao achatamento me-
siodistal. Notamos, portanto, dois canais radiculares As raízes desse dente são mais retas e tendem à
que se estreitam até chegar ao ápice do dente. fusão, embora a lingual geralmente se apresente sepa-
A presença de três raízes constitui uma dificulda- rada. A maioria dos segundos molares superiores pos-
de na intervenção endodôntica, variação essa não mui- sui três raízes e três canais radiculares, com a raiz me-
to comum. siovestibular não sendo tão complexa como a do dente
descrito anteriormente. Embora a raiz mesiovestibular
desse dente não seja muito larga, ela pode possuir dois
2o pré-molar superior canais radiculares. A câmara pulpar tem a forma retan-
Na visão vestibulolingual é um dente que ge- gular. Os forames apicais geralmente se abrem no ápi-
ralmente possui uma raiz e um canal radicular, que é ce da raiz, podendo variar para vestibular ou lingual.
muito largo. A entrada do canal mesiovestibular está mais dis-
No segmento apical do dente o canal se estreita tante dos lados vestibular e mesial da câmara. Em razão
abruptamente, afilando-se em direção ao ápice. Não de as raízes tenderem a se fusionar, as entradas dos ca-
são raras as vezes que esse dente apresenta “ilhotas” de nais radiculares se localizam mais próximas. As raízes
dentina, o que faz com que o tratemos como se tivesse lingual e distovestibular próximas ao segmento médio
dois canais. Entretanto, sempre devemos procurar dois apresentam um contorno circular ou oval, e a mesioves-
canais, uma vez que eles estão presentes em 46,3% dos tibular, retangular com ângulos arredondados, e, se essa
casos11. O forame apical frequentemente coincide com raiz possuir dois canais, seu contorno será circular.
o ápice do dente.
Esse dente possui uma raiz e, no sentido vestibu- 3o molar superior
lolingual, apresenta um canal muito longo.
É um dente que apresenta morfologia variada, de
raízes menores e mais curvas, tendo grande tendência
1o molar superior à fusão, o que faz com que se pareçam unirradiculares.
A câmara pulpar é mais ampla, por causa de sua erup-
Possui três raízes e três canais, sendo que a raiz lin-
ção acontecer mais tardiamente. Entretanto, é bom sa-
gual tem a maior dimensão, seguida da distovestibular e
lientar que essas variações dificultam muito o trabalho
da mesiovestibular. A raiz mesiovestibular é a que sofre
do endodontista.
mais variações morfológicas, em comparação com a dis-
tovestibular, sendo que a raiz lingual é a mais reta.
A raiz mesiovestibular é muito larga vestibulolin-
Incisivo central inferior
gualmente e, normalmente, possui um canal (secundá- Embora sendo o menor dente da cavidade bucal,
rio), que apresenta um diâmetro menor que os outros apresenta-se com uma cavidade pulpar muito grande
três canais do dente. O forame apical dessa raiz se loca- quando vista no sentido vestibulolingual, em um canal
liza no ápice, podendo variar para vestibular ou lingual. radicular que pode ser duplo. O canal radicular se afu-
É frequentemente curva, sendo acompanhada pelo ca- nila suavemente até chegar ao ápice, e essa constrição
nal. Tal fato não ocorre com a raiz distovestibular. pode ocorrer abruptamente até 3 ou 4mm do ápice. O
O contorno cervical tem a forma romboidal com forame apical pode se abrir no centro da raiz, para ves-
ângulos arredondados, sendo que o ângulo mesioves- tibular ou lingual.
tibular é agudo, o distovestibular é obtuso, e o lingual, No sentido mesiodistal, esse dente é bastante estrei-
reto. As entradas dos canais no assoalho da câmara to, o que se deve ao grande achatamento nesse sentido.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 249

radiculares. O forame apical pode se abrir no ápice da


raiz, na vestibular ou na lingual. Possui geralmente
uma raiz e um canal, com possibilidade de apresentar
dois canais, que podem desviar-se para distal.

1o molar inferior
Observa-se na visão vestibulolingual uma ampla
câmara pulpar. A raiz mesial, por causa da presença de
dois canais, possui uma anatomia interna usualmente
complexa (Fig. 7-11). Esses canais podem se fusionar
em quaisquer dos segmentos da raiz para terminar em
um forame comum ou em dois, separados. A raiz dis-
tal geralmente possui um canal amplo, que se afunila
abruptamente a poucos milímetros do ápice radicular.
Quando apresentar dois canais, eles podem estar sepa-
Figura 7-10. Pré-molar apresentando dois canais. Tomografia. Odon- rados total ou parcialmente por “ilhotas” de dentina.
tometria (radiografia). Canais obturados. (Gentileza de H. P. Lopes.) O forame apical dessa raiz geralmente se abre no ápice
ou é deslocado para vestibular ou lingual. No sentido
Incisivo lateral inferior mesiodistal, a câmara possui a forma retangular, com
pequena distância oclusopulpar, tendo que se ter o
Em comparação com o dente anterior, a câmara cuidado ao manuseá-la, pois se corre o risco de lesar
pulpar e o canal são maiores em todas as dimensões. a furca.
Todas as características do incisivo central se repetem Os canais mesiais geralmente têm curvatura con-
nesse dente. siderável, e o distal é mais reto e mais curto. Por causa
do grau de curvatura radicular, os instrumentos se cru-
Canino inferior zam na região cervical do dente.
Possui forma semelhante ao do canino superior, A presença do canal cavo-interradicular deve
e é raro encontrar duplicidade de canais nesse dente, ser considerada no tratamento endodôntico desse
o que resulta do aparecimento de “ilhotas” de denti- dente, uma vez que tal canal pode se constituir em
na, devido à grande dimensão vestibulolingual e à es-
treita dimensão mesiodistal. Observa-se um certo grau
de curvatura na porção apical, preferencialmente para
vestibular. O forame apical se abre no ápice radicular,
na mesial ou distal.

1o pré-molar inferior
Parece um pequeno canino inferior, geralmen-
te com um canal. O forame apical se localiza no ápice
radicular, desviado para vestibular ou lingual. Oca-
sionalmente podemos encontrar dois ou três canais,
tornando o tratamento dificultado. O canal radicular é
localizado abaixo da abertura de acesso, que é feita no
longo eixo do dente e não perpendicularmente à face
oclusal, isso devido à grande inclinação de sua face
vestibular para lingual (Fig. 7-10).

2o pré-molar inferior
É um dente maior do que o já descrito, apresen-
tando, assim, proporções também maiores de canais Figura 7-11. Diafanização da raiz mesial. Complexidade anatômica.
250 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIÂMETRO


ANATÔMICO DOS CANAIS
RADICULARES
A viabilidade de alargar a porção crítica apical
dos canais radiculares com o objetivo de eliminar as
bactérias nessa região tem originado grandes discus-
sões e controvérsias na literatura. A limpeza eficiente
do segmento apical dos canais é obtida por meio da
correta determinação do comprimento de trabalho e do
alargamento dessa região53.
Durante o preparo químico-mecânico, o diâmetro
anatômico é determinado pelo primeiro instrumento
que, no comprimento de trabalho, encontrou resistên-
cia, prendendo-se às paredes dentinárias, que foi de-
nominado como instrumento apical inicial cuja sigla se
instituiu como IAI18.
A determinação correta do diâmetro anatômi-
co do canal radicular é de fundamental importância,
porque permite estabelecer, com maior segurança, o
instrumento adequado para iniciar e ampliar o pre-
Figura 7-12. Presença do canal cavo-interradicular. paro apical. Esse aspecto ganha importância ainda
maior, pois proporciona a remoção de dentina con-
taminada, o que favorece a terapêutica das lesões
uma das vias de comunicação entre a polpa e o pe-
periapicais46,53.
riodonto, podendo ocasionar problemas endoperio-
Os métodos tradicionais de determinação do diâ-
dontais49 (Fig. 7-12).
metro anatômico da porção apical têm subestimado, de
modo significativo, o real diâmetro dessa região. Tan e
2o molar inferior Messer48 sugeriram que seria mais correto determinar
As raízes desse dente são mais retas e menos di- o diâmetro de cada canal individualmente e, posterior-
vergentes do que as do primeiro molar inferior, sendo mente, o instrumento mais adequado para promover a
que a morfologia do sistema de canais se repete. limpeza e modelagem da região apical. Alguns auto-
A câmara tem forma retangular, e o canal distal é res têm pesquisado e sugerido o diâmetro anatômico
maior do que os canais mesiais quando vistos no sen- de cada dente, como Wu et al.52, que determinaram a
tido mesiodistal. O soalho da câmara pode ter duas média desses diâmetros tanto para os dentes superio-
aberturas, uma mesial e uma distal, que estão centra- res quanto para os inferiores (Quadro 7-2). Esses diâ-
das; a raiz mesial, no segmento médio, tem forma de metros foram confirmados por outros autores como
rim ou de 8, com canais separados ou confluentes, e a Pécora et al.36; Barroso et al.3, Ibelli et al.21, que avaliaram
distal tem forma oval. diferentes grupos dentários: incisivo central superior,
primeiro pré-molar superior, molar superior e incisivo
3o molar inferior lateral superior, respectivamente.
As cavidades são semelhantes às do segundo, Vários trabalhos têm relacionado melhores re-
com coroa grande, raízes menores, mais curvas, ten- sultados na determinação do real diâmetro anatômi-
dendo à fusão. co ao alargamento prévio do segmento cervical do
O número de canais radiculares é bastante variá- canal radicular, uma vez que a embocadura do canal
vel, podendo possuir até quatro canais, com o quarto representa a área onde ocorre a maior aposição de
canal se localizando na raiz distal. dentina, tornando essa porção mais estreita. A eli-
O comprimento médio e o número de raízes e minação de interferências nessa região possibilita a
de canais de elementos dentários estão expressos no determinação, com maior fidelidade, do instrumen-
Quadro 7-1. to apical inicial4,8,21,31,36,37,46,47.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 251

Quadro 7-1 Comprimento médio, número de raízes e de canais dos dentes

Comp. Número de raízes Número de canais


Dente médio
(mm) 1 2 3 4 1 2 3 4 5

Maxila

Incisivo central 22,6 100% 100%

Incisivo lateral 22,1 100% 97% 3%

Canino 27,2 100% 100%

1o pré-molar 21,4 35,5% 61% 3,5% 8,3% 84,2% 7,5%

2o pré-molar 21,8 94,6% 5,4% 53,7% 46,3%

1o molar 21,5 100% 30% 70%

2o molar 21 100% 50% 50%

3o molar 19 97% 3% 10,5% 11,9% 57,5% 19% 1,1%

Mandíbula

Incisivo central 21 100% 73,4% 26,6%

Incisivo lateral 22,3 100% 84,6% 15,4%

Canino 25 94% 6% 88,2% 11,8%

1o pré-molar 21,6 82% 18% 66,6% 31,3% 2,1%

2o pré-molar 22,1 92% 8% 89,3% 10,7%

1o molar 21 97,5% 2,5% 8% 56% 36%

2o molar 21,7 98,5% 1,5% 16,2% 72,5% 11,3%

3o molar 19 91,3% 7,5% 1,2% 5% 63,3% 27,8% 3,9%

Segundo De Deus, 199211.

O alargamento do segmento cervical fornece âmetro do instrumento e o diâmetro anatômico do


acesso mais retilíneo do instrumento até o segmen- primeiro pré-molar superior. Na Fig. 7-13B, C, D e E
to apical, reduzindo as possibilidades de acidentes se nota que essa discrepância vai-se tornando menos
durante as manobras do preparo biomecânico, tais acentuada em função do tipo de instrumento utiliza-
como: degraus, transportes apicais, perfurações e do no pré-alargamento da região cervical.
fraturas dos instrumentos. Algumas pesquisas já citadas nos levam a uma
Essa etapa operatória auxilia, fundamentalmen- linha de raciocínio aparentemente óbvia de que de-
te, a detecção do diâmetro anatômico e consequente- vemos identificar de maneira mais precisa possível
mente a instrumentação, o que pode ser visualizado o diâmetro anatômico e, a partir dessa etapa, realizar
na Fig. 7-13A a E. Na Fig. 7-13A, por exemplo, em a ampliação apical com instrumentos de diâmetros
que o pré-alargamento não foi realizado no segmen- superiores aos rotineiramente preconizados na litera-
to cervical, nota-se a maior discrepância entre o di- tura, para garantir o sucesso da terapia endodôntica.
252 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

Quadro 7-2 Média dos diâmetros dos canais radiculares  ALTERAÇÕES NA ANATOMIA INTERNA
a 1mm e a 2mm do ápice anatômico nos sentidos
vestibulolingual e mesiodistal A polpa dental, derivada do mesênquima da pa-
pila dental, tem como função principal a formação de
Dente Vestibulolingual Mesiodistal dentina. Como polpa e dentina mantêm entre si uma
relação fisiológica e patológica nos processos infla-
Superiores 1mm 2mm 1mm 2mm matórios, a reação aos estímulos provoca alterações
na anatomia interna em decorrência da resposta à
Central 0,34 0,47 0,30 0,36
irritação. Assim, frente a determinantes como idade
Lateral 0,45 0,60 0,33 0,33 e irritantes, podem ocorrer alterações na morfologia,
principalmente pelo fato de a polpa estar contida em
Canino 0,31 0,58 0,29 0,44 uma cavidade que apresenta paredes inextensíveis.
Quatro aspectos da anatomia dentária e da cavidade
1o pré-molar
pulpar devem ser observados no exercício da terapia
Canal V 0,30 0,40 0,23 0,31 endodôntica40: a direção das raízes e dos canais radi-
culares, as cavidades pulpares, a topografia dos ca-
Canal P 0,23 0,37 0,17 0,26 nais radiculares e as variantes topográficas dos ápices
radiculares.
2o pré-molar 0,37 0,63 0,26 0,41
As variações anatômicas encontradas podem ser
Molares resumidas em: dens invaginatus, fusão, geminação, mi-
crodontia, macrodontia, taurodontia, dilaceração e ca-
Canal P 0,29 0,40 0,33 0,40 nal em forma de C.
Do ponto de vista clínico, devemos observar,
Canal MV 0,43 0,46 0,22 0,32
como fatores determinantes de tais modificações anatô-
Canal MV micas, a idade, os agentes irritantes, a presença de cal-
0,19 0,31 0,16 0,16 cificações e as reabsorções dentárias. Ocasionalmente
secundário
os dentes apresentam variações anatômicas não muito
Canal distal 0,22 0,33 0,25 comuns, que se tornam significantes ao tratamento en-
dodôntico. Com relação à idade, a formação de dentina
Inferiores 1mm 2mm 1mm 2mm
ocorre predominantemente em determinadas áreas do
Incisivos 0,37 0,52 0,25 0,25 dente. Como exemplo, nos molares, a maior formação
de dentina se localiza no teto e assoalho da câmara
Caninos 0,47 0,45 0,36 0,36 pulpar, ocasionando mudanças na morfologia interna
e dificultando encontrar a cavidade pulpar com o risco
Pré-molar 0,35 0,40 0,28 0,32
de lesar o soalho e até mesmo perfurá-lo.
Molares No que diz respeito aos agentes irritantes, qual-
quer agente que atue sobre o elemento dental irá esti-
Canal MV 0,40 0,42 0,21 0,26 mular a formação de dentina. Assim, o exame radio-
gráfico deve ser analisado cuidadosamente para iden-
Canal ML 0,38 0,44 0,28 0,24
tificação de possíveis alterações na anatomia.
Canal distal 0,46 0,50 0,35 0,34 Ao analisarmos a presença das calcificações, de-
vemos ter em mente que elas existem sob a forma de
nódulos pulpares e formas lineares de agulhas irre-
gulares.
Porém, ainda não há na literatura um parâmetro pre- Os nódulos pulpares são facilmente detectados
viamente estabelecido sobre a extensão ideal do pre- radiograficamente, uma vez que geralmente estão loca-
paro apical de forma a garantir a modelagem segura lizados na câmara pulpar, podendo atingir tamanhos
e efetiva dessa região. Portanto, tornam-se necessários consideráveis, com alteração da anatomia, dificultando
estudos que abram novas perspectivas nessa área, vi- muitas vezes a localização do orifício do canal. A pre-
sando cada vez mais ao aprimoramento do tratamen- sença de nódulos significa um sinal clínico e radiográ-
to endodôntico e à preservação da anatomia do canal. fico de que a polpa está envelhecendo.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 253

A B

C D E

Figura 7-13. Evidenciando o travamento do instrumento apical inicial após a realização de preparos cervicais. A. Sem pré-alargamento. B.
Pré-alargamento Gates Glidden. C. Pré-alargamento com alargador cervical. D. Pré-alargamento com alargador ProTaper. E. Pré-alargamento
com alargador LA Axxess. (Gentileza de J. M. Barroso e J. D. Pécora.)

Em determinadas situações podemos detectar ra-


diograficamente a obliteração total da cavidade pulpar,
e o paciente, nesses casos, normalmente relatará histó-
ria de algum tipo de traumatismo, sem que tal acidente
tenha apresentado um mínimo dano na ocasião de sua
ocorrência (Fig. 7-14).
Devemos considerar a presença das reabsorções,
alterações inflamatórias que podem modificar a anato-
mia dental. Na maioria das vezes, as reabsorções são
pequenas e não detectáveis radiograficamente. Quan-
do visíveis, geralmente são extensas, dificultando a te-
rapia endodôntica, criando dificuldades no preparo e
obturação do canal radicular (Fig. 7-15A a C).
Ocasionalmente, os dentes apresentam variações
significantes na morfologia pulpar e radicular, e tais
anormalidades são mais comuns nos incisivos laterais
superiores, pré-molares inferiores e molares superio-
res. O dens invaginatus ocorre por erro na morfodife-
renciação, resultando em uma comunicação precoce da
polpa com a cavidade bucal, requerendo tratamento
endodôntico (Fig. 7-16).
A fusão e a geminação são anomalias do desen- Figura 7-14. Calcificação da cavidade pulpar por traumatismo
volvimento dos tecidos duros do dente, as quais ra- dental.
254 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

A B A B C

Figura 7-17. Fusão dentária.

como uma raiz ampla, com um espaço pulpar comum


e presença de estrutura dentinária confluente entre os
elementos fusionados.
O tratamento endodôntico, quando indicado,
deve ser realizado acompanhando a anatomia interna
do sistema de canais radiculares, pois se trata de den-
C tes com canais amplos e irregulares (Fig. 7-17A a C).
A geminação é um distúrbio do desenvolvimen-
Figura 7-15. Reabsorções radiculares. A. Apical. B. Externa. C. Inter- to que ocorre durante a organogênese na tentativa de
na. (Gentileza de M. B. T. Faria.) fazer um órgão extra. Provavelmente é um problema
decorrente da segmentação da lâmina dentária.
Outras variações, como número de canais, de
raízes ou dentes com configurações radiculares não co-
muns, como canal em forma de C, podem influenciar
o resultado final no tratamento endodôntico. Assim, o
conhecimento de tais variações se faz necessário, uma
vez que o processo da terapia endodôntica depende
do conhecimento das inúmeras modificações anatô-
micas. De acordo com Leonardo e Leal29, realizar um
tratamento sem o estudo da anatomia interna e com-
pletado com a radiografia para diagnóstico é o mesmo
que trabalhar no “escuro” e colaborar para as elevadas
porcentagens de fracassos endodônticos.

Canal em forma de C (C-shaped)


O molar em forma de C (C-shaped) é uma varia-
ção anatômica merecedora de destaque devido às suas
características peculiares, ensejando meticulosa aten-
ção operatória quando da instituição do tratamento
endodôntico. Esse tipo de anatomia pode induzir ao
Figura 7-16. Dens invaginatus. erro ou ao insucesso da terapêutica endodôntica desde
sua abertura e acesso à câmara pulpar até a localização,
ramente exigem tratamento endodôntico. A fusão é debridamento, instrumentação e obturação de seus ca-
definida como a união entre a dentina e/ou esmalte nais radiculares.
de dois ou mais dentes em desenvolvimento. Depen- Segundo Jafarzadeb e Wu22, a etiologia desses
dendo do período da odontogênese em que o distúr- canais é a falha durante a formação das raízes pela
bio se processa, ela pode ser completa ou incompleta. bainha epitelial de Hertwig, causando fusão radicular
A fusão verdadeira pode ser vista radiograficamente e formação dos canais em forma de C. O diagnóstico
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 255

A B C

Figura 7-18. Aspectos clínico e radiográfico do C-shaped. (Gentileza de M. V. B. Vieira.)

radiográfico do C-shaped é difícil, sendo seu reconhe-  CAVIDADE DE ACESSO E LOCALIZAÇÃO


cimento clínico estabelecido definitivamente por meio DOS CANAIS
da confecção do acesso à câmara pulpar (Fig. 7-18).
No entanto, as radiografias pré-operatórias mostram Princípios da abertura da cavidade de
características em comum, como fusão e proximidade acesso:
radicular, canal distal largo, canal mesial estreito, com a) remoção de todo o teto da câmara pulpar para a re-
uma imagem borrada de um terceiro canal entre eles, tirada dos remanescentes pulpares e exposição dos
podendo, dessa forma, ajudar a identificar a anatomia orifícios de entrada dos canais;
dos canais em forma de C. b) preservação do assoalho da câmara pulpar, evitan-
A complexidade anatômica do C-shaped promo- do perfurá-lo e facilitando a localização da entrada
ve maior dificuldade com relação ao debridamento e dos canais, pois a sua integridade tende a guiar o
obturação dos canais radiculares. Essa dificuldade se instrumento;
impõe pela ausência de um padrão anatômico em re- c) conservação da estrutura dentária, prevenindo a
lação ao número de canais radiculares. Podemos en- fratura e o enfraquecimento do esmalte e dentina
contrar um único canal em forma de C, desde a câmara remanescentes;
pulpar até o segmento apical, ou mesmo dois, três ou d) prover formas de resistência para permanência total
quatro canais que se interligam por um mesmo istmo. do selamento provisório da cavidade de acesso até a
Quando único, apresenta-se em forma de fenda ou fita colocação da restauração final;
contínua, conectando os canais mesiolingual, mesio- e) obtenção de acesso reto e livre até a primeira curva-
vestibular e distal, em molares inferiores, principal- tura do canal.
mente o segundo molar inferior, formando um arco de
180º. A existência do canal em forma de C, como sendo
uma fenda contínua unindo alguns ou todos os canais,
Preparos prévios
foi primeiramente descrita por Cooke e Cox9 em 1979. Antes de iniciar qualquer abertura coronária, o
Quando seccionada horizontalmente, essa fenda apre- profissional deve analisar o dente clínica e radiografi-
senta a forma de C. camente para avaliar qualquer problema em potencial.
O canal em forma de C tem sido diagnosticado A maioria dos dentes que necessitam de tratamento en-
e estudado pelo uso da tomografia computadorizada23 dodôntico foi afetada por cáries, restaurações, fraturas,
ou mesmo a tomografia microcomputadorizada6,13,15. atrição e outros. Frequentemente esses irritantes pro-
Cheung, Yang e Fan6, ao estudarem as caracterís- movem deposição de dentina, modificando a anatomia
ticas anatômicas apicais de segundos molares inferio- interna. O operador deve estar apto a reconhecer essas
res, com canais em forma de C, com auxílio do este- variações e planejar o acesso adequadamente, mesmo
reomicroscópio e tomografia microcomputadorizada, que deva ser alterado para adaptá-lo a elas.
concluíram que ela é extremamente complexa e com A angulação dentária, a posição de cúspides e a
muitas variações anatômicas. anatomia externa, tais como as cristas marginais, de-
256 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

vem ser avaliadas e usadas como referência para o iní- função da deposição de dentina reacional, mascaran-
cio do acesso. do a forma da abertura convencional e confundindo
Mudança na anatomia externa ocasionada por res- o operador.
taurações, especialmente coroas totais, pode também A remoção total da restauração permanente, seja
alterar a relação do longo eixo coroa-raiz. Variações um amálgama oclusal pequeno ou uma coroa total, é
nas tomadas radiográficas e a palpação da gengiva in- indicada para aumentar a visibilidade e simplificar a
serida e mucosa vestibular para ver a proeminência al- busca dos canais.
veolar da raiz ajudarão na determinação de sua correta Entretanto, em alguns casos, a total remoção não se
angulação. O sulco gengival e a área de furca também justifica, como, por exemplo, a parede interproximal de
podem ajudar nessa análise, feita antes da colocação do uma restauração classe II, que se estende subgengival-
lençol de borracha. mente; ela deve ser mantida para auxiliar o isolamento,
Quando os dentes são portadores de restaurações se não houver o risco de se soltar entre as sessões. Caso
extensas, coroas, calcificações pulpares ou os canais sua remoção seja necessária, por estar deficiente, e esse
não se mostram visíveis na radiografia e, ainda, apre- fato permitir a penetração de saliva na câmara pulpar
sentam dificuldades na orientação, o lençol de borra- ou a de soluções irrigadoras na cavidade bucal, faz-se
cha pode ser colocado após a localização da câmara ou premente o aumento de coroa clínica ou a confecção de
canais para permitir melhor direção da broca ao longo uma restauração provisória.
do eixo da raiz, principalmente quando o operador é Em casos de coroas totais, podemos optar por
um principiante. Deve-se notar também a inclinação deixá-las e depois repará-las, desde que não apresen-
da raiz relacionada com a coroa ou o dente adjacente, tem infiltrações e que a sua preservação não atrapalhe
lembrando que o canal se localiza aproximadamente o acesso.
no centro dela, necessitando muitas vezes do auxílio Os mesmos princípios básicos aplicados às res-
de uma radiografia ortorradial e outra mesializada ou taurações permanentes devem ser empregados nas
distalizada. restaurações provisórias, isto é, somente devem ser re-
Ajustes apropriados são feitos para direcionar a movidas inteiramente quando se fizer necessário.
broca ou o instrumento corretamente antes da coloca- Com relação às coroas provisórias, devem ser re-
ção do isolamento absoluto. É recomendável, no en- movidas antes do isolamento, permitindo o acesso ao
tanto, proteger a glote do paciente com a colocação de preparo do canal e facilitando a obturação, além do
gaze posicionada sobre a língua. fato de que elas são frequentemente perdidas ou deslo-
Radiografias periapicais pré-operatórias pela téc- cadas pelo grampo ou outras razões, mantendo pobre
nica do paralelismo bem processadas são indispensá- selamento durante o tratamento e entre as sessões.
veis na visualização e localização da câmara pulpar, Qualquer parte do material restaurador oclusal
dos canais e angulação radicular. Radiografias bite- ou estrutura dentária que possa interferir com o aces-
wing mostram a imagem da anatomia coronária da for- so direto deve ser removida antes de atingir a câmara.
ma mais acurada possível. Radiografias distalizadas Essa remoção, mormente em dentes inferiores, previne
ou mesializadas são recomendadas para mostrar clara- que resíduos de materiais, principalmente metálicos,
mente raízes extranuméricas, onde canais extras podem se precipitem e bloqueiem ou fiquem retidos na região
ser localizados. Em casos de elementos dentários com apical por serem de difícil remoção. Por essa razão, nos
tratamentos endodônticos iniciados por outros ope- dentes inferiores, deve-se estender um pouco mais a
radores, deve-se analisar também a situação do canal abertura, como medida de segurança.
para ver se há possíveis erros anteriores (perfurações, Nos casos de cúspides sem suporte, elas devem
desvios, instrumentos fraturados) e alertar o paciente, ser reduzidas 2 a 3mm antes da odontometria para
assim como também para nossa proteção. proporcionar um ponto de referência plano, prevenir
O acesso coronário começa com a remoção de fraturas durante e após o tratamento e as interferências
toda lesão cariosa, estrutura dentária sem suporte e oclusais.
restaurações defeituosas. Em suma, na Endodontia, necessitamos da re-
Recomenda-se a remoção de toda lesão cariosa moção do esmalte e da dentina, necessários ao acesso
antes do isolamento absoluto e da penetração na câ- direto aos canais radiculares, com eliminação de todo
mara pulpar, evitando a contaminação dos canais e teto da câmara pulpar, além de ampliar a cavidade em
do campo operatório. Não se deve esquecer, no entan- áreas estratégicas para facilitar o trabalho dos instru-
to, que a anatomia interna pode estar modificada em mentos e o máximo de visibilidade e de iluminação.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 257

Dessa forma, a ampliação deve ser feita às expen- taurações metálicas de grande porte, deve-se utilizar
sas das paredes mesiais e vestibulares na maioria dos broca transmetal (1557 ou 1558 da S.S. White/Duflex).
grupos dentais, como veremos. No caso de penetração em coroas de jaqueta de porce-
A abertura inadequada da superfície oclusal ou lana, é indicada ponta diamantada no 114.
do teto da cavidade impossibilitará a iluminação da É feita, ainda em alta rotação, a remoção de parte
câmara pulpar, dificultando a visualização, podendo da espessura dentinária, até as imediações da câmara
induzir comprometimento do assoalho. A supressão pulpar, para facilitar o trabalho e economizar tempo.
de todo o teto é particularmente importante em den- Gostaríamos de enfatizar que se a forma de con-
tes posteriores, com grande variação de posição e nú- torno inicial for feita logo após o ponto de eleição, des-
mero dos canais, como nos molares, para a localização de que não exagerada, em alta rotação, há uma agili-
dos orifícios de entrada desses canais, mesmo os mais zação dessa etapa operatória sem o risco de acidentes,
centralizados. Já os canais mesiovestibulares, tanto dos facilitando o trabalho subsequente em baixa rotação.
molares superiores quanto dos inferiores, apresentam Se existirem dúvidas quanto à localização da câmara
dificuldades de localização, porque usualmente se en- pulpar e orifícios de entrada dos canais radiculares,
contram bem mesializados e sob as cúspides do mes- deve ser feita uma forma de contorno conservadora até
mo nome. Outra dificuldade é a de que o instrumento que haja a remoção do teto cameral.
deve ter inclinação de distal para mesial, para poder A adição de fibra óptica à caneta de alta rotação
penetrar ao longo desses canais, o que muitas vezes é melhora a visibilidade durante a exploração do fundo
impedido pela pequena abertura da boca do paciente da cavidade até o alcance da câmara pulpar.
e pela tensão do lençol de borracha. No entanto, deve- O próximo passo é realizado com brocas esféricas,
mos lembrar que a remoção da estrutura dentária em em baixa rotação, compatíveis com o tamanho do den-
excesso e não necessária debilita o dente e aumenta a te (nos 2, 4 e 6, Carbide) e direcionadas para a parte mais
possibilidade de fratura ou perfuração. volumosa da câmara pulpar (direção de trepanação),
para que não haja riscos de avaliação da profundidade
é feita colocando-se a peça de mão com broca sobre a
 TÉCNICAS DE ACESSO radiografia pré-operatória. Atingida a câmara pulpar,
Em princípio, o preparo de acesso básico para devemos imprimir à broca movimentos de tração, isto
cada grupo dental se aplica a todas as situações. No é, do interior para a superfície do dente, até que todo
entanto, caso ocorram variações, as adequações neces- teto cameral tenha sido removido (Fig. 7-19).
sárias devem ser feitas como exposto. Indicamos o uso de brocas em baixa rotação prin-
Para facilitar o aprendizado, descreveremos as cipalmente para os iniciantes, porque com elas se tem
manobras operatórias de forma sequencial e didática, mais facilmente a sensação da broca “caindo no vazio”,
alertando que estão intimamente relacionadas: mormente nos casos de câmaras de contorno nítido ou

a) acesso à câmara pulpar:


• ponto ou área de eleição;
• forma de contorno inicial;
• direção de trepanação.
b) preparo da câmara pulpar;
c) configuração final da cavidade intracoronária (for-
ma de conveniência).

O início da abertura coronária para todos os den-


tes deve ser feito em alta rotação, com brocas esféricas
diamantadas (nos 1011, 1013 e 1015) para o esmalte e de
aço inoxidável para a dentina (Carbide nos 2, 4 e 6) ou
troncocônicas (701L – Carbide), de fissura, através do
esmalte ou material restaurador, dando a conformação
apropriada à cavidade de acordo com a anatomia in-
terna do dente; portanto, seguindo a “forma de conve- Figura 7-19. Utilização de brocas esféricas comuns na abertura de
niência” referente ao grupo dental. Na remoção de res- molares (maior segurança que as de haste longa).
258 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

nas que são volumosas. Devemos lembrar que o tama- pesquisando o tecido duro. A anatomia natural dita a
nho da câmara pulpar rege o da abertura; consequen- localização usual da entrada desses orifícios, mas res-
temente, nos jovens, a abertura se apresentará bastante taurações, deposições dentinárias e calcificações distró-
ampla, enquanto nos dentes adultos terá dimensões ficas podem alterá-la. Enquanto explora o assoalho da
menores em função do processo de calcificação. Em ca- câmara pulpar, a sonda muitas vezes penetra ou des-
sos de câmaras pulpares de tamanho reduzido ou que loca depósitos calcificados que bloqueiam o orifício. É
sofreram retração por algum fator externo, devem ser preferível sua utilização à das brocas para localizar a
utilizadas brocas esféricas de haste longa (comprimen- entrada dos canais, e sua dupla extremidade oferece
to cirúrgico de 28mm) como a broca LN – Carbide, ref. dois ângulos de abordagem. O posicionamento do ins-
0205 (Dentsply/Maillefer) de tamanhos compatíveis trumento nos orifícios de entrada dos canais permite
ao dente (nos 006, 008, 010, 012, 014 ou 016). a determinação de angulação e a sua direção. A ponta
Posteriormente, são utilizadas brocas troncocôni- em ângulo reto da sonda clínica no 5, ref. 11511 (S.S.
cas de ponta embotada (alargador de Batt, de aço carbo- White/Duflex), é utilizada para verificar a presença de
no e 28mm, de numeração 012, 014 e 016) para acertar as tetos não removidos (Fig. 7-21).
paredes cavitárias. Quando estamos intervindo em den- Finalizando, podemos utilizar pontas diamanta-
tes com polpa viva e/ou de difícil visibilidade, devemos das em alta rotação (nos 3193, 3195, 3203, 3205, 3207 e
optar pela utilização desses alargadores após a remoção 1200, 2082, sem corte na ponta da KG Sorensen) para
do teto, porque não corremos riscos de lacerar o assoa- ampliar o preparo em locais estratégicos, promovendo
lho ou desgastar exageradamente em profundidade. acesso direto aos canais radiculares, maior visibilidade
Alguns profissionais preferem o uso do alargador e iluminação, além de alisar as paredes cavitárias.
Endo Zekrya – Endo Z, ref. 0152 – Tungstênio/Carbide Não podemos nos esquecer de desgastar em lo-
(Dentsply/Maillefer), também sem corte na extremi- cais opostos à curvatura da raiz para impor desgaste
dade. São apresentados no comércio para alta e baixa compensatório com acesso reto ao segmento médio
rotação; entretanto, devem ser utilizados com parcimô- e apical do canal. As pontas diamantadas exigem, no
nia por induzir desgaste acentuado nos preparos, em entanto, domínio de técnica, podendo ser usadas em
decorrência de sua rapidez e eficiência de corte. baixa rotação com auxílio de luvas especiais. As pontas
Após a remoção completa de todo o teto cavitário, diamantadas também são complementadas com alar-
os orifícios de entrada dos canais radiculares devem gadores Largo, ou vice-versa.
ser localizados. Para isso podemos utilizar as sondas A broca para a alta rotação Endo Access, ref.
clínicas de ponta reta ou mesmo as pontas de Rhein ou, A0164 (Dentsply/Maillefer), para a abertura coronária,
ainda, as sondas exploradoras próprias para Endodon-
tia, como as de no 23, ref. 43 (Dentsply/Maillefer), e a
de no 47 (S.S. White/Duflex) (Fig. 7-20).
Esse instrumento é a extensão dos dedos do clí-
nico, sondando, avaliando, sentindo e muitas vezes

Figura 7-20. Sonda reta. Exploração do assoalho e localização da Figura 7-21. Sonda clínica no 5, utilizada na verificação do teto da
entrada dos canais radiculares. cavidade pulpar.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 259

por ser uma ponta diamantada troncocônica cuja extre- • instrumentos (no 3 LASS) grandes 45/.06 – ref. 815-
midade apresenta conformação esférica, surgiu como 1403 (2 estrias – anéis brancos em haste metálica
tentativa de abranger todos os passos do acesso coro- dourada, com ponta parabólica para evitar forma-
nário. Pode ser usada na trepanação, na remoção do ção de degraus ou perfurações).
teto e no desgaste compensatório, dando expulsivida- – indicadas para criar acesso direto e dilatar o orifí-
de sem as inconvenientes trocas sucessivas de brocas, cio de entrada do canal radicular.
agilizando portanto essa etapa operatória. Em nossa • 2 instrumentos (FD) – diamantados em forma de
opinião, ela deve estar indicada para profissionais que bola – ref. 815-1419 (1 estria – anel preto em haste
dominam a abertura coronária, uma vez que é utiliza- metálica incolor).
da em alta rotação. – indicadas para acabamento.
O Kit LA-Axxess (SybronEndo – Glendona, CA,
EUA), ref. 815-1400, é um conjunto de instrumentos Recentemente foi lançado um jogo com somente
(brocas e alargadores cervicais), planejados por Ste- os instrumentos no 1 LASS, no 2 LASS e no 3 LASS.
phen Buchanan (Leonardo30) para serem usados na Além dos alargadores Gates-Glidden, Largo, LA-
abertura coronária, desgaste compensatório e desgaste Axxess, atualmente são indicados também instrumen-
anticurvatura (segmento cervical do canal). Possuem tos de níquel-titânio para preparo do segmento cer-
elevada capacidade de corte e permitem a realização vical dos canais radiculares (desgaste anticurvatura)
de um acesso direto aos canais radiculares sem forma- denominados de alargadores cervicais ou ampliadores
ção de degraus, reduzindo muito o tempo para a rea- de orifício (orifice opener) que apresentam desenho, di-
lização da abertura coronária. O conjunto LA-Axxess, âmetro e conicidade de acordo com o sistema de ins-
linha-ângulo Axxess, é constituído por: trumentos endodônticos de níquel-titânio movidos a
motor a que pertencem (Fig. 7-22).
• 2 brocas (no 2 RD) esféricas diamantadas no 2 – ref.
815-1418 (1 estria – anel verde em haste metálica in-  PREPARO DE ACESSO EM INCISIVOS
color). SUPERIORES E INFERIORES
– indicadas para corte de resina e porcelana.
• 2 brocas (XCC) cilíndricas carbides – ref. 815-1417 Ponto ou área de eleição
(haste metálica dourada). Parte mais central da face lingual.
– indicadas para corte de coroas e restaurações me-
tálicas. Forma de contorno inicial
• 2 brocas (no 2 RC) esféricas carbides no 2 – ref. 815- Forma triangular, com base voltada para a borda
1412 (haste metálica longa incolor). incisal. Nos incisivos superiores se estende de 2 a 3mm
• 2 brocas (no 4 RC) esféricas carbides no 4 – ref. 815-
1414 (haste metálica longa incolor).
– indicadas para corte de dentina e esmalte ou res-
taurações não metálicas.
• 2 brocas (no 6 RC) esféricas carbides no 6 – ref. 815-
1416 (haste longa incolor).
– indicadas para remoção de dentina cariada.
• 2 brocas (LTD) cônicas diamantadas longas – ref. 815-
1420 (estria – anel verde em haste metálica incolor).
• 2 brocas (XLTD) cônicas diamantadas extralongas –
ref. 815-1421 (estria – anel verde em haste metálica
longa incolor).
– indicadas para refinamento de abertura coronária
(desgaste compensatório).
• instrumentos (no 1 LASS) pequenos 20/.06 – ref. 815-
1401 (2 estrias – anéis amarelos em haste metálica
dourada). Figura 7-22. Instrumentos empregados no preparo cervical de
• instrumentos (no 2 LASS) médios 35/.06 – ref. 815-1402 canais radiculares. Alargadores: Gates Glidden, Largo, ProFile, LA
(2 estrias – anéis azuis em haste metálica dourada). Axxess. (Gentileza de H. P. Lopes.)
260 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

da borda incisal, aproximadamente 2mm do tubérculo


lingual. Nos incisivos inferiores se estende desde apro-
ximadamente 2mm da borda incisal até 1 a 2mm do
tubérculo lingual11 (Fig. 7-23).
Nos incisivos inferiores, embora a forma de aber-
tura seja muito semelhante à dos superiores, é mais es-
tendida lingual e incisalmente, além de ser bem estreita
no sentido mesiodistal, em função da anatomia inter-
na desses dentes, que por apresentarem raiz achatada
no sentido mesiodistal podem possuir dois canais, e a
não extensão linguoincisal impede a localização e ins-
trumentação do canal lingual. Por serem dentes de ta-
manhos diminutos, devemos alertar os iniciantes para
que utilizem brocas de diâmetros reduzidos para não
os destruírem em demasia, principalmente no sentido
proximal.
Essa etapa, assim como a que a antecedeu, é feita
com pontas diamantadas esféricas ou cônicas, compa-
tíveis com o tamanho do dente.
Tanto para o aluno quanto para o profissional Figura 7-24. Sentido de trepanação da broca esférica inicialmente
perpendicular e posteriormente paralela ao eixo do dente para atin-
recém-formado não é indicada a colocação do dique
gir e remover o teto da câmara. Os alargadores Batt são utilizados na
de borracha até esse ponto, para que existam a perfeita finalização do preparo.
observação da inclinação do dente no arco e a relação
de profundidade da cavidade confeccionada com a
polpa.
Preparo da câmara pulpar
Após a penetração inicial descrita, modifica-se o
sentido da broca esférica, já agora em baixa rotação e Após a penetração da broca esférica compatível
no ponto central da face lingual, operando-se em senti- na cavidade pulpar, vamos imprimir a ela movimentos
do paralelo ao eixo do dente, até penetrar na cavidade de tração, do interior para a superfície do dente, até
pulpar (Fig. 7-24). que todo o teto tenha sido removido. Com os movi-
mentos de tração, prevenimos a remoção desnecessária
da estrutura dentária.

Configuração final da cavidade intracoronária


Utilização do alargador de Batt para o preparo das
paredes cavitárias dando uma conformação triangular
expulsiva à cavidade com remoção dos divertículos – e
ângulos mesial e distal do vértice da câmara pulpar, as-
sim como extensão vestibular e lingual da câmara, com
remoção do ombro palatino ou lingual que, de acordo
com Pucci e Reig40, faz parte da retificação da parede
palatina (Fig. 7-25).
A eliminação do ombro palatino ou lingual, qual
seja o dente superior ou inferior, constitui a realização
do desgaste compensatório nesses dentes; caso contrá-
rio, os instrumentos endodônticos ficariam mal orien-
tados. Da mesma forma, deve-se remover o esmalte na
base do triângulo que fica para incisal, proporcionando
um acesso reto e liberando o instrumento para traba-
Figura 7-23. Sequência da abertura coronária em dentes anterio- lhar de forma correta em todas as paredes do canal ra-
res, de acordo com o texto. dicular. Esses desgastes podem ser feitos, ainda, com
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 261

A B A B

Figura 7-25. Forma de abertura coronária em incisivos superiores


(A) e inferiores (B) de acordo com a anatomia e sua extensão para Figura 7-27. Abertura coronária em caninos superiores (A) e infe-
acesso ao canal (forma de conveniência). riores (B) de acordo com o texto.

alargadores Endo Z ou pontas diamantadas cilindro- conformação ligeiramente ovalada, em função do seu
cônicas longas. achatamento mesiodistal, extensão cérvico-incisal e o
Em dentes inferiores, como já abordado, é mui- divertículo incisal mediano (Fig. 7-27).
to importante esse desgaste compensatório no sentido
cérvico-incisal, para facilitar a localização e o preparo Pré-molares superiores
dos canais vestibular e lingual em casos de bifurcação
(Fig. 7-26). Ponto ou área de eleição
Área central da face oclusal.
Caninos superiores e inferiores
A abertura coronária é feita de forma semelhante Forma de contorno inicial
à dos incisivos, diferindo na forma de conveniência que Forma elíptica para o primeiro pré-molar supe-
possui a base terminando em ponta de lança, podendo rior, por apresentar dois canais, ou ovoide, com maior
ser também classificada como losangular, devido ao dimensão no sentido vestibulopalatino, de acordo com
divertículo central correspondente à cúspide perfuran- a anatomia interna da cavidade pulpar.
te desses dentes que, principalmente nos jovens e em Uso de pontas diamantadas compatíveis em alta
dentes superiores, apresenta-se bastante pronunciada. rotação troncocônicas ou esféricas da mesma forma
Já os caninos inferiores apresentam muitas vezes uma que para os dentes anteriores.

Direção de trepanação
Penetração inicial com a ponta diamantada em
alta rotação, posicionada paralelamente ao longo eixo
do dente até as imediações da cavidade pulpar. Com o
dente isolado, já em baixa rotação e broca esférica com
tendência a direcioná-la para o canal palatino (porção
mais volumosa da cavidade pulpar), progride-se até
chegar à cavidade pulpar.

Preparo da câmara pulpar


Com a mesma broca e movimentos de tração
é feita a remoção de todo o teto. Complementa-se a
forma ovoide da cavidade com o alargador de Batt,
Figura 7-26. Desgaste compensatório dos incisivos inferiores. Aces- removendo-se todo o teto restante e dando-lhe expul-
so livre dos instrumentos e localização do canal lingual. sividade.
262 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

Preparo da câmara pulpar


Com a mesma broca esférica, em movimentos
de tração, ampliamos de acordo com a exigência da
anatomia pulpar e complementamos com o alargador
de Batt.
A

Forma de conveniência
A cavidade final tem conformação circular ou
ovoide, localizada na metade mesial da face oclusal,
B
geralmente incluindo a cúspide vestibular na abertu-
ra em função da acentuada inclinação para lingual que
esses dentes apresentam. Os desgastes compensatórios
podem ser efetuados com alargadores de Batt, Endo Z,
Largo ou pontas diamantadas (Fig. 7-29).
Figura 7-28. Abertura coronária e desgaste compensatório em 1os
(A) e 2os (B) pré-molares superiores.
Molares superiores

Forma de conveniência Área de eleição


Na superfície oclusal, no centro da fossa mesial.
Ao término da etapa anterior já temos a cavidade
praticamente pronta, só faltando, agora, uma sonda-
gem dos orifícios de entrada dos canais para observação Forma de contorno inicial
de suas direções e análise da necessidade de desgaste A abertura deverá ser estendida do centro da fos-
maior, a fim de facilitar a visão, iluminação e acesso di- sa mesial (próxima à cúspide mesiovestibular) em di-
reto das limas endodônticas em todas as paredes dos ca- reção distal, até ultrapassar o sulco oclusovestibular,
nais. Os alargadores de Batt, compatíveis, também são seguindo paralelamente à face do dente. Desse ponto
introduzidos no orifício de entrada dos canais com o in- distal, segue-se em direção lingual, atravessando a fos-
tuito de ampliá-los até o segmento cervical, facilitando a sa central, para daí se unir ao ponto inicial, dando uma
instrumentação do segmento médio e apical (Fig. 7-28). conformação triangular de base vestibular à cavidade.
Podem ser utilizados também alargadores Endo
Z, pontas diamantadas cilindrocônicas ou alargadores Direção de trepanação
Largo. A penetração inicial e os passos anteriores podem
ser realizados com pontas diamantadas esféricas ou
Pré-molares inferiores troncocônicas em alta rotação; direção vertical, parale-
la ao longo eixo do dente até as imediações da câmara
Área de eleição
pulpar.
Faceta mesial da face oclusal.

Forma de contorno inicial


Dependendo da anatomia interna, pode apresen-
tar a forma de conveniência desde circular até ovoide
(quando apresenta dois canais radiculares).

Direção de trepanação
Penetração inicial com a ponta diamantada (esfé-
rica ou troncocônica), em alta rotação, posicionada pa-
ralelamente ao longo eixo do dente até as imediações
da câmara pulpar.
A partir daí, em baixa rotação, com broca esférica
paralela ao longo eixo do dente, penetramos na cavi-
dade pulpar. Figura 7-29. Abertura coronária em pré-molares inferiores.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 263

Após a penetração inicial, utilizamos broca esféri-


ca em baixa rotação, de tamanho compatível, orientada
para o canal palatino, de maior diâmetro, prevenindo-
se para que não se atinja o assoalho.
Na abertura dos molares superiores não devemos
utilizar as brocas de haste longa, para evitar deforma-
ção do assoalho da câmara pulpar, e sim as comuns,
pois, quando as bordas do contra-ângulo encostarem
na face oclusal dos dentes, a parte ativa dessas brocas
não terá contato com o assoalho, oferecendo maior
margem de segurança29. A B

Após trepanação da câmara pulpar, aplicam-se


Figura 7-30. De acordo com a descrição do texto, abertura coroná-
movimentos de tração para a remoção do teto cavitário.
ria do 1o (A) e 2o (B) molares superiores.

Preparo da câmara pulpar


Os molares superiores podem apresentar, na raiz
Remoção complementar de todo o teto e preparo mesiovestibular, dois canais: o canal mesiovestibular,
das paredes laterais, utilizando-se para isso do alarga- também chamado MV1, e um segundo canal, o mesio-
dor de Batt compatível ou Endo Z. palatino, também chamado MV2. A parede mesial de
cavidade pulpar desses dentes apresenta convexidade
Configuração final da cavidade (forma de bastante acentuada, formando um colar de dentina que
conveniência) tende a cobrir os orifícios de entrada do canal mesio-
A forma de conveniência é triangular em base vestibular e principalmente do canal mesiopalatino
voltada para vestibular. No entanto, com relação ao (Figs. 7-31 e 7-32).
1o, 2o ou 3o molares, apresenta modificações quanto ao
tamanho e à localização da abertura, em decorrência
da anatomia interna e da disposição das raízes desses
dentes.
O 1o molar superior se apresenta com raízes se-
paradas em 100% dos casos e, por ser um dente mais
volumoso, exibe forma triangular mais ampla do que
as dos 2os e 3os molares, principalmente no sentido me-
siodistal40. A câmara pulpar se situa bem mesializada,
preservando, na maioria das vezes, a ponte de esmalte
(que liga a cúspide distovestibular à mesiopalatina). O
2o molar superior apresenta suas raízes separadas em Figura 7-31. Forma de conveniência triangular, do 1o molar superior,
53% dos casos40, os restantes têm diferentes formas de ao microscópio operatório (MO) com a base voltada para vestibular.
Canal mesiovestibular abaixo da ponte da cúspide de mesmo nome,
fusionamento. Em função dessa disposição radicular e
canal distal para distal e o canal palatino entre a cúspide mesiopalati-
decorrente da anatomia apresentada por esse dente, a na e a fossa central. O canal mesiopalatino (MV2) entre o canal mesio-
abertura se torna menor e mais centralizada do que a vestibular e o palatino. (Gentileza de V. B. C. Ferrari.)
do 1o molar (Fig. 7-30A e B).
O orifício de entrada do canal mesiovestibular se
encontra abaixo da cúspide correspondente, e o disto-
vestibular a 2 ou 3mm, aproximadamente, para distal,
e a 1mm para palatino, em relação ao mesiovestibu-
lar29. O orifício de entrada do canal palatino se encontra
entre a cúspide mesiopalatina e a fossa central. Nota-
se, portanto, que o triângulo está mais para mesial e
que sua base está voltada para vestibular e deslocada
para o ângulo mesial, em virtude de a entrada do canal
mesiovestibular estar mais para vestibular que disto- Figura 7-32. Localização do canal mesiopalatino (MV2) em 1o mo-
vestibular. lar superior com o auxílio do MO. (Gentileza de V. B. C. Ferrari.)
264 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

A incidência do canal mesiopalatino da raiz me- espelho sem magnificação. Dessa forma, encontraram
siovestibular dos 1os e 2os molares superiores (também o MV2 em 51% dos casos. Com o auxílio do MO encon-
chamado MV2) tem sofrido variação de acordo com os traram o quarto canal em 82% de todos os casos.
autores. Pineda e Kuttler38 encontraram quatro canais De acordo com Ruddle42, para a localização do
em 1o e 2o molares superiores combinados em 51,5% canal MV2, o clínico deve estender a cavidade de aces-
dos casos. Kulild e Peters26, que realizaram estudo no so paramesial às expensas da crista marginal mesial
qual seccionavam a raiz mesiovestibular em cortes de em vez de procurá-lo fazendo uma canaleta a partir
1mm, observaram a presença de dois canais no seg- do orifício do MV1. Segundo ele, todos os orifícios se
mento coronário em 95,2% dos casos, onde 71,1% apre- originam do assoalho da câmara pulpar, enfatizando a
sentavam dois canais patentes até o ápice. Para esses importância da remoção de todo o teto cameral. Após
últimos autores, o orifício de entrada do canal mesio- a remoção do teto deve ser feito um desgaste na crista
palatino está a 1,82mm do orifício de entrada do canal marginal mesial eliminando a projeção de dentina que
mesiovestibular, em uma linha traçada em direção ao recobre o canal MV2. Posteriormente um explorador
canal palatino. Pode ser localizado com a ajuda de fi- deve ser usado firmemente no sulco de desenvolvi-
bra óptica ou microscópio óptico, traçando-se uma li- mento que une o canal MV1 ao palatino para trepanar
nha do orifício de entrada do canal mesiovestibular ao a fina camada de dentina que cobre o canal MV2. Tam-
palatino. bém considera o MO um elemento essencial para iden-
Numa análise através da microscopia eletrônica tificar o orifício de entrada desse canal.
de varredura em molares superiores, Gilles e Reader17 Para a localização do MV2 indicamos a utilização
encontraram canais linguais nas raízes mesiovestibula- da sonda exploradora para liberação de depósitos de
res de molares superiores em 70 a 90%. Weller e Har- dentina que porventura o estiverem encobrindo, facili-
twell51 afirmaram que há um aumento de probabili- tando o direcionamento do instrumento no 10, que deve
dade de encontrar esse canal se o acesso inicial é alte- ser o primeiro a ser usado em seu cateterismo. Para a
rado da forma triangular clássica para uma forma mais remoção da projeção de dentina indicamos brocas dia-
romboidal, com desgaste na parede mesial. Também mantadas em alta rotação com ponta ativa (3203, 3205
aconselharam explorar o sulco de desenvolvimento en- ou 3207, KG Sorensen) com o cuidado de não interferir
tre o canal mesiovestibular e o canal palatino, aprofun- no assoalho. Podem ser usadas também as pontas de
dando-o, para localizar o 4o canal. ultrassom.
Fogel et al.14 avaliaram o uso de lupas de cabeça Quanto aos desgastes compensatórios, eles são
com fibra ótica com aumento de 2,5X para localizar o efetuados nos molares superiores simultaneamente
canal mesiolingual em 1os molares superiores in vivo. aos preparos da embocadura do segmento cervical e
Após o preparo de acesso, um sulco, aproximadamen- médio dos canais radiculares. Utilizam-se para isso
te de 1mm de profundidade, era feito no assoalho da alargadores Gates Glidden, Largo, pontas diamanta-
câmara pulpar por lingual do orifício do canal mesio- das cilindrocônicas longas, sem corte na extremidade,
vestibular, seguindo o sulco de desenvolvimento entre pontas ultrassônicas complementadas com instrumen-
o canal mesiovestibular e o canal palatino. Encontra- tos manuais. É que muitas vezes, em função do peque-
ram em 71,2% dos casos, dois canais acessíveis na raiz no diâmetro dos canais, principalmente o MV1 e MV2,
mesiovestibular. os alargadores só podem ser utilizados no preparo do
Baldassari-Cruz et al.2 concluíram que o micros- seu orifício deslocando-o para a zona de segurança da
cópio operatório (MO) aumentou em 31% a chance raiz (movimento anticurvatura), após a ampliação do
de detecção do orifício do canal mesiolingual na raiz segmento cervical com instrumentos manuais, como
mesiovestibular (MV2) dos 1os e 2os molares superiores. os instrumentos tipo K. Principalmente no canal MV2
Inicialmente fizeram o acesso tradicional usando uma antes de qualquer instrumento movido a motor, deve-
broca de fissura em alta rotação, no 557, sonda explora- mos usar instrumento tipo K no 10 (que é mais rígido)
dora afiada, espelho e irrigação com hipoclorito de só- no cateterismo do segmento cervical e médio e, na pro-
dio a 2,5%, sem o uso de magnificação ou lupas. Quan- gressão em sentido apical, o de no 8 (Fig. 7-33).
do o canal MV2 não era localizado, colocavam uma Com o desgaste compensatório obtemos acesso
broca 700L, 2 a 3mm, no orifício do canal MV1, e um direto aos canais, reduzindo a curvatura e facilitan-
sulco era preparado nessa profundidade em sentido do a instrumentação do segmento apical. Isso posto,
lingual e ligeiramente para mesial através da projeção a configuração da cavidade tende a apresentar sulcos
de dentina. Novamente exploravam com explorador e voltados para a área do desgaste, maior no caso da
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 265

Figura 7-33. Cavidade pulpar de molar superior, indicado para retratamento, vista ao MO antes e após o preparo dos canais radiculares,
mostrando a presença do MV2. (Gentileza de Cristina Musso.)

cúspide mesiovestibular. Nas técnicas progressivas de


instrumentação, o acesso direto aos canais é feito antes
da instrumentação apical, o que faz ocorrerem menos
erros operatórios.

Molares inferiores
Área de eleição
Superfície oclusal.

Forma de contorno inicial


Forma trapezoidal com base maior para mesial,
porque apresenta, na maioria dos casos, dois canais
mesiais e um distal achatado no sentido mesiodistal.
Quando esse dente apresenta quatro canais, a abertura Figura 7-35. 2o molar inferior com quatro canais. Nota-se que, em
toma forma retangular ou quadrada de acordo com seu função do pequeno diâmetro mesiodistal desse dente e por possuir
diâmetro mesiodistal (Figs. 7-34 e 7-35). quatro canais, sua forma de conveniência tem a conformação qua-
drada. (Gentileza de Cristina Musso.)

Direção de trepanação
a) paralela ao longo eixo do dente, com pontas esféri-
cas troncocônicas, em alta rotação, como nos passos
anteriores;
b) próxima à câmara pulpar, com uso de broca esférica
compatível, em baixa rotação, na direção do canal
distal mais volumoso. Atingida a cavidade pulpar,
impõem-se movimentos de tração à broca.

Preparo da câmara pulpar


Figura 7-34. Abertura coronária do 1o e 2o molares inferiores, de Remoção do teto restante, após sondagem das en-
acordo com a descrição do texto. tradas dos canais, com alargadores de Batt, trazendo o
266 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

preparo ao encontro dos canais mesiais: mesiovestibu- conseguir acessá-lo é necessário a remoção da parede
lar, que fica localizado abaixo da cúspide homônima, e mesial da câmara pulpar. Outras vezes pode ser iden-
mesiolingual, entre o sulco central e a cúspide corres- tificado durante o preparo dos canais principais pela
pondente. presença de um ponto de sangramento (Fig. 7-36).
Fabra-Campos12 efetuou um estudo com 760 pri-
Configuração final da cavidade intracoronária meiros molares inferiores onde encontrou 20 dentes
(forma de conveniência) com um terceiro canal na raiz mesial, dando uma in-
O desgaste compensatório, como nos molares cidência de 2,6%. Nesses 20 dentes, 13 canais interme-
superiores, deve ser feito principalmente na parede diários (65%) uniam-se com o canal mesiovestibular
mesial, no sentido do canal mesiovestibular e mesio- no segmento apical e em 6 (30%) com o mesiolingual.
lingual. Em somente uma raiz o canal intermediário manteve
Usualmente a raiz mesial dos molares inferiores sua individualidade, terminando em um forame apical
possui dois canais situados nos extremos vestibular e separadamente. Esse autor notou que o canal interme-
lingual. Entre os dois canais existe uma rede de ductos diário não tem um curso claramente definido na radio-
contendo tecido pulpar. No entanto, deve-se avaliar bem grafia e oscila entre os canais mesiovestibulares e me-
o assoalho da câmara pulpar para detectar a presença de siolinguais. No entanto, pode ter um orifício definido
um canal adicional, o que é feito pela observação da li- na câmara pulpar e preparado individualmente.
nha que une os dois canais mesiais após a secagem do Kimura e Matsumoto25 abordando estudos an-
assoalho pulpar, explorando-o com uma fina sonda. teriores de molares inferiores com três canais distais
Muitas vezes uma depressão pode ser sentida permitin- relataram um caso de 1o molar inferior com uma raiz
do a introdução de um instrumento tipo K nos 8 e 10. mesial e duas distais perfazendo o total de cinco canais
Esse terceiro canal na raiz mesial é chamado de radiculares (dois canais mesiais e três distais). Esse ele-
intermediário ou intermédio. Algumas vezes para se mento dentário se apresentava com tratamento endo-

Figura 7-36. Primeiro molar


inferior com insucesso do tra-
tamento endodôntico, apre-
sentando três canais na raiz
mesial. Nota-se ao MO a pre-
sença do orifício do canal
intermediário. (Gentileza de
Cristina Musso.)
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 267

dôntico com insucesso e presença de lesão periapical


crônica e, de acordo com esses autores, demonstra a
importância da detecção e do saneamento de todos os
canais radiculares para a obtenção do sucesso do trata-
mento endodôntico.

Considerações Finais
O tratamento endodôntico, que tem como finali-
dade precípua a perfeita obliteração do sistema de ca-
nais radiculares, começa pela abertura coronária e en-
volve diferentes fases, sendo todas de igual importân-
cia e dependentes do bom êxito das que as antecedem. Figura 7-37. Desgaste compensatório da cavidade pulpar e dos
Vários autores7,10,19,40 têm demonstrado que a ima- canais radiculares (desgaste anticurvatura) dos molares inferiores.
gem da anatomia radicular como tendo um canal cilin- Nota-se o desgaste das paredes proximais preservando a região de
drocônico, com uma abertura apical, é menos real do furca (zonas de perigo da raiz).
que a que mostra a presença de canais cilíndricos com
curvaturas, embolsamentos, intercomunicações, canais
acessórios e múltiplas foraminas. Portanto, ao intervir, A ampliação do segmento cervical antes da com-
o clínico deve considerar essas variações como anato- pleta instrumentação apical deve ser realizada para
mia normal, pela persistência de sua ocorrência. prevenir acidentes operatórios. Com a introdução do
O objetivo principal do acesso coronário e radicu- alargador Gates-Glidden no preparo dos canais radicu-
lar é obter uma linha reta da superfície oclusal ao seg- lares feita por Schilder43, em 1974, ficaram mais fáceis a
mento apical do canal para que os instrumentos endo- ampliação e a limpeza do segmento cervical, auxilian-
dônticos passem através da câmara e da parte reta do do consequentemente a instrumentação do segmento
canal sem sofrer deformação elástica ou plástica. Isso apical. Ainda como medida de prevenção de acidentes,
não é sempre possível por causa da relação coroa-raiz, Abou-Rass et al.1, em 1980, introduziram uma mano-
mas o acesso reto à primeira curvatura do canal deve bra de instrumentação anticurvatura, realizada pelo
ser tentado tanto quanto possível para que o operador alargador Largo, que se mostrou excelente auxiliar do
tenha maior controle e percepção tátil dos instrumen- preparo, ampliação e retificação do segmento cervical
tos manuais na região mais crítica do canal, o segmento (Fig. 7-37).
apical. A instrumentação dos molares, tanto superiores
quanto inferiores, é muitas vezes frustrante, por apre-  UTILIZAÇÃO DO MICROSCÓPIO
sentar canais curvos, atresiados e com pequena conici- OPERATÓRIO E PONTAS DE ULTRASSOM
dade, dificultando o tratamento endodôntico.
NA ABERTURA CORONÁRIA E
Interferências coronárias na embocadura dos ca-
LOCALIZAÇÃO DOS CANAIS
nais mesiais restringem o movimento dos instrumentos
endodônticos e interferem no controle e percepção tátil
RADICULARES
delas no segmento apical24,27,28,32,40. É que o estímulo da Em 1977, Baumann, médico otorrinolaringologis-
ação de contato e atrito dentário durante a mastigação ta e cirurgião-dentista, publicou na literatura mundial
produz processo de deposição progressiva de dentina o primeiro relato sobre as possibilidades de utilização
nas paredes laterais da câmara pulpar, especialmente clínica do Microscópio Cirúrgico (MC), também cha-
contra as faces proximais, dificultando a abordagem mado Microscópio Operatório (MO), na Odontologia35.
de canais em dentes bi ou multirradiculares, induzindo Na Endodontia foi introduzido por Carr5, em 1992,
Pucci e Reig40 a enfatizarem o valor do desgaste com- sendo indicado para o reconhecimento da forma da ca-
pensatório já em 1945. Kuttler27, em 1960, indicava a vidade pulpar, localização dos orifícios de entrada dos
extensão do acesso coronário em sentido inverso ao da canais radiculares, identificação de calcificações pulpa-
curvatura do canal para a obtenção de maior retifica- res, observação de bifurcações radiculares, septos ou
ção do mesmo e prevenção do alargamento imperfeito istmos e canais laterais.
do seu eixo terminal, desviando-o e impossibilitando Esse aparelho possui magnificações variadas de
sua correta obturação. acordo com os diferentes modelos e marcas do merca-
268 Capítulo 7  Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais

do, com intensa iluminação35 oferecida por uma lâmpa- tos microcirúrgicos como os insertos ultrassônicos. A
da halógena de pelo menos 150W, com intensidade re- utilização do binômio microscópio-insertos, ou pontas
gulável e controlada por meio de um reostato. Essa luz de ultrassom, tem-se mostrado eficaz sob magnifica-
é coaxial, isto é, paralela à linha de visão, permitindo ção53 em virtude de não interferir na iluminação e vi-
ao operador observar o campo operatório sem sombras sibilidade, o que ocorre com as brocas devido à cabeça
e manter os olhos em repouso, como se observasse o de alta rotação e ou da peça de mão. O desgaste ul-
infinito, o que permite intervenções prolongadas sem trassônico, no entanto, deve ser realizado sem irriga-
fadiga ocular41. ção para não impedir a visão do operador e em curtos
Com relação à magnificação, o aumento mínimo períodos para que o aumento de temperatura advindo
será de 2,5× a 8× e servirá para observar um campo desse uso não promova alterações nas estruturas de
operatório amplo. O aumento médio irá de 8× a 16× e suporte do dente41. Esses insertos ultrassônicos, ainda,
será utilizado para um trabalho de precisão. O maior proporcionam maior segurança garantindo menor ris-
aumento irá desde 16× até o máximo de 32× a 40× e co de perfurações. São necessários também espelhos de
está indicado para a observação de detalhes mais re- superfície plana para uma visão mais acurada.
finados, perdendo, porém, em profundidade de cam- Existem no comércio pontas ativadas pelo ultras-
po41. Ao nível de procedimentos clínicos, geralmente som de diferentes marcas usadas na Endodontia. Para
trabalhamos nos aumentos intermediários usando os abordagem de calcificações, Puente e Saavedra41 indi-
maiores para verificação dos trabalhos, pois as referên- cam: Satelec ET40, ET-40D e Pro-Ultra Endo 3, 4 e 5 e as
cias anatômicas são facilmente perdidas em aumentos desenvolvidas por Gary Carr: Slim-Jim SJ-4, UT-4, Pon-
muito grandes. ta Troughing, Ponta Enac Ball Diamond, CT-4 e a CT-4D,
O microscópio operatório tem proporcionado ao as quais são de alta resistência ao desgaste e fratura.
operador condições para visualização do campo ope- A localização do canal mesiovestibular pode ser
ratório (cavidade pulpar), facilitando a localização da feita com pontas ultrassônicas, como a CPR-2C (Spar-
embocadura dos canais radiculares (Fig. 7-38). tan, Inc., Fenton) sob magnificação 12X53, ou a Enac Ball
Os canais atresiados são mais facilmente localiza- Diamond ou CKT 2 – D Carr Diamond Killer Tip, dentre
dos com o emprego do MO, pontas ativadas com ul- outras.
trassom e soluções irrigadoras como o hipoclorito de Encontramos, no comércio brasileiro com facili-
sódio. Sob a luz coaxial do MO, verifica-se o diferencial dade, as pontas ultrassônicas Dental Trinks, que são de
de cor, entre a dentina original e a calcificada, como baixo custo e universais e necessitam de adaptadores
também o efeito de efervescência (bolhas de champag- para as diferentes marcas de aparelhos de ultrassom.
ne), “teste da bolha”, em função da ação da solução de Para uso em câmaras pulpares apresentam-se como:
hipoclorito de sódio dissolvendo os tecidos orgânicos TU 15 C (haste policurva – 27mm) e TU 16 C (haste
presentes nos canais adicionais41. policurva – 32mm) para remoção de interferências na
Para a manipulação desses canais com o uso do entrada do canal; TU 24 (alisamento), indicada para ali-
microscópio operatório precisamos lançar mão de ins- samento e remoção de interferências e TU 27 (esférica)
trumentos adequados. Assim, para a manipulação mi- indicada para canais atresiados e localização do quarto
crocirúrgica, têm sido introduzidos vários instrumen- canal em molares superiores (canal MV2).

Figura 7-38. Abertura de molar in-


ferior. MO antes e após seu término,
mostrando três canais na raiz me-
sial. (Gentileza de Cristina Musso.)
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 269

O MO além de oferecer magnificação (ampliação) 17. Gilles J, Reader A. An SEM investigation of the mesiolingual
e iluminação, permite a documentação clínica, por- canal in human maxillary first and second molars. Oral Surg
Oral Med Oral Pathol, 1990; 70: 638-43.
que facilita a obtenção e armazenamento de imagens 18. Grossman LI, Oliet S, Del Rio CE. Endodontic Pratice, 11th ed.,
conseguidas durante os procedimentos. As câmaras Philadelphia: Lea & Febiger, 1988.
digitais de fotografia possuem saídas para vídeo que 19. Hess W. The anatomy of the root canals of the teeth of the
permanent dentition. New York, Williams Wood Co., 1925,
permitem sua conexão aos monitores e observação nos 200p. Apud De Deus QD. Endodontia. 5a ed. Rio de Janeiro:
mesmos da imagem focalizada pelo MO. A focalização Medsi, 1992. Cap. 2.
da imagem através do monitor para fotografia oferece 20. Hess W, Zurcher E. The anatomy of the root canals of the teeth
of the permanent and deciduous dentitions. New York: William
maior precisão em função de seu tamanho e permite
Wood Co., 1925.
ao operador observar os procedimentos clínicos, sem 21. Ibelli GS et al. Influence of cervical preflaring on apical file
ter o olho fixado nas oculares, facilitando também sua size determination in maxillary lateral incisors. Braz Dent J,
comunicação com o paciente41. 2007; 18(2):102-6
22. Jafarzadeb H, Wu Y. The c-shaped root canal configuration:
a review. J Endod, 2007; 33(5): 517-23.
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Fundamentação Capítulo 8
Filosófica do
Tratamento
Endodôntico
José Freitas Siqueira Jr.
Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

Como abordado no Capítulo 2, existem diversos pende do reconhecimento das peculiaridades de cada
tipos de patologia pulpar e perirradicular. Entretan- uma dessas condições. A diferença fundamental entre
to, uma visão mais abrangente direcionada à filosofia elas reside no fato de que os casos de polpa necrosada
de tratamento revela que, na prática clínica diuturna, e de retratamento são caracterizados pela presença de
o profissional pode se deparar basicamente com três infecção, enquanto os de polpas vitais são livres de in-
condições endodônticas que requerem tratamento – fecção. Para que um elevado índice de sucesso de mag-
polpas vitais, polpas necrosadas e casos de retratamen- nitude similar seja obtido para essas condições deve-se
to (Fig. 8-1). O sucesso do tratamento endodôntico de- reconhecer que medidas terapêuticas diferenciadas de-

Figura 8-1. As três condições clínicas


básicas: Polpa vital (biopulpectomia), onde
não há infecção e o sucesso depende da
sua prevenção; Polpa necrosada (necropul-
pectomia), onde há infecção intrarradicular
primária e o sucesso depende não só da
prevenção, mas também do controle da
infecção existente; retratamento devido a
fracasso anterior, onde há infecção persis-
tente ou secundária do canal e o sucesso
também depende da prevenção e contro-
le da infecção.

271
272 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

vem ser instituídas. Em outras palavras, o tratamento não irá persistir, porque tais estímulos também não são
para tais condições deve ser calcado em estratégias di- usualmente persistentes. Na realidade, micro-organis-
ferentes, se esperado o mesmo índice de sucesso. Este mos e seus produtos representam o principal fator cau-
capítulo discute os aspectos filosóficos que norteiam sador de agressões ao tecido pulpar. Do ponto de vista
a tomada de decisão e o tratamento dessas condições, epidemiológico, tal fator pode ser agravado em países
além de oferecer protocolos de atendimento com base em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, tendo em
em evidências científicas que garantem uma alta taxa vista a grande incidência da cárie dentária.
de sucesso. A simples difusão dos produtos bacterianos pe-
los túbulos dentinários é suficiente para desencade-
ar um processo inflamatório pulpar, ou seja, a polpa
 TRATAMENTO DE DENTES POLPADOS – se inflama antes mesmo de sua franca exposição15,114.
BIOPULPECTOMIA (Para revisão mais detalhada ver o Capítulo 2.) Mes-
mo quando há exposição da polpa à cavidade oral (por
Define-se biopulpectomia como a remoção da polpa
cárie ou outros fatores), enquanto permanecer vital, a
normal ou inflamada; portanto, apresentando vitalida-
polpa consegue se defender da invasão bacteriana por
de. Esse procedimento microcirúrgico tem sua indica-
meio da inflamação. A infecção se restringe à superfície
ção primordial nos casos de pulpite irreversível, sinto-
exposta do tecido, ao nível da câmara pulpar; mais pro-
mática ou assintomática ou, ainda, onde houve fracas-
fundamente, a polpa dos canais radiculares e os tecidos
so do tratamento conservador (capeamentos indireto e
perirradiculares não estarão infectados, mas normais
direto ou pulpotomia).
ou apenas inflamados178.
Entretanto, existem situações clínicas em que a
No que tange à filosofia de tratamento, a biopul-
polpa, apesar de estar clinicamente normal, necessita-
pectomia assume um caráter profilático, pois visa es-
rá ser removida, principalmente em dentes que serão
sencialmente à prevenção do desenvolvimento de uma
submetidos a procedimentos periodontais, protéticos
lesão perirradicular. Uma polpa inflamada irreversi-
ou cirúrgicos, quando então o tratamento endodônti-
velmente é removida para prevenir a necrose e infecção
co passa a ser de fundamental importância dentro do
subsequentes, sendo então substituída pela obturação
plano de tratamento global do paciente. Essa situação é
do sistema de canais radiculares. Uma vez exposta por
definida como biopulpectomia eletiva.
cárie, a polpa sofre inflamação de caráter irreversível
Do ponto de vista periodontal, a biopulpectomia
que requer intervenção mais invasiva no tecido para
está indicada para dentes portadores de defeitos ósseos
remoção da parte afetada (Fig. 8-2). Em casos de expo-
angulares profundos, onde serão realizadas técnicas
sição por cárie, o capeamento direto está contraindica-
periodontais regenerativas (enxerto ósseo, regeneração
do. Pelo menos uma parte dessa polpa exposta deverá
tecidual guiada) ou nos casos onde será realizada a re-
ser excisada. Tem sido demonstrado que quanto maior
moção de uma raiz de dentes multirradiculares.
a quantidade de tecido pulpar excisado, maior será a
Do ponto de vista protético, a biopulpectomia
chance de sucesso do tratamento. Assim, a curetagem
eletiva está indicada nos casos de dentes que serão
pulpar, na qual apenas uma porção da polpa é excisada
retentores protéticos e onde os procedimentos para a
nas proximidades da área de exposição, oferece um ín-
obtenção do paralelismo levarão a uma grande perda
dice de sucesso menor do que a pulpotomia, onde toda
dentinária, podendo, inclusive, haver a exposição pul-
a polpa coronária é removida, que, por sua vez, oferece
par. Uma segunda indicação será para dentes que ne-
um índice de sucesso menor do que a biopulpectomia,
cessitam da colocação de um retentor intrarradicular.
onde além da polpa coronária também a radicular será
Do ponto de vista cirúrgico, a biopulpectomia ele-
excisada187. Isso se justifica pelo fato de que quanto
tiva está indicada em casos de procedimento cirúrgico
maior a parte de tecido pulpar removida, maior será
em que a intervenção envolverá o ápice radicular, ou
a margem de segurança quanto à probabilidade de re-
suas proximidades, de um dente com polpa viva. Para
movermos a porção tecidual afetada em decorrência da
prevenir o desconforto pós-operatório e futuras com-
agressão microbiana direta oriunda da exposição por
plicações realiza-se a biopulpectomia profilática.
cárie.
Assim, a remoção de uma polpa vital e a realiza-
Micro-organismos e polpa ção de um correto tratamento endodôntico apresentam
Embora agentes físicos e químicos possam ser os aspectos favoráveis no que diz respeito ao processo
responsáveis por uma inflamação pulpar, em geral ela de reparação tecidual, tendo em vista a ausência de
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 273

A B

Figura 8-2. Exposição pulpar. A e B. Uma vez exposta por cárie,


a polpa sofre inflamação de caráter irreversível em profundidade
imprevisível, requerendo intervenção mais invasiva no tecido para
remoção da parte afetada. C. Em caso de exposição traumática, de-
pendendo do tempo de exposição à cavidade oral, o capeamento
C
pulpar direto pode ser realizado com uma maior margem de suces-
so. (Gentileza do Dr. Ricardo Carvalhaes Fraga.)

micro-organismos no interior do sistema de canais ra- cedimentos endodônticos são realizados nesse ambiente
diculares. Além desse importante aspecto, a reparação com alto risco de contaminação, cabe ao profissional
também estará favorecida se não forem empregadas estar bastante alerta e utilizar estratégias bem definidas
substâncias citotóxicas durante a realização do trata- para não levar esses micro-organismos para o interior
mento, as quais são representadas pela substância quí- do sistema de canais radiculares, ao mesmo tempo em
mica auxiliar, medicamentos empregados durante as que deve se empenhar para eliminar os já existentes na
sessões operatórias e materiais obturadores. porção superficial do tecido pulpar exposto.
Em resumo, o sucesso do tratamento endodôntico Nesse ponto seria desnecessário enfatizar o papel
em dentes polpados está na dependência direta de dois da esterilização de todo o instrumental a ser emprega-
fatores básicos: a não introdução de bactérias no siste- do, como o material clínico, instrumentos endodônti-
ma de canais radiculares (assepsia) e a não utilização cos, canetas, micromotores, brocas etc., de preferência
de substâncias com alto poder citotóxico que poderiam em autoclave.
desencadear ou manter uma inflamação nos tecidos O primeiro passo para se evitar a contaminação
perirradiculares. do campo operatório é o preparo do dente que vai rece-
ber o tratamento. A remoção total de cárie, placa bacte-
riana, cálculo, hiperplasias gengivais invaginadas nas
Assepsia destruições coronárias e a reconstrução da porção den-
Das mais de 700 espécies bacterianas que têm sido tária perdida, por exemplo, são medidas preventivas
encontradas na cavidade oral, cada indivíduo pode abri- que irão propiciar uma melhor condição de assepsia
gar 100 a 200 em sua boca101. A grande maioria das bac- antes do início do tratamento178 (Fig. 8-3A).
térias orais pode agir como patógenos oportunistas des- Após o preparo do dente, procede-se à antissep-
de que existam condições predisponentes. Como os pro- sia da cavidade bucal por meio de bochecho com solu-
274 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

ção antisséptica, como, por exemplo, uma solução de Outro aspecto de grande relevância para manu-
digluconato de clorexidina a 0,12% por 1 minuto. Em tenção da cadeia asséptica é evitar a contaminação da
sequência se aplica o isolamento absoluto do campo parte dos instrumentos endodônticos estéreis que será
operatório, o qual é o conjunto formado pelo lençol introduzida no canal, pelo toque intencional ou aciden-
de borracha, grampo e arco, sendo extremamente tal com os dedos. Isso pode veicular bactérias contami-
vantajoso para o profissional e paciente, uma vez que nantes da luva para o interior do canal, gerando poten-
permite o trabalho em um campo seco com melhor cial para uma infecção secundária. Além disso, tocar
visão, com menor risco de contaminação, com maior a parte ativa de um instrumento que já foi levado ao
proteção para os tecidos adjacentes (gengiva, boche- canal incorre em risco de contaminação do profissional
cha, língua) contra a ação de medicamentos e solu- em caso de acidente perfurante com o instrumento. As-
ções irrigadoras, torna o trabalho mais rápido e mais sim, existem dispositivos e/ou manobras especiais que
cômodo e evita a aspiração ou sucção, pelo paciente, permitem o profissional pré-encurvar o instrumento
de qualquer tipo de substância ou instrumento. Com ou introduzi-lo em um contra-ângulo sem a necessida-
base em todas essas vantagens, infere-se que a utiliza- de do toque com os dedos na parte do instrumento que
ção do isolamento absoluto é imprescindível durante penetrará no canal.
a execução do tratamento endodôntico. Quando da A biopulpectomia deve ser considerada como um
impossibilidade de isolar o dente, o tratamento está ato cirúrgico e, como tal, requer cuidados de assepsia
contraindicado. durante todo o tratamento e uma técnica adequada
Após a aplicação do isolamento absoluto e antes para que bons resultados sejam alcançados178.
de qualquer procedimento endodôntico, procede-se à
descontaminação do campo operatório, incluindo den-
te, grampo e lençol de borracha, por meio do uso de
Preservando os tecidos perirradiculares
uma gaze ou algodão embebido em peróxido de hidro- Partindo-se do pressuposto que a infecção super-
gênio a 3% seguido pela aplicação de álcool iodado a ficial foi combatida após a remoção da polpa coronária,
5%, clorexidina a 2% ou hipoclorito de sódio a 2,5%178 o profissional deve ter em mente que a biopulpectomia
(Fig. 8-3B). é um procedimento cirúrgico que mesmo realizado
Após o preparo da cavidade de acesso e a remoção com os rigores de uma técnica adequada vai produzir
da polpa coronária, deve-se proceder a uma profusa ir- inflamação no tecido adjacente à polpa que foi extir-
rigação da câmara pulpar com solução de hipoclorito pada. A gravidade do processo inflamatório é propor-
de sódio na concentração de 2,5%. Esse procedimento cional ao trauma causado aos tecidos; quanto maior a
não apenas promove a remoção de restos pulpares e intensidade da injúria, mais grave será a intensidade
de coágulos sanguíneos (limpeza e prevenção do escu- da resposta inflamatória167. Portanto, todos os procedi-
recimento da coroa), como também permite combater mentos clínicos devem ser realizados com o intuito de
a possível infecção da superfície do tecido pulpar (de- minimizar essa inflamação e, ao mesmo tempo, manter
sinfecção). a normalidade dos tecidos vivos remanescentes.

A B

Figura 8-3. Medidas essenciais para prevenção da infecção endodôntica – Assepsia. A. Remoção de placa previamente ao isolamento ab-
soluto. B. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo operatório, incluindo dente, lençol de borracha e grampo, deve ser limpo e
descontaminado.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 275

Escolha do instrumento para o corte do tecido normalmente após a conclusão da terapia endodôntica,
Durante os últimos anos, muitos foram os ins- a despeito de uma irritação efêmera em uma pequena
trumentos endodônticos desenvolvidos. Porém, todos área tecidual causada pelo NaOCl.
foram projetados com o intuito de melhorar suas pro-
priedades mecânicas para cortar e modelar as paredes
Escolha da medicação intracanal
dentinárias ao mesmo tempo em que nenhum fabri-
cante se preocupou em desenvolver um instrumento Após a realização do preparo químico-mecânico
que se adaptasse aos problemas de ordem biológica em dentes polpados, duas são as opções de tratamento:
quando da realização do tratamento endodôntico178. a obturação do sistema de canais radiculares na mes-
Alguns estudos avaliaram o tipo de ferida tecidu- ma sessão operatória e a colocação de uma medicação
al produzido após o corte da polpa, como a lima He- intracanal, postergando-se a conclusão do tratamento
dstrom, o alargador, o extirpa-nervo etc. Tais estudos para uma segunda sessão.
demonstraram que nenhum instrumento foi superior O tratamento em sessão única em casos de bio-
ao outro no que diz respeito à resposta dos tecidos pe- pulpectomia é um procedimento que apresenta muito
rirradiculares à excisão pulpar84,95,134. mais vantagens do que desvantagens, tanto para o pro-
Além disso, um corte bem-feito e a posterior re- fissional como para o paciente, tais como: economia de
moção total da polpa só são possíveis em canais que te- tempo e de material descartável, maior produtividade
nham amplos diâmetros. Em canais atresiados, a polpa e início imediato dos procedimentos restauradores39.
é removida aos pedaços, por fragmentação durante a Além disso, tal tratamento vem-se tornando um fato
realização do preparo químico-mecânico propriamente rotineiro, principalmente quando os fatores habilidade
dito. A verdade é que, até os dias de hoje, o profissional do profissional, ergonomia na sua execução e aceitação
não dispõe de um instrumento eficiente e atraumático pelo paciente permitirem a sua realização39,186. O fato
que propicie o corte e a remoção do tecido pulpar de de que na biopulpectomia a polpa se encontra inflama-
forma controlada178. da, mas não infectada, permite a conclusão do trata-
Feitos o corte e a remoção da polpa, o preparo mento em sessão única, não havendo necessidade de
químico-mecânico deve ser feito, de preferência, na se empregar um medicamento entre as consultas para
mesma sessão operatória. A presença de remanescen- auxiliar na desinfecção do canal.
tes teciduais por períodos mais longos no interior do Por outro lado, quando a biopulpectomia estiver
sistema de canais radiculares sem qualquer medicação indicada em dentes portadores de pulpite aguda e sin-
pode predispor à dor pós-operatória e à infecção se- tomatologia perirradicular, em canais atresiados e/ou
cundária do canal. calcificados ou em raízes com curvaturas abruptas, o
procedimento em sessão única talvez deva ser subs-
tituído pelo tratamento em duas sessões, em função
Escolha da solução irrigadora das dificuldades inerentes ao fato que acarretaria um
Sob as condições de uso clínico, as soluções de aumento no processo inflamatório perirradicular no
hipoclorito de sódio (NaOCl) não apresentam gran- primeiro caso ou um tempo muito longo para sua rea-
des preocupações devido ao seu potencial citotóxico lização nas outras situações mencionadas.
demonstrado em laboratório58. Uma vez confinada ao Na impossibilidade de se completar o tratamen-
canal durante a irrigação, a solução irrigadora apenas to em sessão única após a biopulpectomia e o preparo
entra em contato com uma área mínima de tecido ao químico-mecânico do sistema de canais radiculares, a
nível do forame apical e de eventuais ramificações. ausência de uma medicação intracanal pode acarretar o
Além disso, por permanecerem no canal por um pe- retardo do processo de reparo em razão da persistência
ríodo curto, as soluções de NaOCl não produzem de um processo inflamatório na região perirradicular63.
grandes danos aos tecidos. Na verdade, o NaOCl é a Portanto, faz-se necessário o emprego de uma subs-
solução eleita para casos de biopulpectomia por apre- tância que, além de ser biocompatível com os tecidos
sentar capacidade solvente de matéria orgânica, o que vivos remanescentes, controle a intensidade do pro-
auxilia na limpeza do sistema de canais radiculares, e cesso inflamatório decorrente do trauma cirúrgico do
por ter atividade antimicrobiana que ajuda a manter corte e remoção da polpa e preparo químico-mecânico
o canal em condições assépticas, evitando os riscos de e que previna a infecção do canal durante o período
infecção secundária transoperatória. Livre de micro- entre as consultas138. Deve-se optar por uma associa-
organismos, os tecidos perirradiculares irão se reparar ção corticosteroide-antibiótico, quando o canal não foi
276 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

totalmente instrumentado, e por uma pasta de hidróxi- culares não se estabelece, o que é prevenido pela capa-
do de cálcio, quando o preparo estiver concluído. Uma cidade de defesa do tecido pulpar. Todavia, se a polpa
vez que nos casos de biopulpectomia não há infecção se tornar necrosada, independentemente da causa, uma
do canal, pode-se optar pelo emprego de veículos iner- infecção irá se instalar no sistema de canais radiculares
tes para o hidróxido de cálcio, como a água destilada, o mais cedo ou mais tarde, uma vez que a capacidade de
soro fisiológico, a solução anestésica ou a glicerina. defesa tecidual foi perdida em decorrência da necrose.
Se houver disponibilidade de tempo e não hou- O risco de infecção do canal também é grande quando
ver suspeita de quebra da cadeia asséptica, procede-se a polpa foi removida para tratamento, principalmente
à obturação imediata do sistema de canais radiculares. quando o canal se encontra vazio por algum motivo ou
Em casos de biopulpectomia, essa é a conduta ideal, inadequadamente preenchido (obturado). Contudo,
uma vez que não estamos lidando com um processo salienta-se que mesmo alguns casos de canais bem ob-
infeccioso no canal e, quanto mais rápido o tratamen- turados podem abrigar uma infecção que usualmente
to for concluído, menor o risco de haver uma infecção é a causa da manutenção de uma lesão perirradicular
secundária do canal, o que colocaria em risco o sucesso que leva à necessidade de retratamento.
da terapia. Nos casos em que há suspeita de quebra da Micro-organismos colonizando o canal radicular
cadeia asséptica está indicado o emprego de medicação representam o principal fator etiológico das patologias
intracanal com pasta de hidróxido de cálcio em um veí- perirradiculares (Fig. 8-4). Conceitualmente, doenças
culo biologicamente ativo, como o paramonoclorofenol infecciosas (como as lesões perirradiculares) apenas
canforado (pasta HPG) ou a clorexidina. são tratadas com sucesso por meio da eliminação dos
micro-organismos causadores. É nesse contexto que
Perspectivas se insere o tratamento de dentes despolpados, ou seja,
além da importância de se prevenir a introdução de no-
O desenvolvimento de técnicas de regeneração
vos micro-organismos no interior do sistema de canais
pulpar, inclusive envolvendo células-tronco, tem sido
radiculares, deve-se eliminar a infecção endodôntica ou
objeto de foco por agências de fomento à pesquisa nor-
reduzi-la significativamente para que o tratamento (ou
te-americanas, contando com um número crescente de
retratamento) logre êxito. Assim, uma vez que as le-
pesquisadores envolvidos nesses projetos. Essas técni-
sões perirradiculares têm etiologia infecciosa, prevenir
cas visam à reparação de forma previsível das polpas
e tratar a infecção endodôntica é a principal tarefa do
acometidas por inflamação atualmente considerada
profissional que pratica a Endodontia, seja consciente
irreversível (exposição por cárie) ou mesmo à indu-
ou inconscientemente, direta ou indiretamente.
ção da formação de uma nova polpa após a necrose
Para efeito de tratamento deve-se considerar todo
ou remoção para tratamento prévio91. Contextualmen-
dente contendo polpa necrosada como infectado, in-
te, considerando-se que a Endodontia essencialmente
dependentemente da detecção radiográfica de uma al-
visa à prevenção e ao tratamento da patologia perir-
radicular, a principal vantagem de o endodontista se
envolver com procedimentos que regenerem de forma
previsível polpas expostas por cárie ou que levem à
formação de nova polpa seria a prevenção da patologia
perirradicular, uma vez que ela não se forma quando
da presença de uma polpa sadia, logo não infectada,
no canal, mantendo a saúde perirradicular da melhor
forma possível. Os avanços das pesquisas nessa área
oferecem um futuro promissor para a Endodontia re-
generativa.

 TRATAMENTO DE DENTES A B

DESPOLPADOS – NECROPULPECTOMIA E Figura 8-4. Lesão perirradicular. Micro-organismos colonizando o


RETRATAMENTO sistema de canais radiculares exercem papel essencial na etiologia
dessa doença. A. Radiografia de um dente com lesão perirradicular.
Enquanto a polpa dental se mantiver vital, infla- B. Eletromicrografia de um dente extraído com lesão aderida à por-
mada ou não, uma infecção no sistema de canais radi- ção radicular apical.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 277

teração patológica perirradicular. Em alguns casos de


dentes com polpa necrosada sem lesão perirradicular
diagnosticada radiograficamente, o aparecimento da
lesão é apenas questão de tempo. Em outros, a lesão
pode estar presente, mas ainda não acarretou destrui-
ção óssea suficiente para que fosse discernida radio-
graficamente14. Assim, o tratamento desses casos de
dentes com polpa necrosada sem lesão perirradicular
aparente deverá ser o mesmo dos dentes onde a lesão
é visível na radiografia. Esse tratamento deverá estar
voltado primordialmente para a erradicação da infec-
ção intrarradicular.
Figura 8-5. Eletromicrografia de um agregado de células fúngicas
colonizando as paredes do canal radicular.
Infecções endodônticas
As patologias pulpares e perirradiculares são rias, fungos, mormente do gênero Candida, podem ser
usualmente de natureza inflamatória e de etiolo- encontrados168,194 (Fig. 8-5). E. faecalis, Candida albicans e
gia microbiana. Micro-organismos e seus produtos P. aeruginosa podem apresentar resistência a substân-
exercem um papel significativo na indução e, prin- cias usadas durante o tratamento, como o hidróxido
cipalmente, na perpetuação de tais doenças16,69,88,181. de cálcio. Como essas espécies são mais encontradas
Enquanto na necropulpectomia o endodontista lida em infecções persistentes ou secundárias, elas podem
com a infecção primária do canal, no retratamento o ter um tratamento mais dificultado e, teoricamente,
profissional lidará com uma infecção persistente ou requerem estratégias antimicrobianas especiais para o
secundária, que é a principal causa do fracasso do tra- combate à infecção.
tamento (ver Capítulo 17). Cada um desses tipos de Algumas escolas preconizam o tratamento dife-
infecção apresenta suas peculiaridades já destacadas renciado para as três condições: polpa viva (sem infec-
no Capítulo 4, sendo as principais características re- ção), polpa necrosada (com infecção primária) e retra-
sumidas a seguir. tamento (com infecção persistente ou secundária) (Fig.
Mais de 400 espécies bacterianas diferentes, mui- 8-1). Nessas escolas são preconizados:
tas potencialmente patogênicas, têm sido isoladas de
canais radiculares infectados, usualmente em combi- a) sessão única para casos de polpa viva;
nações de 10 a 30 espécies na infecção primária, com b) duas sessões usando hidróxido de cálcio com veícu-
grande prevalência das anaeróbias estritas154. Já nas lo inerte nos casos de polpa necrosada;
infecções persistentes ou secundárias, usualmente se c) hidróxido de cálcio com veículo inerte em várias
encontra uma a cinco espécies, com predomínio de sessões com trocas ou em duas sessões substituindo
anaeróbias facultativas156. o veículo inerte por um biologicamente ativo (pa-
Estudos empregando métodos de cultura para ramonoclofenol canforado, clorexidina ou iodeto de
anaeróbios ou metodologia avançada de biologia mo- potássio iodetado) nos casos de retratamento.
lecular têm revelado que os gêneros de bactérias anae-
róbias estritas mais prevalentes em infecções primá- Tal filosofia é baseada no grau de complexidade
rias são Treponema, Tannerella, Fusobacterium, Dialister, que a condição de infecção do canal impõe. No nosso ca-
Prevotella, Porphyromonas, Parvimonas, Peptostrepto- so específico, embora reconhecidas as diferenças essen-
coccus, Pseudoramibacter, Eubacterium e Actinomyces10- ciais de infecção entre as três condições, recomendamos:
12,31,50,66,117,119,154,165,180,203
. Algumas espécies aeróbias ou
anaeróbias facultativas também têm sido encontradas a) sessão única para dentes com polpa viva;
em canais radiculares, muita das vezes associadas a b) duas sessões com pasta de hidróxido de cálcio em
infecções persistentes ou secundárias, as quais po- veículo biologicamente ativo nos casos infectados
dem comprometer o sucesso da terapia endodôntica. (necrose pulpar e retratamento). Assim, indepen-
Dentre essas destacam-se Streptococcus, Enterococcus dentemente do tipo de infecção, utilizamos protoco-
faecalis e Pseudomonas aeruginosa86,109,118,125,155,182,206. Além lo eficaz sobre os casos de infecção mais difíceis de
disso, em casos de infecções persistentes ou secundá- tratar (persistentes/secundárias).
278 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

Anatomia da infecção zando as paredes dentinárias do canal, formando estru-


O clínico deve conhecer como a infecção se estabe- turas organizadas na forma de biofilmes160 (Figs. 8-7 e
lece no local a ser tratado para que seja instituída uma 8-8). Além disso, a infecção pode se propagar para tú-
terapia adequada. Para maior entendimento, destaca-se bulos dentinários e para variações da anatomia interna,
aqui como a infecção está distribuída espacialmente nos as quais consistem mais em regra do que em exceção,
dentes com polpa necrosada (infecção primária). Nos mormente no terço apical do canal129,160 (Figs. 8-6E e 8-9).
casos de infecção persistente ou secundária, onde o ca- Um estudo demonstrou que, em mais da metade dos ca-
nal já foi submetido a intervenção profissional, o mesmo sos de dentes com lesão perirradicular associada, foram
padrão de colonização bacteriana pode ser basicamente detectadas bactérias profundamente na dentina radicu-
esperado, sendo, entretanto, a população bacteriana na lar, próximo ao cemento106. As espécies bacterianas en-
luz do canal principal bastante reduzida ou ausente em contradas em maior prevalência nos túbulos dentinários
casos onde o tratamento foi bem efetuado. pertenciam aos gêneros Actinomyces, Peptostreptococcus,
Na infecção primária, a maioria das células micro- Veillonella, Eubacterium, Fusobacterium, Propionibacterium,
bianas se encontra em suspensão nos fluidos presentes Prevotella, Porphyromonas e Streptococcus.
na luz do canal principal94 (Fig. 8-6). Entretanto, agre- Reconhecendo-se o papel de micro-organismos
gados microbianos são usualmente visualizados coloni- na indução e na perpetuação das lesões pulpares e pe-

Figura 8-6. Seções histopatológicas


de um dente de cão com infecção
endodôntica induzida. A. Presença
de extenso infiltrado inflamatório
apical. O canal radicular e os túbu-
los dentinários estão densamente
infectados. B a E. Maiores aumentos
do detalhe em A. B. Colonização
bacteriana da parede dentinária e
do tecido necrosado na luz do canal.
C. Células bacterianas colonizando
o tecido pulpar necrosado na luz do
canal. D. Células bacterianas ade-
ridas à parede do canal e também
invadindo túbulos dentinários. E.
Células bacterianas invadindo pro-
fundamente os túbulos dentinários
e atingindo o cemento (cem).
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 279

Figura 8-7. Biofilme espesso aderido às paredes do canal mesial de um primeiro molar inferior com lesão perirradicular associada. Notar o
acúmulo de neutrófilos na região da luz do canal próxima ao biofilme. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)

A B

C D

Figura 8-8. Infecção primária do canal. A e B. Eletromicrografias da parede do canal recoberta por biofilme bacteriano. Notar material
amorfo com células bacterianas embebidas. (Gentileza dos Drs. José F. Siqueira Jr. e Hélio R. Sampaio Filho.) C e D. Infecção mista do canal,
evidenciada pela presença de cocos, bacilos e espirilos colonizando as paredes do canal radicular. (Reproduzido de Siqueira et al.160, com
permissão da editora.)
280 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

A B

Figura 8-9. Propagação da infecção do canal radicular para o interior dos túbulos dentinários. A. Dentina radicular evidenciando a invasão
bacteriana intratubular. B. Maior aumento.

rirradiculares, sintomáticas ou não, torna-se evidente a quais são apenas eficazes em impedir a disseminação
necessidade de se prevenir e de se controlar a infecção da infecção, mas não em eliminá-la. Em razão da lo-
endodôntica, visando ao reparo das estruturas perir- calização anatômica da infecção endodôntica, ela ape-
radiculares e ao restabelecimento da função dentária nas pode ser tratada por meios químicos e mecânicos,
normal e da saúde bucal. Essa é a base sólida na qual se representados pela intervenção profissional. Assim, o
fundamenta a Endodontia contemporânea. tratamento endodôntico apresenta três etapas princi-
Tendo isso em mente, é imperioso ressaltar que o pais de combate à infecção: o preparo químico-mecâ-
sucesso do tratamento de dentes despolpados (necro- nico, a medicação intracanal e a obturação do sistema
pulpectomia ou retratamento) dependerá não somen- de canais radiculares137.
te da prevenção da infecção endodôntica, que, como
na biopulpectomia, assume extrema importância, mas
também da eliminação ou da máxima redução possível Controle da infecção – efeito do preparo
de bactérias no interior do sistema de canais radicu- químico-mecânico
lares. Estudos22,70,171,173,189 demonstraram que a resposta Durante o preparo químico-mecânico, limas en-
tecidual perirradicular e, por conseguinte, o índice de dodônticas promovem a remoção mecânica de micro-
sucesso do tratamento endodôntico de dentes com pol- organismos, seus produtos e tecidos degenerados,
pa necrosada e lesão perirradicular podem ser signifi- auxiliadas por uma substância química que, além de
cativamente elevados quando a infecção endodôntica maximizar a remoção de detritos através da ação mecâ-
é erradicada. nica do fluxo e refluxo, também pode exercer um efeito
Em geral, a infecção endodôntica possui algu- químico significativo, desde que possua ação antimi-
mas peculiaridades que a diferem de outras infecções crobiana e solvente de matéria orgânica140.
em outras partes do organismo. Uma vez instalada,
ela não é passível de remissão espontânea pela ação
dos mecanismos de defesa do hospedeiro e tampouco Ação mecânica
pode ser tratada por antibioticoterapia sistêmica. Isso Mesmo quando não se emprega uma solução ir-
é justificado pelo fato de que o canal com a polpa ne- rigadora dotada de atividade antibacteriana, a ação
crosada (necropulpectomia) ou previamente tratado mecânica da instrumentação e da irrigação é sufi-
(retratamento) é desprovido de vasos sanguíneos que ciente para eliminar uma quantidade substancial de
possam transportar células e moléculas de defesa, as- micro-organismos e de tecido degenerado do inte-
sim como antibióticos, para o sítio infectado. Destar- rior do sistema de canais radiculares5,24,28,65,148. Toda-
te, micro-organismos presentes na infecção do canal via, a eliminação total de bactérias não é observada
radicular se encontram alojados em um “santuário” na maioria dos casos. Ingle e Zeldow65 verificaram
privilegiado, sem o acesso dos mecanismos intrín- que, imediatamente após a instrumentação e irriga-
secos ou extrínsecos de combate a uma infecção, os ção com água destilada, 80% dos canais radiculares
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 281

inicialmente infectados apresentaram culturas positi-


vas. No início da segunda sessão, 48 horas depois da
instrumentação, esse número aumentou para 95,4%.
Byström e Sundqvist24, utilizando solução salina du-
rante a instrumentação, verificaram que o número de
células bacterianas no canal pode ser reduzido em
100 a 1.000 vezes, mas todos os canais apresentaram
cultura positiva após uma sessão de instrumentação.
Recapitulando a instrumentação em sessões sucessi-
vas foi possível obter culturas negativas apenas nos
casos com baixo número pré-operatório de bactérias. A

A infecção persistiu principalmente nos dentes que


apresentavam um elevado número de bactérias na
amostragem inicial. Dalton et al.28 também utilizaram
solução salina como irrigante em duas técnicas de ins-
trumentação, uma com limas de níquel-titânio (NiTi)
acionadas a motor e a outra com limas de aço inoxi-
dável manuais. Apesar da alta redução no número de
bactérias observada após uma sessão de instrumenta-
ção, apenas 28% dos dentes apresentaram cultura ne-
gativa e nenhuma diferença significante foi observada
entre as duas técnicas.
Em estudo in vitro, Siqueira et al.148 avaliaram B
a capacidade da instrumentação e da irrigação de
reduzir mecanicamente a população bacteriana do Figura 8-10. O preparo do canal deve ser suficientemente amplo
canal radicular. As técnicas de instrumentação em- para incorporar irregularidades anatômicas, o que é mais fácil de se
obter em canais com secção transversal circular (A) do que oval ou
pregadas foram a de Movimentos Contínuos de Ro-
achatada (B).
tação Alternada (MRA), das limas Greater Taper e do
Sistema Profile 0,06 Series 29. Os autores relataram
que as técnicas e os instrumentos utilizados foram
eficazes em reduzir significativamente o número de podem alargar canais curvos a diâmetros dificilmen-
bactérias no canal radicular. Uma vez que soluções te alcançados por instrumentos de aço inoxidável,
irrigadoras com atividade antibacteriana não foram com um risco muito menor de acidentes transopera-
empregadas, tal efeito foi exclusivamente dependen- tórios. Preparos suficientemente amplos podem in-
te da ação mecânica dos instrumentos e da irrigação. corporar irregularidades anatômicas e permitir uma
Infere-se, então, que a ação mecânica da instrumen- remoção substancial de irritantes do interior do sis-
tação e da irrigação exerce um papel de destaque na tema de canais radiculares136 (Fig. 8-10). Além disso,
eliminação da infecção instalada no sistema de ca- preparos amplos permitem uma melhor irrigação do
nais radiculares. terço apical dos canais3,113. Um estudo revelou que
O estudo de Siqueira et al.148 também revelou que, o índice de sucesso do tratamento endodôntico foi
a cada troca sequencial de instrumentos para um maior maior em canais instrumentados com limas manu-
calibre, a redução da população bacteriana foi signifi- ais de NiTi do que os preparados com limas de aço
cativamente maior quando comparada com a lima an- inoxidável108. Isso pode ser provavelmente explicado
terior. Tal achado indica que quanto mais amplo for pela maior capacidade das limas de NiTi de man-
o preparo do canal, maior também será a eliminação ter a forma original do canal, sem desvios, e devido
de bactérias do seu interior, o que foi corroborado por ao fato de permitirem um maior alargamento do ca-
Rollison et al.120, em um estudo também in vitro. nal com consequente maior redução do número de
Na prática clínica, o diâmetro final do preparo micro-organismos. A Fig. 8-11 exibe sugestão para
do canal dependerá do volume radicular e da pre- calibres mínimos de ampliação no comprimento de
sença de curvaturas. Instrumentos rotatórios e ma- trabalho para cada canal com base no conceito de
nuais confeccionados a partir de uma liga de NiTi instrumentação planejada.
282 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

do, resultou em culturas negativas. Contrariamente,


todos os espécimes do grupo-controle, irrigados com
solução salina, apresentaram culturas positivas. Em-
bora o efeito mecânico da irrigação possa contribuir
significativamente para a redução da população bac-
teriana no canal, os achados desse estudo sugerem
que o emprego de uma solução irrigadora dotada de
atividade antibacteriana se faz necessário para po-
tencializar a desinfecção do sistema de canais radi-
culares.
Siqueira et al.158 avaliaram a redução da população
bacteriana intracanal produzida pela instrumentação e
irrigação com soluções de NaOCl a 1%, 2,5% ou 5,25%.
Como controle, empregou-se solução salina como ir-
rigante. Todas as soluções promoveram redução sig-
Figura 8-11. Conceito de instrumentação planejada para servir nificativa no número de células bacterianas no canal.
como guia de calibres mínimos de ampliação do canal no compri- Não houve diferença significante entre as três concen-
mento de trabalho.
trações de NaOCl utilizadas. Todavia, todas as solu-
ções de NaOCl foram significativamente mais eficazes
do que a solução salina, fato esse que realça a impor-
Ação química tância do efeito químico, além do mecânico (Fig. 8-13).
Como já aclarado, apesar de a ação mecânica pro- Esses resultados quanto à atividade antibacteriana e os
mover redução significativa do número de bactérias de Baumgartner et al.9 quanto à capacidade solvente de
do canal radicular, a eliminação total dificilmente é matéria orgânica indicam que trocas regulares da solu-
observada5,24,28,65,148. Bactérias remanescentes no sistema ção no canal e irrigações copiosas mantêm as proprie-
de canais radiculares podem sobreviver em número dades das soluções no interior do canal, compensando
suficiente para comprometer o sucesso da terapia en- os efeitos da concentração.
dodôntica135. Assim, torna-se evidente a necessidade Siqueira et al.164 compararam a eficácia de duas
da utilização de soluções irrigadoras (substância quí- técnicas de instrumentação associadas a diferentes
mica auxiliar) e de medicamentos dotados de atividade métodos de irrigação em reduzir a população bacte-
antibacteriana durante a execução do tratamento endo-
dôntico.
Em 1915, Dakin27 propôs o emprego do hipoclo-
rito de sódio (NaOCl) a 0,5% para a antissepsia de fe-
ridas. Posteriormente, Coolidge, em 191926, introduziu
tal substância na Endodontia para a irrigação de canais
radiculares. Walker, em 1936191, sugeriu o emprego de
soluções mais concentradas de NaOCl na irrigação
de canais, introduzindo assim a soda clorada. Desde
então, o NaOCl é a substância química auxiliar mais
empregada no tratamento endodôntico de dentes com
necrose pulpar, em concentrações variando entre 0,5 e
5,25%. Essa substância possui atividade antibacteria-
na rápida e pronunciada contra uma gama variada de
micro-organismos, inclusive bactérias comumente iso-
ladas de infecções endodônticas123,130,141,151,190 (Fig. 8-12).
Em estudo in vitro, Siqueira et al.151 investigaram
a capacidade do NaOCl a 4%, usado em três métodos
Figura 8-12. Atividade antibacteriana de diferentes concentrações
de irrigação, de eliminar E. faecalis do interior de ca-
de hipoclorito de sódio contra Prevotella nigrescens. Notar os halos
nais radiculares. Mais da metade dos espécimes, in- de inibição crescentes de acordo com a concentração, i.e., quanto
dependentemente do método de irrigação emprega- maior a concentração, maior o halo.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 283

Sessão única versus duas sessões


O tratamento endodôntico efetuado em sessão
única apresenta algumas prováveis vantagens para o
profissional e o paciente. Além de poupar tempo, o que
é bastante desejável nos dias atuais, previne a conta-
minação (dentes polpados) e a recontaminação (dentes
despolpados) que pode ocorrer entre as sessões de tra-
tamento. Como já discutido, em casos de tratamento
de dentes polpados (biopulpectomia), o tratamento em
sessão única deve ser executado quando o fator tem-
po, a habilidade do operador, as condições anatômicas
e o material disponível assim o permitirem. Por outro
lado, a obturação imediata em casos de dentes despol-
Figura 8-13. Comparação da eficácia de diferentes concentrações pados, com uma infecção endodôntica estabelecida e
de hipoclorito de sódio na redução (%) da população bacteriana em lesão perirradicular associada ou não, representa ainda
canais radiculares. Não foi observada diferença significativa entre as um motivo de controvérsias entre os autores186.
três concentrações, mas todas foram significativamente mais efica-
Dois fatores são críticos quando se considera o
zes que a solução salina. (Dados segundo Siqueira et al.158.)
tratamento em sessão única de dentes despolpados: a
incidência de sintomatologia pós-operatória e o suces-
so a longo prazo da terapia. Observando a incidência
de sensibilidade pós-operatória após tratamentos en-
riana intracanal. Canais inoculados com E. faecalis fo-
dodônticos realizados em sessão única ou múltiplas,
ram preparados com as seguintes técnicas e soluções
a maioria dos estudos atesta que não há diferenças
irrigadoras: técnica MRA usando limas NiTi e irriga-
significantes40,185. Entretanto, além da avaliação do de-
ção com NaOCl a 2,5%; MRA e irrigação alternada com
senvolvimento de sintomatologia após o tratamento de
NaOCl a 2,5% e ácido cítrico a 10%; MRA e irrigação al-
dentes despolpados em sessão única, um fator de ex-
ternada com NaOCl a 2,5% e gluconato de clorexidina a
trema relevância deve ser levado em consideração – o
2%; e técnica das limas Greater Taper rotatórias usando
sucesso a longo prazo do tratamento, ou seja, a capaci-
NaOCl a 2,5% como irrigante. Controles foram ins-
dade de o tratamento restabelecer a saúde dos tecidos
trumentados pela técnica MRA, utilizando-se solução
perirradiculares por criar um ambiente propício para a
salina como irrigante. Amostras foram coletadas dos
reparação óssea de uma lesão perirradicular. Por am-
canais antes e depois do preparo químico-mecânico,
biente propício se entende aquele livre de micro-orga-
diluídas e plaqueadas para contagem das unidades
nismos e outros irritantes persistentes, similar ao am-
formadoras de colônias. Todas as técnicas de instru-
biente observado em casos de dentes polpados e capaz
mentação e irrigantes reduziram significativamente
a população bacteriana dentro do canal radicular.
Não houve diferenças marcantes entre os grupos ex-
perimentais. Todavia, todos os grupos foram signi-
ficativamente mais eficazes do que o grupo-controle
onde a solução salina foi usada como irrigante (Fig.
8-14). Tais resultados confirmaram a importância
do emprego de substâncias irrigadoras dotadas de
atividade antimicrobiana durante o preparo quími-
co-mecânico. Esse estudo também demonstrou que
técnicas rotatórias não são mais eficazes do que téc-
nicas manuais em eliminar micro-organismos do in-
terior do sistema de canais radiculares. Além disso,
o uso combinado de outros irrigantes com o NaO- Figura 8-14. Redução do número de células bacterianas de canais
radiculares após preparo químico-mecânico utilizando diferentes
Cl não potencializou a redução bacteriana induzida
instrumentos e soluções irrigadoras (médias antes e depois, em nú-
por essa substância quando usada isoladamente na meros logarítmicos). (Dados segundo Siqueira et al.164.) Cac, ácido
irrigação. cítrico; chlor, clorexidina; GT, limas Greater Taper acionadas a motor.
284 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

de levar ao sucesso em quase 100% dos casos. A busca tivo menor número de casos que fracassaram (15,8%)
de um protocolo de tratamento que permita restabe- do que o grupo de sessão única (41,2%). Tais achados
lecer esse ambiente favorável ao reparo perirradicular em cães foram corroborados por vários outros estudos
deve ser a máxima que norteia a Endodontia atual. similares61,80,133 (Fig. 8-15).
Na verdade, tanto na Medicina quanto na Odon- Analisando o sucesso do tratamento endodôntico
tologia, o sucesso a longo prazo é o parâmetro mais em pacientes humanos por meio de um estudo mul-
importante pelo qual as modalidades de tratamento ticêntrico prospectivo, Friedman et al.46 revelaram que
são comparadas. Deve-se oferecer ao paciente o trata- dentes com canais radiculares infectados apresentaram
mento que apresenta uma maior probabilidade de re- um índice de sucesso 9% maior quando tratados em
sultar em sucesso a longo prazo. Poucos estudos ava- múltiplas sessões do que quando tratados em sessão
liaram o sucesso a longo prazo da terapia endodôntica única.
em dentes portadores de necrose pulpar realizada em Em outro estudo clínico, Trope et al.189 compara-
sessão única. A maioria tem sido calcada em critérios ram radiograficamente o sucesso de dentes tratados
pouco rígidos e mal definidos. As falhas mais comuns em sessão única ou em duas sessões. Todos os trata-
se referem a reduzidos períodos de prosservação; não mentos foram efetuados pelo mesmo operador, empre-
diferenciação de condições patológicas (polpa viva, gando sempre a mesma técnica de instrumentação e o
necrose com ou sem lesão); tratamentos sem padroni- mesmo tipo de substância química auxiliar (NaOCl a
zação; múltiplos operadores com óbvias variações de 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio
habilidade; estudos retrospectivos e não prospectivos; foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana.
e critérios não rígidos para determinar o que represen- A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso
ta o sucesso. de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74%
Um estudo bem controlado e delineado por Sjö- para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante
gren et al.171 revelou resultados relativamente desalen- adicional da medicação intracanal elevou em 10% o ín-
tadores para o tratamento em sessão única de canais dice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi consi-
infectados. Esses autores investigaram o papel da in- derada clinicamente relevante.
fecção no sucesso da terapia endodôntica concluída em Assim, com base em estudos clínicos randomi-
sessão única. Todos os canais (n = 53) estavam infecta- zados, pode-se inferir que o tratamento efetuado em
dos antes do tratamento, e o percentual de sucesso foi uma ou mais sessões utilizando uma pasta de hidróxi-
investigado após acompanhamento de 5 anos. Em 44 do de cálcio como medicamento oferece um índice de
casos (83%), as lesões desapareceram completamente. sucesso 10 a 20% maior do que o efetuado em sessão
Em nove (17%), houve fracasso da terapia endodôntica. única87,171,173,189 (Fig. 8-16). Entretanto, outros estudos
Desses nove que fracassaram, sete apresentaram cultu- mostraram praticamente ausência de diferença per-
ra positiva antes da obturação. Esse índice de sucesso centual104 ou mesmo uma taxa de sucesso 10% maior
obtido em sessão única (83% dos casos) pode ser con- com sessão única (Fig. 8-16). Sathorn et al.127 tentaram
siderado baixo quando comparado ao de outro estudo realizar uma revisão sistemática da literatura lidando
de Sjögren et al.173, onde os canais de dentes despolpa- com esse assunto e, em 2005, ano de publicação do ar-
dos tratados em múltiplas sessões, quando obturados tigo, só conseguiram incluir três artigos que se qualifi-
no limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram caram em seus critérios105,189,200. Os dados para análise
em um índice de sucesso de 94% dos casos. foram limitados e não permitiram maiores conclusões
Em um estudo histológico em dentes de cães, Kate- entre um método e outro, havendo a necessidade de
bzadeh et al.70 avaliaram o reparo de lesões perirradicu- outros estudos com maior número de amostras para
lares após o tratamento endodôntico efetuado em uma se alcançar uma posição definida. Em decorrência, en-
ou duas sessões. Os canais foram irrigados com solu- quanto estudos bem realizados com elevado número
ção salina e no grupo de duas sessões foi utilizada me- de amostras não forem disponibilizados, o bom senso
dicação com hidróxido de cálcio. Após 6 meses, a aná- deve prevalecer no sentido de que se deve optar por
lise histológica revelou que houve significativamente protocolos que previsivelmente eliminem a causa de
menos inflamação perirradicular no grupo tratado em lesões perirradiculares. Em outras palavras, protocolos
duas sessões. Em outro estudo também em cães71, mas com comprovada eficácia antimicrobiana demonstrada
realizando análise radiográfica do sucesso, os mesmos por estudos clínicos randomizados devem ser utiliza-
autores revelaram melhores resultados também para o dos para o tratamento ou retratamento de dentes com
grupo de duas sessões, o qual apresentou um significa- lesões perirradiculares.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 285

Figura 8-15. Reparação perirradicular em cães após tratamento em uma ou duas consultas. A. Radiografia quando da conclusão dos trata-
mentos de dentes com lesão induzida. B e C. Espécimes obturados em sessão única. Notar intenso infiltrado inflamatório e reabsorção radi-
cular. D. Espécime tratado em duas sessões com pasta HPG ou E, com óleo ozonizado. Ambos demonstram reparo perirradicular compatível
com o sucesso do tratamento. (Dados extraídos de Silveira et al.133.)

Figura 8-16. Dados de estudos comparando o índice de sucesso do tratamento endodôntico efetuado em uma ou mais consultas.
286 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

Meta: protocolo que previsivelmente proporcione ro de micro-organismos envolvidos. O alojamento de


cultura negativa bactérias no interior de irregularidades do sistema de
Embora substâncias irrigadoras antimicrobianas canais radiculares impede o acesso das células inflama-
aumentem significativamente a eliminação bacteriana tórias e imunológicas de defesa ao sítio infeccioso.
de canais, estudos clínicos demonstram que, em cerca Assim, como bactérias remanescentes em localida-
de 40 a 60% dos casos, bactérias sobrevivem aos efeitos des anatômicas inacessíveis aos instrumentos e à substân-
do preparo químico-mecânico independentemente da cia química auxiliar representam um potencial para o fra-
solução ou concentração empregada23,77,83,100,131,147,152,171. casso a longo prazo do tratamento endodôntico, medidas
Muitas das bactérias residuais estão destinadas a mor- adicionais que envolvam o controle desse processo infec-
rer, ou pela exposição a um material obturador dotado cioso (por eliminação ou máxima redução de micro-or-
de atividade antibacteriana, ou por serem confinadas ao ganismos) devem ser empregadas durante a execução da
interior do canal, ficando desprovidas de nutrientes139. terapia em dentes despolpados. No presente momento,
Contudo, em alguns casos, bactérias podem sobreviver apenas a medicação intracanal com determinadas subs-
mesmo a despeito de uma obturação adequada do canal tâncias químicas pode ser eficaz nesse sentido.
radicular, obtendo nutrientes e sobrevivendo em núme- Como já aclarado, nos casos de biopulpectomia, a
ro suficiente para perpetuar uma lesão perirradicular. opção pela obturação imediata do canal radicular após
Isso está claramente comprovado por inúmeros estudos o preparo químico-mecânico deve ser feita sempre que
demonstrando que o índice de sucesso de dentes com ca- possível. Essa conduta se baseia no fato de o canal estar
nais obturados na presença de níveis detectáveis de bac- originalmente livre de bactérias, desde que a cadeia as-
térias cultiváveis (cultura positiva) é significativamente séptica tenha sido mantida pelo profissional durante os
menor do que em casos de cultura negativa32,38,59,171,192 procedimentos intracanais. Assim, não há razão aparente
(Fig. 8-17). Em outras palavras, a presença de bactérias no para não se concluir o tratamento em sessão única, mes-
canal no momento da obturação é um importante fator de risco mo nos casos de pulpite irreversível sintomática, pois,
para o fracasso da terapia. uma vez removida a polpa, há remissão dos sintomas.
É evidente que a redução da população bacteria- Por outro lado, em casos de necrose pulpar e de
na dos canais radiculares promovida pelo preparo quí- retratamento, mormente quando há associação com
mico-mecânico é na maioria das vezes suficiente para lesões perirradiculares, o canal deve ser obturado em
permitir que os mecanismos de reparo dos tecidos pe- uma segunda sessão, após a permanência de uma me-
rirradiculares tenham efeito. Contudo, a perpetuação dicação intracanal antimicrobiana. Tal opção, como já
de processos patológicos perirradiculares causada pela esclarecido, baseia-se em fundamentos científicos e não
persistência de uma infecção endodôntica vai depender na opinião clínica de alguns. Deve-se ter em mente que
do acesso dessas bactérias aos tecidos perirradiculares, todo e qualquer procedimento clínico deve ser funda-
da resistência do hospedeiro, da virulência e do núme- mentado por achados científicos sérios e consolidados,

Figura 8-17. Dados de estu-


dos comparando o índice de
sucesso de dentes obturados
com cultura do canal positiva
ou negativa para bactérias.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 287

não por suposições, o que não significa ser “teórico”, zar essa redução, o emprego de curativos intracanais
“ortodoxo” e/ou “conservador”, mas sim responsável, está diretamente relacionado com uma melhor re-
consciente e bem informado. paração dos tecidos perirradiculares e, consequen-
É imperioso salientar que a medicação intracanal, temente, com um maior índice de sucesso da terapia
assim como qualquer outro procedimento, não irá este- endodôntica22,62,70,79,133,189.
rilizar o canal. Embora esse seja o ideal a ser alcançado, Desde sua introdução por Hermann, em 192060, o
o objetivo viável a ser atingido na realidade clínica é a hidróxido de cálcio tem sido amplamente usado em En-
máxima redução das populações bacterianas a um nível dodontia como um medicamento intracanal, por possuir
(limiar) que seja compatível com o reparo perirradicular. atividade antibacteriana pronunciada, a qual é ditada
Baseado em estudos clínicos randomizados, esse limiar pela sua elevada alcalinidade21,149. Entretanto, seus efei-
pode ser interpretado como o número de células bacte- tos são altamente dependentes da disponibilidade de
rianas aquém daquele necessário para ser detectado pelo íons hidroxila em solução. Meios de cultura (em testes
método de cultura (cultura negativa). Isso não significa in vitro), fluidos teciduais e a dentina (esses em testes in
que o clínico deva realizar a cultura no consultório, mas vitro com dentes extraídos e in vivo – condição clínica)
sim se basear na literatura científica para utilizar proto- possuem substâncias tamponadoras que podem limitar
colos clínicos que previsivelmente promovam um eleva- a ação antibacteriana do hidróxido de cálcio por impe-
do índice de culturas negativas antes da obturação. direm um aumento significativo no pH55,57,112,142,144,149,197.
É aparentemente óbvio que, no futuro, o trata- Essa afirmativa é reforçada por numerosos estudos que
mento endodôntico em sessão única poderá ser uma avaliaram a capacidade de o hidróxido de cálcio desinfe-
realidade, mesmo em dentes despolpados. As pesqui- tar os túbulos dentinários34,56,96,124,142,179,199 e a sua atividade
sas aparentemente caminham para a descoberta de me- inibitória por meio do teste de difusão em ágar1,30,144. Ha-
didas que permitirão esse tratamento. Por enquanto, o apasalo e Orstavik56 observaram que uma pasta à base de
protocolo de tratamento que oferece uma previsível hidróxido de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia)
eliminação bacteriana, a ponto de atingir elevados ín- falhou em eliminar, mesmo superficialmente, células de
dices de cultura negativa antes da obturação, envolve a E. faecalis dentro dos túbulos da dentina. Safavi et al.124
aplicação de uma medicação intracanal. relataram que células de Enterococcus faecium permanece-
ram viáveis no interior de túbulos dentinários após tra-
tamento com uma pasta de hidróxido de cálcio em solu-
Controle da infecção – efeito da medicação
ção salina por períodos relativamente longos. Siqueira e
intracanal
Uzeda142 verificaram que a pasta de hidróxido de cálcio
Embora uma redução considerável no número de em solução salina foi ineficaz em eliminar E. faecalis e
células bacterianas da luz do canal principal possa ser Fusobacterium nucleatum no interior de túbulos dentiná-
obtida pelos efeitos químico e mecânico da instrumen- rios, mesmo após uma semana de exposição. Contra-
tação e da irrigação, bactérias podem permanecer viá- riamente, a pasta de hidróxido de cálcio e PMCC efeti-
veis em regiões inacessíveis a eles. Enquanto menores vamente eliminou bactérias nos túbulos após uma hora
irregularidades anatômicas possam ser incorporadas de exposição, com exceção do E. faecalis, para o qual foi
no preparo, áreas como reentrâncias, istmos, ramifi- necessário um dia. Em estudo posterior, Estrela et al.34
cações laterais e apicais e túbulos dentinários podem avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de hidró-
abrigar bactérias que, uma vez não eliminadas, põem o xido de cálcio em solução salina no interior de túbulos
resultado do tratamento em risco116. Essas áreas não são dentinários experimentalmente infectados com E. faeca-
comumente afetadas por instrumentos e a substância lis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudomonas ae-
química auxiliar empregada na irrigação não terá tem- ruginosa ou com uma mistura dessas bactérias. A pasta
po de ação intracanal suficiente para agir em profun- foi ineficaz para desinfetar os túbulos mesmo após uma
didade6,35,93,140,196,207 (Figs. 8-18 a 8-21). semana de contato. Tais achados e os de outros estudos
Por permanecer um tempo mais prolongado no subsequentes179,199 confirmaram que a pasta de hidróxido
canal radicular, um medicamento intracanal dotado de cálcio em veículo inerte é ineficaz para desinfetar a
de ação antibacteriana tem mais chances de atingir dentina pelo menos após única aplicação.
áreas não afetadas pela instrumentação do canal. Estudos clínicos têm demonstrado que, em média,
Assim, exercendo sua ação antibacteriana, pode con- 20 a 30% dos canais ainda apresentam micro-organismos
tribuir decisivamente para a máxima redução da mi- viáveis após medicação com hidróxido de cálcio em um
crobiota endodôntica. Possivelmente, por potenciali- veículo inerte7,97,115,131,147 (Fig. 8-22). Além dos efeitos da
288 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

A B

Figura 8-18. Eletromicrografias evidenciando canal de dente extraído com lesão associada após preparo com limas do Sistema ProTaper.
O retângulo maior em A é visto em maior aumento em B, evidenciando área de confluência dos canais e permanência de detritos den-
tinários. O retângulo menor em A é visto em maior aumento em C e revela uma irregularidade na parede do canal. Maior aumento do
detalhe em C revela a presença de colônias bacterianas compostas por bacilos e filamentos formando um biofilme na porção mais apical
do canal radicular (D a F).
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 289

Figura 8-21. Bactérias infectando túbulos dentinários em toda a


extensão da dentina e atingindo o cemento. Nessa região, não são
afetadas pelo preparo químico-mecânico.

dentina, de matéria orgânica e de fluidos teciduais que


Figura 8-19. Áreas do sistema de canais radiculares não tocadas
podem tamponar o pH do hidróxido de cálcio e assim
pelos instrumentos. Canal recorrente e uma ramificação intercanais reduzir sua eficácia, alguns micro-organismos, como E.
na raiz mesial do molar inferior. faecalis e C. albicans, os quais estão comumente associa-
dos ao fracasso endodôntico86,102,109,118,155,168,182, são resis-
tentes ao efeito antimicrobiano pH-dependente do hi-
dróxido de cálcio21,56,142,193,195, o que se deve a mecanismos
regulatórios que controlam e mantêm o pH interno da
célula próximo da neutralidade, a despeito de alterações
significativas no meio circundante4,18,36,98.
Em 1966, Frank44 preconizou a utilização do pa-
ramonoclorofenol canforado (PMCC) como veículo
para o hidróxido de cálcio em casos de apicificação.
Vários estudos utilizando diferentes metodologias de-
monstraram que a pasta de hidróxido de cálcio com
PMCC apresenta excelente atividade antibacteriana e
antifúngica30,142-144,149,162,163.
Em suma, a pasta de hidróxido de cálcio com
PMCC e glicerina (HPG) apresenta um excelente raio
de atuação, amplo espectro de atividade antibacte-
riana, rapidez na destruição de células bacterianas,
retarda a reinfecção do canal quando da microin-
filtração pelo selador temporário e é biocompatí-
vel, propriedades essas atestadas por vários traba-
lhos47,53,64,79,133,142-144,150,152,159,162,163,184 (Fig. 8-23).
Outros medicamentos, como a clorexidina e o
iodeto de potássio iodetado, também apresentam
um bom potencial para uso como medicação intra-
canal. Usados isoladamente ou associados ao hidró-
Figura 8-20. Áreas do sistema de canais radiculares não tocadas
xido de cálcio, ambos atendem aos requisitos de ati-
pelos instrumentos. Ramificação intercanais comunicando os canais vidade antimicrobiana satisfatória associada a baixa
mesiais e gerando outra ramificação que forma um terceiro forame. toxicidade37,51,52,111,170,193. Todavia, ainda carecem de
290 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

Figura 8-22. Dados de es-


tudos revelando a incidên-
cia de culturas negativas do
canal após instrumentação
e medicação com hidró-
xido de cálcio em veículo
inerte.

mais estudos laboratoriais e clínicos antes que se es-


tabeleçam como medicamentos intracanais de eleição
durante o tratamento de dentes despolpados. Por sua
vez, os bons resultados apresentados pela associação
do hidróxido de cálcio com a clorexidina (HCx) em
vários estudos clínicos recentes82,104,153,205 permitem
considerar essa pasta uma boa opção de medicação
intracanal durante o tratamento de dentes despolpa-
dos (Fig. 8-23).

Controle da infecção – efeito da obturação


Canais radiculares são usualmente obturados
utilizando-se um material sólido (geralmente a guta-
percha e mais recentemente o Resilon) associado a
um plástico (os cimentos endodônticos). Tem sido
demonstrado que a guta-percha apresenta atividade
antibacteriana, a qual talvez seja atribuída ao compo-
nente de óxido de zinco presente nos cones89,90. Toda-
via, tal atividade é pouco provável de ter algum valor
no interior do sistema de canais radiculares devido
à solubilidade muito baixa do cone, impedindo a li-
Figura 8-23. Dados de estudos clínicos demonstrando a eficácia
beração de componentes com potencial antimicrobia- da medicação intracanal, principalmente com HPG ou HCx, em
no em concentração suficiente para exercer tal efeito. diminuir a incidência de culturas positivas em relação ao preparo
O mesmo é válido para os cones de guta-percha que químico-mecânico.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 291

possuem hidróxido de cálcio ou clorexidina em sua O sistema de canais radiculares usualmente pos-
composição. Além da quantidade de hidróxido de sui uma anatomia complexa, ditada pela presença de
cálcio ser baixa no cone para exercer efeito antimicro- reentrâncias, saliências, istmos, ramificações apicais e
biano desejado quando de sua utilização na obturação laterais, além de outras irregularidades. Tem sido su-
definitiva de canais, a liberação de hidróxido de cálcio gerido por alguns que tais áreas são difíceis de selar
iria requerer a solubilização do cone, o que acarreta- quando da utilização de técnicas convencionais de ob-
ria perda de estrutura, prejudicando o selamento do turação, como a técnica de compactação lateral. Com
canal, função primária da obturação. Dessa forma, a base nessa premissa, técnicas de termoplastificação da
adição de substâncias com atividade antimicrobiana guta-percha têm sido preconizadas com a justificativa
aos cones de guta-percha, além de não apresentar be- que permitem uma obturação mais homogênea e um
nefícios aparentes, tem ainda o potencial de prejudi- melhor preenchimento de irregularidades do sistema
car a performance do material. de canais radiculares, quando comparadas à compac-
A maioria dos cimentos endodônticos apresenta tação lateral20,128. Todavia, tem sido exaustivamente
atividade antimicrobiana antes de endurecerem, mas demonstrado que nenhuma técnica contemporânea de
grande parte perde essa propriedade após o endure- obturação e nenhum material obturador podem pro-
cimento. Uma vez que a atividade antimicrobiana dos mover um selamento absoluto contra a microinfiltra-
principais cimentos endodônticos não é pronunciada ção19,29,45,54,72,110,126,157,161,166. Até o momento, nenhum estu-
e é efêmera1,2,145,146, é altamente improvável que cola- do clínico bem controlado demonstrou definitivamen-
borem na eliminação de micro-organismos que sobre- te que as técnicas de guta-percha termoplastificada
viveram aos efeitos do preparo químico-mecânico e oferecem um maior índice de sucesso do tratamento
da medicação intracanal (se foi usada). endodôntico quando comparadas à compactação late-
Na realidade, canais desinfetados devem ser sela- ral107. Aliás, deve-se ter em mente que a observação de
dos tridimensionalmente, eliminando-se o espaço va- que o material obturador (guta-percha e/ou cimento)
zio que teria o potencial de ser infectado ou reinfectado. foi forçado para variações anatômicas não necessaria-
Além disso, por meio de um selamento tridimensional mente implica que o sistema de canais radiculares esteja
abrangendo os aspectos apical, lateral e coronário do apropriadamente limpo, desinfetado, selado e protegi-
sistema de canais radiculares, a obturação pode con- do dos riscos de infecção ou reinfecção (Fig. 8-24). Na
finar micro-organismos residuais ao interior do canal, verdade, a grande vantagem das técnicas de termoplas-
impedindo seu egresso aos tecidos perirradiculares. A tificação da guta-percha reside na obturação de canais
eficácia de tal sepultamento microbiano vai depender do
número de micro-organismos remanescentes no canal.
Em geral, isso pode ser aquilatado pelos resultados da
cultura. Casos de cultura negativa podem apresentar
números muito baixos e não detectáveis de bactérias
cultiváveis no canal, que podem talvez ser sepultadas
de forma eficaz pela obturação. Casos de cultura posi-
tiva apresentam maior índice de fracasso32,38,59,171,192 (Fig.
8-17), o que demonstra que o sepultamento não funciona
bem em casos com maior número de bactérias residu-
ais. Isso reforça a necessidade de usar protocolos que
previsivelmente forneçam culturas negativas antes da
obturação.
O selamento tridimensional do sistema de canais
radiculares também previne a recontaminação do ca-
nal por micro-organismos da saliva, além de impedir a A B
infiltração de fluidos teciduais para o interior do canal,
negando substrato para micro-organismos sobreviven- Figura 8-24. Radiografias evidenciando a obturação de uma rami-
tes. Destarte, infere-se que a função crítica primordial ficação associada à lesão perirradicular lateral (A) e de ramificações
e deltas apicais (B). A obturação de ramificações é importante do
da obturação é essencialmente atuar como uma barrei- ponto de vista de preenchimento de espaço, embora a mera visua-
ra física à infecção ou reinfecção do sistema de canais lização da ocorrência de tais puffs de cimento não seja garantia de
radiculares. desinfecção adequada e tampouco de selamento do canal.
292 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

radiculares com anatomia aberrante, como nos casos de d) ativação sônica ou ultrassônica do hipoclorito de
reabsorção interna e de deformidades do preparo. sódio;
e) laser e terapia fotodinâmica.

Otimização da desinfecção pós-preparo


Todas devem ser empregadas após a conclusão
Uma vez que o preparo químico-mecânico usan- do preparo e da remoção da smear layer.
do hipoclorito de sódio ou clorexidina como substância
química auxiliar não é capaz de atingir a meta ideal – a) Irrigação final com solução de clorexidina
obtenção de cultura negativa –, de forma previsível na
Estudos não têm revelado diferenças significan-
maioria dos casos, torna-se necessária a utilização de
tes entre a eficácia antimicrobiana do NaOCl e da clo-
uma estratégia pós-preparo para a otimização da de-
rexidina utilizados como substância química auxiliar
sinfecção, o que pode ser feito usando:
durante o preparo33,67,169. Por possuir ação solvente
de matéria orgânica, propriedade não compartilhada
a) Manobra de efeito mediato. Consiste no emprego de
pela clorexidina e que pode auxiliar na limpeza do
uma medicação intracanal entre as consultas, que
sistema de canais radiculares9,92, o NaOCl continua
deve permanecer no canal idealmente por 7 dias.
sendo a solução de escolha para a irrigação durante
Tal manobra tem sua eficácia comprovada por inú-
o preparo. No entanto, a clorexidina possui substanti-
meros estudos, incluindo experimentos clínicos ran-
vidade, ao contrário do NaOCl, o que faz com que
domizados. Por tal razão, compreende a manobra
sua eficácia possa durar por dias a semanas no ca-
de escolha para tratamento de dentes despolpados
nal8,74,78,81,121,198,201,204. Para aproveitar tais efeitos, tem
(necropulpectomia e retratamento), como extensa-
sido recomendado o uso do NaOCl durante o preparo
mente já discutido.
e, após a remoção da smear layer, a realização de irri-
b) Manobras de efeito imediato. Essas manobras visam à
gação com clorexidina a 2%, a qual é então deixada
maximização dos efeitos do preparo imediatamente
no canal por até 5 minutos188. Embora aparentemente
após a conclusão do mesmo, tentando evitar a ne-
promissora, não existem estudos clínicos atestando a
cessidade de medicação intracanal, para que o trata-
eficácia dessa estratégia.
mento possa ser realizado em sessão única com alta
incidência de culturas negativas no ato da obturação
e, assim, com maior potencial de sucesso. Tentati- b) Irrigação final com MTAD
vas de se aplicar após o preparo o NaOCl a 5,25% O MTAD (Biopure, Dentsply, Tulsa, OK, EUA) é
por 30 minutos com trocas a cada 5 minutos83 ou o um produto comercial para irrigação de canais e con-
hidróxido de cálcio172 por 10 minutos no canal não siste em uma Mistura de um isômero da Tetraciclina
resultaram em efeitos antibacterianos adicionais sig- (doxiciclina), Ácido cítrico e um Detergente (Tween
nificativos na redução das populações bacterianas. 80). O MTAD tem um baixo pH2,15 devido à presença
Assim, outras manobras têm sido sugeridas para do ácido cítrico e é recomendado para irrigação final
tal, algumas com resultados promissores in vitro e do canal após o emprego do NaOCl para remoção da
outras com apenas resultados clínicos incipientes. smear layer. A tetraciclina presente, além de participar
As principais estratégias propostas serão discuti- da remoção da porção inorgânica da smear layer por
das a seguir. Salienta-se, entretanto, que todas elas quelar cálcio, também tem efeitos antibacterianos sobre
se encontram ainda no campo experimental, cujos grande parte dos patógenos endodônticos. A forma de
resultados ainda não permitem que sejam conside- utilização proposta é irrigação do canal com NaOCl a
radas substitutas para uma medicação com pasta de 1,3% durante o preparo químico-mecânico seguido de
hidróxido de cálcio em PMCC/glicerina ou clorexi- irrigação final com MTAD, o qual é deixado no canal
dina entre as consultas. por 5 minutos183. Uma vez que é capaz de quelar cálcio,
As manobras imediatas mais promissoras com espera-se um efeito antibacteriano residual da tetraci-
potencial futuro de substituir a medicação intersessões clina no canal, em virtude de sua ligação à dentina, que
incluem as seguintes: poderia perdurar por dias e eliminar a necessidade de
uma medicação intracanal. Um estudo revelou que a
a) irrigação final com solução de clorexidina; substantividade antibacteriana do MTAD à dentina
b) irrigação final com MTAD; foi superior à da clorexidina a 2% e durou cerca de 28
c) irrigação final com iodeto de potássio iodetado; dias85. Não existem ainda estudos clínicos demonstran-
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 293

do a eficácia antibacteriana do MTAD para reduzir o


número de culturas positivas após o preparo de forma
que elimine a necessidade de uma medicação entre as
consultas.

c) Irrigação final com iodeto de potássio iodetado


No iodeto de potássio iodetado (IPI), o iodeto de
potássio é usado para dissolver o iodo na água, mas
a atividade antimicrobiana é creditada ao último, en-
quanto o primeiro não apresenta tal propriedade. Pe-
ciuliene et al.103 utilizaram o IPI a 2% por 5 minutos pós-
preparo em canais submetidos a retratamento e verifi-
Figura 8-25. Sistema sônico EndoActivator.
caram redução no número de culturas positivas. Kvist
et al.77, em dentes com infecção primária, demonstra-
ram que o IPI a 5% deixado no canal por 10 minutos
após o preparo químico-mecânico com NaOCl como
irrigante reduziu o número de culturas positivas de 62
para 29%. A medicação intersessões com hidróxido de
cálcio em veículo inerte reduziu o número de culturas
positivas de 64 para 36%77. A avaliação do sucesso a
longo prazo da maioria desses mesmos dentes não evi-
denciou diferenças significativas, embora o grupo tra-
tado com hidróxido de cálcio tenha apresentado 10% a
mais de sucesso87.

d) Ativação sônica ou ultrassônica do hipoclorito


de sódio
Alguns autores recomendam a inundação do canal
com NaOCl após o término do preparo e da remoção Figura 8-26. Ativação final ultrassônica do hipoclorito de sódio.
da smear layer e ativação dessa substância por meio de (Gentileza do Dr. Gilberto Debelian.)
aparelhos sônicos ou ultrassônicos. O sistema EndoAc-
tivator (Dentsply Tulsa Dental, Tulsa, OK, EUA) con-
siste em um contra-ângulo sônico e pontas de plástico cavitação e fluxo acústico (acoustic streaming), além de
de calibres variáveis desenvolvido por Clifford Ruddle movimentar a substância para áreas do canal de anato-
para energizar substâncias, como o NaOCl, no canal mia complexa (Fig. 8-26).
e criar um fenômeno hidrodinâmico que teoricamen-
te maximizaria os efeitos antibacterianos dessa subs- e) Laser e terapia fotodinâmica (PDT)
tância122 (Fig. 8-25). Contudo, o sistema é ainda muito A palavra LASER é uma sigla derivada do termo
recente e não existem estudos in vitro ou in vivo ava- em inglês Light Amplification by Stimulated Emission of Ra-
liando a sua real eficácia. Já o emprego do ultrassom é diation (ou amplificação da luz por emissão estimulada
bastante difundido na Endodontia. Embora o interesse de radiação). O laser é um dispositivo que transforma
pelo ultrassom durante o preparo tenha declinado sen- a luz de várias frequências em uma radiação cromáti-
sivelmente nos últimos anos, um estudo clínico recente ca nas regiões visível, infravermelho e ultravioleta, com
em canais mesiais de molares inferiores revelou que todas as ondas em fase capazes de induzir força e calor
uma irrigação ultrassônica pós-preparo por 1 minuto intenso quando focalizadas em uma região73. Muitos ti-
com uma agulha ultrassônica e 15mL de NaOCl a 6% pos de laser têm sido utilizados na Odontologia. Dentre
reduziu o número de culturas positivas de 73% após algumas potenciais aplicações em Endodontia, o laser
o preparo, usando NaOCl como irrigante para 20%25. tem sido testado em relação à sua eficácia em desinfetar
O ultrassom parece exercer seus efeitos em conjunto canais radiculares. Todos os lasers apresentam efeitos
com a substância química auxiliar, provavelmente via antimicrobianos em alta potência, a qual é dependente
294 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

de cada tipo de laser. O laser Nd-YAG tem sido o mais onda. Alguns dos fotossensibilizadores bastante usa-
estudado, uma vez que a energia do laser e a fibra ótica dos em PDT incluem o azul de metileno, o azul de to-
podem ser mais facilmente controladas. Embora resul- luidina, clorinas, porfirinas, xantenos, monoterpenos
tados promissores tenham sido relatados in vitro41, a de- etc.75. O laser diodo tem sido o mais utilizado em PDT
sinfecção do canal radicular pode ser problemática em atualmente, por ser eficaz, portátil e de fácil manuseio.
canais atrésicos e por causa da possível agressão térmica A técnica da PDT não promove o alargamento do
aos tecidos periodontais. Outrossim, aparelhos de laser canal, sendo recomendada para emprego após o pre-
são relativamente de alto custo para o profissional. Não paro para auxiliar na eliminação microbiana. O fotos-
existem ainda estudos clínicos randomizados avaliando sensibilizador é utilizado em baixa concentração para
a eficácia do laser na desinfecção de canais. evitar pigmentação do dente. Após o preparo químico-
A terapia fotodinâmica (PDT ou PAD do inglês mecânico, o canal é inundado com o agente fotossen-
photodynamic therapy ou photoactivated disinfection) en- sibilizador, que é então ativado pelo laser diodo por
volve a utilização de um corante fotoativo (fotossensi- meio de fibra ótica inserida profundamente no canal
bilizador) que é ativado por exposição a um laser com (Fig. 8-27).
comprimento de onda específico na presença do oxigê- Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia de
nio. A transferência de energia do fotossensibilizador diferentes protocolos de PDT em Endodontia. Biofil-
ativado para o oxigênio disponível no ambiente resulta mes de Streptococcus intermedius preparados em canais
na formação de compostos derivados do oxigênio, tais artificiais ou de dentes extraídos foram submetidos a
como o oxigênio singlet e os radicais livres. Esses com- PDT com azul de toluidina e laser diodo (633nm) equi-
postos são altamente reativos e podem danificar proteí- pado com uma ponta que permitiu que a luz fosse
nas, lipídios e ácidos nucleicos. transmitida até o ápice do dente. S. intermedius estava
O oxigênio do ar atmosférico está no estado não presente em número similar ao encontrado em canais
excitado e é simbolizado pela abreviatura 3O2. Ele é um com infecção pesada. PDT reduziu significativamente
radical livre, na verdade, um dirradical, uma vez que o número de bactérias em ambos os tipos de canais202.
possui dois elétrons não pareados na última camada Azul de metileno em combinação com luz vermelha
orbital. Moléculas cujos pares mais externos de elé- (665nm) promoveu a eliminação de 97% das células
trons têm rotação paralela estão no estado triplet, en-
quanto as que possuem elétrons em rotação antipara-
lela estão no estado singlet. O oxigênio atmosférico está
no estado triplet, que não é muito reativo. Se o oxigênio
triplet absorve energia suficiente para reverter a rota-
ção de um dos elétrons não pareados, o estado singlet
está formado. Assim, o oxigênio singlet (1O2) é a for-
ma excitada de oxigênio molecular, possuindo um par
de elétrons com rotações opostas que fazem com que
seja altamente reativo, mesmo sem ser um radical livre
verdadeiro. O oxigênio singlet é o principal composto
do oxigênio gerado em PDT responsável pela eficácia
antimicrobiana.
As aplicações de PDT em Odontologia têm cres-
cido rapidamente, incluindo tratamento do câncer e
terapias anti-infecciosas contra bactérias e fungos. Um
grande número de espécies bacterianas pode ser eli-
minado por laser de luz vermelha após sensibilização
do azul de metileno ou do azul de toluidina68,132,175-177.
A ausência de efeitos genotóxicos e mutagênicos da
PDT sobre os tecidos do hospedeiro é um fator im-
portante para a segurança a longo prazo durante o
tratamento75. Figura 8-27. Esquema da terapia fotodinâmica para desinfecção de
A maioria dos fotossensibilizadores é ativada por canais. O canal é repleto com um fotossensibilizador, o qual é então
luz vermelha entre 630 e 700nm de comprimento de ativado por laser de luz vermelha de baixa intensidade.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 295

de E. faecalis em biofilmes experimentais em canais de organismos que temporariamente tenham escapado de


dentes extraídos174. Em um modelo similar de canais tais mecanismos de defesa99. Deve-se ter em mente que
inoculados com E. faecalis, PDT com azul de metileno e a decisão mais importante em relação à antibioticotera-
laser diodo (665nm) reduziu a viabilidade de E. faecalis pia não é tanto quanto o antibiótico a ser utilizado, mas
em 77,5%, enquanto o fotossensibilizador isoladamen- se antibióticos deveriam ser realmente empregados.
te ou o laser também isoladamente reduziram em 19,5 A grande maioria das infecções de origem endo-
e 40,5%, respectivamente43. Biofilmes de Proteus mira- dôntica é tratada sem a necessidade de se receitarem
bilis e Pseudomonas aeruginosa preparados em dentes antibióticos. Na verdade, a infecção endodôntica assu-
extraídos foram tratados com um conjugado de polie- me uma característica peculiar que a difere da maioria
tilenoimina e clorina, seguido por iluminação com laser das outras infecções do corpo no sentido de não ser
diodo (660nm). Bioluminescência foi utilizada para a passível de tratamento via antibioticoterapia sistêmi-
quantificação bacteriana. PDT per se reduziu a biolu- ca. Essa impossibilidade reside no fato de que os an-
minescência em 95%, enquanto a combinação do trata- tibióticos não têm acesso a micro-organismos coloni-
mento endodôntico com PDT reduziu em > 98%49. PDT zando um canal contendo tecido necrosado ou que foi
com laser diodo e azul de metileno alcançou 80% de previamente tratado, devido à ausência de circulação
redução das unidades formadoras de colônias (UFCs) sanguínea, a qual é responsável pela veiculação do an-
de biofilme multiespécies composto por Actinomyces tibiótico para um sítio infectado. Na verdade, antibió-
israelii, F. nucleatum, Porphyromonas gingivalis e Prevo- ticos apenas são indicados em Endodontia para ajudar
tella intermedia em canais de dentes extraídos42. Trata- a prevenir a disseminação da infecção do canal ou dos
mento de canais de dentes extraídos com PDT usando tecidos perirradiculares para outra região do organis-
azul de toluidina resultou na eliminação de 94% das mo. Assim, tal função se restringe a alguns casos de
células de Streptococcus anginosus, 88% de E. faecalis e abscesso perirradicular agudo e a casos de profilaxia
98,5% de F. nucleatum, mas não foi observada total eli- antibiótica para pacientes com risco de desenvolver al-
minação17. Bactérias em biofilmes multicamadas foram guma doença a distância, como, por exemplo, a endo-
mais protegidas dos efeitos da PDT. O uso do laser sem cardite bacteriana. A maioria das espécies bacterianas
o corante e vice-versa não promoveram redução bac- encontradas em abscessos perirradiculares é sensível
teriana significativa17. Os autores concluíram que PDT à amoxicilina13,76, que corresponde então ao antibióti-
não é uma opção, mas um complemento aos procedi- co de primeira escolha em casos de infecção de origem
mentos para combate à infecção endodôntica. Garcez et endodôntica. O leitor encontrará mais detalhes sobre o
al.48 analisaram os efeitos antimicrobianos da PDT em uso de antibióticos em Endodontia no Capítulo 21 (An-
associação com o tratamento endodôntico em estudo tibióticos em Endodontia).
in vivo. A combinação do tratamento endodôntico com
PDT aumentou significativamente a redução da popu- Protocolo clínico baseado em estratégia
lação bacteriana nos canais. antimicrobiana
No Brasil, a MMOptics (São Carlos, SP) dispo-
nibiliza um aparelho de laser diodo com fibra ótica Uma estratégia antimicrobiana diligente deve
de dimensões apropriadas para uso em Endodon- ser focada no emprego de agentes antimicrobianos
tia (Twin Laser) (Fig. 8-28A). A técnica da PDT tem que exibam eficácia contra os micro-organismos mais
sido recomendada para maximização da desinfecção prevalentes nas infecções endodônticas primária e
pós-preparo, teoricamente eliminando a necessidade persistente/secundária. Outrossim, além de eliminar
de medicação intracanal (Fig. 8-28B a D). Contudo, é micro-organismos presentes na luz do canal principal,
ainda eminentemente experimental, e sua eficácia an- a terapia antimicrobiana deve abranger uma estraté-
timicrobiana, bem como o impacto no sucesso do tra- gia que possibilite a eliminação de micro-organismos
tamento, precisam ainda ser confirmados por estudos alojados em áreas mais distantes do canal principal,
clínicos. incluindo túbulos dentinários, istmos, ramificações
apicais e laterais e outras irregularidades137. O seguin-
te protocolo para tratar rotineiramente canais infec-
Controle da infecção – uso sistêmico de tados (necropulpectomia e retratamento) é baseado
antibióticos tanto em evidências científicas quanto na experiência
O propósito da antibioticoterapia é ajudar as de- clínica (Fig. 8-29 e Quadro 8-1). Os passos seguintes
fesas do hospedeiro a controlarem e eliminarem micro- até o de no 6 também são aplicáveis para casos de bio-
296 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

A B

C D

Figura 8-28. Terapia fotodinâmica. Caso clínico. A. Aparelho de laser diodo da MMOptics. B. Canal repleto com fotossensibilizador (azul de
metileno). C. Fibra ótica levada ao canal. D. O corante é ativado pela emissão do laser.

pulpectomia, que idealmente deverão ser obturados peróxido de hidrogênio a 3% (água oxigenada 10
na mesma sessão do preparo. volumes) e então descontaminado com solução de
álcool iodado a 2%, clorexidina a 2% ou hipoclorito
1. O dente a ser tratado ou retratado deve estar total- de sódio a 2,5%.
mente isento de placa bacteriana e de cálculo. 4. Após a conclusão das manobras de acesso coroná-
2. O preparo da cavidade de acesso pode ser iniciado rio, a câmara pulpar deve ser copiosamente irrigada
sem isolamento absoluto. Isso facilita o procedimen- com solução de hipoclorito de sódio a 2,5%.
to e diminui riscos de acidentes, mormente em den- 5. O preparo químico-mecânico deve ser realizado
tes com inclinação anormal. Todavia, após a trepa- empregando-se uma técnica progressiva no sentido
nação do teto da câmara pulpar e da ampliação da coroa-ápice (crown-down), com instrumentos ma-
área de exposição, o isolamento deve ser aplicado nuais e/ou acionados a motor associados à irrigação
antes da conclusão das manobras de acesso. copiosa e frequente com hipoclorito de sódio a 2,5%
3. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo após cada uso de instrumento (no mínimo 1 a 2mL
operatório, incluindo dente, grampo e lençol de bor- de solução irrigadora a cada troca de instrumento).
racha, deve ser inicialmente limpo com solução de Instrumentos de níquel-titânio deverão ser os de es-
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 297

A B C D

Figura 8-29. Dentes com lesão perirradicular tratados pelo pro-


tocolo sugerido. A, C e E. Radiografias iniciais. B, D e F. Radiogra-
E F fias de prosservação, demonstrando completa reparação perirra-
dicular. (Caso C-D, gentileza do Dr. Luís Paulo Mussi.)

Quadro 8-1 Procedimentos recomendados para o demasiado da estrutura dentária, que poderia pre-
tratamento ou retratamento de dentes com canais dispor à fratura quando o dente se submeter aos es-
infectados forços mastigatórios. O segmento apical do canal até
o forame apical deve ser idealmente limpo e manti-
Tratamento da infecção endodôntica
do livre de detritos através do emprego das limas
Prevenção Assepsia de patência de pequeno calibre. Todavia, a sobreins-
Selamento coronário adequado trumentação é uma conduta indesejável, pois pre-
dispõe à sintomatologia e ao fracasso do tratamento
Controle Preparo apical: no mínimo, até a lima # 40 * endodôntico.
Irrigação: NaOCl de 2 a 5,25% 6. Remoção da smear layer, pois ela pode conter bac-
Medicação intracanal: Pasta HPG ou HCx
térias, pode impedir ou retardar a ação em profun-
Selamento tridimensional: Guta-percha ou
resilon e cimento didade da medicação intracanal e interferir no sela-
mento promovido pela futura obturação (Fig. 8-30).
7. O canal deve ser medicado com a pasta HPG. A pas-
ta é preparada em uma placa de vidro esterilizada,
colha para o preparo de canais curvos. O canal deve empregando-se proporções iguais de PMCC e glice-
ser ampliado na medida de 1mm aquém do ápice ra- rina (1:1, v:v). Inicialmente, misturam-se os líquidos e
diográfico ou 1mm aquém do forame, detectado por então se agrega lentamente o hidróxido de cálcio até
um localizador apical eletrônico. Preparos amplos se atingir uma consistência cremosa similar ao creme
potencializam a desinfecção, mas um meio-termo dental. Opcionalmente, pode-se utilizar a pasta de hi-
tem que ser atingido para evitar o enfraquecimento dróxido de cálcio em clorexidina de 0,12 a 2% (HCx).
298 Capítulo 8  Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico

A B

Figura 8-30. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer gerada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a remoção
da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medicação profundamente na dentina.

Nesse caso, mistura-se o pó do hidróxido de cálcio 7. Barbosa CA, Goncalves RB, Siqueira JF Jr., de Uzeda M.
Evaluation of the antibacterial activities of calcium hydro-
em solução aquosa ou gel de clorexidina até que a
xide, chlorhexidine, and camphorated paramonochloro-
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Int Endod J, 1999; 32: 94-8. dod Dent Traumatol, 1992; 8: 125-9.
Capítulo 9
Instrumentos
Endodônticos

Hélio Pereira Lopes


Carlos Nelson Elias
José Freitas Siqueira Jr.

Instrumentos endodônticos são ferramentas me- na manuseada por um operador. Os instrumentos en-
tálicas empregadas como agentes mecânicos na instru- dodônticos manuais também podem ser acionados por
mentação de canais radiculares. São fabricados de ligas máquinas.
aço inoxidável ou níquel-titânio (NiTi). Lima endodôntica é um instrumento (ferramen-
É fundamental o profissional conhecer as caracte- ta) de natureza metálica, multicortante, com arestas ou
rísticas geométricas e o comportamento mecânico dos fios cortantes ao longo de seu corpo. A lima endodônti-
instrumentos endodônticos, uma vez que o resultado ca é uma ferramenta projetada para ser empregada por
de um tratamento endodôntico depende da ferramen- meio de um movimento longitudinal alternado, com
ta de trabalho. Entretanto, esses conhecimentos são na a denominação de limagem, na raspagem de parte da
maioria das vezes ignorados, contando o profissional superfície dentinária de um canal radicular.
apenas com as informações de interesse do fabricante. Alargador endodôntico é um instrumento (fer-
Existem diferentes tipos ou modelos desses ins- ramenta) de natureza metálica cuja haste de corte ge-
trumentos que podem ser assim classificados: ralmente é cônica e apresenta certo número de arestas
cortantes ao longo de seu corpo. É projetado para ser
• quanto ao acionamento, em manuais e mecanizados; empregado por meio de movimento de alargamento
• quanto ao desenho da parte de trabalho, em farpa- com giro, contínuo, parcial alternado ou parcial à direi-
dos, tipo K, tipo Hesdtrom e especiais; ta, no desbaste (corte) de parte da superfície dentinária
• quanto ao tipo de movimento executado, em limas e de um canal radicular.
alargadores endodônticos; Os instrumentos endodônticos quanto ao dese-
• quanto à natureza da liga metálica, em instrumentos nho da parte de trabalho são fabricados obedecendo
de aço inoxidável e de níquel-titânio; a diversos critérios com base nas especificações ISO
• quanto ao processo de fabricação, em torcidos e usi- 3630-1 (1992)30 e ANSI/ADA no 58 (1997)3. Porém, al-
nados. guns fabricantes têm produzido instrumentos endo-
dônticos com modificações principalmente em relação
Os instrumentos manuais possuem cabo que à conicidade, comprimento da parte de trabalho, dese-
serve para a empunhadura e acionamento do instru- nho da haste de corte helicoidal e da ponta. Para os ins-
mento por meio da mão do operador. Os denominados trumentos endodônticos mecanizados não há especifi-
mecanizados possuem haste que serve para fixação e cações normativas quanto a sua fabricação. Entretanto,
acionamento do instrumento por meio de uma máqui- algumas características, como, por exemplo, o diâme-

305
306 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

tro na extremidade D0, têm sido adotadas de acordo se que há mais de uma fase cristalina presente no mate-
com as especificações propostas para os instrumentos rial, onde por fase cristalina se entende uma região do
endodônticos manuais. metal que apresenta a mesma estrutura cristalina e que,
por isso, guarda propriedades físicas semelhantes. Mu-
danças na estrutura cristalina (tipo de célula unitária) de
LIGAS METÁLICAS um metal ou liga ocorrem com alteração de temperatu-
Ligas metálicas são materiais obtidos pela fusão ra, adição de elemento de liga ou por tensão. Essas mu-
de dois ou mais metais e em alguns casos por elemen- danças estão associadas à tendência natural de os siste-
tos não metálicos. As propriedades físicas, químicas, mas apresentarem transformações de fases para atingir
mecânicas e biológicas das ligas são diferentes das de o estado de menor energia. Nesse caso, diz-se que ocorre
seus componentes. uma mudança de fase5,9,18.
Metal é a designação comum aos elementos quí- Durante a solidificação dos metais ou ligas metá-
micos eletropositivos, brilhantes, bons condutores de licas os átomos não ficam totalmente arranjados com
calor e eletricidade. periodicidade, existindo sempre falhas na disposição
Todos os metais e ligas metálicas no estado sólido atômica formando as imperfeições cristalinas (lacunas,
apresentam estrutura cristalina, exceto quando solidifi- discordância, contornos de grão, maclas etc.). O nú-
cados bruscamente. Nesses casos são amorfos, ou seja, mero das imperfeições pode ser modificado durante
não há arranjo periódico de seus átomos. Na estrutura a deformação plástica do material. As imperfeições ou
cristalina temos um arranjo atômico tridimensional, os defeitos cristalinos exercem grande influência na re-
seus átomos estão distribuídos em uma rede tridimen- sistência mecânica, propriedade elétrica e química do
sional organizada para formar os cristais. metal ou liga5,8,17.
Cristal ou grão é definido como arranjo ordenado
de átomos, com periodicidade e regularidade tridimen- Aço inoxidável
sional. A área que os separa é denominada contorno
Os aços inoxidáveis são ligas de ferro que con-
de grão. A menor porção da rede cristalina que guarda
têm teores de cromo acima de 12%, sendo classificados
as propriedades de todo o cristal é chamada de célula
com base na sua microestrutura e elementos de liga em
unitária (Fig. 9-1).
austeníticos, ferríticos e martensíticos. A adição dos
Existem 14 tipos de células unitárias classificadas
elementos de liga, além de alterar a microestrutura,
em sete grupos principais (cúbica, tetragonal, ortorrôm-
influencia na resistência mecânica, bem como no com-
bica, monoclínica, triclínica, hexagonal e romboédrica).
portamento perante a corrosão e a fratura, entre outros
As propriedades mecânicas de um metal ou liga metáli-
efeitos4,11,18.
ca, como dureza, resistência mecânica e ductilidade, são
Denomina-se ferrita a microestrutura do aço que
consequências do arranjo cristalino e do tipo de célula
possui estrutura cristalina cúbica de corpo centrado
unitária. O metal ou a liga metálica podem apresentar
(CCC), ou seja, a célula unitária é um cubo com um
mais de um tipo de estrutura cristalina. Nesse caso, diz-
átomo em cada vértice e um no centro4,5,9,11 (Fig. 9-2).

Figura 9-1. Estrutura cristalina. a. Cristal ou grão. b. Contorno


de grão. Figura 9-2. Estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC).
Instrumentos Endodônticos 307

Na microestrutura martensítica do aço, os átomos


formam uma célula unitária, que pode ser tetragonal de
corpo centrado (TC), cúbica de corpo centrado (CCC)
ou hexagonal compacta (HC). Nos dois primeiros ca-
sos, os átomos se localizam nos vértices e no centro da
célula. Na martensita com estrutura hexagonal com-
pacta, os átomos ocupam as posições dos vértices do
hexágono, centro das bases, e três átomos se localizam
no centro do hexágono5,9,11 (Fig. 9-3A e B).
Na microestrutura austenítica do aço, os átomos
de ferro estão arranjados na forma da estrutura cris-
talina cúbica de face centrada (CFC). Nesse caso, os
átomos se distribuem no espaço formando um cubo,
ocupando a posição dos vértices e o centro das faces5,9,11 Figura 9-4. Estrutura cristalina cúbica de face centrada (CFC).
(Fig. 9-4).
Em qualquer um dos tipos de microestrutura, os
elementos de liga podem substituir o ferro em qual- cam a capacidade protetora desse elemento destaca-se
quer posição cristalina, exceto o carbono, hidrogênio, a que se baseia no fato de o mesmo formar, na superfí-
oxigênio, nitrogênio e boro, que ocupam os vazios in- cie dos instrumentos, uma película de óxido de cromo
tersticiais existentes na célula unitária9,11. aderente, impermeável, elevada dureza e densidade, a
O cromo adicionado aos aços inoxidáveis, em qual protege o aço contra a maioria dos agentes agres-
contato com o ar ou com soluções oxigenadas, fornece sivos. Os danos que porventura possam ocorrer à re-
o caráter protetor da liga. Entre as teorias que expli- ferida película, durante o uso dos instrumentos, são
espontaneamente reparados. A rápida regeneração da
película passivadora é uma propriedade quase exclu-
siva do cromo, que pode ser aniquilada, em ambientes
redutores, ou minimizada, em presença de soluções
cloradas26.
O níquel, depois do cromo, é o elemento de liga
mais importante adicionado aos aços inoxidáveis. Esse
elemento estabiliza a fase austenítica e, em função do
seu percentual, pode permitir a existência da austenita
à temperatura ambiente. Além disso, contribui para au-
mentar a resistência ao calor, à corrosão e à tenacidade.
É maior essa influência, quando o teor de níquel é su-
A perior a 6%. A adição de níquel ao aço altera a tempera-
tura de estabilidade das fases, permitindo a mudança
da estrutura cristalina CCC para CFC, que é estável à
temperatura ambiente. O manganês também estabiliza
a austenita, mas os teores adicionados ao aço inoxidá-
vel têm por objetivo aumentar a resistência mecânica
dos instrumentos (tenacidade). O silício é adicionado
durante a fabricação para desoxidar o aço e também
aumentar a resistência mecânica. O molibdênio, cobalto
e vanádio melhoram igualmente a resistência mecânica
do aço. A presença do enxofre é deletéria às proprieda-
des mecânicas e à resistência à corrosão, devendo ser
B
controlado o seu teor em níveis baixos9,11.
Na Odontologia, o aço inoxidável passou a ser
Figura 9-3A. Estrutura cristalina tetragonal de corpo centrado (TC). empregado com maior frequência, na fabricação de
B. Estrutura cristalina hexagonal compacta (HC). instrumentos endodônticos a partir de 196113,18,29,49.
308 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-1 Composições químicas dos aços inoxidáveis austeníticos dos instrumentos endodônticos manuais.
(Adaptado da ANSI/ADA Especificação 292.)

Aço C (max) Cr Ni Mn (max) P (max) S Si (max) Fe Outros

301 0,15 16-18 6-8 2,0 0,045 0,030 (max) 1,0 70,9-74,9

302 0,15 17-19 8-10 2,0 0,045 0,030 (max) 1,0 67,9-71,9

303 0,15 17-19 8-10 2,0 0,020 0,015 (min) 1,0 66,45-70,45 Mo:0,6
Zr:0,6

Em geral, os instrumentos endodônticos são conhecida como autoacomodável. Essa martensita ao


produzidos em ligas de aço inoxidável austenítico, se formar pode escolher 24 orientações cristalográficas
com percentuais de elementos químicos variáveis, de diferentes em relação a um sistema de referência posi-
acordo com o fabricante. Os aços recomendados na cionada na fase original. Cada possível orientação da
fabricação de instrumentos endodônticos, conforme martensita é chamada de variante. Quando é induzi-
especificação no 29 da ANSI/ADA de 19762, são ligas da por um carregamento (tensão), as suas 24 variantes
inoxidáveis austeníticas, da série AISI (American Iron macladas dão lugar a apenas uma variante. Nesse caso,
and Steel Institute) 301, 302 e 3034. No Quadro 9-1 são existe apenas uma orientação cristalográfica, alinhada
mostradas as composições químicas em peso dos aços
inoxidáveis austeníticos usados nos instrumentos en-
dodônticos manuais.
Essas ligas possuem boa resistência à corrosão,
à fratura, grande tenacidade e dureza, características
que permitem os instrumentos endodônticos resis-
tirem aos carregamentos adversos encontrados du-
rante a instrumentação dos canais radiculares.

Liga níquel-titânio
A liga níquel-titânio (NiTi) foi desenvolvida por
Buehler et al. em 1963 no Naval Ordnance Laboratory,
NOL, em Silver Springs, Maryland, EUA, razão pela
qual recebeu o nome de NiTiNOL28,61,68,74,77. Figura 9-5. Estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC).
Nas ligas níquel-titânio existem duas fases cris-
talinas presentes: austenita e martensita. A austenita é
a fase com estrutura cúbica de corpo centrado (CCC
ou B2), onde os átomos ocupam as posições dos vérti-
ces e do centro de um cubo (Fig. 9-5). A liga NiTi na
fase austenita apresenta menor elasticidade do que
na fase martensita. A martensita nas ligas NiTi é mono-
clínica, caracterizada pela distorção da estrutura tetra-
gonal (denominada B19) em que o maior lado é inclina-
do em relação à base da célula (Fig. 9-6). A martensita
é uma fase que pode ter sua formação induzida tanto
por tensão quanto por resfriamento. A liga NiTi na fase
martensita é facilmente deformável, atingindo grandes
percentuais de deformação em tensões relativamente
baixas. Quando a martensita é induzida por tempera-
tura, é conhecida como martensita maclada, também Figura 9-6. Estrutura cristalina monoclínica.
Instrumentos Endodônticos 309

com a orientação do carregamento. Essa é a martensita Conceitos básicos de efeito memória de


não maclada28,52,54,59,60,61. forma
Certas ligas com memória de forma podem em
determinadas condições apresentar uma outra fase A maior parte dos materiais metálicos apresenta
cristalográfica conhecida como fase R, em razão de sua um comportamento elástico no qual, dentro de certos
estrutura cristalina ser do tipo romboédrica. A trans- limites, a deformação é diretamente proporcional à for-
formação da fase R pode aparecer anteriormente à ça aplicada. Essa relação é conhecida por Lei de Hooke.
transformação martensítica seguindo a sequência: Se a força excede o limite de escoamento, o material
metálico (corpo) sofre deformação permanente5,9,18.
austenita → fase R → martensita28,52,54 O efeito memória de forma (EMF) acontece quan-
do o corpo (liga metálica com memória de forma) após
O surgimento da fase R na transformação mar- uma deformação é capaz de recuperar completamente
tensítica depende principalmente da temperatura de sua forma original por aquecimento acima de uma de-
recozimento da liga NiTi equiatômica (50% Ti e 50% terminada temperatura, a qual varia com a composição
Ni). A transformação da fase R acontece para ligas com química da liga NiTi28,52,60,68,74.
baixas temperaturas de recozimento e não ocorre em A transformação da austenita em martensita, ou
ligas recozidas em temperaturas acima de 550oC. Isso transformação martensítica, ocorre em uma faixa de tem-
se deve ao fato de que com o aumento da temperatu- peratura que varia com a composição química da liga.
ra de recozimento ocorre diminuição da densidade de A transformação inicia quando a liga no resfriamento
discordâncias e formação de vazios, facilitando a trans- passa por uma temperatura crítica denominada de Ms
formação direta da austenita em martensita28,59,60. (martensite start) e, termina em Mf (martensite finish),
A fase R é considerada uma estrutura martensítica quando o material apresenta estrutura totalmente mar-
com estrutura cristalina trigonal oriunda da distorção tensítica (menos a austenita, que por algum motivo não
romboédrica. Normalmente, sua descrição é feita por tenha conseguido se transformar, e que por isso é cha-
meio de uma rede cristalina do tipo hexagonal com os mada de austenita retida). No sentido oposto, a transfor-
parâmetros a = 7,38 Å, c = 5,32 Å e c/a = 0,721128,59. mação reversa, ou transformação austenítica, se inicia, no
Existem três casos em que a transformação da fase aquecimento, na temperatura As (austenite start) e ter-
R pode acontecer: mina em Af (austenite finish), quando então o material
é completamente austenítico. Essa transformação ocor-
• quando a liga possui concentração de Ni inferior a re em uma faixa de temperatura que varia de acordo
50%. Nessas ligas o Ni é substituído por Fe ou Al; com a composição química e a história termomecânica
• quando as ligas possuem teor de Ni acima de 50% e de cada liga. De maneira geral, definem-se seis tempe-
são envelhecidas a 400ºC para causar a precipitação raturas características de transformação para as ligas
da fase Ti3Ni4; NiTi: Ms e Mf, temperatura de início e fim de formação
• quando submetidas a tratamento térmico após tra- da martensita; Rs e Rf, temperatura de início e fim da
balho a frio para criar estruturas de discordâncias fase R; e As e Af, temperatura de início e fim de forma-
reorganizadas. ção da austenita. Algumas ligas NiTi não apresentam
a formação definida da fase R, apresentando apenas
Nesses casos, tanto a fase R quanto a B19 são afeta- quatro temperaturas críticas28,52,60,61.
das pela adição do terceiro elemento de liga (Fe ou Al), Nas ligas níquel-titânio, quando a temperatura
pelo campo de tensão que surge ao redor dos precipita- está abaixo de Mf, o corpo é totalmente martensítico.
dos e pelo campo de tensão das discordâncias54,59. Nessa situação, a aplicação de uma força em vez de
A liga NiTi é uma liga com memória de forma. provocar uma deformação plástica promove uma re-
O termo ligas com memória de forma é aplicado ao orientação das variantes da martensita na direção da
grupo de materiais metálicos que demonstram capa- força aplicada. As variantes no sentido favorável à for-
cidade de retornar para um tamanho ou forma pre- ça “crescem,” enquanto aquelas no sentido contrário
viamente definido quando submetidos a um procedi- se desfazem. A deformação macroscópica observada é
mento termomecânico apropriado. As ligas com me- justamente a variação de volume surgido em razão da
mória de forma apresentam alguns comportamentos orientação das variantes da martensita. Tal deformação
termomecânicos típicos: efeito memória de forma e é permanente, pois, se a força é retirada, a martensita
superelasticidade52,60,61,68. permanece estável, só que orientada de maneira que
310 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

uma das variantes da martensita predomina sobre as 4), o que provoca a transformação da martensita não
demais. Porém, se o corpo é aquecido acima de As, a maclada para austenita52.
martensita e suas variantes, que não são mais estáveis
nessa temperatura, transformam-se em austenita e a
Conceitos básicos de superelasticidade ou
forma do corpo é recuperada. Esse é o efeito da memó-
ria de forma28,52,60,61.
pseudoelasticidade
O diagrama tensão-deformação, característico de O efeito memória de forma não é a única caracte-
uma liga com efeito memória de forma a baixa tempe- rística peculiar apresentada pelas ligas níquel-titânio,
ratura, é mostrado no lado esquerdo da Fig. 9-7. Nessa as quais apresentam também um comportamento elás-
figura se pode observar o fenômeno característico do tico atípico, denominado de superelasticidade, que é a
efeito memória de forma. A amostra da liga metálica capacidade que certos materiais possuem de recuperar
com memória de forma foi submetida ao carregamento a forma original após serem deformados muito além
mecânico a uma temperatura abaixo de Mf (tempera- do limite elástico convencional quando a tensão é re-
tura abaixo da qual somente a martensita é estável). A movida. A maior parte dos materiais metálicos pode
partir desse carregamento, quando a tensão atinge um ser deformada elasticamente em até 0,1 ou 0,2% de
valor crítico, ponto A, tem-se o início da transformação seu comprimento inicial (Lei de Hooke). A deforma-
da martensita maclada para martensita não maclada, ção elástica de 0,5% é um valor extremamente elevado,
que termina no ponto B. Após o descarregamento, a mas pode ser encontrada em alguns metais. Qualquer
amostra apresenta uma deformação residual (ponto deformação acima desse limite (denominado de limite
C). Essa deformação residual pode ser recuperada me- de escoamento) será permanente. As ligas níquel-titâ-
diante um aquecimento da amostra, fazendo a liga so- nio podem ser deformadas em até 8% sem apresentar
frer a transformação de fase28,52,60,61. deformação residual após a retirada do carregamento.
Outra forma de observar o efeito memória de Nessas ligas, a Lei de Hooke, a partir de certo percen-
forma está apresentado no lado direito da Fig. 9-7. A tual de deformação, não é mais observada, e a força,
amostra com memória de forma está em uma tempe- em vez de aumentar à medida que o material se defor-
ratura acima de Af. Nessa temperatura, a austenita é a ma elasticamente, permanece praticamente constante,
única fase presente. Conforme a temperatura da amos- num comportamento mais parecido com o de algumas
tra abaixa e cruza a linha associada à temperatura Ms, borrachas (rubberlike) do que com os metais. Além dis-
inicia-se a transformação de fase onde a austenita cede so, o material responde de maneira diferente durante
lugar à martensita induzida por temperatura, mar- a deformação elástica (ativação) e na desativação. Esse
tensita maclada. Essa transformação está totalmente comportamento é observado pela presença de duas
concluída para temperaturas menores que Mf. A par- linhas na curva tensão × deformação, fenômeno esse
tir do ponto 2, se aplica um carregamento mecânico à chamado de histerese, raramente identificado entre os
temperatura constante, o que promove o surgimento metais28,52,60,61.
da martensita não maclada. Cessado o carregamento, Histerese é o fenômeno em que duas grandezas
ponto 3, a amostra apresenta uma deformação residu- mantêm uma relação, de modo que a variação de uma
al. A forma original pode ser recuperada a partir de delas depende do fato de a outra estar crescendo ou
um aquecimento da amostra (do ponto 3 para o ponto decrescendo relativamente a ela.

Figura 9-7. Efeito memória de forma.


Instrumentos Endodônticos 311

A superelasticidade é um fenômeno observado sa (martensita não maclada → austenita), recuperando


quando a liga níquel-titânio se encontra a uma tempe- a forma original (ponto 2 → ponto 3). No final do pro-
ratura superior à Af (temperatura na qual somente a cesso não existe nenhuma deformação residual52.
fase austenita é estável na ausência de tensões). Quando A grande elasticidade da liga NiTi comparada à
uma liga níquel-titânio é submetida a um carregamen- dos metais tradicionais é denominada superelastici-
to mecânico (ativação) a uma temperatura acima de Af, dade ou pseudoelasticidade. Essa característica, mais
há inicialmente uma resposta elástica até que um valor do que o próprio efeito memória de forma, é o grande
crítico (ponto A) seja atingido (Fig. 9-8, lado esquerdo). diferencial das ligas níquel-titânio em relação às de aço
A partir desse nível (usualmente 2%) a austenita torna- inoxidável empregadas na fabricação de instrumentos
se instável e busca a estabilidade, transformando-se em endodônticos.
martensita. Essa martensita surgida da aplicação de um Vários trabalhos7,14,43,57,65,70 têm demonstrado que
carregamento é denominada de martensita induzida durante o preparo de um canal radicular curvo o des-
por tensão. A transformação martensítica continua até locamento apical é superior com os instrumentos de
um determinado ponto (ponto B) onde toda estrutura aço inoxidável, em relação aos de níquel-titânio. Esse
cristalina da liga níquel-titânio é formada pela marten- comportamento pode ser atribuído à maior resistên-
sita não maclada. Quando se promove o descarrega- cia à deformação elástica (rigidez) do instrumento de
mento (desativação), a liga apresenta uma recuperação aço inoxidável. Os instrumentos de níquel-titânio, por
elástica (ponto B → C). Nesse momento, a martensita terem maior elasticidade e menor rigidez, são defor-
que foi induzida por tensão não pode continuar exis- mados elasticamente com níveis inferiores de tensão
tindo e acontece o início da reversão da transformação durante a instrumentação de um canal radicular curvo.
austenítica (ponto C), que ocorre até um determinado Quanto maior a resistência à deformação de um ins-
ponto (ponto D). A partir daí, o descarregamento ocor- trumento endodôntico no regime elástico, maior será a
re no regime elástico, e a austenita é novamente a fase força exercida por ele contra a parede dentinária exter-
estável. Esse processo de carga e descarga não apre- na da curva de um canal radicular.
senta nenhuma deformação residual. Contudo, uma Walia et al., em 198875, introduziram a liga níquel-
vez que a trajetória da transformação martensítica não titânio em Endodontia com a utilização de instrumen-
coincide com a da transformação austenítica, observa- tos de no 15 produzidos experimentalmente a partir de
se um laço de histerese, associado a uma dissipação de fios ortodônticos compostos dessa liga. Observaram
energia. Esse comportamento da liga níquel-titânio é que esses instrumentos de Nitinol, quando flexiona-
chamado de superelástico28,52,59. dos ou torcidos, apresentavam elasticidade duas a três
Outra forma de observar o comportamento su- vezes maior que os instrumentos de aço inoxidável de
perelástico está apresentado na Fig. 9-8, lado direito. igual número.
A amostra de uma liga com memória de forma está De acordo com Serene et al.68, a liga NiTi emprega-
em uma temperatura acima de Af, onde a austenita é da na Endodontia apresenta pequeno módulo de elas-
a única fase presente. Aplicando-se um carregamento ticidade, cerca de 1/4 a 1/5 em relação ao do aço inoxi-
à temperatura constante, promove-se o surgimento da dável. Em consequência, possui grande elasticidade e
martensita não maclada. Retirando-se o carregamento, alta resistência à deformação plástica e à fratura. O per-
ponto 2, a amostra inicia a transformação de fase rever- centual atômico de níquel nessas ligas está entre 50 e

Figura 9-8. Superlasticidade ou pseudoelasticidade.


312 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

56%. A força necessária para flexionar um instrumento


de NiTi de número 45 é equivalente à necessária para
flexionar um instrumento com a mesma geometria de
aço inoxidável de no 25. Essas propriedades fazem com
que o instrumento acompanhe com facilidade a cur-
vatura do canal radicular, reduzindo o deslocamento Figura 9-9. Representação de forças diferentes aplicadas em um
apical e a alteração de sua forma original. Quanto à corpo.
microdureza, uma haste de aço inoxidável revelou mi-
crodureza Vickers variando de 342 a 522, ao passo que
a de NiTi variou no intervalo de 303 a 362 HV.
Tensão
Quanto à microdureza, verificamos que os instru- A tensão pode ser definida como a relação entre
mentos de aço inoxidável (FlexoFile – Maillefer, Suí- a força aplicada em um corpo por unidade de área na
ça), possuem valor médio de 523 HV e os instrumentos qual atua. A mesma equação é usada para o cálculo de
de NiTi (Nitiflex – Maillefer, Suíça), valor de 345 HV. tensão e pressão.
Quanto à força para a flexão de 45º (deformação elásti-
ca), para os instrumentos FlexoFile de no 30 e de 25mm Tensão = F/A
de comprimento, encontramos os valores de 202gf, e
para os instrumentos Nitiflex, os valores de 118gf. As tensões podem ser classificadas em dois ti-
pos: normais (compressivas ou trativas) e cisalhantes.
Quando a força é distribuída em uma superfície do cor-
 PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS
po perpendicular à direção de aplicação, é denominada
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS de normal. É chamada de tensão trativa quando apli-
As propriedades mecânicas estão associadas ao camos uma força para alongar um corpo e de tensão
comportamento dos instrumentos quando submeti- compressiva para comprimir. Quando a força aplicada
dos à ação de forças externas. A caracterização dessas fica distribuída em uma superfície do corpo paralela a
propriedades é feita em ensaios mecânicos5,9,18,25,49. As sua direção, é denominada de cisalhante.
principais propriedades mecânicas e alguns conceitos
relacionados com elas de interesse na área de endodon- Deformação
tia estão assim descritos:
Quando uma força (carga) é aplicada em um cor-
po impedido de alterar sua posição, a força tende a
Resistência mecânica
deformar o corpo, ou seja, em consequência da tensão
Quando uma carga é aplicada a um material, a aplicada promovemos uma deformação, que pode ser
força de ligação de seus átomos se opõe a esse carre- elástica ou plástica.
gamento. Essa oposição é denominada de resistência
mecânica do material (propriedade intrínseca que indi- Deformação elástica
ca a capacidade de os materiais resistirem à solicitação A deformação é denominada de elástica (tempo-
externa estática ou dinâmica sem apresentar fratura), rária ou transitória) quando desaparece após a retirada
dependendo dos tipos e arranjos dos seus átomos. da força aplicada (Fig. 9-10).

Força
Podemos definir força como uma grandeza veto-
rial que, aplicada a um corpo, deforma-o ou tende a
mudar seu estado de repouso ou movimento. Uma for-
ça, assim como um vetor, para ser conhecida precisa ter
sua direção, sentido e intensidade definida.
A Fig. 9-9 mostra diversas forças sendo aplicadas
em um corpo. A força F1 é diferente da F2, pois possuem
magnitudes, sentidos e direções diferentes. A força F2
apesar de apresentar a mesma intensidade e direção que
a F3 é diferente, pois elas possuem sentidos opostos. Figura 9-10. Deformação elástica.
Instrumentos Endodônticos 313

Comportamento elástico na flambagem


Flambagem é a deformação apresentada pelo ins-
trumento quando submetido ao carregamento com-
pressivo na direção do seu eixo (axial) (Fig. 9-12). Du-
rante esse tipo de carregamento, o instrumento encur-
va e forma um arco de flecha.
A resistência à flambagem dos instrumentos
endodônticos pode ser calculada com o emprego da
equação:
2
Figura 9-11. Deformação plástica.  EI
Pcr = 2
L
Deformação plástica Pcr – carga axial máxima
A deformação é denominada de plástica (per- E – módulo de elasticidade
manente ou residual) quando o corpo permanece de- I – momento de inércia
formado após a retirada da força aplicada. Um corpo L – comprimento do instrumento
(instrumento endodôntico), ao sofrer deformação na
região plástica, após a remoção da força, apresenta re- Nessa equação pode-se observar que a resistência
cuperação da elástica (efeito mola), porém permanece à flambagem aumenta com o aumento do módulo de
a plástica (Fig. 9-11). elasticidade do material (rigidez do material), com o
Com base nos tipos de deformação podem ser di- aumento do momento de inércia do instrumento endo-
vididas as propriedades dos materiais (instrumentos dôntico e com a diminuição do comprimento do instru-
endodônticos) em elásticas, que são medidas no re- mento endodôntico6.
gime elástico, e plásticas, que são medidas no regime
plástico.

Elasticidade
A elasticidade é a propriedade que indica a capa-
cidade de o material sofrer grandes deformações elásti-
cas. É medida pelo módulo de elasticidade, o qual rela-
ciona a tensão aplicada e a deformação no regime elás-
tico. Essa propriedade depende das forças de ligação
entre os átomos. Como essas forças são constantes para
cada material, o módulo de elasticidade é uma das pro-
priedades mais constantes dos metais ou ligas metáli-
cas, embora possa ser levemente afetado por adição de
elementos de liga, tratamentos térmicos ou trabalhos a
frio. Quanto menor a força de atração entre os átomos,
menor será o módulo de elasticidade e maior a elastici-
dade do material. O comportamento dos materiais na
região elástica pode ser determinado pela elasticidade
em torção, flambagem e flexão.

Comportamento elástico em torção


A elasticidade em torção (rotação) é a deformação
elástica apresentada por um instrumento tendo uma
de suas extremidades imobilizada e na outra aplicada
um torque. Quanto maior o ângulo de torção no limite
elástico, maior a elasticidade do instrumento. Pode ser
quantificada em graus ou números de voltas. Figura 9-12. Flambagem.
314 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Comportamento elástico em flexão tal modo que retorna às suas dimensões originais quan-
Flexibilidade é a deformação elástica apresenta- do a força é removida. Refere-se à carga de trabalho per-
da pelo instrumento quando submetido a um carre- mitida e é a maior tensão que pode ser aplicada a um
gamento localizado na sua extremidade e na direção instrumento sem que ocorra deformação permanente.
perpendicular ao seu eixo. Nesse caso, o instrumento
encurva e forma um arco de flecha como na flambagem Plasticidade
(Fig. 9-13). Para o mesmo carregamento e arcos de mes-
É a capacidade de o material sofrer grandes de-
mo comprimento, quanto maior a flecha formada no
formações permanentes sem atingir a fratura. Essa
regime elástico, maior a flexibilidade do instrumento.
propriedade permite avaliar a capacidade de trabalho
A resistência em flexão dos instrumentos endodôn-
mecânico que o material poderá suportar, conservan-
ticos pode ser calculada com o emprego da equação:
do sua integridade física. É calculada em porcentagem,
4 e o seu valor, obtido pelo alongamento ou estricção,
PL
f=
3 EI medido no ensaio de tração. A plasticidade, conforme
Nessa equação, pode-se observar que a defle- a natureza da força aplicada, recebe as denominações
xão (deslocamento) da ponta do instrumento (flecha particulares de maleabilidade e ductilidade.
f) com carregamento em cantilever depende da for-
ça aplicada (P), do comprimento do instrumento (L),
Maleabilidade
do módulo de elasticidade da liga empregada (E) A maleabilidade é capacidade de o material sofrer
e do momento de inércia (I) da seção reta transversal grandes deformações plásticas na compressão em to-
do instrumento6,9,18,25. Quanto maiores a força e o com- das as direções, indicando a maior ou menor facilidade
primento, maior será a deflexão do instrumento ou de ser laminado e transformado em placas.
menor será a resistência em flexão.
O módulo de elasticidade em tração é o quocien- Ductilidade
te entre a tensão aplicada a um corpo e a deformação A ductilidade é a capacidade de o material sofrer
elástica que ela provoca. Quanto menor o módulo de grandes deformações permanentes na direção do car-
elasticidade da liga metálica, menor a resistência em fle- regamento sem atingir a ruptura. Representa a facili-
xão do instrumento endodôntico. Momento de inércia dade de o material ser estirado ou reduzido à forma
é o produto da massa de uma partícula pelo quadrado de fio. Essa propriedade é avaliada pelo alongamento
da distância dessa a um eixo. O momento de inércia de- total do corpo antes da fratura (alongamento) ou pela
pende da geometria (forma e dimensão) e da seção reta redução na área da seção reta transversal do corpo no
transversal do instrumento. O conceito de momento de ensaio de tração antes da estricção.
inércia é puramente matemático e fisicamente represen-
ta a resistência ao movimento que um corpo apresenta; Limite de escoamento
daí a designação de inércia. A resistência em flexão é in-
É determinado pela tensão máxima acima da qual
versamente proporcional ao módulo de elasticidade e ao
o material começa a apresentar deformação plástica per-
momento de inércia do instrumento endodôntico5,9,18,25.
manente com a retirada da carga (descarregamento).
Define o final da região elástica e o início da plástica. Na
Limite elástico maioria dos casos, o início do escoamento não é nítido e
O limite elástico de um material é definido como a não pode ser identificado com precisão. Normalmente,
maior tensão a que um material pode ser submetido, de emprega-se como limite de escoamento a tensão neces-
sária para deformar plasticamente o material em 0,2%.

Rigidez
Propriedade que indica a capacidade de o material
resistir a carregamentos elásticos sem apresentar defor-
mação plástica quando submetido a uma tensão não ex-
cedente ao limite de escoamento, ou seja, no regime elás-
tico. Representa baixas deformações dentro da região
elástica. É medida pelo módulo de elasticidade: quanto
Figura 9-13. Flexibilidade. maior o valor do módulo, maior a rigidez do metal.
Instrumentos Endodônticos 315

Fragilidade fico, como, por exemplo: limite de resistência à tração,


à torção e à fadiga.
É a propriedade que indica a ausência de deforma-
ções permanentes do material antes de sofrer ruptura.
Com base nesse conceito, a fragilidade e a plasticidade Encruamento
são propriedades opostas. Todavia, um material frágil
É o mecanismo de aumento da resistência mecânica
não é necessariamente fraco (pouco resistente à ruptura).
(endurecimento) por deformação plástica a frio. Duran-
te a deformação plástica dos instrumentos há aumento
Tenacidade à fratura da sua energia interna na forma de geração de defeitos
Indica a capacidade de o material resistir aos carre- cristalinos, principalmente do tipo discordância. Discor-
gamentos e sofrer grandes deformações elásticas e plás- dância é um defeito de linha caracterizado pela presen-
ticas sem atingir a ruptura. Define-se como tenacidade à ça de um plano extra incompleto na estrutura cristalina.
fratura dos materiais a sua resistência contra a propaga- O mecanismo de deformação plástica predominante na
ção de uma trinca. Os materiais são caracterizados por maioria dos metais se dá por meio do movimento de dis-
baixa e alta tenacidades. Os primeiros são classificados cordâncias em resposta à aplicação de uma tensão. To-
como frágeis, e os últimos, dúcteis. A tenacidade de um davia, durante a movimentação das discordâncias, elas
material é reduzida pela diminuição da temperatura e interagem entre si e com outros tipos de defeitos, como
pelo aumento da taxa de encruamento. os contornos de grão, precipitados e átomos de soluto,
diminuindo desse modo a mobilidade e dificultando a
deformação plástica do instrumento. Quanto maior o
Dureza
número de discordâncias, maior a sua interação com os
A dureza é uma propriedade mecânica relaciona- defeitos, menor a sua mobilidade e maior a resistência
da com a resistência que o material apresenta ao risco à deformação plástica do instrumento. O mecanismo de
ou à formação de uma marca permanente quando pres- endurecimento por deformação plástica é denominado
sionado por outro material ou por marcadores padroni- de encruamento. Portanto, quanto maior o encruamento,
zados. A dureza de um material pode ser definida como menor a tenacidade e maior a possibilidade de fratura
a capacidade de resistência à penetração. Os métodos sem que ocorra deformação plástica. Como exemplo de
mais usados para determinar essa propriedade utilizam encruamento temos a fratura de um clipe usado para
penetradores com formato padronizado e que são pres- unir folhas de papel quando submetido a ciclos de dobra-
sionados na superfície do material. Os ensaios são reali- mentos e desdobramentos (dobramento alternado). Para
zados em condições específicas, com a aplicação de pré- minimizar o risco de fratura, em virtude da diminuição
carga e carga definida, causando a deformação elástica da plasticidade, devemos realizar a deformação plástica
seguida pela deformação plástica. A área da marca su- do material em pequenos incrementos intercalados por
perficial formada ou a sua profundidade são medidas e aquecimento para alívio de tensões e recozimento pleno.
correlacionadas com um valor numérico que representa No caso dos instrumentos endodônticos dobrados, para
a dureza do material. Em alguma situação prática ocorre evitar o encruamento e a fratura, devemos aplicar a eles,
a necessidade de determinação da dureza de pequenas durante a instrumentação de um canal radicular curvo,
áreas do corpo de prova (microdureza). Para a determi- pequenas deformações mantidas no regime elástico do
nação da microdureza são utilizadas cargas menores do material. Essas pequenas deformações elásticas (efeito
que 1kfg. Na Odontologia, os métodos de dureza ou mi- mola) são obtidas pela aplicação de pequeno ângulo de
crodureza mais empregados são os ensaios Knoop (HK) torção e de pequeno movimento longitudinal de avanço
e Vickers (HV). Os números de dureza HK e HV obti- e retrocesso (deslocamento) no instrumento dobrado du-
dos pelas escalas de dureza para ambos os métodos são rante a instrumentação de um canal radicular.
aproximadamente equivalentes.

 FABRICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS


Limite de resistência ENDODÔNTICOS
Limite de resistência é a tensão máxima suporta- Os instrumentos endodônticos são ferramentas
da pelo instrumento antes da fratura. Pode ser deter- destinadas à ampliação e limpeza de um canal radi-
minado em ensaios de tração, fadiga, flexão e torção. cular, sendo fabricados de acordo com os princípios
Em cada ensaio teremos o limite de resistência especí- usados na fabricação de ferramentas denominadas de
316 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

alargadores8,15,21,22. São fabricados a partir de fios metá-


licos primitivos de forma cilíndrica obtidos por trefi-
lação ou por conformação. No processo de trefilação,
uma barra metálica é puxada para o interior de uma
matriz com forma semelhante a um funil. Todas as
marcas, rugosidades e ranhuras existentes na matriz
são transferidas ao fio. No processo de conformação,
uma parte da barra metálica é comprimida em duas ou
mais direções até se obter a forma cilíndrica. A seguir,
outras partes da barra sofrem a conformação até que
toda a barra tenha a forma final de um fio cilíndrico.
Em alguns processos de fabricação, a porção do fio ci-
líndrico, correspondente à parte de trabalho (ponta e
haste de corte) do instrumento, é submetida à usina-
gem para ter a forma final cônica circular ou piramidal.
A forma final dos instrumentos endodônticos é obtida
por meio de torção no regime plástico do material ou
Figura 9-14. Instrumento endodôntico. Fabricação por torção.
usinagem do fio metálico.
Para os instrumentos endodônticos fabricados
por torção, a porção dos fios metálicos corresponden-
tes às hastes de corte dos instrumentos é inicialmente
submetida à usinagem (aplainamento) para a obtenção
de hastes metálicas com formas piramidais e seções
retas transversais triangulares ou quadrangulares. As
interseções das paredes (faces) das hastes piramidais
formam três ou quatro arestas ou fios laterais de cor-
te. Para se obter a forma final dos instrumentos, os
fios metálicos são imobilizados em uma das extremi-
dades e submetidos à deformação plástica por torção
à esquerda. À medida que o fio é torcido, as paredes
e arestas laterais de corte da haste piramidal são dis-
postas na forma helicoidal com sentido anti-horário,
constituindo a haste de corte helicoidal cônica dos
instrumentos endodônticos, sendo que as arestas ou
os fios laterais de corte da haste piramidal dão ori-
gem às hélices, enquanto as paredes dão origem aos
canais helicoidais. A ponta facetada ou piramidal dos
instrumentos é obtida por aplainamento, enquanto a
ponta cônica circular é obtida por torneamento cônico
Figura 9-15. Instrumento endodôntico. Fabricação por usinagem.
externo (Fig. 9-14).
Para os instrumentos endodônticos fabricados
por usinagem, as partes de trabalho (pontas e hastes tenção de arestas ou fios de corte dispostas na forma
de corte) são obtidas por meio de um processo mecâ- de hélices por meio da abertura de um ou mais canais
nico de usinagem do fio metálico (Fig. 9-15). Denomi- helicoidais, em superfícies cilíndricas ou cônicas. O
na-se de usinagem o trabalho de corte realizado pelas número de arestas de corte corresponde ao número
máquinas-ferramentas para a fabricação de uma peça de canais helicoidais. A ponta cônica circular dos ins-
com determinada forma, dimensão e acabamento. A trumentos é obtida por um processo mecânico de usi-
haste de corte helicoidal cônica da parte de trabalho nagem denominado de torneamento cônico externo.
dos instrumentos é obtida por um processo mecânico Torneamento é um processo mecânico de usinagem
de usinagem denominado de roscamento externo, que destinado à obtenção de superfícies de revolução com
é um processo mecânico de usinagem destinado à ob- o auxílio de ferramenta de usinagem mecânica. Os ins-
Instrumentos Endodônticos 317

A B

Figura 9-16. Instrumento endodôntico. A. Fabricados por usinagem. Cortes dos cristais. B. Fabricados por torção. Cristais não são cortados.

trumentos endodônticos de aço inoxidável ou de NiTi  NOMENCLATURA


podem ser fabricados por torção ou usinagem. Os de
Nomenclatura é o conjunto de termos peculiares
níquel-titânio (NiTi), em função de superelasticidade
a uma ciência. Na Endodontia, a nomenclatura é im-
apresentada pela liga metálica, geralmente são confec-
cionados por usinagem. Todavia por um processo de portante para padronizar a terminologia empregada
resfriamento e de aquecimento, mantendo-se a estru- para os instrumentos endodônticos. Ela oferece a cada
tura da liga NiTi na fase R-romboédrica, hastes pira- um que escreve e fala sobre instrumentos endodônti-
midais de seções triangulares podem ser submetidas cos a utilização de uma mesma linguagem. A termi-
a deformação plástica por torção à esquerda, dando nologia proposta para os instrumentos endodônticos é
origem a instrumentos endodônticos torcidos. Como uma adaptação das normas da ABNT TB-111 e NB-205,
exemplo, temos os instrumentos TF (Twisted File) da citadas pelo Manual de Brocas e Furações usadas na
Sybron Endo, Orange, CA, USA. engenharia8.
Os instrumentos endodônticos fabricados por usi- Cabo – É a extremidade pela qual se empunha um
nagem apresentam maior número de defeitos de aca- instrumento endodôntico (Fig. 9-18).
bamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavida- Haste – Parte para fixação e acionamento mecâni-
des) do que os fabricados por torção. A presença desses co de um instrumento endodôntico (Fig. 9-19).
defeitos altera o comportamento mecânico dos instru- Corpo – Parte de um instrumento que se estende
mentos endodônticos principalmente em relação à ca- desde o cabo ou haste de fixação até a ponta (Fig. 9-20).
pacidade de corte e à resistência à fratura por fadiga. Intermediário – Parte do corpo que se estende do
Outro aspecto a ser considerado é que, na fabrica- cabo ou haste até o início da haste de corte (Fig. 9-21).
ção de um instrumento endodôntico por usinagem, os Parte de trabalho – Parte do instrumento que se
cristais (fibras) alinhados na direção da trefilação do fio estende desde a ponta até o término da haste de corte.
metálico são cortados com redução significativa da resis- Representa a soma dos comprimentos da ponta e da
tência à fratura por torção e da resistência à flambagem haste de corte (Fig. 9-22).
do instrumento. Ao contrário, na fabricação por torção a Ponta – É o extremo do instrumento com perfil
integridade dos cristais é preservada (Fig. 9-16A e B). cônico. Pode apresentar seção reta transversal cilíndri-
Outros instrumentos endodônticos são fabricados ca ou poligonal (Fig. 9-23).
por cortes do fio de aço inoxidável com diferentes pro- Base da ponta – Região entre a ponta e a haste de
fundidades, formando farpas, sendo, por isso, denomi- corte do instrumento (Fig. 9-24). Essa passagem pode
nados de farpados (Fig. 9-17). ocorrer por meio de um ângulo de transição (ângulo ob-
tuso) ou de uma curva de transição (forma elipsoide)
para suavizar a transição.
Ângulo da ponta – Ângulo sólido formado pelo
contorno da ponta. O vértice do ângulo é sempre vol-
tado para a ponta do instrumento (Fig. 9-25).
Haste de corte – Porção da parte de trabalho que se
estende da base da ponta até o intermediário. Geralmen-
te, a forma é cônica. Pode apresentar seção reta transver-
sal com diferentes formas. É constituída pelas arestas de
Figura 9-17. Instrumento endodôntico farpado. corte e pelos canais do instrumento (Fig. 9-26).
318 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-23. Instrumento endodôntico. Ponta.


Figura 9-18. Instrumento endodôntico. Cabo.

Figura 9-24. Instrumento endodôntico. Base da ponta.


Figura 9-19. Instrumento endodôntico. Haste de fixação.

Figura 9-20. Instrumento endodôntico. Corpo.

Figura 9-21. Instrumento endodôntico. Intermediário. Figura 9-25. Instrumento endodôntico. Ângulo da ponta.

Figura 9-22. Instrumento endodôntico. Parte de trabalho. Figura 9-26. Instrumento endodôntico. Haste de corte.
Instrumentos Endodônticos 319

Aresta ou fio lateral de corte – É o gume de instru- Eixo do instrumento – Linha central na direção
mentos cortantes. Pode estar disposta na haste de corte axial do instrumento (Fig. 9-32).
de um instrumento endodôntico na forma paralela ou Ângulo de inclinação da hélice – Ângulo agudo
na forma helicoidal (inclinada) ao eixo do instrumento. formado pela hélice e o plano contendo o eixo do ins-
Pode apresentar a forma de filete ou de guia radial. A trumento (Fig. 9-33).
forma de filete é originada pelo encontro de duas pa- Passo da hélice – Distância entre vértices conse-
redes de canais contíguos de um instrumento de corte cutivos de uma mesma aresta lateral de corte ao longo
(Fig. 9-27A). A forma de guia radial é originada da con- da direção axial do instrumento (Fig. 9-34).
vergência de duas paredes de canais contíguos, porém Guia radial – Superfície cônica em forma helicoi-
com o vértice truncado terminando em uma superfície dal ou paralela em relação ao eixo do instrumento ime-
cilíndrica (Fig. 9-27B). diatamente posterior à aresta ou fio de corte (Fig. 9-35).
Hélice – É a aresta ou fio lateral de corte dispos- Largura da guia – Largura da guia radial medida
ta na forma helicoidal (hélice) traçada em volta de um perpendicularmente ao ângulo da hélice ou ao eixo
cone ou de um cilindro (Fig. 9-28). do instrumento. A porção posterior da guia é rebai-
Número de hélices – Número de filetes ou de xada com a finalidade de reduzir o atrito entre a pe-
guias radiais presente na haste de corte helicoidal de riferia do instrumento e a parede do canal radicular
um instrumento (Fig. 9-29). (Fig. 9-36).
Canal – É um sulco presente entre as arestas de Núcleo – Parte central da haste de corte de um
corte contíguas na superfície externa da haste de corte instrumento compreendida entre o fundo do canal que
de um instrumento endodôntico (Fig. 9-30). se estende desde a base da ponta até o fim da haste de
Parede ou superfície do canal – É a parede da corte (Fig. 9-37). Pode ser avaliado por meio da seção
haste de corte presente entre as arestas de corte contí- reta transversal ou longitudinal da haste de corte de
guas (Fig. 9-31). um instrumento (ferramenta).

A B

Figura 9-27. Haste de corte. Aresta lateral de corte. A. Filete. B. Guia radial.
320 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-28. Aresta lateral de corte. Hélice.

Figura 9-29. Número de hélices.

Figura 9-31. Superfícies ou paredes do canal.

Figura 9-30. Haste de corte. Canal. Figura 9-32. Eixo do instrumento.


Instrumentos Endodônticos 321

Figura 9-33. Hélice. Ângulo de inclinação da hélice.

Figura 9-36. Largura da guia radial.

Figura 9-34. Hélice. Passo da hélice.

Figura 9-35. Guia radial. Figura 9-37. Núcleo.


322 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

 PARTES DOS INSTRUMENTOS com diâmetro de 5mm na parte bicôncava e de 6mm


nas extremidades (Fig. 9-38A e B).
Os instrumentos endodônticos são formados pelo
Para cabos com diâmetros maiores, a força neces-
cabo ou haste de fixação e pelo corpo. O corpo de um
sária para girar (movimento de alargamento) o instru-
instrumento é formado pelo intermediário e pela parte
mento endodôntico no interior de um canal radicular
de trabalho, sendo essa formada pela ponta e haste de
é menor. Consequentemente, maior será a percepção
corte.
tátil e cuidados do profissional em relação à anatomia
interna do dente. Entretanto, se o profissional aplicar
Cabo ao instrumento de cabo de maior diâmetro a mesma
Cabo é a parte de um instrumento ou ferramenta força que ele está calibrado (acostumado) para o de
que se empunha ou maneja. cabo de menor diâmetro, maior será o torque, o qual
O cabo dos instrumentos endodônticos é fabrica- pode ultrapassar o limite de resistência à fratura por
do em plástico ou silicone colorido, conforme a corre- torção do instrumento.
lação com a numeração padronizada. Apresenta geo- O cabo dos instrumentos endodônticos pode
metria variável de acordo com o tipo de instrumento e apresentar o topo plano ou arredondado e possuir nas
o fabricante. O cabo de silicone, segundo o fabricante paredes laterais estrias paralelas ou perpendiculares
(Dentsply, Maillefer, Suíça), é mais ergonômico, ofere- ao eixo para assegurar uma melhor empunhadura do
cendo maior sensibilidade tátil e conforto. instrumento.
O cabo dos instrumentos endodônticos apresen- Os instrumentos endodônticos portadores de
ta forma bicôncava e deve ter 10 a 12mm de compri- cabo podem ser acionados manualmente ou por dispo-
mento, diâmetro de 3mm na parte bicôncava e 4mm sitivos mecânicos especiais.
nas extremidades. Alguns instrumentos endodônticos
podem ter cabos fabricados em plástico ou em silicone Haste de fixação e acionamento
Haste de fixação e acionamento de instrumentos
mecanizados é a parte que serve para a sua fixação na
cabeça de um contra-ângulo e seu acionamento por meio
de dispositivos mecânicos. Pode ser de latão (liga de co-
bre e zinco) ou de liga de alumínio. A união entre a haste
de fixação e o corpo do instrumento geralmente é feita
por engaste. Para alguns instrumentos endodônticos
(instrumentos TF, alargadores Gates Glidden e Largo), a
haste de fixação e acionamento e o corpo são obtidos de
uma única haste metálica, o que elimina a possibilidade
de movimento excêntrico (afastado do eixo) durante a
A rotação do instrumento. O movimento excêntrico além
do deslocamento do centro do preparo induz a fratura
do instrumento endodôntico (Fig. 9-39A e B).
A haste de fixação e acionamento de um instru-
mento endodôntico mecanizado é cilíndrica e pode ter
comprimento entre 11 e 15mm e diâmetro universal de
2,30mm, o que possibilita o uso desses instrumentos
em contra-ângulo de qualquer marca comercial. Has-
tes menores conferem comprimentos totais menores, o
que favorece o emprego desses instrumentos em den-
tes posteriores de pacientes com reduzida abertura bu-
cal. Na haste de fixação e acionamento existem anéis
coloridos e/ou ranhuras correlacionados à conicidade
B
da haste de corte helicoidal e ao diâmetro em D0 do
Figura 9-38. Partes de um instrumento. Cabo. A. Diâmetros meno- instrumento (Norma ISO 1797: Dental rotatory instru-
res. B. Diâmetros maiores. ments-Shanks. Parte 1)30 (Fig. 9-40).
Instrumentos Endodônticos 323

Figura 9-39. Partes de um instru-


mento. Haste de fixação e aciona-
mento. A. Engaste. B. Oriunda da A B
haste metálica primitiva.

Figura 9-40. Partes de um instrumento. Haste de fixação e aciona- Figura 9-41. Partes de um instrumento. Intermediário.
mento.

Raros fabricantes oferecem instrumentos endo- tâncias predeterminadas a partir da extremidade (ponta)
dônticos com hastes de fixação e acionamento com di- do instrumento endodôntico (Fig. 9-41).
mensões diferentes das mencionadas e, consequente- Nos instrumentos endodônticos fabricados por
mente, contra-ângulos exclusivos. usinagem, o intermediário geralmente tem a forma ci-
líndrica em toda a sua extensão. Todavia, nos torcidos,
o intermediário junto da parte de trabalho apresenta
Intermediário paredes planas remanescentes da haste piramidal ob-
Intermediário é a porção do corpo metálico de um tida por aplainamento do fio metálico primitivo de
instrumento endodôntico que está localizado entre o cabo forma cilíndrica (Fig. 9-42). Em alguns instrumentos
ou a haste de fixação e acionamento e a parte de trabalho. o intermediário apresenta a forma de um cone sólido
Seu tamanho varia em função do comprimento do corpo reverso, com o maior diâmetro voltado para a parte de
e do comprimento da parte de trabalho do instrumento. trabalho do instrumento (exemplos: alargadores Gates
Pode apresentar marcas (ranhuras) que representam dis- Glidden e Largo).
324 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-43. Parte de trabalho de um instrumento. Ponta cônica


piramidal.

Figura 9-42. Intermediário. Superior, instrumento fabricado por


torção. Inferior, instrumento fabricado por usinagem.

Parte de trabalho
Parte de trabalho é a porção do corpo metálico de
um instrumento endodôntico projetada para executar
o corte e/ou a raspagem das paredes dentinárias inter-
nas de um canal radicular. É formada pela ponta e pela
haste de corte.

Figura 9-44. Parte de trabalho de um instrumento. Ponta cônica


Ponta circular.
Ponta é a porção terminal e aguçada da extremi-
dade da parte de trabalho de um instrumento ou fer-
ramenta. A ponta é também denominada de guia de ta a forma arredondada com raio de 1 a 2mm e como
penetração. truncado quando o vértice termina por segmento de
O perfil da ponta dos instrumentos endodônticos reta (Fig. 9-45). O vértice da ponta deve ser cêntrico em
é cônico. Quando a ponta apresenta a figura geométri- relação ao eixo do instrumento42,49.
ca de um cone com sessão reta transversal poligonal A passagem da base da ponta para a haste de cor-
(triangular ou quadrangular), é denominada de pon- te da parte de trabalho dos instrumentos endodônticos
ta cônica piramidal. É fabricada por um processo de pode ocorrer por um ângulo de transição (obtuso) de
usinagem denominado de aplainamento (Fig. 9-43). 135 a 150º ou por uma curva de transição (elipsoide).
Quando apresenta a figura geométrica de um cone (Fig. 9-46)42,49.
com seção reta transversal cilíndrica, é denominada de As especificações ANSI/ADA no 28 (1988)1, ANSI/
ponta cônica circular. É fabricada por um processo de ADA no 58 (1997)3 e ISO 3630-1 (1992)31 não fornecem
usinagem denominado de torneamento cônico externo informações sobre as formas e os vértices das pontas,
(Fig. 9-44). A ponta piramidal apresenta capacidade de assim como em relação à transição da base das pontas
corte, enquanto a cônica circular é não cortante42,49. dos instrumentos endodônticos. A forma da ponta é
O vértice (extremidade) da ponta pode ser classi- opcional e varia de acordo com o fabricante.
ficado de acordo com a configuração geométrica que O ângulo da ponta de um instrumento endodôn-
apresenta. É classificado como pontiagudo quando o tico é representado por um ângulo formado pelo con-
vértice apresenta a forma de um triângulo com a ex- torno de sua ponta. Pode ser determinado medindo-se
tremidade aguçada, obtuso quando o vértice apresen- diretamente o valor do ângulo formado pelas duas tan-
Instrumentos Endodônticos 325

Figura 9-46. Transição da base da ponta para a haste de corte. Su-


perior, ângulo de transição. Inferior, curva de transição.

Figura 9-45. Ponta. Vértice da ponta. Superior, pontiagudo. Médio,


truncado. Inferior, obtuso (arredondado).

gentes traçadas nas superfícies de contorno da ponta


do instrumento (Fig. 9-47). De acordo com as especi-
ficações ANSI/ADA no 28 (1988)1, ANSI/ADA no 58
(1997)3 e ISO 3630-1 (1992)31, o ângulo da ponta dos ins- Figura 9-47. Ângulo da ponta.
trumentos endodônticos deve ser igual a 75 ± 15º.
Alguns instrumentos endodônticos apresentam a
ponta constituída de dois ângulos: um maior, de 70º
localizado na extremidade da ponta, e outro menor, de
35º junto da base da ponta. Esse tipo de ponta é conheci-
do como ponta Roane ou R. O ângulo menor tem como
objetivo a eliminação do ângulo de transição, conferin-
do a passagem da base da ponta desses instrumentos a
forma de uma curva de transição (Fig. 9-48)42,49,62.
O comprimento da ponta de um instrumento en-
dodôntico é a distância existente entre a extremidade
(vértice da ponta) e a base da ponta (altura do cone).
Deve ser determinado sobre a seção reta longitudinal Figura 9-48. Ponta Roane (R).
326 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

da parte de trabalho do instrumento endodôntico. A Assim, o comprimento (L) da ponta de um instru-


seção reta longitudinal é obtida após embutimento mento com ângulo da ponta α será:
em resina e o desgaste da amostra. Também pode ser
Do /2
determinado diretamente sobre o instrumento como L=
tg (/2 )
advindo da fábrica. Entretanto, nesse caso a precisão é
menor. É calculado por meio do comprimento de uma Como o ângulo da ponta (α) pode variar entre 60 e
reta partindo do vértice da ponta até a interseção com 90º, o seu comprimento terá uma variação entre:
outra linha reta passando pela base da ponta e perpen- Valor máximo (mm):
dicular ao eixo do instrumento (altura do cone) (Fig.
Do /2
9-49). O comprimento da ponta pode ser determinado L
em microscópio óptico equipado com dispositivo mi- tg ( 60/2 )
crométrico de medição, em projetor de perfil ou por
meio de fotografias obtidas em microscopia óptica ou 0 ,5 Do
L= = 0 ,866 Do
eletrônica de varredura42,49. 0 ,577
O comprimento da ponta dos instrumentos endo-
dônticos é determinado pela especificação de no 3630-1 Valor mínimo (mm):
ISO (1992)31. Varia com o ângulo da ponta e o diâmetro
Do /2
em D0 do instrumento endodôntico (Fig. 9-50). L=
tg ( 90/2 )

0 ,5 Do
L= = 0 ,5 Do
1
Por exemplo, para um instrumento com ângulo
na ponta igual ao valor 70º e diâmetro em D0 = 0,40mm
o comprimento da ponta será: L = (0,40/2)/tg (70/2) =
0,2/0,70 = 0,286mm.
Para o mesmo instrumento com ângulo na pon-
ta igual ao valor máximo de 85º, o comprimento da
ponta será :
0 , 40/2 0,2
Figura 9-49. Comprimento da ponta. L= = = 0 , 217 mm
tg ( 85/2 ) 0 ,92

O Quadro 9-2 mostra os comprimentos máximos


(ângulo da ponta igual a 60º, ou seja, L = 0,87 D0) e mí-
nimos (ângulo da ponta igual a 90º, ou seja, L = 0,50 D0)
da ponta dos instrumentos endodônticos, levando-se
em consideração os diâmetros nominais ISO em D0.
Quanto ao comprimento da ponta, pode-se afir-
mar que ele está relacionado com o ângulo da ponta.
Quanto menor o ângulo, maior será o comprimen-
to da ponta. Com o objetivo de reduzir o compri-
mento da ponta, o vértice dela é arredondado ou
truncado23,32,35,42.
A ponta dos instrumentos endodônticos pode
apresentar variação acentuada entre a geometria
proposta pelos fabricantes e a encontrada. De modo
geral, os instrumentos de menores diâmetros apre-
sentam pontas com geometrias diferentes das pre-
Figura 9-50. Desenho esquemático. Comprimento da ponta em
conizadas pelos fabricantes. Para os instrumentos
função do ângulo mínimo (60ºC) e máximo (90ºC) da ponta de um de maiores diâmetros, a geometria das pontas é se-
instrumento endodôntico. melhante às micrografias e aos desenhos divulgados
Instrumentos Endodônticos 327

Quadro 9-2 Comprimento máximo e mínimo da ponta


dos instrumentos (mm)

Número Comprimento Comprimento


máximo mínimo

08 0,07 0,04

10 0,09 0,05

15 0,13 0,07

20 0,17 0,10

25 0,22 0,12

30 0,26 0,15

35 0,30 0,17

40 0,35 0,20

45 0,39 0,22

50 0,43 0,25

55 0,48 0,27 Figura 9-51. Geometria da ponta. Superior, proposta pelo fabrican-
te. Inferior, encontrada em instrumentos de diâmetros menores.
60 0,52 0,30

70 0,61 0,35

80 0,70 0,40 como na limpeza e na modelagem final do prepa-


90 0,78 0,45 ro apical de um canal radicular. A simetria na geo-
metria da ponta exerce papel importante sobre a ca-
100 0,87 0,50 pacidade de o instrumento endodôntico penetrar e
110 0,95 0,55 permanecer centrado durante a sua movimentação
no interior de um canal radicular13,28,42,49.
120 1,04 0,60 Pontas cônicas piramidais em razão da ativida-
130 1,13 0,65 de de corte mostram-se superiores às pontas cônicas
circulares quando a velocidade de avanço do instru-
140 1,73 0,70 mento endodôntico no interior de um canal radicu-
lar é comparada55,56. Porém, em canais radiculares
curvos e atresiados, maior incidência de desvios e
perfurações pode ocorrer quando do emprego de
pelos fabricantes (Fig. 9-51). Além disso, há também instrumentos com pontas piramidais.
uma variação acentuada das formas e das dimen- Pontas cônicas circulares não têm atividade de
sões das pontas dos instrumentos endodônticos corte e avançam no interior de um canal radicular
de um mesmo número (diâmetro) e de um mesmo atresiado durante o movimento de alargamento pela
fabricante23,32,35,42,55,56. compressão e esmagamento da dentina radicular.
A ponta dos instrumentos endodônticos é pro- Vértices obtusos (arredondados) facilitam o desliza-
jetada para servir de guia e facilitar a penetração mento do instrumento junto às irregularidades das
(avanço) do instrumento no interior de um canal paredes dos canais radiculares, reduzindo o risco de
radicular. Ela atua sobre as paredes dentinárias dos iatrogenias (desvios e perfurações)42,49.
canais radiculares, fato esse que não deve ser igno- A forma do vértice da ponta dos instrumentos
rado. A geometria da ponta é uma característica im- endodônticos fica a critério do fabricante. Todavia, é
portante no desenho do instrumento e interfere no comum encontrar instrumentos com a mesma forma
cateterismo de canais radiculares atresiados, assim da ponta, porém, com vértices diferentes.
328 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Vértices pontiagudos apresentam maior capa- dodôntico não tenha ângulo de transição, mas sim
cidade perfurante, mesmo sendo cônica circular a curva de transição.
forma da ponta do instrumento endodôntico. Vérti- A geometria da ponta dos instrumentos en-
ces obtusos são mais seguros em relação a desvios e dodônticos apresenta uma variação acentuada de
perfurações. Instrumentos endodônticos com vértice formas e dimensões oriundas do processo de fa-
da ponta truncado, quando empregados no esvazia- bricação. A carência de uniformidade do desenho
mento (cateterismo) de canais atresiados, favorecem da ponta, associada à falta de precisão de suas di-
o entupimento (perda da patência) ou extravasa- mensões, pode acarretar dificuldades e iatrogenias
mento de resíduos via apical do canal radicular. na configuração apical do preparo de canais radi-
O ângulo da ponta dos instrumentos endodôn- culares. Na maioria das vezes esses problemas são
ticos pode variar de 60 a 90º. Essa tolerância para atribuídos a complexidades anatômicas dos canais
instrumentos de corte é ampla demais, significando radiculares e não à falta de precisão de fabricação
em valores percentuais uma diferença de até 66,6%. presente na geometria da ponta dos instrumentos
Quanto maior for o ângulo da ponta, maior será a endodônticos42,79.
resistência ao avanço do instrumento no interior de Levando-se em consideração a relevância da
um canal radicular com diâmetro menor do que o geometria da ponta dos instrumentos endodônticos
instrumento. Ao contrário, quanto menor o ângulo na configuração do preparo de canais radiculares,
da ponta, menor será a resistência ao avanço para é necessário que haja mais informações repassadas
uma mesma carga axial aplicada. aos cirurgiões-dentistas por parte dos fabricantes.
O ângulo da ponta de um instrumento endo- Além disso, é preciso ressaltar que o resultado de
dôntico está intimamente relacionado com o com- um tratamento endodôntico é dependente do conhe-
primento da ponta. Quanto menor o ângulo, maior cimento do profissional sobre sua ferramenta de tra-
será o comprimento da ponta. Com objetivo de re- balho (instrumento endodôntico).
duzir o comprimento da ponta, o seu vértice é arre-
dondado ou truncado durante o processo de fabrica- Haste de corte
ção do instrumento endodôntico. Haste de corte é o segmento da parte de trabalho
Do ponto de vista biológico e clínico, quanto com forma sulcada na face externa do corpo metálico e
maior o comprimento da ponta de um instrumento en- que se estende da base da ponta até o intermediário do
dodôntico, maior será o segmento apical do canal radi- instrumento. É constituída pelas arestas laterais ou fios
cular que ficará com a sua limpeza comprometida. de cortes e pelos canais ou sulcos (Fig. 9-52)41,49.
A passagem da base da ponta para a haste de
corte helicoidal de um instrumento endodôntico
pode ocorrer por um ângulo de transição (obtuso)
ou por uma curva de transição (elipsoide).
O ângulo de transição confere capacidade de
corte à base da ponta do instrumento endodôntico.
A sua presença durante a instrumentação de um
canal radicular curvo por meio do movimento de
alargamento pode provocar o transporte apical de
um canal radicular curvo (maior desgaste da pare-
de dentinária externa do canal). Também favorece
a imobilização da ponta do instrumento, induzindo
a fratura por torção principalmente dos instrumen-
tos de menores diâmetros. Ao contrário, a curva de
transição da base da ponta permite o giro e o avan-
ço do instrumento com um menor carregamento no
sentido apical de um canal radicular.
Para a execução do movimento de alargamen-
to parcial à direita, parcial alternado ou contínuo,
obtido manualmente ou por meio de dispositivos Figura 9-52. Parte de trabalho de um instrumento. Haste de corte.
mecânicos, é imprescindível que o instrumento en- (a) Aresta (hélice) de corte. (b) Canal helicoidal.
Instrumentos Endodônticos 329

A haste de corte dos instrumentos endodônticos


pode ser obtida por torção ou usinagem de um fio me-
tálico.
Para os instrumentos endodônticos fabricados
por torção, o desenho da haste de corte é obtido a partir
da deformação plástica de uma haste metálica pirami-
dal de seção reta transversal triangular ou quadrangu-
lar, imobilizada em uma das extremidades, e a outra
submetida à torção à esquerda. Para os instrumentos
endodônticos fabricados por usinagem, o desenho da
haste de corte é obtido por um processo mecânico de
A B C usinagem chamado de roscamento externo.
As hélices são oriundas das arestas ou fios late-
Figura 9-53. Haste de corte. A. Instrumento tipo K. B. Lima Heds- rais de corte identificados por meio da seção reta trans-
trom. C. Instrumento mecanizado K3. versal da haste de corte do instrumento. O número
de arestas laterais de corte pode variar de um a cinco
O perfil da haste de corte varia com o tipo do (Fig. 9-54A a E). O sentido das hélices, da direita para
instrumento, sendo na maioria das vezes de um cone a esquerda. Pouquíssimos instrumentos endodônticos
com o menor diâmetro voltado para a base da ponta apresentam as hélices no sentido da esquerda para a
(Fig. 9-53A a C). Porém, alguns instrumentos endo- direita (compactador de guta-percha e espiral Lentulo)
dônticos podem apresentar haste de corte cilíndrica (Fig. 9-55A a C).
(alargadores Largo), elíptica ou oval (alargadores Ga- A hélice pode apresentar a forma de filete ou de
tes Glidden). guia radial (Fig. 9-56A e B). A forma de filete é origina-

A B

C D E

Figura 9-54. Haste de corte. Seção reta transversal. Número de arestas ou fios laterais de corte. A. Uma aresta. B. Duas arestas. C. Três arestas.
D. Quatro arestas. E. Cinco arestas.
330 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

nada ou na direção do eixo do instrumento. Para o sis-


tema Race (FKG Dentaire, Suíça), a partir da ponta do
instrumento as arestas laterais de corte são dispostas
alternadamente na direção paralela e inclinada (heli-
coidal) em relação ao eixo do instrumento. Os instru-
mentos K-Kerr junto da base da ponta apresentam as
arestas de cortes paralelas ao eixo do instrumento, ad-
quirindo a partir de aproximadamente 1mm a disposi-
ção helicoidal (inclinada) (Fig. 9-57).
O canal é um sulco presente na superfície de
uma haste de corte de uma ferramenta. É formado pe-
las paredes ou faces das hastes de corte presente entre
as arestas. O número de canais é correspondente ao
A B C número de arestas ou fios laterais de corte. A maioria
dos instrumentos endodônticos apresenta hastes de
Figura 9-55. Hélices. Sentido das hélices. A. Direita para a esquer-
corte cônicas e os canais dispostos na forma helicoi-
da. B. Esquerda para a direita (Lentulo). C. Esquerda para a direita
(compactador de guta-percha). dal (Fig. 9-58).
As hélices de uma haste de corte são projetadas
para o corte ou raspagem das paredes dentinárias in-
da pelo encontro de duas paredes ou faces de canais he- ternas de um canal radicular quando o instrumento en-
licoidais contíguos. A forma de guia radial é originada dodôntico é acionado por meio de um movimento de
da convergência de duas paredes de canais helicoidais alargamento ou de limagem. O canal helicoidal é res-
contíguos, porém com o vértice truncado terminando ponsável pelo transporte de cavacos (resíduos) oriun-
em uma superfície cilíndrica. dos do corte ou desgaste da dentina e pelo volume e
As arestas laterais de corte e os canais podem ser passagem de solução química auxiliar da instrumenta-
dispostos na haste de corte na forma helicoidal incli- ção para o segmento apical de um canal radicular.

A B

Figura 9-56. Hélices. A. Forma de filete. B. Forma de guia radial.


Instrumentos Endodônticos 331

Ângulo da hélice é o ângulo agudo formado pela


hélice e o plano contendo o eixo do instrumento. Pode-
mos calcular o ângulo da hélice traçando-se uma linha
tangente à hélice a qual forma um ângulo com o plano
contendo o eixo do instrumento. Seu valor é variável
em função do tipo de instrumento e do material a ser
cortado. Pode ser constante para todas as hélices da
haste de corte ou apresentar diferentes valores (Fig.
9-59A e B). As especificações ADA ou ISO não forne-
cem valores referentes para esses ângulos.

Figura 9-57. Arestas laterais (fios) de corte. Disposição paralela ao


eixo do instrumento e na forma oblíqua (hélice). Superior. Instru-
mento RaCe. Inferior. Instrumento Kerr.

Figura 9-58. Haste de corte. Canal helicoidal. Superior. Seção reta Figura 9-59. Haste de corte. Ângulo agudo de inclinação da hélice.
transversal. Inferior. Seção reta longitudinal. A. Constante. B. Variável.
332 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Com relação ao ângulo da hélice há três opções instrumento. Não há menção sobre o número de héli-
de passo8: ces dos instrumentos endodônticos nas especificações
da ADA ou ISO.
• passo normal (ângulo da hélice ~ 28º) O número de hélices diminui com o aumento do
• passo longo (ângulo da hélice ~ 5º) diâmetro e da conicidade da haste de corte, assim como
• passo curto (ângulo da hélice ~ 40º) do aumento do passo da hélice de um instrumento en-
dodôntico. Ao contrário, aumenta com a ampliação do
Quanto menor o ângulo da hélice, mais eficien- comprimento da haste de corte e do número de arestas
te é a ação de alargamento (corte) do instrumento en- laterais de corte. Por exemplo, os instrumentos endo-
dodôntico e maior o comprimento do passo da hélice. dônticos no 15 e no 80 apresentam em média, para os do
Quanto maior o ângulo da hélice, mais eficiente é a tipo K, 35 e 17 hélices, e para os do tipo Hedstrom, 25 e
ação de limagem (raspagem) do instrumento endodôn- 15 hélices, respectivamente.
tico e menor o comprimento do passo da hélice. Passo Núcleo de um instrumento de corte é a parte cen-
da hélice é a distância entre vértices consecutivos de tral compreendida entre o fundo do canal que se es-
uma mesma aresta ou fio de corte disposta na haste de tende desde a base da ponta até o término da haste de
corte na forma de hélice ao longo da direção axial do corte. A forma do núcleo está relacionada com a seção
instrumento (Fig. 9-60). da haste de corte do instrumento endodôntico.
Para os instrumentos endodônticos tipo K, o ân- Na seção reta longitudinal, o perfil do núcleo
gulo das hélices é crescente em sentido do intermediá- pode ser: cônico, com diâmetro maior voltado para o
rio e varia de 15 a 55º de uma à outra extremidade da intermediário; cônico reverso, com diâmetro menor
haste de corte helicoidal cônica. Para os instrumentos voltado para o intermediário ou cilíndrico. Na seção
de diâmetros maiores pode ser constante. reta transversal da haste de corte, a forma do núcleo é
As limas Hedstrom de menores diâmetros (até representada por um círculo tangenciando os fundos
no 40) apresentam ângulo agudo da hélice variável de dos canais do instrumento endodôntico. O diâmetro é
40 a 55º de uma extremidade à outra da haste de corte função do perfil (desenho) da seção reta transversal da
helicoidal cônica, e para os diâmetros maiores é em haste de corte do instrumento (Fig. 9-61).
média de 65º.
Para os instrumentos endodônticos mecanizados
empregados como alargadores com giro contínuo, o ân-
gulo da hélice é crescente da ponta para a base da haste
de corte helicoidal cônica de 10 a 60º. Isso confere passo
variável, reduzindo o efeito roscamento do instrumento
durante a instrumentação de um canal radicular.
O número de hélices corresponde à quantidade
de filetes ou de guias radiais (roscas) existentes na face
externa da haste de corte de um instrumento endodôn-
tico. É calculado pela relação entre o número de hélices
por unidade de comprimento da haste de corte do ins-
trumento. Varia com o comprimento, diâmetro, forma,
passo da hélice e número de arestas laterais de corte do

Figura 9-61. Núcleo da haste de corte de um instrumento endodôn-


Figura 9-60. Passo da hélice. tico. Superior. Seção reta longitudinal. Inferior. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos 333

O diâmetro do núcleo de uma haste de corte heli- Os instrumentos endodônticos apresentam seção
coidal cônica interfere na flexibilidade e na resistência reta transversal com diferentes perfis. Pode ser o mesmo
à fratura do instrumento endodôntico. Quanto menor ou variar ao longo da haste de corte do instrumento.
o diâmetro do núcleo, maiores a flexibilidade e a re- O perfil da seção reta transversal da haste de cor-
sistência à fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo te de um instrumento é dado pelas linhas das paredes
ciclo) do instrumento. Contudo, menor será sua resis- dos canais. Essas linhas podem apresentar silhuetas re-
tência à fratura por torção. tas, côncavas, convexas e sinuosas (côncava e convexa)
O diâmetro do núcleo também determina a pro- (Fig. 9-62A a D). Instrumentos com canais com paredes
fundidade do canal presente na haste de corte do côncavas ou retas apresentam valores menores quanto
instrumento. Para núcleos cônicos, a profundidade à área da seção e ao diâmetro do núcleo. Ao contrá-
do canal é constante em toda a extensão da haste de rio, maiores serão para os instrumentos com canais de
corte cônica. Para núcleos cilíndricos e cônicos rever- paredes convexas ou sinuosas. Como os instrumentos
sos, a profundidade do canal aumenta em sentido da endodônticos por convenção giram à direita, para exe-
base da haste de corte cônica. Dentre esses últimos, a cutar o movimento de alargamento, a parede do canal
profundidade é maior para o núcleo cônico reverso. voltada para o cavaco (raspa de dentina) é denominada
Quanto maior a profundidade do canal, maior será a de parede de ataque ou de saída, e a oposta, de parede
capacidade de o instrumento transportar resíduos da de incidência ou folga41,49 (Fig. 9-63).
instrumentação. Maior também será o volume de uma O perfil da aresta lateral de corte pode apresentar a
solução química auxiliar que fluirá em sentido apical forma de filete ou a forma de guia radial (Fig. 9-64A e B).
entre a parede dentinária e a do canal do instrumento A forma de filete é dada pela interseção das paredes de
endodôntico. Vale ressaltar que a atividade antimicro- ataque e de incidência dos canais do instrumento. A for-
biana e solvente de tecido pulpar de uma solução quí- ma de guia radial é representada por um cone truncado
mica depende do volume desta. originário da convergência das paredes de ataque e de

A B

Figura 9-62. Haste de corte. Perfil


das paredes da seção reta transver-
sal (silhueta). A. Reta. B. Côncava.
C D C. Convexa. D. Sinuosa (côncava
convexa).
334 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-65. Área do núcleo.

Figura 9-63. Paredes ou faces de um canal helicoidal. A. De ataque


ou de saída. B. De incidência ou de folga.

A B

Figura 9-64. Fio da aresta lateral de corte. A. Filete. B. Guia radial.

incidência do canal do instrumento. Nesses instrumen-


tos a aresta de corte é formada pela interseção da porção
anterior da parede da guia e pela parede de ataque do
canal do instrumento. Quanto menor o ângulo interno
da aresta lateral de corte e mais aguçado o seu vértice, Figura 9-66. Número, perfil e profundidade dos canais helicoidais
maior será a capacidade de um instrumento endodônti- da haste de corte de um instrumento endodôntico.
co de cortar por alargamento ou de raspar por limagem
as paredes dentinárias de um canal radicular41.
Instrumentos endodônticos de mesmo diâmetro transversal da ferramenta e de dois planos ortogonais
externo apresentam áreas de seções retas transversais e entre si, passando por um ponto de referência na aresta
de núcleos diferentes. Isso ocorre porque os instrumen- de corte (Fig. 9-67). Esses ângulos variam segundo o
tos apresentam seções retas transversais com diferen- material a ser cortado ou raspado12,15,41,69.
tes formas (Fig. 9-65).
O número de canais corresponde ao de arestas de • Plano de referência do instrumento (a) – É o plano
corte. A forma e a profundidade do canal são variáveis obtido entre o eixo longitudinal e a linha que liga o
em função dos perfis das paredes de ataque e de inci- centro do instrumento ao ponto de referência.
dência da seção reta transversal da haste de corte do • Ponto de referência (b) – É o ponto que a aresta de
instrumento (Fig. 9-66). corte do instrumento efetivamente toca a parede do
A partir da forma da seção reta transversal da has- canal radicular durante o preparo.
te de corte helicoidal cônica, assim como da posição de • Plano de corte do instrumento (c) – É o plano obtido
suas arestas de corte (cunha de corte) em relação à pa- traçando-se uma tangente ao ponto de referência e
rede de um canal radicular, podemos definir e determi- a linha que liga todos os pontos que tocam a parede
nar diferentes ângulos relacionados com atividades de do canal, correspondente ao plano de referência do
corte de uma ferramenta. A descrição desses ângulos instrumento. É perpendicular ao plano de referência
é feita a partir das superfícies (paredes) da seção reta do instrumento.
Instrumentos Endodônticos 335

Figura 9-68. Ângulo de ataque ou de saída positivo.

Figura 9-67. Desenho esquemático. Seção reta transversal da has-


te de corte de um instrumento endodôntico. (a) Plano de referên-
cia. (b) Ponto de referência. (c) Plano de corte. (d) Face de ataque.
(e) Face de incidência. β. Ângulo da aresta de corte. α. Ângulo de
incidência ou de folga. δ. Ângulo de corte.

• Ângulo da aresta ou fio de corte (β) – é o ângulo


interno formado pelas paredes de ataque (d) e de
incidência (e) do instrumento. Para os instrumentos
que possuem guia radial, é o ângulo interno forma-
do pela interseção da porção anterior da parede da Figura 9-69. Ângulo de ataque ou de saída negativo.
guia e a parede de ataque do instrumento. Repre-
senta uma cunha que é forçada entre a parede do
canal radicular e o cavaco arrancado. da força aplicada à ferramenta. É considerado posi-
• Ângulo de incidência ou de folga (α) – É o ângu- tivo quando a aresta de corte está voltada no mesmo
lo formado pelo plano de corte (c) e a parede de sentido da força aplicada e, ao contrário, quando a
incidência (e) do instrumento. Mede a inclinação aresta de corte está voltada no sentido oposto da
da superfície atrás da aresta de corte. O ângulo de força aplicada. Geralmente, para instrumentos en-
incidência é necessário para fazer sempre a aresta dodônticos as superfícies de ataques das seções re-
de corte penetrar em um material (parede do canal) tas transversais estão além do plano de referência,
novo. sendo assim considerados negativos.
• Ângulo de corte (δ) – É o ângulo formado pela
soma dos ângulos, da aresta de corte (β) e de inci- Para a dentina (material frágil e quebradiço) é
dência (α). ideal que os instrumentos endodônticos possuam ân-
• Ângulo de ataque ou de saída (γ) – De uma ferra- gulo de ataque negativo cortando por alargamento ou
menta de corte é o ângulo formado pelo plano de re- raspando por limagem as paredes do canal radicular
ferência (a) e a parede de ataque (d) do instrumento. de uma forma menos invasiva e mais segura. Todavia,
É considerado positivo (Fig. 9-68) quando o ponto a importância do ângulo de ataque dos instrumentos
de referência (b) está adiantado em relação à parede endodônticos ainda não foi claramente definida.
de ataque (d) do instrumento, ou seja, a parede de Diversos autores7,33,65,76 sugerem que o ângulo de
ataque está situada aquém do plano de referência (a) ataque positivo aumenta a eficiência de corte de um
do instrumento. Quando o ponto de referência (b) instrumento endodôntico. Contudo, é preciso ressaltar
estiver aquém (atrasado) em relação à parede de ata- que a capacidade de corte de um instrumento endo-
que (d), o valor do ângulo passa a ser negativo, ou dôntico, além do ângulo de ataque, depende do ângulo
seja, a parede de ataque está situada além do plano de inclinação da hélice, do ângulo interno e do vértice
de referência (a) (Fig. 9-69). O ângulo de ataque po- da aresta lateral de corte, do ângulo de incidência e da
sitivo ou negativo também pode ser definido quanto dureza da liga metálica do instrumento e do material
à posição da aresta de corte em relação ao sentido a ser cortado. Outra consideração é que a superelas-
336 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

ticidade da liga NiTi não confere ao vértice da aresta


lateral de corte de um instrumento endodôntico com
ângulo de ataque positivo resistência à deformação
elástica, quando em contato com a parede dentinária
de um canal radicular. Consequentemente, durante o
corte, a aresta de corte do instrumento é rebatida na
direção da parede do canal helicoidal por meio de uma
deformação elástica, induzindo menor desgaste do
material a ser cortado.
Figura 9-72. Comprimento (L) dos alargadores Gates Glidden e
Largo.
 DIMENSÕES DOS INSTRUMENTOS
Comprimento dos instrumentos O comprimento dos instrumentos endodônticos
O comprimento útil de um instrumento, em mi- pode ser obtido por aparelhos denominados de pro-
límetros, é dado pelo comprimento do corpo, despre- jetores de perfil com precisão de 0,001mm ou mesmo
zando-se o cabo ou haste de fixação e acionamento. É com paquímetros com precisão de 0,01mm.
representado pela soma dos comprimentos do interme- Quanto maior o comprimento, maiores serão a
diário e da parte de trabalho (Fig. 9-70). Os instrumen- flexibilidade e o ângulo de rotação antes da fratura
tos endodônticos padronizados de acordo com a nor- por torção (fator de segurança do instrumento) e, ao
ma ISO 3630-1 (1992) são fabricados com comprimento contrário, menor será a resistência à flambagem de um
de 21, 25, 28 e 31mm, com tolerância de + 0,5mm31. Os instrumento endodôntico. Quanto maior a flexibili-
de 21 e 25mm são os mais empregados. Como a parte dade de um instrumento, maior será a possibilidade
de trabalho mede 16mm (valor mínimo), o que varia no de se manter a forma original de um canal curvo após
instrumento endodôntico é a extensão do intermediá- a sua instrumentação; quanto maior o ângulo de rota-
rio. Alguns instrumentos endodônticos especiais são ção, maior será o número de voltas que um instrumen-
fabricados com comprimentos diferentes da padroni- to suportará antes da fratura por torção, estando sua
zação (18, 19, 23 e 27mm). ponta imobilizada; quanto menor a sua resistência à
Os instrumentos endodônticos especiais são dota- flambagem (resistência à flexocompressão), maior será
dos de comprimentos menores, variáveis com a marca a dificuldade ao avanço do instrumento endodôntico
comercial. Para esses instrumentos tanto o comprimen- no sentido apical durante o cateterismo de um canal
to da parte de trabalho como o do intermediário não radicular atresiado.
são constantes (Fig. 9-71). Para os alargadores Gates
Glidden e Largo, o comprimento corresponde ao tama- Diâmetro dos instrumentos
nho total dos instrumentos, ou seja, a soma da haste
A partir da revisão da especificação no 28 da
de fixação e acionamento mais o corpo do instrumento
ANSI/ADA de 19881, os conceitos de D0 e D16 foram
(Fig. 9-72).
introduzidos para substituir os diâmetros D1 e D2, res-
pectivamente.
O diâmetro da ponta da parte de trabalho de um
instrumento endodôntico é denominado de D0. É um
diâmetro virtual que consiste na projeção da conicida-
de da haste de corte até a ponta do instrumento.
Figura 9-70. Comprimento útil dos instrumentos endodônticos.
O diâmetro junto ao intermediário tem a deno-
minação de D seguido de um valor numérico corres-
pondente ao comprimento da parte de trabalho em
milímetros49. Assim, quando a parte de trabalho apre-
sentar 16mm de comprimento, teremos as representa-
ções de D0 e D16.
Os diâmetros nominais em D0, expressos em cen-
tésimos de milímetros, correspondem aos números
Figura 9-71. Instrumentos especiais. Comprimentos variáveis. dos instrumentos padronizados (ISO) e variam entre 6
Instrumentos Endodônticos 337

e 140. São divididos em quatro séries: especial, de 6 a de na passagem de instrumentos com valores nominais
10; primeira de 15 a 40; segunda de 45 a 80 e terceira de consecutivos. Isso ocorre porque o instrumento empre-
90 a 140. A soma das quatro séries perfaz o total de 21 gado pode apresentar diâmetro no limite mínimo da
instrumentos (Quadro 9-3). tolerância (–0,02), enquanto o instrumento subsequen-
O limite de tolerância das dimensões do diâmetro te pode estar no limite máximo da tolerância (+ 0,02).
é alto, o que justifica durante o uso clínico a dificulda- O contrário justifica a facilidade na passagem entre
instrumentos de números consecutivos. No caso de di-
Quadro 9-3 Instrumentos endodônticos – ISO ficuldade do emprego de instrumento consecutivo, a
instrumentação do canal radicular deverá ser repetida
Número D0 (mm) Tolerância Cor Série
com outro instrumento endodôntico do mesmo valor
(mm)
nominal.
6 0,06 ± 0,02 rosa O diâmetro nominal dos instrumentos aumenta
de 0,05mm até o no 60; a partir desse número até o 140,
8 0,08 ± 0,02 cinza Especial o aumento é de 0,1mm. Para os números especiais 6, 8
10 0,10 ± 0,02 roxa e 10, o aumento é de 0,02mm. A tolerância dimensional
permitida é de ± 0,02mm até o instrumento de no 60 e
15 0,15 ± 0,02 branca de ± 0,04mm até o de no 140 (ISO 3630-1 1992)31. Esses
20 0,20 ± 0,02 amarela valores nominais, embora fixos, quando transforma-
dos em percentuais, revelam aumento dos diâmetros,
25 0,25 ± 0,02 vermelha que variam de 8 a 50% em D0, entre os instrumentos
Primeira
30 0,30 ± 0,02 azul consecutivos (Quadro 9-4).
Analisando os dados do Quadro 9-4, pode-
35 0,35 ± 0,02 verde mos verificar que as maiores variações percentuais
40 0,40 ± 0,02 preta se encontram entre os instrumentos delgados, e as
menores, entre os de maior calibre. Como exemplos
45 0,45 ± 0,02 branca podemos citar que o diâmetro em D0 do instrumento
50 0,50 ± 0,02 amarela no 15 é 50% maior do que o diâmetro do no 10, e o
do instrumento 60 é apenas 9% maior do que o do
55 0,55 ± 0,02 vermelha no 55. Havendo grande variação percentual entre os
Segunda
60 0,60 ± 0,02 azul diâmetros dos instrumentos consecutivos, é neces-
sária uma força maior para realizar o corte da den-
70 0,70 ± 0,04 verde tina e o avanço do instrumento no interior do canal
80 0,80 ± 0,04 preta radicular. Os diâmetros em percentuais variáveis
entre instrumentos consecutivos também justificam
90 0,90 ± 0,04 branca a dificuldade encontrada durante a passagem de um
100 1,00 ± 0,04 amarela instrumento para o outro no início do preparo do
canal radicular. Essas variações podem induzir a de-
110 1,10 ± 0,04 vermelha formação plástica e/ou fratura do instrumento, as-
Terceira
120 1,20 ± 0,04 azul sim como desvios e perfurações das paredes de um
canal radicular.
130 1,30 ± 0,04 verde Para melhor distribuir esses percentuais foram
140 1,40 ± 0,04 preta criados os instrumentos tipo K Golden Mediums
(Maillefer, Suíça), de diâmetros intermediários en-

Quadro 9-4 Aumento percentual do diâmetro dos instrumentos em D0 – ISO

No 6 8 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 70 80 90 100 110 120 130 140

D0 0,06 0,08 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,50 0,55 0,60 0,70 0,80 0,90 1,00 1,10 1,20 1,30 1,40

% ........ 33 25 50 33 25 20 17 14 13 11 10 9 17 14 13 11 10 9 8 8
338 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

tre os convencionais nos 10 e 40. O diâmetro entre mentos Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm.
instrumentos consecutivos aumenta de 0,05mm em Consequentemente, na passagem entre instrumen-
D0 (nos 12-17-22-27-32-37), tendo como objetivo re- tos consecutivos padronizados ISO e Golden Me-
duzir a variação no aumento dos diâmetros dos ins- diums, a dificuldade ou a facilidade permanece
trumentos iniciais da série ISO, possibilitando que (Quadro 9-5).
esses durante o preparo do canal radicular alcancem Schilder66, procurando solucionar os problemas
o comprimento de trabalho com maior facilidade. mencionados, fez um estudo propondo um núme-
Todavia, houve um aumento no número de instru- ro menor de instrumentos com aumentos constan-
mentos de 21 para 27, o que dificulta o manuseio e tes dos percentuais em D0. Assim, propôs reduzir o
aumenta o custo do tratamento. número de instrumentos de 21 para 13 com aumen-
Outro aspecto a ser considerado é que o limite to percentual em D0 constante de 29% (na verdade,
de tolerância do diâmetro em D0, para os instru- 29,17%) (Quadro 9-6).

Quadro 9-5 Aumento percentual do diâmetro em D0. Limas K (ISO) intercaladas com as Golden Mediums

No 6 8 10 12 15 17 20 22 25 27 30 32 35 37 40

D0 0,06 0,08 0,10 0,12 0,15 0,17 0,20 0,22 0,25 0,27 0,30 0,32 0,35 0,37 0,40

D% ----- 33 25 20 25 13 18 10 14 8 11 7 9 6 8

Quadro 9-6 Aumento percentual do diâmetro em D0. Instrumentos ISO e Série 29

ISO Série 29

No D0 (mm) Aumento % em D0 No D0 (mm) Aumento % em D0


6 0,06 – 00 0,060 –
8 0,08 33 0 0,077 29
10 0,10 25 1 0,100 29
15 0,15 50 2 0,129 29
20 0,20 33 3 0,167 29
25 0,25 25 4 0,216 29
30 0,30 20 5 0,279 29
35 0,35 17 6 0,360 29
40 0,40 14
45 0,45 13 7 0,465 29
50 0,50 11
55 0,55 10
60 0,60 9 8 0,600 29
70 0,70 17
80 0,80 14 9 0,775 29
90 0,90 13
100 1,00 11 10 1,000 29
110 1,10 10
120 1,20 9
130 1,30 8 11 1,293 29
140 1,40 8
Instrumentos Endodônticos 339

Isso possibilita uma melhor distribuição dos da parte de trabalho. A conicidade dos instrumentos
instrumentos onde os nove primeiros da série ISO convencionais, de acordo com a norma 28 da ANSI/
(três da série especial e seis da primeira) são substi- ADA1 e a norma 3630/1 ISO31 é de 0,02mm/mm, ou
tuídos por oito da série 29. Na segunda série (nos 45 seja, há aumento de 2% a cada 1mm da parte de traba-
a 80), os seis instrumentos são substituídos por três lho. Para os instrumentos da série ISO com conicidade
da série 29, enquanto os seis da terceira série (nos 80 a 0,02, o aumento de D0 para D16 é de 0,32mm. Essa co-
140) são substituídos por dois. Desse modo, verifica- nicidade foi sugerida por Ingle e Levine29 em 1958, le-
se que, no início da distribuição da série 29, é ofere- vando em consideração o diâmetro anatômico do canal
cido maior número de instrumentos com menores radicular e os princípios de instrumentação adotados
diâmetros (oito instrumentos) e poucos são disponí- na época. A técnica empregada era a convencional, em
veis no final da série (cinco instrumentos). Essa me- que os instrumentos em ordem crescente de diâmetro
lhor distribuição dos instrumentos é importante, em atuavam em todo o comprimento de trabalho. Em fun-
razão de as maiores dificuldades da instrumentação ção da complexidade anatômica do sistema de canais e,
de um canal serem encontradas no início do trata- principalmente, da existência de raízes com curvaturas,
mento endodôntico. Os instrumentos da série 29 são o uso dessa técnica provocava acidentes iatrogênicos,
fabricados em aço inoxidável ou em NiTi, com seus como, por exemplo, a formação de degrau, transporte
números variando entre 00 e 11 e com 21, 25 e 30mm do canal, perfuração, fratura do instrumento, impacta-
de comprimento. Considerando a soma dos instru- ção e extrusão de resíduos para a região apical e perir-
mentos ISO (21 limas) e intermediários (seis instru- radicular.
mentos) (Golden Mediums), observa-se que 27 ins- A partir de 1980, foi desenvolvida na Oregon
trumentos são substituídos por 13 da série 2913,38,49. University Health Science Center, USA, a técnica de-
Para Schilder66, clinicamente, a vantagem da série nominada de crown-down (coroa-ápice)53. Essa técnica
29 é que a variação constante de diâmetro dos instru- promove o alargamento cervical antes de se instru-
mentos permite ao operador uma melhor sensibilida- mentar o segmento apical de um canal radicular. O
de tátil, que é importante, principalmente no preparo alargamento no sentido coroa-ápice diminui signifi-
de canais atresiados e curvos. Os menores diâmetros cativamente os acidentes observados na técnica con-
dos instrumentos iniciais da série 29 (nos 2, 3, 4 e 5), vencional. Entretanto, os instrumentos padronizados
quando comparados aos da série ISO (nos 15, 20, 25 e (ISO) não apresentam diâmetro em D0 e conicidade
30), permitem que aqueles alcancem a região apical de que favoreçam o alargamento cervical. Assim, para
canais radiculares atresiados com maior facilidade49. promover uma maior remoção de dentina do segmen-
O valor proposto de 29,17% foi determinado to cervical são empregados instrumentos mais cali-
a partir da soma das variações percentuais dos di- brosos em D0, podendo com isso provocar a perda da
âmetros em D0 dos instrumentos da série ISO, que trajetória inicial do canal, bem como alterações na sua
corresponde a um valor total de 350%, e de que, se- anatomia interna.
gundo Schilder, os instrumentos de nos 6 até 60 são
Com o objetivo de facilitar a instrumentação do
os mais usados na instrumentação de canais radi-
canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicida-
culares. Logo, distribuindo a soma dos percentuais
des constantes de 0,04 - 0,06 - 0,08 - 0,10 e 0,12mm/
de aumento (350%) entre os 12 intervalos existentes
mm inicialmente para os instrumentos de NiTi meca-
a partir do instrumento de nos 6 até 60, teremos o
nizados. Com o aumento da conicidade do instrumen-
aumento médio de 29,17% entre dois instrumentos
to foi necessário reduzir o comprimento de sua parte
consecutivos da série 2949.
de trabalho de 16mm para que o diâmetro máximo da
Quanto maior o diâmetro, maiores serão a ri-
base da haste de corte helicoidal não ultrapasse 2mm.
gidez, as resistências à flambagem e à fratura por
Diâmetros maiores podem provocar o rasgo de raízes
torção de um instrumento endodôntico. Ao contrá-
durante a instrumentação de um canal radicular.
rio, menores serão sua flexibilidade e resistência à
Alguns instrumentos endodônticos acionados
fratura por fadiga de baixo ciclo induzida por flexão
manualmente também estão sendo fabricados com co-
rotativa do instrumento endodôntico.
nicidades maiores do que a convencional.
Por exemplo, para se obter no segmento cervical
Conicidade dos instrumentos um diâmetro de aproximadamente 1mm semelhante
A conicidade de um instrumento é a relação entre ao determinado por um instrumento K3 (alargador
o aumento no diâmetro por unidade de comprimento cervical) de no 25, conicidade 0,08mm/mm e parte
340 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

de trabalho com 10mm de comprimento, necessita- Determinação da conicidade e dos diâmetros


se de um instrumento tipo K (ISO) de conicidade
A medida das dimensões dos instrumentos endo-
0,02mm/mm no 80 penetrando 10mm de sua parte
dônticos deve ser realizada em duas direções perpendi-
de trabalho no interior de um canal radicular. O me-
culares. Faz-se a primeira medida em uma seção e a se-
nor diâmetro em D0 apresentado pelo instrumento
gunda após girar o instrumento em 90º. O resultado das
de maior conicidade favorece o seu avanço no senti-
do apical de um canal radicular. Além disso, remo- dimensões corresponde à média aritmética dos valores
ve maior quantidade de dentina da região cervical e obtidos. A medida dos instrumentos pode ser realizada
reduz a possibilidade da perda da trajetória do canal em microscópio óptico equipado com dispositivo micro-
radicular. Ao contrário, o instrumento convencional métrico de medição, em projetor de perfil, com paquí-
tipo K com maior diâmetro em D0 dificulta o avanço metros, micrômetro ou por meio de fotografias obtidas
e aumenta a possibilidade da perda da trajetória ini- em microscopia óptica ou eletrônica de varredura.
cial do canal radicular. A conicidade de um instrumento endodôntico
O alargamento prévio do segmento cervical favo- é obtida por meio da diferença entre o diâmetro no
rece o avanço do instrumento de menor diâmetro no final e inicial de sua parte de trabalho dividido pelo
sentido coroa-ápice quando empregado na sequência comprimento dela. Devido às dificuldades na defini-
da instrumentação, o que permite que durante a se- ção do diâmetro inicial e do final da parte de trabalho
quência da instrumentação no sentido coroa-ápice ape- determinam-se dois pontos nas extremidades opostas
nas a extremidade do instrumento empregado (seção da parte de trabalho do instrumento. Para instrumen-
de menor diâmetro) mantenha contato com a parede tos endodônticos com comprimento mínimo da parte
do canal radicular. Em consequência, o instrumento de trabalho de 16mm, os pontos são determinados a
fica submetido a menor carregamento, diminuindo o 3mm e 13mm da ponta do instrumento71 (Fig. 9-73).
esforço de corte e a possibilidade de fratura. A conicidade do instrumento é obtida dividindo-se a
Quanto menor a conicidade, maiores a flexibili- diferença existente entre o diâmetro maior e o menor
dade e a resistência à fratura por fadiga de baixo ciclo, pela distância entre os pontos determinados mediante
estando o instrumento sob flexão rotativa. Ao contrá- a expressão:
rio, quanto maior a conicidade, maiores a rigidez, a re-
D13 – D 3
sistência à flambagem e a resistência à fratura induzida C=
10
por torção do instrumento endodôntico38.
Instrumentos endodônticos especiais denomi- A partir desses valores são calculados os diâme-
nados de ProTaper (Dentsply-Maillefer) apresentam tros em D0 e junto ao intermediário (D16) mediante as
conicidades variáveis ao longo de sua haste de corte expressões:
helicoidal. Sendo para os instrumentos denominados
de modeladores crescentes no sentido do intermediá- D0 = D3 – C × 3
rio, enquanto para os instrumentos denominados de D16 = D13 + C × 3
acabamento a conicidade no sentido do intermediário
é decrescente. Os instrumentos ProTaper são fabrica- O diâmetro D0 de um instrumento endodôntico é
dos em duas versões, com cabo e com haste de fixação definido como o diâmetro projetado da conicidade da
e acionamento. haste de corte na ponta do instrumento. O diâmetro D0

Figura 9-73. Determinação da conicidade e do diâmetro em D0 e D16 dos instrumentos endodônticos.


Instrumentos Endodônticos 341

é virtual. O diâmetro junto do intermediário é denomi- Quadro 9-7 Extirpa-polpas


nado D seguido de um valor numérico correspondente
ao comprimento da parte de trabalho em milímetros. Número Diâmetro Tolerância Cor
nominal
Esse diâmetro também é obtido por meio da projeção
da conicidade da haste de corte helicoidal. 0 20 ± 0,02 roxa

1 25 ± 0,02 branca
 EXTIRPA-POLPAS
São pequenas hastes metálicas suavemente côni- 2 30 ± 0,02 amarela
cas, de aço inoxidável, providas de um cabo plástico
3 35 ± 0,03 vermelha
colorido ou metálico com uma faixa colorida. O cabo é
cilíndrico e tem 10mm de comprimento e diâmetro de 4 40 ± 0,03 azul
3mm. São caracterizados por apresentar sua parte de
trabalho com farpas levantadas da própria haste metá- 5 50 ± 0,04 verde
lica e dispostas circularmente, formando ângulo inter-
6 60 ± 0,04 preta
no agudo com o eixo do instrumento (Fig. 9-74A a C).
Possuem um número mínimo de 36 farpas, cujo
tamanho corresponde a metade do diâmetro da haste
metálica. Comprimento mínimo de 20mm e da parte A principal indicação desse instrumento é na
de trabalho de 10,5mm ± 1,5mm, conicidade variável remoção da polpa dentária. Desse modo, devem ser
de 0,007 a 0,010mm/mm. Suas dimensões não têm re- denominados de extirpa-polpas. Após sua introdu-
lação com as medidas estandardizadas dos outros ins- ção no interior do tecido pulpar, a rotação provoca
trumentos e a cor do cabo é um referencial que indica o o deslocamento da polpa das paredes dentinárias, e
diâmetro do menor para o maior (Quadro 9-7). a tração determina o seu rompimento a um nível de
Os extirpa-polpas foram projetados para acio- maior constrição do canal, que geralmente é o limite
namento manual com o movimento de remoção. Esse dentina-cemento (CDC), situado aproximadamente
movimento é constituído de três etapas: penetração a 0,5mm aquém do ápice radicular. São indicados
até o segmento apical do canal radicular, rotação de para a remoção do tecido pulpar hígido, nos casos
uma a duas voltas sobre seu eixo no sentido horário de cavidade pulpar ampla. Não devem ser usados
ou anti-horário e tração em direção cervical49. na remoção de tecido pulpar nos casos de rizogêne-

A C

Figura 9-74. Extirpa-polpas. A. Desenho esquemático. B. Ponta. C. Detalhe da farpa.


342 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

se incompleta, pois poderiam provocar a ruptura do


tecido a um nível muito próximo dos tecidos perir-
radiculares, dificultando a reparação tecidual du-
rante o tratamento endodôntico. Poderão também
ser úteis na remoção de detritos livres no interior do
canal, bolinhas de algodão e cones de papel utiliza-
dos com o medicamento intracanal. Figura 9-75. Instrumento endodôntico tipo K.
Os extirpa-polpas não devem ser usados em
canais atresiados. Aconselhamos sempre, antes de trumentos de maior conicidade quando ajustados no
sua utilização, que seja feita uma exploração prévia interior de um canal radicular (Fig. 9-76A e B).
do canal com instrumento tipo K esbelto. O extirpa- O intermediário dos instrumentos tipo K apresen-
polpas nunca deve penetrar justo no canal, uma vez ta tamanho variável em função do comprimento do cor-
que, pela disposição de suas farpas, elas se fecham po e da parte de trabalho do instrumento endodôntico.
em razão da deformação elástica da liga metálica ao Em algumas marcas comerciais apresentam ranhuras
tocar nas paredes dentinárias, facilitando sua intro- que representam distâncias de 18, 19, 20 e 22mm a par-
dução. Todavia, ao se procurar remover o instru- tir da extremidade do instrumento endodôntico.
mento, as farpas ficam encravadas nas paredes den- Nos instrumentos tipo K fabricados por torção, o
tinárias, levando à sua fratura ou do instrumento. intermediário junto da haste de corte helicoidal apre-
senta três ou quatro paredes planas oriundas da haste
 INSTRUMENTOS TIPO K piramidal inicial. Nos fabricados por usinagem, o in-
termediário é cilíndrico em toda sua extensão, ou seja,
Estes instrumentos foram desenvolvidos pela junto da haste de corte helicoidal (Fig. 9-77). Instrumen-
Kerr Manufacturing Company (USA) em 1915, razão
da denominação instrumentos tipo K. Esses instru-
mentos podem atuar como lima e como alargador e se-
rem acionados manualmente ou por meio de disposi-
tivos mecanizados. São muito usados em Endodontia,
fabricados a partir de fios metálicos de aço inoxidável
ou de NiTi. A forma final dos instrumentos tipo K é
obtida empregando-se a torção ou a usinagem. A parte
de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo e
conicidade de 0,02mm/mm. Podem ser encontrados
também com conicidades maiores. São fabricados com
comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm. Os de 21 e 25
são os mais empregados. Podem ser encontrados tam-
A
bém com comprimentos menores. Os números dos ins-
trumentos tipo K variam entre 6 e 140, que correspon-
dem aos diâmetros em D0, expressos em centésimos de
milímetros. São divididos em quatro séries: especial,
de 6 a 10; primeira, de 15 a 40; segunda, de 45 a 80; e
terceira, de 90 a 140 (Fig. 9-75).
O cabo dos instrumentos tipo K é de plástico,
podendo ser também de silicone colorido conforme a
correlação com a numeração ISO. A forma é bicôncava
e tem 10 a 12mm de comprimento e diâmetro de 3mm
na parte bicôncava e, nas extremidades, 4mm. Alguns
instrumentos podem ter cabos com diâmetros na parte
bicôncava de 4mm e, nas extremidades, 5mm. Os cabos B
com diâmetros maiores geralmente estão associados a
instrumentos de conicidades também maiores. Têm Figura 9-76. Cabo dos instrumentos tipo K. A. Diâmetros menores.
como objetivo reduzir a força necessária para girar ins- B. Diâmetros maiores.
Instrumentos Endodônticos 343

um instrumento endodôntico por usinagem, os cristais


(fibras ou nervuras) alinhados na direção da trefilação
do fio metálico são cortados com redução significati-
va da resistência à fratura por torção e flambagem do
instrumento. Ao contrário, na fabricação por torção a
integridade dos cristais é preservada (Fig. 9-78A e B).
Para Lopes et al.47, os instrumentos tipo K de mesmo
diâmetro e comprimento, os fabricados por usinagem,
suportam um menor ângulo de rotação à direita antes da
fratura quando comparados aos fabricados por torção.
Quanto maior o ângulo de rotação de um instrumento
tipo K, maior será a sua deformação elástica e plástica an-
tes do início da fratura por torção. Esse maior ângulo atua
como um fator de segurança porque o torque aplicado
ficará aquém do limite de resistência à fratura por torção
do instrumento. Clinicamente, quanto maior for o ângulo
de rotação, maior será a possibilidade de se descartar o
Figura 9-77. Intermediário dos instrumentos tipo K. Superior. Ins- instrumento antes da fratura. Isso reforça a necessidade
trumento fabricado por torção. Inferior. Instrumento fabricado por de o profissional inspecionar cuidadosamente o instru-
usinagem.
mento todas as vezes que ele é retirado do interior de um
canal radicular. É importante ressaltar que o ângulo de
tos tipo K fabricados por usinagem apresentam maior rotação varia com o diâmetro e com o comprimento do
número de defeitos de acabamento superficial (ranhu- instrumento endodôntico. É maior para instrumentos de
ras, rebarbas e microcavidades) do que os fabricados menor diâmetro e de maior comprimento.
por torção. A presença desses defeitos altera a capaci- A ponta dos instrumentos tipo K se apresenta
dade de corte e o comportamento mecânico dos instru- como a figura geométrica de um cone. Pode ser classifi-
mentos endodônticos em relação à fratura por torção. cada como cônica circular ou piramidal (facetada) (Fig.
Outro aspecto a ser considerado é que, na fabricação de 9-79). A extremidade da ponta pode ser pontiaguda,

Figura 9-78. Instrumentos tipo K. A. Fabricados por torção. Linha


de cristais não cortadas. B. Fabricados por usinagem. Linha de cris- Figura 9-79. Instrumento tipo K. Forma da ponta. Superior. Cônica
tais cortadas. circular. Inferior. Cônica piramidal.
344 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A B C

Figura 9-80. Instrumento tipo K. Extremidade da ponta. A. Pontiaguda. B. Obtusa. C. Truncada.

obtusa (arredondada) ou truncada (Fig. 9-80A a C). O dispostos na direção oblíqua ao eixo dos instrumentos
ângulo da ponta é de 75º ± 15º. Quanto menor o ângu- no sentido da direita para a esquerda. O ângulo agudo
lo, maior será o comprimento da ponta. A passagem de inclinação das hélices é de aproximadamente 45º.
da base da ponta para a haste de corte helicoidal pode Todavia em diversos instrumentos varia de 15 a 55º, de
apresentar ângulo de transição ou curva de transição uma extremidade à outra da haste de corte helicoidal
(Fig. 9-81). cônica. A variação do ângulo agudo de inclinação das
Instrumentos tipo K com pontas cônicas pirami- hélices é crescente da ponta em sentido do intermediá-
dais e vértices pontiagudos não devem ser empregados rio do instrumento endodôntico (Fig. 9-82A e B). Apre-
em canais radiculares curvos pelo fato de promoverem senta seção reta transversal triangular ou quadrangu-
maior incidência de desvios e perfurações radiculares. lar (Fig. 9-83). O perfil do canal dos instrumentos tipo
Pontas cônicas circulares e vértices obtusos facilitam o K triangulares ou quadrangulares apresenta paredes
deslizamento do instrumento nas irregularidades das retas. O perfil da aresta de corte apresenta a forma de
paredes dos canais radiculares e reduzem o risco de filete oriundo da interseção das paredes de canais con-
iatrogenias.
Vértices pontiagudos apresentam maior capaci-
dade perfurante, mesmo sendo a forma da ponta do
instrumento tipo K cônica circular. Pontas com vértices
truncados podem favorecer o entupimento (perda da
patência) e o extravasamento de resíduos via apical do
canal radicular quando os instrumentos são emprega-
dos no esvaziamento de canais radiculares. Instrumen-
tos tipo K com ponta cônica circular e vértice truncado
devem ser empregados após o esvaziamento dos ca-
nais radiculares. O esvaziamento de um canal radicu-
lar deve preferencialmente ser realizado com instru-
mentos tipo K de ponta cônica circular com pequeno
ângulo e vértice arredondado (obtuso).
Os instrumentos tipo K quando empregados no
preparo de um canal radicular por meio do movimen-
to de alargamento não podem apresentar ângulo de
transição. A sua presença pode provocar o transporte
apical de um canal radicular ou favorecer a imobiliza-
ção da ponta do instrumento induzindo a fratura por
torção, principalmente dos instrumentos tipo K de me-
nores diâmetros.
A haste de corte dos instrumentos tipo K é heli-
Figura 9-81. Instrumento tipo K. Transição da base da ponta para
coidal cônica com a base voltada para o intermediário. a haste de corte. Superior. Ângulo de transição. Inferior. Curva de
É constituída pelas hélices e pelos canais helicoidais transição.
Instrumentos Endodônticos 345

A B

Figura 9-82. Instrumento tipo K. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A. Valor constante. B. Valores variáveis.

tíguos. Os de seção triangular apresentam três arestas (exemplo: instrumentos FexoFile (Maillefer) e Triple-
laterais de corte e três canais. O ângulo (interno) da Flex (Kerr).
aresta lateral de corte é de aproximadamente 60º. Os Os instrumentos de seção reta triangular neces-
instrumentos de sessão reta transversal quadrangular sitam de movimentos de rotação à direita de um terço
apresentam quatro arestas laterais de corte. O ângulo (120º) para completar o círculo de corte das paredes
interno da aresta lateral de corte é de 90º. Quanto me- do canal, enquanto, nos de seção reta quadrangular, o
nor o ângulo interno da aresta lateral de corte e mais movimento exigido é de um quarto (90º) de volta (Fig.
aguçado o seu vértice, maior será a capacidade de corte 9-85). Os furos produzidos com instrumentos tipo K
de um instrumento tipo K (Fig. 9-84). O ângulo de ata- de mesmo diâmetro externo de seção reta triangular
que do instrumento tipo K é negativo, ou seja, o ponto são iguais aos produzidos com os de seção quadran-
de referência da aresta lateral de corte está aquém em gular. Não considerando o desgaste da dentina, te-
relação à parede de ataque do instrumento. Os ins- oricamente, o diâmetro do furo preparado com um
trumentos tipo K de seção reta transversal triangular instrumento triangular é cerca de 33% maior do que o
também são identificados com a denominação Flex diâmetro da sua seção reta transversal, ao passo que,

Figura 9-83. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Forma qua- Figura 9-84. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Aresta ou
drangular e triangular. fio lateral de corte. Vértice pontiagudo. Vértice arredondado.
346 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

no preparado com um instrumento quadrangular, o


diâmetro do furo e o diâmetro de sua seção reta trans-
versal são iguais como se pode observar na Fig. 9-86.
A área de um furo feito com um instrumento endo-
dôntico tipo K triangular é 141% maior do que a área
da seção reta transversal do instrumento. Para um ins-
trumento quadrangular a área do furo é 57% maior do
que a área da seção reta transversal do instrumento.
Para os instrumentos quadrangulares e triangulares
Figura 9-85. Desenho esquemático. Movimento de alargamento.
de iguais diâmetros (D0), o volume de material excisa-
Ângulo de rotação para completar o círculo de corte das paredes de
um canal radicular. Instrumento tipo K triangular 1/3 de volta (120º). do e removido pelo triangular é maior e o número de
Instrumento tipo K quadrangular 1/4 de volta (90º). aresta de corte é menor.
Os instrumentos de seção reta quadrangular
apresentam uma área 54% maior do que os de seção
reta triangular de mesmo diâmetro nominal (Fig.
9-87). Além disso, o diâmetro do núcleo de um instru-
mento de seção reta transversal quadrangular é maior
do que o de um instrumento de seção reta transversal
triangular. Esses fatores possibilitam uma maior re-
sistência ao torque máximo até a fratura por torção
dos instrumentos com seção reta quadrangular. Ao
contrário, os instrumentos com seção reta transversal
triangular apresentam um maior ângulo de rotação
máximo até a fratura por torção. Por exemplo, para
dois instrumentos tipo K de mesmo diâmetro, o de
seção reta transversal triangular suporta uma maior
deformação elástica e plástica antes da fratura do que
o de seção quadrangular. Esse parâmetro do material
atua como fator de segurança em relação à fratura
por torção de um instrumento tipo K. Os instrumen-
tos triangulares, por apresentarem menor momento
de inércia, se deformam com níveis inferiores de car-
Figura 9-86. Desenho esquemático. Instrumento tipo K triangular, regamento em flexão, sendo assim mais flexíveis do
diâmetro do furo (b) maior do que o da seção reta transversal (a).
que os quadrangulares. A força para a flexão de 45º
Instrumento tipo K quadrangular, diâmetro do furo (b) igual ao diâ-
metro da seção reta transversal (a). (deformação elástica) de um instrumento de aço ino-
xidável de 25mm de comprimento, de no 30 e de seção
reta transversal triangular (FlexoFile, Maillefer, Suí-
ça), é de 202gf, enquanto para um de seção reta qua-
drangular (K-File, Maillefer, Suíça) de igual número e
comprimento é de 248gf. Isso permite aos instrumen-
tos triangulares induzirem menor deslocamento da
instrumentação em relação à forma original do canal
radicular. É importante ressaltar que a flexibilidade
(resistência em flexão) dos instrumentos tipo K é pro-
porcional ao comprimento e inversamente propor-
cional ao diâmetro D0 (número). A flexibilidade varia
também com a natureza da liga metálica empregada
na fabricação do instrumento tipo K. Os instrumentos
Figura 9-87. Desenho esquemático. Área da seção reta transversal de NiTi são mais flexíveis do que os de aço inoxidável
de instrumento quadrangular e triangular. (Quadro 9-8).
Instrumentos Endodônticos 347

Quadro 9-8 Média e desvio padrão da força máxima (gf ) ramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercial-
para flexionar a ponta dos instrumentos endodônticos de mente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm,
25mm de comprimento em 15,5mm nos nos de 6 a 140. A parte de trabalho possui 16mm
de comprimento mínimo. A ponta do instrumento tem
Números FlexoFile CCCord Nitiflex a forma de um cone circular, extremidade geralmente
aguda e curva de transição até o instrumento de no 40.
30 204 (14) 214 (18) 104 (3,6)
Os demais apresentam ponta cônica piramidal, extre-
40 256 (14) 266 (15,5) 128 (19,6) midade pontiaguda e ângulo de transição. Os instru-
mentos de diâmetros menores geralmente apresentam
pontas com formas diferentes das preconizadas pelos
fabricantes. A haste de corte helicoidal apresenta coni-
cidade de 0,02mm/mm. O ângulo agudo de inclinação
A seção reta longitudinal da haste de corte he- das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros
licoidal cônica revela que o núcleo dos instrumentos menores. Consequentemente, esses instrumentos não
tipo K é cônico com o vértice voltado para a ponta da exercem a ação de limagem adequadamente. A seção
parte de trabalho e o canal helicoidal nos triangula- reta transversal apresenta a forma quadrangular até o
res é mais profundo do que nos quadrangulares (Fig. instrumento de no 40 e os demais, seção reta transversal
9-88). Quanto maior a profundidade do canal, maior triangular (Fig. 9-89A a F). Resultados de medidas des-
será a capacidade de o instrumento transportar re- ses instrumentos são mostrados no Quadro 9-10.
síduos oriundos da instrumentação. Maior também
será o volume de uma solução química auxiliar que Instrumentos K-CC+VDW
fluirá no sentido apical entre a parede dentinária e o
Os instrumentos K-CC+VDW (Antaeos, Beutelro-
instrumento endodôntico.
ck, Zipperer, Alemanha) são fabricados por torção de
Os instrumentos tipo K foram projetados para
uma haste metálica piramidal de aço inoxidável. São
ser utilizados como limas em movimento de lima-
oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de
gem e como alargadores em movimento de alarga-
21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 6 a 110, e nos compri-
mento parcial à direita ou de alargamento parcial al-
mentos de 25 e 31mm nos nos de 120 a 140. Há também
ternado. O movimento de alargamento parcial alter-
dois instrumentos com diâmetros intermediários cor-
nado pode ser executado manualmente ou por meio
respondentes aos nos 12,5 e 17,5 nos comprimentos de
de dispositivos mecânicos (contra-ângulos especiais
21 e 25mm. A parte de trabalho possui 16mm de com-
acoplados em motores elétricos ou pneumáticos).
primento mínimo. A ponta do instrumento apresenta
Inúmeras são as marcas comerciais de instru-
a figura de um cone circular, extremidade pontiaguda
mentos tipo K existentes no mercado endodôntico.
e curva de transição. Todavia em alguns exemplares
observa-se ângulo de transição. Os instrumentos de
Instrumentos K-Colorinox diâmetros menores geralmente apresentam pontas
Os instrumentos K-Colorinox (Maillefer, Suíça) com formas diferentes das preconizadas pelos fabri-
são fabricados por torção de uma haste metálica pi- cantes. A haste de corte helicoidal apresenta conici-

Figura 9-88. Diâmetro do núcleo de instrumento tipo K de mesmo número. Triangular (esquerda). Quadrangular (direita).
348 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-89. Instrumento tipo K colorinox. F. Formas das pontas.


B Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.

dade de 0,02mm/mm. O ângulo agudo de inclinação


das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros
menores. Consequentemente esses instrumentos não
exercem ação de limagem adequadamente. A seção
reta transversal apresenta a forma quadrangular até o
C instrumento de no 25 e os demais, seção reta transversal
triangular (Fig. 9-90 A a H).
Figura 9-89. Instrumento tipo K Colorinox. Forma. A. Ponta. B. Has-
te de corte. C. Haste de corte (D16). Instrumentos K-FKG
Os instrumentos K-FKG (FKG Dentarie, Suíça) são
fabricados por torção de uma haste metálica piramidal
de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente nos
comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de
6 a 140. A parte de trabalho possui 16mm de compri-
mento mínimo. A ponta do instrumento tem a forma
de um cone circular, extremidade arredondada e com
curva de transição. A haste de corte helicoidal apresen-
ta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta transversal
apresenta a forma quadrangular (Fig. 9-91A a C).
D

Instrumentos K-Kerr
Os instrumentos K-Kerr (Kerr, México) são fa-
bricados por torção de uma haste metálica piramidal
de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos
comprimentos úteis de 21, 25 e 30mm, nos nos de 8 a
140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimen-
to mínimo. A ponta do instrumento é piramidal (face-
E
tada) e sua extremidade é truncada. Todavia, alguns
instrumentos podem apresentar ponta cônica circular.
Figura 9-89. Instrumento tipo K Colorinox. D. Seção reta transver- Apresentam ângulo de transição obtuso. A haste de
sal. E. Seção reta longitudinal. corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
Instrumentos Endodônticos 349

Quadro 9-10 Instrumentos K-Colorinox nos 15 a 140. Valores Médios18

No Lpon α F. ponta Con D0 β γ L max N. hélice


mm grau mm/mm Mm grau grau mm

15   cônica circular   16 29 17 32

20   cônica circular   19 32 17 32

25   cônica circular   23 38 16 31

30   cônica circular   26 39 17 31

35   cônica circular   26 32 17 24

40   cônica circular   28 36 17 24

45   cônica facetada   40 47 17 22

50   cônica facetada   40 47 16 22

55   cônica facetada   39 48 16 21

60   cônica facetada   43 48 16 20

70   cônica facetada  Δ 47 53 16 20

80   cônica facetada   48 49 16 17

90   cônica facetada   47 51 17 15

100   cônica facetada   50 53 17 14

110   cônica facetada   48 49 17 12

120   cônica facetada   46 46 17 11

130   cônica facetada   45 44 17 11

140   cônica facetada   41 41 17 8

 = abaixo do valor nominal;  = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal;


No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta (± 0,02 mm)
α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice
F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice
Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm)
N. hélice = número de hélices na haste helicoidal

A seção reta transversal apresenta a forma quadrangu- • reduz a velocidade de avanço do instrumento em sen-
lar. Junto à base da ponta as arestas laterais de corte são tido apical durante o movimento de alargamento;
paralelas ao eixo do instrumento, adquirindo a partir • facilita a criação do batente apical quando emprega-
de aproximadamente 1mm a disposição helicoidal (Fig da com o movimento de alargamento.
9-92A a G). A presença de arestas de corte paralelas ao
eixo do instrumento:
Instrumentos K-FlexoFile
• não permite que o instrumento nesta região da parte Os instrumentos K-FlexoFile (Maillefer, Suíça) são
de trabalho exerça a ação de limagem; fabricados por torção de uma haste piramidal de aço
inoxidável desde 1981. São oferecidos comercialmente,
350 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. G. Seções retas transversais.

Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. Forma. A. Ponta. B. Haste de


corte. C. Haste de corte (D16).
H

Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. H. Forma da ponta. Superior.


Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.

F
C

Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. Seção reta longitudinal. Figura 9-91. Instrumento tipo K-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste de
D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte (D16). corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos 351

Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. G. Seção reta transversal.


C

Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. Forma. A. Ponta. B. Haste de


corte. C. Haste de corte. nos comprimentos úteis de 18, 21, 25 e 31mm, nos nos
de 15 a 40. A parte de trabalho possui 16mm de compri-
mento mínimo. A ponta dos instrumentos apresenta a
figura de um cone circular com extremidade truncada e
com curva de transição. Os instrumentos de diâmetros
menores geralmente apresentam as pontas com formas
diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de
D corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
A seção reta transversal apresenta a forma triangular.
O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para
os instrumentos de diâmetros menores. Consequente-
mente, esses instrumentos não exercem ação de lima-
gem adequada (Fig. 9-93A a H).
Os resultados de medidas desses instrumentos
são mostrados no Quadro 9-11.
Os instrumentos K-FlexoFile com cabo de silicone
são denominados de Senseus FlexoFile. São oferecidos
E
comercialmente, nos comprimentos de 21, 25 e 31mm,
nos nos de 6 a 80.

Instrumentos K-FlexoFile Golden Mediums


Os instrumentos especiais da série Golden Me-
diums (Maillefer, Suíça) são iguais aos K-FlexoFile,
porém apresentam na extremidade (D0) diâmetros in-
termediários aos apresentados pelo sistema ISO. São
F
fabricados em seis números – 12, 17, 22, 27, 32 e 37 –,
Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. Seção reta longitudinal. D. que apresentam em D0, respectivamente, os valores no-
Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16. minais de 0,12 – 0,17 – 0,22 – 0,27 – 0,32 e 0,37mm. Pos-
352 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. G. Seção reta transversal.

Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. Forma. A. Ponta. B. Has-


te de corte. C. Haste de corte D16.

Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. H. Forma das pontas. Su-


perior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.

suem comprimentos úteis de 21, 25 e 31mm. Os cabos


E
são de plástico e as cores semelhantes às da série ISO
de número anterior, porém com detalhe em dourado
(Quadro 9-12).
Esses instrumentos foram projetados com o ob-
jetivo de reduzir o aumento percentual do diâmetro
em D0 observado entre instrumentos ISO de nos 10
a 40. O emprego dos instrumentos com diâmetros
intermediários tem como objetivo alcançar o com-
primento de trabalho do canal radicular com maior
F
facilidade. São empregados em canais atresiados,
Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. Seção reta longitudinal. retos ou curvos, intercaladamente aos instrumentos
D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16. tipo K-FlexoFile. Exemplo: lima 10, 12, 15, 17, 20,
Instrumentos Endodônticos 353

Quadro 9-11 Instrumentos FlexoFile de 15 a 40. Valores Médios18

No Lpon α F. ponta Con. D0 β γ Lmax. N. hélice


mm grau mm mm grau grau Mm

cônica
15   0,02  21 33 16 29
circular

cônica
20   0,02  26 37 17 30
circular

cônica
25   0,02  30 42 17 31
circular

cônica
30   0,02  32 46 17 29
circular

cônica
35   0,02  47 50 17 30
circular

cônica
40   0,02  40 47 17 29
circular

 = abaixo do valor nominal;  = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal;


No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta ( ± 0,02 mm)
α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice
F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice
Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho
(mínimo de 16mm)
N. hélice = número de hélices na haste helicoidal

Quadro 9-12 Diâmetros em D0 e D16 dos instrumentos Os instrumentos Flexicut CC+VDW (VDW-Muni-
Golden Mediums ch, Alemanha) são fabricados por torção de uma haste
piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercial-
No D0 mm D16 mm Cor mente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos 15
a 40. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento
12 0,12 0,44 roxa
mínimo. A ponta do instrumento apresenta a configu-
17 0,17 0,49 branca ração de um cone circular, extremidade pontiaguda e
com curva de transição. Os instrumentos de diâmetros
22 0,22 0,54 amarela menores geralmente apresentam as pontas com formas
diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de
27 0,27 0,59 vermelha
corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
32 0,32 0,64 azul A seção reta transversal apresenta a forma triangular.
O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para
37 0,37 0,69 verde os instrumentos de diâmetros menores. Consequente-
mente esses instrumentos não exercem ação de lima-
gem adequada (Fig. 9-94A a E).
22... Todavia, devemos ressaltar que o limite de to-
lerância do diâmentro em D0 para os instrumentos Instrumentos K flex-FKG
Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm. Conse-
Os instrumentos tipo K flex (FKG Dentarie, Suíça)
quentemente, na passagem entre instrumentos con-
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi-
secutivos padronizados ISO e Golden Mediums a
dável de seção reta transversal circular. São oferecidos
dificuldade ou facilidade permanece.
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28
e 31mm, nos nos 15 a 40. A parte de trabalho possui
Instrumentos Flexicut CC+VDW 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instru-
mento apresenta a figura de um cone circular, extremi-
354 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. E. Seção reta trans-


versal.

Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. Forma. A. Ponta. B. A


Haste de corte. C. Haste de corte D16.

D
C

Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. D. Formas das pon- Figura 9-95. Instrumento tipo K flex-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste
tas. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor. de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos 355

dade arredondada e curva de transição. A haste de cor-


te helicoidal apresenta seção reta transversal triangular
e conicidade de 0,02mm/mm (Fig. 9-95A a C).

Instrumentos K-Nitiflex
Os instrumentos tipo K-Nitiflex (Maillefer, Suí- D
ça) são fabricados por usinagem de um fio metálico de
NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm,
nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de
comprimento mínimo. A ponta do instrumento apre-
senta a figura de um cone circular, extremidade trunca-
da e curva de transição. Os instrumentos de diâmetros
menores geralmente apresentam as pontas com formas
diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de
corte helicoidal apresenta seção reta transversal de for-
ma triangular e conicidade de 0,02mm/mm. O ângulo E

F
A

Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. Seção reta longitudinal. D.


Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16.

C
G
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. Forma. A. Ponta. B. Haste
de corte. C. Haste de corte D16. Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. G. Seção reta transversal.
356 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-97. Instrumento tipo K-Nitiflex. Microcavidades.


H

Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. H. Forma da ponta. Supe- Instrumentos K NiTi-VDW
rior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
Os instrumentos K NiTi-VDW (VDW, Alemanha)
são fabricados por usinagem de um fio metálico de
agudo de inclinação das hélices é menor para os instru-
NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos
mentos de diâmetros menores (Fig. 9-96A a H).
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm,
A liga NiTi empregada na fabricação desses instru-
nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de
mentos em razão da presença de partículas de segunda
comprimento mínimo. A ponta do instrumento apre-
fase (inclusões), após o processo de fabricação por usi-
senta a figura de um cone circular, extremidade trun-
nagem e de tratamento superficial químico, apresenta
cada e curva de transição. A haste de corte helicoidal
frequentemente elevado número de microcavidades.
apresenta seção reta transversal de forma triangular e
Esses defeitos funcionam como concentradores de ten-
conicidade de 0,02mm/mm (Fig. 9-98A a D).
são, podendo levar os instrumentos, principalmente os
de diâmetros menores, à falha prematura com níveis
de tensão abaixo dos previsíveis (Fig. 9-97). Instrumentos K NiTi-FKG
Resultados de medidas de instrumentos K-Niti- Os instrumentos de NiTi tipo K-FKG (FKG Den-
flex são mostrados no Quadro 9-13. tarie, Suíça) apresentam as mesmas características dos

Quadro 9-13 Instrumentos K-Nitiflex de nos 15 a 40. Valores Médios18

No Lpon α F. ponta Con. D0 β γ Lmax. N. hélice


mm grau mm/mm Mm grau grau mm

15   cônica circular   22 39 18 34

20   cônica circular   28 36 17 34

25   cônica circular   31 42 17 34

30   cônica circular   40 44 18 34

35   cônica circular   43 47 17 34

40   cônica circular   40 50 18 24

 = abaixo do valor nominal;  = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal;


No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta ( ± 0,02 mm)
α = ângulo da ponta ( 75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice
F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice
Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm)
N. hélice = número de hélices na haste helicoidal
Instrumentos Endodônticos 357

A
A

Figura 9-98. Instrumento tipo K NiTi-VDW. Forma. A. Ponta. B. Has-


te de corte. C. Haste de corte D16.
C

Figura 9-99. Instrumento tipo K NiTi-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste


de corte. C. Haste de corte D16.

As limas tipo Hedstrom (H) são fabricadas por


usinagem a partir de fios metálicos de aço inoxidável
ou de níquel-titânio de seção reta transversal circu-
lar. São oferecidas comercialmente nos comprimentos
úteis de 21, 25, 28 e 31mm. As de 21 e 25mm são as mais
empregadas. Os nos das limas tipo H variam de 8 a 140.
A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mí-
nimo. A parte de trabalho se caracteriza por apresentar
apenas uma aresta lateral de corte disposta na forma
helicoidal com sentido anti-horário (da direita para a
D esquerda), sob a forma de pequenos cones sobrepostos
e com a base voltada para o cabo do instrumento. A
Figura 9-98. Instrumento tipo K NiTi-VDW. D. Seção reta transversal. ponta das limas tipo H apresenta a figura de um cone
circular. A extremidade da ponta é aguda. O ângulo
da ponta varia de 30 a 90º conforme a marca comer-
instrumentos de aço inoxidável Kflex. São oferecidos
cial. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade
comercialmente nos comprimentos úteis de 21 e 25mm,
de 0,02mm/mm. Apresenta, em média, 18 a 22 hélices
nos nos de 15 a 40 (Fig 9-99A a C).
na haste de corte do instrumento. Para instrumentos
de menores diâmetros (até o no 40), o ângulo agudo de
 LIMAS TIPO HEDSTROM inclinação da hélice em relação ao eixo do instrumento
358 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-100. Lima Hedstrom. A. Fotografia.

Figura 9-101. Lima Hedstrom. Seção reta transversal.


C

B
E

Figura 9-100. Lima Hedstrom. B e C. Forma da ponta. D e E. Forma


da haste de corte.

varia de 40 a 55º e para os diâmetros maiores é em mé-


dia de 65º (Fig. 9-100A e B a E).
A haste de corte helicoidal cônica das limas tipo
H apresenta seção reta transversal em forma de vír-
gula, resultando em uma única aresta lateral de corte C
(Fig. 9-101). O ângulo da aresta lateral de corte é de
aproximadamente 42º. O ângulo agudo de inclinação Figura 9-102. Lima Hedstrom. Seção reta longitudinal. A. Ponta.
da hélice e da aresta lateral de corte permite acentuada B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos 359

Quadro 9-14 Limas Hedstrom Maillefer de 15 a 80. Valores Médios18

No Lpon α F. ponta Con. D0 β γ Lmax. N. hélice


mm grau mm/mm mm grau grau mm

15   cônica circular   35 45 17 20

20   cônica circular   40 50 17 20

25   cônica circular   50 60 17 20

30   cônica circular   54 55 17 19

35   cônica circular   52 55 17 19

40   cônica circular   50 55 17 18

45   cônica circular   56 55 17 17

50   cônica circular   56 60 17 17

55   cônica circular   56 60 17 17

60   cônica circular   60 60 17 17

70   cônica circular   62 60 17 16

80   cônica circular   67 62 17 15

 = abaixo do valor nominal;  = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal;


No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta (± 0,02mm)
α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice
F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice
Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho
(mínimo de 16mm)
N. hélice = número de hélices na haste helicoidal

capacidade de corte das limas tipo H. A seção reta lon- • limas Hedstrom VDW (Antaeos, Beutelrock, Zipperer,
gitudinal apresenta núcleo cônico (Fig. 9-102A a C). Alemanha) oferecidas comercialmente, nos compri-
As limas Hedstrom foram projetadas para ser acio- mentos de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 8 e 110 e nos
nadas manualmente por meio do movimento de lima- comprimentos de 25 e 31mm, nos nos de 120 a 140.
gem. Ao realizar o movimento de limagem, é impor- • limas Hedstrom Kerr (Kerr, México) oferecidas co-
tante a rigidez do instrumento. Quanto maior a rigidez, mercialmente nos comprimentos de 21, 25 e 31mm,
maior a sua eficiência de raspagem. As limas Hedstrom nos nos de 15 a 80.
de NiTi em função da superelasticidade da liga não ofe- • limas Hedstrom FKG (FKG Dentarie, Suíça) ofereci-
recem resistência ao deslocamento sob flexão, não pro- das comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28
movendo consequentemente a raspagem dentinária. e 31mm, nos nos de 15 a 140.
Têm como objetivo o preparo dos segmentos achatados
e o desgaste anticurvatura de canais radiculares. Resultados de medidas de limas Hedstrom-Mail-
Como exemplos comerciais de limas Hedstrom lefer são mostradas no Quadro 9-14.
de aço inoxidável podemos citar:

• limas Hedstrom Maillefer (Maillefer, Suíça) ofereci-  INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS


das comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28 ESPECIAIS
e 31mm, nos nos de 8 a 140; São instrumentos com características geométricas
específicas e indicados na realização de alguma etapa
360 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

da pré-instrumentação ou instrumentação dos canais com dimensões maiores reduz a força necessária para
radiculares. girá-lo (movimento de alargamento) (Fig. 9-103A e B).

Sistema ProTaper Universal Instrumentos modeladores


Apresentam conicidade crescente no sentido de
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
D16, o que permite uma flexibilidade maior do seg-
ma ProTaper Universal são fabricados com liga NiTi
mento apical desses instrumentos. São empregados
pela Maillefer Instruments (Suíça), sendo constituí-
para alargar o corpo do canal (segmento cervical e
do por dois tipos de instrumentos especiais denomi-
médio). A ponta dos instrumentos modeladores apre-
nados modeladores (Shaping files) e de acabamento
senta a figura de um cone circular e sua extremidade
(Finishing files). Apresentam conicidades variadas ao
é truncada ou arredondada. A passagem da base da
longo da haste de corte helicoidal permitindo que o
ponta para a haste de corte helicoidal cônica ocorre
instrumento trabalhe em uma área específica do canal
por meio de uma curva de transição. O ângulo de in-
durante a instrumentação. Assim, a conicidade variada
clinação das hélices é variável de 30 a 35º. O ângulo
ao longo da haste de corte helicoidal permite que os
de ataque é considerado negativo. A profundidade
instrumentos ProTaper Universal ao serem emprega-
do canal helicoidal aumenta de D1 para D16. Mostram
dos no CT promovam a modelagem de um canal no
seção reta transversal triangular convexa com três
sentido coroa-ápice. A conicidade variável reduz o
arestas de corte na forma de filetes e três canais. Não
efeito roscamento do instrumento no interior de um
apresentam guia radial. O perfil do canal é convexo. A
canal radicular; permite o aumento da conicidade do
seção reta longitudinal da parte de trabalho revela nú-
segmento apical durante o preparo do canal radicular e
cleo cilíndrico e canais helicoidais com profundidade
permite obter uma adequada modelagem do canal com
crescente de D1 para D16. Todavia, a profundidade dos
poucos instrumentos.
canais helicoidais é pequena devido ao perfil convexo
Os instrumentos ProTaper Universal são fabrica-
de suas paredes. Isso dificulta a remoção de dentina
dos na versão manual (cabo) e mecanizada (haste de
excisada proveniente do preparo, assim como dificulta
fixação e acionamento). Ambos os sistemas possuem
a possibilidade de a solução química auxiliar fluir no
características geométricas (forma e dimensões) idên-
sentido apical do canal. Consequentemente, durante
ticas. O cabo é de plástico ou de silicone com 5mm na
o preparo químico-mecânico de um canal radicular a
parte bicôncava e 6mm nas extremidades. A haste de
irrigação-aspiração deve ser mais frequente e a cada
fixação e acionamento tem 13mm de comprimento e
retirada do instrumento ele deve ser cuidadosamente
diâmetro de 2,30mm. Devido à conicidade variável na
limpo e examinado (Fig. 9-104A, B a D e E).
haste de corte helicoidal desses instrumentos, o cabo

A B

Figura 9-103. Sistema ProTaper Universal. A. Versão manual. B. Versão mecanizada.


Instrumentos Endodônticos 361

A
E
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modela-
dores. A. Fotografia.
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modela-
dores. E. Seção reta transversal.

Instrumento S1
• Diâmetro D0 = 0,18mm
• Diâmetro D16 = 1,2mm
B
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade crescente de 0,02 (D1) a 0,11mm/mm
(D14) e a seguir constante de 0,11mm/mm até D16
• Cabo roxo ou haste de fixação e acionamento com
anel roxo.

É projetado para alargar o segmento cervical, as-


segurando a patência do segmento apical do canal.

C Instrumento S2
• Diâmetro D0 = 0,20mm
• Diâmetro D16 = 1,2mm
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade crescente de 0,04 (D1) a 0,08mm/mm
(D12) e a seguir a conicidade decresce até D16 para
0,05mm/mm.
• Cabo branco ou haste de fixação e acionamento com
anel branco.

D É projetado para alargar o segmento médio do


canal e aumentar o volume da região apical com o ob-
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modela- jetivo de favorecer a utilização do instrumento F1 em
dores. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16. posição mais apical. Nesses instrumentos o aumento
362 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

da conicidade é feito de modo mais suave, o que per- bamento apresentam ponta circular e vértice arre-
mite uma transição para os instrumentos de acabamen- dondado. A passagem da base da ponta para a haste
to com menor carregamento (menor esforço). de corte helicoidal ocorre por meio de uma curva de
transição. O ângulo de inclinação das hélices é variá-
Instrumento SX vel de 30 a 35º. O ângulo de ataque é considerado ne-
• Diâmetro D0 = 0,19mm gativo. A profundidade do canal helicoidal aumenta
• Diâmetro D16 = 1,19mm de D1 para D16.
• Parte de trabalho = 16mm As seções retas transversais dos instrumentos Pro-
• Comprimento útil = 19mm Taper Universal de acabamento apresentam três arestas
• Conicidade crescente de 0,035 a 0,19mm/mm até D9 ou fios de cortes e três canais. Não apresentam guia radial.
e a seguir conicidade constante de 0,02mm/mm. As arestas de corte apresentam perfil (desenho) na forma
• Cabo laranja ou haste de fixação e acionamento sem de filetes oriundos da interseção das paredes dos canais.
anel. Os canais apresentam paredes com perfis convexos para
os instrumentos F1 e F2. O ângulo de ataque é negativo. A
É denominado de instrumento modelador auxi- seção reta longitudinal da parte de trabalho revela núcleo
liar. Apresenta em um mesmo instrumento as caracte- cilíndrico e canais helicoidais com profundidades cres-
rísticas do S1 e S2. É projetado para modelagem prévia centes de D1 para D16 (Fig. 9-106A a C e D e E).
do corpo de canais curtos. Os instrumentos F3, F4 e F5 apresentam seções re-
tas transversais com duas formas diferentes ao longo de
Instrumentos de acabamento suas hastes de corte helicoidais (Fig. 9-107). Até 12mm a
partir da ponta, o perfil da parede dos canais é côncavo
São instrumentos especiais empregados du-
e a seguir até D16 convexo. O perfil côncavo determina
rante a instrumentação para alargar o diâmetro do
redução da área do núcleo e da seção reta transversal
segmento apical e para obter uma conicidade ade-
(menor massa) o que confere a esses instrumentos uma
quada e progressiva do canal radicular (Fig. 9-105).
maior flexibilidade. A seção reta longitudinal da parte
Apresenta conicidade constante nos 3mm apicais e a
de trabalho revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais
seguir decrescente no sentido de D16 Essa caracterís-
com profundidade crescente de D1 para D16. Os instru-
tica possibilita alargar o segmento apical e aumentar
mentos F3, F4 e F5 apresentam canais helicoidais mais
a flexibilidade (reduzir a rigidez) do instrumento no
profundos nos segmentos das hastes de corte helicoidais
segmento coronário. Todos os instrumentos de aca-
que possuem perfil côncavo (Fig. 9-108A a C e D a F).

Figura 9-105. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento.


Instrumentos Endodônticos 363

Figura 9-107. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba-


mento F3, F4 e F5. Seções retas transversais diferentes ao longo da
haste de corte.

Figura 9-106. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamen-


to F1 e F2. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. A

B
D

C
F
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba-
Figura 9-106. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba- mento F3, F4 e F5. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de
mento F1 e F2. D. Seção reta transversal. E. Seção reta longitudinal. corte D16.
364 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

de progressivamente é reduzida até 0,04mm/mm


e na parte final em sentido de D16 é reduzida para
0,03mm/mm.
• Cabo vermelho ou haste de fixação e acionamento
com anel vermelho.
D
Instrumento F3
• Diâmetro D0 = 0,30mm
• Diâmetro D16 = 1,13mm
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade constante de 0,09 de D1 a D3. A partir de
D4 (conicidade de 0,06mm/mm) até D12 a conicidade
é reduzida para 0,04mm/mm. D13 a D16 constante de
0,03 mm/mm.
• Cabo azul ou haste de fixação e acionamento com
E
anel azul.

Instrumento F4
• Diâmetro D0 = 0,40mm
• Diâmetro D16 = 1,14mm
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade constante de 0,06mm/mm de D1 a D3.
D4 a D9, conicidade constante de 0,05mm/mm. D10 a
D14, conicidade constante de 0,04mm/mm. D15 a D16,
F a conicidade constante de 0,03mm/mm.
• Cabo preto ou haste de fixação e acionamento com
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba- dois anéis pretos.
mento F3, F4 e F5. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de
corte. F. Haste de corte D16.
Instrumento F5
• Diâmetro D0 = 0,50mm
• Diâmetro D16 = 1,13mm
Instrumento F1
• Parte de trabalho = 16mm
• Diâmetro D0 = 0,20mm • Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Diâmetro D16 = 1,125mm • Conicidade constante de 0,05mm/mm de D1 a D3.
• Parte de trabalho = 16mm Em D4. conicidade de 0,035mm/mm, D5 a D9, conici-
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm dade constante de 0,04mm/mm. D10 a D16, conicida-
• Conicidade constante de 0,07mm/mm de D1 a de constante de 0,035mm/mm.
D3. A partir de D4 até D16 a conicidade reduz para • Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento
0,04mm/mm. com dois anéis amarelos.
• Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento
com anel amarelo.
ProTaper Retratamento
Instrumento F2 Os instrumentos especiais mecanizados ProTaper
• Diâmetro D0 = 0,25mm retratamento Dentsply Maillefer (Suíça) são fabricados
• Diâmetro D16 = 1,20mm por usinagem de uma haste metálica de NiTi de seção
• Parte de trabalho = 16mm reta transversal circular. São oferecidos comercialmen-
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm te em três números – ProTaper D1, D2 e D3 –, e foram
• Conicidade constante de 0,08 de D1 a D3. A partir projetados para serem acionados por dispositivos me-
de D4 até o meio da parte de trabalho a conicida- cânicos com giro contínuo à direita. Têm como objeti-
Instrumentos Endodônticos 365

vo a remoção do material obturador do interior de um


canal radicular e apresentam três comprimentos e três
conicidades progressivas, que têm como objetivo se
adequar a cada segmento do canal radicular (cervical,
médio, apical). A ponta pode apresentar superfícies
achatadas (D1) ou a forma cônica circular (D2 e D3). A
haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta trans- D
versal triangular convexa (Fig. 9-109A a C, D a F e G).

ProTaper D1
Apresenta diâmetro em D0 de 0,30mm, compri-
mento útil de 16mm, comprimento da parte de trabalho
de 13mm e conicidade de 0,09mm. Na haste de fixação e
acionamento existe um anel branco. A ponta apresenta
duas superfícies achatadas e convergentes semelhante a
uma chave de fenda, que tem como objetivo favorecer o E
avanço do instrumento na massa obturadora presente
no interior do canal radicular. O ângulo interno da pon-
ta é em média de 60º. Apresenta ângulo de transição.

A
F

Figura 9-109. ProTaper retratamento. Forma da ponta. D. Cônica


circular. E e F. Cônica facetada.

C
G
Figura 9-109. ProTaper retratamento. Forma. A. Ponta cônica face-
tada (achatada). B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. Figura 9-109. ProTaper retratamento. G. Seção reta transversal.
366 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta comercialmente nos comprimentos úteis de 18, 21 e
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação 25mm e nos nos de 6 a 15. O comprimento da parte de
da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta trabalho é de 16mm. A ponta apresenta a figura de um
da ponta (25º) para o término da haste helicoidal (35º). cone circular e sua extremidade é truncada. Apresenta
O número de hélices na haste helicoidal é em média de ângulo de transição. A haste de corte helicoidal cônica
oito. O número de hélices por unidade de comprimen- apresenta seção reta transversal quadrangular. O ângu-
to da parte de trabalho é em média de 0,6 hélice por lo interno da aresta de corte é de 90º e de vértice pontia-
milímetro. É projetado para remoção do material obtu- gudo. A conicidade é variável, sendo de 0,04mm/mm
rador do segmento cervical de um canal radicular. nos 4mm iniciais a partir da ponta do instrumento e de
0,02mm/mm até o final da parte de trabalho. O ângulo
ProTaper D2 da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta
Apresenta diâmetro em D0 de 0,25mm, compri- de D1 (15 a 20º) para D16 (25 a 30º). O número de hélices
mento útil de 18mm, comprimento da parte de trabalho presente na haste helicoidal é de aproximadamente 25
de 15mm e conicidade de 0,08mm. Na haste de fixação hélices. O número de hélices por unidade de compri-
e acionamento existem dois anéis brancos. A ponta é mento da parte de trabalho é de 1,5 hélice por milíme-
cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo tro. O ângulo de ataque é classificado como negativo.
interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva A maior conicidade (0,04mm/mm) na região da
de transição. extremidade da parte de trabalho e o menor número
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta de hélices por milímetro conferem a esses instrumen-
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação tos grande resistência à flambagem (flexocompressão).
da hélice em relação ao eixo do instrumento é constan- Consequentemente, esses instrumentos são indicados
te e em média de 30º. O número de hélices na haste no cateterismo de canais atresiados.
helicoidal em média de 10. O número de hélices por Lopes et al. (2008), avaliando e comparando a força
unidade de comprimento da parte de trabalho é em necessária para induzir a flambagem de instrumentos
média de 0,6 hélice por milímetro. É projetado para a endodônticos tipo K de nos 10 e 15 (C+, Maillefer, Suíça;
remoção do material obturador do segmento médio de K-File Colorinox, Maillefer, Suíça; CCCord, Antaeos,
um canal radicular. Alemanha; Nitiflex, Maillefer, Suíça; e HI, Miltex, Inc.,
EUA), concluíram que a força máxima para flambar os
ProTaper D3 instrumentos foi maior para os da marca C+, seguidos
pelos da marca CCCord.
Apresenta diâmetro de D0 de 0,20mm, compri-
São projetados para serem acionados manualmen-
mento útil de 22mm, comprimento da parte de trabalho
te. Têm como objetivo o cateterismo de canais atresiados.
de 16mm e conicidade de 0,07mm. Na haste de fixação
Em função das características morfológicas do instru-
e acionamento existem três anéis brancos. A ponta é
mento, o movimento indicado é o de alargamento par-
cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo
cial à direita. Os instrumentos mais curtos apresentam
interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva
maior resistência à flambagem (Fig. 9-110A a C e D).
de transição.
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação Instrumentos Senseus Profinder
da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta
Os instrumentos especiais Profinder (Maillefer,
da ponta (20º) para o término da haste helicoidal (25º).
Suíça) são fabricados por usinagem de um fio de aço
O número de hélices na haste helicoidal é em mé-
inoxidável de seção reta transversal circular. São ofe-
dia de 12. O número de hélices por unidade de com-
recidos comercialmente nos comprimentos úteis de 18,
primento da parte de trabalho é em média de 0,75 por
21 e 25mm e nos nos 10, 13 e 17. A parte de trabalho
milímetro. É projetado para remoção do material obtu-
apresenta comprimento mínimo de 16mm. A ponta
rador do segmento apical de um canal radicular.
apresenta a figura de um cone circular, sua extremida-
de é truncada e apresenta ângulo de transição.
Instrumentos C+ A haste de corte helicoidal cônica apresenta se-
Os instrumentos especiais C+ (Maillefer, Suíça) ção reta transversal quadrangular. O ângulo interno
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi- da aresta de corte é de 90º e de vértice arredondado.
dável de seção reta transversal circular. São oferecidos A conicidade é variável, sendo maior nos quatro mi-
Instrumentos Endodônticos 367

Quadro 9-15 Instrumentos Profinder. Conicidades mm/mm

No 4mm da ponta 5 a 16mm

10 0,02 0,015

A 13 0,0175 0,015

17 0,015 0,01

límetros iniciais a partir da ponta. A maior conicidade


da região da extremidade da parte de trabalho confere
a esses instrumentos grande resistência à flambagem
B
(flexocompressão). Consequentemente, esses instru-
mentos são indicados no cateterismo de canais atresia-
dos (Quadro 9-15).
O ângulo da hélice em relação ao eixo do ins-
trumento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O nú-
mero de hélices presente na haste helicoidal é em
média de 40. O número de hélices por unidade
de comprimento da parte de trabalho é em média
de 2,7 hélices por milímetro. O ângulo de ataque
é classificado como negativo. São projetados para
serem acionados manualmente. Têm como objetivo
alargar e manter a patência do segmento apical de
C
canais atresiados. Os instrumentos mais curtos são
mais resistentes à flambagem (flexocompressão)
Figura 9-110. Instrumento especial C+. Forma. A. Ponta. B. Haste
de corte. C. Haste de corte D16. (Fig. 9-111A a C e D).

Instrumentos C-Pilot
Os instrumentos especiais C-Pilot (VDW, Alema-
nha) são fabricados por torção de uma haste pirami-
dal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente
nos comprimentos úteis de 19, 21 e 25mm nos nos 6, 8,
10, 12,5 e 15. O comprimento da parte de trabalho é de
17mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular,
sua extremidade é arredondada e apresenta curva de
transição. A haste de corte helicoidal cônica apresen-
ta seção reta transversal quadrangular e conicidade
de 0,02mm/mm. O ângulo interno da aresta de corte
é de 90º e de vértice arredondado. O ângulo da hélice
em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20º)
para D16 (30º). O número de hélices presente na has-
te helicoidal é em média de 34. O número de hélices
por unidade de comprimento da parte de trabalho é
em média de duas hélices por milímetro. O ângulo de
ataque é considerado negativo.
D Esses instrumentos são submetidos a um encru-
amento com o objetivo de aumentar sua resistência à
Figura 9-110. Instrumento especial C+. D. Seção reta transversal. flambagem.
368 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A
A

Figura 9-112. Instrumento especial C-Pilot. Forma. A. Ponta.


B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.

Figura 9-111. Instrumento especial Senseus Profinder. Forma. A.


Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.

Figura 9-112. Instrumento especial C-Pilot. D. Seção reta transversal.

São projetados para serem acionados manualmen-


te e têm como objetivo o cateterismo de canais atresia-
dos. O movimento empregado é o de alargamento par-
cial à direita. Os instrumentos mais curtos apresentam
D maior resistência à flambagem (flexocompressão) (Fig.
9-112A a C e D).
Figura 9-111. Instrumento especial Senseus Profinder. D. Seção
reta transversal.
Instrumentos Endodônticos 369

Instrumentos HI
Os instrumentos especiais HI (Miltex, Inc., EUA)
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi-
dável de seção reta circular. São oferecidos comercial-
mente nos comprimentos úteis de 21 e 25mm no no 10.
A parte de trabalho apresenta um comprimento míni-
mo de 17mm. A ponta apresenta a figura de um cone
circular, sua extremidade é arredondada e apresenta
ângulo de transição. A haste de corte helicoidal apre-
senta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta trans-
versal é pentagonal, ou seja, com cinco arestas laterais
de corte e igual número de canais helicoidais. Isso con-
fere aos instrumentos HI canais helicoidais rasos que
dificultam a remoção de dentina excisada proveniente
do preparo, assim como a possibilidade de a solução
química auxiliar da instrumentação fluir no sentido
apical do canal radicular. O ângulo interno da aresta D
de corte é de 108º e de vértice arredondado.
O ângulo da hélice em relação ao eixo do instru- Figura 9-113. Instrumento especial HI. D. Seção reta transversal.
mento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O número de
hélices presente na haste helicoidal é de aproximada-
mente 65 hélices. O número de hélices por unidade de A presença de ângulo obtuso (108º) e de vértice
comprimento da parte de trabalho é de 3,9 hélices por arredondado reduz a capacidade de corte desses ins-
milímetro. trumentos. O ângulo de ataque é classificado como ne-
gativo.
São projetados para serem acionados manual-
mente e têm como objetivo o cateterismo de canais
atresiados. O movimento indicado é o de alargamento
parcial à direita. Os instrumentos mais curtos são mais
resistentes à flambagem (Fig. 9-113A a C e D).

A
 CONTRA-ÂNGULOS ESPECIAIS
Os contra-ângulos especiais podem executar movi-
mentos de alargamento parcial oscilatório ou alternado,
contínuo, de limagem e de alargamento e limagem. In-
dependentemente da técnica empregada, o preparo api-
cal dos canais radiculares deve ser executado com movi-
B mento de alargamento parcial alternado ou contínuo.
Abordaremos os contra-ângulos especiais que
executam o movimento de alargamento parcial alter-
nado (oscilatório) à direita e à esquerda, descrevendo
um arco de 30 ou 45º. Esses contra-ângulos permitem
o acoplamento do cabo de instrumentos tipo K de aço
inoxidável ou de NiTi. Para o acoplamento da haste de
fixação de instrumentos mecanizados há necessidade
C da utilização de um adaptador metálico ou de outra
cabeça para o contra-ângulo.
Os instrumentos de aço inoxidável não devem
Figura 9-113. Instrumento especial HI. Forma. A. Ponta. B. Haste ser pré-curvados para a realização do movimento de
de corte. C. Haste de corte D16.
370 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

alargamento parcial alternado, uma vez que esse pro-


cedimento induz carregamentos combinados de do-
bramento alternado e de torção. O segmento dobrado
não gira no eixo do instrumento, mas tende a descre-
ver um semicírculo com raio igual ao comprimento do
segmento pré-curvado. Todavia, devido às dimensões
e à resistência das paredes do canal, o deslocamento
do segmento pré-curvado do instrumento é reduzido,
ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentra-
ção de tensão por torção. Esse carregamento pode ul-
trapassar o limite de resistência do material levando à
fratura do instrumento. Para instrumentos de maior
diâmetro, a rigidez é aumentada e a força de oposição
das paredes dentinárias nem sempre é capaz de indu- A
zir a fratura do instrumento. Nessas condições, o que
observamos na região apical do canal radicular é uma
maior incidência de deformação do preparo após a
instrumentação. Para evitar esses acidentes, os instru-
mentos endodônticos devem ser empregados no limite
elástico e jamais no limite plástico (pré-curvado).
O movimento de alargamento parcial alternado
dos instrumentos endodônticos conectados nos contra-
ângulos especiais é gerado por micromotores a ar ou
motores elétricos. Os micromotores a ar não possuem
mecanismos para manter constante a pressão no com-
pressor. Os compressores trabalham em regime de
pressão flutuante. Quando a pressão no cilindro atin-
ge um valor mínimo, o aparelho é automaticamente
ligado e desligado ao atingir a pressão máxima. Nes-
sa faixa de variação da pressão do compressor, a fre-
quência do movimento de alargamento parcial alterna-
do (oscilatório) do instrumento fica flutuante. Os moto-
res elétricos mantêm constante a velocidade de rotação.

Contra-ângulo TEP-E10R
É fabricado pela NSK (Japão) com amplitude do
arco de 45º e redução de velocidade de 10:1. Segundo
o fabricante, é recomendada uma velocidade de traba-
lho máxima para o instrumento endodôntico de 3.000
ciclos (oscilações) por minuto. Possui uma cabeça com
sistema de pinça acionada por push-botton que permite
adaptar o cabo de diferentes instrumentos endodônti-
cos tipo K. O contra-ângulo TEP-E10R é distribuído no
Brasil pela Adiel Comercial Ltda (Ribeirão Preto, SP)
(Fig. 9-114A e B).

Contra-ângulo M-4
É fabricado pela Kerr (Kerr, México) com ampli- B

tude do arco de 30º, redução de velocidade 4:1, e engate


Figura 9-114A e B. Contra-ângulo TEP-E10R.
Instrumentos Endodônticos 371

na cabeça do contra-ângulo por sistema push-botton. Se-


gundo o fabricante, é recomendada uma velocidade de
trabalho para o instrumento endodôntico entre 1.500 e
6.000 oscilações por minuto.

Contra-ângulo 3LD-DURATEC
É fabricado pela Kavo (Brasil) com amplitude do
arco de 90º, redução de velocidade de 10:1 e engate na
cabeça do contra-ângulo por sistema push-botton. Para
Nagy et al.58 e Sydney et al.73, a amplitude do arco é de
45º e não de 90º como divulgado pelo fabricante.
O movimento de alargamento parcial alternado
também pode ser obtido por meio do aparelho ENDO-
MATE 2 com bateria de níquel-cádmio sem fio acopla-
do a uma contracabeça denominada de TEP-HA (NSK,
Figura 9-116. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de fixação
Japão).
e acionamento.

 INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
ESPECIAIS DE NiTi MECANIZADOS tros, a haste de fixação e acionamento é obtida da haste
metálica primitiva. Serve para fixação do instrumento
São considerados em Endodontia como instru- na cabeça do contra-ângulo e seu acionamento obtido
mentos de NiTi mecanizados os instrumentos especiais por meio de motores elétricos ou pneumáticos. Tem
acionados exclusivamente por dispositivos mecânicos 15mm de comprimento, todavia alguns instrumentos
com giro continuo à direita. Porém, alguns instrumen- apresentam comprimentos menores das hastes (11mm
tos ou sistemas podem ser acionados por dispositivos a 13mm). Esses instrumentos quando usados em con-
mecânicos com giro parcial alternado (oscilatório). tra-ângulos de cabeça menor conferem comprimentos
Geralmente são fabricados por usinagem a par- totais menores, o que favorece o emprego em dentes
tir de um fio metálico de níquel-titânio de seção reta posteriores e em pacientes de pequena abertura bucal
transversal circular ou por torção a partir de uma haste (Fig. 9-116).
piramidal de seção reta triangular. São oferecidos co- O diâmetro da haste de fixação e acionamento é
mercialmente como sistemas de instrumentos consti- universal (2,30mm), o que permite a sua adaptação em
tuídos de alargadores cervicais e de alargadores apicais contra-ângulos de qualquer marca comercial. Geral-
indevidamente denominados de limas (Fig. 9-115). mente são douradas ou prateadas e possuem anéis co-
Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi loridos correlacionados à conicidade da haste de corte
mecanizados de um sistema apresentam comprimen- helicoidal e ao diâmetro D0 da ponta do instrumento.
tos do corpo, da parte de trabalho, conicidades e diâ- Para alguns instrumentos, a conicidade é expressa pelo
metros em D0, variáveis com a marca comercial. Não número de estrias presentes na haste de fixação e acio-
existem normas de padronização para os instrumentos namento
endodônticos especiais de NiTi mecanizados. A haste O intermediário apresenta tamanho variável em
de fixação e acionamento dos instrumentos é metálica função do comprimento do corpo do instrumento e da
(liga de latão) unida por engaste a uma das extremida- parte de trabalho. Os instrumentos endodônticos me-
des do corpo (intermediário) do instrumento. Para ou- canizados geralmente apresentam ranhuras que deter-
minam o comprimento do corpo a partir da ponta do
instrumento endodôntico.
A ponta dos instrumentos mecanizados indepen-
dentemente da marca comercial é cônica circular com
a extremidade pontiaguda, arredondada ou truncada.
É obtida por um processo de usinagem denominado
Figura 9-115. Sistema de instrumentos de NiTi mecanizados. Alar- de torneamento cônico externo. Apresenta curva de
gador apical (superior). Alargador cervical (inferior). transição (Fig. 9-117A e B). A forma elipsoide (curva
372 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A B

Figura 9-117. Instrumentos de NiTi mecanizados. A e B. Forma das pontas.

de transição) da passagem da base da ponta para a has-


te de corte helicoidal dos instrumentos reduz a possibi-
lidade de travamento (imobilização) do instrumento no
interior de um canal radicular, durante a instrumenta-
ção por meio do movimento de alargamento contínuo.
O travamento da ponta pode induzir uma deformação
plástica na haste helicoidal (reversão do sentido da hé-
lice) ou a fratura do instrumento, desde que o torque
aplicado ultrapasse o limite de resistência à fratura por
torção do material. A curva de transição elipsoide per-
mite o giro e o avanço do instrumento com um me-
nor carregamento no sentido apical do canal radicular.
Também minimiza o transporte apical de um canal ra-
dicular curvo49.
A haste de corte helicoidal dos instrumentos de
NiTi mecanizados é cônica com a base voltada para o
intermediário do instrumento. Normalmente, é obtida
a partir de um fio metálico por um processo de usi-
nagem denominado de roscamento externo. Alguns
instrumentos endodônticos de NiTi podem ser confec-
cionados por torção de uma haste piramidal de seção Figura 9-118. Instrumentos de NiTi mecanizados. Fabricado por
reta triangular obtida por aplainamento de uma has- torção (superior). Fabricado por usinagem (inferior).
Instrumentos Endodônticos 373

te cilíndrica (Fig. 9-118). É constituída pelas hélices e


pelos canais helicoidais, dispostos na direção oblíqua
ao eixo do instrumento no sentido da direita para a
esquerda41,49 (Fig. 9-119).
A quantidade de hélices na haste de corte do instru-
mento varia em função do comprimento, diâmetro, coni-
cidade, passo da hélice e do número de arestas de corte.
Os instrumentos endodônticos de NiTi mecaniza-
dos podem apresentar hélices (arestas laterais de corte)
na forma de filete ou de guia radial. Inicialmente, todos
eram fabricados com guia radial (Fig. 9-120A e B).
A guia radial tem como objetivo manter o instru-
mento centralizado em relação ao eixo do canal radicular
durante o corte da dentina. A porção posterior da guia
radial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir
a área de contato entre o instrumento e as paredes do
canal radicular. Isso reduz o atrito e diminui a possibili-
dade de geração de calor durante a rotação do instrumen-
to no interior do canal radicular. A presença da guia ra-
dial também tem por objetivo mudar a direção da aresta
de corte em relação à parede do canal radicular e o ângulo
interno da aresta de corte. Essas características tornam o
Figura 9-119. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. corte da dentina mais suave, ou seja, menos invasivo.
A. Hélice. B. Canal helicoidal. O ângulo agudo de inclinação das hélices geral-
mente apresenta diferentes valores ao longo da haste

A B

Figura 9-120. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. A. Hélices (aresta lateral de corte) na forma de filete. B. Hélices na forma
de guia radial.
374 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A B

Figura 9-121. Instrumentos de NiTi mecanizados. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A e B. Variável ao longo da haste de corte.

helicoidal. Junto da ponta dos instrumentos de NiTi


mecanizados é pequeno (10º), o que somado à supere-
lasticidade da liga metálica permite uma eficiente ação
de alargamento do segmento apical curvo de um canal
radicular. Isso propicia a obtenção de um preparo cen-
trado do segmento apical de canais radiculares. A for-
ma final do preparo é cônica e de seção reta transversal
circular desde que o diâmetro do instrumento empre-
gado seja proporcionalmente maior do que o diâmetro
do canal radicular (Fig. 9-121A e B).
Por meio da seção reta longitudinal da parte de
trabalho verificamos que o núcleo dos instrumentos de
NiTi mecanizados pode apresentar forma cônica com
diâmetro maior voltado para o intermediário, cônica
invertida (cônica reversa) com o diâmetro menor volta-
do para o intermediário e cilíndrica. A forma e dimen-
são do núcleo determinam a profundidade do canal
helicoidal presente na haste de corte do instrumento.
Para núcleos cônicos, a profundidade do canal é cons- A
tante em toda a haste de corte helicoidal. Para os nú-
cleos cilíndricos e cônicos invertidos, a profundidade
do canal aumenta no sentido do intermediário. Den-
tre esses últimos, a profundidade do canal helicoidal
é maior nos instrumentos de núcleo cônico invertido
(Fig. 9-122A e B).
Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi
mecanizados apresentam seções retas transversais de
suas hastes de corte com diferentes formas. A forma
pode ser a mesma ou pode variar ao longo da haste de
corte do instrumento. É dada pelos perfis (desenhos) B

do canal helicoidal e da aresta de corte.


Figura 9-122. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte
O perfil do canal dos instrumentos de NiTi me- helicoidal cônica. Forma do núcleo. A. Desenho esquemático. B.
canizados pode apresentar paredes ou faces côncavas, Seção reta longitudinal.
Instrumentos Endodônticos 375

A B

Figura 9-123. Instrumentos de NiTi


mecanizados. Haste de corte. Perfil
da seção reta transversal (silhueta).
C D A. Côncava. B. Convexa. C. Sinuosa
(côncava convexa). D. Reta.

convexas, sinuosas (côncava e convexa) ou retas. O A parte central da seção reta transversal, repre-
perfil da aresta ou fio de corte pode apresentar a forma sentada por um círculo tangenciando os fundos dos
de filete ou a forma de guia (plano) radial. Possuem canais, corresponde à área do núcleo do instrumento
duas ou três arestas laterais de corte e igual número de endodôntico. A área (diâmetro) do núcleo depende
canais. Assim, instrumentos endodônticos de mesmo da forma da seção reta transversal. Para instrumentos
diâmetro externo e de diferentes fabricantes podem de um mesmo número onde as superfícies do canal
apresentar seções retas transversais com diferentes for- helicoidal são convexas o diâmetro do núcleo é maior
mas (desenhos) ( Fig. 9-123A a D). (Fig. 9-124).

Figura 9-124. Instrumentos de NiTi


mecanizados. Haste de corte. Seção reta
transversal. Área (diâmetro do núcleo).
376 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quanto menor o diâmetro do núcleo, maior a Por meio da seção reta transversal e do posicio-
profundidade do canal e maior será a capacidade de o namento do ponto de referência da aresta de corte em
instrumento transportar resíduos da instrumentação. relação à parede de um canal radicular, podemos afir-
Maior também será o volume de uma solução quími- mar que os instrumentos endodônticos de NiTi meca-
ca auxiliar que fluirá em sentido apical entre a parede nizados apresentam ângulo de ataque negativo. É con-
dentinária e o instrumento endodôntico. Além disso, a siderado negativo quando o ponto de referência esti-
forma e a dimensão do núcleo são significativas para ver aquém (atrasado) em relação à superfície de ataque
a flexibilidade e para a resistência à fratura dos instru- (Fig. 9-125). Para a dentina (material frágil e quebradi-
mentos endodônticos. Quanto menor a dimensão do ço) é ideal que os instrumentos endodônticos possuam
núcleo, maiores a flexibilidade e a resistência à fratura ângulo de ataque negativo e não positivo41,49.
por flexão rotativa do instrumento (fadiga de baixo ci- Os instrumentos endodônticos de NiTi mecani-
clo). Contudo, menor será sua resistência à fratura por zados, projetados para a instrumentação dos segmen-
torção. A força para a flexão de 45º de instrumentos me- tos médio e apical de canais radiculares denominados
canizados de no 40, conicidade de 0,04mm/mm e com- erroneamente de limas, são na verdade alargadores
primento de 25 mm, é de 250gf para os da marca ProFile helicoidais cônicos, uma vez que executam o movi-
(Maillefer, Suíça) e de 330 gf para os da marca K3 (Kerr, mento de alargamento de um furo (canal) e não o
México). Quanto à resistência à fratura por torção, o tor- movimento de limagem. São normalmente comerciali-
que máximo é de 143gf.cm para o instrumento ProFile zados nos nos de 15 a 90, nos comprimentos de 18, 21, 25
(35/0,04 de 25mm) e de 188gf.cm para o K3 (35/0,04 de e 31mm e nas conicidades de 0,02 - 0,04 e 0,06mm/mm.
25mm). Esses resultados estão relacionados com a me- A tendência, em função da anatomia dos canais radi-
nor área do núcleo dos instrumentos ProFile quando culares e das propriedades mecânicas da liga NiTi, é
comparados aos K3. Porém, quanto maior o diâmetro de que a conicidade dos alargadores apicais não ultra-
do núcleo, menor será a profundidade do canal heli- passe 0,06mm/mm para poder proporcionar ao instru-
coidal do instrumento. Para canais helicoidais rasos, os mento empregado no preparo apical uma flexibilidade
instrumentos endodônticos devem ser removidos do capaz de percorrer e alargar sem deformação um canal
interior de um canal radicular com maior frequência, radicular curvo. Conicidades maiores podem provocar
ou seja, após três a cinco ciclos de avanço e retrocesso um corte excessivo das paredes do canal radicular na
em sentido apical. A cada remoção o instrumento deve região apical e em canais curvos em razão de a maior
ser limpo em um pedaço de gaze umedecida com álcool rigidez (menor flexibilidade) induzir a fratura dos ins-
iodado ou hipoclorito de sódio. O instrumento deve ser trumentos por fadiga de baixo ciclo.
posicionado na gaze segura pelos dedos indicadores e Os alargadores apicais são projetados para o alar-
polegar da mão do operador. A seguir, o instrumento é gamento dos segmentos médio e apical de um canal
pressionado junto do intermediário e girado à esquerda radicular promovendo uma modelagem cônica e cen-
até a sua remoção da gaze. trada. É importante ressaltar que a flexibilidade (resis-
tência em flexão) de um instrumento endodôntico de

Figura 9-125. Instrumentos de NiTi


mecanizados. Ângulo de ataque ne-
gativo.
Instrumentos Endodônticos 377

NiTi mecanizado é proporcional ao comprimento e Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi


inversamente proporcional ao diâmetro D0 (número). mecanizados foram projetados para ser utilizados em
Para instrumento de mesmo número é inversamente movimento de alargamento contínuo com giro à direita.
proporcional à conicidade da haste de corte helicoidal. Devido à forma cônica da haste de corte, no alar-
Assim, para canais radiculares com curvaturas apicais gamento de um canal radicular, o desgaste da dentina
acentuadas (pequeno raio de curvatura) devemos em- se dá no movimento de giro e de avanço (penetração)
pregar instrumentos endodônticos especiais de NiTi do instrumento no eixo do canal radicular. A seguir
mecanizados de número compatível ao caso clínico traciona-se o instrumento no sentido cervical (retro-
(morfologia radicular), porém de menor conicidade e cesso). A amplitude da tração é curta o suficiente para
de maior comprimento49. liberar o instrumento. Grandes movimentos de tração
Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi podem induzir o deslocamento de material existen-
mecanizados denominados de alargadores cervicais te no interior do canal para a região apical durante o
são projetados para a instrumentação do segmento avanço subsequente. O retrocesso do instrumento tem
cervical do canal radicular. São comercializados com como objetivo favorecer a passagem da solução quí-
menor número de opção de diâmetro do que os alar- mica auxiliar da instrumentação no sentido apical, a
gadores apicais. Geralmente, apresentam a mesma remoção de detritos no sentido coronário e dissipar o
configuração dos alargadores apicais, porém com com- calor gerado durante os procedimentos do preparo do
primentos do corpo e da parte de trabalho menores. O canal radicular.
comprimento do corpo oscila entre 15 e 19mm e o da São empregados com motores elétricos ou mi-
parte de trabalho é menor do que 16mm (geralmente cromotores a ar (pneumáticos) possuidores de dispo-
10mm). De um modo geral apresentam grandes coni- sitivos mecânicos que permitem velocidade de giro e
cidades e pequenos diâmetros em D0. Como esses ins- torque baixos. São acompanhados normalmente de ân-
trumentos são projetados para alargar a região cervical gulos redutores de velocidade (8:1, 16:1 e 20:1). A velo-
do canal radicular, a sua conicidade deve ser maior do cidade de emprego varia entre 250 e 350rpm e o torque
que a dos alargadores apicais, ou seja, de 0,08, 0,10 e entre 0,1 e 5Ncm.
0,12mm/mm. O diâmetro em D0 deve ser pequeno, não Torque ou momento de uma força é definido
superior a 0,25mm para a ponta do instrumento servir como o efeito rotatório criado pelo carregamento dis-
de guia e evitar a perda da trajetória inicial de canais tante do centro de resistência de um corpo. O torque é
radiculares atresiados. A porção da haste de corte de calculado pela equação: Torque = Força × Raio, onde o
maior diâmetro tem por finalidade alargar o segmento Raio é a distância entre o ponto de aplicação da Força e
cervical e a de diâmetro menor servir de guia durante o eixo de rotação do corpo.
a instrumentação de um canal radicular. A função de A força no Sistema Internacional de Unidades é ex-
guia da ponta tem como objetivo principal evitar a per- pressa em Newton (N) e o torque expresso pela unida-
da da trajetória de canais atresiados41,49. de de força multiplicada pela unidade de comprimento
Os fabricantes oferecem e diversos profissionais (Newton × metro). São empregadas também para a força
sugerem estojos (kits) com números reduzidos de ins- as unidades em quilograma-força e grama-força e para o
trumentos como solução econômica para o tratamento comprimento as unidades em centímetros e milímetros.
endodôntico de canais radiculares. Todavia, devido Existem as relações entre as unidades:
à complexidade anatômica dos canais, é impossível
prepará-los adequadamente quanto à forma e à lim- 1kgf = 1.000gf = 9,8N
peza com um número reduzido de instrumentos en- 1m = 100cm = 1.000mm
dodônticos. Não devemos tentar adaptar o canal radi-
cular às características morfológicas e às propriedades Os micromotores a ar, em razão da variação da
mecânicas do jogo de instrumentos proposto, mas sim pressão do compressor, conferem aos instrumentos en-
projetarmos uma sequência de instrumentos endodôn- dodônticos uma velocidade de rotação flutuante. O tor-
ticos de acordo com a configuração anatômica do ca- que utilizado é fixo. Os motores elétricos mantêm cons-
nal radicular a ser preparado. O compromisso de um tantes a velocidade de rotação e a opção de torque.
profissional (endodontista) não é apenas com o aspecto Diversos fabricantes propõem motores elétri-
radiográfico da obturação de um canal radicular, mas cos com diferentes opções de valores de velocidade
sim com o resultado do tratamento endodôntico. e de torque. Esses valores têm como objetivo reduzir
a possibilidade de fratura por torção dos instrumen-
378 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

tos endodônticos durante a instrumentação de canais zirá a ocorrência de sua fratura por torção. Entretanto,
radiculares. Os valores das velocidades e dos torques sem dúvida, o melhor recurso para reduzir o índice de
geralmente são preestabelecidos pelos fabricantes. Ou- fratura por torção é evitar a imobilização da ponta do
tros motores fornecem velocidades e torques progra- instrumento durante o preparo de um canal radicular,
mados para cada tipo e diâmetro de instrumento endo- o que é alcançado com o conhecimento dos princípios
dôntico empregado. Para ambos os motores, quando mecânicos da instrumentação, com técnica adequada,
o carregamento atingir o torque selecionado (torque habilidade e experiência profissional. Segunto Yared
de segurança), teoricamente aquém do limite máximo et al.,78 para profissionais experientes o uso de moto-
de resistência à fratura por torção, o giro do motor é res com torques menores do que o limite de resistência
interrompido, evitando-se a sobrecarga e a fratura do à fratura em torção do instrumento empregado não é
instrumento empregado. importante para reduzir a incidência de deformação
Todavia estabelecer esses valores torna-se difícil plástica ou de fratura do instrumento.
por diversos empecilhos mecânicos e clínicos a seguir Em função do exposto, estabelecer o valor de um
mencionados: torque de segurança para cada tipo e marca comercial
• O operador deve conhecer o valor provável do tor- de instrumento de NiTi mecanizado é tarefa mais difí-
que que induz a fratura de cada instrumento endo- cil do que a facilidade propalada por muitos.
dôntico empregado. Vale ressaltar que esses valores É importante ressaltar que o maior temor em usar
não são informados pelos fabricantes. instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados no
• O torque é uma grandeza relacionada com o raio. preparo de canais radiculares curvos é devido à ocor-
Assim, o torque máximo de fratura de um instru- rência da fratura por fadiga de baixo ciclo advinda de
mento endodôntico varia ao longo de sua haste de um carregamento por flexão rotativa. Esse tipo de fra-
corte helicoidal cônica. tura não está relacionado com o valor do torque apli-
• As variações acentuadas entre os diâmetros reais e cado ao instrumento quando em flexão rotativa. A fra-
os nominais propostos, assim como os inúmeros de- tura por fadiga é imprevisível, pois acontece sem que
feitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas haja qualquer aviso prévio. É responsável por 50 a 90%
e microcavidades) existentes nos instrumentos en- das falhas mecânicas24.
dodônticos, funcionam como pontos concentrado- Na região de flexão de um instrumento em rota-
res de tensão, podendo induzir a fratura prematura ção contínua são geradas tensões que variam alterna-
com níveis de torques abaixo dos previsíveis. damente em tração e compressão. Essas tensões pro-
• A seção reta transversal da haste de corte dos ins- movem mudanças microestruturais acumulativas que
trumentos endodônticos mecanizados apresenta de- podem levar o material à fratura.
senhos diferentes em função do fabricante. Pode ser A resistência à fratura por fadiga de um instru-
constante para toda a haste de corte ou apresentar mento endodôntico é quantificada pelo número de ci-
variações. Consequentemente, a área da seção reta clos (vida útil) que ele é capaz de resistir em uma deter-
transversal e o diâmetro do núcleo variam em fun- minada condição de carregamento48,49.
ção do desenho e da conicidade da haste de corte do O número de ciclos é acumulativo e depende da
instrumento. velocidade de giro e do tempo de manutenção do ins-
• O torque máximo de fratura de um instrumento trumento em flexão rotativa. Quanto maior a velocida-
endodôntico, durante o uso clínico, depende tam- de, menor será o tempo de vida útil do instrumento.
bém da anatomia do canal radicular. Em um canal A intensidade das tensões trativas e compressivas
curvo o instrumento é submetido a carregamentos impostas na região de flexão rotativa de um instru-
combinados de flexão rotativa e de torção que in- mento depende do raio de curvatura de um canal, do
duzem tensões trativas, compressivas e cisalhantes. comprimento do arco do canal e do diâmetro do ins-
Essa condição é mais severa do que a observada em trumento. Quanto menor o raio de curvatura, maior o
vários ensaios mecânicos de laboratório disponíveis comprimento do arco do canal e maior o diâmetro do
na literatura, onde o carregamento do instrumento é instrumento empregado, maior será a intensidade das
apenas por torção. tensões e, consequentemente, menor será o tempo de
vida útil do instrumento48,49.
Um maior rigor no controle das dimensões no- A Dentsply Maillefer, Suíça, fabrica um aparelho
minais e do acabamento superficial dos instrumentos compacto denominado de X-SMART empregado para
endodônticos de NiTi mecanizados certamente redu- o acionamento de instrumentos endodônticos com
Instrumentos Endodônticos 379

Quadro 9-16 Relação entre velocidade e torque ma para instrumento endodôntico manual ou me-
canizado; reversão da rotação, com aviso sonoro, e
RPM 200 240 280 320 360 400 acionamento do motor por meio de botões especí-
ficos no pedal; circuito chaveado automático para
Ncm 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0
127/220V (Bi-volt).
Para instrumento endodôntico mecanizado
usar contra-ângulo com contracabeça rotatória com
redução de 10:1. Para instrumento denominado de
velocidades e torques preestabelecidos. O aparelho manual, empregar contracabeça oscilatória sem re-
possibilita alteração de velocidade e torque em nove dução (1:1) com garra para cabo de instrumento.
programações pré-ajustáveis. A escala de velocidades O motor elétrico EASY ENDO System (Easy
é de 120 a 800rpm, e a escala de torques é de 0,6 a 5,2N. Equipamentos Odontológicos, Belo Horizonte, MG),
cm. É empregado com contra-ângulo redutor de 16:1. segundo o fabricante, constitui-se num exemplo de
Funciona na eletricidade ou com baterias. Tempo de aparelho com torques programados para cada diâ-
recarga da bateria de aproximadamente 5 horas. Tem- metro, conicidade, tipo e marca comercial de instru-
po de uso com bateria de aproximadamente 2 horas. mento endodôntico de NiTi mecanizado.
Compatível com todos os sistemas de instrumentos
mecanizados. A peça de mão possui botão liga-desliga Sistema ProFile
e pesa 92g. Apresenta tela de cristal líquido e controle
de autorreverso. Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
A Adiel Comercial Ltda. (Ribeirão Preto, SP, Bra- ma ProFile são fabricados por usinagem a partir de um
sil) fabrica um micromotor elétrico para instrumen- fio metálico de NiTi pela Maillefer Instruments (Suíça),
tação mecanizada de canais radiculares denominado sendo constituído de alargadores apicais e cervicais.
Endo-Max modelo EMX-3 com velocidade e torque São projetados para serem acionados por dispositivos
conjugados de acordo com o Quadro 9-16. mecânicos com giro contínuo à direita.
O aparelho possibilita alteração (aumento) do
torque selecionado de aproximadamente 30%, sem Alargadores apicais
alterar a velocidade de rotação. Possui visual com São oferecidos comercialmente na conicidade de
display numérico para demonstração da velocidade 0,02mm/mm nos comprimentos úteis de 21 e 25mm e nos
de rotação do instrumento; led indicador do progra- nos de 15 a 40. Na conicidade de 0,04mm/mm, nos com-

Quadro 9-17 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,02mm/mm
(valores nominais)

No 15 20 25 30 35 40

D0 (mm) 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40

D16 (mm) 0,47 0,52 0,57 0,62 0,67 0,72

Cor branca amarela vermelha azul verde preta

Quadro 9-18 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,04mm/mm
(valores nominais)

No 15 20 25 30 35 40 45 60 90

D0 (mm) 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,60 0,90

D16 (mm) 0,79 0,84 0,89 0,94 0,99 1,04 1,09 1,24 1,54

Cor branca amarela vermelha azul verde preta branca azul branca
380 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-19 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,06mm/mm
(valores nominais)

No 15 20 25 30 35 40

D0 (mm) 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40

D16 (mm) 1,11 1,16 1,21 1,26 1,31 1,36

Cor branca amarela vermelha azul verde preta

primentos úteis de 18, 21, 25 e 31mm e nos nos 15, 20, 25, de no 30 obedece ao padrão série 29 (0,13, 0,17, 0,22, 0,28)
30, 35, 40, 45, 60 e 90. Os de conicidade 0,06mm/mm, nos e os demais, o padrão ISO. Com finalidade didática esses
comprimentos úteis de 18, 21 e 25mm e nos nos de 15 a 40. instrumentos são identificados como sendo números: 15,
O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm. 20, 25 e 30 (Quadros 9-17, 9-18 e 9-19).
Os alargadores de conicidade 0,04mm/mm são identifi- A ponta dos alargadores apicais apresenta a fi-
cados por um anel colorido, e os de conicidade 0,06mm/ gura de um cone circular com sua extremidade ge-
mm, por dois anéis coloridos em suas hastes de fixação ralmente pontiaguda. Tem curva de transição, sen-
e acionamento. Os de conicidade 0,02mm/mm também do a passagem da base da ponta para a aresta de
são identificados por um anel colorido, acompanhado de corte feita de modo suave, apresentando uma forma
um sulco. O diâmetro em D0 inclusive do alargador apical elipsoide. O ângulo da ponta é menor do que 70º. O
ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento
aumenta de D0 (20 a 25) para D16 (45 a 50). Os valores
desses ângulos crescem com o aumento do diâme-
A tro nominal do instrumento (Fig. 9-126A e B a D).
Apresentam em média 21 hélices na haste de corte
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. A. Fotografia.
do instrumento.
A haste de corte helicoidal apresenta seção reta
transversal de forma triangular modificada (tríplice
U), com três guias radiais e três canais. A guia radial
tem como objetivo manter o instrumento centralizado
em relação ao eixo do canal radicular durante o corte.
B A porção posterior da guia radial é rebaixada (super-
fície de folga) para diminuir a área de contato entre o
instrumento e as paredes do canal radicular. Isso reduz
o atrito, diminuindo a possibilidade de o instrumento
durante a rotação travar no interior do canal radicular.
A presença da guia radial tem por objetivo mudar a
direção da aresta de corte em relação à parede do canal
C radicular e o ângulo interno da aresta lateral de corte
de um instrumento endodôntico. Os canais apresentam
paredes com perfis côncavos que promovem redução
do diâmetro do núcleo e da área da seção reta trans-
versal. A seção reta longitudinal da parte de trabalho
dos alargadores apicais ProFile revela núcleo cilíndri-
co e canais helicoidais com profundidade crescente de
D1 para D16. Canais helicoidais profundos permitem
uma maior remoção de dentina excisada proveniente
D
do preparo, assim como uma maior possibilidade de
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. a solução química auxiliar da instrumentação fluir no
C. Haste de corte. D. Haste de corte D16. sentido apical do canal radicular, o que reduz o risco
Instrumentos Endodônticos 381

de impactação de detritos no segmento apical do canal


e de extravasamento via forame apical. A redução do
diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal
aumenta a profundidade do canal helicoidal e dimi-
nui o momento de inércia do instrumento, reduzindo
A a sua resistência em flexão, ou seja, aumentando sua
flexibilidade (Fig. 9-127A a C e D).
A aresta ou fio lateral de corte é formada pela
interseção da superfície da guia radial com a superfí-
cie de ataque do canal helicoidal. O ângulo interno da
aresta de corte é de 120º e de vértice arredondado. O
ângulo de ataque é classificado como negativo, ou seja,
o ponto de referência da aresta de corte está aquém em
relação à superfície de ataque do instrumento.
Os alargadores apicais são indicados para o
alargamento dos segmentos médio e apical de um
canal radicular promovendo uma modelagem côni-
B
ca e centrada.

Alargadores cervicais
Os alargadores cervicais (Orifice Shapers) apre-
sentam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica
com características morfológicas semelhantes às de
um alargador apical ProFile de NiTi mecanizado.
São oferecidos comercialmente, no comprimento útil
de 19mm e nos nos e conicidades 20/0,05 – 30/0,06 –
40/0,06 – 50/0,07 – 60/0,08 – 80/0,08. O comprimento
C mínimo da parte de trabalho é de 10mm. Os números
dos alargadores são representados por cores: branca
Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Seção reta lon- (20), amarela (30), vermelha (40), azul (50), verde (60)
gitudinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. e preta (80). São identificados por três anéis coloridos
nas hastes de fixação e acionamento dos instrumentos.
As cores representativas dos alargadores cervicais não

Quadro 9-20 Alargadores cervicais (Orifice Shapers) –


Maillefer Instruments (valores nominais)

No Cor Conicidade D0 (mm) D10 (mm)


mm/mm

1 branca 0,05 0,20 0,70

2 amarela 0,06 0,30 0,90

3 vermelha 0,06 0,40 1,00

4 azul 0,07 0,50 1,20

D
5 verde 0,08 0,60 1,40

Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. D. Seção reta 6 preta 0,08 0,80 1,60
transversal.
382 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

seguem as especificações no 28 da ANSI/ADA3 e no


3630/1 da ISO31 (Quadro 9-20).
A
São indicados para o alargamento do segmento
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. A. Fotografia. cervical de um canal radicular (Fig. 9-128A, B e C,
D) promovendo uma modelagem cônica e centrada.
Os alargadores cervicais substituem com vantagem
os alargadores Gates Glidden de aço inoxidável, os
quais tornam o preparo cervical com a forma cilín-
drica em comparação à forma cônica original do ca-
nal radicular.

Sistema K3
B
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
ma K3 são fabricados por usinagem de um fio metálico
de NiTi pela Sybron Dental Specialties-Kerr (México),
sendo constituído de alargadores apicais e cervicais.
São projetados para ser acionados por dispositivos me-
cânicos com giro continuo à direita.

Alargadores apicais
São fornecidos comercialmente, nas conicidades
de 0,02 – 0,04 e 0,06mm/mm, nos comprimentos úteis
de 21, 25 e 30mm e nos nos de 15 a 60. O comprimento
mínimo da parte de trabalho é de 16mm. Na haste de
C fixação e acionamento existem dois anéis coloridos: o
próximo da extremidade (denominado de superior)
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. Forma. B. Pon- corresponde à conicidade e o outro (denominado de
ta. C. Haste de corte. inferior) ao diâmetro do instrumento em D0 (Quadros
9-21, 9-22 e 9-23).
A ponta dos alargadores apicais K3 apresenta a
figura de um cone circular e sua extremidade é arre-
dondada. O ângulo da ponta é menor do que 60º (40
a 45º). Tem curva de transição. O ângulo da hélice
em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1
(20 a 25º) para D16 (45 a 50º). O número de hélices
varia entre 13 (instrumentos de nº 60) e 28 (instru-
mentos de no 15) (Fig. 9-129A e B a D).
A seção reta longitudinal apresenta núcleo cô-
nico invertido com o menor diâmetro voltado para
a base da haste de corte helicoidal cônica, o que per-
mite a esses instrumentos apresentarem boa flexibi-
lidade (compatível com o uso) em que pesem as suas
maiores conicidades. Em razão da forma cônica in-
vertida do núcleo, a profundidade do canal da haste
de corte helicoidal cônica aumenta de D0 para D16.
A haste de corte apresenta seção reta transver-
sal com três guias radiais e três canais. A aresta ou
D
fio lateral de corte é formada pela interseção da su-
perfície da guia radial com a superfície de ataque do
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. D. Seção reta
transversal.
canal. O ângulo interno da aresta de corte é de 60º
Instrumentos Endodônticos 383

Quadro 9-21 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,02mm/mm

No Parte de Conicidade D0 (mm) D 16 (mm) Cor do anel


trabalho (mm) (mm/mm)
Superior Inferior

15 16 0,02 0,15 0,47 vermelha branca

20 16 0,02 0,20 0,52 vermelha amarela

25 16 0,02 0,25 0,57 vermelha vermelha

30 16 0,02 0,30 0,62 vermelha azul

35 16 0,02 0,35 0,67 vermelha verde

40 16 0,02 0,40 0,72 vermelha preta

45 16 0,02 0,45 0,77 vermelha branca

Quadro 9-22 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,04mm/mm

No Parte de Conicidade D0 (mm) D16 (mm) Cor do anel


trabalho (mm) (mm/mm)
Superior Inferior

15 16 0,04 0,15 0,79 verde branca

20 16 0,04 0,20 0,84 verde amarela

25 16 0,04 0,25 0,89 verde vermelha

30 16 0,04 0,30 0,94 verde azul

35 16 0,04 0,35 0,99 verde verde

40 16 0,04 0,40 1,04 verde preta

45 16 0,04 0,45 1,09 verde branca

50 16 0,04 0,50 1,14 verde amarela

55 16 0,04 0,55 1,19 verde vermelha

60 16 0,04 0,60 1,24 verde azul

aproximadamente e de vértice pontiagudo. O ângu- paredes do canal radicular, duas guias radiais têm
lo de ataque é classificado como negativo, ou seja, o suas superfícies posteriores rebaixadas, o que reduz
ponto de referência da aresta de corte está aquém em o atrito diminuindo a possibilidade de o instrumen-
relação à superfície de ataque do instrumento12,41. to durante a rotação travar no interior do canal ra-
A guia radial é ampla, proporcionando um dicular. A terceira guia radial não é rebaixada e tem
aumento da área da seção reta transversal e do nú- como finalidade estabilizar e manter o instrumento
cleo do instrumento, e com isso, aumentando a re- centrado quando em movimento de rotação no inte-
sistência à fratura por torção do instrumento. Para rior do canal radicular, reduzindo a possibilidade de
diminuir a área de contato entre o instrumento e as desvios do preparo de canais radiculares curvos.
384 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-23 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,06mm/mm

No Parte de Conicidade D0 (mm) D16 (mm) Cor do anel


trabalho (mm) (mm/mm)
Superior Inferior

15 16 0,06 0,15 1,11 laranja branca

20 16 0,06 0,20 1,16 laranja amarela

25 16 0,06 0,25 1,21 laranja vermelha

30 16 0,06 0,30 1,26 laranja azul

35 16 0,06 0,35 1,31 laranja verde

40 16 0,06 0,40 1,36 laranja preta

45 16 0,06 0,45 1,41 laranja branca

50 16 0,06 0,50 1,46 laranja amarela

55 16 0,06 0,55 1,51 laranja vermelha

60 16 0,06 0,60 1,56 laranja azul

A seção reta transversal mostra canais com


A perfis sinuosos (paredes côncavas e convexas). Isso
Figura 9-129. Sistema K3. Alargadores apicais. A. Fotografia. confere aos alargadores apicais K³ canais rasos e
consequentemente aumento do diâmetro do núcleo
e da área da seção reta transversal do instrumento.
Canais rasos dificultam a remoção de dentina exci-
sada proveniente do preparo e que a solução quími-
ca auxiliar da instrumentação flua no sentido apical
do canal radicular, o que aumenta o risco de impac-
B
tação de detritos no segmento apical do canal e ex-
travasamento via forame apical. Para minimizarem
esses inconvenientes, instrumentos com canais ra-
sos durante o preparo de um canal radicular devem
ser retirados e limpos com maior frequência (Fig.
9-130A a C e D).
O aumento do diâmetro do núcleo e da área da
seção reta transversal aumenta o momento de inér-
C cia do instrumento e diminui sua flexibilidade, tor-
nando o instrumento mais rígido, porém aumenta
sua resistência à fratura por torção.
Os alargadores apicais são indicados para o
alargamento dos segmentos médio e apical de um
canal radicular, promovendo uma modelagem côni-
ca e centrada.

D
Alargadores cervicais
Os alargadores cervicais (Orfice Opener) apresen-
Figura 9-129. Sistema K3. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. C. tam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica com ca-
Haste de corte. D. Haste de corte D16.
racterística morfológica semelhante à de um alargador
Instrumentos Endodônticos 385

apical K3. São oferecidos comercialmente nos compri-


mentos úteis de 17, 21 e 25mm e nos nos e conicidades
de 25/0,08, 25/0,10 e 25/0,12. O comprimento de parte
de trabalho é de 10mm (Quadro 9-24).
São projetados para o alargamento do seg-
mento cervical de um canal radicular, promovendo
A
uma modelagem cônica e centrada (Fig. 9-131A, B
a D e E).

Sistema Hero
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
ma Hero (High Elasticity in Rotation) são fabricados
B
por usinagem a partir de um fio metálico de NiTi pela
Micro-Mega (França), sendo constituídos de alargado-
res apicais e de um alargador cervical. São projetados
para ser acionados por dispositivos mecânicos com
giro continuo à direita.

Alargadores apicais 642


C
O no 642 representa as três conicidades 0,06 – 0,04
– 0,02mm/mm. São oferecidos comercialmente na co-
nicidade 0,06mm/mm, no comprimento útil de 21mm
e nos nos 20, 25 e 30. Os de conicidade 0,04mm/mm,
no comprimento útil de 25mm e nos nos 20, 25 e 30. Na
conicidade de 0,02mm/mm, no comprimento útil de
25mm e nos nos 20, 25, 30, 35, 40 e 45. O comprimento
mínimo da parte de trabalho é de 16mm.
A ponta do instrumento apresenta a figura de
um cone circular e sua extremidade é pontiaguda. O
ângulo da ponta é maior do que 60º (70 a 75º). Tem
curva de transição, sendo a passagem da base da pon-
ta para a aresta de corte feita de modo suave, apre-
sentando uma forma elipsoide. O ângulo da hélice em
relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 para
D D16. Instrumentos de conicidade 0,06mm/mm, ângu-
lo da hélice em D1 igual a 25º e em D16 igual a 40º.
Figura 9-130. Sistema K3. Alargadores apicais. Seção reta longitu- Instrumentos de conicidade 0,04mm/mm, ângulo da
dinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. D. Seção
hélice em D1 igual a 25º e em D16 igual a 39º e para os
reta transversal.
de conicidade 0,02mm/mm em D1 igual a 25º e em D16

Quadro 9-24 Valores nominais dos alargadores cervicais

No Parte de trabalho Con D0 D10 Cor do anel


(mm) (mm/mm) (mm) (mm)
Superior Inferior

25 10 0,08 0,25 1,05 verde-clara vermelha

25 10 0,10 0,25 1,25 rosa vermelha

25 10 0,12 0,25 1,45 vermelha vermelha


386 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

A
A
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. A. Fotografia.
Figura 9-132. Sistema Hero. Alargadores apicais. A. Fotografia.

Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. Forma. B. Ponta.


C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.
D

Figura 9-132. Sistema Hero. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta.


C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.

igual a 40º. Apresentam em média 20 hélices na haste


helicoidal (Fig. 9-132A e B a D).
A seção reta longitudinal dos alargadores api-
cais Hero apresenta núcleos cilíndricos, o que permite
a presença de canais helicoidais com profundidades
crescentes de D1 a D16. Todavia, a profundidade dos
canais helicoidais é rasa em razão do perfil sinuoso de
suas paredes. A haste de corte helicoidal apresenta se-
ção reta transversal com três arestas ou fios laterais de
corte e três canais. A aresta de corte na forma de filete
E
é oriunda da interseção das paredes de canais contí-
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. E. Seção reta trans- guos. O ângulo interno da aresta de corte é superior
versal. a 90º e seu vértice é pontiagudo. O ângulo de ataque
Instrumentos Endodônticos 387

Figura 9-134. Sistema Hero. Alargador cervical. A. Fotografia.

Figura 9-133. Sistema Hero. Alargadores apicais. A. Seção reta


transversal. Seções retas longitudinais. B. Ponta. C. Haste de corte.
D

é negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta Figura 9-134. Sistema Hero. Alargador cervical. B. Seção reta trans-
de corte está aquém em relação à superfície de ataque versal. C. Forma da ponta. D. Forma da haste de corte (D10).
do instrumento. Não apresenta guia radial, sendo a
aresta de corte representada pela forma de filete. Os
canais apresentam paredes com perfis sinuosos (pa-
rede convexa e côncava), o que confere canais rasos e O aumento do diâmetro do núcleo e da área da
consequentemente aumento no diâmetro do núcleo e seção reta transversal aumenta o momento de inércia
da área da seção reta transversal do instrumento. Ca- do instrumento e diminui sua flexibilidade, tornando
nais rasos dificultam a remoção de detritos oriundos o instrumento mais rígido, porém aumentando a sua
do preparo e diminuem o fluxo da solução química resistência à fratura por torção.
auxiliar da instrumentação. Isso aumenta o risco de Os alargadores apicais são indicados para o
impactação de detritos na região apical do canal api- alargamento dos segmentos médio e apical de um
cal e de extravasamento via forame apical. Para mi- canal radicular, promovendo uma modelagem côni-
nimizarem esses inconvenientes, instrumentos com ca e centrada.
canais rasos durante o preparo de um canal radicular
devem ser retirados e limpos com maior frequência Alargador cervical
(Fig. 9-133A a C). O alargador cervical, denominado de Endoflare,
apresenta características morfológicas semelhantes às
388 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

dos alargadores apicais HERO. É oferecido comercial- recidos comercialmente nas conicidades 0,02 – 0,04 e
mente no comprimento de 15mm, com diâmetro em D0 0,06mm/mm no comprimento útil de 25mm. O com-
igual a 0,25mm e conicidade de 0,12mm/mm. O com- primento mínimo da parte de trabalho é de 16mm
primento da parte de trabalho é de 10mm. É indicado (Quadro 9-25).
para o alargamento cervical de canais radiculares (Fig A ponta dos instrumentos FKG RaCe apresenta
9-134A e B a D). a forma de um cone circular com extremidade arre-
dondada. O ângulo da ponta é de 40º, valor inferior
Sistema FKG RaCe ao mínimo preconizado (60º). Tem curva de transição.
A partir da ponta do instrumento, as arestas de corte
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
são dispostas alternadamente em relação ao eixo do
ma FKG RaCe (Reamer with alternating Cutting edges –
instrumento na direção longitudinal (paralela) e na
Alargador com arestas de corte alternadas) são fabrica-
direção oblíqua (helicoidal). O ângulo da hélice é vari-
dos pela FKG Dentaire (Suíça), sendo constituídos de
ável de 25 a 30º. A disposição das arestas de corte pa-
dois tipos de instrumento: RaCe e Pré-RaCe. São pro-
ralela ao eixo reduz a velocidade de avanço, evitando
jetados para ser acionados por dispositivos mecânicos
o efeito de roscamento (imobilização) do instrumento
com giro contínuo à direita. Os instrumentos desse sis-
no interior do canal radicular. Consequentemente, re-
tema em razão da forma da seção reta transversal de
duz a variação do torque e minimiza a deformação
sua haste de corte helicoidal podem também ser acio-
plástica e/ou fratura do instrumento por torção. Após
nados por dispositivos mecânicos com giro alternado
a usinagem, os instrumentos FKG Pré-RaCe e FKG
(oscilatório).
RaCe são submetidos a um tratamento eletroquímico,
que tem por finalidade reduzir as ranhuras advindas
RaCe do processo de fabricação. A redução dessas ranhuras
Os instrumentos denominados FKG RaCe são tem como objetivo melhorar o comportamento mecâ-
indicados para a instrumentação dos segmentos mé- nico desses instrumentos quando submetidos a carre-
dio e apical dos canais radiculares. São fabricados gamentos por torção ou flexão rotativa (Fig. 9-135A e
por usinagem de um fio metálico de NiTi. São ofe- B a E).
A seção reta transversal pode ser triangular ou
quadrangular (ausência de guia radial) e apresenta
Quadro 9-25 Instrumentos FKG RaCe. Valores nominais
três ou quatro arestas laterais de corte na forma de
No Conicidade Seção filetes e três ou quatro canais (Fig. 9-135F). O ângulo
mm/mm reta transversal da aresta lateral de corte é de 90º para os instrumentos
de seção reta transversal quadrangular e de 60º para
15 0,02 □ os de seção triangular. O vértice do ângulo da aresta
lateral de corte é pontiagudo e o ângulo de ataque é
20 0,02 □
20 0,06 ∆ negativo.
Os instrumentos do sistema FKG RaCe vêm
25 0,02 ∆ acompanhados de um dispositivo (disco de silicone)
25 0,04 ∆ para o controle do número de uso (Safety Meno Disc-
25 0,06 ∆
SMD). O número de pétalas destacadas do disco va-
30 0,02 ∆ ria em função da complexidade anatômica do canal
30 0,04 ∆ radicular de acordo com uma tabela proposta pelo
30 0,06 ∆ fabricante.
35 0,02 ∆ O fabricante designa esse dispositivo como méto-
35 0,04 ∆ do de controle da fadiga da liga metálica. Entretanto, a
fratura por fadiga de baixo ciclo é complexa e depen-
40 0,02 ∆ de da velocidade de giro, do tempo de uso, do raio de
50 0,02 ∆ curvatura do canal, do comprimento do arco e do diâ-
metro do instrumento. Assim, o dispositivo proposto
60 0,02 ∆ pode ser útil para o controle do número de uso e não
□ = Seção reta transversal quadrangular
para o controle da resistência do instrumento à fratura
∆ = Seção reta transversal triangular por fadiga de baixo ciclo.
Instrumentos Endodônticos 389

Quadro 9-26 Conjunto básico. Instrumentos BioRace

Instrumento Diâmetro/ Comprimento


A
conicidade (mm) útil (mm)

BR 0 25/0,08 19

BR 1 15/0,05 25

BR 2 25/0,04 25

BR 3 25/0,06 25
B
BR 4 35/0,04 25

BR 5 40/0,04 25

C
Quadro 9-27 Conjunto especial. Instrumentos BioRace

Instrumento Diâmetro/ Comprimento Canal


conicidade útil (mm)
(mm)

BR 4C 35/0,02 25 Curvatura
severa
D
BR 5C 40/0,02 25 Curvatura
severa

BR 6 50/0,04 25 Amplo

BR 7 60/0,02 25 Amplo

Os instrumentos do sistema RaCe também são co-


mercialmente fornecidos em dois conjuntos, denomi-
nados de BioRace. Apresentam as mesmas característi-
cas em relação ao desenho da parte de trabalho, porém
alguns instrumentos apresentam diâmetros e conicida-
des diferentes, levando-se em consideração a anatomia
do canal radicular a ser instrumentado.
O conjunto básico é projetado para canais radicu-
lares com diâmetros e curvaturas normais. O Quadro
9-26 revela a sequência de emprego, assim como as di-
mensões dos instrumentos do conjunto básico.
O conjunto especial é projetado para a com-
plementação da instrumentação de canais com
F
curvaturas severas e para canais amplos (Quadro
Figura 9-135. Sistema RaCe. Alargadores apicais. Forma. A. Foto- 9-27).
grafia. B. Ponta. C e D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F.
Seção reta transversal. Pré-RaCe
390 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-28 Instrumentos FKG Pré-RaCe. Valores nominais

No Com L PT Liga

40 0,10 19 9 NiTi
40 0,10 19 9 Inox

35 0,08 19 9 NiTi
35 0,08 19 9 Inox

30 0,06 19 10 NiTi
40 0,06 19 10 NiTi

Os instrumentos Pré-Race apresentam a parte de de movimentos excêntricos (afastados do eixo) durante


trabalho com as mesmas características morfológicas a rotação do instrumento endodôntico. O movimento
dos instrumentos Race. São fabricados por usinagem excêntrico além do deslocamento do centro do preparo
em aço inoxidável e em NiTi, sendo indicados para a de um canal radicular induz a fratura do instrumento
instrumentação do segmento cervical de canais radi- endodôntico (Fig. 9-137).
culares. O número ISO, conicidade, comprimento útil São fornecidos comercialmente apenas no no
do instrumento (L), comprimento da parte de trabalho 25 (0,25mm em D0), nas conicidades 0,12, 0,10, 0,08,
(PT) e a natureza da liga metálica são mostrados no 0,06 e 0,04mm/mm e nos comprimentos úteis de 23
Quadro 9-28.

Instrumentos endodônticos especiais TF


Os instrumentos endodônticos especiais TF
(Twisted File, SybronEndo, Orange, USA) são fa-
bricados com liga NiTi com estrutura cristalina de
transição, denominada de fase R, obtida por um pro-
cesso de aquecimento e resfriamento do fio metálico
primitivo. Esses instrumentos não são fabricados por
usinagem, mas sim por torção de uma haste metálica
de NiTi com forma piramidal e seção reta transver-
sal triangular. A fabricação de instrumentos de NiTi
por torção, segundo o fabricante, aumenta a dureza e
reduz a incidência de fratura por torção e por flexão
rotativa durante o uso clínico. São projetados para ser
acionados por dispositivos mecânicos com giro contí-
nuo à direita (Fig. 9-136).
A haste de fixação e acionamento, assim como o
corpo (intermediário e parte de trabalho) do instrumen-
to, é obtida de uma única haste metálica de NiTi. A não
utilização de uma haste de fixação e acionamento de la-
tão engastada no intermediário elimina a possibilidade

Figura 9-137. Sistema TF. Haste de fixação e acionamento oriunda


Figura 9-136. Sistema TF. Fotografia. da haste metálica primitiva.
Instrumentos Endodônticos 391

Figura 9-138. Sistema TF. E. Seção reta transversal.


C

e 27mm. A parte de trabalho dos instrumentos de


conicidades 0,12, 0,10 e 0,08 apresenta comprimen-
to de 11mm, enquanto os de conicidades 0,06 e 0,04
apresentam comprimento de 16mm. Na haste de
fixação e acionamento existem dois anéis coloridos
correspondentes ao diâmetro em D0 e à conicidade
do instrumento.
D
A ponta dos instrumentos é cônica circular e sua
extremidade arredondada. O ângulo da ponta é em
Figura 9-138. Sistema TF. Forma. A e B. Pontas. C. Haste de corte. média de 30º, tendo curva de transição. A haste de cor-
D. Haste de corte (D16).

Quadro 9-29 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 21 e 25mm

No Parte de trabalho Conicidade D0 D16 Anéis

10 16 0,04 0,10 0,74 1

15 16 0,05 0,15 0,95 2

20 16 0,06 0,20 1,16 3

25 16 0,06 0,25 1,21 3

25 16 0,07 0,25 1,37 4

30 16 0,05 0,30 1,10 2

35 16 0,04 0,35 0,99 1

40 16 0,04 0,40 1,04 1


392 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-30 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 25 e 31mm

No Parte de trabalho Conicidade D0 D21 Anéis

10 21 0,04 0,10 0,94 1

15 21 0,05 0,15 1,20 2

20 21 0,06 0,20 1,46 3

25 21 0,06 0,25 1,51 3

30 21 0,05 0,30 1,35 2

35 21 0,04 0,35 1,19 1

40 21 0,04 0,40 1,24 1

te helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal oriundos da instrumentação dos canais radiculares
triangular. O ângulo de ataque é negativo. O ângulo (Fig. 9-139A, B a E e F).
da hélice em relação ao eixo do instrumento é variável
e aumenta em sentido do intermediário (15 a 30º) (Fig. Mtwo Retratamento
9-138A a D e E).
Os instrumentos endodônticos especiais Mtwo
Retratamento são fabricados por usinagem de uma has-
Instrumentos endodônticos Mtwo
te metálica de NiTi de seção reta transversal circular.
São fabricados por usinagem de um fio metálico de São oferecidos comercialmente nos nos 15 e 25, no com-
NiTi pela VDW, Alemanha. São oferecidos comercial- primento útil de 21mm e na conicidade de 0,05mm/
mente, nas conicidades de 0,04 – 0,05 – 0,06 e 0,07mm/ mm. A parte de trabalho apresenta comprimento de
mm, nos comprimentos úteis de 21, 25 e 31mm. A parte 16mm. A ponta é facetada para favorecer o avanço do
de trabalho com 16 ou 21mm de comprimento. A haste instrumento na massa obturadora presente no interior
de fixação e acionamento apresenta anéis que identifi- do canal radicular. A haste de corte helicoidal é cônica
cam a conicidade do instrumento. As dimensões dos e o ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento
instrumentos endodônticos especiais Mtwo são mos- é constante. A seção reta transversal apresenta a forma
tradas nos Quadros 9-29 e 9-30. em S com duas arestas laterais de corte e dois canais
A ponta do instrumento apresenta a figura de helicoidais. A aresta de corte na forma de filete é oriun-
um cone circular e sua extremidade é arredondada. da da interseção das paredes de canais contíguos. Eles
O ângulo da ponta é em média de 60º. Tem curva de foram projetados para ser acionados por dispositivos
transição, sendo a passagem da base da ponta para a mecânicos com giro continuo à direita, tendo como ob-
aresta de corte feita de modo suave. jetivo a remoção do material obturador (guta-percha e
A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo cimento) do interior de um canal radicular (Fig. 9-140A,
da hélice em relação ao eixo do instrumento é cons- B a E e F).
tante. A seção reta transversal apresenta forma em S
com duas arestas laterais de corte e dois canais heli- Instrumentos endodônticos especiais
coidais. A aresta de corte na forma de filete é oriun- EndoWave
da da interseção das paredes de canais contíguos. O
ângulo interno da aresta de corte é de aproximada- Os instrumentos endodônticos especiais Endo-
mente 100º e o seu vértice é pontiagudo. O ângulo de Wave são fabricados por usinagem de um fio metálico
ataque é negativo. Os canais helicoidais apresentam de NiTi pela J. Morita Corporation, Osaka, Japão. São
paredes com perfis sinuosos (parede convexa e côn- comercialmente fornecidos em dois conjuntos denomi-
A nados A e B.
cava). É profundo e permite a remoção de resíduos
O conjunto A é projetado para a instrumentação
de canais radiculares com diâmetros e curvaturas con-
siderados normais (Quadro 9-31).
Instrumentos Endodônticos 393

A A

F
F
Figura 9-140. Mtwo Retratamento. Forma. A. Fotografia. B e C.
Figura 9-139. Sistema Mtwo. Forma. A. Fotografia. B e C. Pontas. D. Pontas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta trans-
Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal. versal.
394 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-31 Valores nominais dos instrumentos do


conjunto A (mm)
A
No C L

15 0,02 25

20 0,06 25

25 0,06 25
B
30 0,06 25

35 0,08 19

C = conicidade; L = comprimento útil


C

Quadro 9-32 Valores nominais dos instrumentos do


conjunto B

No C L

20 0,02 25

25 0,02 25 D

25 0,04 25

20 0,06 25

25 0,06 25

C = conicidade; L = comprimento útil

E
O conjunto B (mm) é projetado para a instrumen-
tação de canais radiculares considerados atresiados e
com curvaturas severas (Quadro 9-32).
A ponta do instrumento apresenta a figura de um
cone circular e sua extremidade é arredondada. O ân-
gulo da ponta é em média de 50º. Tem curva de tran-
sição, sendo a passagem da base da ponta a aresta de
corte feita de modo suave.
A seção reta transversal é triangular, e a aresta
de corte é na forma de filete. O ângulo interno da
aresta de corte é de 60º com seu vértice pontiagudo. O
ângulo de ataque é negativo.
A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo da
hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de
D1 (10º) para D16 (20º). Apresenta pontos alternados de
contato com as paredes dos canais radiculares, o que
F
evita o efeito roscamento e maximiza a capacidade de
corte do instrumento (Fig. 9-141A, B a E e F). Figura 9-141. Sistema EndoWave. Forma. A. Fotografia. B e C. Pon-
Após a usinagem, os instrumentos EndoWave tas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta trans-
versal.
são submetidos a tratamento eletrolítico que tem por
Instrumentos Endodônticos 395

finalidade reduzir as ranhuras advindas do processo


de fabricação. A redução dessas ranhuras melhora o
comportamento mecânico desses instrumentos quan-
do submetidos a carregamentos por torção ou flexão
rotativa.

 INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
ESPECIAIS DE AÇO INOXIDÁVEL
Figura 9-143. Alargadores Gates Glidden. Raio de concordância.
MECANIZADOS
Alargadores Gates Glidden
Os instrumentos Gates Glidden do ponto de vis-
ta mecânico são considerados como alargadores e não
brocas. Broca é uma ferramenta de corte na ponta que
com o movimento de rotação abre furos circulares em
um material. Alargador é uma ferramenta de corte
para alargar furos. São empregados com o fim de se
obter um furo com diâmetro maior, com superfície lisa,
bem acabada ou tornar cônico um furo cilíndrico aber-
to com uma broca21,22.
Os alargadores Gates Glidden são instrumentos
acionados a motor (mecanizados), conhecidos desde o
final do século XIX e são empregados no alargamento
dos segmentos cervical e médio dos canais radiculares.
São encontrados, no comércio nos nos de 1 a 6 e
nos comprimentos úteis de 15 e 19mm corresponden-
tes ao corpo do instrumento. O comprimento da haste
de fixação e acionamento é de 13mm, o que somado
ao comprimento útil confere aos instrumentos compri-
mentos totais de 28 e 32mm (Fig. 9-142). Para a maioria
Figura 9-144. Alargadores Gates Glidden. Ângulos da ponta.
dos instrumentos endodônticos o comprimento é dado
desprezando-se o comprimento do cabo e da haste de
fixação e o acionamento. São fabricados em aço inoxi-
tamente, mas de maneira progressiva, constituindo o
dável, por usinagem, sendo formados por duas hastes
chamado raio de concordância ou de adoçamento. O
de diâmetros diferentes. A passagem da haste de maior
raio de concordância tem como objetivo diminuir a
diâmetro para a de menor diâmetro não se faz abrup-
concentração de tensão na região de variação de diâ-
metros das hastes (Fig. 9-143).
A haste de diâmetro maior é cilíndrica e forma a
haste de fixação e acionamento, e a de diâmetro me-
nor constitui o corpo do instrumento. A haste de fixa-
ção e acionamento do alargador apresenta estrias que
indicam o número do instrumento. A ponta dos alar-
gadores Gates Glidden é formada pela interseção das
arestas laterais de corte, é cônica circular, não cortante
e o vértice de sua extremidade é truncado. Apresenta
dois ângulos, um maior, de aproximadamente 60º na
extremidade da ponta, e outro menor, de aproximada-
mente 20º localizado na parte posterior da ponta (Fig.
9-144). A haste de diâmetro menor forma o corpo, o
Figura 9-142. Alargadores Gates Glidden. qual é constituído pela parte de trabalho e pelo inter-
396 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

mediário. A parte de trabalho é formada pela ponta e possui três canais e três arestas laterais de cortes igual-
pela haste de corte do instrumento. A haste de corte é mente distantes (120º). Essas possuem guia radial com
curta e apresenta forma elíptica (oval) com três ares- a porção posterior rebaixada para reduzir o atrito entre
tas laterais de corte igualmente espaçadas e dispostas o instrumento e a parede do canal radicular. O ângulo
a partir da ponta na direção longitudinal ao eixo do interno da aresta lateral de corte é formado pela inter-
instrumento e logo a seguir na forma de hélice (dire- seção da guia radial e a parede do canal. Esse ângulo é
ção oblíqua) com sentido anti-horário. A disposição menor do que 90º, e seu vértice é agudo. O ângulo de
das arestas de corte na direção longitudinal a partir da ataque dos alargadores Gates Glidden é positivo, ou
ponta dos alargadores Gates Glidden impede que esses seja, o ponto de referência está adiantado em relação
instrumentos quando em uso no interior de um canal à parede de ataque do instrumento endodôntico (Fig.
radicular sofram o efeito roscamento. O ângulo da hé- 9-146A e B). O canal helicoidal é curto e com profundi-
lice em relação ao eixo do instrumento é de 10º apro- dade acentuada em razão de as paredes apresentarem
ximadamente. As hélices não apresentam um passo perfil côncavo.
completo devido ao pequeno comprimento da haste de O intermediário dos alargadores Gates Glidden
corte, ou seja, não completam uma volta (Fig. 9-145). A não apresenta uma forma cilíndrica, mas suavemente
seção reta transversal apresenta a forma de tríplice U e cônica, com menor diâmetro junto ao raio de concor-
dância da haste de fixação e acionamento. Nessa área
de menor diâmetro ocorre uma maior concentração
de tensão quando o instrumento é submetido a carre-
gamentos isolados ou combinados de torção e flexão
rotativa.
O Quadro 9-33 mostra os comprimentos da ponta,
da haste de corte, da parte de trabalho e os diâmetros
do intermediário junto à haste de corte (a) e junto à has-
te de fixação e acionamento (b) de alargadores Gates
Glidden (Maillefer, Suíça) (Fig. 9-147A e B).
Lopes et al.45, medindo o diâmetro dos alar-
gadores Gates Glidden (fabricados pela Maillefer,
Suíça) a partir da variação de seus números, obser-
varam que o diâmetro real médio dos alargadores é
ligeiramente inferior ao diâmetro nominal (Quadro
9-34) (Fig. 9-148).
Figura 9-145. Alargadores Gates Glidden. Haste de corte oval. Ares-
São montados em contra-ângulos com sentido de
tas laterais de corte dispostas na direção longitudinal ao eixo do ins- corte à direita e em baixa rotação. Em razão de o coe-
trumento (a) e na forma de hélice (oblíqua) (b). ficiente de atrito estático ser maior do que o dinâmico,

A B

Figura 9-146. Alargadores Gates Glidden. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
Instrumentos Endodônticos 397

Quadro 9-33 Dimensões dos alargadores Gates Glidden – mm

Comprimento Intermediário (Diâmetro)


N o
Parte de
Ponta Haste de corte a b
trabalho

1 0,40 1,70 2,1 0,40 0,35

2 0,50 2,0 2,5 0,50 0,45

3 0,50 2,5 3,0 0,60 0,55

4 0,55 3,0 3,5 0,70 0,65

5 0,65 3,3 4,0 0,80 0,75

6 0,65 3,5 4,0 0,90 0,85

os instrumentos devem ser introduzidos girando no in-


terior do canal radicular. Estando o alargador parado
e ajustado no interior do canal radicular, para iniciar a
rotação há necessidade de se aplicar maior torque e, em
consequência, as maiores tensões nos concentradores
de tensão (ranhuras) podem ultrapassar a resistência à
fratura do material.
A Os alargadores Gates Glidden foram projetados
para alargar o furo (canal radicular). Devido à forma
elíptica (oval), o corte da dentina se dá no movimen-
to de giro e de penetração (avanço) do instrumento na
direção do eixo do canal radicular em sentido apical.
Sendo o comprimento do canal radicular maior do que
B
o do canal helicoidal do instrumento, durante o empre-
Figura 9-147. Alargadores Gates Glidden. A. Comprimento. Parte
go, o instrumento deve ser introduzido (avanço) para
de trabalho (a). Comprimento da ponta (b). B. Diâmetro do interme- cortar a dentina e retirado (retrocesso) sucessivamente
diário, a maior do que b. do interior do canal radicular a fim de possibilitar a saí-

Quadro 9-34 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Gates Glidden – mm

No ISO (mm) DM (mm) DP V

1 0,50 0,48 0,018 0,00031

2 0,70 0,69 0,028 0,00076

3 0,90 0,86 0,027 0,00075

4 1,10 1,06 0,023 0,00052

5 1,30 1,24 0,034 0,00120

6 1,50 1,42 0,029 0,00086

No = número do alargador; ISO = diâmetro nominal do alargador; DM = diâmetro médio; DP = desvio padrão; V = variância
398 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-148. Alargadores Gates Glidden. Diâmetro da haste de


corte.

da do material excisado. Não devem ser pressionados


lateralmente (desgaste anticurvatura ou em áreas pola- Figura 9-149. Alargadores Largo.
res de segmentos achatados de canais radiculares) com
o intuito de desgaste seletivo de uma parede ou área
mentos totais de 28 e 32mm (Fig. 9-149). A passagem
do canal radicular, pelo fato de induzirem esforços de
da haste de maior diâmetro para de menor diâmetro
flexão rotativa junto ao raio de concordância, que le-
não se faz abruptamente, mas de maneira progressi-
vam o instrumento à fratura por fadiga de baixo ciclo.
va, constituindo o chamado raio de concordância, raio
Para Lopes et al.45, os diâmetros dos furos execu-
que tem como objetivo diminuir a concentração de ten-
tados com os alargadores Gates Glidden são, aproxi-
são na região de variação de diâmetro das hastes (Fig.
madamente, 6% maiores do que o diâmetro dos instru-
9-150).
mentos.
A haste de diâmetro maior é cilíndrica e forma a
Clinicamente, os alargadores Gates Glidden,
haste de fixação e acionamento, e a de diâmetro menor
quando em função (giro e avanço) no interior dos
constitui o corpo do instrumento. A haste de fixação e
canais radiculares, estão constantemente sujeitos
acionamento do alargador apresenta estrias que indi-
aos esforços de torção e flexão rotativa. Os esforços
cam o número do instrumento. A haste de diâmetro
geram tensões normais e cisalhantes que se concen-
menor forma o corpo que é constituído pela parte de
tram junto ao raio de concordância do instrumento
trabalho e pelo intermediário. A parte de trabalho é
próximo à haste de fixação e acionamento, local em
formada pela ponta e pela haste de corte.
que geralmente ocorre a fratura. Esses instrumentos
A ponta dos alargadores Largo é formada pela in-
não provocam desvios em profundidade, mas apenas
terseção das arestas laterais de corte, é cônica circular,
lateralmente, isto é, não criam um falso canal, ape-
não cortante e o vértice de sua extremidade é trunca-
nas deslocam lateralmente o trajeto original do canal
do. Apresenta dois ângulos, um maior de aproximada-
radicular. Entretanto, dependendo do diâmetro dos
mente 60º, localizado na extremidade, e outro menor,
alargadores empregados e da morfologia radicular,
de aproximadamente 20º, localizado na parte posterior
esses desvios laterais podem provocar perfurações ou
da ponta (Fig. 9-151).
rasgos radiculares.
A haste de corte tem a forma cilíndrica, com três
canais e três arestas laterais de corte, igualmente espa-
Alargador Largo çadas e dispostas a partir da ponta na direção longitu-
Os alargadores Largo são instrumentos acionados dinal do instrumento e logo a seguir na forma de hélice
a motor (mecanizados), montados em contra-ângulos
com sentido de corte à direita e em baixa rotação. São
empregados no preparo do segmento cervical de canais
radiculares e fabricados em aço inoxidável, por usina-
gem, sendo formados por duas hastes de diâmetros di-
ferentes. São encontrados no comércio nos nos de 1 a 6
e nos comprimentos úteis de 15 e 19mm corresponden-
tes ao corpo do instrumento. O comprimento da haste
de fixação e acionamento é de 13mm, o que somado
ao comprimento útil confere aos instrumentos compri- Figura 9-150. Alargadores Largo. Raio de concordância.
Instrumentos Endodônticos 399

(direção oblíqua) com sentido anti-horário. A disposi-


ção das arestas de corte na direção longitudinal a partir
da ponta dos alargadores Largo impede que esses ins-
trumentos quando em uso no interior de um canal ra-
dicular sofram o efeito roscamento. O ângulo da hélice
em relação ao eixo do instrumento é de 10º aproxima-
damente. As hélices não apresentam passo completo,
ou seja, não completam uma volta no sentido axial do
corpo (Fig. 9-152). A seção reta transversal apresenta
a forma de tríplice U e possui três canais e três ares-
tas laterais de corte igualmente distantes (120º). Essas
arestas são formadas pela interseção da guia radial
e a parede do canal. A porção posterior da guia radial é
rebaixada (superfície de folga) para diminuir a área de
contato entre o instrumento e as paredes do canal radi-
cular, o que reduz o atrito, diminuindo a possibilidade
de o instrumento durante a rotação travar no interior
do canal radicular. O ângulo interno da aresta lateral
de corte é menor do que 90º, e seu vértice é agudo. O
ângulo de ataque dos alargadores Largo é positivo, ou
Figura 9-151. Alargadores Largo. Ângulos da ponta. seja, o ponto de referência está adiantado em relação
à parede de ataque do instrumento endodôntico (Fig.
9-153A e B). O canal helicoidal tem uma profundidade
acentuada em razão de as paredes apresentarem perfil
côncavo. O comprimento do canal helicoidal é curto,
porém com comprimento suficiente para permitir a
saída do material excisado do interior do canal radi-
cular (segmento cervical). Assim, esses instrumentos
não necessitam obrigatoriamente ser introduzidos e re-
tirados sucessivamente do interior do canal radicular
(deslocamento longitudinal de avanço e retrocesso) a
fim de promover o corte da dentina e a saída do mate-
rial excisado.
Figura 9-152. Alargadores Largo. Haste de corte cilíndrica. Arestas O intermediário dos alargadores Largo é suave-
laterais de corte dispostas na direção longitudinal ao eixo do instru- mente cônico, com o menor diâmetro junto ao raio de
mento e na forma de hélice (oblíqua). concordância da haste de fixação e acionamento. Nessa

A B

Figura 9-153. Alargadores Largo. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
400 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Os valores dos comprimentos da ponta, da has-


te de corte, da parte de trabalho e dos diâmetros da
haste de corte e do intermediário junto à haste de cor-
te (a) e a haste de fixação e acionamento (b) de alar-
A gadores Largo (Maillefer, Suíça) são mostrados nos
Quadros 9-35 e 9-36 (Fig. 9-154A e B).
O Quadro 9-37 mostra a relação entre o número
B
do alargador e o diâmetro nominal de sua haste de
corte (Fig. 9-155).
Figura 9-154. Alargadores Largo. A. Comprimento. Parte de traba- Lopes e Costa46 indicam o uso do alargador
lho (a). Comprimento da ponta (b). B. Diâmetro do intermediário, Largo para o alargamento ou retificação do seg-
a maior do que b.
mento cervical achatado de canais radiculares. Os
alargadores Largo, por apresentarem maior resis-
área de menor diâmetro ocorre uma maior concentra- tência à fratura, maior superfície de corte (forma
ção de tensão quando o instrumento é submetido a car- cilíndrica) e menor capacidade de deslocamento
regamentos isolados ou combinados de torção e flexão do corpo sob flexão (maior rigidez) do que os Ga-
rotativa. tes Glidden, podem ser mais solicitados (pressio-
nados) contra as paredes do segmento cervical

Quadro 9-35 Dimensões dos alargadores Largo, de 32mm de comprimento – mm

Comprimento Intermediário (diâmetro)


No
Ponta Haste de corte Parte de trabalho a b

1 0,45 8,20 8,65 0,54 0,53

2 0,56 7,95 8,51 0,63 0,60

3 0,56 8,09 8,65 0,74 070

4 0,65 8,17 8,82 0,84 0,81

5 0,68 8,16 8,84 0,96 0,92

6 0,66 8,15 8,81 1,08 1,06

Quadro 9-36 Dimensões dos alargadores Largo, de 28mm de comprimento – mm

Comprimento Intermediário (diâmetro)


No
Ponta Haste de corte Parte de trabalho a b

1 0,47 6,35 6,82 0,56 0,52

2 0,53 6,09 6,62 0,62 0,59

3 0,50 6,17 6,67 0,74 0,71

4 0,63 6,41 7,04 0,84 0,82

5 0,66 6,42 7,08 096 0,93

6 0,67 6,33 7,00 1,06 1,02


Instrumentos Endodônticos 401

Quadro 9-37 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Largo – mm

Número 1 2 3 4 5 6

Diâmetro (ISO) 0,70 0,90 1,10 1,30 1,50 1,70

Diâmetro medido 0,70 0,92 1,10 1,27 1,48 1,66

dos de Peeso tipo P, enquanto o Peeso tipo B-1 seria


o conhecido na Odontologia Brasileira como broca
Peeso.
Quando os alargadores Gates Glidden e Largo
são empregados no preparo químico-mecânico dos
Figura 9-155. Alargadores Largo. Diâmetro da haste de corte. canais radiculares, em razão do atrito e velocidade
do instrumento, há aquecimento, que é transmiti-
do por condução até a superfície externa do dente.
achatado de canais radiculares. O instrumento Além da forma e do diâmetro do alargador, outros
Largo deve possuir diâmetro menor do que o diâ- fatores influenciam na elevação da temperatura na
metro maior do segmento achatado do canal radi- superfície externa do dente. Quanto maiores a ve-
cular. O instrumento deve ser introduzido girando locidade de rotação e de avanço, a profundidade de
à direita em sentido apical na direção do eixo do furação e a perda de corte, maior será a tendência
canal radicular no máximo até atingir a penetra- de elevação da temperatura na superfície externa
ção de toda sua parte de trabalho e, a seguir, pres- do dente. A falta de resfriamento do instrumento
sionado lateralmente e acompanhado de desloca- e a pequena espessura da parede dentinária tam-
mento circundante incorporando todo o contorno bém favorecem a elevação da temperatura. Afora
do segmento achatado do canal radicular. Pelas os parâmetros citados, o uso incorreto de instru-
mesmas razões, os alargadores Largo devem ser mentos rotatórios e o emprego de sua sequência
utilizados no desgaste anticurvatura, direcionan- inadequada podem aumentar o aquecimento da
do a instrumentação às zonas volumosas ou zonas parede externa dentária, o que, certamente, cau-
de segurança localizadas no segmento cervical da sará injúrias ao periodonto. A temperatura crítica
raiz dentária. Essa manobra tem como objetivo di- para provocar necrose térmica do tecido ósseo é
minuir a curvatura inicial e favorecer o acesso em de 56oC, temperatura essa que coincide com o pon-
sentido do ápice radicular. Quando do emprego to de desnaturação da fosfatase alcalina. Segundo
do alargador Largo, deve-se evitar o movimento Eriksson et al.19 e Eriksson20, o calor pode causar
básculo (inclinação do instrumento em relação ao injúrias ao tecido ósseo se houver aquecimento de
seu eixo). Esses instrumentos não criam um fal- 47oC durante 1 minuto.
so canal. Entretanto, dependendo da morfologia Lopes et al.36 avaliando a temperatura externa
radicular e principalmente do diâmetro e do dire- do dente, durante o emprego de alargadores Gates
cionamento do instrumento em relação ao eixo do Glidden nos 2 e 3 e Largo no 2 no preparo dos canais
canal podem ocorrer rasgos radiculares. radiculares, concluíram que:
Os alargadores Largo apresentam maior resis-
tência à fratura do que os Gates Glidden, o que pode • a temperatura na superfície radicular externa varia
ser explicado pelo maior diâmetro do intermediário com o diâmetro e com a forma geométrica do instru-
e comprimento da parte de trabalho dos alargado- mento;
res Largo em relação aos Gates Glidden de mesmo • os alargadores de diâmetros menores induzem me-
número. Essas diferenças dimensionais induzem nor aquecimento do que os de diâmetros maiores;
menores tensões nas regiões críticas de resistência à • os alargadores Largo são os que induzem maior
fratura dos alargadores Largo. aquecimento dentre os instrumentos utilizados
Para a Organização Internacional de Estandar- (Quadro 9-38).
dização (ISO)31, os alargadores Largo são denomina-
402 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Quadro 9-38 Temperatura média externa de dentes


humanos extraídos durante o emprego dos instrumentos
rotatórios. Temperatura ambiente de 25oC

Instrumento T (oC) Desvio padrão

Gates Glidden no 2 30,14 1,67


A
Gates Glidden no 3 32,02 2,23

Largo no 2 33,15 2,36

Alargadores La Axxess
Os alargadores La Axxess são instrumentos
acionados a motor (mecanizados) fabricados pela
Sybron Dental Specialties – Kerr (México) em aço B
inoxidável por usinagem, sendo formados por duas
hastes metálicas de formas, diâmetros e ligas metáli-
cas diferentes. A de diâmetro maior é cilíndrica e for-
ma a haste de fixação e acionamento do instrumento,
e a de diâmetro menor constitui o corpo do instru-
mento. A haste de fixação e acionamento é fabricada
em liga de latão e unida por engaste em uma das
extremidades do corpo do instrumento. Apresentam
anéis coloridos para identificação do diâmetro ISO
dos alargadores La Axxess (Fig. 9-156). O corpo é C
formado pelo intermediário e pela parte de trabalho.
O intermediário é cilíndrico. A parte de trabalho é Figura 9-157. Alargadores La Axxess. Forma. A. Ponta. B. Haste de
formada pela ponta e pela haste de corte do alarga- corte. C. Haste de corte (D12).
dor. A ponta do alargador La Axxess é formada pela
interseção das arestas laterais de corte, é cilíndrica
com vértice arredondado, não cortante, sendo sua
seção reta transversal circular. O comprimento da
ponta é de 0,50mm para os alargadores de no 45 e
de 0,40mm para os de nos 20 e 35. A haste de corte
é cônica com menor diâmetro voltado para a ponta
do instrumento. Apresentam duas arestas (ou fios
laterais de corte) com espaçamentos iguais e dispos-
tas a partir da ponta na forma de hélice com sentido
anti-horário. A haste de corte tem três hélices sendo
o ângulo agudo de inclinação da primeira hélice em
relação ao eixo do instrumento de 20º e o da tercei-
ra de 25º aproximadamente. As hélices apresentam
passo completo (Fig. 9-157A a C).

Figura 9-156. Alargadores La Axxess. Figura 9-158. Alargadores La Axxess. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos 403

A seção reta transversal dos alargadores La dicados nos desgastes compensatório e anticurvatura,
Axxess apresenta forma bicôncava e possui duas ares- assim como em áreas polares de segmentos achatados
tas laterais de corte igualmente distantes (180º). Essas de canais radiculares.
arestas são formadas pela interseção da guia radial e Nos desgastes compensatório e anticurvatura, o
pela parede do canal. A porção posterior da guia ra- instrumento deve ser pressionado contra a parede a ser
dial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a desgastada. Para as áreas polares de segmentos achata-
área de contato entre o instrumento e a parede do ca- dos de canais radiculares durante o giro à direita, o ins-
nal radicular (Fig. 9-158). Isso reduz o atrito durante trumento deve ser pressionado lateralmente e acompa-
a rotação do instrumento, diminuindo a possibilidade nhado de um deslocamento circundante incorporando
da elevação da temperatura na parede do canal radi- todo o contorno do canal radicular.
cular. Reduz também a possibilidade de o instrumento Durante o uso clínico não devemos empregar o
travar no interior do canal radicular. O ângulo interno movimento básculo (inclinação do instrumento em
da aresta lateral de corte é menor do que 90º, e seu vér- relação ao seu eixo) com o objetivo de evitar o deslo-
tice, agudo. O ângulo de ataque é negativo. Possuem camento lateral do trajeto original do canal radicular.
dois amplos canais helicoidais e com comprimento su- Os alargadores La Axxess, por apresentarem ponta não
ficiente para permitir a saída do material excisado do cortante, não criam um falso canal, todavia, dependen-
interior do canal radicular (segmento cervical). O perfil do do diâmetro do alargador empregado, da morfolo-
da parede do canal helicoidal é côncavo. gia radicular e da inclinação do instrumento em rela-
São fabricados nos nos 1, 2 e 3 com comprimen- ção ao eixo do canal podem provocar perfurações ou
to útil de 19mm correspondentes ao corpo do instru- rasgos radiculares.
mento, sendo 12mm da parte de trabalho e 7mm do Como o coeficiente de atrito estático é maior do
intermediário. O comprimento da haste de fixação e que o dinâmico, os alargadores devem ser introduzi-
acionamento é de 11mm. Possuem conicidade nomi- dos girando no interior do canal radicular no sentido
nal de 0,06mm/mm e diâmetros em D0 de 0,20, 0,35 e apical. Portanto, o instrumento partindo de uma po-
0,45mm, respectivamente, para os instrumentos de nos sição estática e estando ajustado no interior do canal
1, 2 e 3. São cobertos com uma camada de nitreto de radicular necessita de torque maior para iniciar o mo-
titânio para aumentar a dureza do instrumento e, con- vimento de rotação. Em consequência, geram maio-
sequentemente, a sua capacidade de corte. res tensões nos concentradores de tensão (ranhura),
Os alargadores La Axxess foram projetados para podendo ultrapassar o limite de resistência à fratura
ser utilizados em movimento de alargamento com rota- do material.
ção contínua, com giro à direita, empregando-se moto-
De acordo com as informações do fabricante dos
res elétricos ou pneumáticos. A velocidade de emprego
alargadores La Axxess e as obtidas em um estudo por
varia entre 5.000 e 20.000rpm. São empregados para o
nós realizado houve controvérsias sobre sua geome-
alargamento do segmento cervical do canal radicular.
tria. A conicidade da parte de trabalho dos alargadores
Devido à forma cônica da parte de trabalho no
informada pelo fabricante é de 0,06mm/mm. A en-
alargamento do segmento cervical, o corte da dentina
contrada no estudo foi de 0,03mm/mm para os alar-
se dá no movimento de giro e de avanço (penetração)
gadores de nos 20 e 35 e de 0,02mm/mm para os de
do instrumento no eixo do canal radicular em senti-
no 45. Quanto ao diâmetro D0, os valores encontrados
do apical. A seguir, traciona-se o instrumento no sen-
foram de 0,70mm para os de no 20 (0,20mm), 0,80mm
tido cervical (retrocesso). A amplitude da tração é curta
para os de no 35 (0,35mm) e de 0,90mm para os de no 45
o suficiente para liberar o instrumento. Grandes mo-
(0,45mm). Os valores nominais de 0,20, 0,35 e 0,45mm
vimentos de tração podem induzir o deslocamento de
são encontrados na parte cilíndrica da ponta. Entretan-
material existente no interior do canal para a região
apical, durante o avanço subsequente. O retrocesso do to, o diâmetro D0 de um instrumento endodôntico é
instrumento tem como objetivo favorecer a passagem virtual, sendo obtido pela projeção da conicidade ob-
de solução química auxiliar no sentido apical, a remo- tida em dois pontos da haste de corte helicoidal cônica
ção de detritos no sentido coronário e dissipar o calor até a ponta do instrumento (Fig. 9-159).
gerado durante os procedimentos do preparo cervical Os Quadros 9-39 e 9-40 mostram os valores nomi-
do canal radicular. nais e os medidos dos alargadores La Axxess.
Os alargadores La Axxess, em razão do compri-
mento de sua parte de trabalho e de sua rigidez, são in-
404 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

 DEFEITOS DO PROCESSO DE
FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS
ENDODÔNTICOS
Os instrumentos endodônticos são difíceis de ser
fabricados, principalmente os de menores diâmetros.
Geralmente, apresentam defeitos de acabamento super-
ficial advindos do processo de fabricação. Esses defeitos
são observados na superfície do corpo dos instrumentos
na forma de ranhuras, microcavidades e rebarbas (Fig.
9-160A a C). A parte de trabalho pode apresentar pontas
com formas propostas e diâmetros nominais diferentes
das preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-161)40.
Ranhuras, microcavidades e rebarbas são im-
perfeições advindas da ferramenta de corte utilizada
durante o processo de usinagem dos instrumentos
endodônticos10,27,34,40. Ranhuras são observadas na maio-
ria dos instrumentos analisados no MEV. As ranhuras
acompanham o sentido de corte da ferramenta em-
pregada no processo de usinagem. Nos instrumentos
Figura 9-159. Alargadores La Axxess. Diâmetros das pontas dados
endodônticos torcidos, a usinagem por aplainamento
pelo fabricantes (a). Diâmetros a partir das projeções das conicida-
des obtidas em dois pontos (D12 e D3) da haste de corte dos instru- empregada para a obtenção da haste piramidal geral-
mentos (b). mente é realizada no sentido longitudinal e raramente
no sentido perpendicular ao eixo do fio metálico pri-
mitivo. Nos classificados como usinados, a ferramenta
de usinagem mecânica trabalha perpendicularmente
Quadro 9-39 Valores nominais dos alargadores La ao eixo do fio metálico primitivo para dar a forma, di-
Axxess – mm mensão e acabamento desejados da haste de corte he-
licoidal e da ponta do instrumento endodôntico. Con-
sequentemente, nos instrumentos torcidos, as ranhuras
No Cor Conicidade Diâmetro
(mm/mm) D0 (mm) presentes na haste de corte helicoidal geralmente são
longitudinais ou raramente perpendiculares ao eixo do
fio metálico. Entretanto, para os instrumentos usinados
20 amarela 0,06 0,20 sempre serão perpendiculares ao eixo do fio metálico
primitivo.
35 verde 0,06 0,35 Em alguns instrumentos de NiTi manuais é ob-
servada a presença de microcavidades cilíndricas com
bordas arredondadas ou ligeiramente elípticas (Fig.
45 branca 0,06 0,45 9-162). Em um número reduzido de instrumentos de
aço inoxidável, as microcavidades se apresentaram

Quadro 9-40 Valores medidos dos alargadores La Axxess – mm

No Cor D13 D3 D0 Conicidade

20 amarela 1,10 0,80 0,70 0,03

35 verde 1,20 0,89 0,80 0,03

45 branca 1,20 1,0 0,90 0,02


Instrumentos Endodônticos 405

Figura 9-161. Pontas com geometrias diferentes das preconizadas


pelos fabricantes.

Figura 9-160. Defeitos de acabamento superficial. A. Ranhuras. B.


Microcavidades. C. Rebarbas.

com a forma de cometa (Fig. 9-163). Pode-se atribuir


que durante a fabricação das ligas NiTi ocorrem a for-
mação e precipitação de partículas de segunda fase,
principalmente NiTi3. Durante a usinagem das hastes,
essas fases são expostas e arrancadas, uma vez que Figura 9-162. Microcavidades em instrumentos de NiTi.
406 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

Figura 9-163. Microcavidades denominadas de cometa em instru- Figura 9-164. Falhas iniciando junto às ranhuras.
mentos de aço inoxidável.

elas são mais duras que a matriz e são difíceis de ser usinagem dos fios metálicos primitivos. A presença de
cortadas. No caso das microcavidades observadas nos rebarbas é mais acentuada nos instrumentos usinados
instrumentos de aço, também ocorre a formação de do que nos torcidos, o que se deve à maior dificulda-
partículas de segunda fase que são arrancadas durante de de confecção da parte de trabalho dos instrumen-
a usinagem51. tos usinados. Para os instrumentos torcidos, a forma
Durante o carregamento, a presença de ranhuras final da haste de corte helicoidal é obtida pela torção à
e microcavidades em uma haste metálica aumenta o esquerda de uma haste metálica piramidal com seção
estado de tensão em relação a uma haste polida. Es- triangular ou quadrangular obtida por aplainamento.
ses defeitos funcionam como pontos concentradores Todavia, para os instrumentos usinados a forma final
de tensão, podendo levar os instrumentos endodônti- da haste de corte helicoidal é obtida durante o processo
cos, principalmente os de diâmetros menores, à falha de usinagem (roscamento externo) de um fio metáli-
prematura (fratura) com níveis de tensão abaixo dos co primitivo com seção reta transversal circular (Fig.
previsíveis. De modo geral, as falhas se iniciam junto 9-165A a D).
às maiores ranhuras e microcavidades existentes nas A presença de rebarbas altera o ângulo e a agu-
hastes helicoidais dos instrumentos10,27,34,44,47,64 (Fig. cidade da aresta de corte, diminuindo a capacidade
9-164). de corte dos instrumentos endodônticos. A dificul-
Rebarbas são excrescências metálicas que se for- dade de corte da dentina induz o operador a aumen-
mam na aresta de corte (hélices) durante o processo de tar o carregamento imposto ao instrumento durante o
Instrumentos Endodônticos 407

A B

C D

Figura 9-165A a D. Rebarbas.

preparo do canal radicular. Esse aumento de carrega- dem induzir uma lesão perirradicular, conduzindo ao
mento pode causar deformação plástica ou fratura do fracasso o tratamento endodôntico49,57,67.
instrumento endodôntico40,44,47,48. A fabricação de instrumentos endodônticos de
A presença de rebarbas nos instrumentos também maiores diâmetros é mais fácil de ser executada. A for-
pode causar danos nas paredes do canal radicular dei- ma da ponta desses instrumentos é semelhante às mi-
xando a superfície dentinária com maior rugosidade. crografias e desenhos divulgados pelos fabricantes. To-
Essas rugosidades podem interferir na qualidade do davia, os instrumentos de menores diâmetros frequen-
selamento da obturação do canal radicular. Normal- temente apresentam pontas com formas diferentes das
mente, na avaliação do selamento da obturação de um preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-166). A presença
canal radicular são considerados o material obturador de pontas com formas atípicas pode dificultar o avanço
e a técnica de obturação empregada, sem levar em dos instrumentos endodônticos em sentido apical de
consideração a superfície da parede do canal radicu- canais radiculares atresiados (Fig. 9-167). Nesse caso,
lar. Além disso, as rebarbas quando liberadas durante maior carregamento axial será aplicado no instrumen-
a ação dos instrumentos contra as paredes radiculares to. Esse aumento do carregamento poderá provocar: o
poderão permanecer no interior do canal radicular ou dobramento do instrumento ou a sua imobilização no
mesmo alcançar a região perirradicular. Resíduos me- interior do canal radicular e, consequentemente, a sua
tálicos quando presentes no interior de um canal radi- fratura por torção; o transporte apical, formação de de-
cular podem funcionar como obstáculos para o avanço graus e perfurações radiculares.
do instrumento em sentido apical. Quando presentes A presença de ranhuras, microcavidades e rebar-
na região perirradicular e estando contaminados, po- bas favorece a degradação por soluções cloradas, larga-
408 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

dem funcionar como sítios para o acúmulo de detritos


oriundos do preparo dos canais radiculares. As exíguas
dimensões desses defeitos dificultam a limpeza e a es-
terilização dos instrumentos.
Nos instrumentos endodônticos, a presença de
defeitos advindos do processo de fabricação pode ser
minimizada mediante:

• o tratamento termomecânico do fio metálico antes


de ser usinado;
• o uso de melhores processos de fabricação;
• o emprego de ferramentas de corte com desenhos
mais adequados;
• o controle da capacidade de corte das ferramentas
utilizadas na usinagem;
• o controle da velocidade de usinagem;
• a refrigeração abundante durante a usinagem para
prevenir alterações microestruturais da liga metálica;
• o tratamento superficial dos instrumentos endodôn-
Figura 9-166. Formas das pontas. Superior. Encontrada geralmen- ticos após a sua fabricação.
te em instrumento de diâmetros menores (no 15). Inferior. Proposta
pelo fabricante (no 40).
Entre os tratamentos superficiais para melhorar o
acabamento destacam-se o polimento mecânico do tipo
brunimento (colocação das peças em um recipiente rota-
tivo contendo partículas mais duras), o tratamento quí-
mico com soluções ácidas e o polimento eletrolítico.

 CORROSÃO DOS INSTRUMENTOS


ENDODÔNTICOS
Define-se corrosão como sendo a degradação de
um metal ou liga metálica, por ação química ou eletro-
química do meio, com a presença ou não de esforços
mecânicos. A degradação é representada por alterações
indesejáveis sofridas por um material, apresentando-se
como desgaste, mudança química ou alteração estru-
tural26.
Figura 9-167. Pontas atípicas. O fenômeno da corrosão é um processo espontâ-
neo e indesejável, uma vez que intensifica as diferen-
ças macroestruturais e microestruturais dos metais ou
mente utilizadas na Endodontia, acelerando o processo ligas metálicas, aumenta o desgaste e a variação loca-
de corrosão química dos instrumentos endodônticos. lizada da composição, reduzindo, em consequência, a
Os problemas advindos da corrosão química dos ins- resistência mecânica e o tempo de vida dos materiais
trumentos endodônticos podem ser diretos ou indi- ou instrumentos26.
retos. O custo de substituição é o principal problema Todos os metais ou ligas são suscetíveis de apre-
direto. A perda da capacidade de corte proveniente da sentar corrosão em algum ambiente: não existe, assim,
destruição das arestas de corte e a redução da resistên- um metal ou liga indicado para todas as aplicações. Por
cia à fratura do instrumento são os problemas indiretos exemplo, pode-se citar o ouro por sua excelente resis-
da corrosão17,26,37,39. tência à corrosão atmosférica, mas que sofrerá intensa
Defeitos como ranhuras, microcavidades e rebar- corrosão em presença do mercúrio, mesmo à tempera-
bas observados nos instrumentos endodônticos po- tura ambiente.
Instrumentos Endodônticos 409

A corrosão se manifesta por meio de reações quí-


micas irreversíveis acompanhadas da dissolução de
um elemento químico do material para o meio corro-
sivo ou da dissolução de uma espécie química do meio
no material.
Sempre que um elemento químico perde ou cede
um ou mais elétrons, diz-se que ele se oxida. Ao con-
trário, quando recebe elétrons, sofre redução. Portan-
to, uma reação de oxidação ou de redução envolve a
transferência de elétrons. Da mesma forma, um metal
oxidado pode aumentar seu grau de oxidação ao ce-
der mais elétrons ou diminuir seu grau de oxidação se
receber mais elétrons. Uma reação de corrosão impli-
ca a transferência de elétrons entre o metal e o meio.
Essa transferência de elétrons pode ocorrer através
Figura 9-168. Corrosão uniforme.
de uma reação de oxirredução, chamada de corrosão
química, ou por meio de um mecanismo eletroquímico
chamado de corrosão eletroquímica.
Na corrosão química, a transferência de elétrons
se faz diretamente entre as duas espécies químicas en-
volvidas. O doador e o receptor de elétrons se situam
no mesmo ponto da superfície do metal. Na corrosão
eletroquímica, os elétrons são transferidos indireta-
mente, ou seja, difundem-se através da superfície do
sólido (metal) até um ponto onde são recebidos pelo
elemento do meio (oxidante). Nesse caso, o doador e o
receptor se encontram em lugares diferentes. Esse pro-
cesso faz com que haja a geração de corrente elétrica na
interface sólido/meio corrosivo (corrente eletrônica no
metal e iônica no meio líquido). A região onde ocorre a
oxidação é chamada de anodo, e aquela em que recebe
os elétrons de catodo26.

Figura 9-169. Corrosão por placas.


Tipos de corrosão
Uniforme ou generalizada – A corrosão se processa
em toda a extensão da superfície, ocorrendo perda uni-
forme de espessura (Fig. 9-168).
Por placas – A corrosão se localiza em regiões da
superfície metálica e não em toda sua extensão, for-
mando placas com escavações (Fig. 9-169).
Alveolar – A corrosão se processa na superfície
metálica produzindo sulcos ou escavações semelhan-
tes a alvéolos apresentando fundo arredondado e
profundidade geralmente menor que o seu diâmetro
(Fig. 9-170).
Puntiforme ou por pite – A corrosão se processa em
pontos ou em pequenas áreas localizadas na superfície
metálica produzindo pites que são cavidades que apre-
sentam o fundo em forma angulosa e profundidade ge-
ralmente maior do que o seu diâmetro26 (Fig. 9-171). Figura 9-170. Corrosão alveolar.
410 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

mentos de torção, flexão e dobramento, são mantidos


em constante contato com solução de hipoclorito de só-
dio, sendo essa altamente agressiva à maioria dos me-
tais e ligas. Esses eventos fazem com que os instrumen-
tos endodônticos trabalhem em condições adversas no
interior do canal radicular.
A natureza da liga metálica, as condições de em-
prego dos instrumentos juntamente com a temperatu-
ra, tempo e concentração da solução clorada podem in-
duzir à corrosão dos instrumentos endodônticos. Tam-
bém a presença de defeitos de fabricação (ranhuras e
rebarbas) presentes nos instrumentos endodônticos
pode favorecer a sua degradação.
Para os instrumentos de NiTi, o íon cloro atua
Figura 9-171. Corrosão por pite. sobre a superfície da liga, removendo seletivamente
o níquel, dando origem à formação do pite63. Normal-
Os instrumentos endodônticos podem ser fabrica- mente é difícil detectar a presença de pites, pois além
dos com aço inoxidável e com liga níquel-titânio (NiTi). de serem pequenos estão cobertos por produtos de cor-
Stokes et al.72 e Edie et al.16 não constataram diferenças rosão.
significativas quanto à resistência à corrosão entre as A corrosão por pite, embora ocasione pequena
ligas de aço inoxidável e de NiTi. perda de massa, é perigosa, podendo induzir a fratura
Entre as explicações para a resistência à corrosão do instrumento endodôntico durante o preparo quími-
dos aços inoxidáveis destaca-se a teoria da formação co-mecânico do canal radicular. Os pites atuam como
natural de uma película protetora (filme passivo) sobre pontos de concentração de tensão e, portanto, local de
a superfície metálica, que impede o acesso de agentes alto potencial de nucleação de trinca. Porém é preci-
agressivos. A película protetora dos aços inoxidáveis so ressaltar que, em razão da perda da capacidade de
se deve à presença de cromo na liga. Quando o teor corte, os instrumentos endodônticos são descartados,
de cromo livre da liga é superior a 12%, o aço normal- antes de a corrosão por pite atingir níveis críticos que
mente não se oxida (enferruja) e é chamado inoxidável possam induzir a fratura. Embora seja praticamente
(stainless). O cromo adicionado aos aços inoxidáveis, em inevitável o ataque por pite, ele pode ser minimizado
contato com o ar ou com soluções oxigenadas, forma com a manutenção da limpeza e a eliminação da solu-
na superfície dos instrumentos uma película de óxido ção de hipoclorito de sódio estagnada, na superfície do
de cromo aderente, impermeável e de elevada dureza instrumento.
e densidade, que protege o aço contra a maioria dos Lopes et al.37, avaliando a corrosão de alargadores
agentes degradantes. Danos que porventura possam Gates Glidden, quando submetidos ao ataque de hipo-
ocorrer a essa película durante o uso ou esterilização clorito de sódio (soda clorada), concluíram que:
dos instrumentos são prontamente reparados. Entre-
tanto, essa rápida regeneração da película passivadora • os de marca FKG (Suíça) foram os que apresentaram
pode ser aniquilada em ambientes redutores, como, pior acabamento superficial de usinagem;
por exemplo, na presença de soluções cloradas26. • os alargadores Gates Glidden, da marca Meissinger
Teores de cromo superiores a 12% ampliam a (Alemanha), foram os que apresentaram maior in-
possibilidade de manter o filme passivo. As adições de tensidade de degradação do material, no meio de
níquel e molibdênio também expandem a faixa de pas- hipoclorito de sódio (soda clorada);
sividade do aço inoxidável. • os de marca Maillefer (Suíça) apresentaram me-
Os instrumentos de NiTi apresentam grande re- lhor acabamento superficial e maior resistência à
sistência à corrosão, especialmente quando imersos em corrosão.
soluções ácidas ou cloradas, devido à sua maior estabi-
lidade, à menor capacidade de troca de elétrons da liga Lopes et al.39 avaliaram o comportamento de cin-
e à formação de uma camada de óxido de titânio77. co marcas comerciais de instrumentos endodônticos
Durante o preparo químico-mecânico, os instru- – Trifile-Kerr; Flexo. R Union Broach; FlexoFile-Mail-
mentos endodônticos, além de submetidos a carrega- lefer; Hedstrom-Antaeos; Set File-Endo Technic Cor-
Instrumentos Endodônticos 411

poration –, após imersões em solução esterilizadora mais difíceis de ser avaliados, podem ser destacadas
(Germekill – Ceras Johnson Ltda. Div. Hospitalar) e a perda da eficiência de corte, proveniente da destrui-
em solução de hipoclorito de sódio (soda clorada). Os ção das arestas cortantes, e a fratura do instrumento
resultados revelaram que todas as amostras apresen- no interior do canal radicular, que pode gerar compli-
taram corrosão por pite quando imersas em soda clo- cações no tratamento e na preservação da integridade
rada; o Germekil não atacou as amostras estudadas. do elemento dentário e possível acúmulo de resíduos
A imersão em soda clorada provocou corrosão por metálicos na região apical do canal radicular que pode
pite, na parte de trabalho de todos os instrumentos dificultar a sua preparação (instrumentação).
endodônticos analisados. Tal comportamento se deve
à ausência de substâncias inibidoras de corrosão, na
composição das soluções comerciais de hipoclorito de  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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412 Capítulo 9  Instrumentos Endodônticos

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Instrumentos Endodônticos 413

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Preparo Capítulo 10
Químico-Mecânico
dos Canais
Radiculares
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias

Instrumento endodôntico é uma ferramenta de do Estudo de Washington, de natureza retrospectiva,


natureza metálica empregado como agente mecânico que relatou que mais de 60% dos fracassos da terapia
na instrumentação de canais radiculares. endodôntica, constatados radio­graficamente, foram
O preparo químico-mecânico tem por objetivo relacionados com as obturações inade­quadas do canal
promover a limpeza, a ampliação e a modelagem de radicular38. Contudo, deve-se ter em mente que o fato
um canal radicular, por meio do emprego de instru- de dois eventos (preparo químico-mecânico e obtura-
mentos endodônticos, de substâncias ou soluções quí- ção) ocorrerem simultaneamente não representa uma
micas auxiliares e da irrigação-aspiração. relação de causa e efeito.
Para alcançar esses objetivos não podem ser sepa- Assim, podemos pressupor que a maioria da-
rados os procedimentos mecânicos dos químicos, quer queles casos fracassou devido a um preparo químico-
conceitualmente, quer na sua execução prática, visto mecâ­nico incompleto, deixando irritantes no interior
que o resultado do preparo de um canal radicular de- do canal radicular. Embora a importância da obturação
corre da interação dos instrumentos endodônticos com não deva ser negada, é preciso ressaltar que o sucesso
as substâncias químicas auxiliares e com a irrigação- do tratamento endodôntico na biopulpectomia está na
aspiração com que se completam. dependência direta da não introdução de micro-orga-
Esse procedimento também tem sido denominado nismos, enquanto na necropulpectomia está na elimi-
de preparo químico-cirúrgico, de preparo biomecâni­ nação, ou máxima redução possível, de irritantes do
co, designação essa introduzida na II Convenção Inter­ interior do sistema de canais radiculares. A obturação
nacional de Endodontia, na Universidade da Pensilvâ­ tri­dimensional, então, perpetuaria esse estado obtido
nia, Filadélfia, EUA; de limpeza e modelagem (cleaning pelo preparo químico-mecânico, ocupando o espaço
and shaping) por Schilder; ou, simplesmente, de instru­ vazio e isolando vestígios de irritantes.
mentação81.
A limpeza, a ampliação e a modelagem têm por
finalidade a obturação compacta do canal radicular.
 OBJETIVOS
Por muitos anos, acreditou-se que o principal Os principais objetivos do preparo químico-mecâ-
fator envolvido no sucesso do tratamento endodôn- nico são a limpeza do sistema de canais e a modelagem
tico fosse a realização de uma obturação compacta, do canal radicular principal, os quais, embora distin-
tridimen­sional, do canal radicular. Esse conceito se tos, são logrados simultaneamente durante o preparo
tornou popularizado, após a revelação dos achados do canal radicular.

415
416 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Limpeza Ampliação e modelagem


A limpeza do sistema de canais radiculares visa à A ampliação e modelagem visa por meio da
elimi­nação de irritantes como micro-organimos, seus instrumenta­cão à confecção de um canal de formato
produtos e te­cido pulpar vivo ou necrosado, criando cônico com o menor diâmetro apical e o maior em nível
um ambiente propício para a reparação dos tecidos pe- coro­nário. Esse formato cônico obtido, também chama-
rirradiculares (Fig. 10-1A e B). do de canal cirúrgico, deve obrigatoriamente conter em
Durante o preparo químico-mecânico, a limpeza seu interior o canal anatômico, ou seja, a forma final
é lograda pela ação mecânica dos instrumentos endo­ da instrumentação não deve alterar a forma original
dônticos junto às paredes internas do canal radicular do canal radi­cular. Esse objetivo é, geralmente, logrado
principal. Aliada a essa ação mecânica, uma ação quí- em canais retos.
mica de lim­peza do sistema de canais é obtida pelo Em canais curvos a ampliação do volume acom-
emprego de soluções químicas auxiliares de instru- panhado do desenvolvimento de um forma­to cônico e
mentação. Essas soluções devem ser do­tadas de pro- a permanência da forma original do canal em sua posi­
priedades solventes de matéria orgânica e de atividade ção original são tarefas difíceis de ser alcançadas. O
antimicrobiana. resultado final da instrumentação de um canal curvo
A ação solvente visa à remoção de tecido pulpar pode ser influenciado por vários fatores, tais como: va-
vivo ou necrosado do sistema de canais mecanicamen- lor do raio de curvatura do canal; localização da curva-
te inacessíveis aos instrumentos endodônticos. Todo tura; comprimento do arco; desenho da haste de corte;
tecido pulpar, mesmo vivo e não infectado, deve ser flexibi­lidade e diâmetro do instrumento endodôntico;
eliminado no momento do preparo do canal para não tipo do movimento empregado; técni­ca de instrumen-
servir de substrato a uma proliferação microbiana. tação; localização da abertura forami­nal e dureza da
A ação antimicrobiana da solução química auxi- dentina.
liar deve participar da desinfecção do sistema de canais Formação de degraus, perfurações e deslocamen­
ra­diculares contaminados ou evitar a contaminação de tos apicais internos ou externos são acidentes indesejá-
canais com polpa viva. veis, observados na instrumentação de canais curvos.
Finalmente, a limpeza é complementada pela Visando a minimizar esses acidentes, modificações nas
re­moção de detritos no interior do canal radicular, técnicas de instrumentação e nos instrumentos endo­
a qual é feita pelo canal helicoidal dos instrumentos dônticos têm sido sugeridas. Avanços tecnológicos têm
endodônticos e pela irrigação-aspiração. Os resídu- permitido a confecção de instrumentos endodônticos
os em suspensão na substância química auxiliar ou com outras ligas metálicas, como as de níquel-titânio.
sedimentados nas paredes do canal são geralmente Essa liga apresenta pequeno módulo de elasti­cidade em
removidos durante a irrigação-aspiração às expensas relação ao aço inoxidável e, em consequên­cia, permite
da energia cinética do jato, da turbulência criada e do a obtenção de instrumentos endodônticos com grande
refluxo da corrente líquida, que os arrasta para fora elasticidade e resistência à deformação plástica. O uso
do canal radicular. de instrumentos endodônticos de NiTi na instrumen-

A B

Figura 10-1. Tecido pulpar vivo ou necrosado. A. Tecido vivo. B. Tecido necrosado.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 417

tação de canais radiculares curvos tem permitido obter


menor deslocamento apical, preparos mais centrados
e com maiores diâmetros apicais. Modificações tam-
bém têm ocorrido na forma da haste de corte helicoidal
cônica e na ponta dos instrumentos. Além dessas, têm
sido propostas modificações em rela­ção à conicidade,
ao diâmetro D0 e ao comprimento da parte de trabalho
dos instrumentos endodônticos78,79,80,82,85,115.
Em relação à técnica de instrumentação, a denomi­
nada coroa-ápice associada ao movimento de alarga-
mento (parcial alternado ou contínuo) imprimido ao
instrumento endodôntico diminuiu, significativamen-
te, os aci­dentes observados no preparo dos canais ra-
diculares curvos59.
A B
A limpeza e a modelagem cônica do canal são
obti­das mediante alguns critérios, destacando-se a
obten­ção de raspas dentinárias limpas: solução irriga-
dora límpida, quando colhida em uma gaze; ou o sen-
tido tá­til de paredes dentinárias lisas e uniformemente
preparadas. Todavia, nenhum deles é confiável, visto
que mesmo canais contendo remanescentes teciduais
contaminados ou não podem preencher os requisitos
citados, ocasionando um falso resultado. Assim, na au-
sência de um método acurado, consideramos a limpe-
za e a modelagem comple­tas quando o planejamento
do preparo foi cumprido, utilizando-se diâmetros e
movimentos dos instrumentos adequados à anatomia
do canal, substâncias químicas auxiliares compatíveis
com as condições do tecido pulpar e perir­radicular e
irrigações-aspirações eficientes.
Vários estudos5,6,33,62,71,76,77,89,104,108,109,111 têm demons- C
trado que o preparo químico-mecânico é incapaz de
promover uma total limpeza e uma correta ampliação
e modelagem dos canais radiculares. A razão para essa
ineficácia está associada à não visualização da comple-
xidade anatômica dos canais radiculares e à falta de
conhecimento das propriedades mecânicas das ligas
metálicas usadas na fabricação dos instrumentos endo-
dônticos, da forma e dimensões (geometria) desses em
relação à geometria do canal e do tipo de movimento
empregado, os quais foram incapazes de se adaptar às
condições anatômicas dos dentes. Consequentemente,
a instrumentação não conseguiu incorporar no circui-
to de corte todo o contorno do canal radicular origi-
nal (Fig. 10-2A a D). Assim, remanescentes teciduais e
micro-organismos podem persistir nas paredes denti-
D
nárias em ist­mos, reentrâncias e ramificações de canais
radiculares, não sendo afetados pelo preparo químico-
Figura 10-2. Complexidade anatômica de canais radiculares. A.
me­cânico. Entretanto, uma obturação adequada do Anatomia normal. (Gentileza da Prof. E. Mattus.) B. Anatomia com-
canal principal poderá confinar esses vestígios de irri- plexa. (Gentileza da Prof. A. Roldi.) C. Istmo. D. Seção reta trans-
tantes dentro da cavidade pulpar. A quan­tidade de ir- versal oval.
418 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

ritantes residuais e a efetividade seladora da obturação


do canal e da cavidade coronária de acesso determi-
narão, a longo prazo, o sucesso ou fracasso da terapia
endodôntica.
Certamente, o emprego de novos métodos, como
a microtomografia computadorizada aplicada à En-
dodontia na identificação tridimensional da anatomia
da cavidade pulpar, a evolução na geometria dos ins-
trumentos endodônticos e o maior conhecimento pro-
fissional permitirão uma maior limpeza, ampliação e Figura 10-3. Representação esquemática do movimento de re-
moção.
modelagem do canal radicular55,74,105. Os problemas ad-
vindos de paredes dos canais radiculares não tocadas
pelos instrumentos durante a instrumentação não po- Esse movimento também é muito usado nos re-
dem servir de desculpa para não se buscar solução. tratamentos endodônticos, na remoção inicial do mate-
rial obturador (cones de guta-percha e de prata) do in-
terior do canal radicular. Os instrumentos possíveis de
 MOVIMENTO DOS INSTRUMENTOS serem utilizados são os tipo K e as limas tipo H de aço
ENDODÔNTICOS inoxidável acionados com a mão. Instrumentos de NiTi
mecanizados com giro contínuo à direita têm sido indi-
Os instrumentos endodônticos durante a instru-
cados na remoção do material obturador (guta-percha
mentação de canais radiculares podem promover o
e cimento) do interior de canais radiculares obturados.
desgaste da dentina (ampliação do canal radicular) por
meio dos movimentos (limagem, alargamento ou alar-
gamento/limagem) aplicados a eles, obtidos manual- Movimento de exploração ou cateterismo
mente ou por dispositivos mecânicos. O movimento de O movimento de exploração ou cateterismo de
alargamento ou limagem está relacionado com a geo- um canal radicular é realizado imprimindo-se ao ins-
metria da parte de trabalho, a resistência mecânica do trumento pequenos avanços em sentido apical conjun-
instrumento e a anatomia do canal radicular. tamente com discretos movimentos de rotação à direita
Quanto à geometria da parte de trabalho do ins- e à esquerda com pequenos retrocessos (Fig. 10-4).
trumento, destacamos a forma da seção reta transversal É utilizado no cateterismo de canais radiculares
da haste de corte helicoidal e o ângulo de inclinação da amplos. Esse procedimento tem como objetivo o co-
hélice. Dentre os fatores relacionados com a resistên- nhecimento da anatomia interna e o esvaziamento ini-
cia mecânica podemos citar a rigidez, a flexibilidade, a cial do canal radicular, assim como a determinação da
tenacidade e a dureza da liga metálica empregada na odontometria. O instrumento endodôntico indicado é
fabricação dos instrumentos endodônticos. Em relação o tipo K de aço inoxidável acionado com as mãos.
à anatomia, o fator fundamental é a forma da seção reta Para a realização do movimento de cateterismo,
transversal ao nível dos segmentos cervical, médio e os instrumentos endodônticos de aço inoxidável de-
apical do canal radicular. vem possuir diâmetros menores do que o dos canais
radiculares e não necessitam ser pré-curvados (dobra-
Movimento de remoção dos). Diversos autores afirmam que o pré-curvamento

Esse movimento é composto de três manobras:


avanço do instrumento endodôntico no canal radicu-
lar, rotação de uma a duas voltas à direita sobre o seu
eixo e tração em sentido à coroa dentária (Fig. 10-3).
É usado na remoção da polpa dentária, e, nesse
caso, a penetração do instrumento deve alcançar o seg-
mento apical do canal radicular. Também é indicado
na remoção de detritos livres no interior do canal, de
bolinhas de algodão e de cones de papel utilizados com
o medicamento intracanal. Os instrumentos indicados Figura 10-4. Representação esquemática do movimento de cate-
são os extirpa-polpas e as limas tipo H. terismo.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 419

favorece o avanço do instrumento em sentido apical do radicular por meio do canal helicoidal do instrumento
canal radicular. Porém, a anatomia dentária revela que endodôntico e da irrigação-aspiração. O movimento
a maioria dos canais radiculares apresenta o segmen- de alargamento pelo fato de não ser direcionado contra
to cervical reto e o apical curvo. Assim, o instrumento uma determinada parede dentinária permite o aumen-
endodôntico de aço inoxidável pré-curvado ao avan- to do diâmetro (ampliação) de um canal radicular (cur-
çar em sentido apical de um canal radicular poderá vo ou reto), mantendo a sua trajetória original.
sofrer carregamentos alternados de desdobramento e A capacidade de corte de um instrumento ao rea-
dobramento. Além disso, é inadmissível acreditar que lizar o movimento de alargamento depende:
a pré-curvatura de um instrumento para simular a for-
ma anatômica corresponda à curvatura verdadeira do • Do ângulo de inclinação da hélice – Quanto menor,
canal radicular. maior a eficiência de corte por alargamento.
• Do ângulo interno da aresta lateral do corte – Quanto
menor o ângulo e mais agudo for o vértice da aresta
Movimento de alargamento de corte, maior será a eficiência de corte por alarga-
Alargamento é um processo mecânico de usina- mento.
gem destinado a aumentar por meio do corte de um • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de
material o diâmetro de um furo cônico ou cilíndrico ataque positivo desbastam as paredes do canal ra-
preexistente. É realizado por instrumentos denomina- dicular de uma forma mais invasiva do que os com
dos de alargadores. ângulo de ataque negativo.
Alargadores são instrumentos (ferramentas) de • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a
natureza metálica cuja haste de corte geralmente é cô- ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento
nica e que apresenta um certo número de arestas cor- em relação à dentina, maior será a sua eficiência de
tantes dispostas na forma de hélices no sentido anti- corte.
horário. Alguns alargadores podem apresentar a haste • Da velocidade do movimento de avanço e de corte (rota-
de corte cilíndrica helicoidal. Outros podem apresentar ção) do instrumento – Quanto maiores, menor o tempo
a haste de corte cônica ou cilíndrica onde as arestas cor- despendido no alargamento de um canal radicular.
tantes são longitudinais paralelas. Os alargadores são
ferramentas projetadas exclusivamente para alargar Instrumentos endodônticos do tipo K e os alarga-
furos. Os alargadores endodônticos são instrumentos dores especiais mecanizados, fabricados em aço inoxi-
(ferramentas) projetados exclusivamente para alargar dável ou em NiTi, são indicados para a realização do
canais radiculares (furos). movimento de alargamento empregado na instrumen-
O alargamento consiste no giro (movimento de tação de canais radiculares.
rotação) e no deslocamento compressivo (movimento Em Endodontia, os instrumentos endodônticos
de avanço) simultâneos de um alargador no interior podem executar o movimento de alargamento por
de um furo. Para que ocorra o alargamento é necessá- meio de uma rotação parcial à direita, de uma rotação
rio que o instrumento trabalhe justo no interior de um parcial alternada (à direita e à esquerda) ou de uma
furo, ou seja, o diâmetro do instrumento deve ser maior rotação contínua à direita.
que o do furo e que o círculo de corte complete todo o Na instrumentação de canais com segmentos cur-
contorno do furo. Tendo o canal radicular a forma de vos é imprescindível que a deformação do instrumento
um cone os instrumentos endodônticos (alargadores) endodôntico permaneça no limite elástico do material.
utilizados devem ter a haste de corte helicoidal cônica Instrumentos de aço inoxidável não devem ser pré-
para manter a forma final do canal mais próxima da curvados ou sofrerem uma deformação plástica indu-
original. Durante o alargamento de um canal cônico zida pelas paredes dentinárias de segmentos curvos de
há necessidade de girar um alargador endodôntico de canais radiculares. Uma deformação plástica do ins-
diâmetro maior do que o do canal para o avanço da fer- trumento provocaria durante o movimento de alarga-
ramenta em sentido apical do canal radicular, acompa- mento a repetição cíclica de carregamento (esforço) de
nhado do corte do material. Com essas manobras são dobramento alternado (dobramento e desdobramento)
criadas tensões compressivas e cisalhantes nas paredes e de torção. Esses carregamentos levariam rapidamen-
do canal radicular, induzindo a formação de cavaco de te o instrumento à fratura, assim como à criação de de-
ruptura com forma de pedaços ou lascas de dentina. O feitos na forma final do preparo de um canal radicular
cavaco formado deve ser removido do interior do canal curvo. Isso ocorre porque a extremidade dobrada não
420 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um provoca o avanço do instrumento no sentido apical se-
semicírculo durante o alargamento parcial à direita, guido do corte e do encravamento das arestas de corte
parcial alternado ou um círculo durante o alargamento do instrumento nas paredes dentinárias do canal. A
contínuo, com raio igual ao comprimento do segmento tração arranca a dentina cortada das paredes do canal
dobrado. Todavia, devido ao pequeno diâmetro do ca- radicular ampliando o seu diâmetro. A amplitude da
nal radicular e à resistência das paredes dentinárias, a tração é curta o suficiente para liberar o instrumento.
movimentação (giro) do segmento dobrado do instru- Grandes amplitudes de tração podem induzir o des-
mento é reduzida, ocorrendo a concentração de tensão locamento de material presente no interior do canal
no ponto crítico de dobramento do instrumento. Esse radicular para a região apical, durante o avanço subse-
carregamento pode ultrapassar o limite de resistência quente (Fig. 10-5).
do material e induzir a fratura por torção do instru- A principal indicação do movimento de alar-
mento. Para instrumentos de maior diâmetro, a rigidez gamento parcial à direita é no cateterismo de canais
é aumentada e a força de oposição das paredes denti- atresiados. Nesses casos os instrumentos endodôn-
nárias impostas nem sempre é suficiente para limitar ticos indicados são os instrumentos especiais C+
ou impedir a movimentação do segmento dobrado do (Maillefer), C Pilot (VDW) ou tipo K de aço inoxi-
instrumento. Nessas condições, observa-se a deforma- dável. Os instrumentos indicados devem apresentar
ção do canal radicular após a instrumentação. seção reta transversal quadrangular, curva de tran-
Para evitar esses carregamentos, durante a instru- sição, diâmetros correspondentes aos nos 8, 10 e 15 e
mentação de canais com segmentos curvos, os instru- comprimentos de 18 ou 21mm (ver Capítulo 9, Ins-
mentos endodônticos quando acionados por meio do trumentos endodônticos).
movimento de alargamento (parcial à direita, alternado A transição da base da ponta para a haste de corte
ou contínuo) devem permanecer no limite elástico e ja- helicoidal cônica do instrumento endodôntico deve ser
mais no limite plástico do material. No limite elástico, o feita por meio de uma curva de transição (ausência do
instrumento endodôntico em um segmento curvo de um ângulo de transição). A presença do ângulo de tran-
canal radicular gira no eixo da ferramenta. Para canais sição durante a instrumentação de canais atresiados
atresiados e com segmentos curvos devemos empregar pode favorecer a imobilização da ponta do instrumen-
instrumentos de aço inoxidável de seção reta trans- to induzindo a deformação plástica da haste de corte
versal triangular de pequenos diâmetros (nos 15 a 30) helicoidal ou a fratura por torção do instrumento en-
sem pré-curvamento (dobramento). Em função das di- dodôntico.
mensões e das propriedades mecânicas da liga de aço Os instrumentos curtos, em razão de possuírem
inoxidável, esses instrumentos são dotados de elasti- maior resistência à flambagem (flexocompressão) e ao
cidade suficiente para acompanhar a curvatura de um dobramento, devem ser escolhidos independentemen-
canal radicular. Para instrumentos de maior diâmetro te do comprimento do dente. Dependendo do compri-
devemos empregar os de níquel-titânio, em função da mento do dente, após o uso de instrumentos de 18 ou
superelasticidade da liga metálica. Essa propriedade 21mm, empregamos instrumentos maiores.
permite que instrumentos de maior diâmetro traba- Para a realização do movimento de alargamento
lhem no limite elástico mesmo em canais severamente parcial à direita os instrumentos endodônticos podem
curvos. Os instrumentos de NiTi raramente sofrem do- ser acionados com as mãos ou por dispositivos mecâ-
bramento durante o alargamento de canais radiculares
com segmentos curvos.

Movimento de alargamento parcial à direita


Para executar esse movimento, o instrumento en-
dodôntico deve ter diâmetro maior do que o do canal
e ser submetido às seguintes manobras: aplicação de
uma força no sentido apical do canal radicular (avan-
ço do instrumento) acompanhada simultaneamente de
rotação parcial à direita. A seguir, traciona-se ligeira-
mente o instrumento em sentido coronário. Na repeti-
ção dessas manobras tendo o instrumento endodôntico Figura 10-5. Representação esquemática do movimento de alar-
diâmetro maior do que o do canal, a rotação à direita gamento parcial à direita.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 421

nicos. Quando indicados para o cateterismo de canais diâmetro de sua seção reta transversal (a). Portanto, a
atresiados, devem ser acionados exclusivamente com quantidade de dentina excisada por esses instrumen-
as mãos. tos durante o movimento de alargamento parcial à di-
Para instrumentos endodônticos de mesmo valor reita é muito grande em relação à área de sua seção
(diâmetro nominal) os de seções retas quadrangula- reta transversal. Para instrumentos de mesmo diâmetro
res são os indicados porque a área de um quadrado nominal externo, os quadrangulares durante o corte da
é 54% maior do que a de um triângulo. Isso propicia dentina ficam submetidos a uma menor tensão por tor-
aos instrumentos quadrangulares um núcleo maior e ção quando comparados aos triangulares. Consequente-
consequentemente uma maior resistência à flexocom- mente, os instrumentos quadrangulares quando compa-
pressão (flambagem), ao dobramento e à deformação rados ao triangulares são mais resistentes à deformação
plástica da haste de corte helicoidal cônica por torção plástica (distorção) da haste de corte helicoidal cônica e
(Fig. 10-6). à fratura por torção dos instrumentos (Fig. 10-7).
Para instrumentos quadrangulares o diâmetro do O ângulo de rotação aplicado a um instrumento
círculo de corte (b) é equivalente ao diâmetro de sua se- na execução do movimento de alargamento parcial à
ção reta transversal (a). Assim, a quantidade de denti- direita para completar o círculo de corte das paredes
na excisada durante o movimento de alargamento par- de um canal varia em função do desenho da seção reta
cial à direita é pequena em relação à área de sua seção transversal da haste de corte do instrumento. Para
reta transversal. Para instrumentos triangulares o instrumentos de seção reta transversal quadrangular,
diâmetro do círculo de corte (b) é 33% maior do que o o ângulo de rotação exigido é de 1/4 (90º) de volta
(Fig. 10-8). Todavia, devido à resistência ao corte da
dentina, o ângulo de rotação para completar o círculo
de corte das paredes de um canal radicular deve ser
executado em duas etapas consecutivas de 45°. A cada
etapa, o instrumento é retirado do interior do canal,
limpo em um pedaço de gaze esterilizada e cuidado-
samente examinado com o objetivo de detectar defor-
mação plástica na sua haste de corte helicoidal cônica.
Caso presente, o instrumento endodôntico deve ser
descartado (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos
endodônticos). A seguir, para execução de uma nova
etapa é posicionado no interior do canal 45° à direita
em relação à posição anterior (Fig. 10-9). Para instru-
mentos delgados e canais atresiados o círculo de corte
das paredes de um canal radicular pode ser comple-
Figura 10-6. Desenho esquemático. Área da seção reta de instru-
mento quadrangular e triangular de mesmo número (diâmetro no- tado em três etapas consecutivas de 30°. Após a repe-
minal). tição das etapas, o instrumento deve ser posicionado

Figura 10-7. Desenhos esquemáticos. Diâmetros dos furos produzidos por instrumentos de seção reta transversal triangular e quadran-
gular.
422 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

No movimento de alargamento parcial à direita,


os instrumentos de aço inoxidável não devem ser pré-
curvados (dobrados), uma vez que esse procedimento
induz carregamentos combinados de dobramento al-
ternado e de torção que poderão deformar o preparo
apical ou induzir a fratura do instrumento. Para evitar
esses carregamentos, os instrumentos endodônticos
devem ser empregados em regime elástico e jamais em
regime plástico.
No movimento de alargamento parcial à direita,
a extremidade dobrada não gira no eixo do instru-
mento, mas tende a descrever um arco com raio igual
ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 10-10).
Devido ao pequeno diâmetro do canal radicular e à
resistência das paredes do canal, a movimentação do
Figura 10-8. Desenho esquemático. Movimento de alargamento segmento dobrado do instrumento é reduzida, ocor-
parcial à direita de instrumento de seção reta transversal quadran- rendo no ponto crítico de dobramento concentração
gular para completar o círculo de corte (ângulo de 90º). de tensão por torção. Esse carregamento pode ultra-
passar o limite de resistência do material conduzindo
à fratura do instrumento. Entretanto, um instrumen-
na distância alcançada e girado à direita por duas a to endodôntico de pequeno diâmetro (nos 8, 10, 15),
três voltas (movimento de alargamento contínuo) en- quando dobrado intencionalmente para alcançar o
quanto é retirado gradualmente do interior do canal. acesso radicular ou dobrado pelas paredes de um ca-
Como o controle do ângulo de rotação com precisão é nal com segmento curvo, mantém a sua elasticidade
difícil de ser alcançado, essa manobra tem como obje- (efeito mola). Assim, quando submetido ao movimen-
tivo incorporar no círculo de corte todo o contorno do to de alargamento parcial à direita no interior de um
canal radicular original e remover os resíduos oriun- canal radicular, com pequeno ângulo de rotação, a de-
dos da instrumentação. formação imposta ao instrumento pode permanecer
Quanto menor o ângulo de rotação à direita, me- no limite elástico da liga metálica (efeito mola), não
nor será o avanço (roscamento) do instrumento no ficando desse modo submetido a um carregamento
sentido apical do canal radicular e menor será a re- plástico de dobramento e desdobramento combinado
sistência ao corte da dentina. Esses eventos reduzem à torção. Isso se justifica porque na maioria das vezes,
a formação de degraus, a distorção da haste de corte mesmo dobrado, não ocorre a fratura do instrumento
helicoidal cônica e o risco de fratura do instrumento endodôntico de pequeno diâmetro ou deformação do
por torção. preparo apical.

Figura 10-9. Desenho esquemático.


Instrumento quadrangular. Círculo
de corte realizado em duas etapas (a
e b) de 45º à direita.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 423

Figura 10-11. Representação esquemática do movimento de alar-


gamento parcial alternado (oscilatório).

onde o diâmetro do instrumento empregado é maior


do que o do canal a ser instrumentado.
Os instrumentos endodônticos indicados são os ti-
pos K de aço inoxidável ou de NiTi de seção reta trans-
versal triangular, ponta cônica circular e com curva de
transição. Os instrumentos podem ser acionados com
as mãos ou por dispositivos mecânicos. Instrumentos
Figura 10-10. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento,
mas tende a descrever um arco. de NiTi mecanizados projetados para giro contínuo
têm sido empregados por meio de contra-ângulos es-
peciais com o movimento de alargamento parcial alter-
nado no preparo de canais radiculares116.
Movimento de alargamento parcial alternado
O ângulo de rotação aplicado a um instrumen-
Esse movimento é conhecido também como for-
to endodôntico de seção reta transversal triangular
ça balanceada e movimento oscilatório. Para executar
na execução do movimento de alargamento parcial
esse movimento, o instrumento endodôntico deve ter
alternado para completar o círculo de corte das pare-
diâmetro maior do que o do canal e ser submetido às
des se um canal radicular é de um terço (120º) de vol-
seguintes manobras: aplicação de uma força no sentido
ta à direita e à esquerda (Fig. 10-12). Todavia, devido
apical do canal radicular, acompanhada simultanea-
à resistência ao corte da dentina, o ângulo de rotação
mente de rotação parcial alternada (à direita e à esquer-
para completar o círculo de corte das paredes de um
da). Tendo o instrumento endodôntico diâmetro maior
do que o do canal, a rotação parcial à direita provoca
o avanço do instrumento no sentido apical, seguido do
corte e do encravamento das arestas de corte do ins-
trumento nas paredes dentinárias do canal. A rotação
parcial à esquerda mantendo-se a aplicação da força
no sentido apical promove o arrancamento da dentina
cortada das paredes do canal radicular. A cada quatro
movimentos de alargamento parcial alternado, o ins-
trumento é tracionado em sentido cervical de 1 a 2mm
e, a seguir, submetido a um novo avanço em sentido
apical (Fig. 10-11).
A principal indicação do movimento de alarga-
mento parcial alternado é no preparo do segmento api-
cal de canais radiculares retos ou curvos. No segmento
apical de um canal radicular a seção reta transversal
deve obrigatoriamente ser circular para permitir a Figura 10-12. Desenho esquemático. Movimento de alargamento
adaptação do cone de guta-percha. Também é indicado parcial alternado de instrumentos de seção reta transversal triangu-
no preparo dos segmentos médios e cervicais de canais lar para completar o círculo de corte (giro à direita de 120º).
424 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Figura 10-13. Desenho esquemático.


Instrumento triangular. Círculo de corte
realizado em duas etapas (a e b) de 60º
à direita e à esquerda.

canal radicular deve ser executado em duas etapas carregamento pode ultrapassar o limite de resistên-
consecutivas de 60° (Fig. 10-13). A cada etapa, o ins- cia do material conduzindo à fratura por torção do
trumento é retirado do interior do canal limpo em instrumento. Para instrumentos de maior diâmetro,
um pedaço de gaze esterilizado e cuidadosamente a rigidez aumenta e a força de oposição das paredes
examinado com o objetivo de detectar deformação dentinárias impostas nem sempre é suficiente para
plástica na sua haste de corte helicoidal cônica (dis- limitar o movimento do segmento dobrado do ins-
torção). A seguir, para execução de uma nova etapa trumento e induzir a fratura por torção. Nessas con-
fica posicionado 60° à direita em relação à posição dições, observamos uma maior deformação do canal
anterior. Após a repetição das etapas, o instrumento radicular após a instrumentação.
posicionado na distância alcançada é manualmente
girado à direita por duas a três voltas (movimento
de alargamento contínuo) enquanto é retirado gra-
dualmente do interior do canal. Como o controle do
ângulo de rotação com precisão é difícil de ser alcan-
çado, essa manobra tem como objetivo incorporar no
círculo de corte todo o contorno do canal radicular
original e remover os resíduos oriundos da instru-
mentação.
No movimento de alargamento parcial alterna-
do, os instrumentos de aço inoxidável não devem ser
pré-curvados, uma vez que esse procedimento induz
carregamentos de dobramento alternado combinado
ao de torção que poderão deformar o preparo apical
e induzir a fratura do instrumento. Para evitar esses
carregamentos, os instrumentos endodônticos devem
ser empregados em regime elástico e jamais em regime
plástico.
No movimento de alargamento parcial alterna-
do, a extremidade dobrada não gira no eixo do ins-
trumento, mas tende a descrever um arco com raio
igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig.
10-14). Porém, devido à resistência das paredes do
canal, o movimento do segmento dobrado do ins-
trumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de Figura 10-14. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento,
dobramento concentração de tensão por torção. Esse mas tende a descrever um arco.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 425

Movimento de alargamento contínuo O movimento de alargamento contínuo geral-


Para executar esse movimento, o instrumento en- mente é obtido por dispositivos mecânicos (motores e
dodôntico deve ter diâmetro maior que o do canal e ser contra-ângulos), podendo ser obtido com as mãos. Os
submetido às seguintes manobras: aplicação de uma instrumentos endodônticos indicados como alarga-
força no sentido apical do canal radicular acompanhada dores podem ser fabricados em aço inoxidável ou em
simultaneamente de rotação contínua à direita (avan- liga NiTi. Entretanto, quando empregados em canais
ço). A seguir, traciona-se ligeiramente o instrumento curvos, é imprescindível que seja de NiTi, uma vez que
em sentido coronário (Fig. 10-15) A repetição dessas a deformação da haste de corte helicoidal cônica do
manobras, estando o instrumento justo no interior do instrumento permaneça no limite elástico do material.
canal radicular, promove o avanço do instrumento no Uma deformação plástica em um instrumento de aço
sentido apical, seguido do corte e do arrancamento da inoxidável quando acionado a motor com giro contínuo
dentina, completando o círculo de corte e ampliando o provocaria a repetição cíclica de carregamento combina-
diâmetro do canal radicular. do de dobramento alternado e de torção, o que o levaria
Para evitar a imobilização do instrumento no inte- rapidamente à fratura, assim como a criação de defei-
rior do canal radicular, a velocidade do avanço deve ser tos na forma final do preparo do canal radicular. Isso
menor do que a velocidade de corte. A não imobilização ocorre porque a extremidade dobrada não gira no eixo
evita a fratura por torção do instrumento. Após encon- do instrumento, mas tende a descrever um círculo com
trar resistência junto às paredes dentinárias, o avanço raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig.
do instrumento a cada introdução no interior do canal 10-16). Consequentemente, os instrumentos endodônti-
deverá ser de 1 a 3mm no sentido apical, intercalado por cos acionados a motor por meio do movimento de alar-
retiradas (tração) no sentido coronário (pecking motion). gamento contínuo indicados para o preparo de canais
Avanços maiores aumentam a força de atrito do instru- radiculares curvos devem ser fabricados com NiTi em
mento com as paredes do canal e a resistência ao corte, o função da superelasticidade da liga metálica. Alargado-
que poderá induzir carregamentos superiores ao limite res em aço inoxidável devem ser empregados apenas
de resistência à fratura do material. A amplitude da re- em canais retos ou segmentos retos de canais curvos.
tirada deve ser a necessária para liberar o instrumento e Os instrumentos de NiTi, por terem menor módu-
permitir a remoção de detritos do interior do canal radi- lo de elasticidade que os de aço inoxidável, são defor-
cular. Além disso, permite a solução química auxiliar da mados elasticamente com níveis inferiores de tensão e
instrumentação fluir no sentido apical do canal radicu- normalmente mantêm a forma original do canal radi-
lar. Amplitudes de retiradas maiores podem induzir o
deslocamento do material do interior do canal radicular
para a região apical durante os avanços subsequentes.
Em canais curvos o retrocesso também reduz a
concentração de tensão em uma determinada área do
instrumento submetido ao carregamento por flexão ro-
tativa e aumenta o tempo de sua vida útil em relação à
fratura por fadiga.

Figura 10-15. Representação esquemática do movimento de alar- Figura 10-16. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento,
gamento contínuo. mas tende a descrever um círculo.
426 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

cular durante a ação de alargamento. Para tal, é neces- preparo o contorno (circuito) das seções retas trans-
sário que a força (resistência) de oposição nas paredes versais originais do canal radicular. Nesse caso é ne-
dentinárias dos segmentos curvos dos canais radicula- cessário o uso de instrumento de diâmetro maior para
res seja maior do que a força para induzir a flexão do conferir à instrumentação, por meio do movimento de
instrumento endodôntico. alargamento, uma seção reta transversal circular a qual
assegura a incorporação do contorno do canal radicu-
Vantagens e deficiências do movimento de lar (Fig. 10-18). Todavia, às vezes, a raiz do dente apre-
alargamento senta segmentos com seções retas transversais achata-
das cujos diâmetros anatômicos não permitem o uso
Como vantagem, o movimento de alargamento de instrumento de diâmetro maior com o objetivo de
parcial à direita, parcial alternado ou contínuo propicia tornar o preparo circular (Fig. 10-19).
um preparo de canal radicular centrado em relação ao Para solucionar essa deficiência, instrumentos en-
seu eixo e com corte regular, incorporando no círculo dodônticos acionados manualmente ou por dispositi-
de corte todo o contorno do canal radicular original. A
forma final do preparo é cônica e de seção reta trans-
versal circular, desde que o diâmetro do instrumento
empregado seja maior do que o diâmetro do canal ra-
dicular (Fig. 10-17). Com o emprego do movimento de
alargamento, o profissional tem um domínio sobre o
diâmetro e a forma do furo (preparo), o que favorece a
seleção do cone principal de guta-percha e o selamento
apical da obturação do canal radicular.
Como deficiência, podemos citar que o movimen-
to de alargamento pode deixar áreas do canal radicular
não instrumentadas. Isso ocorre quando o diâmetro do
instrumento empregado é menor do que o diâmetro
maior do segmento achatado do canal. Consequente-
mente, a instrumentação não consegue incorporar no
Figura 10-18. Diâmetro do instrumento menor do que o diâmetro
do canal. Permanência de áreas não instrumentadas. Diâmetro do
instrumento maior do que o do canal. Incorporação de todo o con-
torno do canal no círculo de corte.

Figura 10-17. Movimento de alargamento. Preparo centrado com Figura 10-19. Diâmetro anatômico da raiz não permite o uso de
forma cônica e seção reta transversal circular. instrumento de diâmetro maior.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 427

vos mecanizados devem ter pelo menos diâmetro maior dentinária pode provocar o achatamento temporário
do que o menor diâmetro do segmento achatado do (deformação elástica) dos vértices das arestas de corte
canal radicular. O instrumento endodôntico acionado do instrumento, reduzindo ou mesmo não causando
pelo movimento de alargamento (parcial à direita, par- o desgaste dentinário. Também em razão do pequeno
cial alternado ou contínuo) deve ser inserido no canal a ângulo de inclinação das hélices (20 a 30o) das hastes
partir de uma das extremidades polares, aplicando-se de corte helicoidais cônicas dos instrumentos, o movi-
uma força no sentido apical até atingir um comprimen- mento de pincelamento é incapaz de promover a raspa-
to predeterminado. A seguir, o instrumento deverá ser gem das paredes dentinárias do canal radicular. Além
tracionado em sentido coronário. A cada repetição do disso, quando um instrumento endodôntico de NiTi
movimento de alargamento o instrumento deverá ser mecanizado fica submetido a um movimento de pince-
deslocado horizontalmente acompanhando a direção lamento das paredes dentinárias, sofre desnecessaria-
do eixo maior do segmento achatado do canal. Nesse mente um carregamento de flexão rotativa. Este induz
deslocamento é fundamental que o círculo de corte de- na região de maior flexão da haste de corte helicoidal
terminado pelo instrumento sobreponha o círculo de cônica do instrumento tensões trativas e compressivas.
corte anterior. Com esse procedimento o círculo de cor- Nessa situação há redução da vida útil do instrumento
te do instrumento incorpora todo o contorno (circuito) devido à fadiga. Pelas mesmas razões apresentadas os
do segmento achatado do canal original (Fig. 10-20). instrumentos de NiTi mecanizados não promovem o
Diferentes fabricantes e profissionais sugerem desgaste anticurvatura de um canal radicular.
que nos segmentos achatados de canais radiculares
os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados
Movimento de limagem (raspagem)
devem ser empregados com o movimento de pince-
lamento (escovagem). Para executar esse movimento, Limagem é um processo mecânico de usinagem
o instrumento endodôntico de NiTi mecanizado deve destinado à obtenção de quaisquer superfícies pela ras-
ser submetido às seguintes manobras: rotação contínua pagem. Raspagem representa o ato de raspar com um
à direita acompanhada de avanço do instrumento em instrumento adequado parte da superfície de um mate-
sentido apical. Simultaneamente à remoção, o instru- rial. É realizada por instrumentos denominados limas.
mento deve ser pressionado lateralmente de encontro Limas endodônticas são instrumentos de natureza
às áreas polares dos segmentos achatados dos canais metálica multicortantes, com arestas ou fios cortantes
radiculares. estendendo-se diagonalmente por meio das superfícies
Entretanto, devido à superelasticidade da liga da haste helicoidal cônica. São empregadas por meio
NiTi, a pressão exercida pode não alcançar a magnitu- de um movimento longitudinal alternado (avanço e re-
de suficiente para induzir o desgaste da dentina radi- trocesso) no desgaste (raspagem) de parte da superfície
cular. Por outro lado, a resistência imposta pela parede dentinária de um canal radicular.

Figura 10-20. Canal com


segmento achatado. Des-
locamento do instrumento
buscando incorporar o con-
torno do canal no circuito
de corte.
428 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

O movimento de limagem (raspagem) é longitu-


dinal alternativo, caracterizado pelo avanço do instru-
mento no interior do canal radicular e de tração (retro-
cesso) linear curto com a aplicação de uma força lateral
contra as paredes dentinárias. A tração linear é curta
com amplitude entre 1 e 3mm. A frequência (avanço e
retrocesso) é baixa entre 1 e 2 por segundo (movimen-
to de raspagem) (Fig. 10-21). Na instrumentação de
canais radiculares o instrumento deve estar com liber-
dade durante o avanço no interior do canal radicular,
com a limagem ocorrendo durante o retrocesso (tração)
do instrumento endodôntico.
O instrumento deve raspar a parede dentinária
induzindo a formação de aparas dentinárias (cavaco de
ruptura) ao sair do canal e não quando penetra. A cada
tração, a lima não deve ser removida do canal. Isso
apenas se faz quando esta se encontrar com grande li- Figura 10-22. Representação esquemática do movimento de lima-
berdade no interior do canal, sendo então substituída gem circundante.
por outra de diâmetro imediatamente superior.
Quando o movimento de limagem é repetido
equitativamente por todo o contorno (circuito) do ca-
nal, recebe a denominação de limagem circundante. No
que se refere a esse movimento é importante salientar
que o instrumento endodôntico deve ser tracionado no
sentido oblíquo e não perpendicular (linear). A tração
no sentido oblíquo impede a sulcagem das paredes do
canal radicular e tende a completar o circuito de raspa-
gem, ou seja, a limagem de todo o contorno do canal
radicular original (Fig. 10-22). Quando concentrado no
segmento cervical, na parede que corresponde à zona
de segurança em canais curvos, é denominado lima-
gem anticurvatura (Fig. 10-23).
Durante as manobras de limagem, se o instru-
Figura 10-23. Representação esquemática do movimento de lima-
mento endodôntico alcançar justeza durante o avanço gem anticurvatura.
no interior do canal radicular, a sua parte de trabalho
(ponta e haste de corte helicoidal cônica) funciona
como um cone móvel (êmbulo) promovendo o desloca- par. Esse evento induz uma pressão unidirecional no
mento do material (tecido pulpar, substância química sentido apical, podendo promover o extravasamento
auxiliar e dentina excisada) existente na cavidade pul- do material para a região perirradicular, obstrução do
segmento apical do canal radicular, assim como des-
vios e degraus48,50,73,94.
Nos casos onde o instrumento endodôntico al-
cançar justeza em algum ponto no interior do canal
radicular, o deslocamento longitudinal do instrumento
durante o movimento de limagem deverá ficar aquém
desse limite (ponto).
A limagem é o principal movimento efetivo de cor-
te de um instrumento na instrumentação de segmentos
achatados de canais radiculares. Nesse caso, o desloca-
Figura 10-21. Representação esquemática do movimento de li- mento linear do instrumento durante o movimento de
magem. limagem deverá ficar contido no segmento achatado do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 429

canal radicular. Também é muito empregado no desgas- • Do ângulo interno da aresta lateral de corte – Quanto
te anticurvatura. A limagem em anticurvatura atua em menor e mais agudo for o seu vértice, maior será a
sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a transpor- eficiência de corte por limagem. Entretanto, quanto
tar o canal para as áreas mais volumosas (zona de segu- menor o ângulo interno da aresta lateral de corte e
rança), fugindo da área de concavidade da raiz (zona de mais agudo for o seu vértice, mais rapidamente o
risco). O desgaste anticurvatura é realizado no segmento instrumento perde a capacidade de corte.
cervical de um canal radicular para diminuir o compri- • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de
mento inicial do arco e facilitar o acesso do instrumento ataque positivo raspam as paredes do canal radicu-
endodôntico em sentido ao ápice radicular. lar de forma mais invasiva do que os com ângulo de
O movimento de limagem não deve ser emprega- ataque negativo.
do no preparo apical de um canal radicular. Quando • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a
empregado, devido à impossibilidade de se controlar ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento
a força lateral aplicada no instrumento, assim como a em relação à dentina, maior será a sua eficiência de
frequência e a amplitude do movimento, perde-se o raspagem.
controle dos valores quantitativos dos desgastes das • Da rigidez do instrumento – Quanto maior a rigidez
paredes do canal, alterando a forma final do preparo do instrumento, maior a sua capacidade de raspa-
(transporte apical interno ou zip). Geralmente, a for- gem. Como os instrumentos endodônticos são cô-
ma da seção reta transversal do canal é elipsoide com nicos, a rigidez é maior quanto mais próximo do
bordas irregulares, o que dificulta a seleção do cone de intermediário e menor na extremidade da parte de
guta-percha principal, assim como a compactação (se- trabalho. Durante a aplicação de uma força no cabo
lamento) e a manutenção do limite apical da obturação do instrumento com direção perpendicular ao seu
do canal radicular (Fig. 10-24). eixo, a região de maior diâmetro da parte de traba-
Ao realizar o movimento de limagem, a capaci- lho (junto do intermediário) exerce ação de limagem
dade de raspagem do instrumento depende: mais eficiente do que a de menor diâmetro (junto da
extremidade).
• Do ângulo de inclinação da hélice – Esse ângulo está
relacionado com o tipo de movimento que o instru- Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de
mento foi projetado. Para instrumentos com ângulos aço inoxidável são projetados para o movimento de
iguais ou maiores de 45º recomenda-se o movimen- limagem. Todavia, os instrumentos com pequeno diâ-
to de limagem. metro (nos 0,8 – 10 – 15 – 20) a extremidade da parte de
trabalho, devido à maior flexibilidade, ou seja, menor
resistência ao deslocamento sob flexão não executam
ação de limagem eficiente das paredes de canais ra-
diculares. Os instrumentos geralmente são acionados
com as mãos, podendo também ser acionados por dis-
positivos mecânicos.
Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de
NiTi, em função da superelasticidade da liga metáli-
ca, não devem ser empregados com o movimento de
limagem, principalmente os de menores diâmetros (nos
15 a 30) porque não oferecem resistência ao desloca-
mento sob flexão, não promovendo consequentemen-
te a raspagem dentinária. Entretanto, instrumentos de
NiTi com maior diâmetro (acima do no 35) podem ser
empregados com o movimento de limagem. Embora
com dureza menor, a capacidade de corte por limagem
dos instrumentos de NiTi, comparativamente aos de
aço inoxidável, está relacionada com o carregamen-
to (força lateral aplicada). Para carregamentos baixos
Figura 10-24. Movimento de limagem empregado no preparo api- (pequena força), os instrumentos de NiTi e de aço
cal de um canal radicular. Deslocamento do preparo. inoxidável apresentam capacidade de limagem seme-
430 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

e estágios de desenvolvimento. A configuração da


cavidade pulpar não é apenas do canal principal e
sim de um complexo sistema apresentando canais
acessórios, secundários, laterais e comunicações por
meio do delta apical. Entretanto, na maioria dos
casos, as lesões perirradiculares estão associadas
ao canal principal e se formam ao redor do forame
principal. Os canais acessórios, secundários, laterais
e delta apical não têm volume e consequentemente
quantidade de micro-organismos suficiente em seu
Figura 10-25. Representação esquemática do movimento de alar- interior para perpetuar uma lesão perirradicular. O
gamento e limagem. perfil de um canal radicular é cônico e a forma da
seção reta transversal pode variar ao longo do com-
lhantes. Para carregamentos (pressão lateral) maiores, primento do canal radicular. No segmento cervical
os instrumentos de aço inoxidável são mais eficientes. e médio pode ser circular ou ovalado (achatado).
Quando houver um forte carregamento (grande pressão) Quando ovalado, o diâmetro vestibulolingual pode
durante o movimento de limagem, ocorrerá uma defor- ser no mínimo duas vezes maior do que o mesio-
mação elástica (rebatimento) do vértice da aresta lateral distal. O diâmetro de canais ovalados decresce no
de corte dos instrumentos de NiTi de maior diâmetro, sentido apical. No segmento apical a forma da seção
registrando um menor desgaste do material a ser corta- reta transversal do canal radicular tende a ser circu-
do. Quando aplicada uma carga adequada, o vértice da lar. A qualidade do preparo de canais radiculares
aresta lateral de corte permanece em sua posição origi- quanto à limpeza e modelagem está fortemente re-
nal, permitindo que o instrumento de NiTi tenha capa- lacionada com a geometria (forma e dimensão) da
cidade de corte similar ao de aço inoxidável com idênti- seção reta transversal do dente. O preparo deve ser
cas características morfológicas e morfométricas4,45. Em limitado ao espaço do canal principal e ser suficien-
resumo, os instrumentos tipo K de NiTi não devem ser temente amplo para incorporar no circuito de corte
empregados com o movimento de limagem e as limas o contorno das seções retas transversais originais.
Hedstrom não deveriam ser fabricadas em liga NiTi. • Quanto ao diâmetro – Amplo, mediano e atresiado
ou constrito. O canal é considerado amplo quando
o diâmetro anatômico é igual ou superior ao de um
Movimento de alargamento e limagem
instrumento tipo K no 35; mediano, entre os instru-
Inicialmente, é necessário realizar o movimento mentos de nos 20 e 30; e atresiado, quando o diâme-
de alargamento parcial à direita seguido da tração com tro é igual ou menor do que o de um instrumento
a aplicação de uma força lateral simultânea nas pare- de no 15.
des do canal. Apenas os instrumentos manuais tipo K • Quanto à direção – Retilíneo e curvilíneo. O canal é
de aço inoxidável poderão ser utilizados nesse tipo de considerado retilíneo quando tem a forma de linha
movimento (Fig. 10-25). Esse movimento pode ser em- reta. É considerado curvilíneo quando no compri-
pregado durante o cateterismo de canais atresiados e mento total ou parcial tem a forma de linha curva
na fase inicial da remoção do material obturador no re- (arco). Quando parcial, o arco de curva pode estar
tratamento endodôntico. Os instrumentos geralmente localizado no segmento cervical, médio ou apical.
são ativados com as mãos. Todavia, esse movimento Geralmente é apical. As curvaturas no sentido me-
também pode ser obtido por dispositivos mecânicos. siodistal frequentemente são mais acentuadas do
que aquelas no sentido vestibulolingual, que apre-
sentam mais fácil acesso.
 CLASSIFICAÇÃO DOS CANAIS
RADICULARES
Os valores das curvaturas dos canais radicula-
A classificação dos canais radiculares é feita com res devem ser avaliados levando-se em considera-
base em sua anatomia, diâmetro e direção, a saber: ção o raio e o comprimento do arco, os quais podem
ser determinados tanto pelo método sugerido por
• Quanto à anatomia – Podem variar em número, tama- Schneider83 como pelo método geométrico, sugerido
nho, forma e apresentar diferentes divisões, fusões por Lopes et al.53.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 431

Método de Schneider raios. Nesse método, o raio é determinado pelo en-


contro das mediatri­zes de duas cordas da região de
Idealizado em 1971, esse método mede o ângulo
maior curvatura do canal radicular conforme indica-
entre duas retas, uma traçada na direção do eixo prin-
do na Fig. 10-27.
cipal do canal e outra que liga o forame apical à in-
Por meio do raio, calcula-se o tamanho da cir-
terseção com a primei­ra, onde a curvatura começa a
ocorrer83. Em função dos graus (ângulos) entre as retas, cunferência e mede-se em ângulo o tamanho do arco.
as curvaturas dos canais são classificadas em: O ângulo é calculado por meio de duas linhas traça-
das a partir da parede externa do canal que cortam
• suaves: até 5°; o início e o fim do arco, passando obrigatoriamente
• moderadas: até 20°; pelo centro da circunferência. A partir desse ângulo
• severas: superiores a 20° (Fig. 10-26). e conhecendo-se o tamanho do raio do canal (R), de-
termina-se o comprimento do arco (X) em milímetros
Este método, assim como as modificações suge­ por meio da equação:
ridas por Southard et al.100 e Luiten et al.58, é passível de
críticas, entre as quais podemos mencionar: X = (2πR . ângulo)/360o

• os valores das curvaturas são determinados por ân- Em função dos raios, as curvaturas dos canais são
gulos e não por raios; classificadas em:
• o ângulo pode variar com o comprimento do arco
do canal, sem ocorrer a variação do comprimento • suaves: raio igual ou maior que 20mm;
do raio; • moderadas: raio maior que 10mm e menor que
• o ângulo pode variar em função da localização do 20mm;
arco em relação ao comprimento do canal radicular • severas: igual ou menor que 10mm.
sem ocorrer variação do raio;
• ângulos iguais podem apresentar raios diferentes; Na prática endodôntica e principalmente em en-
• existe dificuldade para se determinar com exatidão saios mecânicos é fundamental a determinação dos
a tan­gente que passa pelo início da região curva do
comprimentos do raio do arco e da localização do arco
canal, bem como a reta que passa pela ponta do ins-
de um canal curvilíneo. Isso porque a resistência à fra-
trumento alojado junto ao forame apical.
tura por fadiga de um instrumento endodôntico com
• Não determina o comprimento do arco.
haste de corte helicoidal cônica, quando submetido a
um carregamento cíclico em flexão rotativa, depende
Método geométrico dos comprimentos, do raio, do arco e da localização
Idealizado por Lopes et al.53 em 1998, as curva- do arco de um canal curvo. Quanto menor o raio de
turas dos canais radiculares são determinadas pelos curvatura e maior o comprimento do arco de um canal

Figura 10-26. Representação esquemática do método Schneider. Figura 10-27. Representação esquemática do método geométrico.
432 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

curvo, maior será a intensidade das tensões trativas e


compressivas impostas na área flexionada do instru-
mento endodôntico submetido ao carregamento em
flexão rotativa. Quanto à localização do arco, quanto
mais deslocado para cervical, maior será a intensidade
das tensões imposta ao segmento de um instrumento
submetido ao carregamento em flexão rotativa. Quan-
to maior a intensidade das tensões, menor será a vida
útil do instrumento por fadiga (número de ciclos até a
fratura).
Em ambos os métodos, os valores das curvaturas
são obtidos me­diante projeção da imagem radiográ-
fica da raiz, con­tendo um instrumento endodôntico
(instrumento tipo K no 10) no seu interior, em uma
superfície e a uma distância fixa. Esses valores são re-
Figura 10-28. Representação esquemática de canais classe I.
lativos, uma vez que são determinados mediante uma
imagem radio­gráfica bidimensional, a qual não revela
a verdadeira curvatura radicular. Como essa curvatu-
ra ocorre em direções aleatórias, as tomadas radiográ-
ficas feitas no senti­do vestibulolingual, assim como
variações verticais ou horizontais do feixe de raios
X, proporcionarão ima­gens diferentes. Outro aspecto
a ser mencionado é que os canais podem apresentar
dupla curvatura, ou seja, o segmento apical ser curvo
para mesial.
Para os canais radiculares cuja imagem radiográ-
fica revela curvatura simples, geralmente o preparo
apical se desloca em sentido mesial. Nos casos de du-
pla curvatura, ele se desloca em sentido distal.
Em função do diâmetro e da curvatura, os canais
radiculares para fins de tratamento endodôntico po-
dem ser classificados em:
Classe I – Canal amplo ou mediano, reto ou com Figura 10-29. Representação esquemática de canais classe II.
curva­tura suave, tendo raio igual ou maior que 20mm
ou ângulo de até 5°. A exploração do canal é acessível
até a aber­tura foraminal (Fig. 10-28).
Classe II – Canal atresiado, com curvatura mode-
rada, tendo raio maior que 10mm e menor que 20mm
ou ângulo de até 20°. A exploração do canal é acessível
até a abertura forami­nal (Fig. 10-29).
Classe III – Canal atresiado, com curvatura seve-
ra, tendo raio igual ou menor do que 10mm ou ângulo
superior a 20°. Difícil acesso à abertura foraminal (Fig.
10-30).
Classe IV – Canais atípicos. Apresentam tipos de
canais que não se enquadram nas classes anteriores,
tais como:

• dentes com dupla curvatura radicular;


• dentes com dilaceração radicular (Fig. 10-31). Figura 10-30. Representação esquemática de canais classe III.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 433

sença de infecção, enquanto polpas vitais são livres de


infecção. A polpa vital, ainda que acometida por infla-
mação irreversível e mesmo quando exposta à cavida-
de oral, é livre de micro-organismos infectando o canal
radicular. A infecção nesses casos é restrita à porção do
tecido pulpar exposta.
Por sua vez, polpas necrosadas perdem a capa-
cidade de defesa contra a invasão microbiana e, em
decorrência disso, são caracterizadas pela presença de
micro-organismos colonizando o sistema de canais ra-
diculares. Dentes com necrose pulpar mesmo na au-
sência de lesão perirradicular detectada radiografica-
mente devem ser considerados como infectados. Na
verdade, o fato de que uma lesão não é visível na ra-
Figura 10-31. Representação esquemática de canais classe IV.
diografia nem sempre significa que ela esteja realmen-
te ausente11. Assim, dentes com necrose pulpar devem
ser sempre considerados como infectados e tratados da
mesma forma, independentemente da presença de le-
 LIMITE APICAL DE INSTRUMENTAÇÃO são perirradicular radiograficamente detectável. Casos
Um dos assuntos mais controversos em Endo- de retratamento em razão de fracasso do tratamento
dontia se refere ao limite apical de instrumentação e prévio (persistência ou aparecimento de uma lesão pe-
à obturação, ou seja, o ponto mais apical que os ins- rirradicular) são usualmente associados a uma infec-
trumentos devem atingir durante a instrumentação e o ção persistente ou secundária, causadas por micro-or-
material obturador a ser aplicado durante a obturação. ganismos que podem ser mais resistentes e, portanto,
Embora seja uma discussão essencialmente calcada em difíceis de eliminar92,103.
diferenças milimétricas, ela assume um caráter impor- As diferenças entre essas condições clínicas são
tante, uma vez que a resposta dos tecidos perirradi- óbvias e incontestes, sendo sobejamente reconhecidas
culares aos procedimentos intracanais é significativa- na comunidade endodôntica. Em decorrência, o trata-
mente influenciada pela extensão apical dos mesmos97. mento para tais condições deve apresentar estratégias
O limite apical de instrumentação usualmente não diferentes se o mesmo índice de sucesso é esperado.
exerce influência significativa na incidência de dor pós- Assim, a presença ou não de infecção é o fator mais
operatória, exceto em casos de sobreinstrumentação e importante que deve ser levado em consideração para
sobreobturação, os quais apresentam maior tendência a tomada de decisão clínica quanto ao número de ses-
a desenvolver sintomas pós-operatórios. Na verdade, a sões necessárias para se concluir o tratamento e ao li-
controvérsia quanto ao limite apical reside em sua cla- mite apical ideal para a instrumentação e obturação do
ra influência no resultado do tratamento endodôntico canal radicular.
a longo prazo.
Além do fato de que a anatomia de cada sistema
de canais radiculares apresenta suas singularidades, o
Considerações de ordem anatômica
que torna qualquer padronização propensa a erros, as O segmento apical (com 2 a 3mm de extensão)
condições patológicas envolvidas também devem ser pode ser considerado como a região mais crítica do sis-
levadas em consideração em qualquer discussão sobre tema de canais radiculares, no que tange à necessidade
limite apical de instrumentação. Na prática clínica, o de lim­peza e desinfecção. Essa região contém o segmen-
profissional se depara com três condições endodônti- to apical do canal principal, o forame apical e uma maior
cas básicas que requerem intervenção: polpas vitais, incidência de ramificações19, que permitem uma íntima
polpas necrosadas e casos de fracasso do tratamen- relação com os tecidos perirradiculares (Fig. 10-32A a E).
to endodôntico (retratamento). O sucesso do trata- Irritantes presentes no interior do sistema de canais ra-
mento endodôntico depende do reconhecimento das diculares têm acesso aos tecidos perirradicu­lares, prin-
diferenças entre essas três condições. Na verdade, a cipalmente por essas vias. Assim, uma ade­quada limpe-
diferença fundamental reside no fato de que casos de za e desinfecção e um posterior selamento dessa região
polpa necrosada e fracasso são caracterizados pela pre- podem ser considerados como cruciais para o sucesso
434 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

B C

D E

Figura 10-32. Região crítica apical. Considerações anatômicas. A. Desenho esquemático. Forames e foraminas. B. Corte histológico. C, D e
E. Eletromicrografias.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 435

tou valores da constrição apical de 0,224mm para dentes


de pacientes jovens e diâmetro de 0,21mm para dentes de
pacientes adultos. Stein e Corcoran102 encontraram como
média 0,19mm. Para Wu et al.114 o menor diâmetro en-
contrado foi de 0,2mm e o maior de 0,5mm.
O canal cementário é cônico, com conicidade muito
acentuada e muito curto. Estende-se da junção cemento-
dentinária (JCD) até o forame apical. Do ponto de vista
clínico, o comprimento do canal cementário correspon-
Figura 10-33. Região crítica apical. Canal dentinário (a). Limite CDC de à distância existente entre a constrição apical e o fora-
(b). Canal cementário (c). Forame apical (d). me apical. Apresenta comprimento médio de 0,5mm em
pacientes jovens e de 0,7mm em pacientes adultos (Fig.
10-35A a D). O forame apical (término do canal cemen-
do tratamento endodôntico. Por essas razões, essa área é tário) localizado na superfície externa da raiz apresenta
conhecida como a zona crítica apical20,87. contorno predominantemente circular e seu diâmetro
O canal radicular é formado pelo canal dentinário mede aproximadamente 0,5mm em pacientes jovens
e pelo canal cementário. Ambos têm o perfil de um cone e 0,7mm em adultos, o que revela aumento do diâme-
unidos pelos vértices truncados. O canal dentinário tro do forame com a idade (Fig. 10-36A a D). Em 68%
é muito maior do que o cementário. O canal dentiná- dos dentes em pacientes jovens e em 80% em pacientes
rio é cônico com conicidade pouco acentuada (aumento
do diâmetro do cone a cada milímetro), tendo o menor
diâmetro voltado para o ápice radicular, sendo forma-
do pelas paredes dentinárias, que se estendem da em-
bocadura até a junção cementodentinária (JCD) (Fig.
10-33). A região apical do canal dentinário apresenta
o menor número de túbulos dentinários por milíme-
tro quadrado, em média 14.400 por mm2 nos 2 a 3mm
apicais, contrastando com 40.000 por mm2 da região
cervical. A densidade tubular influencia diretamente a
permeabilidade dentinária. Assim, a região apical do
canal dentinário é a que apresenta menor permeabili-
dade dentinária, a qual tem grande importância clínica,
pois pode explicar as variações quanto à colonização
microbiana em diferentes regiões do canal dentinário,
bem como a difusão de soluções químicas auxiliares da
instrumentação e de medicamentos intracanais para o
interior da dentina27 (Fig. 10-34).
A junção cementodentinária (JCD), também de-
nominada limite cementodentinário, limite CDC (canal
dentinocementário) é definida como a região de transi-
ção onde o canal dentinário e o cementário se unem. É
teoricamente o local de maior constrição (menor diâ-
metro) do canal radicular onde a polpa termina e o
periodonto começa. O estreitamento da constrição api-
cal se deve à deposição cementária. A constrição api-
cal geralmente não coincide com a localização da JCD
do canal radicular, porém, próximo dela. A forma da
constrição apical não é na maioria das vezes circular,
mas geralmente oval ou irregular6.
O diâmetro da constrição apical relatado na litera-
tura é conflitante. O estudo clássico de Kuttler42 apresen- Figura 10-34. Túbulos dentinários.
436 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

A B

C D

Figura 10-35. Canal cementário. A. Desenho esquemático. B. Comprimento do canal cementário (b). C. Diâmetro do forame apical (a). D.
Diâmetro da constrição apical (c).

adultos, o canal cementário não segue a direção do canal mente, mesmo pelo profissional mais habilitado. Além
dentinário e nem acaba no vértice apical42. Está localiza- disso, em determinados casos, essa junção nem sempre
do em média a 0,5mm do ápice radicular (Fig. 10-37). Às representa o diâmetro mais constrito do canal. Uma
vezes, chega a alcançar até 3mm. Outra constatação de vez que a JCD é um ponto essencialmente histológico,
grande importância terapêutica é que a constrição apical sob o ponto de vista clínico ela pode ser considerada
está distante aproximadamente 0,5mm do forame apical, um “mito”110.
ou seja, 1mm do ápice radicular. A média do diâmetro Em razão das avaliações citadas, o término da
das foraminas apicais é de 0,25mm e seu contorno é pre- instrumentação de um canal radicular (batente apical)
dominantemente circular27,31,42,114 (Fig. 10-38). Segundo tem sido proposto entre 1 e 2mm aquém do vértice
Gutierrez e Aguayo32, o número de foraminas por dente do ápice radiográfrico tanto no tratamento de dentes
pode variar de 1 a 16. O distanciamento dessas forami- polpados, quanto no de dentes despolpados (Fig. 10-
nas do ápice pode variar de 0,2mm a 3,8mm. 39). Além disso, adotamos como conduta, sempre que
O limite apical da instrumentação na junção JCD possível, manter desobstruído o canal cementário até o
do canal seria o ideal, mas, na maioria vezes, isso não forame apical.
é pos­sível, devido à grande variabilidade na localiza- A desobstrução do canal cementário é realizada
ção da constricção e à dificuldade em detectá-la clinica- por um instrumento que percorre toda a extensão do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 437

A B

C D

Figura 10-36. Forame apical. A e B. Forma circular. C e D. Forma atípica.

Figura 10-37. Forame apical localizado fora do ápice anatômico.


438 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Figura 10-40. Canal cementário. Desobstruído (lado esquerdo).


Obstruído (lado direito.)

canal radi­cular, desde um ponto de referência coronário


até a abertura foraminal localizada na superfície exter-
na da raiz. Essa medida é denominada com­primento
patente do canal (CPC). A necessidade de manter o
canal cementário desobstruído durante todo o preparo
químico-mecânico é justificada por motivos biológicos
e mecânicos, tanto no tratamento de dentes polpados
quanto no de des­polpados. Com isso estaremos elimi-
nando nos dentes polpados um tecido propenso a necro-
sar e nos dentes despolpados uma quantidade substan-
cial de irritantes nessa região, assim como reduzindo o
risco de acidentes durante o preparo químico-mecânico
de um canal radicular. Também devemos ressaltar que
a desobstrução do canal cementário permite a solução
química, auxiliar da instrumentação dotada de capaci-
dade solvente de tecido e antimicrobiana, fluir em toda
a extensão do canal radicular (Fig. 10-40).

Figura 10-38. Foraminas apicais. Contorno predominantemente Canais infectados


circular.
Nos casos de canais infectados (necropulpecto-
mia), um dos requisitos para que os micro-organismos
participem da patogênese das doenças perirradicula-
res é que estejam espacialmente localizados no canal,
de forma que eles ou seus fatores de virulência tenham
acesso aos tecidos perirradiculares94. A região que pre-
enche tal requisito é o segmento apical do canal, uma
vez que os micro-organismos colonizando essa região
se encontram próximo ao forame apical e foraminas
acessórias, as quais são mais numerosas no segmento
apical do canal19, estando assim em íntimo contato com
os tecidos perirradiculares28,63,64,93.
Micro-organismos infectando o segmento apical do
canal contendo polpa necrosada são predominantemen-
te anaeróbios estritos, e o tempo de infecção pode acen-
Figura 10-39. Limite apical de instrumentação e de obturação (ba- tuar tal domínio. Um estudo em macacos26 investigou a
tente apical). distribuição bacteriana no canal após diferentes perío-
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 439

dos e em diferentes segmentos do canal. O número de Uma vez que não são conhecidas quantas células
anaeróbios aumentou significativamente com o tempo bacterianas remanescentes no segmento apical podem
e excedeu o de bactérias facultativas depois de 90 dias. ser compatíveis com a resposta favorável de defesa do
Depois de 90 ou 180 dias de infecção, 85-98% das célu- hospedeiro, a extensão alcançada pelos procedimentos
las bacterianas colonizando o canal eram anaeróbias. intracanais não deveria ser aquém do que o nível mais
Baumgartner & Falkler8 avaliaram por cultura a micro- apical da infecção. Como a infecção em muitos casos
biota dos 5mm apicais de canais contendo polpa necro- pode se estender até o forame apical, o limite de ins-
sada e relataram que as espécies mais prevalentes foram trumentação deveria atingir toda a extensão do canal
Prevotella intermedia/nigrescens, Prevotella buccae, Peptos- principal até seu término, em uma tentativa de remover
treptococcus anaerobius e Veillonella parvula, todas tendo ou pelo menos reduzir significativamente a contagem
sido isoladas de cerca de metade dos casos. De um total bacteriana antes que se proceda à obturação. A neces-
de 50 cepas isoladas, 68% foram anaeróbias. Todos os sidade imperiosa de desinfecção tem sido claramente
casos abrigavam pelo menos uma espécie anaeróbia. O demonstrada por estudos que avaliaram o sucesso do
número de unidades formadoras de colônias nos 5mm tratamento endodôntico a longo prazo41,98.
apicais do canal variou entre 5,6 × 104 e 4,3 × 106. Durante a instrumentação de canais infectados,
Dougherty et al.21 investigaram a presença de ba- detritos dentinários contaminados podem ser compac-
cilos produtores de pigmentos negros nos segmentos tados no segmento apical do canal ou extruídos pelo
cervical e apical do canal e encontraram essas bactérias forame apical para o interior dos tecidos perirradicu-
em 12 de 18 casos (67%). Prevotella nigrescens foi isolada lares. Quando compactados no canal, detritos denti-
em 9 de 12 canais na parte mais apical, seguida por Pre- nários podem resultar em perda do comprimento de
votella melaninogenica em 3/12, P. intermedia em 1/12 e patência ou de trabalho e também comprometer o re-
Porphyromonas gingivalis em 1/12. Siqueira et al.96 ava- paro tecidual devido à presença de micro-organismos
liaram a presença de 11 espécies bacterianas anaeróbias residuais36. Detritos dentinários infectados quando
estritas no segmento apical de canais radiculares infec- extruídos para os tecidos perirradiculares podem ser
tados e associados a lesões perirradiculares por meio responsáveis por inflamação persistente e fracasso do
do método da polymerase chain reaction (PCR). Todos os tratamento118.
dentes investigados apresentavam infecção na porção Um segmento apical não instrumentado com 1mm
mais apical do canal. Pseudoramibacter alactolyticus foi a de extensão pode abrigar até 105 células bacterianas,
espécie mais encontrada, sendo detectada em 10 de 23 um número consideravelmente elevado, que, depen-
casos examinados. As outras espécies mais prevalentes dendo da virulência delas, pode induzir inflamação de
foram Treponema denticola (6 de 23), Fusobacterium nu- intensidade moderada o suficiente para perpetuar uma
cleatum (6 de 23), Porphyromonas endodontalis (4 de 23) lesão perirradicular.
e Filifactor alocis (6 de 23). A presença dessas bactérias Na porção mais apical do sistema de canais radi-
no segmento apical de canais associados a lesões perir- culares, podem estar presentes bactérias no canal prin-
radiculares pode ser um indicativo da participação na cipal, além de estarem alojadas em ramificações, del-
etiologia da doença. tas, lacunas de reabsorção radicular e túbulos dentiná-
A porção mais apical do canal pode ser conside- rios. Aquelas que contatam os tecidos perirradiculares
rada como um “território crítico” para os patógenos, são, obviamente, as principais envolvidas na agressão
para o hospedeiro e para o clínico96. É crítica para os e, por conseguinte, na indução de uma patologia pe-
patógenos, pois permite um íntimo contato com os rirradicular, aguda ou crônica. Nessas localidades, as
tecidos perirradiculares, onde eles podem ter acesso bactérias podem ser eliminadas pela ação mecânica do
a nutrientes e aos quais podem causar danos; crítica instrumento ou pela ação da solução química auxiliar
para hospedeiro, pois os mecanismos de defesa de- da instrumentação e/ou pela medicação intracanal.
vem se concentrar nessa área para tentar delimitar o Mesmo que os instrumentos e as soluções químicas
processo infeccioso e confiná-lo ao canal, impedindo a que atingem essa região não eliminem completamente
disseminação da infecção para o osso alveolar; e tam- as bactérias, causam um distúrbio ecológico que pode
bém é crítica para o clínico, uma vez que o sucesso do desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do
tratamento endodôntico dependerá do quanto será efi- hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de
caz o profissional em erradicar a infecção do segmento reparação.
apical e promover um selamento adequado do canal Nos casos de fracasso do tratamento endodôntico
radicular contra bactérias e fluidos. (retratamento), devem eles ser lidados como infecta-
440 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

dos, mormente quando uma lesão perirradicular está de dentes com polpa vital, poderia ser argumentado
presente. Infecções persistentes no segmento apical que o emprego de NaOCl não é necessário e deveria
do canal representam a principal causa do fracasso da ser evitado para manter o “coto” vital. Na verdade,
terapia endodôntica28,64. Micro-organismos residuais manter o canal inundado com NaOCl durante a instru-
podem estar alojados em áreas não instrumentadas do mentação de canais ajuda a manter a cadeia asséptica,
canal principal, em detritos dentinários, em ramifica- justificando o emprego dessa solução mesmo em casos
ções, no delta apical, em túbulos dentinários e em espa- vitais não infectados. Além disso, a irritação dos teci-
ços vazios na obturação do canal64,65,75,92. Se tais micro- dos perirradiculares causada pelo NaOCl é usualmen-
organismos contatam os tecidos perirradiculares e se te transitória e restrita a uma pequena área tecidual, o
encontram em número suficiente para serem patogê- que não gera efeitos adversos substanciais9,22,113.
nicos, uma lesão inflamatória pode se desenvolver ou A reparação tecidual pós-tratamento endodôntico
ser mantida. Usando microscopia óptica e eletrônica é de total responsabilidade dos tecidos perirradiculares,
de transmissão, Nair et al.64 relataram que micro-orga- principalmente do ligamento periodontal. O ligamento
nismos podem persistir no canal obturado, geralmente periodontal é um tecido conjuntivo especializado, si-
em áreas mais apicais, e ser a causa do fracasso do tra- tuado entre o cemento radicular e o osso alveolar, que
tamento. Fukushima et al.28 avaliaram dentes tratados apresenta uma espessura variável entre 0,15 e 0,38mm,
endodonticamente e com lesão perirradicular persis- a qual é reduzida gradativamente com a idade66. Como
tente por meio de microscopia eletrônica de varredura um tecido conjuntivo, ele é constituído por células e
e por cultura bacteriológica. Em mais de 60% dos casos, por uma matriz extracelular. As principais células en-
agregados bacterianos foram visualizados entre o tér- contradas são osteoblastos e osteoclastos (alinhando a
mino da obturação do canal e o forame apical. Tais bac- superfície óssea voltada para o ligamento), cemento-
térias provavelmente eram membros de uma infecção blastos (voltados para o cemento), fibroblastos, célu-
persistente ou secundária. Esses achados indicam que las epiteliais (restos de Malassez), macrófagos e célu-
bactérias podem persistir na porção apical de canais las indiferenciadas. A matriz extracelular é composta
tratados e serem a causa de lesões perirradiculares per- principalmente por feixes de colágeno embebidos em
sistentes. Assim, os mesmos princípios relacionados uma substância fundamental constituída basicamente
com os procedimentos químico-mecânicos em casos de por glicosaminoglicanas, glicoproteínas e glicolipídios.
necrose também se aplicam a casos de fracasso do tra- Fibroblastos são as principais células encontradas no
tamento endodôntico (retratamento). ligamento periodontal. Há um rápido e intenso turno-
ver de constituintes do ligamento (mormente de colá-
geno), caracterizado pela constante síntese, remoção
Canais não infectados e renovação desses componentes. Fibroblastos são os
Em casos de polpa vital, alguns autores recomen- principais responsáveis por esse turnover, sendo capa-
dam a instrumentação dos canais de 1 a 2mm aquém zes de simultaneamente sintetizar e degradar o colá-
do forame, na tentativa de preservar a vitalidade do geno, o qual está sempre sofrendo remodelação. Além
tecido pulpar apical (“coto pulpar”), o qual pode ter do alto índice de renovação de constituintes da matriz,
um papel no reparo perirradicular. Estudos têm de- as células do ligamento periodontal também são fre-
monstrado que a preservação do “coto pulpar” vital quentemente renovadas. O alto índice de turnover dos
permite que o processo de reparação ocorra frequente- constituintes celulares e extracelulares é reflexo da ex-
mente pelo selamento do canal cementário por tecido cepcional vascularização desse tecido, a qual provém
duro neoformado, mesmo quando raspas de dentina das artérias alveolares superior e inferior. Além de
são compactadas contra o “coto”23,24,107. possuir um alto índice de renovação celular e uma rica
É importante salientar que a manutenção da vita- trama vascular, o ligamento apresenta drenagem linfá-
lidade do coto pulpar não é previsível, particularmente tica adequada.
durante a instrumentação de canais curvos e atresiados. A manutenção da vitalidade do “coto pulpar” é
Outrossim, o uso de NaOCl como substância química imprevisível durante o preparo químico-mecânico84,88 e
auxiliar em diferentes concentrações pode conduzir à evidências indicam que não é essencial para o sucesso
inflamação grave ou necrose do “coto”67, como resulta- do tratamento. Estudos em cães10,35,101 revelaram que o
do da toxicidade dessa substância68. Considerando que alargamento do forame apical com consequente remo-
a assepsia é o fator decisivo em prevenir o desenvolvi- ção do “coto pulpar” foi acompanhado por invaginação
mento de uma lesão perirradicular após o tratamento do ligamento periodontal para o interior do canal,
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 441

Considerações de ordem prática


Uma vez que o forame apical encontra-se, em mé-
dia, deslocado 0,5mm aquém do ápice radicular e que
a JCD está, em média, 0,5mm do forame apical, o limite
de instrumentação tanto no tratamento de dentes pol-
pados quanto nos despolpados deve ser realizado pre-
ferencialmente 1mm aquém do ápice radiográfico. Essa
medida é referida aqui como comprimento de trabalho
(CT). Isso permite criar um batente apical mantendo
instrumentos de maior diâmetro e o material obtura-
dor no interior do canal radicular.
Entretanto, é nossa conduta em todos os casos e
sempre que possível manter a patência foraminal (canal
cementário desobstruído). A medida obtida desde um
ponto de referência coronário até a abertura do forame
apical na superfície externa radicular é denominada
comprimento patente do canal (CPC) (Fig. 10-42A e B).
No aspecto mecânico a patência foraminal impe-
de a obstrução do segmento apical do canal radicular, o
que resulta na perda do comprimento de patência.
No aspecto biológico para canais infectados, a de-
sinfecção do segmento apical do canal radicular pode
ser maximizada pela manutenção da patência forami-
nal (desobstrução do canal cementário). A manutenção
do canal cementário patente possibilita que a solução
química auxiliar dotada de atividade solvente de teci-
do e antimicrobiana possa fluir até a região mais apical

Figura 10-41. Alargamento do forame apical. Aspecto radiográfico


A
(superior). Selamento biológico. Aspecto histológico (médio e infe-
rior). (Gentileza do Prof. Souza Filho.)

algumas vezes associado a deposição de tecido seme-


lhante a cemento sobre as paredes do canal, o que vem
confirmar o enorme potencial de reparo do ligamento
periodontal, consequência de sua intensa atividade me-
tabólica (Fig. 10-41). Todavia, o alargamento do forame
é desnecessário, uma vez que resulta em arrombamen- B
to, o qual dificulta a limitação do material obturador no
interior do canal radicular. Figura 10-42. Canal cementário. A. Obstruídos. B. Desobstruídos.
442 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

do canal, além de reduzir o acúmulo de raspas de den-


tina infectada que poderia manter a infecção perirradi-
cular. Mesmo que a desobstrução do canal cementário
e a solução química auxiliar não consigam eliminar
totalmente micro-organismos na região mais apical do
canal radicular, podem, por sua vez, desorganizar a co-
munidade de micro-organismos aí instalada e promo-
ver um desequilíbrio que pode ser propício para uma
resposta de defesa favorável.
Para canais não infectados, sob o aspecto biológico
tem sido recomendada a instrumentação do canal radi-
cular no CT com o intuito de preservar a vitalidade do
“coto pulpar”. Entretanto, a manutenção da vitalidade
do “coto pulpar” um segmento de tecido conjuntivo de
extrema fragilidade seja exequível apenas no tratamen-
to de dentes com raízes retas e polpa radicular volumo-
sas. Todavia, deve-se salientar que mesmo nesses casos
o “coto pulpar” pode necrosar ou permanecer normal.
Outrossim, durante a instrumentação de canais curvos
e atresiados até o CT, a manutenção da vitalidade do
“coto pulpar” é muito pouco provável. Contudo, na
ausência de infecção, a necrose do “coto pulpar” pode
não representar maiores problemas para o resultado do
tratamento endodôntico. Necrosado, mas estéril, o “coto
pulpar” seria então reabsorvido por células do ligamen-
to periodontal, o qual invaginaria no canal, ocupando o
espaço outrora preenchido pelo “coto pulpar”. Assim, a Figura 10-43. Canal cementário desobstruído. Instrumento endo-
remoção ou não do “coto pulpar” não importa sobre o dôntico além do forame.
ponto de vista biológico, uma vez que o reparo perirra-
dicular é realizado pelo ligamento periodontal.
O conceito de patência foraminal é baseado na co- assim como a penetração e a renovação da solução quí-
locação de um instrumento endodôntico tipo K de pe- mica auxiliar (hipoclorito de sódio) em toda a extensão
queno diâmetro (no máximo no 25), acionado manual- do segmento apical do canal radicular (Fig. 10-44).
mente por meio do movimento de alargamento parcial Tendo o canal cementário a forma de um cone
à direita ou parcial alternado até o forame apical. truncado com maior diâmetro (0,7mm) voltado para
Obtém-se na pré-instrumentação e se mantém du- a superfície externa da raiz (forame apical), o instru-
rante a instrumentação do canal radicular. É possível mento de patência (no máximo no 25) mantém o canal
que, uma vez nessa medida, em muitos casos o instru- cementário desobstruído, mas não ampliado. Levan-
mento de patência já possa ter ultrapassado o forame do em consideração as condições anatômicas do canal
apical estando na intimidade do ligamento periodon- cementário, a sua ampliação e limpeza somente serão
tal. Contudo, para um instrumento estéril e de peque- alcançadas com um instrumento de diâmetro igual ou
no diâmetro (no máximo no 25), esse fato não represen- superior ao de no 70, o que provocaria o arrombamento
ta maiores problemas clínicos (Fig. 10-43). desnecessário do forame.
Para alguns autores12,101 o instrumento de patência A extrusão apical de detritos ocorre indepen-
deve ultrapassar em média 1mm além do forame api- dentemente da realização ou não da desobstrução do
cal. Essa manobra tem como objetivo remover detritos canal cementário (patência foraminal) e da técnica de
oriundos da instrumentação na região apical do canal instrumentação empregada. Quanto maior o deslo-
radicular. Para Lopes e Siqueira55 com essa ultrapassa- camento de avanço e retrocesso de um instrumento
gem, o canal helicoidal do instrumento de patência al- endodôntico no interior de um canal radicular, maior
cança a abertura do forame apical, o que proporciona será a possibilidade de ocorrer a extrusão de detritos
maior remoção de material contido no canal cementário, via forame apical ou a obstrusão do canal cementário.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 443

Figura 10-44. Patência do forame (desobstrução do canal cementário). Batente apical (lado esquerdo). Instrumento de patência. Vértice da
ponta até a abertura do forame (meio). Instrumento de patência. Ponta além da abertura do forame (lado direito).

Durante os avanços subsequentes o instrumento ao al- Diâmetro anatômico


cançar justeza no interior do canal sua parte de traba-
Equivale ao diâmetro do canal radicular anterior-
lho (ponta e haste de corte helicoidal cônica) funciona
mente aos procedimentos de instrumentação. Corres-
como um cone móvel (êmbulo) promovendo o desloca-
ponde ao diâmetro do primeiro instrumento endodôn-
mento do material (tecido pulpar, solução química au-
tico que se ajusta no interior de todo o canal radicular
xiliar e dentina excisada) existente na cavidade pulpar.
(Fig. 10-45).
Isso induz uma pressão unidirecional no sentido apical,
podendo promover o extravasamento do material para
a região perirradicular e/ou a obstrução do segmento Diâmetro cirúrgico
apical do canal radicular com a perda do canal cemen- Equivale ao diâmetro obtido após a instrumenta-
tário. A manutenção da patência impede a ocorrência ção do canal radicular. Corresponde ao diâmetro do úl-
da obstrução do canal cementário e reduz a extrusão de timo instrumento endodôntico que foi empregado no
detritos via forame apical. A extrusão apical de detritos segmento apical do canal radicular (Fig. 10-46).
pode trazer a dor pós-operatória. Todavia, a participa-
ção de detritos dentinários infectados nesse processo Preparo químico-mecânico
dependerá da quantidade extruída e da virulência e
É um procedimento dinâmico que tem por objeti-
número de micro-organismos presentes94,106.
vo promover a limpeza, a ampliação e a modelagem de
A possibilidade de um instrumento de patência ser
contaminado em seu trajeto e de carrear micro-organis-
mos para os tecidos perirradiculares é improvável de
ocorrer e de causar qualquer dano significativo aos teci-
dos perirradiculares, uma vez que o canal radicular se en-
contra preenchido com solução de hipoclorito de sódio.
Em um estudo in vitro Izu et al.40 concluíram que a
solução de hipoclorito de sódio a 5,25% presente no in-
terior de um canal radicular era suficiente para preve-
nir a inoculação de micro-organismos nos tecidos pe-
rirradiculares por meio dos instrumentos de patência.
O conceito de patência foraminal tem sido adota-
do em 50% das faculdades de Odontologia dos Estados
Unidos da América13.

 TERMINOLOGIA
Terminologia é o conjunto de termos peculiares de
uma ciência ou arte. A seguir, mencionaremos um con-
junto de termos peculiares ao preparo químico-mecâ-
nico dos canais radiculares. Figura 10-45. Diâmetro anatômico.
444 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Instrumento de patência
Equivale ao último instrumento utilizado em
todo o comprimento do canal radicular (comprimento
de patência).

Patência do forame apical ou patência do


canal cementário
É a manutenção do canal cementário principal pa-
tente (aberto, desobstruído) durante o preparo de um
canal radicular.

Ampliação da constrição apical


É a ampliação e a regularização da forma da cons-
trição apical do canal radicular. Tem como objetivo a
criação do batente apical.

Figura 10-46. Diâmetro cirúrgico. Substância química auxiliar


São substâncias químicas empregadas no inte-
rior do canal radicular com a finalidade de promo-
um canal radicular por meio de três eventos distintos: ver a dissolução de tecidos orgânicos vivos ou ne-
instrumentação, emprego de substâncias químicas au- crosados, a eliminação ou máxima redução possível
xiliares e irrigação-aspiração. de micro-organismos, a lubrificação, a quelação de
íons cálcio e a suspensão de detritos oriundos da
Instrumentação instrumentação. São empregadas simultaneamente à
É o principal evento do preparo químico-mecâni- instrumentação dos canais radiculares ou após essa.
co do canal radicular. É realizado por meio de ferra- Geralmente, são utilizadas em forma de soluções lí-
mentas denominadas instrumentos endodônticos. quidas.

Irrigação-aspiração Soluções irrigantes


Representa uma corrente líquida no interior da São soluções químicas usadas na irrigação-aspira-
cavidade pulpar. ção dos canais radiculares.

Comprimento patente do canal (CPC) ou Instrumentação convencional ou seriada


comprimento de patência (CP) Os instrumentos endodônticos são utilizados du-
É a medida obtida desde um ponto de referência rante o preparo químico-mecânico de um canal radicu-
coronário até a abertura do forame apical na superfície lar em ordem crescente de diâmetro nominal (D0) em
externa radicular. Tem como objetivo manter o canal toda a extensão do comprimento de trabalho.
cementário desobstruído.
Instrumentação escalonada ou
Comprimento de trabalho (CT) escalonamento
Como o forame apical se encontra, em média, Na instrumentação escalonada, os instrumentos
deslocado 0,5mm aquém do ápice radicular e o limi- endodônticos são utilizados em degraus, ou seja, nos
te CDC (constrição apical) está localizado entre 0,5 e segmentos cervical, médio e apical dos canais radi-
0,7mm do forame, o comprimento de trabalho pode culares. A instrumentação escalonada pode ser reali-
ser obtido deduzindo-se 1 a 2mm aquém do ápice ra- zada no sentido ápice-coroa (step-back) ou coroa-ápice
diográfico do dente. (crown-down) do dente.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 445

Escalonamento ápice-coroa
Os instrumentos endodônticos, em ordem cres-
cente de diâmetro, são empregados a distâncias pro-
gressivamente menores do que o comprimento de
trabalho do canal radicular. A instrumentação apical
antecede o escalonamento.

Escalonamento coroa-ápice
Os instrumentos endodônticos, em ordem de-
crescente de diâmetro, são empregados a distâncias
progressivamente maiores para o interior do canal ra-
dicular. O escalonamento coroa-ápice antecede a ins-
trumentação apical.

Segmento apical do canal


Corresponde aos 3mm finais de um canal radicu-
lar aquém do CPC ou aos 2mm aquém do CT.

Corpo do canal
Figura 10-47. Batente apical.
Corresponde à parte do canal que é obtida dedu-
zindo-se o segmento apical do CT.

xo onde o cone principal de obturação se encaixa. É o


Segmento cervical do canal
ponto de parada da instrumentação, equivalente ao
Corresponde a 2/3 do comprimento do corpo do CT, determinado na odontometria (Fig. 10-47).
canal.
Instrumentação ou preparo cervical
Segmento intermediário ou médio do canal
Consiste na instrumentação do segmento cervical
Corresponde a 1/3 do comprimento do corpo do de um canal radicular.
canal.
Leito do canal (glide path)
Desgaste anticurvatura
É a regularização inicial da superfície das paredes
Consiste no desgaste direcionado às paredes den- dentinárias de um canal radicular até o CPC. Antecede
tinárias externas do segmento cervical de um canal ra- a modelagem do canal independentemente da técnica
dicular. Para os segmentos cervicais curvos, tem como de instrumentação empregada.
objetivo reduzir o comprimento do arco de um canal
radicular. Para os segmentos cervicais retos, favorecer
o acesso ao segmento apical curvo.
 INSTRUMENTAÇÃO DOS CANAIS
RADICULARES
Instrumentação ou preparo apical Há alguns anos, a instrumentação dos canais ra-
diculares era executada somente pela técnica não es-
É o alargamento (ampliação) do segmento apical
calonada ou convencional, empregando-se instrumen-
no limite determinado pelo comprimento de trabalho
tos endodônticos de aço inoxidável acionados com as
do canal radicular.
mãos, numa ordem crescente de aumento de seus diâ-
metros, mantendo-se o mesmo comprimento de traba-
Batente apical lho. O uso de instrumentos com maiores diâmetros, em
Conhecido também como ombro apical, parada todo o CT, em razão da redução de sua flexibilidade
apical de instrumentação ou degrau apical, é o rebai- induzia um número maior de acidentes, principalmen-
446 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

te em canais curvilíneos e atresiados. Esses acidentes decrescente de diâmetro são empregados a distâncias
eram representados por degraus, deslocamento apical, progressivamente maiores para o interior do corpo do
obliteração apical com raspas de dentina e fragmentos canal radicular. A instrumentação apical antecede o
pulpares, perfurações etc. escalonamento ápice-coroa e precede o escalonamento
Em busca de minimizar esses acidentes, Clem15, coroa-ápice.
em 1969, propôs que os instrumentos endodônticos de O tipo de instrumento empregado, o movimento
menor diâmetro e maior flexibilidade fossem usados a ele aplicado e a maneira de acioná-lo possibilitam a
em todo o comprimento de trabalho e os de maior di- combinação de inúmeras sequências de instrumenta-
âmetro e menor flexibilidade empregados em ordem ção (procedimentos práticos) descritas equivocada-
crescente de diâmetro e com comprimentos inferiores mente na literatura endodôntica como técnicas de ins-
aos de trabalho, aumentando progressivamente o diâ- trumentação. Todavia, podemos observar que os pro-
metro dos mesmos à medida que a instrumentação era cedimentos práticos empregados na instrumentação de
executada no sentido coronário do canal radicular. Sur- um canal radicular são os mesmos independentemente
giu, assim, a instrumentação escalonada ápice-coroa, do tipo de instrumento empregado, do movimento a
a qual diminuiu significativamente as iatrogenias até ele aplicado e da maneira de acioná-lo.
então observadas no preparo dos canais radiculares. A classificação das técnicas de instrumentação
Em 1980, foi desenvolvida a instrumentação escalona- quanto à maneira de ativação dos instrumentos endo-
da coroa-ápice59. Nessa instrumentação os instrumen- dônticos em manuais e mecanizadas não procede, por-
tos endodônticos, em ordem decrescente de diâmetro, que podemos observar que ambas são combinadas. Na
avançam para o interior de um canal no sentido coroa- técnica denominada manual o segmento cervical dos
ápice. O escalonamento coroa-ápice tem como objetivo canais radiculares, na maioria das vezes é preparado
principal reduzir a extrusão de detritos de tecidos vi- por meio de instrumentos endodônticos mecanizados
vos ou necrosados e de produtos microbianos no sen- (alargadores Gates Glidden), enquanto na técnica me-
tido dos tecidos perirradiculares, assim como facilitar canizada a pré-instrumentação, assim como a regula-
a instrumentação do segmento apical de um canal ra- rização do circuito de corte de segmentos achatados
dicular. O escalonamento coroa-ápice, ou seja, a neces- de canais radiculares e o desgaste anticurvatura, geral-
sidade de uma maior conicidade do preparo do canal, mente, são executados por meio de instrumentos endo-
passou reger o aprimoramento da instrumentação. dônticos acionados manualmente.
As técnicas de instrumentação de um canal radicu- Vários estudos5,33,71,77,89,104,109 têm demonstrado que
lar são classificadas em não escalonada e escalonada. nenhuma técnica de instrumentação é capaz de pro-
Técnica é a conjugação de conhecimentos científi- mover uma total limpeza e uma correta modelagem de
cos e de procedimentos práticos essenciais à execução canais radiculares. Todavia, para a obtenção de uma
perfeita de uma arte ou profissão (Endodontia). adequada instrumentação, o profissional deve ter co-
Na não escalonada, também denominada de con- nhecimento da anatomia do canal e de suas dimensões
vencional, os instrumentos endodônticos são emprega- (geometria do canal) para poder selecionar os instru-
dos em todo o comprimento de trabalho do canal radi- mentos e os movimentos a serem empregados para
cular em ordem crescente de diâmetro. cada segmento de um canal radicular.
Na técnica escalonada, os instrumentos endo- A seleção de instrumentos endodônticos com di-
dônticos são utilizados em degraus (escalonamento) âmetros inferiores aos dos segmentos cervical, médio
nos segmentos cervical e médio (corpo) dos canais e apical dos canais radiculares e a ativação dos instru-
radiculares. No segmento apical, os instrumentos são mentos endodônticos com movimentos incompatíveis
utilizados em ordem crescente de diâmetros em toda a com a configuração anatômica dos canais radiculares
extensão do comprimento de trabalho do canal radicu- são responsáveis pela não incorporação de alguns pon-
lar. O escalonamento pode ser realizado com o avanço tos do contorno do canal radicular original durante
do instrumento no sentido coroa-ápice ou com o retro- a instrumentação. Todavia, remanescentes teciduais
cesso do instrumento no sentido ápice-coroa. No esca- e micro-organismos podem persistir nesses pontos,
lonamento ápice-coroa, os instrumentos endodônticos principalmente em istmos e ramificações dos canais
em ordem crescente de diâmetro são empregados a radiculares. A quantidade de irritantes residuais e a
distâncias progressivamente menores do que o compri- efetividade seladora da obturação do canal e da cavi-
mento do corpo do canal radicular. No escalonamento dade coronária de acesso determinarão a longo prazo o
coroa-ápice, os instrumentos endodônticos em ordem sucesso ou o fracasso da terapia endodôntica.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 447

A instrumentação de canais radiculares é um pro-


cedimento mecânico dinâmico realizado em duas eta-
pas distintas: pré-instrumentação ou instrumentação
inicial e instrumentação.

Pré-instrumentação
A pré-instrumentação é a etapa inicial da instru-
mentação. Para canais radiculares amplos, após o cate-
terismo e a determinação do comprimento de patência
e de trabalho, a pré-instrumentação e a instrumentação
se sobrepõem, sendo muitas vezes executadas em uma
mesma etapa. Ao contrário, para canais atresiados a
pré-instrumentação é uma etapa distinta que antece-
de a instrumentação. A dificuldade ou a facilidade da
posterior instrumentação de um canal radicular atre-
siado na maioria das vezes repousa apenas na pré-
instrumentação. Tem como objetivo a eliminação ou
regularização das interferências anatômicas, buscando
a determinação do CPC, o CT e a criação do leito do Figura 10-48. Localização do canal radicular.
canal radicular (glide path).
A pré-instrumentação de um canal radicular é ini-
ciada após radiografia, anestesia, isolamento e acesso restaurações coronárias, deposições dentinárias e calci-
coronário do elemento dentário a ser submetido ao tra- ficações distróficas podem alterá-la. Enquanto explora
tamento endodôntico. O conhecimento da morfologia o assoalho da câmara pulpar, a sonda muitas vezes pe-
dentária e o exame minucioso de duas ou mais radio- netra ou desloca depósitos calcificados que bloqueiam
grafias periapicais, obtidas com diferentes angulações a embocadura dos canais radiculares (Fig. 10-48).
do cone do aparelho de raios X, são obrigatórios. O O uso de aparelhos ultrassônicos com pontas
exame radiográfico propicia informações importantes diamantadas (Spartan ultrasonic tips, Obtura Spartan,
sobre a anatomia da cavidade pulpar. USA) é muito útil, eficiente e seguro na varredura do
A pré-instrumentação é assim constituída: assoalho da câmara pulpar para a remoção de depósitos
calcificados que ocultam e impedem o acesso ao orifício
• da localização do canal ou canais radiculares; de entrada de canais radiculares atresiados. É preferível
• do cateterismo ou exploração inicial do canal radi- sua utilização à de brocas comuns ou especiais.
cular; O uso de corantes (azul de metileno ou tintura de
• do alargamento cervical do canal radicular; iodo) preenchendo a câmara pulpar e removidos por
• da complementação do cateterismo; lavagem após alguns minutos pode promover mudan-
• da determinação do comprimento de patência e de ças de cor da dentina, evidenciando a provável locali-
trabalho do canal radicular; zação da embocadura do canal radicular.
• da instrumentação inicial ou leito do canal radicular. O emprego do microscópio óptico ou de outros
recursos de magnificação permite uma perfeita visua-
Localização do Canal Radicular lização do assoalho da câmara pulpar, facilitando a lo-
calização mais segura da entrada de canais radiculares
Após a remoção completa de todo o teto cavitá-
atresiados.
rio, os orifícios dos canais radiculares devem ser lo-
calizados por meio de sondas clínicas de ponta reta e
afilada. Para isso, a ampliação e a iluminação da cavi-
Exploração inicial do canal radicular
dade pulpar são recursos indispensáveis. Para dentes A exploração ou cateterismo engloba a fase inicial
unirradiculares, a localização do canal radicular é um de ampliação e limpeza (esvaziamento), assim como
procedimento mais simples do que em dentes mul- o conhecimento da anatomia interna do canal radicu-
tirradiculares. A anatomia natural dita a localização lar por meio da sensibilidade tátil quando do avanço
usual da entrada dos canais radiculares; entretanto, de um instrumento endodôntico. O contato inicial do
448 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

profissional com a anatomia interna do canal radicular preenchida com solução de hipoclorito de sódio. Nas
permite verificar o número, a direção e o diâmetro dos biopulpectomias o cateterismo antecede a pulpectomia.
canais, assim como a possibilidade de acesso à região Nesses casos após o instrumento de cateterismo atingir
apical. Essas informações associadas às obtidas pela o comprimento previamente determinado, o tecido pul-
radiografia e pelos conhecimentos anatômicos permi- par é excisado e removido por meio de uma lima He-
tirão imaginar com alguma precisão a forma do canal dstrom de diâmetro compatível com o canal radicular.
radicular. Quanto mais próxima da verdadeira anato- Nas necropulpectomias, o cateterismo e esvaziamento
mia do canal radicular estiver a imagem criada pelo inicial do canal se desenvolvem simultaneamente. Essa
profissional, melhor será a condução do tratamento manobra é realizada por segmentos (compartimentos)
endodôntico. do canal radicular, imprimindo-se ao instrumento pe-
De posse de uma radiografia de boa qualidade quenos avanços e retrocessos em sentido apical conjun-
para o planejamento do tratamento endodôntico, toma- tamente, com discretos movimentos de rotação à direi-
se o comprimento do dente, traçando inicialmente uma ta e à esquerda. Esse procedimento permite a penetra-
reta paralela ao eixo do dente em toda a sua extensão. A ção da solução química auxiliar em sentido apical do
seguir, nessa reta, projetamos duas linhas perpendicu- canal radicular, favorecendo suas atividades solventes
lares, uma passando pelo ponto de referência oclusal/ e antimicrobianas. Assim, o instrumento é conduzido
incisal e a outra passando pelo vértice do ápice radicu- até atingir o comprimento previamente determinado,
lar. A distância entre as duas linhas perpendiculares à promovendo a neutralização e o esvaziamento inicial
reta é conhecida como comprimento do dente na radio- do conteúdo séptico do canal radicular (ver Capítulo 8,
grafia (CDR). Para canais radiculares retos ou com cur- Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
vaturas suaves, uma medida correspondente a 3mm Para o cateterismo de canais atresiados retilíne-
menor que o CDR é transferida para um instrumento os ou curvilíneos, os instrumentos de aço inoxidável
tipo K de aço inoxidável como medida de segurança indicados são os tipo K ou os instrumentos especiais
(comprimento de exploração inicial – CEI) (Fig. 10-49). C+File e C Pilot de seções retas transversais quadran-
Para canais com curvaturas moderadas e acentuadas, a gulares. O diâmetro dos instrumentos empregados
medida correspondente ao CDR, ou até mesmo acres- geralmente é maior do que os dos canais radiculares
cida de 2 a 3mm, é transferida para o instrumento en- e geralmente não atinge a distância de cateterismo pre-
dodôntico, o que é justificado porque o comprimento determinado. Os instrumentos devem ser obrigatoria-
do segmento de um arco é maior do que o segmento mente acionados manualmente por meio do movimen-
de uma linha reta. A seleção do primeiro instrumento é to de alargamento parcial à direita e jamais dobrados
feita de acordo com o presumível diâmetro do canal e (pré-curvados). Tendo os instrumentos tipo K de diâ-
com o comprimento do dente (CDR). metros menores e os especiais ângulos de inclinação
Para o cateterismo de canais radiculares amplos, das hélices de aproximadamente 25º, não devem ser
os instrumentos endodônticos de aço inoxidável tipo K acionados pelo movimento de limagem. Quanto ao do-
são os indicados e devem possuir diâmetros menores bramento, afirma-se que o pré-curvamento favorece o
do que os dos canais radiculares e não necessitam ser avanço do instrumento em sentido apical de um canal
pré-curvados (dobrados). Os instrumentos devem ser radicular16,20,112. Porém, a anatomia revela que a maioria
acionados manualmente por meio do movimento de dos canais radiculares apresenta segmento cervical reto
cateterismo ou exploração. A câmara pulpar deve ser e o apical curvo. Assim, o instrumento endodôntico de
aço inoxidável pré-curvado ao penetrar num canal ra-
dicular atresiado será desdobrado. Esse desdobramen-
to combinado à rotação do instrumento induz tensões
que poderão determinar degraus, perfurações radicu-
lares e a fratura dos instrumentos. Para evitar esses car-
regamentos durante o cateterismo de canais atresiados,
os instrumentos endodônticos devem ser empregados
em regime elástico e jamais em regime plástico (pré-
curvados). Além disso, é inadmissível acreditar que
a pré-curvatura do instrumento para simular a forma
Figura 10-49. Comprimento do dente na radiografia (CDR). Com- anatômica corresponda à curvatura verdadeira do ca-
primento de exploração inicial (CEI). nal radicular.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 449

No cateterismo de canais atresiados deve-se usar Alargamento cervical inicial


de início um instrumento tipo K ou especiais (C+File O alargamento cervical inicial tem como objetivo
ou C Pilot), no 8 ou 10 de 18 ou 21mm de comprimento, eliminar interferências anatômicas de um canal radicular
novo, que será o responsável pela exploração do canal atresiado para facilitar a exploração ou cateterismo em
por meio do movimento de alargamento parcial à di- toda a distância determinada. Além disso, promove a eli-
reita. Dependendo do comprimento do dente após o minação de parte do conteúdo do canal, tanto para den-
uso do instrumento de menor comprimento, empre- tes com polpa vital, como para os com polpa necrosada,
gamos instrumentos maiores. O instrumento de me- reduzindo o risco de sua compactação para o segmento
nor comprimento deve iniciar o procedimento porque apical ou mesmo de extrusão para a região perirradicu-
apresenta maior resistência à flexocompressão (flam- lar. Para Leeb43, a maior constrição do canal está no seg-
bagem) quando comparado a um instrumento maior, mento cervical próximo ao orifício de entrada do canal
favorecendo a ação de exploração em canais atresia- radicular. Nesses casos, o alargamento cervical inicial
dos. A câmara deve ser preenchida com solução quí- favorece o avanço em sentido apical do instrumento em-
mica auxiliar de hipoclorito de sódio. pregado no cateterismo de um canal radicular atresiado.
Para canais atresiados, o cateterismo e o esvazia- O alargamento cervical inicial deve ser realizado
mento do canal radicular (biopulpectomia ou necro- com instrumento tipo K de aço inoxidável de seção reta
pulpectomia) se desenvolvem simultaneamente. Esse transversal quadrangular de 21mm de comprimento e de
procedimento é realizado por segmentos (comparti- nos 25 e 30 acionados manualmente pelo movimento de
mentos) do canal radicular, imprimindo-se ao instru- alargamento parcial à direita. O avanço do instrumento
mento o movimento de alargamento parcial à direita. em sentido apical deve ficar aquém do limite de penetra-
Quando retirado do canal, o instrumento é limpo ção do instrumento empregado no cateterismo inicial. A
por meio de um pedaço de gaze seguro pelos dedos in- não observação desse procedimento pode acarretar a per-
dicador e polegar. O instrumento é posicionado na gaze da da trajetória original do canal. Geralmente, durante o
a partir do intermediário e a seguir girado à esquerda. alargamento cervical inicial o avanço do instrumento en-
Após a limpeza, o instrumento é examinado. Caso te- dodôntico em sentido apical não deve ultrapassar 3mm
nha ocorrido deformação plástica em sua haste de cor- em relação à embocadura do canal. O emprego de instru-
te helicoidal cônica, o instrumento deve ser descartado. mentos endodônticos ProTaper (S1 e S2) na versão manu-
Para canais atresiados, o instrumento empregado no al também é indicado. Entretanto, o emprego de alarga-
cateterismo geralmente tem dificuldade de alcançar o dores Gates Glidden é desaconselhável, considerando-se
comprimento previamente determinado (Comprimen- os diâmetros desses instrumentos (diâmetro mínimo de
to de Exploração Inicial – CEI) (Fig. 10-50). 0,5mm) em relação ao diâmetro do canal (Fig. 10-51).

Figura 10-50. Exploração inicial do canal radicular. Figura 10-51. Alargamento cervical inicial para facilitar o acesso apical.
450 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Complementação da exploração planeja a instrumentação de um canal radicular. O mé-


Após o alargamento cervical inicial, o instru- todo eletrônico não deve ser usado isoladamente, mas
mento empregado na exploração (tipo K ou especiais sim combinado ao radiográfico.
C+File e C Pilot) atinge com facilidade o comprimento Não devemos esquecer que a Endodontia é uma
previamente estabelecido (Fig. 10-52). especialidade em que as certezas têm tantas vezes lu-
A seguir são determinados por meio da odon- gar duvidoso e onde as dúvidas costumam com algu-
tometria o CPC e o CT. O CPC, teoricamente, corres- ma frequência ser a única certeza disponível.
ponde à medida obtida desde um ponto de referência
coronário até a abertura do forame apical na superfície Instrumentação inicial ou leito do canal
externa radicular. O CT pode ser obtido introduzindo- Baseado no CPC, instrumenta-se o canal radicular
se um instrumento endodôntico até 1 a 2mm do vértice em toda a sua extensão com o instrumento explorador
radiográfico do dente (Fig. 10-53). selecionado (tipo K ou especial) acionado manualmente,
O CT pode ser determinado por meio de radio- mediante o movimento de alargamento parcial à direita
grafias ou método eletrônico. Entretanto, é necessário ou parcial alternado. Essa instrumentação até o CPC tem
ressaltar que o método eletrônico, embora eficiente, como objetivo a criação do leito de um canal radicular
não permite a visualização da trajetória do instrumen- (glide path) por meio da eliminação ou regularização das
to no interior do canal radicular. O profissional não interferências anatômicas. Com a criação do leito do ca-
pode ficar privado de uma imagem radiográfica que nal radicular, os instrumentos empregados na etapa da
revele a trajetória de um instrumento endodôntico no instrumentação não encontrarão dificuldades em alcan-
interior do canal radicular. É por meio dessa imagem, çar os comprimentos de trabalho e de patência estabele-
mesmo que imprecisa na maioria das vezes, que se cidos. Se o instrumento utilizado foi o de no 8, repetem-se
os mesmos procedimentos com os de nos 10 e 15 (instru-
mento de patência). A patência do canal cementário deve
ser mantida em todas as demais etapas da instrumenta-
ção do canal radicular por meio do instrumento patente.
Nos casos onde a patência do canal cementário não foi
obtida ou mesmo perdida, o limite de instrumentação
(CT) deverá ser o mais próximo possível do ápice radicu-
lar. A ampliação do diâmetro apical deverá ser o maior
possível, e nos casos de necrose pulpar é aconselhável o
uso de medicação intracanal (Fig. 10-54).
A cada etapa da pré-instrumentação do canal
radicular realizamos irrigação-aspiração seguida de
inundação da cavidade pulpar com solução química
Figura 10-52. Exploração inicial do canal até o comprimento pre- auxiliar. Esse procedimento tem como objetivo remo-
viamente determinado.

Figura 10-53. Determinação do comprimento de patência e de


trabalho. Figura 10-54. Leito do canal.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 451

ver os detritos mantidos em suspensão no interior do


canal radicular e permitir a renovação da substância
química auxiliar.
A pré-instrumentação de um canal radicular atre-
siado deve ser executada com instrumentos acionados
manualmente e antecede as técnicas de instrumentação
não escalonada ou escalonada executadas com instru-
mentos endodônticos acionados manualmente ou por
dispositivos mecânicos.

Instrumentação
A instrumentação de um canal radicular é inicia- Figura 10-56. Instrumentação do segmento cervical.
da após a pré-instrumentação. De posse do CT, o canal
radicular será dividido em segmentos ou comparti-
mentos (Fig. 10-55).
O segmento cervical é representado por 2/3 do
O segmento apical corresponde aos 3mm finais
comprimento do corpo do canal a partir de um ponto
de um canal radicular a partir do vértice radiográfico
de referência situado na coroa dentária (bordo incisal ou
do dente. A parte restante do canal representa o corpo.
oclusal). Consequentemente, a parte inicial do segmen-
Dois terços do comprimento do corpo do canal corres-
to cervical é representada pela profundidade (altura) da
pondem ao segmento cervical, enquanto o outro terço,
coroa dentária e não efetivamente pelo canal radicular.
ao segmento médio ou intermediário do canal.
Consiste na ampliação do diâmetro do segmento cervi-
Exemplo: comprimento do dente = 21mm
cal de um canal radicular, no sentido coroa-ápice. Tem
Segmento apical = 3mm do vértice radiográfico
como objetivo facilitar o acesso aos segmentos médio e
Corpo do canal = 21 – 3 = 18mm
apical do canal radicular (Fig. 10-56).
Segmento cervical = 2/3 do corpo do canal
Na instrumentação do segmento cervical, o diâ-
(12mm)
metro do instrumento, o tipo de instrumento, o modo
Segmento médio = 1/3 do corpo do canal (6mm)
de acionamento e o movimento empregado variam em
função da anatomia radicular. Geralmente se utilizam
A instrumentação de um canal radicular principal
um a dois instrumentos na instrumentação do segmen-
pode ser realizada com instrumentos acionados manu-
to cervical. O diâmetro e/ou conicidade dos instru-
almente e também por dispositivos mecânicos ou o uso
mentos empregados diminuem à medida que avançam
combinado deles.
no segmento cervical do canal radicular.
Nos casos onde o diâmetro anatômico do segmen-
Instrumentação do segmento cervical to cervical permite o uso de instrumentos endodônti-
A instrumentação do segmento cervical do canal cos de diâmetros maiores do que o diâmetro do canal,
é realizada no sentido coroa-ápice (crown-down) do o movimento empregado é o de alargamento parcial
dente. alternado ou contínuo, e a forma final da instrumenta-
ção é circular.
O movimento de alargamento parcial alternado
pode ser executado manualmente ou por meio de dis-
positivos mecanizados (contra-ângulos especiais). Os
instrumentos endodônticos utilizados são os tipo K de
aço inoxidável ou de NiTi e os instrumentos especiais
ProTaper Universal versão manual. Para os instrumen-
tos endodônticos empregados, a passagem da ponta
para a haste de corte helicoidal cônica deve ser por
meio de uma curva de transição (ausência de ângulo
de transição). O movimento de alargamento contínuo
é executado por meio de dispositivos mecânicos (mo-
Figura 10-55. Segmentos de um canal radicular. tores e contra-ângulos), empregando-se instrumentos
452 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

endodônticos especiais mecanizados representados As principais vantagens da instrumentação do


pelos alargadores cervicais de aço inoxidável ou de segmento cervical no sentido coroa-ápice são:
NiTi (Gates Glidden, Largo, La Axxess).
Nos casos clínicos em que além da ampliação cer- • Promove a eliminação de parte do conteúdo do ca-
vical necessitam de desgaste anticurvatura, os instru- nal, tanto para os dentes com polpa vital como para
mentos empregados são os alargadores Largo ou La os com polpa necrosada, minimizando o risco de
Axxess. Outra opção é o emprego de instrumentos tipo sua compactação para o segmento apical ou mesmo
K ou H por meio do movimento de limagem. de extrusão para a região perirradicular.
Nos casos de canais radiculares com segmentos • A maior remoção do tecido dentário junto ao seg-
cervicais achatados, onde o diâmetro do instrumento mento cervical do canal radicular favorece o avanço,
empregado é menor do que o maior diâmetro do ca- no sentido coroa-ápice, dos instrumentos de menor
nal original e as condições anatômicas da raiz não per- diâmetro quando empregados na sequência da ins-
mitem o uso de instrumentos de diâmetros maiores, a trumentação.
limpeza e a modelagem ficam deficientes quando se • O alargamento prévio do segmento cervical do canal
emprega o movimento de alargamento. permite que, durante a instrumentação do segmento
Nesses casos, a regularização das paredes do seg- apical, somente a região de menor diâmetro do instru-
mento cervical achatado pode ser realizada por meio dos mento mantenha contato com a parede do canal radi-
alargadores Largo e La Axxess. Esses instrumentos em cular. Em consequência, o instrumento fica submetido
razão da rigidez do aço inoxidável podem ser emprega- a um menor carregamento, o que diminui o esforço de
dos em segmentos achatados de canais radiculares. Du- corte e a possibilidade de fratura por torção.
rante o giro à direita devem ser forçados lateralmente, • Facilita a instrumentação do segmento apical, re-
acompanhados de um deslocamento circundante incor- duzindo a possibilidade de defeitos, como desloca-
porando todo o contorno (circuito) do canal original. mento apical, interno ou externo.
Instrumentos endodônticos de aço inoxidável • Permite um volume maior de solução química auxi-
tipo K ou H por meio do movimento de limagem cir- liar dentro do canal durante a instrumentação. Para
cundante são outra opção para a instrumentação de soluções químicas de uma mesma concentração,
segmentos achatados de canais radiculares. quanto maior o volume, maior será a atividade sol-
Diferentes fabricantes e profissionais sugerem vente de tecido e antimicrobiana.
que, nas áreas polares de segmentos achatados de ca- • Promove, pela sua maior conicidade, uma zona
nais radiculares, os instrumentos endodônticos meca- de escape acentuada, em nível cervical durante a
nizados durante a tração no sentido coronário devem instrumentação dos segmentos médio e apical, di-
simultaneamente ser forçados lateralmente, executan- minuindo a pressão unidirecional apical, com re-
do assim um movimento de pincelamento (escovagem) dução significativa de material extruído via forame
das paredes do canal radicular. Todavia, principalmen- e, consequentemente, menor incidência de dor pós-
te os alargadores Gates Glidden de menores diâmetros operatória.
(nos 1, 2 e 3) e os alargadores cervicais de NiTi, quando • Permite maior penetração de agulha irrigadora em
submetidos simultaneamente a uma força lateral e a sentido apical, facilitando, assim, a irrigação-aspi-
um movimento de pincelamento das paredes dentiná- ração e consequentemente uma melhor limpeza do
rias das áreas polares dos segmentos cervicais achata- segmento terminal do canal radicular.
dos, sofrem desnecessariamente um carregamento de • Facilita a compactação do material obturador do ca-
flexão rotativa que induz na região de maior flexão ten- nal radicular.
sões trativas e compressivas. Essas tensões reduzem a
vida útil do instrumento à fadiga. Pela mesma razão, Quanto às desvantagens, um desgaste exagerado
esses instrumentos não promovem o desgaste anticur- do segmento cervical do canal radicular aumenta o ris-
vatura de um canal radicular. co de perfurações radiculares e de fraturas verticais du-
A cada etapa da instrumentação do segmento rante as manobras de obturação ou mesmo quando os
cervical do canal radicular realizamos a irrigação-as- dentes estiverem em função. Cumpre destacar também
piração seguida da inundação da cavidade pulpar com que, em canais atresiados e curvos, a instrumentação
solução química auxiliar. A patência do canal cementá- cervical sem a criação do leito do canal com instrumen-
rio deve ser mantida em todas as etapas da instrumen- tos tipo K nos 10 e 15 pode acarretar a perda da trajetó-
tação do segmento cervical dos canais radiculares. ria inicial do canal. Geralmente isso ocorre quando do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 453

emprego de instrumentos (alargadores cervicais) com o maior diâmetro da seção reta transversal do canal
diâmetros em D0 maiores do que o de no 25. original e as condições anatômicas da raiz não permi-
tirem o uso de instrumentos de diâmetros maiores, a
Instrumentação do segmento intermediário limpeza e a modelagem ficam deficientes. Nesses ca-
A instrumentação do segmento intermediário ou sos, indicamos o uso de instrumentos tipo K ou limas
médio consiste na ampliação do diâmetro do canal ra- Hedstrom de aço inoxidável de diâmetros inferiores
dicular, no sentido coroa-ápice até a distância de 3mm aos do canal, ativados por meio do movimento de
aquém do vértice radiográfico do dente. O diâmetro limagem com o objetivo de complementar a instru-
em D0 e/ou a conicidade dos instrumentos empre- mentação do segmento intermediário do canal radi-
gados diminui à medida que avançam no segmento cular. Aparelhos sônicos e ultrassônicos também são
médio do canal radicular. Geralmente são utilizados empregados para promover a limpeza de áreas não
dois a três instrumentos na instrumentação do seg- instrumentadas do corpo (segmento cervical e médio)
mento médio. Os avanços devem ser da ordem de 1 de canais radiculares. O instrumento escolhido deverá
a 3mm, intercalados por retiradas. Para instrumentos atuar nas paredes dentinárias a cerca de 3mm aquém
de diâmetros menores, o avanço será menor. Pode ser do vértice radiográfico do dente, ou seja, no corpo do
realizada com instrumentos acionados manualmente e canal radicular.
também por dispositivos mecanizados ou o uso combi- A cada etapa da instrumentação do segmento in-
nado deles. Os primeiros são representados pelos ins- termediário do canal radicular realizamos a irrigação-
trumentos tipo K de aço inoxidável ativados por meio aspiração seguida de inundação da cavidade pulpar
do movimento de alargamento parcial alternado, ob- com solução química auxiliar. A patência do canal
tido manualmente, ou por ângulos especiais. Para ca- cementário deve ser mantida em todas as etapas da
nais curvos (curvaturas severas e moderadas) em que instrumentação do segmento intermediário do canal
o comprimento do arco se inicia próximo do término radicular.
do segmento cervical do corpo do canal, os instrumen-
tos de aço inoxidável de maiores diâmetros devem ser Instrumentação do segmento apical
substituídos pelos de NiTi (Fig. 10-57). O segmento apical corresponde aos 2mm finais de
Os instrumentos acionados por dispositivos me- um canal radicular a partir do CT. A instrumentação do
canizados empregados na instrumentação do segmen- segmento apical tem como objetivo a regularização da
to intermediário são representados pelos alargadores forma da constrição apical pela ampliação do diâmetro
apicais de NiTi. O movimento do instrumento é de do canal principal até o CT. É importante salientar que
alargamento contínuo. Devem ser introduzidos e reti- a forma da constrição apical não é na maioria das ve-
rados do interior do segmento intermediário do canal zes circular, mas oval ou irregular. Em consequência,
radicular girando à direita a fim de evitar o atrito es- durante a instrumentação apical até o CT buscamos
tático do instrumento contra as paredes dentinárias e englobar a constrição apical com o objetivo de criar um
possibilitar a saída de material excisado. batente com seção reta transversal circular onde o cone
Nos casos de canais com segmento intermediá- principal de obturação irá se encaixar.
rio achatado onde o diâmetro do instrumento empre- Na instrumentação apical, os instrumentos endo-
gado (manualmente ou mecanizado) é menor do que dônticos são utilizados em ordem crescente de diâme-

Figura 10-57. Instrumentação do


segmento médio.
454 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

tro, atuando em toda a extensão do CT (instrumenta- preparo. Para instrumentos de maior diâmetro, deve-
ção não escalonada), podendo ser ativados mediante mos substituir os de aço inoxidável pelos de NiTi, em
movimento de alargamento parcial alternado ou con- função da superelasticidade dessa liga metálica. Essa
tínuo. O número de instrumentos empregados varia superelasticidade permite que instrumentos de maior
em função da anatomia do segmento apical do canal diâmetro trabalhem durante a instrumentação apical,
radicular. A forma final do segmento apical do canal ra- mesmo em canais severamente curvos dentro do limite
dicular após a instrumentação deve ser cônica, e a seção elástico. Os instrumentos tipo K de aço inoxidável e de
reta transversal, circular, tendo como objetivos a con- NiTi podem ser acionados manualmente ou por meio
fecção do batente apical, fator importante na limitação de ângulos especiais para a realização da instrumenta-
do material obturador do canal radicular, assim como ção apical dos canais radiculares.
propiciar um selamento apical satisfatório para impe- Os instrumentos endodônticos mecanizados de
dir a entrada de fluidos teciduais no canal e o tráfego NiTi são utilizados na instrumentação apical de ca-
de volta de micro-organismos e seus produtos para os nais radiculares retilíneos ou curvilíneos. São aciona-
tecidos perirradiculares. O movimento de alargamento dos por dispositivos mecanizados especiais (motores
parcial alternado ou contínuo dos instrumentos, du- elétricos e contra-ângulos). Para canais com curva-
rante a instrumentação, proporciona adequada mode- turas severas é aconselhável e prudente que a ins-
lagem apical e menor extrusão de material excisado via trumentação do segmento apical seja realizada com
forame (Fig. 10-58). instrumentos endodônticos acionados manualmente,
A instrumentação apical pode ser realizada com em primeiro lugar de aço inoxidável e, a seguir, de
instrumentos endodônticos tipo K, instrumentos me- NiTi, ativados mediante movimento de alargamento
canizados ou o uso combinado deles. Os primeiros são parcial alternado.
representados pelos instrumentos tipo K de aço inoxi- A cada etapa da instrumentação do segmento api-
dável e de NiTi. Instrumentos de aço inoxidável são in- cal do canal radicular realizamos a irrigação-aspiração
dicados para canais radiculares retilíneos ou com cur- seguida da inundação da cavidade pulpar com solução
vaturas suaves. Para canais radiculares curvilíneos, os química auxiliar. A patência do canal cementário deve
instrumentos endodônticos na instrumentação apical ser mantida em todas as etapas da instrumentação do
devem atuar dentro do limite elástico e jamais dentro segmento apical do canal radicular.
do limite plástico da liga metálica. Para canais atresia- Nos casos onde a patência do canal cementário
dos e curvilíneos devemos empregar inicialmente ins- não foi obtida ou mesmo perdida, o limite apical de
trumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros e instrumentação deverá ser o mais próximo possível
seção reta transversal triangular (nos 15, 20 e 25) sem do ápice radicular (CT). A ampliação do diâmetro api-
pré-curvamento. Em função das dimensões e proprie- cal deverá ser a maior possível. Nos casos de necrose
dades mecânicas da liga de aço empregada, esses ins- pulpar é recomendado o uso de um maior volume de
trumentos são dotados de flexibilidade suficiente para solução irrigante, o uso da agulha de irrigação o mais
acompanhar a curvatura de um canal radicular sem próximo do CT, a remoção da smear layer e o uso de
sofrerem dobramento e promoverem deslocamento do medicação intracanal.

Figura 10-58. Instru-


mentação do segmento
apical.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 455

Ampliação do diâmetro apical de canais a instrumentação no CT deve ser circular. Para o suces-
radiculares so de um tratamento endodôntico, a determinação da
ampliação do diâmetro do segmento apical no CT é tão
O diâmetro da ampliação apical corresponde ao importante quanto a determinação desse mesmo CT. A
diâmetro em D0 do último instrumento usado no CT do ampliação maior de um canal resulta em uma limpeza e
canal radicular. A ampliação do diâmetro do segmento modelagem melhor do que uma ampliação menor (Fig.
apical no CT deve sempre ser maior do que o maior 10-59A a D). Estudos têm revelado que quanto maior o
diâmetro do canal original. A forma final da seção reta diâmetro do preparo apical, maior é a redução do nú-
transversal do segmento apical do canal radicular após mero de bactérias de um canal radicular6,14,62,76,91,108.

Figura 10-59. Limpe-


za e modelagem de
um canal radicular. A.
Presença de resíduos.
B. Paredes limpas. Tú-
bulos dentinários aber-
tos. C. Canal cemen-
tário desobstruído. D.
C D Canal secundário de-
sobstruído.
456 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Na tentativa de diminuir o risco de acidentes A liga NiTi empregada na Endodontia apresenta


(deslocamento interno do preparo apical, zip, degraus pequeno módulo de elasticidade, cerca de 1/4 a 1/5 em
e perfurações), a instrumentação de canais radiculares relação a de aço inoxidável, e, em consequência, possui
com segmento apical curvo até o comprimento de tra- grande elasticidade (superelasticidade)54. A força ne-
balho ficou limitada a instrumentos endodônticos de cessária para flexionar um instrumento de NiTi de no
aço inoxidável de pequenos diâmetros. Para Schilder81, 45 é equivalente à necessária para flexionar um instru-
a ampliação mínima apical equivalente ao diâmetro de mento de aço inoxidável de no 25 de igual desenho85.
um instrumento de no 25 é suficiente para determinar Essa maior elasticidade faz com que o instrumento de
uma preparação final para as obturações de canais ra- NiTi de maior diâmetro acompanhe com facilidade o
diculares com cones de guta-percha. Buchanan12 com segmento apical curvo de um canal radicular, reduzin-
base nas suas opiniões clínicas defendeu que se deve do o deslocamento apical.
evitar uma instrumentação apical agressiva mantendo A filosofia clínica de que diâmetros de preparos
o canal radicular com uma conicidade mínima. A ins- apicais devem ser mantidos o menor possível, em vez
trumentação apical não deve ser superior ao diâmetro de maiores quanto necessários, parece ser fundamenta-
de um instrumento de no 20 ou 25. da primariamente em opinião clínica62. Todavia, é preci-
Assim, o mito de se ampliar o diâmetro apical de so ressaltar que o diâmetro da ampliação do segmento
canais radiculares com segmentos apicais curvos até apical não é ditado pelo profissional, mas está relaciona-
instrumentos de no 25 ou 30 está atrelado ao fato da re- do com a anatomia do canal, a forma e dimensão (geo-
dução da flexibilidade de instrumentos endodônticos metria) do segmento radicular apical e as propriedades
de aço inoxidável em função do aumento de seu diâ- mecânicas da liga metálica do instrumento endodôntico
metro. Segundo Lopes et al.54, em um ensaio de flexão empregado. Assim, devemos criteriosamente relacionar
em cantilever, para ocorrer um deslocamento da ponta o diâmetro da raiz/diâmetro do instrumento empre-
de um instrumento de aço inoxidável FlexoFile (Mail- gado para evitar remoção excessiva de dentina. A am-
lefer) de 25mm de comprimento e de no 30 dentro de pliação de canais infectados ou não deve ser compatível
um limite elástico de 15,5mm (flexão em 45°), foi neces- com a anatomia radicular para evitar o enfraquecimento
sária uma força máxima de 204gf, enquanto para um da estrutura dentária e a ocorrência de acidentes e com-
mesmo instrumento de no 40 foi de 256gf. Quando se plicações, como degraus e perfurações55,62,104.
ensaiou um instrumento de NiTi de mesma geometria Diâmetros maiores de instrumentos endodônti-
(Nitiflex, Maillefer), para um de no 30, a força máxima cos para a instrumentação de canais radiculares com
foi de 104gf e para um de no 40, de 128gf. segmentos apicais retos ou curvos:
Diversos trabalhos25,49,51,72,78,104,117 mostraram que,
na instrumentação de canais radiculares com segmen- • Permitem um volume maior de solução química au-
tos apicais curvos, o deslocamento apical é superior xiliar dentro do canal durante o preparo químico-
para os instrumentos de aço inoxidável em compara- mecânico. Para soluções químicas de uma mesma
ção aos de NiTi. Isso pode ser atribuído à maior resis- concentração, quanto maior o volume, maior será
tência à deformação elástica (menor flexibilidade) do sua atividade solvente de tecido e antimicrobiana.
instrumento de aço inoxidável, o qual durante a ins- • Favorecem o mecanismo de irrigação-aspiração. O
trumentação tende a promover um maior desgaste das maior diâmetro da instrumentação apical permite um
paredes dentinárias externas dos segmentos curvos de maior avanço da agulha irrigadora em sentido apical.
canais radiculares. Os instrumentos de NiTi por terem • Permitem o uso de um maior volume de medicação
menor módulo de elasticidade são mais flexíveis, sen- intracanal. Quanto maior o volume, maior será o
do assim deformados elasticamente com níveis infe- tempo de atividade antimicrobiana do medicamen-
riores de tensão e acompanham a curvatura do canal to no interior de um canal radicular.
radicular durante a instrumentação. • Favorecem a limpeza e a modelagem de um canal
Com o advento de instrumentos de NiTi (manuais radicular. Quanto maior o diâmetro da instrumen-
ou mecanizados), o diâmetro final de ampliação de ca- tação apical, maior a redução de tecidos e de micro-
nais radiculares no comprimento de trabalho tem sido organismos do interior de um canal radicular.
proposto com diâmetros maiores do que os menciona- • Facilitam a seleção do cone de guta-percha prin-
dos para instrumentos de aço inoxidável2,7,37,39,62,71,86,99,104. cipal e a obturação de um canal radicular. Como
O grande diferencial entre um instrumento endodônti- na maioria das vezes, a seção reta transversal da
co de aço inoxidável e de NiTi é a flexibilidade. instrumentação apical é circular, o que favorece a
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 457

seleção do cone principal de guta-percha e conse- O diâmetro em D0 do instrumento indicado deve ser
quentemente permite um selamento da cavidade maior do que o maior diâmetro do canal, para que o
endodôntica satisfatório devido a uma maior com- preparo ao nível do CT tenha a seção reta transversal à
pactação do material obturador no interior da ca- forma circular (Quadro 10-1).
vidade pulpar, independentemente da técnica de Para instrumentos endodônticos de NiTi meca-
obturação empregada. nizados, os de conicidade 0,06mm/mm são indicados
Os diâmetros dos instrumentos endodônticos para os canais retos, os de conicidade 0,04mm/mm
sugeridos para o preparo apical estão fundamentados para os de curvaturas suaves ou moderadas e os de co-
nos resultados das dimensões dos canais radiculares a nicidade 0,02mm/mm para os de curvaturas severas
2mm do ápice anatômico de acordo com Wu et al.114. (Fig. 10-60A a I).

Quadro 10-1 Média dos diâmetros dos canais radiculares a 2mm do ápice anatômico e dos diâmetros em D0 sugeridos
dos instrumentos endodônticos ISO – mm

Dente Vestibulolingual Mesiodistal Instrumentos

Superiores

Central 0,47 0,36 55

Lateral 0,60 0,33 70

Canino 0,58 0,44 60

1o Pré-molar

Canal V 0,40 0,31 45

Canal L 0,37 0,26 45

2o Pré-molar 0,63 0,41 70

Molares

Canal P 0,40 0,40 45

Canal MV 0,46 0,32 50

Canal MV secundário 0,31 0,16 35

Canal DV 0,33 0,25 40

Inferiores

Incisivos 0,52 0,25 55

Caninos 0,45 0,36 50

Pré-molares 0,40 0,32 45

Molares

Canal MV 0,42 0,26 45

Canal ML 0,44 0,24 50

Canal Distal 0,50 0,34 55


458 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

A B C

D E F

G H

Figura 10-60. Casos clínicos representativos


do preparo realizado pelos conceitos des-
critos. A. Incisivo lateral superior. (Gentileza
de Aires Pereira.) B. Incisivo lateral superior.
(Gentileza de L. R. de Paula.) C. Canino su-
perior. D. Molar inferior. (Gentileza de Aires
Pereira.) E. Primeiro molar superior. F. Pri-
meiro molar inferior. (Gentileza de V. Souza.)
G. Primeiro molar inferior. (Gentileza L. Lyon.)
H. Primeiro molar inferior. Não obtida patên-
cia. I. Primeiro molar inferior. Não obtida pa-
I tência dos canais mesiais. (Gentileza do Cap.
Dent. PMMG, JC Mucci.)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 459

 MANOBRAS ENDODÔNTICAS
Manobras endodônticas são o conjunto de ações
ou de movimentos empregados nas diferentes etapas
da instrumentação de um canal radicular para alcançar
um objetivo desejado.

Escalonamento
Escalonamento é uma manobra onde os segmen-
tos cervical e médio são instrumentados separadamen-
te, ou seja, os instrumentos endodônticos são utilizados
aquém do comprimento de trabalho de um canal radi-
cular. É útil no preparo endodôntico de canais curvos e
de dentes cujas raízes apresentam segmento apical afila-
do. Nesses casos, o emprego de instrumentos de maior
diâmetro e menor flexibilidade, em toda a extensão do Figura 10-61. Escalonamento ápice-coroa.
canal, pode causar uma instrumentação inadequada.
O escalonamento também denominado de ins-
trumentação escalonada pode ser realizado no sentido Escalonamento coroa-ápice
ápice-coroa (step-back) ou coroa-ápice (crown-down) do Neste escalonamento, os instrumentos endodôn-
dente15,46,55,59,60. ticos, em ordem decrescente de diâmetro, avançam
A instrumentação apical antecede o escalonamen- para o interior do canal no sentido coroa-ápice. Tam-
to ápice-coroa e, normalmente, precede o escalonamen- bém pode ser executado com avanços programados
to coroa-ápice. ou determinados pela anatomia do canal radicular
(Fig. 10-62).
Escalonamento ápice-coroa O escalonamento pode ser realizado com ins-
Após a instrumentação apical, os instrumentos, trumentos acionados manualmente ou por disposi-
em ordem crescente de diâmetro, são empregados a tivos mecanizados. Para os primeiros, os movimen-
distâncias progressivamente menores do que o CT. É tos podem ser de limagem e de alargamento parcial
chamado de escalonamento com recuo programado à direita, alargamento parcial alternado ou de alar-
ou telescópico quando a distância existente entre os gamento e limagem. Para os mecanizados, o de alarga-
instrumentos é constante e previamente determinada
pelo profissional. Tal distância, geralmente, é fixada
em 1mm. E é chamado de escalonamento com recuo
anatômico quando essa distância é determinada pela
anatomia do canal radicular e pela flexibilidade do ins-
trumento (Fig. 10-61).
No escalonamento com recuo programado, o ins-
trumento seguinte da série nem sempre apresentará uma
flexibilidade suficiente para atingir o ponto previamente
determinado, e o esforço empregado para alcançar esse
objetivo poderá determinar iatrogenia no preparo. É a
adaptação do canal às propriedades mecânicas do ins-
trumento. Por sua vez, no recuo anatômico, podemos
afirmar que o instrumento endodôntico se adapta às
condições da anatomia do canal radicular. Nesse caso,
o recuo é ditado pela anatomia interna do canal e pela
flexibilidade do instrumento. Assim, a distância entre
um instrumento de diâmetro menor e outro de diâmetro
imediatamente superior não é prefixada46. Figura 10-62. Escalonamento coroa-ápice.
460 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

mento parcial alternado ou contínuo. A forma final desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do
do preparo escalonado favorece a obturação do ca- hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de
nal radicular. Também facilita a remoção parcial da reparação.
obturação do canal para o recebimento de retentores Nos dentes vitais, apesar de o micro-organismo
intrarradiculares. não assumir papel de destaque como nos dentes ne-
crosados, a manutenção do coto pulpar (segmento
Patência do canal cementário tecidual frágil) durante o tratamento endodôntico
constitui tarefa inexequível mecanicamente. Com
É uma manobra que tem como objetivo a manu-
isso, torna-se difícil saber se o tecido corresponden-
tenção do canal cementário desobstruído durante a
te ao coto pulpar ficará necrosado ou normal frente
instrumentação do canal radicular. É obtida com ins-
aos procedimentos endodônticos. Por outro lado, a
trumento de pequeno diâmetro (instrumento patente),
realização da patência do canal cementário, além de
durante toda a pré-instrumentação e mantida durante
evitar a compactação de raspas de dentina na porção
toda a instrumentação do canal radicular. Tendo o ca-
apical do canal, irá favorecer a reparação tecidual
nal cementário a forma de um cone truncado com o
pós-tratamento por meio do tecido do ligamento pe-
maior diâmetro voltado para superfície externa da raiz,
riodontal, que tem melhor estrutura histológica para
a ponta cônica do instrumento deve ser conduzida 0,5
esse fim.
a 1mm além da abertura foraminal. Essa manobra tem
como objetivo manter patente o canal e favorecer a re-
moção de detritos pelo canal helicoidal do instrumento Desgaste anticurvatura
(Fig. 10-63). É uma manobra realizada no segmento cer-
A patência é uma manobra justificada por mo- vical de um canal radicular e consiste no desgaste
tivos biológicos e mecânicos. Nos dentes despolpa- direcionado às zonas volumosas da raiz, ou zonas
dos, micro-organismos e tecido pulpar presentes na de segurança, e distante das delgadas, ou zonas de
porção mais apical do canal radicular (zona crítica risco, onde pode ocorrer adelgaçamento da parede
apical) devem ser reduzidos por meio da ação dos dentinária, ou perfurações radiculares laterais (ras-
instrumentos endodônticos, da ação da solução quí- gos) (Fig. 10-64).
mica auxiliar e pela ação da irrigação/aspiração. A Abou-Rass et al.1 descrevem e recomendam o uso
permanência desses irritantes em segmentos apicais da limagem anticurvatura para o preparo de canais cur-
não instrumentados representa a principal causa do vos e atresiados. A instrumentação em anticurvatura
fracasso da terapia endodôntica. Mesmo que a patên- atua em sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a
cia não elimine completamente os irritantes presen- transportar o canal para as áreas mais volumosas (zona
tes na zona crítica apical devido à sua complexidade de segurança), fugindo, assim, da área de concavidade
anatômica, esse procedimento causa um distúrbio da raiz ou convexidade do canal (zona de risco). Tem
ecológico da microbiota do canal radicular, que pode como objetivo retificar o início do arco (segmento cur-

Figura 10-63. Patência do canal cementário. Figura 10-64. Desgaste anticurvatura.


Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 461

vo) e ampliar o segmento cervical para facilitar o avan- de 1,05 ± 0,28mm e, na zona de segurança, a espessura
ço de instrumentos endodônticos no sentido apical do foi igual a 1,36 ± 0,24mm.
canal radicular. Os instrumentos de NiTi, em razão do pequeno
Num molar inferior, em sua raiz mesial, o des- módulo de elasticidade da liga (superelasticidade), não
gaste maior será feito contra a parede mesial (oposta são indicados para a realização do desgaste anticurva-
à furca). Na raiz distal, o desgaste maior será feito na tura dos canais radiculares.
parede distal.
O desgaste anticurvatura pode ser realizado com
instrumentos de aço inoxidável (tipo K ou H) e meca-
 INSTRUMENTAÇÃO NÃO ESCALONADA
nizados, alargadores Largo e alargadores La Axxess. Também conhecida como convencional, os ins-
Os instrumentos tipo K ou H devem atuar por ação de trumentos endodônticos são utilizados em ordem
limagem, e os mecanizados pelo desgaste de uma pa- crescente de diâmetro em toda a extensão do CT,
rede dentinária obtida pela pressão do instrumento em podendo ser ativados mediante movimento de alar-
anticurvatura. gamento parcial alternado ou contínuo. Essa instru-
Lopes e Costa47, após o alargamento do segmento mentação pode ser realizada com instrumentos en-
cervical do canal com alargador Gates Glidden, empre- dodônticos acionados manualmente, por dispositivos
gam para o desgaste anticurvatura alargador Largo de mecânicos ou pelo uso combinado desses. Os acio-
igual número. Esse, ao ficar livre no interior do seg- nados manualmente são representados pelos ins-
mento preparado, pode ter sua haste de corte helicoi- trumentos tipo K de aço inoxidável e de NiTi. Os
dal cilíndrica direcionada contra a zona de segurança instrumentos endodônticos acionados por dispositi-
do canal radicular. Os alargadores Largo, por apresen- vos mecânicos são representados pelos sistemas de
tarem maior resistência à fratura, maior superfície da instrumentos de NiTi mecanizados.
haste de corte helicoidal e menor capacidade de des- Após a pré-instrumentação, os instrumentos
locamento do corpo sob flexão do que os Gates Glid- devem ser utilizados preferencialmente com o mo-
den, podem ser mais solicitados contra uma parede do vimento de alargamento parcial alternado ou contí-
canal radicular, determinando um desgaste dentiná- nuo em todo o CT. O movimento de limagem deve
rio seletivo. Os alargadores Gates Glidden devem ser ser evitado na instrumentação do segmento apical em
usados para alargar o furo e jamais para direcionar o razão da perda do controle do diâmetro e da forma da
desgaste em direção a uma das paredes dentinárias do seção reta transversal do canal radicular. Durante a
canal radicular. instrumentação, o canal deverá estar preenchido com
Diversos profissionais sugerem que os alargado- a solução química auxiliar indicada para o caso clíni-
res Gates Glidden devem ser empregados no desgaste co. A cada novo instrumento a solução química deve
anticurvatura de segmentos cervicais de canais radicu- ser renovada pela irrigação-aspiração e a patência
lares. Afirmam que durante a tração no sentido coro- do canal mantida. Essa técnica é indicada para a ins-
nário o alargador Gates Glidden deve ser pressionado trumentação de canais radiculares amplos e também
lateral e simultaneamente acompanhado de um movi- como parte da técnica combinada na instrumentação
mento de pincelamento, promovendo o desgaste an- do segmento apical de canais radiculares retilíneos e
ticurvatura de um canal radicular. Todavia, com esse curvilíneos (Fig. 10-65).
procedimento o corpo do instrumento fica submetido
a um carregamento por flexão rotativa que induz a fra-
tura por fadiga do alargador Gates Glidden.
Lim e Stock44 em 1987, analisando o risco de per-
furação das raízes de molares inferiores durante a ins-
trumentação, encontraram os seguintes valores: canal
mesiovestibular – para a zona de risco, a média de es-
pessura encontrada foi de 1,05 ± 0,33mm e, para a zona
de segurança, a espessura média de 1,28 ± 0,23mm; ca-
nal mesiolingual – para a zona de risco, a espessura
média de 1,05 ± 0,24mm e, para a zona de segurança,
espessura média de 1,36 ± 0,20mm. Para os dois casos
foi encontrada uma espessura média na zona de risco Figura 10-65. Instrumentação não escalonada.
462 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

 INSTRUMENTAÇÃO ESCALONADA NiTi no 30 (CT = 21mm)


NiTi no 20 (CPC = 22mm – patência do canal cemen-
Movimentos contínuos de rotação alternada tário)
(MRA) para canais atresiados e/ou curvos. NiTi no 35 (CT = 21mm)
Descrição sumária89 NiTi no 20 (CP = 22mm – patência do canal cemen-
Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K de tário)
NiTi 7. Escalonamento ápice-coroa
Acionamento dos instrumentos: manual 20mm NiTi no 40
Dinâmica: a dinâmica MRA é utilizada apenas Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi
durante a execução do preparo apical e envolve os se- no 15
guintes passos: o instrumento é introduzido no canal 19mm NiTi no 45
até encontrar ligeira resistência das paredes dentiná- Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi
rias. Nesse ponto realiza-se uma rotação no sentido no 15
horário de cerca de 1/3 (120º) de volta. Em seguida, 18mm NiTi no 50
realiza-se uma rotação de mesma amplitude no senti- Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi
do anti-horário, ao mesmo tempo em que se emprega no 15
uma leve pressão apical, impedindo que o instrumento 17mm NiTi no 55
retroceda. Esses procedimentos permitem o corte por Recapitulação – 21mm (CT) NiTi no 35
arrancamento da dentina das paredes do canal. Tais Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi
movimentos são repetidos continuamente, com avanço no 20
apical, até que o instrumento alcance o comprimento
desejado, sendo mantidos por alguns segundos nessa
medida sem removê-lo da posição. O instrumento é re- Instrumentação escalonada coroa-ápice
trocedido no máximo 2 a 3mm e conduzido novamente proposta para canais atresiados retilíneos
ao comprimento desejado, em sentido apical, sempre e/ou curvilíneos. Descrição sumária
se realizando movimentos rotacionais alternados de
forma contínua. Em outras palavras, o instrumento faz Pré-instrumentação
o vaivém no canal, sempre girando alternadamente nos Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou
sentidos horário e anti-horário, até quando se encontrar especiais de aço inoxidável
ligeiramente frouxo. Esse movimento tem como objeti- Acionamento dos instrumentos: manual
vo favorecer a liberação do instrumento das paredes
do canal e a penetração da substância química auxiliar • Localização dos canais radiculares
no segmento apical do canal. – sonda clínica com ponta reta e extremidade pon-
tiaguda
Exemplo de sequência técnica • Cateterismo inicial
1. Acesso e preparo da câmara pulpar – instrumento tipo K ou especial (C+File, C Pilot)
2. Exploração K no 8, no 10 (CDR) de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm
3. Acesso radicular (movimento de alargamento parcial à direita)
NiTi nos 15, 20, 25, 30, 35, 40 (até encontrar resistência) • Alargamento cervical inicial
Alargadores Gates-Glidden 2 e 3 ou LA Axxess no 1 – Instrumento tipo K de aço inoxidável 30 e 35
(até encontrar resistência) de 21mm (movimento de alargamento parcial à
4. Odontometria NiTi no 15 (CDR) direita)
RX CPC = 22mm • Cateterismo final até a distância predeterminada
CT = 21mm – Instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável
5. Patência do Canal Cementário nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial
NiTi no 15 (CPC = 22mm) à direita)
NiTi no 20 (CPC =22mm) – Determinação do CPC e CT
6. Preparo apical • Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal)
NiTi no 25 (CT = 21mm) – instrumento tipo K ou especial de aço inoxidá-
NiTi no 20 (CPC = 22mm – patência do canal cemen- vel nos 10 e 15 (movimento de alargamento par-
tário) cial à direita)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 463

Instrumentação vimento de alargamento parcial alternado obtido


Instrumentos endodônticos utilizados: alargado- manualmente ou por dispositivo mecânico
res Gates Glidden e Largo; instrumento tipo K de aço Refinamento do corpo do canal
inoxidável e de NiTi. • lima tipo H ou instrumento K de aço inoxidável nos
Acionamento dos instrumentos: tipo K, manual- 35 e/ou 40 com movimento de limagem circundante
mente ou por dispositivos mecânicos; alargadores Ga- obtido manualmente
tes Glidden e Largo por dispositivo mecânico. • checar a patência do canal cementário com instru-
mento K de aço inoxidável no 15, acionado manual-
• Segmento cervical até 2/3 do corpo do canal mente.
– Gates Glidden 3 e 2 ou 2 e 3 (movimento de alar-
gamento contínuo) É preciso ressaltar que o preparo químico-mecâni-
– Largo 1 ou 2, desgaste anticurvatura ou para a co de canais radiculares é um procedimento dinâmico,
incorporação do contorno original de um canal podendo as etapas e manobras de instrumentação ser
achatado, no circuito de corte (movimento circun- repetidas até que se atinjam os objetivos planejados.
dante com pressão lateral) Para canais amplos as etapas e manobras de instru-
– checar a patência do canal cementário com ins- mentação poderão sofrer alterações quanto à sequên-
trumento K de aço inoxidável no 15, acionado cia mencionada. Os diâmetros dos instrumentos serão
manualmente a cada instrumento empregado na selecionados em função do diâmetro do canal radicular
instrumentação apical a ser instrumentado.
• Segmento intermediário até o término do corpo do Durante a instrumentação de um canal radicular
canal checamos a patência do canal cementário e realizamos
– instrumentos K de aço inoxidável seção trans- a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavida-
versal triangular com curva de transição nos 45, de pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo
40 e 35 com movimento de alargamento parcial instrumento e a cada mudança de instrumento. Esses
alternado obtido manualmente ou por dispositi- procedimentos têm como objetivo manter o canal ce-
vo mecânico mentário desobstruído, remover os detritos mantidos
– checar a patência do canal cementário com ins- em suspensão no interior do canal radicular e permitir
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado a renovação da solução química auxiliar da instrumen-
manualmente a cada instrumento empregado na tação (Fig. 10-66A a D).
instrumentação apical
• Segmento apical até o CT de canais atresiados curvi-  Instrumentos mecanizados
líneos
empregados na instrumentação de
– instrumento K de aço inoxidável, triangular com
canais radiculares
curva de transição nos 20, 25, 30 com movimento
de alargamento parcial alternado obtido manual- Na Endodontia é considerada equivocadamente
mente ou por dispositivo mecânico como técnica mecanizada ou acionada a motor a ins-
– checar a patência do canal cementário com ins- trumentação de canais radiculares por meio do movi-
trumento K de aço inoxidável no 15, acionado mento de alargamento contínuo obtido por dispositi-
manualmente a cada instrumento empregado na vos mecânicos. Todavia, o uso de instrumentos acio-
instrumentação apical nados por dispositivos mecânicos com o movimento
– instrumento K de NiTi nos 35, 40, 45 e/ou 50 com de alargamento parcial alternado também seria uma
movimento de alargamento parcial alternado ob- técnica mecanizada, assim como o emprego de alar-
tido manualmente ou por dispositivo mecânico gadores Gates Glidden, Largo e La Axxess. Portanto,
– checar a patência do canal cementário com ins- podemos afirmar não existir técnica mecanizada, mas
trumento K de aço inoxidável no 15, acionado sim o emprego de instrumentos mecanizados nas téc-
manualmente a cada instrumento empregado na nicas de instrumentação, não escalonada, escalonada
instrumentação apical ou combinada de canais radiculares.
• Segmento apical até o CT de canais atresiados retilí- Buscando diminuir o tempo de trabalho requeri-
neos do e simplificar a instrumentação de canais radicula-
– instrumentos K de aço inoxidável triangular com res, vários instrumentos e peças mecanizadas ao longo
curva de transição nos 20, 25, 30, 35 e 40 com mo- do tempo têm sido propostos17,18,30,34,49,79,80. Todavia, o
464 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

A B

Figura 10-66. Casos clínicos realizados pela instrumentação pro-


posta. A. Molar inferior. B. Molar superior. C. Pré-molar inferior. D. D
Molar inferior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)

problema principal do emprego de instrumentos me- níquel-titânio. Essa liga confere aos instrumentos endo-
canizados por meio de alargamento contínuo de canais dônticos grande flexibilidade e resistência à deformação
radiculares curvos está relacionado com a flexibilidade plástica. Se fracassaram as tentativas de se acionarem
dos instrumentos endodônticos empregados. por dispositivos mecânicos instrumentos endodônticos
A movimentação por meio de alargamento con- de aço inoxidável, com o advento da liga NiTi isso se
tínuo de um instrumento endodôntico de aço inoxi- tornou uma realidade. Porém, na região de flexão de um
dável em um canal curvo, estando ele em regime de instrumento em rotação contínua, são geradas tensões
deformação plástica (dobrado), induz carregamentos que variam alternadamente entre tração e compressão.
combinados de dobramento alternado e de torção. A Essas tensões, dependendo da velocidade de giro, do
continuidade desses carregamentos induz a fratura do raio de curvatura, do comprimento do arco do canal e
instrumento e/ou a deformação das paredes do canal. do diâmetro do instrumento, podem após um pequeno
Para evitar esses carregamentos em um instru- tempo de uso levá-lo à fratura por fadiga de baixo ciclo
mento, estando ele em rotação contínua no interior de (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos).
um canal radicular curvo, devemos empregá-lo em Instrumentos de aço inoxidável acionados por dis-
regime de deformação elástica e jamais em regime de positivos mecânicos em canais curvos resistem a um pe-
deformação plástica. queno número de ciclos até a fratura por fadiga. Já ao
Avanços tecnológicos têm permitido a confecção de contrário, os instrumentos de NiTi resistem a um maior
instrumentos endodônticos com novas ligas, como as de número de ciclos até ocorrer a fratura por fadiga.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 465

Os instrumentos de NiTi mecanizados, indepen- mento endodôntico é variável ao longo de sua haste
dentemente da marca comercial, são projetados para de corte helicoidal cônica. Portanto, depende do di-
ser utilizados com movimento de alargamento con- âmetro da haste de corte helicoidal cônica próximo
tínuo à direita obtido por micromotores a ar ou por ao ponto de imobilização do instrumento no interior
motores elétricos possuidores de dispositivos mecâ- do canal radicular.
nicos-elétricos que permitem uma baixa velocidade • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e
(250 a 350rpm) e torque de 0,6 a 5 Newton × centíme- os nominais propostos, assim como os defeitos de
tro (N.cm). O torque e a baixa velocidade de rotação acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e micro-
permitem a aplicação de uma força, com intensidade cavidades) existentes nos instrumentos endodônti-
suficiente para os instrumentos vencerem a resistência cos, funcionam como pontos concentradores de ten-
ao corte das paredes dentinárias. são, podendo levá-los a uma fratura prematura com
Os micromotores acionados a ar, em razão da va- níveis de torques abaixo dos previsíveis.
riação de pressão do compressor, conferem aos instru-
mentos endodônticos uma velocidade de rotação osci- Não se pode negar que equipamentos com tor-
lante. O torque utilizado é fixo. Os motores elétricos ques programados ou pré-selecionados para cada
mantêm constante a velocidade de rotação e possuem instrumento endodôntico são um avanço tecnológico.
diferentes valores de torque. Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para
Diversos fabricantes propõem motores elétricos reduzir a ocorrência de fratura por torção de instru-
com diferentes valores de velocidade e de torque. Es- mentos endodônticos mecanizados é sem dúvida man-
ses valores são programados pelo operador ou preesta- tê-los não imobilizados durante a instrumentação do
belecidos pelo fabricante. Nos motores de torque pro- canal radicular, o que é alcançado com conhecimento
gramados pelo operador o valor selecionado deve ficar da geometria dos instrumentos, dos princípios da ins-
aquém do limite de resistência à fratura por torção do trumentação mecanizada e com a habilidade e experi-
instrumento empregado. Nesse caso, é imprescindível ência do profissional.
conhecer o valor do torque máximo de fratura do ins-
trumento empregado. Assim, quando ocorrer a imobi- Dispositivos mecânicos
lização do instrumento acionado a motor no interior
X-SMART – características técnicas
do canal radicular e o carregamento atingir o torque
programado, o giro do motor é interrompido. Sendo • Funciona na eletricidade ou com baterias
o torque programado pelo operador inferior ao limite • Tempo de recarga da bateria: aproximadamente 5
de resistência à fratura por torção do instrumento, são horas
evitadas a sobrecarga e a sua fratura. Outros apare- • Tempo de uso com bateria: aproximadamente 2 horas
lhos oferecem torques preestabelecidos pelo fabrican- • Acompanha um contra-ângulo redutor de 16:1
te. Nesses, quando o carregamento aplicado atingir o • Funciona com ou sem pedal
valor preestabelecido, o giro do instrumento é inter- • Compatível com todos os sistemas de instrumentos
rompido automaticamente. Se o valor preestabelecido mecanizados
pelo fabricante for inferior ao limite de resistência à • Peça de mão com botão liga-desliga. Peso da peça de
fratura por torção do instrumento empregado, evita-se mão de 92g
a ruptura do instrumento. Em muitos motores, após a • Tela de cristal líquido
interrupção do giro à direita, o movimento rotatório é • Autorreverso de giro
revertido à esquerda. • Escala de velocidades para contra-ângulo redutor
A seleção de um torque programado ou preesta- de 16:1. Velocidades de saída: 120 a 800rpm
belecido, aquém do limite de resistência à fratura por • Escala de torque: 0,6 a 5,2 N.cm com 9 torques prees-
torção, é difícil de ser obtida por diversas razões: tabelecidos
• Fabricante: Dentsply, Maillefer, Suíça (Fig. 10-67).
• O operador deve conhecer o valor provável do tor-
que que induziu a fratura de cada instrumento en- ENDO-MAX – características técnicas
dodôntico empregado. Todavia, esses valores não • Painel visual com display numérico para demonstra-
são informados pelos fabricantes. ção da rotação do instrumento
• O torque é uma grandeza relacionada com o raio. • Led indicador do programa para instrumento tipo K
Assim, o torque máximo de fratura de um instru- ou mecanizado
466 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Figura 10-67. Motor elétri-


co X-SMART.

• Relação entre o torque e a velocidade de rotação

Rpm 200 240 280 320 360 400

N.cm 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0

• Alteração de torque de aproximadamente 30% do


torque preestabelecido pode ser feita no pedal, du-
rante a instrumentação, sem alterar a rotação esta-
belecida
• Reversão da rotação
• Acionamento do motor por meio de botões específi-
cos no pedal
• Conjunto de contracabeça padrão NSK (Japão) com
sistema de fixação ao corpo da peça de mão com
giro de 360°
• Circuito chaveado automático para 127/220V (AC)
• Distribuidor no Brasil: Adiel Comercial Ltda, Ribei-
rão Preto, São Paulo (Fig. 10-68). Figura 10-68. Motor elétrico Endo-Max.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 467

Contra-ângulo NiTi control de desses instrumentos é alargar a região cervical do


canal radicular, a sua conicidade deve ser maior do que
É fabricado pela Anthogyr (França) e dispensa
a dos alargadores apicais e o diâmetro em D0 peque-
o uso de motor elétrico. É acoplado a micromotores
no. Os alargadores cervicais devem apresentar conici-
pneumáticos detentores do sistema Intro. Possui redu-
dades de 0,08, 0,10 e 0,12mm/mm e diâmetro em D0
ção de velocidade na ordem de 64:1. A velocidade e o
não superior a 0,25mm. A porção da haste helicoidal
emprego devem ser de 300 a 350rpm. Possuem qua- de maior diâmetro tem por finalidade alargar a região
tro níveis diferentes de torque (N cm): 0,7, 1,4, 2,3 e 4,5 cervical, e a de diâmetro menor servir de guia durante
(Fig. 10-69). a instrumentação do canal radicular. A função de guia
Os instrumentos endodônticos de NiTi mecani- tem como objetivo principal evitar a perda da trajetória
zados são encontrados no comércio como sistemas de canais atresiados e curvos (ver Capítulo 9, Instru-
constituídos de limas (alargadores apicais) e de alar- mentos endodônticos).
gadores cervicais. São considerados alargadores heli- A modelagem de um canal radicular, indepen-
coidais cônicos, uma vez que executam o movimento dentemente do sistema de instrumentos empregados,
de alargamento de um furo. Para um instrumento deverá ser obtida por meio da instrumentação coroa-
exercer a ação de alargamento é necessário que o di- ápice. É a instrumentação de referência e o único méto-
âmetro do instrumento seja maior do que o diâmetro do possível de instrumentar um canal com instrumen-
do furo. São fabricados com diferentes conicidades e tos mecanizados61. É recomendado o uso de instru-
comprimentos. mentos endodônticos tipo K acionados manualmente
Os instrumentos mecanizados denominados alar- no preparo do leito do canal (glide path) precedendo o
gadores apicais são usados na instrumentação dos seg- emprego de instrumentos acionados por dispositivos
mentos médio e apical do canal radicular. A conicidade mecânicos70.
desses instrumentos não deve ser superior a 0,06mm/ É preciso ressaltar que o preparo químico mecâni-
mm para proporcionar a esses uma flexibilidade capaz co dos canais radiculares é um procedimento dinâmico,
de percorrer e alargar um canal radicular curvo sem podendo as etapas e manobras de instrumentação ser
provocar iatrogenias. repetidas até serem atingidos os objetivos desejados. O
Os alargadores cervicais são usados na instru- diâmetro dos instrumentos deve variar em função da
mentação cervical do canal radicular. Como a finalida- anatomia do canal e da morfologia radicular.

Figura 10-69. Contra-ângulo


especial.
468 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Princípios gerais a 3mm em sentido apical, intercalado por retiradas.


Se maior resistência for encontrada, parar imedia-
• Jamais usar instrumentos de NiTi mecanizados em
tamente e alargar o canal, com instrumento acio-
um canal radicular que não tenha sido precedido
nado manualmente tipo K de aço inoxidável, antes
por uma pré-instrumentação manual que tem como
de prosseguir com a instrumentação mecanizada.
objetivo a determinação do comprimento de patên-
Carregamentos maiores, na tentativa de promover
cia, de trabalho, assim como a regularização e a cria-
o avanço do instrumento, podem provocar a sua
ção do leito do canal radicular.
flambagem, levando-o à fratura por fadiga de bai-
• Entrar e sair do canal com o instrumento acionado
xo ciclo.
com giro à direita. Devido ao fato de o coeficiente da • Se durante a instrumentação coroa-ápice o instru-
força de atrito estática ser maior que a dinâmica, os mento mecanizado, de diâmetro proposto, não atin-
instrumentos de NiTi mecanizados devem ser intro- gir o comprimento de trabalho na primeira tentati-
duzidos girando no interior do canal radicular. Se va, repetir a sequência de instrumentos usados no
os instrumentos estiverem parados e adaptados no escalonamento até ser alcançado o limite apical de-
interior do canal radicular, ao se iniciar a rotação, é sejado. A repetição da sequência permite uniformi-
gerado um torque maior e, em consequência, maio- dade no alargamento do corpo do canal e favorece
res tensões são aplicadas no instrumento, as quais o avanço de instrumentos de menores diâmetros. Se
podem ultrapassar a resistência ao cisalhamento do esse objetivo não for alcançado, realizar o procedi-
material, induzindo sua fratura por torção. mento com instrumentos tipo K de aço inoxidável
• Dilatação prévia do segmento cervical. Esse pro- ou de NiTi acionados manualmente.
cedimento permite que o instrumento de menor • Se o instrumento mecanizado travar junto às pare-
diâmetro empregado na instrumentação dos seg- des dentinárias, liberá-lo da peça de mão e retirá-lo
mentos médio e apical do canal fique submetido a do canal radicular de preferência por tração. Outra
um menor carregamento, o que diminui o esforço maneira é acionar o reverso do motor elétrico.
de corte, a possibilidade de imobilização e de sua • Após o emprego do instrumento, examiná-lo cuida-
fratura por torção. dosamente para verificar a existência de distorções
• A instrumentação do canal radicular deve ser exe- (deformação plástica) ou qualquer irregularidade
cutada no sentido coroa-ápice. O objetivo da técnica na sua haste de corte helicoidal cônica. A existência
coroa-ápice é a eliminação de interferências do seg- desses defeitos indica que o instrumento deve ser
mento cervical e do segmento médio, iniciando-se descartado. Os defeitos ocorrem porque o avanço
a instrumentação pelo segmento cervical do canal acentuado do instrumento em sentido apical, sem
radicular e, desse modo, atingindo-se os últimos mi- alargar o canal, reduz a velocidade de rotação da ex-
límetros apicais (segmento apical) em melhores con- tremidade do instrumento em relação à de sua haste
dições possíveis, reduzindo iatrogenias do preparo de fixação e acionamento e ocasiona a distorção do
e minimizando a fratura por torção dos instrumen- passo das hélices (velocidade de avanço maior do
tos de NiTi mecanizados. que a de corte).
• A ação dos instrumentos é de alargamento contínuo, • Os instrumentos de NiTi mecanizados devem ser
realizando-se os avanços de 1 a 3mm em sentido api- descartados após o primeiro uso. Deve-se ressaltar
cal, intercalados por retiradas. Irrigações-aspirações que a falha por fadiga do instrumento ocorre devi-
frequentes e a manutenção dos canais preenchidos do ao número de ciclos (velocidade × tempo de uso)
com soluções químicas, como hipoclorito de sódio, e não pelo número de vezes de emprego. Todavia,
são indispensáveis para permitir a lubrificação du- devido à dificuldade técnica de se controlar o nú-
rante o alargamento. Avanços maiores aumentam a mero de ciclos de um instrumento endodôntico, em
força de atrito do instrumento contra as paredes do função de variações do raio de curvatura e do com-
canal, havendo aumento na resistência de corte da primento do arco de um canal curvo, o critério de
parede dentinária, o que poderá promover a imo- descarte adotado é de emprego único.
bilização da ponta do instrumento e induzir carre- • Após o alargamento, não deixar o instrumento em
gamentos superiores ao seu limite de resistência à rotação no segmento curvo do canal. A repetição
fratura por torção. cíclica de compressão e tração na mesma área do
• O carregamento axial aplicado ao instrumento instrumento diminui a sua vida útil, antecipando a
deve ser o suficiente para promover o avanço de 1 fratura por fadiga de baixo ciclo.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 469

 Intrumentação escalonada por é de alargamento contínuo, realizando-se avanços de 1 a


meio de instrumentos mecanizados 3mm em sentido apical intercalados por retiradas. Para
instrumentos de diâmetros menores o avanço será me-
A instrumentação de um canal radicular por meio nor. Devem ser empregados em ordem decrescente de
de instrumentos endodônticos ativados por alarga- diâmetro e de conicidades até o início do segmento api-
mento contínuo gerado por contra-ângulos acoplados
cal. Para canais muito curvos, em razão da retificação do
em motores elétricos ou pneumáticos será iniciada
arco, é aconselhável a confirmação do CT em relação ao
após a pré-instrumentação realizada manualmente, a
obtido anteriormente. Tem como objetivo eliminar inter-
qual tem como objetivo a eliminação de interferências
ferências anatômicas do segmento médio para facilitar a
anatômicas buscando a determinação dos comprimen-
instrumentação do segmento apical do canal radicular.
tos de patência e de trabalho, assim como a criação do
leito do canal radicular.
De posse do CT, o canal radicular será dividido Instrumentação do segmento apical
em segmentos. O segmento apical corresponde aos Essa etapa consiste na instrumentação do canal
3mm finais de um canal radicular a partir do vértice radicular até o limite apical determinado pelo com-
radiográfico do dente. Dois terços do comprimento do primento de trabalho. Utilizam-se em sequências os
corpo correspondem ao segmento cervical, enquanto o alargadores apicais de NiTi mecanizados em ordem
outro terço corresponde ao segmento intermediário do crescente de diâmetros e conicidades. A ação do ins-
canal radicular. trumento é de alargamento contínuo. Quanto mais
A instrumentação do corpo do canal (segmento acentuada a curvatura do canal (menor raio), menor
cervical e médio) é realizada no sentido coroa-ápice do deverá ser a conicidade do instrumento empregado.
dente, enquanto a instrumentação do segmento apical é Esse procedimento tem como objetivo minimizar a
realizada em ordem crescente de diâmetro em toda a ex- fratura do instrumento por flexão rotativa (fadiga de
tensão do comprimento de trabalho do canal radicular. baixo ciclo).
Aparelhos sônicos e ultrassônicos poderão ser
Instrumentação do segmento cervical empregados para promover a limpeza das áreas não
O segmento cervical é representado por 2/3 do instrumentadas dos segmentos achatados do corpo de
comprimento do corpo do canal, a partir de um ponto um canal radicular.
de referência situado na coroa dentária. Em qualquer das etapas e manobras da instrumen-
A instrumentação do segmento cervical tem como tação proposta, a cada novo instrumento a solução quí-
objetivo ampliar o diâmetro na região cervical do canal mica deve ser renovada e a patência do canal mantida.
para facilitar o acesso dos segmentos médio e apical do
canal radicular. Sequência de intrumentação proposta.
É realizada com alargadores cervicais de NiTi. De-
Descrição sumária de instrumentação
vem entrar e sair do canal acionados com giro à direita,
imprimindo-se-lhe suave pressão em sentido apical. A Pré-instrumentação
ação do instrumento é de alargamento contínuo, reali- Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou
zando-se avanços de 1 a 3mm em sentido apical interca- especiais de aço inoxidável
lados por retiradas. Para instrumentos de diâmetros me- Acionamento dos instrumentos: manual
nores o avanço será menor. Devem ser empregados em
ordem decrescente de diâmetros e/ou de conicidades.
• Localização dos canais radiculares
Quando necessário o desgaste anticurvatura do
– sonda clínica com ponta reta e extremidade pon-
segmento cervical de um canal radicular, os instru-
tiaguda
mentos empregados devem ser os alargadores de aço
• Cateterismo inicial
inoxidável Largo ou La Axxess.
– instrumento tipo K ou especiais (C+File, C Pilot)
de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm
Instrumentação do segmento médio (movimento de alargamento parcial à direita)
Etapa realizada com alargadores apicais de NiTi • Alargamento cervical inicial
mecanizados no sentido coroa-ápice. Devem entrar e sair – Instrumento tipo K de aço inoxidável nos 30 e 35
do canal acionados com giro à direita, imprimindo-se-lhe de 21mm (movimento de alargamento parcial à
suave pressão em sentido apical. A ação do instrumento direita)
470 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

• Cateterismo final até a distância predeterminada nualmente a cada instrumento empregado na ins-
– Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel trumentação apical
nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial • Segmento intermediário até o término do corpo do
à direita) canal
– Determinação do CPC e CT – Alargadores apicais de NiTi nos 40, 35 e 30 de co-
• Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) nicidade 0,04mm/mm com movimento de alar-
– instrumento tipo K ou especial de aço inoxidá- gamento contínuo.
vel nos 10 e 15 (movimento de alargamento par-
– Checar a patência do canal cementário com ins-
cial à direita)
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
nualmente a cada instrumento empregado na ins-
Instrumentação
trumentação apical
Instrumentos endodônticos utilizados: sistemas
• Segmento apical até o CT
de instrumentos de NiTi (alargadores cervicais e api-
– Alargadores apicais de NiTi nos 20 a 40 e/ou 45
cais) e instrumento tipo K de aço inoxidável.
de conicidades 0,06mm/mm para canais retos;
Acionamento dos instrumentos: alargadores cer-
0,04mm/mm para canais com curvaturas suaves
vicais e apicais por meio de dispositivos mecânicos;
instrumentos tipo K manualmente. ou moderadas e 0,02mm/mm para canais com
curvaturas severas por meio do movimento de
• Segmento cervical até 2/3 do corpo do canal alargamento contínuo.
– Alargadores cervicais de NiTi nos 25/0,08 e 25/0,10 – Checar a patência do canal cementário com ins-
com movimento de alargamento contínuo trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
– Checar a patência do canal cementário com ins- nualmente a cada instrumento empregado na ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- trumentação apical (Fig. 10-70A a D).

A B

C D

Figura 10-70. Casos clínicos realizados pela instrumentação proposta. A. Molares inferiores. B. Molar inferior. C. Molar inferior. D. Molar
superior. (Gentileza do TCel Dent. Ex Chiesa.)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 471

Sistema ProTaper universal. Descrição – Checar a patência do canal cementário com ins-
sumária de instrumentação trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
nualmente a cada instrumento de acabamento
Pré-instrumentação empregado.
Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou
especiais de aço inoxidável A sequência de instrumentos propostos é a mes-
Acionamento dos instrumentos: manual ma para ProTaper Universal versão manual ou meca-
nizada.
• Localização dos canais radiculares Os instrumentos modeladores S1 e S2 em função
– sonda clínica com ponta reta e extremidade pon- das conicidades de suas hastes de corte helicoidais ao
tiaguda serem empregados até o CT realizam automaticamente
• Cateterismo inicial o escalonamento coroa-ápice dos segmentos cervical e
– instrumento tipo K ou especiais (C+File, C Pilot) médio do canal radicular. Esse procedimento promo-
de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm ve uma conicidade uniforme dos segmentos cervical e
(movimento de alargamento parcial à direita) médio e reduz o tempo gasto em comparação ao esca-
• Alargamento cervical inicial lonamento convencional.
– Instrumento tipo K de aço inoxidável nos 8, 30 e 35 A instrumentação do segmento apical é realizada
de 21mm (movimento de alargamento parcial à em ordem crescente de diâmetro em D0 dos instrumen-
direita) tos de acabamento (F1, F2, F3, F4 e F5). Ao alcançarem
• Cateterismo final até a distância predeterminada o CT, os instrumentos devem ser retirados imediata-
– Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel mente do canal radicular.
nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial Para canais com severas curvaturas apicais, a ins-
à direita) trumentação apical deve ser executada com instrumen-
– Determinação do CPC e CT tos acionados manualmente. O diâmetro do instrumento
• Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) de acabamento será selecionado em função do diâmetro
– instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos anatômico do canal radicular a ser instrumentado.
10 e 15 (movimento de alargamento parcial à direita) Durante a instrumentação de um canal radicular
conferimos a patência do canal cementário e realizamos
Instrumentação a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavida-
Instrumentos endodônticos utilizados: sistema de pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo
ProTaper Universal (modeladores e de acabamento) e instrumento e a cada mudança de instrumento.
instrumentos tipo K.
Acionamento dos instrumentos: ProTaper Uni- Instrumentos BioRace. Descrição sumária de
versal por meio de dispositivos mecânicos ou manual- instrumentação
mente; instrumentos tipo K manualmente.
Pré-instrumentação
• Instrumento modelador S1 até o CT Realizada conforme já descrito.
– Checar a patência do canal cementário com ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- Instrumentação
nualmente. A sequência BioRace é baseada no princípio de que
• Instrumento modelador S2 até o CT todos os instrumentos empregados na instrumentação
– Checar a patência do canal cementário com ins- alcancem o CT do canal radicular. Os instrumentos são
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- acionados por dispositivos mecânicos. A velocidade de
nualmente. rotação para obtenção do movimento de alargamento
• Instrumento de acabamento F1 até o CT contínuo é de 500-600rpm.
– Checar a patência do canal cementário com ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- • Segmento cervical
nualmente. – instrumentos BRO de número ISO 25, conicidade
• Instrumentos de acabamento F2, F3, F4 e F5 até o CT 0,08mm/mm e comprimento útil de 19mm.
de acordo com o diâmetro segmento apical do canal A instrumentação deve ser realizada em quatro ci-
radicular clos de pequenos avanços e retrocesso até 4 a 6mm
472 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

da embocadura do canal radicular em sentido ser repetidas até que sejam atingidos os objetivos pla-
apical. nejados. Para os canais amplos, as etapas e manobras
– checar a patência do canal cementário com instru- de instrumentação poderão sofrer alterações quanto à
mento tipo K de aço inoxidável no 15 acionado ma- sequência mencionada. Os diâmetros dos instrumentos
nualmente. serão selecionados em função do diâmetro anatômico
• Instrumentação apical até o CT do canal radicular a ser instrumentado.
A instrumentação deve ser realizada em quatro ci-
clos de avanços e retrocessos de 1 a 3mm até atingir Considerações gerais
o CT
– Instrumento BR1 no 15, conicidade 0,05mm/mm e Abordaremos, a seguir, algumas vantagens e des-
comprimento útil de 25mm. vantagens do emprego de instrumentos mecanizados
– Instrumento BR2 no 25, conicidade 0,04mm/mm e na instrumentação de canais radiculares.
comprimento útil de 25mm.
– Instrumento BR3 no 25, conicidade 0,06mm/mm e Vantagens
comprimento útil de 25mm.
Tempo de instrumentação
– Instrumento BR4 no 35, conicidade 0,04mm/mm e
comprimento útil de 25mm. A instrumentação é considerada a etapa mais
– Instrumento BR5 no 40, conicidade 0,04mm/mm e importante do preparo químico-mecânico e, para sua
comprimento útil de 25mm. execução, certamente mais tempo é consumido. As se-
Para canais radiculares amplos, a instrumenta- quências propostas de instrumentos, além dos objeti-
ção apical até o CT deve ser ampliada empregan- vos principais de limpeza, ampliação e modelagem do
do-se os instrumentos BioRace BR6 e BR7. canal radicular, buscam diminuir o tempo e o esforço
– Instrumento BR6 no 50, conicidade 0,04 mm/mm físico despendidos na instrumentação. O tempo con-
e comprimento útil de 25mm. sumido na execução de qualquer procedimento é um
– Instrumento BR7 no 60, conicidade 0,02 mm/mm fator importante de custo operacional, influenciando,
e comprimento útil de 25mm. assim, a escolha de instrumentais, materiais e técnicas
Para canais radiculares com curvaturas seve- a serem usados no tratamento endodôntico.
ras, o instrumento Bio Race BR3 (25/0,06) não Trabalhos existentes na literatura consultada re-
deve alcançar o CT. A seguir serão empregados velam que o preparo de canais radiculares com ins-
os instrumentos BR4C e BR5C até o CT. trumentos de NiTi mecanizados é significativamente
– Instrumento BR4C no 35, conicidade 0,02mm/mm mais rápido do que o com instrumentos acionados
e comprimento útil de 25mm. manualmente34,69,86. Vale ressaltar que os instrumentos
– Instrumento BR5C no 40, conicidade 0,02mm/mm mecanizados promovem a ação de alargamento contí-
e comprimento útil de 25mm. nuo, girando em seu eixo com velocidade (movimento
– a cada novo instrumento a solução química deve de corte) maior do que a obtida rotacionando os instru-
ser renovada e a patência do canal cementário mentos manualmente. Entretanto, o profissional não
mantida com instrumento K de aço inoxidável no deve estar comprometido com o tempo, mas sim com o
15 acionado manualmente. resultado observado por meio da prosservação do tra-
• Refinamento do corpo do canal. tamento endodôntico realizado.
– lima tipo H ou instrumento K de aço inoxidável
nos 35 e/ou 40 com movimento de limagem cir- Forma de preparo
cundante obtido manualmente aplicado nos seg- Em função da maior conicidade e ação de alarga-
mentos achatados do corpo de um canal radicular. mento dos instrumentos mecanizados, a forma final da
Outra opção é o emprego de aparelhos sônicos e instrumentação de um canal radicular é cônica centra-
ultrassônicos para promoverem a limpeza das da, e de seção reta transversal circular desde que o di-
áreas não instrumentadas dos segmentos achata- âmetro dos instrumentos seja maior do que o diâmetro
dos do corpo de um canal radicular. do canal3,17,18,25,34 (Fig. 10-71).
Os instrumentos endodônticos de conicidades
É preciso ressaltar que o preparo químico-mecâni- maiores apresentam volumes de suas hastes de cor-
co dos canais radiculares é um procedimento dinâmi- te helicoidais maiores do que os de conicidades ISO
co, podendo as etapas e manobras de instrumentação (0,02mm/mm). Consequentemente, aqueles durante
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 473

Quadro 10-2 Dimensões e volumes da parte de trabalho


(vol) dos instrumentos ISO com conicidade 0,02mm/mm

No D0 D16 Vol. (mm3)

6 0,06 0,38 0,71

8 0,08 0,40 0,83

10 0,10 0,42 0,95

15 0,15 0,47 1,31

20 0,20 0,52 1,73

25 0,25 0,57 2,19

30 0,30 0,62 2,76

35 0,35 0,67 3,37

40 0,40 0,72 4,04

45 0,45 0,77 4,78

50 0,50 0,82 5,58

55 0,55 0,87 6,44

60 0,60 0,92 7,33

70 0,70 1,02 7,40

80 0,80 1,12 11,68

90 0,90 1,22 14,22


Figura 10-71. Forma do preparo. Cônica centrada. Seção reta trans-
versal circular. 100 1,00 1,32 17,01

110 1,10 1,42 20,05

a instrumentação removem uma maior quantidade de 120 1,20 1,52 23,34


dentina das paredes do canal radicular, proporcionan-
do uma ampliação mais acentuada do canal radicular. 130 1,30 1,62 26,89
Uma ampliação maior do canal radicular resulta em
140 1,40 1,72 30,68
uma limpeza e modelagem melhor do que uma am-
pliação menor (Quadros 10-2 e 10-3)50. Quanto à forma
da seção reta transversal do canal, essa será circular e
de corte regular, desde que o diâmetro do instrumen- Deslocamento apical
to empregado seja maior do que o diâmetro do canal Os instrumentos de NiTi apresentam flexibilida-
radicular. Nessa circunstância, o instrumento aciona- de 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa pro-
do por alargamento atua em todas as paredes do canal priedade permite a esses instrumentos acompanharem
radicular, proporcionando preparações arredondadas, a curvatura do canal com facilidade, impedindo o des-
quando comparadas a instrumentos que atuam por locamento apical e mantendo a forma original do mes-
ação de limagem. A conicidade e a seção reta transver- mo, com menor movimentação do eixo central do canal
sal circular obtidas no preparo favorecem a seleção do durante a instrumentação54,85.
cone principal e a obturação tridimensional do canal Garcia et al.29, avaliando o deslocamento do prepa-
radicular. ro em níveis cervical, médio e apical de raízes mesiais
474 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

Quadro 10-3 Dimensões e volumes da parte de trabalho (vol) de instrumentos de NiTi mecanizados e conicidades
0,04 e 0,06mm/mm

Conicidade 0,04 Conicidade 0,06


No
D0 D16 Vol. (mm3) D16 Vol. (mm3)

15 015 0,79 3,20 1,11 5,95

20 020 0,84 3,82 1,16 6,77

25 025 0,89 4,15 1,21 7,66

30 030 0,94 5,25 1,26 8,61

35 035 0,99 6,07 1,31 9,62

40 040 1,04 6,94 1,36 10,69

45 045 1,09 7,88 1,41 11,83

60 060 1,24 11,06 1,56 15,62

90 090 1,54 19,13 1,86 24,89

de molares inferiores, concluíram que os instrumentos sua forma retilínea original com carregamentos elásti-
de NiTi acionados manualmente e mecanizados apre- cos. Os instrumentos de NiTi, por terem menor módulo
sentaram menor índice de deslocamento do preparo, de elasticidade, são deformados elasticamente com ní-
nos três níveis avaliados, em relação aos de aço inoxi- veis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do
dável; na instrumentação onde os instrumentos eram canal radicular durante a instrumentação.
acionados a motor, o preparo foi mais centrado em re- Lopes et al.56, avaliando a influência do movimen-
lação aos acionado manualmente. to de alargamento contínuo, empregando-se instru-
Com a instrumentação sendo mais centrada, te- mentos ProTaper (Maillerfer), mecanizados, e do movi-
remos com o emprego de instrumentos mecanizados mento de alargamento parcial alternado, empregando-
redução do risco de iatrogenias radiculares na instru- se instrumentos ProTaper (Maillefer), versão manual
mentação de canais curvos. na modelagem do segmento final de canais artificiais
Em relação ao deslocamento apical, os instrumen- curvos, concluíram que não ocorreram diferenças esta-
tos de NiTi, quando comparados aos de aço inoxidável, tísticas significativas após a instrumentação com alar-
causam menor transporte do segmento apical curvo de gamento contínuo ou parcial alternado (versão manual
um canal radicular17,18,49,51,78,115. ou mecanizada).
Lopes et al.51 avaliando os deslocamentos apicais Lopes et al.57, avaliando a influência do movimen-
após a instrumentação de canais mesiovestibulares de to de alargamento contínuo empregando-se instru-
molares inferiores, com o emprego de instrumentos de mentos K3 mecanizados (Sybron Dental Spealties-Kerr,
aço inoxidável K-FlexoFile (Maillefer, Suíça), K-FlexoFi- México) e do movimento de alargamento parcial alter-
le Golden Mediums (Maillefer), NiTi manual, NiTiflex nado obtido por contra-ângulo especial, empregando-
(Maillefer) e os ProFile 0,04 série 29, acionados a motor se instrumentos tipo K de aço inoxidável (FlexoFile,
(Tulsa Dental Products, EUA), concluíram que os ins- Maillefer) e de NiTi (Nitiflex, Maillefer) nos desgastes
trumentos de NiTi exibiram menores valores em relação das paredes do segmento apical curvo de canais artifi-
aos de aço inoxidável e os instrumentos de NiTi, aciona- ciais, concluíram que a natureza da liga metálica (NiTi
dos a motor, exibiram menores valores em relação aos ou aço inoxidável) dos instrumentos endodônticos em-
de NiTi manuais. O deslocamento apical superior dos pregados, assim como o movimento de alargamento
instrumentos de aço inoxidável em relação aos de NiTi contínuo ou parcial alternado gerados por meios me-
pode ser atribuído à maior resistência à deformação do cânicos, estatisticamente, não influenciaram nos resul-
instrumento de aço inoxidável, o qual tende a manter tados obtidos.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 475

O deslocamento apical da instrumentação dificul- com a pressão unidirecional apical que o instrumento
ta a obturação e o selamento apical do canal radicular. exerce para atingir o comprimento de trabalho durante
A percolação de fluidos oriundos dos tecidos perirradi- a ação de alargamento do canal radicular. A de empre-
culares, via forame apical, pelo espaço existente entre go do sistema ProFile 0,04, série 29, promoveu menor
o material obturador e as paredes do canal, servirá de extrusão de material via forame apical. O desenho dos
substrato para os micro-organismos remanescentes em instrumentos ProFile 0,04, série 29, complementado
regiões do canal de dentes com polpa necrosada e in- pela rotação (300rpm) e pelos avanços de 0,5 a 2mm em
fectada. Consequentemente, esses fatos interferem no sentido apical intercalados por retiradas, induz o corte
êxito do tratamento endodôntico. à remoção do material pela helicoidal do instrumento
em sentido da câmera pulpar. Além disso, o preparo
Extrusão de material do canal via forame apical no sentido coroa-ápice permite que os instrumentos de
A extrusão de material de um canal além do fo- menor diâmetro empregados no preparo apical do ca-
rame apical, como tecido necrótico, micro-organismos, nal radicular exerçam menor pressão unidirecional no
restos pulpares, raspas de dentina e soluções quími- sentido do forame.
cas durante o preparo do canal, pode ser responsável
pelo aparecimento de reações inflamatórias, que cau- Desvantagens
sam dor pós-operatória ou exacerbação de processos Os instrumentos mecanizados, por atuarem em
crônicos preexistentes. A extrusão de material ocorre alargamento contínuo, deixam nos canais com segmen-
em todas as técnicas de instrumentação em maior ou tos achatados áreas não instrumentadas. Isso ocorre
menor quantidade independentemente de um instru- porque, em algumas regiões, o diâmetro do instrumento
mento endodôntico ser acionado manualmente ou por empregado é menor do que o diâmetro do canal, dando
dispositivos mecânicos37,38. ao preparo uma seção reta transversal não circular. Nes-
Lopes et al.50 compararam a quantidade de ma- se caso, é necessário o uso de instrumento de diâmetro
terial extruído por meio do forame apical, após a ins- maior para conferir ao preparo, por meio do movimen-
trumentação dos canais radiculares, com as seguintes to de alargamento contínuo, uma seção reta transversal
técnicas: escalonada ápice-coroa com o movimento de circular contornando todo o circuito anatômico do canal
limagem; escalonada ápice-coroa com movimentos radicular. Todavia, às vezes, a raiz do dente apresenta
de alargamento parcial alternado (oscilatório) e escalo- um diâmetro anatômico que não permite o uso de ins-
nada coroa-ápice com instrumentos dos sistema ProFile trumento de maior diâmetro55 (Fig. 10-72).
0,04, série 29, acionado a motor (Tulsa Dental Products, No que se refere a essa desvantagem, alguns fa-
EUA) com giro contínuo à direita. Em todas as técnicas bricantes e profissionais sugerem que nas áreas polares
empregadas ocorreu extrusão de material por meio do
forame apical. Entretanto, o sistema ProFile 0,04, série
29, foi o que promoveu menor quantidade de material
extruído. Na técnica escalonada, ocorreu maior extru-
são de material via forame apical, devido à ação de
limagem (vaivém) dos instrumentos que atuam como
êmbolo, forçando o material excisado e o líquido em-
pregado como solução química auxiliar para a região
perirradicular. Certamente, a amplitude e a frequência
do movimento de avanço e de retrocesso do instrumen-
to, assim como seu diâmetro, são fatores importantes
na quantidade de material extruído além do forame.
A técnica de movimentos oscilatórios promoveu me-
nor extrusão do material do que a escalonada devido
à modificação dada ao movimento do instrumento. O
movimento oscilatório com rotação alternada dado ao
instrumento possibilita o desgaste das paredes do canal
radicular por alargamento, o que evita constante bom- Figura 10-72. Canal achatado. Diâmetro do instrumento menor do
beamento de detritos para o forame apical. A extrusão que o de um canal achatado. Áreas não instrumentadas. Diâmetro
de material nessa técnica certamente está relacionada anatômico não permite o uso de instrumento de maior diâmetro.
476 Capítulo 10  Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares

de segmentos achatados de canais radiculares os ins- de um canal radicular não é um fator decisivo na sele-
trumentos endodônticos de NiTi mecanizados devem ção de qual modo os instrumentos devem ser aciona-
ser empregados com movimento de pincelamento (es- dos (manual ou a motor).
covagem). Para executar esse movimento, o instrumen- Outra consideração a ser mencionada é a maior
to deve ser submetido às seguintes manobras: rotação incidência de fratura observada nos instrumentos de
contínua à direita, acompanhada simultaneamente de NiTi mecanizados com giro contínuo em relação aos
pressão lateral de encontro às áreas polares de segmen- acionados manualmente durante o preparo de canais
tos achatados, e tração do instrumento no sentido cer- radiculares. A fratura dos instrumentos de NiTi meca-
vical do canal radicular. nizados durante o uso clínico ocorre por torção, flexão
Todavia, devido à superelasticidade da liga NiTi e rotativa e por combinações desses carregamentos (ver
ao ângulo de inclinação das hélices da haste de corte he- Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos). A
licoidal cônica do instrumento endodôntico, a pressão fratura por torção pode ser minimizada pelo empre-
e a tração exercidas podem não alcançar a magnitude go de motores com controle de torque programado
suficiente para induzir o desgaste da dentina radicular pelo operador ou preestabelecido pelo fabricante, téc-
nas áreas polares. Por outro lado, a resistência imposta nica adequada, habilidade e experiência profissional.
pela parede dentinária pode provocar o achatamento Por sua vez, a fratura por flexão em rotação (fadiga de
temporário (deformação elástica) dos vértices das ares- baixo ciclo) é imprevisível e ocorre sem que haja qual-
tas de corte do instrumento, reduzindo ou mesmo não quer aviso prévio. Dependendo do raio de curvatura,
promovendo o desgaste dentinário. Ademais, devido do comprimento do arco do canal e do diâmetro do
ao pequeno ângulo de inclinação das hélices (20 a 30°) instrumento, a fratura por fadiga de baixo ciclo ocorre
das hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumen- após um determinado número de ciclos (velocidade ×
tos de NiTi mecanizados, o movimento de pincelamen- tempo de fratura). O critério clínico adotado de des-
to é incapaz de promover a raspagem (limagem) das carte do instrumento com o objetivo de evitar a fratura
paredes dentinárias de um canal radicular. Além disso, é o número de vezes em que ele é empregado. Toda-
durante o movimento de pincelamento, o instrumen- via, predizer o número de vezes que um instrumento
to endodôntico é submetido desnecessariamente a um endodôntico de NiTi acionado a motor (mecanizado)
carregamento de flexão rotativa que induz na região de pode ser empregado com segurança no preparo de ca-
maior flexão da haste de corte helicoidal cônica do ins- nais radiculares sem ocorrer a fratura por fadiga, não
trumento tensões trativas e compressivas. Consequen- levando em consideração os raios de curvaturas dos
temente, o instrumento é submetido indevidamente canais, os comprimentos dos arcos, os diâmetros, as co-
a um número de ciclos (velocidade × tempo) que é nicidades e as resistências em flexão dos instrumentos
acumulativo. Nessa condição há redução do tempo de endodônticos empregados, é no mínimo uma conduta
vida útil do instrumento por fadiga. Pelas mesmas ra- empírica e incorreta. Em função do exposto, podemos
zões apresentadas os instrumentos de NiTi acionados a afirmar que para maior segurança os instrumentos de
motor não promovem o desgaste anticurvatura de um NiTi acionados a motor devem ser usados uma única
canal radicular. vez e a seguir descartados. Esse procedimento eleva o
Outro aspecto a ser considerado é que o menor custo do tratamento endodôntico realizado por meio
tempo despendido na instrumentação de um canal por de instrumentos acionados a motor, podendo isso ser
meio de instrumentos mecanizados reduz o tempo de considerado como uma desvantagem de seu emprego.
ação da solução química auxiliar, diminuindo suas ati-
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Fratura dos
Instrumentos
Capítulo 11
Endodônticos:
Fundamentos
Teóricos e Práticos
Hélio Pereira Lopes
Carlos Nelson Elias
José Freitas Siqueira Jr.
Marcelo Mangelli Decnop Batista

A ocorrência de falhas de um material normal- mento inicia-se em trincas. Trincas são descontinuidades
mente é o resultado de deficiências do projeto, proces- abertas na superfície ou internas, originadas de tensões
samento inadequado dos materiais, deterioração em localizadas, cujos valores excedem o limite de ruptura
uso e operação incorreta pelo homem. do material. Qualquer processo de fratura envolve duas
A análise das fraturas é importante porque per- etapas, a formação (nucleação) e a propagação de trincas,
mite determinar as possíveis causas da falha do ma- em resposta à imposição de uma tensão3,7,13.
terial e, com as informações obtidas, é possível preve- Quanto à direção de propagação das trincas, a
nir novas falhas. Em geral, o problema de fratura está fratura dos materiais cristalinos pode ser classificada
ligado às tensões e deformações altas aplicadas sobre em transgranular e intergranular. Na transgranular, a
o material, quando as mesmas excedem a capacidade trinca se propaga pelo interior dos grãos e, na intergra-
de resistência do material. Embora as causas de falha e nular, a trajetória da trinca é ao longo dos contornos de
comportamento dos materiais possam ser conhecidas, grão, apresentando elevada tortuosidade. Na fratura
a prevenção de falhas é uma condição difícil, mas não intergranular, o material absorve baixa quantidade de
impossível de ser garantida. energia e tende a ocorrer quando os contornos de grão
A fratura dos materiais consiste na separação em são mais frágeis do que a rede cristalina3,30.
duas ou mais partes devido à aplicação de cargas exter- Ao se classificar a fratura em função do estado de
nas. Pode ser induzida pela aplicação de cargas lentas tensão aplicado ao material, considera-se que as ten-
(tração, flexão, torção), pelo impacto, por carregamen- sões trativas produzem fratura por clivagem, ao passo
tos repetidos (fadiga) ou por cargas de baixa intensida- que as tensões cisalhantes induzem fratura por cisalha-
de atuando durante muito tempo (fluência)7,13,30. mento. A tensão compressiva pode levar à nucleação
A resistência à fratura dos materiais depende ba- (iniciação) de trincas, mas não ao seu crescimento para
sicamente das forças de coesão entre seus átomos e da causar fratura3,7,30.
presença de defeitos nos materiais. Não existe material Com o objetivo de caracterizar a morfologia da
sem defeito. Sabendo-se dessa limitação, os materiais são superfície de fratura, ela pode ser considerada como
submetidos aos diferentes ensaios mecânicos para deter- frágil e dúctil3,7,17.
minação de suas propriedades mecânicas e previsão de
seu desempenho. A despeito disso, às vezes, os materiais
podem apresentar fratura com carregamento abaixo do
 FRATURA FRÁGIL
seu limite de resistência, obtido em ensaios estáticos. A Esse tipo de fratura se dá sem deformação plás-
fratura dos materiais quando submetidos a um carrega- tica macroscópica. Na fratura considerada frágil, uma

481
482 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

A B

Figura 11-1A e B. Fratura frágil.

trinca se propaga sob carga constante ou decrescente a principalmente inclusões, presentes nas ligas metálicas
uma velocidade que se aproxima da velocidade de pro- comerciais. A formação da superfície de fratura ocorre
pagação do som no material por toda a seção resistente. em três etapas: nucleação, crescimento e coalescência de
A velocidade do som em uma barra de aço é da ordem microcavidades. Como as inclusões possuem proprie-
de 5.200m/s. Geralmente, a fratura frágil é por cliva- dades elásticas e plásticas diferentes do cristal da matriz,
gem, ou seja, a tensão de tração é aplicada perpendicu- elas não acompanham a deformação da matriz. Por sua
larmente ao plano de fratura, com baixa movimentação vez, como a matriz não possui capacidade de se escoar
das discordâncias. A quantidade de energia requerida completamente em torno dessas partículas, é iniciado o
para a propagação da trinca é muito pequena e ocorre processo de falha da interface partícula-matriz mediante
sob tensão inferior à correspondente ao limite de esco-
amento do material. Embora não seja possível detectar
macroscopicamente qualquer deformação plástica do
material, por meio de uma análise no microscópio ele-
trônico de varredura, é possível observar uma pequena
área do metal ou liga metálica com deformação3,7,30,35.
A superfície de fratura frágil dos metais ocorre em
planos cristalinos, é lisa e apresenta brilho. Em ligas fer-
rosas possui coloração cinza-clara. (Fig. 11-1A e B). Um
dos aspectos microscópicos característicos da superfície
de uma fratura frágil é a presença de pequenas irregu-
laridades chamadas marcas de rios (Fig. 11-2). Essas
marcas são oriundas da propagação da fratura ao longo
de planos cristalinos paralelos que se unem formando
degraus que tendem a convergir no sentido da propa-
gação da trinca3,7,17. Na Odontologia, pode-se observar
a fratura frágil nas lâminas de bisturis, nos grampos de
próteses removíveis e nas próteses cerâmicas.

 FRATURA DÚCTIL
O processo de fratura dúctil está intimamente rela-
cionado com a presença de partículas de segunda fase, Figura 11-2. Fratura frágil. Marcas de rio.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 483

a nucleação de microcavidades em torno das partículas dimensões nominais e as reais, assim como pontas com
de segunda fase. Com a continuidade do carregamento, formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes.
as microcavidades crescem e em determinado momento A presença de pontos concentradores de tensão
iniciam a coalescência. À medida que ocorre a coales- pode induzir a fratura do instrumento aos níveis in-
cência das microcavidades, há redução da área resis- feriores de tensão dos teoricamente esperados. Além
tente do material, culminando com a fratura. A forma desses concentradores de tensão, durante o preparo
hemisférica ou alongada das microcavidades (dimples), químico-mecânico do canal radicular, os instrumentos
observada no microscópio eletrônico de varredura, de- endodônticos são submetidos a grave estado de tensão e
pende do estado de tensão imposto ao material durante deformação que variam com a anatomia do canal e com
o carregamento. O tamanho dessas cavidades depende a habilidade do profissional. Nessa fase, os instrumen-
das características microestruturais e das propriedades tos sofrem carregamentos extremamente adversos que
mecânicas do material (Fig. 11-3A e B). Quando obser- modificam continuamente a sua resistência à torção, à
vada com pequenos aumentos, apresenta uma superfície flexão rotativa e ao dobramento. Por essa razão, em al-
cinza e rugosa. Nesse tipo de fratura, o material absorve guns casos se observa a falha prematura do instrumen-
grande quantidade de energia e, após a falha, apresenta to, principalmente nos de menores diâmetros25,31,33,35.
deformação plástica macroscópica3,7,17,30. É importante A resistência à fratura é uma das principais pro-
notar que a presença de microcavidades não exclui a priedades mecânicas relacionadas com os instrumen-
possibilidade de a fratura ter ocorrido sem deformação tos endodônticos. A resistência de um instrumento en-
plástica macroscópica, isto é, ser frágil7. dodôntico à fratura é a tensão máxima suportada por
Na Odontologia, esse tipo de fratura pode ser ob- ele antes da fratura.
A fratura dos instrumentos endodônticos pode
servado nos instrumentos endodônticos, fios ortodôn-
ser avaliada e analisada por meio de ensaios mecânicos
ticos e restaurações de ouro.
ou de uso clínico. E ocorre por carregamento de torção,
de dobramento alternado, de flexão rotativa e por suas
 FRATURAS DOS INSTRUMENTOS combinações.
ENDODÔNTICOS
Os instrumentos endodônticos, por apresentarem
Ensaios mecânicos
pequenas dimensões, forma complicada e geometria Os ensaios mecânicos são realizados com corpos
com variações bruscas de dimensões, são difíceis de ser de prova ou com produtos no estado como são comer-
produzidos. Assim, durante a fabricação desses instru- cializados ou acabados (instrumentos endodônticos).
mentos são introduzidos em sua haste metálica (corpo Para a realização de um ensaio mecânico é necessário
do instrumento) pontos concentradores de tensão. Esses o uso de máquinas e de equipamentos (dispositivos)
concentradores de tensão são representados por defeitos específicos para cada tipo de ensaio. Cada ensaio me-
de acabamento superficial, variações acentuadas entre as cânico tem um objetivo específico que é realizado para

A B

Figura 11-3A e B. Fratura dúctil.


484 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

avaliar e analisar determinadas propriedades mecâni- mensão) dos instrumentos empregados nos ensaios me-
cas dos materiais ou dos produtos acabados (instru- cânicos. Além disso, é aconselhável o uso de uma amos-
mentos endodônticos)13,19. tragem maior de um mínimo de 10 instrumentos13,35.
Os ensaios mecânicos podem ser classificados
quanto ao tempo de aplicação da carga e quanto à inte-
gridade do corpo de prova ou do produto acabado.
Fratura por torção
Ensaios mecânicos quanto ao tempo de aplicação A fratura por torção pode ocorrer nos instrumen-
da carga: tos endodônticos de aço inoxidável e nos de NiTi. Para
ocorrer a fratura por torção é preciso que a ponta do
• Ensaio estático: a carga aplicada é aumentada len- instrumento endodôntico fique imobilizada e na ou-
tamente e o tempo de ensaio é de alguns minutos. tra extremidade (haste de fixação e acionamento ou
Exemplo: ensaio de tração, flexão, torção, dobra- cabo) seja aplicado um torque (força de rotação) su-
mento e compressão. Ensaio estático não significa perior ao limite de resistência à fratura por torção do
que não possam ocorrer movimento e deformação instrumento13,35.
do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. Com a imobilização da ponta do instrumento en-
• Ensaio dinâmico: a carga aumenta bruscamente para dodôntico, a força de rotação (torque) à direita promove
simular um impacto. O ensaio é realizado em alguns a ultrapassagem do limite elástico da liga metálica (NiTi
segundos. Exemplo: ensaio de impacto tipo Charpy ou aço inoxidável) ocasionando uma deformação plásti-
e Izod. ca (distorção) localizada na haste de corte helicoidal cô-
• Ensaio de carga repetida: a carga é cíclica (carregamen- nica do instrumento. Essa deformação plástica aumenta
to e descarregamento alternado) e repetida diversas o encruamento do material (diminuição da plasticidade).
vezes. A repetição cíclica de carga e descarga induz A continuidade do aumento da força de rotação (torque)
a fratura de um corpo de prova ou de um instru- pode ultrapassar o limite de resistência à fratura do ins-
mento endodôntico. trumento endodôntico, provocando a sua ruptura em
duas partes próximo do ponto de imobilização29,32,34.
Ensaios mecânicos quanto à integridade do corpo Torque ou momento de uma força pode ser defini-
de prova ou do instrumento endodôntico: do como o efeito rotatório criado por um carregamento
distante do centro de resistência de um corpo (eixo de
• Ensaios destrutivos: há inutilização parcial ou total rotação do objeto). O carregamento equivalente para
do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. induzir a rotação do corpo pode ser substituído por
Exemplos: ensaio de torção, tração, impacto, fadiga duas forças com sentidos opostos e paralelas ao eixo de
e compressão. rotação (binário). O torque é calculado pela equação:
• Ensaios não destrutivos: mantêm a integridade do cor-
po de prova ou do instrumento endodôntico, utili- Torque = F.R
zados para detectar falhas internas no material ou
para determinar alguma propriedade física. Exem- onde, o R (raio) é a distância entre o ponto de aplicação
plo: ensaio de flexão. da força (F) e o eixo de rotação do corpo (Fig. 11-4).

Os corpos de prova empregados nos ensaios mecâ-


R
nicos têm dimensões e formas rigorosamente padroni-
zadas. Normalmente a forma do corpo de prova é dife-
rente do produto acabado (instrumento endodôntico).
Os instrumentos endodônticos apresentam varia-
ções entre as dimensões nominais e reais, defeitos de aca-
bamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavida-
F
des), variações da forma e da área das seções retas trans-
versais das hastes de corte helicoidais cônicas que atuam
como variáveis e interferem nos resultados dos ensaios
mecânicos realizados. Assim, quando do emprego de
instrumentos endodônticos, devemos buscar o máximo
de uniformização em relação à geometria (forma e di- Figura 11-4. Representação de um corpo submetido à rotação.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 485

A força no Sistema Internacional de Unidades é ex- Com os resultados obtidos no ensaio mecânico de
pressa em newton (N), e o torque expresso pela unida- torção é possível prever o desempenho de um instru-
de de força multiplicada pela unidade de comprimento mento endodôntico durante o uso clínico.
(newton × metro). Empregam-se também para a força as No ensaio de torção, muitos fatores como o diâ-
unidades em kgf e gf, e para o comprimento as unidades metro em D0, a conicidade, o desenho do instrumento,
em cm e mm. Existem as relações entre unidades: a área da seção reta transversal, o diâmetro do núcleo,
o processo de fabricação, o acabamento superficial e o
1kgf = 1.000gf = 9,807N sentido da rotação podem influenciar nos parâmetros
avaliados (ângulo e torque máximos em torção)6,45,50,56.
1m = 100cm = 1.000mm = 1.000.000µm = A norma ADA 282 menciona os seguintes valores
1.000.000.000nm para os instrumentos tipo K de aço inoxidável em rela-
ção ao torque e ao ângulo de torção (Quadro 11-1).
A deformação de um material (instrumento endo- Para alguns autores, no ensaio de torção o prin-
dôntico) é denominada elástica quando ela desaparece cipal parâmetro é o ângulo máximo em torção que
após a retirada da força aplicada e plástica quando per- funciona como fator de segurança em relação à fra-
manece após a retirada da força aplicada13,44. tura do instrumento endodôntico5,13,45,47,51. Para Lo-
Limite elástico ou de escoamento é a resistência pes e Elias31,33, quanto maior o ângulo máximo em
máxima de um metal ou liga metálica à deformação torção de um instrumento, maior será a sua defor-
elástica13,35,44. mação elástica e plástica antes de atingir o início da
O encruamento é um mecanismo de aumento da fratura. Esse comportamento do material atua como
resistência mecânica (endurecimento) por deformação um fator de segurança, porque o torque aplicado fi-
plástica a frio. Quanto maior o encruamento, menor a cará aquém do limite de resistência à fratura por tor-
plasticidade da liga metálica, maior a possibilidade de ção do material. A presença de deformação plástica
fratura do material13,35,44. (distorção das hélices) dá um alerta de que uma fra-
A fratura por torção de um instrumento endodôn- tura por torção é iminente, permitindo que medidas
tico pode ser avaliada e analisada por meio de ensaio preventivas sejam tomadas.
mecânico ou de uso clínico. Entretanto, podemos afirmar que a determina-
Para a realização do ensaio mecânico de torção ção do torque máximo em torção fornece ao profis-
é necessário o uso de dispositivos específicos13,47,51. A sional a força máxima que pode ser aplicada ao ins-
imobilização da ponta do instrumento geralmente é trumento endodôntico. Esse valor é fundamental: a)
obtida por meio de uma morsa que apresenta um ba- no estudo comparativo da resistência à fratura por
tente (degrau) de 3mm de profundidade. A força de torção entre os diversos instrumentos endodônticos;
rotação é obtida por meio de dispositivos específicos b) na seleção da liga metálica usada na fabricação
acoplados a uma máquina de ensaio universal6,13,39,51. A do instrumento endodôntico; c) para o ajuste de
partir do ensaio mecânico de torção podemos quanti- motores elétricos que possuem seleção de torques
ficar o ângulo máximo em torção e o torque máximo individuais para cada instrumento acionado a mo-
em torção suportado pelo instrumento endodôntico tor. Nesses motores o torque selecionado deve ficar
em uma determinada condição de carregamento. O ân- aquém do limite de resistência à fratura por torção
gulo máximo em torção (deflexão angular) determina do instrumento utilizado13,35.
o número máximo de voltas que o instrumento endo-
dôntico resiste antes da fratura. Representa a rotação Ângulo máximo em torção ou em rotação
de um instrumento na região elástica e plástica até a Quanto maior a plasticidade da liga metálica,
fratura (deformação de ruptura). Pode ser quantificado maior será o ângulo máximo em torção suportado por
em graus ou número de voltas13,19,47. um instrumento endodôntico. É maior à direita do que
Ângulo máximo de torção em graus = desloca- à esquerda, independentemente da liga metálica e do
mento do fio × 360/2πR. processo de fabricação do instrumento29,32,34,45,47,51. Na
Ângulo máximo de torção em número de volta = rotação à esquerda, há redução homogênea do passo
graus/360. entre as arestas de corte dispostas ao longo da haste
O torque máximo em torção (limite de resistência helicoidal cônica do instrumento. Essa redução do pas-
à fratura em torção) determina a carga máxima que o so promove um estrangulamento da seção reta trans-
instrumento endodôntico resiste antes da fratura. versal que, associado à presença de tensões residuais,
486 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

Quadro 11-1 Valores de torque e de ângulo de torção à direita

Torque Ângulo
No
gf.mm gf.cm N.mm N.cm graus

08    50    5,0 0,5 0,05 360

10    60    6,0 0,6 0,06 360

15    80    8,0 0,8 0,08 360

20 180 18,0 1,8 0,18 360

25 300 30,0 2,9 0,29 360

30 450 45,0 4,4 0,44 360

35 650 65,0 6,4 0,64 360

40 1.000 100,0 9,8 0,98 360

45 1.200 120,0 11,8 1,18 360

50 1.700 170,0 16,7 1,67 360

é responsável pelo menor ângulo de torção à esquerda por usinagem, os cristais (fibras) alinhados na direção
pelos instrumentos endodônticos. de trefilação do fio metálico são cortados (interrompi-
Considerando-se a natureza da liga metálica e o dos). Esses cortes promovem uma redução do diâme-
processo de fabricação do instrumento, podemos afir- tro do fio metálico (tipo entalhe), associada aos defei-
mar que os de aço inoxidável fabricados por torção tos de acabamento superficial, funciona como pontos
são os que suportam maior rotação à direita. Os ins- concentradores de tensão, induzindo a fratura por
trumentos usinados devido ao menor encruamento torção do instrumento usinado aos níveis inferiores
do material, teoricamente, deveriam apresentar um de tensão dos teoricamente esperados4. Já, ao contrá-
maior ângulo máximo em torção quando comparados rio, nos fabricados por torção não há interrupção das
aos fabricados por torção. Todavia, os ensaios labora- linhas dos cristais (Fig. 11-5A e B).
toriais revelam resultados opostos29,32,51. Certamente, O ângulo máximo em torção é proporcional ao
isso se deve às maiores deficiências de acabamento torque e ao comprimento do instrumento, o que quer
superficial observadas nos instrumentos usinados. dizer que para um instrumento de mesma seção reta
Outro aspecto é que, na fabricação de um instrumento transversal e liga metálica, mas com comprimentos di-

A B

Figura 11-5. Desenho esquemático. Fabricação de instrumentos endodônticos. A. Por torção. Não há corte (interrupção) dos cristais alinha-
dos da liga metálica. B. Por usinagem. Há interrupção dos cristais alinhados.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 487

ferentes, o ângulo de torção será maior para o de maior tro nominal e consequentemente são mais resistentes
comprimento para o mesmo torque13,19. à torção33,35.
Quanto à influência do diâmetro (diâmetro em D0 Experimentalmente, verificou-se que os instru-
e conicidade) de um instrumento endodôntico em rela- mentos endodônticos de aço inoxidável (torcidos e
ção ao ângulo máximo em torção, os resultados encon- usinados) e de NiTi de mesma seção reta transversal,
trados na literatura são conflitantes. Para muitos, o ân- independentemente do sentido de rotação, suportam
gulo máximo em torção antes da fratura diminui com estatisticamente o mesmo carregamento (torque) até a
o aumento do diâmetro4,5,10,36,45. Entretanto, outros estu- fratura47,51.
dos não estabeleceram qualquer relação direta entre os A média da força máxima e do torque máximo até
valores do ângulo máximo em torção antes da fratura e a fratura dos instrumentos K3 de no 25 e conicidade 0,02-
o diâmetro dos instrumentos endodônticos18,54. 0,04 e 0,06mm/mm foi estatisticamente maior para os
A média do ângulo máximo em torção na fratura instrumentos de maior conicidade (Quadro 11-3).
dos instrumentos K3 de 25mm de comprimento e coni- As discrepâncias dos resultados reveladas en-
cidades 0,02-0,04 e 0,06mm foi estatisticamente maior tre os diversos trabalhos podem ser explicadas pelo
para os instrumentos endodônticos de menor conici- fato de que, a despeito de todos os esforços dos fa-
dade (Quadro 11-2). bricantes no intuito de padronizar as dimensões dos
instrumentos endodônticos, há sempre uma varia-
Torque máximo em torção ção entre as dimensões nominais e reais dos ins-
Teoricamente, o torque máximo varia com o di- trumentos de uma mesma numeração. Além disso,
âmetro em D0, com a conicidade e com a área da se- apresentam acabamentos superficiais deficientes,
ção reta transversal dos instrumentos endodônticos. assim como seções reta transversais com formas,
É maior para os instrumentos de maior diâmetro, áreas e núcleos diferentes. Essas variações e defeitos
conicidade e área20,34,45,49,54. Os instrumentos de seção interferem diretamente nos resultados obtidos nos
reta quadrangular apresentam uma área 54% maior ensaios mecânicos desses instrumentos endodônti-
do que os de seção reta triangular de mesmo diâme- cos ou mesmo durante o uso clínico.

Quadro 11-2 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm. Média e desvio padrão (DP) da deformação
em torção (mm). Ângulo máximo em torção na fratura

Ângulo máximo de torção


Instrumento K3 Número de
Deformação (DP)
Número/conicidade instrumentos
Voltas Graus

25/0,02 10 98,63 (10,92) 3,93 1.413,49

25/0,04 10 70,59 (14,79) 2,81 1.011,64

25/0,06 10 65,75 (7,68) 2,62 942,28

Quadro 11-3 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm/mm. Média e desvio padrão (DP) da força
máxima e torque máximo até a fratura

Força máxima (DP) Torque máximo


K3 Número de
N /con.
o
instrumentos
gf N gf.mm gf.cm N.mm N.cm

25/0,02 10 154,8 (8,34) 1,518 (0,082) 619,2 61,92 6,07 0,607

25/0,04 10 196,4 (15,99) 1,926 (0,16) 785,6 78,56 7,70 0,770

25/0,06 10 337,3 (38,74) 3,304 (0,38) 1349,2 134,92 13,22 1,322


488 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

O estudo da fratura por torção de instrumen-


tos endodônticos por meio de uso clínico é de valor
mecânico limitado. Isso porque nos estudos clínicos
geralmente não são levadas em consideração as va-
riáveis advindas das condições anatômicas dos ca-
nais radiculares (comprimento do canal, raio de cur-
vatura do canal, comprimento e localização do arco
do canal e dureza da dentina) e dos operadores. As-
sim, é impossível ou até mesmo imprudente querer
comparar com segurança os limites de resistência à
fratura por torção dos instrumentos endodônticos
de diferentes geometrias e fabricantes empregados
na instrumentação de canais radiculares. Também,
devido às combinações de tensões que ocorrem Figura 11-6. Deformação plástica. Reversão do sentido original das
durante a instrumentação de canais radiculares, é hélices.
extremamente difícil classificar e explicar o tipo de
fratura dos instrumentos endodônticos. A avaliação
da resistência à fratura por torção de instrumentos Todavia, é importante ressaltar que a presença
endodônticos e a análise da superfície de fratura de- de deformação plástica (distorção das hélices) dá um
vem ser obtidas por meio de ensaios mecânicos rigo- alerta de que uma fratura por torção é iminente, per-
rosamente padronizados e não por estudos clínicos. mitindo que medidas preventivas sejam tomadas. Isso,
Estudos clínicos deveriam procurar descrever durante o uso clínico, permite visualizar a deformação
procedimentos técnicos capazes de reduzir a fratura plástica (distorção da hélice) ao longo da haste de corte
dos instrumentos endodônticos, assim como propor helicoidal cônica do instrumento endodôntico quando
condutas clínicas diante de casos com fragmento de da sua retirada do interior de um canal radicular.
instrumento endodôntico retido no interior de um Instrumentos deformados devem ser descartados
canal radicular. antes de a falha (fratura) ocorrer. A deformação plásti-
ca também permite ao profissional correção e ajuste no
Fratura por torção. Considerações clínicas avanço do instrumento no interior do canal e no torque
A fratura por torção de instrumentos endodônti- a ser aplicado em um novo instrumento empregado na
cos acionados manualmente ou por dispositivos me- instrumentação do canal radicular. Essas medidas têm
cânicos durante o uso clínico pode ocorrer quando da como objetivo evitar a imobilização e a deformação
imobilização da ponta do instrumento no interior de plástica do novo instrumento endodôntico empregado
um canal radicular e na outra extremidade se aplicado na instrumentação.
um torque superior ao limite de resistência à fratura do Diante de instrumentos de diâmetros menores e
instrumento. de canais com anatomia complexa é importante que
Durante o avanço do instrumento no interior do o profissional retire e examine o instrumento do inte-
canal radicular, sua ponta pode ficar imobilizada total rior do canal com maior frequência para evitar que a
ou parcialmente. Na imobilização parcial, a velocida- continuidade do carregamento (deformação plástica)
de de giro da ponta do instrumento é menor do que ultrapasse o limite de resistência à fratura por torção
a da sua haste de fixação (cabo). Com a imobilização do instrumento empregado.
da ponta do instrumento, o esforço de carregamento A imobilização de um instrumento endodôntico
(torção à direita) provoca a ultrapassagem do limite de acionado manualmente ou por dispositivo mecânico no
escoamento do material ocasionando uma deformação interior de um canal radicular pode ser minimizada:
plástica (distorção) das hélices da haste de corte heli-
coidal cônica do instrumento (Fig. 11-6). Essa defor- a) Reduzindo-se o avanço do instrumento em
mação plástica aumenta o encruamento do material. A sentido apical
continuidade do carregamento cisalhante pode ultra- A ação de corte dos instrumentos por meio do
passar o limite de resistência à fratura do instrumento, movimento de alargamento (contínuo, parcial ou alter-
provocando a sua separação em duas partes junto do nado) realiza-se por avanços de 1 a 3mm no sentido
ponto de imobilização31,33. apical do canal radicular, intercalados com retiradas.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 489

Avanços maiores aumentam a área de contato e a re- fixação e acionamento do instrumento para que esse,
sistência de corte da parede dentinária, que poderão no momento da imobilização do instrumento, fique
provocar a imobilização da ponta do instrumento e in- abaixo do limite de resistência à fratura em torção.
duzir um carregamento superior ao seu limite de resis- Para instrumentos acionados manualmente, o
tência à fratura por torção. controle da intensidade do torque aplicado ao cabo
O avanço de um instrumento endodôntico heli- do instrumento durante a instrumentação de um ca-
coidal cônico no interior de um canal radicular depen- nal radicular é um procedimento difícil de ser obtido.
de do comprimento do passo e do ângulo de rotação Sentir o momento de cessar o carregamento de torção,
aplicado ao instrumento endodôntico. O comprimento sem causar deformação plástica ou a fratura do instru-
do passo varia em função do ângulo agudo de incli- mento, fica atrelado ao conhecimento, à habilidade e à
nação das hélices (arestas) de corte. Quanto menor o experiência do profissional. Todavia, podemos afirmar
ângulo de inclinação das hélices, maior o passo. Cada que quanto menor for o ângulo de rotação aplicado ao
volta (360º) corresponde a um passo do instrumento. instrumento, menor será o carregamento a ele aplica-
Para uma mesma rotação, quanto maior o passo, maior do. Quanto menor o diâmetro do instrumento, menor
será o avanço do instrumento no interior de um canal. deve ser o ângulo de rotação aplicado. Clinicamente,
Porém, para instrumentos de mesmo passo, quanto para instrumentos esbeltos, o ângulo de rotação à di-
maior o ângulo de rotação aplicado, maior será o avan- reita deve ser inferior a 45o.
ço do instrumento. Para instrumentos acionados por dispositivos
Para instrumentos acionados manualmente, o mecanizados, o controle da intensidade do torque apli-
controle do avanço se faz por meio do ângulo de rota- cado à haste de fixação e acionamento do instrumento
ção e da força de compressão aplicada ao cabo da fer- durante a instrumentação de um canal radicular pode
ramenta. Para instrumentos de diâmetros pequenos, ser obtido por meio do emprego de motores elétricos
o ângulo de rotação à direita não deve ser superior a que interrompem o giro quando ocorrer a imobilização
45º. Para os de diâmetros maiores, o ângulo de rotação do instrumento no interior do canal radicular. O torque
pode variar de 90 a 120º. preestabelecido pelo fabricante ou programado pelo
Para os instrumentos acionados a motor com giro operador deve ficar aquém do limite máximo de resis-
contínuo à direita de no mínimo cinco voltas por se- tência à fratura por torção do instrumento empregado.
gundo, o controle do avanço durante o uso clínico fica Todavia, preestabelecer ou programar com precisão
relacionado com o carregamento axial (força de com- esses valores é difícil por diversas razões:
pressão) aplicado ao instrumento. Nesse caso, o profis-
sional deve aplicar carga compressiva suficiente para • O operador deve conhecer o valor provável do tor-
promover o avanço do instrumento no interior do ca- que que induz a fratura de cada instrumento endo-
nal não superior a 3mm seguido de um pequeno retro- dôntico empregado. Entretanto, esses valores não
cesso para liberá-lo da ação de corte (packing motion). são informados pelos fabricantes.
• O torque é uma grandeza associada ao raio. Tendo
b) Realizando-se o preparo do canal radicular no a haste de corte helicoidal geometria cônica, o limite
sentido coroa-ápice de resistência à fratura por torção de um instrumento
O alargamento prévio do segmento cervical e mé- endodôntico é variável. Consequentemente, o valor
dio do canal radicular com instrumentos de maior di- do torque é dependente do diâmetro da haste de cor-
âmetro permite que instrumentos de menor diâmetro te helicoidal cônica junto ao ponto de mobilização do
empregados no preparo do segmento apical do canal instrumento no interior de um canal radicular.
fiquem submetidos a um menor carregamento, dimi- • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e
nuindo o esforço necessário para o corte. Ocorrendo a os nominais propostos pelos fabricantes e os defei-
imobilização de um instrumento no interior de um ca- tos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e
nal radicular, o profissional deve retrocedê-lo por tra- microcavidades) existentes nos instrumentos endo-
ção até obter um ligeiro afrouxamento. Essa manobra dônticos funcionam como pontos concentradores de
diminui a resistência de corte da dentina, permitindo a tensão, podendo levá-los a uma fratura prematura
liberação do instrumento empregado. com níveis de torque abaixo dos previsíveis.
Outro recurso para reduzir a fratura de um instru-
mento endodôntico durante o uso clínico é controlar a Para Sattapan et al.48, a fratura por torção ocor-
intensidade do torque aplicado no cabo ou na haste de reu em 55,7% de todos os instrumentos de NiTi fra-
490 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

A B

Figura 11-7. Deformação plástica. Reversão do sentido original das hélices. A. Instrumento de NiTi. B. Instrumento de aço inoxidável.

turados durante o uso clínico de rotina. Afirmaram (Fig. 11-7A e B). É mais acentuada para os instrumen-
também que essa fratura é ocasionada pelo aumento tos de aço inoxidável do que para os de NiTi6,32,36,39,48,51.
do carregamento do instrumento em direção apical A fratura por torção ocorre junto ao ponto de
durante o preparo do canal. Em um estudo de WEI et imobilização do instrumento. Independentemente da
al.58, para 100 instrumentos de NiTi fraturados duran- natureza da liga metálica e do processo de fabricação,
te o uso clínico, em 91% dos casos a fratura ocorreu a superfície de fratura apresenta aspecto plano e per-
por flexão rotativa, em 3% por torção e em 6% por sua pendicular ao eixo do instrumento (Figs. 11-8A a D
combinação. e 11-9A e B). Para instrumentos endodônticos tipo K
Segundo Yared et al.60, para profissionais expe- de aço inoxidável fabricados por torção, dependendo
rientes, o uso de motores com torques menores do que do diâmetro máximo do segmento imobilizado, na
o limite de resistência à fratura em torção do instru- rotação à direita, trincas longitudinais podem ser ob-
mento empregado não é importante para reduzir a de- servadas na região de reversão do sentido das hélices.
formação plástica ou a incidência de fratura do instru- Essas trincas, provavelmente, têm origem em inclu-
mento. sões não metálicas existentes no fio da máquina de ori-
A maior desvantagem do uso de instrumentos gem. Com a continuidade do carregamento, as trincas
mecanizados em comparação aos acionados manual- oriundas do processo de fabricação crescem e causam
mente não é a fratura por torção, mas a fratura por fle- a falha do instrumento com características de fratura
xão rotativa (fadiga de baixo ciclo). dilacerada13,29,25,52 (Fig. 11-10A a D).
Não se pode negar que equipamentos com tor- Defeitos de acabamento superficial oriundos do
ques programados pelo operador para acionar os ins- processo de fabricação de instrumentos endodônticos
trumentos endodônticos são um avanço tecnológico. podem atuar como pontos concentradores de tensão.
Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para Esses defeitos induzem a fratura do instrumento du-
se reduzir a ocorrência de fratura por torção de instru- rante o ensaio mecânico de torção ou durante o uso
mentos endodônticos acionados a motor é sem dúvida clínico com carregamentos inferiores ao esperado.
mantê-los não imobilizados durante o preparo do canal Quanto maiores o número e o tamanho dos defeitos de
radicular, o que é alcançado com o conhecimento dos acabamento superficial presentes na haste de corte he-
princípios mecânicos da instrumentação e com técnica licoidal cônica de um instrumento, menor será a tensão
adequada, habilidade e experiência profissional. necessária para determinar a sua fratura.
As superfícies de fratura dos instrumentos endo-
Análise no MEV dônticos fraturados por torção apresentam característi-
Na fratura por torção desencadeada em ensaios cas morfológicas como sendo do tipo dúctil. Na fratura
mecânicos ou em uso clínico há deformação plástica dúctil, a superfície de fratura apresenta microcavida-
da haste de corte helicoidal cônica de um instrumento des com formas hemisféricas ou alongadas. Em alguns
endodôntico. casos, as microcavidades apresentam-se alongadas e
A deformação plástica é acentuada, ocorrendo a rasas, indicando o sentido das tensões impostas no ma-
reversão das hélices em relação ao seu sentido original terial durante o carregamento6,36,39,47,51 (Fig. 11-11).
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 491

A B

Figura 11-8. Fratura de um instrumento endodôntico de NiTi por


C torção. A. Ranhuras. B. Abertura das trincas. C. Abertura das trincas
(aumento maior). D. Fratura junto ao ponto de imobilização.

A B

Figura 11-9. Fratura de um instrumento endodôntico de aço inoxidável por torção. A. Reversão da hélice original. B. Superfície de fratura
plana e perpendicular ao eixo do instrumento.

Fratura por dobramento alternado um carregamento que se caracteriza por induzir numa
peça (instrumento endodôntico) tensões de compres-
A fratura por dobramento alternado pode ocorrer são em uma parte de sua seção transversal e tensões de
nos instrumentos endodônticos de aço inoxidável. tração na parte oposta13,19,33,35.
Dobramento é a deformação plástica do segmento As tensões trativas localizadas na superfície
reto de um instrumento de seção circular, quadrangu- externa e as tensões compressivas localizadas na
lar, triangular ou outras formas em segmento curvo. É superfície interna do dobramento variam de intensi-
492 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

A B

Figura 11-10. Fratura por torção. Instrumento K de aço inoxidável.


C A. Trinca longitudinal. B. Crescimento da trinca. C. Crescimento da
trinca (aumento maior). D. Fratura com superfície dilacerada.

dade em função do ângulo de dobramento. O ângu-


lo de dobramento é o ângulo externo formado pelo
segmento do instrumento que girou de sua posição
inicial em relação ao eixo da parte retilínea do cor-
po do instrumento. Quanto maior este ângulo, maior
a gravidade do dobramento, ou seja, menor será o
raio de curvatura do segmento pré-curvado19,33,35
(Fig. 11-12).
Para os instrumentos endodônticos de aço ino-
xidável, as deformações plásticas oriundas do dobra-
mento provocam o encruamento da liga metálica. Com
a continuidade do carregamento plástico (dobramento
e desdobramento) surgem trincas na área dobrada, as
quais se propagam até a fratura do instrumento endo-
dôntico. O surgimento dessas trincas depende da liga
metálica, do ângulo de dobramento e da repetição cí-
clica do esforço de dobramento e desdobramento do Figura 11-11. Fratura por torção. Superfície de fratura com carac-
instrumento endodôntico. terística dúctil.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 493

realizar o dobramento na forma de arco, empregando-


se aparelhos com cutelos cilíndricos de raios iguais a
3,5mm (FlexoBend Maillefer, Suíça). Durante o do-
bramento devemos evitar a mudança brusca de di-
reção do eixo do instrumento, com a formação de gran-
des ângulos de dobramento (pequenos raios de cur-
vatura), o qual favorece a concentração de tensão no
ponto máximo de dobramento. Devem ser procura-
dos grandes raios de curvatura (pequenos ângulos
de dobramento) com objetivo de suavizar a transição
do segmento reto para o curvo do instrumento endo-
dôntico (curva de transição). No dobramento prévio,
depois da retirada da força, o ângulo de dobramento
final do instrumento é menor do que o ângulo dado
ao instrumento durante o dobramento. Esse efeito é
conhecido como efeito mola ou recuperação elástica
do material conformado (Fig. 11-13).
Os instrumentos endodônticos de aço inoxidá-
Figura 11-12. Ângulo de dobramento. vel podem ser submetidos a carregamento de dobra-
mento:

• Pelo profissional antes da instrumentação com o


Denomina-se dobramento alternado o fato de um
objetivo de favorecer o avanço do instrumento em
instrumento ou corpo de prova ficar submetido a do-
sentido apical de um canal radicular. Porém, a ana-
bramentos sucessivos em sentidos opostos (dobramen-
tomia dentária revela que a maioria dos canais radi-
to e desdobramento). Com a sequência do dobramento
culares apresenta o segmento cervical reto e o apical
e desdobramento o instrumento sofre encruamento
curvo. Assim, o instrumento endodôntico de aço
com redução da plasticidade. Após certo percentual de
inoxidável pré-curvado ao avançar no sentido api-
encruamento o instrumento sofre ruptura brusca pela
cal de um canal radicular sofre esforços alternados
redução da plasticidade e aumento da fragilidade. Isso
de desdobramento e dobramento. É inadmissível
indica que as deformações plásticas excessivas a que o
acreditar que a pré-curvatura dada ao instrumento
instrumento foi submetido induzem mudanças na mi-
corresponda à curvatura verdadeira do canal radi-
croestrutura interna do material13,19. Por isso, na prática
cular.
endodôntica carregamentos de dobramentos alterna-
• Pelas paredes dentinárias durante o avanço de um
dos (dobramento e desdobramento) em regime de de-
instrumento endodôntico no interior de um canal
formação plástica raramente são permitidos e devem
radicular curvo, o que ocorre devido às forças de re-
ser evitados13,33,35.
sistência das paredes dentinárias do canal radicular.
Assim, instrumentos endodônticos não deveriam
ser dobrados durante a instrumentação de um canal
radicular.
Na Endodontia, não é usual o emprego do ensaio
mecânico de dobramento. Assim, o estudo da fratura
de instrumentos endodônticos por dobramento geral-
mente é analisada por meio do uso clínico.

Considerações clínicas
Quando do emprego clínico para dar a forma fi-
nal desejada e adequada à curvatura do canal radicu-
lar, o carregamento de dobramento geralmente é apli-
cado na extremidade e raramente no centro da parte Figura 11-13. Dobramento. Efeito mola ou recuperação elástica do
de trabalho do instrumento endodôntico. Procura-se material dobrado.
494 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

O ângulo de dobramento é maior em canais com pe- mesmo dobrado devido ao efeito mola trabalhe no
quenos raios de curvatura, e a intensidade das ten- interior do canal radicular dentro do regime elástico.
sões de dobramento e desdobramento é maior para Com esses procedimentos reduzimos a possibilidade
instrumentos de diâmetros maiores. de fratura do instrumento e de alteração na forma do
canal radicular33,35.
A movimentação de um instrumento endodônti- É importante ressaltar que a maioria dos profis-
co dobrado durante o preparo de um canal radicular, sionais emprega instrumentos endodônticos de aço
por meio do movimento de limagem, induz carrega- inoxidável de menores diâmetros pré-curvados no
mento alternado de dobramento e desdobramento no preparo de canais curvos e, mesmo assim, o número
segmento dobrado do instrumento. Quanto maio- de fraturas desses instrumentos é reduzido. Isso pode
res a amplitude e a frequência do movimento, maior ser justificado em função de que as curvaturas dos ca-
será a indução de tensões trativas e compressivas na nais radiculares geralmente são suaves e moderadas,
área de dobramento e desdobramento do instrumen- as quais determinam pequenos ângulos de dobramen-
to. No movimento de alargamento (parcial, alternado to dos instrumentos endodônticos. Quanto menor o
ou contínuo) o segmento dobrado não gira no eixo do ângulo de dobramento, menor a indução de tensão
instrumento, mas tende a descrever um círculo ou se- no instrumento endodôntico. Outra justificativa é a de
micírculo com raio igual ao comprimento do segmento que o instrumento endodôntico de pequeno diâmetro
pré-curvado. Todavia, devido à resistência das paredes mesmo após o dobramento mantém suas propriedades
dentinárias e ao pequeno diâmetro dos canais radicu- elásticas (efeito mola).
lares, o giro do segmento pré-curvado do instrumento Assim, ao ser movimentado (limagem, alarga-
é reduzido ou anulado, ocorrendo no ponto crítico de mento parcial à direita ou alternado) no interior de um
dobramento combinações de tensões por torção e por canal radicular, o segmento dobrado do instrumento
dobramento alternado. Esses carregamentos combina- não ficará submetido à deformação plástica (dobra-
dos podem ultrapassar o limite de resistência à fratura mento alternado). Outro aspecto que contribui para
do instrumento endodôntico. Durante o uso clínico a diminuir a incidência de fratura é que o aço inoxidável
fratura geralmente ocorre quando da combinação de empregado na fabricação dos instrumentos endodônti-
tensões (dobramento e torção). cos é classificado como um material dúctil. Esses fatos
Durante o preparo de um canal radicular curvo, reduzem a possibilidade de encruamento e de apare-
para evitar carregamentos de dobramento alternado cimento de trincas na área dobrada do instrumento
isolados ou combinados ao de torção dos instrumen- endodôntico de diâmetro menor. Consequentemente,
tos endodônticos, devemos empregá-los em regime esses instrumentos podem suportar continuamente
de deformação elástica e jamais em regime plástico pequenos esforços de dobramento/desdobramento
(dobrado). Para canais atresiados e curvos, devemos isolados ou combinados ao de torção sem que haja a
empregar instrumentos de aço inoxidável de pequenos ruptura.
diâmetros (nos 8 ao 25) sem pré-curvamento. Em fun-
ção das dimensões e das propriedades mecânicas da
liga de aço empregada, esses instrumentos são dotados
Análise no MEV
de flexibilidade suficiente para acompanhar a curvatu- Na fratura por dobramento alternado ou por do-
ra de um canal radicular. Para instrumentos de maior bramento e torção, há acentuada deformação plástica
diâmetro, devemos empregar os de níquel-titânio, em da haste de corte helicoidal cônica do instrumento en-
função da superelasticidade da liga metálica. Essa pro- dodôntico.
priedade permite que instrumentos de maior diâmetro Na área de dobramento e desdobramento de um
trabalhem em regime elástico mesmo em canais seve- instrumento endodôntico de aço inoxidável, observa-
ramente curvos. Os instrumentos de NiTi raramente mos microtrincas que atuam como pontos de nuclea-
apresentam deformação plástica por dobramento du- ção de fratura. A continuidade de carregamentos alter-
rante a instrumentação de canais radiculares. nados induz o crescimento das microtrincas e a fratura
Nos casos onde o acesso radicular é obtido ape- do instrumento. Independentemente do processo de
nas com o instrumento pré-curvado, o movimento fabricação (torcido ou usinado) do instrumento, a su-
desse por limagem, por alargamento parcial alternado perfície de fratura pode ser plana, quando oriunda da
ou parcial à direita deverá ser de pequena amplitude propagação de uma única trinca, ou apresentar diver-
e baixa frequência, o que permite que o instrumento sos planos, quando a ruptura é oriunda da propagação
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 495

de mais de uma trinca. Geralmente, no segundo caso, Fratura por flexão rotativa
as propagações das trincas ocorrem em sentidos opos-
A fratura por flexão rotativa ocorre quando um
tos e separadas por pequenas distâncias33,35.
instrumento endodôntico gira no interior de um canal
Nos casos em que há tensões combinadas de do-
curvo, estando ele dentro do limite elástico do mate-
bramento e torção, a fratura ocorre junto ao ponto crí-
rial. Na região de flexão rotativa de um instrumento
tico de dobramento do instrumento. A superfície de
endodôntico são induzidas tensões alternadas trativas
fratura geralmente apresenta aspecto dilacerado e se
e compressivas. A repetição dessas tensões promove
observa deformação plástica das hélices do instrumen-
mudanças microestruturais acumulativas que induzem
to (Fig. 11-14A a C).
a nucleação, crescimento, coalescimento de trincas, que
se propagam até a fratura por fadiga do instrumento
endodôntico (Fig. 11-15A e B).

B
C
Figura 11-15. Fratura de um instrumento endodôntico por flexão
Figura 11-14. Fratura de um instrumento endodôntico por dobra- rotativa. A. Instrumento no interior de um canal curvo: (a) tensão
mento e torção. A. Trinca na área dobrada. B e C. Fraturas com su- trativa; (b) tensão compressiva (catálogo VDW – adaptação). B. Trin-
perfícies dilaceradas. cas na superfície do instrumento.
496 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

A fadiga é um fenômeno que ocorre quando são gia da superfície de fratura por fadiga apresenta duas
aplicados carregamentos dinâmicos repetidos ou flu- zonas: uma produzida pelo desenvolvimento gradual
tuantes a um material metálico e o mesmo rompe-se e progressivo da trinca; a outra, pela ruptura brusca. A
com uma carga muito menor do que a equivalente à primeira zona se apresenta lisa em razão da iniciação e
sua resistência estática. As tensões necessárias para propagação da trinca, e a segunda (fratura final) como
propagar a trinca são consideravelmente inferiores à se fosse uma fratura dúctil.
tensão capaz de provocar o crescimento da trinca sob Como as trincas de fadiga comumente se ini-
carga monotonicamente crescente e com valores nomi- ciam na superfície do instrumento, é fácil entender a
nais inferiores ao limite de escoamento do material. A importância de que sejam evitados concentradores de
fadiga é importante no sentido de que ela é a maior tensões, entre eles as variações bruscas de dimensões,
causa individual de falhas em metais, sendo estimado presença de ranhuras na superfície e tensões residuais
que ela compreende aproximadamente 90% de todas (internas) oriundas do tratamento mecânico ou térmi-
as falhas metálicas3,15. co. Em consequência, os resultados obtidos nos ensaios
A falha por fadiga pode apresentar características laboratoriais com os corpos de prova da matéria-prima
de natureza frágil, mesmo em metais dúcteis, uma vez usada na fabricação dos instrumentos têm um signifi-
que existem pouca deformação plástica e ausência de cado restrito, sendo essencial a realização dos ensaios
grandes áreas com deformação macroscópica associa- dos instrumentos para se avaliar a influência do aca-
da à falha3,7,13. bamento e do processo de fabricação na resistência à
A fratura por fadiga é considerada de baixo ci- fadiga.
clo quando ocorre abaixo de 104 ciclos. Está associada A fratura por flexão rotativa pode ser avaliada e
a cargas relativamente elevadas que produzem não analisada por meio de ensaio mecânico ou de estudo
somente deformações elásticas, mas também alguma clínico. Na Endodontia é muito estudada, avaliando-se
deformação plástica durante cada ciclo. Consequen- o comportamento de instrumentos de NiTi.
temente, a vida em fadiga é relativamente curta. Para Para a realização do ensaio mecânico é necessário
níveis de tensão mais baixos, onde as deformações são o uso de dispositivos específicos13,21,26,46. O instrumen-
totalmente elásticas, tem-se como resultado a fadiga de to endodôntico gira no interior de um canal artificial
alto ciclo, uma vez que números de ciclos relativamen- curvo com raio de curvatura e comprimento do arco
te grandes são necessários para produzir a falha. A fa- predeterminados (Fig. 11-16A e B). É considerado en-
diga de alto ciclo ocorre acima de 104 ciclos3,7,13. Nesses saio destrutivo, ou seja, é realizado até ocorrer a fra-
casos a vida em fadiga é mais longa. tura do instrumento endodôntico. O canal artificial
A vida em fadiga de um material está relacionada deve possuir diâmetro maior do que o do instrumento
com o número de ciclos necessários para causar a falha a ser ensaiado. O instrumento endodôntico é aciona-
(fratura) em um nível de tensão específico. do a uma velocidade predeterminada, empregando-se
As etapas de ruptura de um material sujeito à fa- um contra-ângulo acoplado a um micromotor elétrico.
diga são, essencialmente, nucleação da trinca, propa- O conjunto canal artificial, contra-ângulo/micromo-
gação da trinca e ruptura da peça ou corpo de prova tor elétrico é fixado em um dispositivo suporte, tendo
(fratura rápida). A nucleação de trincas de fadiga sem- como objetivo principal eliminar a interferência do
pre ocorre na superfície do material. A nucleação da operador na indução de tensões sobre os instrumentos
trinca é sempre lenta e microscópica e depende fun- endodônticos durante o ensaio de flexão rotativa.
damentalmente do acabamento superficial da peça. Na Endodontia, o ensaio de flexão rotativa pode
A presença de defeitos de acabamento superficial ser considerado estático ou dinâmico. É considerado es-
(ranhuras) reduz a duração dessa etapa. Na segunda tático quando um instrumento endodôntico gira no in-
etapa, a propagação da trinca é macroscópica e se dá terior de um canal artificial curvo, permanecendo numa
em incrementos durante cada ciclo de carregamento mesma distância, ou seja, sem deslocamento longitudi-
pela abertura e fechamento consecutivos da trinca, a nal de avanço e retrocesso21,37,46. Quando um instrumen-
qual cresce na direção do seu eixo longitudinal com um to durante o ensaio é movimentado longitudinalmente
certo incremento. A terceira etapa ocorre (fratura final) com avanço e retrocesso, é considerado dinâmico26,59.
quando o comprimento da trinca atinge um tamanho De acordo com Tobushi et al.55, o ensaio de flexão
crítico tal, que a seção resistente fica relativamente pe- rotativa é um método simples e eficaz para determinar
quena, a porção remanescente não pode resistir à carga o comportamento em fadiga dos instrumentos endo-
e a ruptura ocorre repentinamente. Assim, a morfolo- dônticos de NiTi.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 497

Figura 11-16. Ensaio mecânico de flexão rotativa. A.


A B Desenho esquemático. B. Instrumento posicionado
no interior de um canal artificial.

A partir do ensaio de flexão rotativa podemos Para Lopes et al.37, mantendo-se a velocidade de
quantificar o número de ciclos que um instrumento en- rotação e o raio de curvatura do arco de um canal cons-
dodôntico é capaz de resistir à fratura por fadiga em tantes, quanto maior o comprimento do arco, maior
uma determinada condição de carregamento. será a tensão induzida na superfície de um instrumento
O número de ciclos é obtido pela multiplicação endodôntico, o que reduz o número de ciclos necessá-
da velocidade de rotação empregada no ensaio pelo rios para causar a sua fratura em fadiga. Os resultados
tempo para ocorrer a fratura do instrumento endo- obtidos por esses autores mostraram que instrumentos
dôntico. É cumulativo e está relacionado com a inten- ProTaper F3 de 25mm de comprimento (Maillefer SA,
sidade das tensões trativas e compressivas impostas na Suíça) girando 250rpm em canais artificiais de 20mm de
região de flexão rotativa do instrumento endodôntico. comprimentos e arcos nas pontas (arco de 9,5mm e arco
A intensidade das tensões é um parâmetro específico de 14mm) com raios de 6mm fraturaram com valor mé-
e está relacionada com o raio de curvatura do canal, o dio de ciclos menor no canal com arco maior (14mm) do
comprimento do arco, o diâmetro e a rigidez do instru- que no canal com arco menor (9,5mm) (Quadro 11-4).
mento empregado. Quanto menor o raio de curvatura Em função dos resultados obtidos podemos
do canal, maiores o comprimento do arco, o diâmetro afirmar que para canais de mesmo raio de curvatura
e a rigidez do instrumento empregado, menor será o o comprimento do arco exerce influência na fratura
número de ciclos até a fratura suportado pelo instru- em fadiga de um instrumento de mesmo número.
mento endodôntico ensaiado21,22,23,37,40,41,46,57,59. Quanto maior o comprimento do arco, menor será o
Para Haikel et al.21, mantendo a velocidade cons- número de ciclos suportado pelo instrumento endo-
tante, quanto menor o raio do canal e maior o diâmetro dôntico até a fratura por fadiga. Isso ocorre porque
do instrumento, maior será a tensão criada na super- no canal com arco maior o ponto máximo de tensão
fície do instrumento, o que aumenta a possibilidade em flexão rotativa está localizado na haste de corte
de sua fratura prematura. Os resultados obtidos por helicoidal cônica do instrumento em uma área de
esses autores mostraram que um instrumento ProFile maior diâmetro. Consequentemente, quanto maior
de NiTi da marca Maillefer (Maillefer SA, Suíça) de no o diâmetro da haste de corte helicoidal cônica de
25 e conicidade 0,04 mm/mm, girando 350rpm em um
canal artificial com curvatura de 5mm de raio, levou o
tempo médio de 105,20 segundos até atingir a fratura Quadro 11-4 Média (desvio padrão) do tempo e do
(no de ciclos = 613,67). Usando o mesmo instrumento e número de ciclos para ocorrer a fratura por fadiga de
aumentando o raio do canal para 10mm, o tempo para instrumentos ProTaper F3
fratura aumentou para 538,20 segundos (no de ciclos
= 3.139,50). Aumentando o diâmetro do instrumento Arco (mm) Tempo (s) No de ciclos
para o no 35, em um canal com raio de 5mm o tempo
9,5 165,3 (1,5) 688,9 (64)
médio até a fratura foi de 94,10 segundos (no de ciclos =
548,92) e em um canal com raio de 10mm foi de 445,60 14,0 72,8 (1,4) 303,5 (60)
segundos (no de ciclos = 2.599,33).
498 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

Quadro 11-5 Média e desvio padrão (DP) do tempo (segundo) e do número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) de
instrumentos ProTaper universal

ProTaper F3 ProTaper F4
Velocidade Número de
rpm instrumentos
Tempo(s) NCF (DP) Tempo(s) NCF (DP)

300 10 76 380 (42,10) 56,2 281 (39,28)

600 10 27 270 (46,43) 21,8 218 (34,89)

um instrumento endodôntico no ponto máximo de sos maiores promoveram um maior tempo de vida
concentração de tensão (aproximadamente o meio útil (maior número de ciclos) do instrumento endo-
do arco) menor será o número de ciclos até a fratura dôntico de NiTi. Segundo os autores, uma distância
por fadiga do instrumento. de avanço e retrocesso maior no segmento curvo do
Para ensaios de flexão rotativa realizados em canal propiciou ao instrumento endodôntico um in-
uma mesma condição de carregamento, a velocida- tervalo de tempo maior antes que ele passasse no-
de de rotação não tem influência significativa sobre vamente na área crítica de maior concentração de
o número de ciclos para a fratura do instrumento tensão. Essa manobra tem como objetivo evitar a
endodôntico de NiTi mecanizado. Isso porque ve- concentração de tensão em uma determinada área
locidades maiores reduzem o tempo requerido para do instrumento (Quadro 11-6).
alcançar o número de ciclos até a fratura7,8,24,42,46,61. A fratura por fadiga é imprevisível e acontece
Todavia, para outros autores o aumento da ve- sem que haja qualquer aviso prévio. A vida em fadi-
locidade reduz significativamente o número de ci- ga não depende do torque aplicado ao instrumento
clos para a fratura de instrumentos endodônticos de endodôntico, mas do número de ciclos e da intensi-
NiTi mecanizados9,11,12,16,38,60. dade das tensões aplicadas na área flexionada de um
Para Ferreira14, mantendo-se constante a geo- instrumento endodôntico13,35. A fratura por flexão
metria de um canal artificial, o número de ciclos re- rotativa de um instrumento endodôntico no interior
querido para causar a fratura por flexão rotativa de de um canal curvo ocorre no ponto máximo de flexão
instrumentos ProTaper Universal F3 e F4 foi influen- da haste de corte helicoidal cônica do instrumento,
ciado pela velocidade de rotação (Quadro 11-5). localizada próximo ao ponto médio do arco36,46.
Os resultados desse quadro mostraram que o Para ocorrer a fratura por flexão rotativa du-
número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) foi rante o uso clínico é necessário que o instrumento
maior para os instrumentos de menor diâmetro (F3) e endodôntico gire dentro do limite elástico do mate-
diminuiu com o aumento da velocidade de rotação.
Para Eggeler et al.12, o efeito da velocidade de
rotação na fratura de um corpo de prova de NiTi Quadro 11-6 Valores médios e desvio padrão (DP) do
está relacionado com a produção de calor durante tempo de fratura (segundos) para cada distância de
a formação da martensita induzida por tensão. Para avanço e retrocesso em três rotações diferentes em
formar a martensita, a interface austenita-martensita canal curvo (45º)26
tem que se mover, e esse movimento dissipa energia
e produz calor. Velocidades maiores produzem mais Velocidade
calor que velocidades menores e com isso aumenta Avanço
200rpm 300rpm 400rpm
mais rapidamente a temperatura do corpo de prova,
que leva ao rápido aumento da tensão na superfície, 0 118 (11,6) 103 (15,6) 58 (13,2)
fazendo com que a fratura por fadiga ocorra preco-
cemente. 1 152 (14,3) 122 (30) 92 (14,7)
Li Uei-Ming et al.26, por meio de ensaio mecâni-
2 166 (19,2) 134 (43,8) 102 (21)
co de flexão rotativa dinâmico empregando a mes-
ma velocidade de avanço e retrocesso (1mm/s) em 3 200 (58,7) 143 (8,8) 118 (33,6)
canais curvos, observaram que avanços e retroces-
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 499

rial no interior de um canal radicular curvo. O uso dodôntico de NiTi fica submetido desnecessariamente
clínico para avaliar a fratura por fadiga de instru- a um carregamento de flexão rotativa que induz ten-
mentos endodônticos submetidos a flexão rotativa sões trativas e compressivas na região de maior flexão
no interior de canais radiculares curvos é de valor da haste de corte helicoidal cônica. Consequentemente,
mecânico irrelevante. Isso porque, devido a uma o instrumento é submetido indevidamente a um nú-
grande diversidade anatômica dos canais radicula- mero de ciclos acumulativo, reduzindo a sua vida útil
res e das variáveis advindas dos operadores, torna- à fadiga.
se impossível controlar com segurança o número de Outra maneira de se reduzir a fratura por fadiga
ciclos e a intensidade das tensões na região de flexão é por meio do descarte preventivo do instrumento an-
rotativa do instrumento endodôntico empregado na tes de ele alcançar o limite de vida em fadiga. Todavia,
instrumentação de canais radiculares. esse procedimento eleva o custo do tratamento endo-
Assim, predizer o número de canais radicula- dôntico, podendo ser considerado como uma desvan-
res em que um instrumento endodôntico de NiTi tagem.
mecanizado pode ser empregado com segurança
sem ocorrer a fratura por fadiga, não levando em Análise no MEV
consideração os raios de curvaturas dos canais, os
Na ruptura por flexão rotativa de um instrumento
comprimentos dos arcos, os diâmetros, as conici-
de NiTi mecanizado, a superfície de fratura pode ser
dades e as resistências em flexão dos instrumentos
plana, quando oriunda da propagação de uma única
endodônticos empregados, é no mínimo uma con-
trinca, ou apresentar diversos planos, quando a ruptu-
duta empírica e incorreta. Porém, o estudo clínico
ra é oriunda da propagação de mais de uma trinca (Fig.
é importante para descrever procedimentos técnicos
11-17A e B). No segundo caso, a propagação das trincas
capazes de aumentar a vida útil (vida em fadiga) de
um instrumento endodôntico quando submetido à
flexão rotativa no interior de um canal radicular, as-
sim como propor condutas clínicas diante de casos
com fragmentos de instrumentos endodônticos reti-
dos no interior de um canal radicular.
Recomendações clínicas para reduzir a incidên-
cia de fratura por flexão rotativa de um instrumento
endodôntico durante a instrumentação de um canal
radicular:

• Permanecer o menor tempo possível com o instru-


mento girando no interior de um canal radicular
curvo; A

• Manter o instrumento no interior de um canal curvo


em constante avanço e retrocesso em sentido apical;
• Não flambar o instrumento no interior de um canal
radicular;
• Quanto menor o raio de curvatura do canal e maior
o comprimento do arco menor deverá ser a conici-
dade do instrumento empregado;
• Durante o movimento de retrocesso não pressionar la-
teralmente (pincelamento) o instrumento contra as pa-
redes de segmentos achatados de canais radiculares.

Para executar o movimento de pincelamento, o


instrumento endodôntico deve ser submetido à seguin-
B
te manobra: rotação contínua à direita acompanhada
simultaneamente de pressão lateral e tração no sentido Figura 11-17. Flexão rotativa. Fratura por fadiga. A. Superfície pla-
coronário do dente. Nessa condição, o instrumento en- na. B. Superfície com múltiplos planos.
500 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

Vale ressaltar que há por parte dos fabricantes


uma grande dificuldade em produzir instrumentos
endodônticos sem defeitos. Assim, é fácil detectar em
instrumentos endodônticos de qualquer marca comer-
cial variações das dimensões propostas e defeitos de
acabamento superficial.
Em razão do exposto podemos afirmar que o
problema do emprego de instrumentos endodônti-
cos de NiTi mecanizados no preparo de canais radi-
Figura 11-18. Flexão rotativa. Fratura por fadiga. Ausência de de- culares curvos não será resolvido com a fabricação
formação plástica na haste de corte helicoidal cônica de um instru- de motores elétricos sofisticados e altamente onero-
mento endodôntico. sos, mas com:

• Maior precisão nas dimensões dos instrumentos en-


ocorre em sentidos opostos e separadas por pequenas
dodônticos;
distâncias. Na fratura por flexão rotativa não ocorre
• Melhor acabamento superficial dos instrumentos
deformação plástica aparente na haste de corte helicoi-
endodônticos;
dal cônica do instrumento (Fig. 11-18). A morfologia da
• Alteração da composição química e estado termo-
superfície de fratura de instrumentos endodônticos de
mecânico da liga NiTi;
NiTi mecanizados por flexão rotativa apresenta carac-
• Maior conhecimento das propriedades mecânicas
terísticas do tipo dúctil. Nela se identifica a presença
dos instrumentos endodônticos, melhor conheci-
de microcavidades com formas variadas1,14,17,37,40,41,43,53,59
mento técnico de parte do profissional das indica-
(Fig. 11-19A e B).
ções e do uso da ferramenta de trabalho (instrumen-
Defeitos oriundos do processo de fabricação de
to endodôntico).
instrumentos endodônticos podem atuar como concen-
tradores de tensão. Esses defeitos induzem a fratura do
Fratura dos alargadores Gates Glidden e
instrumento durante o ensaio mecânico de flexão rotati-
va ou durante uso clínico com carregamentos inferiores
Largo
aos esperados. Quanto maiores o número e o tamanho Os alargadores, incorretamente denominados
dos defeitos de acabamento superficial na haste de corte brocas Gates Glidden e Largo, são instrumentos rota-
helicoidal cônica de um instrumento, menor será a ten- tórios fabricados por usinagem de uma haste de aço
são necessária para determinar a sua fratura. Junto à su- inoxidável. A fratura desses instrumentos pode ocor-
perfície de fratura foram observadas trincas localizadas rer por torção, flexão rotativa e por combinação desses
nas depressões das ranhuras25,29,31,33,39 (Fig. 11-20A a F). carregamentos. Geralmente, ocorre por flexão rotativa,

A B

Figura 11-19. Fratura por flexão rotativa com característica dúctil. A. Fratura dúctil. Presença de trincas junto das ranhuras. B. Fratura dúctil.
Presença de microcavidades com formas variadas.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 501

A B

C D

E F

Figura 11-20A a F. Defeitos de acabamento superficial. Trincas nas depressões das ranhuras.

sendo o instrumento pressionado lateralmente de en- tro e a configuração geométrica (raio de concordância)
contro a uma parede dentinária (pincelamento). têm por objetivo concentrar as tensões de torção e/ou
O intermediário dos alargadores Gates Glidden flexão rotativa junto à haste de fixação, o que pode ser
e Largo não apresenta uma forma cilíndrica, mas sua- observado em ensaios mecânicos ou durante o uso clí-
vemente cônica, com menor diâmetro junto à haste de nico de instrumentação de um canal radicular. A ten-
fixação (raio de concordância). Essa variação de diâme- são induzida nessa região pode ultrapassar o limite de
502 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

Os mesmos autores28 verificaram também que os


alargadores Gates Glidden no 1 apresentam fratura com
baixo nível de carregamento. Por sua vez, os alargado-
res Gates Glidden no 2, de 28 e 32mm de comprimento,
A
suportam carga de 83% e de 69%, respectivamente, su-
periores aos de no 1. Considerando esses resultados, os
alargadores Gates Glidden no 1 não devem ser recomen-
B
dados no preparo químico-mecânico dos canais radicu-
lares (Quadro 11-7).
Figura 11-21. Fratura dos alargadores Gates Glidden e Largo. Inter- Por meio da análise no MEV pode ser obser-
mediário, diâmetro menor junto ao raio de concordância (a < b). A. vada a presença de ranhuras no intermediário de
Alargador Gates Glidden. B. Alargador Largo. alargadores Gates Glidden e Largo27. Ranhuras
presentes no intermediário dos alargadores Gates
Glidden e Largo funcionam como pontos concen-
resistência mecânica do material determinando o local tradores de tensão, podendo levar os instrumentos,
da fratura do instrumento (Fig. 11-21A e B). A localiza- principalmente os de diâmetros menores, à fratura
ção do ponto de fratura junto ao raio de concordância, por fadiga com níveis de tensão abaixo dos previsí-
próximo à haste de fixação e acionamento, independe veis (Fig. 11-23).
do comprimento e do diâmetro do instrumento, assim A fratura inicia-se junto às depressões das ra-
como da natureza do carregamento (torção ou flexão nhuras existentes em todo o intermediário do ins-
rotativa)35 (Fig. 11-22A e B). trumento (Fig. 11-24). As superfícies de fratura apre-
Os alargadores com intermediário de menor diâ- sentam características do tipo dúctil, com partículas
metro (números menores), por apresentarem facilida- no interior das microcavidades27 (Fig. 11-25).
de de deformação elástica e baixa resistência mecânica, Durante o uso clínico, a fratura dos alargado-
são os que fraturam com maior frequência durante os res Gates Glidden e Largo ocorre por combinação
ensaios mecânicos ou o uso clínico. de tensões (torção e flexão rotativa) e o ponto de
Para Lopes et al.28 os alargadores Largo apresen- fratura está localizado junto ao raio de concordân-
tam maior resistência à deformação elástica do que os cia próximo da haste de fixação e acionamento.
Gates Glidden. Esse comportamento pode ser explica- Assim, a extremidade do segmento fraturado está
do pelo maior diâmetro do intermediário e pelo maior aquém da embocadura do canal radicular, o que
comprimento da parte de trabalho dos instrumentos permite a fácil remoção, através de sua apreensão e
Largo em relação aos de Gates Glidden, de mesmo di- por meio de uma pinça clínica ou porta-agulhas35.
âmetro nominal. Estando o segmento fraturado livre no interior do
canal radicular, a fratura certamente ocorreu por
flexão rotativa.

Quadro 11-7 Carga média (gf ) e desvio padrão (DP) para


a fratura em flexão rotativa dos alargadores Gates Glidden
e Largo
A
Instrumentos Instrumentos
Instrumento
de 28mm de 32mm

Gates no 1 78,56 (8,79) 53,87 (3,15)

Gates no 2 144,29 (8,35) 98,32 (7,89)

Gates no 3 163,47 (13,78) 130,59 (8,35)

B
Largo no 1 244,76 (15,59) 215,53 (3,18)

Figura 11-22. Fratura junto ao raio de concordância. A. Alargado- Largo no 2 305,95 (13,78) 323,32 (22,41)
res Gates Glidden. B. Alargadores Largo.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 503

Figura 11-23. Presença de ranhuras no intermediário de alargado-


res Gates Glidden e Largo.

Figura 11-25. Fratura de alargadores Gates Glidden e Largo. Super-


fície das fraturas apresenta características do tipo dúctil.

Um fato importante a ser considerado é que


os alargadores Gates Glidden e Largo de diâmetros
menores por apresentarem maior flexibilidade po-
dem avançar durante a instrumentação em segmen-
tos curvos de canais radiculares, induzindo a fratura
em qualquer outro ponto do corpo do instrumento.
Nesses casos, a falha ocorre no ponto do corpo em
que houver maior tensão de solicitação. A remoção
do fragmento fraturado não apresenta grande difi-
culdade, visto que geralmente permanece livre no
interior do canal radicular, e a haste de corte heli-
coidal, apresentando passo da hélice incompleto e
canal helicoidal profundo, permite a passagem de
instrumentos endodônticos manuais, possibilitan-
do a sua remoção pela ação de limagem, vibração
sônica ou ultrassônica (ver Capítulo 12, Acidentes e
complicações em Endodontia).
Quando o segmento fraturado não puder ser
removido, não impedindo, contudo, a passagem no
Figura 11-24. Fratura de alargadores Gates Glidden e Largo. Início sentido apical, ele poderá ser sepultado junto ao ma-
da fratura junto da depressão da ranhura. terial obturador do canal radicular.
504 Capítulo 11  Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos

Os alargadores Gates Glidden não devem ser 2. American Dental Association. Specification no 28. Root canal
files and reamers, type K for hand use. Amer Dent Ass June,
pressionados lateralmente durante o uso clínico com
1988.
o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias 3. Callister Jr. WD. Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Intro-
ou mesmo no desgaste anticurvatura. A maior causa dução. 5a ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científi-
de fratura de instrumentos Gates Glidden é a pres- cos Editora S.A., 2002.
4. Camps J, Pertot WJ. Torsional and stiffness properties of
são lateral acompanhada da movimentação de avan- nickel-titanium K-files. Int Endod J, 1995; 28: 239-43.
ço e retrocesso do instrumento no interior do canal 5. Canalda-Sahli C, Brau-Aguade E, Berastegui-Jimeno E. A
radicular (movimento de pincelamento) . comparation of bending and torsional properties of K-files
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Ao serem pressionados e movimentados du- 1996; 29: 185-9.
rante o avanço e o retrocesso no interior de um canal 6. Carmo AMR, Valera MC, Lopes HP, Elias CN. Fratura por
radicular, o carregamento imposto pode flexionar o torção de instrumentos endodônticos de níquel-titânio acio-
nados a motor. RBO, 2002; 59: 197-9.
intermediário induzindo na região de flexão rotativa 7. Cetlin PR, Silva, PSP, Penna JA. Análise de Fraturas. São Pau-
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ção cíclica dessas tensões pode levar o instrumento 8. Courtney TH. Mechanical Behavior of materials. USA: Mc-
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à fratura. 9. Daugherty DW, Gound TG, Comer TL. Comparison of frac-
Os alargadores Largo, por apresentarem maior ture rate, deformation rate, and efficiency between rotary
resistência a deformação elástica (menor flexibili- endodontic instruments driven at 150 rpm and 350 rpm. J
Endod, 2001; 27: 93-5.
dade) do que os Gates Glidden de igual diâmetro 10. Decnop Batista MM. Avaliação da resistência à fratura de ins-
nominal, podem ser pressionados lateralmente du- trumentos de níquel-titânio acionados a motor em flexão por meio
rante o uso clínico desde que o carregamento não de teste mecânico de torção. Tese de Doutorado – Faculdade
de Odontologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
ultrapasse o limite de resistência à fratura por flexão
Rio de Janeiro, 2005: 165.
rotativa do instrumento. 11. Dietz DB, di Fiore PM, Bahcall JK, Lautenschlager EP. Effect
Pela mesma justificativa mencionada sempre of rotational speed on the breakage of nickel-titanium rotary
que possível devemos empregar alargadores Gates files. J Endod, 2000; 26: 68-71.
12. Eggeler G, Hornbogen E, Yawny A, Heckmann A, Wagner
Glidden e Largo de menor comprimento (28mm). M. Strutural and functional fatigue of NiTi shape memory
A flexibilidade é maior para instrumentos de maior alloys. Mat Scien Eng, 2004; 378: 24-33.
comprimento. Isso ocorre porque para instrumentos 13. Elias CN, Lopes HP. Materiais dentários. Ensaios mecânicos.
São Paulo: Livraria Santos, 2007.
de maior comprimento o carregamento necessário 14. Ferreira AAP. Influência da velocidade de rotação, do diâ-
para induzir a flexão é menor do que para instru- metro e da flexibilidade no número de ciclos para ocorrer
mentos mais curtos. Consequentemente, como o car- a fratura por flexão rotativa de instrumentos endodônticos.
Dissertação de Mestrado – Universidade Estácio de Sá. Rio
regamento para induzir a flexão de um instrumento de Janeiro, 2008: 96.
mais longo é menor, a probabilidade de ele fraturar 15. Fuchs HO, Stephens RI. Metal fatigue in engineering. New
por flexão rotativa quando pressionado lateralmen- York: John Wiley, Inc., 1980.
16. Gabel WP, Hoen M, Steiman R, Pink FE, Dietz. Effect of rota-
te é maior do que outro de igual diâmetro nominal, tional speed on nickel-titanium file distortion. J Endod, 1999;
porém de menor comprimento (maior resistência a 25: 752-4.
deformação elástica). 17. Gall K, Yang N, Sehitoglu H, Chumlyakov YI. Fracture of
precipitated NiTi shape memory alloys. Int J Fracture, 2001;
A fratura dos instrumentos endodônticos 109: 189-207.
durante o preparo de um canal radicular geral- 18. Gambarini G. Torsional and cyclic fatigue testing of ProFile
mente ocorre devido à falta de conhecimento das NiTi rotary instruments. Smile Journal of Evolutionary Den-
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Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 505

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Capítulo 12
Acidentes e
Complicações em
Endodontia

Hélio Pereira Lopes


José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias
Marco Aurélio R. Prado

Durante as diferentes etapas do tratamento endo-  ACIDENTES E COMPLICAÇÕES NA


dôntico, alguns acidentes e complicações podem ocor- INSTRUMENTAÇÃO
rer em razão da complexidade anatômica dos dentes,
A instrumentação, uma das etapas mais impor-
da falta de conhecimento das propriedades mecânicas
tantes do preparo químico-mecânico dos canais ra-
dos instrumentos endodônticos, do desconhecimento
diculares, tem como objetivo a obtenção de um canal
de procedimentos técnicos adequados e da pouca ha-
radicular de formato cônico (modelagem) com maiores
bilidade do profissional. Todavia, os acidentes advin-
diâmetros possíveis21.
dos do tratamento endodôntico podem acontecer tan-
Esse objetivo é, geralmente, logrado em canais re-
to com profissionais de pouca experiência, como com
tos e pouco provável em canais curvos, onde a forma
aqueles bem experientes.
final do canal radicular geralmente apresenta alguma
São considerados acidentes os acontecimentos
alteração em relação à original. O resultado final da
imprevistos e casuais resultando em dano que vem di-
instrumentação de um canal curvo pode ser influencia-
ficultar ou mesmo impedir o tratamento endodôntico. do por vários fatores, tais como: valor do raio de curva-
Os mais comuns estão relacionados com a instrumen- tura do canal, localização e comprimento do arco, flexi-
tação dos canais radiculares, destacando-se formação bilidade e diâmetro do instrumento endodôntico, tipo
de degraus, transporte apical de um canal radicular de movimento empregado, técnica de instrumentação,
curvo, fratura dos instrumentos endodônticos e perfu- localização da abertura foraminal e dureza da dentina.
rações endodônticas. Durante a instrumentação de um canal radicular
Complicação é o ato ou efeito de dificultar a reso- curvo podem ser detectadas três áreas em que há maior
lução de um tratamento endodôntico. Pode advir dos desgaste das paredes dentinárias que podem provocar
acidentes ou ser inerente aos dentes, tais como canais acidentes ou complicações indesejáveis (Fig. 12-1). A
atresiados, curvaturas radiculares, rizogêneses incom- primeira das áreas está no segmento apical, onde a ex-
pletas e anatomias atípicas. As complicações inerentes tremidade do instrumento é pressionada contra a pare-
aos dentes podem induzir acidentes. de externa do canal (convexa da raiz). A segunda se lo-
Os objetivos deste capítulo são analisar as causas caliza nas proximidades do segmento médio do canal,
e a prevenção dos acidentes advindos da instrumen- onde o instrumento tende a desgastar a parede interna
tação de canais radiculares e com base na experiência do canal (côncava da raiz), e a terceira se localiza na
clínica propor soluções para os acidentes e as compli- embocadura do canal voltada para a parede externa do
cações encontradas. canal radicular (convexa da raiz).

507
508 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

à deformação elástica (maior rigidez) do instrumento


de aço inoxidável. Os instrumentos endodônticos de
NiTi, por terem maior elasticidade (menor rigidez), são
deformados elasticamente com níveis inferiores de ten-
são durante a instrumentação de um canal radicular.
Quanto maior a resistência de um instrumento endo-
dôntico no regime elástico, maior será a força exercida
por ele contra a parede dentinária de um canal radicu-
lar curvo19,20,21,23,24.
Modificações também têm ocorrido na forma e
dimensão da haste de corte helicoidal cônica e na pon-
ta dos instrumentos endodônticos. A haste de corte
helicoidal cônica pode apresentar diferentes ângulos
agudos de inclinação das hélices, desenhos e conicida-
des. As hélices das hastes de corte são projetadas para
o corte ou raspagem das paredes internas de um canal
radicular, quando o instrumento endodôntico é acio-
nado por meio de um movimento de alargamento ou
limagem. Quanto menor o ângulo agudo de inclinação
da hélice, mais eficiente é a ação de alargamento, ao
contrário da ação de limagem. O canal helicoidal do
instrumento é responsável pelo transporte de cavacos
(resíduos) oriundos do corte ou raspagem da dentina e
Figura 12-1. Ilustração esquemática. Canal radicular curvo. Áreas
de maior desgaste das paredes dentinárias. (a) Segmento apical. pelo volume e passagem de substância química auxi-
Parede externa do canal. (b) Segmento médio. Parede interna do liar da instrumentação para o segmento apical de um
canal. (c) Segmento cervical. Parede externa do canal. canal radicular21,22,25.
Com o objetivo de facilitar a instrumentação do
canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicida-
Formação de degraus, perfurações e transportes des maiores para as hastes de corte helicoidais cônicas
apicais internos ou externos são alguns acidentes inde- dos instrumentos endodônticos. O maior alargamento
sejáveis observados na instrumentação de canais radi- do segmento cervical favorece o avanço do instrumen-
culares curvos. Com vistas a minimizar esses proble- to de menor diâmetro no sentido coroa-ápice quando
mas, modificações na sequência de instrumentação e empregado na sequência de instrumentação de um
na geometria dos instrumentos endodônticos têm sido canal radicular, o que permite que a extremidade do
sugeridas. Em relação à sequência de instrumentação, instrumento empregado fique submetida a um menor
a pré-instrumentação criando o leito do canal radicular carregamento, reduzindo o esforço de corte e a possibi-
e a instrumentação no sentido coroa-ápice facilitam a lidade de fratura6,15,21,28.
instrumentação do segmento apical, reduzindo a pos- A ponta dos instrumentos endodônticos apresen-
sibilidade de acidentes. Avanços tecnológicos têm per- ta a figura geométrica de um cone e pode ser classifica-
mitido a confecção de instrumentos endodônticos com da como cônica circular ou facetada. A extremidade da
liga níquel-titânio (NiTi). A grande elasticidade da liga ponta pode ser pontiaguda, arredondada ou truncada.
NiTi comparada às tradicionais (aço inoxidável) é de- Ponta cônica circular e extremidade arredondada ou
nominada superelasticidade ou pseudoelasticidade. truncada minimizam a formação de degraus e perfura-
Essa característica é o grande diferencial da liga NiTi ções radiculares. Pontas facetadas e com extremidade
em relação à de aço inoxidável, empregada na fabrica- aguda induzem a formação de degraus e perfurações
ção de instrumentos endodônticos6,19,20,21,33. radiculares21,22.
Vários trabalhos têm demonstrado que durante A passagem da base da ponta para a haste de
a instrumentação a modificação da forma original de corte helicoidal de um instrumento endodôntico pode
um canal radicular curvo é superior com os instrumen- formar um ângulo obtuso denominado ângulo de tran-
tos de aço inoxidável em relação aos de NiTi9,18,33. Esse sição. Esse ângulo confere agressividade de corte à
comportamento pode ser atribuído à maior resistência base da ponta do instrumento. Sua presença durante
Acidentes e Complicações em Endodontia 509

a instrumentação de um canal radicular curvo com o • Erro no acesso à cavidade pulpar;


movimento de alargamento pode provocar defeitos • Uso de instrumentos endodônticos com diâmetros
(transporte apical) na parede dentinária externa do ca- não compatíveis com o diâmetro e anatomia do
nal radicular ou a fratura do instrumento endodôntico canal;
por torção. A transição da base da ponta para a haste de • Ângulo de rotação excessivo aplicado ao instrumen-
corte helicoidal deve ser feita de modo suave, apresen- to durante o seu avanço em sentido apical do canal;
tando uma forma elipsoide (curva de transição) com o • Uso de instrumentos rígidos em segmentos curvos
objetivo de facilitar a rotação do instrumento (movi- de canais radiculares;
mento de alargamento) durante a instrumentação de • Obstrução do canal por raspas de dentina ou outros
um canal radicular21,22. resíduos durante a instrumentação.
O avanço dos conhecimentos básicos de mecâni-
ca e o aprimoramento do profissional têm reduzido a A formação de um degrau geralmente ocorre du-
incidência de acidentes endodônticos e permitido que rante a etapa de exploração de um canal radicular atre-
muitas complicações advindas dos acidentes ou ine- siado e curvo.
rentes aos dentes sejam solucionadas satisfatoriamente A prevenção da formação de um degrau duran-
com os recursos endodônticos existentes. te a instrumentação de um canal radicular inicia-se na
abertura coronária. Um acesso coronário adequado,
Degrau removendo interferências anatômicas dentinárias da
embocadura do canal (desgaste compensatório), faci-
O degrau é uma irregularidade criada na parede
lita as fases subsequentes da instrumentação do canal
de um canal radicular aquém do CT e sem comunicação
radicular.
com o ligamento periodontal5,6,13,14,21. Ocorre principal-
A criação do leito do canal quando realizado ade-
mente no início do arco de canais radiculares curvos. A
quadamente e com princípios mecânicos corretos favo-
parede externa do canal é desgastada, o que resulta na
rece o avanço do instrumento endodôntico no sentido
formação de um plano horizontal denominado degrau
apical do canal radicular. Quanto menor o ângulo de
(Fig. 12-2). Esse acidente dificulta ou impede o avanço
rotação à direita, menores serão o avanço (roscamento)
do instrumento em sentido apical do canal radicular.
do instrumento no sentido apical do canal radicular e a
resistência ao corte da dentina, eventos esses que redu-
Causas zem a formação de degraus nas paredes externas dos
• Desconhecimento da anatomia dentária e, particu- canais radiculares.
larmente, do sentido da curvatura radicular; A identificação precoce da formação de degraus
favorece a manobra de retomada da trajetória original
do canal radicular. Um degrau criado por um instru-
mento de maior diâmetro é mais difícil de ser ultrapas-
sado do que o criado por um de menor diâmetro. Isso
porque a dimensão do degrau (largura) criada por um
instrumento maior apresenta maior probabilidade de
impedir o avanço do instrumento explorador além do
degrau.
A manobra habitualmente empregada para ultra-
passar o degrau é um pequeno encurvamento da ex-
tremidade de um instrumento endodôntico de aço ino-
xidável tipo K no 15 ou menor, se o diâmetro do canal
radicular exigir. O instrumento deve ser movimentado
girando à direita e à esquerda, com pequeno avanço e
retrocesso em sentido apical, para desviar do degrau
e encontrar o trajeto original do canal. A ampliação
do segmento cervical é recomendável, uma vez que,
normalmente, permite o avanço em sentido apical da
ponta do instrumento. Além disso, possibilita a incli-
Figura 12-2. Degrau. Ilustração esquemática. nação do cabo do instrumento em sentido do degrau,
510 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

permitindo que a ponta pré-encurvada do instrumento várias seções. Nos casos de necrose pulpar é recomen-
deslize na parede do canal radicular frontal ao defeito. dável o emprego de medicação intracanal antecedendo
Quanto mais próximo do cervical estiver localizado o a obturação. Nesses casos, o êxito do tratamento de-
degrau, maior será a possibilidade de ultrapassá-lo. pende de quanto a porção apical do canal foi preparada
Vencido o degrau, o instrumento endodôntico antes da formação do degrau. A probabilidade de falha
deve trabalhar com movimento de alargamento parcial do tratamento endodôntico aumenta quando o degrau
à direita combinado ao de limagem até alcançar liber- é criado antes de uma adequada limpeza e modelagem
dade junto às paredes do canal radicular. No desloca- do segmento apical do canal radicular. Evidências de
mento longitudinal de retrocesso do instrumento em fracasso podem indicar a necessidade de tratamento
sentido cervical a ponta não deve ultrapassar o degrau cirúrgico.
para evitar a perda da trajetória apical do canal. Se o
degrau não for ultrapassado, instrumenta-se e obtura- Transporte apical
se o canal até esse degrau (Fig. 12-3). Uma avaliação
Transporte ou desvio apical é a mudança do tra-
clínica e radiográfica periódica é necessária. Canais
jeto de um canal radicular curvo em seu segmento
infectados podem comprometer o resultado do trata-
apical. Ocorre devido a um desgaste progressivo da
mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a
parede externa de um canal radicular curvo (conve-
intervenção cirúrgica é indicada.
xa da raiz) na região apical. A forma do preparo na
Nos casos de biopulpectomia realiza-se a obtura-
região apical adquire o aspecto de ampulheta tam-
ção imediata do canal radicular preferencialmente com
bém mencionada como pata de elefante. A seção reta
guta-percha termoplastificada e cimento, procedimen-
transversal obtida nessa região mostra a forma de
to esse que tem como objetivo evitar a contaminação
uma gota.
do canal que pode ocorrer em tratamento realizado em
Quando o desvio apical permanece na massa
dentinária junto ao comprimento de trabalho sem se
exteriorizar, é denominado transporte apical interno.
Todavia, quando o desvio apical alcança o comprimen-
to de patência e modifica a forma original do forame,
é denominado transporte apical externo ou zip. Nesse
caso, o forame apical original é rasgado. O zip é identi-
ficado pela hemorragia persistente na região apical do
canal radicular (Fig. 12-4).

Figura 12-4. Transporte apical. Lado esquerdo. Transporte apical


Figura 12-3. Degrau. Casos clínicos não ultrapassados. interno. Lado direito. Zip.
Acidentes e Complicações em Endodontia 511

Para alguns autores5,10,38, zip é o transporte apical 30, devemos empregar instrumentos de diâmetros
interno no preparo de canais radiculares curvos. Con- maiores fabricados com liga NiTi. Os instrumen-
tudo, segundo o Glossário da American Association of tos endodônticos de NiTi apresentam flexibilidade
Endodontics1, zip é o transporte apical externo, ou seja, o 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa pro-
forame apical original é rasgado. priedade permite que esses instrumentos durante a
O transporte apical no preparo de um canal ra- instrumentação acompanhem a curvatura do canal
dicular curvo basicamente ocorre devido ao emprego com facilidade, impedindo ou minimizando o trans-
do movimento de limagem e ao de instrumentos en- porte apical. Os instrumentos endodônticos de NiTi,
dodônticos rígidos. No movimento de limagem o des- por terem menor módulo de elasticidade, são defor-
gaste é direcionado à parede externa do canal (conve- mados elasticamente com níveis inferiores de tensão
xa da raiz) independentemente de o instrumento estar e acompanham a curvatura do canal radicular du-
ou não pré-curvado e da vontade do operador. Quan- rante a instrumentação.
to maiores a amplitude e a frequência do movimento, • Ao emprego do movimento de alargamento.
bem como do diâmetro e da rigidez do instrumento,   Alargamento é um processo mecânico de usi-
maior será o deslocamento da parede externa do canal nagem destinado a aumentar por meio de corte o
radicular (convexa da raiz) em relação à sua posição diâmetro de um furo cônico (canal radicular) pree-
original. O valor do transporte também está relacio- xistente. Para que ocorra o alargamento é necessário
nado com a dureza da dentina e o raio de curvatura que o instrumento trabalhe justamente no interior
do canal radicular. Quanto menor a dureza da dentina do furo, ou seja, o diâmetro do instrumento propor-
em relação à dureza da liga metálica do instrumento, cionalmente deve ser maior do que o do furo (canal).
maior será o transporte apical. Também, quanto me- No movimento de alargamento, o profissional para
nor o raio de curvatura de um canal radicular, maior alargar o furo (canal) exerce uma certa pressão no
será o transporte apical. Quanto à rigidez do instru- instrumento endodôntico em sentido apical, impri-
mento, quando ela é aumentada, a força de oposição mindo-lhe uma rotação à direita. Consequentemen-
da parede dentinária externa do canal radicular curvo te, nesse tipo de movimento, o corte das paredes de
(convexa da raiz) não é suficiente para manter o pre- um canal radicular é uniforme e não direcionado a
paro centrado. Nesses casos há um maior desgaste da uma parede.
parede externa do segmento curvo do canal determi-
nando o transporte apical. Outro aspecto importante é O movimento de limagem não deve ser empre-
que a passagem da base da ponta para a haste de corte gado na instrumentação apical de um canal radicu-
helicoidal cônica dos instrumentos deve ser por meio lar. Quando empregado, devido à impossibilidade de
de uma curva de transição e não de um ângulo obtuso se controlar a força lateral aplicada no instrumento,
denominado ângulo de transição, o qual, associado à à frequência e à amplitude do movimento, perde-se
rigidez do instrumento, provoca acentuado desloca- o controle do desgaste das paredes do canal, alteran-
mento apical durante a instrumentação de canais ra- do a sua forma final. Geralmente, a forma do preparo
diculares curvos. é irregular e desviada na região apical em direção à
O mecanismo para a formação de um transporte parede externa do canal radicular (transporte api-
apical interno ou externo é o mesmo, a diferença reside cal). Essas alterações dificultam a seleção do cone de
na posição da extremidade apical do instrumento en- guta-percha principal, assim como a compactação e
dodôntico em relação à abertura do forame apical na a manutenção do limite apical da obturação do canal
parede radicular externa. radicular (Fig. 12-5).
A prevenção da formação de um transporte apical A maioria dos autores5,10,38 indica o dobramento
durante a instrumentação de um canal radicular curvo (pré-curvamento) principalmente nos 3 a 4mm apicais
está condicionada: de um instrumento endodôntico de aço inoxidável em-
pregado na instrumentação de canais radiculares cur-
• Ao uso de instrumentos de maior elasticidade (fle- vos com o objetivo de evitar o transporte apical. Toda-
xibilidade). via, os instrumentos de aço inoxidável jamais deveriam
  Para canais radiculares com segmentos curvos ser pré-curvados quando empregados na instrumenta-
após a instrumentação apical, correspondente a um ção de canais radiculares curvos, seja pelo movimento
instrumento endodôntico tipo K de aço inoxidá- de alargamento, seja pelo movimento de limagem21.
vel, de seção reta transversal triangular de no 25 ou Isso porque, ao ser movimentado, o instrumento tende
512 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

corte centrado. Nessas condições, o que observamos é


uma maior incidência de transporte apical após a ins-
trumentação do segmento apical de um canal radicular
curvo com instrumento de aço inoxidável pré-curvado
de diâmetro superior ao no 30 (ISO)21.
No movimento de limagem o segmento dobrado
do instrumento ao ser desdobrado exerce maior força
junto à parede externa do segmento curvo do canal radi-
cular (convexa da raiz), induzindo o transporte apical21.
Em função do exposto podemos afirmar que, para
a instrumentação de um canal radicular curvo, o ins-
trumento endodôntico não deve ser pré-curvado, mas
sim percorrer e desbastar as paredes dentinárias do
segmento curvo do canal no regime elástico e jamais
no plástico (dobrado). O aspecto mais importante para
se reduzir o transporte apical é a flexibilidade e não o
dobramento do instrumento empregado23,24.
Os instrumentos de NiTi quando comparados aos
Figura 12-5. Transporte apical. Movimento de limagem. de aço inoxidável promovem menor incidência de trans-
portes apicais em função de sua superelasticidade7,9,18,33.
a ser desdobrado, induzindo assim nas paredes de um A instrumentação de um canal radicular curvo por
canal radicular uma tensão maior do que se ele estives- meio de sistemas de instrumentos acionados a motor
se em deformação elástica (flexionado). só é possível de ser realizada se o instrumento não
No movimento de alargamento, a extremidade apresentar dobramento (pré-curvamento), ou seja, tra-
dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende balhar no regime elástico e não no plástico. Do exposto
a descrever um círculo com raio igual ao comprimento podemos afirmar que na instrumentação, denominada
do segmento dobrado (Fig. 12-6). Consequentemente, manual de um canal radicular curvo, o instrumento
a força de oposição das paredes dentárias impostas ao também não deve ser pré-curvado, uma vez que os
segmento dobrado nem sempre é capaz de manter o princípios mecânicos do preparo são idênticos.
Se o dobramento de um instrumento endodôntico
fosse a solução para evitar o transporte apical, não exis-
tiria o mito de se ampliar o diâmetro apical de canais
radiculares com segmentos apicais curvos até o diâme-
tro correspondente a um instrumento de aço inoxidá-
vel de no 25 ou 30. Não se empregam instrumentos de
aço inoxidável de maiores diâmetros mesmo dobrados,
porque a maior rigidez dos instrumentos induz graves
iatrogenias nas paredes dos canais radiculares. A so-
lução para a ampliação da instrumentação apical é o
emprego de instrumentos flexíveis e não dobrados23,24.
Nos casos onde o acesso radicular é obtido ape-
nas com o instrumento pré-curvado, o seu movimento
deverá ser de limagem com pequena amplitude e baixa
frequência, o que permite que instrumentos de meno-
res diâmetros (nos 25 ou 30) mesmo dobrados (pré-cur-
vados), em razão do efeito mola, trabalhem no interior
de um canal radicular no regime elástico, reduzindo o
transporte apical.
O prognóstico de um transporte apical interno é
Figura 12-6. Transporte apical. Movimento de alargamento. Seg- bastante favorável desde que se consiga um correto se-
mento dobrado do instrumento. lamento apical pela obturação. Deve-se dar preferência
Acidentes e Complicações em Endodontia 513

Radiografia de má qualidade, determinação in-


correta do comprimento de patência e de trabalho,
ponto de referência coronário deficiente, cursor mal
posicionado e falta de atenção no controle da medida
obtida do comprimento de trabalho são as causas mais
comuns desse acidente.
Muitas complicações podem advir desse aciden-
te. A perda da constrição apical cria um ápice aberto,
que aumenta a possibilidade de sobreobturação, que
dificulta o selamento apical e favorece a infiltração de
líquidos advindos dos tecidos perirradiculares. Pode
A também provocar dor e desconforto ao paciente.
A sobreinstrumentação é identificada pela hemor-
ragia persistente na região apical do canal radicular e
pela dificuldade em travar o cone de guta-percha no
momento de sua seleção.
Em caso de sobreinstrumentação, um novo baten-
te apical deve ser estabelecido dentro dos limites do
canal radicular, situado aproximadamente de 2 a 3mm
a partir do ápice radiográfico. A criação desse novo ba-
tente tem como objetivo mecânico formar um anteparo
para a limitação do material obturador do canal radicu-
lar. Todavia, alcançar esse objetivo, principalmente nos
casos onde o arrombamento foi determinado por um
instrumento de grande diâmetro, é difícil de ser obtido.
B
Nesses casos é aconselhável o emprego do tampão api-
Figura 12-7. Casos clínicos. A. Transporte apical interno. Raiz me- cal na obturação do canal radicular (Fig. 12-8A e B).
sial. B. Zip. Transporte apical externo. Raiz distal.

Subinstrumentação
Subinstrumentação é o preparo do canal radicular
às técnicas de compactação da guta-percha termoplas-
aquém do limite apical de instrumentação estimado. O
tificada.
instrumento endodôntico não atua em toda a extensão
Para os casos de transporte apical externo (zip), a
do comprimento de trabalho do canal radicular5,21.
manutenção do material obturador no interior do canal
As causas mais comuns para ocorrência da su-
é problemática, ocorrendo frequentemente o extravasa-
binstrumentação são:
mento. Nesses casos é aconselhável o emprego do tam-
pão apical na obturação do canal radicular (Fig. 12-7A
• Erros na determinação do comprimento de patência
e B) (ver Capítulo 16, Obturação de canais radiculares).
e de trabalho;
• Movimento de limagem;
Sobreinstrumentação • Obstrução do segmento apical do canal radicular
A sobreinstrumentação, também denominada por detritos oriundos da instrumentação;
arrombamento do forame apical, é a instrumentação • Deficiente volume de solução química auxiliar
do canal até ou além da abertura foraminal. Descui- presente no interior do canal durante a instru-
dos na determinação e manutenção do comprimento mentação;
de trabalho podem levar à sobreinstrumentação do • Deficiente frequência de irrigação-aspiração e inun-
canal radicular com o arrombamento do forame api- dação do canal radicular;
cal. Esse tipo de acidente ocorre em canais radicula- • Não manutenção da patência do canal cementário
res retilíneos. Em canais radiculares curvos o arrom- durante a instrumentação do canal radicular;
bamento do forame apical é chamado de transporte • O uso prolongado de instrumentos endodônticos
apical externo (zip)21. com canal helicoidal de pequena profundidade.
514 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

A B

Figura 12-8. Sobreinstrumentação. Casos clínicos. A. Emprego do tampão apical na obturação do canal radicular. B. Sobreinstrumentação
acompanhada de sobreobturação (raiz mesial).

Dentre essas causas destacamos a patência do ca- gar. O instrumento é posicionado na gaze a partir do
nal cementário, o movimento de limagem e a profundi- intermediário e a seguir girado à esquerda. Após a
dade do canal helicoidal. limpeza, o instrumento é examinado e descartado caso
A manutenção do canal cementário desobstruído tenha ocorrido deformação plástica em sua haste de
durante a instrumentação de um canal radicular é realiza- corte helicoidal cônica. A cada retirada do instrumento
da com instrumento de pequeno diâmetro (instrumento devem ser realizadas uma abundante irrigação-aspira-
patente) utilizado durante a pré-instrumentação do canal ção e uma inundação do canal radicular.
e reutilizado até o forame, durante a instrumentação, para A desobstrução do segmento apical do canal radi-
evitar a sua obliteração pelo depósito de detritos resul- cular é realizada com instrumentos endodônticos tipo
tantes do preparo do canal. Mantida a patência do canal K de aço inoxidável. Esses devem apresentar: resistên-
cementário, não haverá subinstrumentação. cia à flexocompressão; de preferência ponta, com pe-
O movimento de limagem com amplitude supe- queno ângulo (menor que 75º) e vértice pontiagudo. O
rior a 2mm e frequência alta, estando o instrumento instrumento deve ser empregado com o movimento de
justo no interior do canal, desloca maior volume de alargamento parcial à direita, estando o canal radicular
detrito em sentido apical do canal radicular. Estando o preenchido com solução química auxiliar (hipoclorito
limite apical de instrumentação aquém da abertura do de sódio). Irrigação-aspiração abundante favorece a
forame haverá obstrução do segmento apical do canal manobra de desobstrução. A desobstrução do segmen-
radicular. to apical é tarefa fácil para canais retos, onde o canal
Outro fator importante a ser analisado é a profun- cementário tem a mesma direção do dentinário. Para
didade do canal helicoidal do instrumento. Canal heli- canais curvos essa manobra tende a levar à criação de
coidal é o canal da haste de corte helicoidal do instru- um falso canal ou mesmo de uma perfuração radicular
mento formado pelas superfícies adjacentes às arestas apical. Se a obstrução não for vencida, instrumenta-se
laterais de corte (hélices). Serve para transportar resí- o canal até ela (Fig. 12-9A e B). Uma avaliação clínica e
duos e para a entrada da substância química auxiliar radiográfica periódica é necessária. Canais infectados
da instrumentação em sentido apical do canal radicu- podem comprometer o resultado do tratamento endo-
lar. Quanto menor o núcleo de um instrumento, maior dôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção
a profundidade de seu canal helicoidal. O uso de ins- cirúrgica é necessária.
trumentos com pouca profundidade do canal helicoi- A recomendação de uso de soluções quelantes
dal pode favorecer o bloqueio apical do canal radicular para facilitar a desobstrução apical de canais radicu-
devido à dificuldade de remoção de detritos oriundos lares não procede. Isso porque o volume de solução
do preparo e à dificuldade de permitir a passagem da quelante é pequeno devido às dimensões exíguas dos
solução química auxiliar. Para superar essa deficiência canais radiculares; a área de contato da solução que-
o instrumento deve ser retirado mais frequentemente lante com o material obliterador é reduzida e a solução
do interior do canal radicular e limpo por meio de um quelante tem dificuldade em fluir (penetrar) no mate-
pedaço de gaze seguro pelos dedos indicador e pole- rial obliterante do segmento apical do canal radicular.
Acidentes e Complicações em Endodontia 515

A B

Figura 12-9. Subinstrumentação. Casos clínicos. A. Desobstrução do canal radicular obtida. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Desobstrução
não obtida.

Falso canal A retomada da trajetória do canal original é uma


tarefa bastante difícil. Enquanto o degrau detectado no
É a formação de um canal dentinário sem comu-
início da instrumentação pode na maioria das vezes
nicação com o ligamento periodontal, devido a erro da ser contornado e eliminado, isso não acontece com um
instrumentação. Geralmente é criado a partir de um falso canal. A dificuldade se torna maior quando loca-
degrau. Pode advir também em decorrência da difi- lizado no segmento apical de canais curvos. Localizado
culdade de remoção do material obturador, de canais o trajeto original do canal, ele deve ser instrumentado,
atresiados, de canais curvos com pequenos raios de e a obturação geralmente preencherá o canal original,
curvaturas e de segmentos apicais de canais obstruídos assim como o falso. Se o falso canal não foi vencido,
(raspas de dentina, fragmentos metálicos)5,13,14,21. instrumenta-se até ele (Fig. 12-10A e B).
Os fatores que favorecem a sua formação e pre- Quando não se consegue retomar a trajetória do
venção, assim como as manobras utilizadas na solu- canal, ele, não sendo instrumentado e nem obturado,
ção desses acidentes, são os mesmos abordados no tem prognóstico desfavorável, exigindo avaliação clí-
degrau. nica e radiográfica periódica.

A B

Figura 12-10. Falso canal. A. Trajetória original retomada. B. Trajetória original do canal não retomada (raiz mesial).
516 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

Fraturas dos instrumentos • Pela dilatação prévia do segmento cervical do canal


radicular. Isso permite que o instrumento de menor
Durante o preparo químico-mecânico de um ca-
diâmetro empregado na instrumentação apical do
nal radicular, os instrumentos endodônticos são sub-
canal fique submetido a um menor carregamento, o
metidos a grave estado de tensão e deformação que
que diminui o esforço de corte e a possibilidade de
variam com a anatomia do canal e com a habilidade do
sua imobilização.
profissional. Nessa condição, os instrumentos sofrem
carregamentos extremamente adversos que modificam
Ocorrendo a imobilização de um instrumento no
continuamente a sua resistência à torção, à flexão em
interior do canal radicular, o profissional deve retro-
rotação e ao dobramento. Por essa razão, em alguns ca- cedê-lo por tração até obter um ligeiro afrouxamento.
sos se observa a falha prematura do instrumento endo- Essa manobra diminui a resistência de corte da dentina,
dôntico principalmente nos de menores diâmetros19-21. permitindo a liberação do instrumento empregado.
Os instrumentos endodônticos, por apresentarem Para instrumentos manuais, principalmente os de
pequenas dimensões, forma complicada e geometria diâmetros menores, sentir o momento da imobilização
com variações bruscas de dimensões, são difíceis de e de cessar a aplicação do torque sem causar deforma-
ser produzidos. Durante a fabricação, defeitos de aca- ção plástica (distorção) ou a fratura do instrumento é
bamento superficial podem ser introduzidos na super- um procedimento difícil de ser obtido, ficando atrelado
fície da parte de trabalho do instrumento. A presença ao conhecimento, à habilidade e à experiência do pro-
desses defeitos pode atuar como concentrador de ten- fissional.
são, induzindo a fratura do instrumento aos níveis in- Para instrumentos mecanizados, a imobilização
feriores de tensão dos teoricamente esperados19,20. é visível, enquanto a interrupção do giro dos instru-
Em uso clínico a fratura dos instrumentos endo- mentos pode ser desencadeada pelo profissional ou
dônticos pode ocorrer por torção, por dobramento al- por dispositivos mecânicos. Por dispositivos mecâni-
ternado, por flexão rotativa ou por combinações. cos destacamos os motores com torques programados
Para ocorrer a fratura por torção, a extremidade pelo operador ou preestabelecidos pelo fabricante.
do instrumento necessita estar imobilizada e na outra Independentemente de como o giro do instrumento
(cabo) ser aplicada uma força de rotação (torque). Não será interrompido, é imprescindível que o torque no
havendo imobilização, não ocorrerá a fratura do instru- momento da imobilização do instrumento seja inferior
mento independentemente do valor do torque aplica- ao limite de resistência a fratura por torção do instru-
do. Ocorrendo a imobilização da ponta do instrumento mento empregado19,21.
no interior do canal radicular, se o torque aplicado ao Alcançar esse objetivo é difícil pelas seguintes
cabo do instrumento não ultrapassar o seu limite de razões:
resistência à fratura por torção, a falha do instrumento
também não ocorrerá2,19,20. • O operador deve conhecer o valor provável do tor-
A imobilização de um instrumento no interior de que que induzirá a fratura de cada instrumento en-
um canal radicular durante o movimento de alarga- dodôntico empregado. Vale ressaltar que esses valo-
mento pode ser minimizada: res não são informados pelos fabricantes.
• O torque é uma grandeza relacionada com o raio.
• Para instrumentos acionados a motor, reduzindo o Tendo a haste de corte helicoidal geometria cônica, o
carregamento e o avanço do instrumento em sen- limite de resistência à fratura por torção de um instru-
tido apical. O carregamento axial aplicado ao ins- mento endodôntico é variável. Consequentemente, o
trumento deve ser o suficiente para promover um valor do torque é dependente do diâmetro da haste
avanço do instrumento em sentido apical por volta de corte helicoidal junto ao ponto de imobilização do
de 1 a 3mm. Para instrumentos manuais, o controle instrumento no interior de um canal radicular.
do avanço está relacionado com o ângulo de rotação • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e
aplicado no cabo da ferramenta. Para instrumentos os nominais propostos, assim como os defeitos de
delgados, o ângulo de rotação não deve ser superior acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e micro-
a 45°. Quanto menor o avanço, menores a resistência cavidades) presentes nos instrumentos endodônti-
de corte e a força de atrito na dentina, o que reduz cos, funcionam como pontos concentradores de ten-
a possibilidade de imobilização da ponta do instru- são, levando-os a uma fratura prematura com níveis
mento no interior do canal radicular. de torques abaixo dos previsíveis.
Acidentes e Complicações em Endodontia 517

O torque máximo de fratura de um instrumento maior diâmetro, devemos empregar os de aço inoxidá-
durante o uso clínico depende da anatomia do canal ra- vel de seção reta transversal triangular ou de níquel-ti-
dicular. Para a fratura de um instrumento imobilizado tânio. Essas características geométricas e a flexibilidade
em um segmento reto, é maior do que em um segmen- permitem que os instrumentos de maiores diâmetros
to curvo de um canal radicular. Quanto menor o raio trabalhem no limite elástico mesmo em canais grave-
de curvatura, menor o torque necessário para induzir a mente curvos.
fratura do instrumento endodôntico. Em um canal cur- Nos casos onde o acesso apical é obtido apenas
vo, o instrumento é submetido a carregamentos combi- com o instrumento pré-curvado, o deslocamento line-
nados de flexão ou dobramento e de torção. Essa con- ar durante o movimento de limagem ou o ângulo de
dição é mais grave do que a observada quando o ins- rotação durante o movimento de alargamento deverá
trumento é submetido a um carregamento isolado19,20. ser de pequena amplitude e de baixa frequência. Esse
Na fratura por torção, a ruptura ocorre junto ao procedimento induz menor nível de tensão no instru-
ponto de imobilização do instrumento, ou seja, o compri- mento, o que permite que o instrumento de pequeno
mento do segmento fraturado corresponde ao com- diâmetro mesmo dobrado devido ao efeito mola tra-
primento do segmento imobilizado. A superfície da balhe por limagem ou alargamento no interior de um
fratura geralmente apresenta aspecto plano e perpen- canal radicular, dentro do limite elástico, reduzindo a
dicular ao eixo do instrumento. Em algumas condições possibilidade de sua fratura19,21.
de carregamento a superfície de fratura apresenta as- A fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo)
pecto dilacerado. Na fratura por torção sempre há de- é observada nos instrumentos endodônticos de NiTi
formação plástica da haste de corte helicoidal cônica acionados a motor e ocorre quando esses instrumentos
do instrumento endodôntico19,20. giram no interior de um canal radicular curvo. Na re-
A fratura por dobramento ocorre quando um gião de flexão de um instrumento em rotação contínua
instrumento endodôntico de aço inoxidável dobrado são geradas tensões que variam alternadamente entre
é movimentado no interior de um canal radicular. No tração e compressão. Essas tensões promovem mudan-
movimento de limagem na área dobrada de um instru- ças microestruturais acumulativas que podem levar o
mento endodôntico de aço inoxidável, tensões trativas instrumento à fratura por fadiga. A fratura é imprevisí-
são observadas na superfície externa e tensões com- vel, pois acontece sem que haja qualquer aviso prévio e
pressivas na superfície interna. Com a repetição cíclica não depende do valor do torque aplicado11,19,26,32.
do dobramento e desdobramento surgem trincas na A resistência de um instrumento endodôntico à
área dobrada, as quais se propagam até a fratura do fratura por fadiga é quantificada pelo número de ciclos
instrumento endodôntico20. que ele é capaz de resistir em uma determinada con-
No movimento de alargamento com rotação par- dição de carregamento. O número de ciclos é obtido
cial à direita ou com rotação parcial oscilatória, o seg- pela multiplicação do tempo para ocorrer a fratura pela
mento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas velocidade de rotação empregada no ensaio mecânico.
tende a descrever um arco com raio igual ao compri- É acumulativo e está relacionado com a intensidade
mento do segmento pré-curvado. Devido à resistência das tensões trativas e compressivas impostas na região
das paredes do canal o deslocamento do segmento de flexão rotativa de um instrumento. A intensidade
pré-curvado do instrumento é reduzido, ocorrendo das tensões é um parâmetro específico e está relacio-
no ponto crítico de dobramento concentração de ten- nada com o raio de curvatura do canal, o comprimento
são por torção. Esses carregamentos de dobramento do arco e o diâmetro do instrumento empregado26,32.
alternado e de torção combinados podem ultrapassar o Quanto menor o raio de curvatura do canal e maiores
limite de resistência do material, conduzindo o instru- o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento
mento à fratura. A superfície da fratura pode ser plana empregado, maior será a incidência de fratura por fa-
ou dilacerada20. diga do instrumento endodôntico, ou seja, menor será
A fratura por dobramento pode ser evitada, em- a vida útil do instrumento26.
pregando-se no preparo de canais radiculares curvos A fratura por fadiga de um instrumento sub-
instrumentos endodônticos no limite elástico e jamais metido a flexão rotativa no interior do canal curvo
no limite plástico. Para canais atresiados e curvos, ocorre no ponto médio do comprimento do arco do
devemos empregar instrumentos de aço inoxidável canal. Isso ocorre porque o ponto máximo de con-
de pequenos diâmetros e seção reta transversal qua- centração de tensão na haste de corte helicoidal cô-
drangular sem pré-curvamento. Para instrumentos de nica de um instrumento endodôntico, submetido à
518 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

flexão rotativa, está situado próximo ao ponto médio • Diâmetro do canal é maior do que o diâmetro do
do comprimento do arco. Na fratura por fadiga não fragmento metálico.
ocorre deformação plástica da haste de corte helicoi-   Isso é observado quando o instrumento é fratura-
dal cônica do instrumento. A superfície da fratura do em segmentos achatados de canais radiculares.
pode ser plana, quando oriunda da propagação de • Diâmetro do canal igual ao diâmetro do fragmento
uma única trinca, ou apresentar degraus, quando metálico.
oriunda da propagação de várias trincas em planos   Isso é observado quando o instrumento é fraturado
paralelos26,32. em segmentos de canais radiculares com seção circu-
Durante o uso clínico, devido à grande diversi- lar. Nesse caso, a ultrapassagem fica condicionada ao
dade anatômica dos canais radiculares, é impossível comprimento do fragmento metálico, à profundidade
determinar com segurança o número de ciclos de car- do canal helicoidal e ao ângulo agudo de inclinação
regamento e a intensidade das tensões na região de fle- das hélices da haste de corte do instrumento. Quanto
xão de um instrumento endodôntico acionado a motor. à profundidade do canal helicoidal, é importante que
Consequentemente, informar o número de vezes que seja acentuada, criando um espaço entre as paredes
um instrumento de NiTi acionado a motor pode ser do canal radicular e do canal helicoidal capaz de per-
empregado no preparo de canais radiculares curvos é mitir a passagem de um instrumento endodôntico
uma afirmação empírica e incorreta. Todavia, algumas delgado e flexível. Quanto ao comprimento do frag-
das seguintes recomendações clínicas podem reduzir a mento metálico, a ultrapassagem fica condicionada
incidência de fratura por flexão rotativa de instrumen- ao comprimento do canal helicoidal e ao ângulo de
tos endodônticos: inclinação da hélice. Quanto menor o ângulo de incli-
nação da hélice e o comprimento do canal helicoidal
• permanecer o menor tempo possível com o instru- contidos no fragmento metálico, maior a facilidade
mento girando no interior de um canal curvo; de ultrapassagem de um instrumento endodôntico
• manter o instrumento no interior de um canal curvo através do canal helicoidal do fragmento metálico.
em constante avanço e retrocesso em sentido apical
(pecking motion); A ultrapassagem por fragmentos de iguais com-
• não flambar (aplicar força axial) o instrumento no primentos de uma lima Hedstrom é mais difícil de
interior de um canal radicular; acontecer do que a de um instrumento tipo K. Isto ocor-
• quanto menor o raio de curvatura do canal e maior re porque para as limas Hedstrom o ângulo agudo da
o comprimento do arco, menor deverá ser a conici- hélice é de 65° enquanto para os instrumentos do tipo
dade do instrumento empregado; Kerr é de no máximo 45°. Além disso, as limas Heds-
• durante movimento de retrocesso, não pressionar trom apresentam apenas um canal helicoidal, enquan-
lateralmente (pincelamento) o instrumento contra to os instrumentos tipo K possuem três ou quatro.
as paredes dos canais radiculares; Para a tentativa de ultrapassagem do fragmen-
• descartar preventivamente o instrumento antes de to de um instrumento fraturado, inicialmente se deve
ele alcançar o limite de vida em fadiga. procurar ampliar o diâmetro do canal até o nível do
fragmento metálico. A seguir, com um instrumento de
Para a resolução clínica de um instrumento fratu- aço inoxidável tipo K no 8 ou 10 procura-se encontrar
rado existem quatro opções: um espaço entre o fragmento metálico e a parede do
canal radicular. Uma vez encontrado, com movimento
• ultrapassagem e remoção do fragmento via coro- de exploração cauteloso de avanço em sentido apical
nária; e de retrocesso em sentido cervical, procura-se ultra-
• ultrapassagem e não remoção do fragmento; passar o fragmento metálico. O avanço e o retrocesso
• não ultrapassagem do fragmento; devem ser curtos, procurando evitar a imobilização
• remoção cirúrgica do fragmento. do instrumento, o que poderia induzir a sua fratura.
Avanços maiores também podem determinar a criação
Ultrapassagem e remoção do fragmento do de degraus ou de perfurações radiculares.
instrumento fraturado A radiografia nesse momento é muito importante
A ultrapassagem pelo fragmento do instrumento para se detectarem possíveis desvios do canal radicu-
fraturado é dependente das condições anatômicas do lar e, no caso de ter ultrapassado o fragmento metálico,
canal radicular: definir o comprimento de patência e de trabalho.
Acidentes e Complicações em Endodontia 519

Obtida a ultrapassagem, a remoção de um frag-


mento metálico de um instrumento fraturado do inte-
rior de um canal radicular depende:

• Do tipo de fratura
  A remoção de um fragmento de um instrumento
fraturado por torção é muito mais difícil de se con-
cretizar do que diante de uma fratura por fadiga ou
por dobramento alternado. Isso ocorre porque na
fratura por torção o segmento fraturado do instru-
mento está imobilizado no interior do canal radicu-
lar, enquanto na fratura por fadiga ou dobramento,
teoricamente, está em liberdade.
• Da anatomia do canal radicular
  A remoção de um fragmento de um instrumento
fraturado em um canal radicular achatado e reto é
mais provável de ocorrer do que em um canal cir-
cular e curvo. Quanto menor o raio de curvatura de
Figura 12-12. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fra-
um canal radicular, menor a possibilidade de ultra- turado de uma expiral Lentulo.
passagem e de remoção do fragmento metálico.

Uma vez realizada a ultrapassagem do fragmen-


to, o canal radicular principalmente de dentes infe-
riores deve ser preparado com cautela de modo a não
deslocá-lo em sentido mais apical.
A velocidade do jato, da turbulência e do reflu-
xo, assim como do volume de solução irrigante, é um
auxiliar importante na remoção do fragmento metálico
do interior de um canal radicular durante a irrigação-
aspiração (Figs. 12-11, 12-12 e 12-13).
Alguns recursos e aparelhos podem ser utilizados
na tentativa de remoção de instrumentos fraturados,
destacando-se o Ultra-Som30, o Masserann Kit29 e o
Endo Extractor8.
Figura 12-13. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fra-
turado de instrumento endodôntico.

O Ultra-Som é um excelente recurso empregado


para a remoção de instrumentos fraturados do interior
de um canal radicular. Todavia, o resultado de seu em-
prego está condicionado que parte ou preferencialmen-
te, todo o fragmento metálico seja ultrapassado por um
instrumento endodôntico. Inicialmente isso deve ser
obtido com um instrumento tipo K de aço inoxidável
de pequeno diâmetro (nos 8 ou 10) por meio de explo-
ração manual. A seguir, um instrumento tipo K de aço
inoxidável no 15 acoplado ao aparelho ultrassônico é
introduzido no espaço obtido e, então, acionado com o
Figura 12-11. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fra- objetivo de expulsar o instrumento fraturado do inte-
turado de uma lima tipo H. (Gentileza de Renata S. Lima.) rior do canal radicular via coronária.
520 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

O Masserann Kit é um sistema para a remoção de mento fraturado do instrumento, expondo-a em uma
fragmento metálico (instrumentos fraturados, cones extensão que permita a sua apreensão pelo extrator. Se-
de prata) composto de um dilatador de canal, semelhan- lecionado o extrator aplicam-se uma ou duas gotas de
te a um alargador Gates Glidden, um trépano oco e um Super Bonder em sua extremidade oca, levando-o de
dispositivo de apreensão. Inicialmente, com o dilatador, encontro ao fragmento metálico. Após alguns minutos
amplia-se o segmento do canal radicular até a proximi- para que a cola endureça, o extrator é removido por
dade do fragmento metálico. Com o trépano oco, que tração (Fig. 12-14A a C).
tem sua extremidade serrilhada, procura-se desgastar a O Masserann Kit e o Endo Extrator também po-
dentina ao redor do fragmento metálico, expondo-o em dem ser usados na remoção de cones de prata e pinos
uma extensão tal, que permita sua apreensão. A seguir, metálicos presentes no interior de um canal radicular.
o dispositivo de apreensão (extrator) é posicionado no Todavia, pelo desgaste acentuado que provocam na
canal com o objetivo de apreender o fragmento metáli- dentina e pela rigidez do material empregado na fa-
co. Obtida a apreensão, o conjunto extrator e fragmento bricação dos instrumentos componentes dos sistemas,
é tracionado em sentido cervical do canal radicular. têm emprego muito limitado, sendo recomendados
Outro sistema empregado para a remoção do apenas para canais radiculares retos ou segmentos re-
segmento fraturado de um instrumento endodôntico é tos de canais curvos e raízes dentárias volumosas.
o Endo Extrator. Esse sistema é composto por alarga-
dores Gates Glidden, trépano oco e extrator. É usado Ultrapassagem e não remoção do segmento
de modo semelhante ao Masserann Kit. Após ampliar fraturado do instrumento
o canal até o fragmento metálico, com o trépano oco Nas situações em que se consegue ultrapassar o
procura-se desgastar em volta da extremidade do seg- segmento fraturado do instrumento e não se consegue

A C

Figura 12-14. Instrumento fraturado com a extremidade além do forame apical. A. Tentativa de remoção fracassada (manual e ultrassônica).
B. Utilização de um cone de guta-percha com a ponta amolecida para rastrear a posição do fragmento metálico em relação às paredes do
canal. C. Remoção do fragmento metálico com agulha metálica e Super Bonder. Obturação do canal.
Acidentes e Complicações em Endodontia 521

removê-lo, instrumenta-se o canal radicular e realiza-se rado, podem não ser possíveis a ultrapassagem e con-
a sua obturação. O material obturador sepulta o frag- sequentemente a sua remoção.
mento do instrumento no interior do canal radicular, A dificuldade de ultrapassagem é maior quan-
uma vez que a sua permanência não interfere no resul- do a seção reta transversal do canal é circular e a
tado do tratamento endodôntico (Figs. 12-15 e 12-16). seção reta transversal do instrumento revela canal
Nos casos em que a extremidade do segmento fra- helicoidal pouco profundo. Também o ângulo agudo
turado do instrumento ultrapassar o forame apical, a de inclinação das hélices e o comprimento do canal
sua não remoção, principalmente nos casos de dentes helicoidal contidos no fragmento metálico podem
infectados, pode comprometer o resultado do trata- interferir, ou seja, quanto maior o ângulo de inclina-
mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a ção da hélice e do comprimento do canal helicoidal,
intervenção cirúrgica é indicada. maior a dificuldade de ultrapassagem pelo canal he-
licoidal do segmento fraturado do instrumento en-
Não ultrapassagem do segmento fraturado do dodôntico.
instrumento A tentativa de ultrapassagem pelo canal helicoi-
Dependendo da forma da seção reta transversal dal pode determinar desvios, fratura do instrumento
do canal radicular e do instrumento endodôntico fratu- empregado e, na insistência, a perfuração radicular.

Figura 12-15. Instrumento fra-


turado. Ultrapassagem e sepul-
tamento do fragmento metálico
junto ao material obturador.

Figura 12-16. Instrumento fra-


turado. Ultrapassagem e não re-
moção do segmento fraturado.
Controle de 2 anos.
522 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

Figura 12-17. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do segmento fraturado. Controle de 5 anos.

No caso de não ultrapassagem, o canal radicular é antimicrobiana. Nesse caso, se a fratura do instrumento
preparado até o nível do segmento fraturado do instru- ocorreu após o canal ter sido esvaziado, o prognóstico
mento, executando-se, então, a obturação. É importan- é mais favorável do que se a fratura ocorreu no início
te usar como solução química auxiliar hipoclorito de do esvaziamento.
sódio com concentração mínima de 2,5% de cloro ativo. Spili et al.35 analisaram o impacto da permanência
Para a obturação do canal radicular, devemos dar prio- de um instrumento endodôntico fraturado no interior
ridade à técnica da compactação da guta-percha termo- de um canal radicular no resultado de um tratamen-
plastificada (Figs. 12-17 e 12-18). to endodôntico realizado. Foram avaliados 277 dentes
As condições do tecido pulpar do canal, além do contendo um ou mais fragmentos de instrumentos (to-
segmento fraturado do instrumento, terão influência tal = 301 fragmentos). Desses, 235 (78,1%) eram de ins-
direta no resultado do tratamento endodôntico. A pos- trumentos de NiTi mecanizados, 48 (15,9%) de instru-
sibilidade de sucesso é maior nos casos de polpa viva mentos manuais de aço inoxidável, 12 (4%) de expiral
e em canais já preparados. Nos casos de necrose, é im- Lentulo e 6 (2%) de espaçadores endodônticos digitais.
portante usar uma medicação intracanal com atividade Quanto à localização do fragmento, 1 (0,5%) estava no
segmento cervical, 57 (18,9%) no segmento médio, 232
(77,1%) no segmento apical e em 11 (3,7%) a extremida-
de do fragmento estava além do forame apical. Quanto
à condição perirradicular, 153 (52,2%) dos dentes eram
portadores de lesão perirradicular pré-operatória en-
quanto 124 (44,8%) não tinham lesão perirradicular. No
estudo de controle foram avaliados, um grupo de 146
dentes com instrumento fraturado retido no interior do
canal e outro de 146 dentes, controle equiparado (sem
a presença de instrumento fraturado). O percentual de
sucesso foi de 91,8% para o grupo contendo instrumen-
to fraturado e de 94,5% para o grupo controle equipa-
rado. Para ambos os grupos o percentual de sucesso foi
de 86,7% para dentes portadores de lesão perirradicu-
lar pré-operatória, contra 92,9% para dentes não porta-
Figura 12-18. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do seg- dores de lesão perirradicular. Finalizando, concluíram
mento fraturado. Controle de 4 anos. que a permanência de um instrumento fraturado no in-
Acidentes e Complicações em Endodontia 523

terior de um canal radicular tratado endodonticamente


não teve nenhuma influência adversa no resultado. A
presença de uma lesão perirradicular pré-operatória
foi clinicamente um indicador de prognóstico mais sig-
nificativo do que a presença de um fragmento de um
instrumento retido no interior de um canal radicular
tratado endodonticamente.

Fraturas de alargadores Gates Glidden e


Largo
Os alargadores Gates Glidden e Largo são instru-
mentos mecanizados fabricados por usinagem de uma
haste de aço inoxidável. Durante o uso clínico a fratura
desses instrumentos pode ocorrer por torção, flexão ro-
tativa e por combinação desses carregamentos17,21.
Esses instrumentos geralmente fraturam junto
ao raio de concordância, próximo à haste de fixação e
acionamento, e independem do diâmetro do alargador,
assim como da natureza do carregamento (torção ou Figura 12-19. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fra-
flexão rotativa). Geralmente, a extremidade do seg- turado de alargador Gates Glidden.
mento fraturado está aquém da embocadura do canal
radicular, o que permite a fácil remoção, através de
sua apreensão por meio de uma pinça clínica ou porta-
agulhas17.
Um fato importante a ser considerado é que os
alargadores Gates Glidden e Largo de diâmetros me-
nores, por apresentarem maior flexibilidade, podem
avançar durante a instrumentação em segmentos cur-
vos de canais radiculares, induzindo a fratura não pró-
xima ao raio de concordância, mas em qualquer outro
ponto do corpo do instrumento. Nesses casos, a falha
ocorre no ponto do corpo em que houver maior ten-
são de solicitação. A remoção do fragmento fraturado
Figura 12-20. Instrumento fraturado (Gates Glidden). Ultrapassa-
não apresenta grande dificuldade, visto que a parte de
gem e sepultamento do fragmento metálico junto ao material ob-
trabalho apresentando passo da hélice incompleto e turador do canal radicular.
canal helicoidal profundo permite a passagem de ins-
trumentos endodônticos manuais, possibilitando a sua
remoção pela ação de limagem, vibração sônica ou ul- rotativa maiores, promovendo a fratura do instrumen-
trassônica17 (Fig. 12-19). to. A maior causa de fratura de alargadores Gates Glid-
Quando o segmento fraturado não puder ser re- den é a aplicação de uma força lateral acompanhada da
movido, não impedindo contudo a passagem no sen- movimentação de avanço e retrocesso do instrumento
tido apical, ele poderá ser sepultado junto ao material no interior do canal radicular17,21. Os alargadores Ga-
obturador do canal radicular17,21 (Fig. 12-20). tes Glidden devem ser empregados na direção do eixo
Os alargadores Gates Glidden em razão da for- do segmento cervical de um canal, imprimindo-se-lhe
ma da parte do trabalho e da capacidade de deforma- suave força em sentido apical e jamais serem pressio-
ção elástica (flexão) do intermediário não devem ser nados em lateralidade (movimento de pincelamento
pressionados lateralmente durante o uso clínico com ou de escovagem).
o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias de Os alargadores Largo, por apresentarem menor
segmentos de canais achatados ou mesmo no desgaste capacidade de deformação elástica do intermediário
anticurvatura, pelo fato de induzirem esforços de flexão sob flexão do que os Gates Glidden, podem ser pressio-
524 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

nados lateralmente durante o uso clínico17,21. Nos casos ções vão implodindo-as, sendo removidas em flocos,
onde o procedimento clínico fracassou podemos optar reduzindo o risco de perfurações.
pela resolução cirúrgica. Didaticamente as perfurações coronárias podem
ser classificadas em supragengivais, subgengivais – su-
Perfurações endodônticas praósseas e intraósseas.

É uma comunicação acidental da cavidade pulpar


Perfuração coronária supragengival
de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos pe-
Está localizada aquém da inserção gengival. Ocor-
rirradiculares. Essa comunicação pode ocorrer durante
re através das paredes circundantes (mesial, distal,
a abertura coronária e/ou durante a instrumentação
vestibular, lingual ou palatina) da câmara pulpar. São
dos canais radiculares, complicando a resolução de um
tratadas promovendo o seu selamento via interna e/
tratamento endodôntico. São classificadas em coroná-
ou externa com materiais habitualmente empregados
rias e radiculares.
em dentística restauradora. Nos casos de perfurações
extensas a reconstrução protética pode ser indicada.
Perfurações coronárias
Devemos ressaltar que a perfuração (acesso coronário)
É uma comunicação acidental da câmara pulpar através da parede oclusal ou incisal da câmara pulpar
de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos pe- é intencional para permitir o acesso ao canal radicular,
rirradiculares. Ocorre em um tratamento endodôntico não sendo considerada um acidente e sim uma etapa
durante a abertura coronária5,6,21,37. do preparo químico mecânico.
Câmara pulpar atresiada, canais atresiados, des-
consideração da inclinação do dente na arcada dentá-
ria, desconhecimento da anatomia externa e interna da
Perfuração coronária subgengival – supraóssea
câmara pulpar, presença de coroas protéticas, uso de Está localizada além da inserção gengival e aquém
brocas e instrumentos endodônticos inadequados po- do nível ósseo. Ocorre através das paredes circundan-
dem induzir as perfurações durante a abertura coroná- tes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da
ria e a localização de canais atresiados. câmara pulpar. São tratadas pela exposição cirúrgica
Nos casos onde há dificuldade na localização da perfuração ou através da extrusão ortodôntica e se-
dos canais radiculares, um aumento da abertura co- ladas com os materiais restauradores.
ronária nos dentes anteriores e maior divergência da
parede mesial nos posteriores melhoram a visualiza- Perfuração coronária intraóssea
ção da câmara pulpar, reduzindo a possibilidade de Comunica acidentalmente a câmara pulpar com o
perfuração ao se usarem instrumentos cortantes (bro- tecido ósseo. Para dentes multirradiculares comunica o
cas esféricas ou com pontas ativas) na busca desses assoalho da câmara pulpar com o tecido ósseo através
canais. Essa é uma das etapas em que mais proveito da furca ou de qualquer outra parede radicular circun-
podemos tirar do microscópio óptico de uso clínico. A dante (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina). A
ampliação da cavidade costuma mostrar a posição da contaminação microbiana e o processo inflamatório re-
embocadura dos canais radiculares ou revelar a obli- sultante podem levar a problemas endoperiodontais.
teração de sua entrada por dentina reacional, que tem No momento em que ocorre a perfuração intraós-
coloração mais escura. sea, a área frontal a ela (ligamento periodontal e osso
Havendo obliteração da entrada do canal radicu- alveolar) é destruída em maior ou menor intensidade,
lar podemos utilizar brocas LN (Long Neck-Maileffer, dependendo da extensão da penetração e do diâmetro
Suíça) que são de aço inoxidável e empregadas em bai- do instrumento que a determinou. Em consequência
xa rotação. São brocas esféricas (cabeça) com diâmetros dela, estabelece-se um processo inflamatório de inten-
ISO 0,5mm, apresentam o intermediário fino e longo sidade variável. Destruído o osso alveolar, forma-se
com diâmetro menor do que o da cabeça da broca. O um tecido de granulação, o qual poderá invaginar para
comprimento total do instrumento é de 28mm. Podem o interior do dente através do trajeto da perfuração,
ser empregadas também unidades de ultrassom e pon- formando um pólipo, cujo pedículo se acha aderido ao
tas especiais desenvolvidas para o desgaste da dentina ligamento periodontal. O não tratamento dessa perfu-
e interferências anatômicas que dificultam a localização ração permite a contaminação via meio bucal, deter-
de canais atresiados. As pontas de ultrassom são mais minando a progressão do processo inflamatório que,
seguras do que as brocas. Aplicadas sobre as obstru- por sua vez, leva à maior destruição do osso alveolar.
Acidentes e Complicações em Endodontia 525

Dependendo do nível da crista óssea e do grau de des- radiográfico. Após esse procedimento o local não deve
truição do osso na área da perfuração, pode-se instalar ser irrigado para evitar o deslocamento do material. O
um processo endoperiodontal determinando uma bol- tratamento endodôntico deverá ser realizado em uma
sa periodontal5,6. próxima intervenção.
Junto a esses eventos, o cemento e a dentina adja- Nos casos onde a perfuração coronária intraós-
centes à área da perfuração poderão se apresentar com sea está localizada muito próximo da embocadura de
variado grau de reabsorção. Outra possibilidade é que canal radicular torna-se difícil realizar e manter o pre-
os restos epiteliais de Malassez que circundam a raiz enchimento definitivo da comunicação durante o tra-
sejam estimulados, podendo dar origem a um cisto5,6. tamento endodôntico subsequente desse canal. Nesses
Uma vez reconhecida e localizada a perfuração casos, recomendamos o preenchimento temporário da
coronária intraóssea, essa deverá ser fechada o mais perfuração preferencialmente com sufato de cálcio ou
rápido possível. O não selamento da perfuração per- pasta de hidróxido de cálcio com veículo viscoso (glice-
mite a infiltração de fluidos bucais para o interior da rina ou polietilenoglicol) que serão removidos e substi-
cavidade pulpar, que favorece o desenvolvimento mi- tuídos pelo material selador definitivo (pasta L&C ou
crobiano responsável pela indução e manutenção do MTA) após a obturação do canal radicular. Os demais
processo inflamatório. canais do dente poderão ser tratados na mesma sessão
Nos casos em que a perfuração ocorre e não há ou em outras subsequentes.
contaminação da área, o selamento do defeito deve ser Nos casos onde após a perfuração coronária in-
realizado imediatamente após o acidente e se possível traóssea se observa hemorragia intensa, a perfuração
antes mesmo de dar continuidade ao tratamento endo- deve ser preenchida com sulfato de cálcio ou com pasta
dôntico. de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolú-
Vários materiais podem ser empregados no fe- vel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar
chamento das perfurações intraósseas. Dentre eles des- superficialmente o tecido junto à área da perfuração.
tacamos a pasta L&C (Dentisply, Brasil) e o MTA (Den- Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se o
tisply, Suíça, ou Angelus Odonto, Logika Ind. de Prod. selamento da perfuração com as opções mencionadas.
Odontológica Ltda., Londrina, PR)3,4,12,27,34,36. Quando ocorrer contaminação da área intraóssea,
Nesses casos recomendamos que o local da per- a destruição tecidual geralmente é extensa e pode de-
furação seja limpo com abundante irrigação-aspiração senvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o
(hipoclorito de sódio a 1%), e se necessário a remoção uso de solução química representada pelo hipoclorito
de resíduos com auxílio de curetas. Cessada a hemor- de sódio a 2,5% de cloro ativo, remover mecanicamen-
ragia, sendo o diâmetro da perfuração pequeno, ime- te por meio de instrumentos endodônticos ou curetas o
diatamente colocamos a pasta L&C ou o MTA. Após material ou tecido contaminado presente na perfuração,
secagem com pontas de papel absorvente, o material é sendo as vezes necessário ampliá-la. Usar uma medica-
levado com um instrumento adequado (curetas, espá- ção com efetiva atividade antimicrobiana (pasta HIPG)
tula Hollenback ou calcadores de cimento) na perfura- (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debelados os
ção e, a seguir, compactado, sendo o excesso removi- sinais e sintomas do processo infeccioso, procede-se ao
do. Em casos de perfurações amplas, devemos evitar selamento da perfuração (Fig. 12-21). Dependendo das
o extravasamento do material de preenchimento da condições anatômicas, quando o tratamento proposto
perfuração para dentro do espaço periodontal. Nesses fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica.
casos podemos recorrer a uma matriz (barreira) interna Outra opção de tratamento para as perfurações
colocada no fundo da perfuração para controlar a he- coronárias intraósseas é o seu preenchimento com pas-
morragia e prevenir a sobreobturação. O hidróxido de tas à base de hidróxido de cálcio. Essas devem ser reno-
cálcio na forma de pó ou associado a um veículo aquo- vadas até ocorrer o selamento biológico da perfuração.
so ou viscoso pode ser empregado. Outro material em- Obtida a formação de um tecido mineralizado que sela
pregado é o sulfato de cálcio31,39. Esses materiais funcio- a perfuração, a pasta de hidróxido de cálcio é removi-
nam como uma barreira mecânica, são bem tolerados da. A seguir, procede-se à obturação do canal radicu-
pelos tecidos e reabsorvidos lentamente, permitindo lar e ao preenchimento da cavidade pulpar de modo
posteriormente o contato do tecido conjuntivo com o semelhante ao descritos anteriormente. Essa proposta
material de preenchimento (pasta L&C ou MTA). A co- terapêutica pouco utilizada na clínica tem como incon-
locação e a compactação do material de preenchimen- veniente retardar a restauração definitiva do dente.
to na perfuração devem ser comprovadas pelo exame Isso pode favorecer a contaminação da perfuração e do
526 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

Perfuração radicular cervical


Está localizada no segmento cervical da raiz den-
tária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial,
distal, vestibular e lingual ou palatina) da raiz dentária.
É frequente em canais curvos de raízes achatadas. Nes-
ses casos a parede afetada é a interna do canal (côncava
da raiz). É advinda do uso de brocas e de alargadores
(Gates Glidden, Largo, Peeso) ou de instrumentos tipo
K ou H de aço inoxidável, rígidos e de diâmetros não
compatíveis com as dimensões radiculares.
Figura 12-21. Perfuração coronária intraóssea. Assoalho da câmara, Nos casos de canais curvos de dentes molares onde
vedação da perfuração como MTA. o arco inicia-se próximo da embocadura, o contorno da
perfuração geralmente se estende para o assoalho da
câmara pulpar em sentido da furca. Há a formação de
canal radicular, a fratura do dente e retardar o restabe- um rasgo na direção do eixo da raiz comunicando o ca-
lecimento da função mastigatória e da estética. Deve- nal radicular com o periodonto. O prognóstico dessas
mos ressaltar que o selamento biológico da perfuração perfurações é desfavorável quando comparado às per-
ocorre não em razão das trocas de curativos à base de furações localizadas nos segmentos médios e apicais.
hidróxido de cálcio, mas pela ausência de infecção e Seu sucesso depende do tamanho e do nível da perfu-
pelo tempo decorrido do tratamento. ração, bem como da contaminação ou não da área.
O tratamento endodôntico de um dente acome-
Perfuração radicular tido de uma perfuração radicular cervical deve ser re-
É uma comunicação acidental de um canal radi- alizado o mais rápido possível. Recomendamos que a
cular com o tecido ósseo5,16,21. perfuração radicular cervical seja selada durante a ob-
A principal manifestação clínica de uma perfura- turação do canal radicular. Nesses casos, após o prepa-
ção radicular é a hemorragia intensa. O diagnóstico de ro químico-mecânico do canal radicular, o selamento
se houve ou não perfuração pode ser confirmado pelo da perfuração é alcançado com o cimento obturador.
exame radiográfico. Também é de grande valia para lo- Como material obturador devemos associar os cones
calização da perfuração o preenchimento total do canal de guta-percha com cimentos Sealapex, AH-Plus ou
radicular com pasta de hidróxido de cálcio contendo com a pasta L&C.
contrastante com veículo viscoso (iodofórmio ou car- Nos casos de contaminação da área radicular per-
bonato de bismuto e glicerina). furada é recomendado o combate à infecção para pos-
O tratamento endodôntico de um dente acome- terior selamento da perfuração.
tido de uma perfuração radicular deve ser realizado o A técnica de compactação lateral ou de cone úni-
mais rápido possível com o objetivo de evitar a conta- co com compactação vertical (compressão hidráulica)
minação da área radicular perfurada. deve ser empregada. Na técnica de compactação lateral
Nos casos de contaminação da área perfurada, a após a seleção do cone principal de guta-percha, sua
destruição tecidual é extensa e pode desenvolver um porção terminal é envolvida pelo cimento obturador
abscesso. Nessa situação é necessário o combate à in- e a seguir adaptada até a posição determinada. Com
fecção pelo uso de solução química representada pelo um espaçador digital de NiTi introduzido entre o cone
hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo e pela ação principal e a parede frontal (oposta) à perfuração do
mecânica de instrumentos endodônticos ou curetas na canal executamos a compactação lateral do material
remoção do tecido contaminado presente na perfu- obturador. Com essa manobra, os cones de guta-percha
ração, sendo às vezes necessário ampliá-la. O uso de e o cimento obturador são pressionados de encontro
uma medicação com efetiva atividade antimicrobiana à parede perfurada, selando o defeito. Essa manobra
é indicado (pasta HIPG). Dependendo das condições também evita que os cones acessórios ultrapassem o
anatômicas, quando o tratamento proposto fracassar, dente via perfuração. A operação é acompanhada ra-
pode-se optar pela resolução cirúrgica. diograficamente. Os cones que protraem na câmara
Didaticamente, as perfurações radiculares quanto pulpar são cortados com instrumentos aquecidos dire-
à localização podem ser classificadas em cervicais, mé- cionados em sentido lateral, ao nível da embocadura do
dias e apicais. canal radicular. Imediatamente depois do corte realiza-
Acidentes e Complicações em Endodontia 527

se uma suave compactação vertical do material obtu-


rador, usando-se compactador frio. Após a limpeza da
câmara pulpar, ela é preenchida com material selador
provisório ou material restaurador. Não devemos usar
esse canal para receber retentor intrarradicular.
Para perfurações de maiores diâmetros outra op-
ção é o selamento da perfuração com MTA ou pasta
L&C, mantendo-se o lume do canal vazio. Após o pre-
paro químico-mecânico o canal radicular, um pouco
além da perfuração, deverá ser obstruído com um cone
de papel absorvente ou até mesmo de guta-percha. Em A

seguida, o segmento cervical do canal radicular é pre-


enchido com material selador (pasta L&C ou MTA),
sendo o mesmo compactado na embocadura do canal
para assegurar o preenchimento da perfuração.
A operação é acompanhada radiograficamente. A
seguir, busca-se retomar a trajetória do canal radicular
pela remoção do material de preenchimento e de ve-
dação (cone de papel absorvente ou guta-percha) com
instrumentos tipo K ou H de diâmetros adequados. A
limpeza final do lume do canal radicular é realizada
com cone de papel absorvente de diâmetros adequa-
dos, ficando apenas a área da perfuração selada com o
B
material de preenchimento devidamente compactada.
Após a cura (endurecimento) do material, o canal radi-
Figura 12-23. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração
cular deve ser obturado pela técnica do cone único com contaminada. A. Radiografia inicial. Perfuração na parede interna da
suave compactação vertical. Não devemos usar o canal raiz distal do molar inferior. B. Selamento mediato da perfuração
que tem perfuração para receber retentor intrarradicu- com pasta L&C. Controle de 1 e 6 anos.
lar (Figs. 12-22 e 12-23A e B).

Perfuração radicular média Degraus, falsos canais, canais atresiados e curvos,


Está localizada no segmento médio da raiz den- canais atresiados e com obstruções do segmento mé-
tária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, dio (material obturador do canal, fragmento metálico
distal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária. de instrumentos, cones de prata seccionados, resíduos
de material obturador coronário, detritos advindos da
instrumentação) podem induzir as perfurações radicu-
lares médias durante a instrumentação.
Nos casos onde foram possíveis a remoção das
obstruções e a retomada da trajetória original do ca-
nal, a perfuração radicular média será considerada e
tratada como sendo um canal lateral de um sistema de
canais radiculares. Não havendo contaminação, a ob-
turação do canal deverá ser realizada imediatamente
após o preparo químico-mecânico (Fig. 12-24A e B).
Nos casos de contaminação da área radicular per-
furada é recomendado o combate à infecção para pos-
terior selamento da perfuração.
Sendo a perfuração ampla, devemos substituir
Figura 12-22. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração
contaminada. Perfuração na parede interna da raiz mesial do molar os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol pelos
inferior. Contaminação da área perfurada. Selamento mediato da cimentos Sealapex, AH-Plus ou pela pasta L&C (Figs.
perfuração com cimento MTA. Controle de 18 meses. 12-25 e 12-26).
528 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

A B

Figura 12-24. Perfuração radicular média. Ausência de contaminação. Selamento imediato da perfuração com pasta L&C. A. Parede interna
da raiz mesial do molar inferior. B. Parede distal da raiz do incisivo lateral.

A não remoção das obstruções e a não retomada


da trajetória original do canal sugerem um prognós-
tico desfavorável ao tratamento endodôntico, princi-
palmente diante de um dente com lesão perirradicular.
Diante de evidência do fracasso, pode-se optar pela
resolução cirúrgica.

Perfuração radicular apical


Está localizada no segmento apical da raiz, ocor-
rendo através das paredes circundantes (mesial, dis-
tal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária e
sendo mais frequente na parede externa do segmento
apical curvo de um canal radicular (parede convexa
da raiz).
Falsos canais, canais atresiados e com segmen-
tos apicais curvos, canais atresiados e com obstru-
Figura 12-25. Perfuração radicular média. Área da perfuração con-
taminada. Perfuração na parede distal do incisivo lateral. Selamento ções do segmento apical podem induzir as perfura-
mediato da perfuração com pasta L&C. Controle de 4 anos. ções radiculares apicais durante a instrumentação.

Figura 12-26. Perfuração


radicular média. Área da per-
furação contaminada. Lado
esquerdo. Perfuração da pa-
rede externa da raiz mesial
do molar inferior. Perfuração
cervical da parede interna da
raiz distal. Centro. Selamento
mediato das perfurações com
cimento endodôntico (óxido
de zinco e eugenol). Lado
direito. Controle de 3 anos.
(Gentileza de RC Morais.)
Acidentes e Complicações em Endodontia 529

Geralmente, são provocadas por instrumentos endo- Nos casos onde após a perfuração radicular se ob-
dônticos tipo K de aço inoxidável. Devemos evitar o serva hemorragia intensa, a cavidade pulpar e o defeito
emprego de instrumentos com pontas cônicas pira- devem ser preenchidos com sulfato de cálcio ou pasta
midais e com vértices pontiagudos. Para canais com de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolú-
segmentos apicais curvos, instrumentos de maiores vel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar
diâmetros deverão ser de NiTi em substituição aos superficialmente o tecido junto à área da perfuração.
de aço inoxidável. Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se a
Nas perfurações radiculares apicais, a retoma- obturação do canal e da perfuração com uma das op-
da da trajetória do canal original é uma tarefa bas- ções mencionadas.
tante difícil de ser alcançada. Nos casos onde foram Quando ocorre contaminação da área radicular
possíveis a remoção das obstruções e a retomada da perfurada, a destruição tecidual geralmente é extensa e
trajetória do canal original, a perfuração radicular pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é neces-
apical será considerada e tratada como sendo um ca- sário o uso de solução química auxiliar da instrumen-
nal secundário de um sistema de canais radiculares. tação representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de
Não havendo contaminação, a obturação do canal cloro ativo. Se possível, remover mecanicamente por
deverá ser realizada imediatamente após o preparo meio de instrumentos endodônticos o material con-
químico-mecânico. Sendo a perfuração ampla, deve- taminado presente na perfuração, preparar o canal
mos substituir os cimentos à base de óxido de zinco- radicular até o comprimento de trabalho mantendo o
eugenol pelos cimentos Sealapex, AH-plus ou pela canal cementário desobstruído e usar uma medicação
pasta L&C. intracanal com efetiva atividade antimicrobiana (pasta
A não remoção da obstrução e a não retomada da HIPG) (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debela-
trajetória do canal original podem ser desfavoráveis ao dos os sinais e sintomas, procede-se ao preenchimen-
resultado do tratamento endodôntico, principalmente to da perfuração e à obturação do canal radicular de
nos dentes portadores de lesão perirradicular. Nesses modo semelhante aos já descritos. Quando o tratamen-
casos a opção cirúrgica é de prognóstico bastante fa- to proposto fracassar, pode-se optar pela resolução ci-
vorável. rúrgica (Fig. 12-27).

Figura 12-27. Perfuração radicular apical. Área da perfuração contaminada. Lado esquerdo. Perfuração da parede distal da raiz do pré-molar
superior. Presença de instrumentos fraturados. Centro. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Lado direito. Controle de 2 anos.
(Gentileza de RC Morais.)
530 Capítulo 12  Acidentes e Complicações em Endodontia

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Substâncias
Químicas
Capítulo 13
Empregadas no
Preparo dos
Canais Radiculares
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias

O preparo químico-mecânico tem como objetivo promover a dissolução de tecidos orgânicos vivos ou
promover a limpeza, a ampliação e a modelagem do ca- necrosados, a eliminação ou máxima redução possível
nal radicular. A ampliação e a modelagem do canal radi- de micro-organismos, a lubrificação, a quelação de íons
cular são obtidas exclusivamente pelo desgaste de suas cálcio e a suspensão de detritos oriundos da instrumen-
paredes dentinárias por meio da ação mecânica dos ins- tação. Devem apresentar propriedades físicas e quími-
trumentos endodônticos. A ampliação e a modelagem cas que as qualifiquem para esses objetivos. São usadas
obedecem a uma forma cônica cujo maior diâmetro está durante a instrumentação dos canais radiculares, de-
voltado para cervical e o menor para apical. A limpeza é sempenhando ações químicas e físicas, concomitante-
lograda pela somatória de diferentes eventos: pela ação mente, com a ação mecânica dos instrumentos endo-
mecânica dos instrumentos endodônticos junto às pare- dônticos. Também são usadas após a instrumentação
des internas do canal radicular; pela ação das substân- para remover das paredes do canal radicular a smear
cias químicas auxiliares sobre os componentes (tecidos layer. Podem ser empregadas em forma de solução lí-
orgânicos, inorgânicos e micro-organismos) presentes quida, de creme ou de gel. Geralmente, são utilizadas
no interior do sistema de canais radiculares e completa- em forma de soluções líquidas.
da pela irrigação-aspiração que, às expensas da energia Uma solução é formada pela adição de um ou
cinética do jato, da turbulência criada e do refluxo da mais solutos ao solvente. Em uma solução o soluto é
corrente líquida (solução irrigadora), arrasta para fora o disperso, e o solvente, o dispersante. O estado físico
do canal radicular os resíduos oriundos desses eventos. do solvente é que determina o estado físico da solução.
Do exposto, as substâncias químicas podem ser Em Endodontia se empregam soluções líquidas, onde
empregadas no preparo dos canais radiculares como au- o solvente é sempre um líquido, e o soluto, um sólido,
xiliares da instrumentação e como soluções irrigadoras. um líquido ou um gás.
A escolha da substância química para uma dessas fun-
ções depende de suas propriedades físicas e químicas.
Requisitos
Tensão superficial
 SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS AUXILIARES
Em um líquido, as forças de atração entre as molé-
DA INSTRUMENTAÇÃO culas da superfície são maiores que as do interior. Isso
As substâncias químicas auxiliares são emprega- ocorre porque, no interior do líquido, as moléculas es-
das no interior do canal radicular com os objetivos de tão cercadas por outras e, na superfície, há uma região

531
532 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

de contato com o meio exterior. A superfície do líquido No Quadro 13-1 apresentamos os valores da tensão su-
se comporta como uma película elástica, que tende a perficial de algumas substâncias químicas empregadas
minimizar sua área superficial. A essa película se atri- na Endodontia58,94,97,116,164.
buem as forças de tensão superficial. Existem substâncias que, em solução, são capazes
A tensão superficial é uma propriedade carac- de reduzir a tensão superficial de outras. São os agen-
terística de cada líquido, variando com a temperatu- tes tensoativos, entre os quais se incluem os detergen-
ra e com o tipo de superfície contatada. Por exemplo, tes e o hipoclorito de sódio.
a água a 20ºC possui tensão superficial igual a 72,75 Os sólidos exercem força de atração sobre as mo-
dinas/cm, em contato com o ar, e 21 dinas/cm, em léculas dos líquidos. Quando essa força é maior do que
contato com óleo de oliva12. Para Santos130, a solução a tensão superficial do líquido, ocorre o molhamento
de hipoclorito de sódio a 2,5%, a 24ºC, possui tensão ou umectação daqueles pelo líquido, o que não ocorre
superficial de 76 dinas/cm e a 37ºC de 70,3 dinas/cm. quando a força de atração é menor. Essa interação tam-

Quadro 13-1 Tensão superficial de substâncias químicas endodônticas (dinas/cm)

Naumovich Milano et al. Guimarães et al. Pécora et al. Tasman et al.


(1963) (1983) (1988) (1991) (2000)
SOLUÇÕES
Método de Método de Método Método Método de
Ring Ring Capilaridade Capilaridade Ring

Água destilada 72,8 71,9 72,72 72,73 70

Água de cal 14g/L ------- 58,9 ------- 66,82 -------

Água oxigenada 10% 65,1 63,7 ------- 70,42 63

Irrigocal ------- ------- ------- 37,52 -------

EDTA 17% 54,0 ------- 69,25 ------- 46

EDTA + Tergentol ------- ------- 31,09 ------- -------

EDTA + Cetavlon 39,7 ------- 33,92 ------- -------

Ácido cítrico 10% ------- ------- ------- 68,34 -------

Tergentol ------- 33,7 33,41 ------- -------

Cetavlon ------- ------- 33,62 ------- -------

Soro fisiológico 68,9 54,0 ------- ------- 66

Álcool etílico 70% 27,5 ------- ------- ------- -------

Álcool etílico 96% 24,1 23,0 23,06 23,51 -------

Solução de Dakin ------- 62,9 31,34 71,34 -------

Solução de Milton ------- 63,5 ------- ------- -------

Solução de NaOCl 2,5% ------- ------- ------- ------- 41

Solução de NaOCl 5% ------- 49,7 ------- ------- 43


Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 533

bém explica a capilaridade, que é o poder de o líquido Atividade de solvente de tecido


se elevar em tubos capilares ou entre duas superfícies A capacidade de dissolução de matéria orgânica é
próximas entre si. A capilaridade, que é inversamente uma propriedade necessária na escolha da substância
proporcional à tensão superficial, traduz o comporta- química auxiliar da instrumentação, sendo de particu-
mento do líquido em anfractuosidades, reentrâncias ou lar importância no preparo químico-mecânico do canal
ramificações comuns na cavidade pulpar12,68,94. radicular, visando à remoção de tecido pulpar vivo ou
Estudos in vitro e in vivo mostram que a tensão necrosado. Devido à complexidade da morfologia in-
superficial das soluções químicas auxiliares determina terna dos canais radiculares, que formam verdadeiro
a profundidade de penetração do líquido no canal ra- sistema de canais mecanicamente inacessíveis, há ne-
dicular. Portanto, quanto menor a tensão superficial de cessidade de se explorar a capacidade de dissolução te-
uma substância, maior será sua capacidade de umecta- cidual da solução química auxiliar da instrumentação.
ção e penetração, aumentando a efetividade da limpe- Todo tecido pulpar, mesmo vivo e não infectado, deve
za das paredes do canal radicular58,94. ser eliminado no momento do tratamento endodônti-
co, para não servir de substrato potencial a uma proli-
Viscosidade feração microbiana30,54 (Fig. 13-1A e B).
Viscosidade é a resistência ao movimento relativo A capacidade de dissolução de uma solução quí-
das moléculas de um fluido em escoamento, devido às mica auxiliar depende de vários fatores, tais como: re-
forças de coesão intermolecular. Ao se tentar deslocar lação entre o volume de solução e a massa de tecido or-
uma camada de líquido sobre outra, é necessário ven- gânico, área de contato com os tecidos, tempo de ação,
cer a força de atração entre as moléculas. Essa força é temperatura da solução, agitação mecânica, concentra-
dada pela expressão: ção da solução e frequência da renovação da solução
no interior do canal radicular.
Δv
F=η S Atividade antimicrobiana
Δl
Micro-organismos e seus produtos são os prin-
onde Δv/Δl é a relação entre as velocidades das duas ca- cipais responsáveis pela iniciação e perpetuação das
madas, S é a distância entre elas, que é a área de contato
entre as camadas, e η é a viscosidade. O inverso desta
propriedade é chamado fluidez e, quanto maior a visco-
sidade, mais difícil o escoamento. Assim como a tensão
superficial, a viscosidade diminui com o aumento da
temperatura, como mostrado no Quadro 13-212,107.
Devemos considerar que uma solução química
muito viscosa escoa com dificuldade nas cânulas finas e
mais longas, permitindo a formação de um jato líquido
com menor alcance e refluxo. O aumento da viscosidade
reduz a capacidade de penetração da solução química
em anfractuosidades e reentrâncias do canal radicular.
A tensão superficial e a viscosidade das soluções
químicas influenciam na efetividade de suas ações físi- A
cas e químicas, não apenas quando empregadas como
auxiliares da instrumentação, mas também quando
usadas na irrigação-aspiração dos canais radiculares.

Quadro 13-2 Variação da viscosidade (η) da água com a


temperatura (em centipoise)
B
T (ºC) 0ºC 20ºC 40ºC 60ºC 80ºC
Figura 13-1. Complexidade da morfologia interna dos canais radi-
η 1,79 1,00 0,47 0,35 0,28 culares. A. Seção longitudinal e diafanização. (Gentileza dos Profs. E.
Mattos e A. Roldi). B. Seção transversal.
534 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

patologias pulpoperirradiculares75. A infecção do ca- Todavia, é preciso ressaltar que as dimensões dos
nal radicular é usualmente mista e semiespecífica, com canais radiculares são exíguas e o volume de solução
predomínio de bactérias anaeróbias estritas, as quais quelante empregado é pequeno. Além do mais, há di-
correspondem a mais de 90% dos isolados161. Assim, no ficuldade física para essas soluções preencherem os ca-
tratamento endodôntico, a limpeza e a desinfecção dos nais radiculares em sua plenitude. Em decorrência, é
sistemas de canais radiculares são importantes, sendo lícito supor que a eficiência das soluções quelantes na
logradas pela ação mecânica dos instrumentos, pela quelação de dentina durante instrumentação de canais
ação antimicrobiana das soluções químicas auxiliares atresiados é questionável, sob o ponto de vista clínico.
da instrumentação e pelo fluxo e refluxo da solução ir- Possivelmente, os resultados favoráveis obtidos estão
rigadora. relacionados com a ação lubrificante e não com a ação
Vários estudos demonstraram que o emprego de quelante da solução química.
substâncias químicas dotadas de atividade antimicrobia- Segundo Walton e Rivera178, os agentes quelantes
na, durante o preparo dos canais radiculares, exerce um não revelam resultados satisfatórios quanto à ação de
efeito significativo na eliminação de bactérias19,72,150,152. descalcificação, principalmente em canais atresiados.
Assim, enquanto uma solução desprovida de ação an- Tal fato se deve à pequena velocidade da reação quími-
timicrobiana (por exemplo, água destilada, soro fisioló- ca, provavelmente menos eficiente que a ação cortante
gico) exerceria apenas um efeito de lubrificação e a sus- dos instrumentos endodônticos. Não existe evidência
pensão de detritos oriundos do preparo do canal radi- de que os agentes quelantes empregados durante a ins-
cular, a solução que reconhecidamente possui atividade trumentação de canais atresiados reduzam a dureza da
antimicrobiana teria um efeito adicional, representado dentina ou removam, de modo suficiente, as obstruções
pela eliminação ou máxima redução de micro-organis- do canal para permitir a passagem do instrumento.
mos não removidos mecanicamente. Após a instrumentação dos canais radiculares
recomenda-se o uso de quelantes para a remoção da
Atividade quelante smear layer presente nas paredes dentinárias do canal.
Os quelantes usados em Endodontia são substân- Todavia, não há por parte dos pesquisadores consenso
cias orgânicas que removem íons cálcio da dentina, fi- quanto à necessidade da remoção da smear layer após o
xando-os quimicamente. O mecanismo de desminera- preparo dos canais radiculares.
lização da dentina ocorre por quelação, definida como
a incorporação de um íon metálico em uma cadeia fe- Atividade lubrificante
chada heterocíclica, na qual o metal é ligado por dois
Os instrumentos endodônticos, assim como as
ou mais íons, dentro do complexo molecular chamado
paredes dentinárias, apresentam rugosidades diferen-
ligante. Certos átomos ligantes fornecem elétrons ao
tes quando observados ao nível microscópio. Assim,
átomo metálico e consequentemente partilham pares
durante a instrumentação do canal há contato físico
de elétrons com o íon metálico. A quelação correspon-
apenas dos picos das rugosidades superficiais do ins-
de à ação dessas substâncias sobre os íons metálicos, e
trumento com as rugosidades das paredes dentinárias,
o composto dessa adição denominamos quelato68,106,107.
surgindo forças que se opõem ao deslocamento do
A atividade do quelante depende de sua solu-
instrumento. A resistência a esse deslocamento é de-
bilidade e capacidade de dissociação iônica, necessi-
nominada atrito. Estando o instrumento imóvel no in-
tando água para que se possa dissociar. Sabemos que,
terior do canal radicular, à medida que a força motriz
devido à forte polarização existente nas moléculas da
água, elas agem sobre a substância iônica, de forma a aumenta, a força de atrito estática cresce para impedir
promover o afastamento de seus íons. Assim, podemos seu deslocamento. Ocorrendo o movimento, a força
depreender que há maior eficiência nos agentes que- de atrito estática deixa de existir, passando a atuar a de
lantes quando esses se apresentam na forma de solução atrito dinâmica ou cinética, oposta ao sentido de deslo-
aquosa do que quando na forma de cremes23. camento do instrumento e de valor inferior ao da força
Durante a instrumentação de canais atresiados de atrito estática. As forças de atrito estática ou dinâ-
recomenda-se o uso de quelantes para facilitar o tra- mica que se opõem ao movimento do instrumento es-
balho de alargamento do canal. O efeito descalcificante tão relacionadas com a força que o instrumento exerce
do agente quelante resulta em menor resistência den- contra as paredes do canal pela equação:
tinária à ação de corte dos instrumentos endodônticos
Fa = μFp
durante a instrumentação dos canais atresiados.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 535

onde: Fa é a força de atrito estática ou dinâmica; μ é o tação, em vez de favorecer dificulta o movimento do
coeficiente de atrito dinâmico para o instrumento em instrumento endodôntico. Além do mais, favorece a
movimento; Fp é a força de pressão. extrusão do material além do forame, o qual pode pro-
A força de atrito não depende da área de contato vocar reações inflamatórias ou mesmo uma resposta
entre as superfícies, mas da rugosidade e natureza das imunológica do organismo139.
superfícies de contato (secas ou umedecidas). Para um É importante salientar que o volume de líquido
mesmo par de superfícies, as forças de atrito dinâmicas que um canal pode conter é muito pequeno. Segundo
são menores do que as estáticas, decrescem com o au- Campos23, após a instrumentação dos canais radicula-
mento da velocidade e quando há lubrificação. res, o volume médio, para o maxilar superior, era de
As soluções químicas empregadas no preparo 10,3mm3 e, para a mandíbula, de 11,1mm3. Assim, es-
químico-mecânico dos canais radiculares, por meio de ses pequenos volumes de solução existentes no interior
seu poder de umectação, conservam as paredes denti- dos canais têm suas propriedades esgotadas rapida-
nárias hidratadas e atuam também como lubrificantes, mente. Para minimizar esse problema devemos:
reduzindo a força de atrito e formando uma película
que diminui o contato físico entre as superfícies do ins- a) manter a cavidade de acesso preenchida com solu-
trumento e da dentina. Em consequência, diminuem o ção química auxiliar, já que a movimentação e reti-
desgaste e preservam a capacidade de corte dos ins- rada do instrumento endodôntico no interior do ca-
trumentos, durante o preparo dos canais radiculares. nal favorecem a penetração e renovação do líquido;
Em canais atresiados, favorecem a passagem dos ins- b) realizar renovações frequentes da solução química
trumentos até alcançar o comprimento de trabalho. auxiliar.

Suspensão dos detritos A capacidade da cavidade de acesso dos dentes


As substâncias auxiliares têm como função manter funciona como reservatório. Infelizmente, esse é um fa-
os detritos orgânicos e inorgânicos, liberados durante a tor subestimado durante o preparo químico-mecânico
instrumentação do canal radicular, em suspensão com dos canais radiculares, porque a solução aí presente é
o objetivo de impedir a sua sedimentação mormente geralmente aspirada durante a renovação da solução
na região apical. Detritos podem ser acumulados e química auxiliar. No Quadro 13-3 apresentamos os va-
obstruir o canal, favorecendo desvios e perfurações lores médios dos volumes ocupados pelas polpas den-
radiculares ou, em razão da ação de êmbolo dos ins- tárias nos diferentes grupos de dentes humanos44.
trumentos, ser forçados a se difundir para os tecidos Outro fator importante que deve ser conside-
perirradiculares, onde atuariam como agente irritan- rado é que certas substâncias, como o hipoclorito
te. A maioria das substâncias químicas utilizadas em
Endodontia apresenta fluidez satisfatória. Entretanto,
a ação mecânica dos instrumentos endodônticos, du- Quadro 13-3 Médias dos volumes ocupados pelas polpas
rante a instrumentação do canal radicular, leva à sus- dentárias (mm3)
pensão de partículas no seio da substância química
auxiliar, reduzindo sua fluidez. Antes de a substância Dente Superior (mm3) Inferior (mm3)
atingir uma viscosidade crítica devemos renová-la por
Incisivo central 12,4 6,3
meio da irrigação-aspiração, o que favorece a remoção
dos detritos mantidos em suspensão no interior do ca- Incisivo lateral 11,4 7,1
nal radicular. A seguir, repete-se o preenchimento da
cavidade pulpar com a substância química auxiliar da Canino 14,7 14,2
instrumentação. Essa renovação deve ser realizada não
Primeiro pré-molar 18,2 14,9
somente a cada troca de instrumento, mas após um pe-
queno número de movimentos (10 a 15) imprimidos a Segundo pré-molar 16,2 14,9
ele, durante o preparo do canal radicular. Nos canais
atresiados, principalmente, é um erro grave realizar a Primeiro molar 68,2 52,5
renovação da solução química auxiliar somente após
o instrumento ganhar liberdade em seu interior. A sa- Segundo molar 44,3 32,9
turação da quantidade de líquido existente no interior
Terceiro molar 22,6 31,1
do canal, por meio de resíduos oriundos da instrumen-
536 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

de sódio, são inativadas ao entrar em contato com a desde que a solução não seja extravasada pelo forame
matéria orgânica. Assim, para que sua ação solven- apical127. Além disso, uma vez controlada a infecção
te e antimicrobiana seja efetiva é necessário renovar endodôntica por um preparo químico-mecânico ade-
sempre a solução que entra em contato com as pare- quado e por uma ulterior medicação intracanal, o efei-
des do canal, o que é imperioso para que o hipoclo- to irritante transitório causado pela substância química
rito de sódio mantenha seus efeitos antimicrobianos coadjuvante da instrumentação ou de uma solução irri-
e solventes de matéria orgânica durante o preparo gadora torna-se irrelevante, não interferindo no reparo
químico-mecânico. dos tecidos perirradiculares. Em outras palavras, na
ausência de infecção e de uma agressão química per-
sistente, o reparo tecidual ocorrerá naturalmente.
 Soluções Irrigantes O tratamento endodôntico radical não visa à ma-
São soluções químicas usadas na irrigação-aspira- nutenção ou à cura da polpa dentária e sim a sua com-
ção dos canais radiculares. Sendo a irrigação-aspiração pleta remoção. Sabendo-se que a busca de um preparo
um procedimento de curta duração, é de esperar que ideal quanto à forma e à limpeza tem esbarrado em
a sua eficiência dependa mais das propriedades físi- dificuldades, associadas principalmente à complexida-
cas do que das propriedades químicas das soluções de anatômica dos canais radiculares e às propriedades
empregadas. As soluções irrigadoras devem possuir físicas e mecânicas das ligas metálicas usadas na fabri-
pequeno coeficiente de viscosidade e pequena tensão cação dos instrumentos endodônticos, é fundamental
superficial. Esses requisitos favorecem o aumento do que a substância química auxiliar da instrumentação
alcance do jato, a formação da turbulência e o reflu- seja dotada de atividade solvente de tecido vivo ou ne-
xo do líquido em direção coronária, permitindo uma crosado e de atividade antimicrobiana.
maior efetividade da limpeza do canal radicular. A seleção da concentração clínica ideal de uma
solução de hipoclorito de sódio não deve ser determi-
nada pelo tipo e intensidade de resposta inflamatória
 BIOCOMPATIBILIDADE do tecido conjuntivo, mas sim pela sua capacidade sol-
Toda substância desinfetante apresenta toxicida- vente de matéria orgânica e efeito antimicrobiano168.
de para as células vivas. Isso ocorre porque essas subs- A postura adotada por diversos profissionais em
tâncias, ao contrário da maioria dos antibióticos, não não empregar substâncias químicas ativas durante o
apresentam seletividade para micro-organismos. Por- preparo do canal radicular pode, a longo prazo, ser
tanto, torna-se uma utopia querer conciliar forte ação responsável do fracasso do tratamento endodôntico.
antimicrobiana ou solvente de tecido e compatibilida- É fundamental o respeito aos tecidos perirradiculares,
de biológica61,63. mas os resultados dos testes de toxicidade das subs-
Para Harrison63, os ensaios laboratoriais são exce- tâncias químicas obtidos em laboratório não podem ser
lentes na determinação do potencial relativo da toxi- extrapolados de forma absoluta para a clínica178.
cidade dos agentes químicos. Todavia, a extrapolação É preciso considerar que os resultados labora-
de tais testes para a situação clínica pode ser enganosa, toriais geralmente não produzem condições reais da
pois o procedimento de uso clínico não é levado em prática, sendo portanto desaconselhável aplicar dire-
consideração. O modo clínico no qual o agente químico tamente seus resultados sem que haja uma adequada
é usado afeta diretamente seu potencial de toxicidade. análise deles em relação ao comportamento clínico das
Os efeitos lesivos causados por uma substância substâncias químicas auxiliares da instrumentação.
desinfetante sobre os tecidos dependem de sua própria
toxicidade, de sua concentração, do tempo e da área
 SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS EMPREGADAS
de contato com os tecidos. Provavelmente, pelo curto
período de tempo que permanece em contato com uma
NO PREPARO DOS CANAIS RADICULARES
área reduzida dos tecidos perirradiculares durante os Entre as substâncias químicas existentes na Endo-
procedimentos de preparo químico-mecânico, o efeito dontia serão analisadas as rotineiramente empregadas
irritante de uma substância química auxiliar da instru- no preparo químico-mecânico dos canais radiculares.
mentação ou de uma solução irrigadora pode ser mini- Estudos in vitro têm demonstrado a eficiência rela-
mizado. É isso o que acontece com o hipoclorito de só- tiva de diferentes substâncias químicas quanto às suas
dio a 5,25%149. Embora in vitro ele apresente pronuncia- propriedades físicas, químicas e biológicas. Entretanto,
da citotoxidade112, in vivo esse efeito não é observado60, essa efetividade não tem sido claramente demonstra-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 537

da em estudos clínicos. Assim, pode-se afirmar que a ro (Na = 23, O = 16, Cl = 35,5). Assim: NaOCl/Cl2 =
maioria das informações é teórica63,179. 74,5/71 = 1,0493, que é o fator de conversão. Esse fator
Certamente, isso se deve à complexidade anatô- multiplicado pelo resultado final de cloro ativo (t) for-
mica do canal radicular que dificulta o contato da subs- nece o teor de hipoclorito de sódio % diretamente, isto
tância com os tecidos ou micro-organismos; à rapidez é: g% NaOCl = t × 1,0493.
da instrumentação que reduz o tempo de permanência Tomando-se como exemplo: Água Sanitária Clorox
da substância no interior do canal; ao pequeno volume
de substância que um canal pode conter; e à renovação • teor de cloro ativo = 2,309g%
deficiente da substância química durante o preparo do • teor de hipoclorito de sódio = 2,309 × 1,0493 =
canal radicular. 2,423g%
A substância química auxiliar deve ser aplicada
no interior do canal radicular com uma seringa e agu- Indubitavelmente para o hipoclorito de sódio, a
lha hipodérmica. É importante que a substância pene- análise mais importante é a determinação quantitativa
tre em toda a extensão do canal radicular. Isso geral- dos teores de cloro ativo e de hipoclorito. É evidente
mente ocorre em canais amplos, porém na maioria dos que o teor de cloro ativo deve-se ao teor de hipoclorito,
canais é necessário um preparo coronário para facilitar pois esse é quem dará origem ao primeiro.
a penetração da substância auxiliar em direção apical. As soluções aquosas de NaOCl obtidas por pro-
Nesses casos, a movimentação do instrumento durante cesso eletrolítico apresentam concentração variável de
o cateterismo ou preparo endodôntico favorece a pene- 10 a 17%. Normalmente a sua diluição origina as dife-
tração e a renovação da substância química. rentes concentrações de soluções cloradas usadas em
Machtou87 relatou que o sucesso da terapia en- Endodontia, assim como as diversas marcas comerciais
dodôntica repousa sobre a tríade preparo químico- de águas sanitárias78.
mecânico, controle da infecção e obturação dos canais Classificado como um composto halogenado, o
radiculares. Salientou que devem ser eliminados to- NaOCl pode ser encontrado em uma série de produ-
dos os resíduos e os micro-organismos do interior dos tos, contendo concentrações e aditivos variáveis, tais
canais radiculares e relatou que a ação de uma subs- como:
tância química auxiliar depende de dois fatores: área
de contato entre a substância química e os resíduos e • Líquido de Dakin: solução de NaOCl a 0,5% (equi-
o tempo de ação. valente a 5.000ppm), neutralizada por ácido bórico
para reduzir o pH (pH próximo de neutro).
Hipoclorito de sódio • Líquido de Dausfrene: solução de NaOCl a 0,5% (equi-
valente a 5.000ppm), neutralizada por bicarbonato
Industrialmente o hipoclorito de sódio (NaOCl) é de sódio.
obtido por processos eletrolíticos que originam a cha- • Solução de Milton: solução de NaOCl a 1% (equivalente
mada indústria eletroquímica do cloro. A eletrólise a 10.000ppm), estabilizada por cloreto de sódio (16%).
de uma solução de cloreto de sódio dependendo das • Licor de Labarraque: solução de NaOCl a 2,5% (equi-
condições poderá fornecer: o hidróxido de sódio, cloro, valente a 25.000ppm).
hipoclorito de sódio e ácido clorídrico. • Soda clorada: solução de NaOCl de concentração vari-
O valor de um hipoclorito ou cloróforo deve-se ável entre 4 e 6% (equivalente a 40.000-60.000ppm).
ao teor de cloro que libera. O cloro liberado é denomi- • Água Sanitária: soluções de NaOCl a 2-2,5% (equiva-
nado cloro ativo. O teor de cloro ativo é definido pelo lente a 20.000-25.000ppm).
grau clorométrico, que representa o peso de cloro libe-
rado por 100 gramas do cloróforo em natureza ou 100 O hipoclorito de sódio foi utilizado para a limpe-
mililitros (mL) de solução (grau clorométrico inglês). O za de feridas, em 1915, por Dakin31, sendo seu empre-
teor de cloro ativo é determinado pelo método de titulo- go em Endodontia proposto por Coolidge79, em 1919.
metria iodométrica. O teor de hipoclorito de sódio nor- Walker177, em 1936, propôs a utilização da soda clorada
malmente é obtido multiplicando o resultado final do na irrigação de canais radiculares. Sua utilização no
percentual de cloro ativo por um fator de conversão e preparo químico-mecânico de canais radiculares se
tem-se diretamente o teor de hipoclorito de sódio91. tornou difundida graças a Grossman55,56. É sem dúvida
O fator de conversão é obtido dividindo-se os pe- a solução química auxiliar da instrumentação de canais
sos moleculares do hipoclorito de sódio pelo do clo- radiculares mais usada mundialmente.
538 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

O hipoclorito de sódio apresenta uma série de – direta: o NaOH em excesso neutraliza os ácidos, em
propriedades, tais como: atividade antimicrobiana, sol- especial o ácido carbônico, presente quase sempre
vente de matéria orgânica, desodorizante, clareadora, sob a forma de CO2, transformando-o em carbo-
lubrificante e baixa tensão superficial. É também deter- nato de sódio. A presença do carbonato de sódio
gente, porque promove a saponificação de lipídios13,54. (Na2CO3) dará origem a um segundo tipo de alca-
O hipoclorito de sódio somente existe em solução linidade, a alcalinidade por carbonato. O CO2 tem
aquosa. Nesse estado ele origina hidróxido de sódio a sua fonte principal a atmosfera, que vai saturar a
(base forte) e ácido hipocloroso (ácido fraco). Assim, água usada para a obtenção do produto final.
em solução aquosa o hipoclorito de sódio exibe um – indireta: a alcalinidade cáustica, que eleva o valor
equilíbrio dinâmico de acordo com a reação: do pH próximo a 13,5, vai retardar uma reação de
autorredox do hipoclorito, a formação de clorato
NaOCl + H2O  NaOH + HOCl (3 ClOˉ  2Clˉ + ClOˉ3). A velocidade dessa reação é
HIPOCLORITO ÁGUA HIDRÓXIDO ÁCIDO mínima em valores alcalinos, pH ≥ 12, e esse valor
DE SÓDIO DE SÓDIO HIPOCLOROSO
só é mantido pela alcalinidade cáustica. A velocida-
de é mínima, porém não é anulada. Assim, a solução
Cabe ressaltar que, dependendo do pH do meio,
de hipoclorito conterá sempre pequenas concentra-
o HOCl pode encontrar-se ionizado (meio alcalino
ções de clorato109.
pH >9) ou não ionizado (meio ácido, pH ≤ 5,5).

A alcalinidade por carbonato, sempre presente


H2O
nos hidróxidos, indica a desestabilização da solução
HOCl  OCl + H+
de hipoclorito, pois o ácido carbônico libera cloro. En-
ÁCIDO ÍON ÍON
HIPOCLOROSO HIPOCLORITO HIDROGÊNIO quanto houver alcalinidade cáustica, essa liberação não
ocorre. Quanto maior o teor de carbonato, mais instá-
Por outro lado, o NaOH é uma base forte, estando vel estará a solução de hipoclorito de sódio109.
praticamente 100% dissociada. Portanto, a alcalinidade cáustica é um protetor da
estabilidade da solução de hipoclorito. Por sua vez, a
H2O alcalinidade por carbonato, uma impureza sempre pre-
NaOH  Na+ + – OH sente nos hidróxidos, indica o contrário, isto é, a de-
HIDRÓXIDO ÍON ÍON sestabilização, pois o ácido carbônico tem condições de
DE SÓDIO SÓDIO HIDROGÊNIO
liberar cloro.
A toxicidade da água sanitária varia em função
Para diversos autores, o ácido hipocloroso não io-
da quantidade de NaOH presente na solução. Para uso
nizado existente em soluções de hipoclorito de sódio
endodôntico, a água sanitária ideal seria aquela que
com valores de pH de 5 a 9 é a substância responsável
apresentasse um percentual de NaOH num valor má-
pela atividade antimicrobiana da solução. Assim, em
ximo próximo a 0,4g% (82,91).
pH ácido, a atividade antimicrobiana da solução será
potencializada apesar de sua estabilidade estar compro-
metida. A dissolução de tecido pulpar em um pequeno
Atividade solvente
período somente se dá por um efeito combinado entre A atividade solvente de tecido das soluções clo-
o hidróxido de sódio e o ácido hipocloroso oriundos radas tem sido estudada por diversos autores, que
da hidrólise do hipoclorito de sódio, cada um reagindo verificaram os fatores que influenciam a capacidade
com determinados componentes da polpa29,40,78,158. dessa solução em dissolver tecido orgânico, tais como:
As soluções de hipoclorito de sódio podem apre- relação entre o volume da solução e a massa de tecido
sentar dois tipos de alcalinidade: a cáustica e por car- orgânico; superfície de contato entre o tecido e a so-
bonato. A alcalinidade cáustica representa a concentra- lução de hipoclorito; tempo de ação; temperatura da
ção de hidróxido de sódio, e a por carbonato, a con- solução; agitação mecânica; concentração da solução e
centração de carbonato de sódio presente nas soluções frequência da renovação da solução no interior do ca-
cloradas. nal radicular30,60,167.
O hipoclorito de sódio é um composto instável Assim, quanto maiores forem esses fatores, maior
por ser oxidante, sendo estabilizado, em função da al- será a capacidade de dissolução do hipoclorito de só-
calinidade cáustica, por duas vias: dio sobre os tecidos orgânicos vivos ou necrosados.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 539

A capacidade de dissolução tecidual promovida Baumgartner e Cuenin8 examinaram as superfí-


pelo hipoclorito de sódio faz com que fragmentos de cies instrumentadas e não instrumentadas no segmento
tecido pulpar sejam liquefeitos, facilitando, assim, sua médio de canais radiculares após o uso de NaOCl em
remoção do interior do sistema de canais radiculares. várias concentrações. Relataram que as concentrações
A dissolução do tecido pulpar se verifica pelo de 5,25%, 2,5% e 1% promoveram a remoção total de re-
efeito combinado entre o hidróxido de sódio e o ácido manescentes pulpares e pré-dentina, nas superfícies não
hipocloroso, cada um reagindo com determinados com- instrumentadas. A solução a 0,5% foi menos eficaz.
ponentes da polpa dentária. O hidróxido de sódio reage Cunninghan e Balekjian30 estudaram que a dis-
com ácidos graxos (óleos e gorduras) presentes na ma- solução de colágeno pela ação do hipoclorito de sódio
téria orgânica, formando sais de ácidos graxos (sabão) a 2,6% a 37ºC era tão efetiva quanto a solução a 5% à
e glicerol (álcool) (Equação I). Reage também com ami- temperatura ambiente. A elevação da temperatura po-
noácidos das proteínas, formando sal e água (reação de tencializava a ação solvente de tecido.
neutralização) (Equação II). O ácido hipocloroso reage Koskinen et al.76 verificaram que o hipoclorito
com grupamento amina dos aminoácidos das proteínas, de sódio dissolvia a pré-dentina das paredes do canal
formando cloraminas e água (Equação III)29,36,158. radicular e, estudando a dissolução do tecido pulpar
bovino, observaram a eficácia da concentração a 5,0%
e 2,5%. Porém, salientaram que solução de hipoclorito
I. R–COO–R’ + NaOH  R–COONa + R’–OH
de sódio a 0,5% não era eficiente.
ÉSTER HIDRÓXIDO SABÃO GLICEROL
DE SÓDIO
Atividade antimicrobiana
H H Vários estudos demonstram que o hipoclorito
‫ ׀‬ ‫׀‬
de sódio apresenta excelente atividade antimicrobia-
II. R – C – COOH +
‫ ׀‬
NaOH  R – C – COONa
‫׀‬
+ H2O
na13,62,142,147,150,151,152. No entanto, o mecanismo exato pelo
NH2 NH2
qual essa substância destrói micro-organismos ainda
AMINOÁCIDO HIDRÓXIDO α AMINO ESTEARATO ÁGUA
DE SÓDIO DE SÓDIO
não foi perfeitamente elucidado. Alguns autores40,54,55,56
afirmaram que o efeito antimicrobiano do hipoclorito
de sódio ocorre pela liberação de oxigênio nascente
H Cl
‫ ׀‬ ‫׀‬ por parte do ácido hipocloroso, o qual, supostamente,
III. R – C – COOH +
‫ ׀‬
HOCl  R – C – COOH
‫׀‬
+ H2O destruiria o micro-organismo, pela formação de radi-
NH2 NH2 cais oxigenados tóxicos. Essa teoria parece infundada,
AMINOÁCIDO ÁCIDO CLORAMINA ÁGUA uma vez que outros compostos que liberam uma quan-
HIPOCLOROSO tidade muito maior de oxigênio nascente, como a água
oxigenada, não destroem micro-organismos tão rapi-
Para Spanó158, nas soluções de hipoclorito de só- damente quanto os compostos clorados151.
dio menos concentradas houve maior interação do áci- Destarte, sabe-se que a ação desinfetante de subs-
do hipocloroso com a matéria orgânica (Reação III) e tâncias cloradas se deve à liberação de cloro. Apesar de
que, nas soluções mais concentradas, houve maior in- o hidróxido de sódio gerado pela reação do hipoclo-
teração do hidróxido de sódio com a matéria orgânica rito de sódio com a água também apresentar eficácia
(Reação I). antimicrobiana, sabe-se que a formação de compostos
Grossman e Meiman54 relataram que a soda clora- contento cloro ativo, como o ácido hipocloroso e o íon
da é capaz de dissolver o tecido pulpar em menos de hipoclorito, é a principal responsável pela excelente
2 horas. atividade antimicrobiana da solução clorada40. A dis-
Abou-Rass e Oglesby1 avaliaram os efeitos da tem- sociação do ácido hipocloroso depende do pH, sen-
peratura, concentração e tipo de tecido (vital, necrosa- do que, em meio ácido, há o predomínio da forma de
do ou fixado com formocresol), na capacidade solvente ácido não dissociado, enquanto, em pH alcalino, o íon
do NaOCl. Eles verificaram que o aumento da concen- hipoclorito encontra-se em maior quantidade. O ácido
tração e da temperatura potencializou a dissolução de hipocloroso se encontra 100% não dissociado em pH
matéria orgânica. Também revelaram que o NaOCl foi próximo a 5,5, e 100% dissociado em pH 10. A ação
mais eficaz na dissolução do tecido vital, seguido pelo desinfetante do hipoclorito de sódio é inversamente
necrosado, enquanto o tecido fixado apresentou maior proporcional ao pH da solução. Assim, ela se torna
resistência ao processo. pronunciada quando o pH da solução decai, o que é
540 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

relacionado com o aumento da concentração de ácido As soluções cloradas terão ação antimicrobiana
hipocloroso não dissociado. Esse dado sugere que o em meio ácido, quando então liberam ácido hipoclo-
ácido hipocloroso apresenta maior efeito antimicrobia- roso. Esse ácido só atua na forma não dissociada e a
no do que o íon hipoclorito9,40. acidez impede a ionização do ácido hipocloroso, fa-
Dois efeitos antimicrobianos têm sido atribuídos vorecendo, assim, sua acentuada ação microbicida. O
ao cloro ativo liberado de um hipoclorito ou clorófo- ácido hipocloroso se encontra 100% não ionizado em
lo: inibição enzimática e formação de cloraminas, após pH próximo a 5,5 e 100% ionizado em pH próximo a
reação com componentes do citoplasma microbiano. 10. Daí, a importância do pH na ação microbiana do
Muitas enzimas microbianas contêm o aminoácido cis- cloro, pois o HOCl não ionizado é o componente ati-
teína, tendo assim cadeias laterais terminando em gru- vo. Assim, a um pH acima de 9 a ionização do hipo-
pamentos sulfidrila (SH). Tais enzimas apenas exercem clorito de sódio nas soluções aquosas usuais pode ser
suas funções, se o grupamento SH estiver livre e redu- considerada como sendo completa em temperaturas
zido. O cloro é um forte agente oxidante, que promove normais. Com a baixa do pH da solução de hipoclorito
a oxidação irreversível de grupamentos sulfidrila das de sódio com valores de pH de 9 a 5, forma-se progres-
enzimas microbianas40. Evidentemente, tal efeito se sivamente ácido hipocloroso. Esse ácido é classificado
dá tanto sobre enzimas associadas à membrana quan- como ácido muito fraco e é facilmente dissociado em
to sobre as enzimas presentes no citoplasma. Como meio alcalino.
enzimas essenciais são inibidas, importantes reações Nas soluções fortemente ácidas, com pH inferior
metabólicas são interrompidas, originando a morte ce- a 5, o cloro elementar aparece e constitui-se na forma
lular. O cloro também pode reagir com o grupamento predominante segundo a reação:
amina (NH) de proteínas citoplasmáticas, formando
cloraminas, compostos de reconhecida toxicidade, os HOCl + H+ + Clˉ  Cl2 + H2O
quais interferem com o metabolismo celular31,79. Toda- ÁCIDO ÍON ÍON CLORO ÁGUA
via, como o efeito microbicida do cloro se dá rapida- HIPOCLOROSO HIDROGÊNIO CLORO

mente, mesmo em baixas concentrações, as reações de


oxidação enzimática parecem preceder o acúmulo de Todavia, o pH alcalino (acima de 10) mantém a
cloraminas no citoplasma microbiano, sendo, por essa estabilidade das soluções de NaOCl. Por isso, o pH das
razão, o principal mecanismo envolvido na destruição soluções cloradas deve chegar às condições de acidez
da célula microbiana151. O hipoclorito de sódio também unicamente no momento do uso, com a liberação de
causa danos ao DNA. cloro nascente em meio ácido53. Parks et al.109 relatam
Alguns fatores podem interferir nas atividades que a própria acidez tecidual é suficiente para atingir
antimicrobiana e solvente de tecido do hipoclorito de essas condições, ou seja, abaixar o pH, formar ácido hi-
sódio, tais como: pocloroso e liberar o cloro.
É preciso ressaltar que, embora haja uma corre-
pH da solução lação entre a concentração de NaOH e valores eleva-
dos de pH, isso não quer dizer que se possa avaliar a
O pH de uma solução pode ser definido como o
concentração do NaOH a partir do pH. Isso porque o
logaritmo negativo da concentração de íons hidrogê-
pH é um índice que somente avalia o grau de alcalini-
nio: pH = – log(H+).
Tomando-se a água pura a 25ºC podemos calcular dade; outros parâmetros podem estar envolvidos nos
o seu pH: cálculos.
Spanó158 e Santos130, avaliando as soluções de hipo-
pH = – log(H+) = – log10–7 = – (– 7) = 7,0. clorito de sódio após os processos de dissolução tecidual
afirmaram que, quanto maior a concentração inicial da
Valores menores de pH (abaixo de 7,0) correspon- solução, menor a redução de seu potencial hidrogeniôni-
dem a concentrações mais elevadas de H+ (soluções co. A elevação da temperatura da solução causou maior
ácidas), e valores elevados de pH (acima de 7,0) a con- redução percentual do potencial hidrogeniônico, o que
centrações baixas de H+ (soluções básicas). se deve à interação do hidróxido de sódio com a maté-
Ácido é toda substância que, ao ser dissolvida em ria orgânica. O hidróxido de sódio reage com os ácidos
água, sofre ionização e libera íon H+ (próton). Base é graxos (óleos e gorduras), presentes na matéria orgânica
toda substância que, ao ser dissolvida em água, sofre formando sais de ácidos graxos (sabão) e glicerol (álco-
dissociação iônica e libera íon –OH (recebe um íon H+). ol). Esse, por ser um composto molecular, proporcionou
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 541

a diminuição da concentração de íons hidroxilas (–OH), quantidade de matéria orgânica, representada principal-
promovendo a redução do potencial hidrogeniônico. O mente por tecido pulpar, fluidos teciduais e micro-orga-
hidróxido de sódio reage também com aminoácidos das nismos compondo a infecção endodôntica. Para compen-
proteínas da matéria orgânica, formando sal e água (re- sar essa pequena relação (volume da solução/massa de
ação de neutralização). Assim, essas reações são respon- tecido) durante o preparo químico-mecânico do canal ra-
sáveis pela retirada de íons hidroxila do meio, promo- dicular, a solução de hipoclorito de sódio deve ser cons-
vendo a redução do potencial hidrogeniônico do líquido tantemente renovada. Outrossim, mormente durante o
residual. Essa redução do potencial hidrogeniônico das tratamento de canais com polpa necrosada e infectada,
soluções de hipoclorito de sódio reduz a velocidade de devemos optar pelo emprego de água sanitária, a qual é
dissolução do tecido pulpar. mais estável, favorecendo a obtenção de uma concentra-
ção de hipoclorito de sódio disponível para realizar uma
Temperatura ação solvente e antimicrobiana adequadas.
A temperatura da solução de hipoclorito de sódio
exerce uma influência significativa em suas proprieda- Concentração
des. De acordo com diversos autores, fatores como au- A concentração de uma solução é a relação de
mento de temperatura e de concentração e longo tempo quantidade entre soluto, solvente e solução. Essa rela-
de reação química proporcionam uma maior eficácia ção pode ser determinada de várias formas, entre elas
da solução de hipoclorito de sódio quanto à sua ação a concentração comum ou em grama/litro (g/L) e a
solvente e antimicrobiana1,3,30,40,164. porcentagem em massa ou em peso.
O aquecimento da solução aumenta sua capaci- Massa é a quantidade de matéria que compõe o
dade solvente de matéria orgânica1. Uma elevação de corpo e varia com o tipo e o número dos átomos de que
10ºC na temperatura da solução promove uma redução é formada. Peso, por ser uma força (F), é o produto da
de, aproximadamente, 50 a 60% no tempo necessário massa (m) pela aceleração da gravidade (g).
para destruir micro-organismos. Por sua vez, se a tem-
peratura da solução for reduzida em 10ºC, esse tempo P=F=m×g
será elevado em cerca de duas vezes40.
A velocidade de dissolução do tecido pulpar bovi- Nessa relação, o peso de um corpo é proporcional
no é diretamente proporcional à concentração e à tempe- a sua massa. Nessa equação o fator de proporcionali-
ratura de utilização da solução de hipoclorito de sódio, dade é a aceleração da gravidade, que varia com a po-
isto é, quanto maiores a concentração e a temperatura sição que estivermos em relação ao nível do mar. Um
utilizadas, maior a velocidade de dissolução tecidual. A mesmo corpo (mesma massa) no nível do mar é mais
elevação da temperatura aumenta a frequência das coli- pesado do que no alto de uma montanha.
sões moleculares, e elas contribuem para o aumento da Concentração (C) de uma solução é a relação en-
velocidade de uma reação. O mais importante é o fato tre a massa do soluto (m1), em gramas, e o volume da
de que uma elevação da temperatura aumenta a pro- solução (V), em litros.
porção de moléculas que terão energia suficiente para
reagir. Consequentemente, quanto maior for a tempera-
m1
tura, maior será a proporção de moléculas que colidem C= (g/L)
V
e que reagirão umas com as outras e, como resultado,
maior será a velocidade de dissolução tecidual130. Porcentagem em massa ou em peso (p) de uma
solução é a massa de soluto dissolvida em 100 unida-
Matéria orgânica des de massa da solução.
A relação entre o volume da solução e a massa de
tecido tem influência na efetividade do hipoclorito de massa da solução massa do soluto
sódio. m(m1 + m2).........................................................m1
Quanto maior for essa relação, maiores serão a 100..................................................................p
capacidade de dissolução e a atividade antimicrobiana 100 × m1 ou 100 × m1
p=
do hipoclorito de sódio sobre os tecidos orgânicos vi- m m1 + m2
vos ou necrosados e sobre os micro-organismos.
Durante o tratamento endodôntico, pequeno vo- p = porcentagem; m = massa da solução; m1 = massa do
lume de solução de hipoclorito de sódio contata grande soluto; m2 = massa do solvente.
542 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

Para vários autores, existe uma relação direta-


mente proporcional entre a concentração da solução de
hipoclorito de sódio e a velocidade de dissolução, isto
é, quanto maior a concentração da solução, mais rápida
é a dissolução tecidual54,60,76,158.

Atividade desodorizante
As infecções por bactérias anaeróbias usualmente
resultam em odor fétido, devido à produção de ácidos
graxos de cadeia curta, compostos sulfurados, amônia
e poliaminas. O cloro pode desodorizar por dois me-
canismos:
Figura 13-2. Efeito inibitório da solução de hipoclorito de sódio a
4% sobre Prevotella nigrescens.
1. atividade letal sobre os micro-organismos envolvi-
dos na infecção pulpar;
As atividades antimicrobiana e solvente do hipo- 2. ação oxidativa sobre os produtos bacterianos, neu-
clorito de sódio dependem da concentração da solução tralizando-os e eliminando o mau odor.
química. Essas atividades diminuem à medida que a
solução é diluída, sendo a capacidade solvente mais
Considerações clínicas
afetada do que a antimicrobiana. Quando do uso de
soluções de concentrações menores, elas deverão ser Uma vez que o NaOCl necessita estar em con-
renovadas no interior do canal radicular com maior centração suficiente para exercer seus efeitos antimi-
frequência. crobianos e solvente de tecidos, a questão de sua ins-
Soluções mais concentradas apresentam maior tabilidade química é crítica. Uma solução de NaOCl
atividade antimicrobiana, desde que outros fatores, apresenta decréscimos significativos de concentração
como tempo de atuação, pH, temperatura e conteúdo quando armazenada em condições inadequadas ou
orgânico, sejam mantidos constantes. Siqueira et al.151 quando o frasco, durante o uso, é frequentemente
demonstraram que a solução de hipoclorito de sódio aberto.
a 5,25% foi mais eficaz do que a solução a 1% para ini- Avaliando as concentrações de cloro ativo em
bir o crescimento de bacilos produtores de pigmentos amostras de soluções de hipoclorito de sódio utilizadas
negros. Em outro estudo, Siqueira et al.149 demonstra- em consultórios de endodontistas, concluímos que:
ram que a solução a 4% apresentou atividade antibac-
teriana mais pronunciada contra bactérias facultativas • nenhuma amostra apresenta a concentração previs-
e bacilos produtores de pigmentos negros (anaeróbios ta pelo fabricante;
estritos) quando comparada às soluções a 2,5% e a 0,5% • as soluções de hipoclorito de sódio são instáveis;
(Fig. 13-2). • as soluções a 0,5% foram as que mais perderam clo-
Siqueira et al.154 avaliaram in vitro a redução da ro ativo proporcionalmente (Quadro 13-4).
população bacteriana intracanal produzida pela ins-
trumentação e irrigação com soluções de NaOCl a 1%,
2,5% ou 5,25%. Como controle, empregou-se solução Quadro 13-4 Concentrações de cloro ativo encontradas
salina como irrigante. Todas as soluções promoveram nas amostras de soluções de NaOCl (médias)
redução significativa no número de células bacterianas
no canal. Não houve diferença significante entre as três Capacidade de
Indicada no rótulo Encontrada
concentrações de NaOCl utilizadas. Todavia, todas atividade
as soluções de NaOCl foram significativamente mais 5% 3,24% 64,7%
eficazes do que a solução salina, fato que realça a im-
portância do efeito químico, além do mecânico. Esses 2% 1,6% 80%
resultados quanto à atividade antibacteriana indicam
que trocas regulares da solução no canal e irrigações 1% 0,78% 78,3%
copiosas mantêm as propriedades das soluções, com-
0,5% 0,06% 11,5%
pensando os efeitos da concentração.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 543

Quadro 13-5 Vantagens e desvantagens do hipoclorito Um estudo de Marchesan et al.90 revelou que
de sódio várias marcas de água sanitária nacionais jamais
apresentaram concentrações de NaOCl abaixo do
Vantagens Desvantagens especificado nos rótulos das embalagens. Os teores
de cloro disponíveis variaram entre 2,53 e 2,95%, e o
Relativamente barato Instável ao armazenamento
pH entre 12,53 e 13,44.
Inativado por matéria Martins91 analisou química e quantitativamente
Rápida atuação 18 amostras de diferentes marcas de águas sanitá-
orgânica
rias, viabilizando-as como fonte de hipoclorito de
Desodorizante e lubrificante Corrosivo sódio, e concluiu que as marcas Clorox, Super Globo
e Q-Boa são seguras para o uso como solução quími-
Atividade antimicrobiana
ca auxiliar de instrumentação na Endodontia.
pronunciada contra Irritante para a pele e mucosa
O teor de cloro ativo, o teor de hipoclorito de só-
bactérias, fungos e vírus
dio, a alcalinidade cáustica, a alcalinidade por carbo-
Relativamente não tóxico nas nato de sódio e o pH de soluções-mães de seis marcas
Forte odor
condições de uso comerciais de águas sanitárias foram determinados
por Lopes et al.82 e estão expressos no Quadro 13-6.
Ação solvente de matéria Nesse mesmo trabalho concluíram que:
Descora tecidos
orgânica
• todas as marcas de água sanitária testadas apresen-
Concentrações facilmente
Remove carbono da borracha taram teor de cloro ativo dentro dos percentuais
determinadas
exigidos segundo a Portaria 89, de 25 de agosto de
Clareador 1994, da Secretaria de Vigilância Sanitária – Ministé-
rio da Saúde18;
• as marcas Q-Boa, Super Globo e Clorox apresenta-
ram menor teor de NaOH (alcalinidade cáustica);
Dada a instabilidade das soluções de hipoclorito • é viável o uso das marcas Q-Boa, Super Globo e
de sódio, é aconselhável que as mesmas sejam adquiri- Clorox como solução química auxiliar do preparo
das dentro do prazo de validade e o mais próximo pos- químico-mecânico dos canais radiculares.
sível da data de fabricação. Por serem as soluções de
hipoclorito de sódio instáveis, perdem eficiência com a Siqueira et al.150, avaliando a atividade antimicro-
elevação da temperatura, com a exposição à luz e ao ar biana das águas sanitárias Ajax (Colgate-Palmolive,
e quando armazenadas por longos períodos.
Grossman55, considerando a instabilidade do hi- Quadro 13-6 Média dos resultados de teor de cloro
poclorito de sódio, advoga a sua armazenagem para, ativo, teor de hipoclorito de sódio, alcalinidade cáustica,
no máximo, três meses, devendo ser guardado em vi- alcalinidade por carbonato de sódio e pH das soluções
dro de cor âmbar ao abrigo da luz e do calor. analisadas
O Quadro 13-5 resume as principais vantagens
e desvantagens do hipoclorito de sódio. pH
Cl2 NaOCl NaOH Na2CO3
Marca (solução-
A concentração ideal em que a solução de hipo- (g%) (g%) (g%) (g%)
mãe)
clorito de sódio deve se apresentar, sua toxicidade e
sua instabilidade são motivos de grande discussão. Ajax 2,590 2,729 0,929 0,974 12,82
Entretanto, diversos autores consideram a concentra-
ção de 2,5% como a de primeira escolha28,32,60,82,93,173. Brilhante 2,446 2,566 0,994 0,285 12,89
Em muitos países, as soluções de hipoclorito
Brilux 2,138 2,244 0,486 0,131 12,61
de sódio usadas em Odontologia são fornecidas a
partir de agentes clareadores domésticos (água sa- Clorox 2,191 2,298 0,243 0,053 12,37
nitária), sendo que o mais popular entre essas solu-
ções é o Clorox. Foi Lewis80, em 1954, o primeiro a Super
2,354 2,475 0,209 0,126 12,27
sugerir o Clorox como fonte de hipoclorito de sódio Globo
para o preparo químico-mecânico de canais radi-
Q-Boa 2,434 2,553 0,177 0,088 12,12
culares.
544 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

São Paulo, SP), Brilux (Pará Inds. R. Raymundo da passíveis de ocorrerem durante o atendimento clínico.
Fonte S.A., Belém, PA), Brilhante (Indústrias Gessy Le- Para os canais amplos com polpa vital é aconselhável
ver Ltda., São Paulo, SP), Q-Boa (Indústrias Anhembi o uso de solução de menor concentração. A diluição
S.A., Osasco, SP), Kokinos (Kokino’s Ind. Com. Ltda., da água sanitária para uma concentração de 1% de clo-
D. Caxias, RJ), Bariloche (Indústrias Químicas Ribeiro ro ativo pode ser realizada facilmente no consultório,
Ltda., Rio de Janeiro, RJ), Super Globo (Água Sanitá- adicionando-se duas partes do produto a três partes de
ria Super Globo S.A., Rio de Janeiro, RJ) contra cepas água destilada. As águas sanitárias em função de suas
bacterianas de Prevotella nigrescens, Propionibacterium propriedades físicas satisfatórias e de seu baixo custo
acnes, Pseudomonas aeruginosa, E. faecalis, Lactobacillus também são usadas como soluções irrigadoras durante
casei, Escherichia coli e Streptococcus bovis, uma cultura a irrigação-aspiração dos canais radiculares. O empre-
mista (amostra de saliva total) e uma levedura (Candida go de uma mesma solução química como substância
albicans), observaram que todas as sete marcas apresen- auxiliar da instrumentação e como solução irrigadora
taram atividade satisfatória, não tendo sido detectadas simplifica e agiliza o preparo do canal radicular.
diferenças estatisticamente significantes entre os gru- Associações de outras soluções com o NaOCl em
pos (p >0,05). A concentração de NaOCl das amostras uso alternado durante a irrigação têm sido propostas
testadas variou entre 2 e 2,5%. com o intuito de maximizar a eliminação bacteriana do
Nery100 avaliou a influência no processo de repa- canal radicular. Siqueira et al.155 compararam a eficá-
ro apical e perirradicular de dentes de cães com lesão cia da instrumentação associada a diferentes soluções
perirradicular de diferentes soluções químicas auxilia- irrigantes em reduzir a população bacteriana intraca-
res empregadas no preparo químico-mecânico. Após nal. Canais inoculados com E. faecalis foram prepara-
o preparo, os canais radiculares foram obturados na dos e irrigados com as seguintes soluções: NaOCl a
mesma sessão. A análise histopatológica das amostras 2,5%; NaOCl a 2,5% e ácido cítrico a 10%, alternados;
obtidas demonstrou que as soluções de hipoclorito de NaOCl a 2,5% e gluconato de clorexidina a 2%, alter-
sódio a 1 e 2,5% favoreceram o reparo dos tecidos api- nados; e solução salina. Amostras foram coletadas dos
cais e perirradiculares, sendo os resultados semelhan- canais antes e depois do preparo químico-mecânico,
tes para as duas soluções. diluídas e cultivadas para contagem das unidades for-
Várias marcas de água sanitária disponíveis no madoras de colônias. Todos os irrigantes significati-
comércio nacional são fáceis de ser encontradas, mes- vamente reduziram a população bacteriana dentro do
mo em localidades mais isoladas, apresentam um bai- canal radicular. Não houve diferenças significantes en-
xo custo e, devido ao alto consumo pela população em tre os grupos experimentais. Todavia, todos os grupos
geral, são frequentemente renovadas no estoque do foram significativamente mais eficazes do que o grupo-
vendedor, o que diminui os riscos de decomposição da controle onde solução salina foi usada como irrigante.
solução. Portanto, as águas sanitárias podem ser utili- Tais resultados confirmaram a importância do empre-
zadas como soluções químicas auxiliares e na irrigação go de substâncias dotadas de atividade antimicrobiana
de canais radiculares como uma alternativa às soluções durante o preparo químico-mecânico. Além disso, o
de NaOCl disponíveis no comércio odontológico. É re- uso combinado de outros irrigantes com o NaOCl não
comendável que o profissional renove frequentemente potencializou a redução bacteriana induzida por essa
o seu estoque de água sanitária e armazene os frascos, substância quando usada isoladamente na irrigação.
devidamente fechados, ao abrigo da luz e do calor.
Durante o tratamento de canais radiculares inde-
pendentemente das condições da polpa dentária indi-
Clorexidina
camos como solução química auxiliar da instrumen- A clorexidina é composta estruturalmente por
tação soluções de hipoclorito de sódio a 2,5% (águas dois anéis clorofenólicos nas extremidades, ligados a
sanitárias – Clorox, Super Globo ou Q-Boa). Nessa um grupamento biguanida de cada lado, conectados
concentração, o hipoclorito de sódio favorece a solubi- por uma cadeia central de hexametileno35.
lização dos remanescentes teciduais vivos ou necrosa- Essa bisbiguanida catiônica (carregada positiva-
dos do sistema de canais radiculares e atua de manei- mente) é uma base forte, sendo praticamente insolúvel
ra eficaz contra a microbiota dos canais infectados. A em água, daí sua preparação na forma de sal, o que au-
atividade antimicrobiana de águas sanitárias também menta a solubilidade da substância. O sal digluconato
é de fundamental importância como fator de segu- de clorexidina em solução aquosa é o mais utilizado na
rança em deslizes da manutenção da cadeia asséptica Odontologia34,35.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 545

As soluções são usualmente incolores e inodoras. como, por exemplo, íons potássio. Além disso, ao nível
As aquosas são mais estáveis em pH de 5 a 8. Acima dis- de membrana, a clorexidina pode inibir a atividade de
so, há precipitação, enquanto, em pH ácido, há deterio- determinadas enzimas, como a adenosina trifosfatase
ração da atividade em razão da perda de estabilidade (ATPase). Se o efeito da clorexidina em razão da baixa
da solução. A atividade antibacteriana da clorexidina é concentração para nesse ponto, a substância tem um
excelente na faixa de pH entre 5,5 e 7, o que abrange o efeito bacteriostático35.
pH das superfícies corporais e dos tecidos110,123. Adsorção é a adesão de uma substância a uma
O digluconato de clorexidina é um agente anti- outra. No processo de adsorção, um líquido ou um gás
bacteriano de amplo espectro, sendo muito emprega- (adsordato) se adere firmemente à superfície de um só-
do na Periodontia para reduzir a formação de placas e lido ou líquido (adsorvente). A adsorção é um proces-
no tratamento de suporte de doenças periodontais125. so de superfície. O processo de adsorção difere do de
Esse composto aromático de bisbiguanida é solúvel em absorção onde uma substância absorvida penetra den-
água, sendo que em pH fisiológico se dissocia liberan- tro da outra (sólido) num processo chamado difusão.
do moléculas de carga positiva. Basicamente o processo de absorção é na realidade a
Além de possuir atividade antibacteriana de am- combinação da adsorção e difusão.
plo espectro, a clorexidina apresenta substantividade, O efeito bactericida da clorexidina é observado
isto é, ela se liga à hidroxiapatita do esmalte ou dentina em concentrações mais altas, quando se verifica que o
e a grupos aniônicos ácidos de glicoproteínas, sendo dano à membrana citoplasmática é mais grave, levan-
lentamente liberada à medida que a sua concentração do ao extravasamento de conteúdo citoplasmático de
no meio decresce, permitindo assim um tempo de atu- maior peso molecular, como ácidos nucleicos. Quando
ação prolongado. Assim, essa substância pode manter a concentração da substância é suficientemente eleva-
seus efeitos por um longo período35,125. da (100 a 500mg/L), não há mais extravasamento do
A clorexidina apresenta atividade antibacteriana conteúdo do citoplasma bacteriano, visto que ele se
contra um grande número de espécies gram-positivas torna precipitado, como resultado da reação da clore-
e gram-negativas35 (Fig. 13-3). xidina com compostos fosfatados, como ATP (adenosi-
Em baixas concentrações, a clorexidina é bacte- na trifosfato) e ácidos nucleicos, formando complexos.
riostática, enquanto em concentrações mais elevadas é Nesse último caso, o efeito bactericida é extremamente
bactericida. Por ser uma molécula catiônica, a clorexi- rápido. A maioria das soluções de clorexidina usadas
dina é atraída e adsorvida à superfície bacteriana, na na clínica possui efeito bactericida35.
qual é carregada negativamente. Essa adsorção dá-se, Siqueira et al.149, avaliando os efeitos inibitórios
principalmente, em componentes contendo fosfato. das soluções de clorexidina a 0,2 e a 2% sobre bactérias
Na sequência do processo de lise da bactéria, a clore- anaeróbias estritas e facultativas, comumente isoladas
xidina é atraída para a membrana citoplasmática, na de canais radiculares infectados, observaram que não
qual promove uma ruptura, permitindo a liberação de houve diferença significante entre elas. Entretanto,
componentes citoplasmáticos de baixo peso molecular, quando comparadas à solução de hipoclorito de sódio
a 4%, ambas as soluções de clorexidina apresentaram
atividade antibacteriana significativamente menor.
Rigel et al.123 compararam, in vivo, a efetividade
antimicrobiana da clorexidina a 0,2% e NaOCl a 2,5%,
no preparo químico-mecânico dos canais radiculares,
demonstrando que a solução clorada foi significativa-
mente mais eficaz do que a clorexidina como agente
antimicrobiano.
Quando utilizada nas concentrações preconiza-
das para emprego clínico (entre 0,12 e 2%), a clorexidi-
na apresenta uma relativa ausência de toxicidade123,125.
Por outro lado, o hipoclorito de sódio é citotóxico e ir-
ritante aos tecidos112. Essa característica provavelmente
indicaria a utilização da clorexidina como substância
Figura 13-3. Halos de inibição do crescimento bacteriano promo- auxiliar da instrumentação em detrimento do hipoclo-
vido por soluções de clorexidina a 0,2 e 2%. rito de sódio. Entretanto, como já discutido, esse efei-
546 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

to irritante do hipoclorito de sódio não parece exercer lar. Amostras foram coletadas do canal antes e depois
qualquer influência no êxito do tratamento, desde que da instrumentação e então cultivadas. Nos casos com
utilizado na forma indicada, limitado ao interior do ca- cultura positiva, bactérias foram identificadas por se-
nal radicular. Além disso, outras propriedades devem quenciamento do gene da porção 16S do rRNA. Inde-
ser levadas em conta ao se selecionar uma substância pendentemente do grupo, a instrumentação e a irriga-
química a ser empregada no preparo dos canais radi- ção resultaram em redução de mais de 95% no número
culares. O hipoclorito de sódio apresenta, além da ex- de bactérias no canal. No grupo do NaOCl, 37,5% dos
celente atividade antimicrobiana, outras propriedades, canais apresentavam culturas negativas. No grupo da
como solvente de matéria orgânica e clareador, que a clorexidina, 50% não apresentaram crescimento bacte-
clorexidina não possui, o que é de grande valia durante riano. Estreptococos foram o grupo de bactérias mais
o preparo de canais com polpa necrosada. O efeito sol- comumente isolado dos canais com culturas positivas.
vente do hipoclorito de sódio pode auxiliar na limpeza Não houve diferença estatisticamente significativa en-
do sistema de canais radiculares, promovendo a remo- tre a irrigação com o NaOCl e a clorexidina.
ção de matéria orgânica em decomposição, não afetada Resultados semelhantes quanto à ausência de di-
pelos instrumentos endodônticos1,54. ferença significante entre a eficácia antibacteriana do
Embora não apresentando atividade solvente de NaOCl e da clorexidina foram observados em vários ou-
tecido pulpar, o gluconato de clorexidina é um eficien- tros estudos clínicos ou laboratoriais41,52,64,73,126,141,174,176.
te antimicrobiano e possui uma relativa ausência de A clorexidina pode ser a substância química de elei-
toxicidade. Em busca de corrigir as propriedades inde- ção quando há relato de alergia ao hipoclorito de sódio
sejáveis dessa solução, alguns autores têm sugerido o por parte do paciente e, possivelmente, no tratamento
seu emprego associado ao hipoclorito de sódio. de dentes com polpa necrosada associada à rizogênese
Kuruvilla e Kamath77, avaliaram, in vivo, a ativida- incompleta, onde existe grande risco de extravasamento
de antimicrobiana das soluções de hipoclorito de sódio apical da solução química. Pode haver desenvolvimento
a 2,5%, clorexidina a 0,2% e associação de ambas, como de reações graves dos tecidos perirradiculares, quando
substância química auxiliar no tratamento endodôntico do extravasamento apical de hipoclorito de sódio du-
de dentes com necrose pulpar e reação perirradicular vi- rante a execução da terapia endodôntica127.
sível radiograficamente. Foram feitas coletas microbio-
lógicas antes e após o preparo. Esse estudo mostrou que
Ácido etilenodiamino tetracético
a combinação hipoclorito de sódio e clorexidina resul-
dissódico (EDTA)
tou em menor quantidade de culturas positivas após o
preparo químico-mecânico do canal radicular. Entretan- A instrumentação de canais radiculares calcifica-
to, a forte pigmentação acastanhada e a impregnação da dos e atresiados sempre foi tarefa difícil para os que
dentina oriunda da combinação das duas substâncias155, se dedicam à clínica endodôntica. Para esses casos,
gerando o composto paracloroanilina7, desabonam seu durante muito tempo se empregaram ácidos inorgâ-
uso associado quando da irrigação de canais. nicos, como sulfúrico, fenil sulfônico e clorídrico. Po-
Por outro lado, Siqueira et al.155 compararam a rém, esses ácidos têm um poder lesivo muito grande
eficácia in vitro da instrumentação associada a diferen- sobre os tecidos vivos, em particular sobre os tecidos
tes soluções químicas para reduzir a população bac- perirradiculares55,89.
teriana intracanal e revelaram que o uso alternado do Em 1957, Ostby106, baseado no trabalho de Nikifo-
NaOCl a 2,5% com o gluconato de clorexidina a 2% não ruk e Sreebny103, indicou a solução salina de etilenodia-
foi mais eficaz do que o NaOCl usado isoladamente. mino tetracético dissódico (EDTA) para a instrumen-
Além disso, relatam o desenvolvimento de forte pig- tação de canais atresiados. Esse sal, derivado de um
mentação acastanhada quando da associação da clore- ácido fraco, é capaz de promover, em pH alcalino, a
xidina com o NaOCl, que tem o potencial de apresentar quelação de íons cálcio da dentina.
efeitos antiestéticos. Por tais razões, não recomenda- O EDTA, na sua forma de ácido, apresenta um
mos a associação dessas duas substâncias. pequeno poder de descalcificação, porque sua solubili-
Em um estudo clínico controlado, Siqueira et al.155 dade em água é pequena (0,001 mol/L). Consequente-
compararam a eficácia antibacteriana do NaOCl a 2,5% mente, seu poder quelante é reduzido, pela impossibi-
e da clorexidina a 0,12% quando utilizados como subs- lidade de uma efetiva dissociação iônica4,5,68,129.
tância química auxiliar no tratamento de dentes com A solubilidade do EDTA está diretamente relacio-
canais infectados associados a uma lesão perirradicu- nada com o número de átomos de hidrogênio dos radi-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 547

cais carboxila, substituídos por sódio. Como apresenta Diversos trabalhos indicam que as soluções
quatro radicais carboxila, podemos obter quatro tipos de EDTA apresentam ação desmineralizadora so-
de sais: mono, di, tri e tetrassódico. bre a dentina, a qual é verificada por meio de tes-
tes de microdureza. Os resultados mostram que o
O EDTA apresenta a seguinte fórmula estrutural: EDTA diminui a microdureza da dentina e o pH, en-
quanto o tempo de ação da solução influencia a ação
HOOC – CH2 CH2 – COOH desmineralizadora28,43,118,131.
N – CH2 – CH2 – N Patterson113 afirma que a dureza da dentina hu-
HOOC – CH2 CH2 – COOH mana varia com a sua localização e possui valores de
25 a 80 na escala Knoop. Na junção cementodentinária
Levando em consideração a capacidade de des- e nas proximidades da superfície do canal radicular a
calcificação e a compatibilidade biológica do EDTA em dureza é menor e, quando a dentina foi submetida à
relação aos tecidos pulpares e perirradiculares, empre- ação de EDTA, a dureza máxima determinada foi de
gamos o sal trissódico68,99,106,129,148. 1,6 Knnop.
As soluções de EDTA também influenciam na
NaOOC – CH2 CH2 – COONa permeabilidade da dentina. A maioria dos trabalhos
N – CH2 – CH2 – N revela que o emprego do EDTA aumenta essa per-
HOOC – CH2 CH2 – COONa meabilidade. Esses resultados geralmente são obti-
dos através de infiltração de corantes ou de métodos
Quando se coloca uma solução aquosa de EDTA histoquímicos113,117,118,124.
no interior do canal radicular, ocorre, inicialmente, a Quanto à compatibilidade do quelante em relação
solubilização de uma quantidade muito pequena de ao tecido pulpar e perirradicular de cães, os resultados
moléculas de fosfato de cálcio, componente mineral da são, por vezes, discordantes. Silveira148 observou rea-
dentina, até que seja estabelecido o equilíbrio: ção inflamatória moderada, enquanto Ostby106 e Nery
et al.99 observaram uma resposta tecidual satisfatória.
H2O O efeito antimicrobiano de soluções de EDTA é
Ca3(PO4)2
 3Ca++ + 2PO4– – – negado por Pupo et al.122. Todavia, Byström e Sund-
FOSFATO DE CÁLCIO ÍON CÁLCIO ÍON FOSFATO qvist20, no tratamento endodôntico de dentes infecta-
dos, observaram que o uso combinado de uma solu-
O EDTA incorpora o cálcio por meio das ligações ção de EDTA e de hipoclorito de sódio a 5% apresenta
bivalentes do oxigênio existente em sua estrutura, fe- atividade antibacteriana mais eficaz do que quando se
chando-o numa cadeia heterocíclica. Essa reação é de- usava apenas a solução de hipoclorito de sódio. Siquei-
nominada quelação, e o produto resultante, quelato de ra et al.149 confirmaram que o EDTA possui atividade
cálcio. antibacteriana contra bacilos anaeróbios estritos pro-
dutores de pigmentos negros.
Ca+ + + EDTA  Ca EDTA Para alguns autores, soluções irrigantes, como as
de hipoclorito de sódio e água oxigenada, neutralizam
Dessa forma ocorre uma quebra da constante de a ação do EDTA, não se devendo, portanto, empregá-
solubilidade da dentina, que volta a solubilizar-se na las quando houver necessidade de sua ação11,68.
tentativa de suprir a falta de íons cálcio. Esses íons são Saquy131 avaliou a capacidade quelante do EDTA
incorporados às moléculas de EDTA e a reação quími- e da associação EDTA mais solução de Dakin (hipoclo-
ca continua até a saturação da solução de quelante, in- rito de sódio a 0,5% de cloro ativo), por meio de méto-
terrompendo o mecanismo de descalcificação. dos químicos e da análise de microdureza da dentina.
O EDTA tem ação autolimitante, pois uma molé- Esse autor concluiu que tanto a solução de EDTA como
cula quela um mol de íon metálico. Essa solução não a associação dessa com a de Dakin são efetivas em que-
atua imediatamente quando colocada em contato com lar íons de cálcio, sendo que a ação quelante do EDTA
a dentina, necessitando esperar alguns minutos (10 a não é inativada pela sua associação com a solução de
15) para a obtenção do efeito quelante. À medida que Dakin na proporção de 1:1.
ocorre aquele contato, há reação com os íons cálcio, Ostby106 adicionou o tensoativo Cetavlon (brometo
neutralização e perda da ação química, necessitando, de cetiltrimetilamônio) à solução de EDTA, formando,
assim, de constantes renovações37,106. assim, uma associação conhecida como EDTAC. A asso-
548 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

ciação do Cetavlon ao EDTA reduz a tensão superficial testes bacteriológicos negativos imediatamente após o
da solução em 50%. Consequentemente, o EDTAC em preparo em 97,2% e após uma semana em 94,4% dos
relação ao EDTA é mais efetivo quanto à redução da mi- casos, sem o emprego de qualquer medicação intraca-
crodureza da dentina e promove uma maior permeabi- nal entre as sessões.
lidade dentinária radicular43,58. Para Guimarães et al.58, a Cohen et al.27 demonstraram que o uso associado
tensão superficial do EDTA é de 69,25 dinas/cm e a adi- do RC-Prep com o hipoclorito sódico a 5% aumentou
ção de 0,1% de Cetavlon a reduz para 33,92 dinas/cm. de maneira significativa a permeabilidade dentinária
Recomendamos o uso de soluções de EDTA com- no nível do terço médio e apical. Todavia, Pécora119
binadas com soluções de hipoclorito de sódio, na re- constatou que essa associação promovia aumento da
moção da smear layer, após o preparo químico-mecâni- permeabilidade dentinária de modo menos intenso do
co de canais radiculares infectados. O EDTA também é que a utilização da solução EDTA e das soluções halo-
comercializado na forma de creme ( RC-Prep-Premier) genadas nas diferentes concentrações, quando utiliza-
e de gel, contido em seringas (Glyde File Prep-Dents- das individualmente.
ply/Maillefer e EDTA trissódico 24%, Biodinâmica). Com relação à compatibilidade com os tecidos vi-
Atenção deve ser dada à data de fabricação e ao vos, Neri et al.99 em tratamento de canais radiculares de
acondicionamento da solução de EDTA. Quando acon- dentes de cães afirmaram que o RC-Prep é altamente
dicionado em frascos de vidro, com o tempo o EDTA citotóxico aos tecidos pulpar e perirradicular. Procu-
pode quelar o cálcio do silicato de cálcio existente na rando justificar esses resultados, referiram-se à consis-
composição do vidro, diminuindo sua capacidade de tência pastosa do veículo (Carbowax) que dificultaria
atuação5. sua remoção completa do interior do canal radicular.

Glyde
RC-Prep
Apresenta-se na forma de gel com a seguinte com-
Apresenta-se na forma de creme com a seguinte posição química: EDTA, peróxido de carbamida (peró-
composição química EDTA 15%, peróxido de ureia 10% xido de ureia) em uma base hidrossolúvel. É utilizado
e Carbowax 75%, como idealizaram Stewar et al.160. em associação com soluções de hipoclorito de sódio.
O peróxido de ureia (bactericida) é um complexo Deve ser armazenado em refrigerador. É utilizado de
de peróxido de hidrogênio e ureia. Apresenta-se sob maneira semelhante ao RC-Prep e deve ser empregado
a forma de corpo cristalino, branco, com ligeiro odor. apenas no início da instrumentação, até os três primei-
É solúvel em água, glicerina, álcool e propileno gli- ros diâmetros de instrumentos. A posterior preparação
col. É usado como fonte de peróxido de hidrogênio. O dos canais deverá ser realizada apenas com solução de
EDTA (quelante) é usado para descalcificação dos teci- hipoclorito de sódio
dos dentários. O Carbowax é o polietileno glicol 4000,
apresenta-se na consistência cremosa e na cor branca. EDTA gel
É francamente solúvel na água e no álcool. Funciona
Apresenta-se na forma de gel com a seguinte
como uma base estável para o peróxido de ureia e
composição química: ácido etilenodiaminotetracético,
como lubrificante durante a instrumentação dos canais
hidróxido de sódio, água deionizada (livre de íons) e
radiculares.
espessante (substância usada para dar consistência) É
O RC-Prep é colocado no interior do canal radi-
hidrossolúvel e apresenta uma concentração de EDTA
cular e a seguir adiciona-se uma solução de hipoclorito
trissódico de 24%. Atua como lubrificante e quelante.
de sódio a 2,5% e procede-se à instrumentação. A re-
É recomendado pelo fabricante na instrumentação de
ação química do peróxido de ureia com o hipoclorito
canais radiculares. Durante o preparo, a substância quí-
de sódio produz uma efervescência, com a liberação de
mica deve ser substituída, injetando-se nova quantida-
oxigênio nascente, que maximizará a limpeza do canal,
de do produto. Após o término do preparo, o canal de-
favorecendo a remoção de detritos e a eliminação de
verá ser irrigado com solução de hipoclorito de sódio.
bactérias. A adição de EDTA proporciona a essa asso-
ciação a ação quelante sobre o cálcio das paredes denti-
nárias do canal radicular.
Ácido cítrico
Stewart et al.160, empregando RC-Prep e hipoclo- O ácido cítrico é um ácido orgânico (ácido 2-hi-
rito de sódio a 5% na instrumentação de canais radi- droxi propano tricarboxílico), sólido e cristalino, quan-
culares de dentes despulpados e infectados, obtiveram do à temperatura ambiente, muito solúvel na água
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 549

(133g/100mL de água em temperatura ambiente), que baixo pH (2,15) devido à presença do ácido cítrico e é
atua sobre os tecidos mineralizados do dente, promo- recomendado para irrigação final do canal, após o em-
vendo a sua desmineralização, podendo ser emprega- prego do NaOCl. A tetraciclina presente, além de par-
do na remoção da smear layer, após o preparo químico- ticipar da remoção da porção inorgânica da smear layer
mecânico do canal radicular. por quelar cálcio, também tem efeitos antibacterianos
sobre grande parte dos patógenos endodônticos. A for-
H2 – C – COOH ma de utilização proposta é o uso de NaOCl a 1,3%
| durante o preparo químico-mecânico, seguido de irri-
HO – C – COOH
| gação final com MTAD, o qual é deixado no canal por
H2 – C – COOH 5 minutos172. Torabinejad et al.170 demonstraram que o
MTAD é bastante eficaz para remover a smear layer e
Quanto à concentração do ácido cítrico a ser usa- apresenta melhor comportamento sobre a dentina do
da em Endodontia, não há consenso entre os autores, que o EDTA, não afetando significativamente a estru-
os quais indicam concentração entre 1 e 50%16,81,133,180. tura dos túbulos dentinários.
Silveira148, trabalhando com ácido cítrico a 10%, Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia an-
como solução química na instrumentação de dentes timicrobiana do MTAD. Torabinejad et al.171 relataram
de cães, observou que 24 horas após o tratamento, na que as zonas de inibição do crescimento e as concentra-
maioria dos casos, os cotos pulpares exibiam mode- ções inibitórias mínimas do MTAD contra o E. faecalis
rado a intenso infiltrado neutrofílico, que se estendia foram comparáveis ao NaOCl a 5,25% e significativa-
ao ligamento periodontal. Nesses cotos notou, ainda, mente mais eficazes do que o EDTA. Newberry et al.101
vasos hiperemiados, fibroblastos e neutrófilos em de- relataram que o MTAD apresentou eficácia antibacte-
generação e necrose da porção mais coronária voltada riana contra várias cepas de E. faecalis. Portenier et al.120
para o canal principal. demonstraram que o MTAD elimina E. faecalis in vitro
Segundo Smith e Wayman157, o ácido cítrico a 50% em menos que 5 minutos. Contudo, seus efeitos foram
possui atividade antibacteriana contra o E. faecalis. Para retardados quando na presença de dentina ou albumi-
Nikolaus et al.104, o ácido cítrico a 50% é efetivo contra na bovina.
bactérias anaeróbias. Todavia, Pupo et al.122, testando O MTAD não apresenta grande eficácia contra
a atividade antibacteriana de soluções para irrigação biofilmes de E. faecalis quando comparado in vitro com
de canais radiculares, frente a E. faecalis, Staphylococcus outras substâncias. Um estudo avaliando a eficácia de
albus e microbiota mista oriunda de canais radicula- soluções químicas usadas no preparo químico-mecâ-
res, observaram que o ácido cítrico só foi bactericida nico de canais radiculares na eliminação de biofilmes
na concentração de 50% quando atuou por 10 minutos de E. faecalis demonstrou que o percentual de morte
contra o S. albus. Para os demais micro-organismos não bacteriana no biofilme induzido pelas soluções testa-
foi efetivo, assim como nas concentrações de 1 e 10%. das foi a seguinte em ordem decrescente de eficácia:
O efeito antibacteriano do ácido cítrico está rela- NaOCl a 6% (>99,9%), NaOCl a 1% (99,8%), smear cle-
cionado com seu baixo pH (1,45 a 1,5), que promove a ar (78,1%), clorexidina a 2% (60,5%), REDTA (26,9%)
desnaturação de proteínas, mormente as enzimas47,157. e MTAD (16,1%)39.
Porém, este pH ácido pode ter efeito adverso no tecido Estudos utilizando dentes extraídos com canais
perriradicular devido ao possível efeito citotóxico. experimentalmente contaminados também têm ava-
Soluções de ácido cítrico podem ser empregadas liado os efeitos antimicrobianos do MTAD. Em um
na remoção do componente mineralizado da smear experimento utilizando canais contaminados com E.
layer. Quando do seu uso, devemos dar preferência às faecalis, Shabahang e Torabinejad145 relataram que o
soluções de menores concentrações16,134,148. protocolo utilizando NaOCl a 1,3% + MTAD foi signi-
ficativamente mais eficaz do que protocolos utilizando
NaOCl a 5,25% associado ou não ao EDTA. Em outro
MTAD estudo do mesmo grupo, Shabahang et al.144 relataram
O MTAD (Biopure, Dentsply, Tulsa, OK, EUA) é que o MTAD foi significativamente mais eficaz do que
um produto comercial para uso no preparo químico- o NaOCl a 5,25% em desinfetar canais de dentes ex-
mecânico de canais radiculares. Consiste em uma Mis- traídos experimentalmente contaminados com saliva.
tura de um isômero da Tetraciclina (doxiciclina), Ácido Dados controversos foram relatados por um outro es-
cítrico e um Detergente (Tween 80). O MTAD tem um tudo na eliminação de E. faecalis de canais experimen-
550 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

talmente contaminados. Enquanto uma desinfecção sulta em um produto de cor vermelha ou púrpura que
significativa foi obtida quando da utilização do NaOCl tem alta afinidade pela hidroxiapatita. No caso especí-
a 5,25% + EDTA, cerca de 50% dos canais ainda per- fico, o processo de degradação oxidativa é deflagrado
maneceram contaminados após emprego do NaOCl a pelo NaOCl como agente oxidante e pode ser preve-
1,3% + MTAD74. nido pela irrigação do canal com ácido ascórbico, um
Shabahang et al.146 acrescentaram a clorexidina ao agente redutor, antes da aplicação do MTAD.
MTAD ou usaram-na em substituição à doxiciclina e Em um estudo clínico, Torabinejad et al.172 compa-
avaliaram seus efeitos na desinfecção de canais de den- raram os níveis de dor pós-operatória após utilização
tes extraídos contaminados com E. faecalis. Seus resul- de dois protocolos para remoção da smear layer: NaOCl
tados demonstraram que, embora o acréscimo de clo- a 5,25% + EDTA ou NaOCl a 1,3% + MTAD. Os autores
rexidina não tenha exercido impacto sobre a eficácia do não encontraram diferenças significantes entre os dois
MTAD, a sua utilização como substituto da doxiciclina grupos.
reduziu significativamente a eficácia da solução. Todos esses achados revelam que o MTAD pode
Uma das vantagens da doxiciclina presente no ser uma boa opção para remoção da smear layer e para
MTAD é que, por ser quelante de íons cálcio, ela pode promover uma desinfecção complementar ao preparo
se ligar às paredes do canal e ser liberada em solução químico-mecânico. Todavia, antes que seu uso seja am-
quando sua concentração local decair. Isso representa plamente recomendado há necessidade da publicação
o efeito de substantividade que pode resultar em ati- de estudos clínicos randomizados demonstrando a efi-
vidade antibacteriana prolongada. Um estudo revelou cácia desse produto.
que a substantividade antibacteriana do MTAD à den- O Tetraclean (Ogna Laboratori Farmaceutici,
tina foi superior à da clorexidina a 2% e durou cerca de Muggio, Itália) é uma outra combinação recomendada
28 dias95. para irrigação, com composição muito semelhante ao
Os efeitos da atividade antibacteriana prolongada MTAD, mas com menor concentração de doxiciclina.
devido à substantividade e da remoção da smear layer Um estudo do grupo proponente revelou que o Tetra-
podem fazer com que o MTAD auxilie a obturação do clean foi mais eficaz do que o MTAD contra biofilmes
canal radicular na prevenção da reinfecção. Ghoddusi de E. faecalis51.
et al.50 avaliaram o efeito da irrigação final com MTAD
na infiltração bacteriana de canais obturados com guta-
percha e cimento AH-Plus ou de Rickert. Streptococcus
Água de cal
mutans foi utilizado como marcador. Os resultados re- De acordo com a Farmacopeia dos Estados Uni-
velaram que a utilização do MTAD ou do EDTA para dos do Brasil, a água de cal é “uma solução saturada de
remoção da smear layer conferiu maior resistência à hidróxido de cálcio puro, pró-análise, em água recente-
infiltração bacteriana quando comparada com a utiliza- mente fervida e resfriada (cerca de 0,14g de hidróxido
ção do grupo em que a smear layer não foi removida. De- de cálcio em 100mL de água)”. A água de cal é límpida
Deus et al.33 avaliaram os efeitos da irrigação final com e apresenta pH aproximado de 11.
o MTAD para remoção da smear layer no selamento pro- Nery et al.99 verificaram a reação do coto pulpar
movido pela obturação do canal e não encontraram di- e tecidos perirradiculares de dentes de cães a algumas
ferenças entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA substâncias empregadas no preparo químico-mecânico
e o grupo onde a smear layer não foi removida. Por sua dos canais radiculares. Entre as várias substâncias tes-
vez, em um estudo de infiltração de corante, Park et al.108 tadas, as menos irritantes foram o soro fisiológico, a
relataram que os espécimes que foram submetidos à água destilada e a água de cal.
remoção da smear layer com MTAD apresentaram sig- A solução aquosa de hidróxido de cálcio apresen-
nificativamente menos infiltração do que aqueles onde ta alta tensão superficial 66,82 dinas/cm116, ausência de
a smear layer não foi removida. Não houve diferença atividade solvente de tecido pulpar96 e atividade anti-
entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA. bacteriana extremamente baixa159. Consequentemente,
Um estudo relatou a ocorrência de pigmenta- a água de cal não possui propriedades que a indiquem
ção avermelhada ou purpúrea da dentina quando ca- como solução química auxiliar da instrumentação de
nais foram irrigados com NaOCl a 1,3% seguido de canais radiculares.
MTAD165. Isso se dá devido a uma reação do tipo redox Deve ser acondicionada em frasco de cor âmbar
que se assemelha ao mecanismo de pigmentação pela para evitar alterações pela ação da claridade. Tem seu
tetraciclina, no qual a foto-oxidação da tetraciclina re- uso recomendado para irrigações de canais radicula-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 551

res de dentes com vitalidade pulpar e rizogênese in- química, o hipoclorito de sódio e a água oxigenada são
completa. Em casos de hemorragia pulpar, podemos inativados após a reação química. A água oxigenada
empregá-la como substância hemostática, que atua reduz e neutraliza o hipoclorito de sódio, resultando
por vasoconstrição, eliminando, assim, a possibilidade em pouco ou nenhum cloro disponível para ter efeito
de hemorragia tardia. Também podemos empregar a antimicrobiano9. Dessa forma, o rápido efeito letal do
água de cal nas manobras e tratamento conservador ácido hipocloroso sobre micro-organismos é perdido.
pulpar32. É possível que, pelo método de Grossman, o efeito an-
timicrobiano ocorra principalmente no momento em
Água oxigenada (peróxido de hidrogênio) que o hipoclorito de sódio é utilizado, decaindo rapi-
damente quando da neutralização.
O peróxido de hidrogênio (H2O2) é um agente oxi-
Se o uso de água oxigenada 10 vol., em alternân-
dante, apresentando-se sob forma de um líquido inco-
cia com o hipoclorito de sódio a 5,25%, deve ou não ser
lor, transparente e altamente instável. É empregado em
recomendado continua sendo um tema a ser debatido e
soluções aquosas, cuja instabilidade é proporcional ao
requer pesquisas adicionais para determinar as verda-
aumento e concentração. É miscível em água em todas
deiras vantagens clínicas. Embora não haja vantagem
as proporções4.
aparente, também não há desvantagem na alternância
A água oxigenada USP, 10 volumes (peróxido de
das duas soluções durante o preparo químico-mecâni-
hidrogênio a 3%), apresenta pH de 3,5 e libera oxigênio
co do sistema de canal. A primeira e a última irrigação
sob influência de calor, luz e em contato com bases e
de cada ciclo do método devem ser feitos com o hipo-
com o hipoclorito de sódio54,63.
clorito de sódio.
O peróxido de hidrogênio (água oxigenada) quan-
do em contato com sangue produz reação efervescen-
te, liberando oxigênio nascente, produzindo hemólise Glicerina e outras soluções
e hemoglobinólise e removendo detritos do interior do A glicerina (propanotriol) é um líquido incolor,
canal radicular. Como agente oxidante evita que o san- inodoro ou quase inodoro, viscoso, transparente, esté-
gue penetre nos canalículos dentinários e altere a cor ril, não tóxico e inteiramente miscível em água. É um
dos dentes. excelente lubrificante das paredes do canal, muito em-
Diante de matéria orgânica, essa substância apre- pregada na exploração ou no cateterismo de canais ra-
senta uma atividade antibacteriana limitada, além de diculares atresiados. Uma vez completada a sua finali-
ser ineficaz como solvente de tecido necrosado e como dade, por ser miscível em água, é facilmente removida
solução irrigadora, na limpeza do sistema de canais do canal radicular, por irrigação com solução aquosa,
radiculares63,179.
como soluções de hipoclorito de sódio4,32.
O uso alternado do hipoclorito de sódio com o
Como não possui atividade solvente de tecido ou
peróxido de hidrogênio, conhecido como método de
antimicrobiana, deve ser usada em canais atresiados
Grossman, tem sido proposto no preparo químico-
até o instrumento endodôntico alcançar o comprimen-
mecâncio de canais radiculares. Ao se associarem essas
to total do canal radicular.
duas substâncias, há o desenvolvimento de efervescên-
A água destilada, soluções anestésicas ou soro fisioló-
cia, oriunda da liberação de oxigênio nascente54. A rea-
gico são indicados como soluções irrigantes dos canais
ção, quando da associação, dá-se da seguinte forma:
radiculares. Essas soluções não apresentam atividades
antimicrobiana e de dissolução de tecido, sendo indi-
NaOCl + H2O2  NaCl + H2O + O2
cadas apenas na irrigação final do canal radicular. Não
HIPOCLORITO ÁGUA CLORETO ÁGUA OXIGÊNIO
DE SÓDIO OXIGENADA DE SÓDIO devem ser empregadas como soluções químicas auxi-
liares da instrumentação12,32,98.
A razão alegada para se utilizar o método de Gros-
sman seria que a efervescência gerada iria maximizar a
limpeza do canal, favorecendo a remoção de detritos e
 Irrigação-Aspiração
a eliminação de micro-organismos. No entanto, estudos Irrigação representa a aplicação de um líquido
não evidenciaram maiores benefícios no que se refere medicinal sob pressão nas cavidades dos organismos.
à limpeza e à desinfecção do canal com emprego desse No tratamento endodôntico, a irrigação é repre-
método, quando comparado ao uso isolado do hipoclo- sentada por uma corrente líquida no interior da cavi-
rito de sódio152,162. Como podemos verificar na equação dade pulpar. A aspiração é a ação de atrair, por sucção,
552 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

importância dessa regra básica, confiando mais na ação


dos medicamentos do que na limpeza completa do ca-
nal radicular55,56,98.
A remoção de detritos do interior do canal é feita
pela ação mecânica da haste de corte helicoidal côni-
ca dos instrumentos endodônticos, auxiliada pela irri-
gação-aspiração. Os resíduos, em suspensão na subs-
tância química auxiliar ou sedimentados nas paredes
do canal, são geralmente removidos às expensas da
energia cinética do jato, da turbulência e do refluxo da
corrente líquida, que os arrasta para fora do canal ra-
dicular. O jato da solução irrigante, ao atingir o ápice,
exerce uma pressão capaz de remover os resíduos. Essa
remoção, por estar relacionada com a energia cinética
do jato (Ec = 1/2mv2), depende mais da velocidade (v)
do que do volume (m) de líquido. No entanto, conside-
rando que a velocidade do jato é limitada pela pressão
dada no êmbolo da seringa, devemos injetar maior vo-
lume de solução para melhorar a eficiência da limpeza
(remoção de detritos).
É importante a remoção dos detritos do interior
do canal radicular, uma vez que podem abrigar micro-
Figura 13-4. Esquema representativo da irrigação-aspiração. Agu- organismos, dificultando a ação da droga utilizada
lha irrigadora de diâmetro menor posicionada a 3mm do CT. Agulha
de aspiração de diâmetro maior posicionada em sentido coronário.
como medicamento intracanal e atuar como irritan-
tes, quando forçados para os tecidos perirradiculares.
Além disso, podem alterar a capacidade de selamento
fluidos e partículas sólidas de uma cavidade. O me- da obturação do canal radicular (Fig. 13-5A a D).
canismo irrigação-aspiração ocorre pelo fluxo de flui-
dos, ocasionado pela diferença de pressão no interior Redução do número de micro-organismos
(maior) e na embocadura do canal radicular (menor)12 A redução do número de micro-organismos exis-
(Fig. 13-4). tentes no interior do canal radicular é conseguida às
A irrigação e a aspiração são fenômenos físicos expensas da corrente líquida que, no refluxo, arrasta
distintos, podendo ser estudados e empregados isola- grande quantidade de micro-organismos para fora do
damente. Na Endodontia, a irrigação é realizada con- canal. Sendo a irrigação-aspiração um procedimento
comitantemente à aspiração, com o objetivo de tornar de curta duração, é de esperar que a redução do nú-
a limpeza do canal radicular mais efetiva. Em conjunto mero de micro-organismos esteja vinculada apenas à
com a instrumentação e a substância química auxiliar movimentação e renovação da solução irrigante e não a
constituem uma importante fase do tratamento endo- qualquer atividade antimicrobiana da solução química
dôntico, denominada preparo químico-mecânico dos empregada.
canais radiculares. Baker et al.6, em trabalho de microscopia eletrôni-
Segundo Sachs128, “o mais importante na terapêu- ca de varredura, observaram que a remoção de restos
tica dos canais radiculares é o que se retira do seu inte- pulpares e micro-organismos do interior de um canal
rior e não o que nele se coloca.” radicular tem maior relação com o volume da solução
irrigante empregado do que com a composição quími-
Objetivos da irrigação-aspiração ca da solução.
Remoção de detritos
Fatores que influenciam a
Um dos princípios axiomáticos em cirurgia é a
remoção de todo o material necrosado e detritos teci-
irrigação-aspiração
duais em uma ferida antes de qualquer quimioterapia. A forma do preparo e a limpeza do canal depen-
Muitos são os profissionais que deixam de observar a dem não só de uma correta instrumentação e da escolha
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 553

A B

Figura 13-5. Presença de detritos no interior do canal radicular.


A. Seção reta transversal. B. MEV presença de detritos e micro-or-
C ganismos. C. Ausência de detritos no canal radicular após preparo
químico-mecânico. D. Ausência de detritos na região apical.

de uma substância química auxiliar dotada de proprie- do canal radicular. A chegada da solução irrigante a
dades físicas e químicas adequadas, mas também de determinadas áreas é um fator crítico, principalmente
um mecanismo eficiente de irrigação-aspiração. É pre- no segmento apical, onde se observa a maior incidên-
ciso salientar que diversos fatores influenciam na efici- cia de curvaturas e ramificações, as quais dificultam a
ência desse mecanismo, entre os quais destacamos: limpeza e o saneamento dos canais radiculares nessa
região.
Propriedades físicas da solução irrigante Entre as propriedades físicas que a solução irri-
Para melhorar a eficiência da irrigação-aspiração gante deve possuir para que a irrigação-aspiração pos-
é imprescindível o íntimo contato (molhamento) entre sa ser um procedimento efetivo na limpeza do canal
a solução irrigante e os resíduos existentes no interior radicular destacamos a tensão superficial e a viscosida-
554 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

de. As soluções irrigantes devem possuir pequeno coe- agulha. O diâmetro do preparo do canal está relacio-
ficiente de viscosidade e pequena tensão superficial. nado com o diâmetro e a conicidade do instrumento
endodôntico empregado. Dados experimentais indi-
Anatomia do canal radicular cam que o diâmetro final de um canal radicular, após
A complexidade anatômica do sistema de canais a instrumentação usando o movimento de alargamen-
é um fator decisivo na qualidade de limpeza das pa- to, é superior (aproximadamente 6%) ao diâmetro do
redes radiculares. Quanto mais amplo e reto o canal, instrumento usado85. O diâmetro externo das agulhas
mais fácil é a limpeza, não só pela maior penetração da irrigadoras mais empregadas no preparo químico-me-
agulha, como pela possibilidade do uso de agulhas de cânico dos canais radiculares varia de 0,25mm a 0,5mm
maior diâmetro, que levam maior volume de líquido e o comprimento útil é de 25mm. Quanto menor o diâ-
irrigante. A presença de curvaturas acentuadas é um metro da agulha mantendo-se a mesma força aplicada
fator limitante da penetração da agulha. Nesses casos, no êmbulo da seringa, maior será a velocidade e o al-
o líquido deve ser levado para além da região de curva- cance do jato na saída da agulha.
tura pelo canal helicoidal do instrumento endodôntico O jato da solução irrigante no interior de uma canal
ou por agulhas irrigadoras flexíveis (Fig. 13-6A e B). radicular alcança em média 2 a 3mm além da ponta da
No início da instrumentação dos canais atresia- agulha70. Isso ocorre devido à convergência das paredes
dos, a solução química não consegue penetrar em toda dos canais radiculares em sentido apical e à coluna de
a extensão do canal, devido a suas dimensões exíguas ar aprisionada na extremidade do canal. Assim, o seg-
e à presença de bolhas de ar. Para minimizar esse pro- mento apical dos canais radiculares é adequadamente
blema, devemos manter o compartimento coronário da irrigado quando a extremidade da agulha irrigadora
cavidade pulpar preenchido com a solução emprega- alcança 3mm aquém do comprimento de trabalho. Agu-
da. A movimentação do instrumento durante o prepa- lhas irrigadoras com pontas fechadas e ranhura lateral
ro endodôntico favorece a penetração e a renovação da (canelura) próxima à extremidade para a saída da solu-
solução química. ção irrigante devem ser posicionadas mais próximas ao
comprimento de trabalho, ou seja, a 1mm145,182.
Diâmetro das agulhas irrigadoras
A profundidade atingida por uma agulha irri- Técnica de preparo de canal radicular
gadora no interior de um canal radicular depende da Nas fases iniciais do preparo químico-mecânico
relação/diâmetro do preparo do canal-diâmetro da de um canal radicular, a técnica de instrumentação

Figura 13-6A e B. Complexidade da


A B morfologia interna dos canais radicu-
lares.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 555

utilizada pode favorecer a penetração da agulha ir- • Favorecem a limpeza e a modelagem de um canal
rigadora em sentido apical e, em consequência, pro- radicular. Quanto maior o diâmetro da instrumen-
mover maior limpeza do canal durante a irrigação- tação apical, maior a redução de tecidos e de micro-
aspiração. organismos do interior de um canal radicular.
Diversos estudos indicam que os resíduos pre- • Favorecem o mecanismo de irrigação-aspiração. O
sentes no segmento apical são eliminados com maior maior diâmetro da instrumentação apical permite um
eficiência quando empregamos, no preparo químico- maior avanço da agulha irrigadora em sentido apical.
mecânico, a técnica escalonada coroa-ápice em vez da • Permitem um volume maior de solução química auxi-
convencional ou escalonada ápice-coroa2,45,86. liar dentro do canal radicular durante o preparo quí-
O preparo no sentido coroa-ápice promove uma mico-mecânico. Para soluções químicas de uma mes-
maior remoção de tecido dentário junto à região cervi- ma concentração, quanto maior o volume, maior será
cal do canal radicular. Essa maior ampliação do canal, sua atividade solvente de tecido e antimicrobiana.
em nível cervical, funciona como uma zona de escape
acentuada, diminuindo a pressão unidirecional apical,
Material utilizado
favorecendo o refluxo da solução irrigante. Permite
também maior penetração da agulha irrigadora em Para a irrigação são usados dispositivos geradores
sentido apical, facilitando, assim, a irrigação-aspiração de pressão, agulhas irrigadoras e soluções irrigantes.
e, consequentemente, melhor limpeza do segmento A seringa plástica hipodérmica tipo Luer Lock ou
terminal do canal radicular (Fig. 13-7). seringas especiais (Ultradent, Utah, USA), de 3 ou 5mL,
Para Abou-Rass e Jastrab2, o preparo do segmento é o dispositivo gerador de pressão mais usado durante
cervical e médio, antes do apical, favorece a penetração a irrigação dos canais radiculares. A solução química
da solução irrigadora, facilita a remoção de detritos da é retirada do frasco comercial e acondicionada em um
região apical e, em consequência, reduz a possibilidade recipiente esterilizado, na quantidade prevista de uso
de extrusão de material para o periápice. durante o preparo químico-mecânico do canal. Sobras
A ampliação maior de um canal radicular até o de solução não devem retornar ao frasco original, mas
comprimento de trabalho resulta em uma limpeza e sim descartadas. Seringas de plástico devem ter pre-
modelagem melhor do que uma ampliação menor. ferência sobre as de vidro. São descartáveis e mais se-
Diâmetros maiores de instrumentos endodônticos guras quanto ao extravasamento acidental da solução
para instrumentação de canais radiculares: química por meio da conexão agulha/bico da seringa
(Fig. 13-8A e B).
Normalmente, a solução química é recolhida pela
seringa destituída da agulha irrigadora, procurando
utilizar-se toda a capacidade de carga do seu cilindro.
A seguir, a agulha é adaptada assepticamente à serin-
ga, com o auxílio de uma pinça clínica, ficando o con-
junto pronto para uso.
A seringa tipo carpule também é utilizada por
alguns profissionais, sendo a solução química acondi-
cionada, comercialmente ou não, em tubos anestésicos
vazios previamente esterilizados.
Em ambos tipos de seringa a pressão irrigadora é
regulada pela força manual aplicada sobre o êmbolo.
A pressão irrigadora também pode ser gerada por
meio de dispositivos mecânicos. Dentre os disponíveis
podemos mencionar o Peri-Pump (Adiel Comercial
Ltda., Ribeirão Preto, SP), o 200 pump (VKDriller Equi-
pamentos Elétricos Ltda., São Paulo, SP) e EndoVac
(Smart Endodontics, USA).
Bombana e Gavini14, empregando as formas de
Figura 13-7. Preparo do canal radicular no sentido coroa-ápice fa- irrigação manual, com seringas carpule e pressuriza-
vorece o avanço da agulha irrigadora em sentido apical. da (sistema Ideal-Jet), concluíram que a utilização do
556 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

A B

Figura 13-8. Seringas plásticas para irrigação. A. Seringa hipodérmica tipo Luer. B. Seringa especial.

sistema pressurizado dá maior praticidade ao trabalho quanto a acidentes, em relação ao paciente e ao opera-
endodôntico, propicia fluxo contínuo da solução irri- dor, diminuindo a possibilidade de alterar a direção do
gante pelo tempo que se desejar e pode promover uma jato, quando ocorre a deformação do bisel. As agulhas
limpeza mais eficiente dos canais radiculares. comercializadas para a irrigação em Endodontia não
A maior eficiência da limpeza com o emprego do apresentam bisel (Fig. 13-9A e B).
sistema pressurizado pode ser atribuída à maior ener- As agulhas anestésicas e especiais geralmente têm
gia cinética do líquido, em razão do aumento da velo- seu diâmetro expresso em Gauge. A equivalência apro-
cidade do jato. ximada em milímetro é mostrada no Quadro 13-7.
Agulha irrigadora é um tubo cilíndrico por onde Em relação ao diâmetro, quanto menor, mais
passam ou saem líquidos tendo uma extremidade rom- facilmente ela penetra no canal vencendo curvaturas
ba e, na outra, um dispositivo metálico ou plástico de graças à sua flexibilidade. Se necessário o dobramen-
adaptação ao bico de uma seringa. to, ele deverá ser em forma de arco e não de ângulo.
As agulhas irrigadoras usadas em Endodontia O dobramento em ângulo deve ser evitado para não
são obtidas a partir de agulhas hipodérmicas, agulhas ocorrer a redução da área do furo interno longitudi-
anestésicas tipo carpule ou agulhas especiais. As agu- nal do tubo e dificultar a saída do líquido.
lhas hipodérmicas são identificadas por dois números, Entre as agulhas irrigadoras especiais podemos
sendo que o primeiro determina seu comprimento em destacar as fabricadas em aço inoxidável ou em NiTi.
milímetros (no 20, 25, 30...) e o segundo (3, 4, 5...), e seu As agulhas de irrigação Endo-Eze são fabricadas
diâmetro externo em décimos de milímetro (0,3, 0,4, em aço inoxidável pela Ultradent (Utah, EUA) nos di-
0,5mm). âmetros Gauge 27, 30 e 31. A de diâmetro 30 Gauge
A remoção do bisel da extremidade da agulha não (0,3mm) é a mais utilizada e conhecida pela denomi-
é necessária para melhorar a efetividade da limpeza do nação de Navitip. São fornecidas nos comprimentos
canal. Todavia, a sua remoção aumenta a segurança de 16 e 19mm (x-curta), 20 e 23mm (curta), 24 e 27mm

A Figura 13-9. Agulhas irrigadoras tipo Luer. A. Com bisel na extre-


midade. B. Sem bisel.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 557

Quadro 13-7 Diâmetros das agulhas irrigadoras.


Equivalência aproximada entre as unidades Gauge e
milímetro

Gauge Milímetro

23 0,70

24 0,60

25 0,50

27 0,40

30 0,30

31 0,25 Figura 13-11. Agulhas irrigadoras especiais. Agulhas Endo-Eze (Ul-


tradent, EUA). 27G (0,4mm) extremidade em canelura (meia-cana).

(média) e de 28 e 30mm (longa). São esterilizadas em


autoclave para uso repetido (Fig. 13-10A e B). Na no
27 Gauge, a extremidade termina em canelura (meia-
cana), sendo considerada uma agulha de segurança
pelo fato de evitar a injeção da solução irrigante nos
tecidos perirradiculares (Fig. 13-11).
As agulhas de irrigação do tipo Max-i-Probe,
fabricadas nos Estados Unidos (MPL Technologies,
EUA), são lisas, apresentam a ponta fechada e arre-
dondada, possuindo uma ranhura lateral próxima à
extremidade inferior, para evitar o direcionamento e
redução da pressão do jato diretamente aos tecidos
perirradiculares, minimizando as injúrias. Nesse
A tipo de agulha, o jato é pulverizado nas paredes do
canal em duas direções, garantindo limpeza efetiva
em todo o seu comprimento e reduzindo o risco de
a solução ultrapassar o forame apical. Porém, exige
que o profissional efetue o movimento de rotação da
agulha no interior do canal radicular (Fig. 13-12A e
B). São fabricadas com aço inoxidável e descartáveis,
não sendo indicadas para uso repetido. São comercia-
lizadas com diâmetros nominais, variando entre 0,3 e
0,8mm. As de diâmetros menores são mais flexíveis.
Agulhas de irrigação fabricadas em liga de ní-
quel-titânio são mais flexíveis do que as de aço inoxi-
dável e alcançam com maior facilidade áreas apicais
de canais radiculares curvos. As agulhas NiTi irrigator
(Vista Dental Products, EUA) e Stropko NiTiflex (Sy-
bron Endo, EUA) apresentam desenhos semelhantes
B
ao das agulhas Max-i-Probe. São comercializadas com
diâmetro nominal de 0,3mm (30 – Gauge). São resis-
Figura 13-10. Agulhas irrigadoras especiais. Agulhas Endo-Eze (Ul- tentes à ação corrosiva do hipoclorito de sódio. São
tradent, EUA). A. 31G (0,25mm). B. 30G (0,30mm) Navitip. esterilizadas em autoclave para uso repetido.
558 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

ma de 25.000 ciclos (Endosonic/Dentsply, ENAC/


Osada e NAC Plus/Adiel). São usados com instru-
mentos de pequeno diâmetro (instrumento tipo K no
15 de aço inoxidável) mantidos livres no interior do
canal radicular. A energia ultrassônica provoca um
fenômeno físico denominado microcorrente acústi-
ca que é considerada como um efeito secundário de
um campo acústico. Microcorrente acústica de um
sistema ultrassônico usado em Endodontia pode ser
definida como a circulação de uma solução irrigante
em torno de um instrumento endodôntico ativado
A no interior do canal radicular. Outra vantagem do
emprego dos aparelhos ultrassônicos é o maior vo-
lume de solução química usado durante a irrigação-
aspiração do canal radicular.
Segundo McComb e Smith92, para a limpeza do
canal radicular não é tão importante a composição
química da solução irrigante, mas o volume dela
empregado na irrigação-aspiração.
Os aparelhos sônicos são representados por
contra-ângulos que provocam oscilações do ins-
trumento de aproximadamente 1.500 ciclos. Assim
como os sônicos, os instrumentos endodônticos em-
pregados devem apresentar pequeno diâmetro e
mantidos livres no canal radicular (Fig. 13-13).
Os aparelhos ultrassônicos permitem a utiliza-
ção de outras soluções químicas, como o hipoclorito
de sódio.
Para a realização da aspiração são necessárias
unidade aspiradora e cânulas. Dados clínicos indi-
B
cam que para a aspiração é preciso que o aparelho
Figura 13-12. Agulhas irrigadoras especiais. Agulha tipo Max-i-Pro-
be. A. Agulha irrigadora com ranhura lateral. B. Desenho esquemá-
tico de irrigação-aspiração.

Quanto às soluções irrigantes, elas devem pos-


suir pequeno coeficiente de viscosidade e pequena
tensão superficial. Essas propriedades favorecem o
aumento do alcance do jato, formação da turbulên-
cia e refluxo do líquido em sentido coronário, per-
mitindo uma maior efetividade da limpeza do canal
radicular.
Aparelhos ultrassônicos e sônicos também são
empregados na irrigação final (após a instrumenta-
ção) ou na irrigação durante a instrumentação dos
canais radiculares. A vibração obtida aumenta a agi-
tação mecânica da solução química no interior do ca-
nal, possibilitando maior limpeza.
Os aparelhos ultrassônicos apresentam movi-
mentos oscilatórios e vibram em uma frequência aci- Figura 13-13. Sistema Endo Activator.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 559

sugador tenha a capacidade de esvaziar 1 litro de negativa apical (corrente líquida no sentido coroa-ápi-
líquido em 90 segundos. Tal capacidade possibilita ce), que permite grande segurança aos tecidos perirradi-
o estabelecimento de um fluxo contínuo entre a ex- culares durante o procedimento de irrigação-aspiração.
tremidade da agulha irrigadora e a ponta da cânula O sistema é constituído de uma ponta principal
aspiradora79,107. (cabeça) de irrigação-aspiração, sendo a irrigação re-
Durante o preparo químico-mecânico devemos alizada por uma cânula metálica acoplada no interior
empregar cânulas aspiradoras de maior diâmetro de uma cânula plástica de aspiração – a cânula plástica
(40:20), em consequência da maior quantidade de (aspiração) é mais curta do que a metálica (irrigação);
detritos a serem removidos do interior do canal de duas cânulas de aspiração, sendo uma macrocânula
radicular. Após o preparo, isto é, quando se dese- de plástico e outra microcânula metálica de aço inoxi-
ja somente a aspiração, com o objetivo de auxiliar a dável.
secagem do canal, é aconselhável o emprego suces- A ponta de irrigação-aspiração tem a cânula de
sivo de cânulas de plástico (Ultradent, Utah, EUA) irrigação acoplada a uma seringa comum, e a cânula
de 30mm de comprimento e diâmetros em D0 de de aspiração, a um dispositivo de alta capacidade de
0,5mm (roxa) e 0,7mm (verde) capazes de penetrar sucção do equipamento odontológico. Um tubo plásti-
até o segmento apical, eliminando, de forma mais co pequeno conecta também a macro ou a microcânula
adequada, a solução irrigante (Fig. 13-14A e B). de aspiração ao dispositivo de sucção do equipamento
odontológico. A ponta de irrigação-aspiração promove
EndoVac os dois procedimentos (irrigação-aspiração) simulta-
O sistema EndoVac (Discus Dental, Culver City, neamente na câmara pulpar. A macrocânula plástica
CA, EUA) é um novo sistema de irrigação-aspiração de aspiração possui uma abertura na ponta de 0,55mm
proposto por John Schoeffel, um endodontista norte- e conicidade de 0,02mm/mm. A microcânula metáli-
americano136,137. O sistema é baseado em cânulas aspi- ca de aspiração com extremidade fechada e diâmetro
radoras especiais usadas em um sistema que permite a externo de 0,32mm possui 12 microfuros vazados de
utilização de grandes volumes de NaOCl, em pressão 0,1mm de diâmetro. Os microfuros localizados lateral-
mente no 1mm final da microcânula metálica estão dis-
tribuídos em quatro fileiras de três furos. O primeiro
furo dista 0,37mm da ponta, e a distância entre os furos
é de 0,2mm (Figs. 13-15 e 13-16).

B
Figura 13-15. Sistema EndoVac. Microcânula metálica de aspira-
Figura 13-14. Cânulas aspiradoras. A. Metálica. B. Plástica. ção. Eletromicrografia.
560 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

A análise da microcânula metálica após o uso


clínico por meio do microscópio eletrônico de varre-
dura revelou entupimento dos microfuros por resí-
duos oriundos da instrumentação do canal radicular
(Fig. 13-18).
Por ser muito recente, a eficácia do EndoVac
quando comparada à irrigação convencional ainda
requer comprovação por estudos científicos102. Um
Figura 13-16. Sistema EndoVac. Macrocânula plástica de aspiração.
estudo comparou a limpeza a 1 e 3mm aquém do CT
promovida pelo sistema EndoVac comparada à irriga-
ção convencional. A análise histológica mostrou que,
A técnica proposta é a seguinte: com a ponta de embora não tenha sido observada diferença significati-
irrigação-aspiração irriga-se e aspira-se o canal (câ- va a 3mm, o sistema EndoVac promoveu limpeza esta-
mara pulpar) profusa e concomitantemente ao uso de tisticamente melhor 1mm aquém do CT. Os resultados
instrumentos para alargar os segmentos coronário e de um outro estudo66 in vitro sugerem que o sistema
médio do canal. Isso mantém a câmara pulpar reple- EndoVac pode ser mais eficaz para eliminar bactérias
ta de solução química auxiliar durante todo o preparo do canal do que sistemas convencionais de irrigação.
coronário do canal. O hipoclorito de sódio é usado du- Com o aumento do diâmetro da instrumentação
rante todo o preparo. São usados 1 a 2mL após cada apical e o uso de agulhas irrigadoras de diâmetros
troca de instrumento. Quando o instrumento de maior menores, aumenta a possibilidade de acidentes (inje-
diâmetro usado no preparo apical atinge o CT, o canal ção da solução irrigante nos tecidos perirradiculares.
está pronto para receber a macroaspiração com a ma- Assim, é importante por parte do profissional um ri-
crocânula plástica por 30 segundos. Enquanto o con- goroso controle da posição da agulha irrigadora em
junto (ponta) de irrigação-aspiração do EndoVac injeta relação ao comprimento de trabalho do canal radicu-
irrigante na câmara pulpar, a macrocânula de aspira- lar (Fig. 13-19).
ção é introduzida no canal até o ponto em que se ajusta
e é então movimentada em vaivém constante. Findo o Princípios fundamentais
preparo apical, procedem-se três ciclos de microaspira- O mais importante na irrigação-aspiração de um
ção. Enquanto a ponta de irrigação-aspiração mantém canal radicular é a relação existente entre o diâmetro
a câmara pulpar repleta com irrigante, a microcânula da instrumentação apical e o diâmetro da agulha irri-
metálica de aspiração é conduzida e mantida no CT gadora. Quanto maior essa relação, mais ficam favo-
por 6 segundos. recidos a penetração da agulha irrigadora em sentido
A seguir, a microcânula de aspiração é então po- apical e o contato da solução irrigante com o término
sicionada 2mm aquém do CT por 6 segundos e então do canal radicular.
reposicionada ao CT e mantida nessa medida por mais A realização concomitante da irrigação-aspiração
6 segundos. Esse movimento de vaivém é continuado torna a limpeza do canal mais efetiva. Entende-se por
por 30 segundos, teoricamente garantindo 18 segundos irrigação-aspiração a passagem de um líquido pelo ca-
de irrigação-aspiração diretamente no CT. Depois de 30 nal radicular com o objetivo de remover fragmentos or-
segundos, a microcânula de aspiração é removida do gânicos e micro-organismos do seu interior. Baseia-se
canal na presença de quantidade de NaOCl suficiente na movimentação de fluidos, que ocorre no interior de
na câmara pulpar, o que garante que o canal está com- um canal radicular no sentido ápice-coroa devido à di-
pletamente preenchido com a solução química auxiliar ferença de pressão existente no interior e fora do canal.
e que nenhuma bolha de ar tenha sido aprisionada Há um aumento de pressão interna apical, gerado pela
no canal. A solução química auxiliar é deixada por 60 irrigação, e uma diminuição de pressão na embocadu-
segundos no canal sem ativação. Isso completa então ra do canal, desencadeada pela aspiração.
um ciclo de irrigação-aspiração. O primeiro ciclo usa No sistema EndoVac a movimentação de fluidos é
NaOCl, o segundo usa EDTA e o terceiro usa NaOCl no sentido coroa-ápice
novamente. Ao término do terceiro ciclo, a microcânu- Diversos autores107,144,145,182 esclarecem que, para
la de apiração é deixada no CT, sem renovar a irrigação irrigar o canal em toda a sua extensão, é aconselhável
na câmara, para que o excesso de fluido seja removido que a agulha irrigadora alcance a região do segmento
(Fig. 13-17A a C). apical de tal maneira que haja suficiente espaço livre
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 561

A B

C D

Figura 13-17. Sistema EndoVac. A. Conjunto de seringa, cânulas e tubos plásticos. B. Ponta principal de irrigação-aspiração. C. Ponta prin-
cipal de irrigação-aspiração e macrocânula plástica de aspiração em uso clínico. D. Ponta principal de irrigação-aspiração e microcânula
metálica de aspiração em uso clínico.

entre ela e a parede radicular, permitindo que o líquido (instrumento de no 35). Mesmo em canais com curva-
reflua livremente. Por outro lado, para que a agulha turas severas o diâmetro do preparo apical não deve
penetre facilmente no canal, inclusive vencendo possí- jamais ser inferior ao de um instrumento de no 35. Isso
veis curvaturas, é preciso que seja flexível, condição só pode ser alcançado com segurança, empregando-se
encontrada nas de menor diâmetro. Ainda como van- instrumentos de NiTi de diâmetros acima dos no 20 ou
tagem, preconizam que o uso de agulhas de pequeno 25 de aço inoxidável.
diâmetro permite controle mais fácil do volume e da Senia et al.143 verificaram que a profundidade da
pressão de líquido sobre os tecidos perirradiculares. agulha de irrigação exerce um papel importante na re-
No interior de um canal o alcance do jato da solu- moção de resíduos do interior dos canais radiculares.
ção irrigante alcança 3 a 4mm apical da ponta da agu- Para realizar a irrigação-aspiração convencional,
lha. Assim, na irrigação-aspiração convencional a agu- a agulha irrigadora deve ocupar a posição mais apical
lha de irrigação deve ser introduzida o mais próximo possível sem, contudo, obstruir a luz do canal radi-
do comprimento de trabalho para aumentar a eficiên- cular a fim de permitir o refluxo da solução irrigante
cia da irrigação-aspiração. A agulha de menor diâme- promovido pela ponta aspiradora colocada ao nível da
tro recomendada para a irrigação é a de no 30 (0,3mm). embocadura do canal. Sendo a cânula cilíndrica e o ca-
Consequentemente, para essa agulha alcançar as proxi- nal cônico, haverá entre ambos um trajeto de refluxo,
midades do comprimento de trabalho, o diâmentro mí- denominado área de refluxo, cuja menor área de seção
nimo da instrumentação apical deverá ser de 0,35mm transversal se situa ao nível da ponta da agulha irriga-
562 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

dora. Quanto menor a área de refluxo, mais difícil será


a saída de líquido do canal radicular e maior a pres-
são unidirecional no compartimento do canal situado
apicalmente à agulha irrigadora. Essa pressão depende
da penetração e do diâmetro da agulha, bem como da
força aplicada sobre o êmbolo da seringa. Como a ener-
gia cinética do líquido aumenta com o quadrado da sua
velocidade, quanto maior a força aplicada ao êmbolo da
seringa, maior a vazão de líquido, maior a velocidade
do jato na saída da agulha e mais fácil será a remoção de
resíduos dentários do interior do canal radicular. Toda-
via, para grandes pressões, o líquido pode ser compri-
mido contra o forame apical, permitindo sua infiltração
nos tecidos perirradiculares. Com o objetivo de evitar
esse problema, a agulha irrigadora, ao encontrar resis-
tência junto às paredes do canal, deve ser ligeiramente
recuada para facilitar o refluxo da corrente líquida.
A solução irrigante deve fluir suavemente sob li-
geira pressão do êmbolo. Essa pressão deve permitir um
escoamento de cerca de 4 a 5mL de líquido por minuto.
Durante a irrigação devemos imprimir movimentos de
vaivém à agulha, de modo a aumentar a agitação me-
cânica da solução no interior do canal, possibilitando
maior limpeza. A solução irrigante que reflui em dire-
ção à câmara pulpar é coletada pela cânula aspiradora,
colocada ao nível da embocadura do canal12.
Quanto ao volume do líquido a ser usado, encon-
tramos na literatura poucos trabalhos que a ele fazem
Figura 13-18. Sistema EndoVac. Microcânula metálica de aspiração menção. Baker et al.6 afirmam que a remoção de detri-
após o uso clínico. Microfuros bloqueados por resíduos e raspas de tos depende mais do volume do líquido do que do tipo
dentina. Superior. Sem uso. Inferior. Após o uso. da solução irrigadora. Por outro lado, Aktner e Bilkay4,

Figura 13-19. Aciden-


te. Injeção de hipoclori-
to de sódio nos tecidos
perirradiculares.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 563

contrariando as afirmações de Baker et al.6, salientam que Após a irrigação-aspiração fazemos a aspiração fi-
nem sempre o volume maior de líquidos produz melho- nal para conseguirmos a secagem do canal. Nessa fase,
res resultados na remoção de resíduos dos canais radicu- as agulhas de maior diâmetro são substituídas pelas de
lares. Vande-Visse e Brilliant175, estudando a extrusão de menor diâmetro à medida que a cânula avança em sen-
material além do forame apical afirmam que o simples tido apical. A secagem final do canal é completada com
uso da solução irrigante facilita a extrusão apical. cones de papel absorvente. O diâmetro do cone deve
Para Schafer136, o protocolo de irrigação-aspiração estar próximo ao do canal radicular. Quanto maior essa
sugerido é: entre instrumento de 2 a 5mL de hipoclori- diferença, maior será o número de cones necessários
to de sódio; após o preparo de 5 a 10mL de hipoclorito para secá-lo. Entretanto, para que se elimine a umida-
de sódio; após o preparo, 5mL de EDTA por canal por de contida no interior do canal radicular é necessário
um minuto; irrigação-aspiração final com 2mL de hi- que o cone de papel tenha grande capacidade de absor-
poclorito de sódio. ção de massa de líquido.
Yamada et al.181 recomendam 10 a 20mL de irri- A presença de umidade é um dos fatores que po-
gante para cada canal, seguido de um grande volume dem influenciar no selamento apical e, consequente-
após o término do preparo. mente, no êxito da obturação do canal radicular.
Podemos observar que os autores abordam, ge- A capacidade de absorção dos cones de papel é
nericamente, a importância do volume da solução em- influenciada por alguns fatores: natureza da matéria-
pregada durante o preparo químico-mecânico do ca- prima empregada; solubilidade do papel e da cola;
nal. Não há citações de valores nominais dos volumes processo e lote de fabricação dos cones e natureza das
utilizados. Embora o volume possa variar, em razão soluções químicas empregadas35,65. Para Lopes et al.80,
de diversos fatores, indicamos como rotina o empre- além desses fatores, a microestrutura dos cones exer-
go de 3 a 5mL de líquido para cada irrigação-aspiração ce influência na sua capacidade de absorção. Os co-
do canal radicular. Quanto maior o volume de líquido nes, com predominância de fibras entrelaçadas, pouca
empregado na irrigação, maior a eficiência da limpeza. quantidade de substância aglutinante e grande quanti-
Todavia, o aumento do número de irrigações para o dade de espaços vazios, apresentaram maior capacida-
mesmo volume de líquido empregado terá efeito mais de de absorção de massa de líquido. Os cones de papel
significativo na dispersão das partículas e, consequen- absorvente das marcas comerciais Dentsply (Dentsply
temente, na limpeza do canal do que o emprego desse Ind. Com. Ltda.) e Odahcan (Herpo Produtos Dentá-
mesmo volume em apenas uma irrigação. rios Ltda.) apresentaram os melhores resultados.
A irrigação-aspiração é empregada antes, durante
e após o preparo químico-mecânico do canal radicu- “Smear layer”
lar. Após o acesso endodôntico, devemos empregar a O objetivo do preparo químico-mecânico é lim-
irrigação-aspiração com o objetivo de remover detritos par, ampliar e dar forma definida ao canal radicular
dentinários, material obturador e tecido pulpar presen- para que ele possa receber o material obturador.
tes na câmara pulpar. O sucesso da terapia endodôntica depende do
Durante o preparo químico-mecânico do canal método e da eficiência desse preparo, da desinfecção
radicular realizamos a irrigação-aspiração seguida da e da obturação tridimensional do canal. Diferentes ti-
inundação da cavidade pulpar a cada sequência de em- pos de instrumento, manuais, sônicos, ultrassônicos ou
prego de um mesmo instrumento e a cada mudança acionados a motor e soluções químicas, têm sido em-
de instrumento. Esse procedimento tem como objetivo pregados nesses procedimentos.
remover os detritos mantidos em suspensão no inte- Algumas técnicas laboratoriais têm sido utilizadas
rior do canal radicular e permitir a renovação da solu- para a avaliação da eficiência do preparo químico-me-
ção química auxiliar da instrumentação. Geralmente, cânico no que diz respeito à limpeza do canal radicular.
usamos a mesma solução (hipoclorito de sódio a 2,5%), Entre essas técnicas destacamos a microscopia óptica,
quer na irrigação-aspiração, quer no preenchimento do corantes, substâncias radiopacas e a microscopia ele-
canal, como solução química auxiliar. trônica da varredura. Observações realizadas com mi-
A irrigação-aspiração final tem como objetivo croscopia eletrônica de varredura, após o preparo quí-
principal remover traços das drogas usadas durante mico-mecânico, têm revelado a presença de diminutos
o preparo do canal ou como medicamento intracanal. restos dentinários e uma substância amorfa aderida às
Geralmente, empregamos de 3 a 5mL de líquido na ir- suas paredes, formando um aglomerado pastoso, que
rigação final. se deposita, principalmente, na região apical: a smear
564 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

layer88,89,140. Essa denominação foi dada por Boyde et tes na parede dentinária durante a instrumentação do
al.15, que foram os primeiros a descrever essa formação canal3,92,140,181.
na superfície de esmalte cortado pela ação de brocas. McComb e Smith92 sugeriram que a smear layer,
McComb e Smith92 observaram essa camada nas pare- associada ao tratamento endodôntico, consiste não
des dos canais radiculares instrumentados e relataram apenas de dentina, como a da cavidade coronária, mas
sua semelhante aparência à smear layer coronária. também de remanescentes de componentes odonto-
A smear layer é também denominada lama endo- blásticos, tecido pulpar e bactéria. Desse modo, apre-
dôntica, magma dentinário, barro dentinário e camada sentam em sua composição substâncias orgânicas e
residual, e representa a formação de qualquer resíduo inorgânicas. A porção inorgânica é formada por ras-
produzido pela ação de corte de um instrumento sobre a pas de dentina e materiais inorgânicos não específicos,
dentina, esmalte ou cemento12,68,79,84,107 (Fig. 13-20A e B). oriundos do tecido dentário calcificado. A orgânica
Em Endodontia, a instrumentação do canal radi- pode ter como componentes tecido pulpar vivo ou ne-
cular produz a smear layer similar àquela formada du- crótico, remanescentes de processos odontoblásticos,
rante o preparo da cavidade, independentemente do proteínas coaguladas, células sanguíneas, saliva e bac-
tipo de instrumento e da técnica de instrumentação térias e seus produtos140. De acordo com Cameron22, a
empregados121. smear layer apresenta alta quantidade de componente
Em razão da provável influência da smear layer na orgânico, nos estágios iniciais da instrumentação, em
permeabilidade dentinária e reflexos sobre a ação dos razão da presença de tecido pulpar vivo ou necrótico.
medicamentos intracanais e do selamento das obtura- Outro aspecto a ser considerado é que ela pode
ções, o seu estudo e sua caracterização têm aumentado ser observada no plano frontal à abertura do túbu-
na prática endodôntica. Seu efeito de “isolante cavitá- lo dentinário, bem como no lateral, acompanhando
rio natural” tem sido avaliado e, dependendo do crité- a sua extensão. A smear do plano frontal (smear layer)
rio, pode ser considerado benéfico ou deletério89,111,140. apresenta-se como uma camada fina, irregular, gra-
Pelo fato de ser uma camada muito fina e solúvel nulosa, friável e pouco aderida à superfície do canal
em ácido, a smear layer é solubilizada durante o proces- radicular. É separada, estruturalmente, da dentina
samento histológico, não permitindo estudos à luz da subjacente, possui espessura que pode variar de 1 a
microscopia óptica. Essa é uma das razões pelas quais 5μm, e sua morfologia depende do tipo de instrumento
recebeu pouca atenção ao longo do tempo e somente empregado, do grau de umidade da dentina no mo-
pode ser revelada e analisada pela microscopia eletrô- mento do corte, da quantidade e composição química
nica de varredura88. da substância auxiliar e das características anatômicas
A smear layer tem uma aparência amorfa irregular do canal. A do plano lateral se apresenta comprimida
e granular quando vista pela microscopia eletrônica de no interior dos túbulos dentinários, sendo denominada
varredura. Essa aparência é devida à movimentação smear plug. Como os túbulos aumentam de diâmetro à
e brunimento dos componentes superficiais presen- medida que se aproximam do canal, supõe-se que mais

A B

Figura 13-20A e B. Eletromicrografia evidenciando smear layer após instrumentação de um canal radicular.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 565

fragmentos sejam impelidos para o seu interior do que Para Ostavik e Haapasalo105, a smear layer retarda,
os que se abrem na superfície externa da dentina88,92. mas não impede a ação de desinfetantes. Entretanto,
Garberoglio e Brannström48 observaram que, com a remoção da camada, bactérias presentes nos
próximo à polpa, o diâmetro dos túbulos é em tor- túbulos dentinários podem ser facilmente destruídas
no de 2,5μm, na região média de 1,2μm e, na denti- em razão da maior difusão de medicamentos através
na superficial, de 0,9μm. A penetração da smear plug da dentina17. Desse modo, essa remoção permite o uso
no interior dos túbulos dentinários varia de 1 a 5μm, de agentes bacterianos de menor concentração e/ou
podendo atingir até 40μm. Essa compressão de mate- quantidade, o que será benéfico, uma vez que esses
rial para o interior dos túbulos dentinários é devida agentes mostram algum grau de toxicidade às células
à ação dos instrumentos endodônticos88. Entretanto, do hospedeiro.
para Cengiz et al.24, a penetração da smear poderia ser Outra importante consideração em Endodontia
causada pela ação de capilaridade, como um resulta- é o selamento total do canal para impedir possível in-
do de forças adesivas entre os túbulos dentinários e o filtração de exsudato tecidual ou saliva, o que poderá
material residual. causar futura falha do tratamento endodôntico. A re-
A smear layer, quando examinada pela microsco- moção da smear layer facilita a penetração dos cimentos
pia eletrônica de varredura, poderia ser considerada obturadores nos túbulos dentinários e melhora a adap-
impermeável. Todavia, experimentos in vivo e in vitro tação do cone de guta-percha às paredes do canal, au-
têm mostrado sua permeabilidade111. mentando a eficiência seladora da obturação49.
A microinfiltração do canal radicular é definida
Remoção da smear layer: sim versus não como a passagem de micro-organismos, fluidos e subs-
As vantagens e desvantagens de remover ou não tâncias químicas entre a parede dentinária e o material
a smear layer, após a instrumentação do canal radicu- obturador do canal radicular. A microinfiltração resul-
lar, são questões ainda controvertidas. Parece que a ta na presença de um espaço preenchido com fluido
necessidade e a importância da remoção da smear layer na interface do material obturador e da parede do ca-
estão condicionadas ao conteúdo do canal radicular nal radicular. Esse espaço pode ser resultado de uma
(polpa viva ou necrosada) e à manutenção de um ca- adaptação deficiente do material obturador na parede
nal asséptico89. do canal, solubilização do cimento ou expansão ou
No tratamento de dentes, onde não há contami- contração do cimento selador. Existem duas interfaces
nação e é mantida a cadeia asséptica, a remoção da potenciais de infiltração: entre a guta-percha e o cimen-
camada residual não seria necessária. Se uma contami- to ou entre o cimento e a parede do canal radicular. A
nação por infiltração ou queda do selamento coronário maior infiltração ocorre entre o cimento e a parede do
ocorrer, a presença da smear layer diminui a aderência canal radicular69.
e a penetração de bactérias nos túbulos dentinários. A smear layer na parede do canal atua como uma
No entanto, ocorrerá a contaminação da própria smear barreira física intermediária e pode interferir na adesão
layer, sendo, então, necessária a sua remoção38. e penetração do selador no interior dos túbulos den-
No tratamento de canais infectados há uma forte tinários. Assim, torna-se fácil entender a preocupação
razão para a eliminação da smear layer. Nesses casos, as de autores em relação à remoção da camada de smear
bactérias penetram nos túbulos dentinários e podem ser layer previamente à obturação do canal radicular, com
encontradas mais profundamente na dentina. Mesmo o objetivo de permitir a penetração do cimento obtu-
após o preparo químico-mecânico do canal, algumas rador nos túbulos dentinários promovendo o embrica-
bactérias ainda aí permanecem, assim como nos túbu- mento mecânico e aumentando a ligação mecânica do
los dentinários17. Na ausência do cemento radicular e material obturador com a parede do canal radicular.
na existência de comunicação com o exterior (ligamen- Entretanto, não há na literatura evidências de correla-
to periodontal), as bactérias presentes podem iniciar ção direta entre a infiltração e a penetração do material
e/ou manter complicações, como reabsorções radicu- obturador no interior dos referidos túbulos140.
lares e patologias perirradiculares. Nessas condições, A infiltração no canal radicular é um assunto
a presença da smear layer “protege” as bactérias, impe- complexo, em função da existência de inúmeras va-
dindo que os medicamentos entrem em contato com as riáveis: anatomia e diâmetro de dilatação do canal;
paredes do canal ou, até mesmo, que penetrem nos tú- natureza e volume da solução irrigadora; método
bulos dentinários92. A formação da smear layer reduz a empregado na remoção da smear layer; propriedades
permeabilidade da dentina radicular de 25 a 49%46. físicas e químicas dos cimentos seladores; técnica de
566 Capítulo 13  Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares

obturação, condição do selamento coronário e da me- Remoção da smear layer


todologia empregada140. Apresentando a smear layer, em sua composição,
Para Evans e Simon42, a presença ou ausência da componentes orgânicos e inorgânicos, o uso alternado
smear layer não tem efeito significativo em relação ao de EDTA a 17% e de hipoclorito de sódio a 2,5% pro-
selamento apical. Entretanto, para Cergneux et al.25 e move a sua remoção. O EDTA quela a porção calcifi-
Saunders e Saunders132, a sua remoção pode melhorar cada e expõe o colágeno, sendo que o hipoclorito atua
o selamento da obturação do canal radicular. removendo o material orgânico, inclusive o colágeno
Segundo Timpawat et al.169, a remoção da smear da matriz.
layer aumentou a microinfiltração apical em dentes ob- Yamada et al.181 observaram, com uso da micros-
turados com guta-percha termoplastificada e cimento copia eletrônica de varredura, que uma irrigação final
selador de ionômero de vidro, quando comparada à do canal radicular, empregando-se 10mL de EDTA a
não remoção da camada residual, empregando-se o 17% e tamponado em pH de 7,7, seguido por 10mL de
método de filtração de fluidos. solução de hipoclorito de sódio a 5,25%, foi o método
Os resultados conflitantes desses estudos podem mais efetivo na remoção da smear layer.
estar relacionados com os diferentes agentes quelan- Lopes et al.84 realizaram um estudo, buscando
tes empregados para a remoção da smear layer, assim avaliar, por meio da microscopia eletrônica de varre-
como a metodologia usada na avaliação da infiltração dura, a influência da agitação mecânica do EDTA na
no canal radicular. A remoção da smear layer não pa- remoção da smear layer do canal radicular. Os resulta-
rece ser o fator principal na microinfiltração de um dos mostraram que a agitação mecânica, com espiral
canal obturado169. de Lentulo, propicia melhor limpeza do canal em todos
Quando a smear layer não for removida, a efeti- os níveis quando comparados à agitação realizada com
vidade do selamento apical deverá ser observada a instrumentos manual e nos casos em que a solução per-
longo prazo. Sendo ela não homogênea e fracamente maneceu estática.
aderida à parede do canal, pode desintegrar-se lenta- Após o preparo químico-mecânico, o canal é pre-
mente e se dissolver ao redor do material obturador. enchido com EDTA a 17%. A solução química deve ser
Assim, surgem vazios entre esse material e as paredes acondicionada em tubetes anestésicos vazios e levados
do canal17,88. ao interior do canal através da seringa carpule e da agu-
Alguns estudos38,59 apresentam prováveis benefí- lha Gauge no 30. O tempo de permanência do EDTA no
cios quando optamos pela manutenção da smear layer: interior do canal é de 5 minutos. Durante os dois primei-
ros minutos, a solução é agitada em todo o comprimento
a) o selamento dos túbulos dentinários poderia de- de trabalho, utilizando-se uma espiral de Lentulo com
terminar o isolamento e a destruição das bactérias giro à direita e em velocidade máxima de um micromo-
que, eventualmente, tenham permanecido em seu tor elétrico. A seguir, o canal é irrigado com 5mL de hi-
interior; poclorito de sódio a 2,5% (Fig. 13-21A e B).
b) bloquearia ou retardaria a penetração bacteriana ou Em razão das pequenas dimensões do canal radi-
de fluidos nos túbulos dentinários, em consequência cular durante o seu preenchimento com solução quími-
de uma possível contaminação do canal. Quando a ca, frequentemente bolhas de ar ficam aprisionadas no
smear layer é removida, as paredes dentinárias se tor- seu interior. Essas bolhas, existentes principalmente no
nam mais permeáveis à difusão bacteriana, e bacté- segmento médio e apical do canal radicular, impedem
rias podem ser observadas no interior dos túbulos. o contato da solução química com as paredes dentiná-
rias, dificultando, assim, a remoção da smear layer.
Ainda que esses argumentos possam sugerir a Com a agitação manual com instrumentos endo-
conveniência da permanência da smear layer, é oportuno dônticos é possível a remoção parcial das bolhas de ar,
lembrar que a obturação do canal radicular cumpre esse principalmente do segmento apical do canal radicular.
objetivo de selamento e que principalmente os micro- A agitação mecânica com espiral de Lentulo, em fun-
organismos poderiam sobreviver e se multiplicar nas ção da maior rotação e agitação da solução química,
paredes dentinárias à custa da referida camada e do flui- promove maior remoção das bolhas de ar, permitindo,
do dentinário, mesmo não havendo comunicação com a assim, o contato do líquido com a parede do canal ra-
cavidade oral17,89. A remoção da smear layer com EDTA dicular. Além disso, com o uso da espiral de Lentulo,
faz-se necessária antes do emprego de materiais obtura- criam-se tensões cisalhantes nas paredes internas do
dores de canais radiculares à base de resina166. canal radicular que, por ação mecânica, combinada
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 567

A B

Figura 13-21A e B. Eletromicrografia evidenciando remoção da smear layer de um canal radicular (emprego de EDTA e NaOCl).

com a ação química da solução, removem com maior Para Takeda et al.163, as paredes dos canais radi-
eficiência a smear layer. culares irradiadas pelo laser de Er:YAG ficam livres de
O ultrassom pode ser um meio auxiliar para a re- restos teciduais, a smear layer é evaporada e os túbulos
moção da smear layer quando aliado ao uso combinado dentinários abertos. Concluíram que a irradiação com
de grandes volumes de soluções de quelante seguido laser Er:YAG é um método eficiente na eliminação da
de solvente. Segundo Cheung e Stock26, a circulação de smear layer das paredes do canal radicular.
um grande volume de solução dentro de um canal ra- Guerisoli et al.57 averiguaram a capacidade de re-
dicular é o que favorece a maior capacidade de limpeza moção da smear layer com o laser de Er:YAG compara-
do ultrassom quando comparada à irrigação manual. do ao EDTAC quando da aplicação no interior do canal
Outra vantagem é que a microcorrente acústica do sis- radicular. Os autores concluíram que quando associa-
tema ultrassônico direciona um fluxo contínuo de solu- do ao hipoclorito de sódio a 1% o laser de Er:YAG é tão
ção química ao longo do instrumento endodôntico no eficiente quanto o EDTAC na remoção da smear layer
interior do canal radicular, favorecendo a remoção da presente nos canais radiculares. Pécora et al.115 obser-
smear layer. varam que após a aplicação do laser Er:YAG ocorreu
O laser, abreviatura de Light Aplification by Sti- aumento da permeabilidade dentinária.
mulated of Radiation, que significa ampliação da luz Assim, o uso do laser em trabalhos experimentais
por emissão estimulada de radiação, está sendo em- tem mostrado resultados promissores na remoção da
pregado em Odontologia com diversas finalidades, smear layer remanescentes das paredes dos canais ra-
sendo que na Endodontia sua importância é destaca- diculares.
da na remoção da smear layer, por meio do processo de
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Capítulo 14
Medicação
Intracanal

José Freitas Siqueira Jr.


Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

Existem situações rotineiras e outras esporádicas e) controlar exsudação persistente;


na clínica endodôntica onde está indicado o emprego f) solubilizar matéria orgânica;
de uma medicação no interior do sistema de canais ra- g) neutralizar produtos tóxicos;
diculares. Idealmente, tais medicamentos deverão per- h) controlar reabsorção dentária inflamatória externa;
manecer ativos durante todo o período entre as con- i) estimular a reparação por tecido mineralizado.
sultas do tratamento endodôntico. Embora essa etapa Tais razões serão discutidas a seguir.
não possa substituir qualquer outra relacionada com a
terapia endodôntica, sua utilização assume um papel a) Eliminar micro-organismos que
auxiliar bastante importante em determinadas condi- sobreviveram ao preparo químico-mecânico
ções clínicas e patológicas. Os objetivos deste capítulo
são discutir as situações clínicas nas quais a medica- O medicamento para uso endodôntico deve pos-
ção intracanal é indicada, emitir conceitos relacionados suir ação antimicrobiana, tendo o potencial de destruir
com as características físicas, químicas e biológicas dos micro-organismos remanescentes que sobreviveram
principais medicamentos endodônticos, bem como aos efeitos do preparo químico-mecânico. Estudos
suas indicações de uso, e expor as formas de aplicação têm demonstrado que micro-organismos cultiváveis
de um medicamento no interior do canal radicular. ainda são detectados em 40 a 60% dos canais radicu-
lares mesmo após preparo químico-mecânico usando
hipoclorito de sódio (NaOCl) como substância quí-
 OBJETIVOS mica auxiliar15,84,130,172. Esses micro-organismos resis-
Um medicamento pode ser aplicado no interior do tentes ao preparo usualmente estão alojados em áre-
sistema de canais radiculares pelas seguintes razões: as não afetadas por limas e pela substância química.
Vários estudos têm demonstrado que a maioria dos
a) eliminar micro-organismos que sobreviveram ao patógenos endodônticos tem a capacidade de invadir
preparo químico-mecânico; os túbulos da dentina radicular e instalar uma infec-
b) impedir a proliferação de micro-organismos que so- ção intratubular81,82,106,142,163 (Fig. 14-1). Outras regiões
breviveram ao preparo químico-mecânico; do canal radicular, como istmos, ramificações, delta
c) atuar como barreira físico-química contra a infecção apical e irregularidades, não são usualmente limpas
ou reinfecção por micro-organismos da saliva; e consequentemente desinfetadas pela ação do prepa-
d) reduzir a inflamação perirradicular e consequente ro químico-mecânico90,114,138,213 (Figs. 14-2 a 14-5). Pelo
sintomatologia; fato de permanecer por tempo muito mais prolongado

573
574 Capítulo 14  Medicação Intracanal

Figura 14-1. Invasão bacteriana de túbulos dentinários. A. Propio-


nibacterium acnes. B. Actinomyces israelii. Localizadas no interior da
dentina, bactérias são de eliminação difícil ou mesmo impossível
pelo preparo químico-mecânico.

no interior do canal radicular do que a substância quí-


mica usada na irrigação, o medicamento tem maiores B
chances de atingir tais áreas não afetadas pela instru-
mentação e pela substância química auxiliar. Assim,
exercendo sua ação antimicrobiana, pode contribuir
decisivamente para a máxima eliminação da microbio-
ta endodôntica34,134,135,187,201. Possivelmente, por poten-
cializar a eliminação de micro-organismos, o emprego
de medicamentos intracanais está diretamente relacio-
nado com uma melhor reparação dos tecidos perirradi-
culares e, consequentemente, com um maior índice de
sucesso da terapia endodôntica de dentes com canais
infectados14, 57,58,64,65,73,74,89,113,133,174,202.

b) Impedir a proliferação de
micro-organismos que sobreviveram ao
preparo químico-mecânico
Quando um canal é selado coronariamente após
a sua instrumentação, restaura-se a atmosfera de C
anaerobiose, e o fluxo de fluidos teciduais ou exsu-
dato inflamatório ricos em proteínas e glicoproteínas Figura 14-2. Ramificação do canal. A. Dente diafanizado. (Gentileza
do Dr. Armelindo Roldi.) B. Corte histológico evidenciando remanes-
para o interior daquele pode sustentar o crescimento centes teciduais não removidos pelo preparo. C. Corte demonstrando
de micro-organismos, mormente os anaeróbios estri- intensa colonização de uma ramificação apical por bactérias gram-
tos, que porventura tenham sobrevivido ao preparo positivas. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
Medicação Intracanal 575

A B C

Figura 14-3. Istmo entre os canais mesiais do molar inferior. A. Dente diafanizado. (Gentileza do Dr. Armelindo Roldi.) B e C. Cortes histoló-
gicos demonstrando remanescentes teciduais após completo preparo químico-mecânico. Bactérias nessa região não são significativamente
afetadas pelo preparo químico-mecânico.

A A

Figura 14-5. Delta api-


cal. A. Dente diafaniza-
do. (Gentileza do Dr. Ar-
melindo Roldi.) B. Corte
histológico. C. Corte de-
monstrando a presença
B de bactérias no interior
da ramificação apical,
Figura 14-4. Istmo em um dente cujo tratamento endodôntico fra- bem como na dentina
cassou. A. Canais mesiais obturados e presença de um istmo entre adjacente. Bactérias nes-
eles. B. Maior aumento do retângulo em A revelando a presença sa região podem não ser
de bactérias e algumas células de defesa no istmo. Essas bactérias significativamente afe-
residuais foram a provável causa da persistência da lesão nesse caso. C tadas pelo preparo quí-
(Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.) mico-mecânico.
576 Capítulo 14  Medicação Intracanal

químico-mecânico. Estudos têm demonstrado que nação do canal através da saliva ocorrerá por: solu-
micro-organismos remanescentes podem proliferar bilização e permeabilidade do medicamento ou per-
rapidamente no interior do sistema de canais radi- colação de saliva na interface entre o medicamento
culares se nenhum medicamento for utilizado entre e as paredes do canal. Entretanto, se o medicamento
as sessões de trabalho, podendo inclusive alcançar possuir atividade antimicrobiana, a sua neutraliza-
magnitude de contagem similar àquela antes da ção por parte da saliva deve preceder a invasão mi-
instrumentação15,16,175. crobiana.
Medicamentos aplicados em toda a extensão do
canal radicular podem funcionar como barreira física, As pastas de hidróxido de cálcio funcionam como
impedindo o suprimento de substratos na forma de uma barreira físico-química, retardando significativa-
fluidos teciduais para os micro-organismos que sobre- mente a recontaminação do canal quando da exposição
viveram ao preparo químico-mecânico e limitando o à saliva por perda do selador coronário. O tempo mé-
espaço para a multiplicação microbiana. dio observado para ocorrer a total recontaminação de
um canal medicado com hidróxido de cálcio pode ser
de aproximadamente 15 dias. O efeito físico de preen-
c) Atuar como barreira físico-química chimento parece exercer maior influência na prevenção
contra a infecção ou reinfecção por da reinfeccção do que o efeito químico149.
micro-organismos da saliva
Canais instrumentados podem ser contamina- d) Reduzir a inflamação perirradicular e
dos/recontaminados e infectados/reinfectados entre consequente sintomatologia
as sessões de tratamento por diferentes motivos: mi-
Um dos aspectos importantes da terapia endo-
croinfiltração por meio do selador temporário; per-
dôntica é manter ou restaurar o conforto do paciente.
da ou fratura do material selador e/ou da estrutura
Assim, em determinadas situações clínicas, como na
dentária. Infecção/reinfecção do sistema de canais
periodontite apical aguda e no abscesso perirradicular
radiculares obviamente ameaça o sucesso da terapia
agudo, onde há sintomatologia devido à inflamação
endodôntica.
perirradicular, faz-se necessário o emprego de um me-
Medicamentos intracanais podem impedir a pe-
dicamento intracanal com o intuito de reduzir a inten-
netração de micro-organismos da saliva no canal por
sidade da resposta inflamatória.
duas maneiras:
Medicamentos que inibem ou reduzem a resposta
inflamatória perirradicular têm um consequente efeito
1. Barreira química. Medicamentos que possuem efei-
analgésico, uma vez que a dor é um dos sinais cardeais
tos antimicrobianos podem atuar como barreira
da inflamação. De todos os medicamentos propostos
química contra a microinfiltração, eliminando mi-
para atuar dessa forma, os corticosteroides, sem dú-
cro-organismos e impedindo sua entrada no canal.
vida alguma, são os mais eficazes. Medicamentos que
Substâncias aplicadas em mechas de algodão coloca-
possuem atividade antimicrobiana podem exercer efei-
das na câmara pulpar, como o tricresol formalina e o
to indireto sobre a resposta inflamatória, por eliminar a
paramonoclorofenol canforado (PMCC), agem des-
sua causa, isto é, micro-organismos presentes no inte-
sa maneira. A contaminação ou recontaminação do
rior do sistema de canais radiculares.
canal só ocorrerá após a exposição à saliva quando
o número de células microbianas exceder a ativida-
e) Controlar exsudação persistente
de antimicrobiana do medicamento. Por sua vez, a
saliva pode diluir o medicamento e neutralizar seus Em determinadas situações clínicas, podemos ob-
efeitos, permitindo, assim, a invasão microbiana do servar a persistência de um exsudato seroso no canal,
canal. O tricresol formalina e o paramonoclorofenol como consequência de reação inflamatória dos tecidos
canforado, aplicados na câmara pulpar, não conse- perirradiculares frente à injúria persistente de origem
guem retardar por muito tempo a recontaminação microbiana. A presença física desse exsudato cria um
do canal após exposição à saliva149. ambiente extremamente úmido que impede a obtenção
2. Barreira física. Medicamentos que preenchem toda de um adequado selamento do canal radicular quan-
a extensão do canal podem funcionar como uma do da sua obturação, além de indicar que o tratamento
barreira física à invasão de micro-organismos pro- não está sendo eficaz para eliminar a causa da inflama-
venientes da saliva. A contaminação ou recontami- ção perirradicular.
Medicação Intracanal 577

A persistência de exsudação no canal indica que canal em um ambiente asséptico, reduzindo os riscos
irritantes permanecem atuando sobre os tecidos perir- de exacerbações. Compostos aldeídicos, como o tricre-
radiculares. O preparo químico-mecânico deve ser re- sol formalina, têm sido utilizados com esse propósito.
visado com o comprimento de trabalho reavaliado e, Após a confecção da cavidade de acesso em dentes
então, um medicamento intracanal que possua eficácia com polpa necrosada, o tricresol seria aplicado em
antimicrobiana deve ser aplicado em todo o canal, vi- uma mecha de algodão na câmara, permanecendo por
sando à eliminação de micro-organismos persistentes 48 horas. Findo esse período, o preparo do canal, com
e à consequente redução da inflamação perirradicular. um suposto conteúdo inerte, seria iniciado. Tal con-
As pastas de hidróxido de cálcio agem dessa forma. duta, porém, não apresenta respaldo científico e será
mais bem discutida na seção sobre esse medicamento
f) Solubilizar matéria orgânica neste mesmo capítulo.
Outras substâncias possuem efeito neutralizante
O preparo químico-mecânico tem como finalida-
específico sobre determinados produtos bacterianos tó-
de a limpeza do sistema de canais radiculares, onde
xicos. Por exemplo, o hidróxido de cálcio, quando em
todo conteúdo orgânico, infectado ou não, deve ser
contato direto, pode neutralizar endotoxinas bacterianas
removido. A permanência desses resíduos pode fun-
(lipopolissacarídeos), importantes fatores de virulência
cionar como reservatório de micro-organismos, que
de bactérias gram-negativas. Todavia, uma vez que esse
podem comprometer o sucesso da terapia endodôntica
medicamento somente é empregado após a completa
a longo prazo.
instrumentação do canal radicular, não teria o efeito
É preciso ressaltar que durante o preparo quími-
proposto de “neutralizar antes de instrumentar”.
co-mecânico a ação do instrumento endodôntico se
realiza somente no canal principal, permanecendo ina-
h) Controlar reabsorção dentária
cessíveis os canais laterais, ramificações apicais, istmos
inflamatória externa
e áreas de reabsorções dentárias. Assim, a remoção do
tecido vital ou necrosado que preenche essas áreas de- A reabsorção dentária inflamatória externa pode
penderá da ação solvente da solução química auxiliar, ocorrer após traumatismo dentário6,197. Lesões traumá-
do fluxo da solução irrigadora durante a aspiração e ticas menores do ligamento periodontal e/ou do ce-
da ação de substâncias empregadas como medicamen- mento podem causar pequenas cavidades de reabsor-
to intracanal. Como será discutido adiante, é bastante ção na superfície radicular. Essas cavidades se comu-
questionável se um medicamento intracanal pode re- nicam diretamente com a polpa por meio dos túbulos
almente auxiliar na limpeza do sistema de canais ra- dentinários. Se a polpa e os túbulos estiverem infecta-
diculares. dos, micro-organismos passam a apresentar contato di-
reto com o ligamento periodontal, o que pode susten-
g) Neutralizar produtos tóxicos tar uma reabsorção dentária inflamatória externa5,136.
A reabsorção inflamatória externa também pode estar
Durante a terapia endodôntica em dentes com ne- associada a uma lesão perirradicular crônica, mesmo
crose pulpar, não é raro o aparecimento de indesejáveis sem história prévia de trauma, afetando a porção api-
complicações pós-operatórias. A intervenção pouco cal da raiz.
cautelosa em um meio geralmente bastante infectado Para o tratamento da reabsorção inflamatória ex-
favorece a projeção de micro-organismos e de seus terna, após o preparo químico-mecânico, é imprescin-
produtos tóxicos, presentes no canal radicular, para a dível o uso de um medicamento intracanal com ativi-
região perirradicular, o que pode ocasionar manifesta- dade antimicrobiana para tentar debelar a infecção in-
ções dolorosas de intensidades imprevisíveis. tratubular, fator que mantém o processo reabsortivo.
Tem sido proposto que a neutralização mediata
das toxinas e a redução da população microbiana da
i) Estimular a reparação por tecido
cavidade pulpar podem ser alcançadas com o empre-
go de determinados medicamentos, antecedendo o
mineralizado
preparo químico-mecânico do canal radicular. A prin- Nos casos de perfurações e reabsorções radicu-
cípio, utilizar uma substância que neutralize o conteú- lares, assim como nos dentes com rizogênese incom-
do tóxico do sistema de canais radiculares, tornando-o pleta, medicamentos intracanais são utilizados com a
inerte, parece um procedimento interessante. Isso per- intenção de favorecer a reparação através da deposição
mitiria, em uma consulta posterior, a penetração no de um tecido mineralizado.
578 Capítulo 14  Medicação Intracanal

 CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS O iodofórmio, CHI3 (tri-iodometano), é uma subs-


MEDICAMENTOS INTRACANAIS tância halógena empregada como medicamento intra-
canal, isoladamente ou associada a outras substâncias.
Derivados fenólicos O iodofórmio se decompõe, liberando iodo no estado
OH nascente. Apresenta boa radiopacidade.
O iodeto de potássio iodetado a 2% também tem
sido utilizado como medicação intracanal. Ele é prepa-
rado pela adição de 4g de iodeto de potássio e 2g de
iodo em 94mL de água destilada. Possui atividade an-
timicrobiana satisfatória179.
São compostos que possuem um ou mais gru-
pamentos hidroxilas (OH¯) ligados diretamente ao Bases ou hidróxidos
anel benzênico (C6H6). O ácido fênico ou fenol comum
(C6H5OH) é um agente bactericida antigo, bastante uti- Bases são compostos inorgânicos que possuem,
lizado em Medicina e em Odontologia. Os derivados como ânions, exclusivamente os radicais hidroxila
fenólicos mais usados no passado como medicamen- (OH¯). São representados, para uso endodôntico, pelo
tos endodônticos são: eugenol, paramonoclorofenol hidróxido de cálcio (Ca(OH)2).
(PMC), PMCC, metacresilacetato (cresatina), cresol, O hidróxido de cálcio é um pó branco, alcalino
creosoto e timol. (pH 12,8), inodoro, pouco solúvel em água. É uma base
Esses compostos são potentes agentes antimicro- forte, podendo ser usada isoladamente (hidróxido
bianos, sendo que podem exercer seus efeitos, além do de cálcio p.a.) ou associada a outras substâncias. São
contato direto, pela liberação de vapores. Desses, so- atribuídas ao hidróxido de cálcio várias propriedades
mente o PMCC ainda é recomendado em Endodontia. biológicas. Todavia, muitas delas são destituídas de
comprovação científica. A atividade antimicrobiana
por contato e o efeito de estímulo à formação de uma
Aldeídos
barreira mineralizada são propriedades cientificamen-
Aldeídos são compostos orgânicos que apresen- te comprovadas quando do emprego dessa substância
tam na molécula o radical funcional, denominado car- no interior do canal radicular.
bonila, tendo uma das valências do carbono preenchi-
da obrigatoriamente pelo hidrogênio e a outra por um
Corticosteroides
radical alquila ou arila.
São substâncias derivadas do córtex suprarre-
nal. São medicamentos que atuam sobre o processo
O inflamatório, inibindo a ação da enzima fosfolipase
R—C A2, envolvida na síntese dos derivados do ácido arac-
H dônico (prostaglandinas e leucotrienos), importantes
mediadores químicos da inflamação. Possuem efeito
São fixadores teciduais de pronunciada eficácia. inibitório potente sobre a exsudação e a vasodilatação
São representados pelo formaldeído (usado em combi- associadas à inflamação.
nação com o cresol, conhecido como tricresol formalina Em Endodontia são utilizados por meio de aplica-
ou formocresol) e pelo glutaraldeído. São potentes agen- ções tópicas para o controle da reação inflamatória, nos
tes antimicrobianos, exercendo seus efeitos tanto pelo casos de periodontite apical aguda de etiologia quími-
contato direto quanto pela liberação de vapores ativos. ca ou traumática. Podem também ser utilizados na bio-
pulpectomia nos casos onde não se realiza a obturação
Halógenos radicular imediata e nas pulpotomias. Os corticosteroi-
des mais empregados em Endodontia são a hidrocorti-
São representados pelos compostos que contêm
sona, a prednisolona e a dexametasona.
cloro ou iodo. Os compostos que possuem cloro são
representados pelo NaOCl, enquanto, nos compostos
que possuem iodo, ele é encontrado na forma molecu-
Antibióticos
lar I2 ou combinado com o potássio. Apresentam efei- São substâncias químicas produzidas por micro-
tos destrutivos sobre vírus e bactérias. organismos ou similares a elas produzidas total ou
Medicação Intracanal 579

parcialmente em laboratório, capazes de inibir o desen- o PMC está associado à cânfora usualmente na propor-
volvimento ou matar outros micro-organismos. Isola- ção 3,5:6,5 (SS White). Tem sido relatado que meno-
damente ou combinados com outras drogas, têm sido res concentrações de PMC podem apresentar melhor
pouco empregados como medicamento intracanal, compatibilidade biológica e ainda reter o poder bacte-
devido ao risco de haver sensibilização do paciente ou ricida178.
de haver desenvolvimento de resistência bacteriana. Siqueira et al.151, testando a atividade antibacteria-
Como medicamento intracanal, os antibióticos não são na do PMC aquoso a 2%, do PMC associado a Furacin
superiores aos antissépticos comuns87,136,141. (PMC-Fur) e do PMCC (35% de PMC e 65% de cânfora)
contra bactérias anaeróbias estritas (Porphyromonas en-
dodontalis, Porphyromonas gingivalis, Fusobacterium nu-
 MEDICAMENTOS UTILIZADOS cleatum, Propionibacterium acnes e Bacteroides fragilis) e
Paramonoclorofenol ou paraclorofenol anaeróbia facultativa (Enterococcus faecalis), concluíram
que o PMCC e o PMC-Fur apresentaram os maiores ha-
O paramonoclorofenol (PMC) foi introduzido na
los de inibição de crescimento antibacteriano, e o PMC
Odontologia por Walkhoff, em 1891207. Seu uso se fun-
a 2% apresentou baixa atividade antibacteriana, evi-
damenta nas propriedades antissépticas do fenol e do
denciada pelos pequenos halos de inibição observados
íon cloro que, na posição para do anel fenólico, é libera-
em volta do medicamento.
do lentamente. Apresenta-se sob a forma de cristais e
Esses resultados demonstraram que o PMCC
possui odor fenólico característico.
apresenta elevada atividade antibacteriana contra as
A combinação do PMC com outras substâncias, ou
bactérias anaeróbias estritas testadas. Tais achados em
a sua diluição, tem sido proposta com o objetivo de po-
relação ao PMCC contra bactérias anaeróbias são con-
tencializar a atividade antimicrobiana e reduzir a citoto-
firmados por Ohara et al.97. O efeito letal do PMC sobre
xicidade do medicamento. A forma em associação com a
micro-organismos se dá por destruição da membrana
cânfora tem sido a mais utilizada em Odontologia.
celular, pela desnaturação de proteínas (mormente as
Quimicamente, a cânfora é uma cetona terpênica
de membrana), pela inativação de enzimas, como as
bicíclica, derivada do canfeno e obtida da canforeira,
oxidases e desidrogenases, e pela liberação de cloro,
árvore da família das lauráceas. Apresenta-se sob a for-
um forte agente oxidante, que inativa enzimas conten-
ma de cristais incolores ou massas cristalinas friáveis
do grupamentos sulfidrila (SH).
e translúcidas, untuosas ao tato. Tem odor penetrante
característico e sabor amargo. É uma substância aro-
mática, muito pouco solúvel em água (1:800). Tricresol formalina ou formocresol
Da combinação do PMC com a cânfora, em partes Tricresol formalina ou formocresol são denomina-
variáveis, forma-se uma mistura líquida denominada ções para o mesmo medicamento quanto à composição
PMCC. Além de a cânfora funcionar como veículo, química. Todavia, apresentam concentrações diferen-
também reduz o potencial irritante do PMC. tes de formalina em suas formulações: tricresol forma-
O PMCC desempenha sua atividade antimicro- lina (em torno de 90%) e formocresol (19 a 43%).
biana pelo contato direto do líquido com os micro- O tricresol formalina é um composto à base de
organismos ou pela ação dos vapores liberados147. No formaldeído e cresol. O formaldeído é um gás produ-
entanto, sua ação quando da aplicação em uma mecha zido pela incompleta combustão do metanol, é solú-
de algodão na câmara pulpar no intuito de que os va- vel em água, com solução na concentração aquosa de
pores tenham efeito antimicrobiano no canal é impre- aproximadamente 38 a 40% de formaldeído em peso,
visível e usualmente efêmera, durando no máximo 48 chamado formalina.
horas13,68,85. Graças à sua baixa tensão superficial (36,7d/ A ação antimicrobiana da formalina se dá pela
cm2), atua por capilaridade, agindo assim, a distância, ação alquilante sobre proteínas e ácidos nucleicos do
no interior dos túbulos dentinários e nas ramificações micro-organismo, que se caracteriza pela substituição
do canal radicular86,91. do átomo de hidrogênio de uma hidroxila ou sulfidrila
A proporção mais empregada é a recomendada por um radical hidroximetil, causando dano ou perda
por Sommer et al.176, que utiliza três partes de PMC para de atividade dessas biomoléculas. A difusão da forma-
sete de cânfora. Segundo os autores, esta associação é lina pelos tecidos moles é aproximadamente cinco ve-
bactericida e perde praticamente suas propriedades ir- zes mais lenta que a difusão por meio do plasma san-
ritantes sob condições de uso clínico. Comercialmente, guíneo. A formalina atua na corrente sanguínea pela
580 Capítulo 14  Medicação Intracanal

indução de formação de trombos, resultando em áreas neutralizar o tecido pulpar necrosado em toda a sua
de isquemia. Sabe-se que a formalina é altamente irri- extensão. Se aplicado em grande quantidade, visando
tante aos tecidos vivos. a maximizar tais efeitos, o medicamento pode ter um
O outro constituinte é o tricresol, que está em sus- forte efeito irritante sobre os tecidos perirradiculares.
pensão aquosa em forma de três isômeros de metilfe- Assim, o controle da quantidade e da concentração do
nol (orto, meta e para). É derivado do “carvão de breu” medicamento atuante na total neutralização do con-
e é um antisséptico quatro ou cinco vezes mais ativo teúdo pulpar parece extremamente difícil. A quantidade
que o fenol em ação local, mas considerado menos tó- do medicamento depende do tamanho da câmara pul-
xico. Foi adicionado ao formaldeído para diminuir as par. Sendo o volume de tricresol formalina pequeno, é
propriedades irritantes. possível que essa substância apenas promova uma neu-
tralização parcial de produtos tóxicos e a eliminação de
micro-organismos em limitada profundidade no tecido
OH OH OH
pulpar em contato com a mecha de algodão contendo o
CH3 medicamento. Por fim, cumpre salientar que o tecido vi-
tal ou necrosado, fixado por compostos aldeídicos, não
CH3 é inerte, apresentando efeitos tóxicos e antigênicos11,195.
CH3 Dessa forma, ainda haverá o risco de ocorrer uma agu-
ortocresol metacresol paracresol
dização na segunda consulta, após o suposto emprego
sólido incolor líquido incolor sólido incolor “neutralizador” do tricresol formalina.
Deve-se ter em mente que a infecção do sistema de
canais radiculares só é controlada de forma eficaz após
O tricresol formalina é um potente agente anti- o completo preparo químico-mecânico, após a aplica-
microbiano e age tanto por contato quanto a distância ção de uma medicação intracanal adequada e após a
(por meio de vapores)28,147. A ação antimicrobiana prin- realização de uma obturação que promova o selamento
cipal se deve à porção formaldeídica do medicamento. tridimensional do sistema de canais radiculares.
Buckley12 afirmou em 1905 que quando o tricre-
sol formalina é aplicado sobre uma polpa necrosada há
transformação dos gases bacterianos e outros elemen-
 ASSOCIAÇÃO
tos tóxicos em sólidos e líquidos não irritantes. Assim, o CORTICOSTEROIDE-ANTIBIÓTICO
formol e o tricresol iriam neutralizar componentes tóxi- O emprego de uma associação corticosteroide-
cos da infecção pulpar. Contudo, deve-se ter em mente antibiótico atenua a intensidade da reação inflamatória
que essa hipótese foi fundamentada nos conhecimen- provocada pelo ato cirúrgico e uso de drogas, favore-
tos disponíveis naquela época, isto é, há mais de 100 cendo a eliminação da dor pós-operatória. Os corticos-
anos. Atualmente, sabe-se que bactérias colonizando o teroides de efeito anti-inflamatório moderado, como a
sistema de canais radiculares podem liberar inúmeras hidrocortisona e a prednisolona, usados na medicação
outras substâncias envolvidas na patogenicidade, tais intracanal em doses diminutas, não produzem efeitos
como: endotoxinas, exotoxinas, ácidos graxos de cadeia sistêmicos significantes, o que permite seu uso com se-
curta (ácidos acético, succínico, butírico, isovalérico, gurança.
propiônico etc.), enzimas (colagenase, condroitina- É preciso advertir que não se pode depreender ser
se, hialuronidase, hemolisinas, fosfolipases, proteases a reação inflamatória indesejável. Pelo contrário, ela é
etc.), metil mercaptana, sulfeto de hidrogênio etc.158. tida como um fenômeno necessário para o completo e
Assim, tendo em vista a síntese de uma gama variada normal desenvolvimento do processo de reparação. O
de fatores bacterianos tóxicos, é extremamente questio- que se espera da terapia com corticosteroides é minimi-
nável se o tricresol formalina, ou qualquer outro me- zar a reação inflamatória inicial, de modo a não atingir
dicamento, seja dotado da capacidade de neutralizar níveis excessivos capazes de provocar danos teciduais
todos eles. Além disso, sabe-se que fixadores teciduais mais graves.
são eficazes sobre tecidos vitais para análise histológi- Várias associações e produtos comerciais têm
ca. A fixação de tecidos necrosados e degenerados não sido sugeridos para utilização endodôntica. Entretan-
é usualmente eficaz. Também é muito pouco provável to, abordaremos o Otosporin (FQM, Rio de Janeiro, RJ),
que a quantidade de droga aplicada em uma mecha de proposto por Holland et al.54,59, que consiste na asso-
algodão na câmara pulpar seja suficiente para fixar e ciação da hidrocortisona com os antibióticos sulfato
Medicação Intracanal 581

de polimixina B e sulfato de neomicina em um veí-


culo aquoso. A hidrocortisona está incluída no grupo
dos corticosteroides com potencial anti-inflamatório
moderado. É muito pouco provável que, nas doses e
concentração empregadas em Odontologia, essa droga
apresente efeitos colaterais. O sulfato de neomicina é
um antibiótico de largo espectro, sendo eficaz contra
um grande número de bactérias aeróbias e anaeróbias
facultativas, tais como Escherichia coli, Enterobacter ae-
rogenes, Klebsiella pneumoniae, Proteus vulgaris, Staphylo-
coccus aureus e E. faecalis. Todavia, seu espectro prati-
camente não abrange muitas das bactérias anaeróbias
estritas usualmente presentes em infecções endodônti-
cas primárias. Esse antibiótico é muito empregado em
preparações tópicas, com excelentes resultados. Já o
sulfato de polimixina B é efetivo contra bactérias gram-
negativas, mormente as pseudomonas e as enterobac-
térias.
Testamos a atividade antimicrobiana do Otosporin
sobre micro-organismos da saliva, após incubação em
aerobiose e anaerobiose147. Foi possível verificar que
este medicamento apenas promoveu efeito inibitório
quando na presença do oxigênio, o que é justificado
pelo fato de os antibióticos presentes em sua formu-
lação serem eficazes sobre aeróbios e facultativos. Os Figura 14-6. Reprodução da capa do trabalho original de B. Her-
anaeróbios estritos não foram inibidos. mann, no qual o autor propõe o emprego do hidróxido de cálcio
em Endodontia.
O Otosporin possui grande poder de penetração
tecidual, o que permite sua mais eficiente atuação, mas
também uma mais rápida eliminação. Oferece as van-
pasta denominada Calxyl (Otto&Co, Frankfurt, Alema-
tagens de ser um medicamento de vida útil relativa-
nha) (Fig. 14-6).
mente longa, podendo ser armazenado fora do refri-
A partir de 1975, com os trabalhos de Heithersay51
gerador, além de ser hidrossolúvel e se apresentar na
e de Stewart183, o hidróxido de cálcio passou a ser em-
forma líquida, o que facilita sua aplicação e remoção do
pregado como curativo de demora em dentes com ne-
interior de canais radiculares.
crose pulpar. Todavia, o hidróxido de cálcio teve seu
O Decadron colírio (Aché Laboratório Farmacêuti-
emprego incrementado após Byström et al.13 demons-
co, Guarulhos, SP) é outra boa opção para uso de cor-
trarem que essa substância proporcionava resultados
ticosteroides intracanal. É composto de dexametasona,
clínicos superiores aos observados com fenol canfora-
um corticosteroide seis a oito vezes mais potente que a
do e PMCC.
prednisolona e 25 a 30 vezes mais potente que a hidro-
O hidróxido de cálcio se apresenta como um pó
cortisona e o sulfato de neomicina.
branco, alcalino (pH 12,8), pouco solúvel em água (so-
lubilidade de 1,2g/L de água, à temperatura de 25°C).
 HIDRÓXIDO DE CÁLCIO – Ca(OH)2 Trata-se de uma base forte, obtida a partir da calcinação
(aquecimento) do carbonato de cálcio (cal viva). Com a
A primeira referência ao emprego do hidróxido
hidratação do óxido de cálcio, chega-se ao hidróxido
de cálcio é atribuída a Nygren, em 1838, para o trata-
de cálcio, e a reação entre ele e o gás carbônico leva à
mento da fistula dentalis, enquanto Codman, em 1851,
formação de carbonato de cálcio.
o empregava nos casos de amputações radiculares de
polpas vivas33. Entretanto, foi somente em 1920 por in- CaCO3  CaO + CO2
termédio de Bernhard W. Hermann, um dentista ale- D
mão53, que tal substância começou a ser cientificamente CaO + H2O  Ca (OH)2
empregada, pesquisada e difundida na forma de uma Ca(OH)2 + CO2  CaCO3 + H2O
582 Capítulo 14  Medicação Intracanal

As propriedades do hidróxido de cálcio derivam lesão perirradicular, obrigando a recolocações sucessi-


de sua dissociação iônica em íons cálcio e íons hidro- vas para que os resultados almejados sejam consegui-
xila, sendo que a ação desses íons sobre os tecidos e os dos. São exemplos de veículos aquosos, além da água
micro-organismos explica as propriedades biológicas destilada, o soro fisiológico, as soluções anestésicas e a
e antimicrobianas dessa substância. As alterações nas de metilcelulose. Alguns exemplos de pastas já pron-
propriedades biológicas podem também ser esclare- tas para uso que utilizam veículo aquoso são: Calxyl
cidas pelas reações químicas demonstradas, uma vez (Otto&Co., Frankfurt, Alemanha), Pulpdent (Pulpdent
que o hidróxido de cálcio, na presença de dióxido de Co., Brookline, MA, Estados Unidos) e Calasept (Scania
carbono, transforma-se em carbonato de cálcio, sendo Dental, Knivsta, Suécia).
esse produto formado desprovido das propriedades Os veículos viscosos, embora sendo solúveis em
biológicas do hidróxido de cálcio. água em qualquer proporção, tornam a dissociação
do hidróxido de cálcio mais lenta, provavelmente em
Veículos razão de seus elevados pesos moleculares. Como veí-
culos viscosos, podemos mencionar a glicerina, o polie-
Uma vez que se encontra na forma de pó, o hi- tilenoglicol e o propilenoglicol. O Calen e o Calen mais
dróxido de cálcio deve ser associado a uma outra subs- paramonoclorofenol (SS White, RJ, Brasil) são exemplos
tância que permita sua veiculação para o interior do comerciais de pastas que empregam o polietilenoglicol
sistema de canais radiculares. Idealmente, os veículos como veículo.
devem possibilitar a dissociação iônica do hidróxido
de cálcio em íons cálcio e hidroxila, uma vez que suas
Glicerina
propriedades são dependentes de tal dissociação. Essa
dissociação poderá ocorrer de diferentes formas, grau Fórmula
e intensidade, dependendo de outras substâncias que CH2OH — CHOH — CH2OH
entram na composição da pasta.
Do ponto de vista da atividade antimicrobiana, Nomenclatura oficial – propanotriol
principal propriedade requerida para um medicamen- Peso molecular – 92,09
to intracanal, podemos classificar os veículos em inertes A glicerina se apresenta como um líquido visco-
e biologicamente ativos. Os veículos inertes se caraterizam so, higroscópico, incolor e transparente, com odor leve
característico, sabor adocicado. Miscível em qualquer
por ser, na maioria das vezes, biocompatíveis, mas sem
proporção com água e álcool. Insolúvel em clorofór-
influenciar significativamente as propriedades antimi-
mio, éter e em óleos fixos e voláteis.
crobianas do hidróxido de cálcio. Esses incluem a água
destilada, o soro fisiológico, as soluções anestésicas, a
solução de metilcelulose, o óleo de oliva, a glicerina, o Polietilenoglicol 400
polietilenoglicol e o propilenoglicol. Fórmula
Os veículos biologicamente ativos conferem à pasta CH2OH — (CH2 — O — CH2)n — CH2OH
efeitos adicionais aos proporcionados pelo hidróxido n=7a9
de cálcio. Exemplos incluem o PMCC, a clorexidina e o
iodeto de potássio iodetado. O polietilenoglicol 400 (polímero de condensação
Do ponto de vista das características físico-quí- do etilenoglicol) é um líquido viscoso, límpido, incolor,
micas, existem dois tipos de veículos: hidrossolúveis e de odor fraco característico, ligeiramente higroscópico.
oleosos. Os veículos hidrossolúveis se caraterizam por ser Miscível em qualquer proporção com água, acetona, ál-
inteiramente miscíveis em água. Podem ser divididos cool e outros glicóis, insolúvel no éter e no benzeno.
em aquosos e viscosos80.
Os veículos aquosos propiciam ao hidróxido de Propilenoglicol
cálcio uma dissociação iônica extremamente rápida, Fórmula
permitindo maior difusão e, consequentemente, maior
CH2OH — CHOH — CH3
ação por contato dos íons cálcio e hidroxila com os te-
cidos e micro-organismos. É preciso ressaltar que esses Nomenclatura oficial – propanodiol 1, 2.
veículos permitem a rápida diluição da pasta do inte- Peso molecular – 76,09
rior do canal radicular, principalmente quando empre- O propilenoglicol é um líquido viscoso, límpido,
gada como medicação nos casos de necrose pulpar e incolor, praticamente inodoro, com sabor ligeiramente
Medicação Intracanal 583

picante. Exposto ao ar úmido, absorve umidade. Mis- Quando em associação com o hidróxido de cálcio, fun-
tura-se em qualquer proporção com água e álcool. ciona como veículo biologicamante ativo e oleoso, em
Os veículos oleosos, em função de serem muito função de possuir eficácia antimicrobiana e a cânfora
pouco solúveis na água, conferem à pasta de hidróxido ser considerada um óleo essencial com baixa solubili-
de cálcio pouca solubilidade e difusão junto aos teci- dade em água. As preparações usualmente disponíveis
dos. Como veículos oleosos podem ser mencionados no comércio odontológico são compostas por 35% de
alguns ácidos graxos, como o ácido oleico, linoleico e PMC e 65% de cânfora.
isosteárico, o óleo de oliva, o óleo de papoula-lipiodol, Trabalhos de Naumovich91 e de Milano et al.86
o silicone e a cânfora-óleo essencial do PMC. As pastas revelaram que o PMCC apresenta baixa tensão super-
LC (Herpo Produtos Dentários Ltda., Rio de Janeiro) ficial (36,7 e 37,2 dinas/cm2, respectivamente). Além
e Vitapex (Neo Dental Chemical Products Co., Tóquio, disso, os compostos fenólicos são solúveis em lipídios.
Japão) são exemplos de formulações comerciais que Essas duas características permitem que essa substân-
utilizam veículos oleosos. cia apresente maior penetrabilidade tecidual, aumen-
Os ácidos graxos apresentam as seguintes caracte- tando seu raio de atuação dentro do sistema de canais
rísticas: possuem mais de 10 carbonos na cadeia, o que é radiculares.
normal, podendo ter ou não duplas ligações. São mono- Como já esclarecido, o PMCC possui atividade
carboxílicos e têm número par de átomos de carbono. bactericida por romper a membrana citoplasmática
O ácido isosteárico é saturado e apresenta a fór- bacteriana, desnaturar proteínas (principalmente as
mula funcional C17H35-COOH. O ácido oleico é insa- de membrana) e inativar enzimas, como oxidases e de-
turado com uma dupla ligação e fórmula funcional sidrogenases bacterianas. Além disso, também libera
C17H-33-COOH. O ácido linoleico é insaturado, apresen- cloro, que tem forte poder antibacteriano.
tando duas ligações duplas e fórmula funcional C17H31-
COOH. Substâncias adicionais
Algumas substâncias químicas, além dos veí-
 Óleo de Oliva culos, têm sido acrescidas ao hidróxido de cálcio, no
intuito de melhorar suas propriedades físico-químicas
O óleo de oliva purificado é um líquido amarelo- para utilização clínica, como a própria radiopacidade.
claro ou verde-claro, odor característico, insolúvel na As substâncias associadas normalmente são: carbonato
água, ligeiramente solúvel no álcool. Quimicamente, de bismuto, sulfato de bário, iodofórmio e o óxido de zinco80.
compõe-se de ésteres de ácidos graxos de cadeias linea-
res longas (C18), entre os quais se destacam os seguintes:
Carbonato de bismuto – Bi2(CO3)3
É um pó branco-amarelado, inodoro, insípido,
Ácidos Variação percentual
insolúvel na água, ótima radiopacidade, boa fluidez e
Oleico 56,00 – 83,00% não altera o pH, tampouco a cor branca do hidróxido
de cálcio.
Palmítico 7,50 – 20,00%
Sulfato de bário – BaSO4
Linoleico 3,50 – 20,00%
É um pó branco, fino, pesado, inodoro, insípido,
Palmitoleico 0,30 – 3,50% insolúvel na água e solventes orgânicos. Favorece o es-
coamento da pasta e atua como agente radiopaco.
Esteárico 0,50 – 3,50%

Linoleico 0,00 – 1,50% Iodofórmio – CHI3 (tri-iodometano)


É um pó fino, com cristais brilhantes de cor ama-
Mirístico 0,00 – 0,05%
relo-limão, de odor muito penetrante e persistente,
muito pouco solúvel em água, mas moderadamente
solúvel no álcool, no éter e no óleo de oliva. O iodofór-
Paramonoclorofenol canforado (PMCC) mio se decompõe liberando iodo no estado nascente.
O PMCC é uma mistura líquida, oriunda da com- É bastante radiopaco e reabsorvido rapidamente na
binação do PMC com a cânfora em partes variáveis. área perirradicular e, mais lentamente, dentro do canal
584 Capítulo 14  Medicação Intracanal

radicular, sendo perfeitamente tolerado pelos tecidos de cálcio, podem combinar-se com proteínas pre-
perirradiculares. sentes na substância intercelular das células en-
doteliais, formando complexos de proteinato de
Óxido de zinco – ZnO cálcio177. Esses atuariam como pontes interendote-
É um pó branco ou branco-amarelado, inodoro, liais, reduzindo a permeabilidade vascular e a con-
amorfo, insolúvel na água e no álcool. É radiopaco, li- sequente saída de fluido para o tecido. Esse meca-
geiramente antisséptico. nismo parece muito pouco provável de acontecer.
Primeiro, por ser o hidróxido de cálcio pouco so-
Colofônia ou breu lúvel, a quantidade de íons cálcio disponível para
exercer tal efeito é muito baixa. Além disso, esses
É uma resina sólida de origem vegetal, composta íons reagiriam inicialmente com o CO2 tecidual e
principalmente de anidridos dos ácidos abiético, sapí- com proteínas presentes na matriz extracelular e no
nico e pimárico. Apresenta-se como sólido amorfo, cor exsudato, sendo rapidamente consumidos. Segun-
de âmbar, praticamente insolúvel na água e fracamente do, as células endoteliais são unidas por zônulas de
solúvel no álcool e clorofórmio. Confere diversas van- oclusão e aderência, praticamente sem substância
tagens à pasta: escoamento, adesividade, corpo e endu- intercelular. Mesmo assim, durante um processo
recimento, diminuindo sua permeabilidade em contato inflamatório com aumento de permeabilidade vas-
com os líquidos teciduais. cular, essa união é rompida, abrindo canais nos va-
sos de aproximadamente 0,5 a 1µm de espessura,
Atividades do hidróxido de cálcio por onde passaria o fluido168. Assim, parece impro-
As pastas de hidróxido de cálcio, quando empre- vável a formação de tais pontes de proteinato de
gadas como medicamento intracanal, podem desempe- cálcio no espaço interendotelial. Não existe com-
nhar atividades biológicas, químicas e físicas, que pos- provação científica desse mecanismo de ação.
sibilitam à substância o exercício de diferentes funções. • Inibição da fosfolipase177. As enzimas fosfolipases
Vale ressaltar que, embora essas funções possam se A2 e C estão envolvidas na hidrólise de fosfolipídios
desenvolver simultaneamente, discutiremos cada uma da membrana citoplasmática, com consequente li-
isoladamente. A composição da pasta e a natureza do beração do ácido aracdônico. Esse é, então, oxidado
veículo podem influenciar as atividades do hidróxido por meio da enzima cicloxigenase, dando origem
de cálcio136,148. Como aclarado anteriormente, os veícu- às prostaglandinas, importantes mediadores quí-
los biologicamente ativos podem conferir efeitos adi- micos da inflamação168. Assim, substâncias que ini-
cionais aos proporcionados pelo hidróxido de cálcio. bem a ação da fosfolipase promovem a inibição da
síntese de prostaglandinas. Não existem evidências
Atividades biológicas do hidróxido de cálcio científicas que suportem essa ação do hidróxido de
cálcio. Se essa substância realmente age inibindo a
1 – Ação anti-inflamatória fosfolipase, essa inibição é possivelmente de cará-
Tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio tem ter inespecífico, graças ao seu elevado pH, que des-
a capacidade de controlar o processo inflamatório e, as- natura e inativa a enzima. Por outro lado, o efeito
sim, pode ser utilizado de forma eficaz no tratamento cáustico do hidróxido de cálcio pode causar lesão
não cirúrgico de dentes com lesões perirradiculares e celular, influxo de cálcio para o interior de células
nos casos com exsudação persistente51,177. Três meca- e ativação de fosfolipases, estimulando a síntese de
nismos de ação têm sido propostos para justificar os prostaglandinas. Agindo dessa forma, o efeito do
efeitos anti-inflamatórios do hidróxido de cálcio: hidróxido de cálcio será contrário ao sugerido, isto
é, pró-inflamatório.
• Ação higroscópica. Quando colocado em contato
com um tecido inflamado, o hidróxido de cálcio Até o presente momento, calcado na ausência de
pode absorver exsudato inflamatório, reduzindo a maiores evidências científicas, parece lícito afirmar que
pressão hidrostática tecidual. Essa absorção se deve o efeito anti-inflamatório direto do hidróxido de cálcio
ao fato de o hidróxido de cálcio ser hipertônico em é bastante questionável. Outrossim, quando aplicado
relação ao meio; no caso, os fluidos teciduais. diretamente sobre um tecido acometido por resposta
• Formação de pontes de proteinato de cálcio. Os inflamatória aguda, o hidróxido de cálcio promove a
íons Ca+2, oriundos da dissociação do hidróxido exacerbação do processo199, o que certamente não ocor-
Medicação Intracanal 585

reria se essa substância fosse dotada de ação anti-infla- organismo, visto que essa estrutura é responsável
matória. A característica de ser higroscópico não justi- por uma série de funções biológicas, tais como:
fica a atribuição de propriedades anti-inflamatórias ao • Atua como barreira osmótica (permeabilidade
hidróxido de cálcio, uma vez que o processo inflamató- seletiva) e transporte de moléculas, regulando a
rio não é inibido. Nesse caso, essa substância teria ape- entrada e saída de substâncias para o citoplasma,
nas um efeito osmótico, que poderia reduzir um dos sendo que quando danificada há o rompimento
sinais da inflamação, que é o edema. do equilíbrio entre os meios interno e externo da
célula. Há, então, o extravasamento de moléculas
para o compartimento extracelular e um maior in-
2 – Ação antimicrobiana fluxo de água e íons para o interior da célula, que
A grande maioria dos micro-organismos patogê- acaba morrendo.
nicos para o homem não é capaz de sobreviver em um • Contém citocromos e outras enzimas da cadeia
meio extremamente alcalino. Enquanto muitas espé- respiratória.
cies microbianas isoladas de canais radiculares conse- • Está envolvida na excreção de exoenzimas, envol-
guem manter sua viabilidade até cerca de pH 9, raras vidas na clivagem de polímeros orgânicos macro-
o fazem em meios que apresentam maiores valores de moleculares (proteínas, polissacarídios, lipídios),
pH. Alguns micro-organismos são exceções, como o E. com consequente obtenção de nutrientes.
faecalis, que pode sobreviver em pH 11,513, a Candida • Está envolvida na biossíntese da parede celular.
albicans209,211 e o Actinomyces radicidentis63. b) Inativação enzimática. Todo o metabolismo celular
Como o pH do hidróxido de cálcio é de cerca de é dependente de ação enzimática, a qual está direta-
12,8, depreende-se que praticamente todas as espécies mente relacionada com o pH do meio. Proteínas (nes-
bacterianas já isoladas de canais infectados são sensí- se caso em especial, as enzimas) e outras biomoléculas
veis aos seus efeitos, sendo eliminadas em curto perío- possuem uma faixa estreita de pH, onde a atividade
do quando em contato direto com essa substância. ou estabilidade é ótima, girando em torno da neutrali-
dade101. A alcalinização promovida pelo hidróxido de
Mecanismos de atividade antimicrobiana cálcio induz a desnaturação de enzimas por quebra
A atividade antimicrobiana do hidróxido de cál- de ligações iônicas, que mantêm sua estrutura terciá-
cio está relacionada com a liberação de íons hidroxila, ria (a forma como a proteína está disposta tridimen-
oriundos de sua dissociação em ambiente aquoso. Os sionalmente). Assim, a enzima mantém seu esqueleto
íons hidroxila são radicais livres altamente oxidantes covalente, mas a cadeia polipeptídica se desdobra ao
que apresentam extrema reatividade, ligando-se a bio- acaso em conformações espaciais variáveis e irregu-
moléculas próximas ao seu local de formação48, isto é, lares. Essa alteração de forma quase sempre resulta
onde o hidróxido de cálcio foi aplicado. Seu efeito letal em perda de atividade biológica. Inibida a atividade
se dá pelos seguintes mecanismos: enzimática, a célula morre.
c) Dano ao DNA. Os íons hidroxila reagem com o
a) Perda da integridade da membrana citoplasmá- DNA bacteriano, levando à cisão das fitas, acarre-
tica bacteriana. Isso ocorre devido à peroxidação tando a perda de genes e induzindo mutações37,61.
lipídica, que resulta na destruição de fosfolipídios, Isso gera inibição da replicação do DNA e desarran-
componentes estruturais da membrana37. Os íons jo da atividade celular.
hidroxila removem átomos de hidrogênio de ácidos
graxos insaturados, unidade básica dos lipídios, for- Há evidências científicas que demonstram que os
mando um radical lipídico livre, que reage com o três mecanismos realmente ocorrem. Assim, é difícil
oxigênio, transformando-se em um peróxido lipídi- estabelecer, em um sentido temporal, qual deles é o
co. Esse peróxido formado remove um outro átomo principal mecanismo responsável pela morte da célula
de hidrogênio de um segundo ácido graxo, culmi- microbiana quando exposta a uma base forte.
nando com a formação de outro peróxido lipídico.
Ocorre, então, uma reação autocatalítica em cadeia, Limitações do hidróxido de cálcio quanto à atividade
resultando na perda de ácidos graxos insaturados e antimicrobiana
em dano extenso à membrana citoplasmática, com Vários estudos têm confirmado que o hidróxido
perda de sua integridade19. O dano à membrana de cálcio realmente exerce um efeito letal sobre micro-
exerce papel importante na lise e morte do micro- organismos13,39,173. Contudo, esse efeito apenas foi obser-
586 Capítulo 14  Medicação Intracanal

vado quando a substância era colocada em contato direto Inúmeros estudos revelaram que o hidróxido
com micro-organismos, situação em que a concentração de cálcio não promove ação satisfatória sobre micro-
de íons hidroxila é máxima, atingindo níveis incompa- organismos presentes no interior de túbulos dentiná-
tíveis com a sobrevivência microbiana. Entretanto, estu- rios30,47,52,99,125,139,154,185,215. Orstavik e Haapasalo99 ob-
dos utilizando o teste de difusão em ágar demonstraram servaram que o hidróxido de cálcio pode levar até 10
que pastas de hidróxido de cálcio em veículos inertes dias para desinfetar túbulos dentinários infectados por
(como água destilada ou glicerina) foram ineficazes em facultativos. Siqueira e Uzeda139, trabalhando com in-
inibir o crescimento de várias espécies bacterianas anae- fecção intratubular, demonstraram que o hidróxido de
róbias estritas e facultativas1,27,41,141,145,150,151,155. cálcio associado à solução salina não foi eficaz na elimi-
Apesar de o hidróxido de cálcio apresentar baixa nação de E. faecalis, um facultativo, e de F. nucleatum,
o
solubilidade em água (1,2g/L a 25 C) e isso limitar sua um anaeróbio estrito, dentro dos túbulos dentinários,
difusibilidade, foi observado que as pastas contendo mesmo após uma semana de contato. Haapasalo e Ors-
essa substância promoveram halos de difusão no ágar. tavik47 observaram que uma pasta à base de hidróxido
Entretanto, sobre esses halos esbranquiçados foram de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia) falhou em
observadas colônias bacterianas, sugerindo que a di- eliminar, mesmo superficialmente, células de E. faecalis
fusão do material não foi suficiente para inibir o cres- dentro dos túbulos. Safavi et al.125 relataram que célu-
cimento bacteriano. Isso, provavelmente, ocorreu pelo las de Enterococcus faecium permaneceram viáveis no
fato de os meios de cultura possuírem em suas formu- interior de túbulos dentinários após tratamento com
lações substâncias tamponadoras. Assim, mesmo que uma pasta de hidróxido de cálcio em solução salina
sofra difusão, ela é lenta, graças à baixa solubilidade por períodos de tempo relativamente longos. Estrela et
da substância, o que faz com que os níveis de pH alcan- al.30 avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de
çados pelo meio não sejam elevados o suficiente para hidróxido de cálcio em solução salina no interior de tú-
apresentar atividade antimicrobiana. bulos dentinários, experimentalmente infectados com
As bases de metais alcalinos, como hidróxido de E. faecalis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudo-
sódio e hidróxido de potássio, apresentam alta solubi- monas aeruginosa ou com uma mistura dessas bactérias,
lidade e, dessa forma, se difundem bem em ambiente e relataram que a pasta foi ineficaz para desinfetar os
aquoso, o que explica a pronunciada atividade anti- túbulos mesmo após uma semana de contato. Sukawat
microbiana dessas substâncias155 (Fig. 14-7). Por outro e Srisuwan185 também relataram que uma pasta de hi-
lado, essa alta solubilidade e também a alta difusibili- dróxido de cálcio em veículo inerte (água destilada) foi
dade aumentam o poder tóxico dessas bases sobre cé- ineficaz para eliminar E. faecalis em túbulos dentinários
lulas eucarióticas, não sendo o seu uso recomendado após 7 dias de exposição. Resultados similares foram
na prática endodôntica. demonstrados por Weiger et al.215. Todos esses relatos
confirmam de forma inconteste que a pasta de hidróxi-
do de cálcio em veículo inerte é ineficaz em desinfetar
a dentina, pelo menos após única aplicação.
Para ser eficaz contra micro-organismos locali-
zados no interior dos túbulos dentinários, os íons hi-
droxila do hidróxido de cálcio devem difundir-se pela
dentina e alcançar níveis suficientes para ter efeito letal.
Foi demonstrado que a hidroxiapatita, principal com-
ponente inorgânico da dentina, tem efeito tampão para
substâncias alcalinas, graças à presença de doadores de
prótons em sua camada hidratada93,214.
Tronstad et al.198 demonstraram que o pH da den-
tina radicular de macacos foi elevado após curativos
intracanais com hidróxido de cálcio por 4 semanas.
Entretanto, os valores do pH foram decrescentes nas
porções dentinárias mais distantes do canal, onde o
Figura 14-7. Eficácia antibacteriana de três hidróxidos. Desses, ape-
nas o hidróxido de cálcio é seguro e, portanto, recomendado para medicamento foi aplicado. No canal, o pH foi superior
utilização em pacientes. Média contra bactérias orais. Dados segun- a 12,2; a dentina adjacente ao canal, em contato direto
do Siqueira et al.155. com o hidróxido de cálcio, apresentou pH variando en-
Medicação Intracanal 587

NaOCl foram reduzidos, mas não totalmente elimi-


nados.
Um outro fator também pode ajudar a explicar
o porquê da ineficácia do hidróxido de cálcio na de-
sinfeção dos túbulos dentinários. O arranjo das células
bacterianas em biofilme colonizando as paredes do ca-
nal pode impedir um efeito em profundidade do hi-
dróxido de cálcio, uma vez que as células da periferia
do biofilme podem proteger aquelas localizadas mais
profundamente e no interior tubular139.
A principal razão de o hidróxido de cálcio ser
bem tolerado pelos tecidos é a sua baixa solubilidade.
Isso porque uma suspensão aquosa saturada dessa
substância possui pH elevado, com grande potencial
citotóxico. Contudo, por não penetrar nos tecidos em
profundidade, essa citotoxicidade fica limitada à área
em contato com a substância. Essa baixa solubilidade
do hidróxido de cálcio impede que ocorra uma eleva-
ção de pH suficiente para destruir micro-organismos
no interior dos túbulos dentinários. Além disso, a capa-
Figura 14-8. Alteração do pH da dentina em diferentes profundi- cidade tampão da dentina tende a controlar alterações
dades após medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio. de pH. Uma base pouco solúvel como o hidróxido de
Dados segundo Tronstad et al.198.
cálcio pode levar muito tempo para exceder essa ca-
pacidade tampão. Quando deixado no canal por um
tre 8 e 11; e, na dentina mais periférica, o pH foi de 7,4 a período longo (possivelmente por mais de 1 mês), essa
9,6 (Fig. 14-8). Embora a alcalinização realmente ocorra, substância, teoricamente, teria mais chances de desin-
esses níveis de pH podem ser insuficientes para matar fectar túbulos dentinários. Mas a utilização rotineira de
alguns micro-organismos, principalmente o E. faecalis, uma medicação intracanal por período tão longo pare-
que pode sobreviver em condições de pH 11,5. ce inviável na prática clínica.
Portenier et al.110 examinaram e compararam a Tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio
capacidade da dentina, da hidroxiapatita e da albumi- pode também exercer seu efeito antibacteriano indi-
na de inibir os efeitos antibacterianos do hidróxido de retamente, por reagir com o CO2 tecidual, tornando-o
cálcio, da clorexidina e do iodeto de potássio iodetado indisponível para bactérias anaeróbias estritas67.
contra o E. faecalis. O hidróxido de cálcio foi totalmen- Contudo, parece-nos muito pouco provável que esse
te inativado na presença desses elementos orgânicos e mecanismo de ação ocorra de fato. Primeiro, o esgota-
inorgânicos. Os efeitos da clorexidina foram fortemen- mento do CO2 presente nos tecidos (oriundo do me-
te inibidos pela albumina, reduzidos pela dentina e tabolismo de células eucarióticas) por meio da reação
inalterados pela hidroxiapatita. Já o iodeto de potássio com o hidróxido de cálcio dificilmente ocorrerá, até
iodetado teve seus efeitos antibacterianos totalmente mesmo porque a reação se dará na intimidade do ca-
inibidos pela dentina, mas não afetados pela hidroxia- nal radicular. Os fluidos contendo CO2 que banham
patita e pela albumina. os tecidos circundantes da raiz não sofrerão maiores
Haapasalo et al.46 investigaram os efeitos da den- efeitos do hidróxido de cálcio. Destarte, bactérias po-
tina sobre a atividade antibacteriana do hidróxido de dem receber o CO2 via túbulos dentinários e ramifica-
cálcio, NaOCl a 1%, acetato de clorexidina a 0,5% e a ções, i.e., no sentido contrário ao local onde o hidróxi-
0,05% e do iodeto de potássio iodetado a 2% e a 0,2%. do de cálcio é aplicado. Segundo, reagindo com o CO2,
Uma cepa de E. faecalis foi usada no teste e os períodos sem portanto esgotá-lo, o hidróxido de cálcio perderá
de avaliação foram de 5 minutos, 1 hora e 24 horas. seus efeitos dependentes do pH, pela resultante for-
A dentina apresentou efeito inibitório sobre todos os mação de carbonato de cálcio136.
medicamentos testados. Enquanto o efeito do hidró- Micro-organismos colonizando remanescentes te-
xido de cálcio sobre o E. faecalis foi totalmente abolido ciduais necrosados em ramificações, istmos e reen-
na presença de dentina, os efeitos da clorexidina e do trâncias também são provavelmente protegidos da
588 Capítulo 14  Medicação Intracanal

ação do hidróxido de cálcio, pela neutralização do pH. krusei (2 cepas) e C. tropicalis (2 cepas). A suscetibilida-
Dessa forma, a curto prazo, o hidróxido de cálcio ape- de de uma cepa de E. faecalis também foi avaliada para
nas destrói células bacterianas em contato direto com fins comparativos. Os micro-organismos permanece-
ele, i.e., na luz do canal principal ou na entrada dos ram em contato com o hidróxido de cálcio por 5 mi-
túbulos dentinários. Mas isso não representa maiores nutos a 6 horas. Comparadas ao E. faecalis, todas as es-
vantagens, uma vez que a instrumentação e a substân- pécies de Candida apresentaram resistência igualmente
cia química auxiliar também agem nessas regiões. alta ou até maior ao hidróxido de cálcio.
Uma outra espécie encontrada em associação com
Resistência microbiana ao hidróxido de cálcio o fracasso da terapia endodôntica – o A. radicidentis –
Além do fato de ser inativado pela dentina ou ou- também apresenta elevada resistência aos efeitos do
tros componentes teciduais, um outro fator ajuda a ex- hidróxido de cálcio18,63. Todavia, a prevalência dessa
plicar a ineficácia do hidróxido de cálcio em alguns ca- espécie em casos de fracasso é baixa quando avalia-
sos. Tem sido demonstrado que alguns micro-organis- da por uma técnica de Biologia Molecular sofisticada
mos são mais resistentes aos efeitos alcalinos do hidró- e altamente sensível160, o que coloca em dúvida a sua
xido de cálcio. Isto se deve à utilização de mecanismos importância como patógeno endodôntico.
sofisticados por alguns micro-organismos que os per-
mitem regular e manter o pH intracitoplasmático em Desinfecção do canal pelo hidróxido de cálcio
níveis compatíveis com sua sobrevivência, a despeito O tempo necessário para o hidróxido de cálcio pro-
de alterações de pH no ambiente extracelular10. Alguns mover uma desinfecção adequada do canal radicular é
desses micro-organismos resistentes ao hidróxido de ainda desconhecido. Estudos in vivo, utilizando cultura
cálcio, como E. faecalis, C. albicans e A. radicidentis, são do material coletado do canal após medicação com hi-
frequentemente encontrados em casos de fracasso da dróxido de cálcio, têm revelado resultados conflitantes.
terapia endodôntica18,42,63,88,103,104,107,108,118,119,159,160,188. Sjögren et al.173 verificaram que um curativo intracanal
Embora não seja frequentemente detectado em ca- com hidróxido de cálcio por uma semana promove a to-
sos de infecção primária166,186, o E. faecalis é a espécie mais tal eliminação de micro-organismos do canal radicular,
comumente encontrada em casos de fracasso endodônti- representado por 100% de culturas negativas. Por sua
co42,88,107,108,118,159,188. Essa espécie resiste a altos valores de vez, Byström et al.13 demonstraram que a medicação com
pH do ambiente – até 11,513. A resistência do E. faecalis hidróxido de cálcio por 4 semanas foi totalmente eficaz
ao hidróxido de cálcio parece estar relacionada com uma para eliminar micro-organismos em 97% dos canais pre-
bomba de prótons ativa, que reduz o pH intracitoplasmá- viamente infectados. Shuping et al.130 observaram que
tico ao bombear prótons para o interior da célula31. a aplicação do hidróxido de cálcio por no mínimo uma
C. albicans também tem sido mais frequentemente semana foi capaz de eliminar totalmente micro-organis-
encontrada em casos de fracasso da terapia endodôntica mos em 92,5% dos casos. Reit e Dáhlen112 encontraram
do que em infecções primárias, embora em prevalência infecção persistente em 26% dos casos, após 2 semanas
inferior ao E. faecalis169,210,212. Waltimo et al.209 avaliaram de medicação com hidróxido de cálcio. Orstavik et al.100
a suscetibilidade de sete cepas de C. albicans a quatro relataram a permanência de micro-organismos no ca-
agentes antimicrobianos: iodeto de potássio iodetado, nal em 34,8% dos casos de canais medicados com essa
acetato de clorexidina, NaOCl e hidróxido de cálcio. substância por 1 semana. Barbosa et al.8 revelaram infec-
Além disso, associações entre os medicamentos tam- ção persistente em 26,7% dos casos, após utilização do
bém foram testadas. Os resultados mostraram que C. hidróxido de cálcio por 1 semana. Lana et al.71 observa-
albicans foi altamente resistente ao hidróxido de cálcio. ram que 22,6% dos canais medicados com hidróxido de
NaOCl a 5% e a 0,5% e o iodeto de potássio iodetado cálcio por 1 semana permaneceram infectados. Nesses
foram eficazes após 30 segundos de contato, enquan- casos, espécies dos gêneros Candida, Streptococcus, Lac-
to o acetato de clorexidina a 0,5% requereu 5 minutos tobacillus, Pseudomonas e Gemella foram isoladas. Siquei-
para ter total eficácia. A combinação do hidróxido de ra et al.146 relataram que 18% dos canais apresentavam
cálcio com o NaOCl ou com a clorexidina apresentou cultura positiva após preparo químico-mecânico e 1 se-
eficácia contra as cepas de C. albicans. mana de medicação com hidróxido de cálcio associado
Em outro estudo, Waltimo et al.211 testaram a sus- à glicerina. Após identificação por sequenciamento do
cetibilidade de espécies orais de Candida ao hidróxido gene do 16S rRNA, apenas duas espécies bacterianas
de cálcio. As espécies testadas foram C. albicans (16 ce- foram encontradas nos canais com cultura positiva –
pas), C. glabrata (3 cepas), C. guilliermondii (3 cepas), C. F. nucleatum e Lactococcus garviae.
Medicação Intracanal 589

Em dados completamente discrepantes dos de- prego do hidróxido de cálcio em veículo inerte como
mais estudos sobre o assunto, Peters et al.105 isolaram medicação intracanal.
micro-organismos persistentes em 71,4% dos canais
medicados com hidróxido de cálcio em solução salina Efeito do veículo na atividade antimicrobiana
por 4 semanas. Tais resultados foram provavelmente Como já citado neste capítulo, os veículos para o
decorrentes da forma de aplicação do hidróxido de cál- hidróxido de cálcio podem ser classificados como inertes
cio no canal, i.e., com pontas de papel absorvente. Na e biologicamente ativos sob o ponto de vista da atividade
maioria dos demais estudos, o hidróxido de cálcio foi antimicrobiana. Os veículos inertes não influenciam as
aplicado com espirais de Lentulo. Um estudo demons- propriedades antimicrobianas do hidróxido de cálcio.
trou que a aplicação do hidróxido de cálcio apenas com Por sua vez, os veículos biologicamente ativos conferem
pontas de papel resultou em menores valores de pH efeitos antimicrobianos adicionais aos proporcionados
nas paredes do canal do que quando comparada à apli- pelo hidróxido de cálcio.
cação com Lentulo193, o que pode ajudar a explicar os
pobres resultados relatados por Peters et al.105. Associação do hidróxido de cálcio com o
O hidróxido de cálcio, como medicação intracanal a PMCC – pasta HPG
curto prazo, parece funcionar principalmente como uma Em 1966, Frank36 preconizou a utilização do PMCC
barreira física, impedindo a percolação apical de fluidos como veículo para o hidróxido de cálcio em casos de
teciduais, negando, assim, o suprimento de substrato para apicificação. Contudo, essa associação foi alvo de críti-
micro-organismos residuais que sobreviveram ao prepa- cas, uma vez que, por possuir atividade antimicrobiana
ro químico-mecânico. Essa barreira física também limita dependente de seu pH, o hidróxido de cálcio dispen-
o espaço para a multiplicação desses micro-organismos saria a associação a uma outra substância que, apesar
remanescentes entre as sessões de tratamento. Outrossim, de ter ação antimicrobiana reconhecida, também seria
é possível que os efeitos antibacterianos do hidróxido de citotóxica.
cálcio em um veículo inerte, exclusivamente dependentes Na década de 1990 voltou-se a preconizar o em-
do pH, apenas ocorram nas proximidades da luz do canal prego dessa associação com base na justificativa de que
principal, onde a pasta é aplicada. o espectro de ação do medicamento seria aumentado,
A Fig. 14-9 mostra o resultado de vários estudos principalmente por ter o PMCC atividade antibacteria-
avaliando a incidência de culturas negativas após em- na mais pronunciada contra o E. faecalis47,182. Na verda-

Figura 14-9. Resultados


de vários estudos mos-
trando o percentual de
canais apresentando cul-
turas negativas após pre-
paro químico-mecânico
e medicação intracanal
com hidróxido de cálcio
em veículo inerte.
590 Capítulo 14  Medicação Intracanal

de, vários estudos demonstram que a pasta de hidróxi- Siqueira e Uzeda141 também relataram que a asso-
do de cálcio com PMCC apresenta excelente atividade ciação do PMCC com o hidróxido de cálcio mostrou-se
antimicrobiana. Mas parecem haver mais justificativas bastante eficaz contra 12 espécies bacterianas (6 anae-
para se associarem as duas substâncias além do au- róbias e 6 facultativas), utilizadas no teste de difusão
mento do espectro de atividade. em ágar, ao contrário do que ocorreu com as pastas
Estudos demonstram que, quando aplicado em de hidróxido de cálcio em água destilada ou glicerina
contato direto com bactérias anaeróbias estritas, o hi- (Fig. 14-10). Esses achados corroboram aqueles de Di-
dróxido de cálcio é mais eficaz do que o PMCC13,39,184. fiore et al.27, utilizando a espécie Streptococcus sanguinis
Contudo, utilizando o teste de difusão em ágar, Siqueira e a mesma metodologia.
et al.151 demonstraram que o PMC, associado à cânfora Gomes et al.41 avaliaram a suscetibilidade de 11
ou ao Furacin, apresentou excelente atividade antibacte- espécies bacterianas (4 anaeróbias estritas, 6 facultati-
riana, inclusive superior à do hidróxido de cálcio, sobre vas e 1 aeróbia) e 1 levedura (C. albicans) a pastas de
bactérias anaeróbias estritas. Isso revela que o PMC se hidróxido de cálcio em diferentes veículos. O método
difunde mais, possuindo um maior raio de ação antibac- empregado foi o de difusão em ágar. Seus achados con-
teriana. Por isso, quando associado ao hidróxido de cál- firmaram que a pasta HPG apresentou eficácia antimi-
cio, o PMCC pode aumentar o raio de atuação da pasta, crobiana pronunciada, a qual foi significativamente su-
atingindo micro-organismos alojados em regiões mais perior quando comparada com as pastas de hidróxido
distantes do local de aplicação daquele. de cálcio tendo como veículos o PMCC (sem acréscimo
Essa afirmativa foi comprovada por trabalho de Si- de glicerina), a glicerina, a solução salina ou o polieti-
queira e Uzeda139. Esses autores observaram que a pasta lenoglicol.
de hidróxido de cálcio com PMCC foi eficaz na desinfec- Siqueira et al.165 investigaram a atividade anti-
ção de túbulos dentinários infectados experimentalmen- fúngica de vários medicamentos endodônticos contra
te com três espécies bacterianas (duas anaeróbias estri- C. albicans, C. glabrata, C. guilliermondii, Candida parap-
tas e uma facultativa) comumente isoladas de canais silosis e Saccharomyces cerevisiae. Eles observaram que a
radiculares. Esse efeito foi observado em um período de pasta HPG apresentou os efeitos mais pronunciados. A
tempo curto. O hidróxido de cálcio em solução salina associação do hidróxido de cálcio à glicerina (HG) ou
(veículo inerte) foi ineficaz contra duas das espécies bac-
terianas, inclusive após uma semana de contato.
Siqueira et al.154 contaminaram cilindros de den-
tina bovina com cultura mista de F. nucleatum e Pre-
votella intermedia, duas espécies bacterianas anaeróbias
estritas frequentemente encontradas em infecções en-
dodônticas. Os espécimes contaminados foram expos-
tos a pastas de hidróxido de cálcio em solução salina,
glicerina, propilenoglicol ou PMCC/glicerina. Os es-
pécimes foram deixados em contato com as pastas por
3 e 5 dias. Findos esses períodos, a viabilidade bacteria-
na foi avaliada por meio de incubação dos espécimes
em caldo de cultura, de forma a comparar a efetividade
das pastas na descontaminação da dentina. Apenas a
pasta de hidróxido de cálcio/PMCC/glicerina (HPG)
foi capaz de efetivamente descontaminar a dentina
após 5 dias de contato.
Sukawat e Srisuwan185 compararam a eficácia de
três pastas de hidróxido de cálcio para desinfetar a
dentina humana experimentalmente infectada com E.
faecalis. Após 7 dias de exposição, apenas a pasta de
hidróxido de cálcio com PMCC eliminou E. faecalis dos Figura 14-10. Eficácia de medicamentos intracanais contra 12 es-
pécies bacterianas – 6 anaeróbias estritas e 6 facultativas. Notar que
túbulos dentinários. As pastas de hidróxido de cálcio
a pasta HPG foi mais eficaz do que os demais medicamentos. Dados
com água destilada ou com clorexidina a 0,2% foram adaptados de Siqueira e Uzeda141. HC, hidróxido de cálcio; CHX, clo-
ineficazes nesse sentido. rexidina.
Medicação Intracanal 591

à clorexidina (HCx) também apresentou efeitos anti- e Siqueira38 demonstraram que a pasta HPG não apre-
fúngicos, mas muito menores do que os da pasta HPG senta efeitos genotóxicos e mutagênicos (Fig. 14-12), o
(Fig. 14-11). que confirma sua segurança para emprego clínico.
Se, nos testes de difusão em ágar e de desinfecção Estudos avaliando o reparo dos tecidos perirradicu-
da dentina, o hidróxido de cálcio associado a um veícu- lares de cães após tratamento endodôntico em uma ou
lo inerte foi ineficaz e, quando associado ao PMCC, mi- duas sessões de dentes com necrose pulpar e lesão perir-
cro-organismos foram inibidos e/ou eliminados, pare- radicular associada revelaram que no grupo em que os
ce lógico afirmar que o efeito antimicrobiano da pasta canais foram medicados com uma pasta de hidróxido de
em profundidade se deve principalmente ao PMCC. cálcio com PMCC o reparo dos tecidos perirradiculares
Destarte, se o PMCC é o principal responsável pela foi significativamente melhor do que nos dentes tratados
atividade antimicrobiana da pasta, a afirmativa de que em sessão única133,189. Isso certamente se deveu à excelente
essa substância é o veículo não procede. Na verdade, atividade antimicrobiana da pasta de hidróxido de cálcio
parece-nos que o inverso, pelo menos no que concerne em PMCC. Além disso, tais estudos confirmaram que tal
à atividade antimicrobiana, seja mais verdadeiro, isto pasta apresenta excelente comportamento biológico.
é, o hidróxido de cálcio funciona como veículo, permitindo A compatibilidade biológica da pasta HPG pode
uma liberação lenta e controlada de PMCC para o meio, o ser devida:
suficiente para ter ação contra micro-organismos136,151.
Isso é importante, pois o PMCC na forma pura 1. À pequena concentração de PMC liberado. Quan-
é extremamente citotóxico178,179. Contudo, trabalhos do o PMCC é associado ao hidróxido de cálcio, há
experimentais em modelo animal demonstraram que a formação de um sal pouco solúvel, o paramono-
essa pasta é biocompatível44,60,196. Além disso, Gahyva clorofenolato de cálcio, que em ambiente aquoso se
dissocia lentamente liberando PMC e íons cálcio e
hidroxila para o meio circundante7. Sabe-se que uma
substância pode apresentar efeitos benéficos ou de-
letérios, dependendo de sua concentração. A baixa
liberação de PMC da pasta, provavelmente, não é
suficiente para ter ação citotóxica.
2. Ao fato de o pH alcalino da pasta causar uma desna-
turação proteica superficial no tecido em contato com
ela, que serve como barreira física para a difusão e
maior penetrabilidade tecidual por parte do PMC.
3. À irritação ser de baixa intensidade por um curto
período. Uma vez que micro-organismos residuais
Figura 14-11. Atividade antifúngica de medicamentos intracanais
são eliminados pela pasta, após a sua remoção do
contra 5 espécies. Notar que a pasta HPG foi mais eficaz do que os
demais medicamentos. Dados segundo Siqueira et al.165. HC, hidró- canal não há a persistência de agressão aos tecidos
xido de cálcio. perirradiculares148.

A B

Figura 14-12. Teste de Ames para avaliação de mutagenicidade. A. Ausência de efeitos mutagênicos para a pasta HPG. B. Controle positivo
(4-nitroquinolina-1-óxido), mostrando forte efeito mutagênico.
592 Capítulo 14  Medicação Intracanal

É bastante admissível que as três hipóteses este- químico-mecânico de dentes com necrose pulpar, de-
jam inter-relacionadas para justificar a biocompatibi- vendo permanecer no canal por um período ideal de
lidade do PMCC quando associado ao hidróxido de aproximadamente 7 dias135,156.
cálcio.
A pasta HPG apresenta maior espectro de ati- Eficácia clínica do protocolo usando a pasta HPG
vidade antimicrobiana, maior raio de atuação e efei- como medicamento
to antimicrobiano mais rápido, quando comparada Estudos clínicos avaliando importantes fatores,
às pastas de hidróxido de cálcio em veículos iner- como a ocorrência de dor pós-operatória, a capacidade
tes139-141,150,151,155,165 (Fig. 14-13). O maior raio de ação pode de eliminação bacteriana e o índice de sucesso a longo
ser resultado da baixa tensão superficial do PMCC86,91 prazo, apontam resultados extremamente satisfatórios
e da solubilidade em lipídios, o que facilita sua difu- para o protocolo utilizando o tratamento em duas ses-
sibilidade pelo sistema de canais radiculares. Por tais sões baseado em estratégias antimicrobianas, tais como
razões, recomendamos a pasta HPG como a medicação amplo preparo apical, estabelecimento e manutenção
intracanal a ser utilizada rotineiramente após o preparo da patência foraminal, NaOCl a 2-3% como substância
química auxiliar e pasta HPG como medicação intraca-
nal por 7 dias.
Incidência de dor pós-operatória: Em um estudo pros-
pectivo, Siqueira et al.162 avaliaram a incidência de dor
pós-operatória após procedimentos intracanais baseados
em uma estratégia antimicrobiana. Todos os casos rece-
beram medicação intracanal com a pasta HPG. Dados
foram obtidos de 627 dentes que apresentavam polpas
necrosadas ou necessitavam de retratamento. Os trata-
mentos foram efetuados por alunos de graduação em
seu primeiro ano de treinamento endodôntico. No ge-
ral, algum nível de desconforto pós-operatório ocorreu
em 15% dos casos. Dor leve ocorreu em 10% dos casos,
Figura 14-13. Pronunciada atividade antibacteriana da pasta HPG moderada em 3% e grave (flare-up) em 2% (Fig. 14-14).
evidenciada pelo teste de difusão em ágar. Comparar com os ha- O emprego dos procedimentos intracanais para contro-
los de inibição promovidos por clorexidina (CHX) a 0,2% com ou le da infecção, incluindo a utilização da pasta HPG, re-
sem óxido de zinco (OZ). Notar a presença do halo de difusão do sultou em uma baixa incidência de dor pós-operatória,
hidróxido de cálcio (seta amarela), halo de inibição definido (seta
laranja) e um halo que sugere inibição inicial, mas que foi superada principalmente de flare-ups, mesmo quando em mãos
por crescimento exuberante das bactérias com o passar do tempo inexperientes. Tais achados também atestam a biocom-
(seta vermelha). patibilidade da pasta HPG quando do uso clínico.

Figura 14-14. Incidência de dor pós-


operatória após protocolo antimicrobia-
no usando a pasta HPG. Dados segundo
Siqueira et al.162.
Medicação Intracanal 593

Eficácia antibacteriana in vivo: Siqueira et al.156 in-


vestigaram a redução da população bacteriana intraca-
nal após preparo químico-mecânico com NaOCl a 2,5%
como irrigante e posterior medicação intracanal por 7
dias com pasta HPG. Dentes unirradiculares com in-
fecção endodôntica primária e lesão perirradicular as-
sociada foram selecionados de acordo com critérios de
inclusão/exclusão bastante rígidos. Amostras bacterio-
lógicas do canal foram coletadas antes do tratamento
(S1), depois do preparo usando limas de NiTi manuais
e NaOCl a 2,5% (S2) e após 7 dias de medicação intra-
canal com pasta HPG (S3). Bactérias cultiváveis isola-
das dos canais nos três estágios foram contadas e iden-
tificadas por meio de sequenciamento do gene do 16S
rRNA, um método da mais alta confiabilidade na iden-
tificação bacteriana. Em S1, todos os casos abrigavam
bactérias, com uma média de 2,8 espécies por canal, va-
riando de 1 a 6. Em S2, 54,5% dos canais apresentaram
culturas positivas, com 1 a 3 espécies por canal. Em S3,
apenas 9% dos casos foram positivos para a presença Figura 14-15. Eliminação bacteriana quantitativa, caso a caso,
de bactérias. Propionibacterium acnes foi a única espécie após preparo químico-mecânico usando NaOCl a 2,5% como ir-
encontrada no único canal com cultura positiva após rigante e pasta HPG como medicação intracanal. Dados segundo
Siqueira et al.156.
medicação com a pasta HPG. Houve diferença signi-
ficante nas comparações entre S2 e S3 tanto no que se
refere à redução da contagem bacteriana, quanto ao
número de culturas negativas. Os autores concluíram sucesso do tratamento. Contudo, sete dentes levaram
que o preparo químico-mecânico com NaOCl a 2,5% 4 anos para serem reparados completamente. O baixo
significativamente reduziu o número de bactérias no índice de fracasso observado neste estudo para trata-
canal em relação à contagem pré-tratamento, mas fa- mentos efetuados por operadores inexperientes reforça
lhou em promover culturas negativas em cerca de me- a importância de se empregar um protocolo antimicro-
tade dos casos. A medicação com pasta HPG por 7 dias biano baseado em evidências para o tratamento endo-
aumentou a desinfecção e o número de culturas negati- dôntico de dentes com lesão perirradicular associada.
vas, indicando claramente que a medicação intracanal Tais achados de estudos clínicos definitivamente
é necessária para maximizar a eliminação bacteriana firmam esse protocolo de tratamento antimicrobiano
de canais (Fig. 14-15). como uma excelente opção de terapia baseada em evi-
Sucesso a longo prazo: Siqueira et al.167 avaliaram os dência científica para dentes com lesão perirradicular
resultados do tratamento endodôntico a longo prazo associada (Fig. 14-16).
(1 a 4 anos de prosservação) de dentes com lesão pe-
rirradicular tratados por alunos de graduação usando Associação do hidróxido de cálcio com
o protocolo antimicrobiano já delineado. Os primeiros clorexidina (HCx)
100 pacientes que atenderam ao chamado e aceitaram A clorexidina é uma substância antimicrobiana al-
retornar para consulta de acompanhamento foram in- tamente eficaz contra espécies orais de bactérias gram-
cluídos nesse estudo. O resultado do tratamento foi positivas e gram-negativas, além de fungos24,96,180. Essa
avaliado por meio de critérios clínicos e radiográfi- bis-biguanida catiônica pode induzir dano nas mem-
cos como reparados (sucesso), em reparação (sucesso branas mais externas da célula microbiana, mas esse
provável) e não reparados (fracasso). Apenas 5% dos efeito é geralmente insuficiente para causar lise ou
tratamentos fracassaram, sendo os resultados favorá- morte celular. A clorexidina atravessa a parede celular
veis obtidos em 95% dos casos (76% reparados e 19% microbiana por difusão passiva e então ataca a mem-
reparando). A maioria dos casos de sucesso (75%) e de brana citoplasmática. O dano a essa delicada mem-
fracasso (80%) foi evidente aos 2 anos de avaliação, in- brana é acompanhado pela infiltração de constituintes
dicando que esse é um bom período para avaliação do intracelulares. Em altas concentrações, a clorexidina
594 Capítulo 14  Medicação Intracanal

Figura 14-16. Dente com lesão perir-


radicular associada, tratado pelo pro-
tocolo antimicrobiano usando a pasta
HPG. A. Radiografia pré-operatória.
B. Radiografia de prosservação após
1 ano de conclusão do tratamento
mostrando paralisação da reabsorção
A B
dentária apical e reparo dos tecidos
perirradiculares.

causa precipitação de componentes fosfatados intrace- xido de cálcio. Alguns estudos mostram que os efei-
lulares, como os ácidos nucleicos. Em decorrência, o ci- tos antimicrobianos do hidróxido de cálcio são signi-
toplama se torna “congelado”, o que diminui a infiltra- ficativamente aumentados quando ele é misturado à
ção de elementos intracelulares, de forma que há um clorexidina32,43,109,111,171. Já outros estudos não encontra-
efeito bifásico sobre a permeabilidade da membrana83. ram vantagens significativas nessa associação127,164. Na
A atividade antimicrobiana da clorexidina é ótima em verdade, a eficácia da clorexidina parece ser significa-
pH em torno de 5,5 a 7, sendo bastante reduzida ou tivamente reduzida quando misturada com o hidró-
mesmo abolida na presença de matéria orgânica83. xido de cálcio43,127,164. A clorexidina permanece estável
A clorexidina é um agente antimicrobiano ampla- em pH 5-8, e, à medida que o pH aumenta, a ionização
mente utilizado e que tem sido recentemente proposto diminui. A pasta HCx mantém um pH alto similar ao
para uso endodôntico como substância química auxi- do hidróxido de cálcio em água171,221. Em altos valores
liar ou como medicação intracanal. Na irrigação, a clo- de pH, a clorexidina precipita e pode ficar indisponível
rexidina tem revelado resultados antimicrobianos simi- para exercer seus efeitos antimicrobianos221.
lares ao NaOCl em vários estudos clínicos e laborato- Contudo, apesar da perda da clorexidina ativa
riais29,62,122,170,203,204, embora existam controvérsias96,98,206. quando misturada ao hidróxido de cálcio, os efeitos
Além dos efeitos antimicrobianos, a clorexidina apre- residuais ainda podem ter significado clínico, como
senta baixa toxicidade98,190 e a propriedade de substan- revelado por dois estudos157,221. Zerella et al.221 demons-
tividade à dentina, o que resulta em efeitos antimicro- traram que a medicação com pasta HCx (clorexidina a
bianos residuais mantidos por dias a semanas75,121,217. 2%) foi no mínimo tão eficaz quanto o hidróxido de cál-
Como medicação intracanal, a clorexidina tem cio em veículo inerte na desinfecção de canais de casos
sido recomendada sozinha ou em combinação com o de retratamento com lesão. A incidência de culturas ne-
hidróxido de cálcio. Devido às limitações já discuti- gativas após o uso dessa combinação por 7-10 dias foi
das do hidróxido de cálcio, parece vantajoso associar de 65%221. Em outro estudo clínico, dessa vez avaliando
outros medicamentos a essa substância148. A associa- a eficácia de um protocolo de tratamento contra infec-
ção da clorexidina com o hidróxido de cálcio (HCx) ções endodônticas primárias, Siqueira et al.157 irrigaram
tem sido então bastante estudada recentemente. Até os canais durante o preparo com clorexidina a 0,12% e
o momento, não há consenso entre os estudos in vitro encontraram incidência de culturas positivas de 54%.
quanto à vantagem de associar clorexidina ao hidró- A medicação intracanal com pasta HCx (clorexidina a
Medicação Intracanal 595

0,12%) reduziu ainda mais o número de culturas posi- sultados parecem indicar que o efeito neutralizador do
tivas, atingindo 8% dos casos, o que foi estatisticamen- hidróxido de cálcio sobre o LPS observado em estudos
te significante. laboratoriais pode não ser significativo na situação in
Os efeitos antimicrobianos significativos da pasta vivo.
HCx revelados por esses dois estudos clínicos podem
ser creditados a resíduos ainda ativos e não precipi- 4 – Indução de reparo por tecido mineralizado
tados de clorexidina na pasta, além do alto pH dela. Quando em contato direto com um tecido conjun-
Assim, essa pasta pode ser uma boa alternativa à pasta tivo organizado com memória genética para produção
HPG para uso rotineiro no tratamento (e no retrata- de tecido mineralizado, como polpa ou ligamento pe-
mento) de dentes com lesão perirradicular, com o po- riodontal, o hidróxido de cálcio estimula a neoforma-
tencial de promover resultados similares. ção de dentina ou cemento, respectivamente40,55,56,128,129
(Fig. 14-17). Esta é, sem dúvida alguma, a propriedade
3 – Neutralização de endotoxinas mais difundida do hidróxido de cálcio, sendo suporta-
Endotoxinas ou lipopolissacarídeos (LPS) são da tanto pela prática clínica, quanto por inúmeros tra-
constituintes da membrana externa da parede celular
de bactérias gram-negativas que, quando liberadas
para o meio externo, são importantes fatores de vi-
rulência. Essas moléculas exercem um papel relevan-
te na patogênese das doenças da polpa e dos tecidos
perirradiculares137,158.
A porção lipídica da molécula, conhecida como
lipídio A, é a principal responsável por seus efeitos
biológicos115,116. Foi demonstrado que o hidróxido de
cálcio pode promover a hidrólise do lipídio A, des-
truindo ligações éster dentro da molécula de LPS,
promovendo assim a liberação de ácidos graxos hi-
droxilados124. Consequentemente, a molécula de LPS é
inativada, tendo seus efeitos tóxicos neutralizados ou
reduzidos significativamente92,123,132.
Embora alguns estudos tenham relatado tal efeito
in vivo, na verdade, nesses estudos o LPS foi mistura-
do com o hidróxido de cálcio e aplicado no canal, ten-
do sido observada a sua inativação com consequente
reduzida capacidade de causar inflamação nos tecidos A
perirradiculares92,132. Entretanto, essa não é a situação
real in vivo, na qual a pasta de hidróxido de cálcio aplica-
da ao canal deve se difundir, atingir o LPS presente em
localidades diversas no sistema de canais e assim exercer
o efeito neutralizador. Até o momento, apenas um estu-
do em cães sugeriu que tal propriedade do hidróxido de
cálcio pode ocorrer de forma significativa in vivo191.
Assim, tornam-se necessários estudos em huma-
nos para avaliar se o hidróxido de cálcio exerce tais
efeitos neutralizadores sobre o LPS de forma signifi-
cativa na real situação clínica. Na verdade, um estudo
clínico recente em pacientes demonstrou níveis reduzi-
B
dos significativamente, mas ainda relativamente eleva-
dos de LPS nos canais após preparo químico-mecânico,
Figura 14-17. Estímulo à formação de tecido mineralizado pelo hi-
os quais foram praticamente inalterados após medica- dróxido de cálcio. A. Na polpa, após pulpotomia. B. No ligamento
ção intracanal com hidróxido de cálcio, clorexidina ou periodontal apical, após biopulpectomia. (Gentileza do Prof. Rober-
com uma associação das duas substâncias205. Tais re- to Holland.)
596 Capítulo 14  Medicação Intracanal

balhos científicos. Algumas modalidades de tratamen- de desnaturação proteica superficial no tecido em con-
to se utilizam desse efeito biológico do hidróxido de tato com essa substância, caracterizada por necrose de
cálcio, tais como: capeamento pulpar direto, curetagem coagulação de espessura variável entre 0,3 e 0,7mm181.
pulpar, pulpotomia, apicificação, tratamento de perfu- Esse efeito parece ser o responsável pela indução de
rações e de reabsorções radiculares. reparo por deposição de tecido mineralizado20,128,136,200.
Embora se reconheça a citada propriedade dessa A polpa e o ligamento periodontal, na grande maio-
substância, seu mecanismo de ação ainda não foi per- ria das vezes, são reparados pela deposição de tecido
feitamente elucidado. Alguns atribuem esse efeito aos duro, i.e., dentina e cemento, respectivamente. Isso é
íons hidroxila, enquanto outros julgam que os íons Ca+2 uma característica natural desses tecidos ditada por
sejam os responsáveis pela indução do reparo. Seguem sua memória genética, a qual é mantida por células
algumas tentativas de explicar os efeitos do hidróxido indiferenciadas. Quando acometidos por um trauma
de cálcio sobre os tecidos que resultam na deposição de superficial e transitório, na ausência de infecção, os
tecido duro neoformado: mecanismos de reparação são desencadeados. A cau-
terização química induzida pelo hidróxido de cálcio
a) Ativação de enzimas envolvidas no processo de sobre a polpa ou ligamento periodontal é superficial e
reparo transitória, graças à baixa solubilidade dessa substân-
Ca+2-ATPase. A Ca+2-ATPase (adenosina trifosfa- cia, o que impede um efeito em maior profundidade no
tase) é uma enzima associada à membrana citoplasmá- tecido. Esse trauma químico é suficiente para estimular
tica de células envolvidas na produção de tecido duro, a reparação20.
a qual funciona como uma “bomba” de cálcio, promo- Outras substâncias, como o eugenol, presente em
vendo o transporte desse elemento contra um gradien- cimentos para proteção pulpar ou para obturação de
te de concentração2,45. Por sua ativação ser cálcio-de- canal, podem promover esse mesmo trauma químico.
pendente, acredita-se que o hidróxido de cálcio exerça Contudo, devido à maior solubilidade e consequente
seus efeitos desse modo. A ATPase exerce um papel penetração tecidual, ele se dá em maior profundidade
importante nos processos de mineralização tecidual. no tecido e por um período prolongado. Enquanto esti-
Pirofosfatase. Essa enzima também é cálcio-de- ver sendo irritado, o tecido não inicia a sua reparação.
pendente, estando envolvida em processos onde há Além de induzir um trauma químico superficial e tran-
necessidade de obtenção de energia a partir do ATP. sitório no tecido em contato direto com ele, o hidróxido
Um desses processos é a síntese de proteínas, como de cálcio promove um ambiente alcalino na superfície
o colágeno, principal componente da matriz orgânica do tecido, o qual é impróprio para o desenvolvimento
de dentina, cemento e osso. Acredita-se, então, que a de micro-organismos. Assim, o tecido fica em condi-
ativação da pirofosfatase pelos íons Ca+2 oriundos do ções apropriadas para iniciar seu processo de reparo.
hidróxido de cálcio aumentará a utilização de energia, Cumpre salientar que, para o hidróxido de cálcio esti-
favorecendo o mecanismo de reparo51. mular essa reparação, o tecido deve estar organizado e,
Fosfatase alcalina. A ativação dessa enzima pelo no máximo, ligeiramente inflamado. De outro modo,
hidróxido de cálcio é um dos mecanismos mais defen- essa propriedade não será observada.
didos por alguns autores181. A fosfatase alcalina está
envolvida no processo de mineralização e é ativada, Outras propriedades do hidróxido de cálcio
como o próprio nome indica, em pH alcalino, varian-
do entre 8,6 e 10,3. Logo, o elevado pH do hidróxido 1 – Solvente de matéria orgânica
de cálcio pode ativá-la. Ela é uma enzima hidrolítica Estudos de Hasselgren et al.50 e Andersen et al.3 re-
que promove a liberação de fosfato inorgânico, a partir velaram que o hidróxido de cálcio, por possuir um pH
de ésteres fosfóricos. Os íons fosfato liberados podem extremamente alcalino, promove a quebra de ligações
reagir com os íons cálcio provenientes dos tecidos, for- iônicas que mantêm a estrutura terciária de proteínas,
mando precipitados de fosfato de cálcio (na forma de desnaturando-as e tornando-as mais suscetíveis à dis-
hidroxiapatita) sobre uma matriz orgânica, o que ca- solução por NaOCl. Tais estudos foram conduzidos em
racteriza o processo de mineralização. condições experimentais onde a área de contato entre
as substâncias testadas e os tecidos era máxima, o que
b) Trauma químico não condiz com a situação real dentro do sistema de
Devido ao pH elevado, os íons hidroxila, oriundos canais radiculares, onde irregularidades, istmos e ra-
da dissociação do hidróxido de cálcio, causam uma zona mificações podem limitar esse contato.
Medicação Intracanal 597

Contudo, áreas de istmos e ramificações não são importante para estimular a biossíntese e liberação de
totalmente limpas, mesmo após a utilização de cura- citocinas (IL-1, TNF, IL-6) envolvidas na ativação de
tivo com hidróxido de cálcio. No interior do canal ra- células clásticas137,158.
dicular, a área de contato entre o tecido e o hidróxido Devido ao fato de ser uma base forte, tem sido
de cálcio/NaOCl é mínima, limitando a eficácia des- sugerido que o hidróxido de cálcio promove a elevação
sas substâncias. Além disso, a baixa solubilidade da do pH do meio, neutralizando ácidos e inibindo a ati-
primeira praticamente restringe a sua ação à área de vidade enzimática relacionada com a reabsorção197,198.
contato com o tecido e, consequentemente, apenas a Outrossim, a elevada alcalinidade do hidróxido de cál-
superfície tecidual degenerada pela ação do hidróxido cio poderia induzir a morte da célula clástica, parali-
de cálcio sofrerá uma efetiva ação solubilizadora do sando o processo de reabsorção49.
NaOCl. Nos raros casos onde a área de contato da pas- Todavia, tais teorias carecem de suporte científi-
ta de hidróxido de cálcio com o tecido conjuntivo for co. É bastante questionável que o hidróxido de cálcio
maior, esse efeito poderá ser observado. apresente eficácia diretamente sobre o processo de re-
Siqueira et al.144 avaliaram histologicamente a lim- absorção inflamatória externa. Isso pode ser atestado
peza de canais radiculares de molares após instrumen- pelo fato de que essa substância é completamente ino-
tação, medicação intracanal com hidróxido de cálcio perante em casos de reabsorção por substituição, onde
e posterior irrigação com NaOCl. Um grupo recebeu os mecanismos bioquímicos de reabsorção utilizados
curativos com pasta de hidróxido de cálcio e soro fisio- pela célula clástica são os mesmos, mas a causa da rea-
lógico, sendo essa removida posteriormente por meio bsorção é diferente.
de irrigação profusa com NaOCl. O grupo-controle É imperioso ressaltar que o processo de reabsor-
consistiu de dentes que não receberam medicação in- ção inflamatória é usualmente a consequência de uma
tracanal. A limpeza do canal foi avaliada em cortes infecção instalada no sistema de canais radiculares. As-
histológicos das regiões localizadas a 1, 2 e 3mm do sim, nas reabsorções radiculares inflamatórias externas,
término apical. Apesar de a limpeza do canal radicular o combate aos micro-organismos presentes no sistema
no grupo onde foi utilizado curativo de hidróxido de de canais radiculares (o agente etiológico) é o fator pri-
cálcio ter sido ligeiramente superior à do grupo-con- mordial na paralisação do processo patológico (Figs.
trole, não houve diferença estatisticamente significante 14-16 e 14-18). O hidróxido de cálcio em veículo inerte
entre os dois grupos. apenas será eficaz para eliminar a infecção intratubular
e, consequentemente, paralisar a reabsorção inflamató-
2 – Inibição da reabsorção radicular externa ria externa após múltiplas aplicações (trocas), as quais
O processo de reabsorção de um tecido minera-
lizado se inicia pela perda da matriz orgânica que o
reveste, como o osteoide no osso e o pré-cemento no
cemento. Isso pode ocorrer pela ação de colagenases,
liberadas por células ativadas pelos mediadores quí-
micos da inflamação. O tecido mineralizado exposto
é então destruído pela ação de substâncias liberadas
por células clásticas. Ácidos promovem a dissolução
da hidroxiapatita, componente inorgânico do tecido
mineralizado. A seguir, enzimas, como catepsinas e
metaloproteinases de matriz, degradam a matriz orgâ-
nica exposta168. O pH na lacuna de reabsorção cai para
aproximadamente 4,5, o qual é ótimo para a atividade
da catepsina K, principal enzima liberada pelo osteo-
clasto e envolvida na reabsorção192. Tais mecanismos
bioquímicos utilizados pela célula clástica para reab-
sorver tecidos mineralizados são exatamente os mes-
mos, independentemente de a reabsorção ser fisioló-
gica ou patológica. Nas reabsorções radiculares infla-
Figura 14-18. Reabsorção inflamatória externa. A infecção do sis-
matórias externas, componentes bacterianos, como o tema de canais radiculares deve ser devidamente controlada para a
LPS de bactérias gram-negativas, desempenham papel paralisação do processo.
598 Capítulo 14  Medicação Intracanal

são necessárias para exceder a capacidade tampão da não observaram, nessa combinação, resultados estatis-
hidroxiapatita e assim obter a alcalinização adequada ticamente superiores, quando comparada com a pasta
da dentina para ter consequente efeito antimicrobiano. de hidróxido de cálcio em soro fisiológico, no que tan-
A associação do hidróxido de cálcio com veículos ge à recontaminação do canal após exposição à saliva.
biologicamente ativos, como o PMCC e a clorexidina, Provavelmente, isso ocorreu porque a saliva pode ter
apresenta maior capacidade de desinfetar túbulos den- diluído e neutralizado o efeito antimicrobiano do PMC
tinários em aplicação única e por isso é mais apropria- liberado da pasta HPG.
da para o controle da reabsorção inflamatória externa. As pastas de hidróxido de cálcio utilizadas como
medicação intracanal também funcionam como uma
barreira física, impedindo a percolação apical de flui-
Atividade física dos teciduais, negando assim o suprimento de subs-
As pastas de hidróxido de cálcio usadas como trato para micro-organismos residuais que porventu-
medicamento intracanal atuam como barreira física e ra tenham sobrevivido ao preparo químico-mecânico.
química (ação de preenchimento), impedindo ou retar- Também, essa barreira física limita o espaço para a
dando a infecção ou reinfecção do canal radicular por multiplicação desses micro-organismos remanescentes
micro-organismos provenientes da cavidade oral. entre as sessões de tratamento.
Canais instrumentados podem ser contaminados, Esses dados indicam que a ação de preenchi-
nos casos de biopulpectomia, ou recontaminados, nos mento dessas pastas pode ser mais relevante do que a
casos de necropulpectomia entre as sessões do trata- ação química para prevenir a contaminação ou recon-
mento endodôntico, em determinadas situações clínicas, taminação do canal radicular entre as consultas. Além
tais como: a infiltração de saliva através do material se- disso, impedem fisicamente a penetração de substra-
lador temporário e perda ou fratura do material selador tos que porventura venham a suprir as necessidades
e/ou da estrutura dentária. Nessas situações, a cavidade nutricionais de micro-organismos remanescentes no
pulpar se torna exposta à microbiota oral, o que pode canal149,153.
comprometer o sucesso do tratamento endodôntico. As pastas de hidróxido de cálcio também atuam
Siqueira et al.149,153 avaliaram a efetividade do como barreira química contra a proliferação de micro-
PMCC, tricresol formalina e pastas de hidróxido de organismos residuais que sobreviveram ao preparo
cálcio/soro fisiológico e hidróxido de cálcio/PMCC/ químico-mecânico e contra a contaminação ou recon-
glicerina (HPG) para prevenir a recontaminação do taminação do canal por micro-organismos oriundos da
canal quando da ausência de um selador temporário. cavidade oral. A ação química do hidróxido de cálcio é
Concluíram que as pastas de hidróxido de cálcio pre- representada pela sua elevada alcalinidade. Sendo as-
enchendo o canal foram significativamente mais efica- sim, sua eficácia é pH-dependente. Desse modo, a ati-
zes do que o PMCC e o tricresol formalina aplicados vidade antimicrobiana do hidróxido de cálcio pode ser
em mechas de algodão na câmara pulpar no sentido limitada na presença de tecidos ou fluidos biológicos
de retardar a invasão microbiana do sistema de canais dotados de capacidade tampão. A saliva possui tal efei-
radiculares. to em função da presença de proteínas e da atividade
Ainda segundo esses autores149,153, o PMCC e o tri- dos sistemas bicarbonato e fosfato. Os fluidos tecidu-
cresol formalina foram menos eficazes do que as pastas ais e o sangue também podem ter o efeito tamponador
de hidróxido de cálcio para impedir a recontaminação representado por proteínas e sistemas tampão, como
dos canais radiculares, em função da diluição e neutra- o próprio bicarbonato, além de outras substâncias que
lização dos medicamentos pela saliva. O tricresol for- eventualmente possam estar presentes, como ácidos
malina e o PMCC atuam somente pelo efeito químico orgânicos e CO2. Doadores de prótons presentes na ca-
e não físico, quando empregados como medicamento mada hidratada da hidroxiapatita da dentina também
intracanal. Por mais essa razão, a utilização de medi- tamponam o pH do hidróxido de cálcio.
camentos líquidos aplicados em mechas de algodão na Baseado em tudo o que foi discutido sobre as
câmara pulpar se torna questionável. propriedades atribuídas ao hidróxido de cálcio, ra-
Como já aclarado neste capítulo, a pasta HPG tem tificamos a afirmativa de que essa substância não é
demonstrado um largo espectro de atividade antimi- uma panacéia35. Contudo, embora não resolva todos
crobiana, rápido efeito letal para micro-organismos os problemas, o hidróxido de cálcio é de extrema uti-
e um amplo raio de ação, quando comparada com as lidade em Endodontia quando em indicações precisas
pastas em veículos inertes. Todavia, Siqueira et al.149 e sensatas.
Medicação Intracanal 599

Extravasamento das pastas de Sigurdsson et al.131 analisaram a eficiência da es-


hidróxido de cálcio piral de Lentulo, limas endodônticas e seringa com
agulha na colocação de pasta de hidróxido de cálcio
O extravasamento das pastas de hidróxido de cál-
no interior de canais mesiovestibulares de primeiros
cio para os tecidos perirradiculares, nos casos em que
molares superiores instrumentados até a lima K #25.
há presença de lesão, não parece oferecer quaisquer
Em função dos resultados, concluíram que a espiral de
benefícios. Como já comentado, o hidróxido de cálcio
Lentulo foi mais eficiente, em relação ao limite de pre-
não apresenta efeito anti-inflamatório comprovado.
enchimento e compactação da pasta no interior dos ca-
Além disso, é improvável que essa substância vá elimi-
nais radiculares. A maior eficácia da espiral de Lentulo
nar micro-organismos situados na superfície radicular
quando comparada ao cone de papel foi demonstrada
apical ou no interior da lesão. Nos tecidos perirradicu-
em outro estudo193.
lares há uma intensa atividade de substâncias tampo-
De forma geral, além da anatomia e do preparo
nadoras, como o sistema bicarbonato, sistema fosfato e
químico-mecânico, a eficiência da inserção da pasta
uma miríade de proteínas, que irão impedir a elevação
de hidróxido de cálcio no canal radicular depende da
significativa do pH. Além disso, a pasta seria rapida-
sua composição química, da natureza do veículo, as-
mente diluída pelos fluidos teciduais e “lavada” pela
sim como da sua consistência no momento do empre-
microcirculação, que é bastante desenvolvida na lesão
go. Com relação à natureza dos veículos, os viscosos
perirradicular, pela intensa neoformação vascular.
e oleosos, por agirem como lubrificantes, favorecem a
Para atingir pH de magnitude suficiente para eliminar
colocação da pasta no canal. Também a presença da co-
micro-organismos na lesão, uma grande quantidade de
lofônia, do carbonato de bismuto e do sulfato de bário
pasta teria de ser extravasada para, em um momento
melhora o manuseio e a inserção da pasta no interior
inicial, exceder a capacidade tampão tecidual. Entre-
do canal radicular.
tanto, isso seria extremamente agressivo para os teci-
Quando preparadas no momento de seu empre-
dos, devido à ausência de toxicidade seletiva por parte
go, apesar das várias técnicas de aplicação proposta, as
do hidróxido de cálcio, o que inevitavelmente poderia
mais recomendadas são as que utilizam instrumentos
resultar no desenvolvimento de um flare-up. O mesmo
endodônticos manuais, espirais de Lentulo ou compac-
é válido para as pastas de hidróxido de cálcio com ve-
tadores de McSpadden.
ículos biologicamente ativos, como o PMCC, os quais
são também rapidamente neutralizados por proteínas
teciduais. a) Instrumentos endodônticos manuais
Por outro lado, embora o extravasamento de uma Uma lima tipo K de diâmetro imediatamente in-
pequena quantidade de pasta de hidróxido de cálcio ferior ao da última lima empregada para a confecção
aparentemente não vá conferir efeitos benéficos, essa do preparo apical (lima de memória) é selecionada
conduta usualmente não traz maiores consequências. para a inserção da pasta de hidróxido de cálcio no ca-
Se um extravasamento acidental da pasta ocorrer du- nal radicular. O instrumento é carregado com a pasta
rante sua aplicação, o que é comum, não há qualquer em suas espirais, introduzido lentamente até alcançar
inconveniente23. Aliás, isso pode ser indicativo de que o comprimento de trabalho, pincelado contra as pare-
a pasta está atingindo toda a extensão do canal. No en- des do canal e girado no sentido anti-horário por duas
tanto, o exagero na quantidade extravasada de pasta, ou três vezes. A remoção do instrumento é realizada
em determinadas situações, pode ter efeitos desastro- lentamente, sem interromper o movimento de rotação
sos para o paciente22,77.. anti-horária. Repete-se esse procedimento uma a três
vezes, até que todo o canal radicular esteja preenchido
com a pasta.
Preenchimento do canal radicular com
A operação é acompanhada com o auxílio do exa-
pasta de hidróxido de cálcio me radiográfico. Isso posto, promove-se a compactação
Várias técnicas para colocação da pasta hidróxido da pasta com uma pequena mecha de algodão esterili-
de cálcio no interior do canal radicular têm sido utiliza- zada e de tamanho adequado, colocada na embocadu-
das, destacando-se o porta-amálgama, os instrumentos ra do canal e comprimida com as pontas de uma pinça
endodônticos, seringas especiais, cones de papel ou de clínica ou calcador de Paiva, que funciona como um
guta-percha, a espiral de Lentulo e o compactador de êmbolo, para assegurar o preenchimento do canal em
McSpadden21,79,80. toda a sua extensão.
600 Capítulo 14  Medicação Intracanal

b) Instrumentos rotatórios Após a manipulação da pasta, ela é levada em


Os compactadores de McSpadden e as espirais de pequenas porções à câmara pulpar por meio de calca-
Lentulo são instrumentos que podem ser usados para o dores espatulados. A seguir, o instrumento rotatório é
preenchimento do canal radicular com pasta de hidró- carregado em suas espirais com pequena quantidade de
xido de cálcio. Contudo, vale ressaltar que as últimas pasta e introduzido lentamente no canal. Simultanea-
têm seu emprego muito mais difundido, com maior mente, a espiral de Lentulo é acionada para girar à di-
comprovação da eficácia (Fig. 14-19). reita e, com movimentos suaves e lentos de penetração
Lopes et al.78, in vitro, constataram que a espiral e remoção, busca-se o preenchimento do canal radicu-
de Lentulo é mais eficiente do que o compactador de lar. É importante ressaltar que o instrumento deve ser
McSpadden no preenchimento de canais radiculares com retirado do canal estando em movimento de rotação.
pasta de hidróxido de cálcio. Afirmam que essa diferença A operação é acompanhada com o auxílio do exame
pode estar relacionada com a forma geométrica do instru- radiográfico, podendo ser repetida até o completo preen-
mento. O compactador de McSpadden, por possuir maior chimento do canal. A compactação da pasta ao nível da
seção reta do que a espiral de Lentulo, ao ser retirado do embocadura do canal é realizada como já mencionado.
canal radicular, desloca a pasta para a lateral, deixando, Do ponto de vista quantitativo, a permanência de
dessa forma, maior percentual de vazios. espaços vazios diminui o volume de hidróxido de cál-
Quando do uso de instrumento rotatório para a cio no interior do canal radicular. Consequentemente,
inserção da pasta no canal radicular, é importante que é provável que isso possa influenciar a eficácia do me-
dicamento78.
o mesmo tenha um diâmetro menor que o do final do
preparo, seja colocado até a profundidade de 2 a 3mm
aquém do comprimento de trabalho e acionado por um  NOVOS MEDICAMENTOS E
micromotor, com velocidade constante e com giro à di- ASSOCIAÇÕES – PERSPECTIVAS
reita, por aproximadamente 10 segundos.
Como aclarado alhures, uma das diretrizes para a
pesquisa endodôntica se refere à descoberta de proce-
dimentos e medicamentos que permitam um aumento
significativo no índice de sucesso do tratamento endo-
dôntico. Dos medicamentos com resultados mais pro-
missores destacam-se a clorexidina, o óleo ozonizado e
o vidro bioativo.
Lima et al.76 avaliaram a eficácia de medicamentos
contendo clorexidina ou antibióticos para eliminar bio-
filmes de E. faecalis. A associação da clindamicina com
o metronidazol significantemente reduziu o número
de células bacterianas no biofilme. Todavia, apenas os
medicamentos contendo clorexidina a 2% foram efica-
zes em totalmente eliminar os biofilmes de E. faecalis.
Provenzano et al.111 investigaram a eficácia de di-
A
ferentes medicamentos intracanais contra E. faecalis, C.
albicans e A. radicidentis, três espécies microbianas de-
tectadas em casos de fracasso da terapia endodôntica
e com reconhecidos níveis de resistência ao hidróxido
de cálcio. Os seguintes medicamentos foram testados:
pasta de solução aquosa de clorexidina a 0,2%/óxido
de zinco e pastas de hidróxido de cálcio em glicerina,
clorexidina a 0,2%, paramonoclorofenol canforado/
glicerina, iodeto de potássio iodetado ou iodo povi-
B C
dine. Os resultados demonstraram que a clorexidina
Figura 14-19. Espiral de Lentulo para aplicação de hidróxido de
associada ao óxido de zinco ou ao hidróxido de cálcio
cálcio no canal. A. Eletromicrografia. B. Aplicação clínica com a es- apresentou maior atividade antimicrobiana quando
piral acionada a motor. C. Esquema. comparada aos outros medicamentos.
Medicação Intracanal 601

Siqueira et al.161 avaliaram a atividade antimi- volvidos na etiopatogenia das doenças perirradicula-
crobiana de um novo medicamento, o óleo de giras- res. A metodologia empregada foi o teste de difusão
sol ozonizado, e do hidróxido de cálcio associado ao em ágar. Discretos halos de inibição de crescimento
PMCC/glicerina ou ao tricresol formalina (TCF)/ bacteriano foram associados à pasta hidróxido de
glicerina contra micro-organismos comumente en- cálcio/TCF/glicerina. As pastas de hidróxido de cál-
cio/PMCC/glicerina apresentaram eficácia antimi-
crobiana pronunciada, principalmente na proporção
PMCC/glicerina de 1:1. A maior eficácia de atividade
antimicrobiana foi observada para o óleo ozonizado
(Fig. 14-20). Um estudo em cães revelou bons resul-
tados no grupo onde o óleo ozonizado foi empregado
como medicação intracanal, com ocorrência de repa-
ração perirradicular similar ao grupo onde a pasta
HPG foi usada e superior ao grupo tratado em sessão
única133 (Fig. 14-21).
Estudos demonstraram que vidros bioativos
(como S53P4 e 45S5) têm o potencial de ser usados
como medicação intracanal208,218-220. Seus efeitos antimi-
Figura 14-20. Eficácia antibacteriana do óleo ozonizado quando
comparado a outros medicamentos intracanais. Dados segundo Si- crobianos parecem ser aumentados quando em contato
queira et al.161. HG, hidróxido de cálcio em glicerina; HTG, hidróxido com a dentina219,220, mas parecem ser inferiores quando
de cálcio associado a tricresol formalina e glicerina. comparados à clorexidina69.

Figura 14-21. Repara-


ção perirradicular em
cães após tratamento
em uma ou duas con-
sultas. A. Radiografia
D quando da conclusão
dos tratamentos de
dentes com lesão indu-
zida. B e C. Espécimes
B obturados em sessão
única. Notar intenso
infiltrado inflamatório
e reabsorção radicular.
D. Espécime tratado
em duas sessões com
pasta HPG ou E, com
óleo ozonizado. Ambos
demonstram reparo pe-
rirradicular compatível
com o sucesso do tra-
C E tamento. Dados extraí-
dos de Silveira et al.133.
602 Capítulo 14  Medicação Intracanal

Embora resultados promissores tenham sido pu- Decadron colírio ou Otosporin é utilizado para re-
blicados para alguns medicamentos e combinações, duzir a inflamação do remanescente pulpar, que pode-
cumpre salientar que são ainda preliminares e, na ria resultar em sintomatologia até o retorno do pacien-
maioria das vezes, desprovidos de comprovação quan- te para a completa instrumentação. Esse medicamen-
to à eficácia e segurança para uso clínico. to pode ser acondicionado em tubetes de anestésicos
vazios, o que facilita sua aplicação no canal radicular
com o auxílio de uma seringa do tipo carpule e agulha
 EMPREGO DE MEDICAMENTOS G30.
Também empregamos o Decadron colírio ou o
Biopulpectomia Otosporin nos casos de uma sobreinstrumentação du-
Geralmente, a infecção em dentes com vitalidade rante o tratamento de um dente polpado ou em casos
pulpar está restrita à superfície da polpa coronária ex- de periodontite apical aguda de etiologia traumática
posta, sendo que a radicular se encontra apenas infla- ou química, mas não infecciosa.
mada, isenta de micro-organismos. Isso porque os me-
canismos de defesa do hospedeiro, conquanto a polpa Casos em que o canal foi totalmente
se encontre vital, impedem o avanço da infecção em instrumentado
direção apical. Esse fato se reveste de importância clí- Hidróxido de cálcio. Pode ser usado em associa-
nica, no que se refere à conduta terapêutica em dentes ção com veículos inertes, uma vez que não há infecção
com polpa vital. Uma vez eliminada a infecção super- do canal. Recomendamos a utilização da pasta con-
ficial da polpa através de profusa irrigação da câmara tendo hidróxido de cálcio e iodofórmio, na proporção
pulpar com solução de NaOCl, todos os procedimen- de 3:1 em volume, tendo como veículo a glicerina, a
tos intracanais serão realizados em ambiente asséptico, qual permite uma adequada repleção do canal117. A
não infectado. pasta deve ser levada ao canal, de preferência por
Destarte, uma vez combatida a infecção superfi- meio de espirais de Lentulo (Figs. 14-19 e 14-22). O
cial da polpa e mantidos os princípios básicos de assep- medicamento deve preencher toda a extensão do ca-
sia, nas biopulpectomias, recomendamos a obturação nal preparado, entrando em íntimo contato com as
imediata do sistema de canais radiculares. Na even- paredes dentinárias e com os tecidos perirradiculares
tualidade de o tratamento endodôntico não poder ser via forame apical, mas sem extravasar. A repleção
concluído na mesma sessão, sugerimos o emprego de adequada do canal com a pasta deve ser confirmada
um medicamento, cujo objetivo primordial é impedir a radiograficamente.
contaminação do sistema de canais radiculares entre as As pastas de hidróxido de cálcio usadas como
sessões de tratamento. medicamento intracanal nos casos de biopulpecto-
Quando indicados nas biopulpectomias, os medi- mia funcionam como obturação provisória, evitando
camentos intracanais recomendados são uma solução ou retardando a contaminação do canal radicular por
de corticosteroide/antibiótico (Otosporin ou Decadron microinfiltração salivar via material selador tempo-
colírio) ou as pastas de hidróxido de cálcio. rário. Assim, quando o canal radicular se encontra
devidamente preparado e a obturação foi postergada,

Casos em que o canal não foi totalmente


instrumentado
Solução de corticosteroide/antibiótico (Otosporin
ou Decadron colírio). Podemos empregá-la quando:

a) procedeu-se ao acesso coronário e à remoção da pol-


pa coronária, mas o canal não foi instrumentado –
aplica-se o medicamento embebido em uma mecha
de algodão na câmara pulpar;
A B
b) procedeu-se a uma instrumentação parcial do canal
– inunda-se o mesmo com o medicamento, bombe- Figura 14-22. Aplicação da pasta HPG no canal. Iodofórmio foi adi-
ando-o para a região apical do canal com uma lima cionado para aumentar a radiopacidade da pasta (A), a qual é aplica-
de pequeno calibre. da com espiral de Lentulo acoplada ao motor de baixa rotação (B).
Medicação Intracanal 603

consideramos as pastas de hidróxido de cálcio como Casos em que o canal foi totalmente
o medicamento intracanal de primeira opção. O me- instrumentado
dicamento pode permanecer no interior do canal ra- Concluído o preparo químico-mecânico, o canal
dicular por um período variável de 7 a 30 dias, apro- é seco e preenchido com EDTA a 17% por 3 minutos.
ximadamente. Para facilitar a atuação da solução, a mesma é agitada
no interior do canal radicular com uma lima de peque-
Necropulpectomia e retratamento no calibre ou com uma espiral de Lentulo. A seguir,
Como discutido alhures, após o preparo químico- retira-se o EDTA por meio de irrigação-aspiração com
mecânico de canais radiculares infectados (casos de ne- 5 a 10mL de uma solução de NaOCl a 2,5%. Seca-se o
crose pulpar ou de retratamento), impõe-se o emprego canal e prepara-se a pasta HPG.
de um medicamento intracanal visando a maximizar a Pasta HPG. A pasta é preparada sobre uma placa
eliminação de micro-organismos. Todavia, é imperioso de vidro estéril, utilizando-se espátula flexível para ci-
que se remova a smear layer com o objetivo de desobs- mentos. Inicialmente, volumes iguais de PMCC e glice-
truir o acesso às ramificações e aos túbulos dentinários rina são depositados sobre a placa e então homogeneiza-
e, com isso, facilitar a difusão e atuação do medicamen- dos. Em seguida, agrega-se o pó do hidróxido de cálcio e
to (Fig. 14-23). do iodofórmio (na proporção de 3:1 em volume), grada-
tivamente, até que se obtenha uma consistência cremo-
sa similar a creme dental. O acréscimo de iodofórmio é
adequado para conferir radiopacidade e não interfere na
atividade antibacteriana da pasta150 (Fig. 14-24).
Nos casos onde o iodofórmio puder determinar
alteração cromática da coroa dentária ou reações alérgi-
cas, podemos substituí-lo pelo pó de óxido de zinco ou
pelo sulfato de bário. O pó da pasta LC também pode
ser empregado. Em canais amplos pode-se suprimir o
agente contrastante. A pasta passa então a apresentar
radiopacidade semelhante à dentina.
Após a aplicação, radiografa-se o dente para veri-
ficar se a repleção do canal foi satisfatória (Fig. 14-24A).
Cumpre relembrar que a pasta deve preencher de for-
ma homogênea toda a extensão do canal preparado
A
para que exerça os efeitos esperados. Antes de selar a
cavidade com um material selador temporário, a câma-
ra pulpar deve ser devidamente limpa. Consideramos
a pasta HPG como de primeira escolha quando o canal
estiver completamente instrumentado. Em função dos
resultados obtidos por Siqueira e Uzeda139,140 e Siqueira
et al.126,141,149-151,156, indicamos o tempo mínimo de per-
manência do medicamento no interior do canal radi-
cular de 7 dias.
Opcionalmente, a pasta HCx (clorexidina de 0,12
a 2%) pode ser empregada com resultados possivel-
mente similares aos da pasta HPG. Contudo, essa úl-
tima tem sido mais estudada e, portanto, possui maior
volume de comprovação científica quanto à eficácia.
B
Casos em que o canal não foi totalmente
Figura 14-23. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer ge- instrumentado
rada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a
remoção da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medica- Hipoclorito de sódio. Seleciona-se uma mecha de
ção profundamente na dentina. algodão seca e esterilizada de tamanho compatível com
604 Capítulo 14  Medicação Intracanal

infectado do canal e, mais importante, atuar como uma


barreira química contra a recontaminação do canal por
micro-organismos da saliva que, porventura, possam
adentrar a câmara pulpar, via percolação marginal, pelo
selador temporário. Em casos de instrumentação par-
cial, não há a necessidade de secarmos totalmente o ca-
nal após a última irrigação com NaOCl. Aspira-se o ex-
cesso de hipoclorito do canal e, então, aplica-se a mecha
umedecida com a mesma solução na câmara pulpar.

 SELAMENTO CORONÁRIO
Na Endodontia, selamento coronário é o preen-
chimento da cavidade de acesso e parte da cavidade
A pulpar por um material selador temporário. É usado
entre as sessões de um tratamento endodôntico e tam-
bém após o seu término. Material selador temporário
é aquele destinado ao preenchimento de cavidades
dentárias por um período, sem alcançar o desempenho
mecânico e biológico previsto para um material restau-
rador permanente.
Segundo Weine216, o material selador temporário
usado entre as sessões de um tratamento endodôntico
tem como funções: impedir que a saliva e micro-orga-
B nismos da cavidade oral ganhem acesso ao canal radi-
cular, prevenindo assim o risco de infecção ou reinfec-
Figura 14-24. Aplicação da pasta HPG no canal. A. Radiografia para ção, e evitar a passagem de medicamento do interior
confirmação da adequada aplicação da pasta HPG com iodofórmio
(HiPG) no canal. B. O acréscimo de iodofórmio à pasta HPG em dife-
do canal radicular para o meio bucal, preservando a
rentes proporções não influencia significativamente a eficácia anti- efetividade da medicação intracanal e impedindo qual-
bacteriana. Dados segundo Siqueira et al.150. HG, hidróxido de cálcio quer ação deletéria na mucosa oral.
em glicerina. Iodo/Glic, pasta de iodofórmio em glicerina. Para cumprir tais funções, o material selador tem-
porário deve apresentar estabilidade dimensional, boa
adesividade às estruturas dentárias e elevada resis-
as dimensões da câmara pulpar. A seguir, a mecha é tência mecânica. Outros fatores inerentes ao material
umedecida com NaOCl a 2,5% e então colocada e aca- podem causar microinfiltrações, tais como: preparo
mada na câmara pulpar, de modo a permitir um espaço incorreto da cavidade de acesso, material mal adapta-
de 3 a 5mm de espessura para a aplicação do material do às paredes da cavidade, resíduos entre as paredes
selador temporário. Optamos pelo emprego do NaOCl cavitárias e a restauração temporária e deterioração do
nos casos em que o canal radicular não foi instrumenta- material selador pelo tempo.
do ou o foi parcialmente. Isso porque esse medicamento A forma da cavidade coronária também interfere
pode promover uma desinfecção parcial do conteúdo na capacidade seladora do material empregado. A ca-

Quadro 14-1 Recomendações para as diferentes situações clínicas

Biopulpectomia Necropulpectomia/Retratamento

Canal totalmente instrumentado Obturação ou medicação com pasta HG Medicação com pasta HPG

Canal parcialmente instrumentado Decadron colírio ou Otosporin Hipoclorito de sódio

HG: pasta de hidróxido de cálcio em glicerina


HPG: pasta de hidróxido de cálcio/paramonoclorofenol canforado/glicerina
Medicação Intracanal 605

vidade deve ter suas paredes paralelas ou ligeiramente Por sua vez, os materiais seladores podem possuir
expulsivas no sentido coronário. Cavidades que apre- atividade antimicrobiana, permitindo a eliminação ou
sentam todas as paredes constituídas de estrutura den- redução de micro-organismos que permaneceram na
tária são as ideais para conter o material selador tem- cavidade e/ou de micro-organismos que tenham por-
porário. A ausência de paredes dentárias certamente ventura penetrado em canais de microinfiltração. Esse
compromete o selamento da cavidade pulpar. último fator pode explicar a excelente capacidade que
Outro aspecto a ser considerado é a profundidade têm alguns seladores de prevenir a infiltração bacteria-
da cavidade que irá receber o material selador. Diver- na. Siqueira et al.143 avaliaram a atividade antibacteriana
sos estudos evidenciam que uma espessura variável de de seis materiais usados como seladores temporários.
3 a 5mm é a mínima suficiente para permitir o selamen- Para isso, foram utilizadas quatro espécies bacterianas
to marginal94. comumente associadas a processos patológicos na cavi-
No selamento coronário entre as sessões de um dade oral. Foi demonstrado que todos os materiais tes-
tratamento endodôntico os materiais mais empregados tados apresentaram atividade antibacteriana. No geral,
são os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol e os Coltosol, Pulpo-San e OZE foram os mais eficazes. Vi-
denominados “prontos para uso”. drion-R, um cimento ionomérico, produziu os menores
Os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol são halos de inibição. Entretanto, deve-se ter em mente que,
encontrados na forma pó/líquido (OZE, Pulpo-San, na condição clínica, a atividade antibacteriana pode não
IRM). Todavia, diversos trabalhos mostram que esses ser exercida quando uma grande quantidade de células
materiais não são bons seladores coronários4,26,66,152. bacterianas invadir a interface dente/restauração tem-
Os produtos “prontos para uso” (Cavit, Coltosol, porária e/ou a saliva neutralizar ou diluir a substância
Cimpat) se apresentam na forma de pasta e endure- responsável pelo efeito antibacteriano.
cem por hidratação. Apresentam maior capacidade se-
ladora do que os cimentos à base de óxido de zinco/ Considerações clínicas
eugenol4,26,72,152,194. Entretanto, esses últimos possuem
O comportamento mecânico dos materiais sela-
menor tempo de presa (cura) e maior resistência à
dores temporários está relacionado com as caracterís-
compressão17,95.
ticas morfológicas da cavidade coronária de acesso à
Na avaliação da capacidade de selamento marginal
cavidade pulpar.
de diferentes materiais seladores temporários, os méto-
dos mais comumente usados empregam: corantes94,222;
Cavidades de acesso simples
filtração de fluido90,102 e penetração bacteriana25,26,152. A
literatura evidencia grande divergência de resultados São aquelas que apresentam todas as paredes
entre os autores, o que certamente se deve às diferen- constituídas de estrutura dentária. Para os dentes ante-
tes metodologias empregadas. Todavia, o método que riores, após a colocação da medicação intracanal, uma
utiliza a penetração de micro-organismos tem, segura- mecha seca de algodão de dimensão adequada é intro-
mente, um significado biológico superior25,26,152. duzida abaixo da embocadura do canal e sobre essa,
Siqueira et al.152, avaliando a capacidade de três se- o material selador temporário. Nesses casos devemos
ladores temporários (Cavit, IRM e OZE) de prevenir a usar materiais prontos para uso – Cavit ou Coltosol.
infiltração da espécie bacteriana Streptococcus sobrinus, Para os dentes posteriores, a mecha de algodão
observaram que, após 8 dias, houve infiltração bacteria- deve ser recoberta por uma fina lâmina de guta-percha,
na em 27% dos espécimes selados com Cavit, 45,5% com e a cavidade selada com o material provisório.
IRM e 45,5% com OZE. Após 16 dias ocorreu infiltração
bacteriana em 54,5%, 64% e 73% das amostras seladas Cavidades de acesso complexas
com Cavit, IRM e OZE, respectivamente. A diferença Denominamos cavidades de acesso complexas
entre os materiais não foi estatisticamente significante. aquelas que apresentam ausência de uma ou mais pa-
A penetração bacteriana, através da interface den- redes dentárias.
te/restauração, pode ocorrer por dois mecanismos: Nos casos de grande perda de estrutura coroná-
ria, ela pode ser reconstituída com bandas metálicas
• micro-organismos colonizam a coroa do dente e, por e/ou resina composta com ataque ácido. A utilização
meio da divisão celular, invadem a interface; de material restaurador permanente no selamento co-
• micro-organismos podem ser transportados, passi- ronário tem mostrado melhores resultados do que os
vamente, pela saliva. materiais temporários120.
606 Capítulo 14  Medicação Intracanal

A seguir, o acesso e o selamento coronário serão 13. Byström A, Claesson R, Sundqvist G. The antibacterial ef-
fect of camphorated paramonochlorophenol, camphorated
realizados de forma convencional em função do dente
phenol and calcium hydroxide in the treatment of infected
a ser tratado endodonticamente. Normalmente, antes root canals. Endod Dent Traumatol, 1985; 1: 170-5.
da reconstrução coronária, devemos remover todo o 14. Byström A, Happonen RP, Sjogren U, Sundqvist G. Healing of
tecido cariado e executar o acesso à cavidade pulpar. periapical lesions of pulpless teeth after endodontic treatment
with controlled asepsis. Endod Dent Traumatol, 1987; 3: 58-63.
A entrada dos canais deve ser bloqueada com guta- 15. Byström A, Sundqvist G. The antibacterial action of sodium
percha de cor rósea ou ceras de uso odontológico. Esse hypochlorite and EDTA in 60 cases of endodontic therapy.
procedimento tem como objetivo evitar o entupimento Int Endod J, 1985; 18: 35-40.
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O tempo decorrido até a obturação do canal ra- 17. Civjan S, Huget EF, Wolfhard G, Waddell LS. Characteriza-
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dicular deve ser o menor possível. Vários trabalhos resin. J Dent Res, 1972; 51: 107-14.
mostram que a infiltração bacteriana em cavidades 18. Collins MD, Hoyles L, Kalfas S et al. Characterization of
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Capítulo 15
Materiais
Obturadores

José Freitas Siqueira Jr.


Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes
Edson Jorge Lima Moreira

O tratamento endodôntico deve ser considerado dodôntico, uma atenção especial deve ser dada à ob-
um processo cujas fases são igualmente importantes e, turação do sistema de canais radiculares. Nessa fase,
como tal, necessita de uma avaliação a cada etapa re- visa-se à eliminação de espaços vazios, originalmente
alizada. A prática comum de se avaliar os resultados ocupados pela polpa dental, que podem servir de ni-
imediatos do tratamento, aqueles relacionados com a chos para a proliferação de micro-organismos que re-
habilidade mecânica do profissional, apenas pela radio- sistiram ao preparo do canal (infecção persistente) ou
grafia final do caso, impossibilita a correção de fatores que em momento posterior possam ganhar acesso a
que estão diretamente associados ao “resultado” final. esses espaços (infecção secundária)93. Portanto, obturar
Como em todo processo, a avaliação criteriosa o sistema de canais radiculares é uma combinação de
fase a fase dá a oportunidade de construir o sucesso do técnica e seleção de materiais obturadores.
tratamento. Dessa forma, iniciar a instrumentação do Alguns materiais têm sido propostos para a ob-
sistema de canais radiculares sem que uma inspeção turação do sistema de canais radiculares. No entanto,
cuidadosa da cavidade de acesso seja feita é colocar em nenhum substituiu a guta-percha, que é universalmen-
risco o êxito da instrumentação, pelos motivos já es- te aceita como “padrão-ouro” para os materiais obtura-
tudados. Todavia, um clínico perspicaz que prossegue dores. Até agora, todos os materiais resinosos testados
com o preparo dos canais e detecta posteriormente um têm apresentado problemas quanto às características
obstáculo ainda presente na câmara pulpar pode, nesse de trabalho, à radiopacidade e à capacidade de permi-
momento, voltar à fase anterior e corrigir o problema. tir o retratamento endodôntico.
Por outro lado, iniciar a obturação do sistema de Nesse capítulo serão abordadas as principais ca-
canais radiculares sem o completo preparo dos canais racterísticas dos materiais empregados na obturação
do sistema de canais radiculares com base no consenso
ou ainda com o preparo imperfeito pode deixar, algu-
universal de que a obturação deve consistir em uma
mas vezes, consequências irreversíveis, uma vez que a
massa formada pela guta-percha com um mínimo de
obturação é a última etapa operacional do tratamento
cimento endodôntico, que preenche os espaços entre a
endodôntico convencional. Por exemplo, o dimensio-
guta-percha e as paredes do canal radicular.
namento impróprio do término apical pode acarretar
sobreobturação ou extravasamento de material exces-
sivo, que nem sempre se consegue reverter.
Guta-percha
Por essa razão, ainda que não se possa destacar Em 1843, José D’Almeida, residente em Cinga-
uma fase como a mais importante do tratamento en- pura, apresentou espécimes de guta-percha à Royal

613
614 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Asiatic Society, em Londres110. Alguns anos depois, e fisicamente, balata e guta-percha são essencialmen-
mais precisamente em 1867, Bowman introduziu o uso te idênticas50. Consequentemente, iremos nos referir a
dessa substância em Endodontia. Ela é um polímero do essa substância como guta‑percha.
metilbutadieno ou isopreno (1,4 poli-isopreno), sendo Em 1942, C. W. Bunn relatou que, quimicamen-
assim um isômero da borracha, porém mais dura, mais te, a guta-percha pode ser encontrada em duas formas
quebradiça e menos elástica do que esta. Enquanto a cristalinas distintas: alfa e beta. A forma alfa é a natu-
borracha natural é um cis-poli-isopreno, possuindo ralmente extraída da árvore. Entretanto, a maioria das
grupamentos CH2 do mesmo lado da ligação dupla, a guta-perchas disponíveis comercialmente se encontra
guta-percha é um transpoli-isopreno, o qual apresen- na forma beta. Ambas as formas cristalinas são trans‑
ta seus grupamentos CH2 em lados opostos da ligação poli-isoprenos, que diferem basicamente na configura-
dupla (Fig. 15-1)36,65. ção da ligação dupla e na distância molecular repetida,
Na verdade, muitos produtos disponíveis comer- a qual é de 8,8Å para a fase alfa e 4,7Å para a fase beta.
cialmente podem não apresentar guta-percha pura. A guta-percha na forma alfacristalina é quebradiça à
Alguns fabricantes admitem que têm utilizado a ba- temperatura ambiente, tornando-se, quando aquecida,
lata, extraída da árvore Manilkara bidentata, da família pegajosa, aderente e com maior escoamento. Sua tem-
das sapotáceas, a qual é abundante no Brasil, particu- peratura de fusão é de 65°C. Já a forma betacristalina
larmente na Amazônia25. A verdadeira guta-percha é é estável e flexível à temperatura ambiente. Quando
obtida a partir da coagulação do látex de árvores da aquecida, não apresenta adesividade e tem menor es-
Malásia, dos gêneros Payena ou Palaquium, também da coamento do que a forma alfa. Sua temperatura de fu-
família das sapotáceas. Tem sido relatado que, química são é de 56°C. A pureza da substância pode alterar o
ponto de fusão36 (Figs. 15-2 e 15-3).
A massa obturante é constituída principalmente
pelo núcleo sólido, formado pela guta-percha e por
uma quantidade mínima de cimento endodôntico. As
técnicas de obturação mais difundidas entre os clínicos
empregam a guta-percha sob a forma de cones. Tradi-
cionalmente, os cones de guta-percha são classificados
em dois tipos: os padronizados (calibrados) e os auxi-
liares (Fig. 15-4).
Atualmente, tendo em vista o emprego crescente
de técnicas que utilizam a guta-percha termoplastifica-
da, outros tipos de cones são encontrados, além de ou-
tras formas de apresentação para a guta-percha, como
em bastões para plastificação nas técnicas de injeção no
interior dos canais radiculares.
Os cones de guta-percha padronizados apresen-
tam diâmetros e conicidades determinados. O diâme-
tro da ponta de um cone de guta‑percha é denomina-
do D­0. É um diâmetro virtual que consiste na projeção
da conicidade do cone até a sua extremidade. Os di-
âmetros em D0, expressos em centésimos de milíme-
tros, correspondem aos números padronizados (ISO)
e variam entre 15 e 140. O diâmetro dos cones de
guta-percha aumenta de 0,05mm até o no 60; a partir
desse número, até o 140, o aumento é de 0,10mm. De
acordo com a norma ISO 6877, Dental root canal obtu‑
rating points, de 1995, a tolerância de fabricação dos
cones para o diâmetro é de ± 0,05mm até os diâmetros
0,25mm (no 25) e de ± 0,07 até os de diâmetro 1,4mm
Figura 15-1. Estrutura química da guta-percha nas formas alfa e (no 140). O comprimento mínimo é de 28mm com uma
beta. tolerância de ± 2mm.
Materiais Obturadores 615

A B C D

Figura 15-2. Formas da guta-percha desde a extração até a forma utilizável. A. Balata bruta (seiva). B. Balata purificada com tolueno e álcool.
C. Balata purificada e com óxido de zinco. D. Balata com óxido de zinco e corante, produto final. (Gentileza da Odous De Deus Ind. Com. Imp.
Exp. Ltda, Belo Horizonte, Brasil.)

A B C

Figura 15-3. Eletromicrografias de cones de guta-percha.

Figura 15-4. Diversas apresen-


tações da guta-percha na forma
de cones.
616 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Para os cones padronizados convencionais, a A Odous De Deus (Belo Horizonte, MG) fornece
conicidade é de 0,02mm/mm. Esses cones estão dis- cones auxiliares MF, F, FM, MX, M, MLX, ML, L e XL.
poníveis com diâmetro D0 entre 15 e 140 (Dentsply/ Ainda apresentam os cones FM e M padronizados em
Maillefer). São empregados como cones principais na D0, nos nos 20, 25, 30 e 35, com comprimento de 28mm.
técnica de compactação lateral. Também se encontram Fornecem também cones auxiliares FM, M e MX extra-
disponíveis cones com outras conicidades, como, por longos, com 35mm de comprimento. A Dentsply for-
exemplo, os de conicidades 0,04 e 0,06mm/mm, que nece cones auxiliares em guta-percha TP (termoplas-
são apresentados entre os nos 15 e 40 (Dentsply/Mail- tificação) nos tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, espe-
lefer). cialmente fabricados para obturação com técnicas de
Cones de guta-percha com as dimensões de ins- termoplastificação da guta-percha (Fig. 15-4).
trumentos endodônticos de sistemas mecanizados têm Os cones de guta-percha apresentam uma com-
sido concebidos com a finalidade de se adaptarem ao posição básica de guta-percha (de 19 a 20%), óxido de
espaço dos canais radiculares preparados por esses zinco (60 a 75%), radiopacificadores, como o sulfato de
instrumentos. Como exemplos, citamos os cones de bário (1,5 a 17%), e outras substâncias, como resinas,
guta-percha correspondentes às dimensões dos instru- ceras e corantes (1 a 4%). A presença do óxido de zinco
mentos ProTaper Universal (Dentsply/Maillefer), K3 confere rigidez e atividade antibacteriana aos cones de
(SybronEndo) e Mtwo (VDW) (Fig. 15-4). guta-percha50,69.
Os cones auxiliares possuem conicidades variá- Com 1mm de espessura, os cones de guta-percha
veis (não padronizadas) e pontas mais afiladas, quan- apresentam radiopacidade equivalente a 6,44mm de
do comparados aos padronizados. Eles estão disponí- alumínio.
veis em tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, ML, L e XL O escoamento dos cones de guta-percha é inver-
(Quadro 15-1). Apresentam comprimento e tolerância samente proporcional ao seu conteúdo de óxido de
de fabricação para diâmetros similares aos dos cones pa- zinco, componente que altera o ponto de fusão da gu-
dronizados. Embora sejam mais utilizados como cones ta-percha. A guta-percha apresenta um comportamen-
acessórios (secun­dários ou laterais) durante a técnica to viscoelástico, o que significa que em temperaturas
da compactação lateral, os cones auxiliares podem ser mais altas ela apresenta o comportamento viscoso ou
usados como principais em diversas situações clínicas, tal qual o de um líquido. Por outro lado, em tempera-
principalmente quando da obturação de canais curvos. turas intermediárias, encontra-se como um sólido com
as características de uma borracha, o qual exibe com-
portamentos mecânicos que são a combinação desses
Quadro 15-1 Calibre e conicidade dos cones de dois extremos.
guta-percha auxiliares O comportamento viscoelástico da guta-percha
depende tanto do tempo em que se mantém a carga so-
Tamanho D3 Conicidade bre o material, como da temperatura em que a carga é
(calibre a (mm/mm)
aplicada. Quando submetida a uma força de compac-
3mm da ponta)
tação mantida por alguns poucos segundos, o material
XF (extra-fine) 0,2 0,019 se deforma plasticamente. Quanto maior a deformação
plástica, maior o escoamento do material.
FF (fine-fine) 0,24 0,025 As vantagens e desvantagens dos cones de gu-
ta‑percha como material obturador dos canais radicu-
MF (medium-fine) 0,27 0,032 lares são:
F (fine) 0,31 0,038
Vantagens
FM (fine-medium) 0,35 0,041
• Adaptam-se facilmente às irregularidades do canal
M (medium) 0,40 0,054 quando utilizados em várias técnicas de obturação.
• São bem tolerados pelos tecidos perirradiculares.
ML (medium-large) 0,43 0,063 • São radiopacos.
• Podem ser facilmente plastificados por meios físicos
L (large) 0,49 0,082 e químicos, de acordo com variações de técnicas.
• Possuem estabilidade dimensional nas condições
XL (extra-large) 0,52 0,083
de uso.
Materiais Obturadores 617

• Não alteram a cor da coroa do dente quando usa- guta-percha, porém o tempo necessário para alcançar
dos no limite coronário adequado da obturação do desinfecção ainda não foi estabelecido35.
canal.
• Podem ser facilmente removidos do canal radicular.
 THERMAFIL
Desvantagens Muitas das modernas técnicas de obturação em-
• Têm pequena resistência mecânica à flexocompres- pregam a guta-percha termoplastificada com a finali-
são (rigidez), o que dificulta o seu uso em canais cur- dade de adaptar melhor o material às paredes do canal
vos e atresiados. e preencher de forma mais eficiente todos os espaços
• Têm pouca adesividade, o que exige a complemen- no sistema de canais radiculares, inclusive os istmos.
tação da obturação com cimentos endodônticos. Um desses métodos de obturação é o sistema Therma-
• Podem ser deslocados pela pressão, provocando so- fil (Dentsply/Maillefer). Os obturadores Thermafil são
breobturação durante os processos de compactação. constituídos de um núcleo plástico revestido com guta-
percha na fase alfa (Fig. 15-5). A guta-percha na fase
Tem sido relatado um número crescente de ca- alfa quando aquecida apresenta maior capacidade de
sos de hipersensibilidade ao látex da borracha natural, escoamento do que na fase beta. Após o aquecimento
oriundo da árvore Hevea brasiliensis20. Isso pode ser dos obturadores em um forno especial, a guta-percha se
devido em parte ao aumento do emprego de produ- torna amolecida e o obturador é introduzido no canal
tos médicos à base de borracha. Uma vez que o único preparado. O núcleo plástico do obturador permanece
método prático de se controlar os indivíduos alérgicos no canal como parte integrante da massa obturadora
ao látex é evitar a exposição ao alérgeno, tem sido re- (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares).
comendado que os ambientes médico e odontológico O núcleo dos obturadores é de plástico biocompa-
abandonem os produtos que contenham o látex da He‑ tível e radiográfico. Apresentam-se em comprimento de
vea brasiliensis. 25mm com conicidade de 0,04mm/mm, e o diâmetro D0
Foi estudada a possibilidade de reação cruzada varia de 45 a 100 para os dentes anteriores e de 20 a 40
entre a guta-percha, a guta-balata e o látex da borra- para os dentes posteriores. Da mesma forma que os co-
cha natural20. Verificou-se que o uso da guta-percha em nes de guta-percha, foram lançados no mercado os obtu-
pacientes sensibilizados ao látex representa um risco radores com conicidade variável (ProTaper Obturação,
mínimo de indução de sintomas alérgicos. Quanto à Dentsply/Maillefer), que também foram concebidos
guta-balata, os fabricantes de guta-percha devem ser com a finalidade de se adaptarem ao espaço do sistema
encorajados a abandonar o seu uso na composição dos de canais radiculares preparado pelos instrumentos de
cones, tendo em vista que a guta-balata na forma bru- NiTi do sistema de mesmo nome. Embora apresentem
ta pode fazer a reação cruzada com o látex da Hevea conicidade variável, são padronizados no diâmetro D0
brasiliensis, o que representa risco de induzir resposta com os nos 20, 25, 30, 40 e 50, correspondendo aos instru-
alérgica em pacientes sensibilizados. mentos F1, F2, F3, F4 e F5, respectivamente.
Os cones de guta-percha devem ser conservados
em local fresco e protegidos da luz, o que possibilitará
sua longevidade. Caso contrário, ficarão quebradiços
e não deverão ser utilizados na obturação dos canais
radiculares. Esse estado quebradiço corresponde ao
fenômeno conhecido como fendilhamento, que é a for-
mação de pequenas trincas e que antecede à fratura do
polímero18.
A desinfecção dos cones de guta-percha antes do
uso pode ser feita pela imersão do cone em hipoclo-
rito de sódio na concentração de 2,5% até 5,25% por
um minuto86,89,94, tomando-se o cuidado de lavá-lo em
seguida em solução salina estéril.
Foi sugerida ainda a desinfecção por meio da clo-
rexidina a 2%, por não apresentar essa substância o po-
tencial para alterar a estrutura superficial dos cones de Figura 15-5. Obturadores do sistema Thermafil.
618 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Resilon peito às características de manipulação e de trabalho,


e nos casos de retratamento pode ser amolecido pelo
Resilon (RealSeal; SybronEndo) é um material
calor ou com o uso de solventes, como o clorofórmio.
obturador à base de polímero sintético termoplásti-
Do mesmo modo que a guta-percha, apresenta-se sob
co (Fig. 15-6). Baseado nos polímeros do poliéster, o
a forma de cones principais em todos os diâmetros
Resilon contém carga radiopaca e partículas de vidro
ISO e também como cones auxiliares em diversos ta-
bioativo. É semelhante à guta-percha no que diz res-
manhos. Além disso, também está disponível sob a
forma de bastões para o emprego das técnicas de in-
jeção do material termoplastificado. O cimento reco-
mendado para o Resilon é o Epiphany (Pentron Cli-
nical Technologies), que é um cimento de compósito
resinoso de cura dual88.
O sistema consiste de três partes: Resilon, o material
obturador à base de polímero sintético (poliéster), como
componente principal; Epiphany, um cimento resinoso
ativado quimicamente e por luz halógena, que se pro-
põe a formar uma ligação entre a dentina e o material
obturador; e o primer, que prepara as paredes dentiná-
rias para o contato com o Resilon e o cimento88.
Um estudo clínico retrospectivo comparou os re-
sultados do tratamento endodôntico usando na obtura-
ção dos canais guta-percha + cimento Kerr Pulp Canal
A Sealer ou Resilon + cimento Epiphany21. Os resultados
não mostraram diferenças estatisticamente significan-
tes entre as duas combinações de materiais obturado-
res quanto ao status dos tecidos perirradiculares verifi-
cado na prosservação.
O escoamento do Resilon, assim como o da guta-
percha, depende da sua viscoelasticidade e não das
propriedades mecânicas dos sistemas de aplicação de
ambos53. O Resilon se mostrou capaz de penetrar em
canais laterais simulados quando empregada a técnica
de injeção do material plastificado53,54.
No entanto, do ponto de vista do selamento
promovido, Baumgartner et al.9 compararam a infil-
B
tração de Enterococcus faecalis em canais radiculares
de pré-molares humanos extraídos obturados com
guta-percha + AH Plus e Resilon + Epiphany pela
técnica da onda contínua de compactação. Os auto-
res concluíram que aparentemente não existe vanta-
gem em se substituir a guta-percha/AH Plus pelo
Resilon/Epiphany.
Raina et al.82 compararam a infiltração apical em
canais obturados com guta-percha + AH Plus e Resi-
lon + Epiphany pela técnica da compactação vertical.
O modelo de filtração de fluidos foi utilizado. Após 7
dias da obturação, as medidas do fluxo de fluido foram
obtidas. Os resultados não evidenciaram diferença es-
C
tatisticamente significativa entre os dois grupos de ma-
Figura 15-6. Sistema RealSeal (Resilon & Epiphany). A. Apresenta- teriais testados. Além disso, em nenhum dos grupos
ção comercial. B e C. Eletromicrografias da ponta dos cones. foi observada a formação do monobloco.
Materiais Obturadores 619

Cimentos endodônticos um composto quelato cristalino, denominado eugeno-


lato de zinco.
A guta-percha é considerada um material imper-
O endurecimento ou presa do cimento se dá por
meável, mas ela não se adere às paredes dentinárias.
reação ácido‑base, onde o óxido de zinco age como
Por essa razão, torna-se imperioso o emprego do ci-
base e o eugenol como ácido, formando um sal quelato
mento juntamente com a guta-percha para a obturação de eugenolato de zinco e água. A água é essencial e
do sistema de canais radiculares. funciona como um acelerador da reação de presa. O
Embora a guta-percha deva ser em volume o prin- controle da quantidade de água no líquido é por isso
cipal constituinte da massa obturadora, cimentos en- um problema bastante crítico para o fabricante. Após a
dodônticos são usualmente empregados para reduzir a presa do material, 5% da quantidade original de euge-
interface existente entre a guta-percha e as paredes do nol permanecem livres68.
canal. Além disso, quando do emprego da técnica de O eugenol possui atividade antibacteriana, efei-
compactação lateral, o cimento também atua reduzin- to anestésico e anti-inflamatório. Ele é bactericida em
do a interface entre os cones de guta-percha, tornando concentrações relativamente altas (10–2 a 10–3 mol/L).
a obturação mais homogênea. A dentina adjacente ao cimento de OZE pode ser
O cimento endodôntico ideal deveria apresentar exposta a níveis bactericidas de eugenol. Além do
as seguintes propriedades: eugenol, íons Zn2+ também podem estar envolvidos
na inibição do crescimento bacteriano, uma vez que
• Ser de fácil inserção e remoção no canal radicular. em concentrações elevadas esses íons são inibidores
• Ter bom tempo de trabalho. enzimáticos e interferem no metabolismo bacteria-
• Promover o selamento tridimensional do sistema de no. Meryon e Jakeman67 demonstraram que o cimen-
canais radiculares. to de óxido de zinco e eugenol após 14 dias libera
• Apresentar estabilidade dimensional nas condições 26,88ppm de zinco (a concentração plasmática nor-
de uso. mal é de 1ppm), e que essa quantidade apresentou
• Ter bom escoamento. grande efeito citotóxico.
• Ser radiopaco. O eugenol também apresenta citotoxicidade. Cé-
• Não manchar a estrutura dentária. lulas eucarióticas podem morrer após uma breve ex-
• Apresentar adesividade às paredes do canal. posição a uma concentração de eugenol de 10–2 mol/L.
• Apresentar força coesiva. Mesmo menores concentrações podem inibir a respi-
• Ser insolúvel nos fluidos teciduais e na saliva. ração e a divisão celular. O efeito sobre a respiração
• Ser solúvel ou reabsorvível nos tecidos perirradi- pode se dar pela inativação da fosforilação oxidativa
culares. ao nível de mitocôndrias64. Essa substância tem alta
• Ser impermeável no canal. afinidade pela membrana citoplasmática, graças à sua
• Apresentar biocompatibilidade. solubilidade em lipídios, o que pode colaborar para o
• Ter atividade antimicrobiana. dano celular.
Em baixa concentração, o eugenol inibe a ativi-
Encontram-se disponíveis no mercado diversos dade nervosa de forma reversível, da mesma forma
tipos de cimento endodôntico. São classificados em que os anestésicos. Entretanto, a exposição a uma alta
cimentos à base de óxido de zinco-eugenol (OZE); ci- concentração bloqueia a condução nervosa irreversi-
mentos contendo hidróxido de cálcio; cimentos resino- velmente, indicando um efeito neurotóxico. A redução
sos; cimentos de ionômero de vidro e cimentos à base na atividade nervosa também pode ajudar a explicar
de silicone. os efeitos anti-inflamatórios do eugenol, uma vez que
a liberação de neuropeptídeos, envolvidos em vasodi-
latação e aumento da permeabilidade vascular, é redu-
Cimentos à base de óxido de zinco-eugenol zida ou inibida. Além disso, essa substância, em baixa
A reação da mistura do pó ao líquido é essencial- concentração, inibe a ação da cicloxigenase, enzima
mente uma reação de interação ácido-base, com o eu- envolvida na síntese de prostaglandinas43; inibe a qui-
genol cedendo hidrogênio para a estrutura do óxido miotaxia para neutrófilos e a geração de radicais oxige-
de zinco. A reação é complexa e não está bem definida, nados por meio dessas células. Essas propriedades do
mas admite-se, porém, que o zinco desloca os íons de eugenol podem modular a resposta tecidual à injúria,
hidrogênio de duas moléculas do eugenol para formar reduzindo a intensidade do processo inflamatório.
620 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Por outro lado, em elevadas concentrações, o eu- Outro plastificante é o Abitol, que é mistura de
genol pode induzir vasodilatação e aumento do fluxo álcool tetra, di e de-hidroabetílico. Existem inúmeros
sanguíneo, o que pode ser deletério para uma polpa já plastificantes disponíveis no mercado; para qualquer
lesada, acarretando necrose tecidual. modificação na formulação do pó ou do líquido são ne-
Depreende-se, então, que altas doses de eugenol cessários os ensaios laboratoriais para que o produto
inibem o crescimento e a respiração celular, podendo resultante se enquadre nas especificações da ADA.
levar à morte, promovem alterações vasculares, como Tetraborato de sódio. Retarda o tempo de endureci-
vasodilatação, e são neurotóxicas. Tais propriedades mento do cimento. Dependendo do tipo de derivado da
são consideradas indesejáveis. Contrariamente, baixas colofônia e a presença ou não de óleos vegetais na com-
concentrações dessa substância apresentam proprieda- posição do produto, pode ser excluído da formulação.
des farmacológicas desejáveis, como ações anti-infla- Breu (colofônia) e derivados do breu. O principal ingre-
matória e analgésica64. diente ativo do breu é o ácido abiético (C19H29COOH).
No caso da obturação do canal com cimento à base A adição desse confere maior adesividade ao cimento
de OZE, uma pequena quantidade pode contatar os te- e concomitantemente diminui a sua solubilidade. Exis-
cidos perirradiculares ao nível do forame apical. Essa tem vários tipos de colofônia e derivados da mesma.
quantidade pode conter uma concentração de eugenol Quanto mais ácido o pH, mais rápido será o tempo de
suficientemente tóxica, tanto para as bactérias quan- endurecimento do cimento. Cimentos contendo resi-
to para as células do hospedeiro. Ao redor dessa área nas de colofônia esterificadas ou hidrogenadas têm o
de morte celular, os tecidos perirradiculares contatam tempo de endurecimento aumentado quando compa-
uma menor dosagem de eugenol, a qual pode exercer rado com aqueles que contêm resinas não modificadas
efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. O extravasa- quimicamente.
mento de uma grande quantidade de cimento para os Óleo de amêndoas doces. Retarda o tempo de endu-
tecidos perirradiculares permite uma maior difusão de recimento do cimento. Cimentos contendo no pó o te-
eugenol, o qual tende a exercer suas propriedades de- traborato de sódio anidro não requerem o óleo adicio-
letérias, podendo interferir negativamente no processo nado no eugenol. São necessários ensaios laboratoriais
de reparo tecidual. para se adequar o tempo de endurecimento. Pode ser
substituído por outros óleos vegetais desde que não se-
Efeito das matérias-primas nas propriedades do jam tóxicos. Adicionando o óleo de soja no eugenol, o
cimento endodôntico à base de OZE cimento apresenta tempo de endurecimento diminuído
devido à maior acidez da mistura quando comparado
Matérias-primas com o óleo de amêndoas doces.
Óxido de zinco. É a base para a reação iônica com Além disso, é importante ressaltar que as proprie-
o eugenol. A sua substituição por outros óxidos (MgO dades físico-químicas e biológicas dos cimentos à base
ou BaO) forma cimentos bastante solúveis em água, o de OZE dependem fortemente do tamanho de partícu-
que não é o desejado. Substituindo o óxido de zinco la do pó, da pureza das matérias-primas, das condições
por CdO ou HgO, produzem-se cimentos com proprie- do ambiente clínico (temperatura e umidade relativa
dades biológicas indesejáveis (muito tóxicos – o CdO do ar) e do tempo e modo de espatulação. Aumentan-
possui propriedades carcinogênicas). do-se a temperatura ou a umidade relativa do ar no
Eugenol. É a base para a reação iônica com o óxido ambiente da espatulação, o cimento tem seu tempo de
de zinco. endurecimento diminuído.
Sulfato de bário. Confere radiopacidade ao cimen- De igual importância são as condições do sistema
to. Pode ser substituído por subcarbonato de bismuto, de canais radiculares (umidade) e os fundamentos da
sulfeto de zinco ou tungstato de cálcio. técnica de obturação (aplicação ou não de calor). Quan-
Subcarbonato de bismuto. Plastificante que também do o canal apresenta umidade, o cimento nele inserido
confere radiopacidade ao cimento. Como plastificante, tem seu tempo de endurecimento e sua capacidade de
pode ser substituído por: N-etil orto e paratoluenos- escoamento diminuídos. Efeito semelhante é observa-
sulfonamida (Santicizer tipo 8 especial – Monsanto); do quando do aumento da temperatura nas técnicas
sendo líquido, deve ser acrescentado ao componente que empregam a guta-percha termoplastificada.
líquido do cimento (caso a composição do líquido seja Silva et al.90 realizaram um estudo para determi-
eugenol e óleo vegetal, deve ser feita uma compensa- nar a influência de cada componente do cimento de
ção percentual nele). Grossman sobre estabilidade dimensional, solubili-
Materiais Obturadores 621

dade/desintegração e radiopacidade. De acordo com no que tange à obturação do sistema de canais radi-
esse estudo, a resina natural (breu) confere acentuada culares.
expansão, o tetraborato de sódio anidro aumenta sig-
nificativamente a solubilidade e desintegração, a resi-
Cimento de Grossman
na natural diminui a solubilidade do cimento de óxido
de zinco, e o subcarbonato de bismuto é um excelente Pó: Óxido de zinco, resina hidrogenada, colofô-
agente radiopaco. nia, subcarbonato de bismuto, sulfato de bário, borato
Universalmente, os cimentos à base de óxido de de sódio (anidro).
zinco‑eugenol têm sido os mais usados pelos profissio- Líquido: Eugenol.
nais para a obturação dos canais radiculares. A seguir, Nos EUA, o cimento de Grossman é comerciali-
apresentam-se os cimentos à base de óxido de zinco- zado sob o nome de Procosol. No Brasil, temos apre-
eugenol mais comumente utilizados. sentações com os nomes Endofill (Dentsply, Maillefer),
Intrafill (SSWhite), Pulp Fill (Biodinâmica) e Fill Canal
Cimento de óxido de zinco-eugenol (OZE) (Technew).
Estudos têm demonstrado que o cimento de Gros-
O cimento de OZE em sua forma mais pura (óxido
sman possui propriedades físico-químicas satisfatórias.
de zinco no pó e eugenol no líquido) é comercializado
Elas incluem: boa capacidade seladora, baixa permea-
por vários laboratórios e encontra inúmeras aplicações
bilidade, estabilidade dimensional, adesividade ade-
em Odontologia, sendo preferido por alguns poucos
quada, baixa solubilidade e baixa desintegração11,39,40.
profissionais para a obturação do sistema de canais
A adesividade é ditada pela presença da resina hidro-
radiculares. Seu tempo de trabalho é de aproximada-
genada, a plasticidade pelo subcarbonato de bismuto,
mente 3 horas, e o de endurecimento é de 20 horas. A
a radiopacidade pelo sulfato de bário, e o borato de só-
radiopacidade de 1mm desse cimento é corresponden-
dio retarda o tempo de endurecimento do material.
te a 4-5mm de alumínio.
Grossman40 recomenda que o cimento seja prepa-
Quando comparado a outros cimentos, o cimento
rado da seguinte forma:
de OZE sem aditivos apresenta uma baixa capacidade
de adesão40 e baixo escoamento136.
• deve-se sentir uma leve resistência quando da espa-
Além de alterar as propriedades físico-quími-
tulação, no momento em que se aproxima da correta
cas do cimento, variações na proporção pó/líquido
consistência;
também exercem influência sobre a propriedade de
• levantando-se o cimento com o auxílio da espátula,
biocompatibilidade. Holland et al.48 observaram que
ele não deverá cair antes de 16 segundos;
misturas fluidas acarretam uma resposta inflamatória
• colocando-se a espátula sobre o cimento preparado,
tecidual mais intensa do que aquela produzida por
ao se levantar, o cimento deverá formar um fio de
misturas mais espessas (Fig. 15-7).
cerca de 2,5mm antes de se romper.
Suas deficiências fizeram com que esse cimento
fosse preterido pela grande maioria dos profissionais
O tempo de trabalho do cimento de Grossman in
vitro é de 24 horas e o de endurecimento é de 40 ho-
ras. Pequenas variações podem advir em decorrência
de algumas modificações na formulação do cimento,
dependendo do produto comercial.
Inúmeros estudos avaliaram a biocompatibilida-
de desse produto. Barbosa et al.7 relataram que o Fill
Canal (cimento de Grossman) apresentou toxicidade
superior àquela verificada para os cimentos N-Rickert
e Sealer 26. Brodin et al.16 relataram que o Procosol
causou inibição completa da condução nervosa, a qual
foi, contudo, reversível. Esse cimento possui ativida-
de antibacteriana pronunciada, graças à presença do
eugenol3,97.
Figura 15-7. Inflamação perirradicular associada à obturação do Vassiliadis et al.126 avaliaram a penetração do ci-
canal com cimento OZE. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.) mento de Grossman em túbulos dentinários por meio
622 Capítulo 15  Materiais Obturadores

de microscopia eletrônica. A smear layer, não removi- zinco-eugenol. Possui um tempo de presa de apro-
da antes da obturação, não impediu a penetração do ximadamente 115 minutos, o que favorece seu em-
cimento nos túbulos dentinários. Diferentes profundi- prego na obturação de canais de dentes multirradi-
dades de penetração do cimento foram observadas, as culares.
quais poderiam ser decorrentes de diferenças na mis- Ørstavik e Mjor74 avaliaram a biocompatibilidade
tura e na consistência do cimento, assim como na força do Endométhasone em tecido conjuntivo subcutâneo
empregada na compactação lateral. O selamento apical de ratos após os períodos de 14 e 90 dias. Foi verificado
promovido pelo cimento de Grossman é satisfatório96. que esse cimento apresentou efeitos tóxicos sobre os te-
cidos similares aos de outros cimentos à base de óxido
Pulp Canal Sealer (cimento de Rickert) de zinco-eugenol testados (Procosol, Kerr Pulp Canal
Sealer e N2), os quais foram pronunciados.
O Pulp Canal Sealer (ou Kerr Pulp Canal Sealer, Sy-
Avaliando os efeitos de cimentos endodônticos
bronEndo, EUA), apresenta a seguinte formulação:
sobre células imunocompetentes in vitro e in vivo, Bra-
Pó: Óxido de zinco, prata precipitada, subcarbo-
tel et al.15 relataram que o Endométhasone e o AH 26
nato de bismuto, sulfato de bário.
inibiram a proliferação de linfócitos T. Isso caracteriza
Líquido: Óleo de cravo, bálsamo-do-canadá.
uma ação imunossupressora. Após o endurecimento,
O cimento de Rickert foi introduzido na Endo-
esse efeito foi consideravelmente reduzido.
dontia em 1931. Esse produto possui boa estabilida-
Ørstavik73 estudou as propriedades antibacte-
de dimensional e capacidade seladora, adesão sa-
rianas de vários materiais sobre Enterococcus faecium,
tisfatória, excelente escoamento, baixa solubilidade,
Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Alguns
radiopacidade elevada e baixa desintegração7,40,95,100.
dos cimentos usados foram o AH 26, Endométhasone,
Após a preparação, o Pulp Canal Sealer apresenta um
Kerr Pulp Canal Sealer, Procosol e Tubli-Seal. Todos os
tempo de trabalho de aproximadamente 30 minutos e materiais apresentaram algum efeito antibacteriano,
de endurecimento de 1 hora. Estudos demonstraram principalmente quando recém-preparados. O Endomé-
que esse cimento apresenta atividade antibacteriana thasone, devido à presença do paraformaldeído, apre-
satisfatória73,95. sentou atividade antibacteriana pronunciada mesmo
Devido à presença de prata em sua formulação, após o endurecimento. A ação inibitória do Endomé-
é altamente recomendada uma limpeza adequada da thasone sobre bactérias foi também demonstrada por
câmara pulpar, inclusive com solventes como álcool, Pumarola et al.81.
clorofórmio, xilol ou óleo essencial de laranja (d-limo- A adição do paraformaldeído é indesejável, uma
neno), de forma a eliminar os riscos de escurecimento vez que exacerba os efeitos tóxicos do eugenol. Isso
da coroa dentária após a obturação. O Pulp Canal Sealer pode retardar os mecanismos de reparação nos tecidos
EWT (extended working time) apresenta tempos de tra- perirradiculares, em razão da coagulação e impregna-
balho e de endurecimento maiores do que o cimento ção dos tecidos por essa substância. Com o tempo, o
convencional. formaldeído é removido do tecido necrosado, o qual
pode então ser infectado ou, dependendo do supri-
Endométhasone mento sanguíneo da região, ser reparado. Causa real-
O Endométhasone (Specialités-Septodont, Fran- mente surpresa o fato de que alguns ainda acreditam
ça) possui os seguintes componentes: que o tratamento de uma ferida com uma substância
Pó: Óxido de zinco, dexametasona, acetato de hi- tóxica e coagulante tecidual possa favorecer a cura dos
drocortisona, diiodotimol, paraformaldeído, óxido de tecidos perirradiculares.
chumbo, sulfato de bário, estearato de magnésio, sub-
nitrato de bismuto. Tubli-Seal
Líquido: Eugenol. O Tubli-Seal (SybronEndo, EUA) apresenta basi-
O paraformaldeído foi adicionado com o intui- camente os seguintes elementos: óxido de zinco, sulfa-
to de melhorar os efeitos antibacterianos do cimento, to de bário, resinas oleosas, iodeto de timol, trióxido de
enquanto os corticosteroides (dexametasona e acetato bismuto, óleos e eugenol.
de hidrocortisona) visam a propiciar uma ação anti- Esse produto se apresenta sob a forma pasta/
inflamatória. pasta, base e catalisador. Deve ser preparado espa-
Suas propriedades físico-químicas são bas­tante tulando-se porções iguais até se obter uma mistura
similares às dos demais produtos à base de óxido de bem homogênea e com uma consistência que, do pon-
Materiais Obturadores 623

to de vista clínico, seja considerada ideal. Apresenta cos. Eles observaram reações inflamatórias ao AH 26 clas-
um tempo de trabalho de 30 minutos e de endureci- sificadas como graves para os períodos curtos (1 a 7 dias)
mento de 1 hora. Possui propriedades físico-químicas e leves para os períodos longos (1 a 3 anos) de avaliação.
bastante similares às dos demais materiais à base de Em relação à atividade antibacteriana, esse ma-
óxido de zinco-eugenol. terial apresenta bons resultados. Por meio do teste de
difusão em ágar, Stevens e Grossman112 estudaram os
Cimentos resinosos efeitos antibacterianos de diversos cimentos sobre uma
bactéria anaeróbia estrita, o Bacteroides fragilis. O AH
São representados pelos seguintes cimentos: AH 26, o Procosol e o OZE promoveram efeitos inibitórios
26, Sealer 26 (a ser discutido adiante, como cimento significantes. O Kerr Pulp Canal Sealer e o Tubli-Seal
contendo hidróxido de cálcio) e AH Plus. provocaram pequenos halos de inibição do crescimen-
to microbiano.
AH 26
O AH 26 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) é AH Plus
um cimento à base de resina epóxica constituído pelos
O AH Plus (Dentsply/De Trey, Konstanz, Ale-
seguintes elementos:
manha) é um cimento à base de resina do tipo epoxia-
Pó: Óxido de bismuto; pó de prata; óxido de titâ-
minas, cuja composição fornecida pelo fabricante é a
nio; hexametilenotetramina.
seguinte:
Resina: Éter de bisfenol A diglicidil.
Pasta A: Éter de bisfenol A diglicidil; tungsteanato
Também está disponível o cimento sem a prata e
de cálcio; óxido de zircônio; aerosil; óxido de ferro.
o óxido de titânio, AH 26 Silverfree.
Pasta B: Amina adamantana; n,n-dibenzil-5-oxa-
Sua radiopacidade é similar à da guta-percha, isto
nonano-diamina-1,9; tcd-diamina; tungsteanato de cál-
é, 1mm do cimento corresponde a 6,66mm de alumínio.
cio; óxido de zircônio; aerosil; óleo de silicone.
Esse produto apresenta excelentes propriedades
Apresenta-se sob a forma de pasta/pasta. A pro-
físico-químicas, tais como: boa estabilidade dimensio-
porção indicada para se preparar a mistura é de 1:1, em
nal, adesividade, radiopacidade, baixa solubilidade,
volume. O tempo de trabalho é de aproximadamente 4
boa capacidade seladora e alto escoamento2,40,55. Seu
horas a 23°C, e o tempo de endurecimento é de cerca
tempo de trabalho é de 7 horas e o de endurecimento é
de 8 horas a 37°C.
de cerca de 32 horas.
Esse cimento apresenta boa capacidade seladora
O AH 26 apresenta partículas finas, o que pode
apical e excelente comportamento histológico, permi-
ajudar a explicar seu elevado escoamento e a grande
tindo o selamento biológico pela deposição de um te-
força adesiva.
cido cementoide60. Ele possui atividade antibacteriana
Wennberg e Ørstavik130 avaliaram a propriedade
satisfatória e excelente escoamento, segundo achados
de adesão de vários cimentos endodônticos. Eles rela-
de Siqueira et al.95. Saleh et al.84 compararam a adesão
taram que o cimento que apresentou a maior força de
de vários cimentos endodônticos à dentina e à guta-
adesão foi o AH 26. Dos materiais testados, o que apre-
percha e revelaram que o AH Plus apresentou a maior
sentou a menor força adesiva foi o Sealapex.
capacidade adesiva dos materiais investigados. Ørsta-
Limkangwalmongkol et al.62, pelo método de infil-
vik et al.75 observaram que esse cimento apresentou
tração de corante, avaliaram in vitro o selamento apical
ex­pansão volumétrica de 0,4% depois de 4 semanas a
produzido por quatro cimentos endodônticos. O AH
até 0,9%. O bom selamento apical promovido por esse
26 apresentou os melhores resultados, seguido do Ape-
cimento é semelhante ao produzido pelo Sealer 26100.
xit, Tubli-Seal e Sealapex. Avaliando a infiltração coro-
nária por Fusobacterium nucleatum de canais obturados
com guta‑percha e dois cimentos, Chailertvanitkul et Epiphany (Real-Seal)
al.19 verificaram que a completa recontaminação foi ob- O cimento Epiphany (Pentron Clinical Techno-
servada, em média, em 8,4 e 8,2 semanas para o AH logies) ou Real-Seal (Sybron Endo) contém as resinas
26 e o Tubli-Seal EWT, respectivamente. Esses dados uretano dimetacrilato (UDMA), poli (etilenoglicol) di-
revelam que o AH 26 apresenta uma capacidade de se- metacrilatos (PEGDMA), bisfenol A dimetacrilato eto-
lamento apical e coronário bastante satisfatória. xilado (EBPADMA), bisfenol-A-glicidildimetacrilato
Pascon et al.78 avaliaram a biocompatibilidade do (BisGMA), designadas para uso com materiais sólidos
AH 26 e de outros cimentos, utilizando dentes de maca- à base de policaprolactona. Esse cimento ainda contém
624 Capítulo 15  Materiais Obturadores

vidro borosilicato de bário tratado com silano, sulfa- composição é a seguinte: polidimetilsiloxano, fluido
to de bário, sílica, hidróxido de cálcio, oxicloreto de de silicone, óleo à base de parafina, ácido hexacloro-
bismuto com aminas, um fotoinibidor e pigmentos. O platínico e dióxido de zircônio. O cimento é colocado
cimento Epiphany é um compósito de cura dual que por meio de um aplicador de câmara dupla, o qual já
autopolimeriza em cerca de 25 minutos. É acompanha- mistura o cimento na dosagem apropriada. O aplica-
do por um primer autocondicionante com ácido sulfô- dor possui pontas misturadoras especiais e flexíveis,
nico, hidroxietilmetacrilato (HEMA), água e iniciador de emprego único, que permitem a aplicação do ci-
de polimerização. Uma vez que o hipoclorito de sódio mento no canal. O material polimeriza por comple-
pode afetar negativamente a força de adesão do primer, to, independentemente de umidade e temperatura. O
depois da irrigação com essa substância deve-se irrigar tempo de trabalho é de 15-30 minutos e o de endure-
com EDTA e água destilada ou solução salina. Clore- cimento é de 45-50 minutos. Há poucos estudos ava-
xidina não afeta a força de adesão. Quando a obtura- liando suas propriedades. Ørstavik et al.75 relataram
ção está completa, deve-se fotopolimerizar a superfície que esse cimento expandiu até 0,2% em 4 semanas de
coronária do material por 40 segundos para promover avaliação, mas depois apresentou comportamento es-
um selamento coronário. tável.
Foram avaliados histologicamente os tecidos pe-
EndoRez rirradiculares de dentes de cães após a obturação com
O EndoRez (Ultradent, EUA) é um cimento re- os cimentos RoekoSeal e AH Plus61. Não foram encon-
sinoso hidrofílico de UDMA que apresenta bom mo- tradas diferenças estatisticamente significativas entre
lhamento das paredes do canal e escoamento para o os dois cimentos quanto ao infiltrado inflamatório, à
interior de túbulos dentinários131. A propriedade hi- espessura do ligamento periodontal e à quantidade de
drofílica melhora a capacidade seladora, mesmo se reabsorção dentinária, cementária ou óssea.
alguma umidade está presente no canal no momento Özok et al.77 testaram a capacidade de selamento
da obturação76. EndoRez é introduzido no canal com da GuttaFlow, do RoekoSeal e do AH26 em canais ra-
agulhas Navitip gauge 30 (Ultradent) e o canal é obtu- diculares de dentes humanos extraídos. Os canais ob-
rado com a técnica do cone único ou pela compactação turados com AH26 receberam a técnica da compacta-
lateral. Cones de guta-percha recobertos com Endo- ção lateral, ao passo que os canais obturados com Ro-
Rez são também disponíveis comercialmente para uso ekoSeal e GuttaFlow foram submetidos à técnica do
com o cimento, favorecendo a união química de cone- cone único modificada. O modelo de penetração de
cimento. Os cones EndoRez encontram-se disponíveis glicose foi empregado no experimento. Os resultados
em calibres conforme a padronização ISO. mostraram diferenças estatisticamente significantes,
evidenciando que a GuttaFlow apresentou os maiores
Cimentos à base de ionômero de vidro valores de infiltração em todas as semanas. No entan-
Em razão das várias propriedades benéficas que to, a comparação entre RoekoSeal e AH26 não mostrou
possui, tais como atividade antibacteriana, efeito ca- diferença significativa.
riostático, adesão química à estrutura dentária e bio-
compatibilidade, os cimentos de ionômero de vidro GuttaFlow
têm sido amplamente utilizados em Odontologia como Em 2004, a Coltène/Whaledent Inc (EUA) intro-
material forrador de cavidades, restaurador, selante
duziu um material obturador que a frio apresenta bom
de cicatrículas e fissuras e na cimentação de próteses
escoamento e capacidade de autopolimerização. Esse
fixas32,33,66,72,113,132. Devido a tais propriedades, seu uso
material consiste na combinação da guta-percha com
como cimento endodôntico foi preconizado. O Ketac-
um cimento endodôntico em cápsulas que se acoplam
Endo (3M-ESPE, Alemanha) é o representante mais
a um sistema que permite a injeção direta do material
estudado desse grupo de cimentos. Atualmente, pare-
no interior do canal radicular. GuttaFlow contém gu-
ce não haver qualquer cimento endodôntico à base de
ta-percha finamente moída em partículas com menos
ionômero de vidro disponível comercialmente.
de 30µm de diâmetro combinada com um cimento à
base de polidimetilsiloxano (Fig. 15-8). Também con-
Cimentos à base de silicone tém óleo de silicone, óleo de parafina, agente catalíti-
O RoekoSeal Automix (Dental Products, Lange- co de platina, dióxido de zircônio, nanopartículas de
nau, Alemanha) é um ci­mento à base de silicone. Sua prata (conservante) e corante. Não contém eugenol.
Materiais Obturadores 625

Figura 15-8. Sistema Gut-


taFlow. (Gentileza da Coltè-
ne/Whaledent Inc.)

Esse material deve ser triturado em sua cânula e inje- visando a contornar tais deficiências. Todavia, o ideal
tado no canal para uso com um ou mais cones de guta- seria melhorar as propriedades físico-químicas dessa
percha. O fabricante relata que o material pode escoar substância sem contudo interferir em suas proprieda-
para os canais laterais e preencher completamente os des biológicas. Os materiais desse grupo, comumente
espaços entre o cone de guta-percha e as paredes do pesquisados e conhecidos, são Sealapex, CRCS, Sealer
canal radicular. Além disso, como a técnica não envol- 26 e Apexit.
ve a aplicação de calor, não é esperada a contração do
material após o endurecimento. Ao contrário, afirma o Sealapex
fabricante que o material sofre expansão de 0,2% após
O cimento Sealapex (SybronEndo/Kerr, EUA) foi
o endurecimento.
um dos primeiros cimentos endodônticos à base de hi-
Uma vez que GuttaFlow é um novo material, exis-
dróxido de cálcio a ser comercializado. Ele se apresenta
tem relativamente poucos estudos que avaliam as suas
na forma pasta/pasta, contendo as seguintes substân-
propriedades. Embora GuttaFlow seja uma modifica-
cias em sua formulação:
ção do cimento RoekoSeal, os resultados dos estudos
Base: Óxido de cálcio; óxido de zinco; composto à
podem não ser os mesmos já encontrados, tendo em
base de sulfonamida; sílica.
vista as diferentes composições dos dois materiais.
Catalisador: Sulfato de bário; resina polimetileno
Mesmo apresentando um escoamento melhor do
metilsalicilato; dióxido de titânio; sílica; salicilato de
que a guta-percha na porção apical, foi recomendada a
isobutila; pigmentos.
aplicação de uma barreira de MTA para uso quando do
Partes iguais da base e do catalisador devem ser
emprego da técnica de compactação vertical aquecida
dispensadas sobre uma placa de vidro e manipula-
com GuttaFlow, para que não ocorra a extrusão apical
das com uma espátula até que se obtenha uma mas-
do material26,134.
sa homogênea. Recentemente, o fabricante lançou o
Sealapex Xpress, com o cimento disponível em serin-
Cimentos contendo hidróxido de cálcio ga automix. Seu tempo de presa pode ser de no mí-
Devido aos vários efeitos biológicos benéficos nimo 2 horas a 23°C. No canal radicular, a 37°C, com
atribuídos ao hidróxido de cálcio, seu emprego na umidade relativa de 100%, a presa pode se dar em 1
obturação definitiva do sistema de canais radiculares hora, segundo as informações do fabricante. Clinica-
passou a ser preconizado. Contudo, um material para mente, tem sido observado que resíduos de umidade
ser usado com essa finalidade deve obedecer a certos no canal aceleram significativamente o endurecimen-
requisitos físico‑químicos e não apenas aos biológi- to do material, reforçando a necessidade imperiosa de
cos. Nesse sentido, o hidróxido de cálcio apresenta se secar bem o canal antes de qualquer procedimento
alguns inconvenientes, uma vez que não é radiopaco, obturador.
tem pouco escoamento, não tem boa viscosidade, é O óxido de cálcio reage com a água e forma o hi-
permeável e é solubilizado com o tempo. Daí a neces- dróxido de cálcio. A reação de presa do Sealapex ocor-
sidade de associá-lo a veículos e outras substâncias, re por meio da ação quelante do componente salicilato
626 Capítulo 15  Materiais Obturadores

(no catalisador) sobre o óxido de cálcio/hidróxido de nal radicular o Sealer 26 endurece em aproximadamen-
cálcio (na base), em uma base aquo­sa, formando sali- te 12 horas. Para que o cimento adquira maior fluidez,
cilato de cálcio. As outras substâncias associadas à for- facilitando sua inserção no canal radicular, pode‑se
mulação são responsáveis por radiopacidade, viscosi- espalhá-lo na placa de vidro e aquecê-lo levemente a
dade, fluidez, adesividade e escoamento da pasta. uma distância de 10 a 15cm de uma chama. Evidente-
mente, o aquecimento excessivo deve ser evitado.
CRCS O endurecimento se deve à reação entre a resina e
O CRCS (Calciobiotic Root Canal Sealer), fabri- a hexametilenotetramina, o agente ativador. É interes-
cado pela Coltène/Whaledent Hygenic, apresenta-se sante notar que o hidróxido de cálcio não participa da
na forma de pó (acondicionado em unidades con­tendo reação de presa do material.
0,4g em cada) e líquido, sendo que seus componentes
básicos são: Apexit
Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de zinco; resina hi- O Apexit (Ivoclar/Vivadent, EUA) apresenta-se
drogenada; sulfato de bário; subcarbonato de bismuto. no sistema pasta/pasta e o princípio de presa é similar
Líquido: Eugenol; eucaliptol. ao do Sealapex, isto é, por meio da formação do que-
Esse material deve ser espatulado sobre uma pla- lato salicilato de cálcio. Sua composição básica é a se-
ca de vidro, à temperatura ambiente, na proporção de guinte:
duas a três gotas de líquido para cada dose de pó. A Base: Hidróxido de cálcio; colofônia hidrogenada;
consistência desejada é densa e cremosa. A presa sobre dióxido de silício; óxido de cálcio; óxido de zinco; fos-
a placa de vidro, em tempe­ratura ambiente, se dá em fato tricálcico; polimetilsiloxano; estearato de zinco.
cerca de 2 horas, enquanto no canal geralmente ocorre Catalisador: Salicilato de trimetil-hexanodiol; car-
em 20 minutos. Calor e umidade aceleram a presa do bonato de bismuto; óxido de bismuto; dióxido de silí-
material, que ocorre após a reação do eugenol com o cio; salicilato de 1-3 butanodiol; colofônia hidrogenada;
óxido de zinco, formando eugenolato de zinco, e, pos- fosfato tricálcico; estearato de zinco.
sivelmente, com o hidróxido de cálcio, formando eu- O material deve ser espatulado empregando-se
genolato de cálcio. A presença do eucaliptol no líquido volumes iguais de base e de catalisador, por 10 a 20
visa a reduzir o excesso de eugenol livre após a reação segundos, até que se obtenha uma massa homogênea.
de presa e permitir uma união química com a guta-per- O endurecimento no interior de um canal radicular de-
cha, uma vez que o eucaliptol é solvente desta. vidamente seco ocorre entre 10 e 30 horas. A presença
de umidade acelera a presa.
Sealer 26
O Sealer 26 (Dentsply, Brasil) possui composição si- Acroseal
milar à do AH 26, cimento à base de resina epóxica, utili- O Acroseal (Septodont, França), cimento conten-
zado por muitos anos em Endodontia. A diferença básica do hidróxido de cálcio e recentemente lançado no co-
entre os dois cimentos é que o Sealer 26 possui hidróxido mércio na forma pasta/pasta, é um cimento resinoso
de cálcio em sua composição e não prata. Sua apresenta- que contém hexametilenotetramina e éter de bisfenol
ção é na forma de pó e resina, essa última acondicionada A diglicidil, componente epóxico também presente no
em uma bisnaga. A composição básica é a seguinte: AH26 e Sealer 26. Assim como esses últimos, também
Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de bismuto; hexa- libera formaldeído durante o endurecimento27,28. O fa-
metilenotetramina; dióxido de titânio. bricante anuncia a incorporação de enoxolona (ácido
Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. glicirretínico) na composição, com o intuito de exercer
O material deve ser espatulado sobre uma placa efeitos antisséptico e anti-inflamatório. O tempo de en-
de vidro, agregando-se o pó gradativamente à resina, durecimento varia entre 16 e 24 horas.
até que se obtenha uma mistura lisa e homogênea que,
quando levantada com o auxílio de uma espátula, se par-
te a uma altura de 1,5 a 2,5cm acima da placa de vidro. A  OUTROS MATERIAIS EMPREGADOS NA
proporção ideal é de aproximadamente duas a três partes OBTURAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES
de pó para uma de resina, por volume. Quanto maior a
proporção de pó, maior a radiopacidade do produto.
Pasta L&C
A presa do material se dá em cerca de 48 a 60 horas A pasta L&C (Dentsply, Brasil) apresenta a se-
em temperatura ambiente, enquanto no interior do ca- guinte composição:
Materiais Obturadores 627

Pó: Hidróxido de cálcio (65,6%); carbonato de bis- de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C) apresentou
muto (32,8%); colofônia (1,6%). melhor reparo na região de fundo de alvéolo.
Veículo: Óleo de oliva purificado. Bittencourt et al.13, por meio de resultados histo-
Graças à sua composição, a pasta apresenta boa lógicos, evidenciaram a viabilidade do uso de pastas
radiopacidade, fluidez, adesividade e escoamento, o de hidróxido de cálcio – com veículos hidrossolúveis e
que permite sua fácil introdução no canal radicular. oleosos (pasta L&C) – para o recobrimento pulpar, per-
O veículo oleoso lhe confere pouca solubilidade, com mitindo a manutenção da polpa em plenas condições
liberação lenta e contínua de hidróxido de cálcio do funcionais, apta ao reparo, inclusive com a formação
interior das micelas formadas. Possui bom comporta- de barreira de tecido duro, na maioria dos casos.
mento biológico. É indicada para fechamento de perfu-
rações radiculares, obturação nos casos de rizogênese Sulfato de cálcio
incompleta e na técnica do tampão apical63. Esse mate-
O sulfato de cálcio (Class Implant & R.L., Roma,
rial deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e
Itália), comercialmente denominado Surgiplaster, apre-
espátula estéreis, agregando-se o pó ao veículo, até se
senta a seguinte composição:
obter uma massa pastosa, homogênea, e com consis-
Pó: sulfato de cálcio hemi-hidratado.
tência de trabalho (massa de vidraceiro). É levada ao
Líquido regular: solução aquosa de cloreto de sódio
interior do canal com espirais de Lentulo.
a 0,9%.
Avaliações clínicas e radiográficas de tratamentos
Líquido endurecedor: solução aquosa de sulfato de
endodônticos de dentes com canais radiculares obtura-
potássio a 4%.
dos com pasta L&C como cimento obturador ou como
É utilizado na forma de pasta obtida a partir do pó,
tampão apical têm revelado resultados positivos6,12,63. tendo como veículo o líquido regulador. O líquido en-
Do ponto de vista biológico, Soares et al.104, em durecedor é para acelerar o endurecimento da pasta.
tratamento de dentes com rizogênese incompleta, ob- Após a aplicação da pasta de sulfato de cálcio,
servou a formação de uma barreira de tecido minera- nos casos em que se deseja um endurecimento rápido,
lizado. pincela-se a sua superfície com a solução de sulfato de
Sonada e Okamoto107, avaliando a influência da potássio.
pasta de hidróxido de cálcio com um veículo oleoso ou É indicado para funcionar como uma barreira, evi-
aquoso como curativo de canal em reimplante dental tando o extravasamento do material utilizado como ob-
imediato em ratos, concluíram que: turador nas perfurações, reabsorções interna e externa,
em dentes com rizogênese incompleta e como tampão
• a falta de obturação do canal radicular no grupo- apical. É facilmente reabsorvido e possui bom compor-
controle resultou em maior incidência de reabsorção tamento biológico79,108. Esse material deve ser espatulado
radicular e neoformação óssea menos pronunciada utilizando-se placa de vidro e espátulas estéreis, agre-
na região de fundo de alvéolo; gando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pasto-
• o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e sa, homogênea e com consistência de trabalho (massa de
veículo oleoso (pasta L&C) apresentou neoformação vidraceiro). É levado ao sítio com espátulas e calcadores
óssea mais pronunciada na região de fundo de al- para cimento ou com espirais de Lentulo.
véolo do que o grupo tratado com veículo aquoso;
• o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e Agregado de trióxido mineral
veículo oleoso (pasta L&C) apresentou menor inci- O agregado de trióxido mineral (MTA) é um pó
dência de reabsorção radicular que o grupo tratado cinza ou branco composto de trióxidos combinados
com pasta de hidróxido de cálcio e veículo aquoso. com outras partículas minerais hidrofílicas e que se
cristaliza na presença de umidade. Seus principais
Em outro estudo semelhante, porém com reim- componentes são o silicato tricálcio, silicato dicálcio,
plante dental mediato (após 60 minutos), Sonada106 aluminato tricálcio, ferroaluminato tetracálcio, sulfa-
concluiu que, no grupo em que foi utilizada pasta de to de cálcio diidratado (gesso) e o óxido de bismuto,
hidróxido de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C), como radiopacificador. Pode ainda conter até 0,6% de
áreas de reabsorção radicular foram encontradas no resíduos insolúveis livres, como a sílica cristalina, e
período de 10 dias; mantiveram-se constantes no perío- outros componentes, como óxido de cálcio, óxido de
do de 60 dias; o grupo que recebeu pasta de hidróxido magnésio e sulfatos de sódio e de potássio.
628 Capítulo 15  Materiais Obturadores

O agregado de trióxido mineral está disponível no Além de estimular a neoformação dentinária,


mercado odontológico com as denominações ProRoot- o MTA apresenta atividade antibacteriana satisfató-
MTA (Dentsply, Tulsa Dental, EUA) e MTA – Angelus ria119, promove um selamento adequado, prevenindo
(Ângelus Odonto, Logika Ind. de Prod. Odontológica a microinfiltração116,122,124, é biocompatível120 e não tem
Ltda., Londrina, PR). O MTA é um material cuja com- potencial carcinogênico56.
posição química é similar à do cimento Portland (ci- A atividade indutora de calcificação do MTA,
mento empregado em construções) agregado a outras provavelmente, se deve à capacidade que esse material
substâncias30,133. tem para atrair os cementoblastos e produzir uma ma-
O ProRoot-MTA é composto aproximadamente triz para a formação de cemento, o que seria determi-
de 75% de cimento Portland, 20% de óxido de bismuto nado pela sua propriedade seladora, seu elevado pH
(radiopacificador) e 5% de gesso. A embalagem pode ou pela liberação de substâncias que ativariam os ce-
conter um ou dois envelopes de 1g do produto, além mentoblastos a formarem uma matriz para a formação
de uma seringa aplicadora e três pequenas bisnagas de uma barreira de tecido duro117,121.
contendo água destilada. É produzido na coloração Outra teoria é que o MTA teria uma ação seme-
cinza e branco. lhante à do hidróxido de cálcio. O óxido de cálcio do
O MTA-Angelus é composto de 80% de cimento pó do MTA, ao se realizar a preparação da pasta com
Portland e 20% de óxido de bismuto. Não possui em água, seria convertido em hidróxido de cálcio. Esse,
sua fórmula o sulfato de cálcio (gesso), com o propósito por sua vez, em contato com os fluidos tissulares, se
de reduzir o tempo de presa, que se dá em 10 minutos. dissociaria em íons cálcio e hidroxila. Os íons cálcio,
A embalagem contém um frasco com 2g e uma bisnaga reagindo com o gás carbônico dos tecidos, dariam ori-
contendo água destilada, além de um dosador plástico gem às granulações de calcita; junto a essas granula-
para dispensar o pó. ções haveria acúmulo de fibronectina que permitiria
Experimentos em culturas de células1, subcutâneo adesão e diferenciação celular. Na sequência teríamos
de ratos47 e em pulpotomia e pulpectomia46 em dentes formação de uma ponte de tecido duro47.
de cães mostraram comportamento biológico seme- O MTA deve ser preparado imediatamente antes
lhante entre o MTA e o cimento de Portland. de sua utilização. O pó deve ser misturado com água
A hidratação do pó com água destilada, solução destilada estéril na proporção de 3:1 sobre uma placa
anestésica ou fisiológica resulta em um gel coloidal, o de vidro, durante 30 segundos, com a ajuda de uma es-
qual se solidifica em menos de três horas, o ProRoot- pátula de metal ou plástico, exibindo na sequência uma
MTA, e ao redor de 10 minutos, o MTA-Angelus. Apre- consistência pastosa58. Se a área de aplicação do MTA
senta pH alcalino (em torno de 12,5) depois de ser ma- for muito úmida, a umidade poderá ser reduzida com
nipulado. Após o endurecimento, o material se expan- uma gaze seca ou cone de papel absorvente. A umidade
de, expansão essa responsável pelo selamento margi- excessiva torna difícil a manipulação do material. Quan-
nal das cavidades. Com relação à adaptação marginal, do a mistura é muito seca, mais água deverá ser adicio-
tem melhor adaptação do que outros materiais usados nada. Em função de o MTA necessitar de umidade para
com as mesmas finalidades. É pouco solúvel, e a mas- endurecer, deixando-se o material sobre a placa de vi-
sa obtida não se dilui quando em presença de líquidos dro, ocorrerá a sua desidratação, dando-lhe um aspecto
teciduais, sendo uma vantagem sobre as pastas e os ci- arenoso. Para evitar isso, recomenda-se a colocação de
mentos à base de hidróxido de cálcio122-124. uma gaze umedecida em água sobre a pasta de MTA116.
A natureza hidrofílica das partículas do pó do Vários estudos têm demonstrado os excelentes
MTA confere uma característica especial a esse mate- resultados do MTA como material selador em perfu-
rial, podendo ser empregado em presença de umidade, rações radiculares e de furca; como material selador de
tal como ocorre durante os procedimentos clínicos em perfurações resultantes de reabsorções internas e exter-
casos de perfurações, reabsorções e cirurgia perirradi- nas comunicantes; como material retro-obturador em
cular, não necessitando de um campo seco. A umidade cirurgias perirradiculares; como material de apicifica-
presente nos tecidos atua como um ativador da reação ção e como tampão apical115.
química de hidratação desse material. Outro aspecto é Nos casos clínicos em que o MTA é levado à loja
que a capacidade exibida pelo MTA provavelmente se via cavidade pulpar, é recomendada, após a acomoda-
deve à sua natureza seladora hidrofílica, uma vez que ção do material, a colocação de uma bolinha de algodão
ocorre uma ligeira expansão quando ele é utilizado em umedecida em água destilada por pelo menos 3 a 4 ho-
ambiente úmido116,118. ras para manter a hidratação e permitir a solidificação
Materiais Obturadores 629

do material. Após esse período, remove-se a bolinha fagocitados ou se dissolver e ser eliminados na forma de
de algodão, procedendo-se à restauração definitiva do pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser
dente. Em algumas situações clínicas (perfuração de encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracteriza-
furca e tampão apical) é recomendado deixar a bolinha do pelo predomínio de colágeno.
de algodão umedecida com água destilada em contato A biocompatibilidade de um cimento endodônti-
com o MTA durante 1 a 3 dias para continuar a solidi- co depende diretamente de seus componentes, de seu
ficação do material115. tempo de presa e de sua solubilidade. Estudos têm de-
monstrado que a maioria dos cimentos endodônticos
utilizados na obturação dos canais radiculares não ofe-
 NOVOS MATERIAIS rece diferenças quanto ao índice de sucesso do trata-
Recentemente foram desenvolvidos estudos so- mento. Isso é muito provavelmente devido ao fato de
bre um novo material obturador à base de óxido de que a maioria desses materiais apresenta boas proprie-
zinco e poliuretano e um novo cimento endodôntico dades seladoras e de biocompatibilidade. Embora exis-
fotoativado à base de uretano-acrilato/diacrilato tri- tam alguns raros casos de fracassos associados à reação
propileno glicol49,57. Os estudos têm mostrado que esse de corpo estranho ao material obturador70, na maioria
material apresenta boas propriedades mecânicas e tér- da vezes a presença de micro-organismos é o principal
micas quando comparado à guta-percha e ao Resilon49. elemento determinante do insucesso83,91,92,98 e não a to-
A resistência à tração e o módulo de elasticidade desse xicidade do material empregado. Esse dado ressalta o
material foram acentuadamente mais altos do que da papel exercido por micro-organismos no processo de
guta-percha e do Resilon. O ponto de fusão dos três terapia endodôntica.
materiais foi similar, já a variação de entalpia e o calor Eriksen et al.29 avaliaram os resultados do trata-
específico do novo material ficaram próximos aos da mento endodôntico utilizando três cimentos obtura-
guta-percha, porém foram inferiores aos do Resilon. dores: Procosol (à base de OZE), AH 26 (cimento resi-
Esses resultados indicam que o novo material apre- noso) e Kloroperka NO (que consiste em guta-percha
senta boas propriedades mecânicas e térmicas como branca e clorofórmio). A avaliação se estendeu por 3
material obturador. No entanto, mais estudos acerca anos. Os autores relataram que, embora a resposta à
de suas propriedades mecânicas devem ser realizados. Kloroperka NO tenha sido ligeiramente inferior à dos
Além disso, obviamente as suas propriedades biológi- outros dois cimentos, não houve diferença significante
cas também devem ser testadas e comparadas aos ma- entre os grupos. Waltimo et al.128 também compararam
teriais já consagrados pelo uso. os resultados clínico-radiográficos após tratamento
utilizando os cimentos Sealapex, CRCS e Procosol, os
dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o últi-
 PROPRIEDADES DOS MATERIAIS mo à base de OZE. Seus resultados demonstraram que
OBTURADORES no geral a influência do cimento no resultado do trata-
Propriedades biológicas mento foi mínima. Após 3 a 4 anos de avaliação, não
houve diferença significante entre os grupos quanto ao
Biocompatibilidade índice de sucesso do tratamento.
Qualquer material destinado ao uso biológico não Com os cimentos à base de óxido de zinco-euge-
deve apresentar citotoxicidade. Dessa forma, ele não nol, quando na intimidade do tecido perirradicular, à
irá interferir negativamente no processo de reparo dos medida que ocorre o decréscimo de sua citotoxicida-
tecidos com os quais está em contato. A guta‑percha é de aparece uma cápsula fibrosa cuja espessura tende
bem tolerada pelos tecidos perirradiculares e a maioria a ser proporcional ao potencial irritante do material.
dos cimentos endodônticos, embora apresente níveis Essa cápsula tende a isolar o material do tecido perir-
variados de citotoxicidade antes da presa, usualmente radicular. Nesse caso, diz-se que a reparação é feita por
perde esta propriedade após o endurecimento7,109. Uma cicatrização.
vez que a agressão química causada pelos cimentos é Os cimentos à base de hidróxido de cálcio provo-
transitória, deve-se reconhecer então que é incapaz de cam necrose por coagulação dos tecidos submetidos a
induzir e manter uma lesão perirradicular. Na obtu- seu contato íntimo, sendo que o tecido imediatamente
ração de um canal radicular, quando extravasados, os subjacente reage pela deposição de tecido calcificado,
cimentos podem ter três destinos, dependendo de suas desde que seja dotado dessa capacidade (exemplo: li-
propriedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser gamento periodontal).
630 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Os inúmeros efeitos biológicos do hidróxido de Um estudo avaliando a alcalinização dentinária


cálcio estão relacionados com a sua dissociação em por alguns compostos contendo hidróxido de cálcio
meio aquoso, liberando íons cálcio e hidroxila. Apesar demonstrou que o Sealapex promove elevação de pH
de haver na literatura controvérsias quanto ao verda- moderada na dentina em contato direto com ele, desde
deiro papel dos íons cálcio, parece existir um consenso que a smear layer tenha sido removida111. Nenhum efei-
quanto ao fato de os íons hidroxila exercerem um pa- to significativo foi observado na dentina mais distante
pel importante na resposta tecidual a essa substância. do material. O Apexit não promoveu alcalinização da
A simples presença do hidróxido de cálcio em um dentina em contato direto com ele.
produto não é garantia de suas propriedades terapêu- Além de ser biocompatível, tem sido demons-
ticas. Torna-se evidente então que, para um material trada a formação de selamento biológico do forame
contendo hidróxido de cálcio em sua formulação indu- apical por cemento neoformado em canais obturados
zir efeitos similares aos da substância pura, ela deve ser com Sealapex45 (Fig. 15-9). Soares et al.105, testando os
liberada da massa obturadora. Para isso, o hidróxido efeitos dos cimentos Sealapex, CRCS e OZE sobre os
de cálcio deve ser utilizado na composição do cimento, tecidos perirradiculares de cães após a obturação, en-
em excesso ao necessário para a reação de presa, de for- contraram resultados diferentes daqueles de Holland
ma que assim possa ser liberado e ter ação terapêutica e Souza45 para o Sealapex. Verificaram que não hou-
ou, então, que o hidróxido de cálcio não participe da ve evidência de que os cimentos contendo hidróxido
reação química de endurecimento, estando assim livre de cálcio estimulem o reparo tecidual. A resposta dos
para exercer seus efeitos. Além disso, se a matriz do tecidos perirradiculares ao Sealapex e ao CRCS foi si-
cimento possuir grupos polares que permitam a entra- milar àquela do cimento de OZE. Embora a deposição
da de água, haverá uma difusão reversa de soluções de cimento neoformado tivesse causado um estreita-
aquosas de hidróxido de cálcio, que alcalinizarão o mento da abertura foraminal em muitos casos, inde-
meio circunjacente. Uma matriz hidrofóbica ou a adi- pendentemente do cimento empregado, em nenhum
ção de outras substâncias ao produto podem interferir dos espécimes foi observado o selamento completo do
em sua atividade. forame. Em todos os casos de sobreobturação houve o
Tem sido demonstrado que o Sealapex apresenta
liberação iônica extensa e gradual, capaz de alcalinizar
o meio37,96,101,114. Em estudo de Siqueira et al.101, foi veri-
ficado que quatro cimentos à base de hidróxido de cál-
cio foram capazes de alcalinizar o meio de forma cons-
tante, tanto recém-preparados quanto já endurecidos,
mas em diferentes magnitudes. O Sealapex apresentou
os valores mais elevados, o que está relacionado com
sua alta solubilidade. O CRCS, apesar de alcalinizar o
meio, sempre apresentou uma tendência a diminuir
seus valores de pH com o decorrer do tempo. Isso pro-
vavelmente ocorreu pelo fato de no líquido do produto
estarem presentes dois componentes ácidos (eugenol
e eucaliptol) que podem ser liberados lentamente. O
Sealer 26, um cimento resinoso, foi capaz de alcalinizar
o meio, mesmo endurecido. Esses dados discordam da
afirmativa de que a trama resinosa impede a difusão
do medicamento. Pelo menos para o Sealer 26 isso não
ocorreu. Acreditamos que, por não participar da reação
de presa, o hidróxido de cálcio fica embebido na malha
resinosa e a sua liberação dependerá do grau de con-
densação e compactação dessa malha, e possivelmente
da natureza hidrofílica da matriz. O Apexit também foi
Figura 15-9. Corte histológico de dente de cão após obturação do
capaz de alcalinizar o meio em todos os períodos de
canal radicular com guta-percha e cimento Sealapex (180 dias). Se-
tempo avaliados. Resultados similares entre Apexit e lamento biológico do forame apical por neoformação cementária.
Acroseal foram observados por Eldeniz et al.27. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.)
Materiais Obturadores 631

desenvolvimento de uma reação inflamatória crônica temperatura não afeta a sua toxicidade, ao passo que
nos tecidos perirradiculares. usando o AH Plus a sua citotoxicidade diminui. Por
Beltes et al.10 avaliaram a citotoxicidade de três outro lado, alguns cimentos apresentam maior citoto-
cimentos contendo hidróxido de cálcio em suas formu- xicidade quando aquecidos, como é o caso do Pulp Ca‑
lações, mediante um modelo de cultura de células. A nal Sealer e Roth 80171.
partir dos resultados obtidos, esses autores concluíram Os cones de guta-percha, quando em contato com
que o cimento mais citotóxico foi o Sealapex, seguido os tecidos perirradiculares, estimulam a formação de
do CRCS e do Apexit. uma cápsula fibrosa, envolvendo-os. Entretanto, po-
Na verdade, todos esses cimentos contendo hi- dem existir situações em que o cone extravasado é de
dróxido de cálcio contêm substâncias citotóxicas em pequeno diâmetro e, com o passar do tempo, pode ser
suas formulações. Sealapex, CRCS e Apexit possuem reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico
compostos à base de zinco em suas composições. O de solubilidade e desintegração e, também, mediante
CRCS possui eugenol e eucaliptol, substâncias de re- ação macrofágica59.
conhecida atividade citotóxica. O Sealapex possui dió-
xido de titânio, que pode se difundir para os tecidos e Atividade antimicrobiana
induzir uma reação de corpo estranho135. A hexametile- Além de ser biocompatível, o cimento endodônti-
notetramina presente nos cimentos Sealer 26 e Acrose- co deve possuir atividade antimicrobiana para destruir
al se decompõe em meio aquoso, gerando formaldeído micro-organismos que tenham sobrevivido ao preparo
e amônia, substâncias reconhecidamente citotóxicas. químico-mecânico. Outrossim, materiais seladores com
Todavia, cumpre relembrar que a maior parte dos es- essa propriedade podem eliminar micro-organismos
tudos tem demonstrado que a citotoxicidade desses presentes em canais de microinfiltração, prevenindo
materiais é reduzida com o decorrer do tempo. Isso assim a entrada ou saída destes do sistema de canais
provavelmente se dá devido ao endurecimento do ma- radiculares.
terial, o que permite uma redução da solubilidade e, Pumarola et al.81 testaram a atividade antimi­
consequentemente, da liberação de componentes cito- crobiana de vários cimentos usados em Endodontia
tóxicos. Por exemplo, a liberação de formaldeído pelo contra 120 cepas de Staphylococcus aureus. Eles relata-
AH 26, similar ao Sealer 26, é máxima nas primeiras ram que os cimentos à base de óxido de zinco e euge-
48 horas, tendendo a reduzir-se significativamente de- nol, paraformaldeído ou resinas apresentaram maior
pois, justificando assim a citotoxicidade transitória do atividade inibitória do que o Sealapex, o de menor efei-
material109. to antimicrobiano.
Pinna et al.80 compararam a citotoxidade do Me- Al-Khatib et al.3 avaliaram os efeitos antibacteria-
taSEAL (Parkell Inc), um cimento à base de resina me- nos de vários cimentos endodônticos sobre Streptococ‑
tacrilato, com um cimento resinoso (AH Plus Jet) e um cus mutans, S. aureus e Porphyromonas endodontalis. Eles
cimento à base de óxido de zinco e eugenol (Pulp Ca‑ verificaram que o cimento de Grossman foi o de maior
nal Sealer). Todos os cimentos apresentaram toxicidade atividade. Contudo, o AH 26 foi mais eficaz contra a P.
grave até 72 horas. Após esse período ela foi diminuin- endodontalis. No geral, os cimentos à base de óxido de
do durante o experimento, exceto o Pulp Canal Sealer, zinco-eugenol, como o de Grossman, o Tubli-Seal e o
que permaneceu muito tóxico. O MetaSEAL foi mais CRCS (embora também contenha hidróxido de cálcio),
tóxico que o AH Plus Jet na primeira semana. foram mais eficazes que a eucapercha (guta-percha +
Heitman et al.44 estudaram a citotoxicidade do eucaliptol) e o cimento (Sealapex) e pastas contendo
cimento Epiphany em várias concentrações sobre fi- hidróxido de cálcio.
broblastos do ligamento periodontal humano. O efeito Siqueira e Gonçalves97 avaliaram a atividade an-
da concentração, de 25 a 800g/mL, do cimento sobre tibacteriana dos cimentos Sealapex, Sealer 26 e Ape-
a viabilidade celular foi avaliado em 1, 3 e 7 dias. Os xit, à base de hidróxido de cálcio, comparando-os ao
resultados mostraram significativa citotoxicidade do Fill Canal, cimento à base de óxido de zinco‑eugenol,
Epiphany contra os fibroblastos, que aumentou com contra bactérias anaeróbias estritas comumente asso-
o maior tempo de exposição e maior concentração do ciadas às infecções endodônticas. Os resultados reve-
cimento. laram que o Fill Canal apresentou a maior atividade
A citotoxicidade dos cimentos endodônticos pode inibitória de crescimento. Isso ocorreu por causa do
ser alterada pela aplicação de calor nas técnicas de ob- seu conteúdo de zinco e, principalmente, de eugenol.
turação. Quando se emprega o Sealapex, o aumento da O Sealer 26 foi o segundo de maior atividade, apenas
632 Capítulo 15  Materiais Obturadores

não sendo eficaz contra P. endodontalis e Porphyromo‑ cos – AH Plus, Apexit Plus, Epiphany SE e RoekoSeal
nas gingivalis (Fig. 15-10). Embora contenha hidróxido – quando em contato com E. faecalis. Os materiais fo-
de cálcio em sua formulação, essa substância não pa- ram utilizados logo após o tempo de presa e 1, 2, 7
rece ser a principal responsável por essa propriedade e 14 dias após. Os resultados estatísticos mostraram
do cimento. A hexametilenotetramina, elemento ati- que o Apexit Plus teve um curto período de atividade
vador da presa da resina do cimento, presente no Sea- antibacteriana, ao passo que o Epiphany incrementou
ler 26, se decompõe, em meio aquoso, em formaldeído o crescimento bacteriano por pelo menos 7 dias. AH
e amônia. O formaldeído possui excelente atividade Plus e RoekoSeal foram ineficazes contra os micro-
antibacteriana. O Sealapex apenas apresentou eficácia organismos.
contra duas espécies bacterianas, enquanto o Apexit Shin et al.87 avaliaram os efeitos da guta-percha
foi inerte. e do Resilon sobre túbulos dentinários contamina-
A atividade antibacteriana dos cimentos conten- dos com E. faecalis. Blocos de dentina bovina foram
do hidróxido de cálcio depende dos seguintes fatores: infectados e preenchidos apenas com guta-percha,
guta-percha e cimento à base de OZE, guta-percha
• pH e solubilização do material. Para liberar substâncias e cimento resinoso e Resilon e cimento resinoso. Os
ativas contra micro-organismos o material deve se blocos foram incubados por 4 semanas e, em seguida,
solubilizar. Essa propriedade pode interferir negati- raspas de dentina foram coletadas da parede denti-
vamente no selamento produzido pela obturação. nária e colocadas no meio de cultura. Os resultados
• Presença de hidróxido de cálcio livre no material, que indicaram que nenhum material foi capaz de impedir
não tenha participado da reação de presa. completamente o crescimento de E. faecalis. No entan-
• Difusibilidade do material. O hidróxido de cálcio apre- to, o grupo do Resilon e cimento resinoso apresentou
senta baixa solubilidade e se difunde pouco. Para redução significativa na contagem de bactérias em re-
exercer efeito antibacteriano, ele deve alcalinizar o lação ao tempo do experimento.
pH do meio circundante em magnitude suficiente Damasceno et al.23 avaliaram a atividade antifún-
para ser letal às bactérias. A alcalinização do meio gica do ProRoot MTA e de sete cimentos endodônticos
de cultura e da dentina radicular pela ação do hidró- contra as seguintes espécies: Candida albicans, Candida
xido de cálcio não é na maioria das vezes suficiente glabrata, Candida tropicalis e Saccharomyces cerevisiae.
para esse intento. O teste de difusão em ágar foi o método utilizado.
• Presença de outras substâncias com atividade antibacteria‑ Placas de Petri contendo o meio tripticase-soja ágar
na, como eugenol no CRCS e formaldeído (pela de- foram inoculadas com cada espécie de fungo testada
composição da hexametilenotetramina) no Sealer 26. ou com saliva humana, representativa de uma cultura
microbiana mista. Os resultados permitiram classifi-
Slutzky-Goldberg et al.103 avaliaram as proprie- car os cimentos testados em ordem decrescente de efi-
dades antibacterianas de quatro cimentos endodônti- cácia antifúngica: Intrafill, AH Plus, Kerr Pulp Canal
Sealer, Epiphany, MTA, Sealer 26, Acroseal e Roeko
Seal. Nenhum material foi eficaz contra todas as es-
pécies testadas.

Propriedades físico-químicas
Adesividade
De acordo com Anusavice5, quando duas subs-
tâncias são postas em contato íntimo uma com a outra,
as moléculas de um substrato aderem ou são atraídas
pelas moléculas do outro substrato. Essa força é de-
nominada adesão, quando moléculas dissimilares são
atraídas, e de coesão, quando moléculas do mesmo
tipo são atraídas. De acordo com o autor, a adesão está
envolvida em várias situações na Odontologia, sendo
Figura 15-10. Halos de inibição do crescimento bacteriano induzi- uma delas a infiltração adjacente aos materiais dentá-
dos por cimentos endodônticos. rios que é afetada pelo processo de adesão.
Materiais Obturadores 633

Grossman38 salientou que a adesividade é a capa- Como a contração dos materiais após o tempo de
cidade de um cimento permanecer aderido fisicamente presa pode comprometer o resultado do tratamento
às paredes dos canais radiculares e que a maior parte endodôntico, Hammad et al.42 estudaram o comporta-
dos cimentos possui essa característica. Todavia, existe mento de três cimentos endodônticos quanto à contra-
diferença no grau de adesividade de um cimento para ção após a polimerização. Os cimentos testados foram
o outro. EndoRez, RealSeal e GuttaFlow, sendo o controle com
o Tubli-Seal (à base de OZE). Os resultados mostraram
Estabilidade dimensional diferenças estatisticamente significantes. O EndoRez
A estabilidade dimensional parece ser outra carac- apresentou maior valor de contração, seguido pelo
terística bastante importante em um cimento. Kazemi Real-Seal, ao passo que o Tubli-Seal apresentou o me-
et al.55 compararam as mudanças sofridas pelos cimen- nor valor de contração. GuttaFlow exibiu expansão
tos endodônticos AH26, Endo-Fill, Endométhasone e após a polimerização.
um cimento de óxido de zinco e eugenol. Os resultados A forma mais tradicional de se testar a capacidade
obtidos por eles mostraram que todos os cimentos tes- seladora dos cimentos in vitro é por meio de infiltração
tados sofreram alterações dimensionais bastante simi- de corantes. Inúmeros estudos têm demonstrado que
lares em 180 dias. os cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio
proporcionam um selamento apical igual ou superior
aos de óxido de zinco‑eugenol4,8,52,96,100.
Selamento Bouillaguet et al.14 avaliaram a propriedade de se-
As propriedades dos cimentos responsáveis pela lamento de quatro cimentos endodônticos (Pulp Canal
promoção de um bom selamento são a estabilidade di- Sealer, RoekoSeal, TopSeal e EndoRez). Os cimentos
mensional, a impermeabilidade aos fluidos orgânicos e testados mostraram grau de infiltração significativo,
a adesividade às paredes do canal. mas o RoekoSeal apresentou melhores resultados. No
No que concerne à adesividade às paredes denti- referido trabalho os autores concluíram que o risco
nárias, estudos demonstraram que o Sealapex e o Ape- biológico do uso de cimentos endodônticos depende,
xit apresentam fraca força adesiva31,34,84,130. O Sealer 26 entre outros fatores, da sua capacidade de selamento.
apresenta adesão pronunciada31. Citaram ainda que o material ideal deveria apresentar
Quanto à estabilidade dimensional, o Sealapex citotoxicidade mínima sem permitir infiltração.
apresenta comportamento atípico, sofrendo alta ab- Alexander e Gordon4 compararam a capacidade
sorção de água e expansão volumétrica, devido prova- de selamento apical dos cimentos endodônticos Sea-
velmente à sua porosidade17. O CRCS apresenta esta- lapex, CRCS e do cimento de Grossman, utilizando o
bilidade dimensional mais satisfatória17. O Apexit não método de infiltração do corante azul de metileno. De-
apresentou significativa alteração dimensional durante monstraram que o Sealapex e o cimento de Grossman
4 semanas de avaliação75. promoveram um selamento apical similar. O CRCS
Venturi127 avaliou a precisão da obturação e a ex- apresentou maior índice de percolação apical.
tensão de espaços vazios em canais principais e canais Estudo de Siqueira et al.96 revelou que o Sealer 26
laterais de molares humanos extraídos. Os canais foram apresentou os melhores resultados em termos de sela-
instrumentados e obturados pela técnica da compacta- mento quando comparado a outros cimentos contendo
ção vertical complementada pela termocompactação. hidróxido de cálcio e ao Fill Canal. Contudo, não foram
Os cimentos usados foram Pulp Canal Sealer EWT em detectadas diferenças estatisticamente significantes en-
um grupo e AH Plus em outro. Após a diafanização, tre os materiais.
os espaços vazios dentro dos canais foram observados Barnett et al.8 compararam o selamento apical in
em lupa estereoscópica e a eles atribuído um escore vivo promovido pelos cimentos CRCS, Sealapex e Roth
de 0 a 4. Além disso, os canais laterais visíveis foram 801, os dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o
contados. Em ambos os grupos, nos 4mm apicais, onde último sendo à base de óxido de zinco-eugenol. Os me-
a guta-percha foi compactada a frio, foram encontra- lhores resultados foram obtidos para o CRCS. Os dois
dos menos espaços vazios do que nas porções média e cimentos contendo hidróxido de cálcio foram significa-
cervical do canal. No grupo do AH Plus foi observada tivamente melhores do que o à base de óxido de zinco-
uma quantidade significativamente menor de espaços eugenol, no que se refere ao selamento apical.
vazios. Com relação aos canais laterais, melhores resul- Siqueira et al.100 avaliaram o selamento apical pro-
tados foram encontrados também com o AH Plus. movido por cinco cimentos endodônticos: Pulp Canal
634 Capítulo 15  Materiais Obturadores

Sealer EWT, cimento de Grossman, ThermaSeal, Sealer cha com uma barreira de ionômero de vidro usando
26 e AH Plus. A solução evidenciadora consistiu em um modelo de filtração de fluidos em dentes humanos
nanquim misturado com soro fetal bovino, no intuito de extraídos. Após instrumentação padronizada, as raí-
simular a consistência dos fluidos teciduais. O cimen- zes foram divididas aleatoriamente em dois grupos.
to de Grossman infiltrou significativamente mais do Em um, a obturação foi feita com Resilon apenas; em
que os outros, exceto quando comparado com o Ther- outro, a obturação de guta-percha foi complementada
maSeal. Não houve diferença significante entre Therma- com uma barreira de 2mm de cimento de ionômero de
Seal e AH Plus, o mesmo ocorrendo quando o Pulp Ca‑ vidro. Os resultados estatísticos permitiram concluir
nal Sealer EWT foi comparado com o ThermaSeal ou que as raízes obturadas com guta-percha e cimento io-
com o AH Plus. O Sealer 26 apresentou selamento api- nômero de vidro apresentaram microinfiltração signifi-
cal significativamente melhor do que os outros cimen- cativamente menor do que as obturadas com Resilon.
tos, exceto o AH Plus (Fig. 15-11). Wedding et al.129 com metodologia semelhante
Além do selamento apical, a obturação do ca- compararam a microinfiltração em canais radiculares
nal deve promover um selamento coronário adequa- obturados com guta-percha + AH 26, e com Resilon +
do85. Siqueira et al.99, avaliando a capacidade de dois Epiphany pela técnica da compactação vertical. Nesse
cimentos contendo hidróxido de cálcio na prevenção estudo, os autores observaram que a combinação Resi-
da infiltração de bactérias da saliva, revelaram que lon + Epiphany apresentou microinfiltração significa-
o Sealer 26 foi significativamente mais eficaz do que o tivamente menor do que a da guta-percha com AH 26
Sealapex. em 1, 7, 30 e 90 dias.
Jack e Goodell51 compararam a microinfiltração Eldeniz e Orstavik28 avaliaram a capacidade dos
coronária entre o Resilon isoladamente e a guta-per- seguintes materiais obturadores na prevenção da in-
filtração coronária por Streptococcus mutans: Resilon/
Epiphany, EndoRez, GuttaFlow, RC Sealer, Acroseal,
Apexit, AH Plus e RoekoSeal. Os melhores resultados,
significantes ao nível estatístico, foram obtidos com Re-
silon/Epiphany, GuttaFlow e Apexit.
Nos casos de perda da constrição apical são feitos
esforços no sentido de se criar um batente apical e sub-
sequentemente instrumentar e obturar o canal até esse
ponto. A capacidade de selamento do material obtura-
dor nesses casos é uma propriedade importante a ser
considerada na escolha do material a ser empregado.
Dandakis et al.24 estudaram in vitro a capacidade de se-
lamento de três cimentos endodônticos quando do em-
A B
prego da técnica da compactação lateral em raízes que
apresentavam a constrição alargada. Foram utilizados
dentes pré-molares humanos unirradiculares retos ex-
traídos. Os canais tiveram a constrição apical alargada
e a instrumentação realizada a 1,5mm do comprimento
de trabalho original, para criar um novo batente apical.
Os canais foram obturados usando os cimentos Top-
seal, Roth 811 e Apexit. Os dentes foram seccionados
transversalmente e a infiltração por corante foi obser-
vada por uma lupa estereoscópica e medida digital-
mente. Não houve extrusão de guta-percha através do
batente criado. Os resultados mostraram que o TopSeal
exibiu infiltração significativamente menor que os de-
C D
mais cimentos. Não foram observadas diferenças signi-
ficativas entre Apexit e Roth 811.
Figura 15-11. Selamento apical. Espécimes diafanizados represen-
tativos de canais obturados com: A. AH Plus; B. Sealer 26; C. Endofill; Considerando que a capacidade de o material pro-
e D. ThermaSeal. duzir um bom selamento está na dependência do estado
Materiais Obturadores 635

das paredes dentinárias, Varella et al.125 investigaram o res, favorecendo assim a obtenção de uma obturação
efeito da aplicação do laser antes da obturação do canal tridimensional.
radicular. Concluíram que os canais tratados com laser Siqueira et al.96 realizaram um estudo com o obje-
Cr, Er:YSGG proporcionaram um número significativa- tivo de comparar o escoamento de três cimentos endo-
mente maior de canais e istmos obturados. dônticos à base de hidróxido de cálcio (Sealapex, Sealer
26 e Apexit) e um à base de óxido de zinco e eugenol
Solubilidade (Fill Canal). Os resultados demonstraram que o Sealer
Os cimentos endodônticos devem ser pouco so- 26 possui o maior escoamento, seguido por Fill Canal,
lúveis junto aos fluidos teciduais. Todavia, essa pro- Apexit e Sealapex. A análise estatística evidenciou di-
priedade é muito discutível, uma vez que o material ferença significante entre o Sealer 26, de maior escoa-
extravasado deve ser absorvível por fagocitose ou por mento, e os demais. O Sealapex apresentou escoamen-
solubilização, dando lugar a um tecido de granulação, to significativamente inferior ao dos demais cimentos
cuja evolução tende a culminar com a reparação. Entre- testados. Em outro estudo, Siqueira et al.95 testaram o
tanto, dentro do canal radicular, o cimento endodônti- escoamento dos seguintes cimentos: Kerr Pulp Canal
Sealer EWT, Fill Canal, ThermaSeal, Sealer 26, AH Plus
co deve ser estável (não solubilizado).
e Sealer Plus. O AH Plus e o Kerr Pulp Canal Sealer EWT
Os cimentos endodônticos à base de hidróxido de
apresentaram valores de escoamento significativamen-
cálcio devem apresentar solubilidade para poder libe-
te superiores aos demais cimentos.
rar íons cálcio e hidroxila da massa. Por outro lado, no
interior do canal radicular, essa solubilidade pode ser
crítica, uma vez que tende a influir no selamento pro- Radiopacidade
porcionado pelo material. A radiopacidade é uma propriedade importante
Acredita-se, entretanto, que o hidróxido de cálcio dos materiais, pois permite o controle radiográfico do
liberado nas primeiras horas por um cimento solúvel preenchimento do canal radicular. O grau de radiopa-
seja capaz de causar um trauma químico inicial suficien- cidade de uma obturação endodôntica está na depen-
te para estimular a deposição de tecido calcificado em dência do tipo de cimento e cones utilizados, da com-
contato com o material. Uma vez que há a formação de pactação e do volume da obturação. A radiopacidade do
um selamento biológico, a solubilização do material de- cimento deve ser próxima à dos cones utilizados, para
cresce, já que o contato com fluidos é drasticamente re- que a imagem radiográfica da obturação seja homogê-
duzido. Essas premissas são suportadas pelos achados nea em toda a sua extensão. O sulfato de bário, carbona-
de Cvek et al.22, que verificaram que apenas um breve to de bismuto, óxido de zinco e óxido de bismuto são as
contato do hidróxido de cálcio com os tecidos era sufi- substâncias químicas normalmente empregadas como
ciente para induzir reparo cálcico, sendo que a perma- radiopacificadores dos cimentos endodônticos.
nência dessa substância na região por um período pro-
longado apenas promovia um ambiente estéril, propício Considerações sobre cimentos endodônticos
para o prosseguimento do processo de cura tecidual.
Até o momento, nenhum material foi capaz de atin-
Além disso, um estudo realizado a longo prazo
gir o status de ideal. Em termos gerais, no que tange às
demonstrou que o selamento apical produzido pelo
propriedades biológicas e físico-químicas, a maioria dos
cimento Sealapex é comparável àquele produzido por
cimentos disponíveis e descritos neste capítulo apresen-
cimentos à base de óxido de zinco-eugenol102. Dessa ta comportamento similar. Embora não promovam um
forma, mesmo que o material não estimule a formação perfeito selamento hidráulico e antibacteriano do siste-
de selamento biológico por cemento neoformado, a ma de canais radiculares41, os cimentos mais utilizados
área de contato do cimento endodôntico no interior do em Endodontia são eficazes em reduzir significativa-
canal com os fluidos teciduais parece ser mínima para mente a microinfiltração de fluidos e bactérias, em ní-
causar uma dissolução significativa. veis compatíveis com o sucesso da terapia endodôntica,
desde que o controle da infecção intrarradicular tenha
Escoamento sido apropriado (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica
O escoamento exerce um papel importante na do tratamento endodôntico). Além disso, a grande maioria
performance de um cimento endodôntico, uma vez que dos cimentos aqui descritos apresenta diferentes graus
permite a sua penetração em irregularidades, istmos e de citotoxicidade imediatamente após a manipulação.
ramificações inerentes ao sistema de canais radicula- Todavia, após a presa do material, sua toxicidade é
636 Capítulo 15  Materiais Obturadores

usualmente bastante reduzida. Assim, com exceção dos 18. Callister WD Jr. Ciência e engenharia de materiais: uma introdu‑
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Capítulo 16
Obturação dos
Canais
Radiculares

Parte 1
Princípios e técnica de compactação lateral
José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes • Carlos Nelson Elias

O objetivo precípuo da obturação é selar toda a mecânico e pela medicação intracanal (quando usada),
extensão da cavidade endodôntica, desde a sua aber- além de reduzir os riscos de reinfecção. Outrossim, a
tura coronária até o seu término apical. Em outras pa- obturação deve selar vestígios de irritantes, que podem
lavras, o material obturador deve ocupar todo o espa- permanecer após o preparo químico-mecânico, impe-
ço outrora ocupado pelo tecido pulpar, promovendo dindo seu egresso para os tecidos perirradiculares.
um selamento adequado nos sentidos apical, lateral e Quando o fracasso do tratamento endodôntico
coronário13,14,64. está relacionado com deficiências no selamento pro-
É inteiramente possível que uma lesão perirradi- porcionado pela obturação, o desenvolvimento de uma
cular regrida após a instrumentação adequada, mesmo lesão perirradicular é comumente observado após um
sem obturação. Isso ocorre devido à remoção significa- longo período, variando de meses a anos.
tiva de irritantes durante o preparo químico-mecânico
(Fig. 16.1-1A e B). Entretanto, embora possa resultar Selamento apical
em sucesso a curto prazo, esta conduta é inaceitável na Micro-organismos remanescentes que sobrevi-
prática endodôntica. Canais instrumentados, mas não veram ao preparo químico-mecânico constituem um
obturados, resultariam inevitavelmente em fracasso a potencial para o fracasso do tratamento endodôntico
longo prazo, pois o espaço vazio seria extremamen- a longo prazo. Um dos objetivos da obturação é então
te propício para a proliferação de micro-organismos impedir o egresso desses micro-organismos para os
remanescentes e o estabelecimento de novos micro- tecidos perirradiculares26,65. Evidentemente, esse iso-
organismos provenientes da cavidade bucal. O pre- lamento deve se manter intacto definitivamente, pois
enchimento adequado e definitivo do canal com um o reservatório de irritantes também se mantém. As
material obturador elimina esse espaço, perpetuando o principais regiões que funcionam como reservatório
estado de desinfecção obtido após o preparo químico- compreendem istmos, túbulos dentinários, canais re-

641
642 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

teínas, que servem de fonte nutricional tanto para as


bactérias sacarolíticas quanto para as que obtêm ener-
gia a partir de aminoácidos e peptídeos.
Micro-organismos remanescentes recebendo nu-
trientes dos fluidos teciduais via canais de microinfil-
tração apical começam a proliferar e a liberar seus pro-
dutos. Dessa forma, podem então ter acesso aos tecidos
perirradiculares, iniciando ou perpetuando lesões in-
flamatórias. Como esses micro-organismos remanes-
centes inicialmente estão em número reduzido, um
A
período longo pode ser necessário para que proliferem
de forma suficiente para induzir a formação da lesão.
Por isso, o fracasso associado a um selamento apical
defeituoso usualmente é observado a longo prazo.
Foi sugerido que a própria degradação de compo-
nentes dos fluidos teciduais que penetram no canal pode-
ria atuar como irritante para os tecidos perirradiculares.
Todavia, o espaço vazio por si só não representa um fa-
tor irritante dos tecidos perirradiculares43,75. Para que isso
ocorra há necessidade da participação de micro-organis-
mos remanecentes. Em face dos conhecimentos existentes
pode-se dizer que essa afirmativa não procede.
Uma obturação que proporciona um selamento
apical satisfatório impede a entrada de fluidos tecidu-
ais no canal e o tráfego de saída de micro-organismos e
seus produtos para os tecidos perirradiculares.
B

Figura 16.1-1. Lesão perirradicular. Regressão da lesão. A. Molar Selamento lateral


inferior, após pré-alargamento cervical do canal distal, cateterismo
Ramificações do canal principal podem constituir,
parcial dos canais mesiais e curativo com tricresol formalina. Radio-
grafia após 9 meses. B. Incisivo inferior, após cateterismo e curativo da mesma forma discutida para o forame apical, uma
com tricresol formalina. Radiografia após 12 meses. via de comunicação entre irritantes residuais no canal
e os tecidos perirradiculares. Assim, um selamento la-
teral adequado também é requerido para o sucesso do
tratamento endodôntico.
correntes, secundários, acessórios, canais comunican-
tes e reentrâncias do canal principal. Uma vez segrega-
Selamento coronário
dos nessas regiões, muitos micro-organismos poderão
sucumbir por ausência de substratos. Outros, porém, Há até alguns anos, a grande maioria dos autores
podem permanecer quiescentes e, se porventura rece- afirmava que a obtenção de um selamento apical “her-
berem substrato, podem proliferar e causar dano aos mético” era o principal fator relacionado com o sucesso
tecidos perirradiculares. Outrossim, uma região con- da terapia endodôntica. Todavia, alguns trabalhos têm
tendo micro-organismos mortos pode funcionar como revelado que um selamento coronário adequado tam-
reservatório para outros que eventualmente consigam bém exerce extrema relevância no resultado do trata-
alcançar essa área. mento endodôntico (Fig. 16.1-2).
A principal forma de suprimento de substratos Se irritantes presentes na saliva, como micro-or-
para micro-organismos remanescentes em regiões do ganismos, produtos microbianos, componentes da die-
canal se dá por meio da percolação de fluidos, oriun- ta e substâncias químicas, contatam os tecidos perirra-
dos dos tecidos perirradiculares, via forame apical pelo diculares, eles podem se tornar inflamados.
espaço existente entre o material obturador e as pare- De acordo com estudos in vitro, canais obturados
des do canal, resultante de um selamento apical inade- expostos diretamente à saliva podem se tornar rapida-
quado. Esses fluidos contêm principalmente glicopro- mente recontaminados (em média após 30 a 45 dias)
Obturação dos Canais Radiculares 643

mento de cárie secundária ou recidivante; (d) fratura


do material restaurador e/ou da estrutura dentária.
Após a obturação do canal radicular, um selador
coronário provisório é aplicado até a realização do tra-
tamento restaurador definitivo. Devido à solubilidade
à saliva e à baixa resistência à compressão dos mate-
riais seladores temporários, o selamento provisório não
deve permanecer por um período longo. Assim, após
a conclusão do tratamento endodôntico, a restauração
definitiva do elemento dentário deve ser executada o
mais rapidamente possível.
A solubilização do cimento endodôntico e a per-
meabilidade da obturação do canal pela saliva per-
mitem a comunicação entre irritantes da cavidade
bucal e os tecidos perirradiculares via forame apical
ou ramificações. Nessas condições, o tratamento en-
Figura 16.1-2. Obturação da cavidade endodôntica. Selamento
coronário, médio e apical.
dodôntico, mesmo bem executado, pode resultar em
fracasso (Fig. 16.1-3).
Como, clinicamente, ainda é impossível determi-
graças à solubilização do cimento endodôntico e à per- nar se a comunicação entre a saliva e os tecidos perirra-
meabilidade da obturação34,73. Estudo de Behrend et diculares ocorreu, parece contraindicada a restauração
al.4, examinando o efeito da remoção da smear layer na dentária definitiva de um dente cujo canal tenha perma-
penetração coronária de Proteus vulgaris, relatou que necido exposto à cavidade bucal por um curto período.
a frequência da penetração bacteriana em 21 dias foi Estudos clínicos têm revelado que a qualidade do
significativamente maior em dentes obturados com a selamento coronário promovido pela restauração da co-
smear layer intacta (70%) do que naqueles onde ela foi roa dentária pode estar relacionada com o sucesso da te-
removida (30%). rapia endodôntica. Ray e Trope56 afirmaram que a qua-
A exposição da obturação do canal à saliva pode lidade da restauração coronária foi significativamente
ocorrer nas seguintes situações clínicas: (a) perda do mais importante para o sucesso a longo prazo do tra-
selador temporário ou da restauração dentária definiti- tamento endodôntico do que propriamente a qualidade
va; (b) microinfiltração por meio do selador temporário da obturação do canal. Embora tenham alertado para
ou da restauração dentária definitiva; (c) desenvolvi- essa questão importante, tal afirmativa não foi respal-

Figura 16.1-3. Ausência de restauração definitiva do dente tratado endodonticamente. Radiografia inicial. Radiografia após 2 anos (repara-
ção da lesão). Radiografia após 4 anos (reaparecimento da lesão).
644 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

dada por outros estudos. Tronstad et al.76, por exemplo, fatores que determinarão a possibilidade ou não de se
revelaram que o maior índice de sucesso do tratamento realizar tal procedimento.
endodôntico ocorreu quando da associação bom trata- Para se eleger o momento ideal da obturação, al-
mento endodôntico/boa restauração coronária – 81% de guns dos seguintes requisitos devem ser preenchidos:
sucesso. Quando o tratamento endodôntico foi bem exe-
cutado, mas a restauração coronária ficou ruim, o índice Preparo químico-mecânico completo
de sucesso caiu para 71% dos casos. Por sua vez, quando
a qualidade do tratamento endodôntico não foi boa, o ín- O canal radicular só deve ser obturado quando
dice de sucesso caiu drasticamente, independentemente sua ampliação, limpeza, desinfecção e modelagem tive-
de a qualidade da restauração coronária estar boa (56% rem sido completadas. O canal deve estar o mais limpo
de sucesso) ou ruim (57% de sucesso) (Quadro 16.1-1). possível, com a máxima remoção de irritantes (amplia-
Assim, se o tratamento endodôntico foi inadequado, a ção), para propiciar o reparo dos tecidos perirradiculares.
qualidade da restauração coronária não influenciou o Além desses cuidados, é imprescindível que também es-
índice de sucesso. Esse estudo e o de Ricucci et al.57 de- teja adequadamente ampliado (modelado), favorecendo
monstraram que o fator mais importante para o sucesso a execução da técnica de obturação. É imperioso ressaltar
da terapia endodôntica se refere à qualidade da mesma. que os limites para essa ampliação se encontram condi-
Se o tratamento endodôntico foi bem executado, uma cionados aos aspectos patológicos do tecido presente no
boa restauração coronária poderá elevar o índice de su- canal radicular, à anatomia radicular do dente a ser trata-
cesso. Mas, se a qualidade do tratamento endodôntico do e à flexibilidade dos instrumentos endodônticos.
for insatisfatória, a qualidade da restauração coronária
não terá impacto significativo. Ausência de exsudação persistente
Assim, uma vez que nenhuma técnica de obtura-
No momento da obturação, necessariamente de-
ção ou material obturador disponível atualmente apre-
vemos secar o canal. Se após a remoção da medicação
senta eficácia em promover um bom selamento coroná-
intracanal se observa a drenagem de exsudato pelo ca-
rio, o ingresso de micro-organismos da saliva em um
nal, ele não deve ser obturado. Primeiro, porque isso
canal obturado só pode ser prevenido por adequada
sugere que o tratamento não está sendo eficaz para
restauração coronária. Por outro lado, apenas uma boa
eliminar irritantes do canal ou está sendo realizado
restauração coronária não representa garantia de suces-
de forma inadequada, causando uma agressão física
so se o tratamento endodôntico não estiver adequado.
(sobreinstrumentação) ou química (uso de substân-
cias citotóxicas) aos tecidos perirradiculares. Segundo,
 MOMENTO DA OBTURAÇÃO porque a presença de umidade no canal pode interfe-
rir com as propriedades físicas do material obturador,
O momento oportuno para se obturar o canal ra-
causando deficiências no selamento.
dicular deve ser avaliado criteriosamente. Na sessão
Nesses casos, o profissional deve proceder da se-
em que será executada a obturação do sistema de ca-
guinte maneira: (a) recapitulação do preparo químico-
nais radiculares, o profissional deverá observar alguns
mecânico do canal; (b) emprego de medicação intraca-
nal com pasta HPG.
Na sessão seguinte, se ainda houver persistência
Quadro 16.1-1 Influência da qualidade do da exsudação, devem ser repetidos os mesmos passos
tratamento endodôntico e da restauração coronária no
descritos, sendo agora necessária a prescrição de an-
sucesso endodôntico. De acordo com Tronstad et al.76
tibióticos. O antibiótico de eleição para esses casos é
Tratamento Restauração Índice de sucesso a amoxicilina. Para pacientes alérgicos às penicilinas,
endodôntico coronária deve-se optar pela clindamicina. Se a exsudação ainda per-
sistir após o emprego de antibióticos sistêmicos por 7
Bom Boa 81% dias, deve-se optar pela cirurgia perirradicular.

Bom Ruim 71%


Ausência de sintomatologia
Ruim Boa 56% No momento da obturação, o paciente não deve
apresentar sensibilidade à percussão, sensação de dente
Ruim Ruim 57%
extruído ou dor espontânea, o que é altamente indicativo
Obturação dos Canais Radiculares 645

de que o tratamento endodôntico não está sendo realiza- como para o paciente. Além de poupar tempo, bastante
do da forma ideal. A permanência de micro-organismos desejável nos dias atuais, previne a contaminação (den-
em número considerável no sistema de canais radicula- tes polpados – biopulpectomia) ou a recontaminação
res, a sobreinstrumentação e o uso abusivo de substâncias (dentes despolpados) que pode ocorrer entre as ses-
químicas de elevada citotoxicidade são as causas mais co- sões de tratamento. Em casos de tratamento de dentes
muns de sintomatologia persistente. A sessão de obtura- polpados, o tratamento em sessão única não apresenta
ção deve ser adiada nessas circunstâncias. O tratamento é maiores resistências por parte dos profissionais, de-
o mesmo para casos de exsudação persistente. vendo ser executado quando o fator tempo, a habilida-
de do operador, as condições anatômicas e o material
Ausência de odor disponível assim o permitirem. Por outro lado, a obtu-
ração imediata em casos de dentes despolpados, com
O canal não deverá ser obturado na presença de
uma infecção endodôntica estabelecida e lesão perirra-
odor fétido, pois fica indicada a permanência da in-
dicular associada ou não, representa um dos assuntos
fecção endodôntica, com proliferação de micro-orga-
mais controversos da especialidade.
nismos, particularmente os anaeróbios. Ácidos graxos
Dois fatores são críticos quando se considera o
de cadeia curta, poliaminas, amônia e compostos sul-
tratamento em sessão única de dentes despolpados: a
furados (metilmercaptana e sulfeto de hidrogênio) são
incidência de sintomatologia pós-operatória e o suces-
os principais produtos bacterianos responsáveis pelo
so a longo prazo da terapia.
odor que pode emanar do canal radicular. O preparo
químico-mecânico deve ser refeito, o canal novamente
medicado e a obturação adiada para uma sessão ulte- Sintomatologia pós-operatória
rior. O odor necessita estar em alta intensidade para Ao ser observada a incidência de sensibilidade
ser percebido pelo profissional, não devendo chegar ao pós-operatória após tratamentos endodônticos realiza-
limite extremo de cheirar instrumentos, felpas de algo- dos em sessão única ou múltiplas, os resultados encon-
dão e cones de papel retirados do canal. trados mostraram que o estado patológico pulpar não
interfere nos resultados17,29,50,58,71,77.
Obtenção de culturas negativas Esses dados atestam, claramente, que a incidên-
cia de dor pós-operatória não difere significativamente
Embora seja ainda o método mais científico de ava-
quando do tratamento endodôntico de dentes com ne-
liar as condições microbiológicas do canal radicular, o
crose pulpar em uma ou em múltiplas sessões. Entre-
teste bacteriológico, de uso rotineiro, tem validade ques-
tanto, além da avaliação do desenvolvimento de sin-
tionável. Alguns dos seguintes fatores nos levam a não
tomatologia após o tratamento de dentes despolpados
recomendá-lo para uso rotineiro na prática endodôntica:
em sessão única, um outro fator, provavelmente mais
a grande probabilidade de ocorrerem falhas durante a
relevante, deve ser considerado: o sucesso a longo pra-
coleta de material do canal, o que pode conduzir a falsos
zo do tratamento.
resultados; não permitir que sejam avaliadas as condi-
ções microbiológicas de todo o sistema de canais radi-
culares; não serem eficazes os métodos comumente uti- Sucesso a longo prazo
lizados para manter a viabilidade de anaeróbios estritos, Diversos estudos avaliaram o sucesso a longo
os principais patógenos endodônticos. Por essas razões, prazo da terapia endodôntica em dentes portadores
acreditamos que esse teste deva ser utilizado em casos de necrose pulpar realizada em sessão única ou múl-
limitados, como em pacientes de risco, e como meio de tipla. Weiger et al.79, em 2000, realizaram um trabalho
pesquisa. Nessas circunstâncias deve ser executado por prospectivo in vivo para verificar a influência do hidró-
um profissional devidamente treinado e afeito à técnica. xido de cálcio usado como medicação intracanal entre
Outrossim, a metodologia deve permitir o isolamento sessões na cura das lesões perirradiculares associadas
de bactérias anaeróbias estritas. em 67 dentes portadores de polpas necrosadas. Com-
pararam o prognóstico dos tratamentos endodônticos
realizados em sessão única ou em duas. Após 5 anos
 OBTURAÇÃO EM SESSÃO ÚNICA VERSUS
verificaram índices de reparação completa das lesões
DUAS OU MAIS SESSÕES que excederam 90% dos casos para ambas as modali-
O tratamento endodôntico executado em sessão dades de tratamento. Araújo Filho1, avaliando clínica e
única tem algumas vantagens tanto para o profissional, radiograficamente o tratamento endodôntico de dentes
646 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

desvitalizados em sessão única, obteve um índice geral tratados em múltiplas sessões, quando obturados no
de sucesso de 90,2%. O tempo de prosservação foi de 2 limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram
a 10 anos após o tratamento endodôntico. em um sucesso de 94%.
De acordo com Peters et al.55, os dentes que rece- Em um estudo clínico, Trope et al.78 compararam
beram medicação intracanal de hidróxido de cálcio, radiograficamente o sucesso de dentes tratados em ses-
in vivo, permitiram o crescimento microbiano entre as são única ou em duas sessões. Todos os tratamentos
consultas. Quanto maior foi o tempo entre as consultas, foram efetuados pelo mesmo operador, sempre em-
maior o crescimento microbiano. Peters e Wesselink54 pregando a mesma técnica de instrumentação e o mes-
mostraram que culturas positivas colhidas imediata- mo tipo de solução irrigadora (hipoclorito de sódio a
mente antes da obturação de canais radiculares não in- 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio
fluenciaram o prognóstico dos tratamentos realizados foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana.
em uma ou mais sessões clínicas. A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso
Molander et al.48 e Penesis et al.53 concluíram que de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74%
não há diferença estatisticamente significativa quanto para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante
ao sucesso do tratamento endodôntico de dentes com adicional da medicação intracanal elevou em 10% o ín-
necrose pulpar realizado em uma ou duas sessões. dice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi consi-
Os resultados desses estudos poderiam sinalizar a derada clinicamente relevante.
favor do tratamento em sessão única em casos de den- Bonetti Filho7, em 2000, em uma avaliação radio-
tes despolpados. Todavia, todos esses estudos envol- gráfica, histopatológica e histomicrobiológica, realizou
veram amostragem baixa, o que questiona a validade o tratamento de 72 canais com lesões perirradiculares
dos resultados “estatisticamente não significantes”. Na induzidas em dentes de cães. Os canais foram dividi-
verdade, as evidências científicas atuais apontam para dos em quatro grupos experimentais. No grupo I se uti-
um maior índice de sucesso quando da utilização de lizou como medicação intracanal uma pasta à base de
um medicamento intracanal para potencializar a desin- hidróxido de cálcio (Calen) associada a formocresol; no
fecção. Além disso, estão de acordo com a lógica norte- grupo II se utilizou a mesma pasta, associada ao formo-
adora da Endodontia contemporânea, a qual estabelece cresol e paramonoclorofenol canforado; no grupo III, a
que o controle da infecção é fator preponderante para o pasta Calen com paramonoclorofenol canforado; e, no
sucesso da terapia de dentes com lesão perirradicular. grupo IV, os canais foram obturados na mesma sessão.
E isso não pode ser previsivelmente alcançado em uma Foi utilizada uma solução de hipoclorito de sódio a
única sessão operatória. 5,25% como substância química auxiliar da instrumen-
Um estudo realizado por Sjögren et al.68 revelou tação dos canais radiculares. O trabalho concluiu que
resultados desalentadores para o tratamento em ses- o uso da medicação intracanal foi fundamental para
são única de canais infectados em dentes de humanos. o reparo da região perirradicular. No grupo onde
Esses autores investigaram o papel da infecção no se realizou a obturação imediata, radiograficamente
sucesso da terapia endodôntica concluída em sessão ocorreram os menores percentuais de redução da área
única. Os canais de 55 dentes unirradiculares, com da lesão perirradicular, sendo o único a apresentar
lesão perirradicular associada, foram instrumenta- micro-organismos na região perirradicular quando
dos, tendo sido usado como solução química auxiliar comparado aos demais grupos.
o hipoclorito de sódio a 0,5% e obturados na mesma Otoboni Filho51, em 2000, estudou o processo
sessão. Antes da obturação, amostras foram colhidas de reparo após tratamento endodôntico em uma ou
dos canais e processadas por métodos bacteriológicos duas sessões em dentes de cães com lesões perirra-
avançados. Todos os canais estavam infectados antes dicularres induzidas. Como medicação intracanal foi
do tratamento, e o sucesso de 53 casos foi avaliado utilizada a pasta de hidróxido de cálcio por 7 e 14 dias
em acompanhamento de 5 anos. Em 44 casos (83%), as e, como substância química auxiliar, solução de hipo-
lesões desapareceram completamente. Em nove casos clorito de sódio a 2,5%. Os resultados demonstraram
(17%), houve fracasso da terapia endodôntica. Desses que o tratamento em duas sessões foi superior ao re-
nove que fracassaram, sete apresentaram cultura po- alizado em sessão única, como também o curativo de
sitiva antes da obturação. Esse índice de sucesso ob- hidróxido de cálcio por 14 dias foi mais eficiente do
tido em sessão única (83% dos casos) pode ser consi- que por 7 dias.
derado baixo quando comparado ao de outro estudo Tanomaru Filho72, em 2001, avaliou a reparação
por Sjögren et al.66. Os canais de dentes despolpados perirradicular após tratamento endodôntico de den-
Obturação dos Canais Radiculares 647

tes de cães com necrose pulpar e reação perirradicu- O alojamento de micro-organismos no interior de
lar crônica. Dois grupos foram obturados em sessão irregularidades do sistema de canais radiculares im-
única e os outros dois em duas sessões, tendo como pede o acesso das células inflamatórias e imunológi-
curativo intracanal pasta de hidróxido de cálcio por cas de defesa ao sítio infeccioso. Moléculas proteicas
15 dias. As substâncias químicas auxiliares da instru- envolvidas na defesa do hospedeiro, como anticorpos
mentação empregadas foram hipoclorito de sódio a e componentes do sistema complemento, podem efe-
5,25% ou clorexidina a 2%. Os resultados da análise tivamente penetrar nessas áreas, mas podem não ter
histológica demonstraram que os grupos que rece- efeito desde que muitos patógenos endodônticos libe-
beram curativos intracanais apresentaram melhores rem proteases envolvidas na quebra e na consequente
resultados de reparo do que aqueles obturados em inativação dessas moléculas.
sessão única. Assim, como os micro-organismos remanescen-
Soares e César70, em 2001, avaliaram clinica e ra- tes em localidades anatômicas inacessíveis aos instru-
diograficamente 37 dentes com necrose pulpar e lesão mentos e à substância química auxiliar representam
perirradicular assintomática. Após o preparo químico- um potencial para o fracasso a longo prazo do trata-
mecânico utilizando como solução química auxiliar o mento endodôntico, medidas adicionais que envolvem
hipoclorito de sódio a 5%, 28 dentes (93,3%) estavam o controle desse processo infeccioso (por eliminação
microbiologicamente negativos; no entanto, aos 12 ou máxima redução de micro-organismos) devem ser
meses apenas 46,4% apresentaram completa resolução empregadas durante a execução da terapia em dentes
das áreas radiolúcidas perirradiculares. Em função dos despolpados. No presente momento, apenas a medica-
resultados concluíram que, a médio prazo, o tratamen- ção intracanal com determinadas substâncias químicas
to endodôntico em sessão única proporciona 100% de pode ser eficaz nesse sentido43,62,67.
sucesso clínico, mas reduzido percentual de sucesso Destarte, nos casos de biopulpectomia (dentes
radiográfico. polpados), optamos pela obturação imediata do canal
Tem sido relatado que, em cerca de 40 a 50% dos radicular após o preparo químico-mecânico, sempre
casos de dentes com canais radiculares infectados, que possível. Essa conduta se baseia no fato de o canal
micro-organismos sobrevivem ao preparo químico- estar originalmente livre de micro-organismos, desde
mecânico9,10,67. Muitos desses micro-organismos estão que a cadeia asséptica tenha sido mantida pelo profis-
destinados a morrer pela exposição a um material ob- sional durante os procedimentos intracanais. Assim,
turador dotado de atividade antimicrobiana ou por não há razão aparente para não concluir o tratamento
estarem confinados dentro do canal, ficando desprovi- em sessão única, mesmo nos casos de pulpite irrever-
dos de nutrientes. Contudo, em alguns casos, micro- sível sintomática, pois uma vez removida a polpa há
organismos podem sobreviver mesmo a despeito de remissão dos sintomas. Na pulpite irreversível, a in-
uma obturação adequada do canal radicular, obtendo fecção usualmente se restringe à superfície exposta da
nutrientes e sobrevivendo em número suficiente para polpa, mantendo-se o seu segmento radicular livre de
perpetuar uma lesão perirradicular. Isso é confirmado micro-organismos46,81.
pelos achados de Sjögren et al.66, os quais verificaram Entretanto, quando um quadro de sintomatolo-
que 31,8% dos casos que apresentavam cultura positi- gia à percussão, em razão de uma periodontite apical
va antes da obturação resultaram em fracasso, caracte- aguda, está associado à pulpite, o tratamento deve ser
rizado pela manutenção da lesão perirradicular mesmo prolongado por mais uma sessão e o canal medicado
após 5 anos de observação. com hidróxido de cálcio/glicerina ou com uma solução
É evidente que a redução da população microbia- de corticosteroide/antibiótico.
na dos canais radiculares promovida pelo preparo quí- Em casos de necrose pulpar, mormente quando
mico-mecânico é na maioria das vezes suficiente para há associação com lesões perirradiculares, o canal
permitir que os mecanismos de reparo dos tecidos pe- deveria ser obturado em uma segunda sessão, após
rirradiculares tenham efeito. Contudo, a perpetuação a permanência de uma medicação intracanal com
de processos patológicos perirradiculares causada pela a pasta de hidróxido de cálcio//PMCC/glicerina
persistência de uma infecção endodôntica vai depen- (HPG) por um período variável entre 3 e 7 dias. Essa
der: (a) do acesso desses micro-organismos aos tecidos medicação é bastante eficaz em maximizar a elimina-
perirradiculares; (b) da resistência do hospedeiro; (c) ção de micro-organismos do interior do sistema de
da virulência; (d) do número de micro-organismos en- canais radiculares (ver Capítulo 14, Medicação intra-
volvidos. canal).
648 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

 LIMITE APICAL DE OBTURAÇÃO apical, garantindo com isso uma desinfecção adequa-
da em uma máxima extensão do canal. Todavia, canais
Parece ser consensual entre a maioria dos autores o
obturados a mais do que 2mm aquém do ápice radicu-
fato de que o material obturador deva se limitar ao inte-
lar têm maiores chances de fracassar, inclusive quando
rior do sistema de canais radiculares. Da mesma forma,
comparados aos casos onde houve sobreobturação. A
preconiza-se que a obturação deva atingir as proximi-
obturação muito aquém do forame representa um gran-
dades do forame apical. Em algumas situações clínicas,
de potencial para o fracasso da terapia principalmente
contudo, esse intento pode nem sempre ser alcançado.
nos casos onde o segmento apical além da obturação
Nos casos de dentes polpados, nos quais micro- não foi instrumentado. Esse segmento abriga micro-
organismos estão ausentes (e desde que o profissional organismos envolvidos na indução e na perpetuação da
não os tenha introduzido no canal), o limite apical de lesão perirradicular e, uma vez não eliminados, têm um
obturação não representa maiores problemas ao suces- grande potencial para manter um nível de agressão que
so da terapia endodôntica, que usualmente é alto, inde- é incompatível com a reparação dessas lesões. Contudo,
pendentemente de o canal estar obturado ao nível do mesmo nos casos em que o segmento apical não obtura-
ápice, aquém ou além dele. do foi previamente instrumentado, o fracasso pode ad-
Todavia, em casos de dentes despolpados com vir. Isso porque, embora o número de micro-organismos
lesão perirradicular associada, o limite da obturação tenha sido reduzido nessa localização, o espaço vazio
pode influenciar o sucesso do tratamento. Sjögren et será rapidamente recolonizado pelos micro-organismos
al.66, por meio da análise de diferentes fatores que po- remanescentes, que irão se multiplicar na presença de
dem influenciar o sucesso do tratamento endodôntico, substrato suprido por restos teciduais necrosados não
acompanharam 356 pacientes após o período de 8 a 10 removidos e, principalmente, por moléculas presentes
anos de conclusão do tratamento. O índice de sucesso no fluido tecidual oriundo dos tecidos perirradiculares
para os casos sem lesão perirradicular associada, exce- que inevitavelmente, por capilaridade, irão preencher
deu 96%, mas já nos casos de dentes despolpados com esse segmento apical vazio. Em pouco tempo, tais mi-
lesão o índice de sucesso foi de 86%. Esses dados de- cro-organismos remanescentes, na presença de subs-
monstram claramente que na presença de uma lesão trato disponível, poderão alcançar números suficientes
perirradicular o índice de sucesso pode cair significati- para a manutenção da lesão perirradicular, resultando
vamente, o que se deve à presença de uma microbiota no fracasso da terapia.
complexa instalada e disseminada para todo o sistema A ocorrência de sobreobturação pode também
de canais radiculares, caracterizando uma infecção influenciar negativamente os resultados do tratamen-
mais difícil de controlar. to endodôntico de dentes com lesão perirradicular. A
O sucesso do tratamento de dentes despolpados princípio, isso sugere um efeito citotóxico proporcio-
com lesão perirradicular associada depende do nível da nado pelo material obturador. Entretanto, estudos re-
obturação em relação ao ápice radicular. Sjögren et al.66 velam que a guta-percha é bem tolerada pelos tecidos
relataram que, em tais casos, os canais obturados no li- perirradiculares, e a maioria dos cimentos endodônti-
mite do ápice ou até 2mm aquém apresentaram um per- cos, embora apresente níveis variados de citotoxicida-
centual de sucesso de 94%, enquanto os sobreobturados de antes da presa, usualmente perde essa propriedade
ou os obturados a mais de 2mm do ápice apresentaram após o endurecimento3,35. Uma vez que a agressão quí-
índices menores, ou seja, 76 e 68%, respectivamente. mica causada pelos cimentos é transitória, deve-se re-
Araújo Filho1, avaliando clínica e radiografica- conhecer então que é incapaz de induzir e manter uma
mente o tratamento endodôntico de dentes desvitaliza- lesão perirradicular. Quando extravasados, os cimen-
dos realizados em sessão única, concluiu que o limite tos podem ter três destinos, dependendo de suas pro-
apical de obturação foi um fator diferencial, uma vez priedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser fago-
que o maior índice de sucesso foi observado no grupo citados ou se dissolver e serem eliminados na forma de
onde os canais radiculares foram obturados no limite pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser
de 0 a 2mm aquém da abertura foraminal. encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracteri-
O índice de sucesso dos casos de necropulpectomia zado pelo predomínio de colágeno (Fig. 16.1-4).
obturados ao nível dos 2mm apicais do canal é bastante Nos casos em que ultrapasse o cone de guta-
próximo daquele obtido para as biopulpectomias. Esse percha para os tecidos perirradiculares geralmente se
fato salienta a importância de se instrumentar o canal e forma uma cápsula fibrosa envolvendo-o. Entretanto,
obturá-lo a um nível mais próximo possível do forame podem existir situações em que o cone extravasado é
Obturação dos Canais Radiculares 649

Figura 16.1-4. Extravasamento de material obturador. Incisivo lateral superior. Obturação do canal com grande extravasamento de material
obturador (pasta L & C). Controle após 8 anos. Material encapsulado (radiograficamente).

de pequeno calibre e, com o passar do tempo, pode ser Embora alguns raros casos de fracassos associa-
reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico dos a sobreobturações possam ser atribuídos a uma re-
de solubilização e desintegração e também pela ação ação de corpo estranho ao material extravasado43,67, na
macrofágica25,26,35 (Fig. 16.1-5). maioria das vezes, a presença de micro-organismos é o
Aliás, para reforçar tais afirmativas inerentes à au- principal elemento determinante do insucesso e não a
sência de toxicidade significativa dos materiais obturado- toxicidade dos materiais comumente utilizados na atu-
res, pode-se comentar o fato de que nos casos de dentes alidade. Esse dado ressalta o papel exercido por micro-
polpados, onde uma infecção endodôntica não está insta- organismos no fracasso da terapia endodôntica.
lada no sistema de canais radiculares, a sobreobturação Baseados no exposto, consideramos que a obtura-
não influencia negativamente o sucesso do tratamento. ção deva preencher toda a extensão do canal preparado,
devendo então se localizar, sempre que possível, 0,5 a
1mm do ápice radiográfico (Fig. 16.1-6). Isso permite a
eliminação do espaço vazio, reduzindo o risco de ulte-
rior colonização bacteriana nesse espaço, o que caracteri-
zaria um potencial fracasso do tratamento endodôntico.
Obturações muito aquém não são indicadas, uma vez
que podem deixar um segmento muito extenso no qual
micro-organismos inevitavelmente poderão se estabele-
cer. Deve-se ter ainda em mente que, embora o limite
ideal seja de 0,5 a 1mm aquém do ápice, em determina-
das circunstâncias ele será difícil de ser alcançado, como
em casos de forame amplo, devido a reabsorções den-
tárias, sobreinstrumentação ou rizogênese incompleta,
que predispõem à sobreobturação. Já nos casos de hi-
percementose e de acidentes, como degraus, bloqueios
e instrumentos fraturados, a obturação pode ter de fi-
car muito aquém do limite ideal. O profissional deverá
Figura 16.1-5. Extrusão de cone de guta-percha para os tecidos
avaliar as condições peculiares de cada caso e decidir a
perirradiculares. Controle após 3 anos. Material encapsulado (radio- conduta a ser tomada, que pode incluir prosservação ou
graficamente). cirurgia perirradicular (Figs. 16.1-7 e 16.1-8).
650 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

 DESCONTAMINAÇÃO DOS CONES DE


GUTA-PERCHA
Os cones de guta-percha, como disponíveis no
comércio especializado, por serem termolábeis, não
podem ser esterilizados pelo calor. Uma vez que con-
tatam os tecidos perirradiculares, é aconselhável des-
contaminar esses cones antes do uso por um método
químico.
Depois de removidos de suas embalagens, alguns
cones de guta-percha comercialmente disponíveis po-
dem se encontrar contaminados com micro-organis-
Figura 16.1-6. Material obturador preenchendo toda a extensão
mos potencialmente patogênicos49.
do canal radicular preparado (limitado de 0,5 a 1mm do ápice ra- Embora a maioria dos cones de guta-percha não
diográfico). Pré-molar inferior. (Gentileza do Ten.-Cel. Dent. Chiesa.) seja esterilizada pelo fabricante, alguns fatores podem
Corte histológico. Selamento apical. (Gentileza do Prof. R. Holland.) ser responsáveis pelo baixo percentual de contami-
nação dos cones. A atividade antimicrobiana prova-
velmente está relacionada com os efeitos de algumas
substâncias, como o óxido de zinco, que fazem parte
da composição do cone de guta-percha. Outrossim, a
superfície dos cones de guta-percha dificulta a coloni-
zação microbiana.
Estudos demonstraram que a imersão dos cones
em hipoclorito de sódio nas concentrações entre 2,5 e
5,25% é suficiente para efetivamente eliminar micro-
organismos contaminantes60,61.
O hipoclorito de sódio, além de possuir ativida-
de antibacteriana, é também um agente esporocida6,16
que pode inibir a germinação e o crescimento de es-
poros. Siqueira et al.63 demonstraram que a solução a
5,25% foi eficaz para eliminar esporos sobre os cones
de guta-percha após 1 minuto de contato, corroboran-
Figura 16.1-7. Bloqueio apical. Obturação aquém do limite ideal.
do os achados de Senia et al.60. Esses dados indicam
que o NaOCl a 5,25% pode ser usado de forma eficaz
na descontaminação dos cones de guta-percha antes
da obturação do sistema de canais radiculares.
Silva et al.61 avaliaram a eficácia de quatro so-
luções comerciais de hipoclorito de sódio a 2–2,5%
para eliminar esporos de Bacillus subtilis sobre cones
de guta-percha. Os produtos testados foram três mar-
cas de água sanitária (Clorox, Q-Boa e Super Globo) e
Virex. Os cones de guta-percha contaminados com os
esporos foram deixados em contato com as soluções
por 1, 3, 5, 10 e 20 minutos. Os resultados demonstra-
ram que todas as soluções testadas descontaminaram
os cones após 1 minuto de contato. Tais resultados
evidenciaram que a água sanitária pode ser utiliza-
da para a descontaminação eficaz dos cones de guta-
percha antes do uso.
Figura 16.1-8. Bloqueio apical. Cones de prata seccionados não Lopes et al.38, por meio da microscopia eletrônica
removidos. Controle após 1 ano. de varredura, não observaram alterações morfológicas
Obturação dos Canais Radiculares 651

seções retas transversais e irregulares, a técnica de ob-


turação pela termoplastificação apresentará resultados
superiores à de compactação lateral.
Assim, podemos afirmar que o selamento de um
canal radicular pelo material obturador está relaciona-
do muito mais com a forma do preparo e a textura da
superfície das paredes do canal radicular do que com a
técnica de obturação empregada.
A técnica consiste, basicamente, dos seguintes
passos:
Figura 16.1-9. Superfícies de cones de guta-percha (eletromicro-
grafia). Lado esquerdo. Após contato com solução de hipoclorito
de sódio. Ausência de alteração morfológica na superfície do cone. Seleção do espaçador
Lado direito. Sem contato com solução de hipoclorito de sódio.
Os espaçadores têm a função de abrir espaços
para a colocação de cones acessórios lateralmente ao
principal.
nas superfícies dos cones de guta-percha Dentsply e
Espaçadores digitais devem ser preferidos em re-
Ohdacam: (a) após o contato por 30 minutos com solu-
lação aos manuais (Fig. 16.1-10A e B). O fato de a força
ção de hipoclorito de sódio a 5%, álcool iodado a 0,3%,
aplicada estar na direção axial do instrumento (eixo do
Germekil (Ceras Johnson Ltda. – Divisão Hospitalar),
canal radicular) permite um melhor sentido tátil, uma
Cidex (Johnson & Johnson Medical, SP, Brasil) e clo-
melhor sensibilidade para avaliar a intensidade da re-
rexidina a 2%, e (b) por 7 dias com glicerina fenicada
sistência ao avanço do instrumento na massa obtura-
a 10% e em ambiente de formaldeído (4 g/L) (Fig.
dora e um menor risco de induzir tensões nas paredes
16.1-9).
do canal, o que poderia resultar em fraturas verticais.
Por sua vez, quando usamos os espaçadores manuais,
 TÉCNICA DE COMPACTAÇÃO LATERAL
Essa técnica de obturação, também denominada
de compactação lateral a frio, parece ter sido inicial-
mente proposta por Callahan, em 191423. A expressão
compactação lateral refere-se à colocação sucessiva de
cones auxiliares lateralmente a um cone principal bem
adaptado e cimentado no canal. O espaço para os cones
auxiliares é comumente criado pela ação de espaçado-
res. O termo compactação em substituição ao de conden-
sação é recomendado pelo Glossário de Terminologia
Contemporânea para Endodontia22.
A técnica de compactação lateral pode ser utiliza-
da na grande maioria das situações clínicas. Contudo,
em casos de curvatura extrema, aberrações anatômicas A
ou reabsorção interna, essa técnica deve ser modificada
ou substituída por uma que empregue a termoplasti-
ficação da guta-percha. Entretanto, os resultados obti-
dos por diversos autores indicam não haver diferença
estatística significante quanto à infiltração apical ou
cervical de corantes ou de bactérias entre a técnica de
compactação lateral e as de obturação pela termoplas-
tificação da guta-percha2,21,24,73.
Para Kerekes e Rowe33, onde se consegue um pre-
paro do segmento apical com seção reta transversal B
circular, qualquer técnica de obturação tende a apre-
sentar resultados semelhantes. Porém, em canais com Figura 16.1-10. Espaçadores endodônticos. A. Digital. B. Manual.
652 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

a aplicação da carga para induzir o avanço do instru- em D0 é de 0,20mm para os espaçadores A, B e C, e de


mento é paralela (distante) ao eixo do canal, tornando 0,35mm para o D.
difícil ao profissional avaliar a intensidade da resistên- Quanto à geometria, os espaçadores endodôn-
cia da massa obturadora e da parede do canal. Além ticos digitais apresentam ponta cônica obtida por
desse fato, há maior possibilidade de serem criados torneamento, exceto os de aço inoxidável D. Nesses,
binários que aumentam o carregamento nas paredes a ponta não é definida, sendo uma continuidade do
do canal e possibilitam a indução de fratura da raiz. segmento cônico da haste metálica. Os vértices das
O espaçador a ser utilizado é o de maior diâmetro a pontas dos espaçadores de aço inoxidável A, B e C são
penetrar livremente no canal de 1 a 2mm aquém do arredondados (obtusos), enquanto o do instrumento
comprimento do trabalho (CT), sem transmitir durante D é truncado. Para os de NiTi, os vértices são trun-
a obturação força excessiva nas paredes do canal. Isso cados e biselados. O ângulo da ponta é de 20° com
porque quanto mais profundamente penetrar o espa- pequenas variações para os espaçadores de aço inoxi-
çador, melhor será a qualidade do selamento apical. dável, exceto para o D, cujo ângulo é o mesmo do seg-
Por essa razão, espaçadores devem ser usados com li- mento cônico da haste metálica do instrumento (3,5°).
mitadores de penetração. Os espaçadores de NiTi apresentam dois ângulos, um
Esse objetivo é geralmente logrado em canais re- de 90° na extremidade da ponta, formando o bisel, e
tos, porém, em canais curvos os espaçadores encon- outro de 20° com pequenas variações, localizado na
tram maior resistência ao seu avanço na massa obtu- parte posterior da ponta.
radora induzindo maior carregamento nas paredes do Na análise por meio do microscópio eletrônico de
canal radicular. varredura observamos que as pontas dos espaçadores
A indução de tensões nas paredes de um canal A, B e C de aço inoxidável são lisas e os segmentos cô-
radicular curvo durante a obturação pela técnica de nicos apresentam ranhuras longitudinais, enquanto os
compactação lateral pode ser influenciada por fato- de NiTi apresentam ranhuras circunferenciais em toda
res inerentes à anatomia do dente e ao espaçador. a extensão na parte de trabalho oriundas das ferramen-
Em relação à anatomia do dente, podemos destacar tas de usinagem40 (Figs. 16.1-11 a 16.1-14).
o diâmetro da raiz, a forma do canal radicular e o
raio do arco de um canal curvo. Quanto ao espaça- Seleção do cone principal
dor, destacamos suas características geométricas e
O cone é escolhido em função do diâmetro do
sua flexibilidade.
instrumento empregado no preparo apical do canal
Para Lopes et al.41, os espaçadores endodônticos
radicular.
(Dentsply-Maillefer, Suíça) de NiTi são estatisticamen-
te mais flexíveis do que os de aço inoxidável. Compa-
rando-se os valores das médias das forças para flexio-
nar em cantilever, os espaçadores observaram que: a
força para flexionar o espaçador A de aço inoxidável é
167% maior do que a necessária para o de NiTi; para os
espaçadores B, C e D a força é maior 146%, 102% e 64%,
respectivamente. Para os espaçadores de uma mesma
liga metálica, a força máxima de flexão em cantilever
aumentou com o aumento da conicidade da parte de
trabalho da haste metálica.
Devido à resistência em flexão espera-se que os
espaçadores endodônticos digitais de NiTi induzam
menor tensão do que os de aço inoxidável nas paredes
de canais radiculares curvos, durante a obturação do
canal pela técnica de compactação lateral15,32,41. Por essa
razão para canais com segmentos curvos devemos dar
preferência aos espaçadores de NiTi.
A conicidade da parte de trabalho é de 0,02, 0,03, Figura 16.1-11. Espaçadores endodônticos digitais. Aço inoxidá-
0,05 e 0,06mm/mm, respectivamente, para os espaça- vel, A, B e C (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: Ponta lisa, vértice
dores endodônticos digitais A, B, C e D. O diâmetro arredondado, ângulo de 20° e ranhuras longitudinais.
Obturação dos Canais Radiculares 653

Os cones de guta-percha padronizados nas co-


nicidades 0,02, 0,04 e 0,06mm/mm geralmente são
escolhidos (Fig. 16.1-15). A maior conicidade do cone
de guta-percha aumenta a resistência mecânica da fle-
xocompressão da ponta no sentido da região de maior
diâmetro do cone. Assim, cones de guta-percha com
iguais diâmetros em D0, os de maior conicidade (milí-
metro por milímetro), são mais resistentes à flexocom-
pressão. Essa forma permite a ponta do cone vencer
durante o avanço, no interior do canal radicular, cur-
Figura 16.1-12. Espaçadores endodônticos digitais. Aço inoxidá- vaturas e pequenos obstáculos presentes, até que seja
vel, D (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: ponta truncada, ranhuras
longitudinais. alcançado o CT. Outra razão para o uso de cones com
maior conicidade é que as técnicas de instrumentação
recomendam uma maior ampliação do segmento cervi-
cal e médio dos canais radiculares. Assim, os cones de
maior conicidade preenchem melhor o espaço do ca-
nal cirúrgico reduzindo o número de cones acessórios
empregados na obturação do canal radicular. Alguns
fabricantes fornecem cones de guta-percha com as di-
mensões correspondentes aos instrumentos endodôn-
ticos. Devem ser seguidos três critérios para seleção do
cone principal: inspeção visual, critério tátil e critério
radiográfico.

Inspeção visual
Apreende-se o cone com uma pinça clínica (tipo
Perry), introduzindo-o no canal até o CT. Após sua
Figura 16.1-13. Espaçadores endodônticos digitais. NiTi, A, B C, e retirada, não deve apresentar distorções (resultantes
D (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: ponta com vértice truncado e de pressão apical exercida durante a introdução de
biselado, ângulos de 20 e 90°, ranhuras circunferenciais. um cone de diâmetro inferior ao do canal). Se o cone

Figura 16.1-14. Espaçadores endodônticos digitais. Superior. Aço


inoxidável. Parte de trabalho: ponta lisa e haste cônica com ranhuras
longitudinais. Inferior. NiTi. Parte de trabalho: ponta e haste cônica
com ranhuras circunferenciais. Figura 16.1-15. Cones de guta-percha padronizados.
654 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

não alcança essa medida, deve ser testado um outro Critério radiográfico
de diâmetro imediatamente inferior. A recapitulação
Aprovado nos testes visual e tátil, o cone é posicio-
do preparo, com o último instrumento que trabalhou
nado no canal e o dente é radiografado para confirmar
em todo o comprimento de trabalho, e uma abundan-
a exatidão da seleção. Em cada um dos dentes com mais
te irrigação/aspiração podem ser de grande valia na
de um canal deverá ser posicionado o respectivo cone
remoção de resíduos no canal que impedem o avan-
antes da tomada radiográfica. Nesses casos recomenda-
ço apical do cone. Em determinadas situações, o ins- mos a realização de, no mínimo, uma tomada no sentido
trumento alcança o CT; entretanto, o cone do mesmo ortorradial e outra angulada (mésio ou distorradial). Na
diâmetro nominal não o faz. Isso pode ser justificado dúvida quanto ao limite apical do cone, a seleção deverá
pelo alto limite de tolerância permitido e por deficiên- ser individualizada, ou seja, canal por canal. A radio-
cia na estandardização de instrumentos e cones ou pela grafia da prova do cone representa a oportunidade final
presença de resíduos no interior do canal radicular, já de avaliação de todas as etapas operatórias, mostrando
que eles podem impedir o avanço dos cones, mas não se o limite apical de trabalho foi correto e se ocorreram
dos instrumentos de mesmo diâmetro, pois, ao contrá- alterações na forma original do canal radicular. Mostra-
rio daqueles, são mais resistentes à flexocompressão e rá também, dentro das resoluções proporcionadas pela
possuem canal helicoidal, no qual os resíduos podem técnica radiográfica, o ajuste do cone às paredes do seg-
se acomodar. A pinça tipo Perry permite melhor acesso mento apical do canal (Fig. 16.1-17).
aos canais de dentes posteriores, assim como melhor Selecionado o cone principal, ele pode ser mar-
controle da sensibilidade tátil na seleção dos cones de cado por uma ligeira pressão com uma pinça clínica
guta-percha. na região coincidente com o ponto de referência oclu-
sal/incisal, permitindo que o profissional, no ato da
cimentação, facilmente consiga reinseri-lo na exten-
Critério tátil são desejada.
Uma vez que o cone atinge o CT, o que é inicial- O procedimento de seleção deve ser realizado
mente avaliado de forma visual, deve oferecer uma com o canal umedecido pela solução química auxiliar,
certa resistência ao deslocamento coronário. Essa resis- permitindo assim a lubrificação do canal, à semelhança
tência muitas vezes referida como travamento é acen- da que será proporcionada pelo cimento obturador.
tuada, sobretudo em canais preparados a um maior Após a remoção do cone selecionado do canal, o
diâmetro em seu segmento apical, ou tênue, quando o mesmo é envolto por uma gaze umedecida com hipo-
preparo apical se limita a instrumentos de menor diâ-
metro. A resistência ao deslocamento oferecido pelo
cone deve ser tanto no sentido coronário quanto no
apical. Assim, o cone que alcança o CT não deve ultra-
passar essa medida (Fig. 16.1-16).

Figura 16.1-16. Inspeção visual e critério tátil. Figura 16.1-17. Seleção do cone. Critério radiográfico.
Obturação dos Canais Radiculares 655

clorito de sódio, permanecendo aí até o momento de do cone em solventes orgânicos ou pelo calor. A pon-
sua cimentação. O mesmo deve ser feito com os cones ta do cone de guta-percha (3mm aproximadamente) é
acessórios. mergulhada por um segundo em clorofórmio ou por 5
O ajuste do cone principal junto ao CT do canal segundos em eucaliptol. A seguir, com o canal umede-
contribui para um eficiente selamento apical da obtu- cido pela substância química auxiliar, o cone é levado
ração e reduz a extrusão do material obturador para em posição e pressionado em sentido apical. Remo-
os tecidos perirradiculares. Entretanto, torna-se difícil vido do canal, é mergulhado em álcool absoluto por
o correto ajuste do cone principal de guta-percha junto 5 minutos e secado em gaze esterilizada. A remoção
ao segmento apical do canal, uma vez que os proce- dos solventes com álcool é importante, uma vez que a
dimentos endodônticos executados durante a instru- presença do eucaliptol ou clorofórmio pode provocar a
mentação normalmente não permitem ao profissional desintegração física do cimento obturador. Além dis-
um controle exato sobre o diâmetro e a forma final do so, a evaporação do solvente pode provocar contração
preparo. Além disso, a despeito de todos os esforços no volumétrica do cone de guta-percha. Esses fatos, certa-
intuito de padronizar as dimensões dos instrumentos mente, podem comprometer a qualidade do selamento
endodônticos e dos cones de guta-percha, há sempre apical da obturação do canal radicular.
uma discrepância entre as dimensões dos instrumen- A ponta do cone de guta-percha também pode ser
tos e dos cones de uma mesma numeração. Sendo a plastificada pelo calor por meio de toque rápido com
tolerância de fabricação para o diâmetro em D0 dos espátula Hollembak aquecida à chama. Após a molda-
instrumentos endodônticos de ± 0,02mm, pode haver gem apical devemos realizar marcas na face vestibular
uma discrepância de 0,07mm entre eles e os cones de da coroa dentária e na extremidade extracoronária do
guta-percha de mesmo diâmetro nominal especifica- cone que permitam o posterior posicionamento e sua
do. Essa diferença ainda pode ser maior entre cones adaptação junto ao batente apical (Fig. 16.1-19).
de mesmo diâmetro, isto é, de 0,1mm (tolerância para A modelagem apical, embora seja um método
os cones de ± 0,05mm). Por exemplo, uma embalagem seguro para adaptação do cone de guta-percha junto
de cones no 40 pode, na verdade, conter cones nos 35 ao batente apical, é prática pouco utilizada e difícil de
e 45. Essas diferenças podem gerar problemas quando ser executada em canais curvos. Assim, essa adapta-
da seleção do cone principal, sendo ainda mais críticas ção pode ser obtida executando-se sucessivos cortes da
se o fabricante não obedecer estritamente aos valores extremidade do cone com uma lâmina de barbear ou
estabelecidos. Deve-se salientar que a forma da pon- bisturi, até que ele se ajuste junto ao batente apical e
ta dos instrumentos endodônticos não é a mesma dos ofereça alguma resistência à tração ou ao avanço.
cones de guta-percha. Existem acentuadas diferenças
entre as formas, conicidades, extremidades dos vérti-
ces e comprimentos das pontas (Fig. 16.1-18). Assim,
uma melhor adaptação poderá ser obtida moldando-
se o preparo apical por meio da plastificação da ponta

Figura 16.1-18. Acentuadas diferenças entre as formas, conicida-


des, extremidades dos vértices e comprimentos das pontas dos Figura 16.1-19. Ponta do cone de guta-percha plastificada pelo
instrumentos endodônticos comparadas às dos cones de guta- calor e adaptada (moldada) junto ao batente apical do canal ra-
percha. dicular.
656 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

Outros autores mencionam o uso de tesoura para


o corte da extremidade apical do cone de guta-percha.
O corte com a tesoura produz uma superfície com for-
ma semelhante à da boca de um saco de juta costura-
do (Fig. 16.1-20A e B). Essa forma torna impossível a
adaptação do cone junto ao batente apical. A maior ou
menor deformação do cone após o corte depende do
desenho da tesoura e da plasticidade da guta-percha.
Com o aumento do carregamento, o cone é forçado a
deslizar sobre as duas superfícies da lâmina de corte da
tesoura, produzindo os dois planos inclinados39.
A
O corte da guta-percha deve ser realizado com
uma lâmina, apoiando-se o cone sobre uma placa de vi-
dro. Esse procedimento proporciona um corte regular,
porém não permite a calibração do cone, o que dificulta
o seu ajuste junto ao batente apical. O ajuste é feito por
sucessivas tentativas. Durante o corte com uma lâmina
são criadas tensões compressivas em um único plano,
o que proporciona a formação de um corte perpendicu-
lar ao sentido da compressão39 (Fig. 16.1-21A e B).
Outro método é o de introduzir a ponta do cone B
de guta-percha na perfuração padronizada de uma ré-
gua (Maillefer, Suíça) e, com uma lâmina, proceder à Figura 16.1-21. Corte da ponta do cone de guta-percha apoiado
eliminação da porção que ultrapassou o limite do furo sobre uma placa de vidro com lâmina cortante (de barbear ou bis-
turi). A. Desenho esquemático. B. Eletromicrografias.
selecionado. Com esse método obtemos a calibração
do cone; todavia, a superfície do corte não é regular,
deixando rebarbas. Isto ocorre porque o cone não está
apoiado e não há resistência oposta ao sentido de cor-
te39. Quanto maior a plasticidade do cone, maior será o
tamanho do defeito (rebarba)39 (Fig. 16.1-22A e B).

B
B
Figura 16.1-22. Corte da ponta do cone de guta-percha. A. Por
Figura 16.1-20. Corte da ponta do cone de guta-percha com te- meio de uma régua calibradora e de uma lâmina cortante. B. Ele-
soura. A. Desenho esquemático. B. Eletromicrografias. tromicrografias.
Obturação dos Canais Radiculares 657

Em função do exposto, indicamos inicialmente o


corte do cone por meio da régua calibradora. A seguir,
a regularização da superfície de corte pela remoção de
uma delgada fatia da extremidade do cone com uma
lâmina, estando ele sobre uma placa de vidro. Na exe-
cução do primeiro corte o cone deve ser posicionado
no furo da régua calibradora até encontrar uma suave
resistência39.

Secagem do canal
Após abundante irrigação-aspiração realizamos
inicialmente a secagem do canal, utilizando para isso
pontas aspiradoras seguidas de cones de papel ab-
sorvente de diâmetros compatíveis com o do preparo
apical, sobre os quais se delimita o comprimento de
trabalho, para evitar traumatismos sobre o tecido pe-
rirradicular. Os cones de papel absorventes são ofere-
cidos comercialmente nas conicidades de 0,02, 0,04 e
0,06mm/mm e diâmetros em D0 padronizados (ISO). Figura 16.1-23. Espátula metálica flexível (Odous Industrial e Co-
mercial Ltda., Belo Horizonte, MG).
Alguns fabricantes oferecem cones de papel absorven-
te com os diâmetros semelhantes aos dos instrumentos
endodônticos empregados no preparo apical do canal
radicular. o cone de guta-percha principal, após secagem
Um cone de papel absorvente deverá ser manti- em gaze esterilizada, é introduzido no canal, com
do no interior do canal até o momento da obturação movimentos curtos de avanços e retrocessos, até
propriamente dita a fim de absorver a umidade que se atingir o CT.
deve acumular principalmente na região apical. Nos • Pelo uso de cone principal seguro com pinça tipo
casos de ampla dilatação no sentido coroa-ápice, mais Perry na marca confeccionada correspondente ao
de um cone de papel pode ser colocado lateralmente CT. O cone é carregado com o cimento endodônti-
ao apical. co e inserido no canal, realizando-se movimentos
curtos de avanço e retrocesso até atingir o CT. Para
se evitar excesso de cimento na câmara pulpar, o
Preparo do cimento obturador
cone deve ser envolvido com material cimentante
A manipulação do cimento é feita utilizando-se a partir de sua extremidade até a região mediana
placa de vidro e espátula metálica flexível estéreis, de (Fig. 16.1-24).
acordo com as características e instruções próprias do
produto comercial selecionado para a obturação do ca- Deve-se evitar a colocação do cone em um único
nal radicular (Fig. 16.1-23). movimento no sentido apical para evitar que possíveis
bolhas de ar existentes no canal fiquem aprisionadas. A
Colocação do cone principal
O cimento poderá ser levado ao interior do canal
de duas maneiras:

• Por meio de instrumento de diâmetro imediata-


mente menor do que o usado no preparo do ba-
tente apical. O instrumento com o canal helicoidal
carregado com o cimento é introduzido no canal
até o CT e, em seguida, removido, realizando-se Figura 16.1-24. Cimento obturador levado ao interior do canal por
simultaneamente movimento de rotação anti-ho- meio do cone de guta-percha e por meio de instrumento endo-
rária e retrocesso em sentido cervical. A seguir, dôntico.
658 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

Figura 16.1-25. Colocação do cone principal carregado com ci-


mento endodôntico no interior do canal radicular.
Figura 16.1-26. Compactação lateral.

presença de bolhas se movimentando em sentido api- o interior da cavidade pulpar, o que inevitavelmente
cal pode provocar dores durante o ato da obturação. dificultaria a introdução do cone acessório. Esse deve
Além disso, a colocação do cone no canal radicular em possuir diâmetro inferior ao do espaçador. A não ob-
único movimento pode induzir uma pressão unidire- servação desses procedimentos é a principal causa
cional no sentido do forame radicular, promovendo o de defeitos na obturação. Todos esses procedimentos
extravasamento do cimento para os tecidos perirradi- devem ser repetidos até que o espaçador não penetre
culares (Fig. 16.1-25). mais do que a junção dos segmentos médio e cervical.
Toma-se uma radiografia para avaliar a qualidade da
Compactação lateral propriamente dita obturação e, se necessário, são feitos os devidos ajustes
(Fig. 16.1-27).
A compactação do material obturador no interior
Em dentes com mais de um canal, são repetidos
do canal radicular é fundamental para se alcançar a im-
todos os procedimentos desde a cimentação dos cones
permeabilidade a fluidos, impedindo a infiltração mi-
principais. Em determinadas circunstâncias devem ser
crobiana advinda da cavidade bucal, e para a elimina-
ção do espaço vazio propício à proliferação de micro-
organismos remanescentes. Estando o cone principal
de guta-percha ajustado no segmento apical do canal,
o avanço do espaçador devido à sua forma cônica pro-
move a compactação ou a adaptação do material obtu-
rador nas paredes do canal radicular, propiciando um
selamento adequado.
O espaçador selecionado é introduzido no canal
lateralmente ao cone de guta-percha principal, utili-
zando movimentos simultâneos de penetração no sen-
tido apical e rotação alternada. Inicialmente o espaça-
dor selecionado deve penetrar (avanço) no canal até 1
a 2mm aquém do CT (Fig. 16.1-26).
Procede-se então à remoção do espaçador com
uma das mãos, inserindo-se imediatamente no espa-
ço criado um cone acessório carregado com cimento.
Essa rápida inserção impede a perda do espaço criado, Figura 16.1-27. Término da compactação lateral. Tomada radio-
a qual ocorre devido à fluência da guta-percha para gráfica.
Obturação dos Canais Radiculares 659

realizadas as obturações dos canais separadamente. mais fácil em razão de induzir tensões cisalhantes, o
Nesses casos, as entradas dos canais não obturados de- que é difícil de conseguir com instrumentos cilíndri-
vem ser bloqueadas com cones de papel absorventes. cos (compactadores) (Fig. 16.1-28). Imediatamente de-
Tomando como exemplo um molar inferior, podemos pois do corte é realizada uma compactação no sentido
obturar os canais mesiais e, a seguir, o distal. Se a obtu- apical, usando-se um compactador sem aquecimento.
ração for realizada em sessões diferentes, a embocadu- A compactação vertical da massa obturadora, plastifi-
ra do canal obturado deve ser bloqueada com cimento cada pelo calor do corte, deve ser feita repetidamente.
(Cavit, Coltosol etc.). Encerrando o processo, executamos durante um tem-
A pressão nas paredes do canal exercida duran- po mínimo de 3 minutos uma compressão do material
te a penetração de espaçador, por ser semelhante à obturador com um compactador. Esse tempo mínimo
introdução de uma cunha, deve ser realizada com empregado na compressão final é necessário devido à
cuidado para não ultrapassar a resistência à compres- elevada taxa de resfriamento da guta-percha. Esse pro-
são da dentina. O aumento abusivo da força, além de cedimento reduz, significativamente, o efeito de sua
não melhorar a qualidade da obturação28,43, pode pro- contração volumétrica e aumenta o contato do cimento
vocar o deslocamento longitudinal do cimento e/ou com as paredes do canal durante a presa, o que dimi-
do cone de guta-percha em sentido apical e fraturas nui a interface do cimento à dentina radicular. Conse-
radiculares verticais que comprometem o sucesso do quentemente se aumenta também o selamento da ob-
tratamento endodôntico25,47. Para evitar a fratura ra- turação junto ao segmento cervical do canal radicular
dicular vertical de uma raiz durante a compactação (Fig. 16.1-29).
lateral, a carga máxima aplicada ao espaçador deve Observa-se então se o limite coronário da ob-
ser de 1,1kgf30. turação está em sentido apical ao nível da gengiva
Lopes et al.40, avaliando a força de avanço de es- marginal, o que é facilmente realizado, utilizando-se
paçadores endodônticos digitais de aço inoxidável e de uma sonda periodontal milimetrada. Feitos os ajustes
NiTi durante a compactação lateral, concluíram que a quando necessário, limpa-se completamente a câmara
força máxima necessária para o avanço do espaçador pulpar com álcool etílico, removendo-se todos os resí-
endodôntico digital em um canal artificial reto ou cur- duos de material obturador. Esses procedimentos vi-
vo foi maior para o de NiTi (canal reto 810gf, curvo sam a prevenir o escurecimento da coroa dentária após
1.948gf) do que para o de aço inoxidável (canal reto a conclusão do tratamento endodôntico. Toma-se uma
693gf, curvo 1.604gf). radiografia para variar a qualidade da obturação e, se
Vértice truncado, presença de bisel e ranhuras necessário, são feitos os seus devidos reajustes (Fig.
circunferenciais presentes nos espaçadores endodôn- 16.1-30).
ticos de NiTi oferecem maior resistência mecânica ao A cavidade coronária deve então ser preenchi-
da com material selador temporário. Em dentes que
avanço do instrumento no interior do canal artificial
reto ou curvo, induzindo à aplicação de uma força
maior. Ao contrário, ponta lisa, vértice arredondado
e ausência de bisel oferecem menor resistência mecâ-
nica ao avanço do espaçador endodôntico digital de
aço inoxidável.

Compactação vertical final


Os cones que projetam na câmara pulpar são cor-
tados com instrumento aquecido (espátula no 1) em
sentido lateral, de encontro à parede dentinária ao ní-
vel da embocadura do canal. O instrumento deve ser
aquecido na zona redutora da chama de uma lâmpa-
da de álcool durante 5 segundos. Com esse período,
a temperatura alcançada pelo instrumento é capaz de
plastificar e cortar o excesso de cones e não provocar o
aquecimento externo do dente capaz de causar injúrias Figura 16.1-28. Corte dos cones de guta-percha com instrumento
aos tecidos de sustentação. O corte com a espátula é aquecido.
660 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

Figura 16.1-31. Selamento coronário.


Figura 16.1-29. Compactação vertical e compressão do material
obturador.

Removido o isolamento absoluto, toma-se uma


radiografia ortorradial que funciona como arquivo do
profissional (Fig. 16.1-32A, B, C, D e F).
A restauração definitiva do elemento dentário
deve ser realizada preferencialmente no menor tempo
possível após a obturação. Nos casos onde a restaura-
ção definitiva será postergada, a cavidade coronária
deve ser preenchida com ionômero de vidro ou resinas
fotopolimerizáveis, que têm mostrado ser efetivas em
impedir a microinfiltração. O retardo da restauração
do dente pode permitir a infiltração microbiana advin-
da da cavidade bucal e comprometer o sucesso a longo
prazo do tratamento endodôntico.
É importante mencionar que, ao se realizar a
compactação lateral ou vertical isoladamente, sempre
haverá uma combinação de tensões no material ob-
turador e nas paredes do canal radicular. Durante as
manobras clínicas de obturação de um canal radicular
as tensões oriundas das forças aplicadas nos espaça-
dores para compactar o material obturador não são,
Figura 16.1-30. Tomada radiográfica para avaliar a qualidade da na verdade, nem lateral e nem vertical, mas uma com-
obturação.
binação integrada de tensões. A pressão no material
obturador induz o seu escoamento em todas as dire-
ções. Quanto maior o esforço de compactação, maio-
não serão restaurados com resina composta optamos res são as pressões multidirecionais do material ob-
pelo emprego de cimentos à base de OZE (Pulpo-San, turador (tensões denominadas hidrostáticas). Mesmo
IRM). Caso contrário, utilizamos cimentos que não utilizando espaçadores com ponta afilada para fazer
contêm eugenol (Cavit, Coltosol, ionômero de vidro), a compactação lateral ou compactadores com ponta
pois ele interfere na reação de presa do material, com- truncada para obter a compactação vertical, os veto-
prometendo o selamento da restauração coronária20 res de força aplicada são uma combinação de forças
(Fig. 16.1-31). em várias direções.
Obturação dos Canais Radiculares 661

A B C

D E F

Figura 16.1-32. Casos clínicos representativos da obturação do canal radicular pela técnica de compactação lateral. A. Molar superior. (Gen-
tileza do Ten.-Cel. Chiesa.) B. Molar superior. C. Molar inferior. D. Molar inferior. E. Incisivos inferiores. (Gentileza de V. A. Fonseca.) F. Canino
superior. (Gentileza de M. D. Viana.)

 MANOBRA DO TAMPÃO APICAL mento utilizado na obturação do canal, e o biológico é


favorecer a reparação por deposição de um tecido mi-
Na obturação de dentes com necrose pulpar e
neralizado junto à área crítica apical36,37 (Figs. 16.1-33
reabsorção radicular apical visível radiograficamente,
a 16.1-35). Como tampão apical podemos empregar
assim como em dentes com rizogênese incompleta,
empregamos a manobra do tampão apical. O tampão materiais à base de hidróxido de cálcio (cimentos e
apical consiste na colocação de um material obturador pastas endodônticas) e o agregado de trióxido mine-
biologicamente compatível com os tecidos perirradicu- ral (MTA)74. Essa manobra é indicada para os casos de
lares no segmento apical do canal radicular (tampão dentes onde a criação do batente apical durante o pre-
apical), sendo o restante obturado de forma convencio- paro químico-mecânico, com a finalidade de restringir
nal (cimento endodôntico e cones de guta-percha)36,37. e confinar o material de obturação no interior do canal
O tampão apical é utilizado com objetivo mecâ- radicular, torna-se difícil de ser realizada.
nico e biológico. O objetivo mecânico é atuar como um Geralmente empregamos a pasta L & C como ma-
obstáculo ao extravasamento da guta-percha e do ci- terial obturador do segmento apical radicular (tampão
662 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

apical). A manipulação dessa pasta é feita utilizando


placa de vidro e espátula estéreis e agregando o pó
constituinte dela ao veículo até se obter uma massa
pastosa, homogênea e com consistência de trabalho
(massa de vidraceiro). Uma vez preparada a pasta e es-
tando o canal corretamente preparado, realiza-se o seu
preenchimento, utilizando-se espirais de Lentulo.
A espiral de Lentulo deve ser acionada obrigato-
riamente com giro à direita e possuir diâmetro menor
do que o do preparo do canal radicular. Após carrega-
da com a pasta, deve ser posicionada aquém do CT e
acionada à direita. Sendo o sentido das hélices da es-
querda para a direita, a espiral de Lentulo propulsiona
o material (pasta em sentido apical), devendo ser reti-
Figura 16.1-33. Tampão apical. Ação mecânica impede extravasa- rada lentamente do canal, estando ela em movimento
mento da guta-percha. rotatório (Fig. 16.1-36).

Figura 16.1-34. Tampão apical.


Ação biológica limita a invagina-
ção do tecido conjuntivo perirra-
dicular.

Figura 16.1-35. Tam-


pão apical. Ação bioló-
gica favorece a deposi-
ção de tecido minerali-
zado junto à área apical
do canal.
Obturação dos Canais Radiculares 663

C) – tampão apical. A compactação é realizada com


compactadores verticais e cones de papel absorvente.
Geralmente, o cone de papel absorvente é emprega-
do com extremidade de maior diâmetro em sentido
apical do canal radicular. A remoção é realizada por
meio de instrumentos tipo K ou H. Nesse passo não
se deve utilizar solução irrigadora. Frequentemen-
te ocorre extravasamento perirradicular do material
empregado como tampão apical. A seguir, efetua-se a
obturação do segmento restante do canal, utilizando-
se a técnica da compactação lateral, com cimento e co-
nes de guta-percha.
A pasta L & C (hidróxido de cálcio com veículo
oleoso) sendo pouco solúvel limita a invaginação do
tecido conjuntivo apical no interior do canal radicu-
lar, mantendo-o sempre em contato com o hidróxido
Figura 16.1-36. Espiral de Len- de cálcio, criando condições para a reparação36,37 (Fig.
tulo. Sentido das hélices da es- 16.1-38A e B).
querda para a direita.

O giro dessa espiral à esquerda aliado à justeza no


interior do canal radicular são os fatores determinantes
de sua fratura por torção (Fig. 16.1-37).
O material (pasta) também pode ser levado ao ca-
nal radicular por meio de instrumentos endodônticos
tipo K. Após carregamento com pasta o instrumento
é posicionado no interior do canal e girado manual-
mente à esquerda. Simultaneamente, deve ser retirado
lentamente do interior do canal radicular. A operação
é acompanhada com o auxílio do exame radiográfi-
co. Preenchido o segmento apical do canal radicular,
são promovidas simultaneamente a compactação e
a remoção da pasta, deixando-se 2 a 3mm finais do
canal radicular ocupados com o material (pasta L &

Figura 16.1-38. Tampão apical. Casos clínicos. A. Incisivo central


Figura 16.1-37. Espiral de Lentulo fraturada. superior. B. Molar inferior.
664 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

Outras pastas de hidróxido de cálcio (HPG ou ra mecânica, a pasta deve ser compactada com cones
HIPG) podem ser utilizadas como tampão apical. Nes- de papel absorvente. Geralmente, o cone é emprega-
ses casos, devido à diluição da pasta junto aos líquidos do com a extremidade mais calibrosa em sentido api-
teciduais, a extensão do tampão deverá ser no máximo cal do canal radicular. Em seguida, o MTA é colocado
de 2mm em relação ao comprimento de patência do ca- conforme essa descrição com menores riscos de sobre-
nal radicular. obturação. Sobre o MTA é colocada uma bolinha de
O MTA também é empregado como tampão api- algodão umedecida com água destilada por um perí-
cal na obturação de canais radiculares de dentes com odo mínimo de 3 a 4 horas protegida por selamento
reabsorções apicais ou com rizogênese incompleta74. O coronário5,52,74.
material será inserido na região apical com o emprego Esse procedimento tem como objetivo manter a
de instrumentos especiais (seringas) ou mesmo levado hidratação e permitir a solidificação do material. To-
com auxílio de instrumentos endodônticos de ponta davia, Sluyk et al.69 não o recomendam, acreditando
truncada (compactadores). O material deve ser coloca- que a umidade advinda do tecido no local é suficiente
do numa extensão de até 3mm e seu limite apical com- para manter as necessidades hidrofílicas do MTA. Em
provado pelo exame radiográfico. razão da pouca solubilidade do MTA é conveniente
Para prevenir o extravasamento apical do MTA evitar o seu extravasamento junto aos tecidos perir-
durante a sua colocação no interior de um canal ra- radiculares. Mesmo possuindo excelente comporta-
dicular, criamos uma barreira mecânica na porção mento biológico, seu extravasamento pode dificultar
apical do preparo com pastas de hidróxido de cálcio ou mesmo impedir o selamento apical do canal por
ou de sulfato de cálcio. Uma vez preparada a pasta, tecido mineralizado.
realiza-se o preenchimento do segmento apical do A proposta terapêutica do tampão apical tem
canal radicular, utilizando espirais de Lentulo, como como vantagem não retardar a restauração definitiva
descrito. A seguir, são efetuadas simultaneamente a do dente. Isso favorece a não contaminação do canal
remoção e a compactação da pasta numa extensão de radicular, reduz a possibilidade de fratura de dente
até 2mm, e seu limite apical é comprovado pelo exa- e permite prontamente o restabelecimento da função
me radiográfico. Na fase final da confecção da barrei- mastigatória e estética (Fig. 16.1-39).

Figura 16.1-39. Tampão apical. Vantagem, não retarda a restauração do dente. Incisivo central com arrombamento apical.
Obturação dos Canais Radiculares 665

 ESPAÇO PARA RETENTORES Lopes e Costa44 utilizam, como instrumentos


INTRARRADICULARES condutores de calor, pedaços de fios ortodônticos de
2 a 3cm de comprimento, seguros por uma pinça de
Para a maioria dos autores, devem ser mantidos 3 Mathiew de tamanho pequeno (14cm), tendo as extre-
a 5mm de obturação no segmento apical do canal radi- midades preparadas: uma, com a forma cônica, utili-
cular com a finalidade de manter o selamento e resistir zada na obtenção do espaço; a outra, com seção reta
às manobras de preparo, moldagem e cimentação do em relação ao seu eixo, empregada na compactação
pino8,11,12 (Fig. 16.1-40). vertical do remanescente da obturação do canal radi-
O momento de preparo do espaço para pinos cular.
intrarradiculares está na dependência do tipo de res- Com o método térmico, a remoção parcial da
tauração permanente planejada para o dente. Para os obturação é obtida progressivamente partindo de
que necessitam de pino, a criação do espaço deve ser condutores de maiores diâmetros para os de meno-
realizada imediatamente após a obturação do canal ra- res diâmetros, percorrendo sucessivamente distâncias
dicular. variáveis de 2 a 3mm em sentido apical, até atingir o
Todavia, para alguns autores, esse procedi- comprimento preestabelecido. O instrumento aqueci-
mento deve ser executado após um intervalo, a fim do é levado rapidamente ao interior do canal, sendo
de que ocorra a presa completa do cimento selador retirado logo a seguir. A guta-percha aderirá à su-
endodôntico8,11,12. perfície do instrumento, sendo então removida. Os
Quanto ao método de remoção do material ob- fragmentos do material obturador serão retirados da
turador, não devem ser empregados instrumentos en- superfície do condutor quando for passado em uma
dodônticos associados a solventes orgânicos da guta- gaze. A repetição sucessiva do procedimento promo-
percha. A infiltração de solventes causa contração da verá a remoção rápida e segura da guta-percha do in-
guta-percha, prejudicando o selamento apical da obtu- terior do canal. Atingindo o comprimento desejado,
ração do canal radicular8. com um compactador frio é realizada a compactação
No método térmico, a remoção pode ser feita por vertical com o objetivo de melhorar o selamento da
meio de instrumentos de compactação vertical, aqueci- obturação remanescente.
dos em uma chama de lamparina de álcool, ou por meio É importante jamais se tentar criar o espaço em
de dispositivos que geram calor por intermédio da ener- uma única etapa ou mesmo penetrar além de 3mm,
gia elétrica; entre esses podemos citar o Touch’n Heat pois o emprego de instrumento aquecido em lampa-
modelo 5004 e o System B (Analytic Technology, EUA). rina de álcool, percorrendo e permanecendo por mais
tempo no canal, resfria-se rapidamente, e sua remo-
ção pode provocar o deslocamento de todo o conjunto
(cone e cimento) da obturação radicular. Por sua vez,
os condutores de calor de aparelhos elétricos podem
provocar aumento da temperatura na superfície ex-
terna da raiz. Para os aparelhos elétricos, a tempera-
tura do condutor deve atingir 200°C. Quando do uso
de chama (lamparina de álcool), o condutor deve ser
aquecido durante 5 segundos e, a seguir, levado ao
interior do canal.
No método mecânico, mais rápido e prático,
utiliza-se uma grande variedade de instrumentos
rotatórios, como os alargadores Gates-Glidden, Lar-
go, instrumento GPX e instrumentos especiais que
acompanham os kits de pinos pré-fabricados. Para a
confecção de RIRF (retentor intrarradicular fundido)
são preferíveis os alargadores Largo, pois cortam
apenas lateralmente. Sua extremidade remove ape-
nas o material de menor resistência (guta-percha),
não representando, portanto, risco de desvio do ca-
Figura 16.1-40. Espaço para retentor intrarradicular. nal ou perfuração. Apresentam-se em diferentes diâ-
666 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

metros para atender às variações dos diversos canais introduzido no canal radicular. A temperatura média
radiculares. do instrumento, ao entrar em contato com o material
Os alargadores Peeso, em função de sua extremi- obturador, era de 480°C. Como a guta-percha amolece
dade cortante, não devem ser utilizados. a 60°C e funde-se a 100°C, o excesso de energia térmi-
A remoção parcial da obturação do canal é reali- ca do instrumento é transferido à massa obturadora e
zada com movimentos curtos e sucessivos de penetra- à parede dentinária.
ção e remoção do instrumento rotatório, com o auxílio Em outro experimento, a temperatura média
de um cursor, que servirá como guia de penetração do instrumento, quando deixado por 5 segundos na
até atingir a profundidade preestabelecida. Atingi- zona redutora da chama da lamparina de álcool, era
da a profundidade adequada, com um compactador de 365°C, sendo reduzida para 210°C no momento de
manual frio e de diâmetro compatível, realiza-se a entrar em contato com o material obturador. Com esse
compactação vertical do remanescente da obturação. procedimento, o aquecimento externo médio da su-
Os instrumentos rotatórios são montados em contra- perfície radicular foi de 40,3°C. O uso de alargadores
ângulos com sentido de corte à direita, em baixa rota- Gates-Glidden causou o menor aquecimento na super-
ção, e levados, girando, ao interior do canal radicular. fície externa da raiz (32,8°C), comportamento que pode
O diâmetro dos instrumentos deve ser aproximado ser atribuído à fácil remoção da obturação por corte;
ao do canal para que a guta-percha seja cortada por à redução da resistência ao corte do material obtura-
intermédio do calor provocado pelo atrito das arestas dor, advindo da transformação da energia mecânica do
de corte com o material obturador e com as paredes alargador em calor; à forma ovoide da parte de traba-
do canal. lho do alargador, o que favorece o corte, a penetração e
O avanço do instrumento no canal radicular é a remoção do material excisado; e à rapidez na execu-
representado por pequenos toques da parte de traba- ção do trabalho.
lho do instrumento na superfície externa do material Para Lopes et al.45, o efeito do calor no periodon-
obturador, seguido de retrocesso em sentido cervical, to é desconhecido. Assim, a elevação da temperatura
provocando o corte de pequenas porções dele. Avan- em algum ponto da superfície radicular poderá ser res-
ços maiores plastificam a guta-percha, que acaba por ponsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua
aderir ao instrumento, podendo com o movimento de vez, Eriksson et al.18 e Eriksson19 concluíram que o calor
retrocesso deslocar ou mesmo remover a obturação do pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aqueci-
interior do canal. A parte de trabalho do instrumento mento de 47°C durante um minuto.
deve ser limpa por meio de uma gaze estéril a cada pe- No preparo do espaço para pino, não se deve
netração no canal radicular. empregar instrumento aquecido ao vermelho-rubro.
Após a remoção do material obturador, o que é Temperaturas menores são suficientes para a remoção
necessário à correta extensão do pino, deve-se prepa- parcial da obturação do canal radicular, as quais pro-
rar lateralmente o canal radicular com os mesmos ins- vocam menor aquecimento das superfícies externas
trumentos rotatórios utilizados na obtenção do espaço. da raiz.
Para retentores intrarradiculares fundidos, a largura Após a criação do espaço radicular, colocamos
do pino normalmente deve ser de aproximadamente em seu interior um medicamento intracanal e selamos
1/3 da largura total da raiz59, representando um im- a cavidade com óxido de zinco e eugenol. A finalidade
portante aspecto para a resistência final da estrutura do curativo é impedir a contaminação desse espaço via
dental remanescente. cavidade bucal. Esse procedimento deve ser repetido
Lopes et al.45 determinaram, in vitro, a tempe- durante as sessões da fase de preparo e cimentação do
ratura externa da superfície radicular de dentes ob- retentor protético, devendo-se tomar cuidado com toda
turados com guta-percha e cimento durante a remo- e qualquer possibilidade de contaminação do canal ra-
ção de obturação do canal, quando do emprego de dicular durante as fases de modelagem do retentor e
instrumentos rotatórios e aquecidos. A remoção por confecção do provisório em retentores intrarradicula-
meio de instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro res indiretos.
transfere mais calor ao sistema, e a temperatura pode Os sistemas de pinos pré-fabricados, como já des-
chegar a 57,5°C. Certamente, isso pode ser atribuído crito, são compostos por instrumentos rotatórios pa-
à temperatura de 700°C necessária para o instrumen- dronizados, respectivos ao diâmetro apresentado pelo
to atingir a coloração de um vermelho-rubro, apesar pino, e são fundamentais para a calibração do espaço
da perda de calor durante seu deslocamento, até ser obtido.
Obturação dos Canais Radiculares 667

 PROSSERVAÇÃO conclusão do tratamento, embora alguns casos possam


levar até 4 anos para que a lesão se repare totalmente62.
A Fig. 16.1-41 revela taxas de sucesso do tratamen-
O controle clínico e radiográfico periódico é o meio dis-
to endodôntico obtidas em estudos epidemiológicos re-
ponível para estabelecer o êxito ou o fracasso do trata-
alizados em diferentes países. Esses dados se referem a
mento endodôntico.
tratamentos efetuados na grande maioria das vezes por
Os critérios clínico e radiográfico para a determi-
clínicos gerais e podem ser considerados preocupantes,
nação do sucesso devem ser os seguintes27,62,68:
quando comparados com o potencial que pode ser atingi-
do quando o tratamento endodôntico é efetuado em con-
Radiográfico:
dições bem controladas e seguindo os padrões de quali-
dade estabelecidos. Nesses casos, níveis de sucesso numa Ausência de lesão perirradicular (Fig. 16.1-42A a
margem de 90% a 95% podem ser atingidos, mesmo em E), excetuando-se um espessamento do espaço do liga-
dentes com lesão perirradicular pré-operatória62,66-68. mento periodontal adjacente a um material eventual-
O sucesso da terapia endodôntica deve ser ava- mente sobreobturado.
liado periodicamente, sendo o ideal de 6 em 6 meses.
Casos de biopulpectomia são observados até 1 ano de Clínico:
conclusão do tratamento e são considerados como su- 1. Ausência de dor e tumefação.
cesso se o dente permanece sem lesão perirradicular 2. Ausência de sensibilidade à palpação e percussão.
e se evidências clínicas de infecção não são observa- 3. Ausência de fístula.
das. Dentes com polpa necrosada devem, preferencial- 4. Mobilidade dentária normal.
mente, ser avaliados até no mínimo 2 anos depois da 5. Função dentária normal.

Figura 16.1-41. Taxa de sucesso. Estudos epidemiológicos.


668 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

A B

C D

Figura 16.1-42. Prosservação. Casos clínicos. A. Molar in-


ferior. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Molar inferior. C. Pré-
molar superior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, J. C. Mucci.)
D. Molar inferior. E. Incisivo lateral superior. (Gentileza do
Prof. Luiz Lyon.)
Obturação dos Canais Radiculares 669

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Obturação dos Canais Radiculares 671

Parte 2
Técnicas de termoplastificação da guta-percha
Janir Alves Soares • Frank Ferreira Silveira • Eduardo Nunes • Carlos Augusto Santos César

Indubitavelmente, a obturação representa uma conseguinte, pela prática já por mais de 100 anos, os
imprescindível etapa do tratamento dos canais radicu- cones de guta-percha compactados pela técnica da
lares. Do ponto de vista físico-químico tem como prin- compactação lateral são considerados o Gold Standard
cipal objetivo isolar, tridimensionalmente, a cavidade das obturações5,31. Trata-se de uma técnica simplificada
pulpar do ambiente periodontal e da cavidade bucal, e de fácil execução, sendo a mais ensinada na maio-
em caráter permanente. Inicialmente, é oportuno re- ria das universidades nacionais31 e estrangeiras5. Não
prisar que uma das melhores estratégias de obturação obstante, a complicada morfologia do sistema de ca-
resulta, essencialmente, da associação da guta-percha nais radiculares, a exemplo da Fig. 16.2-1A, B, C e D,
à reduzida quantidade de cimento endodôntico. Por traduzida pelo reduzido espaço e pelas irregularidades

B C D

Figura 16.2-1A. Obturação de vários canais secundários com o Sistema Resilon. B. Obturação de istmo. C. Obturação de canais laterais.
D. Obturação de istmo na raiz mesial de molar.
672 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

anatômicas, curvaturas, atresias e inúmeras ramifica- no sentido ápice-coroa (backfill). Similarmente a outras
ções, aliados ao baixo escoamento da guta-percha com- técnicas, o treinamento pré-clínico é fundamenal e pro-
parativamente aos cimentos, dificulta, sobremaneira, a gressivamente propiciará o domínio e a segurança para
obturação tridimensional de todo esse sistema8,41. a sua correta execução (Fig. 16.2-2). A partir de então os
Do ponto de vista físico-químico e radiográfico, a resultados radiográficos obtidos no dia a dia da clínica
qualidade das obturações tem sido avaliada em termos endodôntica serão realmente muito compensadores. É
de selamento marginal, homogeneidade, conicidade e oportuno salientar que a qualidade da modelagem do
limite apical. De longa data, vários estudos radiográfi- canal radicular influencia, sobremaneira, vários aspec-
cos e pela diafanização têm demonstrado inúmeros es- tos da obturação, podendo torná-la simples, de fácil
paços vazios na massa obturadora e na interface obtura- execução, e maximizando as particulares vantagens da
ção/parede do canal radicular, principalmente quando técnica utilizada26,39.
executada pela técnica da compactação lateral40. Nesse O material utilizado consta de cones de guta-
aspecto é oportuno salientar que recentes estudos epi- percha, cimento endodôntico, fonte geradora de ca-
demiológicos de diversas partes do mundo têm evi- lor, conjunto de condutores de calor e compactadores
denciado uma premente necessidade de melhora de verticais. Geometricamente, os cones de guta-percha
sua qualidade em tratamentos conduzidos em nível de devem apresentar acentuada conicidade e, quanto à
graduação ou pós-graduação, ou seja, na atualidade a composição química, a preferência recai pela fase alfa,
excelência nas obturações dos canais radiculares ainda que aquecida se torna pegajosa, aderente e com maior
é um desafio na clínica endodôntica1,9,10,17,23,27,32. escoamento. Mormente, a técnica é compatível com to-
Historicamente, almejando preencher tridimen- dos os cimentos disponíveis no mercado.
sionalmente o sistema de canais radiculares por uma Conforme descrito adiante nesta seção, a ação dos
massa densa e homogênea, Herbert Schilder (1967)29 condutores de calor e compactadores se restringe aos
teve a ideia de plastificar o cone de guta-percha no ca- segmentos cervical e médio, permanecendo o remanes-
nal radicular, mediante a inserção de um instrumento cente apical com 5 a 7mm de cone de guta-percha. O
aquecido – condutor de calor (heat carrier) seguido de condutor de calor eleva a temperatura da guta-percha
imediata compactação vertical da guta-percha. Esses para 40 a 45oC. No entanto, a baixa condutividade tér-
dois princípios constituem os fundamentos da Técni- mica da guta-percha limita a propagação da plastifi-
ca da Compactação da Guta-Percha Termoplastificada. Essa cação a uma extensão de aproximadamente 4 a 5mm,
contribuição de Schilder revolucionou a concepção de que é suficiente para plastificá-la e obter sua efetiva
obturação do sistema de canais radiculares e constituiu
o fundamento para as futuras evoluções tecnológicas.
A guta-percha plastificada apresenta maior esco-
amento e melhor embricamento mecânico às paredes
dentinárias. A compactação com compactadores (plug-
gers) de diâmetros compatíveis gera efeito hidráulico
no material e promove o movimento apical e lateral da
massa obturadora, preenchendo detalhes anatômicos,
como istmos, canais laterais e acessórios, bem como
irregularidades consequentes de reabsorção interna e
acidentes ocorridos durante a instrumentação dos ca-
nais radiculares, a exemplo de degraus, desvios e per-
furações.

 1. TÉCNICA DE SCHILDER
A Técnica de Schilder29 é, aparentemente, complexa
e por vezes julgada como de difícil execução clínica.
Essencialmente compreende um conjunto de mano-
bras realizadas primeiramente no sentido coroa-ápice
(downpack), complementada pela progressiva inserção/ Figura 16.2-2. Adequado limite apical, conicidade e homogenei-
compactação da guta-percha previamente plastificada dade da obturação.
Obturação dos Canais Radiculares 673

A B

Figura 16.2-3A e B. Segundo pré-


molares com três canais radiculares.
C. Ramificações na raiz mesiovesti-
bular. (Gentileza do Prof. João Amé-
rico Normanha.). D. Acentuada cur-
C D vatura apical. (Gentileza do Prof. Alex
Carvalho Quintino.)

compactação em todo o segmento apical do sistema de 2. Aquecimento da guta-percha: o excessivo aqueci-


canais radiculares. Também, durante o resfriamento da mento é desnecessário e prejudicial por dois moti-
guta-percha à temperatura corpórea, a manutenção da vos: 1o – pelo possível dano aos tecidos do ligamento
compactação vertical reduz a contração volumétrica do periodontal3,11,34; 2o – pela aceleração da decomposi-
material (Fig 16.2-3A, B , C e D). ção da guta-percha e pelo consequente fracasso do
Aspectos a serem considerados na execução da tratamento a longo prazo22.
Técnica de Schilder: 3. Seleção dos compactadores verticais: são utiliza-
dos, em média, três de diâmetros progressivos (Fig.
1. O canal radicular deve apresentar adequada mode- 16.2-4C, D e E). O importante é compatibilizar o seu
lagem envolvendo os três princípios propostos por diâmetro com o do segmento do canal radicular.7
Schilder: constrição apical, regularidade das paredes Obviamente, o de maior diâmetro será utilizado
laterais e conicidade tridimensional (Fig. 16.2-4A). no segmento cervical, o intermediário no segmento
674 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

médio, e o de menor diâmetro no segmento apical. ou elipsoide, pode-se utilizar um cone complementar de
A correta seleção desses instrumentos influencia a tamanho FM ou MF lateralmente ao cone principal.
qualidade do preenchimento do sistema de canais
radiculares7,39. Como regra, nunca podem exercer Fase coroa-ápice (Downpack)
efeito de cunha diretamente sobre as paredes den-
Essa fase corresponde à obturação do segmento
tinárias. Esse fato poderá acarretar fratura radicu-
apical do canal radicular no sentido coroa-ápice. Por
lar vertical2. Para tanto, devem ser inseridos até o
conseguinte, após cimentação do cone principal, o ins-
limite seguro e demarcar essa extensão com cursor
trumento condutor de calor (heat carrier) é aquecido em
de silicone.
lamparina de álcool e inserido até a entrada do canal
4. Controle longitudinal do material obturador: O ex-
radicular (Fig. 16.2-4H). O simultâneo movimento de
travasamento periapical, seja de cimento e/ou de
retirada remove toda a guta-percha cervical. Momen-
guta-percha, é indesejável sob vários aspectos. Do
taneamente, procede-se à compactação vertical com o
ponto de vista histológico da reparação, a sobreo-
respectivo compactador selecionado (Fig. 16.2-4I). É re-
bturação pode impedir o selamento biológico12,33.
comendado cobrir a ponta do compactador com pó do
Esse inconveniente é de difícil controle clínico em
cimento objetivando evitar adesão da guta-percha plas-
qualquer técnica de obturação.
tificada. Na sequência, com o condutor de calor remove-
se a guta-percha do segmento médio (Fig. 16.2-4J) com
Especificamente, na Técnica de Schilder, a compres- simultânea compactação vertical da massa amolecida
são hidráulica no segmento apical impulsiona cimen- (Fig. 16.2-4K). Nessa etapa pode ser obtida a obturação
to e guta-percha em todas as direções, resultando, na de canais laterais. Finalizando essa etapa, remove-se
maioria das vezes, em extrusão foraminal da massa ob- uma pequena porção da guta-percha apical, deixando
turadora. Como manobra compensatória é recomenda- um remanescente de 4 a 5mm (Fig. 16.2-4L), seguido da
do travar o cone principal a 1-2mm aquém do compri- sua pronta compactação (Fig. 16.2-4M). Nessa etapa é
mento de trabalho. A parada apical (ombro dentinário, importante obter tomada radiográfica para averiguar
parada apical ou batente apical), se corretamente exe- a qualidade da obturação e providenciar a necessária
cutada, atua mecanicamente como um anteparo para a correção. Caso se tenha planejado a cimentação de um
guta-percha e consequentemente reduz a sua extrusão retentor intrarradicular, a obturação está concluída.
no periápice.
Fase ápice-coroa (backfill)
Sequência técnica
Corresponde ao preenchimento dos segmentos
Em primeiro lugar, seleciona-se um conjunto médio e cervical no sentido ápice-coroa, podendo ser
de três compactadores verticais compatíveis com os realizada mediante introdução de pequenos segmen-
segmentos cervical, médio e apical do respectivo ca- tos de cones de guta-percha cortados (Fig. 16.2-4N).
nal radicular (Fig. 16.2-4C, D e E). Embora eles apre- Assim, após a plastificação da guta-percha apical com
sentem ranhuras padronizadas em sua parte ativa condutor de calor (Fig. 16.2-4O), cones de guta-percha
(Endoprime, Belo Horizonte, Brasil – Fig. 16.2-4B), é plastificados são inseridos próximos ao segmento api-
prudente delimitar com cursor de silicone a correta cal (Fig. 16.2-4P) e compactados verticalmente (Fig.
profundidade a ser alcançada com cada compactador. 16.2-4Q). Esses procedimentos são repetidos nos seg-
Em seguida, o cone de guta-percha principal deve mentos médio (Fig. 16.2-4R, S e T) e cervical (Fig. 16.2-
ser posicionado 1–2mm do comprimento de trabalho 4U, V, X e W), utilizando-se pedaços de guta-percha
(Fig. 16.2-4F), porque o material plástico se desloca progressivamente mais calibrosos, seguindo-se uma
no sentido apical durante a compactação vertical da radiografia final para avaliar a qualidade da obturação
guta-percha. (Fig. 16.2-4Y).
Na seleção do cone de guta-percha, a preferência Originariamente, se utilizava lamparina a álcool
é por aqueles com conicidade acentuada, geralmente como fonte geradora de calor. Com o aperfeiçoamen-
M ou FM7, seguido de tomada radiográfica (Fig. 16.2- to da técnica, como fonte geradora de calor podem ser
4G). Após secar o canal radicular, o segmento apical do utilizados aparelhos especiais, como o System B e o
cone é envolvido pelo cimento e em seguida inserido no Touch’N Heat. Ademais, a fase backfilling envolvendo a
canal radicular até a extensão planejada. Em canais ra- Fig. 16.2-4Y pode ser executada em sua plenitude pela
diculares irregulares, com seção reta transversal ovalar aplicação do Sistema Obtura II (Fig. 16.2-5A, B e C).
Obturação dos Canais Radiculares 675

A B C

D E F

G H I

Figura 16.2-4A. Canal radicular formatado. B. Compactadores verticais. C, D e E. Seleção dos compactadores nos segmentos cervical, mé-
dio e apical. F. Prova clínica do cone principal. G. Prova radiográfica do cone principal. H. Remoção da guta-percha no segmento cervical. I.
Compactação cervical da guta-percha. (Continua.)
676 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

J K L

M N O

P Q R

Figura 16.2-4J. Remoção da guta-percha no segmento médio. K. Compactação da guta-percha. L. Remoção da guta-percha no segmento
apical. M. Compactação da guta-percha. N. Radiografia para verificação da qualidade da obturação. O. Segmentos de guta-percha alfa.
P. Condutor de calor no segmento apical. Q. Inserção de segmento de guta-percha. R. Compactação da guta-percha. (Continua.)
Obturação dos Canais Radiculares 677

S T U

V X W

Figura 16.2-4S. Condutor de calor no segmento médio. T. Inserção de guta-percha com


Y condutor de calor. U. Compactação da guta-percha. V. Condutor de calor no segmento cer-
vical. X. Inserção de guta-percha. W. Compactação da guta-percha. Y. Radiografia final.
678 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

A B

Figura 16.2-5. Casos clínicos representativos da Técnica de Schil-


der. A. Canal radicular obturado deixando espaço para cimentação
de retentor intrarradicular. B. Segundo molar superior com adequa-
C da obturação e restauração coronária. C. Terceiro molar inferior com
três canais radiculares obturados.

 2. Técnica de Onda Contínua de


Compactação
Proposta em 1994 por Buchanan4 é uma varia-
ção da técnica da compactação vertical da guta-percha
aquecida, em que são utilizados menos instrumentos,
podendo ser executada num tempo relativamente curto.
A fonte de calor é gerada por um aparelho, denominado
System B (Analytic Tecnology, USA – Fig. 16.2-6), o qual
promove um aquecimento controlado dos condutores
que também atuam como compactadores (calcadores).
Por conseguinte, esse sistema propicia uma única onda
de aquecimento e compactação, com a denominação de
Técnica de Onda Contínua de Compactação.
Os condutores são projetados para aquecer da
ponta para o cabo, diminuindo o risco de deslocamento
da massa obturadora. Assim, após a plastificação/com-
pactação da guta-percha no canal radicular segue-se a
compactação a frio com imediata complementação dos
segmentos médio e cervical com uma modalidade de Figura 16.2-6. System B.
Obturação dos Canais Radiculares 679

guta-percha termoplastificada, a exemplo dos sistemas


de injeção. Os calcadores são de aço inoxidável e dispo-
níveis em calibres similares aos cones acessórios F, FM,
M e ML (Fig. 16.2-7). A fase de remoção da guta-percha
nos segmentos médio e cervical é denominada down-
pack. Opcionalmente também pode ser realizada com o
aparelho Touch’N Heat (SybronEndo, USA – Fig. 16.2-8),
sendo oportuno salientar a necessidade da utilização
das pontas do System B nesse equipamento.
A fonte de calor ajustada a uma temperatura de
200ºC propicia um uso seguro38, constatando-se que a
temperatura externa não excede 10ºC34. Parece oportu-
no salientar que temperaturas acima de 250ºC podem
Figura 16.2-9. Bomba Obtura II.
produzir danos ao ligamento periodontal11,40, não con-
tribuindo para a melhora da qualidade da obturação19.
Na complementação da obturação nos segmentos
2o) Pode ser feita com pequenos incrementos de guta-
cervical e médio, chamada de fase backfill, podem ser
percha ajustados à ponta do aparelho System B em
adotados os seguintes procedimentos optativos:
100ºC ou à ponta de calcadores.
3o) Pelo sistema Ultrafil 3D.
1o) Originalmente se utiliza o sistema de injeção de guta-
4o) Manualmente, conforme na técnica original de
percha com a denominação de Obtura II (Fig. 16.2-9).
Schilder.

Sequência técnica
1. Seleção clínica e comprovação radiográfica da
adaptação do cone de guta-percha principal no
comprimento de trabalho (CT) (Fig. 16.2-10A).
2. Na seleção da ponta do System B deve-se verificar
se a sua conicidade é compatível com a do cone es-
colhido. A ponta System B deve ser previamente se-
lecionada no nível de corte da guta-percha, ou seja,
de 5–7mm do CT (Fig. 16.2-10B). Esse ponto deve
ser demarcado com cursor do condutor/compacta-
dor.
3. Secagem, pincelamento de cimento obturador e po-
Figura 16.2-7. Pontas do System B. sicionamento do cone principal no canal radicular.
4. Aparelho ajustado para o modo Use e Touch, com
temperatura de 200ºC. Em sequência o aparelho é
acionado no Holder, e o condutor/compactador,
pré-aquecido, é direcionado através do cone de
guta-percha, exercendo-se uma compressão até
3-4mm aquém da posição de travamento apical
(Fig. 16.2-10C).
5. Libera-se o dispositivo acionador (Holder), manten-
do-se a compressão apical por 10 segundos, com o
objetivo de:
a) reduzir o efeito da contração volumétrica da gu-
ta-percha;
b) aumentar o embricamento do cimento endodôn-
tico às paredes dentinárias;
Figura 16.2-8. Touch’N Heat. c) maximizar a qualidade do selamento apical.
680 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

6. Previamente à remoção do condutor/compacta- mento acontece numa câmara portátil. Nesse sistema,
dor (Fig. 16.2-10D), deve-se acionar o Holder para a guta-percha apresenta três diferentes consistências
facilitar o seu desgarramento da guta-percha. Caso e são acondicionadas em cânulas. A Regular Set é
seja indicada confecção de espaço para retentor in- um material de baixa viscosidade que após injetada
trarradicular, a obturação está concluída (Fig. 16.2- no canal radicular leva em torno de 30 minutos para
10E). Nessa fase é recomendada a realização de solidificar. Na consistência Firme Set, a guta-percha
uma radiografia para verificação da qualidade da endurece aproximadamente em 4 minutos, embora
obturação. apresente viscosidade similar à Regular Set. A for-
7. Fase de preenchimento dos segmentos médio e mulação Endo Set apresenta alta viscosidade e baixo
cervical (fase backfill). Adapta-se a ponta da bomba escoamento. Cada cânula possui uma agulha de aço
Obtura II e aperta-se o gatilho para liberar gradual- inoxidável, no diâmetro de no 22 e com comprimento
mente a guta-percha (Fig. 16.2-10F). de 21mm. Estando o aquecedor preparado, o tempo
8. Compactação a frio com calcadores (Fig. 16.2-10G). de plastificação da guta-percha é de 3 minutos. Para
9. Novo incremento de guta-percha com a bomba Ob- facilitar a aplicação no canal radicular, a agulha pode
tura II (Fig. 16.2-10H). ser previamente encurvada.
10. Compactação a frio (Fig. 16.2-10I).
Sequência técnica do sistema Obtura II
Casos clínicos representativos da obturação de ca-
1. Ligar o aparelho e definir a temperatura de plasti-
nais radiculares pela técnica de onda contínua de com-
ficação (normalmente entre 150 e 200ºC). Colocar a
pactação são mostrados na Fig. 16.2-11A-F.
guta-percha na câmara de plastificação e aguardar 2
minutos.
Considerações importantes 2. Pré-encurvar a agulha de aplicação de modo a favo-
• Em canais curvos, a penetração dos calcadores até recer a sua inserção no canal radicular.
a profundidade desejada é mais difícil, sendo ne- 3. Teste de fluidez. Com a guta-percha plastificada,
cessária uma maior dilatação dos segmentos cervi- pressionar suavemente a pistola e dispensar uma
cal e médio, o que pode levar ao enfraquecimento pequena quantidade do material obturador.
radicular. 4. Aplicar uma camada de cimento endodôntico nas
• Em tratamento de dentes com maior comprimento paredes do canal radicular.
também haverá dificuldade na adaptação do condu- 5. Inserir a agulha no máximo 3 a 5mm aquém do
tor em níveis desejados, o que poderá inviabilizar a comprimento de trabalho. Apertando o gatilho do
utilização dessa técnica. aparelho, a guta-percha é injetada no canal radicu-
lar, gerando uma resistência que tende a deslocar
a agulha cervicalmente. A obturação pode ser re-
 3. Técnica de Injeção de alizada gradualmente ou em incrementos, sendo a
Guta-Percha Termoplastificada guta-percha compactada com calcadores manuais
frios.
Apresenta-se como uma variação das técnicas de
guta-percha termoplastificada por meio de aparelhos
especiais, seguindo-se sua compactação a frio com ins-
Considerações importantes
trumentos manuais. Classicamente são representadas • Como em toda técnica de obturação por termoplas-
pelo Sistema Obtura II (Texceed Co, USA) e Ultrafil 3D tificação, o preparo apical deve ser o menor possível
(Hygienic Co, USA). para que se minimize a possibilidade de extravasa-
O Sistema Obtura II, considerado de alta tempe- mento de material obturador.
ratura, contém uma câmara onde a guta-percha em • Preferencialmente se opta pelas agulhas mais finas,
bastões é adicionada e plastificada em torno de 160ºC a fim de facilitar a inserção nos canais radiculares.
num intervalo de 2 minutos. A fluidez adquirida per- • Os calcadores devem ser embebidos em álcool ou
mite a sua aplicação no canal radicular por meio de com pó de cimento obturador na ponta, a fim de
uma pistola acoplada a agulhas de prata com diâme- evitar que a guta-percha adira ao instrumento e seja
tros nos 20, 23 e 25. removida do canal radicular.
Em contrapartida, o Sistema Ultrafill 3D plasti- • Em dentes longos a introdução da ponta da agulha
fica a guta-percha alfa em torno de 70ºC. O aqueci- próxima à região apical se torna inviável.
Obturação dos Canais Radiculares 681

A B C

D E F

G H I

Figura 16.2-10A. Adaptação do cone de guta-percha. B. Ponta do System B ajustada em nível de corte da guta-percha. C. Ponta do aparelho
introduzida aquecida até a 7mm do CT. D. Aquecimento por 2 segundos e remoção da ponta do System B. E. Segmento apical obturado. F.
Preenchimento dos segmentos médio e cervical (Backfill). G. Compactação a frio com calcadores. H. Novo incremento de guta-percha com
o Obtura II. I. Compactação a frio.
682 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

A B

C D

E F

Figura 16.2-11. Casos clínicos representativos da obturação pela técnica de onda contínua de compactação. A. Dente 25 com canal se-
cundário obturado. B. Dentes 43 e 44 obturados e com espaço remanescente para retentor intrarradicular. C e D. Ramificações obturadas e
controle de 36 meses no dente 48. E. Extensa reabsorção interna no dente 11. F. Controle de 12 meses. (Gentileza de Geraldo Weligton.)
Obturação dos Canais Radiculares 683

• Usualmente se observa sobre ou subobturação em Na Fig. 16.2-12A, B e C observa-se um caso clí-


razão da dificuldade de controlar a extensão do pre- nico de tampão apical com MTA em dente com ápice
enchimento pela guta-percha. incompletamente formado, seguido do preenchimento
• Com relação ao aquecimento gerado pelo sistema, de guta-percha termoplastificada, utilizando o Sistema
a temperatura de extrusão da guta-percha na pon- Obtura II. Nessas circunstâncias, essa combinação de
ta da agulha fica em torno de 60ºC16. No interior do técnica e biomateriais permite a obturação imediata do
dente foi constatada variação de 26,6ºC a 6mm da canal radicular.
região apical34, enquanto o aumento de temperatura
no osso circundante ficou em torno de 1,1ºC por 60
segundos16, sendo considerada segura para o órgão
 4. Técnica Híbrida de Tagger
dentário essa temperatura de plastificação da guta- Coube a John McSpadden25 a idéia de plastificar e
percha. compactar a guta-percha no canal radicular mediante a
ação mecânica de um instrumento apropriado, aciona-
Em obturações de dentes com ápice incompleta- do em rotação contínua. Todavia, a adaptação do cone
mente formado, situações em que houve sobreinstru- de guta-percha principal, seguindo-se a utilização do
mentação ou em casos de acentuadas reabsorções api- termocompactador, promovia frequente extravasa-
cais, uma barreira apical (tampão apical) com mineral mento periapical, de certa maneira inviabilizando a sua
trióxido agregado (MTA) pode ser indicada com o ob- aplicação clínica. Esse problema foi estrategicamente
jetivo de impedir o extravasamento de material obtura- contornado pela proposta de Tagger35 e Tagger et al.36,
dor e induzir selamento biológico30. que essencialmente recomendaram a combinação da
Especificamente nos casos de rizogênese incom- compactação lateral a frio seguida da termoplastifica-
pleta, comparativamente ao estendido tratamento com ção da guta-percha. Dessa maneira, após a obturação
hidróxido de cálcio13,21, o emprego do MTA apresenta do segmento apical pela compactação lateral, comple-
várias vantagens: ta-se a obturação dos segmentos médio e cervical me-
diante a aplicação de um compactador. Disso resultou
1a) Reduz o número de sessões do tratamento. a denominação de Técnica Termomecânica de Compacta-
2a) Minimiza o risco de fratura dentária. ção ou Técnica de Tagger. Originalmente, o instrumen-
3a) Diminui a possibilidade de perda de restauração to idealizado por McSpadden apresentava o desenho
temporária e concomitante contaminação do canal da parte ativa semelhante a um instrumento tipo Kerr
radicular. invertido, denominado Engine Plugger (Zipper VDW,

A B C

Figura 16.2-12A. Rizogênese incompleta do dente 21. B. Barreira apical com MTA. C. Obturação do canal radicular na mesma sessão com
o Sistema Obtura II.
684 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

Figura 16.2-14. Compactador de aço inoxidável.


A B

Figura 16.2-13A. Compactador de guta-percha. B. Lima


Hedstrom.

Munique, Alemanha). Posteriormente foi desenvolvi-


do um compactador semelhante a uma lima Hedstrom
invertida, o Gutta-condenser (Maillefer, Ballaigues, Su-
íça) (Fig. 16.2-13A e B).
Mecanicamente, o compactador acionado no ca-
nal radicular, a 8.000rpm, no sentido horário, gera calor
por atrito, plastificando a guta-percha, e em virtude do
seu desenho promove sua compactação lateral e api-
cal. Com o sentido das hélices direcionado da esquerda
para a direita, o compactador tende a se movimentar
em sentido cervical, ou seja, a sair do canal radicular.
O profissional, ao oferecer uma resistência a esse movi-
mento, realiza em poucos segundos a simultânea plas-
tificação/compactação da guta-percha.
Os compactadores disponíveis são fabricados Figura 16.2-15. Compactador de níquel-titânio.
em aço inoxidável, nos diâmetros nominais de nos 25
a 80 e com comprimentos de 21 e 25mm, sendo mais
utilizados os de diâmetros de nos 35 a 55 (Fig. 16.2-14). lares curvos. Comercialmente, a Analytic Endodontics
Modificações no compactador, a exemplo de hélices (Glendora, USA) lançou o Sistema Microseal de obtura-
com angulações diminuídas e liga níquel-titânio (MK ção composto de contra-ângulo, cones de guta-percha
Dent, Porto Alegre, Brasil – Fig. 16.2-15), permitem tra- de baixa fusão e guta-percha de ultrabaixa fusão acon-
balhar com menor risco de fratura e extravasamento. dicionada em cartuchos, utilizando-se da técnica de
Ademais, os de NiTi, por apresentarem maior flexibili- termoplastificação mediante utilização de espaçadores
dade, permitem a termoplastificação em canais radicu- e compactadores à base de NiTi. Satisfatórios resulta-
Obturação dos Canais Radiculares 685

dos radiográficos têm sido relatados com esse sistema de sua lenta remoção do canal radicular, com suave
(Mazzoti et al.24, 2008). pressão lateral. Todo esse procedimento é realizado
em não mais do que 10 segundos (Fig. 16.2-17C).
Vantagens 5. Compactação da massa obturadora na embocadura
do canal radicular, com calcadores de Schilder (Fig.
• Dispensa equipamentos especiais, proporcionando
16.2-17D), precedida de remoção de remanescentes
uma opção de baixo custo para quem deseja realizar
de guta-percha na câmara pulpar, se houver. Na
a obturação com a guta-percha termoplastificada.
sequência faz-se a limpeza da câmara pulpar como
• Possibilita a correção da obturação (Fig. 16.2-16A e descrita previamente, seguido de selamento coro-
B) quantas vezes se fizer necessária, evitando a re- nário.
moção de todo o material obturador15. 6. Radiografia final.
• É de rápida execução, com reduzido consumo de
material, e promove satisfatório selamento apical6. Posteriormente, Tagger et al.37 propuseram uma
modificação na técnica original, que consiste em reali-
Sequência técnica zar, logo após a utilização do termocompactador, novo
1. Prova do cone principal de guta-percha semelhante espaçamento lateral seguido da inserção de um ou dois
à técnica de compactação lateral. cones de guta-percha, reutilizando-se então o termo-
2. Aplicação do cimento obturador no canal radicular compactador com o objetivo de melhorar a densidade
seguindo-se a adaptação do cone principal também da obturação. Cabe salientar que essa manobra pode
envolto no cimento obturador. também ser utilizada na correção de outras técnicas de
3. Faz-se a compactação lateral do segmento apical, obturação, especialmente na eliminação de porosida-
utilizando-se dois ou três cones acessórios (Fig. des (Fig. 16.2-18A, B, C, D e E).
16.2-17A). É recomendada tomada radiográfica para
averiguar a homogeneidade e o limite apical da ob- Considerações
turação. 1. O compactador de aço inoxidável deve se ater à por-
4. Introdução do espaçador seguido de imediata in- ção reta do canal radicular.
serção do compactador no espaço estabelecido (Fig. 2. Preventivamente, conferir o sentido de rotação do
16.2-17B). O compactador deverá apresentar diâme- contra-ângulo, pois o compactador, em nenhuma
tro nominal igual ou superior ao respectivo cone hipótese, deve girar no sentido anti-horário. Pelo
principal, nunca menor. O compactador, acoplado a desenho da sua parte ativa, a rotação anti-horária
um contra-ângulo de baixa rotação, é inserido no ca- resulta na rápida remoção da guta-percha do ca-
nal radicular até o ponto onde encontra resistência nal radicular e no imediato avanço do mesmo em
e, então, retrocedido por cerca de 1mm e acionado sentido apical, com risco de travamento, perfura-
no sentido horário. Após 1 segundo, o compactador ção radicular, transpasse foraminal ou fratura do
é conduzido em sentido apical por 1 a 2mm, seguido instrumento.

A B

Figura 16.2-16A. Falha na obturação dos canais radiculares da raiz mesial do dente 37. B. Melhor homogeneidade após uso do termocom-
pactador. (Gentileza do Prof. Manoel Brito Jr.)
686 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

A B

C D

Figura 16.2-17A. Canal radicular com cones de guta-percha. B. Termocompactador nos segmentos médio e cervical. C. Termoplastificação
da guta-percha. D. Compactação vertical da guta-percha.

3. Preferencialmente a guta-percha fase alfa deve ser  5. Técnica do Thermafil


utilizada quando do emprego do compactador por
O sistema Thermafil se caracteriza por apresentar
ser mais plástica, possivelmente diminuindo o tem-
po de trabalho. um núcleo central com dimensões padronizadas, reves-
4. O compactador deve ser acionado somente após ser tido por guta-percha. O protótipo do Thermafil foi pro-
posicionado no canal radicular e removido com o posto por Johnson18, em 1978, cujo núcleo carregador da
micromotor em funcionamento. guta-percha era constituído por limas de aço inoxidável.
5. A termoplastificação deve se limitar aos segmentos Esse sistema representa uma interessante alternativa de
cervical e médio do canal radicular, ou seja, ficar obturação dada a sua facilidade de uso. Não obstante,
4-5mm aquém do comprimento de trabalho. durante a inserção no canal radicular a guta-percha era
6. O profissional não deve impedir, mas simplesmen- frequentemente deslocada do carreador metálico, o qual
te controlar o movimento de retrocesso do com- passava a constituir a obturação no segmento apical.
pactador, o que, do contrário, pode favorecer a sua Ademais, o núcleo metálico representava um obstáculo
fratura. à confecção de espaço para retentores intrarradiculares e
Obturação dos Canais Radiculares 687

A B C

Figura 16.2-18A. Dente 21 com rizogê-


nese incompleta. B. Carregador de MTA
no segmento apical. C. Tampão apical de
MTA. D. Cone medium invertido, seguido
D E de compactação lateral. E. Canal obturado
pela termocompactação da guta-percha.

nos casos de retratamentos endodônticos. Posteriormen- sem a guta-percha, e durante o uso devem atingir o
te, a lima foi substituída por núcleos condutores plásti- comprimento. Portanto, são imprescindíveis na seleção
cos (carregadores) revestidos de guta-percha termoplas- do carregador Thermafil.
tificada em fornos específicos (Fig. 16.2-19A e B). A Técnica do Thermafil, que é bastante simples e
O carregador é recoberto por guta-percha na fase oferece resultados similares aos das demais técnicas de
alfa, possuindo um limitador de penetração de silico- guta-percha termoplastificada, consiste basicamente
ne e demarcações de 18, 19, 20, 22, 24, 27 e 29mm. São dos seguintes passos:
produzidos para corresponder às especificações dos
instrumentos endodônticos, inclusive no que tange ao 1. Um verificador, usualmente do diâmetro do último
código de cores. Podem ser encontrados nos diâmetros instrumento endodôntico usado no preparo apical,
de nos 20 a 140. Para certificar as dimensões do canal ou um imediatamente inferior é conduzido no canal
radicular preparado, em termos de limite apical e coni- até o CT.
cidade, introduziram no sistema os verificadores. Esses 2. Ajusta-se o limitador de silicone do carregador de
instrumentos correspondem ao respectivo carregador acordo com as demarcações existentes. O carrega-
688 Capítulo 16  Obturação dos Canais Radiculares

vidamente plastificada se apresenta levemente expan-


dida e com superfície brilhante (Fig. 16.2-20A, B e C).
5. Na sequência o carregador é introduzido no canal
radicular com firme pressão apical até o CT. Uma
velocidade de inserção rápida melhora a qualidade
da obturação, com melhor preenchimento de irregu-
laridades. Radiografa-se.
6. O corte do carregador é efetuado 1 a 2mm acima da
embocadura do canal radicular mantendo pressão
em sentido apical no seu cabo. Após a remoção, o
cabo é descartado. Os carregadores plásticos são cor-
tados pelo atrito com o auxílio de brocas especiais
em alta rotação, as quais possuem extremidades não
cortantes. Os menos calibrosos podem ser cortados,
opcionalmente, com espátula no 1 aquecida.
7. Se um preparo para pino é requerido, o carregador
plástico pode ser removido até a extensão desejada
por meio das brocas Prepi (Dentsply Tulsa Dental),
Figura 16.2-19A. Conjunto de obturadores Thermafil.
esféricas, de haste longa, sem corte, em alta rotação.
Previamente à sua inserção no canal radicular pode
ser feito um entalhe (sulco) transversal no segmento
apical do carregador no local correspondente ao cor-
te da obturação. Após o resfriamento da guta-percha
por 2 a 4 minutos faz-se ligeira torção e remove-se o
remanescente do carregador.
8. Compacta-se verticalmente a guta-percha em volta
do carregador, usando-se compactadores de Schil-
der ou Odous.

Considerações
1. O carregador deve ser imediatamente aquecido em
fornos apropriados, que permitem maior controle
Figura 16.2-19B. Aquecedor de guta-percha Therma Prep Plus.
da temperatura para plastificação da guta-percha.
2. Deve-se deixar por 1 a 2mm o carregador protraindo
na câmara, o que facilita posteriormente se houver
necessidade de retratamento.
dor deve ser descontaminado por imersão em solu-
3. Após o aquecimento, o carregador deve ser ime-
ção de hipoclorito de sódio a 5,25% por 1 minuto,
diatamente inserido no canal, não permitindo que
seguindo-se um enxágue em álcool etílico a 70%.
resfrie.
3. Após a secagem é aplicada uma camada fina de ci-
4. A inserção do carregador deve ser feita sem rotação,
mento nos segmentos cervical e médio do canal ra-
pois pode remover a sua guta-percha14.
dicular. Os cimentos ideais para serem utilizados
nessa técnica são aqueles cuja presa não é demasia-
damente acelerada pelo calor. Os cimentos Therma-
 6. Outros Sistemas de
Seal, AH26, Sealer 26, AH Plus e o Kerr Pulp Canal
Termoplastificação da
Sealer oferecem bons resultados com essa técnica.
4. Na plastificação do carregador Thermafil é ligado o
Guta-Percha
forno Therma Prep Plus 20 minutos antes do uso. Co- Objetivando simplificar a obturação do sistema de
loca-se o carregador no local indicado do aparelho. O canais radiculares pela guta-percha termoplastificada,
tempo para a correta plastificação variará em função do vários sistemas têm sido propostos. No sistema Suc-
diâmetro do carregador. Sabe-se que a guta-percha de- cessfil (Coltone/Whaledent, Inc., USA) a guta-percha
Obturação dos Canais Radiculares 689

vem acondicionada em seringa e, após plastificada, é


aplicada diretamente no condutor, que é inserido no
canal radicular cujas paredes previamente foram co-
bertas com o cimento endodôntico. Atingido o compri-
mento de trabalho, a guta-percha pode ser compactada
lateralmente ao condutor. Similarmente ao Thermafil,
o corte do condutor se faz ligeiramente aquém da en-
trada do canal radicular.
O Sistema EQ Plus (Driller, São Paulo, Brasil – Fig.
16.2-21) apresenta uma interessante combinação de
funções num mesmo aparelho, pois possui uma pon-
ta condutora de calor pelo princípio da Onda Contínua
de Compactação associada a uma bomba de injeção de
guta-percha termoplastificada, em alusão ao Sistema Figura 16.2-20C. Pré-molar obturado com Thermafil.
Obtura II.

Figura 16.2-21. Sistema EQ Plus.

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Capítulo 17
Retratamento
Endodôntico

Hélio Pereira Lopes


José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias
Isabela das Neves Rôças

O retratamento endodôntico consiste na reali- O insucesso endodôntico é, na maioria das vezes,


zação de um novo tratamento, seja porque o anterior resultante de falhas técnicas, as quais impossibilitam
fracassou ou, simplesmente, porque se deseja fazer um a conclusão adequada dos procedimentos intracanais
tratamento mais correto ou adequado, principalmente voltados para o controle e a prevenção da infecção
nos casos em que surgiu a necessidade de os elementos endodôntica. Todavia, existem casos em que o trata-
dentários servirem de suporte a trabalhos protéticos. mento seguiu os padrões mais elevados que norteiam a
Basicamente, o retratamento endodôntico con- Endodontia e, ainda assim, resultam em fracasso. Evi-
siste em realizar a remoção do material obturador, a dências científicas indicam que o fracasso da terapia
reinstrumentação e a reobturação de canais radiculares endodôntica nesses casos de canais tratados adequa-
com o objetivo de superar as deficiências da terapia en- damente está associado a fatores de ordem microbiana,
dodôntica anterior. caracterizando uma infecção intrarradicular e/ou ex-
O Glossário de Terminologia Contemporânea trarradicular, que não foram removidos pelo preparo
para Endodontia da Associação Americana de Endo- químico-mecânico111.
dontistas4 define o retratamento como um procedimen-
to para remover os materiais obturadores da cavidade Fatores microbianos
pulpar e novamente instrumentar (limpar e modelar) e
obturar os canais radiculares. Usualmente é realizado Infecção intrarradicular
devido ao tratamento original, parecer inadequado, ter Na maioria das vezes, o fracasso endodôntico é
falhado ou ter sido contaminado por exposição prolon- resultante da permanência de uma infecção instalada
gada da cavidade pulpar ao meio bucal. na porção apical do canal, mesmo nos casos em que os
canais, aparentemente, foram tratados de forma ade-
quada. A microbiota relacionada com tais casos difere
 ETIOLOGIA DO INSUCESSO
significativamente daquela de dentes não tratados, ou
ENDODÔNTICO seja, da infecção primária do canal. Enquanto essa úl-
O objetivo precípuo do tratamento endodônti- tima é tipicamente uma infecção mista, com um rela-
co é tratar ou prevenir o desenvolvimento de lesões tivo equilíbrio entre bactérias gram-positivas e gram-
perirradiculares. Assim, o sucesso de um tratamento negativas, predominantemente anaeróbias estritas, a
endodôntico pode ser caracterizado como ausência de microbiota associada a fracassos pode ser caracteriza-
doença perirradicular após um período de prosserva- da como uma infecção mista com menor diversidade
ção suficiente. (menos espécies) do que as infecções primárias, sendo

691
692 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

compostas principalmente por bactérias gram-positi- substâncias comumente empregados em Endodon-


vas e sem um predomínio aparente de anaeróbios es- tia, como o hidróxido de cálcio associado a veículos
tritos ou facultativos119. inertes142.
Estudos utilizando métodos de cultura e de bio- Kalfas et al.46 relataram a ocorrência de uma nova
logia molecular têm revelado que Enterococcus faecalis espécie do gênero Actinomyces em casos de fracasso da
é a espécie mais frequentemente encontrada em casos terapia endodôntica. A bactéria foi pela primeira vez
de fracasso do tratamento endodôntico, com preva- isolada e então designada Actinomyces radicidentis. Ela
lência de até 90% dos casos1,31,37,41,76,87,89,93,95,102,116,128,144,146. foi encontrada em cultura pura em dois casos de fra-
Isso sugere que essa espécie pode ser importante para casso endodôntico e é resistente aos efeitos do hidró-
a manutenção ou o aparecimento de lesões perirra- xido de cálcio. Contudo, considerá-la como importante
diculares pós-tratamento. Cepas de E. faecalis podem patógeno endodôntico associado ao fracasso é precipi-
ser extremamente resistentes a vários medicamentos, tado, isso porque ela é encontrada em prevalência mui-
inclusive ao hidróxido de cálcio27,40,104,108. Um estudo to baixa em casos de fracasso da terapia e geralmente
recente demonstrou que a resistência do E. faecalis ao associada a outras espécies115,116.
hidróxido de cálcio está relacionada com o fato de essa Depreende-se então que a microbiota associada a
espécie possuir uma bomba de prótons que reduz o pH casos de fracasso da terapia endodôntica é constituí-
intracitoplasmático por projetar prótons para dentro da principalmente por micro-organismos facultativos,
da célula, impedindo um aumento do pH interno que geralmente por bactérias gram-positivas e/ou fungos,
redundaria em morte celular27. Dessa forma, quando o às vezes em monoinfecção, mas geralmente em infec-
E. faecalis estiver presente na infecção do canal, sua er- ção mista composta por até cinco espécies121. Cum-
radicação pode ser de extrema dificuldade por meio de pre salientar que essas características da microbiota
substâncias químicas auxiliares da instrumentação e de se referem a casos em que o tratamento endodôntico
medicação intracanal. Além disso, tem sido demonstra- foi aparentemente bem executado, mas mesmo assim
do que o E. faecalis pode estabelecer estratégias para so- fracassou. Por outro lado, em casos de fracasso de ca-
breviver por longos períodos em locais com reduzida nais tratados de forma não satisfatória, a microbiota
disponibilidade de nutrientes, como canais obturados, associada é bastante similar à de infecções primárias,
e proliferar novamente quando uma fonte sustentável contendo um maior número de espécies bacterianas
de substrato for restabelecida30,101. Todavia, o conceito (de duas a até 30 espécies), predominantemente ana-
de que o E. faecalis é o principal patógeno associado ao eróbias estritas. Isso é bastante comum nos casos em
fracasso endodôntico tem sido questionado recente- que a obturação do canal está muito aquém do ápice
mente por estudos que não o encontraram em amos- radicular ou se encontra com falhas de compactação,
tras de retratamento16,96, que o encontraram em pre- sugerindo que a instrumentação não foi devidamente
valência similar em casos de retratamento de dentes realizada, permitindo a permanência das bactérias pre-
com e sem lesão48,146 ou que o encontraram em infecções sentes na infecção original.
mistas, mas não como a espécie mais dominante94,97. Estando os canais adequadamente obturados, al-
Fungos são micro-organismos eucariotas que po- gumas bactérias podem permanecer vivas, gerando um
dem ser encontrados em duas formas básicas: leveduras risco potencial para o fracasso do tratamento endodôn-
e bolores. Embora não sejam usualmente constituintes tico. Pressões ambientais operam no sistema de canais
da infecção endodôntica primária, fungos também têm radiculares, selecionando os poucos micro-organismos
sido encontrados em casos de infecções secundárias ou que sobreviverão e induzirão o fracasso da terapia.
persistentes, incluindo casos de fracasso da terapia en- Essas pressões são representadas, basicamente, pelas
dodôntica. Estudos utilizando métodos de cultura ou de medidas de desinfecção (preparo químico-mecânico
biologia molecular têm revelado a presença de Candida e medicação intracanal) e pelas condições de escassez
albicans, uma levedura, em 3 a 18% dos casos de fra- de nutrientes em um canal adequadamente tratado117.
casso endodôntico16,21,76,77,88,89,116,129. Outras espécies de Bactérias presentes em regiões de istmos, ramificações,
fungos, como C. glabrata, C. guilliermondii, C. in- reentrâncias, túbulos dentinários ou até mesmo no
conspicua e Geotrichium candidum, também têm sido espaço extrarradicular podem não ser afetadas pelas
ocasionalmente encontradas141. Tais relatos sugerem medidas usadas no controle da infecção endodôntica84.
que fungos podem ser resistentes à terapia endo- O suprimento de nutrientes para bactérias localizadas
dôntica. De fato, tem sido demonstrado que espécies nos tecidos perirradiculares ou em ramificações sofre
de Candida podem ser resistentes a medicamentos e mínimas alterações após o tratamento endodôntico.
Retratamento Endodôntico 693

Todavia, em áreas como túbulos dentinários, istmos e Infecção extrarradicular


reentrâncias, a disponibilidade nutricional é reduzida Poucas espécies bacterianas podem ser capazes
drasticamente. Alojadas nessas regiões anatômicas, de sobreviver no interior dos tecidos perirradiculares
mesmo que aprisionadas por uma obturação adequa- inflamados, perpetuando, assim, uma lesão perirradi-
da do canal, algumas espécies bacterianas podem so- cular. A sobrevivência nessa região, onde as defesas do
breviver por períodos relativamente longos, utilizando hospedeiro têm maior acesso ao agente infeccioso, so-
resíduos nutricionais derivados de restos teciduais e de mente é possível para os micro-organismos dotados da
células mortas. É provável também que, de alguma for- capacidade de evadir tais defesas, mesmo assim em si-
ma, fluidos teciduais alcancem essas áreas, em peque- tuações especiais111,112. Os diversos mecanismos de eva-
nas quantidades, levando nutrientes para as bactérias são microbiana e tais situações já foram devidamente
residuais. abordados, e um dos exemplos mais discutidos talvez
Devido ao fato de que bactérias usualmente po- seja o arranjo microbiano em um biofilme105,107.
dem se deparar com períodos de baixa disponibilidade O biofilme pode ser definido como uma popu-
de nutrientes, como no interior de um canal adequada- lação microbiana aderida a um substrato orgânico ou
mente obturado, a capacidade de sobrevivência nessas inorgânico, estando envolvida por seus produtos ex-
condições é crucial para elas. E isso apenas é possível tracelulares, geralmente polissacarídeos, os quais for-
graças a mecanismos reguladores, sob o controle de mam uma matriz intermicrobiana18,21. Arranjadas em
determinados genes, cuja transcrição é ativada em tais um biofilme, bactérias apresentam maior resistência a
situações. Um exemplo são as bactérias que necessitam agentes antimicrobianos e aos mecanismos de defesa
de amônia como fonte de nitrogênio. Em condições em do hospedeiro36,72,124. Quando presente, o biofilme bac-
que a concentração de amônia é limitada, o sistema Ntr teriano perirradicular, caracterizando uma infecção
de genes é ativado, permitindo que a bactéria adquira extrarradicular, pode ser uma das causas de fracasso
mesmo pequenos traços de amônia. Quando a concen- da terapia endodôntica58,136 principalmente pelo fato
tração de amônia é elevada, esse sistema é desativado. de que se encontra fora do campo de atuação dos pro-
Também em condições de baixa concentração de oxi- cedimentos endodônticos intracanais. Alguns estudos
gênio molecular, bactérias facultativas podem ativar relataram a presença de biofilmes bacterianos adjacen-
o sistema Arc (aerobic respiration regulatory), composto tes ao forame apical e colônias bacterianas localizadas
pelos genes arcA e arcB, ativando as vias metabólicas dentro do granuloma58,106,136. Isso sugere que a organi-
que permitem a utilização de aceptores terminais de zação de bactérias em biofilmes pode permitir a evasão
elétrons para o metabolismo respiratório, de modo que às defesas do hospedeiro e, assim, ser uma das causas
ele se altera de aeróbico para anaeróbico. Em baixa de perpetuação de uma lesão perirradicular.
quantidade de glicose, algumas bactérias podem ativar A principal questão referente ao tratamento do
o sistema de repressão de catabólitos, sob controle dos biofilme é que o profissional não tem recursos disponí-
genes cya (adenilato ciclase) e crp (catabolite repressor veis para detectar a sua ocorrência em um determinado
protein), que permite à célula sintetizar enzimas para caso clínico. Dados de laboratório evidenciaram que a
a utilização de várias outras fontes de carbono. Em incidência de biofilme perirradicular é muito baixa em
carência de fosfato inorgânico, o sistema Pho pode ser dentes não tratados com lesão perirradicular (4% dos
ativado em algumas enterobactérias, permitindo a uti- casos)113. Esse achado é condizente com o elevado índi-
lização de compostos fosfatados orgânicos e de traços ce de sucesso da terapia endodôntica convencional123.
de fosfato inorgânico6. Destarte, torna-se evidente que o biofilme perirradicu-
Dependendo da quantidade de nutrientes dispo- lar pode ocorrer, mas ele é responsável por uma per-
níveis e da capacidade de sobreviver em condições de centagem relativamente baixa dos casos de fracasso
carência nutricional, micro-organismos sobreviventes endodôntico. Por essas razões e devido ao fato de a
às medidas de desinfecção podem morrer ou se manter presença de biofilme não ser passível de detecção cli-
viáveis, tendo, nesses casos, sua proliferação contida nica, o desenvolvimento de uma estratégia terapêutica
ou reduzida. O fracasso da terapia endodôntica, atri- não cirúrgica visando a sua eliminação é inteiramente
buído a micro-organismos que permaneceram viáveis, questionável.
somente advirá se eles tiverem acesso aos tecidos perir- Embora existam várias suposições e propostas
radiculares, se forem patogênicos e se alcançarem nú- terapêuticas (baseadas na maioria das vezes no modis-
mero suficiente para induzir ou perpetuar uma lesão mo e na falta de informações), o profissional deve estar
perirradicular111,112. ciente de que a única modalidade de tratamento dispo-
694 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

nível na atualidade eficaz para eliminar o biofilme pe- Envolvimento microbiano – considerações a
rirradicular (se presente) é representada pela cirurgia respeito de situações especiais
perirradicular. Todavia, como a infecção perirradicular
apenas é diagnosticada após a remoção do espécime, o
Sobreobturação
profissional, antes de optar pela cirurgia, deve buscar Estudos indicam que o sucesso da terapia endo-
outras prováveis causas do insucesso endodôntico, as dôntica é reduzido em casos de sobreobturação32,33,118,122.
quais podem ser passíveis de solução pelo retratamen- A toxicidade dos materiais obturadores tem sido
to endodôntico não cirúrgico. considerada um fator importante nesse aspecto.
Poucas espécies bacterianas podem ser capazes Contudo, a grande maioria dos materiais utilizados
de sobreviver no interior dos tecidos perirradiculares, na obturação de canais radiculares é biocompatível
tornando-se, assim, responsáveis pela perpetuação de (como a guta-percha) ou apresenta citotoxicidade
uma lesão perirradicular. A sobrevivência nessa re- significativa apenas antes de endurecerem (cimentos
gião, onde as defesas do hospedeiro têm maior aces- endodônticos)7,126. Após o endurecimento do cimen-
so ao agente infeccioso, somente é possível para os to, com exceção daqueles contendo paraformaldeído
poucos micro-organismos dotados da capacidade de na composição, a citotoxicidade é reduzida de forma
evadir essas defesas. Entretanto, deve-se ter em men- significativa ou mesmo ausente. Dessa forma, é pou-
te que a infecção perirradicular não é uma ocorrência co provável que, na ausência de uma infecção conco-
comum. Assim, a principal causa de insucesso endo- mitante, esses materiais sejam capazes de induzir ou
dôntico é a persistência de uma infecção intrarradi- perpetuar uma lesão perirradicular quando extrava-
cular, independentemente de o canal aparentemente sados pelo forame apical.
estar tratado satisfatoriamente ou não55,56,83,93,94,116. Isso Tal afirmativa encontra respaldo no fato de que o
é atestado pelo fato de que cerca de 2/3 dos casos de índice de sucesso nas biopulpectomias, onde há ausên-
fracasso resultam em sucesso após o retratamento en- cia de infecção pulpar, é bastante elevado, mesmo nos
dodôntico clínico122. casos de sobreobturação. Obviamente isso não deve ser
Um outro aspecto importante em relação às infec- entendido como uma apologia da sobreobturação, uma
ções extrarradiculares e que assume extrema relevân- vez que complicações pós-operatórias, como flare-ups,
cia no entendimento de seu papel no fracasso da tera- podem advir mormente quando a quantidade de ma-
pia endodôntica se refere ao fato de que elas podem terial obturador extravasada for grande. Na verdade,
ser dependentes ou independentes da infecção intrarradi- tal constatação enfatiza a necessidade de se controlar
cular114. Na maioria das vezes, a infecção extrarradicu- e prevenir a infecção endodôntica para o sucesso da
lar é mantida pela infecção intrarradicular localizada terapia.
na parte mais apical do canal. Na verdade, o biofilme Depreende-se então que o fracasso associado às
extrarradicular observado em alguns casos é apenas a sobreobturações está relacionado com a presença de
região fronteiriça entre a infecção endodôntica e as de- uma infecção concomitante. Na maioria das vezes, ca-
fesas do hospedeiro. Essa fronteira está usualmente lo- nais sobreobturados não apresentam um selamento
calizada no interior do canal, em alguns casos atinge o apical satisfatório, o que permite que ocorra a perco-
forame apical e, em poucos, se estende para os tecidos lação de fluidos teciduais para o interior do sistema de
perirradiculares. canais radiculares, os quais, sendo ricos em proteínas
Nessa última situação, um biofilme perirradicu- e glicoproteínas, podem suprir substrato para micro-
lar pode ser observado, o qual é mantido pela infec- organismos residuais que sobreviveram aos efeitos
ção do canal na maioria das vezes. Já a infecção ex- dos procedimentos intracanais. Restabelecida a fonte
trarradicular, independentemente da intrarradicular, nutricional, tais micro-organismos podem proliferar e
é mais rara e talvez seja representada principalmente atingir números compatíveis com a indução ou manu-
pela actinomicose perirradicular, onde colônias coe- tenção de uma lesão perirradicular111.
sas de Actinomyces spp. ou de Propionibacterium pro- Uma outra situação comum em casos de sobreob-
pionicum podem ser encontradas no corpo da lesão turação e que pode justificar o fracasso do tratamento
sem aparente contato com a infecção do canal (se se refere ao fato de que, usualmente, a sobreinstrumen-
ainda existente). Contudo, se a actinomicose perirra- tação antecede a sobreobturação. Em casos de dentes
dicular realmente representa uma entidade indepen- despolpados, com necrose e infecção pulpar, tal evento
dentemente da infecção intrarradicular ainda precisa faz com que raspas de dentina infectadas sejam proje-
ser elucidado120. tadas para o interior da lesão perirradicular145. Nessa
Retratamento Endodôntico 695

situação, os micro-organismos são fisicamente protegi- técnicas: onda contínua de compactação (System B),
dos dos mecanismos de defesa do hospedeiro e têm o Thermafil e compactação lateral. Um número signi-
potencial de sobreviver no interior da lesão e, assim, ficativo de espécimes apresentava canais totalmente
perpetuá-la128. contaminados após 30 dias, independentemente da
técnica. Após 60 dias, 75% dos canais obturados pela
Selamento coronário técnica da onda contínua de compactação, 85% dos
Há até alguns anos, a grande maioria dos autores obturados com Thermafil e 90% dos obturados pela
estava concorde em afirmar que a obtenção de um sela- compactação lateral estavam totalmente contamina-
mento apical “hermético” era o principal fator relacio- dos. Não houve diferença estatisticamente significan-
nado com o sucesso da terapia endodôntica. Todavia, te entre as três técnicas.
para Saunders e Saunders98 um selamento coronário A exposição da obturação do canal à saliva pode
adequado também exerce extrema relevância no resul- ocorrer nas seguintes situações clínicas: (a) perda do
tado do tratamento endodôntico. selador temporário ou da restauração coronária defini-
Se irritantes presentes na saliva, como bactérias, tiva; (b) microinfiltração através do selador temporário
produtos bacterianos, componentes da dieta e subs- ou da restauração coronária definitiva; (c) desenvolvi-
tâncias químicas, contatam os tecidos perirradiculares, mento de cárie secundária ou recidivante; (d) fratura
eles podem se tornar inflamados. Canais obturados do material restaurador e/ou da estrutura dentária.
expostos diretamente à saliva podem se tornar rapi- Após a obturação do canal radicular, um selador
damente recontaminados, graças à solubilização do ci- coronário provisório é aplicado, até a realização do tra-
mento endodôntico e à permeabilidade da obturação. tamento restaurador definitivo. Devido à solubilidade
Khayat et al.49 avaliaram in vitro o tempo necessário à saliva e à baixa resistência mecânica à compressão
para os canais obturados por duas técnicas se torna- dos materiais seladores temporários, o selamento pro-
rem recontaminados após exposição à saliva. Eles ve- visório não deve permanecer por um período longo
rificaram que, quando a técnica de compactação late- (como o próprio nome diz – é provisório). Assim, após a
ral foi empregada, a total recontaminação do canal foi conclusão do tratamento endodôntico, deve ser execu-
observada, em média, em 29 dias, variando entre 8 e tada o mais rapidamente possível a restauração defini-
48 dias. Canais obturados pela técnica de compactação tiva ou o preenchimento da cavidade coronária (núcleo
vertical foram recontaminados entre 4 e 46 dias, com de preenchimento) do elemento dentário.
uma média de 25 dias. Torabinejad et al.135 utilizaram A solubilização do cimento endodôntico e a con-
culturas de bactérias para avaliar a recontaminação do sequente permeabilidade da obturação do canal pela
canal. Eles verificaram que canais obturados expostos saliva permite a comunicação entre irritantes da cavi-
coronariamente a uma cultura de Staphylococcus epider- dade oral e os tecidos perirradiculares via forame api-
midis se tornaram recontaminados, em média, em 24 cal ou ramificações. Nessas condições, o tratamento
dias, enquanto aqueles expostos a Proteus vulgaris, em endodôntico, mesmo adequadamente executado, pode
49 dias. Estudo de Behrend et al.10, examinando o efei- resultar em fracasso.
to da remoção da smear layer na penetração coronária Como, clinicamente, ainda é impossível determi-
de P. vulgaris, relatou que a frequência da penetração nar se a comunicação entre a saliva e os tecidos perirra-
bacteriana em 21 dias foi significativamente maior em diculares ocorreu, parece contraindicada a restauração
dentes obturados com a smear layer intacta (70%) do dentária definitiva de um dente cujo canal tenha per-
que naqueles onde esta camada de detritos foi remo- manecido exposto à cavidade oral por um curto perío-
vida (30%). do de tempo.
Siqueira et al.109 compararam o selamento do ca- Estudos clínicos têm revelado que a qualidade do
nal radicular sem selamento coronário proporcionado selamento coronário promovido pela restauração da
por dois cimentos endodônticos contendo hidróxido coroa dentária pode estar relacionada com o sucesso
de cálcio, Sealer 26 e o Sealapex. Foi demonstrado da terapia endodôntica. Ray e Trope91 chegaram a afir-
que, após 90 dias de exposição à saliva, 45% e 80% mar que a qualidade da restauração coronária foi signi-
dos canais obturados onde se empregaram o Sealer ficativamente mais importante para o sucesso a longo
26 e o Sealapex, respectivamente, tornaram-se total- prazo do tratamento endodôntico do que propriamen-
mente recontaminados. Em outro estudo, Siqueira et te a qualidade da obturação do canal. Embora tenham
al.110 avaliaram a infiltração via coronária de micro- alertado para essa questão importante, tal afirmativa
organismos da saliva em canais obturados por três não foi respaldada por outros estudos.
696 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Tronstad et al.137 revelaram que o maior índice processada e examinada por microscopia óptica e ele-
de sucesso do tratamento endodôntico (81%) ocorreu trônica, sendo diagnosticada como cisto perirradicular.
quando da associação adequado tratamento endodôntico/ Um grande número de cristais de colesterol foi obser-
adequada restauração coronária. Quando o tratamento vado no tecido conjuntivo, circundando o revestimento
endodôntico foi bem executado, mas a restauração co- epitelial da loja cística. Uma vez que micro-organismos
ronária estava ruim, o índice de sucesso caiu para 71% não foram detectados, esses autores atribuíram a causa
dos casos. Por sua vez, quando a qualidade do trata- da persistência da lesão ao desenvolvimento de uma
mento endodôntico foi ruim, o índice de sucesso caiu reação de corpo estranho aos cristais de colesterol.
drasticamente, independentemente de a qualidade da Tais cristais podem se originar da precipitação do
restauração coronária estar adequada (56% de sucesso) colesterol liberado por eritrócitos, linfócitos, plasmóci-
ou não (57% de sucesso). Assim, se o tratamento en- tos e macrófagos, em estado de desintegração na lesão,
dodôntico foi inadequado, a qualidade da restauração ou por lipídios circulantes. Eles também podem evocar
coronária não influenciou o índice de sucesso. uma reação de corpo estranho, sendo então circunda-
Siqueira et al.118 avaliaram a prevalência de lesões dos por células gigantes multinucleadas82. É possível
perirradiculares em 2.051 dentes com canais tratados que essas células sejam incapazes de eliminar os cris-
de uma população brasileira. Casos com tratamento tais, que continuariam a se acumular, perpetuando a
endodôntico e restauração coronária adequados apre- lesão perirradicular.
sentaram um índice de sucesso de 71%. Tal índice caiu Tem sido sugerido que o epitélio cístico pode
para 65% em casos de adequado tratamento e restaura- ser o responsável pela ausência de reparo da lesão
ção inadequada e para 48% quando o tratamento esta- pós-tratamento endodôntico, principalmente em ca-
va adequado, mas com restauração coronária ausente. sos de cistos perirradiculares verdadeiros, nos quais
Dentes com tratamento endodôntico inadequado tive- a loja cística não se comunica com o canal radicular.
ram índices de sucesso de 38%, 25% e 18% quando a Todavia, estudos revelam que cistos perirradiculares
restauração coronária estava adequada, inadequada podem ser curados após tratamento endodôntico não
ou ausente. Assim, quando o tratamento endodôntico cirúrgico57,78,79,134. Ademais, alguns cistos podem se tor-
estava adequado, a qualidade da restauração não afe- nar infectados, mormente quando a cavidade cística
tou os resultados, exceto quando ela estava ausente e a apresenta comunicação direta com a infecção do canal
obturação do canal completamente exposta à cavidade via forame apical (cisto em bolsa ou cisto baía). No in-
oral. Por sua vez, a qualidade da restauração coronária terior da cavidade, micro-organismos que egressam do
afetou significativamente o resultado dos dentes com canal são combatidos por moléculas de defesa (anti-
tratamento endodôntico inadequado. corpos e componentes do sistema complemento) e por
Levando-se em consideração que nenhuma técni- neutrófilos polimorfonucleares, únicas células capazes
ca de obturação ou material obturador disponível na de atravessar o revestimento epitelial e adentrar a loja
atualidade apresentam eficácia em promover um bom cística. Devido às características morfológicas da cavi-
selamento coronário, o ingresso de micro-organismos dade cística, o combate à infecção pode não ser eficaz, e
da saliva em um canal obturado só pode ser prevenido a persistência de micro-organismos e de seus produtos
por uma adequada restauração coronária. Entretanto, pode ser a causa verdadeira do fracasso, também ca-
apenas uma adequada restauração coronária não re- racterizando uma infecção extrarradicular111,112.
presenta garantia de sucesso se o tratamento endodôn- Além dos fatores intrínsecos, também os extrín-
tico não estiver correto92,118,137. secos têm sido propostos como causa de fracasso en-
dodôntico. Alguns materiais obturadores contendo
substâncias insolúveis e irritantes, como o talco conta-
Fatores não microbianos minando cones de guta-percha, quando extravasados
Embora fatores microbianos sejam citados como para os tecidos perirradiculares, podem evocar uma
a causa primária de fracasso da terapia endodôntica, reação de corpo estranho neles, o que perpetuará ou
relatos sugerem que alguns poucos casos podem estar possivelmente induzirá uma lesão perirradicular, le-
relacionados com a reação de corpo estranho a mate- vando o tratamento endodôntico ao fracasso80. A ce-
riais endodônticos ou com fatores intrínsecos, como o lulose, presente em cones de papel, no algodão e em
acúmulo de produtos de degeneração tecidual. Nair et alguns alimentos, também pode ser a causa de insu-
al.81 relataram um caso clínico de lesão refratária à te- cesso endodôntico se, por algum motivo, contatar os
rapia endodôntica. A lesão removida por cirurgia foi tecidos perirradiculares50,111. Uma vez que nossas célu-
Retratamento Endodôntico 697

las não produzem celulase, a enzima que degrada esse níveis suficientes que sejam compatíveis com a repara-
carboidrato, ele permanecerá nos tecidos, evocando ção completa119.
uma reação de corpo estranho. O uso de cones de papel Quanto ao tempo de prosservação, os valores ci-
absorvente além do comprimento do canal radicular, tados na literatura consultada são conflitantes, varian-
pode deixar fragmentos de celulose nos tecidos perir- do de 6 meses a 10 anos11,122,130.
radiculares. Em nossa opinião, o emprego intracanal Para Friedman35, a maioria dos casos de dentes
de algodão, independentemente da razão alegada, é tratados endodonticamente é curada após 1 a 2 anos,
totalmente desnecessário e contraindicado. Alimentos com alguns podendo levar até 4 anos. Se após esse pe-
à base de celulose podem adentrar o canal nos casos ríodo a lesão ainda persistir sem sinais de redução nos
em que ele é deixado aberto para drenagem ou quando últimos controles radiográficos, deve ser considerado o
o selamento temporário é perdido. Obviamente, tais caso como um fracasso.
alimentos também carrearão micro-organismos para o A Sociedade Europeia de Endodontia determi-
canal radicular. Deixar o dente aberto para drenagem nou que a radiografia de controle deve ser tirada pelo
já era considerado um procedimento antiquado e sem menos após 1 ano do tratamento endodôntico. Para
suporte científico sólido no início do século passado140. controles subsequentes, em caso necessário, até 4 anos,
Cumpre salientar que, embora haja suposições quando o tratamento é definitivamente considerado
quanto ao envolvimento de fatores não microbianos como sucesso ou fracasso26.
no fracasso endodôntico e até tentativas de explicação, A validade do critério clínico e radiográfico utili-
não há fortes evidências científicas nesse sentido. Em zado na avaliação do índice de sucesso ou de fracasso
todos os casos relatados é difícil excluir a possibilida- do tratamento endodôntico é questionada por diver-
de de infecção concomitante aos supostos fatores não sos autores. Os critérios para a avaliação clínica são
microbianos. No momento, acredita-se que todos os frequentemente mal-entendidos, mal-empregados ou
casos de fracasso devido à perpetuação de uma lesão mal-interpretados. Isso pode até acontecer com o mes-
perirradicular sejam causados por micro-organismos mo dente e o mesmo profissional em duas ocasiões
presentes no canal ou nos tecidos perirradiculares. distintas. Fatores relacionados com o paciente, seleção
do caso e interpretação do observador podem alterar
de modo significativo as percepções do sucesso e do
 AVALIAÇÃO DO SUCESSO DA TERAPIA
fracasso. A ausência de sintomas clínicos não serve de
ENDODÔNTICA parâmetro para determinar o sucesso ou o fracasso de
No que tange às avaliações de sucesso ou fra- um tratamento endodôntico sem a integração de ou-
casso realizadas por vários autores, podemos afir- tros fatores39.
mar que elas divergem consideravelmente, talvez Para que dados radiográficos obtidos na ocasião
em razão da variação dos critérios empregados pelos do tratamento endodôntico sejam comparados com os
pesquisadores39,75,122. obtidos nas avaliações subsequentes, todas as radio-
Ao longo dos anos diversos critérios têm sido uti- grafias devem ser de boa qualidade e com o mínimo de
lizados para o estabelecimento do índice de sucesso distorção. As angulações verticais e horizontais devem
do tratamento endodôntico. Porém, é comum entre os ser constantes e fornecer uma representação mais pró-
autores considerar os aspectos clínicos e radiográficos, xima possível da verdadeira anatomia radicular e da
assim como o tempo de controle (prosservação), como configuração do canal. O exame de controle clínico e
critérios de avaliação do índice de sucesso e fracasso radiográfico é difícil de ser concretizado devido à relu-
do tratamento endodôntico. tância do paciente em encontrar tempo para a sua reali-
A Sociedade Europeia de Endodontia em 1994 zação quando o dente está bem clinicamente. A comu-
considerou que as ausências de dor, tumefação e ou- nicação e a formação da importância do controle pós-
tros sintomas; assim como a ausência de fístula, da tratamento endodôntico ao paciente são fundamentais
perda de função e de evidência radiográfica de espaço para a obtenção de maiores percentuais de avaliação
do ligamento periodontal normal são indicativos de do tratamento endodôntico a longo prazo.
sucesso. Se a radiografia revela que a lesão permane- Um dente, aparentemente normal com relação ao
ce com a mesma dimensão ou diminui de tamanho, o critério clínico e radiográfico, pode apresentar altera-
tratamento não é considerado um sucesso26. Nos casos ções patológicas nos tecidos perirradiculares.
onde ocorre a redução do tamanho da lesão perirradi- Na prática diária, a interpretação e a avaliação
cular significa que a infecção diminuiu, mas não aos dos resultados obtidos pelo controle clínico e radiográ-
698 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

fico devem ser analisadas com muito rigor para evitar-


mos fatos – como o retratamento ou cirurgias perirra-
diculares desnecessárias – que acontecem em virtude
da menor atenção dedicada aos exames de controle
radiográfico associados à história clínica, que poderão
facultar um diagnóstico correto em relação ao caso em
questão.

 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Antes da indicação do retratamento endodôntico
convencional ou da cirurgia perirradicular devemos
descartar a possibilidade de dor:
A

• Não odontogênica. Nesses casos, o diagnóstico di-


ferencial deve incluir a síndrome de dor miofacial,
a disfunção temporomandibular, as síndromes de
cefaleia vascular, a dor neurogênica, a doença do
sistema nervoso central, a infecção herpética ou por
outros vírus e dor psicossomática.
• Odontogênica de origem não endodôntica. Nesses
casos, o diagnóstico diferencial deve incluir o trau-
ma oclusal, a doença periodontal e as fraturas (fissu-
ras) dentárias. Dentes com tratamento endodôntico
submetidos a um trauma oclusal podem permanecer
sensíveis. O retratamento endodôntico não remove-
rá a verdadeira causa dessa sensibilidade. Da mes- B
ma forma, dentes envolvidos periodontalmente po-
dem permanecer sensíveis, especialmente à percus- Figura 17-1. Retratamento endodôntico. Indicação. A. Opção ci-
rúrgica. B. Retratamento convencional.
são e à palpação após um tratamento endodôntico
correto. As sondagens periodontais cuidadosas são
imprescindíveis antes de se indicar o retratamento Assim, a análise criteriosa da situação clínica, em
endodôntico convencional ou cirúrgico. Dentes com sua totalidade, é fundamental para a escolha entre a
fraturas coronárias verticais ou oblíquas e fraturas opção cirúrgica e o retratamento convencional, a fim
radiculares permanecem sensíveis à percussão e à de se optar pela indicação mais acertada e com mais
mastigação14. A análise do caso por meio de tomo- possibilidades de sucesso.
grafia computadorizada de feixe cônico é imprescin- O retratamento endodôntico pode ser assim indi-
dível para completar o diagnóstico. cado:

• quando o tratamento inicial apresentar, mediante


 INDICAÇÕES exame radiográfico, obturação endodôntica inade-
Do ponto de vista endodôntico, toda vez que sur- quada de um canal radicular (Fig. 17-2A e B). Nos
ge um insucesso, a opção recai sobre duas condutas bá- casos em que a obturação endodôntica é inadequada
sicas: a cirurgia perirradicular ou o retratamento con- e uma nova restauração protética do dente se faz ne-
vencional, que quando bem indicados proporcionam cessária, mesmo não havendo manifestação clínica
um bom prognóstico. A escolha entre uma ou outra op- ou radiográfica de insucesso, o retratamento do ca-
ção depende de fatores como: acesso ao canal, localiza- nal deve ser realizado. As substituições de restaura-
ção e situação anatômica do dente, envolvimento com ções coronárias com ou sem uso de retentores intrar-
peças protéticas, qualidade do tratamento endodôntico radiculares em dentes com obturações endodônticas
anteriormente realizado e envolvimento periodontal inadequadas podem provocar a comunicação do
(Fig. 17-1A e B). canal radicular com o meio oral, contaminando-o e
Retratamento Endodôntico 699

Figura 17-2. Retratamento


endodôntico. Indicação. A.
Obturação inadequada do
canal. B. Obturação inade-
quada e necessidade de nova A B
restauração coronária.

propiciando condições imediatas ou mediatas para • quando observamos no exame radiográfico de um


o surgimento de manifestação clínica e/ou radio- dente tratado endodonticamente: presença de rare-
gráfica adversa, em dentes que anteriormente se fações ósseas em áreas perirradiculares previamen-
comportavam como sucesso. te inexistentes, incluindo rarefações laterais; espa-
• quando o tratamento inicial apresentar por meio do ço do ligamento periodontal aumentado maior que
exame clínico exposição da obturação de um canal 2mm; ausência de reparo ósseo em uma reabsorção
radicular ao meio oral. Magura et al.70 recomendam perirradicular; aumento de uma área radiotrans-
o retratamento endodôntico em dentes sem restau- parente; não formação de nova lâmina dura; evi-
rações coronárias, em que as obturações dos canais dência de progressão de uma reabsorção radicular
ficaram expostas ao meio oral por três meses ou (Fig. 17-4).
mais (Fig. 17-3). • o retratamento também deve ser indicado para os
• quando o exame clínico do dente tratado endodon- dentes que serão submetidos a cirurgia perirradicu-
ticamente revelar: persistência de sintomas subjeti- lar, onde o canal radicular se apresenta inadequa-
vos, desconforto quanto à percussão e à palpação, damente instrumentado e obturado. A obturação
fístula ou edema, mobilidade, impossibilidade de retrógrada realizada em canais deficientemente ob-
mastigação. turados não é, por si só, fator de sucesso cirúrgico.
O retratamento endodôntico pode ser realizado via
convencional (coroa-ápice) ou por meio da loja ci-
rúrgica (retroinstrumentação e retro-obturação).

Figura 17-3. Retratamento endodôntico. Indicação. Obturação ex- Figura 17-4. Retratamento endodôntico. Indicação. Presença de
posta ao meio oral. rarefação óssea em área perirradicular previamente inexistente.
700 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

 RETRATAMENTO ENDODÔNTICO conduzir a erros e perfurações na preparação do acesso


à cavidade endodôntica, além de dificultar o diagnós-
O retratamento endodôntico envolve etapas dis-
tico de fraturas verticais e contribuir para a contamina-
tintas, ou seja:
ção do endodonto, em razão de cáries ou percolações.
Entretanto, quando apresentam qualidades satis-
• remoção da restauração coronária;
fatórias, as vantagens da manutenção dessas restaura-
• remoção de retentores intrarradiculares;
ções favorecem o isolamento absoluto; mantêm os den-
• remoção do material obturador do canal radicular
tes em função e a estética original.
(esvaziamento);
Nesses casos, a abertura coronária deve ser ampla,
• reinstrumentação do canal radicular;
objetivando favorecer a visualização direta do material
• medicação intracanal;
obturador existente na cavidade pulpar. Para restau-
• obturação do canal radicular.
rações metálicas ou de resina composta, brocas carbide
são normalmente empregadas. Para restaurações cerâ-
Antes de programarmos o retratamento, uma cui-
micas são empregadas brocas diamentadas.
dadosa análise clínica e radiográfica do elemento den-
As pequenas aberturas praticadas no pressuposto
tário se faz necessária. Nesse exame devemos observar
de manter as mesmas restaurações coronárias após o re-
a viabilidade do retratamento e, principalmente, o tipo
tratamento endodôntico certamente contribuirão para
de restauração coronária presente, o aspecto da obtu-
ração do canal radicular e a presença de iatrogenias uma ineficaz limpeza dos canais radiculares, com gra-
(degraus, perfurações, instrumentos fraturados, obs- ves repercussões no resultado da terapia empregada.
truções e reabsorções). Porém, não devemos esquecer Além disso, principalmente em dentes inferiores,
que, embora de valor inestimável na prática endodôn- poderá ocorrer a queda de resíduos da restauração
tica, a radiográfia não é absoluta. Ao contrário, existem coronária, na região apical ou perirradicular, durante
conceitos que, por si sós, limitam o seu valor. Assim, reinstrumentação do canal radicular. Geralmente isso
mesmo quando as imagens radiográficas não estimu- ocorre devido à ação dos instrumentos endodônticos
lam o retratamento, ele pode reservar boas surpresas nas paredes do material restaurador ou devido à ten-
quando iniciado, pois aquelas são sugestivas e nunca tativa de se ampliar o acesso após o esvaziamento do
conclusivas. canal radicular. Dentre outros inconvenientes, esses re-
síduos podem impedir o acesso à área apical e, conse-
quentemente, inviabilizar a terapia proposta.
 REMOÇÃO DA RESTAURAÇÃO Nos casos onde a retificação do acesso for neces-
CORONÁRIA sária, sugerimos o bloqueio da embocadura dos canais,
As restaurações coronárias em dentes tratados com pequenas mechas de algodão ou de guta-percha.
endodonticamente podem ser simples, sendo, nor-
malmente, constituídas de amálgamas, compósitos e Remoção das restaurações coronárias
ionômeros de vidro ou complexas, representadas pe- complexas
las incrustações e coroas metálicas ou cerâmicas que,
A remoção das restaurações coronárias comple-
às vezes, podem ser suportes de aparelhos protéticos.
xas pode ser realizada por desgaste, ultrassom, tração
As restaurações simples, de modo geral, não requerem
ou pelas combinações desses procedimentos
considerações especiais quanto ao acesso aos canais
radiculares, devendo, sempre que possível, ser remo-
Remoção por desgaste
vidas integralmente por meio de instrumentos rotató-
rios. Quanto às restaurações complexas, uma situação Na remoção por desgaste de materiais metálicos
alternativa pode ocorrer: a manutenção ou a remoção. são usados instrumentos rotatórios, de preferência es-
peciais, como as brocas Transmetal FG-153 (cilíndrica)
e 154 (pera), FG150/A e 150/B, FG155 (cilíndrica) e
Manutenção das restaurações coronárias
FG156 (cônica) da Maillefer. Também as brocas FG esfé-
complexas
ricas estandardizadas ou de haste longa são eficientes.
A manutenção dessas restaurações pode ocultar A restauração pode ser desgastada na sua totali-
rotações dentárias, alterações de posição e, radiogra- dade, o que geralmente consome muito tempo, perda
ficamente, impedir a visualização da morfologia da de corte da broca e, por vezes, desperdício de metal
câmara pulpar. Tais omissões de informações poderão nobre.
Retratamento Endodôntico 701

Outra maneira de se remover a restauração é re- um discreto movimento de alavanca entre a estrutura
alizar o seu seccionamento com broca, no sentido do dentária e a coroa, esta é facilmente deslocada e, pos-
menor diâmetro, até atingir o cimento e/ou a estrutura teriormente, utilizada para a confecção da coroa pro-
dentária. A seguir, um instrumento metálico rígido é visória.
introduzido no traço da seção e, com movimento dis-
creto de alavanca, conseguimos o deslocamento dos Remoção por ultrassom
fragmentos (Fig. 17-5A e B). As restaurações coronárias complexas metálicas
Na remoção de material cerâmico são emprega- podem ser removidas pelo emprego de ultrassom. En-
das brocas diamantadas. Nas coroas metalocerâmicas, tre os diversos tipos de aparelhos, podem ser citados o
primeiramente, a cerâmica será seccionada com broca ENAC (Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Co-
diamantada e, a seguir, secciona-se o metal com brocas mercial Ltda, Ribeirão Preto, SP), que apresentam boa
carbide. eficiência e simplicidade de emprego. Esses aparelhos
Em função da estética, principalmente em dentes vêm acompanhados de uma ponta especial ST 09, posi-
anteriores, pode-se desgastar a coroa pelo lado palati- cionada junto às diferentes faces da restauração. Com a
no ou lingual, contornando o preparo até liberá-la, sem aplicação da vibração ultrassônica ocorre a fragmenta-
prejudicar sua face vestibular. Após o desgaste, com ção do cimento, podendo, a seguir, a restauração ser re-

Figura 17-5. Remoção da restauração coronária por desgaste. A. Seccionamento com broca. B. Deslocamento com um instrumento metá-
lico rígido. Restauração removida.
702 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Remoção por tração


Outra maneira de se promover a remoção de
restaurações coronárias complexas, principalmente
coroas artificiais, é por meio do aparelho saca-prótese
(Fig. 17-7).
Esse aparelho é formado por quatro peças: Peça 1
(gancho) – parte que fica em contato com a coroa den-
tária que se deseja remover. É rosqueada à haste do
aparelho e apresenta garras na extremidade, que são
posicionadas junto ao bordo cervical da coroa. Geral-
mente, esses aparelhos apresentam cinco tipos da peça
1, as quais diferem entre si pelo formato das garras,
devido à variação da anatomia coronária; Peça 2 – haste
esbelta (fina e comprida); Peça 3 – corpo com massa re-
A lativamente grande; Peça 4 – batente limitador de mo-
vimento da Peça 3 (massa).
O funcionamento desse aparelho se desenvolve
da seguinte maneira: a Peça 1 é adaptada geralmente
ao bordo cervical, vestibular da coroa que se deseja
remover. Em seguida, a Peça 3 é colocada em contato
com a Peça 1, isto é, mais próxima à restauração e im-
B pulsionada pelo operador contra o batente da Peça 4, o
que produz um choque mecânico que induz cargas su-
Figura 17-6A. Aparelho de ultrassom ENAC (Osada Eletric CO, Ja-
pão). B. Ponta especial ST09.
periores à da resistência ao cisalhamento do cimento.

movida com tração por meio de instrumentos clínicos


(por exemplo, espátula de Hollemback). É importan-
te o contato íntimo entre a ponta vibradora e o metal
da restauração protética. A ligação do cimento pode
se romper na interface cimento-metal ou na interface
cimento-dentina (Fig. 17-6A e B).
A remoção de trabalhos protéticos por ultrassom
é mais eficiente quando cimentados com cimentos con-
vencionais do que com cimentos resinosos ou cimentos
com adesivos dentinários.
Outras vezes, a seção da restauração com instru-
mentos rotatórios facilitará e diminuirá o tempo de re-
moção pelo ultrassom.
Durante a aplicação do aparelho deve ser manti-
do o jato de água para evitar o aumento de temperatu-
ra, causado pela vibração da ponta do ultrassom, que
deverá ser aplicado em intervalos de 1 a 2 minutos, e
o tempo requerido para a remoção varia de 3 a 10 mi-
nutos, estando o registro de potência do equipamento
posicionado em vibração.
Para amenizar o desconforto da vibração pode
ser aplicado um instrumento auxiliar (por exemplo,
um calcador de cimento) junto a uma das faces da res-
tauração. Todavia, esse procedimento reduz a energia Figura 17-7. Aparelho saca-prótese. 1. Gancho. 2. Haste esbelta. 3.
vibratória. Massa. 4. Batente.
Retratamento Endodôntico 703

A força necessária para a remoção de uma coroa


ou ponte fixa dependerá, dentre outros fatores, da área
da superfície do preparo do dente, da forma geométri-
ca do preparo e da resistência à ruptura do cimento.
Maior área da superfície do preparo do dente, preparo
com paredes paralelas e próteses cimentadas com ci-
mentos resinosos ou cimentos com adesivos dentiná-
rios necessitam de uma força maior para a remoção da
prótese.
Do exposto, pode-se afirmar que os aparelhos
saca-prótese e extrator pneumático devem ser usados com
cautela na remoção de peças protéticas cimentadas defi-
nitivamente. Todavia são úteis quando a cimentação for
Figura 17-8. Aparelho extrator pneumático.
de caráter provisório, em razão da menor resistência à
ruptura do cimento empregado.
Com isso é possível fraturar o cimento e, consequente- Outras versões de aparelhos de tração foram de-
mente, deslocar a coroa protética do dente. senvolvidas especificamente para a remoção conser-
Outro aparelho empregado na remoção de pró- vadora de restaurações e coroas, porém, todas sendo
tese é o extrator pneumático (Dentco, NY, USA) (Fig. utilizadas de modo similar17 com o mesmo mecanismo
17-8). Apresenta três ganchos que diferem entre si pelo de funcionamento.
formato das garras. O sistema transforma a energia Apesar de propostas seguras de remoções de res-
cinética do ar comprimido em energia mecânica, im- taurações protéticas por desgaste e por ultrassom, ain-
pulsionando o gancho de encontro à peça protética. O da há improvisações empíricas e grotescas, como o uso
número e a força de impacto podem ser controlados de cinzéis e martelos cirúrgicos que, rotineiramente,
pelo ajuste da abertura de saída do ar comprimido. O levam à fratura da estrutura dentária.
equipamento é acompanhado de um manômetro para No retratamento endodôntico é insensato tentar
medir a pressão exercida pelo ar. remover por tração ou por ultrassom integralmente
É importante ressaltar que a força aplicada no colo um trabalho protético com o intuito de reaproveitá-lo,
anatômico da coroa é paralela ao eixo do dente, crian- expondo o elemento dentário a riscos que poderão cul-
do um momento (binário ou conjugado) que pode oca- minar com a sua exodontia. Se o objetivo é preservar o
sionar a fratura do dente (Fig. 17-9A e B). Para evitar a trabalho protético, a melhor opção para o retratamento
criação do binário é necessário aplicar a força no eixo é a via cirúrgica.
do dente. Esse procedimento pode ser obtido mediante
o emprego de dispositivos especiais: quando a forma
da coroa permitir, faz-se uma abertura no seu bordo
incisal, passando por ela um fio metálico no qual se-
ria aplicada a garra de tração do saca-prótese ou extrator
pneumático; em coroas de pré-molares e molares o ideal
é empregar dispositivos que prendam garras na face
vestibular e na palatina. A força aplicada pode também
afetar o ligamento periodontal, chegando até mesmo a
ocasionar a extrusão do dente. Também pode danificar
as bordas de coroas metálicas ou fraturar as bordas de
coroas com porcelanas.
Outra aplicação desses aparelhos é na tentativa
de remoção de ponte fixa. O gancho (Peça 1) deve ser
aplicado na parte central do pôntico. Todavia, pode não
ocorrer a ruptura simultânea do cimento dos dentes pi-
A B
lares. Assim, há tendência de a ponte girar em torno de
um dos pilares. Tal ocorrência pode provocar uma luxa- Figura 17-9. Força aplicada paralela ao eixo do dente. A. Desenho
ção lateral ou mesmo a fratura dos dentes pilares. esquemático. B. Fratura radicular.
704 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

 REMOÇÃO DE RETENTORES Pinos pré-fabricados podem ser metálicos e não


INTRARRADICULARES metálicos. Os metálicos (aço inoxidável ou titânio), se-
gundo a sua forma geométrica, podem ser cilíndricos e
Após a terapia endodôntica, nos casos onde há cônicos, e quanto ao acabamento superficial, lisos, ser-
grande ou total perda de estrutura coronária, ocorre a rilhados e rosqueados. São cimentados no interior dos
necessidade de uso de retentores intrarradiculares com canais radiculares com cimentos de fosfato de zinco.
a finalidade de reter e facilitar a reconstrução protética Os pinos não metálicos podem ser fabricados em fibra
do dente. de carbono, em resina epóxica, em cerâmica (dióxido
Sua confecção não é um procedimento estandar- de zircônio e óxido de ítrio) ou em fibras de vidro em-
dizado, mas variável, de acordo com as condições das bebidas em matriz resinosa com cargas. Podem ser ci-
estruturas dentárias remanescentes, do periodonto e mentados com cimentos resinosos, ionômeros de vidro
da anatomia radicular, isto é, depende da forma, volu- ou pela técnica adesiva (cimento dual). Para os pinos
me, comprimento e diâmetro cervical. pré-fabricados os núcleos são confeccionados preferen-
Existem diversos tipos de retentores intrarradicu- cialmente em resina composta.
lares. Entretanto, para fins didáticos, consideraremos Para Shillinburg e Kessler103, existem quatro fa-
apenas os seguintes tipos: tores que influenciam a retenção de qualquer pino:
comprimento, conicidade, diâmetro e acabamento da
a) pino e núcleo fundidos; superfície do pino.
b) pino pré-fabricado e núcleo, de resina composta ou Comprimentos e diâmetros maiores aumentam
de ionômero de vidro. a retenção dos pinos intrarradiculares, e os cilíndricos
apresentam retenção superior aos cônicos. Quanto à
Os pinos e núcleos fundidos são de forma cônica configuração da superfície do pino, os trabalhos exis-
e podem ser confeccionados por meio de diversas ligas tentes na literatura revelam que os rosqueados ou ser-
metálicas (ligas de ouro, prata-paládio, prata-estanho rilhados (adaptados por fricção) são mais retentivos do
e cobre-alumínio). Normalmente são cimentados nos que os de superfície lisa com iguais diâmetros103,127.
canais radiculares com cimentos de fosfato de zinco Lopes et al.68 em 500 dentes tratados endodontica-
(Fig. 17-10). mente, portadores de retentores intrarradiculares, ob-
servaram através de radiografias periapicais que:

• os incisivos centrais (29,4%) e os laterais superiores


(26,2%) apresentaram maiores incidências de reten-
tores;
• em 40,6% dos casos havia lesão perirradicular;
• em 11,4%, os retentores foram instalados em dentes
sem tratamento endodôntico;
• em 80,6% dos casos, os comprimentos dos pinos
eram incompatíveis com o princípio de retenção dos
retentores intrarradiculares;
• em 50,4% dos casos, os retentores foram confeccio-
nados sem levar em consideração a condição da ob-
turação do canal radicular.

Entre os métodos e procedimentos sugeridos


para a remoção dos retentores intrarradiculares, te-
mos a tração, o emprego do ultrassom, o desgaste por meio
de instrumentos rotatórios e a combinação destes méto-
dos.
Antes de se programar qualquer intervenção e a
escolha do método para a remoção do retentor intrar-
radicular, uma cuidadosa análise clínica e radiográfica
Figura 17-10. Retentor intrarradicular fundido. do elemento dentário se faz necessária. Nesse exame,
Retratamento Endodôntico 705

Coroa protética
A remoção da coroa protética tem como objetivo
principal a visualização do núcleo, devendo ser reali-
zada de acordo com os preceitos já mencionados.

Núcleo
Sendo de resina composta ou de ionômero de
vidro, deve ser desgastado até a liberação da por-
ção extrarradicular do pino. Geralmente, essa porção
apresenta a forma cilíndrica e não é ideal para a apre-
ensão do aparelho de tração. O desgaste vestibular e
palatino, conferindo superfícies planas e paralelas, fa-
A B
cilitará sua apreensão e aumentará a estabilidade do
aparelho de tração.
Figura 17-11. Remoção por tração. Dispositivos especiais. A. Alica- Sendo o núcleo fundido, com o uso de brocas car-
te saca-pinos. B. Pequeno gigante. bide cilíndricas e troncocônicas de alta rotação, trans-
formamos sua forma cônica em retangular. Sua espes-
observaremos a viabilidade do retratamento endodôn- sura mesiodistal não pode ser superior a 2mm, visto
tico e, principalmente, o tipo de retentor instalado e o que a abertura dos batentes solidários dos aparelhos de
posicionamento do pino intrarradicular. tração estudados é de 2,5mm (Fig. 17-12).

Remoção por tração Estojo


Sendo o núcleo estojado, devemos remover toda
O método por tração é indicado na remoção de
a área metálica do topo radicular e conferir ao núcleo a
retentores intrarradiculares fundidos.
forma já descrita.
A remoção de pino intrarradicular por tração
pode ser realizada empregando-se dispositivos espe-
ciais ou não.
A tração simples, com o emprego de alicates comuns,
fórceps ou porta-agulhas, pode retirar os retentores intrarra-
diculares, quando eles são fracamente fixados no interior
do canal. Entretanto, nos pinos solidamente fixados no
canal pode ocorrer a exodontia ou fratura radicular. Tal
fato ocorre em virtude de o sistema de aplicação da força
de tração atuar apenas no sentido oposto à manutenção
da raiz no interior do alvéolo. Havendo inclinação ou ro-
tação do retentor, pode ocorrer fratura radicular.
A maneira mais indicada para a retirada dos re-
tentores intrarradiculares por tração é pelo emprego de
dispositivos especiais, como, por exemplo, alicate saca-
pinos e pequeno gigante, que são capazes de aplicar no
topo radicular uma força igual e com sentido contrário
ao da remoção do pino (Fig. 17-11A e B).

Procedimentos operatórios
Abordaremos, a seguir, os procedimentos que
visam à remoção da coroa protética e ao preparo do
núcleo e topo radicular com o propósito de criar condi-
ções seguras para a remoção do pino por tração. A não
observação criteriosa dos procedimentos desses tópi-
cos poderá provocar a fratura radicular60,61. Figura 17-12. Núcleo fundido. Desgaste correto.
706 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Figura 17-13. Núcleo fundido. Desgaste incorreto. Figura 17-14. Dimensão do pino metálico na embocadura do ca-
nal superior a 2mm. Procedimentos operatórios.

Os batentes solidários não devem se apoiar na atuariam como cunhas e provocariam a fratura radicu-
estrutura metálica do estojo ou do pino (desgaste in- lar. Temos, então, a necessidade de criar sobre o topo
correto do núcleo), pois se ocorrer, as forças do batente um anteparo estável (arruela metálica), para receber o
e a de reação da estrutura metálica se anulariam, não apoio dos batentes (Fig. 17-14).
havendo carregamento (remoção) do pino (Fig. 17-13).
Essa mesma situação pode ocorrer quando o pino, na Topo radicular
embocadura do canal, apresentar dimensão superior a Para a remoção de um retentor intrarradicular, o
2mm. Nesses casos, com o auxílio de brocas FG esféri- topo radicular deve possuir um plano mesiodistal ri-
cas nos 1 e 2, nós o desgastamos em toda a sua circunfe- gorosamente perpendicular ao eixo do pino, condição
rência, com uma profundidade de 1 a 2mm em sentido essa que pode ser obtida pelo desgaste das estruturas
apical, criando um espaço necessário ao seu desloca- dentárias remanescentes (Fig. 17-15A e B) ou artificial-
mento. Nessa situação, os batentes dos instrumentos mente nos casos de desnivelamento do topo radicular.
de tração, aplicados diretamente ao topo radicular, Nesses casos, um plano perpendicular ao eixo do pino

Figura 17-15. Topo radicular oriundo


das estruturas dentárias remanescen-
tes. Plano e perpendicular ao eixo do
A B pino. A. Desenho esquemático. B. Caso
clínico.
Retratamento Endodôntico 707

é obtido pela reconstituição do topo radicular com re- e rigorosamente perpendicular ao eixo do pino. Com
sinas compostas e/ou arruelas metálicas (anteparo me- instrumentos adequados, a resina é acomodada e re-
tálico). Em determinados casos, nos quais se obtém um movidos seus excessos.
sistema estável com a aplicação da arruela, a utilização Após o endurecimento da resina composta, o ex-
da resina pode ser dispensada. cesso da cera ou vaselina usada como alívio é também
Geralmente usamos resina composta e arruelas removido, ficando o pino e o topo radicular preparados
metálicas (arruelas de parafuso), de 5 a 10mm de diâ- corretamente para a adaptação e aplicação do aparelho
metro e de 0,5 a 1mm de espessura. Quando necessá- de tração usado na remoção do retentor intrarradicular
rio, realizamos desgastes em suas bordas para melhor (Fig. 17-17A e B).
adaptação às faces proximais dos topos radiculares Outra maneira de se restabelecer a superfície pla-
(Fig. 17-16). na é por meio de uma peça metálica fundida. Após
Após isolamento relativo, a parte extrarradicu- os procedimentos convencionais de moldagem e fun-
lar do pino é coberta com uma fina camada de cera dição, a peça será adaptada e não cimentada no topo
ou mesmo vaselina, que serve de área de escape ou radicular60,61.
alívio. A seguir, o topo radicular é coberto com uma
camada de resina composta (b) e, imediatamente, a Remoção do pino
arruela metálica (a) selecionada é justaposta antes da
Alicate saca-pinos
polimerização da resina, procurando criar-se, com li-
geira pressão em sentido apical, uma superfície plana Após preparo do pino e do topo radicular, o ali-
cate seguro pela mão direita (operador destro) será
aplicado e posicionado. As mandíbulas do bico (m e
m1) seguram o pino, devendo ficar juntamente com os
batentes solidários (n e n1), apoiados e adaptados no
topo radicular.
O próximo procedimento será levar a mão esquer-
da por baixo da direita, tendo para o maxilar o dedo po-
legar e para a mandíbula o indicador da mão esquerda,
apoiado na extremidade da alavanca de acionamento
(A). Com o sistema imóvel, aplicamos na alavanca uma
força. Através da dinâmica de funcionamento do alicate
saca-pinos (ação do CAME sobre a borda côncava da
saliência lateral) surgem forças iguais e com sentidos
Figura 17-16. Arruelas metálicas. contrários: a força T aplicada ao pino pelo bico do ali-

Figura 17-17. Topo radicular pla-


no e perpendicular ao pino. Cria-
A B
do artificialmente. A. Desenho
esquemático. B. Caso clínico.
708 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

cate e as de reação R1 e R2, no topo radicular exercidas Como limitação desse aparelho podemos mencio-
pelos batentes solidários do aparelho. Com o aumento nar que o seu emprego é inviável na remoção de pinos
gradual da força T chega-se à tensão máxima de ruptu- intrarradiculares de molares, em função da forma geo-
ra do material cimentante do pino, ocorrendo assim a métrica do núcleo e do acesso a ele (Fig. 17-19A a C).
sua remoção do canal radicular. Nesse sistema as ten-
sões criadas são do tipo normal (trativa) no pino e cisa-
“Pequeno gigante”
lhante na interface do pino-parede dentinária do canal
radicular (Fig. 17-18A e B). O funcionamento mecânico desse aparelho é se-
Nesse aparelho, a força de tração que atua no pino melhante ao do alicate saca-pinos.
é cerca de 30 vezes maior que a aplicada na alavanca. Esse aparelho apresenta várias limitações:
É preciso ressaltar que, após o posicionamento do
aparelho, ele deve permanecer imóvel, pois qualquer • após posicionado, devido ao seu mecanismo de fun-
esforço (carregamento) inadvertidamente introduzido cionamento, poderá o profissional introduzir esfor-
pelo profissional ao sistema poderá causar danos à es- ços laterais no aparelho, que certamente causarão
trutura dentária. fraturas do dente;

A B

Figura 17-18. Alicate saca-


pinos. Desenho esquemático.
A. Vista lateral. B. Vista frontal.

A B C

Figura 17-19A a C. Casos clínicos. Remoção de retentores intrarradiculares por tração.


Retratamento Endodôntico 709

• devido a sua dimensão em relação ao tamanho do


retentor intrarradicular, qualquer pequeno esforço
em forma de alavanca, após o pino estar seguro,
também poderá fraturar o dente;
• pode ser usado apenas em dentes da bateria labial
superior.

Outras versões de aparelho de tração têm sido


propostas com o objetivo de facilitar o uso intraoral,
porém todas com o mesmo mecanismo de funciona-
mento sendo utilizadas de modo similar. Dentre esses
aparelhos podemos citar: Gonan Post Removing Sys-
tem (R. Chige, Boca Raton FL) e o Ruddle Post Remo-
vel System (SybronEndo Specialties, Orange, CA)17.

Considerações mecânicas
Como mencionamos, normalmente os instrumen-
tos usados na remoção por tração de pinos intrarradi-
culares são o alicate saca-pinos e o pequeno gigante. De
um modo geral, apresentam mandíbulas, que fazem
a apreensão da porção extrarradicular do pino e uma Figura 17-20. Topo radicular. Superfície irregular e não plana
peça móvel com dois batentes que, por construção, se ao pino.
solidarizam e se deslocam segundo um mesmo plano
até atingir as bordas proximais do topo radicular60,61.
As ondas de ultrassom podem ser geradas por
Os esforços envolvidos na remoção do pino são
um transdutor acústico, dispositivo que converte ener-
a força T (tração), aplicada ao pino pelas mandíbulas,
gia elétrica, térmica, magnética ou de outras formas em
e as forças de reação R1 e R2, exercidas pelos batentes
energia acústica (energia mecânica)13,53. Nos aparelhos
sobre as bordas proximais do topo radicular. Esse sis-
usados em Odontologia, a geração de ondas ultrassô-
tema de forças é o ideal, quando R1 for igual a R2, e só
nicas é obtida por meio do efeito piezoelétrico reverso,
acontece se o topo for uma superfície plana e rigorosa-
que transforma energia elétrica em energia mecânica.
mente perpendicular ao eixo do pino.
Durante essa conversão, praticamente não há dissipa-
Caso essa superfície não seja plana, ao eixo do
ção de energia sob a forma de calor.
pino, somente um dos batentes encosta no topo, e uma
Os retentores intrarradiculares podem ser remo-
das forças de reação (R1 por exemplo) desaparece. As-
vidos por meio do emprego de ultrassom. Dentre os
sim, o sistema fica com as forças T e R2, de iguais valo-
diversos tipos de aparelhos de ultrassom, o ENAC
res, mesma direção, sentidos opostos e afastadas entre
(Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Comercial
si da distância L. Aparece, em consequência, um con-
Ltda., Ribeirão Preto, SP) apresentam boa eficiência e
jugado (binário) de valor M = T × L, que tende a fletir
simplicidade de emprego. Esses aparelhos vêm acom-
o pino. O sistema é equilibrado por outro conjugado
panhados de uma ponta ST 09, usada na remoção de
(binário) M1= N × d, sendo N o valor da força de resis-
retentores intrarradiculares. Com a aplicação da vi-
tência da raiz dentária e d o comprimento do pino no
bração ultrassônica ocorrem impactos mecânicos na
interior da raiz dentária. O pino ao fletir no interior do
porção extrarradicular do retentor, provocando a frag-
canal radicular pode provocar a fratura das raízes den-
mentação do cimento que une o pino metálico à parede
tárias, inviabilizando o retratamento (Fig. 17-20).
do canal radicular, podendo ele, a seguir, ser retirado
facilmente por tração simples.
Remoção por ultrassom A ligação do cimento pode romper na interface
Ultrassom é o nome atribuído às ondas acústicas cimento-pino ou na interface cimento-dentina.
de frequência maior que aquelas perceptíveis pelo ou- Após a remoção da coroa dentária, alguns proce-
vido humano. O menor limite de frequência de ondas dimentos clínicos devem ser executados no núcleo com
ultrassônicas é de aproximadamente 16.000Hz. o objetivo de favorecer a remoção do pino intrarradi-
710 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

cular. Assim, com o auxílio de instrumentos rotatórios seguro que evita as perfurações e minimiza os riscos
podemos desgastar proporcionalmente as faces do nú- de fraturas. É indicado para todas as situações clínicas,
cleo para que ele fique com o diâmetro igual ao do pino principalmente para retentores em dentes posteriores e
junto à embocadura do canal radicular. O desgaste ves- em dentes com estruturas dentárias enfraquecidas.
tibular e palatino, conferindo superfícies planas e para- Deve ser empregado com água para evitar o su-
lelas, facilitará o posicionamento da ponta vibradora. peraquecimento do retentor durante o período de vi-
Podemos também, com o auxílio de uma broca LN bração. Um superaquecimento pode conduzir calor ao
205 (Maillefer) de baixa rotação, realizar uma canaleta ligamento periodontal por meio da dentina. A elevação
ou sulco, no sentido apical, entre o pino e a parede do da temperatura em algum ponto da superfície radicu-
canal radicular. Esse procedimento é de grande valia, lar pode ser responsável por uma imediata ou futura
principalmente, na remoção de pinos cimentados com injúria no periodonto.
cimentos resinosos (Fig. 17-21A e B). A fratura radicular, embora com baixa incidência,
Em algumas situações, onde a liga metálica em- é outra causa de preocupação quando se emprega a
pregada na confecção do retentor não apresenta resis- vibração ultrassônica na remoção de retentores intrar-
tência ao desgaste (dureza), podemos prender o pino radiculares de dente com paredes dentinárias igual ou
com uma pinça hemostática e nela aplicar a ponta ge- menor do que 1mm. Nesses casos, a tensão criada du-
radora da energia mecânica. rante a vibração pode ultrapassar o limite de resistên-
Nos dentes multirradiculares, o núcleo deve ser cia à fratura da dentina.
dividido em duas partes e as porções coronárias des- Nos casos de retentores fraturados no interior do
gastadas em toda a sua circunferência. Para esses pro- canal devemos, com brocas LN 205, realizar um des-
cedimentos empregamos brocas carbide cilíndricas, gaste da estrutura dentária, contornando a ponta cer-
cônicas e esféricas de alta rotação, estandardizadas ou vical do pino. A seguir, aplicamos a vibração ultrassô-
de haste longa. Brocas especiais produzidas pela Mail- nica, utilizando uma ponta periodontal. A fratura do
lefer, como as Transmetal FG-153 (cilíndrica) e 154 (for- pino ocorre na porção cervical da raiz ou logo abaixo
ma de pera), também são indicadas. (Fig. 17-23A a C).
Para os dentes posteriores superiores, o corte no O tempo gasto na remoção de pinos intrarradicu-
núcleo é feito no sentido mesiodistal, separando a par- lares por ultrassom, além da experiência profissional,
te vestibular da palatina e, nos posteriores inferiores, depende de vários fatores, tais como:
no sentido vestibulolingual, separando a parte distal
da mesial. É importante não danificar as paredes den- • comprimento, diâmetro, forma e adaptação do pino
tárias, principalmente o assoalho da câmara coronária. no interior do canal radicular;
Após o procedimento realizado aplicamos a pon- • natureza do cimento utilizado e resistência da inter-
ta vibradora ST 09 sucessivamente em diferentes áreas face cimento-canal.
das faces do núcleo (Fig. 17-22A a D).
O emprego do ultrassom na remoção de retentores A remoção de retentores intrarradiculares ci-
intrarradiculares é um método conservador, eficiente e mentados com cimentos resinosos ou com cimentos

A B

Figura 17-21. Retentores intrarradiculares. Remoção por ultrassom. A. Procedimentos operatórios. B. Aplicação da ponta vibradora.
Retratamento Endodôntico 711

A B

C D

Figura 17-22A a D. Casos clínicos. Remoção de retentores intrarradiculares por ultrassom.

A B

Figura 17-23. Retentores


fraturados no interior do
canal radicular. Remoção
por ultrassom. A. Ponta
C periodontal. B e C. Casos
clínicos.
712 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

adesivos dentinários é extremamente difícil e as vezes o campo de trabalho. A seguir, com pequenos toques
impossível de ser obtida independentemente do proce- laterais, procuramos deslocar o pino intrarradicular.
dimento empregado. Em função da anatomia radicular, os sulcos devem ser
Lopes et al.63 analisaram o tempo despendido na direcionados no pino intrarradicular.
remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilín- É importante ressaltar que, enquanto os métodos
drica, com diâmetro de 1,4mm, tendo 11mm de com- de tração e ultrassom, basicamente, são conservadores,
primento intrarradicular e 8mm de segmento extrarra- o de desgaste é mutilante e promove acentuada perda
dicular, cimentados com cimento fosfato de zinco, atra- de estrutura dentária (Fig. 17-24).
vés da tração (alicate saca-pinos) e ultrassom (ENAC). Lopes et al.64 analisaram o volume do desgaste
Os resultados revelaram que ambos os métodos são provocado pela remoção de pinos intrarradiculares,
eficientes, porém com acentuada disparidade no tem- por meio de brocas movidas por aparelhos de baixa e
po consumido, ou seja, tempo médio, alicate saca-pinos, alta rotação. Os resultados revelaram que a variação
2 segundos e 50 centésimos de segundo, ENAC mo- entre o volume do espaço, antes e após a remoção do
delo OE7, 15 minutos, 33 segundos e 5 centésimos de pino, com broca em aparelho de baixa e alta rotação, é
segundo. Observaram também que a força média de de 324% e 96%, respectivamente. Concluíram que:
tração empregada na remoção dos pinos, quando testa-
dos na Máquina de Ensaio Universal – INSTRON, era – a remoção de pinos intrarradiculares por desgaste
de 26,40kgf. promove perda exagerada de estrutura dentária;
Finalizando, podemos afirmar que, mecanica- – o uso de brocas em micromotor de baixa rotação
mente, o ultrassom é um método seguro e eficiente na desgasta as estruturas dentárias 104% a mais do que
remoção de pinos intrarradiculares. Entretanto, a pon- as montadas em aparelho de alta rotação.
ta vibradora não deve entrar em contato direto com a
estrutura dentária por tempo prolongado, devido ao Para Lopes et al.64, a justificativa físico-mecânica
desconhecimento do potencial de injúrias que pode ser para esses resultados pode ser atribuída à diferença
causado aos tecidos de sustentação do dente85. das forças impostas pelo profissional na broca, durante
a remoção do pino por desgaste, com instrumento de
alta ou baixa rotação. Se empregada baixa velocidade,
Remoção por desgaste
a força imposta na broca terá que ser maior, tendendo
Tylman e Malone139 declaram que os pinos metá- a aumentar, à medida que a velocidade diminui. Com
licos podem ser removidos por desgaste, por meio dos isso se torna difícil mantê-la em contato permanente
movimentos de rotação das brocas. Isso, porém, pode
levar a problemas de enfraquecimento da raiz e até a
perfurações.
Para a remoção de pinos intrarradiculares metá-
licos por desgaste podemos usar brocas de diferentes
formas e diâmetros. Todavia, podemos indicar as bro-
cas: Transmetal 153 e 154 – Maillefer; FG 2SU de 25mm
– Meisinger; LN 205 – Maillefer; e brocas de aço com
wídia de 28mm, que são extremamente eficientes no
desgaste de metais. Nessa técnica desgastamos total-
mente o metal, procurando manter a broca em contato
com o pino sem atingir a estrutura dentária. Quanto
maior o comprimento do pino, maior será a dificulda-
de em removê-lo.
Outra maneira é usar a broca LN 205 para criar
sulcos ao longo do pino. É importante que a broca siga
a parede do pino metálico e sua interface, imprimindo-
lhe toques rápidos, para evitar grande destruição da
estrutura dentária. É absolutamente necessário elimi-
nar constantemente as raspas de dentina e metal por Figura 17-24. Retentores fraturados no interior do canal radicular.
jatos de ar, com o propósito de manter limpo e visível Remoção por desgaste.
Retratamento Endodôntico 713

com o pino sem atingir a estrutura dentária. Todavia, de estrutura dentária. Com o auxílio de brocas criamos,
com alta velocidade, a força empregada será menor, junto ao pino, sulcos em sentido apical às expensas da
visto que as lâminas da broca cortam o pino com maior dentina. Esse procedimento reduz o tempo necessário
facilidade. Em consequência, é muito maior a possi- para a remoção do pino. A utilização desses procedi-
bilidade de o operador restringir a parte cortante do mentos está fundamentada em resultados clínicos, nor-
instrumento na direção do pino. Devemos, no entanto, malmente sem comprovação experimental.
salientar que o uso da broca movida em alta rotação
exige maior cuidado durante o avanço, uma vez que
pequena variação na angulagem em relação ao eixo do  REMOÇÃO DE RETENTORES
pino poderá produzir perfuração radicular. PRÉ-FABRICADOS
É importante ressaltar que a maior fragilidade de
Chalfin et al.15 afirmam que os pinos pré-fabrica-
dentes endodonticamente tratados se deve à perda de
dos metálicos são mais fáceis de ser removidos do que
estrutura dentária. A preservação da dentina radicular,
os fundidos, muito embora sejam estes menos reten-
mais do que o tipo de restauração, é um fator crítico na
tivos. Embora os pinos roscados sejam os mais reten-
resistência do dente à fratura.
tivos dos pinos pré-fabricados, são os mais fáceis de
Assim, em função dos dados mencionados, é pos-
ser removidos, principalmente quando são utilizados
sível afirmar que, na remoção de pinos intrarradicula-
movimentos de rotação ao redor de seu próprio eixo.
res, devemos dar preferência aos métodos que preser-
Os pinos roscados são removidos do interior do
vam as estruturas dentárias, como a tração e o ultras-
canal radicular, quando da aplicação do movimento
som. A remoção por desgaste deve ser empregada em
de rotação à esquerda, por meio de chaves específi-
casos especiais em que os métodos mencionados não
cas ou pinças hemostáticas. O emprego de aparelhos
podem ser aplicados. Nesses casos dar-se-á preferência
ultrassônicos, embora na maioria das vezes consuma
ao uso de brocas em aparelhos de alta rotação.
muito tempo, é eficiente na remoção desses retento-
res. A combinação do emprego do ultrassom com a
Remoção por combinações de métodos rotação geralmente é o procedimento empregado com
esse objetivo.
Para remoção de retentores intrarradiculares po-
Alguns aparelhos específicos têm sido propostos
demos, em determinadas circunstâncias, buscar a com-
para a remoção de pinos roscados. Dentre esses apa-
binação de métodos e procedimentos. Assim, junta-
relhos podemos citar o Ruddle Post Removal System
mente com a tração podemos empregar instrumentos
(SybronEndo Specialties, Orange, CA)17.
rotatórios com o objetivo de realizar desgastes do pino
Os pinos pré-fabricados não metálicos são remo-
junto à embocadura do canal ou mesmo realizar sul-
vidos dos canais radiculares por desgaste com instru-
cos ao longo dele. Esses procedimentos buscam, de um
mentos rotatórios. Os de fibra de carbono e de vidro são
modo geral, facilitar a apreensão do pino ou diminuir
facilmente removidos. Alguns pinos não metálicos são
a sua retenção intrarradicular.
comercializados juntamente com brocas indicadas para
Por sua vez, a combinação ultrassom e tração tem
sua remoção. Há também brocas desenhadas especifi-
sido estudada por alguns autores. Jorge Prado45 ve-
camente para remover pinos de fibra reforçada, como a
rificou que não há influência na aderência dos pinos
Gyro Tip (MTI Precision Products, Lakewood, NY)17.
intrarradiculares quando da aplicação de ultrassom
(ENAC) por 5 minutos. Todavia, para Tanomaru Filho
et al.132, o emprego do ultrassom diminui significativa-
 REMOÇÃO DO MATERIAL OBTURADOR
mente a força de tração empregada na remoção de re-
tentores intrarradiculares.
DO CANAL RADICULAR
Lopes et al.63 analisando o tempo despendido na Uma vez estabelecida a opção da reintervenção
remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilín- no canal radicular e não existindo maiores problemas
drica e cimentados com fosfato de zinco, empregan- iatrogênicos, as dificuldades do retratamento endo-
do a tração por alicate saca-pinos e o uso de ultrassom dôntico, basicamente, ficam relacionadas com o mate-
(ENAC), concluíram que ambos são eficientes, mas que rial obturador utilizado. A necessidade de se remover
a remoção é mais rápida pelo emprego do saca-pinos. o material obturador do canal radicular é a grande di-
A combinação do desgaste e ultrassom também é ferença entre a terapia endodôntica primária e o retra-
empregada nos casos em que há uma parede espessa tamento.
714 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Na obturação dos canais radiculares, uma infini- Canais obturados com guta-percha e
dade de materiais tem sido empregada e investigada cimento
em busca de suas reais finalidades de selamento e de
Entre os inúmeros materiais, a guta-percha asso-
respeito aos tecidos perirradiculares. Assim, em bus-
ciada a um cimento são as substâncias mais emprega-
ca do material ideal, centenas de substâncias já foram
das nas obturações dos canais radiculares.
usadas, não só em sua forma pura, como também em
A guta-percha é, basicamente, um polímero de
associações.
hidrocarboneto (metilbutadieno ou isopreno), prove-
Para se obter uma obturação endodôntica com-
niente de plantas da espécie Palaquium, originária da
pacta, além de técnica aprimorada, é necessária a as-
ilha de Sumatra. Endodonticamente foi usada pela pri-
sociação dos materiais sólidos (cones de guta-percha,
meira vez por Bowman, em 1867. Como todo material
Resilon e prata) e plásticos (cimentos e pastas). A guta-
obturador de canais radiculares, apresenta vantagens e
percha e os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol
desvantagens71.
em sua composição básica ou em outras formulações
Entre as vantagens é pertinente mencionar a re-
têm sido os materiais mais usados nas obturações de moção sem grande dificuldade do interior dos canais
canais radiculares. Todavia, outros materiais, como os radiculares, quando necessário. Nesses casos, o esva-
cones de Resilon (polímero de poliéster termoplástico) ziamento do canal radicular pode ser realizado por
em associação a um cimento adesivo resinoso (Epi- meios mecânicos, térmicos, químicos ou suas combinações.
phany, Pentron Clinical Technologies, Wallingford, Mecânicos: instrumentos endodônticos; Térmicos: cal-
CT), têm sido recomendados como materiais obtura- cadores aquecidos, aparelhos especiais (Touch’n Heat,
dores de canais radiculares17,69. System B); Químicos: solventes orgânicos; Combinações:
Consequentemente nos retratamentos endodôn- mecânicos-térmicos e mecânicos-químicos. A escolha
ticos, durante a fase de remoção do material obtura- do método de remoção a ser utilizado não depende
dor (esvaziamento), estaremos diante de mais de uma da técnica de obturação empregada, mas certamente
substância que geralmente apresenta comportamen- da compactação, anatomia do canal e limite apical da
tos mecânicos, físicos e químicos desiguais. Em fun- obturação.
ção disso têm sido propostas técnicas que vão desde Os cimentos endodônticos, independentemente
a utilização de instrumentos manuais e mecanizados, de sua composição química, são removidos das pare-
associados ou não a solventes, até o emprego de calor e des de um canal radicular por meio da ação mecânica
equipamentos de ondas sonoras. de alargamento e/ou limagem dos instrumentos endo-
Todavia, além desses instrumentos e substâncias, dônticos.
encontramos na literatura citações de diversos enge- A remoção do material obturador do interior de
nhos e procedimentos, alguns até empregados com um canal radicular está relacionada com a qualidade
manobras mirabolantes na busca da resolução de um da obturação primária.
caso clínico.
É evidente que, embora às vezes eficientes, esses Obturações pouco compactadas
engenhos e procedimentos tenham sido usados mais Quando o canal radicular é pobremente obtura-
em função do virtuosismo do operador, sem se consti- do e o cone de guta-percha aparentemente está livre, a
tuírem numa técnica que possa ser facilmente reprodu- sua remoção é simples e pode ser facilmente realizada
zida e aplicada na maioria dos casos. com limas Hedstrom de calibre adequado. Após a re-
Contudo, qualquer que seja a técnica empregada, tirada do material existente na câmara pulpar realiza-
é importante ressaltar que a remoção do material ob- mos uma abundante irrigação-aspiração com soluções
turador do canal radicular não deve alterar a sua mor- de hipoclorito de sódio (2,5%), tomando o cuidado de
fologia interna, preservando assim um dos principais deixar a cavidade inundada com a solução química.
objetivos da terapia endodôntica e contribuindo para o A seguir, pelo movimento de remoção, a lima Heds-
êxito do tratamento proposto. trom selecionada é inserida entre a parede do canal
A remoção total ou parcial do material obturador radicular e o material obturador em sentido apical, gi-
tem como objetivo permitir o acesso do instrumento rando-a à direita. Uma vez ajustada no canal, faz-se a
endodôntico em toda a extensão do canal radicular. tração em sentido coronário, removendo-se o cone de
Geralmente, a remoção é parcial, sendo completada guta-percha que, geralmente, vem aderido a haste he-
durante a reinstrumentação do canal radicular. licoidal do instrumento. Se nas duas ou três primeiras
Retratamento Endodôntico 715

Figura 17-25. Guta-percha e cimento. Obturação pouco compac-


tada. Remoção.

tentativas isso não ocorrer, uma nova lima Hedstrom


um ou dois números maiores será usada na tentati-
va de engajar o cone de guta-percha. Normalmente,
o cone é removido após uma ou duas tentativas. Essa
manobra é muito importante, principalmente quando
o cone de guta-percha está extruído além do forame
apical (Fig. 17-25).
Nos casos onde a obturação do canal radicular é
curta, o esvaziamento do segmento não instrumentado
se processará com instrumentos de diâmetros adequa-
dos aos do canal e usando como solução química auxi- B
liar de hipoclorito de sódio (Fig. 17-26A a C).

Obturações compactadas
Quando a obturação do canal radicular é compac-
ta, o material do segmento cervical pode ser removido
por instrumentos endodônticos acionados manual-
mente, por dispositivos mecanizados ou por instru-
mentos aquecidos.
Os instrumentos endodônticos tipo K de 21mm de
comprimento, de seção reta transversal quadrangular e
fabricados em aço inoxidável, devem ser os escolhidos.
Instrumento de mesma liga metálica, mesma seção reta
transversal e com menor comprimento é mais rígido
do que os de comprimento maior. Quanto mais rígido
o instrumento, maior a sua resistência à flexocompres- C

são. Instrumentos de seção reta transversal quandran-


Figura 17-26. Guta-percha e cimento. Obturação curta e pouco
gular são mais resistentes à fratura por torção do que os compactada. A. Molar inferior. B. Pré-molar superior. (Gentileza de
de seção triangular. Consequentemente, os instrumen- Aires Pereira.) C. Pré-molar superior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG,
tos de seção reta transversal quadrangular resistem a JC Mucci.)
716 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

um maior carregamento (torção) durante a remoção do sentido apical, para que sejam removidos pequenos
material obturador do interior do canal radicular. fragmentos do material obturador. É importante não
Após a remoção da restauração coronária da en- penetrar profundamente na massa obturadora, porque
trada dos canais radiculares e da visualização do ma- o aquecimento gerado pelo atrito plastifica a guta-per-
terial obturador endodôntico, será selecionado um ins- cha, podendo ela transmitir calor à superfície radicular
trumento endodôntico tipo K de diâmetro um pouco externa.
menor do que o diâmetro aparente da obturação em Outra maneira de se remover a guta-percha do
relação ao segmento cervical. A ponta do instrumento segmento cervical é por meio de instrumentos aqueci-
é direcionada à guta-percha, aplicando-lhe um carre- dos. Geralmente com esse propósito são usados apare-
gamento axial (avanço) associado a um movimento de lhos especiais, como o Touch’n Heat ou o System B e os
rotação à direita de uma a duas voltas sobre o seu eixo calcadores de Donaldson ou de De Deus. Os aparelhos
e, a seguir, removido em sentido coronário. especiais são preferidos em virtude de propiciar um
A rotação e o avanço provocam o corte e o encra- ajuste à temperatura biologicamente desejada. É mui-
vamento das hélices do instrumento no cone de guta- to importante lembrar que os calcadores não precisam
percha, com a remoção arrancando o material cortado ser aquecidos ao vermelho-rubro, já que a guta-percha
do interior do canal radicular, manobra essa que será amolece a uma temperatura de 60ºC. O aquecimento
repetida com o mesmo instrumento ou outro de menor excessivo, fundindo a guta-percha à temperatura su-
diâmetro, avançando-o em sentido apical do canal radi- perior a 100°C, poderá causar injúrias às fibras perio-
cular. Sempre que removido do canal, o instrumento é dontais e ocasionar o aparecimento de reabsorções ra-
limpo em gaze esterilizada e avaliado. Se ocorrer defor- diculares cervicais.
mação plástica (distorção) na haste de corte helicoidal Para Lopes et al.67, a elevação da temperatura em
cônica, o instrumento deve ser descartado com o objeti- algum ponto da superfície radicular poderá ser res-
vo de prevenir a sua fratura por torção. Normalmente, ponsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua
os instrumentos tipo K são empregados juntamente com vez, Eriksson et al.23 e Eriksson24 concluíram que o calor
solventes, como o eucaliptol ou o clorofórmio. pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aqueci-
Os alargadores Largo, Gates-Glidden e Peeso são mento de 47ºC durante um minuto.
instrumentos mecanizados muito utilizados com esse Lopes et al.67 determinaram in vitro a temperatu-
objetivo. Os dois primeiros, por apresentarem a pon- ra externa da superfície radicular de dentes obturados
ta não cortante, são mais seguros do que os de Peeso, com guta-percha e cimento, durante a remoção de ob-
cuja extremidade é perfurante e pode causar desvios turação do canal, quando do emprego de instrumen-
ou perfurações radiculares. São montados em contra- tos rotatórios e aquecidos. A remoção por meio de
ângulos, com sentido de corte à direita e em baixa rota- instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro transfere
ção. O emprego desses alargadores retifica o desgaste mais calor ao sistema, podendo a temperatura chegar
da embocadura e do segmento cervical do canal, facili- a 57,5ºC. Certamente, isso pode ser atribuído à tempe-
tando assim o acesso em sentido apical. ratura de 700ºC necessária para o instrumento de aço
Em razão de a força de atrito estática ser maior inoxidável atingir a coloração de um vermelho-rubro,
do que a dinâmica, os alargadores mecanizados devem apesar da perda do calor durante seu deslocamento
ser levados em direção ao material obturador girando. até ser introduzido no canal radicular. A temperatu-
Se a remoção for iniciada com o alargador em posição ra média do instrumento, ao entrar em contato com o
estática e junto ao material obturador do canal, devido material obturador, era de 480ºC. Como a guta-percha
ao fato de o coeficiente de atrito estático ser maior que amolece a 60ºC e se funde a 100ºC, o excesso de energia
o cinético, é gerado um torque maior no instrumento. térmica do instrumento é transferido à massa obtura-
Em consequência, as cargas criadas são maiores. Com dora e à parede dentinária. Em outro experimento, a
a existência de concentradores de tensão (ranhuras, temperatura média do instrumento, quando deixado
raio de concordância) no instrumento, a tensão de car- por 5 segundos na zona redutora da chama da lâm-
regamento pode ultrapassar o limite de resistência ao pada de álcool, era de 365ºC, sendo ela reduzida para
cisalhamento do material, havendo assim a fratura pre- 210ºC no momento de entrar em contato com o mate-
matura do alargador. rial obturador. Com esse procedimento, o aquecimen-
Os alargadores mecanizados devem ser intro- to externo médio da superfície radicular foi de 40,3ºC.
duzidos e retirados sucessivamente do canal radicu- O uso de alargadores Gates Glidden causou o menor
lar, percorrendo distâncias variáveis de 2 a 3mm em aquecimento na superfície externa da raiz (32,8ºC).
Retratamento Endodôntico 717

Esse comportamento pode ser atribuído à fácil remo- terminação do comprimento de trabalho, a obturação
ção da obturação por corte, à redução da resistência ao remanescente na região apical pode ofuscar o limite do
corte do material obturador, advinda da transformação instrumento endodôntico. Nesses casos, procuramos
da energia mecânica do alargador em calor, à forma cuidadosamente remover novas porções de material
ovoide da parte de trabalho do alargador, que favorece obturador ou ultrapassar o forame apical com um ins-
o corte, a penetração e a remoção do material excisa- trumento delgado.
do, e à rapidez na execução do trabalho. Com base nos Na remoção do material obturador do segmento
resultados concluíram que não se deve empregar ins- apical do canal radicular, as limas Hedstrom geralmen-
trumento aquecido ao vermelho-rubro na remoção da te são substituídas por instrumentos tipo K nos 10, 15, 20
obturação do canal. ou 25 de aço inoxidável. Esses instrumentos, por apre-
Os instrumentos aquecidos, em relação aos meca- sentarem maior rigidez em compressão do que as limas
nizados, revelam a vantagem de não causar qualquer Hedstrom correspondentes, podem mais facilmente pe-
iatrogenia (desvios, perfurações, degraus), apresentan- netrar na massa obturadora em sentido apical.
do, porém, a desvantagem da não ampliação e retifica- Quanto mais curta a obturação em relação à aber-
ção da porção cervical do canal radicular. tura do forame, mais simples é a sua remoção. Por ou-
Cumpre salientar que o espaço criado pela re- tro lado, a remoção do material sobreobturado é difícil
moção da obturação do canal radicular no segmento e na maioria das vezes impossível de ser obtida. Quan-
cervical, quer por instrumentos acionados manual- do representada pelo cone de guta-percha, duas situa-
mente, por dispositivos mecanizados ou aquecidos, ções podem ocorrer:
serve como reservatório para o solvente. Nesse espa-
• Cone frouxo na constrição apical. Nesses casos, a re-
ço colocamos algumas gotas de solvente, levadas por
moção com limas Hedstrom e sem uso de solvente
uma seringa tipo Luer e agulha, ou por uma pinça, no
normalmente é obtida (Fig. 17-27).
caso de dentes inferiores, deixando ele agir por alguns
• Cone adaptado na constrição apical. Uma excessiva
minutos, com a finalidade de solubilizar a guta-percha
pressão axial pode ocasionar a passagem do cone
remanescente no interior do canal radicular. Após esse
além da constrição apical. Devido à fluência da guta-
tempo, com uma lima Hedstrom ou tipo K, procura-
percha, o diâmetro do segmento do cone ultrapassa-
mos remover, progressivamente em sentido apical pe- do é maior do que o diâmetro da constrição apical.
daço a pedaço, a guta-percha amolecida. Vale ressaltar Esse estrangulamento impede a remoção do cone,
que o diâmetro do instrumento empregado depende que geralmente é rompido nesse ponto. Além disso,
do diâmetro aparente do canal radicular a ser retrata- a cura do cimento endodôntico também dificulta a
do. Ao instrumento aplicamos o movimento de pene- remoção do material (Fig. 17-28).
tração, rotação à direita e remoção, tendo o cuidado de
limpá-lo com gaze esterilizada sempre que removido Nas técnicas de obturação com guta-percha ter-
do canal. moplastificada é frequente a ultrapassagem do mate-
De tempo em tempo, a câmara pulpar deve ser rial além do forame apical. Nesses casos, a remoção da
limpa com pequenas mechas de algodão e abundan-
temente irrigada com solução de hipoclorito de sódio
e aspirada. Em seguida, o solvente é renovado e no-
vas porções de material removidas, lembrando-se de
que esses procedimentos devem ser repetidos até que
se atinjam as proximidades do segmento apical da ob-
turação. Uma vez atingida essa distância, paramos de
utilizar o solvente e continuamos com o hipoclorito de
sódio. O solvente quando empregado nessa condição
solubilizará a substância obturadora que, pela ação de
êmbolo do instrumento, muito provavelmente extruirá
através do forame apical, causando injúrias aos tecidos
perirradiculares.
Tão logo seja possível, realizamos a tomada de
uma radiografia para determinar o comprimento de Figura 17-27. Guta-percha e cimento. Sobreobturação. Cone de
trabalho desejado. É pertinente mencionar que, na de- guta-percha frouxo na constrição apical.
718 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

ção do material obturador para a câmara pulpar por


meio da haste helicoidal dos instrumentos. Os avan-
ços do instrumento em sentido apical devem ser pro-
gressivos e de aproximadamente 2mm, intercalados
com retiradas. Dentre os sistemas com instrumentos
específicos para o retratamento (remoção do material
obturador) destacamos o ProTaper Universal Retra-
tamento (Maillefer, Suíça) e o Mtwo Retratamento
(VDW, Alemanha)9,38,125,133 (ver Capítulo 9, Instrumen-
tos endodônticos).
A velocidade de rotação recomendada pelo fabri-
cante é de 500 a 700rpm.
Esses instrumentos apresentam ponta cônica pira-
midal (facetada) que favorece a penetração no material
obturador. São indicados para a remoção do mate-
rial obturador do interior de um canal radicular e não
para a instrumentação. Após obtido o esvaziamento do
canal radicular, ele deverá ser instrumentado por meio
de instrumentos endodônticos acionados manualmen-
te ou por dispositivos mecanizados.
O importante no emprego de instrumentos de
NiTi mecanizados na remoção de materiais obturado-
Figura 17-28. Guta-percha e cimento. Sobreobturação. Cone de
res do interior de um canal radicular é a seleção de um
guta-percha adaptado na constrição apical. (Gentileza do Prof. AS
Costa Filho.) instrumento com diâmetro menor do que o do trata-
mento anterior, para que o mesmo atue junto ao ma-
terial obturador e não contra as paredes dentinárias.
guta-percha via forame apical é impossível de ser reali- Atuando contra as paredes dentinárias, devido à resis-
zada. O mesmo ocorre quando o material extravasado tência ao corte da dentina, o instrumento endodôntico
é o cimento obturador. pode ser submetido a um maior carregamento, o qual
Com o advento dos instrumentos de NiTi meca- pode ser superior ao limite de resistência a sua fratu-
nizados, eles têm sido utilizados na remoção da guta- ra por torção. Uma velocidade maior do que a usada
percha e selador empregados na obturação de canais durante a instrumentação de um canal curvo (250 a
radiculares43,44,73,99,100. 300rpm) também pode induzir o instrumento endo-
Após a remoção do material existente na câma- dôntico a atingir o número de ciclos que ele resiste à
ra pulpar e uma vez exposta a guta-percha, podemos fratura em flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo) em
ou não empregar solventes orgânicos (clorofórmio ou um tempo mais curto.
eucaliptol). Quando usado, devemos fazê-lo comedi- Alguns estudos mostraram que os instrumentos
damente em quantidades compatíveis com o volume de NiTi mecanizados projetados para a instrumenta-
do canal radicular. A seguir, com o auxílio da extre- ção de canais radiculares, quando improvisados para
midade de uma sonda reta ou de um instrumento en- o retratamento, apresentavam elevada incidência de
dodôntico tipo K rígido, criamos um espaço na massa fratura43,44,99,100. Todavia, os instrumentos de NiTi proje-
obturadora. Em prosseguimento, com o instrumen- tados para o retratamento (remoção do material obtu-
to mecanizado selecionado, iniciamos a remoção da rador) têm se mostrado seguros (resistência à fratura)
guta-percha e do cimento selador. Esses instrumentos nos procedimentos de remoção do material obturador
são acionados com giro à direita, em micromotores de do interior de canais radiculares28,38,43,125,133.
baixa velocidade e torque. Empregamos instrumentos Quanto à avaliação de limpeza das paredes de ca-
de diâmetros compatíveis com o do preparo anterior, nais radiculares submetidos ao retratamento, os estudos
a uma velocidade de 500 a 700rpm e torque de 5Ncm. revelam não haver diferenças entre a remoção do mate-
O atrito do instrumento contra o material obturador rial obturador por meio de instrumentos acionados ma-
gera calor suficiente para plastificar a guta-percha. nualmente ou por dispositivos mecanizados38,43,125,133.
Esse fato permite o avanço no sentido apical e a remo-
Retratamento Endodôntico 719

Para Somma125, no retratamento é recomendável o endodôntico manual é, certamente, a técnica mais co-
uso combinado de instrumentos acionados por disposi- mumente praticada143.
tivos mecânicos e manualmente na remoção do material Independentemente da técnica empregada na
obturador do interior de um canal radicular. Inicialmen- remoção do material obturador, o fundamental é não
te, devem ser usados os instrumentos acionados por dis- criar iatrogenias que possam dificultar ou impedir a
positivos mecânicos para a remoção da maior parte da reinstrumentação do canal radicular. Contudo, é im-
obturação e, em seguida, os instrumentos acionados ma- portante ressaltar que alterações iatrogênicas podem
nualmente para completar a remoção e refinar o preparo ocorrer, devido à resistência que a guta-percha e o ci-
(reinstrumentação) dos canais radiculares. mento exercem na penetração do instrumento empre-
A extrusão de material obturador via forame gado, principalmente em canais radiculares curvos e
apical é observada em todas as técnicas, independen- com anatomia complexa.
temente de os instrumentos serem acionados por dis-
positivos mecânicos ou manualmente. Para Somma125, Solventes
a extrusão é maior para instrumentos acionados por Os solventes são substâncias químicas que têm a
dispositivos mecânicos. Ao contrário, para Imura44 e capacidade de dissolver outra e podem ser classifica-
Schirrmeister99 onde o uso de limas Hedstrom promo- dos em orgânicos e inorgânicos. Os primeiros dissol-
veu maior extrusão do que os instrumentos ativados vem as substâncias orgânicas, enquanto as inorgânicas
mecanicamente. são dissolvidas pelos últimos.
Todavia, a quantidade de material obturador ex- A guta-percha pode ser dissolvida com vários
truído via forame apical não está associada ao modo de solventes orgânicos. Todavia é necessário salientar que
acionamento do instrumento (manual ou mecanizado), esses, geralmente, são tóxicos, e o seu emprego deve
mas sim à amplitude e à frequência do avanço e re- ser evitado quando possível.
trocesso de um instrumento endodôntico em um canal Vários solventes orgânicos da guta-percha têm
radicular. Quanto maiores, maior será a possibilidade sido testados e pesquisados, todavia os mais conheci-
de ocorrer a extrusão. dos são o clorofórmio, o xilol e o eucaliptol3,42,47,131.
Durante o retratamento (esvaziamento e reins- O cone de Resilon é dissolvido pelo clorofórmio28,125.
trumentação de um canal radicular) o instrumento en- O cone de Resilon é solúvel em clorofórmio, po-
dodôntico ao alcançar justeza no interior de um canal dendo também ser removido pela aplicação de calor
radicular, sua parte de trabalho (ponta e haste de corte num comportamento similar ao cone de guta-percha.
helicoidal cônica), funciona como um cone móvel (êm- O cimento resinoso deverá ser removido pela ação
bolo) promovendo o deslocamento do material exis- mecânica de alargamento ou de alargamento e lima-
tente na cavidade pulpar. Isso induz uma pressão uni- gem obtida pelos instrumentos endodônticos15,28,86. En-
direcional no sentido apical, promovendo o extravasa- tretanto, pela presença de tags de resina nos túbulos
mento de material oriundo da reinstrumentação de um dentinários e nas ramificações anatômicas a limpeza
canal radicular, independentemente de o instrumento do canal radicular durante a reinstrumentação poderá
endodôntico ser acionado por dispositivos mecânicos ficar comprometida.
ou manualmente. Outros fatores, como os diâmetros
da constrição apical, do preparo e do instrumento em- Clorofórmio (triclometano)
pregado também influenciam a quantidade de material Apresenta-se como um líquido pesado, transpa-
extruído via forme apical. rente, incolor e odor característico. É pouco solúvel na
O tempo despendido na remoção do material ob- água e inteiramente miscível com o álcool. Altera-se
turador do interior de um canal radicular é menor para pela luz e pelo ar. É muito volátil e tóxico, não sendo
os instrumentos acionados por dispositivos mecânicos biocompatível com os tecidos apicais e perirradiculares.
quando comparado aos acionados manualmente29,43,125. Segundo o Serviço de Saúde dos EUA, possui po-
Porém, o profissional não deve ficar comprometido tencial cancerígeno, embora tal efeito em humano ve-
com o tempo despendido em um retratamento endo- nha sendo questionado, não sendo seu uso proibido na
dôntico, mas sim com o resultado do tratamento exe- prática odontológica.
cutado, avaliado por meio da prosservação clínica e ra-
diográfica. Xilol (dimetilfenol)
No retratamento endodôntico, a remoção do ma- Apresenta-se como um líquido límpido, incolor,
terial obturador pela associação solvente-instrumento com cheiro semelhante ao benzeno. É insolúvel na
720 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

água, porém solúvel no álcool e benzeno. Muito tóxico. 30oC, sua capacidade solvente é aumentada e compa-
Apresenta menor efeito solvente sobre a guta-percha rável à do clorofórmio (Fig. 17-29A a D).
quando comparado ao clorofórmio. Em função disso,
pode ser usado como medicação intracanal para dis- Canais obturados com pastas e cimentos
solver a guta-percha entre sessões no retratamento en- As pastas obturadoras de canais radiculares não
dodôntico. tomam presa (cura), permanecendo, por tempo indeter-
minado, sob o mesmo estado físico, pelo fato de as subs-
Eucaliptol (1 metil, 4 isopropil cicloexano, 1-4 óxido) tâncias que as constituem não reagirem quimicamente
Apresenta-se como um líquido incolor e de odor entre si. Algumas vezes sofrem ressecamento devido
aromático semelhante ao da cânfora. É insolúvel na à volatilização de algum componente, sendo usadas
água e inteiramente miscível com o álcool. É menos mais com a finalidade terapêutica do que obturadora
irritante do que o clorofórmio e não apresenta poten- dos canais radiculares. Dentre as diversas pastas men-
cial cancerígeno. Exibe efeito antibacteriano e proprie- cionadas na literatura, as alcalinas à base de hidróxido
dades anti-inflamatórias, porém é menos efetivo como de cálcio são amplamente usadas como medicamento
solvente da guta-percha. Quando aquecido acima de intracanal, na forma de obturação temporária52,53,71.

A B

Figura 17-29. Guta-percha e cimento.


Obturações compactadas. Remoção:
instrumento tipo K e solvente. A. Inci-
sivo central superior. (Gentileza de VA
Fonseca.) B. Canino superior. (Gentileza
C D
de Lacerda CR.) C. Incisivos inferiores. D.
Incisivos centrais superiores.
Retratamento Endodôntico 721

Do exposto podemos concluir que, nos casos de As perfurações radiculares são outras iatrogenias que
canais obturados com pasta, o seu esvaziamento é fá- também podem ocorrer nesse procedimento. Porém,
cil e pode ser realizado com instrumentos acionados como as obturações com cimento normalmente são
manualmente ou por dispositivos ultrassônicos, coad- curtas na maioria das vezes, os instrumentos mecani-
juvados com abundante irrigação-aspiração. zados podem ser aplicados com segurança, apenas no
Os cimentos usados na obturação dos canais radi- segmento cervical do canal radicular.
culares diferem das pastas, porque há reação química No retratamento de canais obturados com cimen-
de seus componentes, ocorrendo posteriormente o seu to, a anatomia do canal, assim como a compactação,
endurecimento (cura). o comprimento longitudinal da obturação e o tempo
Dentre esses cimentos, o de óxido de zinco-eu- decorrido do tratamento certamente influenciarão na
genol, sem cone de guta-percha, tem sido o mais usa- desobturação.
do como material obturador de canais radiculares. A Os solventes orgânicos não têm capacidade de
combinação do óxido de zinco com o eugenol assegura dissolver os compostos minerais que formam o óxido
o endurecimento desse cimento por um processo de de zinco-eugenol. Isso provavelmente se deve ao fato
quelação, cujo produto final é o eugenalato de zinco. de o cimento não apresentar, em sua composição, a
Esse cimento não apresenta em sua composição com- colofônia, o que o torna praticamente insolúvel diante
ponentes orgânicos, fato esse que o torna praticamente dos solventes orgânicos usualmente empregados em
insolúvel diante dos solventes orgânicos usados para a Endodontia. Porém, essas soluções químicas podem
guta-percha. Em consequência, o ato de esvaziamento promover a desintegração física do cimento de óxido
do canal radicular se torna trabalhoso e, muitas vezes, de zinco-eugenol65.
impossível de ser realizado. O fenômeno da desintegração física se deve à ad-
Instrumentos tipo K no 10 ou 15, de 21mm de sorção e difusão de uma solução química pelo óxido de
comprimento e de seção reta transversal quadrangu- zinco-eugenol, acompanhada de aumento de volume
lar, previamente preparados pelo corte de alguns mi- e quebra das ligações entre as partículas do cimento.
límetros em sua parte de trabalho, são eficientes na Vale ressaltar que adsorsão é a fixação das moléculas
fragmentação do cimento. É pertinente ressaltar que de uma substância (adsordato) na superfície de outra
esse procedimento deve ser aplicado apenas em canais (adsorvente). A capacidade de desintegração do ci-
retos ou segmentos retos de canais curvos. Devido à mento de óxido de zinco-eugenol varia em função da
rigidez do instrumento e à resistência do cimento du- compactação da obturação, da viscosidade e da pola-
rante o esvaziamento, podem ocorrer degraus, falsos ridade das soluções químicas usadas. Quanto menor
canais ou mesmo perfurações radiculares. Todavia, o for a compactação, maior será a porosidade da obtura-
acompanhamento radiográfico pode impedir tais ocor- ção, o que permitirá a penetração de maior volume de
rências. Outras vezes, podemos empregar o ultrassom solução, facilitando o amolecimento e a desintegração
na remoção de cimento obturador de canais radicula- física do óxido de zinco-eugenol (Fig. 17-30). A visco-
res. A vibração mecânica do instrumento endodôntico sidade e a polaridade da solução química empregada
resulta na fragmentação do cimento, enquanto o contí- são outros fatores que influenciam na capacidade de
nuo fluxo irrigante dispersa as partículas para a câmara desintegração do óxido de zinco-eugenol. Quanto me-
pulpar. Como inconvenientes, temos o grande tempo nor a viscosidade e maior a polaridade, maiores serão
consumido, possibilidade de fratura dos instrumentos a absorção e a velocidade de difusão da solução por
e alterações da forma do canal radicular. meio dos poros existentes na obturação65.
Outro procedimento usado é a remoção da obtu- Lopes et al.65 analisaram quatro soluções químicas
ração do canal com instrumentos mecanizados, os quais – eucaliptol, clorofórmio, Endosolv-E e óleo de laranja
devem apresentar corte na ponta, e os normalmente in- doce – quanto à capacidade de solubilização e desin-
dicados são as brocas Peeso e esférica de aço-LN (Mail- tegração do cimento de óxido de zinco-eugenol. Os re-
lefer). Os alargadores Gates-Glidden e Largo não atuam sultados mostraram que as soluções químicas testadas
com esse propósito, em função de apresentarem ponta não foram capazes de solubilizar o cimento de óxido
não cortante. Entretanto, a remoção da ponta desses ins- de zinco-eugenol. Verificaram também que o clorofór-
trumentos possibilita o seu emprego no retratamento de mio, o Endosolv-E e o óleo de laranja doce foram capa-
canais radiculares obturados com cimentos. zes de promover a desintegração física das amostras
Com o emprego de instrumentos mecanizados, em tempos diferentes. O clorofórmio com maior rapi-
sempre ocorre grande destruição de estrutura dentária. dez. O eucaliptol não desintegrou o cimento de óxido
722 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Figura 17-30. Cimento endodôntico de óxido de zinco-eugenol.


Porosidade (MEV 40x).

de zinco-eugenol, por ser uma substância oleosa e de


baixa polaridade, o que dificultou a sua penetração na Figura 17-31. Canal obturado com cimento. Caso clínico. Retrata-
porosidade da amostra. mento.
Para os canais obturados com cimento de óxido
de zinco-eugenol, após a remoção do selamento co-
ronário, preenchemos a câmara pulpar com solvente sentido mesiodistal. Outro fato a ressaltar é que geral-
orgânico (clorofórmio ou Endosolv E), esperando um mente a compactação da obturação diminui de cervical
tempo de 10 a 15 minutos para que se inicie o processo para apical, o que favorece a remoção do material ob-
de desintegração do material obturador. A seguir, com turador presente na região terminal do canal radicular
instrumentos endodônticos rígidos (tipo K prepara- (Fig. 17-31).
dos), imprimimos ao material obturador cargas com-
pressivas e de cisalhamento, que permitirão o avanço Canais obturados com cones de prata
desses em sentido apical. Em canais mais amplos e re- Os cones de prata foram introduzidos como mate-
tos podemos empregar, na desobturação do segmento rial obturador endodôntico por Trebitsh, em 192953. Em-
cervical, instrumentos rotatórios (broca LN 205 Mail- bora conhecido universalmente, o uso desse material
lefer). Esses procedimentos devem ser repetidamente tem sido cada vez mais restrito, devido principalmente
acompanhados de tomadas radiográficas para se ob- aos problemas de corrosão e às dificuldades de remo-
servar a trajetória dos instrumentos. ção em caso de retratamento. A remoção certamente
O Endosolv-E (Septodont, França) assim como o depende da anatomia do canal radicular e do diâmetro,
clorofórmio são derivados halogenados de hidrocarbo- adaptação e altura da seção do cone de prata. É óbvio
netos. Apresenta em sua composição 1.1.1 Tricloetano que, antes de programarmos qualquer retratamento,
– 92,3%; Isoamilacetado – 7,5% e Timol – 0,2%. uma cuidadosa análise clínica e radiográfica do elemen-
Sendo o clorofórmio uma substância muito volátil to dentário se faz necessária. Nesse exame devemos ob-
quando de seu emprego, a cavidade pulpar deve ser servar a viabilidade do retratamento e, principalmente,
constantemente preenchida com a solução química. o aspecto e o posicionamento dos cones de prata.
Uma vez vencida a região mais compactada da obtu- Uma ampla abertura coronária constitui fator de-
ração, devemos empregar instrumentos de menor ri- cisivo no êxito do retratamento. Muitas vezes, somos
gidez (tipo K no 10 ou 15 de 21mm), para se evitarem obrigados a promover uma abertura coronária maior
iatrogenias, como desvios e perfurações radiculares. que a convencional ou mesmo remover totalmente a
Na clínica odontológica, canais radiculares obtu- restauração existente para facilitar a visualização e a
rados somente com cimento e que apresentem espaços apreensão do cone de prata, assim como da emboca-
vazios (porosidades) não oferecem grandes dificulda- dura do canal. Não podemos ser comedidos no acesso,
des para a remoção do material obturador. Esses es- sendo insensato preservar estruturas dentárias ou da
paços, às vezes ausentes em radiografias tomadas no restauração protética, o que poderia tornar o retrata-
sentido vestibulopalatino, podem estar presentes no mento mais difícil, senão impossível19,54.
Retratamento Endodôntico 723

No retratamento de canais obturados com cones instrumentos tipo K esbelto no 10 ou 15, com o objetivo
de prata, a remoção desses pode ser realizada por tra- de fragmentar a substância cimentante (Fig. 17-32).
ção, ultrassom ou pela combinação ultrassom e tração58. Às vezes, o cone de prata está bem ancorado
Para fins didáticos, classificamos as obturações junto às paredes do canal radicular e a tração é ine-
dos canais em função da altura da seção do cone de ficiente. Nesses casos devemos usar a associação ul-
prata usado: trassom e tração. Uma ponta periodontal do aparelho
ultrassônico é aplicada junto à extremidade do cone.
• não secionados A vibração da ponta é transferida ao cone, causando
• secionados a fragmentação do cimento. A seguir, o cone será re-
• secionados no segmento apical movido por tração.
A aplicação prolongada de ultrassom desgasta a
Canais obturados com cones de prata não extremidade do cone de prata, podendo tal fato difi-
secionados cultar ou mesmo impedir a sua remoção. Para evitar
Nesses casos, deparamos com cones de prata aflo- esse problema podemos prender o cone com uma pin-
rando na câmara pulpar, apresentando, muitas vezes, ça e aplicar nesse instrumento a energia ultrassônica,
uma angulação de 90º. Assim, a remoção do cone se a qual transfere para o cone de prata as vibrações me-
torna relativamente fácil. Devemos apenas tomar a cânicas59.
precaução de, ao retirarmos a restauração e o cimento
existente na câmara pulpar, não secionar a extremida- Canais obturados com cones de prata secionados
de aflorada do cone. Para tal, sugerimos, ao chegar na Nesses casos, os cones de prata podem estar se-
câmara pulpar, remover o cimento com o auxílio de cionados na altura da embocadura do canal ou ligei-
instrumentos manuais (Hollemback, escavadores) ou ramente aquém. As dificuldades, assim, passam a ser
mesmo ultrassom. maiores, podendo-se realizar algumas manobras com
Uma vez liberado o cone de prata na câmara pul- a finalidade de remoção. Como, na maioria das vezes,
par, podemos usar uma solução química para conse- os canais radiculares no segmento cervical não são
guir a desintegração do cimento obturador do canal circulares, existindo, consequentemente, um espaço,
radicular e, a seguir, tentar a sua remoção. ocupado ou não por cimento, ou mesmo guta-percha,
Geralmente, apreendemos o cone em sua extre- podemos por meio de instrumentos endodônticos e so-
midade coronária por meio de uma pinça tipo Stieglitz, luções químicas, criar passagem entre o cone de prata e
Ralks ou mesmo porta-agulhas, removendo-o inteiro, a parede do canal radicular.
por simples tração. Constitui boa norma, antes da tra- Inicialmente, com instrumentos tipo K no 10 ou 15
ção, tentar penetrar entre o cone e a parede do canal com de 21mm, buscamos uma passagem entre o cone e a

Figura 17-32. Canais obtura-


dos com cones de prata não
secionados. Casos clínicos. Re-
tratamento. (Gentileza do Prof.
L Lyon.)
724 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

parede do canal radicular. A seguir, uma lima Heds- A vibração ultrassônica transmitida pelo instrumento e
trom no 30, 35 ou 40 é introduzida justa nesse espaço, a abundante irrigação liberam o cone de prata. Outras
em sentido apical, e com pequenos movimentos de vezes, após o uso da vibração ultrassônica, o cone fica
penetração com giro à direita procuramos cravar suas aderido em alguma parte da parede do canal, podendo
hélices no cone de prata. Apresentando a liga metálica ser removido manualmente com o auxílio de uma lima
da lima dureza maior do que a da prata, tal procedi- Hedstrom.
mento é possível e, com movimento de tração no senti- Quando não há espaço para a penetração de um
do oclusal, promovemos a remoção do cone. Devemos instrumento endodôntico entre o cone de prata e a
salientar que o instrumento deverá ser de tal diâmetro parede do canal radicular, procuramos, com o auxílio
que penetre justo, através das paredes radiculares e no de broca esférica LN 205 (Maillefer) de baixa rotação,
cone de prata, não ultrapassando dois terços dele. Nun- desgastar o tecido dentário circundante ao cone. Com
ca devemos ultrapassar o cone em toda a sua extensão, o espaço criado, a extremidade fica exposta, o que per-
pois tentativas de tração podem provocar alterações no mite a sua apreensão com pinça saca-cones. A seguir,
forame apical que dificultarão a obturação do canal e o o cone pode ser removido por tração simples ou pela
processo de reparação (Fig. 17-33A e B). combinação ultrassom e tração.
Às vezes, penetramos a lima de um lado, porém Outras vezes, após a criação do espaço, com o au-
há dificuldade em remover o cone, ocorrendo o seu xílio de um escavador afiado, procuramos fazer uma
desgaste após diversas tentativas. Se isso acontecer, reentrância no cone e usando o mesmo instrumento
com o auxílio de uma sonda clínica de ponta reta e como alavanca, tendo as paredes dentárias como ponto
pontiaguda ou mesmo de uma lima Hedstrom, procu- de apoio, promovemos a sua remoção.
ramos penetrar o instrumento na posição diametral-
mente oposta, tentando deslocar o cone para o espaço Canais obturados com cones de prata
criado. Em seguida, ocupa-se, com a lima Hedstrom, secionados no segmento apical
esse novo espaço e, com movimentos de penetração e Quando o cone de prata é secionado no interior
tração do instrumento, remove-se o cone de prata. do canal radicular, a tarefa se torna ainda mais difícil.
Podemos também empregar o ultrassom na re- O restante do canal radicular poderá ou não estar ocu-
moção de cones de prata secionados. Nesses casos, um pado por guta-percha. Caso positivo, procuramos ini-
instrumento tipo K no 15 é inserido no espaço anterior- cialmente sua remoção para posteriores manobras de
mente criado entre o cone e a parede do canal radicular. retirada do segmento de prata.

A B

Figura 17-33A e B. Canais obturados com cones de prata secionados. Casos clínicos. Retratamento.
Retratamento Endodôntico 725

A remoção do cone somente é possível quando


há espaço para passagem de um instrumento endo-
dôntico. Na altura da seção, o canal, normalmente, não
apresenta forma circular e, quase sempre, é possível a
passagem do instrumento entre o cone e a parede radi-
cular. Nesses casos, os procedimentos já descritos: tra-
ção com limas Hedstrom ou combinações de ultrassom
e tração são os recursos que possibilitam a remoção do
cone de prata. Nos casos em que a seção na área apical
for circular e o cone de prata ocupar todo o espaço, a
possibilidade de remoção se torna extremamente difí-
cil (Fig. 17-34).
Em casos onde ocorram lesões supurativas, a des- A
mineralização dentinária e a corrosão do cone de prata
favorecem a passagem do instrumento endodôntico
entre o cone e a parede radicular.
Os métodos de Masserann e Endo Extractor tam-
bém podem ser usados em alguns casos. O emprego
desses sistemas fica restrito às raízes volumosas e retas.
Os principais inconvenientes do emprego dessas técni-
cas consiste na possibilidade de ocorrerem perfurações
em raízes curvas e exagerada perda de estrutura den-
tinária74.
B
Nos casos em que o instrumento ultrapassa late-
ralmente o segmento do cone de prata, mas não con- Figura 17-35. Canais obturados com cones de prata secionados no
segue a sua remoção, ou nos casos em que não é pos- segmento apical. Casos clínicos. A. Ultrapassagem e não remoção
sível passar lateralmente por ele, devemos dentro das do cone de prata. B. Não ultrapassagem do cone de prata.
condições do caso clínico obturar o segmento do canal
preparado e acompanhar a evolução do tratamento por
meio da prosservação periódica (Fig. 17-35A e B). da instrumentação, da ação antimicrobiana da solução
A máxima redução possível de irritantes do inte- química auxiliar e da medicação intracanal, associada
rior do sistema de canais radiculares obtida por meio a uma obturação adequada, pode permitir a reparação
de uma lesão existente.
Nesses casos, o período de prosservação deve ser
maior, tendo em vista que os procedimentos realizados
podem ter promovido um desequilíbrio da microbiota
do canal, possibilitando uma reparação temporária da
lesão perirradicular existente.

 REINSTRUMENTAÇÃO DOS CANAIS


RADICULARES
O retratamento endodôntico tem como objetivo
a remoção de todo o material obturador previamente
existente e uma efetiva reinstrumentação das paredes
dentinárias do canal radicular para a obtenção de uma
forma adequada (ampliação e modelagem) que favore-
ça a nova obturação.
Após o esvaziamento e a determinação do com-
Figura 17-34. Canais obturados com cones de prata secionados no primento da patência e de trabalho iniciamos a reins-
segmento apical. Caso clínico. Retratamento. trumentação do canais radiculares. Todavia, o esvazia-
726 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

mento e a reinstrumentação na maioria das vezes são em 85,71%, os resíduos do material obturador se esten-
realizados concomitantemente. diam além do limite apical de instrumentação, ou seja,
Clinicamente, a reinstrumentação é considerada ocupavam a porção terminal do canal radicular em
completa quando não há mais evidência de guta-percha sentido ao forame apical. Em função dos resultados,
ou selador no instrumento endodôntico, quando as ras- concluíram que: a) a avaliação radiográfica das hemis-
pas de dentina excisadas são de coloração clara e o canal seções revela acentuada diferença estatística na quan-
radicular, através da sensibilidade tátil, apresentar pare- tidade de resíduos de material obturador, após a reins-
des lisas e, imaginariamente, uma forma adequada que trumentação dos canais radiculares; b) houve acentua-
permita sua posterior obturação de maneira efetiva. do acúmulo de material obturador na porção terminal
Em busca desses fundamentos, várias manobras do canal radicular em dentes cujas obturações estavam
têm sido sugeridas: manuais e especiais, ultrassônicas, aquém do ápice radiográfico (Fig. 17-36A e B).
vibratórias-sônicas e acionadas a motor, com instru- Lopes e Gahyva66 utilizaram 60 dentes unirradi-
mentos de conicidades variáveis. Contudo, no retrata- culares extraídos, obturados com guta-percha e cimen-
mento, após o esvaziamento e a reinstrumentação de to selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos li-
um canal radicular, resíduos do material obturador se- mites da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém
rão observados independentemente da técnica empre- do ápice radiográfico. Após o esvaziamento, 30 dentes
gada e da natureza do material obturador28,38,133,143. foram divididos e reinstrumentados pelas técnicas con-
Lopes e Gahyva62, utilizaram in vitro 30 dentes vencional e ultrassônica até o comprimento de trabalho
unirradiculares, obturados com guta-percha e cimento situado 1mm aquém da abertura foraminal, com os de-
selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos limi- mais recebendo os mesmos procedimentos. Entretanto,
tes da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém do durante a sequência de instrumentação, a cada mudan-
ápice radiográfico. Os dentes foram esvaziados e reins- ça de instrumento, um instrumento tipo K no 40 era in-
trumentados 1mm aquém do comprimento de trabalho troduzido até ultrapassar 1mm do forame apical. Finda
pela técnica convencional. A seguir, analisou-se a pre- a preparação endodôntica, os dentes foram cortados
sença de resíduos de material obturador, por meio de longitudinalmente no sentido mesiodistal, e os 3mm
tomadas radiográficas e das hemisseções com auxílio apicais de cada amostra foram avaliados com o auxílio
de uma lupa após clivagem mesiodistal dos espécimes. de uma lupa. Os resultados revelaram que, nos retrata-
Os resultados revelaram que, após a reinstrumentação, mentos endodônticos, o esvaziamento além do forame,
os resíduos estavam presentes em 56,67% dos espé- durante a reinstrumentação, favoreceu uma maior re-
cimes analisados radiograficamente e em 93,34% nos moção de material obturador do segmento apical dos
visualizados com lupa. No que concerne à localização, canais radiculares (Figs. 17-37A e B e 17-38A e B).

A B

Figura 17-36. Retratamento endodôntico. A. Avaliação radiográfica. Ausência de resíduo. Avaliação da hemiseção da mesma amostra. Pre-
sença de resíduos. B. Avaliação da hemiseção. Presença de resíduo no segmento apical do canal.
Retratamento Endodôntico 727

Dezan et al.20 relatam que, após a reinstrumenta-


ção, os resíduos de material obturador estavam presen-
tes no canal radicular em 90% dos casos.
Gu et al.38 utilizaram 60 dentes unirradiculares
extraídos e obturados com cones de guta-percha e ci-
mento AH-Plus (Dentisply, Alemanha). Inicialmente,
parte dos canais radiculares foi esvaziada por meio
de instrumentos de NiTi mecanizados ProTaper Uni-
versal – retratamento – e outra parte com alargadores
Gates Glidden e limas Hedstrom com clorofórmio. A
seguir, os dentes foram reinstrumentados pelo sistema
ProTaper Universal ou por meio de instrumentos K-
A B flex (Kerr). Os dentes foram diafanizados e todos reve-
laram resíduos de material obturado. A maior quanti-
Figura 17-37. Retratamento endodôntico. Reinstrumentação. A.
dade de resíduos era representada pelo selador. Todas
Esvaziamento do canal cementário. Ausência de resíduos. B. Não
esvaziamento do canal cementário. Presença de resíduos. as técnicas deixaram 10 a 17% da área dos canais cober-
tos com resíduos (guta-percha/selador).
Para Bueno12, após a desobturação, o emprego de
um procedimento complementar, com limas envoltas
por algodão hidrófilo embebido em solvente e, pos-
teriormente, num algodão seco, promoveu uma ação
adicional, em média, de 60% na limpeza de resíduos
aderidos às paredes do canal independentemente das
técnicas testadas.
A presença de resíduos de material obturador
após a reinstrumentação de canais radiculares está cer-
tamente relacionada com a geometria e o tipo de movi-
mento dos instrumentos endodônticos empregados, os
quais foram incapazes de se adaptar às variações ana-
tômicas internas dos canais radiculares (Fig. 17-39).

Figura 17-38. Retratamento endodôntico. Reinstrumentação. Ava-


liação no MEV. A. Não esvaziamento do canal cementário. Presença Figura 17-39. Retratamento endodôntico. Caso clínico. Presença
de resíduos. B. Esvaziamento. Ausências de resíduos. de resíduos após a reinstrumentação. Aspecto radiográfico.
728 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Com relação às pastas, Porkaew et al.90 observaram, apresenta seções retas transversais com formas dife-
que em canais obturados temporariamente com pasta rentes.
de hidróxido de cálcio, a reinstrumentação com um ins- Nos segmentos arredondados dos canais radi-
trumento de diâmetro maior do que o último utilizado, culares, o diâmetro do instrumento deverá ser maior
seguida de abundante irrigação-aspiração, não foi sufi- do que o do canal, e o movimento empregado, o de
ciente para remover completamente a pasta de hidróxi- alargamento (parcial alternado ou contínuo). Diâmetro
do de cálcio do interior dos canais radiculares. de instrumento maior permite que todo o contorno do
Lambrianidis et al.51, utilizando diferentes solu- canal seja englobado pelo círculo de corte do canal ci-
ções químicas associadas à limagem – hipoclorito de rúrgico.
sódio, solução salina e hipoclorito de sódio seguido Nos segmentos achatados dos canais radiculares
de irrigação final com EDTA –, concluíram que ne- usamos instrumentos tipo Hedstrom ou tipo K de aço
nhum dos métodos foi eficiente para remover todo o inoxidável de diâmetro inferior ao do canal com mo-
hidróxido de cálcio das paredes do canal. Observaram vimento de limagem circunferencial. O instrumento
também que a composição da pasta usada teve pouco deve apresentar rigidez suficiente para exercer a ação
efeito na eficiência do método aplicado. Para Barcelos8, de limagem das paredes do canal radicular. Alargador
o veículo utilizado no preparo de pasta de hidróxido Largo ou instrumentos acionados por dispositivos ul-
de cálcio empregada como medicação intracanal in- trassônicos podem ser empregados antecedendo o uso
fluenciou decisivamente na permanência de resíduos de instrumentos manuais.
do material sobre as paredes do canal após a desobs- Em combinação com soluções químicas auxiliares
trução. A quantidade de resíduo foi maior quando os e a irrigação-aspiração, teremos uma melhor limpeza
veículos empregados eram classificados como oleosos das paredes radiculares (Fig. 17-40).
(óleo de oliva e PMCC/Glicerina).
Analisando por meio da microscopia eletrônica de
varredura as paredes de canais radiculares, anterior-
mente preenchidos com pasta de hidróxido de cálcio e
esvaziados com limas tipo Hedstrom, após irrigação-
aspiração com solução de hipoclorito de sódio, obser-
vamos que a maioria das amostras revelou presença de
resíduos do medicamento.
A limpeza e a forma final de um canal radicular
após a sua reinstrumentação estão associadas princi-
palmente:

• às propriedades mecânicas das ligas metálicas dos


instrumentos endodônticos;
• à complexidade anatômica dos canais radiculares;
• à geometria (forma e dimensões) dos instrumentos
endodônticos empregados;
• ao movimento aplicado aos instrumentos endodôn-
ticos.

Quanto às propriedades mecânicas, os instrumen-


tos endodônticos devem ter grande tenacidade, baixa
rigidez, elevada elasticidade em flexão e resistência à
fratura (por torção e fadiga), propriedades essas que de-
pendem da natureza da liga metálica, do diâmetro, do
comprimento, da forma e área da seção reta transversal e
do acabamento superficial do instrumento endodôntico.
A anatomia dos canais radiculares não é uniforme
em toda a sua extensão, podendo variar em um mesmo Figura 17-40. Retratamento endodôntico. Análise no MEV. Paredes
dente. Geralmente, o segmento apical, médio e cervical radiculares. Ausências de resíduos.
Retratamento Endodôntico 729

Considerações clínicas mite de instrumentação, ao alcançar justeza no interior


de um canal radicular, funciona como êmbolo, promo-
A sequência de instrumentação empregada é a
vendo o deslocamento do material existente no canal
coroa-ápice. Os seus princípios e manobras são utiliza-
em sentido apical.
dos, não apenas para a remoção do material obturador
Após o preparo, a smear layer das paredes do ca-
ou neutralização do conteúdo tóxico do segmento do
nal deve ser removida com o objetivo de favorecer a
canal não instrumentado, mas também na reinstru-
atividade antimicrobiana do medicamento intracanal
mentação dos canais, pela capacidade que tem a se-
e diminuir a infiltração apical de canais radiculares
quência de uma instrumentação de reduzir a extrusão
obturados. A remoção é realizada pela associação de
de material obturador, de restos necróticos e produtos
soluções de EDTA e de hipoclorito de sódio. Como me-
microbianos, em sentido aos tecidos perirradiculares. dicação intracanal recomendamos a pasta de hidróxido
No retratamento endodôntico é fundamental que o di- de cálcio, iodofórmio, paramonoclorofenol canforado
âmetro do preparo após a reinstrumentação seja maior e glicerina, devendo esta permanecer no canal por um
do que o diâmetro do preparo anterior. O diâmetro do período variável de 3 a 7 dias. Não havendo remissão
preparo deve ser o maior possível, levando-se em con- dos sinais e sintomas clínicos, o preparo químico-me-
sideração a anatomia do canal e as propriedades me- cânico e a medicação intracanal devem ser repetidos.
cânicas da liga metálica do instrumento endodôntico Nos casos em que o preparo químico-mecânico
empregado. e a medicação intracanal não estão sendo suficientes
Nos casos em que o retratamento endodôntico é para eliminar o agente infeccioso, podemos empregar
indicado por motivos protéticos, a obturação do canal um antibiótico para debelar os sinais e sintomas persis-
radicular deve ser realizada imediatamente após o pre- tentes. A amoxicilina é o antibiótico de eleição, poden-
paro químico-mecânico. Essa escolha se deve ao fato do, em casos resistentes ou em pacientes alérgicos, ser
de que falhas do selamento coronário e a redução da substituída pela clindamicina. Se persistirem os sinais e
atividade antimicrobiana do medicamento usado po- sintomas, a opção de tratamento será a via cirúrgica.
dem permitir a contaminação microbiana do canal ra- Quanto à obturação, a mesma deve ser homogê-
dicular. nea e ficar confinada ao canal radicular, de 1 a 2mm
Por outro lado, sabendo-se que a infecção micro- aquém do vértice radiográfico. A técnica de compacta-
biana é a responsável pela baixa taxa de sucesso obtida ção lateral é a utilizada na grande maioria dos retrata-
nos retratamentos, meios mecânicos e químicos, ade- mentos. Entretanto, em determinadas situações clíni-
quados para promoverem a eliminação ou máxima re- cas, pode ser substituída por uma outra que empregue
dução de micro-organismos no interior do sistema de a guta-percha termoplastificada.
canais radiculares, devem ser empregados com vistas a O retratamento endodôntico pode promover a
criar um ambiente favorável ao reparo dos tecidos pe- extrusão, pelo forame apical, de micro-organismos e
rirradiculares. Consequentemente, durante a reinstru- seus subprodutos, raspas de dentina contaminadas,
mentação dos canais radiculares, empregamos como substâncias químicas usadas como solventes e mate-
substância química auxiliar e na irrigação-aspiração o riais obturadores, que poderão exacerbar a resposta in-
hipoclorito de sódio (água sanitária). flamatória, contribuindo, assim, para a indução da dor
O preparo do canal deve estender-se a um limi- pós-operatória.
te próximo da abertura do forame principal (1 a 2mm A extrusão de material do canal via forame api-
aquém). Durante a sequência do preparo, ao passar-se cal ocorre em maior ou menor quantidade quando
de um instrumento de menor diâmetro para um outro é empregada qualquer uma das técnicas de esvazia-
maior diâmetro, é importante e fundamental que o ca- mento e reinstrumentação no retratamento endodôn-
nal cementário seja desobstruído até o diâmetro corres- tico. Independentemente da técnica empregada na
pondente a um instrumento tipo K no 25. instrumentação do segmento apical, o movimento de
No retratamento endodôntico, a reinstrumentação limagem (vaivém) deve ser evitado. O deslocamento
curta, na esperança de não causar trauma perirradicu- do instrumento no interior do canal atua como um
lar e de não permitir a passagem de resíduos oriundos êmbolo forçando o material presente para a região
do preparo por meio do forame, favorece o acúmulo apical. A quantidade de material extruído para os te-
de detritos na porção terminal do canal radicular e não cidos perirradiculares via forame apical depende de
impede o extravasamento de resíduos via forame api- diversos fatores. A maior quantidade de material ex-
cal. O instrumento endodôntico mesmo aquém do li- truído ocorrerá quanto:
730 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

• maiores forem a amplitude e a frequência do avanço Nas cirurgias perirradiculares, o índice de fracasso
e retrocesso (deslocamento) do instrumento no inte- aumenta nos casos onde o canal radicular se apresenta
rior do canal; inadequadamente instrumentado e obturado. Também
• maior for o volume do instrumento em relação ao devemos mencionar que a obturação retrógrada reali-
volume do canal; zada em canais deficientemente obturados não é, por si
• maior for a justeza do instrumento em relação ao di- só, fator de sucesso cirúrgico.
âmetro do canal radicular; Nos casos em que ocorre o fracasso da cirurgia
• maiores forem a compactação e a extensão (limite) perirradicular, nem sempre é viável a reintervenção
apical da obturação primária; cirúrgica, em função de condições anatômicas desfavo-
• maior for a quantidade de solvente. ráveis ou mesmo emocionais do paciente. Nessas con-
dições, dois são os problemas encontrados na solução
A somatória desses fatores durante o deslocamen- terapêutica proposta: eliminação da infecção e obtura-
to de um instrumento no interior de um canal aumenta ção do canal radicular.
a pressão unidirecional apical, favorecendo uma maior
extrusão de material via forame para os tecidos perir-
Tratamento
radiculares.
Vale ressaltar que, nos retratamentos, a extrusão Após o acesso, removemos a obturação do canal
de material obturador, embora presente, a dor pós-ope- do modo já descrito. A seguir, realizamos o preparo
ratória, é menos acentuada nas situações clínicas assin- químico-mecânico em toda a extensão do canal, em-
tomáticas do que nas sintomáticas. Trope138, no retra- pregando como solução química o hipoclorito de sódio
tamento de dentes com periodontite apical, observou (água sanitária). A remoção da smear layer é realizada
a agudização em 13,6% dos casos, sugerindo também com o uso associado do EDTA e do hipoclorito de só-
que a obturação do canal não deve ser realizada na pri- dio após o preparo do canal.
meira sessão. Estrela et al.25 estudaram a prevalência de Como medicamento intracanal empregamos a
dor pós-operatória nos retratamentos endodônticos em associação hidróxido de cálcio, iodofórmio, paramo-
184 pacientes, sendo que 110 dentes se apresentavam noclorofenol canforado e glicerina. Além da proprie-
assintomáticos e 74 sintomáticos, com aspectos radio- dade antimicrobiana, a capacidade de preenchimento
gráficos com e sem presença de rarefação óssea perirra- do medicamento permite o mapeamento da cavidade
dicular. Frente à avaliação dos resultados observaram pulpar. Assim, podemos observar, por meio da ima-
ausência de dor pós-operatória em 83,3%, 82,8% e 82%, gem radiográfica, a posição vestibular do plano incli-
respectivamente, nos retratamentos de dentes assinto- nado da ressecção apical (ver Capítulo 14, Medicação
máticos cujos aspectos radiográficos eram de ausência intracanal).
de rarefação, rarefação óssea difusa e rarefação óssea Combatida e debelada a infecção, realizamos a ob-
circunscrita, e em 59%, 50% e 54,5% nos retratamentos turação do canal radicular. Porém, a remoção cirúrgica
de dentes sintomáticos, respectivamente, para os mes- do ápice provoca a perda da constrição apical, criando
mos aspectos radiográficos já descritos. um problema técnico para a realização da obturação do
canal radicular.
Nos casos em que é possível a determinação do
 RETRATAMENTO DE DENTES SUBMETIDOS
bordo vestibular do plano inclinado da raiz podemos
A CIRURGIA PERIRRADICULAR
fazer o batente apical ligeiramente aquém desse limi-
A cirurgia perirradicular não é a solução para cor- te e a obturação convencional do canal radicular. Em
rigir os fracassos endodônticos, mas sim uma comple- outras circunstâncias, podemos optar pela técnica do
mentação da terapia endodôntica. Trabalhos existentes tampão apical (ver Capítulo 16, Obturação dos canais ra-
na literatura revelam que o sucesso da cirurgia perir- diculares).
radicular é baixo quando comparado ao retratamento Nos casos onde há a obturação retrógrada, ela
endodôntico2,130. deve ser mantida e os procedimentos endodônticos
Para Allen et al.2, a taxa de sucesso obtida com realizados dentro do segmento radicular existente. To-
cirurgia perirradicular com apicetomia foi de 57,4%; davia, durante a instrumentação do canal radicular, a
quando seguida de obturação retrógrada, foi de 60%; e obturação retrógrada pode sofrer deslocamento para a
o retratamento não-cirúrgico proporcionou sucesso em região perirradicular. Nesses casos, não há necessidade
72,7% dos casos. de remoção cirúrgica do material retro-obturador. A re-
Retratamento Endodôntico 731

A B C D

Figura 17-41. Retratamento endodôntico de dente submetido a cirurgia perirradicular. A. Fracasso cirúrgico. B. Esvaziamento e reinstru-
mentação. C. Obturação temporária com pasta L&C. D. Após reparação. Obturação convencional. Controle de 2 anos. (Gentileza dos profes-
sores E Nunes, FF Silveira, J A Soares.)

O índice de sucesso obtido nos retratamentos


endodônticos é muito questionável, levando-se em
consideração a impossibilidade de padronização do
tratamento inicial. Para canais radiculares deficiente-
mente tratados, onde obturações presentes sugerem
que o preparo químico-mecânico não foi devidamen-
te realizado, permitindo a permanência de micro-
organismos presentes da infecção original, um novo
tratamento endodôntico e tecnicamente bem condu-
zido permitirá índices de sucesso elevado. Por outro
lado, em casos de canais bem tratados, os índices de
Figura 17-42. Retratamento endodôntico de dente submetido a sucesso após o retratamento são reduzidos, o que ge-
cirurgia perirradicular. Fracasso cirúrgico. Esvaziamento e reinstru- ralmente ocorre porque as medidas de desinfecção
mentação do canal. Obturação do canal com pasta L&C. Controle
(reinstrumentação e medicação intracanal) não foram
de 12 anos. Reparação apical radiográfica e clínica.
suficientes para eliminar a infecção persistente no sis-
tema de canais radiculares.
paração da lesão perirradicular está relacionada com a Sjögren et al.122 observaram após 8 a 10 anos que
qualidade do preparo químico-mecânico e da obturação nos retratamentos de dentes portadores de lesões pe-
do canal radicular. O sucesso do tratamento endodôn- rirradiculares a taxa de sucesso era de 62%, enquan-
tico reside na eliminação ou máxima redução possível to Sundqvist et al.129 observaram, após 5 anos, que nos
de irritantes nos canais radiculares por meio de preparo retratamentos de dentes portadores de lesões a taxa
químico-mecânico, do uso de medicação intracanal e de de sucesso era de 74%. Em todos os casos, os canais
uma obturação adequada do canal radicular. Essa deve retratados tiveram suas obturações em limites apicais
selar vestígios de irritantes que permanecem após o pre- adequados e aceitáveis em Endodontia, isto é, de 0 a
paro químico-mecânico, impedindo seu egresso para os 2mm do ápice.
tecidos perirradiculares (Figs. 17-41 e 17-42A a D). Araújo Filho5, analisando 47 retratamentos endo-
dônticos seguidos de obturação imediata dos canais
radiculares, concluiu que 81% dos casos tiveram suces-
 PROSSERVAÇÃO so. Considerando apenas os casos com rarefação óssea
Prosservação é o controle clínico e radiográfico perirradicular preexistente (38 dentes), o índice de su-
realizado após o tratamento endodôntico. cesso foi de 76%.
732 Capítulo 17  Retratamento Endodôntico

Friedman e Mor34 relataram que nos retratamen-


tos de dentes sem lesões perirradiculares a taxa de
sucesso variou de 92 a 98%, enquanto na presença de
lesões perirradiculares, de 74 a 86%.
Para Lopes e Gahyva62,66, a baixa taxa de sucesso
dos retratamentos endodônticos se deve à permanên-
cia de resíduos oriundos do material obturador após a
reinstrumentação do canal radicular. Eles podem alte- A
rar o selamento tridimensional da obturação e também
recobrir restos necróticos e micro-organismos que, cer-
tamente, perpetuarão as lesões perirradiculares após o
retratamento endodôntico.
O fracasso do retratamento endodôntico certa-
mente é resultante da permanência de uma infecção
instalada na região apical do canal radicular mesmo
nos casos em que os canais aparentemente foram re-
tratados de forma adequada (Figs. 17-43, 17-44A e B,
17-45A e B, 17-46, 17-47, 17-48 e 17-49).
Nos casos em que um dente tratado endodon-
ticamente revelar, por meio de um exame clínico e
B
radiográfico: lesão crônica de pequena dimensão;
tratamento já realizado por um longo período; ausên- Figura 17-44A e B. Prosservação. Caso clínico. Retratamento endo-
cia de sintomas; estar em função estética e mastiga- dôntico. Molar inferior. Presença de cone de prata na região perirra-
tória; e prognóstico de um retratamento endodôntico dicular. Raiz mesial cones de prata não ultrapassados e não removi-
dos durante a instrumentação dos canais. Controle de 1 ano.
questionável, o dente pode ser mantido na boca sem
a reinterveção endodôntica desde que o paciente seja
informado e faça uma avaliação clínica e radiográfica
regular (Fig. 17-50A e B).

Figura 17-45. Prosservação. Caso clínico. Molar inferior. A. Radio-


Figura 17-43. Prosservação. Caso clínico. Retratamento endodônti- grafia inicial. Tratamento endodôntico deficiente. Retratamento
co. Molar inferior. Presença de cone de prata na região perirradicular. endodôntico. B. Raiz mesial. Perfuração. Instrumento fraturado.
Raiz mesial cones de prata não ultrapassados e não removidos du- Desvio do preparo. Controle de 18 meses. (Curso de Especializa-
rante a instrumentação dos canais. Controle de 2 anos. ção ABE-RJ.)
Retratamento Endodôntico 733

Figura 17-46. Prosservação. Caso clínico. Pré-molar superior.


Presença de 3 canais. Controle de 1 ano. (Gentileza do Cap. Dent.
PMMG, JC Mucci.)

Figura 17-47. Prosservação. Caso clínico. Molar inferior. Raiz mesial.


Presença de degrau. Não retomada dos canais. Obturação junto do de-
grau. Controle de 3 anos. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)
B

Figura 17-50A e B. Canais obturados com cones de prata seciona-


dos. Ausência de sintomas. Dentes suportes de ponte fixa. Tratamen-
to realizado há 25 anos. Prognóstico de retratamento endodôntico
convencional ou cirúrgico questionável. Baseado no exame clínico
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Capítulo 18
Cirurgia
Perirradicular

Gabriele Pécora
Osvaldo Massi
Santiago Massi

Alguns dos problemas mais difíceis e instigadores ses da cirurgia perirradicular, permite uma avaliação
que desafiam a Endodontia vêm sendo abordados pelo crítica da técnica utilizada e, como consequência, uma
que se propõe como uma nova disciplina: a Microendo- escolha seletiva dos melhores procedimentos43.
dontia. Entre eles podemos incluir a localização de ca- No passado, o foco principal era a eliminação da
nais calcificados, a reparação clínica e cirúrgica de per- patologia. O dano funcional e o trauma anatômico no
furações, a retirada de instrumentos fraturados e cones órgão operado eram considerados consequências do
de prata, o refinamento da cirurgia de acesso e do pré- ato cirúrgico. Tais danos iatrogênicos têm sido analisa-
alargamento, a modelagem dos canais atrésicos, o diag- dos por meio de novas técnicas possíveis com a utiliza-
nóstico clínico e cirúrgico de fraturas, a irrigação final, a ção do microscópio operatório, dando crédito, evidên-
cirurgia perirradicular, a revascularização pulpar e todos cia e importância ao conceito de cirurgia mini-invasiva.
os procedimentos complexos que envolvem a precisão e Em microcirurgia, existe uma otimização do respeito
uma abordagem minimamente invasiva como objetivo aos tecidos, porque o operador tem facilitada a sele-
principal em Endodontia. Há uma tendência natural a ção e identificação das estruturas anatômicas e, como
exagerar o grau de eficiência dos resultados obtidos, mas consequência, um risco menor, uma precisão maior e
não há dúvida de que eles representam uma visão con- uma diminuição das complicações pós-operatórias.
ceitual nova e desafiadora que merece ser desenvolvida. Atualmente, a microcirurgia endodôntica é uma reali-
O tratamento preciso de alguns problemas endo- dade, preconizada por poucos, mas praticada por um
dônticos ainda constitui um desafio para os endodontis- número crescente de especialistas que perceberam que
tas. A imprevisibilidade e a dúvida em relação aos resul- o futuro está na utilização do microscópio operatório.
tados dos tratamentos têm preocupado os endodontistas “A mente deve preceder a visão, e a visão deve
e os profissionais de outras especialidades que precisam preceder as mãos”, dizia O. W. Homes. “Nós podemos
ancorar seus tratamentos nos dentes tratados. Na ausên- tratar aquilo que podemos ver.” (Rubinstein, 1994.)
cia dessa certeza é feito um uso generalizado de mate- Isso é o objetivo dos microscopistas.
riais, instrumentos e técnicas pouco eficazes, sem conse-
guir, entretanto, uma resposta efetiva nos prognósticos.
Luz + aumento = microscópio operatório.
1. Simplificação técnica; 2. Precisão; 3. Potencia-
Microcirurgia endodôntica lidade operatória.
A utilização do microscópio operatório, além de “Se podes olhar, vê; se podes ver, repara.”
permitir um elevado nível de qualidade nas várias fa- (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura)

739
740 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

Dessa forma, infere-se que uma nova dimensão na


Endodontia foi criada – a microcirurgia. É aconselhável
repensar a proposta de cirurgia endodôntica, porque
a possibilidade operatória mediante a utilização de
tecnologias avançadas permite a utilização de técnicas
operatórias mini-invasivas e previsíveis nos resulta-
dos. A microcirurgia endodôntica permite realizar via
retrógrada a tríade: limpeza – modelagem – obturação,
consagrada por via ortógrada (Figs. 18-1 e 18-2).
De um ponto de vista estritamente clínico, os obje-
tivos que pretendemos obter por meio da terapia cirúr-
gica endodôntica podem ser resumidos aos seguintes:

• eliminação de sinais e sintomas (dor, edema, mobili- A

dade etc.);
• diminuição ou desaparecimento da radiopacidade
(doença) (Fig. 18-3);
• restauração e manutenção da função mastigatória;
• detenção da progressão da doença (perda de tecido
de sustentação).

B C

Figura 18-3. Um dos principais objetivos da cirurgia perirradicular


é promover a cura dos tecidos perirradiculares. Caso clínico mos-
trando A, radiografia pré-operatória evidenciando lesão persistente
após tratamento convencional. B, Pós-operatório cirúrgico e C, con-
trole radiográfico de 12 meses.

Figura 18-1. Microcirurgia endodôntica.


Uma vez que as características anatômicas da le-
são condicionam amplamente as suas potencialidades
de regeneração e, em última análise, o prognóstico do
dente atingido, foi proposta uma classificação levando-
se em conta as possibilidades que uma determinada le-
são possui de curar em sentido regenerativo17:

• Classe A: Lesões limitadas ao terço apical.


• Classe B: Lesões estendidas ao terço médio da raiz.
• Classe C: Lesões no meio da raiz com bolsa perio-
dontal não comunicante.
• Classe D: Lesões de Classe C com comunicação en-
tre a lesão endodôntica e a bolsa periodontal.
• Classe E: Lesão endoperiomarginal (EPM), com per-
da do osso vestibular e confluência das duas lesões.
Figura 18-2. Trabalho em equipe durante microcirurgia endo- A reabsorção da cortical vestibular pode ser classifi-
dôntica. cada como segue:
Cirurgia Perirradicular 741

1 – E1: menor do que a largura da raiz; considerados essenciais para se obter uma regeneração
2 – E2: igual à largura da raiz; periodontal são bactérias na região radicular apical, a
3 – E3: maior do que a largura da raiz. biomodificação da dentina, a estabilização da ferida, a
migração celular e o suporte sanguíneo.
Considerando a relação entre a convexidade da O respeito à migração celular e à colonização da
raiz e a superfície da cortical óssea, assim como a es- ferida em vias de regeneração por parte das células
pessura da cobertura óssea da raiz, podemos distinguir progenitoras periodontais é um pré-requisito para a
igualmente outras três subclasses: formação de um novo cemento, de uma nova inserção
do ligamento periodontal e de um novo osso alveolar
4 – E4: quando a raiz está por dentro da cortical óssea; sobre uma superfície previamente infectada.
5 – E5: quando a raiz está ao mesmo nível do plano Para compreender o mecanismo da regeneração
cortical; das estruturas periodontais é útil relembrar os con-
6 – E6: quando a superfície radicular protrai da super- ceitos básicos da reparação. A reparação por cicatri-
fície do osso que a rodeia. zação acontece quando o processo reparativo resulta
na formação de um novo tecido com células e estru-
Qualquer uma dessas classes tem uma diferente turas que têm capacidade de reação diferente das
potencialidade de regeneração (de forma geral, tanto originais. A regeneração se verifica quando o tecido
pior quanto mais se avança na classificação). Isso pode preexistente, afetado pela patologia, é substituído por
ajudar o clínico a tomar uma decisão, também transo- um novo tecido idêntico ao original na composição
peratória, resguardando a oportunidade de recorrer a celular, na estrutura e na reatividade. Em Endodon-
um procedimento regenerativo. tia assim como em Periodontia, isto implica formação
Podemos ressaltar que atualmente, havendo à de um novo osso, novo ligamento periodontal e novo
disposição alternativa terapêutica extremamente váli- cemento.
da, como o implante, poderia resultar em injustificada Estudos demonstraram que a cirurgia periodontal
persistência terapêutica a aplicação de uma técnica re- convencional induz mais à cicatrização do que à rege-
generativa complexa e custosa frente a um dente com neração do periodonto52. Por outro lado a regeneração
escassa capacidade residual de regeneração. periodontal pode ser obtida de forma previsível com o
Os autores vêm utilizando nos últimos anos dife- uso de uma membrana ou barreira tanto em animais7
rentes técnicas de regeneração tecidual guiada (GTR), quanto em humanos24.
inclusive algumas alternativas ao uso das membranas. De maneira similar, Dahlin et al.12 demonstraram
Dentre elas, uma das mais promissoras é a proporcio- que os defeitos perirradiculares e as cavidades císti-
nada pelo enxerto de sulfato de cálcio para uso mé- cas mandibulares em macacos regeneravam com um
dico (Medical Grade Hemydrate Calcium Sulfate ou preenchimento quase total do osso, desde que fossem
MGHCS). Esse material não é certamente novo para a tratadas com barreira pela GTR. Por outro lado, os
prática médica, pois tem sido usado em Ortopedia des- cistos tratados somente com cirurgia convencional,
de 18902, em Otorrinolaringologia18 e também em Ci- apesar de uma regeneração periférica, mostravam um
rurgia Oral59 e Periodontia3. Vários autores têm testado consistente preenchimento de tecido conjuntivo fibro-
sua biocompatibilidade48, a ausência de resposta infla- so. Isso mostra que na cirurgia endodôntica, especial-
matória, a total reabsorção e eficácia na GTR17. Pécora mente com grandes defeitos em lesões bicorticais, a
et al.48 têm estudado a capacidade de esse material atu- ação somente do periósteo (quando presente) pode ser
ar como barreira, enquanto Ricci et al.54 têm estudado suficiente para assegurar uma regeneração comple-
seu poder osteocondutor. ta. Devemos lembrar também que a presença de uma
A regeneração tecidual em resposta à cirurgia pe- grande lesão perirradicular, geralmente crônica, pode
rirradicular é evidente na restauração dos tecidos pe- estar associada a uma fístula. Por isso, o periósteo está
riodontais, isto é, cemento, osso alveolar e ligamento geralmente lesionado nesses casos. Isso mostra a pos-
periodontal. A aplicação dos princípios de GTR em Ci- sibilidade de uma reparação não desejável (cicatriz de
rurgia Endodôntica esteve sempre no centro de muitas tecido conjuntivo).
discussões clínicas e pesquisas experimentais, tanto em Do ponto de vista biológico, a formação de nova
humanos como em animais12, 17, 47. inserção pode oferecer algumas vantagens em com-
Muitos fatores influenciam o resultado do pro- paração com a reparação genérica. Isso inclui uma
cesso de cura após a cirurgia; em particular, os fatores maior resistência à penetração bacteriana, assim como
742 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

um aumento da resistência a cargas oclusais. A qua- Uma fase crítica na cirurgia regenerativa é a ma-
lidade da regeneração (e prognóstico) de um dente é nutenção do espaço sob a membrana. Quando o uso
influenciada pela localização da lesão. O prognóstico dessa não é capaz de assegurar a manutenção de tal
muda se, depois da cirurgia, a lesão permanece na área espaço, pode ser útil um material a ser usado com tal
apical, estende-se ao terço médio radicular ou é uma propósito. Para conseguir isso, diversos materiais têm
comunicação marginal endoperiodontal. Com essa úl- sido usados:
tima produzir-se-á uma regeneração menos completa e
menos previsível. Infelizmente, a área marginal é onde • enxerto de osso desidratado congelado desminerali-
(por questões tanto biomecânicas quanto microbioló- zado (DFDBA);
gicas) uma nova inserção é mais desejável. Enquanto • hidroxiapatita;
um dente pode sobreviver bem com o ápice circunda- • osso autólogo;
do por tecido conjuntivo, uma lesão marginal endope- • sulfato de cálcio63.
riodontal, inadequadamente reparada, causará uma
infecção recorrente e perda de osso. A função do dente O sulfato de cálcio tem uma longa história de
é ligada biomecanicamente à relação coroa-raiz. De- utilização em Medicina e seu uso tem sido recente-
pois da cirurgia endodôntica é importante considerar mente aplicado na Odontologia por suas potenciais
não só o comprimento da raiz, como também se está aplicações na regeneração tecidual guiada10,37,63. Em
coberta de ligamento funcionalmente inserido ao osso algumas circunstâncias, o sulfato de cálcio pode atuar
de suporte. simultaneamente como preenchimento e como barrei-
As indicações clínicas para uma GTR em Endo- ra47.
dontia são as seguintes: A aplicação das técnicas regenerativas, a utiliza-
ção de tecnologia avançada (microscópio e ultrassom)
• grandes lesões ósseas45; e a utilização de materiais obturadores com caracterís-
• lesões bicorticais47 (Fig. 18-4); ticas favoráveis e de eficiência na previsibilidade de
• lesões endodônticas e de formação17; resultados têm permitido o tratamento de casos cirúr-
• comunicações endoperiomarginais e perfurações23. gicos com patologias estendidas a toda a superfície ra-
dicular e com comprometimento de todo o complexo
dentoalveolar (lesões endoperiodontais). A técnica de
descontaminar a superfície radicular tem elevado o
percentual de êxito nos resultados.
Não obstante a utilização das terapias regenera-
tivas seja discutida e considerada por muitos autores,
existe evidência clínica de que o prognóstico de muitos
casos é considerado bom com procedimentos simples.
Assim, as indicações para a colocação de implantes são
reduzidas.
O uso das membranas em cirurgias endodônti-
cas tem sido sugerido por Duggings et al.17 no trata-
mento das perfurações radiculares, por Pécora et al.47
para o tratamento das grandes lesões e, de maneira
mais generalizada, por Kellert et al.30.
Gottlow et al.23,24, Cortellini et al.11 e Caffesse et al.7,
entre outros, têm demonstrado a capacidade de vários
materiais para criar um espaço em volta de uma raiz
patologicamente exposta, permitindo uma migração
seletiva de células, somente do osso e do ligamento pe-
riodontal.
As membranas podem ser reabsorvíveis (osso la-
minar, ácido poliláctico, ácido poliglicólico, colágeno,
Figura 18-4. Lesão afetando as corticais vestibular e lingual (bi- sulfato de cálcio) e não reabsorvíveis (politetrafluoreti-
cortical). leno expandido ou e-PTFE).
Cirurgia Perirradicular 743

Vantagens da GTR tituindo as membranas de Gore-Tex por discos de sul-


• ação de barreira na falta de periósteo; fato de cálcio pré-endurecidos. Dahlin et al.12 criaram
• regeneração mais rápida com maior quantidade e defeitos passantes, de 5mm de diâmetro na mandíbu-
melhor qualidade do osso; la de ratos, e recobriram os defeitos com membranas
• concentração de células osteogênicas na área de cura de politetrafluoretileno expandido (e-PTFE), posicio-
e possibilidade de regeneração. nados sobre ambos os lados (vestibular e lingual); as
lesões contralaterais foram deixadas sem barreira. O
estudo mostrou o completo fechamento com osso nos
Desvantagens da GTR
sítios tratados com membrana, enquanto, no sítio-
• custo elevado dos materiais;
controle, os defeitos estavam preenchidos com tecido
• frequente exposição e infecção;
conjuntivo denso.
• necessidade de uma segunda cirurgia (não reabsor-
O estudo de Pécora et al.52 seguiu o mesmo pro-
víveis);
tocolo, mas cobrindo os sítios-controle com discos pré-
• necessidade de suporte nas grandes lesões (retento-
endurecidos de sulfato de cálcio (U.S. Gypsum, Medi-
res intracanais, materiais de preenchimento);
cal Division, Chicago, Illinois, EUA). Os discos foram
• habilidade cirúrgica (retalhos palatinos);
obtidos misturando sulfato de cálcio com solução fisio-
• necessidade e dificuldade de se adaptar ao defeito.
lógica estéril, vazados em um molde de 9mm de diâ-
metro, 2mm de espessura e esterilizados a seco. Esses
A soma dos inconvenientes e as dúvidas sobre a
discos foram adaptados ao defeito de modo a cobri-lo
utilidade do uso de membranas e a respeito das suas
com uma sobre-extensão periférica de cerca de 2mm.
reais vantagens têm, por uma parte, limitado a aplica-
Os dados, avaliados com o mesmo sistema de Dahlin
ção da GTR em Endodontia. Por outro lado, têm esti-
et al.12, confirmaram a validade do sulfato de cálcio em
mulado a pesquisa de materiais alternativos às mem-
discos pré-moldados como barreira para prevenir a in-
branas.
vaginação do tecido conjuntivo frouxo, promovendo
Sottosanti63 em 1992 propôs o uso do sulfato de
assim a formação de osso.
cálcio em Periodontia e Cirurgia, estimulando a pes-
quisa clínica e em animais. Paralelamente, no campo
ortopédico, um grupo de pesquisadores e de bioenge- Cirurgia para diagnóstico
nheiros – Parsons et al.42 e Damien et al.13 – estudou o A dificuldade de diagnóstico pode ser melhorada
sulfato de cálcio, chegando a conclusões positivas so- com a utilização da cirurgia para diagnóstico ou “reta-
bre sua osteocondutividade e sua ação de barreira. lho diagnóstico”. Ela consiste nas seguintes etapas:
A racionalidade para o uso do sulfato de cálcio é
suportada pelas seguintes características: 1. Desenho triangular com apenas uma incisão rela-
xante vertical.
• simplicidade da técnica de aplicação; 2. Aplicação de azul de metileno a 2% sobre a superfí-
• total adaptação do material ao defeito; cie radicular exposta e lavagem com solução fisioló-
• baixo custo; gica.
• baixa incidência de complicações pós-operatórias; 3. Avaliação com a utilização do microscópio opera-
• elevada potencialidade de estabilizar o coágulo; tório.
• aderência à superfície radicular;
• ambiente de pH básico (que inibe o crescimento bac-
teriano e estimula as células mesenquimais a se dife-
Protocolo cirúrgico operatório
renciar em osteoblastos); 1. Diagnóstico
• biocompatibilidade; 2. Anestesia
• total reabsorção. 3. Retalho
4. Osteotomia
Em 1992, Sottosanti et al.63 levantaram a hipótese 5. Apicectomia
de que o sulfato poderia exercer uma função de bar- 6. Curetagem perirradicular
reira similar àquela exercitada pelas membranas. Essa 7. Biópsia
hipótese foi valorizada por Pécora et al.47, em 1997, que 8. Descontaminação
duplicaram o estudo de Dahlin et al.12 em ratos, subs- 9. Hemostasia
744 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

10. Avaliação da superfície seccionada g) às lesões associadas a canais laterais e acessó-


11. Preparação da cavidade retrógrada rios;
12. Verificação e controle da cavidade retrógrada h) às lesões periodontais;
13. Obturação retrógrada i) às reabsorções externas ou internas.
14. Avaliação da necessidade de GTR • TOMOGRAFIA CONE-BEAM: Permite avalia-
15. Sutura ção tridimensional mediante cortes longitudinais
16. Controle radiográfico e axiais da lesão, do dente vizinho, dos limites
anatômicos, da espessura e qualidade do osso.
1 – Diagnóstico B) Avaliação periodontal:
A) Avaliação radiológica: • Índice de placa de Silness e Loe60.
• OPT (ortopantomografia). Serve para avaliar as • Índice gengival de Loe35.
relações anatômicas, de um ponto de vista glo- • Profundidade de sondagem mesial-vestibular-
bal, dos dentes e dos maxilares; pode ser utiliza- distal-lingual.
da como ajuda visual na explicação do caso e na • Nível de inserção.
educação do paciente. A radiografia panorâmica • Índice de mobilidade de Fleszar et al.21.
• Palpação do movimento radicular.
não serve para o exame diagnóstico, que requer
uma alta resolução e a análise das alterações es-
A sonda periodontal é um instrumento essencial
truturais das trabéculas ósseas associadas a lesões
para:
perirradiculares.
• INTRAORAIS. São realizadas três radiografias
1. Determinar o tipo de retalho (intrassulcular ou pa-
com posicionador radiográfico. Além da proje-
rassulcular).
ção axial, realizamos uma versão mesial e uma
2. Avaliar o local de incisão (sondagem sem anestesia).
versão distal. São importantes o estudo da ana-
3. Avaliar a altura óssea (sondagem com anestesia).
tomia radicular e a extensão da lesão, dando es-
pecial atenção:
a) ao comprimento radicular e à relação coroa-
2 – Anestesia
raiz; Em cirurgia perirradicular, o objetivo da aneste-
b) ao nível da obturação do canal; sia é duplo: anestesia e hemostasia. Portanto, se esco-
c) aos retentores intrarradiculares; lhemos uma anestesia de bloqueio, devemos realizar
d) à relação da raiz com o canal mandibular, com também uma infiltração local com elevado conteúdo
o seio maxilar, com o nervo dentário inferior e de epinefrina (1:80.000 – 1:50.000). Uma anestesia pro-
com as fossais nasais; funda do sítio cirúrgico é essencial para o conforto do
e) à localização da lesão; paciente e para eficiência do cirurgião. Uma dose sufi-
f) às fraturas e microfraturas (Fig. 18-5); ciente de vasoconstritor produz uma adequada hemos-
tasia, que permite uma simplificação da cirurgia e um
tempo cirúrgico reduzido para a intervenção.
A dúvida de alguns cirurgiões no uso de epinefri-
na, especialmente nos pacientes com riscos cardiovas-
culares, deverá ser superada levando-se em conta as
vantagens supracitadas. Devemos, no entanto, consi-
derar os eventuais efeitos sistêmicos do vasoconstritor,
que injetado na mucosa não produz riscos potenciais,
mas injetado na corrente sanguínea em doses altas
pode produzir danos graves. Deve, portanto, ser usada
sempre uma seringa com aspiração. Para se obter uma
boa vasoconstrição é aconselhado o uso de uma con-
centração de 1:50.000, com o cuidado de fazer a infiltra-
ção pelo menos 10 minutos antes da intervenção.
Maxila: na tuberosidade, para o nervo alveolar
Figura 18-5. Dente acometido por fratura radicular, o qual tinha superior posterior; no forame palatino maior (palati-
sido previamente submetido a tratamento, retratamento e cirurgia. no posterior), para o nervo palatino; no forame inci-
Cirurgia Perirradicular 745

sivo (palatino anterior), para o nervo nasopalatino; no A incisão ou as incisões verticais devem ser ri-
forame infraorbitário, para o nervo alveolar superior gorosamente verticais para passar através das fibras
anterior e médio. musculares, tentando não seccioná-las, o que pode ser
Mandíbula: no forame mandibular (espinha de visualizado levantando o lábio e avaliando o percurso
Spix), para o nervo alveolar inferior, lingual e bucal; no das fibras e a presença dos vasos superficiais.
forame mentoniano, para o nervo mentoniano e incisivo. Na maxila, a incisão vertical é realizada o mais
posteriormente possível para os dentes anteriores e o
3 – Retalho mais anteriormente possível para os posteriores. Como
Incisão regra, prefere-se levá-la posteriormente à fossa canina,
Devem ser consideradas uma componente hori- sempre avaliando a extensão da lesão e a espessura do
zontal e uma ou duas verticais. Os critérios gerais para tecido. Em alguns casos, apresenta-se a possibilidade
o desenho do retalho são amplitude e estética. de se fazer uma primeira incisão e avaliar a situação
A amplitude está ligada à extensão da lesão e à antes de se fazer a segunda, que transforma o desenho,
anatomia do local: nervos, vasos, inserções muscula- não permitindo que ele seja modificado.
res, eminências e depressões das paredes ósseas, assim Na mandíbula, a presença do forame e do nervo
como a espessura dos tecidos moles. dentário inferior indica a zona da sínfise mentoniana para
A estética está ligada à visibilidade do dente a a primeira incisão vertical para os dentes anteriores; em
operar: anterior, posterior, superior e inferior; ao po- alguns casos, a incisão vertical deve ser retalho total na
tencial de regeneração: espessura dos tecidos moles e gengiva inserida e retalho dividido nas zonas críticas.
lesões periodontais concomitantes, suspeita de deis- A segunda incisão vertical é realizada posterior-
cência óssea ou de fraturas radiculares. mente ao forame mentoniano (Fig. 18-7). Antes de esta-
O uso do microscópio é limitado nos casos em belecer o local da incisão horizontal deve-se fazer uma
que é necessário eliminar dúvidas ou executar passos
técnicos muito difíceis; em alguns casos, a necessidade
de ter um campo visual amplo limita o aumento ideal
a 6-8×. A realização de um retalho dividido necessita
de aumento e iluminação; assim também nos casos de
avaliação da espessura dos tecidos moles ou de inci-
sões vizinhas a estruturas nervosas ou vasculares im-
portantes.
A componente horizontal pode ser intrassulcular
ou parassulcular (ou submarginal); a avaliação é ope-
ratória e estética (Fig. 18-6). Geralmente, prefere-se in-
cisar o sulco com a intenção de criar um leito receptor
na papila, deixando o tecido e também fibras e vascu- A
larização.

Figura 18-7A. Forame mentoniano e nervo mentoniano (cadáver).


Figura 18-6. Incisão parassulcular (ou submarginal). B. Ramos terminais do nervo mentoniano (cadáver).
746 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

detalhada sondagem periodontal e se avaliar aten- pressões ósseas. Essa fase, como a precedente, deve ser
tamente a quantidade de gengiva inserida. As lesões feita com pouco aumento, devido à necessidade de um
periodontais e a escassez de gengiva inserida são con- campo visual amplo.
traindicações para uma incisão parassulcular. Essa é uma fase extremamente importante, por-
Na maxila, na vertente palatina, a incisão ho- que um retalho corretamente descolado pode ser repo-
rizontal é sempre intrassulcular, assim como para as sicionado facilmente e sua recuperação é melhor e mais
incisões verticais deve-se levar em conta a vasculari- rápida. O retalho total se realiza com decisão sobre o
zação e, em particular, o calibre e o percurso da artéria osso e deve cortar o periósteo. Isso evita lacerações.
palatina e dos seus ramos. A incisão vertical deve ter Não devem ser feitos ângulos agudos, e o traço da inci-
o traçado planejado, o posterior deve ser curto e dis- são deve ser arredondado.
tal ao primeiro molar. A forma do palato é importante A parte ativa do destaca-periósteo deve ser cur-
para estabelecer uma correta avaliação do desenho. Na va para as superfícies curvas e reta para as superfícies
cirurgia da raiz palatina temos que avaliar também a planas, devendo também ser cortante e de secção ade-
possibilidade de fazer a intervenção via vestibular, de quada às características do local. O descolamento deve
acordo com o seguinte critério: ser iniciado no ponto mais favorável e levado adiante,
progressivamente, sobre toda a superfície do retalho.
• comprometimento, também, de pelo menos alguma O controle do sangramento inclui a necessidade de se
raiz vestibular; fecharem eventuais pequenos vasos presentes nos teci-
• dilaceração das raízes; dos moles, controle esse podendo ser feito com ligadu-
• proximidade do seio maxilar; ras, coagulação e compressão.
• comprimento da raiz a operar; Destaca-periósteo ultrassônico: Da mesma for-
• tamanho da lesão. ma que o bisturi, ele vibra de acordo com o aparelho
de ultrassom aproximadamente 30.000 vezes por se-
Desenho do retalho: gundo (30KHz) e irriga a parte ativa ao mesmo tempo.
A parte ativa deve ser afiada, como nos instrumentos
• uma incisão vertical: retalho triangular; de Molt ou similares. O gume permite um descola-
• duas incisões verticais: retalho retangular. mento do retalho com um corte nítido das fibras de
Sharpey, que unem o periósteo ao osso, evitando que
As incisões verticais são mais longas em micro- elas sejam esgarçadas. A irrigação lava a hemorragia,
cirurgia, com o objetivo de permitir um descolamento permitindo uma visão clara sobre a área de descola-
e uma retração sem tensão e sem interferência com o mento e um melhor controle da superfície óssea, aju-
trajeto da luz. dando na eficácia do procedimento. Esse tratamento
Alguns instrumentos ultrassônicos se apresentam minimamente invasivo do retalho diminui o trauma,
como alternativa aos instrumentos cirúrgicos clássicos. melhorando a cicatrização e ajudando a regeneração
Bisturi ultrassônico: É um suporte para lâmina de óssea.
bisturi adaptado numa ponta ultrassônica. Isso permite
que ele vibre 30.000 vezes por segundo e irrigue a lâmi- Afastamento do retalho
na e o retalho, o que evita o aquecimento da parte ativa Os afastadores devem se adaptar ao contorno
e banha o retalho, formando uma delgada camada de ósseo, não devem escorregar, nem interferir com a en-
água sobre a área incisada, impedindo que a hemorra- trada do microscópio na área operatória. Por esse mo-
gia interfira na visão do retalho, e melhorando o campo tivo, devem conter uma parte terminal que tenha um
de trabalho. Esse bisturi pode ser utilizado nas incisões contato estável com o osso, sobre o qual possam ser
relaxantes verticais e no descolamento das papilas e in- criados pequenos degraus, depressões ou sulcos para
cisões horizontais. A vibração ultrassônica permite fazer a ancoragem do afastador. Também a largura deve ser
um corte mais eficiente com uma pressão menor sobre o suficiente para separar o lábio e mantê-lo afastado pas-
retalho, o que libera a mão para um traço mais preciso e sivamente, criando um acesso adequado e estável às
realiza uma incisão nítida e eficaz, cortando o periósteo. estruturas subjacentes.
Cinzel ultrassônico: Richman55, em 1957, foi o
Descolamento do retalho primeiro a falar de um cinzel ultrassônico, mas na-
Usamos instrumento destaca-periósteo de peque- quela época o que mais se valorizava na cirurgia api-
nas dimensões para seguir melhor as saliências e de- cal era o tempo empregado na cirurgia e não a rege-
Cirurgia Perirradicular 747

neração óssea. As discussões sobre as vantagens entre 4 – Osteotomia


cinzel e brocas começam com Mc Fall36, em 1961, que A osteotomia pode ser realizada por corte com
mostra a produção de resíduos, aquecimento e trau- abertura de uma janela óssea ou por desgaste com
ma, a ineficiência e a contaminação da área cirúrgi- fresas apropriadas, descobrindo e delimitando o terço
ca pelo instrumental rotatório. Frequentemente, as apical. O aumento no microscópio adequado para essa
brocas dificultam o controle efetivo do corte do osso, fase é de 10-12×. Nos casos de maior espessura óssea,
resultando numa osteotomia inadequada e descontro- pode ser oportuno se criar uma janela óssea antes da
lada e, também, na possibilidade de dano aos tecidos localização do terço apical para diminuir a distância da
moles. Em 1965, Horton27 investiga os efeitos da ação raiz e, então, seguir as fases do terço apical.
de um cinzel como método para a remoção cirúrgica Essa é a verdadeira indicação da técnica mista –
de osso. Os cortes histológicos mostram que nas áreas cinzel + fresa –, que encontra particular aplicação nos
osteotomizadas com cinzel ultrassônico a atividade primeiros e segundos molares inferiores.
osteoclástica estava marcadamente reduzida 7 dias A osteotomia pode ser:
após a cirurgia, quando comparado com a osteotomia
realizada com brocas. A formação de osso novo nas • Guiada: quando a lesão desgasta a cortical óssea e
áreas foi mais avançada, evidenciada pela quantida- se põe em comunicação com a parte externa. Nesse
de e maturidade da organização. Os defeitos criados caso, a localização é simples e se cria um acesso cor-
com cinzel ultrassônico mostraram em duas semanas reto para poder continuar com as manobras sucessi-
aumento de osteoblastos e de formação óssea. As di- vas.
ferenças histológicas observadas entre brocas e cinzel • Não guiada: se há integridade óssea e, uma vez loca-
ultrassônico mostram que a utilização daquelas pro- lizado o terço apical, a osteotomia pode ser efetuada
duz um aumento da margem de morte de osteócitos. com broca, com cinzel ou ambos.
No interior do defeito produzido, o componente fi- a) Técnica operatória. Uma vez explorada a superfí-
brovascular persiste mais com o uso desses instru- cie (8×) e sondada com curetas e com microespe-
mentos e há um atraso nas respostas osteoclástica e lhos qualquer possível comunicação, localiza-se o
osteoblástica. Essas observações histológicas estão de ápice com as coordenadas (osteotomia não guia-
acordo com outros estudos feitos sob as mesmas con- da) e avaliam-se:
dições (baixa velocidade e irrigação abundante) por • a espessura do osso;
Moss40, Spatz64 e Boyne6. • a presença de formações anatômicas;
Acreditamos que é um desperdício cortar osso • o tamanho da lesão;
com broca, sabendo das propriedades que esses frag- • a necessidade de enxerto de osso autólogo.
mentos de osso podem induzir na regeneração. Pen-
sando nisso, desenhamos um novo cinzel cirúrgico É oportuno traçar duas coordenadas ideais:
para fazer osteotomia em cirurgia perirradicular, que
pode ser utilizado na desinclusão de dentes impac- • uma horizontal, que liga os ápices do dente operado
tados e, também, nos casos que necessitam de oste- e de um ou dois dentes proximais;
otomia restrita com precisão, como em osteoplastia • uma vertical, que prolonga o eixo da raiz do dente a
periodontal. ser tratado.
Esse cinzel é acoplado a uma unidade de ultras-
som, e seu desenho, com uma pequena curvatura na O comprimento presumido da raiz é determinado
haste, permite ver ao microscópio o detalhe durante o pela medida média do dente + o comprimento medido
corte dos fragmentos ósseos e coletá-los durante a os- na radiografia dividido por 2.
teotomia. Esses fragmentos podem ser acondicionados
num pote dappen com soro fisiológico na mesa cirúr-
gica durante a apicectomia, retropreparo e retro-ob-
Comprimento médio = 22mm
Comprimento Rx = 23mm } = 22,5mm
turação, e, após esses passos, utilizados com o sulfato
de cálcio para a regeneração óssea da área cirúrgica. A preparação do acesso ao ápice se realiza com:
O nosso cinzel se alinha com a filosofia minimamente
invasiva e reduz o custo do material de enxerto (osso • fresa esférica
autólogo), provendo o cirurgião do melhor material de • fresa diamantada de granulação fina
enxerto a custo zero. • fresa de acabamento
748 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

• cinzel reto canal vazio contaminado por bactérias. Após a res-


• cinzel curvo secção e preparo da cavidade retrógrada devemos
chegar ao canal limpo e obturado. Por exemplo, se
A razão de aumento vai de 8× a 12×; raramente pode temos um canal obturado até 6mm aquém do fora-
ser oportuno levá-lo a 16×. É necessário ter um campo vi- me, 3mm são seccionados e 3mm podem ser obtu-
sual amplo que permita uma boa orientação operatória. rados.
A localização do ápice e a osteotomia são duas fases es- b) Relação coroa-raiz. Para manter a função do ele-
tritamente conexas e comumente contemporâneas. mento singular, a relação coroa-raiz deve ser > que
A osteotomia pode ser dividida em: 1 a favor da raiz. Em dentes esplintados, a relação
pode ser menor.
• acesso ao terço apical; c) Anatomia do sistema de canais radiculares. Dife-
• evidenciação do terço apical; rentes limites de corte correspondem a uma ana-
• forma de acesso; tomia diferente. Por isso, devemos levar em conta
• forma de conveniência para o melhor acesso; que a preparação da cavidade para obturação re-
• orientação visual (para os dentes posteriores). trógrada deve ter as características o mais possível
favoráveis. Portanto, deve ser levada à altura na
O uso do microscópio permite, portanto, uma qual a anatomia do sistema endodôntico seja fun-
maior facilidade e precisão na identificação e na prepa- cional, segura e idônea. No caso de um canal late-
ração da osteotomia apical. ral ou de uma microfratura, bastará aprofundar o
Na osteotomia guiada pode ser mais indicado o corte de 0,5 a 1mm para melhorar a situação. Del-
uso de brocas, devido à maior espessura óssea em que tas apicais, os quais podem conter bactérias per-
pode ser aberta uma janela. Essa técnica permite um sistentes, são geralmente incluídos no corte (Fig.
acesso mais breve ao ápice e uma eventual retirada de 18-8).
osso. d) Presença de pinos ou parafusos. A obturação não
Na osteotomia não guiada, a integridade da pare- pode ser feita em contato com retentores intrarradi-
de óssea e a necessidade de não danificar a superfície culares. Isso significa que, se temos um pino a 1mm
radicular sugerem o uso do cinzel. No caso de grandes do ápice, existe uma contraindicação absoluta para
lesões subjacentes, o instrumental de mão permite uma uma cirurgia de ápice. Se a distância é de 4-5mm, a
clivagem fácil e uma remoção mais conveniente e fun- obturação e, como conseqüência, a ressecção devem
cional de lesões encapsuladas. permitir uma distância da ponta do pino de pelo
O acabamento da cavidade de acesso pode ser menos 1mm. A idéia de reduzir o pino por meio do
habitualmente executado com brocas diamantadas de acesso do ápice cortado é pura ilusão.
granulação média.
O ápice pode ser cortado de várias maneiras:

5 – Apicectomia
• com baixa rotação
É uma fase delicada em que se necessita de uma • com alta rotação
atenta avaliação e representa a premissa importante
para um prognóstico favorável. Que parte da raiz será A apicectomia pode ser realizada em um tempo
seccionada? ou em dois. O ângulo de corte final não deve ser supe-
A premissa anatômica é de que os 3mm apicais rior a 10°. Podemos cortar 1 ou 2mm e retificar o cor-
constituem a zona crítica da terapia endodôntica pela te depois da avaliação microscópica da superfície de
presença dos canais laterais. Isso, no entanto, não pode corte. Tal procedimento pode ser realizado com alta
ser tomado como um valor absoluto para afirmar que rotação ou com peça de mão reta a baixa velocidade,
vamos cortar pelo menos 3mm da raiz. Existem muitos segundo as condições anatômicas. A irrigação deve ser
fatores que devemos levar em conta, como, por exem- feita com solução fisiológica estéril, evitando o aqueci-
plo: mento da broca e do dente.
Quando temos uma espessura de osso ou uma
a) Limite apical da obturação do canal. A obturação distância maior da cortical vestibular (por exemplo, da
retrógrada não pode ser adaptada de modo a pro- raiz palatina), é importante se usar a peça de mão reta
mover um selamento efetivo sobre uma parte do para uma visibilidade adequada e um acesso correto.
Cirurgia Perirradicular 749

melhor e facilita a inserção dos instrumentos. Às vezes


é necessário aumentar a osteotomia para lidar com ca-
sos de acesso difícil. Se o tecido se lacera, é importante
ser o mais preciso e cuidadoso possível na extirpação
de todos os fragmentos, mas sem correr riscos desne-
cessários em relação aos dentes vizinhos ou sobre va-
sos e nervos próximos. Se a lesão é de origem endodôn-
tica, o selamento do canal radicular ajuda a promover
a cura da lesão. Certamente, o diagnóstico histológico
(biópsia) é indicado para confirmar a origem endodôn-
tica. Nessa fase pode ser necessário usar um aumento
de 12×, seja para avaliar a osteotomia ou para o contro-
le da limpeza da parede óssea.
A escolha dos instrumentos depende em parte do
tamanho da lesão e, por outro lado, de sua aderência
ao dente. Curetas de Lucas ou tipo colher são indica-
A
das para grandes lesões, encapsuladas, com necessida-
de de um plano de clivagem óssea amplo. A curvatura
gradual da cureta Columbia 13-14 permite o acesso à
superfície lingual, enquanto o scaler Jacquette 34-35
permite a remoção do tecido localizado por trás da pa-
rede óssea e da superfície radicular.
Curetas ultrassônicas: um dos procedimentos mais
cansativos e trabalhosos durante a cirurgia perirradicu-
lar é a curetagem. Esse procedimento dispendioso em
tempo, energia e trabalho, às vezes cansativo e dificul-
toso, provoca desgaste e cansaço no cirurgião, podendo
ser abreviado pela curetagem mais efetiva e rápida rea-
lizada com as curetas ultrassônicas. Essas curetas aco-
pladas à base de insertos ultrassônicos microvibram e
B permitem a irrigação da área de curetagem, permitindo
uma visão clara com o microscópio do detalhe da área
Figura 18-8. Dentes diafanizados (A e B) mostrando anatomia api- curetada. Nos casos de aderências e bridas nos tecidos a
cal complexa que pode abrigar micro-organismos e, por isso deve
serem curetados, a visibilidade do campo curetado e a
ser englobada na ressecção cirúrgica. (Gentileza do Dr. L. Giardino.)
eficiência da curetagem, somadas à precisão e proteção
de injúrias nos tecidos adjacentes (vasos e nervos), per-
mitem mais ergonomia com menos esforço.
Habitualmente se utiliza a turbina Impact-Air 45
TM, desenhada especialmente para cirurgia, direcio-
7 – Biópsia
nando o aerossol residual de ar para fora da cavidade
óssea. Essa fase está estritamente relacionada com a
Na ressecção devemos avaliar: curetagem, porque a retirada do tecido é muito ligada
ao corte do ápice e à enucleação da lesão. A confirma-
• altura de 2-3mm; ção da origem endodôntica da lesão é efetuada histo-
• inclinação do corte de menos de 10°; patologicamente. A identificação bacteriana pode ser
• ressecção total da raiz em multirradiculares; necessária para diagnósticos difíceis, tais como actino-
• regularidade da superfície de corte. micose perirradicular.

6 – Curetagem perirradicular 8 – Descontaminação


O momento mais apropriado para a curetagem é Deve ser feita tanto na cripta óssea como sobre
após a ressecção apical, porque ela permite uma visão a superfície radicular exposta ou inclusive na lesão. A
750 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

superfície radicular deve ser examinada a 12×-16× para fície de corte da raiz, uma vez endurecido o cimento.
avaliar a presença de eventuais crateras, reabsorções, Assim, obtemos uma superfície seca e uma excelente
depósitos de tártaro e biofilme. A cavidade pode ser ir- hemostasia para as sucessivas fases técnicas operató-
rigada com tetraciclina, preferencialmente em solução rias. Em caso de perfuração da mucosa do seio maxi-
de 250mg por 5mL de solução fisiológica a 37oC. lar, o material pode ser empurrado também dentro do
seio, impedindo a comunicação, porque além da total
Características da tetraciclina biocompatibilidade é bem tolerado pela mucosa e não
• poder bactericida (em elevadas concentrações); produz inflamação.
• poder anti-inflamatório;
• substantividade (poder de se ligar à superfície radi- 10 – Avaliação da superfície seccionada
cular e de liberar substância ativa durante um deter- Pintamos com azul de metileno a 2% e lavamos com
minado tempo); solução fisiológica. Avaliamos depois, por meio do mi-
• promoção da adesão dos fibroblastos; croscópio operatório e com microespelhos, sob aumento
• depressão da atividade osteoclástica. de 12× a 26×. A observação da superfície cortada deverá
estar concentrada nos seguintes aspectos (Fig. 18-9):
9 – Hemostasia
É uma fase importante, porque condiciona a exe-
cução da obturação retrógrada, que será tanto mais ho-
mogênea, quanto mais o operador consiga controlar o
sangramento e a infiltração de fluidos.
A concentração de vasoconstritor no anestésico
deve ser elevada (1:50.000). Embora o efeito sistêmico
seja mínimo (aceleração do pulso e leve aumento da
pressão), há estudos que demonstram que uma dose
elevada de epinefrina corresponde a elevados níveis
plasmáticos68. Em cardiopatas, um cardiologista deve
ser consultado.
O controle do sangramento na cripta óssea, de-
pois da ressecção apical e da curetagem, pode ser feito A
com:

• agentes mecânicos: cera óssea.


• agentes químicos: sulfato férrico.
• agentes reabsorvíveis: sulfato de cálcio (Surgiplas-
ter P 30, GHIMAS, Casalecchio di Reno, Bolonha,
Itália).

O sulfato de cálcio em forma de cimento (Sur-


giplaster P30) é comprimido na cavidade e, além de
hemostático, atua como isolante da contaminação
por fluidos do material de obturação, além de permi-
tir uma remoção simples dos fragmentos de material
obturador que não se acondicionarem ao retropre-
paro.
Esse último sistema, sem efeitos colaterais (toxi-
cidade, discromia, vasoconstrição prolongada) parece
ser o mais simples, rápido e eficaz. O sulfato, sob forma
de pó, é manipulado com consistência cremosa, sen-
B
do colocado em camadas e comprimido com quadra-
dinhos de gaze esterilizada (trançada, não tecida), no Figura 18-9. Inspeção da superfície seccionada para diferentes pa-
defeito ósseo. Com um escavador, limpamos a super- râmetros (ver texto).
Cirurgia Perirradicular 751

• qualidade da obturação do canal; gradualmente quando aparecerem dúvidas ou necessi-


• anatomia do sistema de canais radiculares; dades de evidenciar algum detalhe.
• canais não tratados; As condições para uma avaliação correta da super-
• microfraturas; fície de corte podem, portanto, ser assim resumidas:
• canais laterais;
• presença de istmos; • corte correto pela totalidade e pela inclinação;
• presença de retentores intrarradiculares; • possibilidade de realizar outros cortes;
• totalidade da ressecção apical. • isolamento total de fluidos;
• evidenciamento com azul de metileno ou transilu-
Eventualmente pode ser necessária, especial- minação;
mente para avaliação das fraturas, a técnica da transi- • microinstrumentos adequados para a sondagem da
luminação, com uma fonte luminosa inserida dentro superfície.
da boca.
Às vezes, a superfície cortada deve ser lavada 11 – Preparo da cavidade retrógrada
com soro fisiológico para melhorar a visibilidade e ser A análise da literatura e dos dados clínicos e expe-
sondada sob visão do microespelho. Devemos come- rimentais mostra alguns princípios básicos que devem
çar com um aumento baixo (12×) e vamos aumentando guiar o operador (Figs. 18-10 e 18-11):

Figura 18-10. Cavidades retrógradas preparadas com ultrassom.

Figura 18-11. Retropreparo com ponta


diamantada.
752 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

• incluir todo o forame apical; • a regularidade das margens e o paralelismo das pa-
• ser de secção reduzida; redes;
• ter uma profundidade de pelo menos 3mm; • a preparação completa;
• estar limpa; • a ausência de microfraturas.
• incluir um eventual istmo.
O controle é realizado com grandes aumentos
Essas características podem ser realizadas com o 20×-30×, com o auxílio de microespelhos, sem os quais
uso do microscópio e do ultrassom, sendo que esse úl- no passado era impossível a avaliação da limpeza da
timo permite uma série de vantagens: cavidade. Eles estão disponíveis em várias formas,
tamanhos e qualidades, entram facilmente na cripta
• melhor acesso; óssea e permitem uma boa visão dentro da cavidade
• preparo conservador; quando usados com uma inclinação de 45°.
• extrema simplicidade e rapidez de execução;
• preparo sem detritos e de paredes paralelas;
Instrumentos ultrassônicos de retropreparo
• preparo do istmo;
• menos estresse para o operador e mais segurança; O recente desenvolvimento de novos instrumen-
• melhores resultados com o tempo. tos e técnicas vem melhorando o resultado das cirur-
gias perirradiculares de apicectomia com retro-obtura-
No que concerne à profundidade da obturação, ção. Como o resultado da cirurgia depende muito de
a maioria dos estudos tem demonstrado que com ca- boa obturação e do selamento da cavidade, um ótimo
vidades de 3mm há uma infiltração mínima e uma preparo do local é requisito essencial para uma obtura-
equivalência entre os vários materiais. Com cavida- ção adequada depois da apicectomia9,65,70.
des de profundidade de 1mm, a infiltração é maior e, As pontas ultrassônicas para retropreparo apical
geralmente, ficam evidenciadas sensíveis diferenças são atribuídas a Bertrand4. Em 1987, Flath e Hicks20 re-
entre os materiais. Outro ponto importante na esco- portaram o uso de pontas sônicas e ultrassônicas. As
lha do material obturador é que ele não deve se so- pontas ultrassônicas revolucionaram a terapia cirúr-
lubilizar na presença de umidade, deve ser de fácil gica perirradicular, melhorando os procedimentos ao
inserção e ser biocompatível com os tecidos perirra- permitirem um melhor acesso ao canal apical, o que
diculares. Segundo Tanomaru-Filho et al.66, diversos resulta num melhor retropreparo32,71.
materiais apresentam resultados histológicos simila- Essas pontas vêm com diferentes ângulos, com-
res quando comparados em condições ideais, embora primentos, diâmetros, e acabamentos, o que permi-
possam apresentar diferenças significativas em testes te trabalhar melhor e ser mais eficiente, quando se
in vitro. escolhe a ponta certa8,29,55. Uma das vantagens mais
Uma das mais frequentes causas de insucesso da importantes é a de poder trabalhar com uma osteoto-
cirurgia perirradicular é a presença de resíduos de ob- mia menor. Isso permite ser minimamente invasivo
turações de canais ou de substâncias contaminantes na na osteotomia durante os procedimentos, já que a es-
parede vestibular da cavidade. Esse fato torna bastante colha da ponta certa permite um espaço de trabalho
relevante o controle da limpeza e da adequação das pa- pequeno39.
redes da cavidade por meio de microespelhos. As pontas permitem uma cavidade mais profun-
O uso de pontas com curvatura adequada (Back da, preparando o local originalmente ocupado pela
Action Ultrasonic Tip) e um correto uso dos compac- polpa apical, conservando maior quantidade de denti-
tadores para a devida compactação dos resíduos de na nas bordas da cavidade25,31,74, e, como se sabe, uma
guta-percha no assoalho da cavidade, com iluminação cavidade mais centrada afasta o risco de fratura e de
e aumento adequados, permitem obter as melhores perfuração lateral1,34.
condições para uma obturação retrógrada compacta. A geometria das pontas não requer bisel para
Para tanto, devem ser considerados os seguintes fa- acesso ao canal71, reduzindo assim a superfície de den-
tores: tina cortada e diminuindo dessa forma o número de
canalículos dentinários expostos. Essas pontas também
• a limpeza da parede; permitem a remoção do istmo, quando ele está presen-
• a ausência de sangramento; te entre dois canais na mesma raiz19,34,72,75, evitando fra-
• o fundo da cavidade; cassos71 (Fig. 18-10).
Cirurgia Perirradicular 753

O refinamento das margens da cavidade, obtido caso de perfuração pode-se cortar um pouco mais de
com as pontas de ultrassom, facilita a obturação, per- raiz no local da perfuração (se a relação coroa-raiz o
mite levar melhor o material retro-obturador e conden- permite) ou mesmo fazer uma obturação detalhada
sá-lo, melhorando o selamento9,41,58,65. com um prévio controle de sangramento.
Existem controvérsias sobre a produção de fratu- O controle visual deve ser acurado e eventual-
ras, sobre o tempo de utilização, o diâmetro da ponta e mente integrado com o controle radiológico, especial-
a amplitude de vibração do aparelho. Khabaz31 diz que mente no caso de canais com obturações defeituosas
as pontas lisas produzem mais fraturas que as pontas ou com presença de retentores intrarradiculares. No
com diamante. primeiro caso, não devem permanecer espaços va-
A influência de microfraturas69 é compensada em zios; deve-se aprofundar o preparo, seccionar mais
parte pela reabsorção remodeladora pós-cirúrgica, que o ápice, ou ainda limpar e obturar com material bac-
pode eliminar os defeitos de superfície e contribuir teriostático não reabsorvível a parte vazia do canal.
com o sucesso da cirurgia26. Esses defeitos podem ser No segundo caso, se o retentor intracanal está perto do
eliminados por acabamento e obturação20. fundo da cavidade retrógrada, é importante remover
Estudos reportam excelentes taxas de sucesso pelo menos 1mm de cimento em volta do pino e des-
quando são utilizados microscópio e pontas ultrassôni- contaminar a área com solução de tetraciclina antes da
cas, considerados atualmente como fundamentais em obturação retrógrada.
cirurgia perirradicular67. Margens irregulares apresentam dificuldade de
Alguns autores recomendam potência ultrassô- obturação e aumentam o espaço entre a parede e o ma-
nica média ou mínima e cavidades de 3mm de pro- terial de obturação. Por isso, é importante uma parede
fundidade para haver uma boa compactação e asse- lisa para se obter uma correta vedação. Deve ser con-
gurar o selamento39. A cavidade ideal deve ser de pa- siderado também que uma parede irregular apresenta
redes paralelas, ocupando o espaço pulpar apical8,29. uma superfície maior.
Alguns autores preconizam iniciar a cavidade com O paralelismo das paredes é importante para a re-
a ponta coberta com diamante, e, uma vez obtida a tenção da obturação, especialmente para os materiais
profundidade, alisar as paredes com pontas de aço que têm um tempo de endurecimento longo (MTA –
polidas75. agregado de trióxido mineral).
A ponta pode servir para colocar o material na Todas as portas de saída do sistema de canais de-
cavidade e vibrá-lo para aumentar a adaptação às pa- vem estar incluídas na preparação. Habitualmente, é
redes e ao fundo, melhorando a obturação33. Também difícil avaliar a presença de istmo, e é de bom alvitre,
pode ser utilizada para o polimento da superfície api- na dúvida, fazer o preparo. Isso vale também para a
cal, eliminando bactérias que poderiam ser responsá- presença de pequenas depressões, de microfraturas
veis por infecção persistente61,62. e de suspeita de canais laterais durante a observação
da superfície do corte. Pode ser usado também maior
aumento, lavar com solução fisiológica a superfície ou
12 – Verificação e controle da cavidade retrógrada usar transiluminação.
Nunca é demais repetir que devemos prestar Nos casos de superfície radicular exposta é neces-
atenção especial à parede vestibular do preparo, veri- sária uma avaliação extremamente detalhada na busca
ficando com microespelho a limpeza da cavidade. A de microfraturas. Deve ser reavaliada a radiografia ini-
observação microscópica de centenas de casos de in- cial na busca de radiolucidez lateral na raiz e testar a
sucesso mostrou a presença de materiais de obturação oclusão do paciente em uma espátula de madeira (pro-
ou detritos na parede vestibular coronariamente à su- va de mordida).
perfície de corte. Depois dessas observações podemos A fase de secagem da cavidade é realizada tanto
concluir que muitos desses insucessos aconteceram por antes do controle final da cavidade, como também an-
um preparo incompleto ou pela obturação defeituosa tes da aplicação do material de obturação. A obtenção
da parede vestibular da preparação apical. de uma superfície seca é útil para uma visão melhor da
Mesmo que muitos sustentem a impossibilidade cavidade e para uma perfeita adaptação da obturação
de perfuração com o uso do ultrassom, tem havido às superfícies.
muitos casos por erro de posicionamento da ponta. O irrigador de Stropko, uma agulha de ponta
São importantes um detalhado controle pré-ope- cega, não cortante, que está adaptada a uma seringa
ratório e o uso do ultrassom na potência média. Em tríplice de baixa pressão (4 libras por polegada), é um
754 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

instrumento útil para levar água e ar na cavidade, à turação, que é realizada com um ligeiro excesso, e a
qual se adapta muito bem. compactação final é finalizada com brunidor de diâme-
Muitos materiais de retro-obturação proporcio- tro superior à cavidade, passado alternativamente nas
nam um bom selamento, mesmo na presença de umi- bordas (Fig. 18-12). O material excedente é removido
dade; entretanto, a melhor adaptação se consegue com com um escavador de secção maior ou com uma cureta
uma cavidade seca. É impossível ter um bom controle Columbia 13-14.
da cavidade na presença de secreções, e com o micros- Quando é utilizado MTA, após a remoção do ex-
cópio operatório e com os microespelhos podemos cesso podemos cobrir o material com sulfato de cálcio,
conseguir uma correta observação da cavidade seca. que protege o material durante o tempo de presa final
Portanto, depois de uma última lavagem com tetraci- e mantém um pH favorável à deposição do cemento
clina usando aumentos de 10× a 16× podemos obter sobre a superfície de corte, durante o tempo em que é
uma secagem eficiente com o irrigador de Stropko, o reabsorvido.
qual permite uma lavagem e secagem melhor e mais O conceito de selamento é ligado, em cirurgia
rápida que os cones de papel. endodôntica, à capacidade de impedir a passagem de
bactérias ou produtos bacterianos do sistema de canais
radiculares para os tecidos perirradiculares. Sabemos
13 – Obturação retrógrada
que o cemento é uma barreira natural; portanto, a de-
Selecionamos os instrumentos adequados, pro- posição do cemento sobre a superfície do corte seria a
vando-os dentro da cavidade, enquanto o assistente situação ideal. Entretanto, os estudos têm demonstra-
prepara o material de obturação. do que existe uma dupla infiltração via apical por meio
As várias fases podem ser assim resumidas: dos túbulos dentinários e do espaço entre a parede
dentinária e o material de retro-obturação.
• Seleção do material. Entre os numerosos materiais de retro-obtura-
• Preparação do material. ção podemos indicar o SuperSeal (um cimento simi-
• Adaptação do material na cavidade. lar ao Super-EBA, uma associação de óxido de zinco
• Compactação. com ácido etoxibenzoico), com um tempo de trabalho
• Modelagem da superfície. maior. Esse material é biocompatível, não reabsorví-
• Acabamento da superfície. vel, radiopaco, tem uma excelente adaptação tridi-
• Controle visual e radiográfico. mensional e não produz descoloração nos tecidos vi-
zinhos (tatuagem). SuperSeal é simples de preparar
As características ideais do material de retro-ob- e de levar na cavidade, o tempo de trabalho é sufi-
turação são: cientemente longo, sendo adequado às necessidades
operatórias. É apresentado em cápsulas monodose e
• Ser bem tolerado pelos tecidos perirradiculares. a relação ideal é de duas cápsulas por gota de líquido.
• Ser bactericida ou bacteriostático. A espatulação deve ser realizada incorporando lenta-
• Prover um selamento adequado mesmo em ambien- mente o pó ao líquido, para produzir uma saturação
te úmido. progressiva e produzir uma consistência compacta,
• Ser de fácil manipulação. similar a uma massa de vidraceiro, não pegajosa. O
• Ter estabilidade dimensional. tempo de endurecimento é de cerca de 8 minutos.
• Não provocar alterações de cor nos tecidos. Uma vez espatulado, o material é levado à cavidade
• Não ser solúvel com o tempo. em forma de pequenos cones, com uma microespá-
• Promover a cementogênese. tula e condensado com microcondensadores. Depois
• Ser radiopaco. de endurecido é feito o acabamento com brocas dia-
mantadas com baixa rotação ou brocas multilamina-
O material é compactado com um microcompac- das e alta rotação, visualizando o procedimento com
tador, que, em cada caso, é primeiramente experimen- aumentos de 8× a 12×.
tado na cavidade. O cone do material é compactado Outro material interessante é o MTA, que se
contra o fundo da cavidade, e o compactador é retira- apresenta em pó e deve ser misturado com água desti-
do comprimindo contra a parede vestibular. As por- lada. O tempo de endurecimento é de 4 horas, poden-
ções seguintes encontram assim um espaço adequado do ser levado à cavidade com uma ponta de ultras-
sucessivamente. Dessa forma evitaremos falhas na ob- som, microespátula ou microporta-amálgama, que
Cirurgia Perirradicular 755

Figura 18-12. Aplicação do material retro-


obturador.

permite levar pequenas doses do material no interior por regeneração ou por cicatrização? Nesse ponto, a res-
da cavidade. Ele deve ser compactado, e o ultrassom posta está no tipo de lesão.
permite o preenchimento da cavidade sem bolhas. A Quando a lesão se restringe ao ápice, o tipo de
desvantagem desse material, além de seu longo tem- cura não possui importância particular. Somente em
po de presa, é sua consistência peculiar, que exige lesões particularmente grandes pode se materializar
uma adaptação do profissional para dominar seu uso. a oportunidade de privilegiar a formação de osso e,
Uma vez preenchida a cavidade, pode ser alisado com então, de guiar a cura em tal sentido. Quando a le-
brunidor, e colocamos a proteção do capuz de sulfato são se estende à superfície radicular, não permitindo
de cálcio. a ressecção de toda a porção de raiz comprometida, é
O controle da obturação se realiza a 20×-25× com necessário que sejam aplicados os princípios da GTR,
auxílio de microespelhos. Nesse momento é oportuna com o objetivo de obter formação de cemento, liga-
uma documentação fotográfica para arquivar na ficha mento e osso.
do paciente ou enviar ao dentista referente. Um material que tem suscitado extremo interesse
e uma confirmação na clínica e nas pesquisas é o sulfa-
14 – Avaliação da necessidade de GTR to de cálcio. A técnica de aplicação é a “estratificação”
Para uma melhor finalização do tratamento é ne- (em camadas); o material é misturado com consistência
cessária a avaliação da oportunidade ou da necessidade cremosa, colocado em pequenas quantidades, e com-
de aplicar os princípios da GTR. A pergunta principal primido com pequenos quadradinhos de gaze tran-
é: quanto é importante nesse caso ter uma reparação çada até preencher ligeiramente em excesso o defeito.
756 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

15 – Sutura
A fase de sutura requer o uso do microscópio ope-
ratório. Nos casos de necessidade estética ou de suturas
6-0 pode ser útil um aumento de 2,5× a 8×. Para a re-
moção da sutura é importante um aumento adequado
(6× a 8×), especialmente as microssuturas, com o uso de
pinças e fórceps de microcirurgia, seja para controlar a
remoção completa do fio, seja para evitar a laceração
do tecido na remoção precoce (48 horas).
A
16 – Controle radiográfico
Em condições normais os controles são realizados
a 1, 3, 6 e 12 meses. Nos casos de lesões mais extensas,
eles se estendem por 2 a 3 anos. As radiografias devem
ser realizadas com posicionadores.

Considerações gerais
A vantagem maior na utilização do microscópio
operatório é permitir tratar casos difíceis com maior
confiança e simplicidade, além de permitir um prog-
nóstico favorável em casos extremos. A pergunta mais
importante é: com as técnicas microcirúrgicas temos
um maior percentual de sucesso?
A resposta vem fornecida por um estudo clínico
de Rubinstein e Kim57 que revelou um percentual de
sucesso de 96,8% com um tempo de cura médio de 7,2
B meses nos controles de 1 ano. A grande experiência clí-
nica, acumulada nos últimos anos, nos leva a coincidir
Figura 18-13. Sulfato de cálcio preenchendo a loja cirúrgica. A. com o pensamento de Rubinstein: “O elevado percen-
Reconstrução com Surgiplaster. B. Radiografia de controle pós-ope-
tual de sucesso revelado nesse estudo deve ser atri-
ratório mostrando o Surgiplaster em volta do ápice, preenchendo
a lesão. buído às técnicas microcirúrgicas, muito mais que ao
material de obturação utilizado.” As Figs. 18-14 a 18-16
são casos clínicos operados seguindo os princípios e
Nas grandes cavidades pode ser usado o Surgiplaster técnicas descritos neste capítulo.
G 170 em grânulos, que apresenta uma extrema simpli-
cidade no seu uso e uma grande previsibilidade nos re-
sultados (Fig. 18-13). O sulfato de cálcio (Surgiplaster)
possui algumas características que o tornaram popular
e indispensável por aqueles que o têm experimentado
nas várias situações clínicas:

• é osteocondutor;
• é totalmente reabsorvível;
• impede o crescimento bacteriano;
• mantém o espaço no defeito, impede a colonização
da cavidade por células não osteogênicas (ação de
barreira); A B
• estimula o crescimento e a maturação do tecido
ósseo; Figura 18-14. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Con-
• estimula a neoangiogênese. trole de 12 meses.
Cirurgia Perirradicular 757

A B

C D

Figura 18-15. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Osteotomia guiada por cone de guta-percha. C. Surgiplaster preenchendo a
área da lesão. D. Controle de 12 meses.

A B C

Figura 18-16. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Surgiplaster na área da lesão. C. Controle de 12 meses. Notar pequenas áreas
arredondadas mostrando a não regeneração da cortical palatina por defeito de técnica de regeneração.
758 Capítulo 18  Cirurgia Perirradicular

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Capítulo 19
Emergências e
Urgências em
Endodontia

José Freitas Siqueira Jr.


Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

Dentre as atribuições do cirurgião-dentista, uma blema do paciente, adequando-o, assim, a uma con-
das mais nobres e importantes se refere à promoção do veniência mútua. Enquanto a urgência não representa
alívio da dor do paciente. A dor de origem pulpar ou uma condição séria, que necessite de intervenção ime-
perirradicular corresponde a cerca de 90% dos casos de diata, a emergência requer tratamento imediato para
emergência em consultórios dentários38, sendo que, em restabelecimento do conforto do paciente. Walton &
muitas das vezes, a intervenção endodôntica se torna Torabinejad42 propõem questionamentos que podem
imprescindível para alívio imediato dos sintomas. ser dirigidos ao paciente visando ao reconhecimento
As emergências endodônticas estão relaciona- de uma emergência verdadeira:
das com casos de dor e/ou tumefação que requerem
diagnóstico e tratamento imediatos. O sucesso do tra- 1. Seu problema está interferindo em seu sono, na ali-
tamento emergencial, caracterizado pela remissão da mentação, no trabalho, na concentração e em outras
sintomatologia, é gratificante para ambos, profissional
atividades diárias?
e paciente, e contribui decisivamente para que a con-
Uma emergência verdadeira rompe o equilíbrio do
fiança do paciente seja conquistada. Todavia, o fracas-
paciente e o impede de executar atividades rotineiras.
so em debelar a dor resulta em frustração para ambos e
2. Há quanto tempo esse problema o aflige?
comprometimento da relação profissional-paciente.
Uma emergência verdadeira raramente dura mais do
O propósito deste capítulo é discutir os princípios
que 2 a 3 dias, que é o período normal do curso de uma
e sugerir os procedimentos técnicos relacionados com o
resposta inflamatória aguda.
tratamento das urgências e, principalmente, das emer-
gências de origem endodôntica. Opções de tratamento 3. Você precisou tomar algum medicamento para ali-
serão também apresentadas, levando-se em considera- viar a dor? Ele foi eficaz?
ção possíveis limitações técnicas do profissional, tem- Dificilmente o emprego de analgésicos alivia a dor as-
po disponível para tratamento e dificuldades impostas sociada a uma emergência verdadeira.
pela anatomia dentária (por exemplo, canais curvos,
atresiados, calcificados etc.). Identificadas e diferenciadas essas duas condi-
ções, deve-se proceder da forma mais conveniente,
que seria: tratamento imediato para as emergências,
 EMERGÊNCIA VERSUS URGÊNCIA procurando encaixar o paciente no atendimento do
A diferenciação dessas duas condições propiciará dia e marcação de consulta para os casos de urgência,
ao profissional a melhor maneira de lidar com o pro- atendendo à conveniência tanto do paciente quanto

761
762 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

do profissional (preferencialmente, o mais breve pos- Dor de origem pulpar


sível, pois determinados casos de urgência podem
Princípios do tratamento
evoluir imprevisivelmente para uma emergência ver-
dadeira se o tratamento necessário for por demais A dor de origem pulpar pode ser resultado da
postergado). estimulação de dois tipos de fibras nervosas senso-
riais, oriundas do gânglio trigeminal: as fibras A-δ e
as do tipo C.
 DIAGNÓSTICO As fibras nervosas A-δ são mielínicas, com rápida
velocidade de condução (de 6 a 30m/s), apresentam di-
Um diagnóstico correto assume extrema relevân-
âmetro variável entre 1 e 5µm e possuem um baixo li-
cia na resolução do problema, visto que propiciará a
miar de excitabilidade20,39 (Quadro 19-1). Ao deixarem o
realização do tratamento adequado. Para chegar a um
plexo nervoso de Raschkow, localizado na zona pulpar
diagnóstico correto devem ser realizados sistematica-
subodontoblástica livre de células, essas fibras perdem
mente os seguintes exames:
seu envoltório de células de Schwann, apresentando-se
como terminações nervosas livres na camada odonto-
a) Subjetivo: história médica e dental.
blástica e na porção pulpar da dentina. As fibras A-δ são
b) Objetivo: exame clínico-visual, testes de vitalidade
as responsáveis pela dor de origem dentinária. Uma vez
pulpar (térmico, elétrico, cavidade), testes perirra-
exposta à cavidade oral, a dentina é sensível a estímu-
diculares (palpação e percussão), sondagem perio- los aplicados, mesmo na ausência de um processo pa-
dontal. tológico da polpa (sensibilidade ou hipersensibilidade
c) Exame radiográfico. dentinária). Nos estágios iniciais da inflamação (pulpite
reversível), o limiar de excitabilidade dessas fibras é re-
duzido, tornando-as mais suscetíveis aos estímulos ex-
 TRATAMENTO
ternos (mormente o frio). A dor oriunda da estimulação
Várias alterações pulpares e perirradiculares po- das fibras A-δ é provocada, rápida e de curta duração,
dem levar o paciente à procura de resolução do proble- desaparecendo imediatamente ou após um curto perí-
ma dor/tumefação. Determinadas condições não re- odo após a remoção do estímulo. Quando a dor é dessa
querem intervenção endodôntica para alívio da sinto- natureza, o problema é usualmente solucionado sem a
matologia. Essas geralmente representam quadros de necessidade de tratamento endodôntico.
urgência. Entretanto, a experiência clínica nos reporta As fibras do tipo C são amielínicas, com diâ-
que, na maioria das vezes, as verdadeiras emergências metro médio de 0,4 a 1µm, velocidade de condução
endodônticas requerem a intervenção no sistema de de aproximadamente 0,5 a 2m/s e elevado limiar de
canais radiculares. excitabilidade20,39 (Quadro 19-1). Elas são responsáveis

Quadro 19-1 Características das principais fibras nervosas

Fibra Função Diâmetro (µm) Velocidade de condução (m/s)

Aα Motora, propriocepção 12-20 70-120

Aβ* Pressão, toque 5-12 30-70

Aγ Motora para feixes musculares 3-6 15-30

Aδ* Dor, temperatura, toque 1-5 6-30

B Autonômica pré-ganglionar <3 3-15

C* Dor 0,4-1 0,5-2

Simpática* Simpática pós-ganglionar 0,3-1,3 0,7-2,3


*Fibras encontradas na polpa dental.
Emergências e Urgências em Endodontia 763

pela dor grave, contínua, excruciante, espontânea, fas- Tratamento


tidiosa e, às vezes, difusa, própria de pulpite irreversí- O tratamento consiste, basicamente, em utili-
vel sintomática. Nesses casos, há a necessidade de in- zar substâncias que promovem a oclusão dos túbulos
tervenção endodôntica para alívio da sintomatologia. expostos e/ou reduzem a atividade nervosa senso-
As condições associadas a polpas vitais que po- rial5,11,13-15,21,27,40 (Fig. 19-2A). Optamos pelo selamento
dem requerer tratamento para alívio da sintomatologia da dentina exposta, que apresenta resultados mais pre-
são hipersensibilidade dentinária, pulpites reversível e visíveis e duradouros e pode ser feito por:
irreversível. Com exceção da hipersensibilidade denti-
nária, que geralmente ocorre apenas pela mera exposi- a) Aplicação de um gel de oxalato de potássio por 3 mi-
ção da dentina à cavidade oral27, micro-organismos re- nutos sobre a área de dentina exposta, sob isolamen-
presentam o principal fator etiológico das pulpites2,4,12. to relativo (Fig. 19-2B). Essa conduta é indicada nos
Na pulpite reversível, a remoção do agente infeccioso casos em que é mínimo o tempo disponível para a
(cárie) é, na maioria das vezes, suficiente para alívio da consulta. Apresenta excelente resultado imediato
dor. Na pulpite irreversível, além da remoção da cárie, quanto à remissão dos sintomas. Contudo, em al-
há a necessidade de realizar um procedimento invasi- guns casos, a hipersensibilidade pode recidivar após
vo na polpa, cuja profundidade de atuação (pulpoto- um curto período.
mia ou tratamento endodôntico) dependerá do nível
de degeneração tecidual. Nesses casos, apenas a remo-
ção da causa (cárie) não é suficiente para a remissão
dos sintomas.

Condições que não requerem terapia


endodôntica
São representadas pela hipersensibilidade denti-
nária e pela pulpite reversível.

Hipersensibilidade dentinária
Características
Dor aguda, fugaz, localizada e provocada após es-
tímulos mecânicos, osmóticos, térmicos e bacterianos.
Muitas vezes está associada à recessão gengival,
que, em cerca de 10% dos pacientes, promove exposi- A
ção dentinária na região cervical do dente, por ausên-
cia de coaptação entre esmalte e cemento19 (Fig. 19-1).

Figura 19-2. Formas de tratar a hipersensibilidade dentinária. A.


Oclusão tubular ou redução da atividade nervosa sensorial. B. Uti-
Figura 19-1. A recessão gengival é uma das principais causas de lização clínica do oxalato de potássio, aplicado sobre a área sensível
hipersensibilidade dentinária. (no caso, na cervical do dente).
764 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

b) Aplicação de adesivos dentinários, que agem por hi- riores ou mesmo posteriores que irão receber restau-
bridização com a dentina, ou de cimentos de ionômero ração com resina composta é conveniente aplicar um
de vidro fotopolimerizáveis, sob isolamento absolu- forro com cimento de hidróxido de cálcio e selar a ca-
to. Esses materiais restauradores apresentam um re- vidade com cimento de ionômero de vidro. Após uma
sultado também imediato, contudo mais duradouro a duas semanas, se o dente estiver assintomático, a
do que o oxalato de potássio. Preferimos o emprego restauração definitiva pode então ser aplicada.
dos adesivos dentinários ou dos cimentos de ionô-
mero de vidro fotopolimerizáveis, pois propiciam
um selamento adequado dos túbulos dentinários
Condição que requer terapia endodôntica
e, consequentemente, reduzem a movimentação do É representada pela pulpite irreversível sinto-
fluido e do conteúdo tubular6, responsável pelo me- mática.
canismo de dor da dentina (teoria hidrodinâmica)22.
Outrossim, alguns adesivos e os cimentos de ionô- Pulpite irreversível sintomática
mero de vidro possuem atividade antibacteriana,
Características
inibindo a colonização bacteriana e eliminando bac-
térias remanescentes sobre a superfície dentinária7. A ocorrência de dor em casos de pulpite irrever-
Em casos de abrasão ou atrição, onde houver perda sível não é regra, mas exceção. Clinicamente, sabe-
de estrutura dentária na cervical do dente associada mos que uma polpa está inflamada irreversivelmente
à hipersensibilidade, a área deve ser restaurada com quando há exposição pulpar por cárie e/ou se o dente
resina composta ou cimento de ionômero de vidro. apresenta dor aguda, contínua, excruciante, fastidiosa,
espontânea e, às vezes, difusa. O paciente comumente
relata uso de analgésicos, o qual pode ou não ser efi-
Pulpite reversível
caz, dependendo do estágio da inflamação. Em alguns
Características raros casos pode haver dor à percussão.
Quando presente, a dor é semelhante à descrita
para a hipersensibilidade dentinária. Os exames re-
Tratamento
velam cárie profunda e/ou recidivante, restaurações
extensas, recentes ou fraturadas. Não há exposição 1a Opção (há tempo disponível):
pulpar.
• Preparo inicial: anestesia (ver Capítulo 6.2 – Aneste-
sia em Endodontia); raspagem e polimento coronário;
Tratamento
isolamento absoluto; descontaminação do campo
Remoção do tecido cariado ou restauração de-
operatório com hipoclorito de sódio (NaOCl) a 2,5%
feituosa e aplicação de curativo com cimento à base de
ou álcool iodado a 2%; e acesso à câmara pulpar
óxido de zinco e eugenol (Fig. 19-3). Em dentes ante-
(Fig. 19-4).
• Exploração do canal e obtenção do comprimento de
trabalho (CT). Durante a exploração de canais mais
amplos, a polpa deve ser descolada das paredes
dentinárias pela ação do instrumento.
• Pulpectomia em canais amplos com limas rabo de
rato ou extirpa-nervos (Fig. 19-5). Esses instrumen-
tos, selecionados de acordo com o diâmetro do canal,
não devem sofrer resistência das paredes de dentina
quando introduzidos até próximo do CT. Nessa po-
sição, o extirpa-nervos deve ser girado no sentido
horário, aprisionando a polpa em suas farpas, sendo
em seguida retirado do canal. Se a polpa não for to-
talmente removida, repetem-se os passos descritos.
Às vezes, a polpa é removida por fragmentos. Em
Figura 19-3. Remoção de cárie profunda e aplicação de curativo
com cimento à base de óxido de zinco-eugenol em um terceiro
canais atrésicos e/ou curvos não se utiliza extirpa-
molar inferior com pulpite reversível. Clinicamente, não havia indí- nervos – a polpa é removida por fragmentação du-
cios de exposição pulpar. rante a instrumentação.
Emergências e Urgências em Endodontia 765

• Completo preparo químico-mecânico.


• Se não houver dor à percussão, pode-se proceder à
obturação do canal radicular, uma vez que nessa si-
tuação a inflamação está restrita à polpa, a qual será
extirpada em sua totalidade. Se por qualquer limita-
ção (tempo, habilidade do operador, anatomia, dor
à percussão) houver a necessidade de uma consul-
ta adicional, utilizamos medicação intracanal com
pasta de hidróxido de cálcio associado a um veículo
inerte (glicerina, soro fisiológico, água destilada ou
anestésico).
Figura 19-4. Acesso à • Selamento coronário.
câmara pulpar de um
dente com pulpite ir- 2a Opção (limitações de tempo, habilidade do operador
reversível. ou problemas anatômicos):

• Unirradiculares: pulpectomia e medicação com cor-


ticosteroide (ex., Decadron colírio ou Otosporin –
ver Capítulo 14, Medicação intracanal).
• Multirradiculares: pulpectomia do canal mais amplo
(distal nos molares inferiores e palatino nos molares
superiores) ou apenas pulpotomia (quando o tempo
disponível para atendimento for muito curto). Me-
A dicação com corticosteroide (ex., Decadron colírio
ou Otosporin).
• Selamento coronário e prescrição de analgésico/an-
ti-inflamatório. A droga indicada é o ibuprofeno de
400 a 600mg, de 6 em 6 horas, por 1 ou 2 dias. Para
pacientes com intolerância a anti-inflamatórios não
esteroidais (AINEs) recomenda-se o acetaminofeno
(paracetamol) de 650 a 1.000mg41.

Dor de origem perirradicular


Princípios do tratamento
B
A agressão microbiana aos tecidos perirradicula-
res pode induzir a liberação de mediadores químicos
envolvidos no desenvolvimento de uma resposta in-
flamatória aguda24,35. Muitas dessas substâncias agem
sobre a microcirculação, promovendo vasodilatação
(histamina, prostaglandinas, neuropeptídeos, óxido
nítrico) e aumento da permeabilidade vascular (bradi-
cinina, histamina, C3a, C5a, PAF, neuropeptídeos)32,35.
Isso gera a saída de fluido dos vasos e formação de
edema, que eleva a pressão hidrostática tecidual e
Figura 19-5. Pulpec- promove a compressão de fibras nervosas sensoriais.
tomia realizada com Essa compressão é crítica para o ligamento periodon-
lima rabo de rato. A. tal, que possui espaço limitado para se expandir. As-
Eletromicrografia da
ponta e B, do corpo sim, esse mecanismo é, indubitavelmente, o principal
do instrumento. C. responsável pela ocorrência de dor de origem perir-
C
Utilização clínica. radicular.
766 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

Além do aumento de pressão intratecidual, bra- também deve ser realizada na mesma consulta de emer-
dicinina e histamina também induzem dor por ação gência, quando os fatores tempo, habilidade do opera-
direta sobre as fibras nervosas. Prostaglandinas não dor e variações anatômicas obviamente permitirem.
causam dor diretamente, mas podem reduzir o limiar A instrumentação apical com limpeza do forame
das fibras nervosas, tornando-as mais suscetíveis aos com uma lima de patência, além de permitir a dre-
efeitos algógenos da bradicinina e da histamina. nagem, promove a eliminação da causa principal da
Tem sido sugerido que a produção de gases agressão, isto é, bactérias alojadas no 1/3 apical do ca-
por bactérias pode também ser responsável pela nal, em íntimo contato com o ligamento periodontal.
dor, por comprimir fibras nervosas. Não existem quais- Alguns temem que a instrumentação apical na sessão
quer evidências científicas de que a produção de gases de emergência possa promover a extrusão apical de
por bactérias no canal atinge proporção capaz de cau- detritos contaminados, o que resultaria em exacerba-
sar dor por compressão. Na verdade, tal ocorrência é ção da resposta inflamatória. Ora, o risco de extrusão
muito pouco provável. Outros produtos bacterianos, de detritos contaminados durante a instrumentação
como enzimas e componentes estruturais da célu- apical é o mesmo, tanto na sessão de emergência quan-
la bacteriana, são certamente os fatores de virulência to em qualquer outra.
mais envolvidos na indução da dor de forma indireta É nossa opinião que essa extrusão resulta em me-
porque estimulam o desenvolvimento de uma resposta nores problemas justamente na sessão de emergência,
inflamatória aguda. quando os tecidos perirradiculares já estão inflamados,
Como a causa da dor perirradicular de origem in- preparados para a agressão. Outrossim, a sintomatolo-
fecciosa é a presença de bactérias no interior do sistema gia clínica pós-operatória pode ser controlada pelo em-
de canais radiculares, o tratamento para essa condição prego de anestésicos de longa duração, como a bupi-
é a eliminação ou pelo menos a redução da população vacaína, durante a execução dos procedimentos, e pela
bacteriana intracanal. Uma vez que as bactérias locali- prescrição de agentes analgésicos/anti-inflamatórios,
zadas na porção apical do canal são as principais envol- como o ibuprofeno de 400 a 600mg, de 6 em 6 horas.
vidas na agressão aos tecidos perirradiculares, parece Outros agentes, como diclofenaco, naproxeno, ceto-
óbvio que aquele objetivo apenas é logrado quando o profeno e piroxicam, também são bastante eficazes no
canal é instrumentado em toda a sua extensão. Não é controle da dor de origem endodôntica. Em casos de
justificado realizar a instrumentação dos 2/3 coroná- dor severa é recomendado associar o acetaminofeno de
rios do canal na sessão de emergência, deixando-se o 650 a 1.000mg no intervalo das doses do ibuprofeno41.
1/3 apical para uma segunda sessão. Isso só é justifi- Para pacientes com intolerância a AINEs que apresen-
cado se o tempo disponível para o atendimento emer- tam dor aguda é recomendado o acetaminofeno de
gencial for curto. Alguns alegam que tal procedimento 650-1.000mg associado a um opioide (60mg de codeína
causará a descompressão causada pelos gases bacteria- ou 10mg de hidrocodona)41. Em consultas posteriores,
nos. Como já discutido, se os gases liberados realmente após a remissão dos sintomas em canais parcialmente
exercem algum efeito na indução de dor, ele é mínimo instrumentados, a extrusão apical pode causar exacer-
quando comparado à compressão de fibras nervosas bação por mobilização de novas células inflamatórias
pelo edema no ligamento periodontal. para aquela região. Esse flare-up gera frustração ao pro-
Na verdade, ao procedermos à abertura coroná- fissional e principalmente ao paciente, que se julgava
ria e à limpeza dos 2/3 coronários, pode-se ter o alívio livre da dor.
de sintomas devido à diferença de pressão (perirradi-
cular e atmosférica), que induz uma drenagem, ainda Tratamento – procedimentos
que mínima e às vezes imperceptível clinicamente, mas
Necrose pulpar com periodontite apical aguda
de magnitude suficiente para reduzir a compressão ao
nível do ligamento periodontal apical. Contudo, a re- Características
missão de sintomas é mais previsível quanto o canal é Dor intensa à mastigação. Teste positivo de per-
limpo e desinfetado em toda a sua extensão. cussão e às vezes de palpação. Dor ao toque, o paciente
Realizamos nesses casos uma técnica progressiva tem sensação de “dente crescido” devido à ligeira ex-
de instrumentação no sentido coroa-ápice, como as téc- trusão do dente no alvéolo em decorrência do edema
nicas MRA29, de Oregon17 e de instrumentos acionados no ligamento periodontal apical. Radiograficamente
a motor. Assim, embora a limpeza dos 2/3 coronários pode haver ou não espessamento do espaço do liga-
do canal deva idealmente preceder a apical, essa última mento periodontal (Fig. 19-6).
Emergências e Urgências em Endodontia 767

• Completo preparo químico-mecânico.


• Colocação de medicação intracanal com pasta de hi-
dróxido de cálcio/paramonoclorofenol canforado/
glicerina (HPG).
• Selamento coronário e prescrição de analgésico/
anti-inflamatório.
• Alívio de oclusão.

2a Opção (limitações de técnica, tempo e anatomia):

• Preparo inicial.
• Instrumentação dos terços médio e cervical, preser-
vando os 3 a 4mm apicais e irrigando-se com NaOCl
a 2,5%.
Figura 19-6. Espessamento do espaço do ligamento periodontal • Remoção do excesso de NaOCl do canal por meio de
em dente com periodontite apical aguda. aspiração. Não secar o canal.
• Colocação de mecha de algodão embebida em
Tratamento NaOCl na câmara pulpar. Uma pasta de hidróxido
de cálcio não é aplicada nessa situação, pois o canal
Como já discutido, se o conteúdo tóxico no canal
ainda não foi totalmente instrumentado. A aplica-
radicular é o responsável pela inflamação perirradicu-
ção do NaOCl visa a minimizar a penetração de bac-
lar, então a limpeza completa do canal em toda a sua
térias da saliva por uma possível microinfiltração
extensão, por meio de técnicas progressivas de instru-
do selador temporário. Além disso, mantém ação
mentação, é o procedimento de escolha para alívio da
antimicrobiana residual, impedindo a proliferação
dor29. O completo preparo químico-mecânico só não
microbiana até que a completa instrumentação seja
deve ser realizado na consulta de emergência se hou- executada em, no máximo, 7 dias.
ver limitação técnica do operador, carência de tempo • Selamento coronário e prescrição de analgésico/
ou interferências anatômicas. anti-inflamatório.
• Alívio de oclusão.
1a Opção:
Abscesso perirradicular agudo
• Preparo inicial. Optamos pela anestesia com bupi-
vacaína. Características
• Inundação da câmara pulpar com NaOCl a 2,5%. Dor espontânea, pulsátil e à mastigação. Testes de
• Desinfecção progressiva. Uma lima de pequeno ca- percussão e palpação positivos. Pode haver mobilidade
libre (#08, #10 ou #15) é introduzida frouxa no canal, dental e também envolvimento sistêmico, como febre.
com movimentos suaves de vaivém, carreando a so- O tratamento varia conforme o estágio de evolu-
lução irrigadora no sentido apical e desalojando o ção do abscesso:
tecido pulpar necrosado e infectado. Nenhuma ação
de corte deve ser exercida contra as paredes denti- ESTÁGIO INICIAL: Não há tumefação. A dor é
nárias. Após o avanço de 2 a 3mm no interior do excruciante. O diagnóstico clínico é usualmente con-
canal, a lima é removida, limpa com gaze estéril, e a fundido com a periodontite apical aguda e só é confir-
solução irrigadora é renovada na câmara pulpar. A mado quando da visualização de exsudato purulento
lima é então reinserida no canal, e essas manobras drenando pelo canal após a abertura coronária.
são repetidas até que o instrumento atinja o limite
entre os terços médio e apical. Tratamento
• Limpeza por ampliação dos 2/3 coronários com • Preparo inicial.
brocas de Gates-Glidden ou outros instrumentos • Drenagem da coleção purulenta pelo canal (Fig.
acionados a motor. 19-7). Esperar por 15 a 30 minutos até que todo o
• Limpeza apical e obtenção do CT com limas de pe- exsudato se esvaia.
queno calibre (#08, #10 e #15) e irrigações abundan- • Tratamento como já recomendado para a periodon-
tes com NaOCl a 2,5%. tite apical aguda.
768 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

traoral do abscesso, o que facilita o procedimento de


incisão e drenagem em consulta posterior (12 a 36
horas depois), mais cômodo e sem sequelas para o
paciente. Embora empírico, tal procedimento é usu-
almente eficaz em seu intento.
• Prescrevem-se bochechos com soluções aquecidas.
• Analgésicos/anti-inflamatórios também são prescri-
tos. Pesar a necessidade do emprego de antibióticos
(ver Capítulo 21, Antibióticos em Endodontia).
Obs.: Se não houver drenagem de pus pelo den-
te, pode-se, com o canal seco e após completa ins-
trumentação, ampliar ligeiramente o forame apical
até uma lima #25, usando-se movimentos de alar-
gamento ou de rotação alternada. Mesmo assim, a
Figura 19-7. Drenagem da coleção purulenta via canal. (Cortesia
do Dr. Amauri Favieri.)
drenagem pode não ocorrer. Isso acontece porque,
em determinadas situações, a região acometida por
necrose de liquefação não está contígua ao forame
• Medicação intracanal com a pasta HPG. apical. Nesses casos, o canal deve ser medicado com
• Selamento coronário. pasta HPG e então selado coronariamente.
• Prescrição de analgésico/anti-inflamatório.
EVOLUÍDO: Quadro clínico semelhante às fa-
EM EVOLUÇÃO: Semelhante ao estágio inicial, ses antecessoras, mas agora com tumefação flutuante
mas agora com tumefação consistente, não flutuante. (Figs. 19-8A e 19-9A).
A dor é pronunciada quando o abscesso já se localiza
no espaço subperiosteal por causa da rica inervação do Tratamento
periósteo38. Um dramático alívio da dor ocorre após a • Anestesia.
ruptura do periósteo pelo exsudato purulento, atingin- • Incisão da área flutuante (intra ou extraoral) (Figs.
do os tecidos moles supraperiosteais (abscesso evoluí- 19-8B, C e 19-9B).
do – ver adiante). • Isolamento absoluto.
• Confecção da cavidade de acesso coronário e drena-
Tratamento gem do pus pelo dente.
• O mesmo da fase inicial. • Instrumentação de todo o canal com uma técnica
• Se a tumefação se encontra intraoral, optamos pela progressiva.
incisão da mucosa, mesmo na ausência de flutua- • Medicação intracanal com pasta HPG e então sela-
ção. Na maioria das vezes apenas sangue drenará mento coronário.
pela incisão. Contudo, esse procedimento favorece • Se a incisão para drenagem for extraoral, deve-se
a redução da pressão intratecidual e a drenagem de colocar um dreno. Se for intraoral, o dreno é dispen-
sável.
mediadores químicos e de produtos tóxicos, além
• Prescrição de bochechos com solução aquecida e de
de aumentar o fluxo sanguíneo para a região, ace-
analgésico/anti-inflamatório. Pesar a necessidade
lerando o processo de resolução da inflamação. Ide-
do emprego de antibióticos (ver Capítulo 21, Antibi-
almente, a incisão deve preceder a intervenção no
óticos em endodontia).
canal. Isso reduz a pressão, responsável pela dor, e
deixa o paciente mais confortável para a execução
dos procedimentos de acesso coronário e de instru- Considerações gerais
mentação do canal. Sempre que possível, esperar que todo o exsu-
Na presença de tumefação extraoral, optamos dato purulento se esvaia. Após, limpar e modelar o
por não incisar, prescrevendo a aplicação de calor canal, secar, medicar e selar coronariamente. Deixar o
intraoral (por bochechos com solução aquecida) e dente aberto para drenagem só traz problemas, tais
frio externamente sobre a área de tumefação. Esse como: permitir aumento significativo da população
procedimento visa a estimular a exteriorização in- microbiana dentro do canal; introduzir novos micro-
Emergências e Urgências em Endodontia 769

A B C

Figura 19-8. Abscesso perirradicular agudo. A. Tumefação intraoral flutuante. B. Ilustração esquemática da incisão para drenagem. C. Dre-
nagem da coleção purulenta após incisão da mucosa.

organismos no canal, inclusive bactérias entéricas ra-


ramente encontradas na infecção endodôntica primá-
ria, mas que podem causar infecções secundárias de
difícil resolução1,23,33; introduzir substrato para a pro-
liferação microbiana; permitir contaminação e obstru-
ção por restos alimentares; introduzir a necessidade
de consultas adicionais com risco de exacerbações
frequentes31,43,44. Deixar o dente aberto só é justificado
quando não há tempo disponível para o tratamento
ou quando a drenagem de exsudato purulento não
cessa no tempo esperado (o que é muito raro!). Assim,
o profissional deve preparar o paciente e a si mesmo
para os inconvenientes de tal conduta.
Antibióticos somente devem ser prescritos em ca-
sos de abscesso quando:

• há o desenvolvimento de edema generalizado, difu-


so (celulite);
A • há o envolvimento sistêmico, como febre, mal-estar
e linfadenite regional;
• ocorre em pacientes debilitados e/ou com risco de
desenvolver endocardite bacteriana.

O uso indiscriminado, abusivo e empírico de


antibióticos é considerado uma conduta inaceitável
nos dias atuais. Os antibióticos de primeira escolha
para o tratamento das infecções endodônticas são as
penicilinas (em especial, a amoxicilina). Em casos re-
sistentes ou de alergia às penicilinas, a clindamicina
é geralmente indicada. Já as pacientes fazendo uso
de contraceptivos orais devem ser alertadas para o
risco de interferência dos antibióticos e aconselhadas
B a usar métodos alternativos desde o início até 1 sema-
Figura 19-9. Abscesso perirradicular agudo. A. Tumefação extrao-
na depois da terapia antibiótica3,10. Antibióticos são
ral flutuante. B. Drenagem da coleção purulenta após incisão cutâ- mais bem discutidos no Capítulo 21, Antibióticos em
nea. (Gentileza do Dr. Henrique Martins.) Endodontia.
770 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

Flare-up da existe uma relação de equilíbrio estabelecida en-


Flare-up é uma emergência verdadeira que se de- tre as defesas do hospedeiro e os irritantes presentes
senvolve entre as sessões de tratamento endodôntico, no interior do sistema de canais radiculares. Se esses
sendo caracterizada por dor e/ou tumefação37. Tipica- irritantes são lançados para o interior da lesão na
mente, após a intervenção endodôntica em um dente forma de detritos contaminados extruídos durante
o preparo químico-mecânico, o equilíbrio pode ser
assintomático, o paciente retorna algumas poucas ho-
rompido. Em função disso, o hospedeiro mobiliza
ras ou no dia seguinte queixando-se de dor severa e/ou
uma resposta inflamatória aguda para restabelecer
de tumefação. Há o desenvolvimento de uma resposta
o equilíbrio (Fig. 19-10).
inflamatória aguda dos tecidos perirradiculares, carac-
2. Aumento do potencial de oxirredução. Embora
terizada pelo desenvolvimento de uma periodontite
anaeróbios estritos sejam os principais patógenos
apical aguda ou mesmo de um abscesso perirradicular
endodônticos, facultativos podem estar presen-
agudo secundários à intervenção endodôntica, causa-
tes, compondo a microbiota endodôntica (ver Ca-
dos por um ou mais dos seguintes fatores18,25,28,30,37:
pítulo 4, Microbiologia em Endodontia). Durante o
• micro-organismos e seus produtos (principal causa!); preparo químico-mecânico, o canal radicular fica
• iatrogenia (sobreinstrumentação, instrumentação exposto ao ar atmosférico. Pela presença do oxigê-
incompleta do canal, extravasamento de solução ir- nio em alta tensão, o potencial de oxirredução se
rigadora pelo forame apical, perfurações etc.). torna elevado, podendo causar rápida e exuberan-
te proliferação de micro-organismos facultativos,
como estreptococos, os quais, se sobreviventes à
Existem fatores relacionados com o hospedeiro
instrumentação, podem induzir um flare-up. Esse
que podem predispor a flare-ups, tais como: dor prévia
mecanismo, embora não comum, pode ser uma
ao tratamento; mulheres com idade acima de 40 anos;
das causas de exacerbações entre as sessões do
dentes inferiores; dentes com lesão perirradicular; his-
tratamento16,18 (Fig. 19-11).
tória de alergia e retratamento36. Doenças sistêmicas,
3. Desequilíbrio da microbiota endodôntica. Bac-
aparentemente, não consistem em fator de risco para o
térias presentes em uma comunidade mista no in-
desenvolvimento de flare-ups36. Estudos revelam que a
terior do canal estão em relações ecológicas de co-
incidência de flare-ups varia entre 2,5 e 16%8.
mensalismo e amensalismo. O preparo químico-me-
cânico incompleto pode desequilibrar tais relações,
Condições em que bactérias estão envolvidas na fazendo com que espécies que originalmente eram
indução de um flare-up28,30 inibidas passem a proliferar, causando agudização.
1. Extrusão apical de detritos contaminados. Em den- Um exemplo clássico é a espécie Enterococcus faecalis,
tes assintomáticos com lesão perirradicular associa- que usualmente não representa grandes problemas.

Figura 19-10. Extrusão apical de detritos é uma das principais causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).
Emergências e Urgências em Endodontia 771

Figura 19-11. Aumento do potencial de oxirredução pode levar a uma proliferação excessiva de bactérias facultativas que podem causar
um flare-up (ver texto para mais detalhes).

Figura 19-12. O desequilíbrio da microbiota do canal, como, por exemplo, devido à instrumentação incompleta, é uma das causas de flare-
up (ver texto para mais detalhes).

Quando a microbiota é desequilibrada, esse micro- Tratamento


organismo pode então proliferar e causar processos 1) Periodontite apical aguda secundária:
infecciosos de difícil tratamento26,34 (Fig. 19-12). • Remoção do curativo, irrigação abundante do ca-
4. Introdução de novas bactérias no canal. Quando o pro- nal com NaOCl a 2,5%, revisão da instrumentação
fissional não respeita as devidas medidas de assepsia e verificação da patência do forame apical.
ou elas são rompidas acidentalmente durante a execu- • Aplicação de medicação intracanal com pasta
ção do tratamento endodôntico, bactérias que original- HPG.
mente não eram componentes da microbiota endodôn- • Selamento coronário e prescrição de analgésico/
tica podem ser carreadas para o canal. Se conseguirem anti-inflamatório.
sobreviver nesse microambiente, podem causar infec- Obs.: Sangue na porção apical do canal in-
ções secundárias de tratamento difícil. Exemplos são a dica sobreinstrumentação. O CT deve então ser
espécie Pseudomonas aeruginosa e alguns estafilococos, reavaliado.
bactérias presentes no ambiente e/ou na pele, que po- 2) Abscesso perirradicular agudo secundário:
dem ser veiculadas pelo próprio profissional para o in- • Um abscesso já está instalado e, como tal deve ser
terior do canal radicular1,23,31 (Fig. 19-13). tratado.
772 Capítulo 19  Emergências e Urgências em Endodontia

Figura 19-13. A introdução de novas bactérias no canal, como, por exemplo, devido à quebra da cadeia asséptica durante o tratamento, é
uma das causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).

Em todos os casos, os analgésicos/anti-inflamató- Em estudo realizado por Harrison et al.9, a dor


rios a serem administrados poderão ser o ibuprofeno, pós-obturação ocorreu em 48% dos casos. Os sintomas,
o naproxeno, o diclofenaco, o cetoprofeno ou o piroxi- na maioria dos casos, apareceram nas primeiras 24 ho-
cam, todos bastante eficazes para tratar a dor de ori- ras, sendo que, após 7 dias, 92% dos pacientes estavam
gem endodôntica. assintomáticos.
Se a dor for aguda e persistente, o tratamento de-
Dor pós-obturação penderá da situação:
Um ligeiro desconforto após a obturação de canais
radiculares é previsível. Se o profissional alerta o paciente • Obturação adequada – Prescrição de analgésico/
a respeito dessa possibilidade, recomendando analgésicos anti-inflamatório.
leves em caso de dor, tal fato não constituirá uma emer- • Obturação inadequada – Retratamento.
gência verdadeira. O desconforto, na grande maioria das • Sobreobturação – Prescrição de anti-inflamatório
vezes, resolve-se espontaneamente nos primeiros dias. (Fig. 19-14A).

Figura 19-14. Sintomatologia


após sobreobturação. A. Em ca-
nais aparentemente bem obtu-
rados, a presença de sintomas
pode ser solucionada pela pres-
crição de anti-inflamatório. B.
Canais com obturação incorri-
gível e que apresentam sinto-
matologia pós-operatória de
intensidade moderada a grave
A B
requerem cirurgia perirradicular
para resolução do problema.
Emergências e Urgências em Endodontia 773

Se não resolver: 18. Naidorf IJ. Endodontic flare-ups: bacteriological and immu-
nological mechanisms. J Endod, 1985; 11: 462-4.
• Remoção da obturação, drenagem e retratamento. 19. Nanci A. Ten Cate’s Oral Histology. 6th ed. St. Louis: Mosby,
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Se o problema ainda não for resolvido, está in- 20. Närhi M. The neurophysiology of the teeth. Dent Clin North
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• Obturação incorrigível – nesses casos está indicada a 22. Pashley DH. Dynamics of the pulpo-dentin complex. Crit
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Capítulo 20
Analgésicos em
Endodontia

Anibal R. Diogenes
Kenneth M. Hargreaves

Cirurgiões-dentistas são responsáveis por inter- Vias da dor


venções que variam de procedimentos preventivos
A Associação Internacional para o Estudo da Dor
não invasivos a procedimentos operatórios/cirúrgicos
(IASP, do inglês The International Association for the Stu-
em uma das áreas mais inervadas do corpo humano
dy of Pain) define dor como “uma experiência sensorial
– a cavidade oral. Apesar dos grandes avanços tecno-
lógicos, o tratamento endodôntico é ainda temido pela e emocional desagradável, associada a um dano teci-
população em geral, sendo considerado um “procedi- dual potencial ou real”. Para alguns pacientes, a dor
mento doloroso”. Um clínico consciente é responsável pode ser vista como uma resposta binária (“dói” ou
por educar a população informando que a Endodon- “não dói”). Todavia, a percepção da dor é resultante
tia moderna é baseada na prevenção e tratamento das de uma interpretação complexa da excitação sensorial
lesões perirradiculares, de forma assintomática (“sem integrada com emoções como medo, ansiedade, me-
dor”) e calcada em evidências científicas. Mais impor- mória de experiências prévias etc., ao nível do córtex
tante ainda, o clínico deve ser um profundo conhe- cerebral. Dessa forma, a dor tem três estágios: 1) detec-
cedor dos mecanismos da dor para intervir de forma ção, 2) processamento e 3) percepção.
consistente na prevenção e paralisação da hiperalge- A detecção de dano tecidual potencial ou real é
sia (resposta aumentada a estímulos que normalmen- realizada por fibras nervosas altamente especializadas,
te causam dor), da alodinia (redução do limiar, de chamadas nociceptores. Os corpos celulares desses
forma que um estímulo normalmente inócuo é per- neurônios residem no gânglio sensorial. Para a região
cebido como nocivo) e da dor espontânea. Embora o orofacial, esses neurônios se originam de um dos três
paciente possa apreciar a habilidade técnica do trata- ramos do nervo trigêmeo (quinto par craniano) com
mento executado, a opinião sobre a qualidade do tra- os corpos celulares residindo no gânglio trigeminal.
tamento recebido dependerá bastante da capacidade Neurônios sensoriais trigeminais têm uma projeção
de o profissional oferecer um procedimento que livre aferente primária que se encerra como terminações
o paciente da dor e que traga uma experiência pós- nervosas livres nos tecidos inervados (polpa e tecidos
operatória confortável. perirradiculares). A outra projeção desses neurônios
Este capítulo fornece o suporte básico para o en- bipolares ou pseudounipolares é uma projeção central
tendimento de como a dor é detectada, processada e para o corno dorsal da medula. Muitas das fibras do
percebida, mantendo ainda o foco no emprego de di- sistema trigeminal envolvidas com dor são equipadas
ferentes classes de analgésicos para prevenir e parar a com detectores moleculares para uma gama variada
dor quando da terapia endodôntica. de modalidades de estímulos, incluindo mecânicos,

775
776 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

químicos e térmicos. Assim, são chamados nocicepto- entende a necessidade de intervir em um ou mais ní-
res polimodais. A detecção de diferentes estímulos na veis da via de transmissão da dor.
periferia é diretamente modulada no local de detecção Os instrumentos farmacológicos (analgésicos e
pela presença de mediadores inflamatórios, tais como anestésicos) disponíveis na clínica atuam em um ou
bradicinina, fator de crescimento neural, substância P mais dos três níveis da via de dor. É importante para
e outros3,5,6,19,28,46,67-69,107. Esses mediadores têm efeitos o clínico entender o mecanismo de ação de cada uma
sensibilizantes a curto prazo e efeitos plásticos a longo dessas drogas de uma forma que sejam usadas quando
prazo, ambos resultando em resposta aumentada ao apropriadas para atingir um nível máximo de confor-
estímulo detectado27. Dessa forma, mediadores infla- to para o paciente e uma satisfação com o tratamento
matórios permitem um aumento da resposta aferente oferecido. Todavia, é importante enfatizar o papel dos
primária, levando potencialmente a uma maior per- anestésicos locais (ver Capítulo 6, Seção 2, Anestesia em
cepção da dor. Endodontia) em fornecer redução da dor transoperató-
Antes de a resposta sensorial primária ao estí- ria e também redução pós-operatória da sensibilização
mulo nocivo (isto é, potencial de ação) ser conduzida central (será discutido adiante). As principais classes
ao córtex cerebral para percepção, ela alcança o corno de analgésicos discutidas neste capítulo são os não
dorsal da medula. Nessa região, neurônios sensoriais esteroidais (ou AINEs – anti-inflamatórios não este-
primários fazem sinapse com neurônios de segunda roidais; por exemplo, ibuprofeno e dipirona), os não
ordem, tais como os neurônios de ampla faixa dinâmi- AINEs (por exemplo, paracetamol e opioides) e os es-
ca (ou WDR, do inglês wide-dynamic range), para trans- teroides (por exemplo, dexametasona).
mitir sua informação sensorial. Esse processo não é um
simples tráfego de sinais elétricos inalterados. Há um
 FATORES PREDISPONENTES DA DOR
processamento considerável ao nível espinhal levando
à amplificação do sinal inicial (por exemplo, pela ação
ENDODÔNTICA PÓS-OPERATÓRIA
da ativação dos receptores NMDA – N-Metil-D-Ácido Embora o tratamento endodôntico moderno te-
aspártico – nos neurônios WDR) ou amortecimento do nha o potencial de ser um procedimento livre de dor,
sinal (por exemplo, pela ação do GABA – ácido gama- em parte devido a avanços na técnica anestésica, como
aminobutírico – liberado por interneurônios interagin- os sistemas de anestesia intraósseo (por exemplo, X-
do com os neurônios WDR). tip da Dentsply e Stabident da Fairfax Dental Inc.) e
É importante salientar que a descarga crônica de injeção controlada por computador (por exemplo,
de um aferente primário sensorial dentro do terminal The Wand, CompuDent System), pacientes ainda po-
central muitas das vezes leva a alterações plásticas no dem experimentar dor pós-operatória. Estudos inves-
circuito, que resulta na sensibilização para inputs sub- tigando a dor endodôntica pós-operatória têm relata-
sequentes. Esse processo, denominado sensibilização do uma incidência de dor moderada a aguda em 15 a
central, é um dos mecanismos pelos quais um estímulo 25% dos casos11,47,91. Em um estudo clínico prospecti-
que previamente era inócuo agora se torna doloroso, vo, 57% dos pacientes relataram ausência de dor após
o que é conhecido como alodinia (por exemplo, uma o preparo químico-mecânico, enquanto 21% apre-
leve percussão com o cabo de um espelho sobre dentes sentaram dor leve, 15% dor moderada e 7% dor agu-
adjacentes a um dente com lesão perirradicular pode da38. Um episódio de dor extrema, muitas das vezes
evocar uma resposta dolorosa)63,92,124. associada a tumefação, febre e mal-estar, que requer
A última fronteira do mecanismo de dor é a pro- uma consulta imprevista, é denominado flare-up (ver
jeção dos neurônios de segunda ordem do corno dorsal Capítulo 19, Emergências e urgências em Endodontia). A
medular via trato espinotalâmico contralateral para o incidência de flare-ups (de 2 a 20%) é significativamen-
tálamo e daí, por meio de sinapses com neurônios de te menor do que a de pacientes experimentando dor
maior ordem, para áreas diferentes do córtex cerebral. leve a moderada80,82,112,113,116,118.
Não é surpresa para um profissional bem informado Inúmeros estudos objetivaram determinar os
que há uma área ampla do córtex cerebral dedicada a fatores predisponentes à dor pós-operatória endo-
integrar sinais nociceptivos, permitindo a percepção da dôntica e ao flare-up. Uma comparação direta entre
sensação altamente complexa de dor93. Assim, ao longo os dados desses estudos é difícil devido às diferenças
da via da dor há níveis consideravelmente diferentes nos métodos utilizados. No geral, esses estudos ava-
de processamento e potencial para desenvolvimento liaram mais de 12.000 pacientes, e um consenso entre
de estados dolorosos persistentes. Um clínico astuto os achados é que a dor pré-operatória, mais especi-
Analgésicos em Endodontia 777

ficamente a alodinia mecânica (definida como limiar significante entre os casos tratados em uma ou mais
de sensibilidade reduzido a estímulos mecânicos, ou sessões. Por fim, não houve aumento significativo na
seja, dor à percussão), é um fator que predispõe à dor taxa de flare-ups em dentes submetidos a retratamento,
pós-operatória15,32,35,37,42,52,55,75,86,109,119. embora subgrupos com e sem lesão não tenham sido
Outros fatores foram mais variáveis em seu valor comparados.
preditivo da dor pós-operatória. Por exemplo, em um Em suma, o fator predisponente mais consisten-
estudo retrospectivo, registros odontológicos de 1.000 te da dor pós-operatória é a presença de dor pré-ope-
pacientes que foram submetidos ao tratamento endo- ratória ou alodinia mecânica. Embora nenhum fator
dôntico e não relataram a ocorrência de flare-ups (isto é, isoladamente possa servir para prever a ocorrência e
necessidade de consulta extra imprevista) foram com- magnitude da dor pós-operatória, o clínico consciente
parados com os registros de outros 1.000 pacientes que muitas das vezes interpreta a presença de dor pré-ope-
apresentaram flare-ups após o preparo de canais com ratória ou alodinia mecânica como um sinal de alarme
polpa necrosada. Os resultados mostraram que a pre- para a seleção de um regime de controle da dor para
sença de dor pré-operatória, elemento dentário, sexo, cada paciente.
idade, história de alergia e retratamento foram fatores
predisponentes para flare-ups, enquanto medicamentos
intracanais, doenças sistêmicas e estabelecimento de
 AINEs
patência foraminal durante o preparo não tiveram re- Analgésicos anti-inflamatórios são drogas ampla-
lação com a incidência de flare-ups111. mente utilizadas e com um perfil relativamente seguro.
Especificamente, as incidências mais altas de flare- Essas drogas prontamente se ligam à albumina plas-
ups foram associadas ao retratamento endodôntico, em mática e são transportadas para os tecidos periféricos
dentes inferiores, de mulheres com idade acima de 40 e centrais. Salienta-se que a inflamação é caracterizada
anos e em pacientes com história de alergia111. Mor et pelo extravasamento de plasma, causando edema e tu-
al.80 determinaram a incidência de flare-ups em pacien- mefação, um dos sinais cardinais do processo inflama-
tes tratados em múltiplas consultas por alunos de gra- tório. Esse mecanismo aumenta a distribuição dessas
duação80. A incidência de flare-up foi de 4,2%, o qual drogas pelo sítio inflamado, uma característica bastan-
foi positivamente relacionado com dentes com polpa te desejável. AINEs atuam primariamente pela inibição
necrosada. Não houve, entretanto, correlação entre a da atividade das enzimas cicloxigenases 1 (COX-1) e
ocorrência de flare-up e a presença ou ausência de lesão 2 (COX-2). Essas enzimas são responsáveis pela con-
perirradicular. versão do ácido aracdônico em diferentes subprodu-
Em um estudo prospectivo de tratamento em ses- tos bioativos, tais como tromboxane A2, prostaciclina
são única, a taxa geral de flare-up foi de apenas 1,8%112. e prostaglandinas. As enzimas cicloxigenases estão
Contudo, esse mesmo estudo determinou que o retra- presentes em praticamente todas as células do corpo.
tamento de dentes com lesão perirradicular em sessão A COX-1 é responsável por manter níveis basais de
única teve uma incidência quase dez vezes maior de prostaglandinas, incluindo os requeridos para prote-
flare-ups (13,6%). Com base nesses achados, os autores ger o trato gastrintestinal (GI) contra os ácidos gástri-
não recomendam que o retratamento de dentes com cos. Por sua vez, a COX-2 é uma enzima induzida com
lesão seja concluído em sessão única. Outro estudo clí- expressão e função aumentadas por certos processos,
nico prospectivo relatou uma incidência de flare-up de como a inflamação21,24,61. A inibição das cicloxigenases
3,17% em 946 casos endodônticos119. Pacientes com dor pelos AINEs é não específica e tanto a COX-1 quanto
pré-operatória aguda apresentaram uma taxa de flare- a COX-2 são inibidas. Assim, com o uso de AINEs há
ups de 19%, enquanto a presença de tumefação difusa também inibição das “prostaglandinas benéficas”, que
ou localizada foi observada em 15% dos casos. Nesse têm papel protetor no trato GI. Essa é a razão pela qual
estudo, o status pulpar predispôs ao flare-up, com den- os AINEs não são tolerados por algumas pessoas em
tes com polpa necrosada apresentando uma incidência virtude do desconforto gástrico.
de flare-ups significativamente mais alta do que dentes Na polpa inflamada há indução da expressão e
com polpa viva (6,5 versus 1,3%). O status perirradicular atividade de COX-2, resultando em níveis aumenta-
também foi um fator predisponente, sendo diferenças dos de prostaglandinas87. Prostaglandinas exercem
observadas entre os casos com lesão perirradicular crô- um papel relevante na dor inflamatória por sensibili-
nica (3,4%), periodontite apical aguda (4,8%) e absces- zar diretamente os nociceptores, levando à transmis-
so perirradicular agudo (13,1%). Não houve diferença são aumentada da dor40. Dessa forma, a prevenção da
778 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

atividade de COX-2 e da produção de prostaglandi- Em estudos clínicos multicêntricos duplo-cegos


nas é a razão principal para a alta eficácia dos AINEs randomizados e controlados por placebo, a dipiro-
na prevenção e tratamento da dor endodôntica, além na resultou em significante maior analgesia do que
de suprimir o desenvolvimento da inflamação. Infe- o placebo em pacientes com dores de cabeça seve-
lizmente, há ainda uma escassez de informação oriun- ras76 e foi superior ao ibuprofeno no modelo de ex-
da de estudos clínicos randomizados controlados por tração do 3o molar, com efeitos colaterais similares
placebo. Todavia, um relato recente de uma revisão aos do placebo96. Ela causou maior analgesia do que
sistemática a respeito dos AINEs e da dor endodônti- a morfina em pacientes com câncer e dor severa, sem
ca sugere que os AINEs orais combinados com outras os significantes efeitos colaterais típicos dos opioi-
classes de analgésicos (por exemplo, flurbiprofeno e des (por exemplo, desconforto gástrico e depressão
tramadol26) ou isoladamente são eficazes no manejo cardiorrespiratória)97. Uma comparação consistente
da dor endodôntica. dos analgésicos pode ser vista no Quadro 20-1, resu-
Ibuprofeno é considerado o protótipo de AINE com mindo os níveis mais altos de evidência na analgesia
eficácia e perfil de segurança bem documentados22,23. terapêutica a partir de estudos clínicos randomizados
Sua eficácia no controle da dor dentária tem sido con- duplo-cegos controlados por placebo. Os dados pre-
firmada no modelo de dor relacionado com a extração sentes no Quadro 20-1 sugerem que a administração
do 3o molar14,50,51 e após tratamento endodôntico108. A de 1.000mg de dipirona requer menos doses de me-
despeito do número limitado de estudos clínicos ran- dicação (NNT = 1,6) do que o ibuprofeno de 600mg
domizados controlados por placebo avaliando o ma- (NNT = 1,7) e o acetaminofeno (paracetamol) de
nejo da dor endodôntica, informações valiosas podem 1.000mg (NNT = 3,8) para alcançar 50% de redução da
ser encontradas nas revisões sistemáticas contínuas dor. Além disso, percentagens mais altas de pacientes
sumarizadas na Oxford League of Analgesic Efficacy experimentam 50% de redução da dor pós-operatória
(Quadro 20-1). Os dados dessas revisões foram gera- quando tomam dipirona (79%) em comparação com
dos baseados em pacientes apresentando dor pós-ope- 400mg de ibuprofeno (55%), 500mg de paracetamol
ratória moderada/aguda, e o NNT (número necessá- (61%) e a combinação de 1.000mg de paracetamol com
rio para tratar) é baseado na superioridade relativa do 50mg de codeína (57%). Assim, a dipirona é um dos
analgésico sobre o placebo em produzir 50% de alívio analgésicos mais potentes e eficazes disponíveis para
da dor. Assim, esses dados são informação clínica im- aquisição sem prescrição em farmácias. Contudo, seu
portante para os profissionais compararem a eficácia emprego não está livre de controvérsias.
relativa dos analgésicos usados no pós-operatório. Ob- Em 1974, a Suécia foi o primeiro país a banir a dro-
viamente, outros fatores, como os efeitos adversos das ga ou restringir seu uso sob prescrição devido a relatos
drogas e a história médica do paciente, devem ser con- de diferentes países associando a dipirona a discrasias
siderados durante o desenvolvimento de um plano de sanguíneas, principalmente agranulocitose. Essa inicia-
tratamento para a dor pós-operatória. tiva foi seguida pelos Estados Unidos, Japão, Austrália
A dipirona (metamizol sódico), droga analgé- e Reino Unido. Agranulocitose é uma reação adversa
sica e antipirética bastante eficaz e amplamente uti- rara, mas potencialmente fatal. É caracterizada por um
lizada que pertence à classe das pirazolonas, foi ini- decréscimo na contagem de leucócitos periféricos para
cialmente introduzida na Alemanha em 1922 e, até o menos do que 500 células/µL devido a mecanismos ci-
momento, permanece como um dos analgésicos mais totóxicos ou imunológicos49. Tem sido sugerido que es-
populares no manejo da dor pós-operatória em paí- ses relatos apresentam evidência não conclusiva sobre
ses como Brasil, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, a correlação real entre dipirona e agranulocitose25. As
Itália, Holanda, Espanha, Suíça, África do Sul, Rússia, diferenças entre os relatos de vários países, pelo menos
Israel e Índia. Nesses países, ela é bem aceita graças à em parte, podem ser causadas pelos diferentes dese-
sua eficácia, início rápido (cerca de 30 minutos, parti- nhos experimentais e a ausência de evidência direta-
cularmente em formulações líquidas), longa duração mente associando o consumo da droga à doença25. En-
analgésica e baixo custo85,99. O seu mecanismo de ação tretanto, um clínico cuidadoso deve avaliar de forma
é complexo e não é completamente entendido, mas crítica os riscos e benefícios de cada droga prescrita.
parece estar relacionado, pelo menos em parte, com Outro membro proeminente dos AINEs é o di-
o efeito direto sobre neurônios sensoriais em níveis clofenaco, comercializado sob muitos nomes incluindo
periféricos e espinhais, e com o bloqueio das vias ar- Cataflam e Voltaren. Da mesma forma que o ibuprofe-
ginina-óxido nítrico-GMPc18,29,71,73,101,106. no, o mecanismo de ação do diclofenaco consiste ba-
Analgésicos em Endodontia 779

Quadro 20-1 Quadro de eficácia analgésica da Liga de Oxford 2007

Analgésico Número de % com pelo Número Menor Maior


pacientes na menos 50% necessário intervalo de intervalo de
comparação de alívio de para tratar confiança confiança
dor (NNT)

Etoricoxibe 180/240 248 77 1,5 1,3 1,7

Etoricoxibe 120 500 70 1,6 1,5 1,8

Valdecoxibe 40 473 73 1,6 1,4 1,8

Dipirona 1000 113 79 1,6 1,3 2,2

Ibuprofeno 600/800 165 86 1,7 1,4 2,3

Valdecoxibe 20 204 68 1,7 1,4 2,0

Cetorolaco 20 69 57 1,8 1,4 2,5

Cetorolaco 60 (intramuscular) 116 56 1,8 1,5 2,3

Diclofenaco 100 545 69 1,8 1,6 2,1

Piroxicam 40 30 80 1,9 1,2 4,3

Celecoxib 400 298 52 2,1 1,8 2,5

Paracetamol 1.000 + Codeína 60 197 57 2,2 1,7 2,9

Oxicodona IR 5 + Paracetamol 500 150 60 2,2 1,7 3,2

Bromfenac 25 370 51 2,2 1,9 2,6

Rofecoxibe 50 675 54 2,3 2,0 2,6

Oxicodona IR 15 60 73 2,3 1,5 4,9

Aspirina 1200 279 61 2,4 1,9 3,2

Bromfenac 50 247 53 2,4 2,0 3,3

Dipirona 500 288 73 2,4 1,9 3,2

Ibuprofeno 400 5.456 55 2,5 2,4 2,7

Bromfenac 100 95 62 2,6 1,8 4,9

Oxicodona IR 10 + Paracetamol 650 315 66 2,6 2,0 3,5

Diclofenaco 25 502 53 2,6 2,2 3,3

Cetorolaco 10 790 50 2,6 2,3 3,1

Paracetamol 650 + Tramadol 75 679 43 2,6 2,3 3,0

Oxicodona IR 10 + Paracetamol 1.000 83 67 2,7 1,7 5,6

Naproxeno 400/440 197 51 2,7 2,1 4,0

Piroxicam 20 280 63 2,7 2,1 3,8

Lumiracoxibe 400 370 48 2,7 2,2 3,5

Naproxeno 500/550 784 52 2,7 2,3 3,3

(Continua)
780 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

Quadro 20-1 Quadro de eficácia analgésica da Liga de Oxford 2007 (Continuação)

Analgésico Número de % com pelo Número Menor Maior


pacientes na menos 50% necessário intervalo de intervalo de
comparação de alívio de para tratar confiança confiança
dor (NNT)

Diclofenaco 50 1.296 57 2,7 2,4 3,1


Ibuprofeno 200 3.248 48 2,7 2,5 2,9
Dextropropoxifeno 130 50 40 2,8 1,8 6,5
Paracetamol 650 + Tramadol 112 201 60 2,8 2,1 4,4
Bromfenac 10 223 39 2,9 2,3 4,0
Petidina 100 (intramuscular) 364 54 2,9 2,3 3,9
Tramadol 150 561 48 2,9 2,4 3,6
Morfina 10 (intramuscular) 946 50 2,9 2,6 3,6
Naproxeno 200/220 202 45 3,4 2,4 5,8
Cetorolaco 30 (intramuscular) 359 53 3,4 2,5 4,9
Paracetamol 500 561 61 3,5 2,2 13,3
Celecoxibe 200 805 40 3,5 2,9 4,4
Paracetamol 1500 138 65 3,7 2,3 9,5
Ibuprofeno 100 495 36 3,7 2,9 4,9
Oxicodona IR 5 + Paracetamol 1.000 78 55 3,8 2,1 20,0
Paracetamol 1.000 2.759 46 3,8 3,4 4,4
Paracetamol 600/650 + Codeína 60 1.123 42 4,2 3,4 5,3

Paracetamol 650 + Dextropropoxifeno 963 38 4,4 3,5 5,6


(65 mg hidrocloreto ou 100 mg
napsilato)

Aspirina 600/650 5.061 38 4,4 4,0 4,9


Paracetamol 600/650 1.886 38 4,6 3,9 5,5
Ibuprofeno 50 316 32 4,7 3,3 8,0
Tramadol 100 882 30 4,8 3,8 6,1
Tramadol 75 563 32 5,3 3,9 8,2
Aspirina 650 + Codeína 60 598 25 5,3 4,1 7,4
Oxicodona IR 5 + Paracetamol 325 149 24 5,5 3,4 14,0
Cetorolaco 10 (intramuscular) 142 48 5,7 3,0 53,0
Paracetamol 300 + Codeína 30 379 26 5,7 4,0 9,8
Bromfenac 5 138 20 7,1 3,9 28,0
Tramadol 50 770 19 8,3 6,0 13,0
Codeína 60 1.305 15 16,7 11,0 48,0
Placebo >10,000 18 N/A N/A N/A

NNT: “Números necessários para tratar” são calculados para a proporção de pacientes com no mínimo 50% de alívio da dor em 4-6 horas, quando em comparação com
placebo em estudos de dose única duplo-cegos randomizados, envolvendo pacientes com dor moderada a grave. As drogas foram administradas por via oral, exceto onde
especificado, e as doses são em miligramas.
Fonte: http://www.medicine.ox.ac.uk/bandolier/booth/painpag/acutrev/analgesics/Acutepain2007.pdf
Analgésicos em Endodontia 781

sicamente na inibição não seletiva das cicloxigenases. genérica. Embora tenha sido empregado por décadas,
Contudo, os efeitos do diclofenaco são usualmente seu mecanismo de ação ainda permanece fonte de con-
mais duradouros do que os do ibuprofeno. Além disso, trovérsia.
acredita-se que tenha maior predileção pela isoforma 2 Dois principais mecanismos de ação para o pa-
da enzima cicloxigenase (COX-2). Assim, menos pro- racetamol têm sido sugeridos. O primeiro envolve a
blemas gástricos devem ser esperados quando do uso inibição da enzima cicloxigenase 3 (COX-3), a qual foi
do diclofenaco17,56. identificada e clonada em 2002 e é preferencialmente
Um estudo clínico prospectivo randomizado expressa no sistema nervoso central10. O paracetamol
duplo-cego e controlado por placebo envolveu 267 inibe a COX-3 seletivamente em modelos animais.
pacientes submetidos ao tratamento endodôntico com Contudo, ainda não há evidências a partir de estudos
relato de dor moderada a aguda com o intuito de de- em humanos de que a COX-3, in vivo, seja uma ciclo-
terminar a eficácia do diclofenaco como analgésico xigenase funcional e, assim sendo, seja inibida pelo
pós-operatório88. Aproximadamente 80% dos pacien- paracetamol64,102. Outro mecanismo possível e talvez
tes relataram remissão total da dor. Outrossim, ele tem mais provável envolve a ativação do sistema endo-
apresentado bons resultados quando administrado canabinoide e serotonérgico no sistema nervoso cen-
em combinação com outros medicamentos devido ao tral72. Há considerável evidência de que o paracetamol
sinergismo. Por exemplo, em um estudo clínico ran- é convertido no composto AM404, que inibe o consu-
domizado, 120 pacientes apresentando dor moderada mo do canabinoide endógeno anandamida no cérebro.
a aguda após extração do 3o molar tiveram um alívio O receptor canabinoide 1 (CB-1) é expresso no siste-
significativamente maior da dor quando do uso do di- ma nervoso central e é o alvo central dos canabinoi-
clofenaco com paracetamol do que de cada uma des- des exógenos (por exemplo, ∆-9-tetra-hidrocanabinol,
sas drogas usadas isoladamente ou em associação com o componente ativo das folhas de Cannabis sativa, ou
opioides8. Essa conduta tem o potencial de reduzir os maconha) e endógenos (por exemplo, anandamida).
riscos de desconforto gástrico em relação ao emprego Os efeitos analgésicos do paracetamol têm sido com-
de um único AINE. pletamente abolidos pelo bloqueio da sua conversão
A introdução de inibidores seletivos para COX-2 em AM404, pelo antagonismo dos receptores CB-1 no
ofereceu o potencial para benefícios analgésicos e anti- sistema nervoso central e em animais pela deleção ge-
inflamatórios e reduzida irritação gastrintestinal21,62. nética do receptor CB-172. Ademais, a ativação do sis-
Todavia, tem sido gerada preocupação no sentido de tema endocanabinoide intensifica as vias descendentes
que os inibidores de COX-2 podem apresentar ainda serotonérgicas inibidoras da dor95. Em suma, o parace-
alguma irritação ao trato GI em casos com doença pre- tamol parece ativar os mecanismos centrais de inibição
existente, sugerindo cuidados com o emprego dessas da dor para exercer sua eficácia analgésica.
drogas115. Além disso, a demonstração de um risco Dados de revisões sistemáticas de estudos clíni-
aumentado de eventos pró-trombóticos após admi- cos randomizados duplo-cegos sugerem que o parace-
nistração a longo prazo de rofecoxibe (Vioxx) levou à tamol em concentrações de até 1.500mg não é tão efi-
retirada dessa droga do mercado em 200431. No mo- caz quanto a dipirona e o ibuprofeno (Quadro 20-1).
mento, não é conhecido se o evento pró-trombótico é Contudo, é importante salientar que o paracetamol não
droga-específico (isto é, afeta apenas a rofecoxibe) ou gera os efeitos colaterais gástricos apresentados pelo
é classe-específico (isto é, afeta todos os inibidores de ibuprofeno. Dessa forma, é uma boa alternativa para
COX-2). Devido a essa situação e à eficácia dos AINEs pacientes com história de desconforto gástrico ou de
como alternativa, não recomendamos os inibidores es- hipersensibilidade aos inibidores de COX. Além disso,
pecíficos de COX-2 para tratar rotineiramente a dor de o paracetamol é um agente valioso quando combinado
origem endodôntica. com inibidores de COX, uma vez que seu efeito sinér-
gico permite redução na dosagem do inibidor de COX,
reduzindo também os efeitos colaterais gástricos sem
 NÃO AINEs perder eficácia analgésica (ver discussão adiante na se-
O paracetamol foi inicialmente comercializado ção de estratégias).
nos Estados Unidos sob o nome de Tylenol, em 1955. Opioides são analgésicos reconhecidamente efica-
Atualmente, ele ainda é comercializado sob o nome zes. Sua ação é principalmente restrita ao sistema ner-
original de Tylenol sozinho ou combinado a outras voso central, onde eles bloqueiam a condução de sinais
drogas como expectorantes e opioides, além da forma elétricos dolorosos para regiões superiores do cérebro
782 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

no qual o estímulo seria percebido como dor. O meca- como placebo após o preparo no sentido de reduzir a
nismo de ação parece ser mediado pela ativação de re- incidência de dor pós-operatória9. No entanto, quando
ceptores opioides mu, que estão estrategicamente posi- a polpa estava necrosada, não houve diferença signifi-
cionados em várias áreas superiores do cérebro envol- cante entre esteroide e placebo na redução do descon-
vidas na percepção da dor. Todavia, o uso de opioides forto pós-operatório.
é acompanhado por vários efeitos colaterais, incluindo Outro estudo não encontrou diferença signifi-
náusea, vômito, tonteira, torpor e potencial para cons- cante no índice de flare-ups quando formocresol, Le-
tipação e depressão respiratória. O uso crônico é asso- dermix (uma combinação de antibiótico com corticos-
ciado a tolerância e dependência. Uma vez que a dose teroide), ou hidróxido de cálcio foi usado como me-
de opioides é restrita pelos potenciais efeitos colaterais, dicação intracanal, a despeito da presença ou ausên-
os opioides são quase sempre usados em combinação cia de lesão perirradicular113. Entretanto, um amplo
com outras drogas para manejo da dor dentária. O uso estudo clínico envolvendo 223 pacientes relatou uma
de combinações é preferido, uma vez que permite uma significativa menor incidência de dor após o uso de
dose baixa do opioide com consequente redução dos Ledermix como medicação intracanal quando compa-
efeitos colaterais. É importante salientar que o uso de rado ao hidróxido de cálcio ou casos onde nenhuma
narcóticos (isto é, opioides) deve ser extremamente res- medicação foi usada30. Assim, esteroides intracanais
trito devido aos efeitos colaterais, potencial para abuso parecem exercer efeitos significantes na redução da
e ausência de evidência científica de que os opioides, dor pós-operatória98.
mesmo combinados com AINEs, são mais eficazes do
que os AINEs usados isoladamente12,13,44.
Uso sistêmico
Outros estudos avaliaram a eficácia da via sistê-
 ESTEROIDES mica de administração de corticosteroides sobre a dor
Glicocorticosteroides reconhecidamente reduzem pós-operatória ou flare-ups. Em um estudo duplo-cego
a resposta inflamatória aguda pela supressão da vaso- controlado por placebo, dexametasona (4mg/mL) ou
dilatação, da migração de neutrófilos e da fagocitose, solução salina foi injetada por via intramuscular ao tér-
além de inibirem a formação de ácido aracdônico a mino de uma consulta de tratamento em sessão única
partir dos fosfolipídios da membrana dos neutrófilos ou da primeira consulta de um tratamento em múlti-
e macrófagos, bloqueando assim as vias da cicloxige- plas sessões75. Os resultados indicaram que o esteroide
nase e lipoxigenase e as respectivas sínteses de pros- reduziu significativamente a incidência e magnitude
taglandinas e leucotrienos. Assim, não causa surpresa de dor após 4 horas quando em comparação com o pla-
o fato de vários estudos terem avaliado a eficácia dos cebo. Embora a dor tenha sido reduzida após 24 horas,
corticosteroides (administrados via intracanal ou sis- não houve diferença estatisticamente significante nem
têmica) na prevenção ou controle da dor endodôntica na incidência ou intensidade da dor após 48 horas en-
pós-operatória e dos flare-ups74. tre os dois grupos.
Em estudo similar, 106 pacientes com pulpite irre-
versível e periodontite apical aguda receberam injeção
Uso intracanal intramuscular intraoral de dexametasona em diferentes
Vários estudos avaliaram a administração in- concentrações ao término do tratamento em sessão úni-
tracanal de esteroides. Em 50 pacientes consecutivos ca ou depois da primeira consulta de um tratamento em
requerendo tratamento endodôntico de dentes com várias sessões70. A administração de dexametasona re-
polpa viva, Moskow et al.84 aplicaram em pacientes al- duziu significativamente a intensidade da dor em 4 e 8
ternados uma medicação intracanal com uma solução horas, com dosagem ótima entre 0,07 e 0,09mg/kg. Não
de dexametasona ou solução salina como placebo após houve contudo redução significativa na intensidade
o preparo químico-mecânico. Índices de dor foram re- da dor após 24, 48 e 72 horas, tampouco um efeito geral
gistrados no pré-operatório e após 24, 48 e 72 horas do na incidência de dor. Outro estudo comparou os efei-
tratamento. Os resultados indicaram uma redução sig- tos da injeção intraligamentar com metilprednisolona,
nificante na dor após 24 horas, mas sem diferença sig- mepivacaína ou placebo na prevenção da dor pós-ope-
nificante após 48 e 72 horas. Em estudo clínico duplo- ratória em Endodontia57. Os resultados mostraram que
cego similar, a aplicação intracanal de uma solução de a metilprednisolona reduziu significativamente a dor
esteroide a 2,5% foi mais eficaz do que a solução salina pós-operatória dentro de um período de observação de
Analgésicos em Endodontia 783

24 horas. Um estudo interessante avaliou a injeção in- tamento endodôntico inicial65. A administração de
traóssea de metilprednisolona ou placebo em pacientes dexametasona oral reduziu significativamente a dor
com pulpite irreversível, demonstrando uma redução pós-operatória após 8 e 24 horas quando comparada
de dor altamente significante no grupo do esteroide, com os indivíduos que receberam placebo. Um estudo
que se manteve por 7 dias após injeção única36. de acompanhamento avaliou os efeitos de uma dose
Estudos em animais avaliaram histologicamente oral maior de dexametasona (isto é, 12mg a cada 4
os efeitos anti-inflamatórios dos corticosteroides sobre horas) sobre a gravidade da dor pós-tratamento en-
os tecidos perirradiculares inflamados90. Depois de in- dodôntico39. Os resultados demonstraram que a de-
duzir uma resposta inflamatória aguda em molares de xametasona do jeito prescrito foi eficaz para reduzir
ratos por meio de sobreinstrumentação, uma solução a incidência de dor até 8 horas depois da conclusão
salina estéril ou dexametasona foi infiltrada suprape- do tratamento. Não pareceu haver qualquer efeito na
riostealmente no vestíbulo adjacente aos dentes trata- gravidade da dor após 24 e 48 horas.
dos. Os resultados demonstraram que a dexametasona No geral, esses estudos sobre administração sis-
reduziu significativamente o número de neutrófilos têmica indicam que os corticosteroides reduzem a gra-
presentes e, assim, teve efeito anti-inflamatório nos te- vidade da dor pós-tratamento endodôntico quando
cidos perirradiculares dos dentes submetidos a trata- comparados com o tratamento com placebo. Contudo,
mento endodôntico. devido à relação segurança-eficácia entre esteroides e
Outros estudos de administração sistêmica ava- AINEs, a maioria dos pesquisadores elege os AINEs
liaram a eficácia da administração oral de corticoste- como drogas de primeira escolha para controle da dor
roides sobre a incidência e a gravidade da dor pós- pós-operatória.
operatória endodôntica. Em estudo clínico controla- O Quadro 20-2 sumariza as principais proprieda-
do, 50 pacientes receberam aleatoriamente 0,75mg des farmacocinéticas de diversos medicamentos usa-
de dexametasona ou placebo por via oral após tra- dos no controle da dor em Endodontia.

Quadro 20-2 Propriedades farmacocinéticas de analgésicos usados em Endodontia

Agente Dosagem recomendada Dosagem Meia-vida Início do Pico % ligação


máxima/dia (horas) efeito (horas) a proteínas
(mg/dia) (horas) plasmáticas

400mg inicial e 200mg,


Celecoxibe 400 11 ~1 3 ~97
cada 12h

Codeína 30mg, cada 4-6h 120 2,5-3,5 0,5-1 1-1,5 ~7-10

Dexametasona (oral 0,75-9mg/dia dividida cada 1-2 (oral);


<12 1,8-3,5 – ~75
ou intramuscular) 6-12h ~8 (i.m)

200-300mg, dividida em
Flurbiprofeno 300 5,7 ~1-2 1,5 ~99
2-4 doses

Hidrocodona 2,5-10mg, cada 4-6h 60 3,3-4,4 0,6-0,8 ~15-40

600mg, cada 6h;


Ibuprofeno 3.200 2-4 0,5 1-2 ~90-99
800mg, cada 8h

Paracetamol 500-1.000mg, cada 4-6h 4.000 2-4 <1 1-3,5 ~20

50-100mg, cada
Tramadol 400 <6 ~1 2 ~20
4-6h

Fonte: Wynn R, Meiller T, Crossley H. Drug information handbook for dentistry. Hudson, Ohio: Lexi-Comp Inc., 2000.
784 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

 ANTIBIÓTICOS Outro estudo de desenho experimental similar


comparou a incidência de flare-ups quando cefalospori-
Papel dos antibióticos na prevenção da dor pós-opera-
na ou eritromicina foi administrada profilaticamente81.
tória e flare-ups
Quando os achados de estudos prévios foram compila-
Uma vez que bactérias estão envolvidas com a
dos e comparados retrospectivamente, os autores con-
etiologia das lesões perirradiculares, a incidência de in-
cluíram que antibióticos usados profilaticamente, in-
fecção pós-tratamento e de flare-ups é uma preocupação
cluindo cefalosporinas, reduziram significativamente a
para o profissional clínico. Assim, a princípio, imagina-
incidência de flare-ups em casos com polpa necrosada e
se fazer sentido prescrever antibióticos profilaticamen- lesão perirradicular crônica associada. Contudo, esses
te para prevenir tais ocorrências. Tal uso de antibióticos estudos têm sido questionados por causa da ausência
é, entretanto, controverso por várias razões33. Primeiro, de grupos-controle tratados com placebo e pelo empre-
o abuso nas prescrições de antibióticos, especialmente go de controles históricos.
quando não indicados, tem levado a um aumento na Em um estudo clínico multicêntrico dividido em
resistência bacteriana e sensibilização do paciente. Se- duas partes, 588 pacientes consecutivos receberam um
gundo, antibióticos têm sido erroneamente prescritos entre nove medicamentos ou placebo e foram monitora-
em pacientes com dor aguda, mas com polpa vital (isto dos por 72 horas após o tratamento109,110. Os resultados
é, quando bactérias não são a causa de dor)126. Terceiro, mostraram que ibuprofeno, cetoprofeno, eritromicina,
mesmo em casos onde bactérias estão provavelmente penicilina e penicilina + metilprednisolona reduziram
presentes, dados de estudos clínicos controlados dão significativamente a severidade de dor nas primeiras
pouco ou nenhum suporte à hipótese de que antibióti- 48 horas pós-instrumentação quando comparados ao
cos reduzem a dor. placebo109. A segunda parte do estudo avaliou a inci-
Uma série de estudos clínicos tem avaliado a eficá- dência de dor pós-operatória depois da obturação dos
cia de antibióticos sistêmicos administrados profilatica- mesmos dentes da primeira parte do estudo110. Apenas
mente para a prevenção de flare-ups. Trabalhando com 411 dos 588 pacientes iniciais participaram dessa fase,
a premissa de que a incidência de flare-ups infecciosos os quais aleatoriamente receberam os mesmos medi-
após tratamento é de 15%, Morse et al.83 aleatoriamen- camentos ou placebo ao término da consulta de obtu-
te prescreveram uma dose profilática de penicilina ou ração. Os resultados mostraram que a incidência de
eritromicina após o tratamento de dentes com necrose dor pós-operatória foi menor após a obturação (isto é,
pulpar e lesão perirradicular crônica (placebo não foi 5,83%) do que após o preparo químico-mecânico (isto
usado). Os resultados revelaram que a incidência de é, 21,76%). Não houve diferença significante entre os
flare-ups foi 2,2%, sem diferença entre penicilina e eri- vários medicamentos e o placebo em controlar a dor
tromicina. Resultados similares foram obtidos em estu- pós-obturação.
do semelhante em que alunos de graduação realizaram Walton e Chiappinelli117, conscientes de que es-
o tratamento endodôntico2. Nesse estudo prospectivo, tudos prévios não foram adequadamente controlados,
uma incidência de flare-up de 2,6% foi observada, sem além de terem sido de caráter retrospectivo e envol-
diferença significante entre penicilina e eritromicina. vendo diferentes grupos de pacientes em momentos di-
Todavia, é importante salientar que esses estudos não ferentes e com modalidades terapêuticas também dife-
foram randomizados e controlados por placebo. rentes, conduziram um estudo prospectivo duplo-cego
Para verificar se o momento de administração de randomizado para testar a hipótese de que antibióti-
antibióticos altera a ocorrência de flare-ups e de dor e cos (por exemplo, penicilina) previnem a ocorrência de
tumefação não associadas a flare-up, uma análise de flare-ups. Oitenta pacientes com diagnóstico de necrose
componentes de dois estudos prospectivos, envolven- pulpar e lesão perirradicular crônica foram aleatoria-
do pacientes com polpa necrosada e lesão perirradicu- mente divididos em três grupos. Os dois primeiros re-
lar crônica, foi realizada. No primeiro estudo, penicili- ceberam penicilina ou placebo 1 hora antes e 6 horas
na foi receitada profilaticamente, enquanto, no segun- depois da consulta. O outro grupo não recebeu qual-
do, os pacientes foram instruídos a ingerir penicilina quer medicação. Após o término da sessão, que incluiu
ou, em caso de alergia, eritromicina, ao primeiro sinal preparo e possível obturação do canal, os pacientes
de tumefação82,83. Quando os resultados foram compa- completaram questionários após 4, 8, 12, 24 e 48 horas.
rados, os autores concluíram que o uso profilático de Os resultados indicaram que não houve diferença esta-
antibióticos é preferível à utilização ao primeiro sinal tisticamente significante entre os três grupos quanto à
de infecção. incidência de flare-ups. Os autores concluíram que o uso
Analgésicos em Endodontia 785

profilático de penicilina não oferece benefícios quanto Quadro 20-3 Considerações para o controle eficaz da dor
à prevenção de dor pós-operatória e flare-ups. Assim,
não indicam seu uso profilático rotineiro em pacientes 1. Diagnóstico
submetidos ao tratamento endodôntico de dentes com 2. Tratamento dentário adequado
3. Drogas
necrose pulpar e lesão perirradicular crônica.
a. Pré-tratamento com AINEs ou acetaminofeno quando
Em outro estudo prospectivo randomizado con- for apropriado
trolado por placebo, Fouad et al.34 avaliaram se o uso b. Uso de anestésicos locais de longa duração quando for
suplementar de penicilina reduzia os sintomas ou o indicado
curso de recuperação de pacientes de emergência com c. Uso de um plano de prescrição flexível
diagnóstico de necrose pulpar e abscesso perirradicu- d. Prescrição “pelo relógio” em vez de “quando necessário”
lar agudo. Os pacientes receberam aleatoriamente pe-
nicilina, um placebo ou nenhuma medicação. Usando
uma escala analógica visual, os próprios indivíduos
avaliaram a ocorrência e os níveis de dor e tumefação hiperalgesia e alodinia. Isso usualmente requer um tra-
até 72 horas. Os resultados mostraram ausência de di- tamento que remova e reduza os fatores causais (por
ferença significante entre os três grupos. A recuperação exemplo, fatores bacterianos e imunológicos). Tanto
dos pacientes ocorreu como resposta ao tratamento en- assim que não só a pulpotomia, como a pulpectomia
dodôntico em si. têm sido associadas à redução substancial dos relatos
Antibióticos podem ser indicados quando do ma- de dor em comparação com os níveis pré-operatórios
nejo de alguns casos de infecção endodôntica. Contu- de dor26,48,94. Todavia, a terapia farmacológica é muitas
do, uma revisão da literatura disponível indica que seu das vezes requerida para reduzir a estimulação conti-
uso profilático está contraindicado em pacientes imu- nuada de nociceptores (por exemplo, AINEs, anestési-
nocompetentes que não apresentam sinais sistêmicos cos locais) e suprimir a hiperalgesia central (por exem-
de disseminação da infecção, com tumefação locali- plo, AINEs e opioides).
zada no vestíbulo. Nessas condições, estudos clínicos
controlados indicam que antibióticos oferecem pouco Pré-tratamento
ou nenhum benefício no que se refere à redução da
Tem sido demonstrado que a prescrição de um
dor. Entretanto, podem ser indicados para pacientes
AINE antes da intervenção endodôntica produz bene-
imunocomprometidos e para aqueles casos nos quais
fícios significantes em muitos22,53, mas não em todos os
o paciente apresenta sinais e sintomas típicos de envol-
estudos89. O objetivo do pré-tratamento é bloquear o
vimento sistêmico ou quando a infecção se disseminou
desenvolvimento de hiperalgesia pela redução da es-
para espaços anatômicos da cabeça e pescoço (ver Ca-
timulação dos nociceptores periféricos. É interessan-
pítulo 21, Antibióticos em Endodontia).
te notar que os pacientes impossibilitados de tomar
AINEs podem ainda se beneficiar do pré-tratamento
 ESTRATÉGIAS PARA CONTROLE DA DOR com acetaminofeno79. Assim, pacientes podem ser pré-
tratados 30 minutos antes do procedimento com um
Para o manejo da dor em um determinado in-
AINE (por exemplo, ibuprofeno 400mg ou flurbiprofe-
divíduo, o clínico hábil deve personalizar o plano de
no 100mg) ou com acetaminofeno 1.000mg26,53,79.
tratamento, equilibrando os princípios gerais de Endo-
dontia, os mecanismos de hiperalgesia e as estratégias
para controle da dor com fatores individuais de cada
Anestésicos de longa duração
paciente (por exemplo, história médica, uso concomi- Uma segunda conduta farmacológica para mane-
tante de outras medicações)45,58,59,100,103. A discussão a jo da dor é usar anestésicos locais de longa duração.
seguir revisa considerações gerais para as estratégias Bupivacaína e ropivacaína são dois exemplos desses
de controle da dor. tipos de anestésico que se encontram disponíveis para
O manejo eficaz do paciente com dor endodôntica uso. Estudos clínicos indicam que anestésicos locais de
envolve três etapas: diagnóstico, tratamento dentário ade- longa duração não somente produzem anestesia du-
quado e drogas (Quadro 20-3). Em inglês, essas etapas rante o procedimento, mas também retardam signifi-
são conhecidas como 3 Ds: Diagnosis, Definitive dental cativamente o desenvolvimento da dor pós-operatória
treatment and Drugs. O manejo da dor endodôntica quando comparados com anestésicos locais contendo
deve focar a remoção dos mecanismos periféricos de lidocaína16,22,41,42,54. Aliás, tem sido demonstrado que o
786 Capítulo 20  Analgésicos em Endodontia

emprego de anestésicos de longa duração para aneste- cia com dor pode tomar ibuprofeno 400mg (ou outro
sia por bloqueio reduz a dor pós-operatória por 2 a 7 AINE de escolha) no consultório. A seguir, o pacien-
dias após o procedimento oral41,42,54, uma vez que uma te pode tomar a combinação de acetaminofeno com
descarga aferente acentuada de nociceptores pode in- opioide 2 horas mais tarde. O paciente então tomaria
duzir hiperalgesia central121-123. O benefício analgésico cada medicamento em intervalos de 4 horas, usando o
de anestésicos locais de longa duração é mais frequen- esquema de 2 horas alternadas. Na maioria dos casos,
temente observado quando de injeções para bloqueio esse tratamento não necessita ser continuado por mais
do que de injeções infiltrativas. Contudo, o clínico deve de 24 horas1,13,26. Aspirina e combinações de opioides
estar atento para os efeitos adversos atribuídos aos não são obviamente usadas nesse regime alternado por
anestésicos locais de longa duração4,78. causa do potencial para interações medicamentosas.
O segundo método para combinar um AINE com
um opioide para tratar dor de intensidade moderada a
Plano de prescrição flexível severa explora as vantagens analgésicas do AINE e do
Uma terceira conduta farmacológica é usar um opioide pela administração de uma combinação sim-
plano flexível de prescrição analgésica1,13,43-45,58,60,114. Tal ples dessas drogas. Por exemplo, o Vicoprofen contém
plano serve para minimizar a dor pós-operatória e os ibuprofeno a 200mg e hidrocodona a 7,5mg em um
efeitos colaterais. Com esse objetivo em mente, a es- comprimido. (Nota: esse medicamento não se encontra
tratégia é primeiro alcançar uma dose de analgésico disponível no Brasil.) Estudos de dor pós-operatória
não narcótico com máximo de eficácia (um AINE ou têm demonstrado que essa combinação foi cerca de
acetaminofeno para pacientes que não podem tomar 80% mais eficaz para analgesia do que o ibuprofeno
AINEs). Segundo, naqueles raros casos em que o pa- a 200mg sozinho, com aproximadamente a mesma
ciente ainda apresenta dor moderada a grave, o clínico incidência de efeitos colaterais120. Dobrar a dose para
deveria considerar a necessidade de combinar outras ibuprofeno a 400mg e hidrocodona a 15mg produz
drogas para aumentar a analgesia. Por causa do seu va- ainda maiores efeitos de analgesia com concomitante
lor preditivo, a presença de dor ou alodinia mecânica aumento dos efeitos colaterais105,120. Não há estudos
pré-operatória pode servir como uma indicação para o disponíveis comparando o Vicoprofen sozinho com a
uso dessas combinações de AINEs. combinação de Vicoprofen e 200 a 400mg de ibuprofe-
Estudos recentes têm demonstrado que a combi- no. Outros opioides podem também ser adicionados a
nação de um AINE com acetaminofeno 1.000mg sozi- um AINE para aumentar a analgesia. Por exemplo, o
nho (isto é, sem opioide) produz cerca de duas vezes a ibuprofeno a 400mg com 10mg de oxicodona em com-
resposta analgésica de pacientes tratados apenas com o primido produz analgesia significativamente maior do
AINE7,14,77. A administração de ibuprofeno 600mg com que o ibuprofeno a 400mg sozinho20. Um estudo recen-
acetaminofeno 1.000mg resultou em alívio significante te sobre dor pós-operatória em Endodontia demons-
da dor pós-operatória endodôntica em comparação com trou benefícios a curto prazo da combinação entre flur-
o ibuprofeno sozinho ou com o placebo. Além disso, es- biprofeno e tramadol26. Outra combinação de AINE e
tudos demonstraram que a administração concomitan- opioide também tem sido avaliada23.
te de um AINE com o acetaminofeno combinado com Obviamente, nem todos os pacientes requerem
opioide produziu analgesia significativamente maior uso concomitante de AINE com uma combinação
do que quando comparado com o AINE sozinho7,104. de acetaminofeno e opioide, tampouco combinações de
O uso concomitante de AINEs e acetaminofeno parece um AINE e um opioide. Na verdade, essa é a premis-
ser bem tolerado, sem aumento detectável nos efeitos sa básica do plano flexível de prescrição, ou seja, que
colaterais ou alterações na farmacocinética7,66,104,125. o analgésico prescrito se encaixe nas necessidades do
Em situações raras pode ser necessário receitar paciente. A maior vantagem de um plano flexível de
um AINE com um opioide. Há dois métodos gerais prescrição é que o clínico está preparado para aqueles
para combinar um AINE com um opioide a fim de tra- raros casos em que uma terapia farmacológica adicio-
tar casos raros de dor moderada a severa. nal está indicada, o que aumenta a eficácia do controle
O primeiro método atinge as vantagens anal- da dor. Como discutido previamente, a presença de hi-
gésicas do AINE e também do opioide por meio da peralgesia pré-operatória pode servir como indicação
prescrição de um regime alternado consistindo de um para uma terapia farmacológica mais consistente.
AINE seguido por uma combinação de acetaminofeno As informações e recomendações fornecidas nes-
e opioide1,13. Por exemplo, um paciente de emergên- te capítulo foram selecionadas para ajudar o clínico
Analgésicos em Endodontia 787

no manejo da dor endodôntica aguda. Todavia, o jul- 17. Cryer B, Feldman M. Cyclooxygenase-1 and cyclooxygena-
gamento clínico deve também levar em consideração se-2 selectivity of widely used nonsteroidal anti-inflamma-
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Capítulo 21
Antibióticos em
Endodontia

José Freitas Siqueira Jr.


Julio Cezar Machado de Oliveira

Inquestionavelmente, a descoberta dos antibióti- fenômeno e deu o nome à substância produzida pelo
cos representa um dos maiores avanços da humanida- fungo de penicilina. Após descobrir que a penicilina
de. Doenças infecciosas, que representavam uma das era também eficaz contra pneumococos, estreptococos,
principais causas de mortalidade até o início do século gonococos e meningococos e publicar seu trabalho clás-
XX, passaram a ser controladas de forma extremamen- sico em 1929 (além de outro em 1932), Fleming abando-
te eficaz. nou seus estudos sobre esse fungo e essa substância.
Como a maioria das grandes descobertas da hu- Fleming não isolou a penicilina pura, tampouco
manidade, a dos antibióticos também foi casual. Em demonstrou seus efeitos quimioterapêuticos. A penici-
1875, John Tyndall, médico inglês, observou que espo- lina apenas começou a ser empregada em pacientes no
ros de um fungo que contaminou seus tubos de cultura início da década de 1940, após inúmeras investigações
eram capazes de destruir bactérias. Todavia, não deu e os esforços de um grupo de pesquisadores notáveis
maior importância a tais achados. A razão para isso pa- em Oxford, chefiado por Howard Walter Florey e com-
rece óbvia. Sua descoberta da propriedade antibacteria- posto por Chain, Jennings, Heatley e Abraham. A his-
na desse fungo ocorreu cerca de 7 anos antes de Robert tória da humanidade e sua relação com doenças infec-
Koch demonstrar, em 1882, que as bactérias podiam ciosas começou a mudar significativamente. Em 1945,
causar doenças. Na verdade, a descoberta da penici- Fleming, Florey e Chain foram, com justiça, laureados
lina é creditada a Alexander Fleming, médico escocês, com o Prêmio Nobel de Medicina15.
que trabalhava no Hospital Saint Mary, em Londres. A Antibiótico é uma substância produzida por um
descoberta de Fleming também foi casual. Esporos de micro-organismo (geralmente bactéria ou fungo) ou
um fungo – o Penicillium notatum – que se dispersaram uma similar desenvolvida total ou parcialmente por
pelo ar, originários da manipulação em um laboratório síntese química, que, em baixas concentrações, inibe o
no andar debaixo do de Fleming, contaminaram suas metabolismo ou destrói micro-organismos. Os antibi-
placas nas quais Staphylococcus aureus estavam sendo óticos exercem seus efeitos sobre um grupo de micro-
cultivados. Ao retornar de suas férias em setembro de organismos, e o alcance de efetividade é denominado
1928, Fleming observou que, embora um profuso cres- espectro. Antibióticos de amplo espectro agem sobre
cimento de estafilococos ocupasse a superfície do ágar, uma ampla variedade de micro-organismos gram-
uma ampla área em volta do crescimento do fungo Pe- positivos e gram-negativos, enquanto os de pequeno
nicillium não apresentava crescimento bacteriano. Con- espectro atuam apenas sobre um número reduzido de
trariamente a Tyndall, Fleming resolveu estudar esse espécies.

791
792 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

Alguns micro-organismos são considerados pató- ocorrem exclusivamente sobre micro-organismos, uma
genos verdadeiros, isto é, quando conseguem se esta- vez que afetam estruturas ou vias metabólicas não ob-
belecer no hospedeiro irão necessariamente provocar servadas em nossas células. Tais efeitos são principal-
doença. Exemplos desse tipo de micro-organismo são mente representados por:
as espécies bacterianas Treponema pallidum e Clostri-
dium tetani, agentes etiológicos da sífilis e tétano, res- • Inibição da síntese de parede celular (β-lactâmicos,
pectivamente. Entretanto, um número considerável vancomicina, bacitracina);
de micro-organismos coloniza o organismo humano • Ação sobre a membrana citoplasmática (polimixi-
sem provocar doença e, de fato, são fundamentais nas, poliênicos);
para a homeostase, para o funcionamento normal dos • Inibição da função do DNA (metronidazol, quinolo-
sistemas e para a própria manutenção da vida. Esses nas, novobiocina);
micro-organismos ajudam na digestão de alimentos e • Inibição da síntese de proteínas (aminoglicosídeos,
dificultam ou mesmo impedem que patógenos estritos cloranfenicol, macrolídeos, tetraciclinas, lincosami-
se estabeleçam no hospedeiro, já que ocupam espaço das);
e produzem substâncias que são tóxicas para outros • Inibição da síntese de ácido fólico (sulfonamidas,
micro-organismos. Obviamente, se um micro-organis- trimetoprim).
mo que coloniza a cavidade oral tem acesso a locais
que deveriam se manter estéreis (como a polpa dental), Apenas os antibióticos de interesse para o contro-
tem-se uma situação onde esse ser, antes benéfico ao le das infecções endodônticas serão considerados neste
hospedeiro, irá agora produzir doença. Os micro-orga- capítulo.
nismos que possuem esse comportamento dual cons-
tituem a microbiota anfibiôntica humana e podem ser
considerados patógenos oportunistas. A relação entre
 PRINCÍPIOS DE ANTIBIOTICOTERAPIA
os micro-organismos que constituem a microbiota anfi- Antibióticos não promovem a cura do processo
biôntica e entre esses e o hospedeiro humano progride infeccioso, mas permitem um controle da infecção até
ao longo dos anos desde a infância até alcançar uma que os mecanismos de defesa do hospedeiro, inicial-
situação equilibrada na vida adulta. Interferir nesse mente surpreendidos pelos micro-organismos pato-
equilíbrio ecológico sempre poderá acarretar prejuízos gênicos, consigam efetivamente controlar a situação
ao hospedeiro humano. e debelar a infecção45,48. Atualmente, tem havido uma
Portanto, o antibiótico ideal seria aquele que eli- grande mobilização da comunidade científica no senti-
minasse micro-organismos patogênicos sem afetar o do de restringir o uso de antibióticos para apenas as si-
hospedeiro humano. Tal medicamento não existe e tuações em que essas drogas são realmente necessárias
provavelmente não existirá em se tratando dos micro- e nas quais o benefício supera o risco do emprego. Par-
organismos envolvidos nas infecções endodônticas, tindo dessa conscientização, o profissional deve, antes
pois os prováveis patógenos endodônticos parecem ser de pensar em qual antibiótico irá receitar, avaliar a real
alguns dos constituintes da microbiota anfibiôntica hu- necessidade de seu uso. Em aproximadamente 60%
mana, ou seja, essas infecções são endógenas e a gran- dos casos de infecção em humanos, as próprias defesas
de maioria dos micro-organismos envolvidos pode ser do hospedeiro são as responsáveis pela resolução do
considerada patógenos oportunistas. processo sem a necessidade de utilização de antibió-
O médico alemão Paul Ehrlich (1854-1915) estabe- ticos39. Como será discutido adiante neste capítulo, o
leceu no início do século XX o conceito básico da qui- uso indiscriminado de antibióticos é a causa principal
mioterapia anti-infecciosa: A droga deve ser seletiva para do crescente desenvolvimento de resistência bacteria-
o agente agressor em dose tolerada pelo hospedeiro. A partir na, o que tem gerado consequências desastrosas para
desse conceito procura-se escolher o medicamento que a humanidade.
apresente o mínimo de efeitos colaterais ao hospedeiro, Antibióticos não são eficazes no tratamento de
dentro da dosagem mínima efetiva e pelo tempo míni- doenças crônicas, como no caso de lesões perirradi-
mo de administração necessário, de forma que se afete culares refratárias ao tratamento endodôntico. Nessas
minimamente o equilíbrio ecológico do hospedeiro. situações, o uso prolongado da droga pode induzir a
Os efeitos dos antibióticos se devem à sua ação seleção e predomínio de micro-organismos resistentes,
específica sobre determinados alvos estruturais ou me- além de predispor a infecções secundárias em outras
tabólicos dos micro-organismos. Muitos desses efeitos regiões do organismo. Tem sido demonstrado que o
Antibióticos em Endodontia 793

índice de sucesso do tratamento endodôntico não é da infecção8. De fato, mesmo nos casos dos abscessos
aumentado após o emprego de antibioticoterapia sis- perirradiculares agudos mais exuberantes que evo-
têmica55. Além disso, o uso de antibióticos também não luíram para celulites (como na angina de Ludwig), a
reduz a incidência de dor pós-operatória após a mani- terapia cirúrgica constitui o fator mais importante no
pulação de dentes com polpas necrosadas e com lesão controle da infecção, sendo a terapia antibiótica impor-
perirradicular associada64. Na verdade, os antibióticos tante nesses casos, mas coadjuvante12,33.
devem ser, na maioria das vezes, reservados para o
tratamento a curto prazo de doenças infecciosas com
 INDICAÇÕES PARA O USO DE
sintomatologia aguda ou como medida profilática.
Nos casos em que a antibioticoterapia sistêmica
ANTIBIÓTICOS SISTÊMICOS EM
está indicada, alguns princípios básicos devem ser obe- ENDODONTIA
decidos. Como a maioria das infecções orais é de rápi- O uso de antibióticos em Odontologia tem sido
da progressão, há a necessidade de se realizar imedia- cada vez mais restrito e há uma grande preocupação
ta terapia antibiótica, não havendo geralmente tempo quanto ao uso errôneo ou abusivo dessas drogas19,60,62.
para coletar material, cultivar os micro-organismos e A Endodontia se insere perfeitamente nesse contexto
realizar o antibiograma. Assim, a escolha do antibióti- de conscientização quanto ao emprego de antibiotico-
co deve recair sobre a droga reconhecidamente eficaz terapia sistêmica. Cumpre salientar que a grande maio-
contra as espécies comumente isoladas daquele proces- ria das infecções de origem endodôntica é tratada sem
so infeccioso. Como as infecções endodônticas são mis- a necessidade do emprego de antibióticos. A ausência
tas, de etiologia polimicrobiana, e predominadas por de circulação sanguínea na polpa necrosada e infecta-
anaeróbios estritos gram-negativos, deve-se optar por da impede o acesso de antibióticos administrados sis-
um antibiótico de amplo espectro com eficácia sobre temicamente a micro-organismos infectando o sistema
esses tipos de bactérias. de canais radiculares. Assim, a fonte de infecção não
É importante, quando do tratamento de infecções é afetada pela antibioticoterapia sistêmica. Por outro
graves, iniciar a terapia com uma dose de ataque, que lado, os antibióticos podem ajudar a impedir a disse-
usualmente corresponde ao dobro da dose de manu- minação da infecção endodôntica e o desenvolvimento
tenção. A maioria dos antibióticos empregados em in- de infecções secundárias em pacientes medicamente
fecções na cavidade oral possui meia-vida inferior a 3 comprometidos. Isso faz com que antibióticos sejam
horas. Os níveis plasmáticos ideais dos antibióticos são de grande valia no tratamento coadjuvante de alguns
usualmente obtidos em período de três a cinco vezes casos de infecções endodônticas. As raras ocasiões em
maior do que a sua meia-vida. Isso leva a um retardo que antibióticos devem ser prescritos em Endodontia
na obtenção de níveis terapêuticos da droga, o que é incluem:
contornado pela utilização da dose de ataque.
Pacientes sob terapia antibiótica devem ser moni- a) Abscesso perirradicular agudo com ocorrência de
torados diariamente. O melhor guia prático para se de- tumefação difusa e/ou envolvimento sistêmico.
terminar a duração da terapia antibiótica é a melhora Um abscesso perirradicular agudo em pacientes
clínica do paciente. Assim, se as evidências clínicas in- saudáveis que se apresenta com tumefação localiza-
dicam que a infecção está sob controle do hospedeiro, da e sem envolvimento sistêmico é tratado de forma
antibióticos deveriam ser administrados por não mais extremamente eficaz por meio de drenagem via in-
do que 1 a 2 dias. Não há benefícios em se prolongar cisão e/ou via canal, seguida pelo preparo químico-
a terapia antibiótica por mais tempo que o necessário. mecânico completo, sem a necessidade de adminis-
Pelo contrário, os riscos aumentam significativamen- tração de antibióticos. Em indivíduos saudáveis, a
te, tanto em relação ao favorecimento da expressão de drenagem do exsudato purulento permite a redução
resistência, como pelo desequilíbrio ecológico na mi- significativa de irritantes microbianos e mediadores
crobiota anfibiôntica. Outro fato que contribui para um químicos da inflamação, permitindo o início do pro-
tempo mais reduzido de administração de antibióticos cesso de reparação sem a necessidade de emprego
na Endodontia se dá pela terapia cirúrgica que acom- de antibióticos. Contudo, em pacientes imunocom-
panha o tratamento, seja pela drenagem de coleção prometidos/imunossuprimidos devem ser pres-
purulenta da lesão perirradicular, seja pelo preparo critos antibióticos mesmo se a drenagem foi logra-
químico-mecânico do canal radicular ou mesmo pela da satisfatoriamente, pois nesses pacientes podem
exodontia do elemento dentário que constitui a fonte ocorrer complicações sistêmicas mesmo diante de
794 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

quadros infecciosos brandos. Quando o abscesso está infeccioso (que inclusive já pode estar na intimida-
associado à ocorrência de tumefações difusas, levan- de dos tecidos perirradiculares), pode-se empregar
do ao desenvolvimento de uma celulite com a disse- um antibiótico para debelar sinais e sintomas per-
minação do processo infeccioso para outros espaços sistentes. A amoxicilina em comprimidos de 875mg
anatômicos, ou quando está associado a indícios de de 12 em 12 horas ou cápsulas de 500mg de 8 em 8
envolvimento sistêmico, como febre, mal-estar, lin- horas é o antibiótico de eleição. Em casos resisten-
fadenite regional ou trismo, é necessária a utilização tes ou em pacientes alérgicos, utiliza-se a clinda-
de antibióticos como tratamento coadjuvante à dre- micina (cápsulas de 150 a 300mg de 6 em 6 horas),
nagem, pois o sistema imunológico do paciente não não sendo indicado o uso isolado do metronidazol,
está sendo capaz de fazer frente ao avanço da infec- pois algumas espécies bacterianas frequentemente
ção. Deve-se realizar um monitoramento diário da associadas a esses quadros pertencem aos gêne-
resposta do paciente à terapia antibiótica e, diante ros Actinomyces, Propionibacterium e Streptococcus,
do fracasso em obter a melhora clínica em 48 horas, geralmente resistentes a esse antimicrobiano. Se
deve-se optar por uma droga com espectro diferen- possível, realizar a coleta de material para análise
ciado. microbiológica. Embora alguns recomendem o uso
Nos casos de abscessos mais graves ou de celu- de apenas anti-inflamatórios nesses casos, tais me-
lites, em que o envolvimento sistêmico do paciente dicamentos podem mascarar a causa do problema
pode ser mais crítico, optamos por uma abordagem por reduzir a exsudação/sintomatologia atuando
antimicrobiana mais ampla com a prescrição da as- no processo inflamatório, que é a consequência,
sociação amoxicilina com o ácido clavulânico como não a causa.
primeira opção. Casos raros que não respondam a d) Abscesso perirradicular agudo em pacientes de ris-
essa medicação devem ser considerados para en- co. Exemplos de pacientes de risco incluem imuno-
caminhamento ao cirurgião bucomaxilofacial para comprometidos, imunossuprimidos, diabéticos não
internação hospitalar. Nos casos de abscessos dre- controlados e aqueles propensos a desenvolverem
nados em ambiente hospitalar, deve-se encaminhar um quadro de endocardite bacteriana. Como em
parte da coleção purulenta coletada para a realiza- casos de abscesso agudo pode se estabelecer uma
ção do teste de sensibilidade aos antimicrobianos bacteremia, é indicada a terapia antibiótica para pre-
(TSA ou antibiograma). Com o paciente internado, venir o estabelecimento de complicações infecciosas
geralmente se inicia a terapia endovenosa com am- sistêmicas. Além disso, o antibiótico deve ser bacte-
picilina associada ao metronidazol ou a um amino- ricida (no caso, a amoxicilina), uma vez que a resis-
glicosídeo, aguardando-se o resultado do TSA para tência do hospedeiro está baixa. Nesses pacientes,
eventuais mudanças na abordagem terapêutica. Aos o antibiótico auxilia de forma decisiva no controle
pacientes graves e alérgicos às penicilinas, a clinda- da infecção, criando um ambiente propício para a
micina na dosagem de 300mg de 6 em 6 horas pare- ulterior (e usualmente tardia) reparação.
ce a melhor opção2,20,61. e) Uso profilático em pacientes de risco. Embora a
b) Avulsão dentária. O emprego de antibioticotera- incidência de bacteremia seja baixa durante a exe-
pia em casos de reimplante de dentes avulsionados cução dos procedimentos endodônticos, pacientes
pode favorecer o prognóstico do tratamento. A as- com risco de desenvolver endocardite bacteriana
sociação Internacional de Traumatologia Dentária devem receber profilaxia antibiótica, de acordo com
(IADT) publicou em 2007 um consenso sobre o ma- o regime proposto pela American Heart Association
nejo dos casos de avulsão de dentes permanentes em (AHA)13,68,69. Há outras condições que também po-
que recomenda a utilização da doxiciclina adminis- dem requerer cobertura antibiótica durante a inter-
trada sistemicamente (100mg/dia por 7 dias) para venção intracanal. (O uso profilático de antibióticos
estes casos. Se o paciente tiver menos que 12 anos será discutido mais adiante.)
de idade, a medicação de escolha será a penicilina V
(40mg/kg/dia ou 50.000U/kg/dia de 6/6 horas por Uma vez que os antibióticos não penetram bem
7 dias). em áreas de abscesso, é de suma importância que se
c) Sintomatologia e/ou exsudação persistentes. Em estabeleça a drenagem da coleção purulenta a fim de
raras situações, quando os procedimentos intra- se eliminarem as potenciais barreiras para a difusão
canais de instrumentação e medicação intracanal dos antibióticos. Salienta-se então que antibióticos
não estão sendo suficientes para eliminar o agente não devem ser utilizados isoladamente para tratar
Antibióticos em Endodontia 795

abscessos de origem endodôntica. Na verdade, são últimos para o tratamento de abscessos orais. Amoxici-
drogas coadjuvantes ao tratamento que consiste em lina/clavulanato, clindamicina, telitromicina e metro-
drenagem e posterior tratamento endodôntico ou nidazol apresentaram elevada eficácia contra cepas de
extração dentária. A drenagem de abscessos e remo- Prevotella resistentes à amoxicilina.
ção de tecidos necrosados como medida principal do Amoxicilina tem sido amplamente utilizada no Ja-
tratamento é conduta mandatória em todas as áreas pão e na Europa para o tratamento de abscessos orais,
da Medicina, não sendo uma manobra original da principalmente por causa da melhor absorção no trato
Odontologia8,9,32,42. gastrintestinal quando comparada a outras penicilinas
O uso de antibióticos para o tratamento de in- orais. Por sua vez, a penicilina V tem sido a preferida
fecções de origem endodôntica é iniciado tomando-se nos Estados Unidos34.
como base os patógenos endodônticos mais prováveis A opção pela associação amoxicilina/clavulanato
de estarem envolvidos. A amoxicilina, uma penicilina como primeira escolha deve se limitar aos casos mais
semissintética de amplo espectro, representa o antibió- graves, já que se mostra a mais eficaz, porém com maior
tico de primeira escolha a ser usado, uma vez que seu propensão a efeitos colaterais. Apesar de a amoxicilina
espectro abrange os principais micro-organismos en- isoladamente não ser tão eficaz, sua condição de pri-
volvidos no abscesso perirradicular agudo. meira escolha permanece para os casos considerados
Baumgartner e Xia6 testaram 98 cepas bacterianas como moderados ou leves, em que há uma situação de
quanto à suscetibilidade a seis antibióticos por meio início de sinais de envolvimento sistêmico, mas ainda
do método do E-test. Os percentuais de suscetibilida- sem gravidade34. De acordo com o conceito risco/be-
de das 98 cepas testadas foram os seguintes, em ordem nefício, a amoxicilina será adequada na grande maioria
decrescente: dos casos provocando menos efeitos colaterais sobre a
homeostase do paciente do que a associação amoxici-
• Amoxicilina/ácido clavulânico: 98 de 98 (100%); lina/clavulanato, associação essa muito mais propensa
• Clindamicina: 94 de 98 (96%); à indução de quadros diarreicos e ao favorecimento da
• Amoxicilina: 89 de 98 (91%); candidíase.
• Penicilina V: 83 de 98 cepas (85%); Dessa forma, consideraremos aqui duas situa-
• Metronidazol: 44 de 98 (45%). ções clínicas distintas para a escolha da apresentação
da amoxicilina: casos graves e leves/moderados. Os
O metronidazol apresentou o maior percentual casos graves serão aqueles caracterizados como abs-
de resistência bacteriana. Entretanto, usado em combi- cessos perirradiculares agudos com sinais de envol-
nação com a amoxicilina ou penicilina V, o percentual vimento sistêmico, quando optamos pela amoxicilina
de cepas suscetíveis se elevou para 99 e 93%, respecti- associada ao ácido clavulânico (cápsulas com 500mg
vamente. de amoxicilina e 125mg de clavulanato) de 8 em 8 ho-
Kuriyama et al.34 determinaram a suscetibilida- ras. Quando houver uma evolução negativa nesses
de antimicrobiana de 800 cepas isoladas de patógenos casos após 48 horas de início da antibioticoterapia, a
anaeróbios associados a abscessos orais (Prevotella spp., conduta ideal deverá ser o encaminhamento do pa-
Fusobacterium spp., Porphyromonas spp. e Parvimonas mi- ciente para internação hospitalar e acompanhamento
cra) a vários antibióticos. Embora a maioria das cepas pelo cirurgião bucomaxilofacial. Pacientes alérgicos às
de Fusobacterium tenha sido resistente a eritromicina, penicilinas receberão a clindamicina na posologia de
azitromicina e telitromicina, vários outros antibióticos, 300mg de 6 em 6 horas. Em ambos os casos deve-se
como penicilinas, cefalosporinas e clindamicina, de- iniciar a terapia com uma dose de ataque constituída
monstraram alto grau de eficácia. P. micra e Porphyro- de uma dose dobrada. É imperioso salientar também
monas spp. foram altamente sensíveis a todos os anti- que a terapêutica com antibiótico deve persistir por
bióticos testados. Em relação às espécies de Prevotella, 2 a 3 dias após a resolução dos sinais e sintomas da
resistência à amoxicilina ocorreu em 34% das cepas, to- infecção, o que geralmente irá resultar em 5 a 7 dias
das produtoras de β-lactamase. A suscetibilidade das de administração, desde que a terapia cirúrgica tenha
cepas de Prevotella ao cefaclor, cefuroxima, cefcapene, sido corretamente conduzida.
cefdinir, eritromicina, azitromicina e minociclina esta- Nos casos que podem ser classificados como leves
va relacionada com a suscetibilidade à amoxicilina. To- a moderados (como na profilaxia em seguida aos reim-
das as cepas resistentes à amoxicilina também o foram plantes e na proteção contra a bacteremia e casos de
às cefalosporinas, o que questiona a indicação desses abscessos sem envolvimento sistêmico para pacientes
796 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

imunossuprimidos) ou nos casos de terapia coadjuvan- zendo uso de contraceptivos orais sejam alertadas para
te de canais com exsudato persistente, pode-se optar o risco de interferência dos antibióticos e aconselhadas
por uma abordagem mais conservadora, e a escolha a usar métodos anticoncepcionais alternativos desde o
recai para o uso isolado da amoxicilina na forma de início do uso de antibióticos até 1 semana depois de
comprimidos solúveis de 875mg administrados duas encerrada a terapia antibiótica10,29.
vezes ao dia. Nesses casos, quando houver sinal de re- As dosagens terapêuticas para adultos dos anti-
sistência à amoxicilina, com uma evolução desfavorá- bióticos mais utilizados em Endodontia são mostra-
vel do quadro infeccioso do paciente mesmo 48 horas das no Quadro 21-1 e suas principais propriedades
após o início da antibioticoterapia, optamos por orien- farmacocinéticas, no Quadro 21-2. As dosagens refe-
tar o paciente a adquirir o metronidazol na apresenta- rentes ao uso profilático de antibióticos são discuti-
ção de comprimidos de 250mg (podendo essa dosagem das em seção separada adiante. As principais causas
ser elevada até 400mg de 8 em 8 horas se necessário) e de fracasso da antibioticoterapia são mostradas no
administrá-lo associado à amoxicilina. A associação do Quadro 21-3.
metronidazol com a amoxicilina apresenta resultados
semelhantes quanto ao espectro de ação da associa-
ção amoxicilina/clavulanato34 por um custo inferior.
 PRINCIPAIS ANTIBIÓTICOS DE
Os efeitos colaterais do metronidazol (discutidos mais INTERESSE NA CLÍNICA ENDODÔNTICA
adiante) são minimizados pela dosagem menor do que β-lactâmicos
quando do seu uso isolado, e a possibilidade de ocor-
Os principais antibióticos que compõem esse gru-
rência da colite pseudomembranosa também fica mini-
po são as penicilinas e as cefalosporinas, que possuem
mizada pela ação do metronidazol sobre o Clostridium
um anel β-lactâmico. O ácido clavulânico também pos-
difficile. Uma outra opção seria a substituição da amoxi-
sui o anel β-lactâmico, mas não deve ser considerado
cilina pela clindamicina na dosagem de 150mg de 6 em
um antibiótico.
6 horas, sendo também essa a opção para os pacientes
Os antibióticos desse grupo são bactericidas, agin-
alérgicos às penicilinas.
do pela inibição da síntese de parede celular.
Embora tenha sido sugerido que a terapia sistê-
mica com antibióticos possa reduzir a eficácia de con-
traceptivos orais, estudos demonstram que a taxa de
Penicilinas
fracasso dos anticoncepcionais (1 a 3%) não é diferente Penicilina é um termo genérico para um grupo de
da observada quando do uso concomitante de antibió- antibióticos de estrutura química similar, todos pos-
ticos29. Mesmo assim, é recomendável que pacientes fa- suindo como núcleo molecular o ácido 6-aminopenici-

Quadro 21-1 Dosagens terapêuticas de antibióticos para adultos (via oral)

Antibiótico Dosagem

Amoxicilina (comprimidos solúveis) 875mg de 12 em 12h


Amoxicilina (cápsulas) 500mg de 8 em 8h

Clindamicina 150 a 300mg de 6 em 6h

Metronidazol 400mg de 8 em 8h
Metronidazol (associado à amoxicilina) 250 a 400mg de 8 em 8h

Ciprofloxacin 500mg de 12 em 12h

Azitromicina 250-500mg 1 × por dia

Penicilina V 500mg de 6 em 6h

Doxiciclina Inicial (200mg): 100mg a cada 12h


Manutenção: 100mg 1 × por dia
Antibióticos em Endodontia 797

Quadro 21-2 Farmacocinética dos principais antibióticos usados em Endodontia (via oral)

Antibiótico % absorção após % ligação Meia-vida Pico (horas) Efeito adverso mais comum
administração oral a proteínas (horas) (ocorrência)
plasmáticas

Amoxicilina 93 18% 1,7 1-2 Hipersensibilidade (5%)


Diarreia (5%)

Clindamicina 87 94% 2,9 – Diarreia (7%)

Metronidazol 99 11% 8,5 2,8 Náusea/vômito (12%)

Ciprofloxacin 60 40% 3,3 0,6 Náusea/vômito (5%)


Fotossensibilidade

Azitromicina 34 7-50% 40 2-3 Diarreia (5%)

Penicilina V 75 80% 1 0,5-1 Hipersensibilidade (5%)


Diarreia (5%)

Doxiciclina 93 88% 16 1-2 Fotossensibilidade

Quadro 21-3 Principais causas de fracasso da antibioticoterapia

• Escolha imprópria do antibiótico


• Emergência de cepas microbianas resistentes
• Dosagem baixa do antibiótico
• Micro-organismos de crescimento lento (crítico p/β-lactâmicos)
• Baixa resistência do hospedeiro
• Paciente não coopera (não toma o medicamento como recomendado; por exemplo, não respeita intervalos)
• Baixa penetração do antibiótico no sítio infectado (presença de pus, bactérias em biofilmes etc.)
• Baixa vascularização do sítio infectado (por exemplo, devido à necrose)
• Permanência da fonte de infecção

lânico, mas com diferentes espectros de atividade anti- Biossintéticas:


bacteriana, farmacocinética e modelos de resistência à Penicilina V (fenoximetil penicilina)
ação de β-lactamases.
Por atuarem sobre uma estrutura não existente
em células eucarióticas, isto é, a parede celular bacte- Semissintéticas:
riana, as penicilinas são dotadas de toxicidade seletiva. Isoxazolil penicilinas – oxacilina, cloxacilina e di-
Contudo, são os antibióticos mais propensos a causar cloxacilina
reações alérgicas. Aminopenicilinas – ampicilina e amoxicilina
As penicilinas podem ser classificadas em três
grupos, segundo sua origem: A penicilina V apresenta melhor absorção oral
do que a penicilina G. A absorção oral das penicilinas
Naturais: de amplo espectro (ampicilina e amoxicilina) é pouco
Penicilina G cristalina afetada pela ingestão de alimentos. Ambas apresentam
Penicilina G procaína espectro de ação idêntico. Entretanto, a amoxicilina al-
Penicilina G benzatina cança níveis séricos duas vezes maiores do que a am-
798 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

picilina por sua melhor absorção e, por isso, constitui gram-negativas. A presença do grupamento amina au-
a escolha frente à ampicilina quando da utilização por menta a penetração desses agentes através da membra-
via oral. na externa de gram-negativos.
As isoxazolil penicilinas apresentam pequeno A maioria das cepas de anaeróbios, como Por-
espectro de atividade antibacteriana, sendo, contudo, phyromonas, Prevotella, Fusobacterium, Peptostreptococ-
resistentes à ação das β-lactamases. As aminopenicili- cus, Campylobacter e Actinomyces e de facultativos, como
nas apresentam um amplo espectro de ação, mas são estreptococos, enterococos e Capnocytophaga, isoladas
sensíveis à ação das enzimas β-lactamases. de canais radiculares ou de abscessos perirradiculares,
Cerca de 10% da população sofre de alergia às é sensível à amoxicilina, o que faz desse antibiótico o
penicilinas. A incidência de alergia varia com a via de de primeira escolha no tratamento das infecções endo-
administração: oral – 0,3%; intravenosa – 2,5%; intra- dônticas.
muscular – 5%. Em cerca de 75% dos óbitos por res- A associação da amoxicilina com o ácido clavulâni-
posta anafilática às penicilinas, não há relato prévio co resulta em uma combinação extremamente eficaz, pela
de alergia a essa droga. As penicilinas são a principal inativação que o clavulanato provoca nas β-lactamases.
causa de morte por anafilaxia nos Estados Unidos, cor- Com o espectro de ação aumentado pela associação da
respondendo a 75% dos casos, isto é, de 400 a 800 mor- amoxicilina com o clavulanato, a quase totalidade das
tes anuais. Essa droga pode funcionar como hapteno, espécies bacterianas envolvidas em infecções endodôn-
ligando-se a proteínas do hospedeiro, assumindo as- ticas fica afetada. Por outro lado, a possibilidade do
sim imunogenicidade capaz de evocar três tipos de hi- surgimento de superinfecções aumenta, podendo mais
persensibilidade imunológica: tipo I (anafilática); tipo facilmente ocorrer episódios de candidíase ou diarreia.
II (citotóxica) e tipo III (complexo imune). As espécies bacterianas mais frequentemente associadas
à produção de β-lactamases na cavidade oral pertencem
Mecanismo de ação aos gêneros Prevotella e Fusobacterium, ambos fortemen-
As penicilinas agem por inibição da síntese da pa- te associados à infecção endodôntica. Estima-se que um
rede celular bacteriana, tendo um efeito bactericida. Por terço das espécies de Prevotella encontradas na cavidade
atuar dessa forma, requerem que os micro-organismos oral sejam produtoras de β-lactamase, o que poderia re-
estejam em estado de proliferação, o que comumente sultar em um grau de ineficácia elevado da amoxicilina
ocorre em processos infecciosos. A inibição se dá pela no tratamento das infecções orais, mas tal fato ainda não
ligação covalente, irreversível, a enzimas transpeptida- se observa na prática clínica34. Entretanto, há indícios su-
ses (também conhecidas como PBP – penicilin binding gestivos de que a incidência de Prevotella spp. em infec-
protein), que promovem a transpeptidação, responsá- ções endodônticas de indivíduos brasileiros possa não
vel pelas ligações cruzadas entre as moléculas de pep- ser tão elevada quanto em outros países59. A resistência
tidoglicano. O arranjo tridimensional das unidades de às penicilinas pode se dar por outros mecanismos que
peptidoglicano, ditado pelas ligações cruzadas, confere não a produção de β-lactamases, sendo esses casos mais
a rigidez característica da parede celular. A deficiência raros e na maioria das vezes associados a bactérias gram-
na formação dessa configuração rompe a integridade positivas, como Enterococcus e Staphylococcus, a bactérias
da parede celular e expõe a célula bacteriana à pressão gram-negativas não fermentadoras, como Pseudomonas
osmótica, que culmina com a sua lise. É possível que e Acinetobacter, ou ainda a enterobactérias, como Kleb-
as penicilinas também inibam a atividade, de forma siella spp. Esses micro-organismos estão associados a
reversível, da enzima D-alanina carboxipeptidase, res- quadros infecciosos de difícil manejo, sendo, entretanto,
ponsável pela geração de energia para a ação das PBPs. relativamente fáceis de ser identificáveis por cultura em
Contudo, a inibição dessa enzima provavelmente não laboratórios de bacteriologia. Dessa forma, a coleta de
ocasiona efeitos letais à bactéria. material clínico para a realização do antibiograma deve
constituir conduta de rotina sempre que possível nos ca-
sos que receberam drenagem cirúrgica, aproveitando-se
Espectro de atividade o material drenado para a análise microbiológica.
As penicilinas G e V possuem espectro de ativida-
de antibacteriana similar, sendo que a última é ligeira-
mente menos eficaz contra anaeróbios estritos. As ami-
Cefalosporinas
nopenicilinas apresentam amplo espectro de atividade Seu núcleo básico é o ácido 7-aminocefalospo-
antibacteriana, sendo bastante eficazes contra bactérias rânico. Modificações no anel β-lactâmico permitiram
Antibióticos em Endodontia 799

uma maior resistência às β-lactamases e maior ligação serem menos eficazes e mais caras do que as aminope-
às PBPs por parte das cefalosporinas, quando compa- nicilinas (amoxicilina) e por não serem indicadas como
radas às penicilinas. No entanto, a atividade contra droga de eleição em pacientes alérgicos às penicilinas
gram-positivos se tornou reduzida. (pelo risco de reatividade cruzada), acreditamos que as
As cefalosporinas também agem pela inibição da cefalosporinas não têm o potencial de ser empregadas
síntese de parede celular, provavelmente por um me- no tratamento das infecções endodônticas.
canismo similar ao das penicilinas.
Ácido clavulânico e sulbactam
Espectro de atividade Como já citado, essas substâncias não devem ser
As cefalosporinas de primeira geração apresentam consideradas como antibióticos, mas uma vez que são
um espectro de atividade contra: cocos gram-positivos de grande importância na terapêutica antibiótica serão
(Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, estafi- brevemente discutidas aqui.
lococos e peptostreptococos), Escherichia coli, Klebsiella São drogas β-lactâmicas com elevada afinida-
pneumoniae e Proteus mirabilis. Exemplos: cefalexina, ce- de pelas enzimas β-lactamases, ligando-se a essas de
fadroxila, cefalotina, cefazolina e cefradina. forma irreversível e “suicida”. O mecanismo de ação
As de segunda geração são mais eficazes contra E. dessas drogas se dá pela ávida ligação da β-lactamase
coli, K. pneumoniae, P. mirabilis, Haemophilus influenzae, com o anel β-lactâmico do ácido clavulânico (ou do
Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis. A eficácia sulbactam). Essa ligação resulta na hidrólise do anel
contra gram-positivos é reduzida quando comparada β-lactâmico do clavulanato, mas a enzima permanece
às de primeira geração. Exemplos: cefaclor, cefonicida, ligada aos produtos resultantes da hidrólise, sendo
cefamandol, ceforanida e cefuroxima. dessa forma inativada irreversivelmente. Por essas ca-
As de terceira geração perderam ainda mais a racterísticas, são chamadas de drogas inibidoras das
eficácia contra gram-positivos, mas apresentam extre- β-lactamases, sendo geralmente associadas a um anti-
ma eficácia contra micro-organismos gram-negativos biótico β-lactâmico.
resistentes a vários antibióticos, como Enterobacteria- Existem vários tipos de β-lactamases, mas tanto o
ceae, Pseudomonas aeruginosa, Prevotella spp. e Bacteroi- clavulanato quanto o sulbactam são efetivos contra a
des fragilis. As cefalosporinas de terceira geração são quase totalidade dessas enzimas produzidas por bacté-
resistentes contra as β-lactamases de muitas bactérias rias associadas às infecções endodônticas. O ácido cla-
gram-negativas, sendo apenas indicadas para casos vulânico se mostra mais potente que o sulbactam e por
de infecção nosocomial (hospitalar) e/ou com risco de isso é a droga preferencial para o uso terapêutico, mas
vida. Exemplos: cefixima, cefmenoxima, cefotaxima, encontra-se disponível comercialmente a associação de
ceftazidima e ceftriaxona. sulbactam e ampicilina para uso injetável.
As de quarta geração conservaram a eficácia con-
tra gram-negativos, mas também possuem elevada po- Clindamicina
tência contra gram-positivos, especialmente contra os
estafilococos. São bastante resistentes à inativação por A clindamicina, assim como a lincomicina, é clas-
β-lactamases. Exemplos: cefpiroma, cefepima, cefqui- sificada como uma lincosamida. Quando comparada
noma, cefprozam, cefclidina, cefluprenam e cefoselis. à lincomicina, a clindamicina apresenta melhores pro-
priedades farmacocinéticas. Em baixas concentrações,
As cefalosporinas de terceira e quarta gerações de-
as lincosamidas são bacteriostáticas, enquanto, em
vem ser guardadas para infecções graves, com alto risco
maiores, são bactericidas. A clindamicina é bem ab-
de vida e envolvendo cepas microbianas multirresisten-
sorvida por via oral, atinge um pico de concentração
tes. Isso não se aplica às infecções endodônticas.
sanguínea em 45 minutos e possui meia-vida de 2 a 4
É limitada a eficácia das cefalosporinas de uso
horas.
oral contra anaeróbios estritos comumente associados
às infecções endodônticas, com exceção do cefaclor, de
segunda geração5. Além disso, também com exceção Mecanismo de ação
do cefaclor, a penetração desses antibióticos no tecido A clindamicina age por inibição da síntese pro-
ósseo é reduzida5. Todavia, o cefaclor não parece apre- teica. Ela se liga à subunidade 50S do ribossoma bacte-
sentar maior eficácia do que a amoxicilina sobre bac- riano, interferindo na ligação do tRNA ao ribossoma,
térias isoladas de lesões perirradiculares agudas34. Por inibindo a formação da cadeia peptídica.
800 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

Espectro de atividade Devido ao seu espectro de atividade antibac-


Seu espectro de atividade antibacteriana atinge teriana e à sua excelente penetração no tecido ósseo,
estreptococos, estafilococos e anaeróbios estritos, tais consideramos a clindamicina a droga de eleição para
como Peptostreptococcus, Eubacterium, Selenomonas, o tratamento de infecções endodônticas em pacientes
Campylobacter, Clostridium, Actinomyces, Veillonella, Fu- alérgicos às penicilinas e nos casos resistentes a elas.
sobacterium, Prevotella e Porphyromonas. A resistência à A posologia usual para clindamicina é de 150-
clindamicina pode ser observada em cepas de Aggre- 300mg a cada 6 horas. Optamos por administrar, con-
gatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans e Eike- comitantemente à terapêutica com clindamicina, um
nella corrodens. reconstituinte de microbiota intestinal à base de S. bou-
lardii, como o Floratil®, uma cápsula de 100mg antes
das refeições (almoço e jantar).
Efeitos colaterais
Aproveitamos para reiterar que todo paciente sob
Tem sido relatado que um dos principais e mais medicação antibiótica deve estar sob frequente obser-
sérios efeitos colaterais associados ao uso da clinda- vação para a identificação precoce de qualquer reação
micina é o desenvolvimento de colite pseudomembra- adversa que demande a intervenção do clínico.
nosa (CP). Isso ocorre por desequilíbrio da microbiota
intestinal com consequente estímulo à proliferação da
espécie C. difficile. Essa enfermidade pode ser grave,
Metronidazol
sendo caracterizada por dor abdominal, diarreia ama- O metronidazol é um derivado nitroimidazólico,
relo-esverdeada, presença de sangue e muco nas fezes, de baixo peso molecular, bastante eficaz no tratamento
desidratação e choque. de infecções por anaeróbios. Sua meia-vida plasmática
Cerca de 2 a 4% dos adultos contêm o C. difficile é de 7 a 8 horas. Apresenta excelente penetração em
como componente de sua microbiota intestinal. A esti- tecido ósseo e em áreas de abscesso.
mativa da incidência de CP associada ao uso da clinda- O uso de bebidas alcoólicas durante a terapia
micina varia entre 1/100.000 e 1/10 pacientes tomando com metronidazol deve ser evitado, pois pode resul-
a droga. tar em intoxicação por acetaldeído, gerando vômitos,
Evidências sugerem que a maioria dessas infecções tremores, inquietação e convulsões. Por agir sobre o
causadas por C. difficile seja de origem nosocomial49. DNA, questionamentos têm sido levantados quanto
Cerca de 20% das pessoas hospitalizadas por cerca de 16 a possíveis efeitos mutagênicos, teratogênicos e car-
dias são colonizadas por essa bactéria, em contraste com cinogênicos. Entretanto, esses efeitos não têm sido
os 2 a 4% de indivíduos não hospitalizados, o que indica observados em estudos clínicos usando-se a dosagem
uma contaminação em ambiente hospitalar. terapêutica.
Pacientes que apresentam sinais e sintomas de
CP devem ser encaminhados imediatamente a um Mecanismo de ação
médico. O tratamento desta condição grave é a ime- O metronidazol penetra na célula bacteriana por
diata interrupção da terapia antibiótica, administração difusão. Quando o grupo nitro do composto é reduzido
de metronidazol (250mg, 4 vezes ao dia, por 10 a 14 por uma nitrorredutase, um gradiente de concentração
dias). Situações mais graves podem requerer o uso da é gerado e mais droga adentra a célula. A redução do
vancomicina. Pode ser necessário o emprego de um metronidazol resulta na liberação de produtos tóxicos
reconstituinte de microbiota, o Saccharomyces boular- intermediários ou radicais livres que promovem danos
dii (Floratil®). Drogas que inibem o peristaltismo são ao DNA e rapidamente impedem a sua replicação. O
contraindicadas, pois retardam a excreção fecal do C. processo de redução do metronidazol ocorre em meio
difficile. Se não tratada convenientemente, pode resul- de baixo potencial de oxirredução, associado à anaero-
tar em morte. biose. Daí seu efeito bactericida específico sobre anae-
Embora um risco maior seja suspeito durante o róbios ou facultativos.
uso da clindamicina, cumpre salientar que a maioria O metronidazol é bem absorvido por via oral, não
dos antibióticos disponíveis pode induzir o desenvol- sofrendo alterações pela presença de alimentos. De fato,
vimento de CP49. Assim, pacientes submetidos à terapia sua absorção é até favorecida pela presença de alimentos
antibiótica que estejam apresentando os sinais e sinto- no estômago, e como essa droga provoca irritação gás-
mas descritos acima para essa enfermidade devem ser trica em muitos pacientes é aconselhável que seja admi-
tratados convenientemente. nistrada às refeições. Alguns pacientes reclamam ainda
Antibióticos em Endodontia 801

de náuseas, dor abdominal, cefaleia, anorexia e sensação O efeito colateral mais comum observado com o
de gosto metálico desagradável na boca. Por vezes esses uso da eritromicina é a intolerância digestiva, manifes-
sintomas são tão pronunciados que o paciente pode re- tando-se por náuseas, vômitos, dor abdominal, anore-
cusar a continuidade do tratamento. Pacientes com in- xia, distensão abdominal, flatulência e diarreia. Outro
suficiência hepática podem apresentar neuropatia, que fator negativo desse medicamento é a sua incompatibi-
reverte com a suspensão da droga. De fato, a suspensão lidade com o uso concomitante de várias substâncias,
da administração do metronidazol quando do surgi- como os anticoncepcionais orais, vitaminas do comple-
mento de sintomas de neuropatia (como a parestesia) xo B e vitamina C, fenobarbital, corticosteroides, teo-
constitui uma prática formal devido à possibilidade de filina, carbamazepina, aminofilina, ciclosporina, anti-
essas lesões se tornarem irreversíveis com a continuida- coagulantes (pode facilitar hemorragias), ergotamina,
de da administração dessa droga. digoxina e terfenadina. Esses fatores levaram ao de-
Também não é recomendável a utilização do me- senvolvimento dos novos macrolídeos para substituir
tronidazol no primeiro trimestre da gravidez, pois, a eritromicina.
apesar de não terem sido observados efeitos carcinogê- Os macrolídeos mais recentes, como a azitromici-
nicos e teratogênicos em humanos, eles ocorrem com na, a claritromicina e a roxitromicina, apresentam van-
animais de laboratório (camundongos e ratos). Desa- tagens quando comparados à eritromicina, no que tan-
conselha-se também a administração de imidazólicos ge à maior meia-vida, maior resistência à degradação
a lactantes, pois o leite adquire sabor amargo e pode por ácidos gástricos, menor irritação gástrica e eficácia
ser rejeitado pela criança ou provocar alterações na sua contra alguns patógenos, mormente gram-negativos.
microbiota entérica61. A presença de alimentos no estômago diminui o
grau de absorção da droga. Assim, os macrolídeos de-
Espectro de atividade vem ser ingeridos com estômago vazio ou antes das
refeições.
O metronidazol apresenta especificidade de atu-
ação sobre bactérias anaeróbias estritas (Prevotella,
Porphyromonas, Fusobacterium, Clostridium, Bacteroides, Mecanismo de ação
Selenomonas, Campylobacter e Peptostreptococcus) e al- O mecanismo de ação dos macrolídeos se dá pela
guns protozoários anaeróbios (Trichomonas vaginalis, ligação à subunidade ribossomal 50S, bloqueando a
Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Gardnerella va- translocação por interferir na dissociação do tRNA
ginalis). A sensibilidade de Actinomyces e Propionibac- ligado ao sítio doador do ribossoma. A eritromicina
terium ao metronidazol varia entre as cepas isoladas, também inibe a ação da peptidil-transferase, enzima
não sendo indicado para infecções onde essas bactérias que faz a transferência de aminoácidos entre os tRNA.
predominam34,56. A síntese proteica é então inibida. Nas doses usuais da
Devido ao fato de as infecções endodônticas se- prática clínica, os macrolídeos geralmente apresentam
rem predominantemente anaeróbias, consideramos atividade bacteriostática, podendo eventualmente atu-
esse antibiótico de extrema utilidade em casos refratá- ar como bactericidas em micro-organismos mais sen-
rios à terapêutica com penicilinas ou clindamicina. A síveis.
associação do metronidazol à amoxicilina em casos de
infecções endodônticas graves, mormente em pacientes Espectro de atividade
de risco e nos casos onde a amoxicilina isoladamente
A eritromicina é eficaz contra muitos estreptoco-
não mostrou resultado terapêutico, pode ser bastante
cos e alguns estafilococos. Ela pode apresentar eficácia
apropriada. A posologia usual para infecções orais em
contra Veillonella, Capnocytophaga, Campylobacter, Eu-
adultos é de 400mg a cada 8 horas.
bacterium, Actinomyces e Porphyromonas. Muitas cepas
de Prevotella, Eikenella corrodens, Selenomonas, Peptos-
Macrolídeos treptococcus e Fusobacterium apresentam resistência à
São antibióticos que apresentam em seu núcleo eritromicina.
um anel macrocíclico de lactona. Entre as drogas desse A eritromicina foi durante muito tempo o anti-
grupo, algumas têm sido indicadas para o tratamento biótico substituto das penicilinas nos pacientes odon-
de infecções orais, como a eritromicina, a azitromici- tológicos alérgicos a esses antibióticos. Entretanto, a
na, a claritromicina, a roxitromicina, a espiramicina e a eritromicina tem apresentado uma atividade apenas
miocamicina. moderada sobre os micro-organismos anaeróbios. De
802 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

fato, algumas espécies de bactérias anaeróbias, como Tetraciclinas


as do gênero Fusobacterium, assim como outros bacilos
As tetraciclinas constituem um grupo de antibi-
gram-negativos, são naturalmente resistentes à eritro-
óticos similares, com diversas substituições em suas
micina, o que leva à restrição do uso desse antibiótico
estruturas químicas. Embora o espectro de atividade
na prática odontológica28,61.
antibacteriana seja similar entre as drogas, elas po-
A espiramicina e a miocamicina apresentam ativi-
dem diferir nos valores de MIC (concentração inibitó-
dade mais pronunciada que a eritromicina sobre micro-
organismos anaeróbios, porém perderam importância ria mínima) para determinados micro-organismos, na
com o advento dos novos macrolídeos. Williams et al.67 farmacocinética e nos efeitos colaterais. As mais novas
relataram que a azitromicina apresenta um desempenho tetraciclinas (minociclina e doxiciclina) apresentam
superior à eritromicina e à claritromicina sobre anaeró- maior solubilidade em lipídios e uma maior meia-vida
bios. Esse antibiótico apresenta um prolongado tempo plasmática, requerendo dosagens menos frequentes.
de permanência nos tecidos, propiciando atividade an- Enquanto a meia-vida da tetraciclina é de 10 horas,
timicrobiana por vários dias mesmo após poucas doses a da minociclina e da doxiciclina é de cerca de 16-17
por via oral. A azitromicina apresenta espectro de ação horas. Seus efeitos tóxicos sobre as células eucarióticas
mais amplo do que a eritromicina, com uma eficácia (do organismo do paciente) se dão principalmente pela
maior sobre gram-negativos e anaeróbios, porém menor sua alta capacidade de penetrar nessas células, por sua
sobre gram-positivos. A atividade da azitromicina sobre afinidade por íons magnésio, ferro e cálcio (indispo-
os anaeróbios isolados de lesões perirradiculares agudas nibilizando esses íons para o metabolismo celular) e
não parece ser superior à da amoxicilina ou da clinda- também por inibirem em certo grau a síntese proteica
micina34. A ação variável e inconstante sobre as espécies de nossas células. A absorção oral é prejudicada pela
anaeróbias de todos os macrolídeos (inclusive dos novos ingestão de alimentos e produtos contendo sais de cál-
macrolídeos) resulta em um desempenho inferior desses cio e magnésio, hidróxido de alumínio ou bicarbonato
antibióticos em relação à clindamicina ou ao metronida- de sódio. Minociclina e doxiciclina são menos afetadas
zol no tratamento das infecções endodônticas17. por alimentos, mas sofrem interferência apenas daque-
les que contêm ferro.
Cetolídeos A tigeciclina é um novo antimicrobiano, do grupo
das glicilciclinas, derivada da minociclina, que mantém
A primeira droga dessa classe de antimicrobianos o amplo espectro de atividade das outras tetraciclinas,
foi testada em 1996, recebendo posteriormente a de- associado a um baixo risco de ocorrência de colite pseu-
nominação de telitromicina, sendo disponibilizada co- domembranosa, porém com um custo extremamente
mercialmente em 2001. Os cetolídeos vieram se somar elevado e sem disponibilidade para uso oral71.
ao grupo formado pelos macrolídeos, lincosamidas e
estreptograminas, sendo um derivado semissintético Mecanismo de ação
da eritromicina. Foram desenvolvidos inicialmente
As tetraciclinas agem por inibição da síntese pro-
para o tratamento da pneumonia comunitária. Entre-
teica. A droga é transportada através da membrana
tanto, devido a casos graves de hepatotoxicidade, foi
complexada a íons magnésio, por meio de uma perme-
proposta uma nova droga da mesma classe que ainda
ase. Uma vez dentro da célula bacteriana, liga-se a gru-
está sob avaliação, a cetromicina1,22.
pamentos fosfato (negativo) da subunidade ribossomal
30S, via magnésio (positivo), o que impede a fixação do
Mecanismo de ação
RNA transportador-aminoacil ao seu sítio receptor no
Apesar de se ligar ao mesmo sítio que os macro- ribossoma. Dessa maneira, não ocorre incorporação de
lídeos na subunidade 50S do ribossoma, a união dos novos aminoácidos, e a cadeia peptídica não se forma.
cetolídeos é mais forte do que a apresentada pelos ma- As tetraciclinas provocam com grande frequência
crolídeos (10 vezes mais forte do que a eritromicina). efeitos colaterais dos mais diversos, o que por si só já
representa um motivo para questionar seu uso clínico.
Espectro de atividade Especificamente, esses antibióticos estão formalmente
Em relação às infecções odontogênicas, os cetolí- contraindicados em pacientes que ainda se encontrem
deos não parecem mostrar um desempenho superior em idade relacionada com a formação coronária de al-
aos novos macrolídeos, sendo de custo bem mais ele- gum elemento dentário (menos de 9 anos de idade),
vado e sem eficácia comparável à clindamicina17. pois a deposição irreversível das tetraciclinas nos os-
Antibióticos em Endodontia 803

sos e dentes pode provocar desde malformações até 90% dos pacientes, que se manifestam principalmente
pigmentações irreversíveis nas coroas dentárias. Com como tonteiras, vertigem, náuseas, vômitos e ataxia.
relação às gestantes, além das possíveis malformações Esses sintomas aparecem nos primeiros 3 dias de uso e
fetais, tem sido relatado o óbito por falência hepática regridem com a suspensão do medicamento.
com doses acima de 2 gramas diários. É importante observar que o uso de tetraciclinas
em pacientes cardiopatas pode representar um pro-
blema a mais em Odontologia. As tetraciclinas, assim
Espectro de atividade
como o metronidazol, podem potencializar o efeito de
As tetraciclinas são antibióticos de amplo espec- anticoagulantes orais. Esses pacientes frequentemen-
tro, atuando sobre várias espécies gram-positivas, te fazem uso contínuo de substâncias com atividade
gram-negativas, aeróbias ou anaeróbias, além de espi- anticoagulante, e a associação com tetraciclinas pode
roquetas e alguns protozoários. Tem sido relatada uma consequentemente levar a quadros hemorrágicos com-
alta incidência de resistência às tetraciclinas por várias plexos durante o atendimento odontológico cruento,
cepas de Prevotella intermedia, Selenomonas spp. e Pep- principalmente nos procedimentos periodontais, nas
tostreptococcus spp. exodontias e na cirurgia perirradicular.
Muitas proteínas que promovem resistência às te- De acordo com Tavares61, atualmente as tetracicli-
traciclinas pelo efluxo desse medicamento do interior nas são consideradas antibióticos de primeira escolha
das células bacterianas estão codificadas no genoma de apenas nas infecções causadas por bactérias parasitas
várias espécies bacterianas. No entanto, essas proteínas intracelulares, principalmente devido à sua boa difu-
são induzidas à expressão geralmente apenas quando são para o interior das células eucarióticas, ou seja, em
da presença do antibiótico. Esses genes normalmente doenças causadas por riquétsias, clamídias e borrélias.
não são expressos, sendo reprimidos por outro gene Seu uso em outras situações deveria ser restringido aos
que codifica um sistema repressor. Esse sistema repres- casos onde se pode comprovar sua eficácia pela reali-
sor pode facilmente deixar de funcionar, seja por falha zação de um antibiograma. Tem sido frequente a de-
na sua expressão, por indução pela presença do me- tecção de espécies resistentes provenientes de bolsas
dicamento ou por informações codificadas em plasmí- periodontais e abscessos de origem endodôntica.
dios ou transposons transmitidos por outras bactérias. Por outro lado, Golub et al.,18 em um ensaio labo-
Um fator que facilita o crescimento populacional ratorial, observaram que as tetraciclinas são capazes de
das espécies resistentes é o uso rotineiro das tetracicli- inibir a colagenase, o que pode constituir um auxílio
nas em ração de animais para consumo humano, com significativo na contenção do dano aos tecidos durante
a finalidade de modular a população microbiana intes- a infecção periodontal. Esses autores chegam a suge-
tinal, sobretudo em aves, levando a um ganho de peso rir que essa atividade antienzimática das tetraciclinas
mais acelerado nesses animais. O uso indiscriminado pode ser mais importante que sua ação antimicrobiana
das tetraciclinas na forma de automedicação pelos pa- especificamente. Essa característica de inibição da cola-
cientes é muito comum, uma prática que facilita ainda genase e também da atividade de osteoclastos mostra-
mais a disseminação de espécies bacterianas resisten- se de grande valia nos casos de dentes traumatizados,
tes. Outra questão-chave é que a resistência às tetra- principalmente quando da avulsão dentária. Dessa
ciclinas se dá de forma cruzada entre os membros do forma, Sae-Lim et al.57 consideram a doxiciclina o anti-
grupo, isto é, a ativação da resistência pode ser desen- biótico de escolha na profilaxia antibiótica associada ao
cadeada por qualquer antibiótico do grupo. tratamento dos casos de reimplante de dentes trauma-
As tetraciclinas e o cloranfenicol são antibióticos tizados, na posologia de 100mg/dia por 7 dias.
frequentemente associados a superinfecções, especial-
mente do trato digestivo, podendo se manifestar inclu-
sive como um quadro de CP. São muito frequentes tam- Oxazolidinonas
bém as manifestações de intolerância gastrintestinal As oxazolidinonas são drogas sintéticas desen-
(relacionadas com 10% dos pacientes), expressando-se volvidas originalmente como inibidoras da monoa-
como náusea e/ou diarreia. Para aliviar os sintomas mino-oxidase (IMAO) utilizadas no tratamento da
de irritação gástrica, o paciente tende a administrar o depressão. No final dos anos 1970 descobriu-se que
medicamento às refeições ou associado ao leite, o que possuíam atividade antimicrobiana e foram então uti-
pode prejudicar sensivelmente a absorção das tetraci- lizadas no controle da infecção por bactérias e fungos
clinas. A minociclina provoca efeitos colaterais em até em plantas como o tomate. Modificações em sua es-
804 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

trutura permitiram a utilização por via oral em mode- Sua meia-vida plasmática é de 3 a 4,5 horas, sendo uti-
los animais, mas se mostrou muito tóxica, sendo ini- lizado, assim, em duas doses por dia.
cialmente descartada a possibilidade de seu emprego
em humanos. Os esforços dos pesquisadores continu- Mecanismo de ação
aram até obter duas drogas com excelente atividade Inibe a ação da DNA girase ou topoisomerase,
antimicrobiana e baixa toxicidade: a eperezolida e a enzima envolvida no enrolamento das moléculas de
linezolida. A linezolida mostra biodisponibilidade e DNA, para que ocupem um menor espaço dentro da
níveis séricos superiores, permitindo uma posologia célula. Isso resulta em crescimento anormal, síntese
de duas doses diárias41. O elevadíssimo custo (cerca proteica diminuída e lise do micro-organismo.
de 40 vezes mais alto do que o custo da clindamici-
na no mercado farmacêutico brasileiro) coloca esse
Espectro de atividade
medicamento apenas como uma possibilidade futura
Seu espectro de atividade antibacteriana atinge
para o uso na clínica odontológica.
principalmente bacilos e cocos gram-negativos, facul-
tativos ou aeróbios: Enterobacteriaceae, P. aeruginosa,
Mecanismo de ação
N. gonorrhoeae, N. meningitidis e Mycobacterium. Essas
As oxazolidinonas são inibidoras da síntese de drogas são muito pouco eficazes contra estreptococos,
proteínas, mas, diferentes de outros agentes antimicro- enterococos e anaeróbios estritos, sendo de pouca uti-
bianos que atuam em nível ribossomal, essas drogas lidade em Endodontia. Sua indicação se restringe a ca-
apresentam um mecanismo de ação inovador, interfe- sos de infecções endodônticas persistentes ou secundá-
rindo com o primeiro passo da ligação entre as frações rias causadas por P. aeruginosa onde a presença desse
30S e 50S. A linezolida se liga à subunidade 50S em um micro-organismo tenha sido confirmada por cultura.
local próximo onde ocorre a ligação do cloranfenicol e Casos de osteomielite por Staphylococcus spp também
das lincosamidas. Mesmo sendo o local de ligação da podem ser tratados com quinolonas.
linezolida próximo ao destes outros antimicrobianos,
não há resistência cruzada desta com o cloranfenicol e
Resistência a antibióticos
as lincosamidas41.
Apresenta meia-vida de 6 horas, possibilitando Há um século, doenças infecciosas como tuber-
sua administração a cada 12 horas, tanto por via oral culose, pneumonia e infecções gastrintestinais repre-
quanto endovenosa, sendo a posologia de 1.200mg/ sentavam a principal causa de mortalidade no mundo.
dia para adultos. O advento dos antibióticos resultou em um declínio
significativo na incidência de infecções letais e anun-
Espectro de atividade ciou uma nova era na terapia das doenças infecciosas.
Todavia, o entusiasmo gerado se revelou prematuro.
A linezolida apresenta ação potente sobre gram-
Durante os anos seguintes, a resposta evolucionária
positivos, sendo bactericida contra estreptococos e
dos micro-organismos à pressão seletiva exercida por
bacteriostática contra estafilococos e enterococos. Não
antibióticos culminou no aparecimento de algumas
se mostra eficaz contra bacilos gram-negativos não fer-
cepas microbianas resistentes a praticamente todos
mentadores (como Pseudomonas) ou enterobactérias,
os antibióticos conhecidos16,35. Dados da Organização
mas é eficaz contra bactérias gram-negativas anaeró-
Mundial de Saúde relativos a 1997 revelaram que do-
bias com desempenho comparável à clindamicina72 e
enças infecciosas foram responsáveis por 32% dos óbi-
pode representar uma opção terapêutica futura na clí-
tos no mundo (16,4 milhões de pessoas), seguidas por
nica endodôntica.
doenças circulatórias (19% ou 9,7 milhões de pessoas),
câncer (12% ou 6 milhões) e acidentes (8% ou 3,9 mi-
Quinolonas lhões). Tais índices conferem às doenças infecciosas
As quinolonas são agentes totalmente sintéticos. novamente o status de principal causa de mortalidade
As mais utilizadas são ciprofloxacin, norfloxacin e oflo- no mundo.
xacin. Ciprofloxacin é o único com possibilidades de Se um determinado membro de uma comunida-
uso em Endodontia. de microbiana possui genes de resistência contra um
O ciprofloxacin é bem absorvido por via oral e determinado antibiótico e a comunidade é persistente-
atinge picos de concentração em cerca de 1 hora. Ali- mente exposta à droga, o micro-organismo resistente é
mentos podem retardar, mas não reduzir, a absorção. então selecionado, emerge e se multiplica. Se a pressão
Antibióticos em Endodontia 805

seletiva persistir, tal micro-organismo passará a preva- felizmente, em muitos casos esse outro agente pode ser
lecer na comunidade. No mundo moderno, tais micro- ainda ineficaz para tratar a doença.
organismos rapidamente se alastram para outras regi- Apesar dos inúmeros centros de pesquisa envolvi-
ões, ajudando a disseminar a resistência contra aquele dos no desenvolvimento de novos fármacos, surgiram
antibiótico. nos últimos 40 anos apenas duas novas classes relevan-
Tem sido relatada a ocorrência de cepas multirre- tes de antimicrobianos de amplo espectro: as oxazoli-
sistentes das espécies S. aureus, Enterococcus faecalis, P. dinonas (principalmente a linezolida) e os antibióticos
aeruginosa, S. pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis e lipopeptídeos (o único aprovado para uso clínico é a
de muitas outras espécies capazes de causar infecções daptomicina). Por outro lado, mesmo sendo capazes
letais16,23-25,35,47,65,66. Além disso, a incidência de resistên- de obter novos antimicrobianos, a resposta bacteriana
cia entre bactérias anaeróbias tem aumentado, princi- com o surgimento da resistência tem se dado de forma
palmente contra clindamicina, cefalosporinas e peni- cada vez mais precoce. O exemplo da linezolida ilus-
cilinas, como observado em hospitais e nos principais tra bem essa situação. Por ser uma droga totalmente
centros de atendimento médico23,26. sintética, quando do seu lançamento no mercado em
O aumento assustador na incidência da resistên- 2000, apregoava-se que as bactérias levariam muito
cia a múltiplos antibióticos por parte dos principais tempo até se adaptarem a uma nova substância que
patógenos humanos é de grande preocupação e incita não encontrava similar na natureza. Pois a resistência à
o compromisso de agirmos cuidadosamente e com res- linezolida foi relatada pela primeira vez em 2002, ape-
ponsabilidade. Uma única utilização errônea de antibi- nas 2 anos após seu lançamento comercial31. O que se
óticos consiste em uma contribuição significativa para tem dito é que estamos perdendo a corrida contra as
o cenário atual de emergência. Doenças infecciosas que bactérias: a capacidade de desenvolver novos antimi-
já foram tratadas com sucesso por meio de um deter- crobianos não é páreo para a capacidade bacteriana de
minado antibiótico agora podem requerer outro agente se adaptar a eles e de expressar novas formas de resis-
antimicrobiano, usualmente mais caro e potencialmen- tência11. A Fig. 21-1 ilustra essa corrida no momento do
te mais tóxico, para se alcançar o êxito terapêutico. In- lançamento do antimicrobiano e quando foi detectada

Surgimento do antibiótico

tetraciclina

cloranfenicol
ampicilina
estreptomicina
eritromicina cefalosporinas
sulfonamidas daptomicina
meticilina
penicilina linezolida

1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

sulfonamidas cloranfenicol
cefalosporinas linezolida
penicilina vascomicina
estreptomicina daptomicina
ampicilina
eritromicina
tetraciclina
meticilina

Surgimento da resistência

Figura 21-1. “Corrida” contra micro-organismos resistentes. Esquema revelando o momento do lançamento do antimicrobiano e o momen-
to quando foi detectada a resistência microbiana.
806 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

a sua resistência. O uso abusivo, inadequado e indiscri- disponíveis se dá no ambiente hospitalar. A Infectious
minado de antibióticos é uma das principais causas do Disease Society of America estima que 70% dos casos de
desenvolvimento de múltiplas e preocupantes formas infecção hospitalar nos EUA envolvem bactérias resis-
de resistência bacteriana. Esse uso é representado por: tentes a um ou mais antibióticos11. Novas ideias talvez
possibilitem uma abordagem diferente para enfrentar
a) Uso em pacientes sem um processo infeccioso. Ex.: a crescente taxa de resistência bacteriana aos antibióti-
É um absurdo utilizar antibióticos no tratamento da cos. Interferir na capacidade do patógeno de provocar
pulpite, que é eminentemente caracterizada por um doença, isto é, impedindo a ação de seus fatores de vi-
processo inflamatório com a infecção se restringin- rulência (toxinas, citolisinas ou proteases produzidas
do à polpa coronária exposta. O uso de antibióticos pelas bactérias patogênicas), pode ser uma nova forma
não eliminará a infecção, localizada na superfície de tratar infecções sem provocar alteração significativa
exposta, sendo constantemente mantida por micro- na microbiota do hospedeiro. Mas são apenas conjectu-
organismos da cavidade oral. ras e possibilidades para o futuro11. No presente, a me-
b) Escolha errônea do agente, dose e/ou duração. lhor forma de se postergar o crescimento da resistência
c) Uso abusivo em profilaxia. Nesse caso, existem in- entre os micro-organismos é melhorar o discernimento
dicações precisas (discutidas a seguir) que devem pelos clínicos no uso das drogas antimicrobianas ora
ser seguidas. disponíveis.

Os antibióticos prescritos com maior frequência Mecanismos genéticos de resistência


no mundo são: cefalosporinas (36% do total de pres-
Micro-organismos podem adquirir resistência
crições de antibióticos), penicilinas (17%), quinolonas
a antibióticos por dois mecanismos genéticos: muta-
(14%), macrolídeos (11%) e tetraciclinas (3%). Os de-
ção (cromossomial) e trocas genéticas (transformação,
mais antibióticos perfazem o total de 18% do total de
transdução e conjugação)14,58.
prescrições. Na verdade, antibióticos são utilizados
na clínica médica muito mais do que o necessário. En-
Mutação
quanto cerca de 20% dos pacientes examinados em ra-
zão de uma doença infecciosa realmente necessitam de A mutação, caracterizada por alterações genéticas
antibioticoterapia, antibióticos são receitados em 80% cromossomiais, ocorre ao acaso e não é usualmente in-
dos casos39. Um erro comum de prescrição por muitos duzida pelo antibiótico. A frequência em que ocorre é
médicos consiste no emprego de antibióticos para tra- de uma em 105 a 1010 divisões celulares. Essas altera-
tar infecções virais. Para complicar ainda mais o qua- ções genéticas são expressas fenotipicamente, causan-
dro, em cerca de 50% dos casos, as drogas prescritas, a do assim uma modificação na suscetibilidade ao agen-
dosagem ou a duração da terapia não estão corretas39. te antimicrobiano. Nesse caso, a droga funciona apenas
A venda sem prescrição profissional e a automedi- como um agente que seleciona cepas resistentes em de-
cação têm também significantemente contribuído para trimento das sensíveis.
o surgimento de cepas multirresistentes nos países em
desenvolvimento. Além disso, devido à maior rapidez Trocas genéticas
das viagens internacionais, cepas multirresistentes As informações genéticas que controlam a resis-
podem viajar centenas a milhares de quilômetros em tência a drogas estão presentes tanto no cromossoma
poucas horas. Assim, o problema de resistência a an- quanto no DNA de plasmídios extracromossomiais. A
timicrobianos tem-se propagado com uma velocidade informação genética pode ser transferida de uma célu-
assustadora para inúmeras regiões do planeta, assu- la resistente a uma sensível por meio de transformação,
mindo assim a condição de preocupação mundial. transdução e conjugação.
O crescente desenvolvimento de cepas resistentes Na transformação, a transferência de material
é caracterizado pela reincidência de antigas doenças, genético ocorre quando uma célula bacteriana capta
julgadas sob controle, o aparecimento de novas e a DNA solúvel liberado no meio, geralmente oriundo de
persistência de processos infecciosos a despeito de te- outras células mortas.
rapia antibiótica que, tempos atrás, seriam facilmente Na transdução, a transferência de genes cromos-
resolvidos16,47. somiais e/ou de plasmídios é mediada por vírus, os
A face mais aparente dos riscos envolvendo a bacteriófagos. No momento da montagem de suas par-
crescente resistência bacteriana aos antimicrobianos tículas, o bacteriófago pode erroneamente englobar
Antibióticos em Endodontia 807

fragmentos de DNA cromossomial ou de plasmídios. mais de forma efetiva sobre seu alvo de atuação.
Uma vez infectando outra célula bacteriana, esse mate- Essa é uma forma de resistência aos β-lactâmicos,
rial genético pode ser inserido em seu genoma. à eritromicina, à clindamicina, às tetraciclinas e às
Na conjugação há a transferência de material ge- quinolonas.
nético entre as células bacterianas por meio de pili se- c) Aumento da produção do receptor para a droga.
xuais, que fixam uma célula à outra, estabelecendo co- Um aumento da produção de receptores pode tor-
nexões intercitoplasmáticas. Isso permite a passagem nar a droga ineficaz. Isso porque, embora a droga se
do DNA de plasmídios pelo interior dos pili de uma ligue a seu alvo específico, inibindo-o, outros per-
célula para outra. manecem livres para continuar suas funções. Por
Se em todos esses mecanismos há a aquisição de exemplo, um aumento na síntese de PBPs pode re-
genes que codificam para fatores de resistência, cepas sultar em resistência aos β-lactâmicos.
outrora sensíveis podem agora ser resistentes. d) Redução da permeabilidade à droga. Alterações
estruturais no envelope celular ou a perda da ca-
Mecanismos bioquímicos de resistência pacidade de transportar a droga para o interior da
célula bacteriana podem diminuir ou impedir a pe-
Os mecanismos genéticos de aquisição de resis-
netração da droga, limitando seus efeitos. Esse me-
tência são responsáveis pelo desenvolvimento de me- canismo é responsável pela resistência bacteriana
canismos bioquímicos que permitem às células bacte- aos β-lactâmicos, à eritromicina, às tetraciclinas, ao
rianas resistir a um agente antimicrobiano. Os princi- metronidazol e às quinolonas.
pais mecanismos bioquímicos de resistência são:
Calcado no exposto, observa-se que existem múl-
a) Inativação da droga pela produção de enzimas. Bac- tiplas formas de resistência para uma mesma droga.
térias podem produzir enzimas que inativam o anti- Assim, a inibição de uma via não implica necessaria-
biótico. Um exemplo típico é a enzima penicilinase, mente maior eficácia da droga. Por exemplo, a resistên-
uma β-lactamase, produzida por cepas resistentes cia à penicilina associada a um inibidor competitivo da
à penicilina. As β-lactamases de bactérias gram-po- β-lactamase (ácido clavulânico) pode ser mantida por
sitivas, codificadas por plasmídios, são induzidas e cepas que utilizam um outro mecanismo de resistência,
possuem uma alta afinidade por seus substratos. São como a produção de PBPs de baixa afinidade. Assim, a
extracelulares e produzidas em grandes quantida- droga permanecerá ineficaz no combate à infecção.
des. Por isso, podem proteger toda a população bac-
teriana da região dos efeitos da penicilina (incluindo
cepas vizinhas sensíveis). As β-lactamases de gram-  DIARREIA ASSOCIADA AO USO DE
negativos são constitutivas e ligadas à célula. São co- ANTIBIÓTICOS
dificadas por genes cromossomiais ou de plasmídios. Os quadros de diarreia associados à administra-
Sua localização no espaço periplásmico restringe o ção de antimicrobianos geralmente se instalam por
acesso da penicilina ao seu receptor e, ao contrário uma alteração profunda na comunidade microbiana
das β-lactamases de gram-positivas, protege apenas intestinal. Antibióticos de amplo espectro de ação que
a célula que a produz. A produção de β-lactamases são mal absorvidos por via oral tendem a se acumular
constitui a forma mais comum de resistência bacte- em maiores quantidades no trato gastrintestinal, sendo
riana às penicilinas, advindo daí o desenvolvimento mais associados a esses quadros patológicos. A micro-
de drogas com o intuito de impedir a ação dessas biota anfibiôntica intestinal possui várias espécies ce-
enzimas, chamadas de inibidores de β-lactamases. A lulolíticas que produzem celulase, ajudando a digerir
utilização do ácido clavulânico associado à amoxicili- os vegetais da nossa dieta. A depleção dessa microbio-
na visa justamente a bloquear a ação dessas enzimas, ta acelera o trânsito intestinal pelo acúmulo de fibras
impedindo a destruição do antibiótico. A resistência vegetais, podendo estabelecer um quadro diarreico.
à eritromicina e à tetraciclina também pode ser me- Igualmente, a eliminação da microbiota anfibiôntica
diada por inativação enzimática. intestinal abre espaço para a colonização por bactérias
b) Alterações no receptor da droga. Receptores podem patogênicas ou permite que espécies oportunistas que
ser produzidos com seu sítio de ligação à droga al- se encontravam em pequeno número se multipliquem
terado, oferecendo baixa afinidade de ligação. Isso e estabeleçam a doença. Por outro lado, as diarreias
faz com que o agente antimicrobiano não se ligue associadas aos antibióticos podem não ser infecciosas,
808 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

mas sim causadas pela redução no metabolismo de O metronidazol é a droga de escolha para o tra-
ácidos biliares primários e de carboidratos, alergia ou tamento da maioria dos casos de diarreia associada ao
efeitos tóxicos dos antibióticos sobre a mucosa intesti- C. difficile21. Embora o paciente deva ser encaminhado
nal e efeito farmacológico na motilidade intestinal. ao médico para o tratamento da colite, cabe ao dentista
Uma medida que pode minimizar a ocorrência de suspender e alterar o regime antibiótico em curso para
diarreia associada ao uso de antimicrobianos é a admi- o tratamento da infecção oral.
nistração profilática do liófilo de S. boulardii (Floratil®,
100 a 200mg de 12 em 12 horas), com a finalidade de
promover uma colonização intestinal com micro-or-  PROFILAXIA ANTIBIÓTICA
ganismos não patogênicos resistentes aos antibióticos
A profilaxia antibiótica consiste na administração
utilizados, dificultando a invasão e/ou proliferação de
de antibióticos a pacientes sem evidências de infecção
bactérias patogênicas, como o C. difficile7.
para prevenir a colonização bacteriana e reduzir o risco
A maioria dos quadros diarreicos pode ser tratada
de desenvolvimento de complicações pós-operatórias.
pela simples reposição hidroeletrolítica (utilização do
soro de reidratação caseiro). Todavia, dor abdominal,
acompanhada de febre, fezes mucossanguinolentas em Indicações
evacuações líquidas, profusas e frequentes, constitui O uso profilático de antibióticos é indicado em
uma situação mais grave, podendo ser um quadro de Odontologia principalmente para prevenir o desenvol-
CP, a qual representa 10 a 20% dos casos de diarreia
vimento de endocardite bacteriana (EB) em pacientes
associada aos antibióticos, e sua ocorrência está asso-
de risco, resultante de bacteremias seguintes a proce-
ciada à presença de uma cepa de C. difficile produtora
dimentos operatórios44,46,50. A endocardite bacteriana é
de toxina entero-hemorrágica no intestino do paciente,
uma infecção grave das válvulas cardíacas ou das su-
cepa essa resistente ao antibiótico ministrado. Antibi-
perfícies endoteliais do coração, que atinge um índice
óticos de amplo espectro depletam a microbiota intes-
de mortalidade de aproximadamente 10%. Em 2007, a
tinal e, se cepas de C. difficile produtoras de toxina es-
American Heart Association (AHA) revisou as indica-
tiverem presentes (ou infectarem o paciente durante o
ções para a realização da profilaxia da EB, diminuindo
tratamento) e não forem afetadas pela medicação, elas
o número de indicações em relação às recomendações
podem encontrar condições ambientais para se multi-
anteriores de 199768,69. Pacientes de risco para desen-
plicar e causar doença. A ocorrência de um quadro de
volver EB, logo que necessitam de profilaxia antibióti-
CP é preocupante, já que a ausência de uma interven-
ca, estão listados no Quadro 21-4.
ção adequada pode levar o paciente ao óbito. Todavia a
Os motivos que motivaram as mudanças nos pa-
incidência dessa patologia varia em diferentes estudos
entre 0,01 e 10% dos pacientes61, com uma maior inci- cientes-alvo para receberem a profilaxia antibiótica no
dência para os pacientes internados por períodos mais que concerne à EB são:
longos em hospitais gerais. Pacientes submetidos a re-
gimes de antibioticoterapia mais prolongada são mais • a EB resulta muito mais provavelmente de exposi-
suscetíveis aos quadros diarreicos, principalmente os ções frequentes a bacteremias aleatórias associadas
idosos70. a atividades diárias do que a bacteremias causadas
A ocorrência de CP geralmente se dá após a ad- por procedimentos odontológicos;
ministração dos seguintes antibióticos (em ordem de • a profilaxia antibiótica pode prevenir um número
frequência de ocorrência): ampicilina, cefalosporinas extremamente reduzido de casos de EB, se é que
(principalmente a cefoxitina), lincosamidas (princi- previne algum caso, em pessoas submetidas a pro-
palmente a clindamicina), tetraciclinas, macrolídeos e cedimentos odontológicos;
cloranfenicol30. A amoxicilina também pode provocar a • o risco de eventos adversos pelo uso de antibióticos
CP; entretanto, como apresenta uma boa absorção, ra- excede os benefícios, se é que há algum, da profila-
ramente isso ocorre. De toda forma, é muito importante xia antibiótica;
salientar que a CP pode estar associada à utilização de • a manutenção da saúde e da higiene oral pode redu-
qualquer antimicrobiano de amplo espectro e, por isso, zir a incidência de bacteremia decorrente de ativi-
o paciente deve ser acompanhado e esclarecido sob a dades diárias e é mais importante que a antibiotico-
possível ocorrência de diarreia para que se proceda à profilaxia nos procedimentos odontológicos para
intervenção necessária o mais breve possível. reduzir o risco de EB.
Antibióticos em Endodontia 809

Quadro 21-4 Condições cardíacas associadas à Pacientes infectados por HIV e que necessitam de
endocardite segundo a American Heart Association tratamento endodôntico não apresentam maiores riscos
de complicações infecciosas quando comparados com
Profilaxia recomendada pacientes não infectados. Assim, não requerem antibi-
Alto risco
óticos administrados profilaticamente. Na verdade, o
• Válvulas cardíacas protéticas ou material protético utilizado
para reparo de válvula cardíaca uso de profilaxia antibiótica em pacientes infectados
• Endocardite bacteriana prévia por HIV que se apresentam gravemente imunocom-
• Doenças cardíacas congênitas (DCC): prometidos gera um grande risco de desenvolvimento
– DCC cianótica não reparada, incluindo shunts ou condutos de infecções secundárias causadas por patógenos opor-
paliativos tunistas que são resistentes à droga.
– Defeito cardíaco congênito completamente reparado com
A profilaxia antibiótica tem sido prescrita por al-
material protético ou aparelho, se colocado por cirurgia
ou intervenção por cateter, apenas nos primeiros 6 meses
guns profissionais antes ou depois de procedimentos de
após o procedimento cirurgia oral menor em pacientes que não estão incluídos
– DCC reparada, mas com defeitos residuais no local no grupo de risco para sequelas infecciosas decorrentes
ou adjacentes ao local da prótese (que iniba a de bacteremia. Tal procedimento não é substanciado
endotelialização) por evidências científicas e diverge significativamente
• Receptores de transplantes cardíacos que desenvolveram dos protocolos e princípios de profilaxia antibiótica em
valvulopatia cardíaca
cirurgia. A cobertura antibiótica profilática em pacien-
Profilaxia não recomendada tes cirúrgicos é comprovadamente eficaz e com uma
Médio risco razoável relação risco-benefício em casos de cirurgias
• Maioria das outras malformações congênitas “limpas” (cirurgia aberta do coração, reconstrução de
• Disfunção valvular adquirida (por exemplo, doença cardíaca vasos principais, cirurgia para colocação de próteses ar-
reumática)
ticulares), nos quais o risco de infecção é remoto, mas, se
• Cardiomiopatia hipertrófica
• Prolapso da válvula mitral com regurgitação valvular
ocorrer, pode gerar consequências graves; ou em casos
de cirurgias “contaminadas” (cirurgia eletiva biliar, gás-
Baixo risco trica ou colônica), nos quais a probabilidade de infecção
• Defeito septal atrial secundário isolado é grande, mas raramente fatal. Autoridades em doenças
• Reparo cirúrgico de defeito do septo atrial, defeito do infecciosas apenas recomendam cobertura antibiótica
septoventricular ou duto arterial persistente (sem resíduos
profilática para procedimentos cirúrgicos com um alto
além de 6 meses)
• Cirurgia com enxerto para derivação da artéria coronária
risco de infecção e/ou para colocação de implantes. De
• Prolapso da válvula mitral sem regurgitação valvular acordo com esse critério, o único procedimento cirúrgi-
• Sopro cardíaco fisiológico, funcional ou inocente co oral que poderia justificar a profilaxia antibiótica em
• Doença de Kawasaki prévia sem disfunção valvular pacientes saudáveis seria a cirurgia para colocação de
• Febre reumática prévia sem disfunção valvular implantes; todavia, mesmo nesses casos há indicações
• Marcapasso cardíaco (intravascular ou epicárdico) e de que a administração de antibióticos não melhora o
desfibriladores implantados
prognóstico do procedimento60.
Cumpre enfatizar que a utilização da profilaxia
antibiótica para o tratamento de pacientes normais,
A profilaxia não está indicada para pacientes saudáveis, é extremamente empírica e contraindicada.
portadores de pinos, placas ou parafusos ortopédicos. Um caso específico constitui a profilaxia antibi-
Pacientes com próteses articulares devem receber pro- ótica nos casos de dentes avulsionados. Nos casos de
filaxia antibiótica durante os 2 primeiros anos após a avulsão traumática, geralmente o dente entra em con-
colocação da prótese. Findo esse período, a profilaxia tato com superfícies contaminadas e os procedimentos
deve ser feita apenas para pacientes de alto risco, como adequados ao reimplante não permitem uma limpeza
imunossuprimidos, imunocomprometidos, diabéticos, eficiente da superfície radicular. A limpeza vigorosa da
hemofílicos e para indivíduos malnutridos. superfície radicular irá danificar as fibras residuais do
Pacientes recebendo quimioterapia para tratamento ligamento periodontal, acarretando um risco aumenta-
do câncer e casos de transplante de medula devem rece- do de reabsorção por substituição pós-reimplante. Des-
ber profilaxia antibiótica se a contagem de leucócitos for sa forma, a administração de antibióticos no período
inferior a 2.500. Nesses casos, o regime profilático propos- mais crítico do reimplante é fundamental para evitar
to para a endocardite também pode ser utilizado. a proliferação de bactérias que, estabelecendo uma in-
810 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

fecção, poderiam impedir o reparo do ligamento perio- Quadro 21-5 Procedimentos dentários e profilaxia da
dontal. Devido às suas propriedades inibitórias sobre endocardite segundo a American Heart Association
metaloproteinases e pelo espectro de ação adequado,
a doxiciclina se apresenta como o antibiótico mais in- Profilaxia recomendada*
• Extração dentária
dicado para esses casos, na posologia de 100mg/dia,
• Procedimentos periodontais, incluindo cirurgias,
por 7 dias. raspagem e polimento radicular, sondagem e consultas de
manutenção
Eficácia da profilaxia • Aplicação de implantes dentários e reimplantes após
avulsão
Alguns requisitos são necessários para a eficácia • Instrumentação endodôntica e cirurgia perirradicular
da profilaxia antibiótica44,46,49,50: • Aplicação subgengival de fibras ou fitas de antibióticos
• Colocação de bandas ortodônticas, mas não de brackets
a) a seleção do antibiótico deve ser fundamentada no • Anestesia intraligamentar
• Profilaxia dentária ou de implantes quando é previsto
provável micro-organismo que causará a infecção;
sangramento
b) o antibiótico deve atingir concentração sérica eficaz
antes da disseminação dos micro-organismos; Profilaxia não recomendada
c) o antibiótico deve ser bactericida; • Dentística restauradora** com ou sem fio retrator***
d) o antibiótico não deve ser administrado por um pe- • Anestesia local (exceto intraligamentar)
ríodo prolongado antes do procedimento, isso para • Cimentação de núcleo metálico e reconstrução
• Aplicação de isolamento absoluto
evitar o risco de selecionar micro-organismos resis-
• Remoção de suturas
tentes; • Colocação de prótese removível ou aparelhos ortodônticos
e) o benefício da profilaxia para o paciente deve com- • Moldagens
pensar os riscos de alergia (anafilaxia), resistência, • Aplicação de flúor
toxicidade e superinfecções. • Tomadas radiográficas
• Ajustes de aparelhos ortodônticos
• Exfoliação de dentes decíduos
A efetividade da profilaxia antibiótica em Odon-
tologia tem sido questionada, uma vez que inúmeros * Profilaxia recomendada para pacientes de alto e médio riscos.
patógenos podem estar associados a infecções orais, ** Inclui restaurações de dentes cariados e substituição de dentes perdidos.
*** Avaliação clínica pode indicar o uso de antibióticos em circunstâncias especiais
sendo muito difícil a seleção de um antibiótico eficaz que podem gerar sangramento significativo.
contra todos. Entre esses patógenos existem ainda
diversos graus de virulência e modelos diferentes de
resistência aos antibióticos. Outrossim, não existem es-
repostas cirurgicamente ou shunts e próteses vascula-
tudos clínicos controlados que tenham determinado a
res pulmonares estabelecidos cirurgicamente68,69.
droga de escolha, sua efetividade, a dose terapêutica e
O médico do paciente deve ser consultado e a
o intervalo apropriado entre as doses.
relação risco-benefício discutida, incluindo o desen-
Reconhecidamente, o uso profilático de antibi-
volvimento de reações alérgicas (muitas vezes letais),
óticos em procedimentos orais é empírico. Ele visa a
resistência, toxicidade e superinfecções. Absolutamen-
prevenir uma infecção por uma espécie bacteriana a
te, não é vergonha para um profissional debater com
princípio desconhecida, de patogenicidade também
outro questões inerentes a um paciente em comum.
desconhecida, em um tecido desconhecido, utilizando
uma dosagem de eficácia desconhecida. Acreditamos
que o uso profilático de antibióticos, como o recomen- Regime profilático
dado pela AHA, deva ser empregado nas indicações Determinados procedimentos odontológicos em te-
já citadas (ver também as indicações no Quadro 21-5), cidos contaminados podem causar bacteremia transitória,
pois, embora sua eficácia não seja comprovada cienti- que raramente persiste por mais de 30 minutos4,27,36,53,54.
ficamente, por outro lado também não existe compro- Todavia, tem sido relatado que bacteremia envolven-
vação de sua ineficácia. Já a British Society for Anti- do algumas espécies potencialmente patogênicas pode
microbial Chemotherapy estabelece que a profilaxia durar no mínimo 60 minutos3,37. Bactérias presentes na
da endocardite bacteriana no âmbito da Odontologia corrente sanguínea podem ser aprisionadas e se esta-
deveria se restringir aos pacientes com história de en- belecer em válvulas cardíacas anormais ou danifica-
docardite prévia ou que possuam válvulas cardíacas das, no endocárdio ou no endotélio adjacente a defeitos
Antibióticos em Endodontia 811

anatômicos, induzindo a endocardite bacteriana ou a desses bochechos deve ser desestimulada, uma vez que
endoarterite51. Embora a ocorrência de bacteremia seja pode resultar em seleção de micro-organismos resisten-
comum após procedimentos invasivos, apenas certas tes e dificultar o processo de reparo de feridas orais.
espécies bacterianas podem causar endocardite. Deve- Os procedimentos odontológicos com risco de de-
se aclarar que nem sempre é possível prever quais pa- senvolver bacteremias e, portanto, justificando o em-
cientes desenvolverão esse processo infeccioso ou qual prego de profilaxia estão listados no Quadro 21-6. No
procedimento específico será o responsável50,51. geral, a profilaxia antibiótica para prevenção da endo-
Bochechos com antissépticos, como a solução de cardite bacteriana é recomendada em procedimentos
gluconato de clorexidina a 0,12%, realizados imediata- associados a sangramento significante oriundo de teci-
mente antes de procedimentos dentários, podem reduzir dos moles e/ou duros, como em raspagem periodontal
a incidência ou a magnitude de bacteremias. De fato, bo- e em cirurgia perirradicular. De forma similar, também
chechos com 15mL dessa solução de clorexidina são reco- é indicada em tonsilectomia ou em cirurgia periodon-
mendados para todos os pacientes de risco ou não, cerca tal. Como pode ocorrer sangramento inesperado oca-
de 30 segundos antes do procedimento a ser executado, sionalmente, dados de estudos utilizando um modelo
como uma das medidas rotineiras de precaução universal animal sugerem que a profilaxia antimicrobiana admi-
no atendimento odontológico38,63. Por outro lado, a utili- nistrada até 2 horas após o procedimento pode ainda
zação caseira continuada e sem orientação profissional apresentar eficácia. Antibióticos administrados por

Quadro 21-6 Regime profilático para procedimentos odontológicos

Situação Agente Regime *

Profilaxia padrão Amoxicilina Adultos: 2g;


Crianças: 50mg/kg
Via oral, 1 hora antes do procedimento

Pacientes impedidos de tomar Ampicilina Adultos: 2g IM ou IV


medicação por via oral Crianças: 50mg/kg IM ou IV
ou 30min antes do procedimento

Cefazolina ou Ceftriaxona Adultos: 1g IM ou IV


Crianças: 50mg/kg IM ou IV
30min antes do procedimento

Pacientes alérgicos às penicilinas Clindamicina Adultos: 600mg


Crianças: 20mg/kg
ou Via oral, 1 hora antes do procedimento

Cefalexina ou Cefadroxil ** Adultos: 2g


Crianças: 50mg/kg
ou Via oral, 1 hora antes do procedimento

Azitromicina ou Claritromicina Adultos: 500mg


Crianças: 15mg/kg
Via oral, 1 hora antes do procedimento

Pacientes alérgicos às penicilinas e Clindamicina Adultos: 600mg IV


impedidos de tomar medicação Crianças: 20mg/kg IV
por via oral ou 30min antes do procedimento

Cefazolina ou Ceftriaxona** Adultos: 1g IM ou IV


Crianças: 50mg/kg IM ou IV
30min antes do procedimento

* A dosagem para crianças não pode exceder a de adultos.


** Não deveriam ser utilizadas em pacientes com reação de hipersensibilidade imediata (urticária, angioedema ou anafilaxia) às penicilinas.
812 Capítulo 21  Antibióticos em Endodontia

mais de 4 horas após o procedimento aparentemente endocardite bacteriana49,50. Procedimentos invasivos


não apresentam benefícios profiláticos. podem causar endocardite devido a bacteremias. Con-
Já os seguintes procedimentos ou eventos não ne- tudo, bacteremias casuais podem ser observadas no
cessitam de profilaxia antibiótica: injeções para aneste- próprio cotidiano do paciente, associadas à escovação,
sia de rotina em tecidos não infectados, tomada de ra- mastigação, uso de fio dental e injúrias traumáticas à
diografias dentais, colocação de próteses removíveis ou pele e mucosas. Como bacteremias também ocorrem
aparelhos ortodônticos, ajustes de aparelhos ortodôn- em tais circunstâncias, é extremamente difícil estabele-
ticos, colocação de brackets ortodônticos, exfoliação de cer a causa da endocardite3,37,43,52.
dentes decíduos e sangramento decorrente de trauma O estabelecimento de uma relação de causa e efei-
nos lábios ou na mucosa oral68,69. Se o paciente necessi- to é possível quando se conhece o período de incubação
ta de uma série de intervenções dentárias, é prudente da doença. Na grande maioria dos casos, a endocardi-
se observar um intervalo entre as sessões de tratamen- te bacteriana se desenvolve no período de duas sema-
to para prevenir o risco de selecionar cepas bacterianas nas subsequentes à ocorrência de bacteremia. Assim,
resistentes e permitir a repopulação da cavidade bucal um tratamento odontológico concluído 2 semanas ou
por bactérias suscetíveis ao antibiótico. Um período de mais antes do aparecimento dos sinais e sintomas de
9 a 14 dias entre as sessões parece ser o ideal13. endocardite não pode ser considerado como sua causa.
Os estreptococos alfa-hemolíticos são a principal Uma exceção é a endocardite estafilocócica, que apre-
causa de endocardite após intervenções na cavidade senta um menor período de incubação e rápido desen-
bucal. Assim, a profilaxia deveria ser direcionada es- volvimento. Como estafilococos são menos frequentes
pecificamente contra esses micro-organismos. O regi- na cavidade oral do que em outras regiões, como pele,
me padrão recomendado para todos os procedimentos nasofaringe, conjuntiva e tratos gastrintestinal e geni-
odontológicos indicados é representado por uma única turinário, é arriscado atribuir a procedimentos odonto-
dose de amoxicilina por via oral. A amoxicilina, a ampi- lógicos a causa da endocardite estafilocócica.
cilina e a penicilina V são identicamente eficazes contra
esses estreptococos alfa-hemolíticos, sendo a amoxicili-
 CONCLUSÕES GERAIS
na a droga de eleição graças à sua melhor absorção ao
nível do trato gastrintestinal, além de alcançar níveis Baseado no exposto neste capítulo, antibióticos
séricos mais elevados e prolongados. A dosagem atual- devem ser considerados como o ás na manga do endo-
mente recomendada é de 2g de amoxicilina, 1 hora antes dontista, sendo utilizados apenas em algumas situações
do procedimento13,68,69. A segunda dose, a qual era ad- específicas. De outra forma, seu uso abusivo e errôneo
vogada pela recomendação anterior da American Heart contribui decisivamente para o cenário atual de desen-
Association de 1990, não se torna necessária, devido aos volvimento e disseminação de resistência bacteriana.
níveis séricos prolongados atingidos pela droga, os quais Destarte, para que possamos ter antibióticos efica-
se encontram acima da concentração inibitória mínima zes no combate às doenças infecciosas, eles devem ser
para a maioria dos estreptococos orais e devido à prolon- prescritos hoje com muita prudência. A comunidade
gada atividade inibitória no soro induzida pela amoxici- científica tem despertado para essa questão da disse-
lina contra tais cepas (cerca de 6 a 14 horas). O Quadro minação de resistência microbiana, e novas perspecti-
21-6 mostra o regime profilático indicado pela AHA. vas têm sido geradas quanto ao desenvolvimento de
Embora de eficácia ainda questionável, toda inter- novos antibióticos para contornar o problema sério que
venção endodôntica em pacientes de risco para endocar- vivemos40. Como profissionais da área de saúde aptos
dite bacteriana deve ser realizada sob profilaxia antibió- a prescrever, é nosso dever contribuir para garantir
tica. Isso é ainda mais crítico no tratamento endodôntico que, no futuro, os antibióticos ainda sejam eficazes no
de dentes com polpa necrosada e na cirurgia perirradi- manejo de doenças infecciosas. Para isso, basta estar-
cular, devido ao fato de o risco de bacteremia ser maior. mos bem informados e agirmos conscientemente, re-
conhecendo as indicações para seu uso responsável e
criterioso na prática odontológica.
Tratamento odontológico e a endocardite
bacteriana
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Capítulo 22
Traumatismo
Dentário

Gilberto Debelian
Martin Trope
Asgeir Sigurdsson

 INCIDÊNCIA História do acidente


Embora as injúrias traumáticas ocorram em qual- Quando, como e onde ocorreu o acidente são
quer idade, a idade mais comum em que afetam os den- significativos14.
tes permanentes varia ativamente de 8 a 12 anos, prin- Quando o acidente ocorreu é o mais importante.
cipalmente como resultado de acidentes em bicicletas, Com o passar do tempo começam a se formar coágulos
skates, playgrounds ou acidentes esportivos11,14,21,26,107. sanguíneos, o ligamento periodontal resseca, a saliva
Meninos são mais comumente afetados do que me- contamina a ferida e todos esses se tornam fatores de-
ninas, na proporção de 1,5:111,14,21,26,107. O dente mais cisivos em relação à sequência de tratamento.
vulnerável é o incisivo central superior, que envolve Compreender como o acidente ocorreu ajudará
aproximadamente 80% das injúrias dentárias, seguido o clínico a localizar injúrias específicas. Um murro
pelo lateral superior e pelos incisivos centrais e laterais nos dentes anteriores pode causar fraturas da coroa,
inferiores14,26,107. da raiz e do osso da região anterior e é menos prová-
vel de lesar regiões posteriores. Uma pancada sob o
queixo ou sob a mandíbula pode causar fraturas em
qualquer dente da boca. Uma pancada amortecida
 HISTÓRIA E EXAME CLÍNICO
(por exemplo, queda contra o braço de uma cadeira
As injúrias dentárias nunca são agradáveis nem revestida) pode causar fratura da raiz ou desloca-
para o paciente nem para o clínico. Consequentemen- mento do dente, enquanto uma pancada em superfí-
te, a visita de emergência geralmente consiste de um cie dura (parede de concreto) tende a causar fraturas
paciente ou seu responsável estressado se deparando coronárias.
com um clínico assoberbado. Esse é um dos desafios Onde o trauma ocorreu se torna significativo para
que os clínicos enfrentam para controlar a cena, acal- o prognóstico. A necessidade de profilaxia para o téta-
mar os pacientes e os pais, e levar o tempo necessário no é influenciada pelo local do acidente. Onde o trau-
para conduzir uma avaliação qualitativa das injúrias ma ocorreu também pode ser significativo por causa
do paciente. Sem esse controle pelo clínico, injúrias sig- do seguro e de um possível litígio.
nificativas podem ser facilmente negligenciadas pela Outra questão importante é perguntar se qual-
urgência do momento. A história médica é fundamen- quer tipo de tratamento já foi realizado pelos pais,
tal para todas as outras avaliações e para o tratamento técnico, médico, enfermeira do colégio, professor ou
do paciente. funcionário de ambulância. Um dente de aparência

815
816 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

normal pode ter sido reimplantado ou reposicionado Exame dos tecidos moles intraorais
previamente por qualquer uma dessas pessoas ou pelo
A próxima etapa é procurar lacerações dos lá-
próprio paciente, e isso irá influir no prognóstico e na
bios, língua, mucosa jugal, palato e assoalho bucal. As
sequência do tratamento.
gengivas vestibulares e linguais e a mucosa oral são
palpadas, devendo ser registradas áreas de sensibili-
Exame clínico dade, edema ou equimose. A borda anterior do ramo
Queixa principal da mandíbula é palpada. Quaisquer achados anormais
Com exceção de dor e sangramento, pode haver sugerem possíveis injúrias ao dente e ao osso, sendo
uma queixa específica que ajude no diagnóstico. Se a indicado um posterior exame radiográfico da área. La-
queixa for de que os dentes “não estão encaixando”, cerações dos lábios e da língua devem ser observadas
o clínico deve considerar possíveis deslocamentos ou e radiografadas no caso de envolvimento de corpos es-
fratura óssea. Dor que ocorre somente quando o pacien- tranhos.
te trinca os dentes pode indicar fraturas coronárias, ra-
diculares ou ósseas ou, ainda, deslocamentos. Exame dos tecidos duros
Um dos melhores exames para evidenciar injú-
Exame neurológico rias traumáticas é simplesmente olhar cuidadosamen-
Quando o clínico está obtendo a história do aci- te. Cada dente e suas estruturas de suporte devem ser
dente e da queixa principal, o paciente deve ser obser- examinados com uma sonda exploradora e periodon-
vado em relação a complicações neurológicas ou médi- tal. Perguntas básicas como “O plano oclusal está de-
cas32. As injúrias dentárias podem ocorrer simultanea- salinhado?” e “Está faltando algum dente?” devem ser
mente com outras injúrias da cabeça e pescoço. Deve respondidas antes da realização de qualquer teste tér-
ser registrado se o paciente está-se comunicando de mico ou elétrico. O examinador procura inicialmente
forma coerente. O paciente tem dificuldade para focar por uma evidência grosseira de injúria. Se vários den-
ou rodar os olhos ou para respirar? tes estiverem fora de alinhamento, uma fratura óssea
O paciente pode virar a cabeça de um lado para é a explicação mais razoável. A mandíbula deve ser
o outro? Existe alguma parestesia dos lábios ou da lín- examinada para pesquisa de fraturas colocando-se o
gua? O paciente reclama de zumbido no ouvido? Ele dedo indicador sobre o plano oclusal dos dentes infe-
tem apresentado dores de cabeça persistentes, tontei- riores com os polegares sob a mandíbula, movendo-a
ras, sonolência ou vômitos desde o acidente? Obstrução de um lado para o outro, para a frente e para trás. Uma
aérea por aparelhos dentários deve ser considerada. fratura mandibular irá causar desconforto com esses
movimentos, e um som desagradável de fragmentos
quebrados poderá ser ouvido. Uma pressão suave,
Exame externo
mas firme, deve ser usada para prevenir um possível
Antes de o paciente abrir a boca para um exa- trauma adicional ao nervo alveolar inferior e aos vasos
me intraoral, o clínico deve primeiramente procu- sanguíneos. Também pode se tentar mover os dentes
rar sinais externos da injúria. Lacerações da cabeça individualmente com uma pressão com o dedo. Qual-
e pescoço são facilmente detectáveis. Entretanto, quer mobilidade é indicativa de deslocamento do osso
desvios dos contornos normais do osso devem ser alveolar. O movimento de vários dentes juntos eviden-
atentamente investigados. A articulação temporo- cia fratura alveolar. A mobilidade da coroa deve ser di-
mandibular deve ser palpada externamente quando ferenciada da de um dente. Quando ocorrem fraturas
o paciente abre e fecha a boca. O padrão de abertura coronárias, a coroa ficará móvel, mas o dente permane-
e fechamento da boca do paciente desvia para um cerá em posição. Ocasionalmente, fraturas radiculares
dos lados? Se isso ocorre, pode haver indicação de podem ser sentidas colocando-se um dedo sobre a mu-
uma fratura mandibular unilateral. Da mesma for- cosa de um dente e movendo a coroa.
ma, o arco zigomático, o ângulo e a borda inferior Quaisquer fraturas recentes de cúspides ou de
da mandíbula devem ser palpados bilateralmente, margem incisal devem ser registradas. Fraturas incom-
devendo ser feitos registros sobre qualquer área de pletas de cúspide podem ser observadas usando-se a
amolecimento, edema ou equimose da face, boche- ponta de um explorador dental como uma cunha nos
cha, pescoço ou lábios. Esses podem ser sinais de sulcos oclusais dos dentes posteriores para evidenciar
possíveis fraturas ósseas. o movimento de alguma cúspide.
Traumatismo Dentário 817

Cada margem incisal e cada cúspide devem ser uma indicação de que a polpa esteja provavelmente em
gentilmente percutidas com o cabo do espelho para lo- processo de degeneração. A persistência de uma res-
calizar fraturas incompletas ou dentes que tenham sido posta negativa sugere que a polpa foi comprometida
levemente deslocados de seus alvéolos. de forma irreversível, mas, mesmo assim, isso não é
Hemorragia no sulco gengival pode indicar um absoluto27.
dente ou um segmento de dente deslocado. Qualquer Testes pulpares térmicos e elétricos de todos os
alteração na coloração dos dentes deve ser observada; dentes anteriores (canino a canino), superiores e in-
a inspeção da superfície lingual dos dentes anteriores feriores, devem ser realizados no momento inicial do
com uma luz refletida irá ajudar. Exposições eviden- exame e cuidadosamente registrados para estabelecer
tes da polpa devem ser observadas, e as fraturas co- uma base de comparação com testes subsequentes re-
ronárias com exposições pulpares mínimas podem ser petidos nos meses posteriores. Esses testes devem ser
detectadas com uma bolinha de algodão embebida em repetidos depois de 3 semanas, com 3, 6 e 12 meses de
solução salina e pressionada contra a área suspeita de intervalo anual após o trauma. O propósito dos testes
exposição14. Quando o exame visual está completo e to- é estabelecer uma diretriz do status fisiológico das pol-
dos os achados anormais foram registrados, devem ser pas desses dentes. Particularmente, em dentes trauma-
realizadas radiografias das áreas traumatizadas. tizados, a neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou o di-
clorodifluormetano (–40ºC) colocados sobre o terço in-
Testes térmicos e elétricos cisal da superfície vestibular produzem respostas mais
precisas do que o bastão de água gelada53,54 (Fig. 22-1).
Durante décadas, a validade dos testes térmicos e O frio intenso parece penetrar no dente e na cobertura
elétricos em dentes traumatizados tem sido motivo de dos splints ou das restaurações e alcançar áreas mais
controvérsia. Apenas impressões genéricas podem ser profundas do dente. Além disso, o gelo seco não forma
obtidas a partir desses testes subsequentes a uma injú- água gelada, que pode dispersar sobre o dente adjacen-
ria traumática. Eles são, na realidade, testes de sensibi- te ou sobre a gengiva e produzir uma resposta falso-
lidade para a função nervosa e não indicam a presença negativa. O teste pulpar elétrico se baseia em estímulos
ou a ausência de circulação sanguínea no interior da elétricos diretamente sobre os nervos pulpares. Esses
polpa. Presume-se que após a injúria traumática a ca- testes apresentam valor limitado em dentes jovens, po-
pacidade de condução das terminações nervosas e/ou rém são úteis em casos onde os túbulos dentinários es-
dos receptores sensoriais esteja suficientemente desor- tão fechados e não permitem que os fluidos dentinários
denada para inibir o impulso nervoso a partir de um circulem dentro deles. Essa situação é típica em dentes
estímulo elétrico ou térmico. Isso torna o dente trau- de pacientes mais idosos ou em dentes traumatizados
matizado vulnerável a leituras falso-negativas a partir que foram submetidos à esclerose prematura. Nessas
desses testes91. situações os testes térmicos que se baseiam no fluxo do
Os dentes que apresentam resposta positiva ao fluido nos túbulos não podem ser usados e o teste elé-
exame inicial podem não necessariamente ser conside- trico se torna importante.
rados saudáveis, uma vez que com o tempo podem não
continuar a dar respostas positivas. Dentes que produ-
zem resposta negativa ou nenhuma resposta não po-
dem ser considerados com polpas necrosadas, porque
podem apresentar resposta positiva em consultas pos-
teriores de controle. Foi demonstrado que pode levar
cerca de 9 meses para que o fluxo sanguíneo normal
retorne à polpa coronária de um dente traumatizado
completamente formado. À medida que a circulação é
restaurada, a resposta aos testes retorna55.
A transição de uma resposta negativa para po-
sitiva em um teste subsequente pode ser considerada
um sinal de polpa saudável. Os achados contínuos de
respostas positivas podem ser considerados como um
Figura 22-1. Gás diclorodifluormetano (–40°C) é aplicado em uma
sinal de polpa saudável. A transição de uma respos- mecha de algodão e então colocado em contato com a borda inci-
ta positiva para negativa pode ser considerada como sal do incisivo superior.
818 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

A fluximetria laser Doppler (FLD) foi introduzida Entretanto, o padrão da radiografia dentária
no início dos anos 1970 para a mensuração do fluxo san- apresenta graves limitações. Por exemplo, uma linha
guíneo na retina68. A técnica tem sido usada para avaliar de fratura pode correr no sentido mesiodistal de um
o fluxo sanguíneo em outros sistemas tissulares, como a dente e não estar evidente na radiografia. Uma linha de
pele e a córtex renal, e utiliza um feixe de luz infraverme- fratura também pode ser diagonal em um sentido ves-
lha (780-820nm) ou quase infravermelha (632,8nm) dire- tibulolingual e não ser óbvia em um filme. Da mesma
cionada para o tecido por fibras óticas. Enquanto a luz forma, uma fratura muito fina pode não estar evidente
penetra no tecido, ela se dispersa através dos eritrócitos na radiografia ao exame inicial e somente mais tarde se
em movimento e das células teciduais estacionárias. Os tornar óbvia quando fluidos teciduais e mobilidade se
fótons que interagem com os eritrócitos em movimento espalharem sobre as partes fraturadas.
são dispersados e a frequência é modificada de acordo A reabsorção radicular também é extremamente
com o princípio do Doppler. Os fótons que interagem difícil de se detectar em radiografias dentárias. A ra-
com as células estacionárias são dispersados, mas não diodensidade da raiz requer que uma quantidade sig-
são modificados pelo Doppler. Uma porção da luz retor- nificativa de substância radicular seja removida para
na ao fotodetector e um sinal é produzido (Fig. 22-2). que haja contraste suficiente na radiografia que permi-
Têm sido feitas tentativas de utilizar a tecnologia ta detectá-la. Assim, somente os defeitos de reabsor-
FLD para o diagnóstico da vitalidade pulpar em dentes ção na superfície mesial ou distal da raiz podem ser
traumatizados, porque ela ofereceria uma leitura mais detectados de forma previsível. A fim de superar es-
precisa do status de vitalidade da polpa85,133. Estudos sas dificuldades é essencial que sejam tiradas quantas
demonstraram resultados promissores, indicando que radiografias anguladas forem possíveis para avaliar a
o laser Doppler pode detectar o fluxo sanguíneo de for- reabsorção do osso adjacente125. A partir do momento
ma mais consistente e mais cedo do que os testes comu- em que a reabsorção devido ao trauma dentário for de
mente utilizados. natureza inflamatória, o osso adjacente a uma área de
Atualmente o custo do aparelho de fluxometria reabsorção radicular será afetado de forma semelhante
por laser Doppler limita seu uso nos consultórios den- e irá reabsorver. Pelo fato de o osso não ser tão radio-
tários particulares, sendo usado primariamente em denso quanto a raiz, é mais fácil detectar reabsorção
hospitais e em instituições de ensino. óssea do que reabsorção radicular125.
Novas técnicas radiográficas, como a tomogra-
fia computadorizada de abertura sincronizada (Tuned
Exames radiográficos
Aperture CT ou TACT), têm-se mostrado promissoras
As radiografias são instrumentos essenciais no na melhora da capacidade de os clínicos diagnostica-
exame completo dos tecidos duros traumatizados. Elas rem reabsorção radicular86, mas atualmente são experi-
podem revelar fraturas radiculares, fraturas coronárias mentais ou financeiramente inviáveis de ser praticadas
subgengivais e fraturas ósseas, deslocamentos dentá- pelo dentista.
rios, reabsorções das raízes e do osso adjacente ou ob- Nos casos de laceração dos tecidos moles é reco-
jetos estranhos. mendável radiografar a área lesada antes de suturar para

Figura 22-2. Fluximetria laser Doppler. A. Uma


luz vermelha é emitida de uma fonte – se o feixe
de luz encontra células ou tecidos estacionários,
não há alteração no espectro de luz; contudo,
se a luz encontra células se movimentando no
interior de vasos sanguíneos, há uma alteração
no espectro de luz espalhada (por dispersão),
de acordo com o princípio de Doppler. B. Apa-
relho laser Doppler da Moor Instruments. Esse
aparelho é montado com duas sondas que po-
A B dem medir a circulação de dois dentes simulta-
neamente.
Traumatismo Dentário 819

A B C

Figura 22-3. Paciente com fraturas coronárias complicadas em dentes superiores. A. Capeamento pulpar de emergência foi realizado e
aplicada resina composta. Seis dias depois, o paciente foi encaminhado à clínica por causa de reparação inadequada da laceração do lábio.
B. Uma radiografia do lábio revelou parte da coroa do incisivo lateral ainda no lábio. O paciente foi anestesiado e a coroa removida. C. A
reparação então ocorreu sem maiores incidentes subsequentemente.

se ter certeza de que não há corpos estranhos envolvidos. margem para a restauração. Se o dente pode ser man-
Uma radiografia de tecido mole com um filme de tama- tido do ponto de vista periodontal, a polpa é tratada
nho normal exposta brevemente a uma quilovoltagem como para uma fratura de coroa.
reduzida deve revelar a presença de várias substâncias
estranhas, inclusive fragmentos dentários (Fig. 22-3). Fraturas radiculares
Na revelação dos filmes de dentes traumatiza-
Surpreendentemente, um grande número de pol-
dos, uma atenção especial deve ser direcionada para a
pas em dentes com fratura radicular sobrevive a uma
dimensão do espaço do canal radicular, para o grau de
injúria traumática. Na verdade, em quase todos os ca-
fechamento apical da raiz, para a proximidade das fra-
sos o segmento apical permanece vital. Se o segmento
turas com a polpa e para a relação das fraturas radicula-
coronário perde a vitalidade, ele deve ser tratado como
res com a crista alveolar. Enquanto os filmes periapicais
um dente permanente jovem necrosado. O segmento
convencionais são geralmente úteis, um filme oclusal ou
apical vital não deve ser tratado!
um filme panorâmico pode complementá-los quando o
examinador está investigando fraturas ósseas ou corpos
estranhos. Traumas sérios como acidentes de automó- Injúrias por luxações
vel podem afetar qualquer dente e ocorrem em todas as Essas injúrias geralmente resultam em necrose
faixas etárias. Assim, em muitos casos após injúria trau- pulpar e também em lesão da camada protetora de ce-
mática dentária, a terapia endodôntica é realizada em mento. A combinação potencial da infecção pulpar em
um dente permanente jovem unirradicular sem cárie. uma raiz que tenha perdido sua camada protetora de
Portanto, se um tratamento rápido e correto é realizado cemento torna essas injúrias potencialmente catastrófi-
logo após a injúria, o potencial para um resultado endo- cas, e o tratamento de emergência correto e o tratamen-
dôntico bem-sucedido é muito providencial. to endodôntico, críticos.

Fraturas coronárias
 FRATURAS CORONÁRIAS
Essas injúrias geralmente ocorrem em dentes an-
Como já mencionado, o primeiro objetivo sob o
teriores jovens e sem cáries. Isso faz com que a manu-
ponto de vista endodôntico é manter a vitalidade após
tenção da vitalidade pulpar seja altamente desejável.
esses tipos de injúrias dentárias.
Por sorte, a terapia para polpa vital tem um bom prog-
Trincas de esmalte – “Fratura incompleta ou ra-
nóstico nessas situações se o tratamento correto e os
chadura do esmalte sem a perda de estrutura dentária”14
procedimentos de acompanhamento forem seguidos.
e Fratura dentária não complicada – “Fratura somente
do esmalte ou do esmalte e da dentina sem exposição
Fraturas coroa-raiz pulpar”14 são injúrias que têm pouco risco de resultar
Essas fraturas são primeiramente tratadas pe- em necrose pulpar. Na verdade, o maior risco à saúde
riodontalmente para assegurar que seja possível uma da polpa se deve a causas iatrogênicas provocadas pelo
820 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

dentista durante a restauração estética desses dentes.


Portanto, um acompanhamento meticuloso por um pe-
ríodo de 5 anos é a medida endodôntica preventiva mais
importante nesses casos. Se a qualquer momento do
acompanhamento muda a reação aos testes de sensibili-
dade, são desenvolvidos sinais de lesão perirradicular à
avaliação radiográfica ou a raiz parece ter interrompido
seu desenvolvimento ou se encontra obliterada, deve
ser considerada a intervenção endodôntica.

Fratura coronária complicada


Definição
Fraturas coronárias que envolvem esmalte, denti-
na e polpa14 (Fig. 22-4).

Incidência
Fraturas coronárias complicadas ocorrem em 0,9-
13% das injúrias dentárias34,98,115.
Figura 22-5. Aparência histológica da polpa 24 horas após exposi-
Consequências biológicas ção traumática. A polpa proliferou para a área de dentina exposta.
Uma fratura que envolve a polpa, se não for trata- Há aproximadamente 1,5mm de polpa inflamada abaixo da super-
fície de fratura.
da, sempre irá resultar em necrose pulpar74. Entretanto,
a maneira e a sequência de tempo pela qual a polpa se
torna necrosada são responsáveis por grande parte do primeiras 24 horas após a injúria uma resposta pro-
potencial de sucesso em uma intervenção para manter liferativa com inflamação se estendendo não mais do
a polpa saudável. A primeira reação após a injúria é que 2mm para o interior da polpa esteja presente36,40,63
hemorragia e inflamação local (Fig. 22-5). (Fig. 22-5). Com o tempo, a invasão bacteriana irá re-
As alterações inflamatórias subsequentes geral- sultar em necrose pulpar e em reabsorção radicular
mente são proliferativas, mas também podem ser des- (Fig. 22-6).
trutivas. Uma reação proliferativa é favorecida nas in-
júrias traumáticas, já que a superfície fraturada geral-
mente é plana, permitindo a irrigação pela saliva com
pouca chance de impactação de restos alimentares
contaminados. Portanto, a menos que a impactação de
detritos contaminados seja óbvia, espera-se que nas

Figura 22-4. Fratura coronária complicada envolvendo esmalte,


dentina e polpa. Figura 22-6. Aspecto radiográfico. Reabsorção radicular.
Traumatismo Dentário 821

Tratamento trado que o tratamento da polpa vital (em vez de sua


As opções de tratamento são: 1 – Tratamento da remoção) em um dente maduro realizado sob condi-
polpa vital, compreendendo capeamento pulpar, pulpo- ções ideais pode ser executado com sucesso83,130. Por-
tomia parcial e pulpotomia total, ou 2 – Pulpectomia. tanto, essa forma de tratamento pode ser uma opção
A escolha do tratamento depende do estágio do sob certos aspectos mesmo sendo a pulpectomia o tra-
desenvolvimento do dente, do tempo entre o trauma tamento que oferece o sucesso mais previsível.
ou a lesão e o tratamento, da injúria periodontal conco- Em dentes imaturos deve-se sempre que possível
mitante e do plano de tratamento restaurador. optar pelo tratamento conservador da polpa vital, de-
vido às grandes vantagens da manutenção da vitalida-
Estágio do desenvolvimento do dente de pulpar.

A perda da vitalidade em um dente imaturo pode


ter consequências catastróficas. O tratamento do canal Tempo entre o trauma e o tratamento
radicular em um dente com um canal em forma de ba- Até as primeiras 48 horas após a injúria traumá-
camarte é difícil e leva tempo. Provavelmente, o mais tica, a reação inicial da polpa é proliferativa com não
importante é o fato de que a necrose de um dente ima- mais do que 2mm de profundidade de inflamação pul-
turo o deixa com paredes dentinárias delgadas e sus- par. Depois de 48 horas, as chances de contaminação
cetíveis à fratura durante e depois do procedimento de bacteriana direta da polpa aumentam na medida em
apicificação75 (Fig. 22-7). Portanto, todo o esforço deve que a zona de inflamação progride apicalmente40. As-
ser realizado para manter o dente vital pelo menos até sim, com o passar do tempo diminui a chance de suces-
que o ápice e a raiz cervical tenham se desenvolvido so de manutenção de uma polpa saudável.
completamente.
A remoção da polpa em um dente maduro não é Dano concomitante ao periodonto
tão significativa quanto em um dente imaturo, já que a
Uma injúria periodontal irá comprometer o supri-
pulpectomia em um dente maduro tem um índice de
mento nutricional da polpa. Esse fato é especialmente
sucesso extremamente alto106. Entretanto, foi demons-
importante em dentes maduros onde a chance de so-
brevivência da polpa não é tão boa quanto nos dentes
imaturos12,45.

Plano de tratamento restaurador


Ao contrário de um dente imaturo onde são gran-
des os benefícios da manutenção da vitalidade da pol-
pa, em um dente maduro a pulpectomia é a opção de
tratamento mais viável. Entretanto, quando realizada
em condições ideais, o tratamento da polpa vital após
exposições traumáticas pode ser bem-sucedido. Assim,
se o plano de tratamento restaurador é simples e uma
restauração de resina composta é suficiente como res-
tauração permanente, essa opção de tratamento deve
ser seriamente levada em consideração. Se, por outro
lado, uma restauração mais complexa for colocada,
como, por exemplo, uma coroa ou uma ponte fixa, a
pulpectomia pode ser o método de tratamento mais
indicado.

Tratamento da polpa vital


Requisitos para o sucesso
O tratamento da polpa vital tem um índice de
Figura 22-7. Dente imaturo (rizogênese incompleta) submetido a
capeamento pulpar e que, devido a um selamento coronário inade- sucesso extremamente alto se os seguintes requisitos
quado, acabou resultando em necrose pulpar e lesão perirradicular. puderem ser adicionados:
822 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

a) Tratamento de uma polpa não inflamada


O tratamento de uma polpa saudável tem de-
monstrado ser um requisito essencial para o sucesso no
tratamento114,123. O tratamento da polpa vital quando
está inflamada, apresenta, por outro lado, um índice
de sucesso inferior114,123. Portanto, o tempo ideal para
o tratamento envolve as primeiras 24 horas quando a
inflamação pulpar é superficial. À medida que aumen-
ta o tempo entre o momento da fratura e o tratamento,
a remoção da polpa deve ser estendida apicalmente a
fim de ficar assegurado que um segmento de polpa não
inflamada foi atingido.

b) Selamento antibacteriano
Em nossa opinião, esse requisito é o fator mais
crítico para um tratamento bem-sucedido114. A inva-
são por bactérias durante a fase de reparação causará
insucesso35. Por outro lado, se a polpa exposta estiver
efetivamente vedada contra a passagem bacteriana, a
reparação bem-sucedida da polpa com a formação de
Figura 22-9. Barreira de tecido duro após pulpotomia parcial e apli-
uma barreira de tecido duro irá ocorrer independente- cação de hidróxido de cálcio. Aparência histológica de odontoblas-
mente da proteção colocada sobre ela35. tos de substituição e da barreira.

c) Curativo pulpar
cálcio parece ser neutralizada à medida que as cama-
Atualmente, o hidróxido de cálcio é o curativo
das pulpares mais profundas são afetadas, causando
mais comum usado para a tratamento da polpa vital.
uma necrose coagulativa na junção da polpa necrótica
Suas vantagens são que ele é antibacteriano33,105 e irá
com a polpa vital, resultando apenas em uma discre-
desinfetar a polpa superficialmente. O hidróxido de
ta irritação pulpar. Essa discreta irritação dará início
cálcio puro causará uma necrose em cerca de 1,5mm do
a uma resposta inflamatória que na ausência de bacté-
tecido pulpar84, que removerá as camadas superficiais
rias100 irá permitir à polpa uma reparação por forma-
de polpa inflamada quando elas estiverem presentes
ção de uma barreira de tecido duro99,100 (Fig. 22-9). A
(Fig. 22-8). O alto pH de 12,5 do hidróxido de cálcio
colocação de hidróxido de cálcio de presa rápida não
causa uma necrose por liquefação nas camadas mais
causará necrose nas camadas superficiais da polpa e
superficiais da polpa100. A toxicidade do hidróxido de
tem demonstrado iniciar uma reparação também com
a formação de uma barreira de tecido duro113,120.
A principal desvantagem do hidróxido de cálcio é
que ele não veda a superfície fraturada. Portanto, um
material adicional deve ser usado para assegurar que a
polpa não seja invadida por bactérias, particularmente
durante a fase crítica de reparação.
Muitos materiais como o óxido de zinco e euge-
nol , fosfato tricálcico65 e resina composta22 têm sido
123

propostos como medicamentos para a terapia da polpa


vital. Até hoje, nenhum ofereceu a previsibilidade do
hidróxido de cálcio usado em conjunção com uma res-
tauração coronária bem vedada.
O agregado de trióxido mineral (MTA) tem-se
mostrado promissor como agente capeador da polpa46
Figura 22-8. Necrose superficial da polpa com cerca de 1,5mm de (Fig. 22-10). Ele possui um alto pH semelhante ao hi-
profundidade como resultado do alto pH do hidróxido de cálcio. dróxido de cálcio antes de endurecer117; depois de en-
Traumatismo Dentário 823

Indicações
As mesmas do capeamento pulpar.

Técnica
São realizadas anestesia, aplicação do isolamento
absoluto e desinfecção superficial.
Uma cavidade de 1-2mm de profundidade é pre-
parada no interior da polpa usando uma broca dia-
mantada estéril de tamanho apropriado com refrigera-
ção profusa com água59 (Fig. 22-11). O uso de broca de
baixa rotação ou de colher escavadora deve ser evitado
Figura 22-10. Corte histológico de dente de cão após capeamento
direto com MTA. Há boa evidência de formação de ponte de denti- a não ser que a refrigeração com a broca de alta rota-
na diretamente abaixo do MTA. (Gentileza do Dr. L. K. Bakland.) ção não seja possível. Se o sangramento for excessivo, a
polpa é amputada mais profundamente até que apenas
uma hemorragia moderada seja observada. O exces-
durecido, irá gerar um excelente selamento antibacte- so de sangue deve ser cuidadosamente removido por
riano118 e é resistente o bastante para agir como base meio da irrigação com substância salina estéril ou solu-
para a restauração final117. ção anestésica e deve ser seco com bolinha de algodão
estéril. Deve-se ter o cuidado de não permitir que um
coágulo sanguíneo se desenvolva, o que iria compro-
 Métodos de tratamento meter o prognóstico36,99. Se a polpa possui tamanho su-
Capeamento pulpar ficiente que permita uma necrose adicional de 1-2mm,
uma fina camada de hidróxido de cálcio puro é mistu-
O capeamento pulpar implica a colocação de um
rada com solução salina estéril ou com anestésico e é
curativo diretamente sobre a exposição pulpar.
cuidadosamente depositada sobre ela. Se o tamanho da
polpa não permite uma perda adicional de tecido pul-
Indicações par, pode ser usado um hidróxido de cálcio comercial
Como é demonstrado pelo índice de sucesso des- de presa fácil113 e a cavidade preparada pode ser obtu-
se procedimento (80%)51,93 comparado ao da pulpoto- rada com um material que apresente a melhor chance
mia parcial (95%)36, parece que um capeamento pulpar de um selamento contra bactérias (óxido de zinco e eu-
superficial não deve ser considerado após exposições genol ou cimento de ionômero de vidro) em um nível
traumáticas da polpa. O baixo índice de sucesso não é que recubra a superfície fraturada. O material na cavi-
difícil de entender, já que uma inflamação superficial
se desenvolve imediatamente após a exposição trau-
mática. Assim, se o tratamento é realizado em um nível
superficial, um número de polpas inflamadas (em vez
de saudáveis) será tratado diminuindo o potencial de
sucesso. Além disso, um selamento antibacteriano co-
ronário rigoroso é muito mais difícil em um capeamen-
to pulpar superficial, uma vez que não há profundida-
de da cavidade para ajudar a criação de um selamento
contra bactérias como em uma pulpotomia parcial.

Pulpotomia parcial
A pulpotomia parcial implica a remoção do teci-
do pulpar coronário até o nível da polpa saudável. Em
injúrias traumáticas esse nível pode ser precisamente Figura 22-11. Pulpotomia parcial de Cvek. O dente fraturado é lim-
po e desinfetado e é aplicado isolamento absoluto. A cavidade é
determinado devido ao conhecimento da reação da preparada com broca esférica diamantada em alta rotação na pro-
polpa após uma injúria traumática, procedimento esse fundidade de 1 a 2mm dentro da polpa. Cavidade após aplicação
que é comumente chamado pulpotomia de Cvek. do hidróxido de cálcio.
824 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

dade pulpar e todos os túbulos dentinários expostos O prognóstico é extremamente satisfatório (94-
são recobertos com cimento de hidróxido de cálcio de 96%)36,52.
presa fácil e o esmalte condicionado e restaurado com
resina composta adesiva como no capeamento pulpar. Pulpotomia total
Recentemente, o MTA tem sido usado como material
Esse procedimento envolve a remoção de toda a
de forração permanente para se aplicar diretamente so-
polpa coronária ao nível dos orifícios radiculares. Esse
bre a polpa exposta e substituir o uso do Ca(OH)2. Vá-
nível de amputação pulpar é escolhido arbitrariamente
rios estudos57,82 sobre polpas expostas devido ao trau-
de acordo com sua comodidade anatômica. Portanto, já
ma mostraram resultados previsíveis de formação de
que a polpa inflamada algumas vezes se estende além
barreira dentinária dura adjacente à exposição quando
dos orifícios do canal para o interior da polpa radicu-
o MTA foi aplicado.
lar, muitos “erros” são cometidos resultando no trata-
mento de uma polpa inflamada em vez de uma polpa
Acompanhamento não inflamada.
O mesmo do capeamento pulpar. Novamente, a
ênfase é colocada na evidência da manutenção de posi- Indicações
tividade pelos testes de sensibilidade e nas evidências Quando é previsto que a polpa esteja inflamada
radiográficas da continuação do desenvolvimento ra- em níveis mais profundos do que a polpa coronária.
dicular (Fig. 22-12). Exposições traumáticas após 72 horas ou uma exposi-
ção por cárie são exemplos em que essa forma de tra-
Prognóstico tamento pode ser indicada. Devido às chances razoa-
Esse método apresenta muitas vantagens sobre velmente boas de que o curativo será colocado sobre a
o capeamento pulpar. A polpa superficial inflamada é polpa inflamada, a pulpotomia total é contraindicada
removida no preparo da cavidade pulpar. O hidróxi- em dentes maduros. Entretanto, os benefícios superam
do de cálcio desinfeta a dentina e a polpa. O mais im- os riscos nesta forma de tratamento em dentes imatu-
portante é o espaço oferecido para um material que irá ros com os ápices incompletamente formados e com
promover o selamento contra bactérias para permitir paredes de dentina delgadas.
que a polpa se repare por formação de tecido duro sob
condições ideais. Além disso, a polpa coronária não é Técnica
removida, o que permite a realização dos testes de sen- Anestesia, aplicação do isolamento absoluto e
sibilidade em consultas de acompanhamento. desinfecção superficial como no capeamento pulpar e

Figura 22-12. Capeamento


pulpar. A. Foi realizado cape-
amento pulpar com hidróxido
de cálcio, seguido de aplicação
de uma camada de cimento
de ionômero de vidro e, então,
o fragmento fraturado foi co-
lado com resina composta. B.
Um ano de acompanhamen-
to. O dente responde normal-
mente ao frio. Há boa evidên-
cia de continuação da forma-
ção radicular e de calcificação
A B imediatamente adjacente ao
capeamento.
Traumatismo Dentário 825

na pulpotomia parcial. A polpa coronária é removida tores recomendam a pulpectomia rotineiramente após
como na pulpotomia parcial, mas ao nível dos orifícios a formação completa das raízes (Fig. 22-13). Essa filo-
radiculares. Um curativo de hidróxido de cálcio, o se- sofia se baseia no fato de que enquanto o procedimen-
lamento contra bactérias e a restauração coronária são to de pulpectomia apresenta um índice de sucesso de
realizados como na pulpotomia parcial. O MTA nesse 95%, quando uma lesão perirradicular se desenvolve, o
caso também pode substituir o Ca(OH)2 e pode ser usa- prognóstico do tratamento do canal radicular cai signi-
do como um material permanente. Entretanto, o MTA ficativamente para cerca de 80%101,102,106 (ver Capítulo 8,
necessita de vários minutos, horas ou dias para endu- Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
recer completamente antes que uma obturação perma-
nente seja aplicada sobre ele83. Pulpectomia
A pulpectomia implica a remoção de toda a polpa
Acompanhamento
ao nível do forame apical.
O mesmo do capeamento e da pulpotomia parcial.
A principal desvantagem desse método de tratamento Indicações
é o fato de que o teste de sensibilidade não é possível
Fratura coronária complicada em um dente ma-
devido à perda da polpa coronária. Portanto, o acom-
duro (se as condições não forem ideais para o trata-
panhamento radiográfico é extremamente importante
mento da polpa vital). Esse procedimento não difere
para a avaliação de sinais de lesão perirradicular e para
do tratamento do canal radicular de um dente vital não
assegurar a continuação da formação radicular.
traumatizado.
Prognóstico
Na medida em que a pulpotomia é realizada em  Tratamento da polpa necrosada
polpas onde é esperada a presença de inflamação pro- Dente imaturo – apicificação
funda, sendo o local de amputação pulpar arbitrário,
muitos “erros” ocorrem, levando ao tratamento de Indicações
uma polpa inflamada. Consequentemente, o prognós- Dentes com ápices abertos e paredes de dentina
tico que se encontra na faixa de 75% é pior do que o da delgadas nos quais as técnicas padronizadas de instru-
pulpotomia parcial56. Devido à incapacidade de avaliar mentação não podem criar um fechamento apical para
o status da polpa após a pulpotomia total, alguns au- facilitar a obturação efetiva do canal radicular.

Figura 22-13. Pulpotomia


bem-sucedida seguida por
pulpectomia 18 meses de-
pois. (Gentileza do Dr. Leif
Tronstad.)
826 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

Consequências biológicas
Um dente imaturo não vital apresenta várias dificul-
dades para o tratamento endodôntico adequado. O canal
geralmente é mais amplo apicalmente do que coronaria-
mente, necessitando de uma técnica de obturação com o
uso de um material obturador mais amolecido para mol-
dá-lo na forma da porção apical do canal. Uma vez que
o forame apical é muito amplo, não existe barreira para
impedir que esse material amolecido invada e traumatize
os tecidos periodontais apicais. E a falta de fechamento
apical e o extravasamento do material através do canal
podem resultar em um canal mal obturado e suscetível à
infiltração. Um problema adicional em um dente imaturo Figura 22-14. Mistura cremosa de hidróxido de cálcio em espiral
com paredes dentinárias delgadas é sua suscetibilidade à de Lentulo pronta para aplicação no canal.
fratura durante e depois do tratamento37.
Esses problemas são superados pelo estímulo da
formação de uma barreira de tecido duro que permi- Barreira apical de tecido duro
ta uma obturação do canal de forma ideal e reforce
Método tradicional
a fragilidade da raiz contra fratura antes e depois da
A formação de uma barreira de tecido duro no
apicificação75,116.
ápice requer um meio semelhante ao que é necessário
para a formação de tecido duro no tratamento conser-
Técnica vador pulpar, isto é, um discreto estímulo inflamatório
Desinfecção do canal para iniciar a reparação e um meio ambiente isento de
Já que na grande maioria dos casos os dentes não bactérias para assegurar que a inflamação não seja pro-
vitais estão infectados, a primeira fase do tratamento é gressiva.
desinfetar o sistema de canais radiculares para assegu- Assim como no tratamento da polpa vital, o hi-
rar a reparação perirradicular33,41. O comprimento do dróxido de cálcio é usado para esse procedimento37,64,66.
canal é estimado com uma radiografia pré-operatória O hidróxido de cálcio em pó é misturado com uma so-
e, depois que o acesso aos canais é realizado, uma lima lução salina estéril (ou solução anestésica) até uma con-
é conduzida a essa extensão. Quando o comprimento sistência espessa (com mais pó) (Fig. 22-15). O hidróxi-
tiver sido confirmado radiograficamente, uma lima- do de cálcio é acamado contra os tecidos moles apicais
gem muito suave (devido às paredes delgadas de denti- por meio de um compactador ou instrumento de ponta
na) é realizada com irrigação copiosa com hipoclorito de romba para iniciar a formação de tecido duro. Esse pas-
sódio a 0,5%42,110. Uma concentração menor de NaOCl é so é seguido pelo preenchimento do restante do canal
usada em razão do maior risco de introdução de hipo- com hidróxido de cálcio, garantindo dessa forma um
clorito de sódio através do ápice em dentes imaturos. canal isento de bactérias com pouca chance de reinfec-
Essa concentração mais baixa de NaOCl é compensada
pelo volume da solução irrigadora usada. Uma agu-
lha de irrigação que possa alcançar passivamente um
comprimento próximo do ápice é útil na desinfecção
dos canais desses dentes imaturos. O canal é seco com
pontas de papel, e uma mistura pastosa de hidróxido
de cálcio é introduzida no canal com uma espiral de
Lentulo (Fig. 22-14). A ação desinfetante adicional (à
instrumentação e irrigação) do hidróxido de cálcio é
efetiva após a sua aplicação por no mínimo uma sema-
na. O tratamento posterior não deve demorar mais do
que 1 mês, já que o hidróxido de cálcio pode ser elimi-
nado pelos fluidos teciduais através do ápice aberto,
deixando o canal suscetível à reinfecção. Figura 22-15. Mistura espessa de hidróxido de cálcio.
Traumatismo Dentário 827

ção durante os 6 a 18 meses necessários para a forma- damente o fechamento apical por tecido duro. Quando
ção de tecido duro no ápice. O hidróxido de cálcio é uma barreira de tecido duro é observada radiografica-
meticulosamente removido da cavidade de acesso ao mente e pode ser sondada com um instrumento, o ca-
nível dos orifícios radiculares e um material restaura- nal está pronto para ser obturado.
dor temporário é colocado na cavidade de acesso. Uma
radiografia é realizada e o canal deve parecer como se Barreira por MTA
estivesse calcificado, indicando que ele foi totalmente A previsão para a criação de uma barreira fisio-
preenchido com hidróxido de cálcio (Fig. 22-16). Pelo lógica de tecido duro gira em torno de 3 a 18 meses.
fato de a eliminação do hidróxido de cálcio ser avaliada A desvantagem desse longo período é a necessidade
por sua radiodensidade relativa, é prudente usar uma de que o paciente se apresente várias vezes para o
mistura de hidróxido de cálcio sem a adição de um ma- tratamento e também que o dente possa fraturar du-
terial radiopaco como o sulfato de bário. Esses aditivos rante o tratamento e antes que as paredes delgadas
não são eliminados prontamente como o hidróxido de do canal sejam fortalecidas. Além disso, um estudo
cálcio, de modo que, se estiverem presentes no canal, a indica que a longo prazo o tratamento com hidróxido
avaliação da eliminação é impossível. de cálcio pode enfraquecer as raízes e torná-las ainda
Em intervalos de 3 meses uma radiografia é reali- mais suscetíveis à fratura17. O MTA tem sido usado
zada para avaliar se uma barreira de tecido duro se for- para criar uma barreira de tecido duro imediatamen-
mou e se o hidróxido de cálcio foi eliminado do canal. te após a desinfecção do canal (Fig. 22-17). Sulfato de
Essa ocorrência só pode ser avaliada por meio de novas cálcio é empurrado para além do ápice para produ-
radiografias. Se a eliminação do hidróxido de cálcio é zir uma barreira extrarradicular reabsorvível contra a
observada, ele é recolocado como antes. Se não há evi- qual o MTA vai ser acondicionado. O MTA é mistura-
dências de eliminação, ele pode ser deixado intacto por do e colocado em 3 a 4mm apicais do canal de forma
mais 3 meses. Trocas excessivas no curativo de hidró- semelhante à colocação do hidróxido de cálcio. Uma
xido de cálcio devem ser evitadas, já que se considera bolinha de algodão molhada pode ser colocada sobre
que a toxicidade inicial do material atrasa a reparação77. o MTA e deixada por no mínimo 6 horas e, então, todo
Quando se suspeita da conclusão da barreira de tecido o canal deve ser obturado com um material obturador
duro, o hidróxido de cálcio deve ser removido do canal endodôntico ou a obturação pode ser colocada ime-
com hipoclorito de sódio, devendo uma radiografia ser diatamente, já que os fluidos teciduais do ápice aberto
realizada para avaliar a radiodensidade do fechamen- provavelmente irão produzir uma umidade suficiente
to apical. Uma lima de calibre suficiente para alcançar para garantir o endurecimento do MTA. A porção cer-
facilmente o ápice pode ser usada para sondar delica- vical do canal então é reforçada com resina composta

Figura 22-16. Canal radicular que


“desaparece” após colocação de uma
mistura espessa de hidróxido de cál-
A B cio. (Gentileza da Dra. Cecilia Bour-
guignon.)
828 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

A B C D E

Figura 22-17. Apicificação com MTA. A. O canal é desinfetado com instrumentação discreta, irrigação copiosa e medicação com mistura
cremosa de hidróxido de cálcio por um mês. B. Sulfato de cálcio é aplicado além do ápice como uma barreira contra a qual o MTA é com-
pactado. C. Um plug de MTA de 4mm é colocado na região apical do canal. D. O corpo do canal é obturado com o sistema Resilon. E. Resina
composta é utilizada abaixo da junção amelocementária para fortalecer a raiz. (Gentileza da Dra. Marga Ree.)

abaixo do nível do osso marginal como descrito a se-


guir (Fig. 22-17).
Vários relatos de caso foram publicados usando
essa técnica de barreira apical por MTA57,82 e ela obte-
ve prontamente a popularidade entre os clínicos. Atu-
almente, não existe um estudo com resultado a longo
prazo comparando seu índice de sucesso com a técnica
tradicional do hidróxido de cálcio.

Obturação do canal radicular


Já que o diâmetro apical é maior do que o coroná-
rio da maioria desses canais, uma técnica de obturação
Figura 22-18. Aparência histológica da barreira de tecido duro
termoplastificada é indicada nesses dentes. Deve-se
após apicificação com hidróxido de cálcio. A barreira consiste de
ter cuidado para evitar força lateral excessiva durante cemento e osso com inclusões de tecido mole.
a obturação devido às finas paredes da raiz. Se a bar-
reira de tecido duro foi “produzida” pelo tratamento
com hidróxido de cálcio a longo prazo, ela vai consistir
de camadas arranjadas de maneira irregular de tecido
mole coagulado, tecido calcificado e tecido semelhante
ao cemento (Fig. 22-18). Também estão incluídas ilhas
de tecido conjuntivo conferindo à barreira uma consis-
tência de “queijo suíço”28,38. Devido à natureza irregu-
lar da barreira, não é raro que o cimento endodôntico
e o material obturador amolecido sejam empurrados
para os tecidos perirradiculares durante a obturação Figura 22-19. Obturação com
(Fig. 22-19). A formação da barreira de tecido duro uma técnica de termoplastifi-
deve estar a uma pequena distância aquém do ápice cação do material após apicifi-
radiográfico, isso porque ela se forma onde o hidróxido cação com hidróxido de cálcio.
Cimento e material obturador
de cálcio entra em contato com tecidos vitais. Em den- amolecido extravasaram pelos
tes com ápice aberto, o tecido vital pode sobreviver e “buracos de queijo suíço” na
proliferar em alguns milímetros a partir do ligamento barreira apical.
Traumatismo Dentário 829

periodontal para o interior do canal radicular. A obtu- um posterior desenvolvimento radicular e do reforço
ração deve ser concluída ao nível da barreira de tecido das paredes dentinárias pela deposição de tecido duro,
duro e não deve ser forçada em direção ao ápice radio- fortalecendo a raiz contra a fratura. Após o reimplante
gráfico. de um dente imaturo avulsionado existe um conjunto
exclusivo de aspectos capaz de permitir que ocorra rege-
Reforço das paredes delgadas de dentina neração. O dente jovem tem um ápice aberto e é curto, o
O procedimento de apicificação se tornou previsi- que permite o crescimento relativamente rápido de um
velmente bem-sucedido (ver Prognóstico)50. Entretanto, novo tecido para o interior do espaço pulpar. A polpa
as finas paredes de dentina ainda constituem problema está necrosada, mas geralmente não está degenerada e
clínico. Se ocorrerem injúrias secundárias, os dentes infectada e, dessa forma, irá agir como uma matriz den-
com paredes dentinárias delgadas ficam mais suscetí- tro da qual o novo tecido pode crescer. Foi demonstrado
veis à fratura, o que os torna não restauráveis44,119. Tem experimentalmente que a porção apical de uma polpa
sido relatado que aproximadamente 30% desses dentes pode permanecer vital e proliferar coronariamente
irão fraturar durante ou após o tratamento endodônti- após o reimplante, substituindo a porção necrosada da
co76. Consequentemente, alguns clínicos têm questio- polpa24,87,108. Além disso, o fato de que na maioria dos ca-
nado a conveniência do procedimento de apicificação sos a coroa do dente se encontra intacta e livre de cáries
e têm optado por tratamentos mais radicais incluindo assegura que a penetração bacteriana dentro do espa-
extração seguida por procedimentos restauradores ço pulpar através de rachaduras80 ou defeitos seja um
mais avançados como implantes dentários. Estudos processo lento. Assim, a corrida entre o tecido novo e a
recentes têm demonstrado que restaurações adesivas infecção do espaço pulpar favorece o tecido novo.
intracoronárias podem reforçar internamente os den- Até hoje se pensava que fosse impossível a rege-
tes tratados endodonticamente e aumentar sua resis- neração do tecido pulpar em um dente necrosado e in-
tência à fratura58,75. Assim, após a obturação do canal, o fectado com lesão perirradicular associada. Entretanto,
material deve ser removido a um nível abaixo do osso se for possível criar um meio ambiente como já foi des-
marginal e uma obturação de resina adesiva deve ser crito para o dente avulsionado, a regeneração poderá
colocada (Fig. 22-17). ocorrer. Assim, se o canal for efetivamente desinfetado,
a matriz na qual o novo tecido poderia crescer for pro-
Acompanhamento duzida e o acesso coronário for efetivamente selado, a
Devem ser realizadas novas consultas para ava- regeneração deverá ocorrer como em um dente imatu-
liação a fim de determinar o sucesso na prevenção ou ro avulsionado.
no tratamento da lesão perirradicular. Os procedimen- Um relato de caso por Banchs e Trope23 reprodu-
tos restauradores devem ser avaliados para assegurar ziu os resultados de casos reportados por outros que
que eles não promovam, em qualquer hipótese, fratu- indicam ser possível replicar os aspectos exclusivos de
ras radiculares. um dente avulsionado de forma a revascularizar a pol-
pa de raízes imaturas necrosadas infectadas.
O caso mostrado na Fig. 22-20 descreve o trata-
Prognóstico
mento de um incisivo superior com sinais clínicos e
A reparação perirradicular e a formação de uma radiográficos de lesão perirradicular com a presença
barreira de tecido duro ocorrem de forma previsível no de fístula. O canal foi desinfetado sem instrumentação
tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo (79 mecânica, mas com irrigação copiosa com hipoclorito
a 96%)37,76. Entretanto, a sobrevida a longo prazo é co- de sódio a 5,25% e com o uso de uma mistura de antibi-
locada em risco pelo potencial de fratura das paredes óticos69. Um coágulo sanguíneo foi produzido ao nível
delgadas de dentina desses dentes. É esperado que as da junção amelocementária para obter uma matriz para
mais novas técnicas de reforço interno desses dentes já o crescimento de um novo tecido seguido por uma res-
descritas aumentem sua sobrevida a longo prazo. tauração coronária para oferecer um selamento contra
bactérias. Com evidências clínicas e radiográficas de
Revascularização pulpar reparação em 22 dias, a ampla área radiolúcida desa-
A regeneração de uma polpa necrosada tem sido pareceu em 2 meses e, no controle de 24 meses, era ób-
considerada possível apenas após a avulsão de um den- vio que as paredes radiculares estavam espessas e que
te permanente imaturo (ver a seguir). As vantagens da o desenvolvimento da raiz abaixo da restauração era
revascularização pulpar se baseiam na possibilidade de semelhante à dos dentes adjacentes e contralaterais.
830 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

Figura 22-20A. Radio-


grafia pré-operatória mos-
trando dente imaturo com
lesão perirradicular depois
de luxação grave 6 meses
antes (os pontos negros
na cervical são artefatos).
B. Radiografia de acompa-
nhamento 4 meses depois
do tratamento que incluiu
aplicação da mistura de ci-
profloxacin, metronidazol
e minociclina. C. Vinte e
quatro meses de acompa-
nhamento revelando for-
mação radicular continua-
A B C da tanto em comprimento
quanto em espessura.

Estudos recentes confirmaram as potentes pro- Incidência


priedades da pasta triantibiótica utilizada nesse caso
Essas injúrias são relativamente infrequentes,
e estudos estão sendo realizados para descobrir uma
ocorrendo em menos de 3% de todas as injúrias dentá-
matriz sintética que irá agir como um scaffold mais pre-
rias133. Raízes incompletamente formadas com polpas
visível para o neocrescimento tecidual do que o coágu-
vitais raramente fraturam horizontalmente5.
lo sanguíneo usado nesses casos anteriores. O procedi-
mento descrito nesta seção pode ser experimentado na
maioria dos casos e, se depois de 3 meses não houver Consequências biológicas
sinais de regeneração, os métodos mais tradicionais de Quando uma raiz fratura horizontalmente, o seg-
tratamento podem ser iniciados. mento coronário é deslocado em um grau variável, mas
geralmente o segmento apical não se desloca. Em razão
Dente maduro de a circulação pulpar apical não ser rompida, a necrose
pulpar no segmento apical é extremamente rara. A necro-
Tratamento de canal como em um dente não trau- se pulpar do segmento coronário resulta devido ao seu
matizado. deslocamento e ocorre em cerca de 25% dos casos6,7,72.

 FRATURA COROA-RAIZ Diagnóstico e apresentação clínica


Como já dito, essa injúria traumática é um de- A apresentação clínica é semelhante à das injúrias
safio mais periodontal do que endodôntico. O dente por luxação. A extensão do deslocamento do segmento
deve ser tratado periodontalmente de forma a permi- coronário geralmente indica a localização da fratura e
tir a colocação de uma restauração coronária adequa- pode variar de nenhum, simulando uma injúria por con-
da. Uma vez que a exequibilidade da restauração co- cussão (fratura apical), a grave, simulando uma luxação
ronária esteja garantida, a fratura coronária é tratada extrusiva (fratura cervical). O exame radiográfico para
como descrito. fraturas radiculares é extremamente importante. Vis-
to que as fraturas radiculares geralmente são oblíquas
(vestibular para palatina) (Fig. 22-21), uma radiografia
 FRATURA RADICULAR periapical pode não revelar sua presença. É imperativo
realizar pelo menos três radiografias anguladas (45, 90,
Definição
110°) para que, pelo menos em uma angulação, o feixe
Essa injúria dentária implica o envolvimento de de raios X passe diretamente através da linha de fratura,
cemento, dentina e polpa. tornando-a visível na radiografia (Fig. 22-22).
Traumatismo Dentário 831

sua posição inicial não vai ser possível, comprometen-


do o prognóstico do dente a longo prazo.

Padrões de reparação
Andreasen e Hjorting-Hansen18 descreveram qua-
tro tipos de reparação das fraturas radiculares.

1. Reparação com tecido calcificado. Radiograficamente, a


linha de fratura é visível, mas os fragmentos estão
em contato íntimo (Fig. 22-23A).
2. Reparação com tecido conjuntivo interproximal. Radio-
graficamente, os fragmentos parecem separados por
uma estreita linha radiotransparente e as margens
da fratura parecem arredondadas (Fig. 22-23B).
3. Reparação com tecido conjuntivo e osso interproximal.
Radiograficamente, os fragmentos estão separados
Figura 22-21. Dente extraído após fratura radicular. Note o ângulo
oblíquo da fratura. por uma ponte óssea distinta (Fig. 22-23C).
4. Tecido interproximal inflamatório sem reparação. Radio-
graficamente, um aumento da linha de fratura e/ou o
desenvolvimento de uma radiolucidez correspondente
à linha de fratura se tornam aparentes (Fig. 22-23D).

A B

Figura 22-22. Radiografias mos- A B


trando a importância de dife-
rentes angulações verticais para
diagnóstico de fratura radicular.
Todas as três radiografias foram
realizadas na mesma consulta
C com diferenças de poucos mi-
nutos entre elas.

Tratamento
O tratamento de emergência envolve o reposicio-
namento dos segmentos o mais próximo possível e es-
plintagem aos dentes adjacentes por 2-4 semanas16. Esse C D
protocolo de esplintagem mudou recentemente dos 2
Figura 22-23. Padrões de reparação após fraturas radiculares ho-
aos 4 meses tradicionalmente recomendados92. Se um rizontais. A. Reparação por tecido calcificado. B. Reparação com
longo período ocorreu entre a injúria e o tratamento, tecido conjuntivo interproximal. C. Reparação com osso e tecido
provavelmente a reposição dos segmentos próximos à conjuntivo. D. Tecido conjuntivo interproximal sem reparação.
832 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

Os três primeiros tipos de padrões reparadores


são considerados bem-sucedidos. Os dentes geral-
mente são assintomáticos e respondem positivamente
aos testes de sensibilidade. O amarelamento da coroa
é possível porque a metamorfose cálcica no segmento
coronário não é incomum73,133.
O quarto tipo de padrão reparador é típico quan-
do o segmento coronário perde sua vitalidade. Os
produtos infecciosos da polpa coronária causam uma
resposta inflamatória e radiolucidez típicas na linha de
fratura18 (Fig. 22-23D).

Tratamento das complicações


Fraturas coroa-raiz
Historicamente, pensava-se que as fraturas no
segmento coronário tinham um prognóstico ruim e
que a extração dele fosse recomendada. As pesquisas
não sustentam esse tratamento e de fato, se esses seg- Figura 22-24. Tratamento endodôntico realizado até a linha de fra-
mentos coronários forem adequadamente esplintados, tura, uma vez que uma barreira apical foi formada nessa região.
as chances de reparação não diferirão das fraturas ra-
diculares médias ou apicais133. Entretanto, se a fratura
dônticas, medicamentos e materiais obturadores têm
ocorrer ao nível da crista óssea alveolar ou coronaria-
um efeito deletério sobre a reparação do local da fratu-
mente a ela, o prognóstico é extremamente ruim.
ra. Se a reparação de uma fratura já ocorreu completa-
Se a reinserção dos segmentos fraturados não for
mente, mas foi seguida de necrose do segmento apical,
possível, a extração do segmento coronário é indicada.
o prognóstico é muito melhor.
O nível da fratura e o comprimento da raiz remanes-
Nas fraturas radiculares mais apicais, os seg-
cente são avaliados para a possibilidade de restauração.
mentos apicais necrosados podem ser cirurgicamente
Se o segmento apical da raiz é suficientemente longo,
removidos. Esse é um tratamento viável se a raiz rema-
a erupção forçada desse segmento pode ser realizada
nescente é longa o bastante para fornecer um suporte
para viabilizar a realização da restauração.
periodontal adequado. A remoção do segmento apical
nas fraturas radiculares medioapicais deixa o segmen-
Fratura radicular – média, apical
to coronário com uma inserção comprometida e os im-
A necrose pulpar ocorre em 25% das fraturas plantes endodônticos têm sido usados para promover
radiculares38,72. Na grande maioria dos casos, a necro- um suporte adicional ao dente.
se ocorre apenas no segmento coronário e o segmento
apical permanece vital. Portanto, o tratamento endo- Acompanhamento
dôntico é indicado no segmento radicular coronário
Depois que o período de esplintagem foi conclu-
somente, a menos que uma lesão perirradicular seja
ído, o acompanhamento é o mesmo das injúrias den-
observada no segmento apical. Em muitos casos o lú-
tárias traumáticas, isto é, aos 3, 6 e 12 meses e, daí em
men pulpar é amplo na extensão apical do segmento
diante, anualmente.
coronário de modo que é indicado o tratamento com
hidróxido de cálcio a longo prazo ou a obturação api-
cal com MTA (ver Apicificação). O segmento coronário Prognóstico
é obturado depois que uma barreira de tecido duro te-
nha se formado apicalmente e a reparação perirradicu- Fatores que influenciam no reparo
lar tenha ocorrido (Fig. 22-24). 1. Os graus de deslocamento e mobilidade do frag-
Nos raros casos em que tanto a polpa coronária mento coronário são extremamente importantes na
quanto a apical estão necrosadas, o tratamento é mais determinação do resultado5,15,73,111,133. Quanto maio-
complicado. O tratamento endodôntico por meio da res o deslocamento e a mobilidade do fragmento co-
fratura é extremamente difícil. Manipulações endo- ronário, pior é o prognóstico.
Traumatismo Dentário 833

2. Dentes imaturos raramente estão envolvidos em fra- lar é novamente recoberto por cemento. A reparação é
turas, mas, quando estão, o prognóstico é bom15,71. desfavorável quando ocorre a inserção direta do osso
3. Qualidade do tratamento. O prognóstico melhora à raiz e ela é progressivamente substituída pelo osso
com o tratamento rápido, redução dos segmentos (reabsorção por substituição)79.
radiculares e esplintagem semirrígida por 2 a 4 se- Existem dois tipos de reabsorção em que a polpa
manas16. tem um papel essencial:

As complicações são: 1 – necrose pulpar, que pode 1. Na reabsorção radicular inflamatória externa, a pol-
ser tratada de forma bem-sucedida38,72 com o tratamen- pa necrosada infectada produz o estímulo para a
to do segmento coronário com hidróxido de cálcio a inflamação periodontal. Se a situação tem origem
longo prazo e obturação após a formação de uma bar- onde o cemento foi danificado por uma injúria
reira de tecido duro; 2 – a obliteração do canal radicu- traumática, bactérias e seus produtos presentes no
lar não é incomum se o segmento (coronário ou apical) espaço pulpar são capazes de se difundir por meio
permanecer vital. dos túbulos dentinários e estimular uma resposta
inflamatória sobre amplas áreas do ligamento pe-
riodontal. Novamente, devido à falta de proteção
 INJÚRIAS POR LUXAÇÃO cementária, a inflamação periodontal incluirá reab-
Definições sorção radicular, assim como a esperada reabsorção
óssea32,60,79,121,124.
1. Concussão implica ausência de deslocamento, mo- 2. Na reabsorção radicular inflamatória interna, a pol-
bilidade normal, sensibilidade à percussão. pa inflamada é o tecido envolvido na reabsorção
2. Subluxação implica sensibilidade à percussão, mo- da estrutura radicular. A patogênese da reabsorção
bilidade aumentada, sem deslocamento. interna não está completamente entendida. Consi-
3. Luxação lateral implica deslocamento vestibular, dera-se aqui que a polpa coronária necrosada infec-
lingual, distal ou incisal. tada produz um estímulo para uma inflamação nas
4. Luxação extrusiva implica deslocamento na direção porções mais apicais da polpa. Se em casos raros a
coronária. polpa inflamada estiver adjacente a uma superfície
5. Luxação intrusiva implica deslocamento na direção radicular que tenha perdido sua proteção cementá-
apical dentro do alvéolo. ria, poderá ocorrer a reabsorção radicular interna.
Assim, tanto a polpa necrosada infectada como a
Essas definições descrevem injúrias de magnitu- polpa inflamada contribuem para esse tipo de reab-
de crescente em termos de intensidade e sequelas sub- sorção radicular121,124.
sequentes.

Consequências do dano ao suprimento


Incidência neurovascular apical
De todas as injúrias dentárias, as por luxação são
Obliteração do canal radicular
as mais comuns, com incidências reportadas variando
A obliteração do canal radicular é comum após as
de 30 a 44%43.
injúrias por luxação (Fig. 22-25). A frequência da obli-
teração do canal parece ser inversamente proporcional
Consequências biológicas à da necrose pulpar. O exato mecanismo da obliteração
As injúrias por luxação resultam em danos ao do canal não é conhecido. Tem sido teorizado que o
aparato de inserção (ligamento periodontal e cama- controle simpático/parassimpático do fluxo sanguíneo
da de cemento), cuja gravidade depende do tipo de para os odontoblastos se encontra alterado, resultando
injúria ocorrida (concussão menos, intrusão mais). O em produção descontrolada de dentina reparadora5,13.
suprimento neurovascular apical da polpa também é Outra teoria é que a hemorragia e a formação de um co-
afetado em graus variáveis resultando na alteração ou águlo sanguíneo na polpa após a injúria sejam um foco
na perda da vitalidade pulpar do dente. A reparação para a calcificação subsequente se a polpa permanecer
pode ser favorável ou desfavorável. vital5,13. A obliteração do canal radicular geralmente
A reparação favorável após uma injúria por luxa- pode ser diagnosticada no primeiro ano após a injúria9
ção ocorre se o dano físico inicial à superfície radicu- e tem sido observada com mais frequência em dentes
834 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

crosada tornar-se-á infectada. Pelo fato de uma injúria


grave ser necessária para que haja necrose pulpar, é fre-
quente que as áreas da raiz que são recobertas por ce-
mento também sejam afetadas resultando na sua perda
de proteção. Nesse momento, produtos bacterianos po-
dem passar através dos túbulos dentinários e estimular
uma resposta inflamatória no ligamento periodontal
correspondente. O resultado é a reabsorção da raiz e
do osso. O infiltrado periodontal consiste de tecido de
granulação com linfócitos, plasmócitos e leucócitos po-
limorfonucleares. As células gigantes multinucleadas
reabsorvem a superfície desnuda da raiz e isso conti-
nua até que o estímulo (bactérias no canal radicular)
seja removido121 (Fig. 22-27). Radiograficamente a rea-
bsorção é observada como áreas radiolúcidas progres-
sivas da raiz e do osso adjacente (Fig. 22-26).

Tratamento
Figura 22-25. Obliteração quase completa do canal radicular em O dano de inserção devido à injúria traumática
dente superior 1 ano após luxação grave.
e a diminuição da inflamação subsequente são o foco
da visita de emergência. A atenção do profissional
para a infecção pulpar deve ser exatamente de 7 a 10
com ápices abertos (>0,7mm radiograficamente), em dias após a injúria127,128. A desinfecção do canal radi-
dentes com injúrias por luxação extrusiva e lateral e em cular remove o estímulo da inflamação perirradicular
dentes que tenham sido esplintados rigidamente9. e a reabsorção irá cessar60,127,128. Em muitos casos, uma
nova inserção irá se formar, mas, se uma grande área
Necrose pulpar da raiz é afetada, a substituição óssea pode ocorrer
Os fatores mais importantes para o desenvolvi-
mento da necrose pulpar são o tipo de injúria (concus-
são menos, intrusão mais) e o estágio do desenvolvi-
mento radicular (ápice maduro > ápice imaturo)8. A
necrose pulpar pode levar à infecção do sistema de ca-
nais radiculares com as seguintes consequências.

Infecção pulpar
A infecção pulpar em conjunto com lesão da superfície
externa da raiz resulta em reabsorção da raiz e do osso, e
continuará em seu estado ativo enquanto o estímulo pulpar
(infecção) permanecer.
Quando a raiz perde sua proteção cementária,
pode ocorrer uma lesão lateral com reabsorção radicu-
lar (Fig. 22-26).
Para que haja uma infecção do espaço pulpar, a
polpa deve primeiramente se tornar necrosada. Isso
ocorrerá após uma injúria bastante grave na qual o des-
locamento do dente resulta em danos aos vasos sanguí-
neos apicais.
Figura 22-26. Reabsorção radicular inflamatória causada por infec-
Em dentes maduros, a regeneração pulpar não ção endodôntica. Note as áreas radiolúcidas na raiz e no osso adja-
pode ocorrer e geralmente em 3 semanas a polpa ne- cente. (Gentileza do Dr. Fred Barnett.)
Traumatismo Dentário 835

cularização é possível em dentes jovens com ápices


incompletamente formados se eles forem recolocados
em sua posição inicial até 60 minutos após a injúria39
(Fig. 22-28). Se o dente foi avulsionado, embebê-lo em
doxiciclina por 5 minutos ou cobrir a raiz com mino-
ciclina em pó antes de o reimplante poder dobrar ou
triplicar as chances de revascularização39,95. Entretanto,
mesmo sob as melhores condições, poderá não ocorrer
revascularização, o que gera um dilema diagnóstico.
Se a polpa revascularizar, a reabsorção radicular exter-
na não ocorrerá e a raiz continuará a se desenvolver e
fortalecer. Entretanto, se a polpa se tornar necrosada
e infectada, a subsequente reabsorção radicular infla-
matória externa que se desenvolve poderá resultar em
perda do dente em um curto período.
Figura 22-27. Aparência histológica de osteoclastos reabsorvendo Atualmente, os recursos diagnósticos disponíveis
a dentina radicular. não podem detectar uma polpa vital nessa situação
antes de aproximadamente 6 meses de uma revascu-
larização bem-sucedida. Esse período, obviamente, é
por mecanismos já descritos. Novamente os princí- inaceitável, visto que nesse momento os dentes que
pios do tratamento incluem prevenção da infecção do não se revascularizaram poderão ser perdidos por um
canal radicular ou eliminação das bactérias se elas es- processo de reabsorção. Recentemente, a fluxometria
tiverem presentes no canal. laser Doppler tem sido considerada como um excelente
recurso diagnóstico para a detecção da revasculariza-
1. Prevenção da infecção do canal radicular ção em dentes imaturos (Fig. 22-2). Esses equipamen-
a) Restabelecer a vitalidade da polpa. Se a polpa tos parecem detectar precisamente a presença de teci-
permanece vital, o canal estará isento de bactérias e, do vital no espaço pulpar em 4 semanas após a injúria
dessa forma, a reabsorção radicular externa inflamató- traumática132.
ria não ocorrerá. Em injúrias graves onde a vitalidade b) Prevenir a infecção endodôntica pelo trata-
foi perdida é possível sob determinadas circunstân- mento do canal em 7-10 dias. Em dentes com ápices
cias promover a revascularização da polpa. A revas- fechados, a revascularização não pode ocorrer. Esses

A B C

Figura 22-28A. Incisivo central superior após luxação lateral grave. Não respondeu ao teste do frio com CO2, embora os dentes adjacentes
tenham apresentado resultados positivos. B. Quatro meses depois, todos os dentes responderam normalmente ao frio. C. Sete meses depois,
há bons sinais de formação radicular no incisivo.
836 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

dentes devem ser tratados endodonticamente em 7 a


10 dias após a injúria antes que a polpa necrosada por
isquemia se torne infectada127,128. Teoricamente, o tra-
tamento desses dentes nesse período pode ser consi-
derado equivalente ao tratamento de um dente com a
polpa vital. Portanto, o tratamento endodôntico pode
ser concluído em uma consulta. Entretanto, o trata-
mento eficiente imediatamente após uma séria injúria
traumática é extremamente difícil e, na opinião dos
autores, é vantajoso iniciar o tratamento endodôntico
com o preparo químico-mecânico seguido por medica-
ção intracanal com uma mistura cremosa de hidróxido
A B
de cálcio127 (Fig. 22-14). O profissional pode então ob-
turar o canal de acordo com a sua conveniência depois Figura 22-30. Reparação da reabsorção radicular inflamatória ex-
que a reparação periodontal da injúria estiver comple- terna após tratamento com hidróxido de cálcio. As áreas radiolúci-
ta, aproximadamente 1 mês após a consulta de instru- das vistas antes do tratamento desapareceram com o restabeleci-
mento da lâmina dura. (Gentileza do Dr. Fred Barnett.)
mentação. Parece não haver necessidade do tratamento
com hidróxido de cálcio a longo prazo em casos onde o
tratamento endodôntico tem início dentro de 10 dias a
partir da injúria. Ainda assim, em um paciente compla- A primeira visita consiste da fase de controle mi-
cente o hidróxido de cálcio pode ser aplicado por um crobiano com instrumentação do canal e colocação de
longo prazo (até 6 meses) para assegurar a saúde perio- uma mistura cremosa de hidróxido de cálcio usando
dontal antes da obturação final do canal radicular127. uma espiral de Lentulo. O paciente retorna em aproxi-
madamente 1 mês, quando então o canal é preenchido
com uma densa mistura de hidróxido de cálcio. Uma
2. Eliminar a infecção endodôntica
vez preenchido, o canal deve parecer radiograficamente
Quando o tratamento do canal radicular é inicia-
como se estivesse calcificado, visto que a radiodensidade
do depois de 10 dias do acidente ou se uma reabsorção
do hidróxido de cálcio no canal é semelhante à da denti-
inflamatória externa é observada, o protocolo antibacte-
na circunjacente (Fig. 22-16). Radiografias são então rea-
riano preferido consiste no controle microbiano seguido
lizadas em intervalos de 3 meses. A cada visita, o dente
por um curativo a longo prazo com hidróxido de cálcio
é testado para sintomas de lesão perirradicular. Além
de consistência espessa127. O hidróxido de cálcio pode
da reparação do processo de reabsorção, a presença ou
gerar um pH alcalino na proximidade dos túbulos den-
a ausência de hidróxido de cálcio é avaliada. Visto que
tinários (Fig. 22-29), eliminando bactérias e neutralizan-
a superfície radicular é radiodensa, o que torna a avalia-
do endotoxinas, potentes estimulantes inflamatórios.
ção difícil, a reparação do osso adjacente é avaliada. Se o
osso adjacente estiver reparado, presume-se que o pro-
cesso de reabsorção radicular foi interrompido e então o
canal pode ser obturado com material obturador perma-
nente (Fig. 22-30). Se for observado que uma reparação
adicional seria vantajosa antes da obturação radicular,
é avaliada a necessidade da reposição de hidróxido de
cálcio no canal. Se o canal ainda parecer calcificado ra-
diograficamente, não há necessidade da reposição de
hidróxido de cálcio. Por outro lado, se o canal retornou
à sua aparência radiolúcida, o hidróxido de cálcio deve
ser recolocado e reavaliado em outros 3 meses.

Diagnóstico das injúrias por luxação na


Figura 22-29. Alto pH do hidróxido de cálcio. O canal foi preenchi- sessão de emergência
do com hidróxido de cálcio, e a raiz então foi seccionada transversal-
mente. Um indicador de pH revela altos valores no canal e dentina Avaliação – Pacientes apresentarão história re-
circundante, enquanto o tecido circunjacente está em pH neutro. cente de injúria traumática, grau variável de desloca-
Traumatismo Dentário 837

mento dentário e dor à percussão. A história médica Luxação lateral


e dental deve ser registrada e a avaliação clínica dos
Diagnóstico e apresentação clínica
dentes feita com ênfase particular na dor à percussão
e mobilidade. A avaliação radiográfica é de vital im- História de injúria traumática recente. O dente se
portância para detectar a extensão do deslocamento e encontra deslocado lateralmente (a coroa usualmente
avaliar a presença ou não de fratura radicular. está deslocada no sentido palatino) e sangramento sul-
cular está usualmente presente. O dente usualmente se
encontra sensível à percussão.
Diagnóstico e tratamento de emergência
Concussão Tratamento
Na maioria dos casos, a coroa está para a pala-
Diagnóstico e apresentação clínica tina e o ápice radicular para a vestibular. Muitas das
O dente com concussão não apresenta deslo- vezes o ápice é forçado contra a cortical óssea vesti-
camento, tampouco mobilidade. Dor à percussão é a bular e o dente fica então travado nessa nova posição
única característica presente. Uma história de trauma e com dificuldade de ser deslocado. O dente deve ser
recente associada à dor à percussão torna o diagnóstico removido dessa posição por um movimento em dire-
possível. ção coronária e então apical. Isso é realizado da forma
mais delicada possível, aplicando-se uma pressão no
sentido coronopalatino sobre o ápice radicular com
Tratamento
o dedo indicador e exercendo uma pressão na coroa
A possibilidade de fratura radicular pode ser ex-
no sentido vestibular com o polegar. O dente é então
cluída por meio de radiografias anguladas. A oclusão
movido primeiro coronariamente para fora da cortical
deve ser checada e ajustada, se necessário. Os testes de
vestibular e, então, é algo que “sugado” para sua posi-
sensibilidade pulpar podem dar resultado negativo e a
ção original. O reposicionamento requer anestesia. Se o
coroa pode ter alteração de cor. O tratamento endodôn-
dente estiver com mobilidade após reposicionamento,
tico não deve ser realizado nesta consulta, pois os resultados
deve ser esplintado da mesma forma que para avulsão
negativos dos testes de sensibilidade e a alteração de cor po-
(ver adiante). Testes de sensibilidade são de pouco va-
dem ser reversíveis.
lor nessa consulta.

Acompanhamento
Acompanhamento
Três semanas, 3, 6, 12 meses e anualmente.
Dente maduro
A maior preocupação durante o acompanhamen-
Embora a sobrevivência da polpa seja possível em
to é o desenvolvimento de necrose pulpar. Testes pul-
alguns casos, é nossa opinião que, se após 3 semanas os
pares e perirradiculares são realizados, assim como ra-
testes de sensibilidade indicam necrose pulpar, o trata-
diografias. Necrose pulpar pode ser diagnosticada aos
mento endodôntico deve ser realizado. O tratamento
3 meses.
endodôntico de um dente maduro sem infecção pulpar
tem um índice de sucesso extremamente alto e deveria
Subluxação ser realizado em vez de se correr o risco de complica-
Diagnóstico e apresentação clínica ções por reabsorção externa.
A apresentação clínica da subluxação é similar
à da concussão. Além disso, o dente pode apresentar
Dente imaturo
leve mobilidade e tipicamente apresenta sinais clínicos Dentes imaturos representam um dilema. As
de sangramento ao nível do sulco gengival. chances de a vitalidade pulpar ser mantida ou haver
revascularização são razoavelmente boas. Contudo, se
necrose e infecção ocorrerem, esses dentes que já so-
Tratamento
freram dano ao cemento devido ao trauma são susce-
Como na concussão. tíveis de reabsorção inflamatória externa e podem ser
perdidos em pouco tempo. Acompanhamento cuida-
Acompanhamento doso é muito importante e, ao primeiro sinal (clínico
Como na concussão. ou radiográfico) de reabsorção radicular, o tratamento
838 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

endodôntico deve ser iniciado. Fluximetria laser Dop- ce resultar em dano mínimo, conduz à necrose pulpar
pler é um instrumento promissor para o diagnóstico de em 12 a 20% dos casos. Nas luxações lateral e extru-
revascularização desses dentes jovens. siva, a polpa necrosa em mais da metade dos casos.
A incidência de necrose após intrusão é altíssima. A
Luxação extrusiva (extrusão) infecção da polpa necrosada ocorre depois de um pe-
Diagnóstico e apresentação clínica, tratamento e acom- ríodo variável. Sinais de lesão perirradicular, incluin-
panhamento são essencialmente os mesmos para as luxações do dor à percussão, podem levar de meses a anos para
laterais. ocorrer.

Luxação intrusiva (intrusão) Obliteração do canal radicular


Diagnóstico e apresentação clínica A obliteração do canal é ocorrência comum nas
luxações. O tratamento endodôntico não é rotineira-
O dente é empurrado para o interior de seu al-
mente indicado nesses dentes.
véolo e se apresenta firmemente preso, com um som
metálico ao teste de percussão e em infraoclusão. Ava-
liação radiográfica é essencial para checar a extensão e Reabsorção radicular
a posição do dente intruído. A reabsorção radicular ocorre em 5 a 15% das lu-
xações. A reabsorção radicular inflamatória pode ser
Tratamento tratada com alto índice de sucesso pelo tratamento en-
A luxação intrusiva é provavelmente a pior injú- dodôntico. Por sua vez, a anquilose é irreversível pelos
ria traumática que um dente pode suportar. O movi- métodos disponíveis atualmente, tanto que, uma vez
mento do dente no alvéolo resulta em dano extensor detectada, deve ser preparado um plano de tratamento
ao aparato de inserção com a ocorrência de anquilose levando em consideração a perda do dente.
e reabsorção por substituição como quase uma certeza.
Além disso, necrose pulpar é bastante comum e reab-
 AVULSÃO E REIMPLANTE
sorção inflamatória externa pode se desenvolver se o
tratamento endodôntico não for realizado a tempo. Definição
O tratamento inicial depende do estágio de desen-
Avulsão implica o deslocamento total do dente de
volvimento do dente. Dentes imaturos usualmente ree-
seu alvéolo.
rupcionam espontaneamente e retornam a sua posição
original em poucas semanas a meses. Se a reerupção
cessa antes de o dente atingir a oclusão normal, deve- Incidência
se iniciar imediatamente a movimentação ortodôntica A incidência de avulsão dentária varia entre 1 e
antes que o dente fique anquilosado em posição. Den- 16% de todas as injúrias traumáticas que acometem
tes maduros devem ser reposicionados imediatamente dentes permanentes14. Como a maioria das injúrias,
para evitar anquilose na posição intruída14. O repo- incisivos centrais superiores são os mais afetados14. Es-
sicionamento ortodôntico é sempre preferível se um portes e acidentes automobilísticos são as causas mais
dispositivo ortodôntico puder ser aplicado à coroa do frequentes e a faixa etária mais envolvida é a de 7 a 10
dente intruído. Se a intrusão for pronunciada, pode ser anos de idade14.
necessário se confeccionar um acesso cirúrgico para co-
locação do dispositivo ortodôntico ou o dente pode ser Tratamento clínico do dente avulsionado
reposicionado por meio de uma luxação cirúrgica se-
guida de recolocação do dente em alinhamento com os A reparação favorável após uma avulsão re-
dentes adjacentes. Protocolos de tratamento endodôn- quer uma intervenção emergencial rápida seguida
tico são similares ao dente avulsionado (ver adiante). pela avaliação e possível tratamento em momentos
decisivos durante a fase de reparação. A emergên-
Prognóstico das injúrias por luxação cia de atendimento e a natureza multidisciplinar das
avaliações de acompanhamento requerem que tanto
Necrose pulpar o público leigo quanto os profissionais de várias dis-
A necrose da polpa é comum após injúrias trau- ciplinas estejam conscientes das estratégias de trata-
máticas de luxação. Mesmo a subluxação, a qual pare- mento envolvidas.
Traumatismo Dentário 839

 CONSEQUÊNCIAS DA AVULSÃO Os cementoblastos que se movem mais lentamente não


DENTÁRIA podem recobrir toda a superfície radicular a tempo e é
provável que em certas áreas o osso irá se inserir direta-
A avulsão dentária resulta em lesão de inserção e mente sobre a superfície da raiz. Durante o período de
necrose pulpar. O dente é “separado” do alvéolo devi- remodelação óssea fisiológica, toda a raiz será substitu-
do principalmente à ruptura do ligamento periodon- ída por osso. Isso foi denominado substituição óssea ou
tal, que deixa células viáveis na maior parte da super- reabsorção por substituição19,125 (Figs. 22-32 e 22-33).
fície radicular. Além disso ocorre uma pequena lesão A necrose pulpar sempre ocorre após uma injú-
cementária localizada em razão do impacto do dente ria por avulsão. Enquanto uma polpa necrosada não
contra o alvéolo. é uma consequência por si só, o tecido necrótico é ex-
Se o ligamento periodontal que ficou inserido na tremamente suscetível à contaminação bacteriana. Se
superfície radicular não ressecar, as consequências da não ocorrer a revascularização ou não for realizado
avulsão dentária geralmente são mínimas10,109. As cé- um tratamento endodôntico efetivo, o espaço pulpar
lulas do ligamento periodontal hidratadas irão manter tornar-se-á inevitavelmente infectado. A combinação
sua viabilidade e irão se reparar após o reimplante, de bactérias no canal radicular e a lesão do cemento na
com uma destruição inflamatória mínima como resul- superfície externa da raiz resultam em uma reabsorção
tado. Afora isso, visto que as áreas da injúria de im- externa inflamatória que pode ser bastante grave e le-
pacto são localizadas, a inflamação estimulada pelos var a uma rápida perda do dente121 (Fig. 22-26).
danos teciduais será igualmente limitada e a reparação Assim, as consequências após a avulsão dentária
favorável com uma nova reposição de cemento é pro- parecem diretamente relacionadas com a gravidade, a
vável de ocorrer após os episódios inflamatórios ini- área de inflamação sobre a superfície radicular e a lesão
ciais (Fig. 22-31). resultante na superfície da raiz que deve ser reparada.
Se, por outro lado, ocorrer um ressecamento ex- As estratégias de tratamento devem ser sempre consi-
cessivo antes do reimplante, as células danificadas do deradas em um contexto de limitação da extensão da in-
ligamento periodontal irão promover uma grave res- flamação perirradicular, pendendo a balança para uma
posta inflamatória sobre uma área difusa da superfície reparação mais favorável (cementária) do que desfavo-
radicular. Ao contrário da situação já descrita onde a rável (reabsorção inflamatória ou por substituição).
área a ser reparada após a resposta inflamatória inicial é
pequena, aqui uma grande área da superfície radicular,
que deve ser reparada por um tecido novo, é afetada.

Figura 22-32. Aparência histológica da reabsorção por substitui-


Figura 22-31. Corte his- ção. Há contato direto entre o osso e a estrutura radicular. Defeitos
tológico mostrando defei- reabsortivos são vistos no osso e na raiz, representando processo
to de reabsorção radicular fisiológico de turnover ósseo. Os defeitos reabsortivos serão preen-
prévio reparado com novo chidos com novo osso, e áreas adicionais serão reabsorvidas. Dessa
cemento e ligamento pe- forma, toda a raiz será substituída por osso em velocidade depen-
riodontal. dente do metabolismo do paciente.
840 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

realizados para prevenir ou eliminar a infecção do es-


paço do canal radicular.

Tratamento clínico
Tratamento de emergência no local da lesão
Reimplantar se possível ou colocar em um meio apro-
priado de armazenamento.
Como já mencionado, a lesão do aparato de inser-
ção que ocorreu na fase inicial da injúria é inevitável,
mas geralmente é mínima. Entretanto, todos os esforços
são realizados para minimizar a necrose do ligamento
periodontal remanescente enquanto o dente estiver
fora da boca. As sequelas pulpares não são levadas em
conta inicialmente e serão consideradas em um estágio
mais avançado do tratamento.
O fator mais importante para assegurar um re-
sultado favorável após o reimplante é a rapidez com
a qual o dente é reimplantado14,20. De máxima impor-
tância é a prevenção do ressecamento, que causa per-
da do metabolismo fisiológico normal e da morfologia
Figura 22-33. Aparência radiográfica da reabsorção por substi-
tuição. A raiz adquire a aparência radiográfica do osso circundante das células do ligamento periodontal20,109. Todo esforço
(sem lâmina dura). Note que áreas radiolúcidas típicas de inflama- deve ser feito para reimplantar o dente dentro dos pri-
ção ativa não estão presentes. meiros 15 a 20 minutos25. Isso geralmente requer uma
equipe de emergência no local da injúria com algum
conhecimento do protocolo de tratamento. O dentista
deve se comunicar claramente com as pessoas no local
Objetivos do tratamento do acidente. O ideal seria que essa informação fosse
O tratamento é direcionado para o impedimen- dada anteriormente como um suporte educacional às
to ou minimização da inflamação resultante das duas escolas de enfermagem ou aos treinadores de atletas,
principais consequências de uma avulsão dentária, de- por exemplo, mas, como isso não é feito, a informação
nominadas lesão de inserção e infecção pulpar. pode ser dada por telefone.
A lesão de inserção como um resultado direto O objetivo é reimplantar um dente limpo com uma
da avulsão não pode ser evitada. Entretanto, uma le- superfície radicular sem danos, o mais delicadamente
são adicional considerável pode ocorrer ao ligamen- possível, e depois disso o paciente deve ser levado ao
to periodontal no momento em que o dente está fora consultório imediatamente. Se houver dúvida em rela-
da boca (primeiramente devido ao ressecamento). O ção ao reimplante adequado do dente, ele deve ser ar-
tratamento é direcionado para a minimização dessa mazenado em um meio apropriado até que o paciente
lesão (e da inflamação resultante) para que as com- possa chegar ao consultório dentário para o reimplan-
plicações sejam as menores possíveis. Quando uma te. Os meios de armazenamentos sugeridos por ordem
lesão adicional grave não pode ser evitada e a subs- de preferência são leite, saliva, tanto no vestíbulo da
tituição óssea da raiz é considerada certa, algumas boca como em um recipiente onde o paciente cuspa,
medidas são tomadas para retardar a substituição da solução salina fisiológica e água67. A água é o meio de
raiz pelo osso e manter o dente na boca pelo maior armazenamento menos desejável porque um ambiente
período possível. hipotônico causa uma rápida lise celular e aumenta a
Em um dente com o ápice aberto, todos os es- inflamação durante o reimplante30,31.
forços são feitos para promover a revascularização Meios de cultura em recipientes de transporte es-
da polpa, evitando, assim, a infecção do espaço pulpar. pecializados, tais como solução salina balanceada de
Quando a revascularização falha (em um dente com Hank (HBSS) ou ViaSpan, mostraram uma capacidade
o ápice aberto) ou não é possível (em um dente com o superior de manter a viabilidade das fibras do ligamen-
ápice fechado), todos os esforços para o tratamento são to periodontal por longos períodos126. Atualmente, eles
Traumatismo Dentário 841

são considerados impraticáveis, visto que precisam es- ou o seu colapso. O alvéolo e as áreas circunjacentes,
tar presentes no local do acidente antes que a injúria incluindo os tecidos moles, devem ser radiografados.
ocorra. Se considerarmos que mais de 60% das injúrias Três angulações verticais são necessárias para o diag-
por avulsão ocorrem perto de casa ou da escola62, seria nóstico da presença de uma fratura radicular horizon-
vantajoso ter esses meios disponíveis em kits de emer- tal em dentes adjacentes14. Os dentes remanescentes
gência nesses dois locais. Além disso, seria razoável tê- tanto na arcada superior como na inferior devem ser
los em ambulâncias e em outras equipes de emergência examinados para injúrias, como as fraturas coronárias.
que sejam prováveis de tratar injúrias mais sérias onde Quaisquer lacerações dos tecidos moles devem ser
os dentes teriam que ser sacrificados devido a situa- anotadas.
ções mais graves de risco de vida.

Tratamento no consultório dentário  PREPARAÇÃO DA RAIZ


Visita de emergência A preparação da raiz depende da maturidade do
dente (ápice aberto versus ápice fechado) e do tempo
Preparar o alvéolo, preparar a raiz, construir um splint
de ressecamento do dente antes de ser colocado em um
funcional, antibióticos locais e sistêmicos.
meio de armazenamento. Um tempo de ressecamento
É essencial reconhecer que a injúria dentária
de 60 minutos é considerado o ponto onde a sobrevi-
pode ser secundária a uma injúria mais grave. Se ao
vência das células do ligamento periodontal radicular
exame se suspeitar de uma injúria mais grave, o en-
é improvável.
caminhamento imediato a um especialista é a priori-
dade. O foco da consulta de emergência é o aparato
de inserção. O objetivo é reimplantar o dente com o
Tempo extraoral < 60 minutos
mínimo de células lesadas irreversivelmente (que irão Ápice fechado
causar inflamação) e com uma quantidade máxima de A raiz deve ser irrigada com água ou solução salina
células do ligamento periodontal que tenham o po- para remover detritos e reimplantada da forma mais delicada
tencial de regenerar e reparar a superfície radicular possível.
danificada. Se o dente tiver ápice fechado, a revascularização
não é possível39, mas, uma vez que o tempo de resse-
Diagnóstico e plano de tratamento camento do dente foi inferior a 60 minutos (reimplan-
Se o dente foi reimplantado no local da injúria, tado ou colocado em um meio apropriado), a chance
uma história completa deve ser registrada para avaliar de reparação periodontal existe. O mais importante
a probabilidade de um resultado favorável. Além dis- é que fica reduzida a chance de uma grave resposta
so, a posição do dente reimplantado deve ser avaliada e inflamatória no momento do reimplante. Um tempo
ajustada se necessário. Em raras ocasiões o dente pode de ressecamento de menos de 15 a 20 minutos é con-
ser “delicadamente” removido para preparar a raiz a siderado ideal para que a reparação periodontal seja
fim de aumentar as chances de um resultado favorável esperada10,25,109.
(ver a seguir). Um desafio contínuo é o tratamento do dente que
Se o paciente se apresentar com o dente fora da tenha ressecado por mais de 20 minutos (sobrevivência
boca, o meio de armazenamento deve ser avaliado e, garantida das células periodontais), porém menos de
se necessário, o dente deve ser colocado em um meio 60 minutos (sobrevivência periodontal improvável).
mais apropriado. A solução salina balanceada de Hank Nesses casos, a lógica sugere que a superfície radicular
é considerada atualmente o melhor meio para esse pro- consiste de algumas células com o potencial de regene-
pósito. O leite ou a solução salina fisiológica também rar e algumas que agirão como estimuladoras inflama-
são apropriados para fins de armazenamento. tórias. Novas estratégias que podem ser extremamente
A história médica e do acidente é registrada e valiosas nesses casos se encontram sob investigação. O
um exame clínico realizado. O exame clínico deve in- uso de Emdogain® tem sido importante nos casos que
cluir um exame do alvéolo para assegurar que ele es- eram considerados sem esperança no passado (ver a
teja intacto e adequado para o reimplante. O alvéolo seguir). Esse medicamento tem o potencial de ser ex-
é delicadamente irrigado com solução salina. Quando tremamente valioso em um período de ressecamento
da remoção de coágulos ou fragmentos, suas paredes entre 20 e 60 minutos. Estudos estão em andamento
são examinadas diretamente para a presença, ausência para avaliação do seu potencial.
842 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

Ápice aberto a formação de um novo ligamento periodontal a partir


Embeber em doxiciclina ou recobrir com minociclina do alvéolo40,70.
por 5 minutos, remover delicadamente os fragmentos, reim- Se o dente ficou seco por mais de 60 minutos e
plantar. não foram consideradas medidas para a preservação
Em um dente com o ápice aberto, são possíveis a do ligamento periodontal, o tratamento endodôn-
revascularização da polpa bem como a continuidade tico deve ser realizado extraoralmente. No caso de
do desenvolvimento radicular. Cvek et al.39 observa- um dente com o ápice fechado, não existe vantagem
ram em macacos que a imersão do dente em doxici- para esse passo adicional na consulta de emergência.
Entretanto, em um dente com o ápice aberto o trata-
clina (1mg em aproximadamente 20mL de solução sa-
mento endodôntico, se realizado após o reimplante,
lina) por 5 minutos antes do reimplante intensificava
envolve um procedimento de apicificação a longo
significativamente a revascularização. Esse resultado
prazo. Nesses casos, completar o tratamento endo-
foi confirmado em cães por Yanpiset et al.132. Um estu-
dôntico extraoralmente, em que um selamento de
do recente observou que a cobertura do dente com mi-
um ápice em forma de bacamarte é mais fácil de ser
nociclina aderida à raiz por aproximadamente 15 dias
realizado, pode ser vantajoso. Quando o tratamen-
aumentava o índice de uma posterior revascularização
to endodôntico é realizado extraoralmente, ele deve
em cães95. Enquanto esses estudos em animais não nos
ser realizado assepticamente com o máximo cuidado
oferecem uma previsão do índice de revascularização
para garantir um sistema de canais radiculares isen-
em humanos, é razoável esperar que a melhora na re-
to de bactérias.
vascularização observada em duas espécies animais
ocorra também em humanos. Como o dente com ápice
fechado, o dente com o ápice aberto também deve ser Ápice aberto
delicadamente irrigado e reimplantado. Reimplantar? Em caso afirmativo, tratar como um
dente com o ápice fechado. O tratamento endodôntico deve
Tempo extraoral > 60 minutos ser realizado fora da boca.
Visto que esses dentes são de pacientes jovens
Ápice fechado nos quais o desenvolvimento facial geralmente está
Remover o ligamento periodontal por meio da coloca- incompleto, muitos odontopediatras consideram o
ção em ácido por 5 minutos, embeber em fluoreto ou recobrir prognóstico tão ruim e as complicações potenciais de
a raiz com Emdogain, reimplantar. anquilose dentária tão graves, que recomendam que
Quando a raiz sofreu um ressecamento por 60 mi- esses dentes não sejam reimplantados. De fato, não
nutos ou mais, a sobrevivência das células do ligamen- reimplantar esses dentes é a recomendação atual da
to periodontal não é esperada20,109. Nesses casos, a raiz Associação Internacional de Trauma Dental49. Entre-
deve ser preparada para ser o máximo possível resis- tanto, existe uma considerável discussão se seria van-
tente à reabsorção (atentando para o lento processo de tajoso reimplantar a raiz mesmo que sua perda fosse
substituição óssea). Esses dentes devem ser embebidos inevitável em razão da reabsorção por substituição. Se
em ácido por 5 minutos para remover todo o ligamen- os pacientes forem acompanhados cuidadosamente e
to periodontal remanescente e, dessa forma, remover o se a raiz ficar submersa no momento apropriado4,47,
tecido que irá iniciar a resposta inflamatória no reim- o comprimento e, mais importante, a largura do osso
plante. O dente deve ser então embebido em fluoreto alveolar seriam mantidos, permitindo a realização
estanhoso a 2% por 5 minutos e reimplantado29,103. Foi mais fácil de uma restauração permanente no mo-
observado que o alendronato tem efeitos de retarda- mento apropriado quando o desenvolvimento facial
mento da reabsorção semelhantes aos do fluoreto da criança estiver completo. Estudos estão em anda-
quando utilizado topicamente78, porém outros estudos mento para avaliar se as recomendações atuais devem
devem ser realizados para avaliar se sua efetividade é ser modificadas.
superior à do fluoreto e se isso justifica seu custo adi-
cional. Estudos recentes observaram que o Emdogain
(proteína da matriz do esmalte) pode ser extremamen-
 PREPARAÇÃO DO ALVÉOLO
te benéfico em dentes com períodos longos de resseca- O alvéolo não deve ser molestado antes do reim-
mento extraoral, não somente por tornar a raiz mais re- plante14. É relevante a remoção de obstáculos dentro
sistente à reabsorção, mas possivelmente por estimular do alvéolo para facilitar a reposição do dente no seu
Traumatismo Dentário 843

interior60. Ele deve ser levemente aspirado se um coá-  TRATAMENTO DOS TECIDOS MOLES
gulo sanguíneo estiver presente. Se o osso alveolar so-
As lacerações da gengiva alveolar devem ser
freu colapso e pode impedir o reimplante ou torná-lo
adequadamente suturadas. As lacerações do lábio
traumático, um instrumento rombo deve ser inserido
são muito comuns nesses tipos de injúria. O dentista
cuidadosamente dentro do alvéolo na tentativa da re-
deve abordar as lacerações labiais com alguma cau-
posição da parede.
tela, e uma consulta ao cirurgião plástico poderia ser
prudente. Se essas lacerações forem suturadas, deve-se
 ESPLINTAGEM ter cuidado de limpar totalmente a ferida de antemão
porque a sujeira ou até mesmo fragmentos dentários
Uma técnica de esplintagem que permita o movi-
diminutos deixados na ferida afetam a reparação e o
mento fisiológico do dente durante a reparação e que
resultado estético.
permaneça no local por um período mínimo resulta
na diminuição da incidência de anquilose3,11,60. Uma
fixação semirrígida (fisiológica) por 7 a 10 dias é re-
comendada3. O splint deve permitir o movimento do
 TERAPIA COMPLEMENTAR
dente, não deve ter memória elástica (assim o dente A administração de antibióticos sistêmicos no
não é movido durante a reparação) e não deve inva- momento do reimplante e antes do tratamento endo-
dir a gengiva e/ou impedir a manutenção de higiene dôntico é efetiva na prevenção da invasão bacteriana
oral na área. Muitos splints satisfazem os requisitos da polpa necrosada e, portanto, da reabsorção infla-
aceitáveis. Recentemente, um novo splint de titânio matória subsequente61. A tetraciclina tem uma vanta-
para trauma (TTS) tem demonstrado ser particular- gem adicional na diminuição da reabsorção radicular
mente efetivo e fácil de usar129 (Fig. 22-34). Depois que porque afeta a motilidade dos osteoclastos e reduz a
o splint é colocado, uma radiografia deve ser realizada efetividade da enzima colagenase96. A administração
para verificar a posição do dente e como uma referên- de antibióticos sistêmicos é recomendada, começando
cia pós-operatória para o futuro tratamento e acom- pela consulta de emergência e continuando até que o
panhamento. splint seja removido61. Para pacientes não suscetíveis à
Quando o dente está na melhor posição possível, pigmentação por tetraciclina, doxiciclina 2 vezes ao dia
é importante ajustar a mordida para que ele não seja por 7 dias em doses apropriadas para a idade e peso
esplintado em uma posição que cause oclusão traumá- do paciente96,97 é o antibiótico de escolha. A penicilina
tica. Uma semana é suficiente para criar um suporte V 1.000mg e 500mg, 4 vezes ao dia por 7 dias, também
periodontal que mantenha o dente avulsionado em tem demonstrado ser benéfica. O conteúdo bacteriano
posição124. Portanto, o splint deve ser removido depois do sulco gengival também deve ser controlado durante
de 7 ou 10 dias. A única exceção é a avulsão em conjun- a fase de reparação. Além de reforçar a necessidade de
ção com fraturas alveolares, para a qual é sugerido um uma higiene oral adequada ao paciente, o uso de enxá-
tempo de splint de 4 a 8 semanas124. gues com clorexidina por 7 a 10 dias pode ser útil.
Em estudo recente realizado por nosso grupo,
uma grande vantagem foi observada na remoção dos
conteúdos pulpares na visita de emergência e a co-
locação de Ledermix no interior do canal radicular32.
Esse produto contém uma combinação de tetraciclina
com corticosteroide e foi demonstrado que ele pene-
tra nos túbulos dentinários. Aparentemente o uso do
medicamento foi capaz de reduzir significativamente a
resposta inflamatória após o reimplante, o que permi-
tiu uma reparação mais favorável comparada aos den-
tes nos quais o medicamento não foi usado. Estamos
confiantes de que o uso imediato desse medicamen-
to tornar-se-á uma prática-padrão em um futuro não
muito distante. A necessidade de analgésicos deve ser
avaliada com base nos casos individuais. É incomum
Figura 22-34. Splint de titânio para trauma (TTS) aplicado. o uso de uma medicação mais forte para dor do que
844 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

anti-inflamatórios não esteroidais que não necessitam espessa de hidróxido de cálcio e solução salina esté-
de prescrição. O paciente deve ser encaminhado ao ril (a solução anestésica também é um veículo aceitá-
médico para consulta em relação a um reforço contra vel). O hidróxido de cálcio é trocado a cada 3 meses
o tétano dentro de 48 horas a partir do atendimento em uma variação de 6 a 24 meses. O canal é obturado
inicial. quando o espaço do ligamento periodontal parecer ra-
diograficamente intacto ao redor da raiz. O hidróxido
Segunda consulta de cálcio é um agente antibacteriano efetivo33,105 e in-
fluencia favoravelmente o meio ambiente no local da
Ela deve ocorrer 7 a 10 dias após a sessão de emer- reabsorção, teoricamente promovendo a reparação122.
gência. Na consulta de emergência foi colocada ênfase Ele também modifica o meio ambiente na dentina para
na preservação e na reparação do aparato de inserção. um pH mais alcalino, que pode retardar a ação das cé-
O foco dessa segunda visita é a prevenção ou elimina- lulas de reabsorção e promover a formação de tecido
ção de agentes irritantes potenciais do espaço do canal duro122. Entretanto, a troca do hidróxido de cálcio deve
radicular. Esses agentes irritantes, se presentes, pro- ser mantida por um tempo mínimo (não mais do que a
duzem o estímulo para a progressão da resposta infla- cada 3 meses), porque ele tem um efeito necrosante so-
matória e da reabsorção óssea e radicular. Ainda nessa bre as células que estão tentando repovoar a superfície
visita, o curso de antibióticos sistêmicos é concluído, radicular danificada77. Enquanto o hidróxido de cálcio
o enxágue com clorexidina pode ser interrompido, e o é considerado a substância de escolha na prevenção e
splint, removido. no tratamento da reabsorção radicular inflamatória, ele
não é o único medicamento recomendado nesses casos.
 Tratamento endodôntico Algumas tentativas têm sido feitas não apenas para re-
mover o estímulo das células da reabsorção, mas tam-
Tempo extraoral < 60 minutos bém para afetá-las diretamente. O Ledermix é efetivo
Ápice fechado no tratamento da reabsorção radicular inflamatória
por meio da inibição dos osteoclastos89,90 sem danificar
Iniciar o tratamento endodôntico em 7 a 10 dias. Em
o ligamento periodontal, tendo sido demonstrada sua
casos em que o tratamento endodôntico é atrasado ou sinais
capacidade de se difundir através da raiz do dente hu-
de reabsorção estão presentes, tratar com hidróxido de cálcio
mano1. Sua liberação e difusão são intensificadas quan-
“a longo prazo” antes da obturação.
do usado em combinação com pasta de hidróxido de
Não existem chances de revascularização desses
cálcio2. A calcitonina, hormônio que inibe a reabsorção
dentes, devendo ser iniciado o tratamento endodôn-
óssea, também é uma medicação efetiva no tratamento
tico na segunda visita, 7 a 10 dias depois da consulta
da reabsorção radicular inflamatória89.
de emergência12,39. Se a terapia iniciar em seu momento
ideal, a polpa deve estar necrosada sem infecção ou no
máximo apenas com uma infecção mínima81,127. Portan-
Ápice aberto
to, o tratamento endodôntico com um efetivo agente Evitar o tratamento endodôntico e procurar por sinais
antibacteriano entre as consultas127 por um período re- de revascularização. Ao primeiro sinal de uma polpa infectada,
lativamente curto (7 a 10 dias) é suficiente para garantir iniciar o procedimento de apicificação.
uma desinfecção efetiva do canal105. Se o dentista confia Os dentes com ápices abertos têm um potencial
na cooperação total do paciente, a terapia com hidró- para revascularizar e continuar o desenvolvimento
xido de cálcio a longo prazo continua um excelente da raiz, e o tratamento inicial é direcionado para o
método de tratamento121,127. A vantagem do uso do hi- restabelecimento do suprimento sanguíneo39,95,131. O
dróxido de cálcio é que ele permite que o profissional início do tratamento endodôntico deve ser evitado
coloque um material obturador temporário no local até caso seja possível, a menos que estejam presentes si-
que um espaço intacto do ligamento periodontal seja nais explícitos de necrose pulpar, como a inflamação
confirmado. O tratamento com hidróxido de cálcio a perirradicular. O diagnóstico de vitalidade pulpar é
longo prazo deve ser sempre usado quando a injúria extremamente desafiador nesses casos. Após o trau-
ocorreu mais de 2 semanas antes do início do tratamen- ma, o diagnóstico de uma polpa necrosada deve ser
to endodôntico ou se houver evidência radiográfica de particularmente criterioso, uma vez que a infecção
reabsorção127. nesses dentes é potencialmente mais nociva em razão
O canal radicular é instrumentado completamen- da lesão do cemento acompanhando a injúria traumá-
te e irrigado e, então, preenchido com uma mistura tica. A reabsorção radicular inflamatória externa pode
Traumatismo Dentário 845

ser extremamente rápida nesses dentes jovens porque sina composta de ataque ácido ou cimento ionômero
os túbulos dentinários são amplos e permitem que os de vidro. A profundidade da restauração temporária
agentes irritantes circulem livremente pela superfície é crítica para seu selamento. Uma profundidade de no
externa da raiz39,131. Os pacientes são chamados a cada mínimo 4mm é recomendada para que uma bolinha de
3 a 4 semanas para a realização de testes de sensibili- algodão não possa ser colocada; a restauração temporá-
dade. Relatos recentes indicam que os testes térmicos ria é colocada diretamente sobre o hidróxido de cálcio
com neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou dicloro- na cavidade de acesso. O hidróxido de cálcio deve ser
difluormetano (–40ºC) colocado na margem incisal ou primeiramente removido das paredes da cavidade de
no corno pulpar são os melhores métodos para tes- acesso, porque ele é solúvel e será eliminado quando
tar a sensibilidade, particularmente em dentes jovens entrar em contato com a saliva, deixando a restauração
permanentes53,54,88. Um desses dois testes deve ser temporária defeituosa.
incluído na avaliação da sensibilidade desses dentes Após o início do tratamento endodôntico, o splint
traumatizados. é removido. Se o tempo não permitir a remoção com-
Relatos recentes confirmam a superioridade da pleta do splint nessa visita, as bordas da resina devem
fluxometria laser Doppler no diagnóstico da revascu- ser alisadas para que não irritem os tecidos moles e a
larização de dentes imaturos traumatizados132. No mo- resina residual é removida em consulta posterior.
mento, entretanto, o custo de tal instrumento impede Nessa consulta, a reparação geralmente é sufi-
seu uso na maioria dos consultórios dentários. Sinais ciente para a realização de um exame clínico detalhado
radiográficos (destruição apical/ou sinais de reabsor- nos dentes adjacentes ao dente avulsionado. Os testes
ção radicular lateral) e clínicos (dor à percussão e à pal- de sensibilidade, a reação à percussão e à palpação e
pação) de doença são cuidadosamente avaliados. Ao as medidas à sondagem periodontal devem ser cuida-
primeiro sinal de doença, o tratamento endodôntico dosamente registradas para referência nas visitas de
deve ser iniciado e, após a desinfecção do espaço do acompanhamento.
canal radicular, um procedimento de apicificação deve
ser realizado.
 SESSÃO PARA OBTURAÇÃO DO CANAL
Tempo extraoral > 60 minutos RADICULAR
Ápice fechado Atendendo à conveniência dos profissionais ou, no caso
Esses dentes são tratados endodonticamente da mes- de uma terapia com hidróxido de cálcio a longo prazo, quan-
ma forma que os que tenham um tempo extraoral < 60 mi- do uma lâmina dura intacta for identificada.
nutos. Se o tratamento endodôntico teve início em 7 a 10
dias após a avulsão e os exames clínicos e radiográfi-
cos não indicam doença, a obturação do canal radicular
Ápice aberto (se reimplantado)
nessa visita é aceitável, embora o uso de hidróxido de
Se o tratamento endodôntico não foi realizado fora da
cálcio a longo prazo seja uma opção comprovada para
boca, iniciar o procedimento de apicificação.
esses casos. Por outro lado, se o tratamento endodôn-
Nesses dentes, a chance de revascularização é
tico tiver início em mais de 7 a 10 dias após a avulsão
extremamente baixa125,128; portanto, tentativas são evi-
ou se uma reabsorção ativa for visível, o espaço pulpar
tadas. Um procedimento de apicificação é iniciado na
deve ser primeiramente desinfetado antes da obtura-
segunda visita se o tratamento do canal radicular não
ção do canal radicular. Tradicionalmente, o restabele-
foi realizado na de emergência. Se o tratamento endo-
cimento da lâmina dura é um sinal radiográfico de que
dôntico foi realizado na visita de emergência, a segun-
a infecção do canal foi controlada. Quando uma lâmina
da visita é uma nova convocação para avaliar apenas a
dura intacta for identificada, a obturação do canal radi-
reparação inicial.
cular pode ser realizada.
O canal é limpo, modelado e irrigado sob estrita
Restauração temporária assepsia. Após a conclusão da instrumentação, o ca-
O selamento efetivo do acesso coronário é es- nal pode ser obturado por qualquer técnica aceitável,
sencial para prevenir a infecção do canal entre as con- com especial atenção para a manutenção da assepsia e
sultas. Restaurações temporárias recomendadas são o melhor selamento possível promovido pelo material
reforçadas com cimento óxido de zinco e eugenol, re- obturador.
846 Capítulo 22  Traumatismo Dentário

Restauração permanente 6. Andreasen FM, Andreasen JO. Resorption and mineraliza-


tion processes following root fracture of permanent incisors.
Existem muitas evidências de que a infiltração Endod Dent Traumatol, 1988; 4: 202.
7. Andreasen FM, Andreasen JO, Bayer T. Prognosis of root-
coronária causada pelas restaurações temporárias ou
fractured permanent incisors – prediction of healing moda-
definitivas defeituosas resulte em uma contaminação lities. Endod Dent Traumatol, 1989; 5: 11.
bacteriana clinicamente relevante do canal radicular 8. Andreasen FM, Pedersen BV. Prognosis of luxated perma-
nent teeth – the development of pulp necrosis. Endod Dent
após a sua obturação94. Portanto, o dente deve receber
Traumatol, 1985; 1: 207.
uma restauração permanente no momento ou logo em 9. Andreasen FM, Zhijie Y, Thomsen BL, Andersen PK. Occur-
seguida à obturação do canal radicular. Como na res- rence of pulp canal obliteration after luxation injuries in the
permanent dentition. Endod Dent Traumatol, 1987; 3: 103.
tauração temporária, a profundidade da restauração
10. Andreasen JO. Effect of extra-alveolar period and storage
é importante para seu selamento e por isso uma res- media upon periodontal and pulpal healing after replan-
tauração mais profunda possível deve ser realizada. tation of mature permanent incisors in monkeys. Int J Oral
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Um pino deve ser evitado, se possível. Uma vez que a
11. Andreasen JO. Etiology and pathogenesis of traumatic den-
maioria das avulsões ocorre na região anterior da boca, tal injuries. A clinical study of 1,298 cases. Scand J Dent Res,
onde a estética é importante, as resinas compostas as- 1970; 78: 329.
sociadas a agentes adesivos dentinários são geralmente 12. Andreasen JO. Luxation of permanent teeth due to trauma.
A clinical and radiographic follow-up study of 189 injured
recomendadas nesses casos. Elas possuem a vantagem teeth. Scand J Dent Res, 1970; 78: 273.
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Louis: Munksgaard and CV Mosby, 1994.
rer aos 3 meses, aos 6 meses e, anualmente, por no 15. Andreasen JO, Andreasen FM, Mejare I, Cvek M. Healing of
mínimo 5 anos. Se a reabsorção por substituição for 400 intra-alveolar root fractures. 1. Effect of pre-injury and
diagnosticada (Fig. 22-33) são indicadas revisões peri- injury factors such as sex, age, stage of root development,
fracture type, location of fracture and severity of disloca-
ódicas do plano de tratamento a longo prazo. No caso tion. Dent Traumatol, 2004; 20: 192.
de reabsorção radicular inflamatória (Fig. 22-26), uma 16. Andreasen JO, Andreasen FM, Mejare I, Cvek M. Healing of
nova tentativa de desinfecção do espaço do canal ra- 400 intra-alveolar root fractures. 2. Effect of treatment fac-
tors such as treatment delay, repositioning, splinting type
dicular por retratamento pode reverter o processo. Os and period and antibiotics. Dent Traumatol, 2004; 20: 203.
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devem ser testados a cada nova consulta e os resulta- tures: radiographic and histologic study of 50 cases. J Oral
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Capítulo 23
Reabsorções
Dentárias

Hélio Pereira Lopes


Isabela das Neves Rôças
José Freitas Siqueira Jr.

A reabsorção dentária pode ser definida como um O trauma dental geralmente determina uma lesão
evento fisiológico ou patológico decorrente, principal- complexa das estruturas dentárias e, algumas vezes,
mente, da ação de clastos ativados, sendo caracterizada também do osso alveolar. Assim, pode resultar em des-
pela perda progressiva ou transitória de cemento ou truição celular direta, pelo esmagamento de células, ou
cemento e dentina17,48. destruição celular indireta, devido à limitação ou à pa-
A dentina, o cemento e o osso são tecidos mine- ralisação do suprimento sanguíneo2,10,12.
ralizados de origem mesenquimal, sendo o colágeno Quando um trauma dentário ocasiona ruptura do
e a hidroxiapatita seus componentes principais. Em- feixe vasculonervoso apical de um elemento dentário,
bora similares, a presença de um ligamento de, em a polpa dental poderá se tornar necrosada e, dessa ma-
média, 200µm de espessura, separando os tecidos neira, micro-organismos presentes na saliva ou no sul-
mineralizados dentários do osso alveolar, determina co gengival poderão invadir e colonizar a polpa dental
suscetibilidades diferentes desses tecidos à reabsor- necrosada por meio de túbulos dentinários que possam
ção. Assim, os tecidos mineralizados do dente não estar expostos à cavidade oral ou ao sulco gengival2,12,80.
são normalmente reabsorvidos, enquanto o osso é Além disso, o trauma dentário poderá acarretar o apa-
continuamente remodelado. Algumas hipóteses63,69,81 recimento de micro e macrofissuras de esmalte que tam-
têm sido sugeridas para explicar essa diferença, mas, bém funcionariam como vias para a invasão microbia-
segundo Hammarström e Lindskog28, é ainda obscuro na, já que a polpa dental necrosada perde seus mecanis-
o exato mecanismo pelo qual o processo de reabsor- mos de defesa. Sendo assim, além da injúria traumática
ção é inibido. que representa o fator desencadeante, a infecção pul-
As reabsorções dentárias são um fenômeno estri- par que representa o fator de manutenção poderá perpe-
tamente local e podem ser induzidas por meio de fato- tuar a reabsorção dentária de natureza inflamatória.
res traumáticos e/ou infecciosos. Os tipos de trauma Portanto, a reabsorção de um dente permanente
mais envolvidos são luxação lateral, intrusão, avulsão poderá ser decorrente de trauma dentário, de um pro-
seguida de reimplante, fratura radicular e fratura co- cesso inflamatório crônico do tecido pulpar e/ou pe-
ronária (com lesão de luxação). A necrose pulpar as- riodontal ou ainda ser induzida por meio da pressão
sociada a lesões perirradiculares, assim como os mo- exercida pela movimentação ortodôntica dentária, ne-
vimentos ortodônticos intempestivos, dentes impac- oplasias ou devido à erupção dentária1,3,21,27,63.
tados, trauma oclusal ou tecido patológico (cistos ou Na patologia das reabsorções dentárias há nor-
neoplasias), também estão relacionados como fatores malmente envolvimento pulpar, periodontal ou perio-
etiológicos das reabsorções dentárias1,2,4,52,69,82. dontopulpar.

851
852 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

 ATIVAÇÃO E MECANISMO DA
REABSORÇÃO
Osteoclastos são células gigantes multinucleadas
com origem nos mesmos precursores hematopoiéticos
dos monócitos/macrófagos e que podem apresentar
50 a 100µm de diâmetro e 6 a 12 núcleos, alguns atin-
gindo até cerca de 100 núcleos45. O tempo de vida do
osteoclasto é de usualmente 2 semanas78. Essa célula
participa decisivamente do processo de remodelação
óssea por reabsorver osso, e os problemas com ela po-
dem levar a diversas condições patológicas. A diferen-
ciação anormal ou redução no número de osteoclastos
pode resultar em osteosclerose/osteopetrose. Por sua
vez, doenças caracterizadas pelo excesso de atividade
osteoclástica incluem osteoporose, artrite reumatoide,
mieloma múltiplo, metástase de câncer, doenças perio-
dontais e lesões perirradiculares.
As atividades osteoblástica e osteoclástica são
processos fisiológicos normais do tecido ósseo, o qual
sofre reabsorção e aposição, como parte de um proces-
Figura 23-2. Corte histológico de dente de humano evidenciando
so contínuo de remodelação. Os tecidos mineralizados (1) camada de odontoblasto, (2) pré-dentina, (3) dentina. (Gentileza
dos dentes permanentes, ao contrário do osso, não so- do Prof. E. Mattos.)
frem remodelação e, portanto, não são normalmente
reabsorvidos. Eles são protegidos, na superfície radicu-
lar, pelo pré-cemento (cementoide) e por cementoblas-
da camada de odontoblastos e cementoblastos que re-
tos (Fig. 23-1) e, na cavidade pulpar, pela pré-dentina
veste a pré-dentina e o pré-cemento, respectivamente,
e por odontoblastos (Fig. 23-2). A perda da integridade
causada mecânica ou quimicamente, permite o acesso
de células clásticas ao tecido mineralizado e predispõe
à reabsorção.
O cemento é um tecido semelhante ao osso; en-
tretanto, é mais resistente ao processo reabsortivo que
esse último. Apenas o terço apical da raiz dental é re-
coberta por cemento celular, onde estão situados os ce-
mentócitos, enquanto o restante da raiz é recoberto por
cemento acelular28. Entre a camada de cemento perifé-
rica e a dentina radicular se encontra uma camada de
cemento intermediária que parece ser mais hipercalci-
ficada que a dentina adjacente e o cemento periférico58.
Andreasen7 acredita que o cemento intermediário pode
contribuir para a proteção do ligamento periodontal, já
que ele formaria uma barreira contra a passagem de
produtos tóxicos oriundos de uma polpa inflamada ou
necrosada.
As possíveis razões para o cemento ser significa-
tivamente menos afetado por reabsorção do que o osso
incluem:

Figura 23-1. Corte histológico de dente de cão evidenciando (4)


dentina, (3) cemento, (2) ligamento periodontal, (1) osso alveo- a) presença de pré-cemento. A reabsorção ocorre em
lar com área de reabsorção e de aposição de tecido mineralizado. superfícies do osso alveolar não cobertas por os-
(Gentileza do Prof. R. Holland.) teoide. A porção mineralizada do cemento é reves-
Reabsorções Dentárias 853

tida por pré-cemento, uma camada de matriz não


mineralizada de 3 a 5µm de espessura, que é conti-
nuamente depositada durante a vida. Por sua vez,
o osso alveolar apenas é coberto por osteoide (ma-
triz óssea não mineralizada) durante a formação do
osso. A matriz não mineralizada tende a resistir à
atividade osteoclástica54;
b) restos epiteliais de Malassez podem de alguma for-
ma proteger o cemento contra reabsorção;
c) cementoblastos formam uma camada que reveste a
superfície radicular e podem também exercer papel
protetor por não responderem a estímulos reabsor-
tivos como o fazem as células que revestem o osso;
d) ausência de vascularização do cemento14.

Embora o dente seja comumente menos afetado


do que o osso, o processo de reabsorção dentária pa-
rece ser similar ao de reabsorção óssea. No dente e no
osso, as células clásticas que participam do processo de
reabsorção dentária são usualmente multinucleadas,
derivadas da fusão de células precursoras da mesma
linhagem embrionária dos monócitos do sangue38.
Uma vez que aparentemente são a mesma célula rea-
bsorvendo substratos diferentes, opta-se por utilizar a
mesma denominação de osteoclasto para a célula ca-
paz de reabsorver dente e osso.
Durante a reabsorção dentária, as células clásticas
são encontradas na interface entre o tecido mole (polpa
Figura 23-3. MEV. Reabsorção radicular. Presença de células clás-
ou ligamento periodontal) e o duro (dentina e/ou ce- ticas.
mento), alojadas em depressões da matriz óssea calcifi-
cada, que são áreas escavadas pelo processo reabsorti-
vo e que representam as lacunas de Howship (Fig. 23-3). queleto, dando origem à forma típica reabsortiva que
Projetados para o interior da lacuna, estão os prolonga- apresenta zona clara e bordas pregueadas envolvidas
mentos citoplasmáticos da célula clástica, semelhantes na reabsorção de osso.
a uma escova, que são denominados região de bordas A célula clástica é capaz de promover tanto a dis-
pregueadas. Essas bordas aumentam a superfície de solução da porção mineral quanto a degradação da ma-
contato entre a célula clástica e seu substrato, além de triz orgânica, sem necessitar do auxílio direto de outras
potencializarem o processo reabsortivo devido à sua células. Uma vez em contato com a matriz mineraliza-
movimentação e à presença de uma bomba de prótons da, após a perda do pré-cemento ou da pré-dentina, a
(H+ ATPase). Adjacente a elas, no citoplasma da célula célula clástica inicia a destruição tecidual pela liberação
clástica, há uma zona totalmente desprovida de orga- de ácidos e enzimas. A porção inorgânica, composta
nelas, contendo um sistema de microfilamentos, que é principalmente por cristais de hidroxiapatita, é inicial-
denominada zona clara, envolvida na adesão da célula mente decomposta pela ação de ácidos. Em seguida, a
clástica ao tecido a ser reabsorvido. Essa adesão é firme fase orgânica exposta é degradada por enzimas libera-
e cria um espaço extracelular isolado, onde um ambien- das pela célula clástica e que funcionam bem em am-
te ácido, necessário para a reabsorção, é mantido68. biente ácido (ver adiante). Os componentes do tecido
O osteoclasto pode existir em dois diferentes sta- mineralizado são então degradados no compartimento
tus funcionais – o móvel e o reabsortivo –, os quais extracelular e reduzidos às suas formas elementares,
apresentam distintas características morfológicas. isto é, íons e aminoácidos, não havendo fagocitose por
Quando alcança o sítio reabsortivo, o osteoclasto se parte da célula clástica. Depois de reabsorver o osso a
torna polarizado pela reorganização de seu citoes- uma profundidade de aproximadamente 50µm, o os-
854 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

teoclasto se solta, desorganiza seu anel de actina e as derá aderir à superfície mineralizada do tecido ósseo
bordas pregueadas, migrando para seu próximo sítio ou dentário por meio da presença da integrina ανβ3
de reabsorção78. na região da zona clara do osteoclasto, a qual é capaz
Embora o osteoblasto seja uma célula preferen- de se ligar a peptídeos contendo a sequência de ami-
cialmente responsável pela formação de osso, o me- noácidos Arg-Gly-Asp (RGD), presente em proteínas
canismo bioquímico da reabsorção óssea se inicia pela da matriz óssea como osteopontina e sialoproteína do
ativação dessa célula que passa a secretar colagenases osso79. Após ligação ao osso, as integrinas da superfície
que serão responsáveis pela degradação da osteoide, do osteoclasto transmitem sinais intracelulares para re-
expondo a porção mineralizada do osso à ação dos os- organizar o citoesqueleto e induzir a migração de vesí-
teoclastos. No caso da reabsorção dentária, é possível culas acídicas para a região de bordas pregueadas.
que os odontoblastos e os cementoblastos exerçam tais O principal ácido envolvido no processo de re-
efeitos. absorção é o ácido clorídrico (HCl) que se forma na
Pelo menos duas moléculas são essenciais para que lacuna de reabsorção. A enzima anidrase carbônica
o processo de reabsorção ocorra: o fator estimulador de II catalisa a reação entre o dióxido de carbono (CO2)
colônias de macrófagos (M-CSF) e o ligante do receptor com a água, formando ácido carbônico, o qual se dis-
para ativação do fator nuclear κB (RANKL). M-CSF di- socia em íons H+ e em íons bicarbonato (HCO3–). Os
reciona a diferenciação das células hematopoiéticas em prótons (H+) são transferidos para a lacuna de reabsor-
precursores de macrófagos e osteoclastos8. Além disso, ção com o auxílio das ATPases presentes nas bordas
M-CSF induz a expressão de RANK nos precursores pregueadas. O transporte extracelular de prótons ten-
do osteoclasto, preparando-os para a diferenciação em de a alcalinizar o citoplasma, o que é prevenido pelo
resposta a RANKL16. Osteoblastos e células do estroma mecanismo de troca de cloro-bicarbonato localizado na
da medula óssea expressam RANKL assim como M- membrana citoplasmática da região contrária à área de
CSF, de acordo com a regulação exercida por algumas reabsorção. O cloro que entra na célula se move para a
moléculas como o hormônio da paratireoide (PTH), região de bordas pregueadas e é transportado para a
prostaglandina E2 (PGE2), 1,25-di-hidroxivitamina D3, lacuna de reabsorção por um canal de ânions acoplado
interleucina 11 (IL-11), interleucina 1 (IL-1) e o fator de à H+ ATPase. Com a formação de HCl, o osteoclasto
necrose tumoral (TNF)33,39,40,73,74. promove a queda do pH na área a ser reabsorvida para
RANK e RANKL são membros da família do TNF aproximadamente 4,577. A desmineralização do tecido
e da família do receptor para TNF, respectivamente15. promove a exposição da matriz orgânica do mesmo, a
A molécula RANKL já recebeu várias denominações, qual será degradada pela ação de enzimas proteolíti-
tais como: fator de diferenciação de osteoclastos (ODF), cas, principalmente pela catepsina K79, que apresenta
ligante de osteoprotegerina (OPGL) e citocina indutora melhor ação em pH ácido que as metaloproteinases de
de ativação relacionada com o TNF (TRANCE). matriz (colagenases).
Faz-se necessária a interação entre o osteoblasto Células imunes participam ativamente da ativa-
e o osteoclasto para que esse último seja ativado. Essa ção de osteoclastos durante um processo inflamató-
interação ocorre principalmente por meio da ligação de rio crônico. Macrófagos ativados pela resposta imune
RANK (presente no osteoclasto) ao RANKL (presen- celular produzem IL-1, TNF e IL-6, que estimulam a
te no osteoblasto). Sendo assim, a atividade reabsorti- expressão de RANKL por osteoblastos, células do es-
va do osteoclasto é estimulada diretamente por meio troma da medula e fibroblastos75,76. Linfócitos T podem
dessa interação. O aumento da expressão do RANKL produzir vários fatores que promovem diretamente a
estimulada pela atividade de determinadas citocinas formação do osteoclasto (RANKL e IL-7) ou que agem
é, portanto, responsável pela elevação da osteoclasto- indiretamente por induzir a produção de RANKL por
gênese. osteoblastos, fibroblastos e células do estroma da me-
De acordo com Teitelbaum77, RANKL e M-CSF dula (IL-1, IL-6, IL-17). Linfócitos T também produzem
interagem com seus receptores presentes nos precur- moléculas que podem inibir a reabsorção, como IL-4,
sores do osteoclasto (RANK e c-Fms, respectivamente), IL-12, IL-15, IL-18, IL-23 e osteoprotegerina23.
induzindo a diferenciação desses em osteoclastos. A A IL-1 é uma das principais citocinas com efei-
maturação dos osteoclastos permite que essas células tos pró-reabsortivos57,72. Essa citocina é produzida por
se tornem polarizadas na superfície a ser reabsorvi- monócitos/macrófagos, linfócitos T, células da me-
da devido ao surgimento das bordas pregueadas nas dula óssea e por osteoclastos. Essa citocina, além de
mesmas. Dessa maneira, o osteoclasto polarizado po- induzir o aumento do número de células precursoras
Reabsorções Dentárias 855

dos osteoclastos, pode também estimular osteoclastos  CLASSIFICAÇÃO DAS REABSORÇÕES


maduros61. TNF-α e TNF-β (linfotoxina) também são DENTÁRIAS
citocinas potentes em estimular a diferenciação de os-
teoclastos, sendo que TNF-α atua independentemente A classificação das reabsorções se torna difícil, em
da interação entre RANK e RANKL9,41. função da complexidade etiológica. Assim, são classi-
Estudos têm demonstrado que algumas citocinas ficadas no intuito de selecionar uma terapêutica mais
e o lipopolissacarídeo (LPS) de bactérias gram-nega- apropriada.
tivas podem induzir diretamente a diferenciação e a Inicialmente, podemos classificá-las em função
ativação de osteoclastos. IL-1 ativa diretamente oste- da superfície dentária afetada em: reabsorções externas,
oclastos por meio da ligação ao seu receptor presente quando se iniciam na superfície radicular externa; reab-
nessas células37. O receptor para LPS em osteoclastos é sorções internas, quando se iniciam nas paredes da ca-
o receptor tipo Toll 4 (TLR4)35,59,60. vidade pulpar e reabsorções internas-externas (perfuran-
Calcitonina (hormônio peptídico secretado pelas tes), quando o processo reabsortivo se estabelece nas
células parafoliculares da glândula tireoide), glico- superfícies radiculares, externas e internas, ocorrendo
corticoides e a concentração de cálcio e fosfato extra- a comunicação entre as áreas de reabsorção. Geralmen-
celular podem inibir a reabsorção26. Linfócitos T pro- te nesses casos não é possível identificar em que super-
duzem interferon-γ (INF-γ) que é capaz de suprimir fície dentária se iniciou o processo de reabsorção.
a osteoclastogênese, já que interfere com a interação
RANK-RANKL38. TGF-β é secretado por osteoblastos Reabsorções dentárias externas
e osteoclastos, sendo responsável pela modulação da A reabsorção dentária externa pode iniciar em
reabsorção óssea, pela migração e diferenciação de qualquer ponto da superfície radicular nos dentes
osteoclastos, além de agir estimulando a quimiotaxia, erupcionados completamente.
proliferação e diferenciação de osteoblastos56. IL-4, óxi- No exame radiográfico das reabsorções externas
do nítrico e IL-18 também são potentes inibidores de fica mantido o contorno pulpar, havendo superposição
reabsorção61. Outro exemplo é o estrogênio que é capaz do canal radicular sobre a área irregular da reabsorção
de inibir a produção de IL-1 e de TNF40. Antagonistas externa (Fig. 23-4).
de IL-1, TNF e IL-6 podem inibir indiretamente a rea-
bsorção39.
A osteoprotegerina (OPG) também funciona como
inibidor da reabsorção, uma vez que é capaz de se ligar
ao RANKL, impedindo a interação entre o osteoclasto
e o osteoblasto42. Essa molécula faz parte da família dos
receptores para TNF15.
Assim, fatores liberados durante a resposta infla-
matória a uma infecção podem estimular a diferencia-
ção dos precursores hematopoiéticos dos osteoclastos,
induzindo a formação e o aumento do número dessas
células, ou podem ativar osteoclastos maduros. Na
persistência da inflamação, esses mediadores quími-
cos mantêm a reabsorção. Todavia, fatores inibitórios
que controlam a reabsorção são liberados e, uma vez
removido o estímulo à inflamação, tais fatores podem
se sobrepor aos fatores indutores e, então, darem início
ao processo de reparo das estruturas reabsorvidas.
Nas reabsorções dentárias sempre haverá uma
causa representada por fatores desencadeantes que
iniciam ou criam as condições iniciais à reabsorção e
um estímulo representado por fatores de manutenção
que a perpetuam. Baseado no exposto, depreende-se a
natureza multifatorial do processo reabsortivo, no qual Figura 23-4. Reabsorção dentária externa. Contorno do canal pre-
inúmeros fatores podem estar envolvidos. sente na área de reabsorção externa.
856 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

Os tecidos mineralizados dos dentes permanentes Trope e Chivian81 descrevem que o ligamento
não são normalmente reabsorvidos, estando fisiologi- periodontal, cementoblastos cementoides e cemento
camente isentos de atividade blástica e clástica. Assim, intermediário parecem desempenhar algum papel na
a superfície radicular é protegida pelo pré-cemento resistência da superfície externa da raiz à reabsorção.
ou cementoide e pela camada de cementoblastos. A Acreditam, também, que os restos epiteliais de Malas-
camada de pré-cemento funciona como uma barreira sez da bainha radicular estejam relacionados com a re-
orgânica impedindo a atração quimiotática de células sistência à anquilose e à reabsorção substitutiva da raiz
clásticas sobre cemento. Contudo, as camadas de ce- dentária.
mentoblastos e pré-cemento são sensíveis a pequenas Na ausência do ligamento periodontal ou de par-
agressões – físicas, químicas ou biológicas – que pode- te dele, assim como do fator ou dos fatores antirreab-
rão danificá-las, removendo-as ou acelerando a mine- sortivos o tecido ósseo fica intimamente justaposto à
ralização do pré-cemento. Esses eventos expõem áreas superfície radicular, estabelecendo uma anquilose den-
de cemento que serão colonizadas por células clásticas toalveolar. Essa união direta entre o osso e a raiz favo-
dando início à reabsorção dentária externa. É provável rece a atração e ligação de células clásticas à superfície
que a exposição de elementos como a hidroxiapatita radicular. Lacunas de reabsorção ativa com osteoclas-
e/ou determinadas glicoproteínas da matriz minerali- tos podem ser vistas em conjugação com aposição de
zada seja a principal responsável por essa ativação80,81,82. osso normal realizada pelos osteoblastos1,3,5,80. Devido
A agressão responsável pela lesão dos cementoblastos ao ciclo normal de remodelação óssea, o dente anquilo-
e pré-cemento também induz na região um processo sado se converte em parte desse sistema. Sendo assim,
inflamatório, propiciando um acúmulo maior de me- a raiz é substituída gradualmente por osso11.
diadores locais da osteoclasia19. A reabsorção substitutiva é dependente da des-
Nas áreas de reabsorção dentária externa, o exame truição do ligamento periodontal. A polpa não está en-
microscópico revela superfícies dentinárias irregulares volvida no processo de reabsorção externa substitutiva.
repletas de clastos em lacunas de Howship, no interior Após o traumatismo e uma vez cessada a inflamação
das quais se abrem numerosos túbulos dentinários sem inicial responsável pela remoção dos restos necróticos
alteração dos seus diâmetros, mesmo quando observa- da área, células adjacentes à raiz desnudada competem
dos à microscopia eletrônica de varredura. Na micros- para repovoá-la5,6. Assim, o reparo será caracterizado
copia óptica, os clastos apresentam morfologia variada por uma competição entre as células vitais do ligamen-
em seu contorno, forma e distribuição, bem como no to periodontal remanescente e as células osteogênicas.
número de núcleos, em média de um a sete19. Em caso de grandes injúrias do ligamento periodontal
(mais de 20% da superfície radicular), o número de cé-
lulas vitais remanescentes do ligamento periodontal é
Reabsorção dentária externa substitutiva muito pequeno ou mesmo inexistente, permitindo que
É uma reabsorção dentária externa observada nos as células osteogênicas se movam da parede do alvéolo
reimplantes, transplantes e luxações. Assim, qualquer e colonizem a superfície radicular danificada. Conse-
trauma dentário capaz de provocar um dano irrever- quentemente, há formação de tecido ósseo em contato
sível ao ligamento periodontal e/ou à superfície ra- direto com a raiz dentária. Esse fenômeno é denomi-
dicular pode desencadear uma reabsorção substituti- nado anquilose dentoalveolar1,82. O processo de remo-
va também denominada reabsorção por substituição. delação óssea (reabsorção e formação) determina por
Entretanto, a luxação intrusiva e a avulsão dentária, meio dos osteoclastos a reabsorção dos tecidos den-
pela extensão do dano ao ligamento periodontal, são tários, enquanto os osteoblastos na fase de formação
os traumatismos responsáveis pelo maior número de produzem novo osso na área reabsorvida da raiz. Essa
reabsorção substitutiva. substituição progressiva dos tecidos dentários pelo
Há indícios significativos de que o ligamento pe- osso é denominada reabsorção substitutiva1,82. A an-
riodontal e um (ou mais) fator inibidor da reabsorção quilose dentoalveolar e a reabsorção substitutiva não
liberados pelos cementoblastos e cementoide (pré-ce- podem ser revertidas porque o tecido ósseo reabsorve
mento) poderiam se constituir, cada um isoladamente e remodela durante toda a vida.
ou em conjunto, em um escudo protetor para o dente, A reabsorção substitutiva é assintomática. Clini-
evitando o aparecimento das condições favoráveis à re- camente, o dente anquilosado se mostra imóvel (sem
absorção e/ou mantendo afastadas da raiz dentária as mobilidade fisiológica) e, frequentemente, em suboclu-
células clásticas69,81. são. O dente permanece estável no arco, até uma pe-
Reabsorções Dentárias 857

quena porção remanescente de raiz. Apenas quando a tamento endodôntico geralmente consegue conter
inserção epitelial sustentar o dente é que a exodontia o processo infeccioso, mas não a reabsorção externa
será indicada. substitutiva1,4,6,10,19.
O som à percussão é metálico (alto), claramente Em pacientes jovens, quando a anquilose é acom-
diferente dos dentes adjacentes. Pode revelar a anqui- panhada de suboclusão, a exodontia deve ser levada
lose, mesmo antes da radiografia1,48,69. em consideração para prevenir a interferência com o
Radiograficamente, há o desaparecimento do es- crescimento alveolar. Todavia, a exodontia é complica-
paço pericementário e uma substituição contínua da da e pode acarretar perda vertical e horizontal do osso
raiz por osso, a qual se origina no segmento apical. As alveolar com graves comprometimentos estéticos. Nes-
margens da reabsorção são irregulares. O osso adjacen- ses casos, pode-se remover a coroa dentária e deixar no
te não é reabsorvido, de modo que áreas radiolúcidas alvéolo a raiz para ser paulatinamente substituída por
não são encontradas no osso junto à raiz reabsorvida osso, procedimento esse que atenua consideravelmen-
(Fig. 23-5). te a perda óssea. O tratamento ortodôntico é contrain-
Reabsorções substitutivas recentes apresentam dicado em dentes anquilosados ou com reabsorções
poucos sinais radiográficos, sendo sua identificação substitutivas.
muito difícil. Em reabsorções antigas as evidências
radiográficas são nítidas e a sua identificação se torna Reabsorção dentária externa transitória
fácil. A reabsorção substitutiva é muito lenta e levará 3 Reabsorção dentária transitória ou de superfície é
a 10 anos para substituir a raiz dentária. uma reabsorção externa que paralisa sem qualquer in-
O trauma, além do dano às estruturas periodon- tervenção. É autolimitante e prontamente reparada1,19,69.
tais, pode afetar o suprimento neurovascular apical Pode-se estabelecer em qualquer ponto situado ao lon-
para a polpa dentária. Como consequência, pode go da raiz dentária.
ocorrer a obliteração da cavidade pulpar ou necrose A reabsorção é paralisada porque:
pulpar. Nos dentes com necrose pulpar pode ocor-
rer um processo infeccioso com superposição de • a área danificada da raiz e o processo inflamatório
uma reabsorção dentária externa substitutiva, a qual, instalado não têm magnitude suficiente para manter
conforme vai progredindo, se encontra com zonas e dar continuidade à reabsorção;
de tecidos pulpares necrosados e infectados. O tra- • um fator inibidor da reabsorção presente na denti-
na é maior do que o estímulo recebido pelas células
clásticas oriundo de pequenas agressões ao comple-
xo protetor da raiz;
• a polpa não está envolvida.

Pela falta de estímulo para manter sua ação e/


ou para vencer o fator inibidor de reabsorção presen-
te na dentina, as células clásticas cessam a atividade
reabsortiva e as do ligamento promovem o reparo da
área, o que caracteriza a reabsorção dentária externa
transitória19,32,52,63.
A reabsorção dentária externa transitória é cau-
sada por agressões pouco significativas e de pequeno
tempo de ação. Havendo a sobrevivência de grande
número de células vitais remanescentes do ligamento
periodontal, elas poderão reverter a anquilose inicial-
mente instalada, paralisando o processo reabsortivo
iniciado pelas células clásticas. Tem como etiologia le-
sões traumáticas de baixa intensidade localizadas nos
tecidos de sustentação do dente, como a concussão e a
subluxação.
As reabsorções dentárias externas transitórias,
Figura 23-5. Reabsorção dentária externa substitutiva. embora frequentes quando do exame histológico de
858 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

dentes humanos extraídos, raramente são observadas As reabsorções dentárias externas associadas à in-
no exame radiográfico. Devido ao pequeno tamanho fecção da cavidade pulpar podem ser classificadas em
são de difícil visualização radiográfica. reabsorção dentária externa apical, reabsorção dentária
São autolimitantes e se reparam espontaneamen- externa do segmento médio e reabsorção dentária ex-
te, por meio de neoformação cementária, com restabe- terna cervical.
lecimento do contorno original da raiz. Nas cavidades
mais profundas, que penetram na dentina, não há res- Reabsorção dentária externa apical
tabelecimento do contorno. Segundo Henry e Wein- É uma reabsorção dentária progressiva localizada
mann32, 90% dos dentes normais apresentam esse tipo no ápice radicular e ocorre em dentes portadores de
de reabsorção. necrose pulpar e lesão perirradicular crônica.
Ao exame clínico, o dente se apresenta com ca- O processo de reabsorção apical é progressivo,
racterísticas de normalidade e nenhum tratamen- provocando desde pequenas perdas de substâncias,
to está indicado, em razão de a reparação ocorrer imperceptíveis ao exame radiográfico, até grandes
espontaneamente1,3,19. destruições que podem comprometer o sucesso do tra-
tamento endodôntico (Fig. 23-6A a C). Também pode
Reabsorção dentária externa por pressão estar presente em dentes tratados endodonticamente
É uma reabsorção dentária externa determinada portadores de lesão perirradicular crônica (Fig. 23-7).
por pressão. Pode ser provocada por tratamento orto- Ferlini20 afirmou que reabsorções dentárias apicais
dôntico, dentes impactados, erupções dentárias, cistos, estão presentes na maioria dos dentes com processo
neoplasias e trauma oclusal, e cessa desde que removi- periapical crônico e são mais facilmente vistas ao exa-
da a causa, estando a polpa dentária hígida. Contudo, me microscópico óptico ou eletrônico do que no exame
em determinadas circunstâncias, em que a remoção radiográfico. Esses achados foram confirmados pelo
cirúrgica da causa pode comprometer a integridade trabalho de Lauz et al.44 em que apenas 19% dos dentes
do feixe vasculonervoso pulpar, o tratamento endo- estudados (114 dentes) apresentaram reabsorção apical
dôntico se faz necessário13,21,36,48. Quando o tratamento evidenciável radiograficamente, enquanto ao exame
ortodôntico é a causa e o estímulo para a reabsorção, a histopatológico 81% apresentaram essa condição.
mesma cessará após a remoção da força. Nos casos de Nas periapicopatias agudas, como o abscesso
dentes vitais onde não há paralisação parece que a re- dentoalveolar, à necrose por liquefação típica da absce-
absorção está associada à patologia pulpar (inflamação dação, não favorece a instalação de células clásticas na
pulpar). Nesses casos, a terapia endodôntica é indicada superfície radicular desnuda e não propicia um míni-
na tentativa de cessar a reabsorção1,36,48. mo de organização tecidual, como uma vascularização
A reabsorção está localizada com mais frequência adequada, para que a reabsorção ocorra. Dessa forma,
na região apical dos dentes do que nas paredes late- nos abscessos dentoalveolares, a raiz envolvida não so-
rais. fre reabsorções dentárias significantes que possam ser
Não há confirmação de que os dentes traumati- notadas nas radiografias periapicais19.
zados sejam mais suscetíveis à reabsorção por pres- Polpa dental necrosada e infectada constitui-se no
são. Porém, aqueles com sinais de reabsorção antes do principal fator etiológico. Os micro-organismos no in-
tratamento ortodôntico podem ser mais propensos a terior do sistema de canais radiculares promovem uma
ela1,51,53. inflamação crônica nos tecidos perirradiculares que
Quanto aos dentes tratados endodonticamen- induzem a liberação de mediadores químicos, como
te, não há estudos mostrando diferença em relação interleucinas, prostaglandinas e fator de necrose tumo-
aos vitais quanto à reabsorção dentária externa por ral, que podem estimular ou ativar as células clásticas
pressão51,71. que promovem a reabsorção óssea e dentária apical1,12.
A sobreinstrumentação do canal radicular, du-
rante o tratamento endodôntico, pode desencadear a
Reabsorção dentária externa associada à
reabsorção inflamatória apical. Porém, a continuidade
infecção da cavidade pulpar
da reabsorção está ligada à presença de um estímulo
Essa reabsorção progride continuamente, e sua de manutenção, representado por uma lesão perirradi-
paralisação exige a intervenção do profissional, que cular crônica.
retira ou elimina o fator de manutenção presente no As razões para a maior suscetibilidade do ápice
interior do canal radicular69,82. radicular à de outras áreas radiculares quanto à reab-
Reabsorções Dentárias 859

A B

Figura 23-6. Reabsorção dentária externa apical. A. Região apical


C
normal. (Gentileza do Prof. E. Mattos.) B. Aspecto histológico da reab-
sorção. (Gentileza da Profa T. Aguiar.) C. Aspecto radiográfico.

Figura 23-7. Reabsorção dentária


externa apical presente em dente
com tratamento endodôntico.
860 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

sorção dentária externa apical não estão bem elucida- do segmento apical com manutenção da luz do canal
das. Todavia, admite-se que, estando o processo infla- intacta (Fig. 23-8A a D). Histologicamente, a lesão pe-
matório confinado a uma pequena área do ápice radi- rirradicular tem características de um granuloma ou
cular, há maior concentração de fatores da reabsorção cisto. Na superfície radicular apical se observa reab-
capaz de vencer a resistência dos tecidos radiculares à sorção de cemento, ou cemento e dentina. Ao lado das
instalação do processo patológico. Outra suposição se- lacunas de reabsorção podem ser encontradas lacunas
ria a de falhas na junção cementodentina ou a pequena remineralizadas13,19,20.
espessura do pré-cemento e cemento no canal cemen- O tratamento das reabsorções dentárias externas
tário. Assim, a dentina mineralizada estaria exposta, apicais visíveis radiograficamente deve ser direciona-
atraindo as células clásticas da reabsorção. Também se do ao combate da infecção endodôntica. A instrumen-
sabe que a fixação inicial dos clastos na superfície radi- tação deve ser realizada em toda a extensão do canal
cular ocorre nas áreas entre as inserções das fibras pe- remanescente, buscando-se, com os instrumentos mais
riodontais, que, assim, funcionariam como protetoras. calibrosos, criar um batente ligeiramente aquém da
Como tem sido citado, a concentração dessas inserções margem mais reabsorvida.
é menor no segmento apical, resultando disso mais áre- Nas reabsorções apicais geralmente há um en-
as a serem alcançadas pela célula de reabsorção48,69,81. curtamento da raiz, representado por um plano per-
A reabsorção apical clinicamente é assintomáti- pendicular ao eixo radicular. Entretanto, outras vezes
ca. Sintomas que podem levar a seu diagnóstico estão a reabsorção é irregular, podendo ser mais acentuada
associados à inflamação perirradicular. Radiografica- em uma das faces da raiz, adquirindo o aspecto deno-
mente, observam-se áreas radiotransparentes no ápice minado bico de flauta. Nesses casos, a radiografia revela
radicular e no osso adjacente. Geralmente, há um en- o término da raiz e não o término do canal radicular.
curtamento da raiz, representado por um plano per- O término do canal radicular pode ser evidencia-
pendicular ao eixo radicular. Entretanto, a reabsorção, do por meio da colocação de uma pasta de hidróxido
na maioria das vezes, é irregular, podendo ser mais de cálcio com um contrastante (iodofórmio ou óxido
acentuada em uma das faces da raiz, adquirindo o as- de zinco). A pasta deve preencher todo o canal e pro-
pecto denominado bico de flauta. Outras vezes, além do mover um extravasamento na região apical. A seguir,
encurtamento da raiz, a reabsorção adentra o canal em radiografando-se o dente, observa-se o preenchimento
sentido coronário. Também é observada a reabsorção do canal até o ponto onde ocorreu o extravasamento,

A B C D

Figura 23-8. Reabsorção dentária externa apical. Aspectos radiográficos. A. Encurtamento da raiz. B. Reabsorção adentra o canal. C. Manu-
tenção da luz do canal. D. Bico de flauta.
Reabsorções Dentárias 861

que aparece com a forma de um cogumelo, com o tér- dos sintomas clínicos, a pasta de hidróxido de cálcio é
mino da raiz sendo visto mais além. Com esse proce- removida, e o canal é obturado pela técnica convencio-
dimento podemos determinar o comprimento do canal nal ou da guta-percha termoplastificada. Todavia, em
radicular e o posicionamento do batente apical. Para razão de a reabsorção apical alterar a anatomia interna
raízes com dois canais, eles deverão ser preenchidos do forame e do canal cementário, fica problemático o
isoladamente e a seguir radiografados. controle longitudinal do material obturador no interior
Solução de hipoclorito de sódio a 2,5% deve ser do canal radicular remanescente. Nesses casos é reco-
usada como substância coadjuvante do preparo30,48 (ver mendada a técnica de obturação com tampão apical
Capítulo 13, Substâncias químicas empregadas no preparo (Figs. 23-9A a C, 23-10A e B, 23-11A a D, 23-12A e B,
de canais radiculares). 23-13 e 23-14A a D) (ver Capítulo 16, Obturação dos ca-
Após o preparo, a smear layer é retirada, preen- nais radiculares).
chendo-se o canal radicular com solução de EDTA a Outra proposta terapêutica é a de que, além da fi-
17%. A solução permanece no interior do canal por 5 nalidade antimicrobiana, a pasta de hidróxido de cálcio
minutos, sendo que, durante os 2 primeiros, ela é agi- deve funcionar como uma obturação temporária. O ob-
tada com uma espiral de Lentulo ou instrumento endo- jetivo principal de tal proposta é em razão de que essa
dôntico tipo K de diâmetro menor do que o empregado pasta, ao entrar em contato com o tecido conjuntivo da
no preparo apical. A seguir, o canal radicular é irrigado área de reabsorção, favorece a reparação dessa área, a
com hipoclorito de sódio48. partir da deposição de um tecido mineralizado69,84.
O uso de um medicamento intracanal é imprescin- Os íons hidroxila, oriundos da dissociação do
dível e tem como objetivo eliminar micro-organismos hidróxido de cálcio em contato com o tecido, causam
que permaneceram, após o preparo químico mecâni- nele uma zona de desnaturação proteica superficial,
co, no interior dos canais radiculares. Como medica- que é caracterizada por uma necrose de coagulação.
mento intracanal utilizamos uma pasta de hidróxido Devido à baixa solubilidade do hidróxido de cálcio, a
de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em volume), cauterização química ocorrida no tecido é superficial
tendo como líquido uma gota de PMCC e uma gota de e transitória. Outrossim, essa substância promove um
glicerina HIPG65,66. A mistura obtida deve apresentar ambiente alcalino, impróprio para o desenvolvimento
aspecto homogêneo e consistência cremosa. O medi- de micro-organismos na superfície do tecido necrosa-
camento deve preencher o canal em toda a extensão, do. Assim, o tecido fica em condições celulares e enzi-
sendo recomendado um pequeno extravasamento da máticas para iniciar o seu processo de reparo. Cumpre
pasta na região apical. A seguir, realiza-se o selamento salientar que, para ocorrer essa reparação, o tecido deve
coronário (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). estar organizado e, no máximo, ligeiramente inflama-
A pasta de hidróxido de cálcio, além da ativida- do. De outro modo, esta propriedade do hidróxido de
de antimicrobiana, atua como uma barreira físico-quí- cálcio não será observada34,69,84.
mica, impedindo a proliferação de micro-organismos Controles clínicos radiográficos são recomenda-
residuais, a reinfecção do canal radicular por micro- dos para se avaliar a evolução do processo reparativo.
organismos oriundos da cavidade oral e a invaginação Recomenda-se o primeiro exame 30 dias após a coloca-
de tecido de granulação da área reabsorvida à luz do ção da pasta de hidróxido de cálcio no interior do canal
canal radicular. Promove também a necrose das células radicular, seguido de controles trimestrais. Embora,
de reabsorção nas lacunas de Howship, neutraliza áci- em alguns casos, o fechamento apical possa ocorrer
dos de células clásticas, impedindo a dissolução mine- dentro de 6 meses, é normal que ele demore 18 meses
ral da raiz e torna o meio inadequado para a atividade ou mais, período esse aparentemente relacionado com
das hidrolases ácidas67. a extensão da área reabsorvida.
Geralmente, renovamos a pasta de hidróxido de Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido
cálcio 7 dias após a colocação inicial. Persistindo a tu- de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle ra-
mefação apical e/ou exsudato, renovamos o preparo diográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do
químico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias. canal, a troca será realizada. Alguns autores têm obser-
O tempo de permanência da pasta de hidróxido vado melhores resultados com a renovação mensal da
de cálcio no interior do canal radicular está condicio- mesma1,69,84.
nado à terapia endodôntica proposta. Radiograficamente, obtido o selamento apical, a
Nos casos em que a medicação intracanal é em- pasta de hidróxido de cálcio é removida do interior do
pregada com objetivo antimicrobiano, após a remissão canal radicular até o limite de barreira mineralizada.
862 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

A B C

Figura 23-9. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial, após preparo e colocação de pasta HIPG. B. Após obtu-
ração com tampão de pasta L&C. Controle de 6 meses e 1 ano. C. Controle de 6 anos.

A B

Figura 23-10. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial e preparo dos canais. B. Após obturação com tampão
apical de pasta L&C. Controle de 1 e 10 anos.

A B C D

Figura 23-11. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial. B. Após preparo e colocação de pasta HIPG. C. Obtura-
ção com tampão apical de pasta L&C. Controle de 1 ano. D. Controle de 2 anos.
Reabsorções Dentárias 863

Figura 23-12. Reabsor-


ção dentária externa apical.
Sequência radiográfica. A.
Inicial. B. Após preparo e ob-
turação com tampão apical
A B de pasta L&C. Controle de 2
anos.

Figura 23-13. Reabsorção dentária externa apical.


Sequência radiográfica. Inicial. Preparo. Obturação
com tampão apical de pasta L&C. Controle de 2
anos. (Gentileza de V. de Souza.)

A B

Figura 23-14. Reabsorção dentá-


ria externa apical. Raiz palatina do
primeiro molar superior. A. Inicial.
B. Obturação canal palatino com
pasta L&C. Canais vestibulares obtu-
C
ração convencional. C. Controle de
D
6 meses. D. Controle de 18 meses.
864 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

A seguir, o canal é obturado pela técnica de compacta- lar vencendo a barreira estabelecida pelo cemento,
ção lateral ou guta-percha termoplastificada. Essa pro- deixará expostos túbulos dentinários adjacentes.
posta terapêutica tem como inconveniente retardar a Os produtos tóxicos autolíticos pulpares ou micro-
restauração definitiva do dente, o que pode favorecer bianos e toxinas do canal radicular podem, através
a contaminação do canal radicular, a fratura do dente desses túbulos dentinários, alcançar os tecidos perio-
e retardar o restabelecimento da função mastigatória e dontais laterais e provocar uma resposta inflamató-
da estética. ria (reabsorção dentária externa lateral progressiva),
Para a reabsorção apical quando presente em den- que no exame clínico pode demonstrar uma flutua-
tes tratados endodonticamente de maneira deficiente ção ou até mesmo uma fístula.Também está presente
é indicado o retratamento endodôntico. Se a terapia em dentes cujos canais foram tratados de maneira
endodôntica fracassar na interrupção da reabsorção, a deficiente1,2,7,80 (Fig. 23-15).
cirurgia perirradicular deve ser indicada. A resposta inflamatória no periodonto consiste
Para dentes portadores de um tratamento endo- em um tecido de granulação com numerosos linfócitos,
dôntico bem conduzido, a opção poderá ser cirúrgica. células plasmáticas e leucócitos polimorfonucleares.
Nesse caso é provável que o fator de manutenção que Ao lado dessa área, a superfície radicular sofre uma re-
estimula o processo de reabsorção seja a presença de absorção intensa, com numerosas lacunas de Howship
um biofilme perirradicular ou mesmo de uma infecção e células multinucleares1,4,7,19,80.
persistente em áreas não acessíveis ao procedimento Radiograficamente, há perda contínua de tecido
químico-mecânico do canal radicular. dental, associada a zonas radiolúcidas persistentes e
Se as radiografias de controle, após 6 meses ou 1 progressivas no osso adjacente. Podem estar localiza-
ano mais tarde, mostrarem a reabsorção continuada das nas faces laterais (mesial e distal) ou vestibular ou
ou periapicopatia persistente, parte-se para a cirurgia palatina da raiz dentária. Quando localizadas nas faces
apical, ficando claro, porém, que o tratamento clínico é vestíbular ou lingual, as lesões (reabsorções) se movem
sempre a primeira opção de resolução para as reabsor- com as variações de angulagem horizontal radiográ-
ções dentárias externas apicais1,10,21,48. fica. Devido à falta de comunicação com a cavidade
pulpar, é possível distinguir claramente o contorno do
Reabsorção dentária externa lateral canal radicular por meio da área radiolúcida de reab-
É uma reabsorção dentária externa progressi- sorção. Essas características diferenciam as reabsorções
va estabelecida nos segmentos médio e/ou apical da externas das internas.
superfície radicular. A face externa da raiz é, normal-
mente, bem protegida pelo ligamento periodontal e
pelo cemento. Se o ligamento periodontal for perdido,
ocorrerá a anquilose.
Injúrias traumáticas de baixa intensidade, como
oclusão traumática, concussão e subluxação, geral-
mente não causam necrose pulpar. Assim, após o dano
mecânico na superfície da raiz, o tecido lesado será
eliminado pela resposta inflamatória local e ocorrerá a
reparação com novo cemento e ligamento periodontal,
devido à ausência de estímulos para a continuação da
resposta inflamatória (reabsorção dentária externa la-
teral transitória)1,3,19,80.
Entretanto, injúrias mais graves, como luxa-
ções ou avulsões, determinam a ruptura dos vasos
sanguíneos do forame apical e, consequentemente, a
necrose pulpar isquêmica. Micro-organismos então
alcançarão o canal radicular, através de microrra-
chaduras do esmalte-dentina ou de túbulos dentiná-
rios expostos, estabelecendo-se, em 2 a 3 semanas,
um processo infeccioso endodôntico. A reabsorção
dentária externa, localizada na superfície radicu- Figura 23-15. Reabsorção dentária externa lateral progressiva.
Reabsorções Dentárias 865

Normalmente, a reabsorção não atinge a luz do Nos casos considerados perfurantes (interna-ex-
canal – reabsorção externa não perfurante. Porém, às ve- terna), após o preparo químico-mecânico e a remoção
zes, o processo pode penetrar no canal radicular ou, da smear layer, o uso de um medicamento intracanal é
durante a instrumentação, ocorrer a comunicação imprescindível, tendo como objetivo eliminar micro-
– reabsorção externa perfurante (reabsorção interna- organismos, assim como preencher todo o canal ra-
externa). dicular e a região da perfuração (reabsorção). Como
Nos casos considerados não perfurantes realiza- medicamento intracanal utilizamos a pasta HIPG com
mos o tratamento endodôntico em dentes com necrose contrastante. A mistura obtida deve apresentar aspecto
pulpar ou o retratamento endodôntico de dentes trata- homogêneo e consistência cremosa. A seguir realiza-
dos deficientemente, dando ênfase ao combate da in- mos o selamento coronário.
fecção endodôntica presente no sistema de canais radi- A pasta HIPG, além da atividade antimicrobiana,
culares. A instrumentação deve ser realizada visando atua como uma barreira físico-química, impedindo a
à limpeza e modelagem do canal radicular. Solução de proliferação de micro-organismos residuais, a reinfec-
hipoclorito de sódio a 2,5% é usada como substância ção do canal radicular por micro-organismos oriundos
coadjuvante do preparo. A smear layer deve ser remo- da cavidade oral e a invaginação de tecido de granula-
vida, e uma medicação intracanal, usada. ção da área reabsorvida à luz do canal radicular.
Como medicamento intracanal devemos usar a Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de
pasta HPG com contrastante (iodofórmio ou óxido de cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a
zinco). Damos preferência ao uso dessa pasta em fun- tumefação e/ou exsudato, renovamos o preparo quí-
ção de ela, ao preencher o canal radicular, revelar ra- mico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias.
diograficamente a presença ou não de possível comu- O objetivo precípuo da medicação intracanal com
nicação com a área de reabsorção. A seguir realiza-se o a pasta HIPG é o de eliminar a infecção intratubular
selamento coronário48. responsável pela manutenção da reabsorção dentária
Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de externa inflamatória progressiva.
cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a Controles clínicos radiográficos são recomenda-
tumefação, renovamos o preparo químico-mecânico e dos para se avaliar a evolução do processo reparati-
o medicamento a cada 7 dias. vo. Recomendamos o primeiro exame 30 dias após a
Não havendo sintomas clínicos retiramos a pasta colocação da pasta de hidróxido de cálcio no interior
e obturamos o canal radicular. Nesses casos não há ne- do canal radicular, seguido de controles trimestrais.
cessidade de usarmos cimentos obturadores à base de Embora, em alguns casos, o fechamento da perfura-
hidróxido de cálcio (Fig. 23-16). ção lateral possa ocorrer dentro de 6 meses, é nor-
mal que ele demore 18 meses ou mais, tempo esse
aparentemente relacionado com a extensão da área
reabsorvida.
Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido
de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle ra-
diográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do
canal, a troca será realizada. Alguns autores têm obser-
vado melhores resultados com a renovação mensal da
mesma1,69,84.
Radiograficamente obtido o selamento da reab-
sorção lateral perfurante, a pasta de hidróxido de cál-
cio é removida do interior do canal radicular. A seguir,
o canal é obturado pela técnica de compactação lateral
ou guta-percha termoplastificada17,62.
A proposta terapêutica descrita tem como incon-
veniente o tempo muito longo que o paciente perma-
nece em tratamento. Assim, após o uso da pasta HIPG
com finalidade antimicrobiana, podemos obturar o ca-
Figura 23-16. Reabsorção dentária externa lateral não perfurante.
Sequência radiográfica. Inicial. Após preparo e colocação da pasta nal e a área reabsorvida definitivamente. Nesses casos
HIPG. Após obturação, controle de 2 anos. devemos usar material obturador contendo hidróxido
866 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

matória do ligamento periodontal advinda de estímulo


microbiano oriundo do sulco gengival ou mesmo do
canal radicular1,31,80. Todavia, para Heithersay31, a re-
absorção cervical pode também ser oriunda de uma
desordem benigna proliferante fibrovascular ou fibro-
óssea, em que os micro-organismos não têm nenhum
papel patogênico, mas podem se tornar invasores se-
cundários. A expressão reabsorção cervical implica que
a reabsorção deve ocorrer na área cervical do dente.
Porém, a inserção periodontal do dente não está sem-
pre na margem cervical, fazendo com que o mesmo
processo possa ocorrer mais apicalmente na superfície
radicular2,11,19,31,49,51.
Pode ocorrer após anos do acidente traumático, e
o paciente, geralmente, não se recorda. Sua exata pato-
genia não está totalmente esclarecida21,31.
Figura 23-17. Reabsorção dentária externa lateral perfurante. Se- De modo geral ocorre em dentes reimplantados
quência radiográfica. Inicial. Obturação convencional do segmento e anquilosados, em infraoclusão, mas pode ocorrer em
apical do canal. Preenchimento da área de reabsorção com pasta dentes luxados. Pode ser consequência também de mo-
L&C. Controle de 2 anos. vimentos ortodônticos e cirurgia ortognática2,11,19,31,49,51.
Alguns trabalhos relacionam também as reab-
sorções inflamatórias cervicais como consequência do
de cálcio. O canal deve ser obturado pela técnica de clareamento não vital. Todavia, os dentes que apresen-
compactação lateral. taram reabsorções estavam relacionados com a história
Como rotina, empregamos como material obtura- de trauma24,25,29,43,49,55.
dor a pasta L&C. Nos casos de reabsorções perfurantes Ocorre em dentes com polpa viva, assim como em
podemos afirmar que o uso do hidróxido de cálcio com dentes tratados endodonticamente. A polpa não exerce
veículo oleoso é melhor do que com o aquoso, uma vez nenhum papel na reabsorção cervical e, na maioria das
que aquele diminui a diluição do material nos fluidos vezes, se apresenta normal histologicamente. Devido
orgânicos da reabsorção, tornando-o menos facilmente à origem do estímulo (infecção) geralmente não ser da
absorvível, criando melhores condições para a deposi- polpa, acredita-se que os micro-organismos do sulco
ção de tecido duro na reparação da lesão34,46,48,50. gengival são os que estimulam e mantêm a resposta in-
O material obturador deve preencher o canal ra- flamatória no periodonto ao nível da união da raiz31,82.
dicular e a área reabsorvida (Fig. 23-17). Tem-se postulado que micro-organismos e produtos
Podemos também obturar o canal, inclusive a microbianos do sulco gengival alcançariam a área via
área reabsorvida, com MTA (agregado de trióxido túbulos dentinários da dentina cervical, estimulando e
mineral)48,69,82 (ver Capítulo 15, Materiais obturadores). mantendo a resposta inflamatória do periodonto. Na
A opção cirúrgica, dependendo da localização área inflamada e infectada há produção e liberação
da área de reabsorção, pode ser indicada quando do de mediadores químicos da reabsorção (citocinas dos
fracasso da terapia endodôntica. Em função do tama- macrófagos, linfócitos e prostaglandinas) que ativarão
nho da reabsorção, do comprometimento dos tecidos as células clásticas a reabsorverem a dentina e o osso.
adjacentes e da disseminação do processo infeccioso, a Endotoxinas, produzidas e liberadas por bactérias,
exodontia deve ser indicada. também contribuirão para a progressão da reabsorção.
Desse modo, a reabsorção cervical se torna progressi-
Reabsorção dentária externa cervical invasiva va e pode destruir o dente por completo em um curto
É uma reabsorção dentária externa progressi- período19,31,82.
va que se localiza no segmento coronário da raiz no A reabsorção cervical é assintomática e, geral-
sentido coroa-ápice, além do epitélio juncional do mente, detectada pelo exame radiográfico. Os dentes
dente. É também denominada reabsorção inflamató- unirradiculares são geralmente os afetados, e o pro-
ria subepitelial da raiz ou simplesmente reabsorção cesso tende a ser lento. Como citado, a polpa não está
cervical22,31,47,52,70,81,82. É resultado de uma reação infla- envolvida e os testes de sensibilidade resultantes esta-
Reabsorções Dentárias 867

rão dentro de limites normais. Se a polpa é exposta por A mancha rósea tem sido tradicionalmente descrita
uma reabsorção extensa, é esperada uma sensibilidade como um sinal patognomônico da reabsorção radicu-
anormal ao estímulo térmico. lar interna, localizada na região coronária e oriunda
A pré-dentina e a camada de odontoblastos pare- da polpa dentária. Em consequência, muitos casos de
cem funcionar como uma barreira à reabsorção. Quan- reabsorção cervical são mal diagnosticados e tratados
do a pré-dentina é atingida, o processo de reabsorção como reabsorção radicular interna1,13,31,82.
sofre resistência e continua lateralmente em sentido O aspecto radiográfico da reabsorção cervical é
coronário e apical. Em estados avançados, o tecido de variável. Quando localizada nas faces proximais da
granulação pode ser observado solapando o esmalte superfície radicular, é caracterizada por uma área ra-
da coroa dentária, dando-lhe uma aparência rosada. diotransparente no interior da raiz, que se expande na
Essa mancha rósea é oriunda do ligamento periodontal dentina em sentidos coronário e apical. As imagens são
e não da polpa dentária1,3,13,21,70. Nessas condições, ge- similares às de cáries profundas. Entretanto, a sonda-
ralmente o esmalte dentário é fraturado promovendo a gem revela paredes amolecidas, enquanto nas reabsor-
comunicação da reabsorção com o suco gengival (Fig. ções cervicais são duras e resistentes.
23-18A e B). A reabsorção óssea sempre acompanha a reab-
sorção cervical com imagens que se confundem com
bolsas infraósseas de origem periodontal. Entretanto,
quando sondadas, diferentemente das bolsas perio-
dontais, sangram abundantemente, e uma sensação
tátil de uma esponja é observada em função da presen-
ça de tecido de granulação firmemente aderido à área
reabsorvida.
Quando vestibular ou lingual, a imagem radio-
gráfica depende da extensão da área reabsorvida. Ini-
cialmente, uma radiotransparência próxima à margem
cervical será observada. Com o progresso da reabsor-
ção sobre a dentina, a área radiotransparente pode
A estender-se, de um modo considerável, em sentido
apical e coronário. Devido à falta de comunicação com
a cavidade pulpar é possível distinguir claramente o
contorno do canal radicular, identificado por linhas
radiopacas através da área radiotransparente da rea-
bsorção cervical.
O aspecto histopatológico revela a tentativa de
reparação por meio de um tecido semelhante a osso
ou cemento, ocorrendo, algumas vezes, a união do
osso e dentina (reabsorção substitutiva)1,22,31,70. A rea-
bsorção cervical pode se apresentar clínica e radiogra-
ficamente na superfície radicular como uma cratera
ampla (Fig. 23-19A e B) ou como uma pequena aber-
tura (Fig. 23-20).
Quando apresentar a forma de uma cratera ampla,
onde parte do processo patológico se situa de maneira
intraóssea e a outra supraóssea, o tratamento consiste
em expor cirurgicamente a lesão, remover o tecido de
granulação e restaurar a área reabsorvida. Todavia, o
padrão da extensão da área reabsorvida faz com que
a aplicação dos princípios do tratamento seja difícil e
B
complexa. A remoção de todo o tecido de granulação
Figura 23-18. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. As- da raiz e do osso, até alcançar o tecido não infectado, é
pecto clínico. B. Aspecto radiográfico (incisivo central). imprescindível para o sucesso do tratamento.
868 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

vida da luz do canal radicular. Entretanto, é aconselhá-


vel a terapia endodôntica eletiva antes da cirurgia.
Nessas reabsorções, após a remoção do tecido pa-
tológico, observamos uma loja ampla de paredes firmes
e brilhantes. Essas características são fatores marcantes
no diagnóstico diferencial de processos cariosos, que
também podem ocorrer nas áreas cervicais dos dentes.
É imperioso ressaltar que, radiograficamente,
essas entidades patológicas nem sempre são diferen-
ciadas, o que leva muitos profissionais a confundirem
reabsorções com cáries cervicais.
No tratamento das reabsorções cervicais de den-
A B
tes anteriores, como parte do processo está localizado
Figura 23-19A e B. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. em situação intraóssea, recomenda-se a tração orto-
Aspecto de cratera ampla na superfície radicular. dôntica controlada do dente, até que toda a área de
reabsorção fique em uma situação supraóssea64. Faz-se
necessária após a extrusão do dente sua esplintagem
para a formação de osso na região periapical, cirurgia
para o contorno ósseo e periodontal, além de restaura-
ção definitiva.
O material restaurador de escolha da área reab-
sorvida tem sido, tradicionalmente, os compósitos de
micropartículas em face da possibilidade de se obter
uma melhor lisura superficial; entretanto, uma desvan-
tagem importante pode ser a sua radiolucidez. Portan-
to, compósitos micro-híbridos, em função de sua radio-
pacidade e melhor reologia, representam uma melhor
alternativa. Apesar da ausência de esmalte nessa área,
a hibridização dentinária com sistemas adesivos de úl-
tima geração promoverá excelente selamento marginal
(Figs. 23-21 e 23-22).
Na reabsorção cervical nos casos onde a abertura
da área patológica junto à parede externa do dente é de
pequena dimensão, as células reabsortivas penetram
no dente (dentina) através da pequena área desnuda e
causam a expansão da reabsorção no tecido dentinário
Figura 23-20. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. As-
entre o cemento e a pré-dentina. Geralmente, a polpa
pecto de pequena abertura na superfície radicular.
mantém-se viva e o processo reabsortivo não penetra
no tecido pulpar devido às qualidades protecionais
Dependendo da extensão e do local da reabsor- da pré-dentina, mas se espalha ao redor do canal ra-
ção, a osteotomia poderá ser indicada. Após a regula- dicular de forma irregular. À medida que avança tor-
rização dos bordos e secagem da área reabsorvida, esta tuosamente através da dentina há deposição de tecido
será obturada com resina composta ou ionômero de vi- duro, de aparência osteoide. A reabsorção cervical com
dro. Se possível, o isolamento absoluto deve ser aplica- essas características é chamada de reabsorção cervical
do durante a fase de obturação da área reabsorvida. A invasiva, a qual, radiograficamente, não apresenta um
seguir, o retalho mucoperióstico é reposicionado e su- padrão ou modelo definido que possa caracterizá-la.
turado. Procedimentos de regeneração tecidual guiada Entretanto, revela uma área radiotransparente irre-
são promissores para o tratamento dessas patologias. gular, geralmente superposta ao canal radicular, que
Nas reabsorções cervicais, o tratamento endodôn- conserva a sua forma original. A lesão (reabsorção)
tico poderá ou não ser indicado, em função da quanti- se move com as variações de angulagem horizontal
dade de dentina que separa o assoalho da área reabsor- radiográfica1,10,22,47,63.
Reabsorções Dentárias 869

Figura 23-21. Reabsorção den-


tária externa cervical invasiva.
Abertura ampla na superfície
radicular. Retratamento endo-
dôntico e tratamento cirúrgico
da reabsorção.

Abundante irrigação com hipoclorito de sódio a


2,5% favorece a retirada de detritos da loja cirúrgica. O
uso de ultrassom, assim como de cureta de intermediá-
rio longo, também pode auxiliar na remoção do tecido
patológico de áreas inacessíveis às brocas cirúrgicas.
A seguir, por aspiração e utilizando cones de pa-
pel absorvente, procuramos secar o canal radicular e a
loja cirúrgica correspondente à reabsorção. Geralmen-
te, esse procedimento é ineficiente, em razão da intensa
hemorragia oriunda da remoção do tecido patológico.
Em prosseguimento, com o auxílio de uma espiral de
Lentulo, preenchemos o canal radicular e a loja cirúr-
gica com uma pasta de hidróxido de cálcio com con-
trastante (proporção 3:1, v:v), veiculada em glicerina.
Figura 23-22. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Aber-
A pasta deve ser manipulada em placa de vidro, por
tura ampla na superfície radicular. Retratamento endodôntico e tra-
tamento cirúrgico da reabsorção. meio de espátula, previamente esterilizadas. A pasta
de hidróxido de cálcio deverá ser renovada após 3 a
7 dias nos casos em que não ocorreu o preenchimento
Devido à expansão da reabsorção cervical inva- total da loja cirúrgica. Isso ocorre devido à presença de
siva na dentina em sentido coroa-ápice, aliado a que tecido patológico não removido, resíduos teciduais ou
a pequena abertura da área patológica está localizada mesmo coágulo sanguíneo47,48.
além da inserção epitelial junto à parede externa do Cerca de 7 dias após, a pasta de hidróxido de cál-
dente, o acesso à área de reabsorção será via endodôn- cio é retirada do interior do canal radicular e da loja
tica e não cirúrgica via externa. cirúrgica com limas tipo Hedstrom, com acompanha-
Durante o preparo químico-mecânico, geralmen- mento de abundante irrigação-aspiração com solução
te ocorre a comunicação do canal radicular com a rea- de hipoclorito de sódio a 2,5%30.
bsorção cervical invasiva. Em seguida, por escavação Após secagem por aspiração e cone de papel ab-
obtida por meio de inclinação imprimida a uma broca sorvente, o segmento apical do canal radicular é obtu-
cirúrgica de Muller (Hager e Messinger), procuramos rado por meio da técnica de compactação lateral. Ape-
remover mecanicamente o tecido patológico. É im- nas o cone de guta-percha principal é carregado com
portante ressaltar que, para alcançarmos amplitudes cimento endodôntico em sua extremidade e, a seguir,
maiores nas inclinações dos instrumentos empregados posicionado no interior do canal radicular. Os cones
na escavação, o diâmetro do canal radicular, no seg- que protraem a câmara pulpar são cortados com ins-
mento cervical, deve ser ampliado22,47. trumentos aquecidos em toda a extensão da reabsor-
870 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

A B

Figura 23-23. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Abertura pequena na superfície radicular. Tratamento via canal radicular. Se-
quência radiográfica. A. Inicial. Colocação de pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal. Corte dos cones de guta-percha em toda a
extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 3 anos.

A B

Figura 23-24. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. Inicial. Preparo do canal radicular e remoção do tecido patológico da área
de reabsorção. Preenchimento com pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal radicular. Corte dos cones de guta-percha em toda a
extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 1 ano.

ção. Imediatamente depois do corte é realizada uma dem ser transitórias ou progressivas. As transitórias
compactação vertical do material obturador, usando- envolvem apenas a perda de odontoblastos e pré-den-
se compactador frio. Após a limpeza da loja cirúrgi- tina, sendo autolimitantes e reparadas por novo tecido
ca correspondente à reabsorção, ela é preenchida com duro que pode preencher a lacuna de reabsorção. As
pasta L&C ou MTA. Todas as etapas do tratamento são progressivas continuam além do local em que a den-
acompanhadas radiograficamente. Após a remoção do tina foi exposta após a perda dos odontoblastos e pré-
excesso do material na câmara pulpar é feito o selamen- dentina1,18,80,83,85. Quanto ao mecanismo do processo
to coronário com os materiais restauradores indicados reabsortivo, as reabsorções internas progressivas são
(Figs. 23-23A e B e 23-24A e B). classificadas em inflamatória e substitutiva.
Dependendo da extensão e da localização da rea-
bsorção cervical, a exodontia deve ser indicada. Reabsorção dentária interna inflamatória
A reabsorção dentária interna inflamatória se ca-
Reabsorção dentária interna racteriza pela reabsorção da face interna da cavidade
A reabsorção dentária interna pode ter início em pulpar, por células clásticas adjacentes ao tecido de
qualquer ponto da superfície da cavidade pulpar. Po- granulação da polpa1,19,52,69.
Reabsorções Dentárias 871

Resulta de uma inflamação crônica pulpar, tendo com vitalidade, podendo, assim, responder ao teste de
como fatores etiológicos o trauma e a infecção. Para sensibilidade pulpar. Entretanto, após um período de
que a reabsorção se instale além do tecido de granu- atividade da reabsorção interna, a polpa pode tornar-se
lação é necessário que as camadas de odontoblastos e não vital, dando resposta negativa ao teste de sensibi-
pré-dentina sejam perdidas ou alteradas. O trauma e lidade. Nesses casos, o desenvolvimento da reabsorção
o superaquecimento do dente, por preparo cavitário, é paralisado1,3,19.
podem danificar essas camadas1,19,81,85. Quanto à localização, a reabsorção interna pode
Histologicamente se observa uma transformação ocorrer em qualquer região da cavidade pulpar que
do tecido pulpar normal em tecido de granulação, com apresente polpa viva. Assim, pode se localizar quer na
células gigantes multinucleadas reabsorvendo as pa- câmara pulpar, quer no canal radicular. Se ocorrer na
redes dentinárias da cavidade pulpar e avançando em coroa do dente, a rede vascular do tecido de granula-
sentido à periferia. A polpa coronária apresenta uma ção pode ser vista pelo esmalte como um ponto róseo
zona com tecido pulpar necrosado e infectado e esse (mancha rósea)1,13,19,48.
é, aparentemente, o fator de manutenção do processo Radiograficamente, apresenta-se como uma área
de reabsorção. Produtos microbianos da área necrosa- radiotransparente, caracterizada por um aumento uni-
da podem alcançar áreas do canal radicular com polpa forme, de aspecto ovalado, do canal radicular.
vital por meio dos túbulos dentinários. Assim, para a Com o objetivo de estabelecer o correto planeja-
reabsorção interna progredir, túbulos dentinários con- mento, tratamento e prognóstico, as reabsorções dentá-
taminados devem promover a comunicação da área rias internas inflamatórias são divididas em não perfu-
necrosada com a área do canal com tecido vital. Isso rantes e perfurantes (interna-externa) (Fig. 23-25A e B).
provavelmente explica por que a reabsorção interna Nos casos considerados não perfurantes o trata-
progressiva é rara em dentes permanentes. Nos casos mento é relativamente fácil. Uma vez diagnosticada a
em que não há uma área de necrose pulpar, a reabsor- reabsorção, o tratamento endodôntico deve ser realiza-
ção interna é dita transitória. Nesse caso os odontoblas- do prontamente, com o intuito de paralisar o processo,
tos em uma área da superfície radicular são destruídos o qual cessa quando da remoção da polpa, tendo em
e a pré-dentina se torna mineralizada1,19,52,82. vista a interrupção da circulação sanguínea que nutre
Assintomática geralmente, a reabsorção dentária as células clásticas.
interna inflamatória é diagnosticada durante exame Quanto mais apical estiver localizada, mais difí-
radiográfico de rotina. A dor pode estar presente se a cil se torna a remoção de tecido patológico. Para a re-
perfuração da coroa ocorrer (mancha rósea) e o tecido moção do tecido da área de reabsorção devemos usar
metaplásico ficar exposto ao meio oral. Parte da polpa solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, instrumentos
coronária se apresenta frequentemente necrótica, en- endodônticos dobrados em ângulo (90º), ultrassom,
quanto o segmento pulpar remanescente permanece brocas de Muller e alargadores Gates-Glidden. Se a le-

A B Figura 23-25. Reabsorção dentária interna infla-


matória. A. Não perfurante. B. Perfurante.
872 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

são é extensa, geralmente não é possível remover todo O tratamento não cirúrgico é semelhante ao em-
o tecido patológico. O hidróxido de cálcio e iodofórmio pregado na reabsorção dentária externa perfurante
+ PMCC + glicerina, aplicado como medicamento in- (Fig. 23-27A e B).
tracanal, cauteriza o restante do tecido que é posterior- O cirúrgico, que depende do tamanho e da locali-
mente removido por abundante irrigação com hipoclo- zação da reabsorção, é realizado após o tratamento do
rito de sódio. A aplicação de hidróxido de cálcio é re- canal radicular.
petida com o objetivo de se mapear a extensão da área Quando ela é localizada na região cervical, o en-
reabsorvida e de se observar a completa remoção do volvimento periodontal é agravante, determinando so-
tecido patológico por meio da tomada radiográfica. A lução de continuidade entre o defeito e a cavidade oral,
obturação se faz, preferencialmente, com guta-percha via sulco gengival. Os procedimentos cirúrgicos em-
termoplastificada. Não há obrigatoriedade de se em- pregados são semelhantes aos de reabsorção cervical.
pregarem cimentos obturadores à base de hidróxido de Dependendo da extensão e da localização da reabsor-
cálcio (Fig. 23-26A a D). ção interna perfurante, a exodontia deve ser indicada.
Nos casos considerados perfurantes, com presença Quando localizada no terço apical, é indicada a
ou não de lesão no periodonto, o tratamento se torna remoção apical. Em outros segmentos da raiz, quando
mais complicado. Pode ser não cirúrgico e cirúrgico. acessível, procede-se ao fechamento do defeito, com

A B

Figura 23-26. Reabsorção dentária interna inflamatória. Não per-


furante. A. Molar inferior. (Gentileza de Melissa Boechat.) B. Incisivo
C central superior. (Gentileza de E. S. P. Araújo.) C. Canino inferior. D.
Incisivo central superior. (Gentileza de I. M. Lourenço Filho)
Reabsorções Dentárias 873

Figura 23-27. Reabsorção dentária interna inflamatória. Perfurante. A. Molar inferior. Raiz mesial, controle de 8 anos. B. Molar inferior, raiz
distal, controle de dois anos. (Gentileza da Profa M. D. Viana.)

materiais indicados para as obturações retrógradas suspenso e acontece a obliteração do canal radicular.
(ver Capítulo 18, Cirurgia perirradicular). Tem como fator etiológico o trauma, geralmente de
baixa intensidade1,3. A análise radiográfica, ao contrá-
Reabsorção dentária interna por substituição rio da reabsorção cervical invasiva, revela ausência da
A reabsorção dentária interna por substituição linha radiopaca de demarcação entre o canal radicular
se caracteriza radiograficamente por um aumento ir- e a imagem da reabsorção na dentina31. Localiza-se na
regular da cavidade pulpar. O contorno pulpar não coroa dentária e nos segmentos radiculares cervical e
é mantido, não havendo consequentemente a super- médio.
posição da cavidade pulpar sobre a área de reabsor- Dependendo da localização e da possibilidade de
ção. Histologicamente há metaplasia do tecido pulpar acesso à área de reabsorção, o tratamento endodôntico
normal por tecido ósseo medular. A reconstituição pode ser instituído com o intuito de paralisar o pro-
contínua do tecido ósseo às expensas da dentina é cesso. Os procedimentos técnicos empregados no tra-
responsável pelo aumento gradual da cavidade pul- tamento são semelhantes aos da reabsorção dentária
par. Após algum tempo o processo de reabsorção é interna inflamatória não perfurante (Fig. 23-28A e B).
874 Capítulo 23  Reabsorções Dentárias

Figura 23-28. Reabsorção dentária interna de substituição. A. Canino inferior. Localizada na coroa dentária (câmara pulpar). Controle de 1
ano. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, J. C. Mucci.) B. Incisivo lateral superior. Localizada no segmento cervical e médio. Controle de 2 anos.

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Tratamento
Endodôntico em
Capítulo 24
Dentes com
Rizogênese
Incompleta
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Mônica Aparecida Schultz Neves
Carlos Estrela

Um dos grandes problemas encontrados pelo o problema tornar-se-á grave. Nesses casos, a forma-
endodontista é o tratamento endodôntico de dentes ção normal e fisiológica do ápice, que corresponde, em
permanentes com ápices incompletamente formados quase sua totalidade, à função pulpar, poderá ficar de-
(Fig. 24-1A a C). Embora os mesmos princípios que tida definitivamente e, com infecção ou não, com com-
norteiam a terapêutica endodôntica de dentes comple- plicação perirradicular ou não, o dente se não tratado
tamente desenvolvidos sejam também aplicados aos convenientemente permanecerá com o ápice divergen-
dentes com rizogênese incompleta, o objetivo, nesses te, sem terminar de formá-lo, em caráter definitivo.
casos, é mais complexo, porque são buscados o com- Embora a necrose pulpar possa deter o desenvol-
pleto desenvolvimento radicular nos casos de polpa vimento apical radicular, é importante ressaltar que o
viva e o fechamento do forame apical por tecido duro ápice deve ser visto como um tecido dinâmico, capaz
calcificado, nos casos de necrose pulpar. de crescer, desenvolver-se e reparar-se. Esses atributos
Denomina-se apicigênese a complementação radi- podem ser vistos como de grande valor quando usados
cular fisiológica em dentes que apresentam tecido pul- adequadamente33..
par ainda com vitalidade, pelo menos na porção apical No estudo do problema deve-se ressaltar que a
do canal radicular, com existência de viável bainha de complementação ou o fechamento do forame apical es-
Hertwing, e apicificação a indução do fechamento do tão relacionados com os seguintes fatores: estágio de
forame apical, em dentes com necrose pulpar12,28. desenvolvimento da raiz do dente, condições da polpa
O trauma ou a fratura coronária com envolvimen- dentária e dos tecidos perirradiculares no momento da
to pulpar, assim como a cárie dentária e restaurações intervenção e substância empregada20.
inadequadas, constituem-se geralmente nos fatores Várias técnicas, orientações e medicamentos têm
etiológicos. A perda prematura de dentes pode afetar, sido propostos com relação ao tratamento endodôn-
psicologicamente, o paciente, além de acarretar graves tico dos dentes com rizogênese incompleta1,16,27,29. Po-
alterações no plano estético e no fonético, bem como rém, alguns trabalhos, tanto radiográficos como histo-
prejudicar o desenvolvimento do arco dentário. lógicos, têm mostrado que os medicamentos não são
Quando as lesões pulpares não se estenderem até necessários para estimular o fechamento do forame
a porção radicular, poder-se-á conseguir a complemen- apical4,9,11,15,39.
tação apical, utilizando-se o tratamento conservador da Outros estudiosos, embora admitindo que a apifi-
polpa dentária. Entretanto, diante da necrose pulpar, cação seja um fenômeno natural, advogam técnicas que
inclusive com lesão perirradicular recente ou antiga, incluem o uso de diversas substâncias com o objetivo

877
878 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

de se obter a complementação ou fechamento do ápice


radicular. Porém, o hidróxido de cálcio, puro ou asso-
ciado a outras substâncias, tem sido o material de esco-
lha e de maior suporte científico usado no tratamento
endodôntico em dentes com rizogênese incompleta.
Desse interesse resultaram estudos clínicos13,16,49, bem
como histológicos17-19, que contribuíram para o melhor
conhecimento de sua atuação junto aos tecidos perir-
radiculares, mostrando a aparente supremacia desse
material sobre os demais.
Quando em contato direto com a polpa, o hidró-
xido de cálcio estimula a neoformação de dentina ou
cemento, respectivamente. Embora se reconheça a cita-
da propriedade do hidróxido de cálcio, seu mecanismo
de ação ainda não foi perfeitamente elucidado. Alguns
atribuem esse efeito aos íons hidroxilas, enquanto ou-
tros julgam que os íons cálcio sejam os responsáveis
A
pela indução do reparo. Algumas tentativas de expli-
car os efeitos do hidróxido de cálcio sobre os tecidos e
que resultam na deposição de tecido duro neoformado
são descritas no Capítulo 14, Medicação intracanal.
Outro material empregado no tratamento de den-
tes com rizogênese incompleta é o agregado de trióxi-
do mineral (MTA).
O MTA é um pó cinza ou branco composto de
trióxidos combinados com outras partículas minerais
hidrofílicas e que cristalizam na presença de umidade.
É disponível no mercado odontológico com as denomi-
nações ProRoot-MTA (Dentisply, Tulsa Dental, EUA) e
B MTA-Angelus (Angelus Odonto-Logika Ind. de Prod.
Odontológicos Ltda., Londrina, PR). O MTA é um ma-
terial cuja composição química é similar ao cimento
Portland agregado a outras substâncias. O ProRoot-
MTA é composto aproximadamente de 75% de cimen-
to Portland, 20% de óxido de bismuto e 5% de gesso. O
MTA-Angelus é composto de 80% de cimento Portland
e 20% de óxido de bismuto. A hidratação do pó com
água destilada, solução anestésica ou fisiológica resul-
ta em um gel coloidal, o qual solidifica em menos de
3 horas – ProRoot-MTA – e ao redor de 10 minutos –
MTA-Angelus6.
O MTA, além de estimular a neoformação den-
tinária, apresenta atividade antibacteriana satisfatória
e promove um selamento adequado, prevenindo a
microinfiltração. É um material biocompatível e não
tem potencial carcinogênico. É pouco solúvel e a mas-
sa obtida não se dilui quando em presença de líquidos
teciduais, sendo essa uma vantagem sobre as pastas e
C
cimentos à base de hidróxido de cálcio6.
Figura 24-1. Rizogênese incompleta. A. Corte histológico. B. Mi- Outra opção terapêutica proposta tem sido a re-
croscopia eletrônica de varredura. C. Radiografia. vascularização pulpar com o objetivo de permitir o
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 879

completo desenvolvimento radicular em dentes com  DENTES COM VITALIDADE PULPAR


polpa necrosada com ou sem lesão perirradicular5.
Sempre que for diagnosticada a vitalidade pul-
par, um tratamento endodôntico conservador é o in-
 TRATAMENTO ENDODÔNTICO dicado, evitando-se intervenções no canal radicular.
Se a polpa radicular com vitalidade for mantida, a
Ao se realizar o tratamento endodôntico em den-
raiz a ser formada será mais organizada e mais bem
tes com rizogênese incompleta é fundamental que se
estruturada, em razão de os odontoblastos serem pre-
tenha conhecimento da área onde se irá intervir. A aná-
servados. Nesses casos, o tratamento indicado será a
lise radiográfica inicial revela o estágio de desenvolvi-
pulpotomia.
mento da raiz e as condições do segmento apical, que
A pulpotomia é um tratamento conservador, sen-
poderá se apresentar de forma divergente, paralela ou
do seu objetivo a remoção total da polpa coronária viva,
ligeiramente convergente. Contudo, o desenvolvimen-
sã ou inflamada, mantendo-se a porção radicular. Se o
to radicular no sentido vestibulopalatino é mais lento,
paciente manifestar dor pulpar espontânea ou estiver-
sendo consequentemente essas paredes mais curtas e
mos diante de uma polpa exposta, encontrar-nos-emos
o forame apical maior quando comparados ao plano
em face de situações em que a pulpotomia se presta
mesiodistal8,25.
adequadamente.
Outro aspecto a ser considerado e que define os
procedimentos endodônticos a serem empregados é o
estado patológico da polpa. Assim, visando a esse obje- Características clínicas favoráveis à
tivo, devemos realizar um exame clínico minucioso. A pulpotomia
inspeção, percussão/palpação e o emprego de agentes
• Hemorragia abundante quando da remoção da por-
térmicos e elétricos permitem que se chegue ao diag-
ção coronária pulpar;
nóstico correto.
• Sangue com uma coloração vermelho-rutilante;
Os testes térmicos e principalmente os elétricos
• Tecido pulpar (remanescente pulpar) com consis-
podem, algumas vezes, não fornecer respostas preci-
tência firme e coloração róseo-avermelhada.
sas. Isso porque, em dentes com rizogênese incomple-
ta, a camada parietal de nervos (plexo de Raschkow)
Diferentes materiais podem ser empregados como
não se encontra desenvolvida, e a polpa, sendo ainda
revestimentos biológicos pulpares. Destacando-se o hi-
pouco inervada, reponde menos a esses estímulos12,45.
dróxido de cálcio e o MTA.
Portanto, para diagnóstico e tratamento adequa-
Em dentes com rizogênese incompleta e que apre-
dos, devemos realizar uma sequência de exames, e os
sentam exposição pulpar, o tratamento de eleição é a
dados colhidos devem ser criteriosamente analisados.
pulpotomia, com o objetivo de se manter a polpa vital e
Quando ainda existirem dúvidas quanto à condi-
permitir a complementação radicular. Alguns profissio-
ção do tecido pulpar, é possível estabelecer um período
nais preconizam a realização do tratamento endodônti-
de espera com controle periódico cuidadoso, objetivan-
co convencional após constatada a complementação da
do obter dados mais conclusivos.
rizogênese de um dente submetido a pulpotomia. Ora,
Vale ressaltar que, após o traumatismo dentário
se houve a formação de ponte de dentina, a raiz teve
em dentes com rizogênese incompleta, onde o segmen-
seu desenvolvimento completo, há silêncio clínico e os
to apical da raiz ainda não está formado, podem ocorrer
tecidos perirradiculares se apresentam normais radio-
a revascularização e a reinervação do feixe vasculoner-
graficamente, parece-nos inoportuno e incoerente rea-
voso. Nesses casos, a revascularização ocorre entre 24
lizar a tal pulpectomia eletiva. Se, por ventura, houver
e 48 horas após o traumatismo dentário, mantendo-se a
indícios de fracasso ou necessidade de tratamento en-
polpa viva por um fenômeno conhecido em histologia
dodôntico por finalidade protética, a ponte dentinária
por embebição plasmática. A reinervação pode ocorrer
pode, na maioria das vezes, ser removida com o auxílio
após 40 dias na velocidade de 0,5mm por dia1,12,38,41.
de instrumentos endodônticos forçados contra a ponte
Diante de um dente com rizogênese incompleta
na entrada dos canais.
que necessite de intervenção endodôntica, três situa-
ções distintas da condição pulpar podem ocorrer: den-
tes com vitalidade pulpar, dentes com tecido pulpar
Técnica de pulpotomia
vivo apenas no segmento apical do canal radicular e 1. Anestesia, isolamento absoluto e antissepsia do cam-
dentes com necrose total do conteúdo pulpar. po operatório.
880 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

2. Abertura coronária, com remoção completa do teto so antigo, com exposição pulpar, a necrose da polpa
da câmara pulpar. poderá limitar-se às partes coronária e média do canal
3. Remoção da polpa coronária com curetas de inter- radicular, permanecendo sua porção apical inflamada,
mediário longo e bem afiadas. porém com vitalidade. Isso se deve, provavelmente, à
4. Abundante irrigação-aspiração da câmara pulpar drenagem dos produtos tóxicos, do interior do canal
com solução fisiológica. radicular ao meio bucal, à dissipação de parte da força
5. Descompressão pulpar por 5 minutos. traumática no traço de fratura, causando menor dano
6. Irrigação-aspiração com solução fisiológica, seca- à circulação vascular apical, e ao fato de a rizogênese
gem com bolinhas de papel absorvente esterilizadas incompleta possibilitar ampla circulação sanguínea, o
e exame da superfície do remanescente pulpar, que que aumentaria a capacidade de defesa orgânica do te-
deverá apresentar as características já mencionadas. cido pulpar à invasão infecciosa1.
7. Aplicação do cortecosteroide-antibiótico (Ostoporin Nesses casos, procuramos preservar o remanes-
otossolução), mantendo uma bolinha de papel ab- cente de tecido apical com vitalidade e, principalmen-
sorvente esterilizada embebida nesse medicamento. te, a bainha epitelial de Hertwing, com o objetivo de se
8. Selamento duplo com guta-percha e cimento. alcançar o desenvolvimento radicular2,50,51.
9. Decorridos 2 a 7 dias, são removidos o selamento e Sendo os elementos de diagnóstico imprecisos,
o curativo, irrigando-se fartamente com solução fi- não se deve anestesiar o paciente de imediato, até que
siológica e retirando-se qualquer coágulo presente. clinicamente se possa ter certeza da presença do tecido
10. Acama-se sobre o remanescente pulpar com suave pulpar vivo. Assim procedendo, evita-se danificar esse
pressão a pasta de hidróxido de cálcio pró-análise tecido ou mesmo retirá-lo da região apical, o que pre-
com solução fisiológica, em uma fina camada, adap- judicaria o desenvolvimento radicular.
tado por uma bolinha de papel absorvente esteri- O mesmo procedimento se aplica aos casos de
lizado. Remove-se o excesso da pasta das paredes lesões traumáticas. Nesses, os dentes se apresentam
laterais e coloca-se sobre esse revestimento biológi- insensíveis, por vários dias ou semanas após o trauma-
co uma fina camada de cimento com hidróxido de tismo, permanecendo, contudo, na porção terminal do
cálcio com a finalidade de protegê-lo. canal radicular, tecido vital – presença que é caracteri-
11. Coloca-se ionômero de vidro ou cimento de óxido zada pelo sangramento vivo e consistência firme1.
de zinco e eugenol como base protetora para a res-
tauração ou se realiza diretamente a restauração
coronária verificando-se a oclusão20.
Técnica mediata
1. Automatização da cavidade oral com solução antis-
Nos atendimentos ambulatoriais, que por impos- séptica e preparo do dente, que tem como objetivo
sibilidade de uma segunda sessão ou por insegurança a regularização da coroa (nos casos de fratura co-
quanto ao correto selamento coronário da cavidade se ronária), a remoção de toda a dentina cariada e de
realiza a pulpotomia em sessão única, deixa-se o cor- restaurações defeituosas, reconstituindo-se, quando
te costeroide-antibiótico por 10 a 15 minutos sobre o necessário, a coroa dentária com cimento ou resina,
remanescente pulpar e acama-se, a seguir, a pasta de bandas ortodônticas, coroas provisórias etc.
hidróxido de cálcio, mantendo-se todos os demais cui- 2. Isolamento absoluto, sempre que possível, com di-
dados. Contudo, o maior índice de sucesso é o obtido que de borracha e antissepsia do campo operatório.
com a pulpotomia realizada em duas sessões. É certo que, muitas vezes, devido a fatores psicoló-
O MTA também tem sido empregado como re- gicos do paciente ou a extensas fraturas coronárias,
vestimento biológico pulpar imediatamente após a não se consegue o isolamento absoluto. Nesses ca-
pulpotomia em dentes hígidos com excelentes resulta- sos, usamos o melhor isolamento relativo possível,
dos histológicos24. pois é melhor um bom isolamento relativo que um
mau isolamento absoluto.
3. Abertura coronária que, a princípio, deve ser ampla,
 DENTES PORTADORES DE TECIDO
devido à largura do canal e ao volume da câmara
PULPAR VIVO NO SEGMENTO APICAL DO
pulpar. Para os dentes anteriores, a parede vestibu-
CANAL RADICULAR lar da cavidade deverá ser biselada para a extremi-
Geralmente, nos dentes em desenvolvimento dade incisal, a fim de permitir o adequado preparo
em que ocorrem fratura coronária ou processo cario- do canal radicular.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 881

4. Neutralização imediata do conteúdo séptico e ex- 8. Manipulação e colocação da pasta de hidróxido de


ploração do canal radicular, com a finalidade de cálcio: algumas fórmulas já se apresentam em forma
neutralizar e remover o conteúdo séptico, com solu- de pasta; outras são manipuladas usando-se placa
ção de hipoclorito de sódio a 1% de cloro ativo e li- de vidro e espátula estéreis, agregando-se o pó ao
mas Hedstrom, até as proximidades do tecido vivo, veículo usado, até se obter uma massa pastosa, ho-
bem como determinar, clínica e radiograficamente, mogênea e com consistência de trabalho (ver Capí-
o limite coronário do tecido pulpar vivo existente no tulo 14, Medicação intracanal).
segmento apical do canal radicular. Normalmente empregamos pasta de hidróxido
5. Anestesia adequada aos casos clínicos, removendo-se de cálcio com veículo hidrossolúvel aquoso ou vis-
ou não, momentaneamente, o isolamento absoluto. coso. Empregamos uma pasta constituída de hidró-
6. Pulpectomia, que deverá se estender em sentido api- xido de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em vo-
cal até atingir tecido pulpar vivo, de consistência fir- lume) veiculada ao propilenoglicol ou glicerina. Em
me e coloração róseo-avermelhada. Esse limite cer- função de razões cromáticas ou imunológicas pode-
vical de corte da polpa, todavia, varia em função da mos substituir o iodofórmio pelo óxido de zinco32.
dimensão e da condição do tecido vital existente no A adição de uma substância radiopacificadora
segmento apical e do grau de desenvolvimento do (iodofórmio ou óxido de zinco) permite que se cons-
ápice radicular. Contudo, de modo geral, deverá se tate, por meio de uma radiografia, o preenchimento
situar no início da divergência apical, ou seja, apro- total do canal radicular. A glicerina ou o propileno-
ximadamente 2 a 3mm aquém do ápice radiográfico. glicol são polialcoóis hidrossolúveis de aspecto vis-
A pulpectomia é realizada com limas Hedstrom de coso, que permitem a obtenção de uma pasta com
ponta truncada, adequadas ao caso. Jamais se deve boa fluidez e de fácil colocação e remoção do canal
utilizar extipar-polpas, pois, assim procedendo, po- radicular. Esses veículos, em 24 horas, possibilitam
dem ser removidos o remanescente de tecido apical à pasta de hidróxido de cálcio pH semelhante ao ob-
e a bainha epitelial de Hertwig, ocasionando sérios servado com veículos hidrossolúveis aquosos.
problemas à complementação radicular. Nesses casos, o hidróxido de cálcio tem como
7. Preparo químico-mecânico, constando de instru- objetivo causar uma zona de desnaturação protei-
mentação e irrigação-aspiração. A instrumentação ca superficial no tecido em contato com ele, o que é
deve ser realizada com limas Hedstrom ou tipo K, caracterizado por uma necrose de coagulação, com
providas de limitadores do comprimento de traba- espessura variável entre 0,3 e 0,7mm. Esse efeito pa-
lho determinado na pulpectomia, empregando-se rece ser o responsável pela indução do reparo por
pressão lateral e remoção vertical. Recomenda-se deposição de tecido calcificado. Outro objetivo é o
uma instrumentação cuidadosa, porém não vigo- de limitar a invaginação de tecido remanescente api-
rosa, principalmente nos casos de grande abertura cal para o interior do canal radicular (ver Capítulo
apical, onde as paredes do canal são finas e tênues. 14, Medicação intracanal)46.
O preparo visa, apenas, a regularizar as paredes A operação de preenchimento é acompanhada
dentinárias e a remover os resíduos pulpares, com auxílio de exame radiográfico. Preenchido o
criando espaço para colocação da pasta de hidró- canal radicular em toda a extensão, promovemos a
xido de cálcio. compactação da pasta com uma pequena mecha de
Antes, durante e após a instrumentação devem algodão esterilizado, de tamanho adequado, a qual
ser realizadas a irrigação-aspiração e a inundação da é colocada na embocadura do canal e comprimida
cavidade pulpar com solução irrigante citotofilática com as pontas de uma pinça clínica ou calcador en-
(soro fisiológico). Na sequência da instrumentação, dodôntico que funciona como um êmbolo, para asse-
sempre realizamos profusa irrigação-aspiração, pro- gurar o contato íntimo da pasta com o remanescente
curando remover raspas de dentina e resto pulpares. de tecido apical, bem como a remoção do excesso
A presença desses resíduos sobre o remanescente de de veículo. Se forem utilizadas expirais (Lentulo), é
tecido apical poderá impedir o contato direto do hi- conveniente que se adapte a elas um limitador de
dróxido de cálcio com o mesmo, levando a resulta- penetração, 3mm aquém do comprimento de traba-
dos que não os esperados19,22. A seguir, realizamos a lho, para evitar a agressão mecânica e a invasão da
secagem do canal radicular pela aspiração, comple- pasta no tecido remanescente29,30.
tada pelo uso de pontas absorventes estéreis, dentro Geralmente renovamos a pasta de hidróxido
do comprimento de trabalho estabelecido. de cálcio 7 dias após a colocação inicial. O primei-
882 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

mentação e o selamento apical (simples, duplo ou to-


tal), normalmente 3 a 6 meses após o tratamento.
A renovação periódica da pasta está relacionada
com diversos fatores: composição química da pasta,
proporção pó/líquido (consistência), natureza química
do veículo, diâmetro da abertura do forame apical e
eficiência do selamento coronário.
O hidróxido de cálcio em contato com o tecido
C
pulpar promove uma necrose superficial, tendo iní-
cio a formação da barreira cálcica, que provavelmente
impede a diluição e a reabsorção da pasta. Nesse caso
não há necessidade da renovação da pasta. Todavia, o
A B hidróxido de cálcio pode ser diluído pelos fluídos teci-
duais perirradiculares inflamados, e, isso ocorrendo o
Figura 24-2. Representação esquemática do tratamento de dente material não aparece na radiografia ou a densidade ra-
portador de tecido pulpar vivo no segmento apical do canal radicu-
diográfica fica significativamente menor do que aquela
lar. A. Remanescente pulpar. B. Preparo químico-mecânico. C. Pre-
enchimento do canal com pasta de hidróxido de cálcio e selamento obtida no atendimento anterior. Em tais casos, a pasta
da cavidade de acesso. de hidróxido de cálcio deve ser renovada.
Não ocorrendo a complementação apical, deve-
mos repetir a técnica descrita, sendo possível, duran-
ro curativo pode entrar em contato com exsudato,
te o novo preparo químico-mecânico, remover restos
coágulo sanguíneo e fragmentos teciduais. Assim,
necróticos residuais. Completada a formação apical,
o segundo curativo encontrará condições microam-
procedemos à remoção da pasta do interior do canal
bientais mais favoráveis ao processo de reparo.
radicular até o limite da barreira de tecido duro e rea-
9. Selamento: removido o excesso da pasta existente na
liza-se, dentro da sequência de técnica, a obturação do
câmara pulpar, colocamos, no espaço criado, uma
canal, geralmente pela técnica da compactação lateral
porção de guta-percha, recobrindo-a com óxido de
ou da guta-percha termoplastificada (ver Capítulo 16,
zinco-eugenol presa rápida, ionômero de vidro ou
Obturação dos canais radiculares).
resina fotopolimerizável. Sobre esse selamento re-
A barreira apical de tecido duro quando não obser-
construímos a coroa dentária com os materiais obtu-
vada radiograficamente pode ser constatada clinicamen-
radores existentes (Fig. 24-2A a C ).
te por meio de um instrumento endodôntico introduzido
suavemente no interior do canal radicular. As radiogra-
Controle clínico-radiográfico fias podem não revelar a barreira apical do tecido mine-
Utilizamos, como rotina, exames clínico-radiográ- ralizado mesmo estando elas presentes. Isso ocorre em
ficos, 1, 3 e 6 meses após a execução da técnica descrita. razão da direção do feixe de raios X em relação a uma
Pelo exame radiográfico podemos observar a comple- barreira mineralizada muito delgada (Fig. 24-3A a C).

Figura 24-3. Caso clínico. In-


cisivo central superior. Técnica
imediata. A. Radiografia inicial.
B. Após preparo, preenchi-
mento do canal com pasta de
hidróxido de cálcio. Controle
de 1 ano. Selamento apical
simples. Seleção do cone de
guta-percha. C. Obturação do
A B C canal até a barreira mineraliza-
da. (Gentileza de Aires Pereira.)
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 883

1. Automatização da cavidade oral, preparo do dente,


isolamento, antissepsia do campo operatório e aber-
tura coronária, conforme já descritos.
2. Neutralização imediata do conteúdo séptico com so-
lução de hipoclorito de sódio. O instrumento usado
para desalojar o conteúdo séptico e favorecer a pene-
tração da solução de hipoclorito de sódio é uma lima
Hedstrom. É importante que esse instrumento esteja
provido de um cursor, delimitando o comprimen-
to, baseado na radiografia de estudo, sempre com
alguns milímetros aquém do forame, como medida
de segurança. Inundadas a câmara pulpar e a entra-
da do canal radicular com solução de hipoclorito de
sódio a 2,5% de cloro ativo (NaOCI), inicia-se, com
a lima, um discreto movimento de penetração e ro-
tação para deslocar os restos necróticos neutraliza-
dos pelo contato com o agente químico e que, em
seguida, serão removidos pela irrigação e aspiração.
Essa sequência será repetida várias vezes, aprofun-
Figura 24-4. Caso clínico. Incisivo central superior. Técnica imedia- dando-se, gradativamente, o instrumento até que se
ta. Tampão de pasta L&C. Controle após 2 anos.
chegue a alguns milímetros da região apical. Essa
porção final será neutralizada e removida após a de-
terminação do comprimento de trabalho. Nos casos
Técnica imediata
de ampla comunicação do canal com os tecidos pe-
Nessa técnica, imediatamente após o preparo do rirradiculares devemos usar solução de hipoclorito
canal radicular ou após o uso de um curativo intra- de sódio de menor concentração (1%).
canal com pasta de hidróxido de cálcio, realizamos a 3. Para se determinar o comprimento de trabalho, ado-
escolha clínica e radiográfica do cone de guta-percha ta-se uma medida que fique, aproximadamente, a
principal, aproximadamente 2mm aquém do compri- 1mm aquém do ápice radiográfico.
mento de trabalho. A seguir, realizamos a obturação 4. Preparo químico-mecânico, constando de instru-
do canal radicular pela manobra do tampão apical, mentação e irrigação-aspiração. A instrumentação
utilizando como material obturador permanente do deve ser feita com limas Hedstrom ou tipo K, provi-
segmento apical radicular (tampão apical) a pasta das de cursores ao nível do comprimento de traba-
L&C (hidróxido de cálcio com veículo oleoso) ou o lho. O preparo deve ser feito até que todas as irregu-
MTA. Esse tampão apical, além de servir como bar- laridades das paredes dentinárias tenham sido reti-
reira mecânica, estimula o fechamento apical (ver radas e alisadas. Mesmo se tratando de dentes com
Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares) (Fig. polpa necrosada, a instrumentação deve ser comedi-
24-4). Essa técnica é indicada nos casos em que o seg- da e metódica, evitando-se a dilaceração da extremi-
mento apical apresentar paredes paralelas ou ligeira- dade radicular. Deve-se aplicar, aos instrumentos, o
mente convergentes. movimento de limagem (penetração, pressão lateral
e remoção vertical) e jamais a dinâmica do vaivém,
porque essa, devido à grande abertura do forame,
 DENTES COM NECROSE TOTAL DO
pode levar restos necróticos à região perirradicular,
CONTEÚDO PULPAR dificultando o processo de reparo.
Nos casos de rizogênese incompleta de dentes A solução química auxiliar da instrumentação
com necrose pulpar e infectados, com ou sem reação empregada é a solução de hipoclorito de sódio a
perirradicular, a reparação e a complementação da raiz 2,5% de cloro ativo, porque essa concentração apre-
estão na dependência do combate à infecção, desde senta estabilidade química, possui todas as proprie-
que nunca seja observada a deposição cementária em dades favoráveis das soluções de hipoclorito de só-
um caso ainda infectado1,50 (ver Capítulo 8, Fundamen- dio e é bem tolerada sob condições clínicas de uso. A
tação filosófica do tratamento endodôntico). instrumentação deverá ser sempre intercalada com
884 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

a irrigação/aspiração e inundação da cavidade pul-


par. A irrigação-aspiração final deverá ser feita com
soro fisiológico. A seguir, realiza-se a secagem do
canal radicular, conforme já descrito.
5. Medicamento intracanal: considerando que a apicifi-
cação somente ocorre após a eliminação ou redução
dos micro-organismos em termos de números e vi-
rulência, há a necessidade, nesses casos, de usar um
medicamento intracanal com efetiva ação antimi-
crobiana e de preenchimento. Utilizamos uma pasta C
de hidróxido de cálcio e iodofórmio (proporção de
3:1 em volume), tendo como líquido uma gota de
paramonoclorofenol canforado (PMCC) e uma de
glicerina. A mistura obtida deve apresentar aspecto A B
homogêneo e consistência cremosa. Em função de
razões cromáticas ou imunológicas podemos substi-
Figura 24-5. Representação esquemática do tratamento de dente
tuir o iodofórmio pelo óxido de zinco. com necrose total do conteúdo pulpar. A. Esvaziamento do canal.
B. Preparo químico-mecânico. C. Preenchimento do canal com pas-
Essa pasta, empregada como medicamento in- ta de hidróxido de cálcio associado a paramonoclorofenol canfora-
tracanal, é efetiva contra os micro-organismos encon- do e glicerina (HPG).
trados no canal radicular. O hidróxido de cálcio reage
com o PMCC formando o paramonoclorofenolato de
químico-mecânico e o medicamento (pasta). A seguir,
cálcio, um sal fraco que libera, progressivamente, o
realiza-se o selamento coronário de maneira semelhan-
paramonoclorofenol e o hidróxido de cálcio. Assim, o
te à já descrita (Fig. 24-5A a C).
PMCC aumenta o espectro da atividade antimicrobiana
do hidróxido de cálcio. Por sua vez, o amplo espectro
antimicrobiano do PMCC não interfere no efeito bioló-
Controle clínico-radiográfico
gico do hidróxido de cálcio, provavelmente em razão Recomenda-se o primeiro exame 30 dias após a
de aquele não afetar o pH desse32. colocação da pasta de hidróxido de cálcio (HPG) no in-
Tem sido reportado que o PMCC é um medica- terior do canal radicular, seguido de controles trimes-
mento fortemente citotóxico. Entretanto, sabe-se que trais. Embora, em alguns casos, a apicificação possa
uma substância pode apresentar efeitos benéficos ou ocorrer em 6 meses, é normal o processo de fechamen-
deletérios em função da sua concentração. Quando as- to apical demorar 18 meses ou mais, tempo esse apa-
sociado ao hidróxido de cálcio, o paramonoclorofenol é rentemente relacionado com o tamanho da lesão perir-
liberado lentamente do paramonoclorofenolato de cál- radicular inicial e com o estágio de desenvolvimento
cio. Além do mais, a glicerina associada à pasta reduz radicular1.
a concentração do PMCC, que era de 35% (porção de A renovação da pasta está relacionada com di-
6,5:3,5), para cerca de 17,5%. Assim, a redução da con- versos fatores: composição da pasta, proporção pó/lí-
centração e a liberação controlada do PMCC permitem quido (consistência), natureza do veículo, abertura do
uma maior biocompatibilidade da pasta, sem interferir forame e deficiência do selamento coronário.
em sua atividade antimimicrobiana32. Quanto menor a consistência da pasta, maior será
A pasta deve ter a consistência de um creme e a sua diluição junto aos líquidos tissulares. Em relação
preencher homogeneamente todo o canal radicular. ao forame, quanto maior ele for, maior a possibilidade
Geralmente o preenchimento é acompanhado de um de a troca ser necessária. Uma ampla área de contato
extravasamento perirradicular. entre a pasta e os tecidos perirradiculares pode acele-
Normalmente renovamos a pasta de hidróxido rar a velocidade de neutralização ou de sua diluição.
de cálcio 7 dias após a colocação inicial. A renovação Microinfiltração da saliva via selamento coronário
da pasta permite que o hidróxido de cálcio entre em também pode diluir a pasta de hidróxido de cálcio.
contato com um tecido conjuntivo desenvolvido que Alguns autores têm observado melhores resul-
poderá favorecer o processo de reparo22. Persistindo a tados com a sua renovação mensal12,45. Nos controles
tumefação apical e/ou exsudato, renovamos o preparo periódicos se a pasta permanecer no interior do canal
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 885

com contraste e nível apical adequados, a renovação canal radicular. Após o preparo do canal radicular e do
não é recomendada. Segundo Felipe et al.14, a renova- uso da medicação intracanal (HPG) por um tempo mí-
ção da pasta de hidróxido de cálcio não é necessária nimo de 3 dias, estando o dente livre de sinais e sinto-
para ocorrer a apecificação. mas de infecção observáveis sobretudo pela inspeção,
Na renovação da pasta após 7 dias, podemos palpação e percussão, a pasta de hidróxido de cálcio é
usar veículo oleoso (pasta L&C). Acredita-se que, nos removida e a seguir procede-se à imediata colocação do
tratamentos endodônticos em dentes com rizogêne- MTA. O material será inserido na região apical com o
se incompleta e necrose pulpar, o uso do hidróxido emprego de instrumentos especiais (seringas) ou mes-
de cálcio com veículo oleoso é melhor do que com o mo levado com auxílio de instrumentos endodônticos
aquoso23,29,30,32. Provavelmente aquele diminui a dilui- de ponta truncada (compactadores). O material deve
ção do material nos fluidos orgânicos da região perir- ser colocado numa extensão de até 3mm e seu limite
radicular, tornando-o menos facilmente absorvível, apical comprovado pelo exame radiografico.
criando melhores condições para a deposição de tecido Para prevenir o extravasamento do MTA durante
duro no fechamento apical23. sua colocação em casos de forames muito abertos, proce-
Obtida a apicificação, a pasta de hidróxido de cál- demos à criação de uma barreira apical de hidróxido ou
cio deverá ser removida do interior do canal radicular sulfato de cálcio junto aos tecidos perirradiculares. Em
até o limite da barreira calcificada, nem sempre visível seguida, o MTA é colocado conforme já descrito, com me-
em nível radiográfico, mas clinicamente comprovada nores riscos de sobreobturação. Sobre o MTA é colocada
pelo instrumento endodôntico junto do ápice. uma bolinha de algodão umedecida em água destilada
O canal radicular geralmente permanece amplo por um período mínimo de 3 a 4 horas, protegida por
com a forma de bacamarte, o que pode tornar a obtu- selamento coronário provisório. Esse procedimento tem
ração um procedimento técnico difícil. As técnicas re- como objetivo manter a hidratação e permitir a solidifi-
comendadas são do cone de guta-percha moldado, do cação do material. O MTA em contato com os tecidos pe-
cone invertido, do cone pré-fabricado, da guta-percha rirradiculares estimula a formação de um selamento bio-
termoplastificada e da compactação lateral. lógico junto ao forame apical24,48,49. Todavia, Sluyk et al.44
Embora investigações clínicas e histológicas te- não recomendam esse procedimento, acreditando que
nham certamente comprovado que as barreiras forma- a umidade advinda do tecido no local é suficiente para
das são resistentes, pode ocorrer seu rompimento se a manter as necessidades hidrofílicas do MTA.
pressão exercida durante a compactação da guta-per- A proposta terapêutica do tampão apical tem como
cha for demasiadamente exagerada, principalmente vantagem não retardar a restauração definitiva do den-
em canais amplos28. te, o que favorece a não contaminação do canal radicu-
Dependendo do estágio de desenvolvimento lar, reduz a possibilidade de fratura do dente e permite
apical do dente com rizogênese incompleta, podemos prontamente o restabelecimento da função mastigatória
empregar o MTA como tampão apical na obturação do e da estética (Figs. 24-6A a C, 24-7A a C e 24-8A a C).

Figura 24-6. Caso clíni-


co. Incisivo central supe-
rior. Manobra do tampão
apical. A. Radiografia ini-
cial. B. Preparo do canal
e uso da pasta HPG. Sete
dias após obturação do
canal. Manobra do tam-
A B C pão apical de pasta L&C.
C. Controle de 1 ano.
886 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

A B C

Figura 24-7. Caso clínico. Incisivo central superior. Manobra do tampão apical. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, uso da pasta HPG
como medicação apical. Manobra do tampão apical de pasta L&C. C. Obturação do canal. Controle de 6 meses. (Gentileza de G. Venanzoni.)

A B

Figura 24-8. Caso clínico. Molar inferior. Raiz mesial. Rizogênese


incompleta. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, uso da pasta
HPG por 7 dias. Remoção da pasta. Tampão apical de pasta L&C.
C Obturação dos canais radiculares. C. Controle após 6 anos. Sela-
mento apical.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 887

Andreasse et al.3 concluíram, por meio de um tra- com ou sem lesão perirradicular e vários trabalhos
balho com incisivos mandibulares imaturos de ovelhas, vêm demonstrando clinicamente resultados bem-
que a resistência à fratura em dentes imaturos tratados sucedidos de revascularização pulpar5,7,26,47. Esse mé-
com hidróxido de cálcio será de 50% em 1 ano devi- todo de tratamento utiliza o coágulo sanguíneo como
do ao tratamento de canal, constatando o porquê de substância de preenchimento do canal radicular. O
frequentes relatos de fraturas de dentes tratados com coágulo atua como uma matriz (malha) para o cres-
hidróxido de cálcio por longo período. cimento de um novo tecido dentro do espaço pulpar,
Simon et al.43 realizaram um teste para substi- similar à polpa necrosada de um dente reimplantado
tuir o hidróxido de cálcio por MTA em apicicações de após um trauma dental. Antes porém, é fundamental
dentes imaturos com polpa necrosada. O hidróxido uma criteriosa desinfecção do canal por meio de co-
de cálcio tem muita eficiência até mesmo na presença piosa irrigação, utilizando-se solução de hipoclorito
de lesão periapical, porém tem muitas desvantagens, de sódio (1,25 a 5,25%). A instrumentação nesses casos
tais como a variação no tempo de tratamento (média é contraindicada, pois agravaria a fragilidade das pa-
de 12,9 meses), a dificuldade de retorno de pacientes redes dentinárias. Segundo alguns autores5,26,47, após a
e a demora no tratamento com hidróxido de cálcio desinfecção com uma solução irrigadora, o canal deve
por períodos extensos. Como alternativa para o tra- ser preenchido inicialmente com uma pasta à base da
tamento com hidróxido de cálcio, sugeriram a técnica associação de três antibióticos (ciprofloxacin + metro-
de tampão apical com o MTA, observando as seguin- nidazol + minociclina) a fim de promover a elimina-
tes vantagens: redução do tempo de tratamento, pos- ção de micro-organismos que sobreviveram à desin-
sibilidade de restaurar o dente com o mínimo atraso fecção com a irrigação. Após 4 semanas, constatado o
e, assim, prevenir a fratura de raiz e também evitar desaparecimento de sinais e de sintomas clínicos de
mudanças nas propriedades mecânicas da dentina infecção, remove-se a pasta através de irrigação e es-
por causa do uso prolongado do hidróxido de cálcio. timula-se um sangramento apical, utilizando-se uma
Além disso, por causa da atoxicidade, o MTA tem sonda endodôntica exploradora. O sangramento deve
boas propriedades biológicas e estimula a reparação. ser mantido a 3mm da junção cemento-esmalte e, após
Os resultados do estudo indicaram sucesso de 81%, 15 minutos, se forma o coágulo sanguíneo nesse local.
porém novos estudos devem ser feitos para confirmar O selamento coronário deve possuir dupla camada a
esses resultados. fim de assegurar um meio sem penetração bacteria-
na. Em contato com o coágulo se coloca uma camada
de MTA, seguida de uma bolinha de algodão estéril
 REVASCULARIZAÇÃO PULPAR umedecida com água destilada e, por último, um se-
A possibilidade de regeneração de uma polpa lador temporário com profundidade adequada. Duas
necrosada tem sido considerada apenas em casos de semanas após, mantendo-se os sinais e sintomas clí-
avulsão de dente permanente com rizogênese incom- nicos normais, são substituídos o algodão e o selador
pleta. A vantagem de uma revascularização pulpar está temporário, por uma restauração de resina adesiva. A
no fato de serem obtidos o completo desenvolvimen- prosservação deve ser mantida por 2 anos por meio do
to radicular e a deposição de dentina nas paredes do exame clínico e radiográfico. Durante esse período po-
canal e, consequentemente, a raiz dentária terá maior dem ser observados o crescimento radicular, o aumen-
resistência à fratura. A condição de um dente jovem to da espessura da parede do canal e o fechamento do
com ápice aberto e raiz curta favorece a invaginação forame apical. Em alguns casos pode haver resposta
de um novo tecido para dentro do espaço pulpar. A pulpar positiva ao teste frio. Nos casos em que após
polpa necrosada, porém não infectada, pode funcionar 3 meses não se observar o desenvolvimento radicular
como uma matriz na qual um novo tecido poderá se deve-se optar pela apicificação tradicional5,8.
desenvolver5. Segundo alguns autores5,7,26,47, a revascularização
Tem sido considerado impossível a regeneração em canais previamente necrosados e infectados só é
pulpar em dentes necrosados e infectados. Contudo, possível desde que haja uma eficaz desinfecção. Vale
se for possível criar um meio como descrito no caso ressaltar que, embora o desenvolvimento radicular e
de avulsão, a regeneração poderá ocorrer5. Nos últi- o aumento na espessura das paredes do canal sejam
mos anos, novos métodos de terapia têm sido propos- observados, não se pode afirmar que o novo tecido
tos com o objetivo de permitir o completo desenvol- formado seja polpa dentária10. Alguns trabalhos em
vimento radicular em dentes com polpa necrosada animais36,37 demonstraram a presença de fibras do tipo
888 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

do ligamento periodontal e cemento dentro do canal antes do ápice. Histologicamente, nesses casos, a
radicular. barreira é constituída de cemento, há deposição
A pasta L&C também pode ser empregada como lateral desse tecido, e o ápice, inicialmente, per-
material obturador permanente do segmento apical ra- manece aberto, ocorrendo ampla comunicação en-
dicular como tampão apical (ver Capítulo 15, Materiais tre o periodonto e o tecido conjuntivo existente no
obturadores). Após, o espaço do canal radicular deve ser interior das paredes radiculares (Fig. 24-9B). Com
obturado com cone de guta-percha e cimento endodôn- o tempo, o aspecto radiográfico tende a se asseme-
tico pela técnica convencional ou termoplastificada. lhar ao descrito em A.
C) Calcificação total da porção apical. Há o desenvolvi-
mento radicular, porém ocorre a calcificação maciça
 FORMAS DA ZONA APICAL APÓS A da porção terminal da raiz (Fig. 24-9C).
COMPLEMENTAÇÃO OU FECHAMENTO
DO ÁPICE Em dentes com necrose total do
As condições histopatológicas dos tecidos pulpar conteúdo pulpar
e perirradicular, em nível de localização do processo A) Fechamento em semicírculo. O ápice se calcifica, to-
de reparação, parecem influenciar as características mando a forma de semicírculo, porém o canal per-
morfológicas do tecido duro depositado17,18,28,45, o qual, manece com a forma de bacamarte. Histologicamen-
radiograficamente12,52, poderá apresentar as seguintes te, o selamento ocorre com cemento ou com tecido
formas: osteocementoide. Radiograficamente não há comu-
nicação entre o canal e a área perirradicular12,17,18,20,52
Em dentes portadores de tecido pulpar vivo (Fig. 24-10A).
B) Calcificação tênue. Não há evidência radiográfica
no segmento apical do canal radicular
do fechamento apical, porém uma delgada barrei-
A) Selamento duplo. Radiograficamente há formação de ra cálcica pode ser comprovada pelo instrumental
barreira de tecido duro, alguns milímetros antes do junto do ápice. Não há mudança na divergência das
ápice. Histologicamente, nesses casos, a barreira é paredes do canal radicular12,17,18,20,52 (Fig. 24-10B).
constituída de dentina, há deposição lateral desse
tecido e selamento apical com cemento, restando, Essas duas últimas configurações morfológicas
todavia, comunicação entre o periodonto e o tecido não promovem o alongamento radicular, permanecen-
conjuntivo semelhante à polpa existente na região do o dente mais curto do que o seu homólogo. Entre-
apical (Fig. 24-9A). tanto, radiograficamente, em alguns casos podem não
B) Selamento simples. Radiograficamente há forma- ser encontrados os padrões descritos, apresentando a
ção de barreira de tecido duro, alguns milímetros região apical morfologia atípica.

A B
A B C

Figura 24-9. Representação esquemática das formas da zona api- Figura 24-10. Representação esquemática das formas da zona
cal após complementação do ápice. Dentes com tecido pulpar vivo apical após selamento do ápice. Dentes com necrose total do con-
no segmento apical. A. Selamento duplo. B. Selamento simples. C. teúdo pulpar. A. Fechamento em semicírculo. B. Barreira tênue de
Calcificação total da porção apical. tecido mineralizado.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 889

 HISTOPATOLOGIA DA REPARAÇÃO câmara coronária e radicular quando em contato com


hidróxido de cálcio. No entanto, na maioria dos casos,
Radiograficamente, o processo de reparo de den-
o crescimento da raiz se dá às expensas da deposição
tes com rizogênese incompleta tem sido caracterizado
de cemento12,17,18.
pelo aparecimento de substância radiopaca obstruindo
A maioria dos autores acredita que a bainha epite-
a abertura apical ou, então, por um crescimento apical,
lial de Hertwig é de importância básica na complemen-
após haver deposição de barreira de tecido duro.
tação apical e, apesar de outrora se admitir sua destrui-
É provável que o quadro morfológico do processo
ção pelas lesões perirradiculares, hoje se acredita que,
de reparo da região apical, de dentes com rizogênese
depois de um período de inatividade, ela pode se tor-
incompleta, deva manter estreitas relações com dife-
nar vital e reiniciar sua função, uma vez desaparecida a
rentes fatores, tais como: estágio de desenvolvimento
infecção2,51. Entretanto, autores que estudaram, em ní-
da raiz do dente; condições da polpa dentária e dos te-
vel histológico, o processo de reparação de dentes com
cidos perirradiculares, no momento da intervenção; e
rizogênese incompleta não observaram a presença da
substância utilizada como material obturador.
bainha de Hertwig, nada opinando sobre sua impor-
A reparação apical e perirradicular dos dentes
tância na complementação ou fechamento apical15.
com rizogênese incompleta pode ser assim efetuada:
Outros investigadores têm opinado que, melho-
radas as condições do periápice, a bainha epitelial de
• à custa de odontoblastos: quando alguns fragmen-
Hertwig pode continuar sua função com consequente
tos pulpares são preservados na região apical;
formação radicular. Porém, tem sido demonstrado que,
• à custa de papila dentária e bainha de Hertwig:
uma vez produzida a formação de abscesso, é pouca ou
quando preservadas, mesmo que desorganizada-
nula a atividade odontogênica posterior. O fechamen-
mente e na ausência de lesão perirradicular. Nesse
to do forame apical seria, então, o resultado de uma
caso, haverá células se diferenciando em odonto-
proliferação do tecido conjuntivo apical, com sua calci-
blastos para promover a formação de dentina;
ficação posterior, e não uma continuação da função da
• à custa de cementoblastos e células mesenquimais
bainha de Hertwig34.
indiferenciadas e jovens do ligamento periodontal,
Histologicamente é obscuro o mecanismo de com-
cuja diferenciação e atividade levam à produção de
plementação ou fechamento apical. Todavia, pode-se
matriz cementoide e osteoide para complementar a
afirmar que o básico e importante é que todo esse meca-
formação da raiz12.
nismo de reparação funciona nos dentes com rizogêne-
se incompleta, desde que não haja micro-organismos,
Entretanto, deve-se ressaltar que há duas corren-
toxinas, nem substâncias estranhas que hostilizem ou
tes com relação ao fenômeno biológico do processo
perturbem o tecido da região apical ou perirradicular
de reparo da região apical de dentes com rizogenêse
e que o canal esteja devidamente preenchido com um
incompleta: não é a colocação de uma substância no
material obturador.
interior do canal radicular que irá estimular ou desper-
tar a memória genética das células e provocar o desen-
volvimento ou fechamento apical. O processo de re-  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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890 Capítulo 24  Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta

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Capítulo 25
Inter-relação
Endodontia e
Periodontia

Ilan Rotstein
James H. Simon

As doenças endodôntico-periodontais geralmen- ocorrer devido a defeitos do desenvolvimento, doença


te apresentam desafios para o clínico em relação ao seu ou procedimentos periodontais ou cirúrgicos. Os túbu-
diagnóstico, tratamento e avaliação do prognóstico. los dentinários radiculares se estendem da polpa para
Fatores etiológicos, como os micro-organismos, e os a junção cemento-dentina (JCD). Eles seguem um cur-
fatores contribuintes, como trauma, reabsorções radi- so relativamente retilíneo e variam de 1 a 3µm de diâ-
culares, perfurações e má formação dentária, desem- metro122. O diâmetro dos túbulos diminui com a idade
penham papel importante no desenvolvimento e na ou em resposta a um estímulo crônico de baixa inten-
progressão dessas doenças. O tratamento e o prognós- sidade que causa aposição de dentina peritubular alta-
tico das doenças endodôntico-periodontais variam e mente mineralizada. O número de túbulos dentinários
dependem da etiologia, patogênese e reconhecimento varia de aproximadamente 8.000 na JCD a 57.000/mm2
correto de cada condição específica. Portanto, a com- na porção terminal da polpa. Existem cerca de 15.000
preensão da inter-relação entre as doenças endodônti- túbulos dentinários/mm2 na área cervical da raiz122.
cas e periodontais reforçará a capacidade de o clínico Quando o cemento e o esmalte não se encontram
estabelecer diagnósticos corretos, avaliar o prognóstico na junção cemento-esmalte (JCE), esses túbulos ficam
do dente envolvido e optar por um plano de tratamen-
to com base em evidências clínicas e biológicas.

 RELAÇÕES ANATÔMICAS
A polpa dental e o periodonto estão conectados
por meio de três vias de comunicação: 1) túbulos den-
tinários expostos, 2) portais menores de saída e 3) fo-
rame apical.

Túbulos dentinários expostos


A B
Túbulos dentinários expostos em áreas desprovi-
das de cemento podem servir como vias de comuni- Figura 25-1A. Eletromicrografia de varredura dos túbulos dentiná-
cação entre a polpa dental e o ligamento periodontal rios abertos. B. Maior aumento demonstra a ausência de processo
(Fig. 25-1). A exposição dos túbulos dentinários pode odontoblástico.

891
892 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

expostos, criando, assim, vias de comunicação entre documentadas tanto em dentes de animais quanto em
a polpa e o ligamento periodontal. Os pacientes que dentes humanos utilizando vários métodos. Esses mé-
apresentam hipersensibilidade dentinária cervical são todos incluem perfusão de corantes, injeção de mate-
um exemplo desse fenômeno. Fluidos e agentes irri- riais de impressão, microrradiografia, microscopia óp-
tantes podem escoar por meio dos túbulos dentinários tica e microscopia eletrônica de varredura23,43,65,96,111,154.
patentes e, na ausência de um esmalte intacto ou de um Estima-se que 30 a 40% desses dentes possuam ramifi-
revestimento cementário, a polpa pode ser considera- cações e que a maioria delas seja encontrada no terço
da exposta ao meio oral através do sulco gengival ou apical da raiz. De Deus43 relatou que 17% dos dentes
bolsa periodontal. Estudos experimentais demonstram apresentavam múltiplos sistemas de canais no terço
que o material solúvel da placa bacteriana aplicado so- apical da raiz, cerca de 9% no terço médio e menos de
bre a dentina exposta pode causar inflamação pulpar, 2% no terço coronário. Entretanto, parece que a inci-
indicando que os túbulos dentinários podem propor- dência de doença periodontal associada a ramificações
cionar acesso imediato entre o periodonto e a polpa17. seja relativamente baixa. Kirkham96, estudando 1.000
Estudos de investigação por microscopia eletrô- dentes humanos com doença periodontal extensa, en-
nica de varredura demonstraram que a exposição den- controu apenas 2% de ramificações associadas com a
tinária na JCE ocorreu em cerca de 18% dos dentes em bolsa periodontal presente.
geral e em 25% dos dentes anteriores em particular128. Ramificações na região de furca de molares tam-
Além disso, o mesmo dente pode apresentar diferentes bém podem ser uma via direta de comunicação entre
características na JCE mostrando exposição dentinária a polpa e o periodonto65,111. A incidência de canais
em uma superfície enquanto as outras superfícies estão acessórios pode variar de 23 a 76%23,43,62. Esses canais
recobertas por cemento161. Essa área se torna importan-
acessórios contêm tecido conjuntivo e vasos sanguíne-
te na avaliação da progressão dos patógenos endodôn-
os que conectam o sistema circulatório da polpa com o
ticos, bem como no resultado da raspagem radicular
periodonto. Entretanto, nem todos esses canais estão
e no planejamento da integridade cementária, trauma
presentes em toda a extensão da câmara pulpar ao as-
e alteração patológica induzida por clareamento48,149,153.
soalho da furca62.
Pode haver outras áreas de comunicação dentinária por
Seltzer et al.163 reportaram que a inflamação pulpar
meio de sulcos de desenvolvimento gengivo-palatinos
pode causar uma reação inflamatória nos tecidos pe-
ou apicais169.
riodontais inter-radiculares. A presença desses canais
menores abertos é uma via potencial para a dissemi-
Outros portais de saída nação de micro-organismos e seus produtos da polpa
Canais acessórios e laterais podem estar presentes para o ligamento periodontal e vice-versa, resultando
em qualquer lugar ao longo do comprimento da raiz em um processo inflamatório nos tecidos envolvidos
(Fig. 25-2). Sua incidência e localização têm sido bem (Fig. 25-3).

Figura 25-2. Tratamento


endodôntico não cirúrgi-
co de um incisivo central
superior com radiolucidez
lateral. A. Radiografia pré-
operatória mostrando ca-
nal tratado previamente
com lesão lateral mesial.
B. O dente foi retratado e
o canal radicular obturado
com guta-percha termo-
plastificada. Notar o canal
lateral se estendendo em
direção à lesão. C. Contro-
A B C le de 1 ano mostra evidên-
cia de reparo ativo.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 893

Figura 25-3. Seção corada com tri-


crômico de Masson de um incisivo
lateral superior com a polpa necro-
sada associada a processo inflamató-
rio lateral no ligamento periodontal.
A. Canal principal, canal acessório e
resposta inflamatória resultante no
ligamento periodontal são eviden-
tes. B. Maior aumento da área mostra
A B inflamação crônica com proliferação
epitelial.

Forame apical O efeito da inflamação periodontal sobre a polpa é


controverso e existem muitos estudos conflituosos sobre
O forame apical é a principal via de comunicação
isso3,4,15,36,61,119,163,186,202. Tem sido sugerido que a doença pe-
entre a polpa e o periodonto. Produtos microbianos e
riodontal não tem efeito sobre a polpa pelo menos até que
inflamatórios podem sair prontamente através do fo-
envolva o ápice radicular36. Por outro lado, vários estudos
rame apical, causando doença perirradicular. O ápice
sugerem que de alguma forma o efeito da doença perio-
também é uma potencial porta de entrada de produtos
dontal sobre a polpa seja degenerativo, incluindo um alto
inflamatórios de bolsas periodontais profundas para a
índice de calcificações, fibroses e reabsorção de colágeno,
polpa. A inflamação ou a necrose pulpar se estendem
bem como um efeito inflamatório direto102,115.
para os tecidos perirradiculares, causando uma res-
Parece que a polpa geralmente não é gravemente
posta inflamatória local geralmente associada à reab-
afetada pela doença periodontal até que a recessão te-
sorção óssea e radicular163. O tratamento endodôntico
nha exposto um canal acessório para o meio oral. Nes-
visa a eliminar os fatores etiológicos intrarradiculares,
se estágio, os patógenos que migram da cavidade oral
levando, assim, ao reparo dos tecidos perirradiculares
para dentro da polpa pelos canais acessórios podem
afetados.
causar uma reação inflamatória crônica seguida pela
necrose pulpar localizada. Todavia, se a microcircu-
 DOENÇAS RELACIONADAS lação vascular do forame apical permanecer intacta, a
polpa manterá sua vitalidade102. O efeito do tratamento
A inflamação da polpa provoca uma respos-
periodontal sobre a polpa é semelhante durante a ras-
ta inflamatória no ligamento periodontal no forame
pagem, curetagem ou cirurgia periodontal se os canais
apical e/ou adjacente à abertura de ramificações162.
acessórios estiverem injuriados e/ou expostos ao meio
Irritantes de origem pulpar podem penetrar nos te-
oral. Nesses casos podem ocorrer a invasão microbia-
cidos perirradiculares através do forame apical, de
na, a inflamação secundária e a necrose da polpa.
ramificações no terço apical do canal radicular ou de
túbulos dentinários expostos, e acionar uma resposta
inflamatória vascular no periodonto. Tais irritantes  ETIOLOGIA
incluem micro-organismos patogênicos vivos como
certas bactérias (incluindo espiroquetas), fungos e
Patógenos vivos e biofilmes infecciosos
vírus12,13,37,47,66,83,88,131,176,191, bem como patógenos não Entre os patógenos vivos encontrados na polpa
vivos49,130,131,167,184. Muitos deles são semelhantes aos e nos tecidos perirradiculares em condições de doen-
patógenos encontrados na doença periodontal infla- ça estão as bactérias, os fungos e os vírus (Figs. 25-4 a
matória. Em certos casos, a doença pulpar irá estimu- 25-6). Esses patógenos e seus produtos podem afetar
lar o crescimento epitelial, afetando a integridade dos o periodonto de uma série de formas e precisam ser
tecidos perirradiculares132,168. eliminados durante o tratamento endodôntico.
894 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

A B C D

E F G H

I J

Figura 25-4. Infecção perirradicular por Actinomyces. Esse caso demonstra o crescimento de bactérias além do forame apical e sua invasão
para o cemento e para os tecidos perirradiculares. A. Radiografia de um incisivo central superior com polpa necrosada mostrando ampla
lesão perirradicular. B. A terapia endodôntica não cirúrgica foi realizada, mas os sintomas persistiram. C. Cirurgia perirradicular foi então
realizada. A fotomicrografia mostra parte da raiz com a lesão aderida. D. Colônias de Actinomyces no lúmen da lesão são evidentes. E. Maior
aumento mostra grande colônia de Actinomyces. F. Macrófagos atacando as bactérias. G. Margem da megacolônia bacteriana mostrando a
ausência de células inflamatórias capazes de penetrar na colônia. H. Maior aumento da colônia bacteriana. I. Centro da colônia desprovido
de células inflamatórias. J. Bactérias viáveis no cemento apical.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 895

A B C

D E F

Figura 25-5. Fungos em uma lesão perirradicular persistente. A. Radiografia do incisivo lateral superior com polpa necrosada e radiolucidez
perirradicular. B. Radiografia pós-operatória imediata ao tratamento não cirúrgico. C. Aos 3 meses de controle, o paciente ainda estava sinto-
mático e a radiolucidez perirradicular estava aumentada. D. Eletromicrografia de transmissão mostra o crescimento de hifas de um fungo. E.
Maior aumento das hifas mostrando a parede celular. F. Esporos reprodutores dos fungos.

Bactérias
Bactérias desempenham um papel crucial na
formação e na progressão das doenças perirradicula-
res12. Os tecidos perirradiculares se tornam envolvidos
quando bactérias invadem a polpa, causando necro-
se parcial ou total. Kakehashi et al.89, em um estudo
clássico, demonstraram a relação entre a presença de
bactérias e a patologia da polpa e dos perirradiculares.
Nesse estudo, polpas de ratos normais foram expostas
e deixadas expostas ao meio oral. Consequentemente,
houve necrose pulpar seguida por inflamação e for-
mação de lesão perirradicular. Entretanto, quando o
mesmo procedimento foi realizado em ratos germ-free,
não somente as polpas se mantiveram vitais e relati-
vamente não inflamadas, como os locais de exposição
mostraram evidências de reparação dentinária.
Figura 25-6. Eletromicrografia de transmissão do núcleo de um
macrófago em uma lesão perirradicular, sugerindo uma possível Möller et al.124 confirmaram esses achados em maca-
infecção viral. cos e relataram que o tecido pulpar necrótico não infecta-
896 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

do não induz lesões perirradiculares ou reações inflama- predominantemente mais anaeróbia53,182. Rupf et al.155
tórias. Todavia, uma vez que a polpa se tornou infectada, estudaram os perfis dos patógenos periodontais nas
lesões perirradiculares se desenvolveram. Korzen et al.100 doenças pulpares e periodontais associadas ao mesmo
relataram resultados semelhantes e sugeriram que as dente. Métodos específicos de PCR foram usados para
infecções pulpares geralmente são infecções mistas por detectar Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomyce-
natureza. Coletivamente, esses estudos forneceram evi- temcomitans, Tannerella forsythia, Eikenella corrodens, Fu-
dência-chave em relação ao papel dos micro-organismos sobacterium nucleatum, Porphyromonas gingivalis, Prevo-
nas doenças pulpares e perirradiculares. tella intermedia e Treponema denticola. Esses patógenos
Blomlof et al.19 criaram defeitos sobre as superfí- foram encontrados em todas as amostras endodônticas
cies radiculares de dentes extraídos de macacos com e também em dentes com lesão perirradicular crônica
ápices abertos ou maduros. Os canais foram infectados e periodontite crônica do adulto. Portanto, parece que
ou preenchidos com hidróxido de cálcio e reimplanta- os patógenos periodontais acompanham as infecções
dos em seus alvéolos. Após 20 semanas, os achados de endodônticas e que as inter-relações endodônticas e
proliferação epitelial abaixo das áreas de dentina des- periodontais são a via crítica para ambas as doenças.
nuda indicaram associação entre o tecido pulpar infec- Espiroquetas são um grupo de bactérias associadas
tado e a doença periodontal. Jansson et al.85 avaliaram tanto à doença endodôntica quanto à periodontal. Espi-
o efeito de patógenos endodônticos na reparação da roquetas geralmente são encontradas com mais frequên-
lesão periodontal marginal de superfícies dentinárias cia na placa subgengival do que nos canais radiculares.
desnudas cercadas por ligamento periodontal saudá- Vários estudos mostraram uma ampla diversidade de
vel, e seus resultados mostraram que, em dentes infec- treponemas orais presentes nos biofilmes subgengivais
tados, os defeitos eram recobertos por 20% a mais de de bolsas periodontais26,45,91. Foi proposto anteriormen-
epitélio, enquanto os dentes não infectados mostravam te que a presença ou a ausência de espiroquetas orais
apenas mais 10% de revestimento por tecido conjunti- pode ser usada para diferenciar os abscessos endodôn-
vo. Concluíram que os patógenos nos canais radicula- ticos dos periodontais191. Atualmente, entretanto, a pre-
res necrosados podem estimular a proliferação epitelial sença de espiroquetas no sistema de canais radiculares
abaixo das superfícies dentinárias expostas, resultando tem sido bem documentada e demonstrada por diferen-
em comunicação marginal e também em aumento da tes técnicas de identificação, tais como microscopias de
doença periodontal. campo escuro e eletrônica, identificação bioquímica e
Jansson et al.84 em um estudo radiográfico retros- métodos moleculares37,38,87,88,125,147,175.
pectivo de 3 anos avaliaram 175 dentes unirradicula- As diferenças na incidência das espiroquetas asso-
res tratados endodonticamente de 133 pacientes. Os ciadas às doenças endodônticas reportadas por vários
pacientes mais propensos a periodontites e exibindo autores podem ser atribuídas aos diferentes métodos
evidências de falhas no tratamento endodôntico mos- de detecção utilizados. Foi demonstrado que as espé-
travam aumento de aproximadamente três vezes na cies de espiroquetas mais comumente encontradas nos
perda óssea marginal quando comparados a pacientes canais radiculares são Treponema denticola147,175 e Trepo-
sem infecção endodôntica. Além disso, também foram nema maltophilum87. O principal fator de virulência do
investigados o efeito da infecção endodôntica sobre a T. denticola inclui proteínas de superfície com ativida-
sondagem periodontal profunda e a presença de en- de citotóxica, como a proteína principal de superfície
volvimento de furca em molares mandibulares82, sen- e o complexo de proteases semelhantes à quimiotrip-
do observado que a infecção endodôntica nos molares sina, enzimas proteolíticas ou hidrolíticas associadas
inferiores estava associada a maior perda de inserção à membrana, e metabólitos54. Essa espécie possui um
na área de furca. Por isso, foi sugerido que a infecção arranjo de fatores de virulência associado à doença pe-
endodôntica em molares associada à doença periodon- riodontal e também pode participar na patogênese da
tal poderia reforçar a progressão da periodontite pela doença perirradicular147. Os fatores de virulência do T.
disseminação de patógenos através dos canais acessó- maltophilum ainda não foram completamente elucida-
rios e dos túbulos dentinários82. Entretanto, quando a dos. Foi proposto que a motilidade do T. maltophilum,
infecção era tratada com sucesso, o vetor periodontal causada pela rotação de seu flagelo periplasmático,
desaparecia, indicando que existia apenas um vetor in- poderia contribuir para sua patogenicidade78. Esse
feccioso presente. micro-organismo também foi isolado com frequência
Bactérias proteolíticas predominam na microbiota em pacientes apresentando periodontite de progres-
do canal radicular, que com o passar do tempo se torna são rápida127. Entretanto, o papel exato desse micro-
Inter-relação Endodontia e Periodontia 897

organismo nas doenças endoperiodontais requer mais específicas de bactérias no canal radicular durante o
investigações. tratamento endodôntico pode permitir a proliferação
Também tem sido sugerido que bactérias na forma excessiva de fungos no ambiente que se tornou pobre
L desempenham um papel na doença perirradicular173. em nutrientes177,183. Outra possibilidade é a de que os
Foi reconhecido que algumas cepas bacterianas podem fungos podem ter acesso ao canal radicular através
passar por uma transição morfológica à forma L após da cavidade oral como resultado de assepsia precária
exposição a certos agentes, particularmente a penicili- durante o tratamento endodôntico ou quando dos pro-
na92. A forma L e a forma comum da bactéria podem cedimentos pós-operatórios. Foi reportado que apro-
não só aparecer individualmente ou juntas, como tam- ximadamente 20% dos pacientes com periodontite do
bém se transformar de uma variante para outra com adulto também abrigam fungos subgengivais39,179, e a
numerosos estágios intermediários e transicionais da C. albicans foi a espécie isolada mais comum67. Além
forma L, o que pode ocorrer espontaneamente ou por disso, foi demonstrado que a presença de fungos no
indução em uma forma cíclica. Sob certas condições, canal radicular está diretamente associada à sua pre-
dependendo dos fatores de resistência do hospedeiro sença na saliva47. Esses achados reforçam ainda mais a
e da virulência bacteriana, as formas L revertem para importância do uso de técnicas endodônticas e perio-
sua forma bacteriana patogênica original, podendo ser dontais assépticas, mantendo a integridade dos tecidos
responsáveis pela exacerbação aguda de lesões perirra- duros dentários e revestindo a coroa dentária assim
diculares crônicas173. que possível com uma restauração permanente bem
selada com a finalidade de prevenir a reinfecção.
Fungos (leveduras)
Vírus
A presença e a prevalência de fungos associados
Existem fortes evidências sugerindo que os vírus
à doença periodontal têm sido bem documentadas176.
têm um papel importante nas doenças endodônticas e
A colonização por leveduras associada à doença perir-
radicular foi demonstrada em dentes com cáries radi- periodontais. Em pacientes com doença endodôntica e
culares não tratadas81,201, túbulos dentinários40,165, trata- periodontal, o vírus herpes simples foi frequentemente
mentos de canais radiculares com insucesso123,133,140,183, detectado no fluido crevicular gengival e nas biópsias
ápices dos dentes com lesão perirradicular assinto- gengivais de lesões periodontais27,29. O citomegalovírus
mática110 e nos tecidos perirradiculares189. A maioria humano foi observado em cerca de 65% de amostras
dos estudos reportou que a prevalência de fungos em de bolsa periodontal e em aproximadamente 85% de
amostras do sistema de canais radiculares submetidas amostras de tecido gengival27. O vírus Epstein-Barr tipo
à cultura é variável, podendo alcançar mais de 26% em I foi observado em mais de 40% de amostras de bolsa
canais radiculares não tratados14,64,81,94,106 e 33% em casos e em cerca de 80% de amostras de tecido gengival27.
de canais radiculares tratados previamente81,123,183,185,195. Herpesvírus gengivais foram observados associados
Alguns estudos, entretanto, demonstraram uma in- a uma grande ocorrência de P. gingivalis, T. forsythia,
cidência ainda mais alta, isto é, de mais de 55%135,165. P. intermedia, Prevotella nigrescens, T. denticola e A. acti-
O fungo predominante recuperado foi a Candida albi- nomycetemcomitans, sugerindo seu papel na prolifera-
cans195, a qual foi detectada em 21% dos canais infec- ção excessiva de bactérias periodontais patogênicas99.
tados usando primers espécie-específicos direcionados A presença de vírus na polpa dental foi primeira-
para o gene do 18S rRNA14 e também mostrou a capa- mente relatada em um paciente com AIDS60. O DNA
cidade de colonizar as paredes do canal e invadir os tú- do vírus HIV também foi detectado em lesões perir-
bulos dentinários174. Outras espécies como C. glabrata, radiculares50. Entretanto, não foi estabelecido que o
C. guillermondii e C. inconspicua195 e Rhodotorula mucila- vírus HIV possa causar diretamente doença pulpar.
ginosa47 também foram detectadas. O vírus herpes simples também foi estudado em rela-
Os fatores que afetam a colonização do canal ra- ção à doença endodôntica. Entretanto, parece que, ao
dicular pelos fungos não estão totalmente entendidos. contrário do que ocorre na doença periodontal, esse
Entretanto, parece que entre os fatores predisponentes vírus não desempenha papel significativo na doença
desse processo estão as doenças imunossupressoras, endodôntica75,145. Por outro lado, outros tipos comuns
como o câncer40, certos medicamentos intracanais81, de herpesvírus humanos podem estar envolvidos nas
antibióticos locais e sistêmicos118,201 e o insucesso na doenças pulpares e perirradiculares. Foi sugerido que
terapia endodôntica prévia177,183. A redução de cepas o citomegalovírus humano e o vírus Epstein-Barr têm
898 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

um papel na patogênese das lesões perirradiculares Em meios muito hostis como nos extremamente aque-
sintomáticas156,157. Parece que a infecção ativa pode dar cidos, ácidos ou secos, esse modo de crescimento es-
origem à produção de um arranjo de citocinas e qui- tacionário é basicamente defensivo, porque as células
miocinas com o potencial de induzir imunossupressão bacterianas não são varridas para áreas onde possam
ou destruição tecidual28. A ativação de herpesvírus nas ser mortas32.
células inflamatórias perirradiculares pode prejudicar Biofilmes infecciosos são difíceis de detectar por
os mecanismos de defesa do hospedeiro e dar origem métodos diagnósticos de rotina e são basicamente tole-
à proliferação excessiva de bactérias, como observado rantes às defesas do hospedeiro e a terapias antibióti-
nas lesões periodontais. cas59. Além disso, os biofilmes facilitam a disseminação
A imunossupressão mediada pelos herpesvírus de resistência antibiótica pela promoção de transmis-
pode ser determinante nas infecções perirradiculares são horizontal de genes. Eles também são ativamente
em razão de respostas já comprometidas do hospedeiro adaptados às tensões ambientais, tais como alteração
no tecido granulomatoso116. Alterações entre períodos na qualidade nutricional, densidade celular, tempera-
prolongados de latência do herpesvírus interrompidos tura, pH e osmolaridade136. A inanição prolongada in-
por períodos de ativação podem explicar alguns episó- duz a perda do cultivo sob condições-padrão, enquan-
dios sintomáticos da doença perirradicular. A reativa- to os micro-organismos permanecem metabolicamente
ção frequente dos herpesvírus nos tecidos perirradicu- ativos e estruturalmente intactos144. Isso é considerado
lares pode ajudar na rápida destruição perirradicular, o principal motivo para o baixo índice de detecção de
e a ausência de infecção por herpesvírus ou de reati- infecções por biofilme por meio de métodos rotineiros
vação viral pode ser a razão pela qual algumas lesões de cultura. Entretanto, até agora, o exato papel dos bio-
perirradiculares se mantêm clinicamente estáveis por filmes na inter-relação das doenças endodônticas e pe-
longos períodos156. riodontais ainda não foi totalmente elucidado.

Biofilmes infecciosos Patógenos não vivos


A maioria das bactérias em praticamente todos Os patógenos não vivos podem ser extrínsecos ou
os ecossistemas naturais cresce em biofilmes, e o seu intrínsecos, dependendo de sua origem e natureza.
crescimento nos tecidos afetados é caracterizado por
comunidades envoltas em uma matriz30,31. Um biofilme Extrínsecos
é composto por aproximadamente 15% de células, for- Corpos estranhos
mando microcolônias (em volume) embebidas em 85% Os corpos estranhos geralmente estão associados
de matriz32. As microcolônias são permeadas por ca- a processos inflamatórios dos tecidos perirradiculares
nais ramificados que carregam grande quantidade de (Figs. 25-7 e 25-8). Embora as doenças endodônticas
fluido para a comunidade por fluxo de propagação42. e periodontais estejam primariamente associadas à
A composição estrutural dos biofilmes indica que es- presença de micro-organismos, a presença de certas
sas comunidades são reguladas por sinais análogos aos substâncias estranhas in situ pode explicar algumas
dos hormônios e feromônios que regulam muitas co- falhas no tratamento. Exemplos incluem raspas de
munidades celulares eucarióticas32. dentina e cemento57,80,203, amálgama99,203, materiais
A formação do biofilme tem uma sequência de obturadores endodônticos57,93,99,203, fibras de celulose
desenvolvimento que resulta na formação de uma co- das pontas de papel absorvente52,98,99, fios de retra-
munidade madura de microcolônias em forma de torre ção gengival55, alimentos leguminosos121 e depósitos
e também de cogumelo, com alguma variação entre as semelhantes a cálculos68. Uma reação de corpo estra-
espécies. A sequência de eventos geralmente envolvida nho pode ocorrer em qualquer dessas substâncias, e a
é a adesão microbiana a uma superfície, proliferação resposta clínica pode ser aguda ou crônica. Portanto,
celular, produção de matriz e destacamento59. A forma- clinicamente essas condições podem ser sintomáticas
ção do biofilme e o destacamento estão sob o controle ou assintomáticas. Microscopicamente, essas lesões
de sinais químicos que regulam e guiam a formação de demonstram a presença de células gigantes multinu-
microcolônias envoltas pela matriz e circundada pelos cleadas circundando o material estranho em um in-
canais de água32. Foi estabelecido que os biofilmes mi- filtrado inflamatório crônico. A remoção mecânica ou
crobianos constituem a estratégia de vida mais “defen- cirúrgica dos corpos estranhos geralmente consiste no
siva” que pode ser adotada por células procarióticas181. tratamento de escolha.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 899

A B

C D

Figura 25-7. Partículas de corpo estranho em uma lesão perirradicular. A. Radiografia de um incisivo central superior sintomático com uma
grande lesão perirradicular. O tratamento endodôntico foi realizado 17 anos antes. B. A cirurgia perirradicular foi realizada e o tecido perirra-
dicular submetido à análise histológica. A fotomicrografia mostra partículas de corpo estranho na presença de células gigantes. C. Maior au-
mento das partículas de corpo estranho e das células gigantes. D. Parte do corpo estranho. Quando colocado sob luz polarizada, respondeu
como substância de origem vegetal. O diagnóstico foi a presença de fragmentos de uma ponta de papel junto ao forame apical.

Intrínsecos A expressão cisto baía foi introduzida para a re-


Epitélio presentação microscópica dessa situação168, a qual é
Um dos componentes normais do ligamento perio- uma lesão inflamatória crônica que tem revestimento
dontal lateral e apical são os restos epiteliais de Malas- epitelial circundando o lúmen, o qual, contudo, possui
sez. O termo restos é enganoso, já que evoca uma visão comunicação direta com o sistema de canais radicula-
de discretas ilhas de células epiteliais. Foi demonstra- res através do forame apical (Fig. 25-9). Por outro lado,
do que esses restos são na verdade uma rede tridimen- um cisto verdadeiro, que é a conclusão da lesão epitelial
sional semelhante a uma rede de pesca entremeada por proliferativa, é uma cavidade tridimensional revestida
células epiteliais. Em muitas lesões perirradiculares, o por epitélio sem comunicação entre o lúmen e o siste-
epitélio não está presente e, portanto, presume-se que ma de canais radiculares (Fig. 25-10). Quando as lesões
tenha sido destruído164. Se os restos permanecem, po- perirradiculares são estudadas em relação ao canal ra-
dem responder a estímulos pela proliferação na ten- dicular, uma clara distinção entre essas duas entidades
tativa de emparedar os irritantes oriundos do forame deve ser estabelecida132,168.
apical. O epitélio pode estar rodeado por inflamação Tem havido alguma confusão em relação ao diag-
crônica. Essa lesão é denominada granuloma epitelial nóstico quando as lesões são estudadas apenas em
e, se não for tratada, o epitélio vai continuar proliferan- material de biópsia curetado. Uma vez que o dente
do na tentativa de bloquear a origem da irritação que não está aderido à lesão, a orientação para o ápice está
se comunica com o forame apical. perdida. Portanto, o critério usado para o diagnóstico
900 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

A B

C D

E F

Figura 25-8. Fatores etiológicos múltiplos próximos do forame apical associados ao fracasso do tratamento. A. Radiografia mostrando fra-
casso do tratamento em um segundo pré-molar superior. O dente foi tratado por reimplante intencional durante o qual a lesão perirradicular
foi removida. B. Fotomicrografia da lesão mostrando a presença de material estranho. C. Maior aumento mostra material arroxeado não
identificado e tecido muscular necrótico (“granuloma de tecido morto”). D. Uma área diferente da lesão mostrando músculo necrótico com
colônias de bactérias viáveis. E. Tecido muscular necrótico infectado por bactérias e presença de lentilhas (granuloma vegetal). F. Acompa-
nhamento radiográfico de 1 ano. O dente está assintomático. Consolidação e reparação óssea são evidentes.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 901

se comunica com o canal radicular possa ser reparado


com tratamento do canal radicular não cirúrgico.
Visto que o tratamento do canal pode afetar di-
retamente o lúmen do cisto baía, a alteração do meio
ambiente pode levar à resolução da lesão. O cisto ver-
dadeiro é independente do sistema do canal radicular e,
portanto, o tratamento do canal convencional pode não
ter um efeito sobre ele.
A formação de um cisto e sua progressão de um
cisto baía para um verdadeiro ocorre com o passar do tem-
po. Valderhaug et al.193, em estudo realizado em maca-
cos, mostraram a não formação cística até pelo menos
6 meses depois que os conteúdos do canal se tornaram
necrosados. Assim, quanto mais tempo a lesão estiver
presente, maior a probabilidade de se tornar um cisto
verdadeiro. Entretanto, a incidência de cisto verdadeiro é
Figura 25-9. Fotomicrografia mostrando um cisto baía associado a provavelmente inferior a 10%168, o que pode explicar o
um canal radicular que se abre diretamente para o interior do lúmen relativo alto índice de sucesso do tratamento não cirúr-
da lesão. gico do canal radicular em dentes associados a lesões
perirradiculares.

Colesterol
A presença de cristais de colesterol nas lesões
perirradiculares apical é um achado histopatológico
comum18,22,134,166,192. Com o tempo, os cristais de coles-
terol são dissolvidos e eliminados, deixando espaços
em forma de fendas. A incidência de fendas de coles-
terol reportada na doença perirradicular varia de 18 a
44%22,166,192. Tem sido sugerido que os cristais podem
ser formados a partir do colesterol liberado por eri-
trócitos em desintegração, presentes em vasos san-
guíneos estagnados dentro da lesão perriradicular22,
de linfócitos, plasmócitos e macrófagos que morrem
em grande quantidade e se desintegram em lesões
perirradiculares crônicas192 ou de lipídios plasmáticos
circulantes166. Entretanto, é possível que todos esses
fatores possam contribuir para o acúmulo, concentra-
Figura 25-10. Fotomicrografia de um cisto inflamatório verdadeiro ção e cristalização de colesterol em uma lesão perirra-
corado com tricrômico de Masson, mostrando uma lesão tridimen-
sional revestida por epitélio sem conexão com o sistema do canal dicular (Fig. 25-11).
radicular e com o forame apical. Tem sido sugerido que o acúmulo de cristais de
colesterol nos tecidos perirradiculares inflamados em
alguns casos pode causar o fracasso do tratamento
de um cisto é uma faixa de epitélio que parece estar endodôntico130,134. Parece que macrófagos e células gi-
revestindo a cavidade. Portanto, é provável que a cure- gantes multinucleadas que se congregam em volta dos
tagem tanto de um cisto baía quanto de um cisto verda- cristais de colesterol não são eficientes o bastante para
deiro possa levar a idêntico diagnóstico microscópico. destruir e remover os cristais completamente. Além
Um cisto baía pode ser seccionado de tal forma que pos- disso, o acúmulo de macrófagos e de células gigantes
sa lembrar ou dar a impressão de um cisto verdadeiro, ao redor das fendas de colesterol na ausência de ou-
distinção essa que pode ser importante do ponto de tras células inflamatórias, como neutrófilos, linfócitos e
vista da reparação. Pode ser que o cisto verdadeiro deva plasmócitos, sugere que os cristais de colesterol indu-
ser cirurgicamente removido, mas que o cisto baía que zem uma típica reação de corpo estranho130.
902 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

A B

Figura 25-11. Fendas de colesterol em uma lesão perirradicular. A. Fotomicrografia corada com tricrômico de Masson de um cisto com uma
espessa parede fibrosa. Embebida na parede, há uma grande coleção de fendas de colesterol. B. Maior aumento mostrando fendas vazias
onde o colesterol foi dissolvido durante a preparação histológica.

Corpúsculos de Russel sido sugerido que os corpúsculos de Russel são causa-


Os corpúsculos de Russel podem ser encontra- dos pela síntese de quantidades excessivas de proteína
dos na maioria dos tecidos inflamados por todo o or- secretória normal por certos plasmócitos envolvidos na
ganismo, inclusive nos tecidos perirradiculares (Fig. síntese ativa de imunoglobulinas. O retículo endoplas-
25-12). Eles são pequenos acúmulos esféricos de uma mático se torna amplamente distendido, produzindo,
substância eosinofílica encontrada dentro ou próximo assim, grandes inclusões eosinofílicas homogêneas33.
de plasmócitos e de outras células linfoides. A presen- Entretanto, a incidência de corpúsculos de Russel, seu
ça e a ocorrência dos corpúsculos de Russel nos teci- mecanismo de produção, bem como seu exato papel
dos orais e nas lesões perirradiculares tem sido bem na inflamação pulpar, ainda não foram completamente
documentada108,117. esclarecidos.
Estudos têm indicado a presença de corpúsculos
de Russel em cerca de 80% das lesões perirradiculares. Corpúsculos hialinos de Rushton
Recentemente, volumosos corpúsculos de Russel intra A presença de corpúsculos hialinos de Rushton é
e extracelulares também foram encontrados no tecido uma característica única de alguns cistos odontogêni-
pulpar inflamado de dentes com cárie primária184. Tem cos. Sua frequência varia de 2,6 a 9,5%6. Os corpúsculos

A B

Figura 25-12A. Fotomicrografia de uma lesão perirradicular mostrando a presença de corpúsculos de Russel. B. A eletromicrografia de
transmissão demonstra a configuração arredondada e amorfa dessas estruturas.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 903

hialinos de Rushton geralmente aparecem dentro do que eles são de natureza ceratinosa166, de origem hema-
revestimento epitelial ou no interior do lúmen cístico togênica79, um produto secretório especializado do epi-
(Fig. 25-13). Eles possuem uma variedade de aspec- télio odontogênico126 ou de eritrócitos degenerados49.
tos morfológicos incluindo estruturas lineares (retas Alguns autores sugerem que os corpúsculos hialinos
ou curvas), irregulares, arredondadas e policíclicas, ou de Rushton são materiais remanescentes de um proce-
podem aparecer de forma granular6,49. dimento cirúrgico prévio120. Ainda não está claro por
A natureza exata dos corpúsculos hialinos de que a maioria dos corpúsculos hialinos de Rushton se
Rushton não é completamente entendida. Foi sugerido forma no interior do epitélio.

Cristais de Charcot-Leyden
Os cristais de Charcot-Leyden são cristais origi-
nariamente hexagonais e bipiramidais, derivados de
grânulos intracelulares de eosinófilos e basófilos2,185,198.
Sua presença, na maioria das vezes, está associada ao
aumento do número de eosinófilos no sangue periféri-
co ou nos tecidos, nas doenças parasitárias, alérgicas,
neoplásicas e inflamatórias2,104,185. Tem sido reportado
que os macrófagos têm um importante papel na forma-
ção dos cristais de Charcot-Leyden em vários proces-
sos patológicos46. Cristais de Charcot-Leyden e eosinó-
A filos danificados têm sido observados no interior dos
macrófagos24,46,104. Tem sido proposto que as proteínas
dos cristais de Charcot-Leyden, após a desgranulação
dos eosinófilos, podem ser fagocitadas para o interior
da membrana acidificada ligada aos lisossomos104. Em
algum momento, a proteína dos cristais de Charcot-
Leyden começa a se cristalizar, formando discretas
partículas que com o tempo aumentam de volume e
densidade. Por fim, esses cristais seriam liberados via
exocitose fagossomal ou pela perfuração da membrana
do fagossoma e do citoplasma do macrófago, ficando
livres no estroma tecidual.
Achados recentes sustentam a teoria de que os
B
macrófagos ativados têm um papel na formação dos
cristais de Charcot-Leyden167. Além disso, a presença
de cristais de Charcot-Leyden pode ser detectada no
interior da lesão perirradicular que não se resolveu
após o tratamento endodôntico convencional (Fig. 25-
14). Embora o papel biológico e patológico dos cristais
de Charcot-Leyden nas doenças endodônticas e perio-
dontais ainda seja desconhecido, eles podem estar en-
volvidos em alguns casos de fracasso do tratamento.

 FATORES CONTRIBUINTES
Tratamento endodôntico deficiente
C
Procedimentos e técnicas endodônticas corretas
Figura 25-13A. Fotomicrografia mostrando corpúsculos de Rushton
são fatores-chave para o sucesso do tratamento. Duran-
no revestimento epitelial de um cisto perirradicular. B e C. Maior au- te a avaliação do índice de retenção dos dentes tratados
mento demonstrando o pleomorfismo desses corpúsculos. endodonticamente foi demonstrado que o tratamento
904 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

A B C

D E

F G

Figura 25-14. Cristais de Charcot-Leyden em uma lesão perirradi-


cular. A. Incisivo lateral superior com polpa necrosada e lesão pe-
rirradicular. B. Nove meses após tratamento endodôntico, o dente
ainda estava sintomático e a lesão maior. C. Foi realizada cirurgia
perirradicular, e a lesão foi submetida à análise microscópica. Foto-
micrografia corada com HE mostra somente infiltrado inflamatório
agudo e crônico. D, F e H. Coloração de May-Grunwald-Giemsa re-
H vela a presença de cristais de Charcot-Leyden. E e G. A luz polariza-
da demonstra refração dos cristais de Charcot-Leyden.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 905

endodôntico não cirúrgico é um procedimento previsí- do canal radicular tratado. Portanto, a falta de revesti-
vel com um excelente prognóstico a longo prazo105,150,158. mento coronário após o tratamento endodôntico pode
É imperativo que o sistema de canal radicular seja comprometer de maneira significativa o prognóstico
completamente limpo, modelado e obturado para que do dente158. Então, é essencial que o sistema de canais
sejam obtidos resultados satisfatórios. O tratamento radiculares seja protegido por uma boa obturação en-
endodôntico incorreto permite a reinfecção, o que fre- dodôntica e uma adequada restauração coronária. To-
quentemente leva ao insucesso no tratamento141. davia, mesmo os materiais restauradores permanentes
As falhas endodônticas podem ser tratadas, tanto nem sempre podem evitar a infiltração coronária200.
por retratamento quanto por cirurgia perirradicular, Coroas totais cimentadas63,199, bem como coroas adesi-
com bons índices de sucesso. Parece que o índice de vas à dentina138, também mostram infiltração.
sucesso é semelhante ao do tratamento endodôntico Uma revisão da literatura74 examinou os fatores
convencional inicial se a causa do fracasso for adequa- associados ao prognóstico de dentes tratados endodon-
damente diagnosticada e corrigida16. Nos últimos anos, ticamente a longo prazo. Os achados indicaram que: 1) o
as técnicas de retratamento e cirurgia melhoraram dra- preparo para pinos e a cimentação devem ser realizados
maticamente devido ao uso de microscópio e ao desen- sob isolamento absoluto; 2) o espaço para pinos deve ser
volvimento de novos equipamentos. preparado com um instrumento aquecido; 3) um míni-
mo de 3mm de material obturador deve permanecer no
canal; 4) o espaço para pinos deve ser irrigado e prepa-
Restauração deficiente rado da mesma forma que durante o tratamento do ca-
A infiltração coronária é uma causa importante nal radicular; 5) as restaurações bem adaptadas devem
de fracasso do tratamento endodôntico. Os canais radi- ser colocadas tão logo possível após o tratamento endo-
culares podem ser recontaminados por micro-organis- dôntico; 6) o retratamento endodôntico deve ser con-
mos em razão da demora na colocação de uma restau- siderado para dentes com o selamento coronário com-
ração coronária e da fratura da restauração coronária prometido por mais de 3 meses74. Levando esses fatores
e/ou do dente160. Madison e Wilcox113 observaram que em consideração, muitas complicações endodônticas e
a exposição dos canais radiculares ao meio oral permi- periodontais podem e devem ser prevenidas.
tia a ocorrência de infiltração coronária, atingindo em
alguns casos toda a extensão do canal radicular. Ray Trauma
e Trope143 reportaram que dentes com obturações en-
dodônticas adequadas e restaurações coronárias de- O trauma aos dentes e ao osso alveolar pode en-
feituosas tinham uma incidência maior de fracasso do volver a polpa e o ligamento periodontal. Ambos os
que dentes com obturação inadequada e restaurações tecidos podem ser afetados direta ou indiretamente.
adequadas. Os dentes onde tanto as obturações do As injúrias dentárias podem tomar várias formas, mas
canal radicular quanto as restaurações eram adequa- geralmente podem ser classificadas como fraturas de
das apresentavam apenas 9% de fracasso, enquanto os esmalte, fraturas coronárias sem envolvimento pulpar,
dentes nos quais tanto as obturações do canal radicular fraturas coronárias com envolvimento pulpar, fratura
quanto as restaurações eram defeituosas apresentavam coroa-raiz, fratura radicular, luxação e avulsão11. O
cerca de 82% de fracasso143. Saunders e Saunders159 tratamento do dente acometido por traumatismo va-
mostraram que a infiltração coronária era um proble- ria dependendo do tipo de injúria e irá determinar o
ma clínico significativo em molares obturados. Em um prognóstico da reparação da polpa e do ligamento pe-
estudo in vitro, eles observaram que a compactação do riodontal10.
excesso de guta-percha e cimento sobre o assoalho da
câmara pulpar, após a conclusão da obturação do ca- Fratura de esmalte
nal, não oferecia um melhor selamento dos canais ra- Envolve apenas o esmalte e inclui lasca do es-
diculares. Portanto, é recomendável que o excesso de malte e fraturas incompletas ou fissuras do esmalte. O
obturação de guta-percha seja removido até o nível dos tratamento geralmente inclui polimento e alisamento
orifícios do canal e que o assoalho da câmara pulpar das margens irregulares ou restauração da estrutura de
seja protegido com um material restaurador com uma esmalte perdida. Em casos onde somente o esmalte foi
boa capacidade seladora159. envolvido, a polpa geralmente mantém sua vitalidade
A restauração coronária é a primeira barreira con- e é bom o prognóstico tanto para a polpa quanto para
tra a infiltração coronária e a contaminação bacteriana o periodonto.
906 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

Fratura coronária sem envolvimento pulpar um defeito periodontal ou uma fístula está associado
Essa é uma fratura sem complicações que envolve à raiz fraturada. Radiograficamente, uma fratura radi-
esmalte e dentina sem exposição pulpar. O tratamen- cular pode ser visualizada somente se o feixe de raios
to pode incluir restauração com resina composta ou a X passar pela linha de fratura. Fraturas radiculares
colagem do fragmento fraturado. Tem sido relatado horizontais e oblíquas são mais fáceis de se detectar
que a colagem de fragmentos coronários de dentina e radiograficamente enquanto o diagnóstico de fraturas
esmalte é uma possibilidade conservadora para a res- radiculares verticais é mais desafiador. Uma tecnolo-
tauração da coroa8. O prognóstico para a polpa e para gia avançada de imagem pode se mostrar benéfica para
o periodonto é bom. fins diagnósticos129.
O tratamento, quando possível, geralmente inclui
Fratura coronária com envolvimento pulpar reposição do segmento coronário e estabilização por
esplintagem11. Um splint flexível usando fio ortodônti-
Essa é uma fratura complicada que envolve es-
co ou de nailon afixado com resina composta e ataque
malte e dentina e exposição da polpa. A extensão da
ácido por períodos acima de 12 semanas irá intensificar
fratura ajuda a determinar os tratamentos pulpares
o reparo pulpar e periodontal7. Os dentes com raízes
e restauradores necessários11. Uma pequena fratura
fraturadas não requerem necessariamente o tratamen-
pode indicar tratamento conservador pulpar segui-
to do canal radicular se a reparação ocorrer sem evi-
do por restauração com resina composta e ataque
dência de doença pulpar204.
ácido. Uma fratura mais extensa pode requerer pul-
pectomia parcial ou tratamento endodôntico con-
Luxações
vencional.
Essa categoria envolve diferentes tipos de injúrias
O estágio de maturação dentária é um fator im-
e deslocamento dentário, incluindo concussão, sublu-
portante na escolha entre a pulpectomia parcial ou to-
xação, luxações extrusivas, laterais e intrusivas. Geral-
tal11. A quantidade de tempo decorrido a partir da in-
mente, quanto mais grave é a luxação, maior é o dano
júria geralmente afeta o prognóstico da polpa. Quanto
ao periodonto e à polpa dental11.
mais cedo o dente é tratado, melhor é o prognóstico.
Nas concussões, o dente está apenas sensível à
percussão. Não há aumento na mobilidade e não são
Fraturas de coroa-raiz
observadas alterações radiográficas. A polpa pode
Essas fraturas geralmente são oblíquas e envol- responder normalmente aos testes de vitalidade e
vem tanto a coroa quanto a raiz. Elas incluem esmal- geralmente não há necessidade de tratamento ime-
te, dentina e cemento, podendo incluir ou não a pol- diato11.
pa. As fraturas de coroa-raiz podem afetar molares e Nas subluxações, os dentes estão sensíveis à per-
pré-molares assim como dentes anteriores. A fratura cussão e também apresentam mobilidade. Geralmente
da cúspide que se estende para a região subgengival o sangramento sulcular é observado, indicando dano
é um achado comum que geralmente apresenta desa- ao ligamento periodontal. Os achados radiográficos
fio diagnóstico e clínico11. O tratamento depende da não são marcantes e a polpa pode responder normal-
gravidade da fratura e pode variar desde a remoção mente aos testes de vitalidade11. Geralmente, não há
do fragmento do dente fraturado e restauração apenas necessidade de tratamento para as subluxações meno-
até o tratamento endodôntico, tratamento periodontal res. Se a mobilidade for grave, será necessária a estabi-
e/ou procedimentos cirúrgicos. Algumas vezes o prog- lização do dente.
nóstico é ruim e o dente precisa ser extraído. Devido à Em luxações extrusivas, os dentes foram parcial-
complexidade dessa injúria, uma equipe de abordagem mente deslocados do alvéolo, e uma maior mobilidade
que inclua endodontistas, periodontistas, ortodontistas é observada. As radiografias também mostram deslo-
e protesistas é altamente recomendável11. camento. A polpa geralmente não responde aos testes
de vitalidade e requer tratamento do canal radicular11.
Fraturas radiculares O dente requer reposição e esplintagem geralmente
Esses tipos de fratura, que envolvem tipicamen- por um período de 2 a 3 semanas.
te cemento, dentina e polpa, podem ser horizontais Em luxações laterais, o dente foi deslocado do
ou transversas. Clinicamente, as fraturas radiculares seu longo eixo. A sensibilidade à percussão pode es-
podem causar com frequência mobilidade dos dentes tar presente ou não. Um som metálico à percussão
envolvidos, assim como dor à mastigação. Geralmente, indica que a raiz foi empurrada para dentro do osso
Inter-relação Endodontia e Periodontia 907

alveolar11. O tratamento inclui reposição e esplinta- Reabsorção radicular transitória


gem. As luxações laterais que envolvem fraturas ós- A reabsorção radicular transitória, ou reabsorção
seas geralmente requerem períodos de esplintagem por remodelação, é um processo reparativo que ocorre
de mais de 8 semanas. A terapia endodôntica deve em resposta a um trauma menor aos dentes normal-
ser realizada somente quando foi estabelecido um mente funcionais. Microscopicamente, são observadas
diagnóstico definitivo de pulpite irreversível ou de pequenas áreas de reabsorção cementária e dentinária.
necrose pulpar. Esse fenômeno não apresenta um problema clínico e
Durante as luxações intrusivas, os dentes são pode ser observado apenas microscopicamente.
empurrados para dentro de seus alvéolos em direção
axial. Eles apresentam pouca mobilidade e se asseme-
Reabsorção induzida por pressão
lham à anquilose11. O tratamento depende do estágio
A reabsorção das raízes de um dente decíduo pelo
de desenvolvimento radicular. Se a raiz não estiver
dente sucessor é um exemplo típico desse tipo de rea-
completamente formada e apresentar o ápice aberto, o
bsorção. A raiz decídua é reabsorvida sem infecção e
dente pode reerupcionar. Nesses casos, o tratamento
geralmente sem inflamação. Se um dente sucessor não
do canal radicular não é necessário, já que a polpa pode
estiver presente abaixo do dente decíduo, a reabsorção
se revascularizar7. Se o dente estiver totalmente desen-
geralmente fica atrasada ou ausente.
volvido, com rizogênese completa, a extrusão ativa é
As impacções dentárias também podem gerar
indicada. Nesses casos, o tratamento do canal radicular
uma pressão sobre as raízes, causando reabsorção.
é indicado, já que a necrose pulpar se desenvolve na
Uma vez removida a força da pressão, cessa o processo
maioria dos casos7.
de reabsorção. De forma semelhante, as lesões expan-
sivas que exercem pressão – por exemplo, tumores ou
Avulsão
cistos – podem causar reabsorção radicular. A remoção
Em casos de avulsão, o dente é totalmente deslo-
da lesão irá interromper o processo de reabsorção. Esse
cado para fora de seu alvéolo. Se o dente for reimplan-
tipo de reabsorção geralmente é assintomático, a me-
tado logo após a avulsão, o ligamento periodontal tem
nos que ocorra infecção secundária.
uma boa chance de reparação11. O tempo extra-alveolar
A pressão iatrogênica, como movimentos orto-
e o meio de armazenamento usado para o transporte
dônticos excessivos, também pode causar reabsorção
do dente são fatores críticos para o sucesso do reim-
radicular. Dependendo de sua natureza, essas forças
plante. O tratamento do canal radicular até 10 dias a
podem causar arredondamento e áreas de reabsorção
partir da injúria e o grau de recuperação das células
ao longo das superfícies radiculares. A reabsorção ces-
do ligamento periodontal irão determinar o sucesso a
sará, uma vez removido o estímulo.
longo prazo.

Reabsorção radicular quimicamente induzida


Reabsorções
Certos agentes químicos usados em Odontologia
A reabsorção radicular é uma condição associada têm um potencial de causar reabsorção radicular. Rela-
tanto a um processo fisiológico quanto a um processo tos clínicos têm demonstrado que o clareamento coroná-
patológico, que resulta na perda de dentina, cemento rio com alta concentração de agentes oxidantes, como o
e/ou osso1. Apesar de uma vasta literatura existente peróxido de hidrogênio a 30-35%, pode induzir a reab-
sobre o assunto, esse processo complexo apresenta sorção radicular35,56,69,73,77,112,149. O irritante químico pode
ainda alguma confusão, principalmente por causa das se difundir através dos túbulos dentinários, e quando
inúmeras classificações usadas. Portanto, a seguinte combinado com calor pode haver necrose do cemen-
classificação é sugerida: reabsorção radicular não in- to, inflamação do ligamento periodontal e subsequen-
fecciosa e reabsorção radicular infecciosa. temente reabsorção radicular112,152,153. É provável que o
processo seja reforçado na presença de bactérias35,76. A
Reabsorção radicular não infecciosa ocorrência de injúria traumática prévia e pacientes jo-
Esse processo ocorre como resultado de uma res- vens são possíveis fatores predisponentes69.
posta tecidual a um estímulo não microbiano nos te-
cidos afetados, o que inclui reabsorção radicular tran- Reabsorção radicular por substituição
sitória, reabsorção radicular induzida por pressão e re- A reabsorção radicular por substituição, ou an-
absorção por substituição. quilose, ocorre após necrose extensa do ligamento
908 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

periodontal com a formação de osso sobre a área des- é detectado somente ao exame radiográfico de rotina.
nuda da superfície radicular188. Essa condição é obser- Onde a lesão é visível, os aspectos clínicos variam de
vada com mais frequência como uma complicação das um pequeno defeito na margem gengival até uma des-
luxações, especialmente em dentes avulsionados que coloração rósea da coroa dentária70. Radiograficamen-
tenham ficado fora de seus alvéolos em condições secas te, a lesão varia de uma radiolucidez bem delimitada
por várias horas. a uma radiolucidez de bordas irregulares. Uma linha
Certos procedimentos periodontais têm sido re- radiopaca característica geralmente separa a imagem
latados como indutores da reabsorção radicular por da lesão da imagem do canal radicular, porque a pol-
substituição114. O potencial para a reabsorção por subs- pa se mantém protegida por uma fina camada de pré-
tituição também foi associado ao reparo de lesões pe- dentina até o fim do processo70.
riodontais90. O tecido de granulação derivado do osso A etiologia da reabsorção cervical invasiva não é
ou do tecido conjuntivo gengival pode induzir a rea- totalmente entendida. Entretanto, parece que fatores
bsorção radicular e anquilose. Parece que a incapaci- predisponentes potenciais são as injúrias traumáti-
dade de formar tecido conjuntivo de inserção sobre a cas, tratamento ortodôntico e clareamento coronário
superfície desnuda da raiz é a responsável. As únicas com agentes oxidantes altamente concentrados71,149. O
células do periodonto que parecem ter a capacidade tratamento da condição apresenta problemas clínicos
de fazer isso são as células do ligamento periodontal21. porque o tecido reabsorvido é altamente vascular e a
Em geral, se menos de 20% da superfície radicular está hemorragia resultante pode impedir a visualização e
envolvida, pode ocorrer a reversão da anquilose9. Caso comprometer a colocação da restauração72. O sucesso
contrário, os dentes anquilosados são incorporados ao no tratamento depende da remoção completa ou da
osso alveolar e se tornam parte do processo normal de inativação do tecido reabsorvido. É difícil obter su-
remodelação óssea. Esse é um processo gradual e a ve- cesso nas lesões mais avançadas caracterizadas por
locidade pela qual os dentes são substituídos por osso uma série de pequenos canais geralmente interligan-
varia dependendo principalmente da taxa metabólica do o ligamento periodontal apical à lesão principal.
do paciente. Na maioria dos casos, pode levar anos an- Na maioria dos casos, é necessária a cirurgia para
tes que a raiz seja completamente reabsorvida. ter acesso ao defeito da reabsorção e frequentemente
Clinicamente, a reabsorção radicular por substi- pode haver perda do osso e do periodonto de inser-
tuição é diagnosticada quando a falta de mobilidade ção. A aplicação tópica de solução aquosa de ácido
dos dentes anquilosados é determinada9. Os dentes tricloroacético a 90%, curetagem e selamento do de-
também irão apresentar um som metálico à percus- feito obteve sucesso em muitos casos72. Parece que o
são, e após um período ficarão em infraoclusão. Ra- ácido tricloroacético a 90% tem um efeito amolecedor
diograficamente, a ausência do espaço do ligamento sobre os tecidos duros dos dentes109. Grandes defeitos
periodontal é evidente e a invaginação de osso na raiz associados a estágios avançados dessa condição têm
irá apresentar uma aparência característica de “roído prognóstico ruim.
de traça”188. A reabsorção radicular por substituição e a reab-
sorção radicular invasiva extracanal têm sido classifi-
Reabsorção radicular invasiva extracanal cadas separadamente na literatura. Entretanto, a um
A reabsorção radicular invasiva extracanal é uma olhar mais atento elas parecem ser bastante semelhan-
forma relativamente incomum de reabsorção radicu- tes. Histologicamente, o cemento e a dentina são in-
lar70-72. Ela se caracteriza por uma localização cervical vadidos e reabsorvidos por um tecido não inflamado.
e natureza invasiva. A invasão da região cervical da Mais tarde, um tecido duro semelhante ao osso é depo-
raiz é predominada por tecido fibrovascular derivado sitado da superfície de dentina reabsorvida, levando à
do ligamento periodontal. O processo reabsorve pro- anquilose.
gressivamente o cemento, o esmalte e a dentina, po-
dendo, mais tarde, envolver o espaço pulpar. Pode não Reabsorção radicular infecciosa
haver sinais ou sintomas a menos que a reabsorção Esse processo ocorre devido à resposta vascular
esteja associada à infecção pulpar ou periodontal. A aos micro-organismos que invadem os tecidos afeta-
invasão bacteriana secundária para o interior da polpa dos. Pode ocorrer tanto no interior do espaço do canal
ou do espaço do ligamento periodontal causará uma radicular (reabsorção interna) quanto na superfície
inflamação dos tecidos acompanhada de dor. Entretan- externa da raiz (reabsorção externa). Na polpa, esse
to, frequentemente, o defeito causado pela reabsorção processo está associado a uma resposta inflamatória
Inter-relação Endodontia e Periodontia 909

que progride até que a polpa se torne necrosada. Ge- dessas lesões geralmente é inevitável e o prognóstico
ralmente isso também é acompanhado por uma infla- é excelente190.
mação perirradicular. Praticamente, quase todos os
dentes com lesão perirradicular exibirão certo grau
de reabsorção radicular44. Essa pode estar localizada
Perfurações
tanto na região apical quanto na face lateral da raiz, As perfurações radiculares são complicações clí-
mas ocorre com mais frequência no ápice. Durante os nicas indesejáveis que podem levar ao insucesso no
estágios iniciais, a reabsorção não pode ser identifi- tratamento. Quando a perfuração ocorre, as comuni-
cada radiograficamente; entretanto, ela é evidente em cações entre o sistema de canais radiculares com os te-
cortes histológicos. Se sua progressão for permitida, o cidos perirradiculares ou com a cavidade oral podem
processo de reabsorção pode destruir a raiz inteira. Se restringir o prognóstico do tratamento. As perfurações
for detectada e tratada precocemente, o prognóstico é radiculares podem resultar de extensas lesões por cá-
bom. A remoção do tecido pulpar infectado e a obtu- rie, reabsorção ou de acidentes operatórios que ocor-
ração do sistema do canal radicular são o tratamento ram durante a instrumentação do canal radicular ou a
de escolha34,178. preparação para pinos101,187.
Em alguns casos ocorre um processo de reabsorção O prognóstico do tratamento das perfurações radi-
radicular interno como resultado da atividade de célu- culares depende do tamanho, da localização, do tempo
las gigantes multinucleadas em uma polpa inflamada. de diagnóstico e tratamento, do grau do dano periodon-
A origem dessa condição não é totalmente entendida, tal, bem como da capacidade de selamento e da biocom-
mas parece estar relacionada com a inflamação pulpar patibilidade do material de reparo58. Foi reconhecido que
crônica associada à infecção do espaço pulpar coroná- o sucesso do tratamento depende principalmente do se-
rio196. Essa reabsorção ocorrerá apenas na presença de lamento imediato da perfuração e do controle de infec-
tecido de granulação e se a camada odontoblástica e a ção apropriado. Alguns materiais têm sido recomenda-
pré-dentina forem afetadas ou perdidas188,197. Quando dos para selar as perfurações radiculares que incluem,
confinadas apenas ao espaço dos canais radiculares, as entre outros, MTA, Super EBA, Cavit, IRM, cimentos de
implicações sobre o ligamento periodontal são míni- ionômero de vidro, compósitos e amálgama41,86,107,137,146.
mas. Entretanto, caso o defeito de reabsorção perfure Atualmente, o MTA é o mais usado.
as paredes da dentina, aparecerão complicações perio- Uma modalidade de tratamento excelente e con-
dontais. servadora para perfurações, reabsorções radiculares
A etiologia desse tipo de reabsorção é geralmente e certas fraturas radiculares é a extrusão radicular
um trauma196. Foi sugerido que o calor extremo pode controlada171. O procedimento tem bom prognóstico
ser uma possível causa para esse tipo de reabsorção190. e baixo risco de recidiva, e sua versatilidade tem sido
Portanto, o clínico deve usar soluções irrigadoras su- demonstrada em várias situações clínicas51,180,194. Ele
ficientes quando estiver realizando raspagem radicu- pode ser realizado imediatamente ou em um período
lar com aparelhos de ultrassom, bem como quando de algumas semanas, dependendo de cada caso. O ob-
estiver utilizando cauterização durante procedimen- jetivo da extrusão radicular controlada é modificar os
tos cirúrgicos. tecidos moles e o osso, e, portanto, é usada para corri-
A reabsorção radicular interna geralmente é as- gir discrepâncias gengivais e defeitos ósseos de dentes
sintomática e diagnosticada durante um exame ra- envolvidos periodontalmente180. Também é usado no
diográfico de rotina. O diagnóstico precoce é crítico tratamento de dentes não restauráveis.
para prognóstico. O aspecto radiográfico do defeito O objetivo da erupção forçada em dentes trata-
da reabsorção mostra um contorno distorcido do ca- dos e comprometidos protética e endodonticamente
nal radicular. Geralmente um defeito arredondado é permitir a restauração do defeito localizado abaixo
ou oval no espaço do canal radicular é observado. da crista óssea por meio da movimentação do defeito
Na maioria dos casos não ocorre a reabsorção do até um ponto onde o acesso não seja mais um proble-
osso adjacente, a menos que grandes extensões da ma170. Em todos os casos, a inserção epitelial perma-
polpa se tornem infectadas. Histologicamente se ob- nece no nível da junção amelocementária. A erupção
serva geralmente a presença de tecido pulpar de gra- forçada também se apresenta uma boa alternativa para
nulação associado a células gigantes multinucleadas o aumento de coroa clínica, já que previne alterações
e necrose da polpa mais coronária. Quando diagnos- estéticas e redução desnecessária do suporte ósseo dos
ticadas em estágio inicial, o tratamento endodôntico dentes adjacentes.
910 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

Malformações de desenvolvimento rúrgico dos tecidos moles e osso adjacente. Um caso


clínico usando Emdogain como tratamento coadju-
Os dentes com malformações de desenvolvimento
vante foi recentemente descrito5. Os sulcos radiculares
tendem a falhar na resposta ao tratamento quando di-
são bolsas infraósseas autossustentáveis e por isso o
retamente associados a uma invaginação ou a um sulco
selamento e o alisamento radicular não serão suficien-
radicular vertical do desenvolvimento. Tais condições
tes. Embora a natureza aguda do problema possa ser
podem levar a uma complicação periodontal intratá-
aliviada inicialmente, a fonte de inflamação crônica
vel. Esses sulcos geralmente começam na fossa central
ou aguda deve ser erradicada por uma abordagem ci-
dos incisivos centrais e laterais superiores cruzando o
rúrgica. Ocasionalmente, o dente precisará ser extraído
cíngulo e continuando apicalmente em direção à raiz devido a um prognóstico ruim.
por distâncias variáveis. Esse sulco provavelmente é o
resultado de uma tentativa do germe dentário de for-
mar outra raiz. Na medida em que a inserção epitelial  DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
permanece intacta, o periodonto se mantém saudável.
Para o diagnóstico diferencial e para fins de trata-
Entretanto, uma vez que essa inserção é rompida e o
mento, as chamadas “lesões endoperio” são mais bem
sulco se torna contaminado, uma bolsa infraóssea au-
classificadas como doenças endodônticas, periodontais
tossustentável pode ser formada ao longo de toda sua
ou combinadas151. Essas incluem: doenças endodônticas
extensão. Esse canal semelhante a uma fissura propor-
primárias, doenças periodontais primárias e doenças
ciona um foco para o acúmulo de biofilme bacteriano e
combinadas. As doenças combinadas incluem: doença
uma via de progressão da doença periodontal que tam-
endodôntica primária com envolvimento periodontal
bém pode afetar a polpa. Radiograficamente, a área de
secundário, doença periodontal primária com envolvi-
destruição óssea segue o curso do sulco5.
mento endodôntico secundário e doenças verdadeiras
Do ponto de vista diagnóstico, o paciente pode
combinadas.
apresentar sintomas de um abscesso periodontal ou
Essa classificação se baseia nas vias teóricas que
uma variedade de condições endodônticas assinto-
explicam como essas lesões são formadas. Pela com-
máticas. Se a condição for puramente periodontal, ela
preensão da patogênese, o clínico pode então sugerir
pode ser diagnosticada acompanhando visualmente o
um curso de tratamento apropriado e avaliar o prog-
sulco até a margem gengival e sondando a profundi-
nóstico. Uma vez que as lesões progridem para seu
dade da bolsa, que geralmente é tubular em sua forma
envolvimento final, elas apresentam um quadro radio-
e se encontra localizada nessa única área, o contrário
gráfico semelhante, e o diagnóstico diferencial se torna
do que ocorre em um problema periodontal mais ge-
um maior desafio.
neralizado. O dente responderá aos testes pulpares. A
destruição óssea que acompanha o sulco verticalmente
pode estar aparente radiograficamente. Se essa condi- Doenças endodônticas primárias
ção estiver associada à doença endodôntica, o paciente Uma exacerbação aguda de uma lesão perirra-
pode se apresentar clinicamente com alguns sintomas dicular crônica em um dente com a polpa necrosada
endodônticos. pode drenar coronariamente através do ligamento pe-
O prognóstico do tratamento do canal radicular riodontal para o interior do sulco gengival. Essa condi-
nesses casos é duvidoso e depende da extensão apical ção pode imitar clinicamente a presença de um absces-
do sulco. O clínico deve procurar o sulco, já que ele so periodontal. Na realidade, trata-se de uma fístula de
pode ter sido alterado por um acesso prévio ou por origem pulpar que se abre na área do ligamento perio-
uma restauração colocada na cavidade de acesso. O dontal. Para fins diagnósticos é essencial para o clínico
aspecto de uma área em forma de gota na radiogra- inserir um cone de guta-percha, ou outro instrumento
fia deve imediatamente levantar suspeitas. O sulco do explorador, no interior da fístula e tomar uma ou mais
desenvolvimento pode de fato estar visível na radio- radiografias para determinar a origem da lesão. Quan-
grafia. Caso isso ocorra, ele aparecerá como uma linha do a bolsa é sondada, ela fica estreita e sem amplitude.
vertical escura. Essa condição deve ser diferenciada de Uma situação semelhante ocorre onde a drenagem do
uma fratura vertical, que pode apresentar um aspecto ápice de um molar se estende coronariamente para a
radiográfico semelhante. área de furca, o que também pode ocorrer na presença
O tratamento consiste em desgastar o sulco com de canais laterais que se estendam de uma polpa necro-
uma broca, aplicando substitutos ósseos, e manejo ci- sada para a área de furca151.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 911

A B

Figura 25-15. Doença en-


dodôntica primária em um
primeiro molar inferior com
polpa necrosada. A. Radio-
grafia pré-operatória mos-
trando radiolucidez perirradi-
cular associada à raiz distal. B.
Clinicamente, uma lesão pe-
riodontal profunda estreita e
vestibular pode ser sondada.
C. Um ano após a terapia do
canal radicular, a resolução
da radiolucidez óssea perirra-
dicular é evidente. D. Clinica-
C D mente, a lesão se reparou e a
sondagem está normal.

As doenças endodônticas primárias geralmente gráfico da doença periodontal associada às anomalias


se reparam após o tratamento do canal radicular (Fig. radiculares de desenvolvimento (Fig. 25-18).
25-15). A fístula que se estende para o sulco gengival
ou para a área de furca desaparece em um estágio ini- Doenças combinadas
cial, desde que a polpa necrosada afetada tenha sido
Doença endodôntica primária com envolvimento
removida e os canais radiculares estejam bem limpos,
periodontal secundário
modelados e obturados151.
Se após um período uma doença endodôntica
primária supurativa não é tratada, ela pode se tornar
Doenças periodontais primárias
secundariamente envolvida com uma lesão periodon-
Essas lesões são causadas primariamente por tal marginal (Fig. 25-19). A placa se forma na margem
patógenos periodontais. Nesse processo, a perio- gengival da fístula e leva a uma periodontite marginal.
dontite marginal crônica progride apicalmente ao Quando a placa ou o cálculo estão presentes, o trata-
longo da superfície radicular. Na maioria dos casos, mento e o prognóstico do dente são diferentes do prog-
os testes pulpares revelam uma reação clinicamente nóstico dos dentes envolvidos apenas com uma doença
normal (Figs. 25-16 e 25-17). Frequentemente ocorre endodôntica primária. Nesse momento, o dente requer
um acúmulo de placa e cálculo, e as bolsas são mais tratamento endodôntico e periodontal. Se o tratamento
amplas. endodôntico for adequado, o prognóstico vai depen-
O prognóstico depende do estágio da doença pe- der da gravidade da lesão periodontal marginal e da
riodontal e da eficácia do tratamento periodontal. O eficácia do tratamento periodontal. Somente com o
clínico também deve estar inteirado do aspecto radio- tratamento endodôntico, apenas parte da lesão irá se
912 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

Figura 25-16. Doença periodontal pri-


mária em um segundo molar inferior.
O paciente foi encaminhado para trata-
mento endodôntico. A. Radiografia pré-
B operatória mostrando radiolucidez perir-
radicular; entretanto, o dente respondia
normalmente aos testes de sensibilidade
pulpar. O dentista para o qual o paciente
foi encaminhado insistia que o tratamento
endodôntico deveria ser realizado. B. Fo-
tomicrografia do tecido pulpar removido
durante o tratamento. Notar a aparência
normal da polpa. C. Maior aumento mos-
tra componentes celulares normais, bem
como microvascularização sanguínea. D.
Radiografia pós-operatória. O dente foi
subsequentemente perdido por doença
C D
periodontal.

Figura 25-17. Lesão perio-


dontal primária simulando
uma lesão endodôntica.
A. Radiografia do primeiro
molar inferior mostrando
radiolucidez perirradicular
e reabsorção radicular. B e
C. Vista lingual e vestibular
do dente afetado. Notar
a tumefação gengival e a
evidência de doença pe-
riodontal. Além disso, uma
A B
restauração oclusal está
presente próxima à câmara
pulpar. Apesar da imagem
clínica e radiográfica, a pol-
pa respondia normalmente
aos testes de vitalidade in-
dicando que a radiolucidez,
a reabsorção e a tumefação
gengival eram de origem
periodontal. D. Fotomicro-
grafia corada com HE mos-
trando o assoalho da câma-
ra pulpar e a entrada do ca-
C D nal mesial contendo tecido
pulpar normal.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 913

A B

C D

E F

G H

Figura 25-18. Doença periodontal primária em um segundo pré-molar superior. A. Radiografia mostrando perda de osso alveolar e uma
lesão perirradicular. Clinicamente, uma bolsa profunda e estreita foi observada na face mesial da raiz. Não havia evidência de cárie e o dente
respondia normalmente aos testes de sensibilidade pulpar. B. Radiografia mostrando o trajeto da bolsa para região apical com um cone
de guta-percha. Foi decidido extrair o dente. C. Imagem clínica do dente extraído com a lesão aderida. Notar sulco do desenvolvimento
profundo na face mesial radicular. D. Fotomicrografia do ápice do dente com a lesão aderida. E e F. Maior aumento mostra a lesão inflama-
tória, reabsorção de cemento e dentina e osteoclastos. G e H. Cortes histológicos da câmara pulpar mostram polpa não inflamada, camada
odontoblástica e pré-dentina intacta.
914 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

A B C

Figura 25-19. Doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário em um primeiro molar inferior. A. Radiografia pré-
operatória demonstrando defeito inter-radicular se estendendo até a região apical da raiz mesial. B. Radiografia tirada ao final do tratamento
do canal radicular. C. Acompanhamento radiográfico de 1 ano mostrando a resolução da maior parte da lesão perirradicular; entretanto, um
defeito ósseo na região de furca permaneceu. Notar que apenas o tratamento endodôntico não levou à reparação completa da lesão. O
tratamento periodontal é necessário para reparo posterior da área de furca e dos tecidos gengivais inflamados.

reparar até o nível da lesão periodontal secundária. Em mação de um abscesso periodontal. As fraturas radi-
geral, o reparo dos tecidos danificados pela supuração culares também se tornaram um grande problema em
da polpa pode ser previsível151. molares tratados por ressecção radicular103,148.
As lesões endodônticas primárias com envol-
vimento periodontal secundário também podem
ocorrer como resultado de uma perfuração radicular Doença periodontal primária com envolvimento
durante um tratamento de canal ou onde pinos in- endodôntico secundário
trarradiculares tenham sido mal colocados durante A progressão apical de uma bolsa periodontal
a restauração. Os sintomas podem ser agudos, com pode continuar até que os tecidos perirradiculares se-
a formação de abscesso periodontal associado à dor, jam envolvidos. Nesse caso, a polpa pode se tornar ne-
edema, exsudato purulento, formação de bolsa e mo- crosada como resultado de uma infecção que penetrou
bilidade dentária. Às vezes pode ocorrer uma respos- através dos canais laterais ou do forame apical (Fig.
ta crônica sem dor, envolvida com o aparecimento 25-20). Em dentes unirradiculares, o prognóstico geral-
súbito de uma bolsa com sangramento à sondagem mente é sombrio. Nos molares o prognóstico pode ser
ou exsudação de pus. melhor. Já que nem todas as raízes do molar podem so-
Quando a perfuração radicular está situada pró- frer a mesma perda dos tecidos de suporte, a ressecção
xima à crista alveolar, pode ser possível levantar um radicular pode ser considerada como um tratamento
retalho e reparar o defeito com um material obturador. alternativo.
Em perfurações mais profundas ou no teto da furca, o O efeito da periodontite progressiva sobre a vita-
tratamento imediato da perfuração tem um prognósti- lidade da polpa é controverso3,4,102. Se o suprimento de
co melhor do que o tratamento tardio de uma perfura- sangue circulante através do forame apical estiver in-
ção infectada. Foi demonstrado que o uso do agregado tacto, a polpa tem boas chances de sobrevivência. Tem
trióxido mineral (MTA) nesses casos pode melhorar o sido relatado que alterações pulpares em decorrência
reparo do cemento após o tratamento imediato da per- de doença periodontal são mais prováveis de ocorrer
furação142. quando o forame apical está envolvido102. Nesses ca-
As fraturas radiculares também podem se apre- sos, bactérias oriundas da bolsa periodontal são a fonte
sentar como lesões endodônticas primárias com envol- de infecção do canal radicular. Tem sido demonstrada
vimento periodontal secundário. Essas ocorrem tipica- uma forte correlação entre a presença de micro-orga-
mente em dentes com a raiz tratada geralmente com nismos no canal radicular e sua presença nas bolsas
pinos e coroas. Os sinais podem variar de um aumento das periodontites avançadas95,97. O suporte para esse
da profundidade local de uma bolsa periodontal à for- conceito veio de estudos nos quais as amostras de cul-
Inter-relação Endodontia e Periodontia 915

A B

Figura 25-20. Doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário em um pré-molar superior. A. Radiografia mostran-
do perda óssea em um terço da raiz e uma radiolucidez perirradicular separada. A coroa estava intacta, mas os testes de sensibilidade pulpar
foram negativos. B. Radiografia tirada imediatamente após a terapia do canal radicular mostrando cimento em um canal colateral que foi
exposto devido à perda óssea.

turas obtidas a partir do tecido pulpar e da dentina tecidos periodontais, entretanto, podem não respon-
radicular de dentes humanos envolvidos periodontal- der bem ao tratamento, o que depende da gravidade
mente mostraram crescimento bacteriano em 87% dos da doença combinada.
dentes3,4. O aspecto radiográfico da doença endodôntico-
O tratamento da doença periodontal também periodontal combinada pode ser semelhante ao do
pode levar ao envolvimento endodôntico secundário. dente fraturado verticalmente. Uma fratura que tenha
Os canais colaterais e os túbulos dentinários podem invadido o espaço pulpar, com necrose resultante, tam-
ser expostos à cavidade oral pela raspagem, cureta- bém pode ser classificada como uma lesão verdadeira
gem ou procedimentos de retalhos cirúrgicos. É pos- combinada e pode não ser receptiva a um tratamento
sível que um vaso sanguíneo no interior de um canal de sucesso. Se uma fístula estiver presente, pode ser
colateral possa ser danificado por uma cureta e que necessário levantar um retalho para determinar a etio-
micro-organismos sejam forçados para a área durante logia da lesão.
o tratamento, resultando assim em inflamação pulpar
e necrose.

Doenças verdadeiras combinadas


A doença endodôntico-periodontal combinada
ocorre com menos frequência. Ela se forma quando
uma doença endodôntica que progrediu coronaria-
mente se junta com uma bolsa periodontal infectada
que progrediu apicalmente163,172. O grau de perda de
inserção nesse tipo de lesão é invariavelmente gran-
de e o prognóstico deve ser contido (Fig. 25-21). Isso
é particularmente verdadeiro em dentes unirradicu-
lares (Fig. 25-22). Nos molares, a ressecção radicular
pode ser considerada como um tratamento alternati-
vo se nem todas as raízes estiverem gravemente en-
volvidas. Algumas vezes, procedimentos cirúrgicos Figura 25-21. Doença endodôntico-periodontal combinada em
um primeiro molar inferior. Radiografia mostrando a progressão in-
suplementares são necessários (Fig. 25-23). Na maio-
dividual da doença endodôntica e da doença periodontal. O dente
ria dos casos, o reparo perirradicular pode ser anteci- continuou sem tratamento e, consequentemente, as duas lesões se
pado após tratamento endodôntico bem-sucedido. Os juntaram.
916 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

Figura 25-22. Doença endo-


dôntico-periodontal combina-
da. A. Radiografia mostrando
perda óssea em dois terços da
raiz com cálculo presente e ra-
diolucidez perirradicular sepa-
rada. B. O exame clínico revelou
alteração de cor da coroa do
dente envolvido e exsudação
de pus no sulco gengival. Os
A B testes de sensibilidade pulpar
foram negativos.

A B

C D

Figura 25-23. Doenças endodôntico-periodontais verda-


deiras combinadas em um primeiro molar inferior. A. Radio-
grafia pré-operatória mostrando lesões perirradiculares. Os
testes de sensibilidade pulpar foram negativos. B. Radiogra-
fia pós-operatória imediata do tratamento endodôntico não
cirúrgico. C. Acompanhamento radiográfico de 6 meses não
mostrando evidência de reparação. Um cone de guta-per-
cha foi inserido no sulco gengival vestibular. D. Fotografia
clínica mostrando o tratamento das superfícies radiculares
E e a remoção da lesão perirradicular. E. Acompanhamento
radiográfico de 1 ano mostra evidências de reparo ativo.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 917

 PROGNÓSTICO reparo não significativo20. O prognóstico da doença


endodôntica primária com envolvimento periodontal
O prognóstico do tratamento depende primaria-
secundário depende primeiramente da gravidade do
mente do diagnóstico da doença endodôntica e/ou
envolvimento periodontal, do tratamento periodon-
periodontal específica. Os principais fatores a serem
tal e da resposta do paciente.
considerados para a decisão sobre o tratamento são a
A doença periodontal primária com envolvimen-
vitalidade pulpar e a extensão da lesão periodontal.
to endodôntico secundário e as doenças endodônti-
O diagnóstico da doença endodôntica primária e da
co-periodontais combinadas requerem tanto terapia
doença periodontal primária geralmente não apre-
endodôntica quanto periodontal. Foi demonstrado
senta dificuldade. Na doença endodôntica primária,
que a infecção endodôntica tende a promover a mi-
a polpa está infectada e necrosada. Por outro lado, em
gração epitelial apical a áreas de superfície desnuda
um dente com doença periodontal primária, a polpa
de dentina19,83. O prognóstico da doença periodontal
está vital e responde aos testes. Entretanto, a doença
primária com envolvimento endodôntico secundário
endodôntica primária com envolvimento periodontal
e as doenças verdadeiras combinadas dependem pre-
secundário, a doença periodontal primária com en-
cipuamente da gravidade da doença periodontal e da
volvimento endodôntico secundário ou as doenças
resposta dos tecidos periodontais ao tratamento.
verdadeiras combinadas são clinicamente bastante
As doenças verdadeiras combinadas geralmente
semelhantes.
têm um prognóstico mais contido. Em geral, assumin-
Se a lesão for diagnosticada e tratada primeira-
do-se que o tratamento endodôntico foi adequado, o
mente como doença endodôntica em razão da falta de
evidência de uma periodontite marginal e se estiver que for de origem endodôntica irá se reparar. Assim, o
havendo reparo dos tecidos moles à sondagem clínica prognóstico das doenças combinadas depende basica-
e cicatrização óssea ao controle radiográfico, um diag- mente da eficácia da terapia periodontal.
nóstico válido retrospectivo pode ser realizado. O grau
de reparo que ocorreu após o tratamento do canal ra-
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922 Capítulo 25  Inter-relação Endodontia e Periodontia

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Capítulo 26
Síndrome do
Dente Rachado

Domenico Ricucci

A expressão síndrome do dente rachado (cracked tooth estudos, as restaurações de classe I e II (de modo parti-
syndrome) foi criada por Cameron, em 19642. Ele foi o pri- cular as cavidades MOD) aumentariam as possibilida-
meiro a destacar os sintomas do diagnóstico diferencial des de fratura12 (Fig. 26-1). Em particular, a perda e a
dessa entidade clínica. De fato, esses sintomas podem consequente restauração das cristas marginais aumen-
aparecer indiferenciados e pouco claros, necessitando tariam sua incidência7. Também a combinação de vá-
o conhecimento da elevada frequência dessa condição
clínica para chegar ao correto diagnóstico. A síndrome do
dente rachado pode ser definida como uma fratura incom-
pleta de um dente posterior vital que, ocasionalmente,
se estende à polpa. Esse quadro tem geralmente carac-
terísticas crônicas. Os estudos epidemiológicos revelam
que as fraturas dentárias constituem a terceira causa de
perda de dentes nos países industrializados depois da
cárie e da doença periodontal.

 Fatores etiológicos
Na formação das rachaduras ou fraturas incom-
pletas, o papel principal é atribuído às forças oclusais.
Alguns atribuem ao efeito cunha na relação cúspide-
fossa. As fraturas começam na fossa, ao longo do sulco
de desenvolvimento central, se estendem ao longo da
crista marginal e progridem através da polpa ou em
direção apical ao longo da raiz6.
A presença de restaurações e de lesões cariosas
não tratadas é um fator predisponente (Figs. 26-1 e Figura 26-1. Paciente apresentando dor à mastigação. A restaura-
ção MOD preexistente em compósito foi removida para inspeção
26-2). Na verdade, a perda da integridade da estrutura do assoalho da cavidade em ambos os dentes. A manobra eviden-
coronária em razão desses fatores é o principal fator ciou uma linha de fratura atravessando todo o assoalho cavitário do
predisponente. De acordo com os resultados de alguns primeiro molar em sentido mesiodistal.

923
924 Capítulo 26  Síndrome do Dente Rachado

associadas ao uso maciço de pinos rosqueáveis, atar-


raxados na dentina com o objetivo de aumentar a re-
tenção das restaurações diretas. A trinca causada pelos
pinos pode se transformar em fratura verdadeira16. Fe-
lizmente, o recurso desse sistema de retenção parece
ter perdido popularidade.

 Classificação
As classificações propostas são múltiplas e em
muitos casos se sobrepõem. Reportamos a seguir a su-
gerida por Williams19:
Classe I – Fratura vertical incompleta de esmalte e
dentina sem envolvimento pulpar.
Classe II – Fratura coronária incompleta com en-
volvimento pulpar.
Classe III – Fratura vertical incompleta com en-
volvimento periodontal.
A Classe IV – Fratura promovendo separação com-
pleta dos fragmentos.

 Sintomatologia
A sintomatologia que acompanha a fratura in-
completa dos tecidos dentais pode variar enormemen-
te. Varia de ausência total de sintomas, e nesses casos
a presença de uma trinca é descoberta ocasionalmente
quando é removida uma restauração pelos mais va-
riados motivos, aos casos nos quais a sintomatologia
é evidente. É importante ressaltar como a adoção de
sistemas de magnificação em Odontologia operatória
tem facilitado o diagnóstico precoce dos defeitos estru-
B
turais, assim como o reconhecimento das restaurações
com margens inadequadas.
Figura 26-2. Paciente de 75 anos com queixa de dor recorrente
na região superior esquerda. A. A radiografia revela um segundo Na presença de sintomas, o diagnóstico dessa con-
pré-molar com uma restauração oclusodistal em amálgama e uma dição pode ser às vezes muito difícil11,17. Normalmente
cavidade cariosa na mesial. O teste de sensibilidade dá resposta os pacientes relatam uma sensação de incômodo ou
exacerbada, e a resposta à percussão é positiva. B. Após anestesia, dor a partir de um dente, que se inicia com a mastiga-
isolamento e remoção da restauração e da cárie mesial, podemos
ção de alimentos sólidos e que desaparece com o cessar
ver uma linha de fratura a partir do centro do assoalho cavitário em
direção à região distal. da pressão. O paciente em geral é incapaz de indicar o
dente responsável e, às vezes, tanto pode não distinguir
completamente o quadrante envolvido, como indicar o
rios fatores, como restauração e interferências oclusais, lado, mas não a arcada. Comumente está relacionado
tem sido considerada como possível causa de trincas com uma história de numerosos tratamentos dentários
e fraturas12. Por muito tempo se pensou que a contra- com resultados insatisfatórios11.
ção de polimerização das resinas compostas pudesse Como já destacado, os dentes afetados pela sín-
ter um papel determinante nas microfraturas (microcra- drome podem apresentar restaurações de extensão va-
cks), mas os dados experimentais não parecem confir- riada. Com o crescimento da experiência sobre trincas
mar essa hipótese15. dentárias e a progressiva atenção na clínica cotidiana
Finalmente, devemos avaliar os fatores iatrogê- sobre esse problema, a síndrome do dente rachado vem
nicos. Trincas foram observadas em épocas passadas sendo diagnosticada com maior frequência14. Os den-
Síndrome do Dente Rachado 925

tes mais atingidos seriam, segundos alguns autores, os é difícil decidir se o elemento pode ser tratado ou se
molares e pré-molares superiores, seguidos dos mola- deve ser extraído. Qualquer decisão terapêutica deve
res inferiores4. Segundo outros autores14, a síndrome ser tomada com o acordo e consentimento do paciente.
se observa mais frequentemente nos molares infe- O ideal seria remarcar o paciente para uma consulta de
riores com extensas restaurações e em pacientes com diagnóstico meticulosa e para fornecer uma adequada
mais de 50 anos de idade. Em um estudo conduzido informação para melhorar o relacionamento dentista-
por 1 ano, Ron e Lee14 analisaram todos os dentes com paciente, diminuindo os riscos de um problema legal
diagnóstico de fratura, avaliando o tipo de cavidade no futuro.
e restaurações presentes, as características dos dentes Em outros casos a intervenção exploratória eli-
antagonistas, a posição na arcada, a idade e o sexo, bem mina qualquer dúvida sobre a possibilidade de trata-
como os sinais e sintomas clínicos resultantes dos trata- mento do elemento dentário. Se a eliminação do teto da
mentos realizados. As fraturas foram encontradas com câmara pulpar após a confecção do acesso revelar uma
maior frequência nos dentes sem restauração (60,4%) e linha de fratura que atravessa por inteiro o assoalho da
com restaurações de classe I (29,2%). A fase etária mais câmara pulpar no sentido vestibulolingual, a extração
atingida foi a dos 40 anos, com frequência similar en- pode ser a única solução viável.
tre os dois sexos. Os mais atingidos foram os molares Um aspecto importante a ser considerado é que,
superiores (33,8% o primeiro molar e 23,4% o segundo) nas situações crônicas, há a possibilidade de desenvol-
em relação aos molares inferiores (20,1% o primeiro e vimento de processo carioso na dentina adjacente à
16,2% o segundo). No geral, 96,1% respondiam ao teste linha de fratura. Isso não é incomum, visto que essa li-
“de mordida”, e 81,1% das fraturas estavam orienta- nha é usualmente colonizada por bactérias. Se cárie for
das em relação mesiodistal. Os autores concluíram que observada em volta da fratura, todo o tecido amolecido
quando se examina um molar superior hígido, que é deverá ser eliminado, e o término apical do defeito, lo-
sensível a alterações térmicas e ao teste de mordida, calizado. Em casos avançados, quando a degeneração
deve ser considerada como possível causa uma fratura pulpar já está instalada, os sintomas podem ser mais
mesiodistal. precisos. Infelizmente, muitas das vezes quando o pa-
É importante ressaltar que, em algumas situações ciente é capaz de distinguir o dente responsável, a fra-
clínicas particulares, para realizar um diagnóstico pre- tura já atingiu a inserção periodontal, e o prognóstico
ciso devemos realizar procedimentos invasivos. É o passa a ser desfavorável.
caso dos dentes com restaurações que geram uma sin-
tomatologia difusa e para os quais não é possível rea-
 Aspectos microbiológicos e
lizar um diagnóstico preciso com a inspeção e imagem
radiográfica. A presença de restaurações coronárias im-
patológicos das fraturas
pede a visão do tecido cariado subjacente ou uma fra- Todas as falhas de continuidade do esmalte e den-
tura atingindo o assoalho da cavidade13. Portanto, está tina subjacente constituem uma ameaça à integridade
justificado proceder à completa remoção do material da polpa e favorecem a entrada e colonização de bacté-
restaurador presente e de um eventual tecido cariado rias orais. Em dentes onde linhas de fratura do esmal-
para exibir o tecido dentário remanescente (Figs. 26-1 e te são apenas visíveis sob magnificação, a dissolução
26-2). A exploração do assoalho da cavidade represen- química do esmalte revela uma quantidade enorme de
ta um estágio fundamental com a finalidade de decidir material orgânico superior ao que poderia ser detecta-
se a polpa pode ser conservada sob uma restauração do pela simples observação clínica. Na literatura apare-
que proteja as cúspides. cem poucos estudos sobre os aspectos microbiológicos
A exploração do assoalho cavitário após a remo- nas fraturas. Cúspides fraturadas de dentes com trin-
ção dos materiais restauradores e tecido cariado permi- cas têm sido examinadas ao MEV (microscópio eletrô-
te evidenciar linhas de fraturas responsáveis pela sin- nico de varredura). Têm sido observadas bactérias com
tomatologia pulpar. Mas somente depois da remoção diversas morfologias: cocos, bacilos e formas filamen-
do teto da câmara é possível compreender como é in- tosas, muitas delas em franca proliferação8.
certo o prognóstico devido à extensão em sentido api- Parece evidente que a gravidade da resposta
cal da linha de fratura ao longo do perfil distal. Mesmo pulpar varia segundo a extensão da trinca da denti-
que um envolvimento periodontal não seja detectável, na em direção pulpar. Embora inicialmente a fratura
é fácil prever que um defeito periodontal poderá ins- não envolva toda a espessura dentinária, sem alcançar
talar-se ao longo da extensão apical da fratura. Assim, a câmara pulpar por via direta, a polpa é comumente
926 Capítulo 26  Síndrome do Dente Rachado

exposta através dos túbulos dentinários adjacentes à e dos riscos relacionados a tratamentos complexos
linha de fratura. Esses são imediatamente colonizados de êxito não previsível.
permitindo que produtos bacterianos penetrem preco-
cemente no tecido pulpar e iniciem uma reação infla-
matória inicial.
 Tratamento
Quando uma fratura em estado avançado envolve Quando o diagnóstico da síndrome do dente rachado
por completo a dentina e se estabelece uma comunica- é confirmado antes que se tenha um comprometimento
ção direta entre o ambiente oral e a polpa, essa última pulpar irreversível, o clínico pode optar pela manuten-
será invariavelmente afetada de forma irreversível. A ção da vitalidade pulpar. O objetivo do tratamento res-
Figura 26-3 ilustra os eventos histológicos e histobacte- taurador é minimizar a flexão das cúspides comprome-
riológicos que se observam quando a polpa é atingida tidas para prevenir a propagação da fratura9. Portanto,
por uma linha de fratura. O caso se refere ao segundo a primeira intervenção indicada é desgastar o dente
molar inferior de uma paciente de 61 anos, portado- para retirá-lo de oclusão. Então, remove-se a restaura-
ra de uma acentuada sintomatologia dolorosa espon- ção presente para visualizar o piso da cavidade e, caso
tânea. O dente estava isento de cárie, mas com sinais seja feita a opção de manter a polpa vital, a cavidade
evidentes de envolvimento periodontal (Fig. 26-3A). A deve ser restaurada com cimento de óxido de zinco
inspeção clínica revela uma linha de fratura entendida e eugenol. A seguir, as duas partes são imobilizadas
a toda superfície oclusal. A paciente rejeitou qualquer com uma banda ou um anel ortodôntico. Promove-se
tipo de tratamento conservador e o dente foi extraído então um acompanhamento atento da sintomatologia
(Fig. 26-3B). O exame histológico sucessivo evidenciou do dente. Uma alternativa é preparar o dente e colocar
que a fratura atingiu a câmara pulpar (Fig. 26-3C, D, uma coroa acrílica devidamente adaptada e polida5,10.
E). Bactérias são evidentes em toda a profundidade da Se após o período de 1 a 2 semanas não existirem sinto-
fratura, e o tecido pulpar apresenta inflamação grave mas, pode ser programada uma restauração coronária
com áreas de abscesso (Fig. 26-3F, G, H). total19. Como alternativa à agressiva remoção de estru-
As sugestões seguintes nos parecem idôneas para tura dentária para uma coroa total, os recentes avanços
ajudar o clínico a realizar escolhas prudentes e ponde- da tecnologia adesiva e materiais compósitos permi-
radas: tem preparos coronários parciais e restaurações com
incrustações em cerâmica e compósito1.
1. Nos casos onde os sintomas clínicos parecem indi- A escolha entre uma restauração coronária to-
car um envolvimento reversível da polpa e o clí- tal ou parcial depende de uma série de fatores, entre
nico opta pela manutenção da vitalidade pulpar, os quais a quantidade de tecido residual e a extensão
o paciente deve ser informado de que a extensão gengival do traço de fratura. Nos casos onde a polpa
real da linha de fratura em direção à polpa não é parece comprometida irreversivelmente é indicado o
previsível somente com parâmetros clínicos e que tratamento endodôntico. A pulpectomia deve ser ne-
a progressão de uma linha de fratura é dinâmica. cessariamente seguida de uma restauração coronária
Portanto, a remoção da polpa pode se tornar ne- que proteja as cúspides (onlay ou coroas totais). Um
cessária em qualquer momento após o tratamento exemplo de reconstrução com coroa total após a pul-
conservador. pectomia é mostrado na Fig. 26-4.
2. Mesmo procedendo à remoção da polpa, um envol- É desaconselhável proceder a uma restauração
vimento eventual do assoalho da câmara e das áreas direta após a pulpectomia, deixando as cúspides resi-
de furca não é sempre diagnosticado. Analogamen- duais sem proteção. O efeito de cunha continuará, fa-
te, não é possível quantificar a eventual extensão da vorecendo a propagação da linha vertical de fratura,
fratura ao longo da superfície externa da raiz em estimulando cedo ou tarde a formação de uma fratura
direção apical. Então, a partir de certo momento, o vertical total. O insucesso de uma escolha restaurado-
problema deixa de ser uma área de interesse apenas ra imprópria é ilustrado na Fig. 26-5, onde o paciente
endodôntico, passando a ser também de interesse não aceitou uma restauração total, optando por uma
periodontal. O prognóstico da unidade dente-res- restauração direta de compósito para uma extensa des-
tauração está estritamente ligado à propagação api- truição coronária e uma fratura foi identificada após
cal da fratura e à instauração de uma franca linha apenas 2 anos (Fig. 26-5F).
de fratura vertical. O paciente deve ser informado e Qualquer que seja o tipo de restauração, todos os
conscientizado dessas possíveis evoluções negativas casos com trincas devem ser periodicamente controla-
Síndrome do Dente Rachado 927

A B C

D E F

G H

Figura 26-3. Paciente de 61 anos se apresenta para tratamento de emergência com queixa de forte dor na área de molares direitos. A co-
roa do segundo molar não apresenta cárie à inspeção, mas é visível uma fratura no esmalte ao longo do sulco central por toda a superfície
oclusal. A. Radiografia revela comprometimento periodontal avançado e calcificações ocupando quase totalmente o volume da câmara
pulpar. A paciente rejeitou qualquer tratamento conservador e optou pela extração do elemento. B. Uma fotografia da face distal após a
extração mostra o comprometimento da crista marginal distal. O dente foi processado para análise histológica (C) e histobacteriológica (D).
Decidiu-se pela realização de secções seriadas com plano transversal. Podemos notar a fratura presente em todas as secções e também a
massa calcificada que ocupa grande parte da câmara pulpar (HE e Brown & Brenn modificado, aumento original de 10×). E. Metade distal de
um corte passando apicalmente pela junção esmalte-cemento. Visão que mostra a linha de fratura conectando a superfície externa da raiz
com a câmara pulpar. Área vazia no alto da câmara pulpar é um abscesso (Brown & Brenn modificado, aumento original 25×). F. Área na qual
a fratura penetra no tecido pulpar. Destruição do tecido e grave inflamação (Brown & Brenn modificado, 400×). G. Porção mesial. A linha de
fratura aparece menos marcada (Brown & Brenn modificado, 25×). H. Maior aumento da área pulpar adjacente à fratura em G. Bactérias sendo
fagocitadas por leucócitos atraídos para a região (Brown & Brenn modificado, 1.000×).
928 Capítulo 26  Síndrome do Dente Rachado

A B

C D

Figura 26-4. Paciente de 45 anos apresentando restauração extensa de amálgama e


recidiva de cárie em molar inferior. O dente se apresentou sensível à temperatura e à
mastigação. A. Após o toalete da cavidade, podemos ver sobre o assoalho da mesma
uma fratura mesiodistal. Na presença de periodonto ainda íntegro na vertente distal, o
plano de tratamento consistiu em biopulpectomia, seguida da reconstrução com pino
metálico fundido e coroa metalocerâmica. B. Após a intrumentação endodôntica, a linha
de fratura é visível sobre o assoalho distal. C. O pino é cimentado e as margens do preparo
E são refinadas. D. A restauração é cimentada. E. Radiografia após a cimentação da coroa
protética.
Síndrome do Dente Rachado 929

A B

C D

Figura 26-5. Segundo molar inferior com


sintomas espontâneos em uma mulher de
52 anos com bruxismo. A. São observadas
uma restauração de amálgama fraturada na
porção distal e uma linha de fratura compro-
metendo a crista marginal distal. A sonda-
gem periodontal não mostra profundidade
patológica na vertente distal. B. O material
de restauração foi removido e a crista margi-
nal eliminada. C. Removido o teto da câmara
pulpar e preparada a entrada dos canais, a
fratura parece comprometer significativa-
mente a porção distal do dente. D. Trata-
mento endodôntico concluído. A paciente
não aceitou uma restauração coronária com
cobertura de cúspides, e o molar foi recons-
truído com resina composta. E. Radiografia
pós-operatória. F. Após 2 anos, a paciente se
apresenta com dor no molar, e a sondagem
mostra uma bolsa distal de 10mm. A radio-
grafia mostra um defeito ósseo angular distal
estendido ao ápice radicular. A fratura nesse
E F momento já é uma fratura completa, e o ele-
mento está condenado.
930 Capítulo 26  Síndrome do Dente Rachado

dos clínica e radiograficamente de maneira criteriosa. O 7. Homewood CI. Cracked tooth syndrome – incidence, clinical
prognóstico permanece incerto enquanto existir a possi- findings and treatment. Aust Dent J, 1998; 43: 217-22.
8. Kahler B, Moule A, Stenzel D. Bacterial contamination of
bilidade de que a linha de fratura se propague vertical- cracks in symptomatic vital teeth. Aust Endod J, 2000; 26:
mente, comprometendo o periodonto (Fig. 26-5F). 115-8.
Nos casos em que a fratura atinge o assoalho da câ- 9. Liebenberg WH. Use of resin-bonded partial coverage ce-
ramic restorations to treat incomplete fractures in posterior
mara pulpar ou já possui algum comprometimento pe-
teeth: a clinical report. Quintessence Int, 1996; 27: 739-47.
riodontal com sondagem positiva, a extração parece ser 10. Liu HH. Sidhu SK. Cracked teeth-treatment rationale and
a decisão terapêutica mais aceitável. Da mesma forma, case management: case reports. Quintessence Int, 1995; 26:
nos casos extremos, quando a fratura é completa e os 485-92.
11. Lynch CD, McConnell RJ. The cracked tooth syndrome. J
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Causas de Dor Capítulo 27
Persistente
Pós-tratamento
Endodôntico
José Freitas Siqueira Jr.
Leonardo M. Veiga
Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes

Há determinadas situações na clínica endodônti- percebidas em radiografias periapicais convencionais.


ca diuturna em que o profissional é desafiado por uma Um exame clínico e imaginológico cuidadoso pode fa-
condição que requer diagnóstico preciso para uma to- zer a diferença entre o sucesso e o desastre no manejo
mada de decisão, mas nem sempre esse diagnóstico é de tais casos.
facilmente executado. Um dos principais exemplos se Um estudo relatou a incidência de 12% de dor
refere a pacientes que tiveram o tratamento endodônti- persistente a despeito de tratamento endodôntico apa-
co concluído, mas que continuam se queixando de cer- rentemente bem executado4. As principais causas da
to desconforto à mastigação, à percussão com o dedo dor crônica persistente pós-obturação estão descritas a
e/ou à palpação. O paciente pode relatar essa sinto- seguir, e os detalhes sobre cada uma podem ser encon-
matologia dias, semanas e até meses após a obturação trados nos respectivos capítulos:
do canal. Tal quadro usualmente não representa uma
emergência, visto que a dor apresentada é crônica, de • Infecções persistentes: causadas por bactérias pre-
intensidade tolerável e geralmente provocada. A cau- sentes em áreas do canal apical não tocadas pelos
sa muitas das vezes não é aparente, pois o canal pode instrumentos ou afetadas pela irrigação7. Isso pode
estar bem tratado, fazendo com que o profissional ocorrer: a) em paredes irregulares, com reentrâncias
questione a sua real existência e atribua a dor a fatores anatômicas ou causadas por reabsorção apical; b)
psicológicos do paciente. Entretanto, embora possa ser no delta apical e em outras ramificações laterais; c)
influenciada por fatores psicológicos, principalmente em canais ovais, onde o maior diâmetro do mesmo
no que tange à intensidade, na grande maioria das ve- pode não ser adequadamente limpo e desinfetado.
zes, embora não aparente, a causa é real e, uma vez A ocorrência de bloqueio apical por raspas de den-
identificada, pode requerer intervenção para resolução tina infectada também pode levar à sintomatologia
do quadro. persistente pós-obturação. Além desses fatores, a
O conhecimento adequado da etiologia e da fisio- instrumentação apical muito aquém do término do
patologia das patologias pulpar e perirradicular e de canal e/ou limitada a instrumentos de pequeno ca-
possíveis fatores agravantes ajuda significativamente libre tende a deixar micro-organismos residuais em
no diagnóstico desses casos mais difíceis. O empre- casos de necrose pulpar que podem induzir ou man-
go de recursos mais sensíveis de diagnóstico, como a ter um quadro sintomático (Fig. 27-1).
tomografia computadorizada cone-beam (ou do feixe • Infecções secundárias: causadas por micro-organis-
cônico), pode revelar situações que podem passar des- mos levados ao canal durante ou após a intervenção

931
932 Capítulo 27  Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico

Figura 27-1. Canais tratados inadequadamente permitem a per-


Figura 27-2. Sobreobturação evidenciada por tomografia compu-
sistência da infecção endodôntica que pode resultar em dor persis-
tadorizada cone-beam muitas das vezes não visível pela radiografia
tente pós-obturação.
periapical. A lesão perirradicular na raiz palatina também só foi diag-
nosticada pelos cortes transaxiais.

profissional. Nesse caso, mesmo dentes com polpa


vital podem apresentar dor crônica pós-tratamento
(ou mesmo aguda – ver Capítulo 19, Emergências e
urgências em Endodontia). As causas principais de
infecção secundária são quebra da cadeia asséptica
durante o tratamento e percolação de saliva para o
canal devido à fratura ou perda do selador coroná-
rio temporário ou definitivo6.
• Inflamação persistente, lesão perirradicular presente,
mas não visível na radiografia: tais casos usualmente
se apresentam clinicamente como uma incógnita.
Lesões não visíveis na radiografia podem estar res-
tritas ao osso esponjoso e passar então despercebi-
das, principalmente na região de molares inferiores,
onde a cortical óssea é mais espessa e, portanto,
mais radiopaca3. A tomografia computadorizada co-
ne-beam pode ser de grande valia para identificar le-
sões restritas ao osso esponjoso não diagnosticadas Figura 27-3. Sobreobturação, lesão de furca e fenestração óssea
na radiografia periapical3 (Fig. 27-2). Além disso, em vestibular (setas) em molares tratados endodonticamente. Diagnós-
tico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes tran-
casos de fenestrações ósseas ao nível dos ápices ra-
saxiais.
diculares, a inflamação pode estar em tecidos moles
e não ser visível radiograficamente. O profissional
pode suspeitar de fenestração óssea durante palpa- • Sobreobturação: às vezes não visualizada dada a inci-
ção, mas o diagnóstico definitivo é por tomografia dência da radiografia. Por exemplo, se o forame api-
computadorizada cone-beam ou durante cirurgia cal estiver deslocado em direção vestibular ou pa-
(Fig. 27-3). A persistência da inflamação está relacio- latina/lingual em relação ao ápice radicular, casos
nada com infecções persistentes ou secundárias. que radiograficamente aparentam estar obturados
Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico 933

aquém ou no limite do ápice estão muitas das vezes tado, para induzir ou manter um quadro sintomáti-
sobreobturados. Situações onde acidentes anatômi- co. Alterações na angulação horizontal da radiogra-
cos se sobrepõem ao ápice radicular podem impedir fia bem como a utilização de tomografia computa-
apropriada visualização do término ou qualidade da dorizada cone-beam ajudam a identificar tais canais
obturação endodôntica. Alteração na angulação ver- (Figs. 27-7 e 27-8).
tical da radiografia periapical e, principalmente, o • Fratura vertical/oblíqua ou fissuras radiculares: fraturas
emprego de tomografia computadorizada cone-beam radiculares podem levar à dor persistente pós-trata-
podem revelar tal sobreobturação (Figs. 27-2 a 27-4). mento (Fig. 27-9). Em determinadas circunstâncias,
A sobreobturação pode causar dor crônica devido podem não ser facilmente visualizadas na radiogra-
à irritação inicial causada pela compressão mecâni- fia, principalmente quando não há significante se-
ca do ligamento periodontal e pelo efeito químico paração dos fragmentos ou quando há sobreposição
de substâncias irritantes liberadas da massa do ma- de outras estruturas. Fissuras radiculares são ainda
terial. No entanto, a dor a longo prazo associada à mais difíceis de ser visualizadas. Fraturas e fissuras
sobreobturação tem usualmente a sobreposição de representam mais uma situação em que a tomogra-
fatores microbianos5. fia computadorizada cone-beam pode ser de grande
• Perfuração radicular: da mesma forma que a sobreo- valor no diagnóstico (Figs. 27-10 a 27-13). A dor
bturação, dependendo da localização, perfurações pode estar relacionada com a movimentação dos
podem não ser visualizadas em razão da incidên- fragmentos, mas é usualmente agravada pela con-
cia da radiografia (Figs. 27-5 e 27-6). Perfurações comitante infecção por bactérias do canal, do sulco
causam dor persistente quando associadas a uma ou da saliva, dependendo da extensão da fratura/
infecção persistente/secundária e/ou a uma sobre- fissura e das condições patológicas do canal.
obturação. • Dente errado: em algumas situações, o paciente se
• Canal não tratado: canais extras podem conter sufi- engana e relata dor em um dente que foi recente-
ciente tecido pulpar, inflamado ou necrosado-infec- mente tratado endodonticamente, mas na verdade

Figura 27-4. Sobreobturação não visível na radiografia periapical, mas evidente na imagem de reconstrução 3D por tomografia computa-
dorizada cone-beam (seta).
934 Capítulo 27  Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico

Figura 27-5. Perfuração radicular na face vestibular da raiz. Visualização no corte transaxial e na reconstrução 3D por tomografia computa-
dorizada cone-beam.

Figura 27-6. Perfuração radicular na face vestibular do dente 13 associada a extravasamento de cimento para tecidos moles. Diagnóstico e
determinação da superfície perfurada por meio de tomografia computadorizada cone-beam em cortes transaxiais.

Figura 27-7. Lesão perirradicular associada ao dente 32 com dois canais que aparentemente se fusionam na porção apical da raiz – notar
que um dos canais e a região apical comum não foram tratados. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes pano-
râmico e transaxial.
Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico 935

um outro elemento é o responsável. Isso pode ser


facilmente corrigido quando do exame clínico-ra-
diográfico.
• Causa não odontogênica: alguns fatores, como sinusite,
trauma oclusal, neoplasias etc., podem simular dor
de origem endodôntica. O conhecimento das carac-
terísticas fisiopatológicas das doenças pulpares e pe-
rirradiculares aumenta as chances de interpretação
competente dos dados de exames e testes diagnós-
ticos e consequentemente de um diagnóstico mais
preciso nessas situações. Métodos avançados de
diagnóstico podem também revelar comunicações
de lesões perirradiculares extensas com outras regi-
ões anatômicas, o que também pode levar à ocorrên-
cia de sintomas (Fig. 27-14).
• Sensibilização central: dor pré-operatória, tratamento
odontológico anterior doloroso e histórico de pro-
Figura 27-8. Quarto canal de um molar superior tratado endodon-
blemas prévios de dor crônica (dor de cabeça, co-
ticamente, o qual não foi instrumentado e obturado. Corte axial por luna, ombro, pescoço etc.) podem causar alterações
tomografia computadorizada cone-beam. sensoriais centrais e/ou periféricas que aumentam

Figura 27-9. Fratura radicular vertical/oblíqua. Radiografias periapicais e eletromicrografia de varredura de um dente extraído.

Figura 27-10. Fratura radicular e lesão de furca (setas) sugeridas por radiografia periapical e confirmadas nos cortes transaxiais por tomogra-
fia computadorizada cone-beam.
936 Capítulo 27  Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico

Figura 27-11. Fratura radicular e lesão radicular lateral associada (setas) em molar superior previamente submetido à cirurgia perirradicular.
Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes sagital-oblíquo e axial.

Figura 27-12. Fratura radicular na raiz distal do dente 36 previamente submetido à hemissecção radicular. Diagnóstico por tomografia com-
putadorizada cone-beam em corte coronal.

Figura 27-13. Pré-molar superior tratado endodonticamente. A primeira radiografia de prosservação evidencia redução do tamanho da
lesão, o qual se estabilizou como mostrado na segunda radiografia pós-preparo para pino. Esse dente passou a exibir uma fístula por vesti-
bular e foi extraído. Análise por tomografia cone-beam pós-extração revela fratura radicular associada a paredes radiculares demasiadamente
delgadas em decorrência do preparo para pino.
Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico 937

Figura 27-14. Lesão perirradicu-


lar extensa afetando o seio maxilar
e causando destruição da cortical
óssea vestibular. Análise nos cortes
transaxiais e 3D por tomografia cone-
beam.

a vulnerabilidade do paciente à dor crônica per-  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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