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1 O Complexo Dentino-Pulpar.pdf
2 Patologias Pulpar e Perirradicular.pdf
3 Alterações Patológicas Simulando Patologia Endodônticas.pdf
4 Microbiologia Endodôntica.pdf
5 Diagnóstico em Endodontia.pdf
6 Preparação para o tratamento endodôntico.pdf
7 Anatomia interna, cavidade de acesso e localização dos canais.pdf
8 Fundamentação Filosófica do tratamento endodôntico.pdf
9 Instrumentos Endodônticos.pdf
10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares.pdf
11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos Fundamentos Teóricos e Práticos.pdf
12 Acidentes e Complicações em Endodontia.pdf
13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares.pdf
14 Medicação Intracanal.pdf
15 Materiais Obturadores.pdf
16 Obturação dos Canais Radiculares.pdf
17 Retratamento Endodôntico.pdf
18 Cirurgia Perirradicular.pdf
19 Emergências e Urgências em Endodontia.pdf
20 Analgésicos em Endodontia.pdf
21 Antibióticos em Endodontia.pdf
22 Traumatismo Dentário.pdf
23 Reabsorções Dentárias.pdf
24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta.pdf
25 Inter-relação Endodontia e Periodontia.pdf
26 Síndrome do Dente Rachado.pdf
27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico.pdf
Capítulo 1
O Complexo
Dentino-Pulpar
CARACTERÍSTICAS GERAIS
A B
A dentina constitui o tecido mineralizado que
Figura 1-1. Cortes de dentes obtidos por meio de desgaste (A) e forma o maior volume do dente. A porção coronária é
por meio de descalcificação (B). recoberta por uma camada de esmalte, e a região radi-
1
2 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
terços no interior da dentina, porém estudos imunoci- calcificação da dentina. As linhas de Owen indicam a
toquímicos evidenciam componentes do citoesqueleto quantidade de dentina calcificada produzida durante
(actina, vimentina e tubulina) que indicam a presença determinado período.
do prolongamento citoplasmático por todo o compri- Uma linha de contorno mais acentuada é a linha
mento dos túbulos. neonatal, que se produz ao nascimento e nos dias sub-
A discussão em relação à extensão dos prolonga- sequentes e cessa após o recém-nascido ajustar sua vida
mentos odontoblásticos no interior dos túbulos denti- ao novo ambiente. Os períodos de nutrição inadequa-
nários não está inteiramente resolvida. Entretanto, a da ou enfermidades febris de longa duração também
importância de verificar a presença do prolongamento ficam marcados pelo maior número de linhas ou por
citoplasmático está relacionada com a capacidade rea- contorno acentuado.
cional da dentina. Linhas de Von Ebner. Constituem o limite entre as
distintas fases alternadas de atividade e repouso na
Dentina intertubular dentinogênese: refletem o ritmo diário de aposição da
A dentina intertubular se distribui entre os túbu- matriz dentinária. O trajeto dessas linhas é aproxima-
los dentinários e, fundamentalmente, é formada por damente perpendicular aos túbulos dentinários.
fibras de colágeno que constituem uma malha fibrilar
na qual se depositam os cristais de hidroxiapatita. Essa Dentina interglobular
matriz constitui a matéria orgânica da dentina. Os espaços interglobulares, de tamanhos variá-
veis, são áreas que se formam por defeito de minera-
Linhas incrementais de crescimento lização da dentina devido à falta de fusão dos calcos-
Assim como o osso, a dentina cresce continua- feritos ou glóbulos de mineralização. Com a técnica de
mente por aposição. Esse tipo de crescimento determi- preparo por desgaste dos dentes, os espaços interglo-
na a formação de linhas incrementais. As linhas incre- bulares são vistos com nitidez como áreas vazias cheias
mentais são bem observadas em cortes longitudinais de ar e, por isso, aparecem escuras (Fig. 1-9).
de dentes preparados por desgaste (Fig. 1-8). As linhas
maiores são as linhas de contorno de Owen e as meno- Camada granulosa de Tomes
res são as linhas de Von Ebner. Em dentes preparados por desgaste, é possível
Linhas de Owen. As linhas de Owen são irregula- observar, ao microscópio de luz, grânulos escuros na
res na espessura e espaçamento. Originalmente, foram
descritas como curvaturas secundárias coincidentes
entre os túbulos dentinários vizinhos, mas atualmen-
te são interpretadas como alterações no processo de
Figura 1-8. Neste corte por desgaste podemos notar as linhas in-
crementais (setas) indicando as fases alternadas de atividade e re-
pouso durante a dentinogênese, formando linhas transversais em Figura 1-9. Regiões hipomineralizadas de dentina interglobular (se-
relação aos túbulos dentinários. tas) em dente preparado por desgaste.
6 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
Dentina terciária
Figura 1-10. Na região de dentina radicular podemos notar uma
camada externa de cemento (C), a camada hialina (CH) e a camada A dentina terciária é a que se forma mais interna-
granulosa de Tomes (CGT). mente, alterando a morfologia da câmara pulpar nas
Pré-dentina
A pré-dentina, uma camada de dentina não mi- Figura 1-13. Região de corno pulpar. Observe que a pré-dentina
neralizada, localizada entre os odontoblastos e a den- (seta) é uma camada mais clara e bem nítida entre a dentina mine-
tina circumpulpar, é constituída pelos prolongamentos ralizada e a polpa não mineralizada.
citoplasmáticos, acompanhados por fibras nervosas
amielínicas e matriz orgânica dentinária. A pré-denti-
na, localizada entre a dentina mineralizada e a polpa,
evita que ocorra reabsorção pelo contato entre essas JUNÇÃO AMELODENTINÁRIA E
duas estruturas (Fig. 1-13). Em um corte histológico de CEMENTODENTINÁRIA
dente descalcificado e corado com hematoxilina-eosi-
O limite amelodentinário se distingue como uma
na, a pré-dentina é facilmente observada, pois se cora
linha festonada, bem nítida, entre esmalte e dentina,
menos intensamente. Pode apresentar 10 a 50 µm de
dois tecidos de estrutura e origem muito diferentes
espessura.
(Fig. 1-4B).
Ao microscópio de luz, o limite cementodentiná-
rio pode ser observado em dentes descalcificados como
uma linha bem corada pela técnica de hematoxilina-eo-
sina, que separa as duas estruturas (Fig. 1-14).
Entre a dentina radicular e o cemento é descrita
uma camada hialina de tecido (camada de Hopewell-
Smith). Para alguns investigadores, sua existência é
discutível. Outros consideram um tipo diferente de
dentina, uma variedade de cemento ou, ainda, um teci-
do distinto unindo cemento e dentina (Fig. 1-10).
POLPA DENTAL
Do ponto de vista estrutural, a polpa dental é um
tecido conjuntivo frouxo, ricamente vascularizado e
Figura 1-12. Dentina terciária que, quando depositada em respos-
ta a um estímulo leve, apresenta túbulos discretamente irregulares
inervado. As principais células da polpa são odonto-
e, quando o dano é mais grave, forma-se uma dentina irregular com blastos, fibroblastos, ectomesenquimais indiferencia-
túbulos desorganizados e escassos como nesta imagem. das e macrófagos.
8 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
Odontoblastos
São células especializadas do tecido pulpar loca-
lizadas na periferia desse tecido e adjacente à pré-den-
tina. A camada odontoblástica é formada por células
dispostas em paliçada (fileira de núcleos alongados pa-
ralelos entre si), que se assemelha ao epitélio cilíndrico
pseudoestratificado na região coronária (Fig. 1-15) e, na
superfície radicular, assemelha-se ao epitélio cilíndrico
simples (Fig. 1-16). Na região coronária, as células são
maiores e mais numerosas do que na região radicular.
As variações morfológicas indicam se a célula
está em atividade ou em repouso. Quando estão em
Figura 1-16. Fotomicrografia da camada de odontoblastos na re-
máxima atividade secretora, os odontoblastos são ob-
gião radicular. Neste local, as células são menores e cuboidais.
servados pela microscopia de luz como células cilín-
dricas altas com núcleos grandes de localização basal e
citoplasma intensamente basófilo. nulos maduros e escassas organelas. Os processos são
Ultraestruturalmente, os odontoblastos ativos responsáveis por transportar e liberar, por exocitose, os
apresentam o retículo endoplasmático rugoso mui- grânulos maduros ao espaço extracelular. Tais grânu-
to extenso, ocupando grande parte do citoplasma. O los contêm glicosaminoglicanas (GAG), glicoproteínas
complexo de Golgi, de localização supranuclear, está e precursores do colágeno, componentes básicos da
muito desenvolvido com numerosos grânulos de con- matriz orgânica da dentina.
teúdo filamentoso. Além disso, o citoplasma possui A extremidade distal do corpo celular possui um
abundantes mitocôndrias. Nos prolongamentos odon- citoesqueleto bem desenvolvido, constituído de micro-
toblásticos de uma célula jovem ativa observam-se grâ- túbulos, que proporcionam rigidez e mantêm a forma
O Complexo Dentino-Pulpar 9
Fibroblastos
Os fibroblastos são as células mais numerosas do O número de células ectomesenquimais diminui
tecido conjuntivo pulpar, especialmente na região co- com a idade. Geralmente, estão na região subodonto-
ronária, onde formam uma camada altamente celulari- blástica, intimamente relacionadas com a microvascu-
zada. Essas células multifuncionais formam, mantêm e larização pulpar, e são muito semelhantes aos fibro-
regulam a matriz extracelular fibrilar e amorfa. blastos quando observadas em cortes histológicos para
Existem grupos distintos de fibroblastos que di- microscopia de luz, porém são menores com aspecto
ferem fenotipicamente. Essas células formam diversos estrelado.
tipos de colágeno de acordo com suas propriedades
funcionais e químicas. Macrófagos
Como células ativas, são fusiformes com citoplas-
Os macrófagos são células que participam do me-
ma basófilo e organelas bem desenvolvidas que atuam
canismo de defesa e pertencem ao sistema fagocítico
na síntese de proteínas. O núcleo, geralmente elíptico,
mononuclear e, como tal, originam-se dos monócitos.
possui um ou dois nucléolos evidentes. Os fibroblastos
Os macrófagos modificam sua forma de acordo
secretam os precursores das fibras colágenas, reticula-
com o local em que se encontram no tecido conjunti-
res e elásticas, assim como a substância fundamental
vo. As células livres são arredondadas e os macrófagos
da polpa. Assim, o aspecto fusiforme ou estrelado dos
fixos são irregulares pela presença de verdadeiros pro-
fibroblastos depende do tipo de matriz extracelular na
longamentos citoplasmáticos. O citoplasma não é bem
qual se encontram submersos (Fig. 1-17).
visualizado pela microscopia de luz e o núcleo é ligei-
Em polpas jovens, essas células ativas possuem
ramente excêntrico. Do ponto de vista ultraestrutural,
longos e delgados prolongamentos citoplasmáticos
o complexo de Golgi e o retículo endoplasmático liso
que formam complexos juncionais com outros fibro-
(REL) são bem desenvolvidos, além de apresentarem
blastos. Na polpa adulta, essas células se transformam
retículo endoplasmático rugoso (RER), mitocôndrias,
em fibrócitos, com formato ovalado, núcleo e croma-
abundantes vacúolos e lisossomos.
tina mais densos e escasso citoplasma com reduzidas
organelas.
Outras células do tecido pulpar
Ao serem examinados os componentes da polpa
Células ectomesenquimais normal humana, outros tipos celulares podem ser identi-
Também denominadas células ectomesenquimais ficados, como células dendríticas, linfócitos, plasmócitos
indiferenciadas, derivam-se do ectoderma e da crista e, ocasionalmente, eosinófilos e mastócitos. Essas células
neural. Constituem as células de reserva da polpa pela são bem observadas nos processos inflamatórios.
sua capacidade de se diferenciar em novos odontoblas- Células dendríticas são células apresentadoras de
tos ou fibroblastos, de acordo com o estímulo atuante. antígenos que estão posicionadas estrategicamente na
10 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
Vasos linfáticos
As investigações mais recentes indicam que exis-
tem numerosos vasos linfáticos na região central da
polpa e, em menor número, na sua periferia, próximo à
camada odontoblástica.
Os vasos linfáticos deixam a polpa radicular acom-
panhados de nervos e vasos sanguíneos pelo forame api-
cal para drenar em vasos linfáticos maiores do ligamen-
to periodontal. Nos dentes anteriores, os vasos linfáticos
drenam até os gânglios linfáticos submentonianos e, nos
dentes posteriores, drenam para os gânglios linfáticos
submandibulares e cervicais profundos.
INERVAÇÃO
Figura 1-18. Fotomicrografia da polpa próximo à pré-dentina coro- O tecido pulpar se caracteriza por ter uma inerva-
nária, onde se observa um arranjo celular característico. O significa- ção sensitiva e autônoma. As fibras nervosas chegam
do desse arranjo é desconhecido. 1 = dentina; 2 = pré-dentina; 3 = na polpa acompanhando os vasos sanguíneos aferentes
camada de odontoblastos; 4 = camada de Weil; 5 = camada rica em
células; 6 = região central da polpa.
através do forame apical e são constituídas por fibras
nervosas sensitivas mielínicas (tipo A) e amielínicas
(tipo C), além das fibras simpáticas (Fig. 1-19). As fibras
Região central da polpa. É formada por tecido con- nervosas simpáticas são também amielínicas e perten-
juntivo frouxo, diferentes tipos celulares, escassas fibras cem ao sistema nervoso autônomo. São fibras de con-
em uma matriz amorfa e abundantes vasos e nervos. dução lenta, provenientes do gânglio cervical superior,
As células principais são os fibroblastos, que podem que controlam o calibre arteriolar (função vasomotora).
estar ativos ou em repouso, células ectomesenquimais As fibras nervosas sensitivas constituídas pelos aferen-
indiferenciadas e macrófagos perivasculares. tes sensoriais do trigêmeo (V par do nervo craniano) são
responsáveis pela transmissão da dor. As fibras mielíni-
cas sensitivas do tipo A, localizadas na periferia da pol-
VASCULARIZAÇÃO
pa, são responsáveis pela dor aguda pulsátil, típica da
Vasos sanguíneos
Devido ao seu reduzido tamanho, a polpa possui
vasos sanguíneos de pequeno calibre (Fig. 1-19). Os va-
sos sanguíneos entram e deixam a polpa pelo forame
apical e forames acessórios acompanhados de fibras
nervosas sensitivas e simpáticas. Na região coronária,
os vasos se ramificam, diminuem de calibre e formam
o plexo capilar subodontoblástico. Essa extensa rede
capilar se localiza na camada pobre em células com a
função de nutrir os odontoblastos. As artérias estão lo-
calizadas mais perifericamente, enquanto as vênulas se
localizam mais centralmente.
Algumas arteríolas formam alças em U e anasto-
moses arteriovenosas e venovenosas. As anastomoses
arteriovenosas são pontos de contato direto entre a cir- Figura 1-19. Corte histológico corado com hematoxilina-eosina. A
culação arterial e venosa, e por meio dela se desvia o polpa dental é ricamente vascularizada e inervada.
12 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
estimulação dentinária. As fibras amielínicas sensitivas Atualmente, existem três teorias que tentam explicar a
do tipo C, localizadas profundamente na polpa, são res- sensibilidade dentinária:
ponsáveis pela dor excruciante e difusa da polpa, típica A primeira, baseada em aspectos morfológicos,
de pulpite irreversível sintomática. explica o mecanismo de sensibilidade pela presença de
Os nervos mielínicos são mais numerosos na pol- terminações nervosas próprias. Entretanto, apesar de o
pa coronária do que na região radicular. Suas ramifi- plexo de Raschkow já ter sido bem estudado, não se co-
cações formam o plexo nervoso subodontoblástico de nhece a quantidade de fibras nervosas que existe dentro
Raschkow, localizado na camada de Weil. dos túbulos. Além disso, na presença de tais terminações
A maioria dos feixes nervosos termina no plexo nervosas, a aplicação de anestésicos locais na superfície
subodontoblástico como fibras amielínicas (os axônios dentinária eliminaria a dor, o que não ocorre.
perdem a delgada bainha de mielina). Entretanto, al- A segunda afirma que o odontoblasto, acoplado
guns axônios penetram entre os corpos dos odonto- às terminações nervosas da polpa, atuaria como recep-
blastos e entram nos túbulos dentinários, ficando in- tor dos estímulos. Por ser o odontoblasto uma célula
timamente relacionados com os prolongamentos dos com origem na crista neural, ela poderia reter a capa-
odontoblastos. cidade de receber e transmitir estímulos, através de
seus prolongamentos citoplasmáticos, estabelecendo
sinapses com as fibras nervosas da polpa. Entretanto,
SENSIBILIDADE DENTINO-PULPAR
a atividade dos odontoblastos como células nervosas
Por muito tempo, acreditou-se que o estímulo do ainda não foi comprovada, tampouco a existência das
complexo dentino-pulpar produzia sempre a sensação referidas sinapses nervosas.
de dor. Entretanto, estudos mais recentes sugerem que A terceira teoria, hidrodinâmica, considera que os
os aferentes da polpa podem distinguir os diferentes estímulos que atuam sobre a dentina provocam o mo-
estímulos e perceber sua natureza mecânica, térmica vimento do fluido dentinário no interior dos túbulos e
ou tátil. podem ser percebidos pelas terminações nervosas li-
A dentina é um tecido muito sensível aos estí- vres da polpa. Nos preparos de cavidade, por exemplo,
mulos externos recebidos pelas terminações nervosas quando a dentina é exposta, parte do fluido dentinário
da polpa. Ainda permanece a discussão em relação à se perde e esse estímulo provoca a movimentação do
forma de transmissão dos impulsos nervosos e que es- fluido dentinário. Dessa forma, as terminações nervo-
truturas estão envolvidas nesse processo que resulta na sas livres estimuladas desencadeiam o estímulo dolo-
sensibilidade do complexo dentino-pulpar (Fig. 1-20). roso.
Em muitas situações, é possível que vários fatores
estejam atuando simultaneamente. Assim, a explicação
para a sensibilidade do complexo dentino-pulpar pode
estar nessas três teorias.
CALCIFICAÇÕES PULPARES
O aparecimento de áreas mineralizadas é relativa-
mente comum na polpa madura, especialmente na re-
gião central. A quantidade de calcificações é maior nos
dentes de indivíduos com mais idade e dentes expos-
tos a traumatismos e cáries. Elas ocorrem sob a forma
de cálculos pulpares, nódulos pulpares ou calcificações
difusas.
Acredita-se que os cálculos pulpares ou dentículos
Figura 1-20. Desenho esquemático ilustrando as teorias sobre a sejam formados durante o desenvolvimento da polpa
sensibilidade dentinária. A primeira teoria, em A, sugere a sensibili- com a deposição de dentina tubular pelos odontoblas-
dade pela presença da fibra nervosa no interior do túbulo dentiná- tos. Os dentículos podem ser observados no canal radi-
rio; a segunda teoria, em B, admite que o odontoblasto mantém a
cular e na câmara pulpar (Figs. 1-21 e 1-22). A maioria
capacidade de transdução dos impulsos nervosos; a terceira teoria,
em C, considera o estímulo das fibras nervosas pela movimentação deles está aderida à parede dentinária. Os cálculos pul-
do líquido no interior dos túbulos dentinários. pares podem trazer complicações para o tratamento
O Complexo Dentino-Pulpar 13
CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS
Mudanças com a idade
Algumas mudanças são observadas nas estrutu-
ras dentárias e seus tecidos de sustentação com o en-
velhecimento do indivíduo e são mais acentuadas nos
dentes submetidos a irritantes externos, como trauma,
cárie e procedimentos restauradores.
A espessura da dentina secundária aumenta com
o passar dos anos, diminuindo o volume da polpa den-
Figura 1-21. A presença de um cálculo pulpar, como se observa tal. No dente do adulto, a polpa se caracteriza por ser
neste dente, pode dificultar a instrumentação endodôntica na re- pobre em células, suprimentos sanguíneo, linfático e
gião apical. nervoso. Ao contrário do que se pensava, o conteúdo
de colágeno não se modifica com a idade. Por ser a
polpa menos celularizada, diminuem a síntese e degra-
dação do colágeno. A degeneração de fibras nervosas
diminui a sensibilidade do complexo dentino-pulpar.
A mineralização gradual da dentina intratubu-
lar pode resultar no completo fechamento dos túbu-
los dentinários e, dessa forma, a polpa se torna mais
protegida dos efeitos nocivos do meio, como a invasão
microbiana.
As modificações decorrentes da idade diminuem a
capacidade de reparação do complexo dentino-pulpar.
No caso de injúria tecidual com dano irreversível aos
odontoblastos, a polpa madura nem sempre consegue
diferenciar novas células para produção de dentina re-
paradora da mesma forma que uma polpa jovem.
No indivíduo idoso, a calcificação pulpar, a de-
posição de dentina secundária e a formação de dentina
esclerosada são mais comuns. Por um lado, tal situação
permite que os preparos de cavidade sejam realizados
Figura 1-22. O maior aumento da lâmina anterior (Fig. 1-21) per- com menor risco de expor a polpa acidentalmente. No
mite ver o cálculo pulpar aderido à pré-dentina com túbulos denti- entanto, quando existe a necessidade de tratamento
nários evidentes. endodôntico, o profissional pode encontrar dificulda-
de para localizar a entrada dos canais quando a mine-
ralização depositada impede a visualização deles por
endodôntico no momento de abrir a câmara pulpar e obstrução.
instrumentar os canais. Entretanto, não estão relacio- A cor do dente é mais escura com o passar do
nados com a dor pulpar. tempo. Tal escurecimento pode ser provocado por ma-
Os nódulos pulpares são calcificações concêntricas terial orgânico do meio que se incorpora ao esmalte.
ou radiais de material calcificado regular. Estão presen- Outra possível causa é o escurecimento da dentina, que
tes na polpa coronária e podem ser livres ou aderidos. se torna mais mineralizada e pode ser observada atra-
14 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
vés do esmalte, que, além de ser translúcido, é mais são observadas na superfície do cemento, porém, em
desgastado e fino. determinadas situações, podem aparecer, provocando
Para compensar o desgaste oclusal que ocorre com a reabsorção desse tecido.
o tempo, o dente se movimenta axialmente. É possível A formação do osso alveolar, cemento e liga-
que o desgaste oclusal seja compensado pela deposição mento periodontal ocorre simultaneamente. Durante
contínua de cemento ao redor do ápice do dente, que o desenvolvimento do osso alveolar, parte das fibras
ocorre após o dente ter-se deslocado. Com a idade, a principais do ligamento, elaborada por fibroblastos, é
espessura do ligamento periodontal diminui. incorporada à matriz óssea de maneira similar ao que
ocorre com a formação do cemento.
O tratamento endodôntico e o periodonto de O ligamento periodontal é composto de células,
sustentação fibras e substância fundamental. Os fibroblastos, as
principais células, são capazes de degradar e sintetizar
Os tecidos do periodonto de sustentação se ori- o colágeno simultaneamente e, por isso, são respon-
ginam de células ectomesenquimais, que se diferen- sáveis pela grande capacidade de renovação do com-
ciam em cementoblastos, fibroblastos e osteoblastos partimento extracelular. Os osteoblastos, osteoclastos e
para formar cemento, ligamento periodontal e osso, cementoblastos, apesar de estarem funcionalmente as-
respectivamente. Esses tecidos constituem a unidade sociados ao osso e ao cemento, são células que se loca-
estrutural que participa na sustentação do dente aos lizam no interior do ligamento periodontal (Figs. 1-14
ossos maxilares. Feixes grossos de fibras colágenas do e 1-23). No dente completamente formado existe uma
ligamento se inserem no cemento (Fig. 1-23) e no osso população de células ectomesenquimais no ligamento
alveolar, e essas estruturas ficam intimamente relacio- periodontal que permite a diferenciação, quando ne-
nadas. Coletivamente, são também conhecidos como cessário, de novas células de natureza conjuntiva.
tecidos perirradiculares, termo a ser usado em todos os Frequentemente, as manipulações endodônticas
capítulos deste livro. (extirpação pulpar, alargamento dos canais com instru-
O cemento, um tecido conjuntivo mineralizado, mentos endodônticos e obturação do canal radicular)
recobre a dentina radicular e permanece firmemente provocam injúrias aos tecidos perirradiculares. A ex-
aderido a sua superfície mesmo após a extração do tirpação da polpa vital pode provocar hemorragia e in-
dente. Assim como o tecido ósseo, sua matriz orgâni- flamação aguda no ligamento periodontal apical e nos
ca é constituída, principalmente, por colágeno tipo I e espaços medulares do osso adjacente. Em alguns casos
pode sofrer reabsorção e neoformação. A maior espes- ocorrem destruição parcial do ligamento periodontal e
sura de cemento é observada na região de ápice radicu- reabsorção óssea. Entretanto, os tecidos perirradicula-
lar. Em condições de normalidade, células clásticas não res usualmente se reparam rapidamente sem perder a
estrutura ou função.
Muitos estudos indicam que a reparação tecidual
se desenvolve melhor na presença de quantidade mí-
nima de tecido pulpar e alguns afirmam ainda que a
preservação do coto pulpar não constitui aspecto im-
portante para o processo de reparação tecidual após o
tratamento de canal. O Capítulo 8 discute essa questão
com mais detalhes.
O uso do hidróxido de cálcio tem-se consagrado
na prática endodôntica pelos bons resultados clínicos
obtidos. A análise histológica mostra que esse mate-
rial em contato com a polpa estimula a neoformação
de dentina e, em contato com o ligamento periodontal,
estimula a neoformação de cemento. Convém lembrar
que as células ectomesenquimais indiferenciadas no li-
gamento periodontal provavelmente continuam como
Figura 1-23. Os feixes grossos de fibras colágenas do ligamento
periodontal estão inseridos no cemento, como revela este corte his-
precursoras dos fibroblastos, dos cementoblastos e os-
tológico. Nota-se ainda os cementoblastos enfileirados na superfície teoblastos no dente formado e, dessa forma, esse tecido
do cemento, mas dentro do ligamento periodontal. assume importância fundamental no processo repara-
O Complexo Dentino-Pulpar 15
dor dos tecidos perirradiculares após o tratamento en- perfícies da mucosa bucal. Além disso, o uso do tabaco
dodôntico. e a ingestão de álcool, os principais agentes etiológicos
A manipulação dos canais radiculares pode do câncer bucal, devem ser evitados pelo paciente em
provocar danos aos tecidos perirradiculares se a ins- razão da possibilidade dos seus efeitos carcinogênicos
trumentação ultrapassar o forame apical, injuriar os somatórios.
tecidos do ligamento e introduzir bactérias. Geralmen- A junção amelocementária (JAC) deve ser cui-
te, esse tipo de trauma resulta em inflamação crônica dadosamente avaliada pelo clínico que planeja fazer
apical, formação de granuloma, e, em alguns casos, na o clareamento dentário interno. Produtos químicos,
presença de elementos epiteliais, desenvolve-se um como agentes clareadores, quando colocados na câ-
cisto perirradicular (ver Capítulo 2). Além disso, na mara pulpar, podem ser extravasados através dos tú-
presença de canais acessórios, as doenças inflamatórias bulos dentinários, induzindo um processo inflamató-
da polpa podem progredir para o ligamento periodon- rio subclínico na região cervical gengival, dissolvendo
tal e vice-versa (ver Capítulo 25). a matriz extracelular ou o cemento intermediário de
O tratamento endodôntico de dentes com rizogê- proteção. Essa região é considerada vulnerável, pois
nese incompleta objetiva estimular a complementação nem sempre a dentina está protegida pelo cemento
radicular, quando a polpa está preservada, e induzir e esmalte, existindo, assim, as chamadas janelas ou
o fechamento do forame apical com tecido mineraliza- gaps.
do, quando a polpa sofreu necrose. Histologicamente, Alguns trabalhos recentes mostraram que agen-
forma-se uma barreira de tecido duro de cemento ce- tes clareadores internos e externos podem alargar as
lular ou dentina, promovendo o selamento do forame janelas de dentina. O aumento da permeabilidade den-
apical. tinária pela redução da espessura cervical nos proce-
dimentos endodônticos e a presença de microáreas de
exposição de dentina na JAC favorecem a difusão do
Efeitos dos agentes clareadores sobre o
peróxido de hidrogênio. A dentina desprotegida fica
esmalte e o complexo dentino-pulpar
exposta aos elementos celulares do tecido conjuntivo e
O escurecimento do dente ocorre pela formação às células que reconhecem proteínas dentinárias espe-
de estruturas quimicamente estáveis responsáveis cíficas como antígenos e inicia-se o processo de reab-
pela formação de manchas na coroa do dente. O cla- sorção dentária.
reamento realizado por meio de substâncias químicas A erupção passiva do dente que ocorre com o
transforma produtos orgânicos em dióxido de carbo- tempo faz com que a JAC perca o contato com os te-
no e água. O momento crítico desse processo ocorre cidos gengivais e passe a se relacionar com o epité-
quando se inicia a perda da estrutura dental. Alguns lio juncional, podendo ainda ficar exposta ao sulco
estudos indicam que o uso de peróxido de hidrogê- gengival ou ao meio bucal. Dessa forma, existe uma
nio por 24 horas provoca alterações superficiais, bem menor possibilidade de ocorrer uma reabsorção cer-
como diminuição significativa da dureza da dentina vical externa com o uso de agentes clareadores inter-
intertubular. O uso de tomografia microcomputadori- nos em adultos com mais de 30 anos do que nos mais
zada para avaliar os efeitos do peróxido de carbamida jovens.
a 10% sobre o esmalte revelou a sua desmineralização
em 50 micrômetros de profundidade. Alguns estudos
Alterações do desenvolvimento dentário
ainda devem ser realizados para avaliar esses resul-
que podem dificultar ou contraindicar o
tados, pois tais efeitos, clinicamente, parecem ser mí-
nimos. Além disso, o clínico deve estar atento para
tratamento endodôntico
as alterações que podem ser provocadas por agentes As anomalias dentárias podem ser influenciadas
clareadores sobre as restaurações que o paciente já por fatores ambientais, ser hereditárias ou ainda idio-
possui. páticas. O exame clínico e radiográfico cuidadoso do
O peróxido de hidrogênio tem sido considerado dente deve ser realizado antes de iniciar o tratamento
altamente reativo, podendo danificar os tecidos moles endodôntico, pois, dessa forma, o clínico estará evitan-
e duros da boca quando usado em concentrações eleva- do os atropelos de um mau planejamento provocados
das por longos períodos de exposição. Novos estudos pela desatenção ao se deparar com dentes malforma-
sobre o assunto são necessários, e recomenda-se que dos que, muitas vezes, contraindicam o tratamento en-
seja usado com cautela, evitando o contato com as su- dodôntico.
16 Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
Dente invaginado
O dente invaginado é uma profunda invagina-
ção da superfície para dentro da coroa ou raiz. O re-
sultado dessa anomalia é uma cavidade no interior
do dente revestida por esmalte. O dente afetado des-
sa maneira apresenta-se grosso e deformado, tendo Figura 1-26. Na imagem radio-
gráfica do dente invaginado da
a polpa, muitas vezes, necrosada e infectada (Figs. Fig. 1-24 se destaca a radiopacida-
1-24 e 1-25). Os incisivos laterais permanentes são os de do esmalte e o ápice se encon-
dentes mais afetados. O exame radiográfico revela a tra aberto.
invaginação contornada pelo esmalte radiopaco (Fig.
1-26). Em alguns casos, a invaginação pode romper-se
lateralmente, provocando uma lesão inflamatória la-
teral, porém com a preservação da vitalidade pulpar.
Histologicamente, o esmalte invaginado está defeituo-
so, especialmente abaixo da invaginação (Fig. 1-27). A
restauração é indicada para prevenir o envolvimento
por cárie da invaginação com inflamação pulpar sub-
sequente. O dente invaginado dificulta o tratamento
endodôntico, tornando-se um grande desafio para o
endodontista.
Figura 1-24. Dente invaginado.
O esmalte invagina profunda-
mente e pode se estender até a
raiz, porém a invaginação da co-
roa, como neste caso, é a forma
mais comum.
Odontodisplasia regional
A odontodisplasia regional, também chamada
dente-fantasma, é uma alteração no desenvolvimento lo-
calizada, não hereditária, que afeta o esmalte, a dentina
e a polpa. A maioria dos casos é idiopática. Em geral,
a alteração envolve vários dentes em uma mesma re-
gião (Fig. 1-28). O dente afetado mostra uma acentuada
distorção da forma anatômica, aspecto grosseiro na su-
perfície de coloração amarelada ou acastanhada (Fig.
1-29). O exame radiográfico revela uma diminuição da
radiopacidade, não sendo possível distinguir o esmalte
da dentina. Além disso, a câmara pulpar se encontra
ampliada e, muitas vezes, os ápices estão abertos (Fig.
1-30). Estas características conferem ao dente o aspecto
possível, os dentes afetados devem ser mantidos. Exis- radiopacidade da pérola de esmalte em relação à den-
tem relatos de dentes tratados endodonticamente com tina. Além disso, a mudança de angulação do feixe de
sucesso. Dentes com grande comprometimento e infec- raios X pela técnica de Clark ajuda a diagnosticar a pé-
tados devem ser removidos. rola de esmalte pelo deslocamento da imagem.
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Capítulo 2
Patologias Pulpar e
Perirradicular
Um profissional da área de saúde está necessaria- so crônico, caracterizado pela participação da resposta
mente voltado para a prevenção e o tratamento de uma imunológica adaptativa, de caráter específico. Nesse
doença. No caso específico da Endodontia, o profissio- caso, se a resposta imunológica não consegue eliminar
nal lida com as patologias pulpares e perirradiculares. o agente agressor, pelo menos e na grande maioria das
Para ser bem-sucedido em prevenir e tratar qualquer vezes, ela consegue controlá-lo, confinando-o ao local
doença é essencial o conhecimento dos seus aspectos da agressão. Na persistência do estímulo agressor, as
etiológicos e fisiopatológicos, bem como da sua mani- próprias respostas de defesa do hospedeiro, específicas
festação clínica. Apenas de posse desse conhecimento ou inespecíficas, podem gerar o dano tecidual. No caso
poderá o profissional exercer de forma competente o das doenças pulpares e perirradiculares, a destruição te-
diagnóstico, a prevenção e o tratamento das doenças cidual causada pelas defesas do hospedeiro em resposta
pulpares e perirradiculares. Grande parte da frustração a uma agressão persistente parece ser mais significativa
de profissionais e pacientes no que concerne a várias
situações clínicas provém da falta de conhecimento do
profissional em relação à patologia a ser diagnosticada,
prevenida ou tratada.
As principais alterações patológicas que acome-
tem a polpa e os tecidos perirradiculares são de natu-
reza inflamatória e de etiologia infecciosa (Fig. 2-1). A
inflamação é a principal resposta da polpa e dos teci-
dos perirradiculares a uma gama variada de estímulos
que causam injúria tecidual. A intensidade da respos-
ta inflamatória irá variar conforme o tipo de agressão
e, principalmente, a sua intensidade. Uma vez que a
agressão rompe a integridade tecidual, a resposta infla-
matória visa a localizar e preparar os tecidos alterados
para reparação da região afetada. Figura 2-1. As patologias pulpar e perirradicular são de natureza
inflamatória e de etiologia microbiana, com a cárie e a infecção do
Muitas vezes, quando a agressão é persistente e
sistema de canais radiculares representando as principais fontes de
não resolvida pela mobilização dos mecanismos ines- agressão microbiana persistente à polpa e aos tecidos perirradi-
pecíficos de defesa do hospedeiro, instala-se um proces- culares, respectivamente.
21
22 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
do que os próprios efeitos diretos proporcionados pe- A agressão física à polpa pode ser representada
los micro-organismos, embora esses sejam os principais por:
agentes desencadeadores de todo o fenômeno.
Antes de discutirmos as características específicas • calor gerado durante o preparo cavitário, durante a
das patologias pulpar e perirradicular, cumpre revisar, reação de presa de materiais restauradores ou du-
de forma sucinta, a dinâmica de eventos e os componen- rante o polimento de uma restauração (Fig. 2-2);
tes envolvidos nas respostas inflamatória e imunológica. • ação mecânica de brocas, durante exposição aciden-
tal da polpa;
• trauma, levando à fratura de esmalte e dentina, com
INFLAMAÇÃO exposição pulpar;
Introdução e definição • pressão exercida durante a moldagem protética.
O termo inflamação provém do latim enfflamare, A agressão física ao ligamento periodontal deve-
que significa atear fogo. Em aproximadamente 1650 se basicamente à:
a.C., um símbolo hieroglífico, representado por um
braseiro, foi traduzido como inflamação158. • sobreinstrumentação (Fig. 2-3);
Inflamação pode ser definida como a reação da mi- • sobreobturação (Fig. 2-4).
crocirculação a uma injúria aos tecidos, com a consequente
movimentação de elementos intravasculares, como fluidos,
células e moléculas, para o espaço extravascular118.
Os conhecimentos de inflamação são de extrema
importância para o profissional que pratica a Endodontia,
uma vez que estão diretamente relacionados com o de-
senvolvimento de sinais e sintomas das patologias pulpa-
res e perirradiculares, à patogênese dessas doenças e aos
mecanismos de reparação. Dessa forma, o profissional en-
tra em contato com inflamação: durante o diagnóstico das
doenças; durante a indicação e execução do tratamento e
durante a prosservação, avaliando o sucesso da terapia
instituída. Em outras palavras, o profissional contata in-
flamação antes, durante e após o tratamento. Nada mais
coerente do que reconhecer a importância de se terem,
Figura 2-2. O preparo cavitário representa agressão física (mecâni-
pelo menos, conhecimentos básicos neste assunto.
ca e térmica) à polpa.
Causas da inflamação
A agressão tecidual é o agente desencadeador
da resposta inflamatória, por induzir o rompimento
da homeostasia mantida por meio da relação célula-
meio, este último representado pelos fluidos extrace-
lulares e a microcirculação. A agressão à polpa e ao
ligamento periodontal pode ser de origem biológica,
física ou química.
A agressão biológica, representada por micro-or-
ganismos, é a mais importante no que tange à indução
e principalmente à perpetuação das patologias pulpar
e perirradicular. Micro-organismos presentes em uma
lesão de cárie ou estabelecidos no interior do sistema
de canais radiculares contendo polpa necrosada repre-
sentam a principal causa de inflamação pulpar e perir- Figura 2-3. A sobreinstrumentação representa agressão mecânica
radicular, respectivamente. aos tecidos perirradiculares.
Patologias Pulpar e Perirradicular 23
Tipos de inflamação
A resposta inflamatória pode ser classificada como
aguda ou crônica de acordo com os seguintes critérios:
a) Duração
Figura 2-5. Materiais restauradores temporários ou definitivos re- A resposta inflamatória aguda é de curta duração,
presentam agressão química à polpa. usualmente não excedendo de 2 a 3 dias. Qualquer res-
24 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
b) Natureza
A resposta inflamatória aguda é de natureza exsu-
dativa, caracterizada pelo aumento de permeabilidade
vascular, que permite a saída de líquido e proteínas
plasmáticas do compartimento intravascular para os
tecidos. Já a resposta inflamatória crônica é de natureza Figura 2-8. Linfócitos e plasmócitos em área de inflamação crônica.
proliferativa, em razão da presença de fibroblastos, va- (Gentileza do Prof. Carlos José Saboia Dantas.)
sos sanguíneos neoformados e, em determinadas situa-
ções, fibras nervosas em estado de proliferação. A pre-
sença desses elementos estabelece uma estreita relação vasos sanguíneos neoformados e brotamentos axonais
entre a inflamação crônica e o processo de reparo. Um também estão presentes nos processos crônicos. Assim,
exemplo extremamente evidente da natureza prolife- na inflamação crônica existe a coexistência de células
rativa de processos crônicos é a pulpite hiperplásica, imunocompetentes (de defesa) e elementos envolvidos
onde há formação de um pólipo de tecido pulpar que na reparação.
protrai para a cavidade oral através da área de exposi- Em normalidade, o pH tecidual é levemente alca-
ção da polpa. lino, variando entre 7,2 e 7,4. Em um tecido acometi-
do por inflamação aguda, o pH cai, tornando-se ácido
c) Células envolvidas (pH = 6,5 ou menos), como resultado do ácido lático
oriundo da glicólise anaeróbica realizada por células
A inflamação aguda é caracterizada pelo predo-
inflamatórias. A estase sanguínea também permite o
mínio de neutrófilos polimorfonucleares no local afe-
acúmulo de CO2, que contribui para a queda de pH.
tado (Fig. 2-7). Macrófagos também estão presentes,
Por outro lado, o aumento da vascularização associado
contudo, em menor número. Na inflamação crônica, as
à inflamação crônica faz com que o pH se eleve, alcan-
células predominantes são mononucleares, como linfó-
çando a neutralidade ou ficando ligeiramente alcalino
citos, plasmócitos e macrófagos, componentes da res-
(pH = 7,0 a 7,2)84.
posta imunológica adaptativa (Fig. 2-8). Fibroblastos,
INFLAMAÇÃO AGUDA
A resposta inflamatória aguda, que consiste na
primeira linha de defesa do hospedeiro contra um
agente agressor, faz parte de uma imunidade inata in-
duzida, de caráter inespecífico, cuja sequência de even-
tos usualmente independe do tipo de agente agressor.
O objetivo da inflamação é, basicamente, localizar a re-
gião agredida, eliminar o agente agressor e remover os teci-
dos degenerados, preparando a área afetada para a reparação.
Para esse intento, a inflamação envolve:
• alterações vasculares;
• células responsáveis pelo combate ao agente agressor
e eliminação de componentes teciduais alterados;
Figura 2-7. Área de inflamação aguda purulenta evidenciando nu-
• uma miríade de moléculas que controlam todos os
merosos neutrófilos polimorfonucleares. (Gentileza do Prof. Fábio eventos associados à inflamação – os mediadores
Ramoa Pires.) químicos.
Patologias Pulpar e Perirradicular 25
MEDIADORES QUÍMICOS DA
INFLAMAÇÃO AGUDA
Figura 2-10. Substâncias com efeito quimiotático sobre células de Como resultado da agressão ao tecido, várias subs-
defesa as atraem para o local da infecção. Uma vez no espaço extra- tâncias químicas são liberadas na região74,108, as quais
vascular, neutrófilos e macrófagos eliminam o agente agressor por são responsáveis pela indução, controle e amplificação
meio de fagocitose. dos eventos vasculares e celulares associados à infla-
mação. São os mediadores químicos da inflamação, os
Além das quimiocinas, outros mediadores envolvi- quais podem ser vasoativos, causando vasodilatação e
dos na atração de células inflamatórios são C5a (fragmen- aumento da permeabilidade vascular, e quimiotáticos
to oriundo da ativação do sistema complemento), LTB4 para células inflamatórias, atraindo-as para o local da
(leucotrieno B4), PAF (fator ativador de plaquetas) e pro- lesão tecidual. Além disso, algumas dessas substâncias
dutos bacterianos, como peptídeos N-formilados (carac- podem estar envolvidas na opsonização, na destruição
terística singular de bactérias), contendo aminoácidos ter- tecidual e na indução da dor (Quadro 2-1).
minais N-formil-metionil-leucil-fenilalanina (Fig. 2-10). Os mediadores químicos da inflamação podem
ter basicamente duas origens. Determinadas substân-
cias envolvidas na mediação da resposta inflamatória
Sinais cardeais da inflamação
podem ter origem intravascular (plasmática), sendo
No primeiro século d.C, Celsus, um escritor roma- ativadas principalmente após o dano aos vasos. Os me-
no, descreveu os quatro sinais cardeais da inflamação: diadores de origem plasmática incluem o sistema das
calor, rubor, tumor e dor. Posteriormente, um outro si- cininas, o sistema complemento, o sistema fibrinolítico
nal clínico, a perda de função, foi descrito por Virchow. e o de coagulação.
O aparecimento de tais sinais ajuda a caracterizar um Outras substâncias podem ser encontradas já pré-
quadro de inflamação. formadas ou serem imediatamente produzidas após
a injúria tecidual. Os elementos celulares componen-
• Calor: elevação da temperatura local devido à vaso- tes dos tecidos são os responsáveis pela liberação de
dilatação. tais substâncias, representadas por: aminas vasoativas
• Rubor: o local afetado fica avermelhado devido à va- (histamina e serotonina); derivados do ácido aracdôni-
sodilatação. co (prostaglandinas, tromboxanes e leucotrienos); en-
• Tumor: tumefação localizada devido ao aumento de zimas lisossomais; radicais livres derivados do oxigê-
permeabilidade vascular. nio e do nitrogênio; fator ativador de plaquetas (PAF);
• Dor: deve-se à ação direta de mediadores químicos neuropeptídeos e citocinas.
sobre fibras nervosas ou devido ao aumento de per-
meabilidade vascular. O edema tecidual comprime as Aminas vasoativas
terminações nervosas livres, sendo a principal causa
de dor associada à inflamação na maioria dos tecidos. Nesse grupo estão incluídas a histamina e a sero-
• Perda de função: em razão da tumefação e da dor, os tonina.
tecidos afetados perdem as suas funções normais.
Histamina
A inflamação aguda em determinados tecidos A histamina é o mediador químico mais importante
pode não apresentar todos esses sinais. Por exemplo, na das fases iniciais da resposta inflamatória aguda. Isso se
28 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
na proteção da mucosa gástrica da ação de ácidos. A portantes na inflamação é o LTB4, um potente agente
produção de COX-2 é induzida pelo dano tecidual e quimiotático para neutrófilos, eosinófilos e monócitos.
pela ação de lipopolissacarídeos bacterianos, citocinas Ele também pode estimular a liberação de enzimas e
e fatores de crescimento. Essa enzima está envolvida produção de ânion superóxido por neutrófilos. LTB4
na produção de prostaglandinas durante processos in- pode aumentar a permeabilidade vascular, permitindo
flamatórios. Todavia, evidências recentes sugerem que extravasamento de plasma.
COX-1 é responsável pela produção de prostaglandi-
nas envolvidas na resposta inflamatória imediata ao Enzimas lisossomais e outros componentes
estímulo, enquanto COX-2 está primariamente envol- granulares
vida na síntese de prostaglandinas à medida que a in-
flamação progride60. A primeira célula a migrar dos vasos para o tecido
A tromboxane A2 é um ativador da agregação pla- para combater um agente agressor durante a respos-
quetária e potente vasoconstrictor; logo, sendo importan- ta inflamatória aguda é o neutrófilo polimorfonuclear.
te na obtenção da hemostasia. Plaquetas possuem ní- Essa célula tem propriedade fagocítica, isto é, internali-
veis elevados da enzima tromboxane sintetase. Trom- za estruturas estranhas, como, por exemplo, bactérias,
boxane A2 tem meia-vida de alguns segundos e sua destruindo-as por meio de um sistema dependente ou
atividade pode ser inibida por anti-inflamatórios não independente do oxigênio. Tais sistemas dependem
esteroidais. da ação do conteúdo dos grânulos do neutrófilo. Na
Tanto a PGI2 (prostaciclina) quanto a PGE2 são verdade, neutrófilos possuem em seu citoplasma três
potentes vasodilatadores, que também potencializam o principais tipos de grânulos12,13:
aumento da permeabilidade vascular. Ambas causam dor
indiretamente por aumentar a permeabilidade vas- • Grânulos primários ou azurófilos. São lisossomas ver-
cular, o que resulta na formação de edema que com- dadeiros contendo proteínas microbicidas (p. ex., de-
prime fibras nervosas. Além disso, elas amplificam os fensinas e azurocidina), proteinases (elastase e ca-
efeitos da bradicinina e da histamina, possivelmente tepsinas), lisozima e mieloperoxidase.
através da diminuição do limiar de excitabilidade de • Grânulos secundários ou específicos. Contêm lisozima,
nociceptores vinculados a fibras nervosas. Nesse as- catelicidina, colagenase e lactoferrina e são menores
pecto, os efeitos de PGI2 são mais pronunciados do que que os azurófilos.
os da PGE2. PGI2 também inibe a agregação plaquetária. • Grânulos terciários ou de gelatinase. Contêm gelatinase.
PGE2 é a principal prostaglandina produzida durante
um processo inflamatório e está associada ao proces- Além dos efeitos benéficos na eliminação de pa-
so de reabsorção óssea. Citocinas, como a IL-1, podem tógenos e partículas estranhas fagocitadas, o conteúdo
estimular a biossíntese de PGs por células envolvidas dos grânulos de neutrófilos pode ter efeitos inflamató-
na reabsorção óssea, como fibroblastos, macrófagos e rios e promover destruição tecidual. Para isso, devem
osteoblastos. Osteoblastos exercem um papel central ser liberados para o meio extracelular. O conteúdo dos
no processo de reabsorção do tecido ósseo. Estímulos grânulos azurófilos é preferencialmente liberado no
que perturbam a homeostasia dos osteoblastos podem vacúolo fagocítico, enquanto os dos demais são geral-
induzir a liberação de colagenase, que destrói o osteoi- mente liberados para o ambiente extracelular72.
de, matriz óssea não calcificada, criando uma condição A elastase é uma importante proteinase de neu-
predisponente para o início da reabsorção. Osteoblas- trófilos polimorfonucleares. Essa enzima promove
tos afetados por PGs liberam citocinas que estimulam a a degradação de elastina, fibrinogênio, cininogênio,
atividade osteoclástica. Além disso, a indução de reab- componentes do complemento e colágeno estrutural.
sorção por PGs parece ser por meio da potencialização Assim, dentre outros efeitos, está envolvida na geração
da ação de mediadores químicos com propriedades de bradicinina e de C5a, um potente agente quimiotáti-
pró-reabsortivas. co subproduto do sistema complemento. Colagenase e
As prostaglandinas podem induzir efeitos sistêmicos, gelatinase são metaloproteinases com ação lítica sobre
como febre e mal-estar. o colágeno, estando envolvidas na destruição tecidual.
A catepsina G é um outro exemplo de proteinase, que
Leucotrienos (LT) parece ter funções similares às da elastase.
Os leucotrienos são formados a partir da ação da Defensinas são peptídeos catiônicos ricos em cis-
enzima 5-lipoxigenase sobre o AA68. Um dos mais im- teína que contribuem para a defesa contra infecções72.
30 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Elas são incorporadas à membrana celular de bactérias Radicais livres derivados do oxigênio
durante a fagocitose, rompendo a sua normalidade
As células fagocíticas ativadas por micro-orga-
e alterando o fluxo de íons, com subsequente lise da
nismos ou outros estímulos na presença do oxigênio
célula bacteriana36. Azurocidina é uma proteína catiô-
experimentam uma explosão respiratória, caracterizada
nica que pode neutralizar lipopolissacarídeos (LPS) e
por um aumento de duas a vinte vezes no consumo de
atuar como opsonina26. Seus efeitos na indução de in-
oxigênio. Grande parte do O2 consumido pelo fagóci-
flamação estão relacionados com o fato de que ela é se-
to é convertida diretamente a ânion superóxido (O2–).
cretada por neutrófilos durante os estágios iniciais da
Por sua vez, o ânion superóxido pode ser convertido
inflamação quando da interação com o endotélio e par-
a peróxido de hidrogênio (H2O2) pela ação da enzima
ticipa na indução de aumento da permeabilidade vas-
superóxido dismutase. Alternativamente, o ânion su-
cular e extravasamento de neutrófilos para o exterior
peróxido pode reagir com o H2O2, na presença de ferro
do vaso26,71. Além disso, também é quimiotática para
ou de outro metal catalista, dando origem a radicais
monócitos e linfócitos71. A catelicidina é outro exemplo
hidroxilas (OH–).
de proteína com atividade tóxica direta contra diversos
Quando liberados para o meio extracelular, os ra-
micro-organismos72.
dicais livres derivados do oxigênio podem causar uma
Outras substâncias microbicidas presentes nos
série de efeitos. A liberação pode ocorrer após exposi-
grânulos de neutrófilos incluem mieloperoxidase, lac-
ção do fagócito a agentes quimiotáticos (C5a e LTB4), a
toferrina e lisozima. A mieloperoxidase é uma enzima
complexos imunes e a desafios fagocíticos, isto é, partí-
que está envolvida em um sistema antibacteriano de-
culas muito grandes ou aderidas a superfícies.
pendente de oxigênio. A lactoferrina é uma proteína
Os radicais oxigenados podem causar danos a célu-
que possui ação antibacteriana por quelar íons de ferro,
las endoteliais, promovendo aumento da permeabilidade
tornando-os indisponíveis para o metabolismo bacte-
vascular. Eles também são citotóxicos para várias outras
riano. A lisozima é uma enzima bactericida por agir cli-
células do hospedeiro, como eritrócitos, fibroblastos e
vando a ligação glicosídica entre o ácido N-acetilmurâ-
leucócitos. A citotoxicidade parece estar relacionada
mico e a N-acetil-glicosamina, açúcares componentes
com efeitos diretos sobre fosfolipídios da membrana
do peptidoglicano da parede celular bacteriana.
citoplasmática, proteínas e DNA28,33. Os radicais livres
induzem peroxidação lipídica por reagirem com ácidos
Metaloproteinases de matriz (MMPs) graxos insaturados dos fosfolipídios da membrana, ge-
rando peróxidos que iniciam uma reação autocatalítica,
Usualmente, a degradação da matriz extracelular
resultando na perda de ácidos graxos insaturados, com
do tecido conjuntivo induzida por micro-organismos é
consequente dano extenso à membrana citoplasmática.
mediada por fatores do hospedeiro. Patógenos podem
A oxidação de proteínas celulares, principalmente de
causar a destruição tecidual isoladamente e de forma
enzimas contendo grupamentos sulfidrila, pode torná-
direta pela liberação de enzimas proteolíticas, sem a
las inativas. Por fim, radicais podem interagir com o
participação de células do hospedeiro. Todavia, isso é
DNA, causando danos irreversíveis à molécula.
uma exceção.
As metaloproteinases de matriz (MMPs) são enzi-
mas que estão envolvidas no processo de remodelação
Fator ativador de plaquetas (PAF)
tecidual, clivando componentes da matriz extracelular O PAF não é armazenado no interior celular, mas
do conjuntivo. Todavia, elas são as principais respon- pode ser rapidamente produzido após estímulo apro-
sáveis pelo dano ao tecido conjuntivo durante uma priado. Esses estímulos podem ser representados por
agressão microbiana. A atividade catalítica dessas en- complexos imunes, peptídeos quimiotáticos, trombi-
zimas reside em um domínio ativo que possui um sítio na, colágeno, ou por outros mediadores químicos. As
ligante de zinco (Zn+2), dependendo da presença desse principais células envolvidas na produção do PAF são
metal para serem ativas, daí o termo metaloproteinase. mastócitos, basófilos, neutrófilos, monócitos, células
Como exemplos, temos algumas MMPs que podem endoteliais, plaquetas e eosinófilos. O precursor do
ter ação de colagenase (MMP-1 e MMP-8) ou de gela- PAF encontra-se em altas concentrações nas membra-
tinases (MMP-2), as quais degradam diversos tipos de nas citoplasmáticas dessas células.
colágeno118. As MMPs são sintetizadas por células do O PAF pode promover vasodilatação e aumento
próprio tecido conjuntivo, macrófagos, osteoblastos, da permeabilidade vascular, como também pode es-
osteoclastos e células endoteliais. timular a adesão de neutrófilos ao endotélio, além de
Patologias Pulpar e Perirradicular 31
ser quimiotático para leucócitos. A sua ação sobre pla- uma vez liberado para o meio externo, exerce vários
quetas consiste na indução da agregação, favorecendo efeitos biológicos. CGRP é um potente vasodilatador
a obtenção da hemostasia após lesão vascular. arteriolar e normalmente está presente em fibras peri-
vasculares. Ele também pode exercer algum efeito so-
Neuropeptídeos (NPs) bre a permeabilidade vascular. Por isso, CGRP é um
importante mediador da inflamação neurogênica120.
O sistema nervoso periférico é dividido em sis-
Esse peptídeo também pode estar envolvido no proces-
tema nervoso somato-sensorial e sistema nervoso au- so de reparação tecidual, estimulando a proliferação de
tônomo. Esse último, por sua vez, é subdividido em fibroblastos.
sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassim- Neuropeptídeos também podem ser produzidos e
pático. As fibras nervosas relacionadas com esses siste- liberados por fibras dos sistemas simpático e parassim-
mas são capazes de, quando estimuladas, liberar NPs, pático. Uma catecolamina, noradrenalina (NA), é o neu-
substâncias dotadas de vários efeitos biológicos, dentre rotransmissor nos nervos simpáticos, sendo sintetizada
eles, a indução de eventos que culminam em inflamação pela ação da enzima dopamina beta-hidroxilase (DBH).
neurogênica10, a qual é definida como a inflamação cau- Um peptídeo isolado dessas fibras, o neuropeptídeo Y
sada pela ativação de neurônios periféricos. (NPY), induz vasoconstricção. O polipeptídeo vasoin-
NPs são sintetizados no corpo celular do neurô- testinal (VIP) é um neuropeptídeo sintetizado por fibras
nio, localizado em um gânglio nervoso, sendo condu- colinérgicas, sendo capaz de induzir vasodilatação e de
zidos para a periferia através do fluxo axonal e então promover alterações bioquímicas e morfológicas em os-
estocados no citoplasma, até a liberação no terminal teoblastos conduzindo à reabsorção óssea78.
nervoso induzida por um estímulo, como, por exem-
plo, agressão tecidual. Óxido nítrico (NO)
Alguns NPs são sintetizados e liberados por fibras
nervosas do sistema nervoso somato-sensorial, prova- O NO é produzido por células endoteliais, macró-
velmente por fibras amielínicas do tipo C, visto que o fagos e alguns neurônios específicos no cérebro através
estímulo necessário para induzir a liberação é de maior da atividade da enzima NO sintase. O NO produzido
intensidade que o necessário para ativar fibras mielí- por macrófagos, após a indução da NO sintase por ci-
nicas do tipo A-δ. Os principais NPs de fibras senso- tocinas, pode ser usado para destruir células infecta-
riais são substância P (SP) e peptídeo relacionado com das e células tumorais. NO apresenta citotoxicidade
o gene da calcitonina (CGRP). por ser altamente reativo e ligar-se ao ferro de grupos
SP é um peptídeo formado por 11 aminoácidos e prostéticos de certas enzimas envolvidas na respiração,
inativando-as e levando à morte celular89.
pode coexistir com outros neuropeptídeos, como NKA
NO não é apenas citotóxico, mas pode também
(neurocinina A) e CGRP, na mesma fibra nervosa afe-
atuar como mensageiro intercelular. Células endote-
rente. Quando liberada para o meio extracelular, ela
liais produzem e liberam NO após estimulação por ci-
exerce uma série de efeitos biológicos, tais como vaso-
tocinas ou acetilcolina. O NO liberado difunde-se para
dilatação e aumento de permeabilidade vascular, com
o músculo liso adjacente, induzindo seu relaxamento e
extravasamento de plasma e consequente formação de
consequente vasodilatação.
edema101. SP também induz a liberação de mediadores
por mastócitos, pode ser quimiotática para monócitos,
induz a liberação de enzimas lisossomais por neutró- Citocinas
filos polimorfonucleares e pode favorecer o reparo te- Citocinas são polipeptídeos produzidos por uma
cidual por estimular a proliferação de fibroblastos. A variedade de células do hospedeiro, responsáveis pela
maioria das fibras contendo SP está relacionada com modulação da função de diferentes tipos celulares. Os
vasos sanguíneos. Entretanto, algumas fibras também fatores estimuladores de colônias (CSFs) estimulam o cres-
podem estar presentes em locais onde existem poucos cimento de leucócitos a partir de precursores na me-
vasos, como na camada odontoblástica da polpa den- dula óssea. As interleucinas atuam primariamente so-
tal. Essas fibras também podem penetrar na pré-den- bre leucócitos. As quimiocinas estimulam e direcionam
tina e dentina161,162. Nessas regiões, SP pode participar a quimiotaxia de leucócitos. Os fatores de crescimento
dos mecanismos de transmissão da dor. estão envolvidos na indução da proliferação de dife-
CGRP é primariamente produzido por fibras ner- rentes tipos celulares. Citocinas não são estocadas em
vosas aferentes do sistema nervoso somato-sensorial e, grânulos ou outras estruturas citoplasmáticas, sendo
32 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
sua síntese induzida por algum estímulo e iniciada por efeitos na reabsorção dependentes e independentes de
uma nova transcrição do gene responsável. PGs. Os efeitos a longo prazo de IL-1 na reabsorção
Citocinas podem exercer a sua função sobre dife- óssea são inibidos por indometacina, um inibidor da
rentes tipos celulares, propriedade essa denominada de síntese de PGs.
pleiotropismo. Além disso, elas podem ter vários efei-
tos diferentes sobre o mesmo tipo celular, e alguns até Interleucina 6 (IL-6)
ocorrendo simultaneamente. Esses efeitos dependem da
IL-6 é uma citocina de cerca de 26 kDa sintetizada
interação de citocinas com receptores de superfície na
por macrófagos, células endoteliais, fibroblastos, osteo-
célula-alvo. Se a citocina age sobre a própria célula que a
blastos e outras células. Ela pode ser indutora da dife-
secretou, temos uma ação autócrina. Se as células afetadas
renciação terminal de células B em plasmócitos, células
estão próximas ou distantes daquela que secretou citoci-
produtoras de anticorpos, e está também envolvida na
nas, as ações são parácrina e endócrina, respectivamente.
reabsorção óssea. Ela é sintetizada por osteoblastos em
Citocinas possuem várias funções, dentre elas:
resposta a outros agentes envolvidos na reabsorção,
como PTH, PG e IL-1. IL-6 pode estimular a formação
• mediadores da inflamação;
de osteoclastos a partir de precursores hematopoiéticos.
• reguladores da ativação, crescimento e diferencia-
ção de linfócitos;
• mediadores da resposta imunológica adaptativa; Quimiocinas
• indução da formação e da reabsorção óssea. Quimiocinas foram descritas previamente neste
capítulo na seção Quimiotaxia.
As principais citocinas envolvidas no processo in-
flamatório são:
Fator de necrose tumoral (TNF)
Existem duas formas de TNF: alfa e beta. TNF-α é
Interleucina 1 (IL-1)
produzido por monócitos e macrófagos, principalmen-
Existem basicamente duas formas de IL-1: alfa e te quando ativados. TNF-β também é conhecido como
beta. Macrófagos ativados são os principais produtores linfotoxina e é produzido por linfócitos T.
de IL-1. Células endoteliais e algumas epiteliais tam- Os principais efeitos inflamatórios do TNF são:
bém podem produzir essa citocina.
Os principais efeitos inflamatórios da IL-1 sobre • estimulação da expressão de moléculas de adesão
células e tecidos são: por células endoteliais, tornando-as próprias para a
adesão por neutrófilos polimorfonucleares e subse-
• ativação de macrófagos; quentemente por monócitos e linfócitos;
• estimulação para a síntese de PGs por macrófagos e • ativação da capacidade citocida de neutrófilos e mo-
fibroblastos; nócitos;
• ativação de células endoteliais; • estimulação da produção de IL-1, IL-6 e outras cito-
• indução de febre por estimular células hipotalâmi-
cinas;
cas a sintetizar PGs;
• ação sobre células do hipotálamo, estimulando a
• estimulação da reabsorção óssea.
síntese de PGs e, assim, induzindo febre;
• estimulação da reabsorção óssea, mas em propor-
A IL-1β é talvez a mais importante citocina en-
ções bem menores que IL-1.
volvida na reabsorção óssea25, sendo responsável por
cerca de 60% da atividade total de reabsorção. IL-1β é
15 vezes mais potente que IL-1α e mil vezes mais que
Fatores estimuladores de colônias (CSFs)
TNF em induzir reabsorção. Ela é encontrada em ní- Os CSFs formam uma classe de fatores de cresci-
veis elevados associada aos processos de perda óssea mento responsáveis pelo crescimento e diferenciação
das patologias periodontais e perirradiculares. IL-1 de células hematopoiéticas. Os principais envolvidos
pode estimular a diferenciação dos precursores hema- na resposta inflamatória são:
topoiéticos dos osteoclastos em osteoclastos maduros.
Isto pode ocorrer indiretamente pela ação de IL-1 sobre Fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF)
osteoblastos, fazendo com que esses liberem mediado- É um polipeptídeo de cerca de 40 a 70 kDa, produ-
res solúveis, responsáveis pela diferenciação. IL-1 tem zido por macrófagos, células endoteliais, osteoblastos e
Patologias Pulpar e Perirradicular 33
fibroblastos. Seu efeito principal é a estimulação das cé- quimiotaxia para células inflamatórias. A bradicinina
lulas precursoras destinadas a se desenvolver em macró- também pode induzir dor por ação direta sobre as fi-
fagos. Por não ser detectado na circulação, parece que o bras nervosas.
M-CSF apenas possui ação no local onde é produzido.
Sistemas de coagulação e fibrinolítico
Fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF)
Existem dois mecanismos básicos, ativados em
O G-CSF é um polipeptídeo de aproximadamente
cascata, que estão envolvidos na coagulação sanguínea.
19 kDa, produzido por macrófagos, fibroblastos e célu-
O fator XII (Hageman) contata a membrana basal vas-
las endoteliais. Ele estimula a formação de granulócitos
cular ou plaquetas ativadas em locais de injúria vascu-
na medula óssea. Devido ao fato de ter ação a distância,
lar e sofre uma alteração conformacional, tornando-se
o G-CSF produzido em uma resposta inflamatória na
ativado (transforma-se então em fator XIIa). Isso ocorre
periferia pode estimular uma maior produção de neu-
pela exposição de um centro ativo da molécula, fazen-
trófilos pela medula óssea e, assim, aumentar o supri- do com que ela passe a apresentar a capacidade de cli-
mento de células de defesa. var proteínas e ativar uma variedade de mediadores.
O fator XIIa desencadeia a via intrínseca de coagulação
Fator estimulador de colônias de granulócitos e enquanto o fator VII, em conjunto com a tromboplas-
macrófagos (GM-CSF) tina, leva à ativação da via extrínseca. A primeira é in-
O GM-CSF é uma glicoproteína de 22 kDa sinte- trínseca porque todos os fatores envolvidos nessa via
tizada por células T, macrófagos, células endoteliais, estão presentes na microcirculação. A segunda é ex-
osteoblastos e fibroblastos. Ele estimula o desenvol- trínseca, pois o fator necessário para a ativação da via,
vimento de células precursoras da medula óssea em isto é, a tromboplastina, é liberado pelo tecido agredi-
granulócitos e macrófagos. Assim como o M-CSF, ele do. A tromboplastina tecidual é um complexo formado
não tem ação a distância. Quando produzido fora da por fosfolipídios da membrana e lipoproteínas.
medula óssea, pode atuar na ativação de macrófagos, Ambas as vias conduzem a um efeito em cascata,
mas com potência menor que interferon-γ (IFN-γ). convergindo para a conversão do fibrinogênio à fibrina
pela ação da trombina.
Sistema das cininas Dois componentes específicos do sistema de co-
agulação funcionam como elos entre a inflamação e a
A bradicinina é a molécula de maior atividade
coagulação sanguínea:
biológica do sistema das cininas. Ela é um peptídeo
composto por nove resíduos de aminoácidos. A sua
• Trombina, que cliva o fibrinogênio em fibrina. Du-
síntese depende da ativação do fator de Hageman, o fa-
rante a conversão, fibrinopeptídeos são gerados, os
tor XII da cascata de coagulação. Essa ativação se dá
quais induzem aumento de permeabilidade vascu-
após o contato desse fator com superfícies carregadas
lar e quimiotaxia para leucócitos.
negativamente, como a membrana basal vascular. En-
• Fator Xa. Ambas as vias de coagulação convergem
dotoxinas (ou lipopolissacarídeos), liberadas por bac-
para um ponto onde o fator X é convertido a fator Xa
térias gram-negativas, heparina e sulfato de dextrana
(ativado). Esse fator passa a apresentar atividade de
também podem ativar o fator de Hageman.
proteinase que, após ligação a seus receptores, causa
Durante a ativacão, o fator de Hageman é clivado
aumento de permeabilidade vascular.
em duas partes, unidas por uma ligação dissulfeto. A
parte maior possui o domínio responsável pela adesão
No sistema fibrinolítico, o plasminogênio, uma pro-
a superfícies, enquanto no fragmento menor está o sítio
teína plasmática, pode ser ativado pelo fator de Hage-
com atividade enzimática, que converte a pré-calicreí-
man, gerando uma protease multifuncional – a plasmi-
na plasmática em uma outra enzima ativa, a calicreína.
na. A plasmina lisa coágulos de fibrina, formando pro-
Essa cliva o cininogênio, uma glicoproteína plasmática,
dutos de degradação que aumentam a permeabilidade
em bradicinina. Por sua vez, a enzima calicreína pode
vascular e são quimiotáticos para neutrófilos.
ativar o fator de Hageman, amplificando o sistema.
A bradicinina tem ação potente sobre a permea-
Sistema complemento
bilidade vascular, causando um aumento da filtração
de fluido com duração média de 10 minutos. Ela tam- O sistema complemento é composto por várias
bém promove a vasodilatação arteriolar e pode causar proteínas plasmáticas que são ativadas por micro-
34 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
organismos e levam à destruição dos mesmos e à infla- • A via da lectina é ativada na ausência de anticorpos
mação. Os principais efeitos biológicos decorrentes da pela ligação de polissacarídeos microbianos a lecti-
ativação do sistema complemento são: nas circulantes, como a lectina fixadora de manose
(MBL) ou a lectinas conhecidas como ficolinas que
• Citólise de micro-organismos pela formação de um reconhecem N-acetilglucosamina e o ácido lipotei-
complexo de ataque à membrana citoplasmática cóico da parede celular de bactérias gram-positivas1.
(C5b-9). Quando determinados componentes do Essas lectinas são membros da família das colectinas.
complemento se polimerizam sobre a membrana de Assim, nessa via de ativação, MBL se liga a resíduos
um micro-organismo, ela tem sua integridade des- de manose presentes em polissacarídeos bacterianos
truída com consequente lise osmótica celular. e também às proteases serinas MASP-1 e MASP-2.
• Opsonização, onde alguns componentes do comple- Essa última então cliva C4 e C2, e os eventos subse-
mento se ligam à superfície de micro-organismos e quentes são idênticos aos que ocorrem na via clássi-
partículas estranhas, o que favorece a sua fagocitose ca. Esses resíduos se encontram expostos em muitos
por células fagocíticas. Essas, por sua vez, precisam micro-organismos, mas são cobertos e mascarados
expressar receptores de superfície que reconheçam por outros carboidratos em células do hospedeiro.
o componente do complemento que está agindo
como opsonina. C3b é uma opsonina que se liga à
superfície microbiana ou à porção Fab da molécula
FAGOCITOSE
de imunoglobulina. Um dos principais mecanismos de defesa do hos-
• Ação de anafilatoxina, que ativa mastócitos e basófilos, pedeiro contra micro-organismos dá-se por meio da
promovendo a liberação de histamina, leucotrienos fagocitose realizada por determinadas células. Muitos
e prostaglandinas. C3a, C4a e C5a são anafilatoxinas tipos celulares são capazes de ingerir partículas estra-
que possuem uma arginina terminal, exposta apenas nhas, mas nem todos são capazes de destruir micro-
após a ação enzimática sobre C3, C4 e C5, respecti- organismos. As células capazes de realizar tal função
vamente, que é responsável pela ligação a recepto- são denominadas de fagócitos profissionais e compre-
res e consequente ativação de mastócitos e basófilos. endem os macrófagos e neutrófilos. Esses últimos são
Esses componentes do sistema complemento indu- capazes de fagocitar cinco a vinte bactérias antes de
zem aumento de permeabilidade vascular. morrer, enquanto os macrófagos, quando ativados, po-
• Quimiotaxia para leucócitos, atraindo-os para o local dem fagocitar até cem bactérias (Fig. 2-11).
de agressão. C5a é quimiotática para neutrófilos, que Os neutrófilos são as primeiras células a deixar
possuem receptores de superfície para esse compo- os vasos sanguíneos e alcançar o tecido agredido (Fig.
nente do sistema complemento. Além disso, pode 2-12). Posteriormente, monócitos deixam a corrente
estimular a produção de radicais livres derivados sanguínea e, ao adentrarem os tecidos, diferenciam-se
do oxigênio por neutrófilos. em macrófagos. Macrófagos também estão envolvidos
na indução da resposta imunológica adaptativa por
A ativação do sistema complemento ocorre em
cascata, podendo ocorrer por três vias:
• Micro-organismos. Quando a defesa inata não é su- Os indivíduos expostos a uma molécula estranha
ficiente para eliminar uma infecção, entra em cena são ditos sensibilizados.
uma resposta inflamatória crônica, em que a respos- Uma vez que a resposta imunológica adaptativa,
ta imunológica adaptativa exerce um papel de des- de caráter específico, é o principal componente de uma
taque na eliminação focal do agente agressor. inflamação crônica voltado para o combate a um agen-
• Produtos e componentes estruturais bacterianos. Em te agressor persistente, cumpre aqui discutir alguns as-
determinadas circunstâncias, fatores de origem bac- pectos básicos relacionados com essa resposta.
teriana podem causar agressão tecidual, mesmo na
ausência de bactérias viáveis no local afetado. Esses
fatores incluem toxinas, enzimas e componentes da Características
parede celular. Um exemplo disso é a inflamação Especificidade
da polpa dental em um dente acometido por cárie, O sistema imune possui especificidade para com-
onde a exposição pulpar ainda não ocorreu. A difu- ponentes estruturais específicos de antígenos distintos.
são de produtos bacterianos oriundos do processo As porções antigênicas reconhecidas são denominadas
carioso pelos túbulos dentinários evoca uma infla- de epítopos ou determinantes antigênicos.
mação pulpar.
• Corpos estranhos. Compostos de origem vegetal con-
tendo celulose (papel, algodão e alimentos), talco,
Diversidade
objetos metálicos e material de sutura são exemplos O repertório de linfócitos é extremamente amplo –
de elementos de difícil degradação por parte do cerca de 1 bilhão de determinantes antigênicos diferentes
organismo, evocando uma reação de corpo estranho, podem ser discriminados. Cada clone de linfócitos é capaz
caracterizada pelo acúmulo de macrófagos e a for- de responder a um determinante antigênico distinto. Esse
mação de células gigantes multinucleadas. é o conceito básico da teoria de seleção clonal. O desenvol-
• Produtos metabólicos. Produtos do metabolismo ce- vimento desses clones ocorre antes e independentemente
lular podem ser a causa de inflamação crônica. Por da exposição ao antígeno. Quando um antígeno invade o
exemplo, a deposição de cristais de colesterol nos hospedeiro, induz a proliferação do clone específico para
tecidos pode induzir reação de corpo estranho. seu determinante antigênico. Como o clone responsável
pela resposta corresponde a uma fração mínima do nú-
As principais células envolvidas na inflamação mero total de linfócitos de um indivíduo, a contagem de
crônica são: macrófagos, linfócitos, plasmócitos, fibro- linfócitos no sangue não se altera significativamente du-
blastos, mastócitos, células epiteliais, fibras nervosas e rante uma resposta imune. Assim, com base nessa teoria,
elementos vasculares. Nota-se então que há uma coe- infere-se que duas moléculas antigênicas diferentes não
xistência entre elementos de defesa e de reparação. podem ser reconhecidas pelo mesmo linfócito.
38 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Memória
A exposição do sistema imune a um determina-
do antígeno aumenta a sua capacidade de responder
em encontros subsequentes. No segundo encontro de-
senvolve-se a resposta imunológica secundária, que é
muito mais rápida, mais eficaz e de maior intensidade
que a resposta primária.
dem auxiliar linfócitos B a se diferenciarem em plas- Uma subpopulação de linfócito TH produz citocinas
mócitos. Células de memória também geralmente que podem regular negativamente a outra subpopulação.
permanecem nos órgãos linfoides e são mantidas Células TH2 secretam TGF-β e IL-10, que inibem a ativação
por citocinas (p. ex., IL-7) constitutivamente produ- e o crescimento de células TH1. Por sua vez, essas últimas
zidas no tecido e que sustentam uma proliferação produzem IFN-γ que inibe o crescimento de células TH2.
celular de baixa intensidade. Isso é importante para Um outro fator que influencia a diferenciação de cé-
manter disponível uma população de células de me- lulas TH é a quantidade de antígenos que inicia a resposta.
mória por longo período. Grandes quantidades de peptídeos que atingem uma alta
3. Uma vez no local da infecção, o encontro com o an- densidade sobre a superfície da APC tendem a estimular
tígeno para o qual são específicos leva os linfócitos T a diferenciação em TH1, enquanto uma baixa densidade
efetores a produzirem citocinas direcionadas para a de peptídeos durante a apresentação induz TH2. Além
eliminação da fonte do antígeno (micro-organismos, disso, a ligação de alta afinidade entre o peptídeo e o TCR
por exemplo). Dependendo da população de linfóci- estimula TH1. Ligações mais fracas induzem a diferen-
tos T CD4+ envolvida, as citocinas produzidas po- ciação em TH2. É possível também que determinadas se-
dem ter as seguintes funções: quências de aminoácidos em um peptídeo possam estar
envolvidas na diferenciação das duas subpopulações.
• participação na resposta imune humoral, estimu- Em suma, os fatores envolvidos na diferenciação
lando linfócitos B e auxiliando na síntese de anti- de linfócitos T inocentes em TH1 ou TH2 são (Fig. 2-20):
corpos;
• ativação de macrófagos, favorecendo a destruição • citocinas presentes durante a estimulação;
de antígenos; • quantidade de antígenos;
• auxílio na diferenciação de linfócitos T citotóxicos. • afinidade de ligação do antígeno com o TCR;
• sequência de aminócidos que compõem o peptídeo.
Subpopulação de linfócitos TH
Resposta citolítica mediada por linfócitos T
Essas funções já relatadas dependem da subpopu-
citotóxicos CD8+
lação de células TH CD4+ ativadas – TH1 ou TH2. Durante
a resposta inicial a um antígeno nos órgãos linfoides pe- Os linfócitos T citotóxicos (Tc) estão envolvidos
riféricos, ocorre a diferenciação do linfócito TH em uma na destruição de células infectadas por parasitas in-
das suas duas subpopulações: TH1 e TH2. Dependendo tracelulares, como, por exemplo, vírus, na rejeição de
de qual subpopulação for gerada, a resposta imunoló- transplantes e na destruição de células consideradas
gica estará predominantemente voltada para a ativação estranhas, como as tumorais.
de macrófagos (TH1) ou para a produção de anticorpos
(TH2). Os linfócitos TH1 secretam IL-2, TNF e IFN-γ, en-
quanto os linfócitos TH2 produzem IL-4, IL-5, IL-10, IL-13
e TGF-β. Embora não atuem como auxiliares na resposta
humoral, os linfócitos TH1 podem dela participar por li-
berar IFN-γ, envolvido no switch de classes para IgG.
A diferenciação do linfócito T inocente pode ser
influenciada por citocinas. A estimulação dessas célu-
las na presença de IL-12 e IFN-γ, produzidos por ma-
crófagos e/ou células NK, induz a diferenciação em
TH1. Por sua vez, a ativação na presença de IL-4 e IL-6
tende a estimular a diferenciação em TH2.
Assim que uma das subpopulações se torna domi-
nante, é muito difícil a transição da resposta para o ou-
tro tipo. Uma das razões para tal reside no fato de que as
citocinas que induzem a diferenciação para um tipo de
linfócito TH inibem a ativação do outro. Por essa razão,
certas respostas a agentes infecciosos podem ser domi- Figura 2-20. Fatores envolvidos na diferenciação das duas subpo-
nadas por uma resposta humoral (TH2) ou celular (TH1). pulações de linfócitos TH.
Patologias Pulpar e Perirradicular 43
receptor expresso por células NK, o CD16 (FcγRIII). A dem produzir uma quantidade anormal de IgE, o que
ligação de CD16 presente na célula NK à IgG ligada à é ditado por fatores hereditários, pela natureza do
célula-alvo promove a interação entre os dois tipos ce- antígeno e por citocinas produzidas por células TH2,
lulares. Dessa forma, a célula-alvo é destruída. Os efei- como IL-4, que induz o switch de classe de anticorpo
tos citotóxicos promovidos por células NK são análogos para IgE.
àqueles descritos para os linfócitos Tc, isto é, pela exoci- As moléculas de IgE sintetizadas ligam-se a re-
tose de grânulos contendo perforinas e granzimas e pela ceptores específicos para sua porção Fc, presentes na
ligação a Fas119,154. Células NK também liberam citocinas superfície de mastócitos e basófilos. Em uma exposição
com funções antivirais e envolvidas na ativação de ma- subsequente ao antígeno que sensibilizou o indivíduo
crófagos, como IFN-γ e TNF11. há a formação de complexo antígeno-anticorpo sobre a
Uma pequena população de células expressa superfície do mastócito ou basófilo. Consequentemen-
marcadores encontrados tanto em células NK quanto te, há a ativação dessas células que liberam mediadores
em linfócitos T, incluindo TCRαβ, resultando na de- químicos já estocados em seus grânulos ou que foram
nominação de células NKT. Essas células reconhecem recém-sintetizados.
glicolipídios de bactérias gram-negativas e espiroque- Em indivíduos atópicos, isto é, mais suscetíveis
tas apresentados pela glicoproteína CD1d relacionada a desenvolver reações de hipersensibilidade imunoló-
com MHC I159. gica, ocorre uma maior síntese de IgE específica para
o antígeno (ou alérgeno, pois pode causar alergia).
Assim, uma quantidade maior de IgE específica para
IMUNOPATOLOGIA um determinante antigênico está ligada à superfície de
Na maioria das vezes, o sistema imune é capaz de mastócitos ou basófilos. Em uma segunda exposição, o
proteger, sem contudo causar maiores danos ao hos- antígeno irá ligar-se a duas IgEs de superfície, de for-
pedeiro. Entretanto, em determinadas situações, a res- ma cruzada, o que é necessário para a ativação do mas-
posta imunológica pode causar dano tecidual se for ex- tócito ou basófilo.
cessiva ou prolongada, como em infecções persistentes Os principais mediadores químicos liberados por
por micro-organismos que são capazes de resistir aos mastócitos ou basófilos ativados podem ser:
mecanismos de defesa inata e adaptativa. Dessa forma,
há uma estimulação antigênica persistente que resulta • pré-formados: histamina e enzimas (aril sulfatase e
em uma resposta imunológica também persistente, ca- proteases serinas);
racterizando uma inflamação crônica. Uma outra causa • recém-sintetizados: PGD2, leucotrienos (LTC4, LTD4,
provável seria a similaridade entre antígenos estranhos LTE4) e PAF.
e antígenos próprios, que levariam à destruição de te-
cidos do próprio hospedeiro. Essas reações imunes de Em conjunto, esses mediadores podem causar in-
caráter destrutivo ocorrem geralmente após contatos flamação local com vasodilatação, aumento de permea-
subsequentes com o antígeno que sensibilizou o hos- bilidade vascular e dano tecidual.
pedeiro. Essa reação é denominada de hipersensibilidade
O dano pode decorrer da ação de anticorpos ou imediata ou anafilática, que se desenvolve dentro de 5
de células de defesa. Em outras palavras, tanto a res- a 15 minutos após a exposição ao antígeno.
posta imune humoral quanto a celular podem resultar
em dano aos tecidos, que é em muita das vezes, como IgG e IgM. O dano pode ocorrer após a ligação
nas lesões perirradiculares e nas doenças periodontais, dos anticorpos IgM ou IgG a antígenos presentes na
mais significativo do que aquele causado pela ação di- superfície de micro-organismos ou outras células-alvo.
reta dos micro-organismos. Essa ligação gera a destruição da célula-alvo por dois
mecanismos:
complemento pela via clássica e à formação do com- Um antígeno introduzido no organismo pela se-
plexo de ataque à membrana, que lisa a célula. gunda vez é internalizado por uma célula apresentado-
ra, processado e expresso na superfície celular em con-
Além da lise da célula-alvo, a ligação do fagócito junto com moléculas de MHC classe II. Esse antígeno
à porção Fc do anticorpo ativa a produção de radicais é então reconhecido por linfócitos TH1 específicos, que
oxigenados livres, a liberação de componentes lisos- uma vez ativados liberam citocinas com efeitos diver-
somais e a produção de prostaglandinas, colaborando sos, como o do IFN-γ, que promove a ativação de ma-
para a destruição dos tecidos adjacentes. A ativação do crófagos. Macrófagos ativados podem liberar enzimas
complemento também gera fatores quimiotáticos, ana- lisossomais e radicais oxigenados para o meio extra-
filatoxinas e opsoninas com efeitos pró-inflamatórios. celular, causando dano aos tecidos não mineralizados.
A reação citotóxica inicia-se de 5 a 8 horas depois da Citocinas, como IL-1, TNF, IL-3 e IL-6, e outros media-
exposição ao antígeno. A célula-alvo pode ser, por dores químicos, como PGE2 e VIP, podem ser liberados
exemplo, bactérias, fungos e células epiteliais com al- por células presentes em um sítio acometido por infla-
terações de superfície (como em cistos). mação crônica, apresentando efeito pró-reabsortivo,
A formação de complexos imunes solúveis, pela levando à ativação de osteoclastos e/ou a diferencia-
ligação do anticorpo a um antígeno livre não associado ção de seus precursores hematopoiéticos. Linfócitos T,
a células, também pode acarretar o dano aos tecidos. A macrófagos ativados, fibroblastos, osteoblastos e fibras
reação se desenvolve em 2 a 8 horas após a exposição nervosas são os principais elementos envolvidos na li-
ao antígeno. Nesses casos, o complexo imune formado beração de tais fatores relacionados com a degradação
promove a ativação do sistema complemento, geran- do tecido mineralizado.
do produtos quimiotáticos (C5a) e anafilatoxinas (C3a, Assim, o dano mediado por células presentes
C4a e C5a). O complexo pode ligar-se a plaquetas atra- em um infiltrado inflamatório crônico pode abranger
vés da porção Fc do anticorpo e induzir agregação pla- tanto os tecidos mineralizados quanto os não minera-
quetária com formação de microtrombos e liberação de lizados.
aminas vasoativas. Essas substâncias provenientes da
ativação do complemento e da ativação de plaquetas
promovem aumento de permeabilidade vascular, com PATOLOGIA PULPAR E PERIRRADICULAR
formação de exsudato, e atração de fagócitos para o Patologia pulpar
local de deposição do complexo imune. A destruição
tecidual ocorre devido à produção de radicais oxige- Resposta da polpa à agressão
nados e liberação de enzimas lisossomais por parte do Muito embora bactérias possam alcançar a polpa
fagócito, durante uma tentativa fracassada de fagocitar de maneiras diversas (ver Capítulo 4), a cárie dentária
o complexo imune. Na verdade, o fagócito liga-se ao é indubitavelmente a via mais comumente observada
complexo imune graças aos seus receptores para Fc do na prática clínica.
anticorpo e para C3b. Como o complexo geralmente A polpa normal contém elementos de vigilância
está depositado sobre superfícies teciduais, como, por imunológica, no caso células dendríticas, macrófagos
exemplo, as paredes vasculares, a fagocitose torna-se e células NK e NKT, estando assim preparada para se
difícil. Assim, pelo mecanismo de “fagocitose frustra- defender de eventuais desafios antigênicos por bacté-
da”, o fagócito libera enzimas, radicais oxigenados e rias e seus produtos migrando via túbulos dentinários
óxido nítrico para o meio extracelular, causando dano. adjacentes a uma área de exposição dentinária41-44,54.
Se a lesão ocorre devido a apenas uma breve ex- Macrófagos e células dendríticas expressam MHC II e
posição ao antígeno, ocorre o reparo das áreas lesadas. funcionam como APCs na polpa, estando em grande
Mas, se ocorre exposição prolongada ao antígeno, há número nas camadas odontoblástica e paraodontoblás-
o desenvolvimento de uma inflamação crônica, com tica, as quais então representam regiões estratégicas de
dano tecidual mais grave. defesa. Prolongamentos de células dendríticas podem
até mesmo ser ocasionalmente visualizados penetran-
do em túbulos dentinários.
Dano causado por células imunocompetentes A intensidade de uma resposta inflamatória pul-
As células envolvidas nesse tipo de dano são ge- par abaixo de uma lesão de cárie dependerá da profun-
ralmente linfócitos T e macrófagos, caracterizando uma didade da invasão bacteriana e das alterações da permeabili-
sequela da resposta imune celular. dade dentinária decorrentes do processo carioso.
46 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Os odontoblastos podem responder à cárie pelo inflamatória pulpar é inicialmente crônica e de baixa
aumento da produção de dentina peritubular, origi- intensidade.
nando a esclerose tubular, representada pela redução Nos primórdios da evolução da cárie de dentina,
do diâmetro dos túbulos dentinários. Em estágios um discreto infiltrado de células mononucleares (lin-
mais avançados de destruição dentinária, devido à fócitos e macrófagos) é observado no tecido pulpar,
proximidade com a polpa, os produtos bacterianos na área adjacente aos túbulos expostos. Isso se deve
tóxicos têm difusão facilitada pelo aumento de per- à agressão de baixa intensidade causada pela difusão
meabilidade dentinária, podendo alcançar concentra- dos produtos bacterianos, como enzimas, toxinas e pro-
ções mais tóxicas às células pulpares, mormente aos dutos metabólicos, que se tornam diluídos pelo fluido
odontoblastos (Fig. 2-22). Quando essas células são dentinário. Tem sido demonstrado que mesmo lesões
destruídas pela agressão, forma-se um trato morto. Em incipientes de cárie podem induzir acúmulo de células
seguida, células mesenquimais indiferenciadas da expressando MHC II na região pulpar subjacente aos
polpa se diferenciam em odontoblastos, iniciando-se túbulos dentinários pelos quais produtos bacterianos
então a produção de dentina reparadora que irá selar migram e atingem a polpa167,168. Os produtos bacterianos
a porção pulpar dos tratos mortos. Esse tipo de denti- antigênicos que alcançam a polpa podem ser captura-
na apresenta menos túbulos e é menos calcificado do dos e processados por células dendríticas presentes na
que a dentina primária, podendo exercer um papel de camada odontoblástica e paraodontoblástica e por ma-
proteção à polpa. crófagos pulpares, sendo então transportados aos linfo-
As lesões de cárie consistem, usualmente, em um nodos, onde são apresentados aos linfócitos. Antígenos
processo intermitente, alternando períodos de rápida na forma solúvel também podem, menos comumente,
atividade com os de quiescência. As lesões podem pro- ser drenados pelos linfáticos para os linfonodos. A res-
gredir lentamente por anos. Por essa razão, a resposta posta imunológica adaptativa é ativada, culminando
com a mobilização de células imunocompetentes, como
linfócitos T e B, plasmócitos e macrófagos, para a área
adjacente aos túbulos dentinários expostos.
Se a espessura de dentina remanescente for igual
ou maior do que 1mm, a resposta inflamatória da pol-
pa é de baixa intensidade. Entretanto, se a lesão cario-
sa progride e passa a distar cerca de 0,5mm da polpa,
invadindo assim a dentina reparadora, a inflamação
pulpar usualmente se torna aguda105. A camada de
odontoblastos é então destruída e substituída por cé-
lulas inflamatórias.
A
Evidências indicam que anaeróbios estritos pre-
sentes na lesão de cárie de dentina estão envolvidos na
indução dos sintomas de pulpite reversível e irrever-
sível. Bactérias gram-negativas dos gêneros Prevotella
e Porphyromonas foram frequentemente isoladas de le-
sões de cárie de dentina sem exposição pulpar e com
sintomas clínicos de pulpite reversível, tais como dor
provocada e exacerbada a estímulos térmicos82. Em
dentes com lesões de cárie de dentina associadas a pul-
pite irreversível e exacerbação da sintomatologia pela
aplicação de calor, bacilos produtores de pigmentos
negros foram frequentemente isolados32. Uma correla-
ção positiva também foi verificada entre a presença de
B
Fusobacterium nucleatum e Actinomyces viscosus na lesão
cariosa e a sensibilidade ao frio32. Recentemente, um
Figura 2-22. Odontoblastos são as primeiras células pulpares a so-
frerem alterações em resposta à cárie. A. Odontoblastos em polpa
estudo utilizando Real-Time PCR revelou associação
normal. B. Destruição da camada de odontoblastos em resposta a positiva significante entre a presença de Parvimonas mi-
uma lesão de cárie profunda. cra (previamente Peptostreptococcus micros) e Porphyro-
Patologias Pulpar e Perirradicular 47
monas endodontalis na dentina cariada e a ocorrência de área localizada da polpa pode ser acompanhada de um
pulpite irreversível79. infiltrado leve a moderado de células inflamatórias. A
Os eventos vasculares da inflamação aguda se zona livre de células da polpa pode ser ocupada por
desenvolvem, sendo induzidos e amplificados por me- esse infiltrado, na região subjacente aos túbulos den-
diadores químicos liberados após a agressão tecidual. tinários afetados. A polpa encontra-se usualmente or-
Neuropeptídeos, como CGRP e substância P, são me- ganizada.
diadores importantes nas fases iniciais da inflamação
aguda, uma vez que há poucos mastócitos na polpa
Diagnóstico
sadia para liberar histamina161. As alterações vascula-
res incluem, como aclarado anteriormente, vasodilata- Sinais e sintomas
ção, aumento da permeabilidade vascular e posterior A pulpite reversível é, usualmente, assintomática.
migração de células inflamatórias, principalmente de Contudo, em determinadas situações, o paciente pode
neutrófilos PMNs. A migração de neutrófilos para o acusar dor aguda, rápida, localizada e fugaz, em res-
espaço extravascular adjacente ao local da agressão posta a estímulos que normalmente não evocam dor,
bacteriana pode, eventualmente, estimular o desenvol- pois ela cede imediatamente ou poucos segundos de-
vimento de uma resposta supurativa, por liberar enzi- pois da remoção do estímulo. A dor ao frio é a queixa
mas lisossomais e radicais oxigenados que promovem mais comum por parte do paciente.
a destruição dos tecidos. A vasodilatação prolongada pode resultar em
injúria capilar, com consequente extravasamento de
Pulpite reversível fluido para o compartimento extravascular. Além
É por definição uma leve alteração inflamatória disso, a ação de mediadores químicos promove um
da polpa, em fase inicial, em que a reparação tecidual aumento da permeabilidade, a princípio, ao nível ve-
advém, uma vez removido o agente desencadeador do nular. A formação de edema então é discreta nessas
processo. Se os agentes irritantes persistem ou aumen- fases iniciais da resposta inflamatória aguda na pol-
tam, a inflamação pulpar torna-se de intensidade mo- pa, exercendo pressão sublimiar sobre fibras nervosas
derada a grave, o que caracteriza a pulpite irreversível, A-δ, responsáveis pela inervação e pela dor dentiná-
com ulterior progresso para necrose pulpar. ria. Assim, não há dor espontânea nessa fase do pro-
cesso inflamatório da polpa. Contudo, esse aumento
Características histopatológicas de pressão pode diminuir o limiar de excitabilidade
Em resposta a uma lesão cariosa profunda, que dessas fibras, fazendo com que a dentina fique em es-
ainda não causou exposição, vasos sanguíneos pulpa- tado de hipersensibilidade, o que faz com que estímu-
res tornam-se dilatados, um quadro conhecido histo- los (como o frio), que normalmente não evocam dor,
logicamente como hiperemia (Fig. 2-23). A vasodilata- passem a fazê-lo.
ção prolongada predispõe ao edema, como resultado A dor oriunda da estimulação de fibras A-δ é re-
da elevação da pressão capilar e do aumento de per- sultado da hidrodinâmica do fluido dentinário, sendo
meabilidade vascular. A resposta hiperêmica em uma aguda, súbita e fugaz, passando rapidamente após a
remoção do estímulo96,157. É possível que mediadores
químicos endógenos da inflamação, como prostaglan-
dinas e serotonina, também promovam a redução do
limiar de fibras A-δ65. Produtos bacterianos, como
amônia, indol e determinadas enzimas, podem tornar
fibras A-δ mais excitáveis98,100. Os níveis de endotoxinas
em lesões cariosas parecem estar também diretamente
relacionados com a sintomatologia pulpar59.
Inspeção
Pelo exame visual se detecta restauração ou lesão
de cárie extensa. Não há ainda exposição pulpar. En-
tretanto, deve-se ter em mente que em alguns casos,
Figura 2-23. Hiperemia pulpar. Notar o aumento do calibre vascular. mesmo antes de haver exposição da polpa, pode ha-
48 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
ver o desenvolvimento de uma pulpite irreversível (ver teste é de grande valia para dentes com restaurações
adiante). extensas, que podem não reagir aos demais testes.
Cumpre salientar que todos os testes citados estão
Testes pulpares sujeitos a resultados falso-positivos (resposta positiva
Térmico de uma polpa necrosada) e falso-negativos (resposta
Calor – O calor pode ser aplicado por meio de negativa de uma polpa vital). Um estudo comparou a
bastão de guta-percha aquecido (76oC) ou pela fricção capacidade de testes térmico e elétrico em avaliar a vita-
de uma taça de borracha sobre a superfície vestibular lidade pulpar103. A probabilidade de um teste negativo
do dente. Em casos de normalidade pulpar, o paciente significar uma polpa verdadeiramente negativa foi si-
acusa dor tardia à aplicação inicial do estímulo (segun- milar para os testes térmico de frio e elétrico (89 e 88%,
dos depois, à medida que a temperatura aumenta na respectivamente). O teste térmico de calor com bastão
polpa, pela manutenção do estímulo). Dentes acome- de guta-percha aquecido foi muito inferior em detectar
tidos por pulpite reversível podem responder da mes- um resultado verdadeiro-positivo (48%). Outrossim,
ma forma. Em outras ocasiões, o paciente pode relatar a probabilidade de uma resposta positiva representar
dor aguda e imediata, que passa logo após a remoção uma polpa verdadeiramente vital foi similar para os
do estímulo. Esse tipo de dor é característico das fibras testes de frio, calor e elétrico (90, 83 e 84%, respectiva-
nervosas do tipo A-δ, cujas terminações se encontram mente). No geral, os testes de frio e elétrico tiveram va-
na porção pulpar da dentina (penetram de 100 a 200µm lores similares de eficácia (86 e 81%), sendo ambos mais
de profundidade nos túbulos). eficazes que o teste térmico de calor (71%).
Frio – A aplicação de frio, por meio de bastões
de gelo (0oC), neve carbônica ou gelo seco (–78oC) ou Testes perirradiculares
spray refrigerante, como o tetrafluoretano ou o diclo-
Percussão e palpação – Esses testes apresentam re-
rodifluormetano (Endo-Ice, a -30oC), evoca dor aguda,
sultado negativo na pulpite reversível, uma vez que não
rápida, localizada, que passa logo ou poucos segundos
há comprometimento dos tecidos perirradiculares.
após a remoção da fonte estimuladora. Essa resposta
é bastante similar à de uma polpa normal. Com a ma- Achados radiográficos
nutenção da aplicação do estímulo, a dor diminui, até Radiograficamente, verifica-se a presença de le-
desaparecer. sões cariosas ou restaurações extensas, próximas à câ-
A dentina é normalmente mais sensível ao frio mara pulpar. Na grande maioria dos casos, apenas por
do que ao calor. Isso se deve provavelmente ao fato de radiografias é arriscado afirmar se houve ou não ex-
que, pela teoria hidrodinâmica que explica a sensibi- posição da polpa. Por exemplo, cáries ou restaurações
lidade dentinária, a resistência ao movimento de flui- por vestibular ou lingual podem sobrepor-se à câmara
do pelo túbulo é diferente quando o mesmo se move pulpar na radiografia, dando a falsa impressão de ter
no sentido da polpa ou interno (calor aplicado) ou no atingido a polpa.
sentido contrário à polpa ou externo (frio aplicado).
No sentido externo, o fluido pressiona o odontoblas-
Tratamento
to firmemente para o interior do túbulo, reduzindo as
O tratamento da pulpite reversível consiste, basi-
dimensões para movimento de fluido intratubular, o
camente, na remoção de cárie ou da restauração defei-
que resulta em maior pressão contra odontoblastos e
tuosa (e/ou extensa) e aplicação de um curativo à base
fibras nervosas. No movimento em sentido interno, o
de óxido de zinco-eugenol, o qual é dotado de efeito
odontoblasto é empurrado em direção à polpa, ofere-
analgésico e anti-inflamatório. O paciente é remarcado
cendo menos resistência ao deslocamento intratubular
para, pelo menos, 7 dias depois, quando o caso é rea-
de fluido.
valiado, considerando-se a possibilidade de restaurar o
Elétrico – Quando da utilização de um Pulp Tes-
dente definitivamente.
ter, a intensidade de corrente elétrica necessária para
o paciente acusar um formigamento ou sensação de
queimação geralmente é igual ou levemente inferior à Pulpite irreversível
de um dente normal, usado como controle. Quando a polpa é exposta, fica estabelecida uma
Cavidade – A estimulação dentinária por meio de área de contato direto dessa com os micro-organismos
brocas, sonda exploradora ou colher de dentina evo- da cárie (Fig. 2-24). Inicia-se então um verdadeiro “com-
ca dor, indicando presença de vitalidade pulpar. Esse bate” visando à eliminação do agente agressor. Con-
Patologias Pulpar e Perirradicular 49
Figura 2-24. Exposição pulpar por cárie. Quando uma lesão exten-
sa de cárie atinge a polpa, ela se torna intensamente inflamada na
tentativa de impedir o avanço da infecção. (Gentileza do Prof. Ricar-
do Carvalhaes Fraga.)
Figura 2-25. Cárie profunda de dentina em um segundo pré-molar
superior associada à dor espontânea. A polpa apresenta inflamação
grave e irreversível após exposição (a área de exposição não pode
tudo, na grande maioria das vezes, devido às caracte-
ser visualizada nesse corte, mas aparece em outros cortes seriados
rísticas anatômicas peculiares da polpa, ela invariavel- do mesmo espécime). Os espaços vazios indicam a presença de
mente sofre alterações irreversíveis, caracterizadas por abscessos na polpa coronária. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
inflamação grave. Mesmo a remoção de irritantes não
é suficiente para reverter o quadro, havendo a neces-
sidade de intervenção direta na polpa. Acometida por
um processo inflamatório de caráter irreversível, a pol-
pa invariavelmente progride para necrose, a qual pode
dar-se lenta ou rapidamente. A necrose pulpar pode
ser retardada se o exsudato inflamatório for absorvido
por linfáticos ou vênulas ou se for drenado pela área de
exposição. A polpa radicular pode permanecer viável
por dias a anos. Se essa área de exposição for selada
ou obstruída, a necrose terá progressão rápida e total,
com consequente desenvolvimento de patologia perir-
A
radicular.
É imperioso ressaltar que, em alguns casos, a pul-
pite irreversível pode se instalar mesmo sem haver ex-
posição da polpa à cavidade oral.
Características fisiopatológicas
Bactérias podem causar dano direto, por meio de
seus fatores de virulência, e indireto, por evocar res-
posta inflamatória e/ou imunológica no tecido pulpar
que, quando exacerbada, é crítica para a sobrevivência
da polpa. Peptídeos N-formilados (liberados por bac-
térias), componentes do sistema complemento (ativa- B
do pela formação de complexos antígeno-anticorpos)
Figura 2-26. Exposição pulpar por cárie. A. Presença de microabs-
e mediadores químicos da inflamação (oriundos do
cessos na região pulpar próxima à exposição. B. Intenso infiltrado
tecido pulpar ou do plasma), são quimiotáticos para inflamatório na polpa adjacente a uma área de exposição por cárie.
neutrófilos PMNs, atraindo-os para o local da agres- Notar a ocorrência de necrose tecidual na superfície pulpar exposta.
50 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
são118. A liberação de enzimas proteolíticas e radicais a dor pulsátil da pulpite sintomática, aumentada du-
oxigenados por essas células inflamatórias promove rante esforço físico ou ao se deitar35.
destruição tecidual, na maioria das vezes caracterizada Cumpre salientar, entretanto, que a dor em pul-
por microabscessos (Figs. 2-25 e 2-26). pite irreversível nem sempre está presente, podendo
A área tecidual imediatamente em contato com o ser considerada exceção e não regra. Na verdade, tem
agente agressor também sofre uma série de fenômenos sido sugerido que o papel principal das fibras nervosas
fisiopatológicos, ditados pelos caracteres anatômicos pulpares seria controlar o fluxo sanguíneo e participar
da polpa. A resposta inflamatória se torna então mais da inflamação neurogênica. Existem algumas razões
acentuada, devido a esse contato direto da polpa com plausíveis para a pulpite assintomática. Muitas vezes
as bactérias. Como resultado do aumento de permea- há drenagem de exsudato inflamatório para a cavidade
bilidade vascular prolongado e acentuado, há elevação oral, via exposição pulpar. Isso ajudaria a impedir o es-
significativa da pressão hidrostática tecidual. A pres- tabelecimento de sintomatologia oriunda da compres-
são gerada pode exceder o limiar de excitabilidade são de fibras nervosas pelo edema, podendo também
das fibras nervosas amielínicas do tipo C, o que gera retardar, mas não impedir, a necrose pulpar. Além dis-
a dor pulsátil, excruciante, lenta, lancinante e espontâ- so, embora a maioria dos mediadores químicos libera-
nea, característica de pulpite irreversível. Em estágios dos durante a inflamação ative ou sensibilize os neurô-
mais avançados de aumento de pressão, o fluxo san- nios periféricos, alguns mediadores liberados na polpa
guíneo torna-se reduzido, o que faz com que as fibras após a injúria parecem ser inibitórios17. Esses incluem
A-δ, oxigênio dependentes, parem de responder, de- somatostatina e opioides endógenos, como a endorfi-
generando-se64. Por essa razão, em estágios avançados na, os quais reconhecidamente reduzem ou cessam a
da inflamação pulpar, a polpa apenas responde a altas atividade nervosa sensorial intradental, mesmo na pre-
correntes do teste elétrico e não responde positivamen- sença de mediadores estimulantes17. Esses mediadores
te ao teste térmico de frio. Quando o calor é aplicado, têm sido encontrados na polpa normal, mas principal-
a dor é exacerbada. Isso ocorre porque o calor causa mente na inflamada, e linfócitos T são aparentemente a
vasodilatação, potencializando a pressão tecidual. O principal fonte dessas substâncias92. A liberação dessas
frio pode causar alívio da sintomatologia, graças ao seu substâncias durante a inflamação pode ser uma das ex-
efeito vasoconstrictor ou anestésico. Pacientes acome- plicações para o fato de a maioria dos casos de pulpite
tidos por pulpite irreversível sintomática comumente ser assintomática17,87.
procuram o auxílio do profissional portando uma bolsa A elevação da pressão hidrostática tecidual não
de gelo ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas. é tão crítica para outros tecidos do organismo, quanto
As fibras tipo C são mais resistentes à hipoxia tecidual, o é para o cérebro e para a polpa. Em outras áreas, a
podendo sobreviver por períodos prolongados em presença de edema gera um aumento de volume teci-
áreas de necrose64. dual, caracterizado por tumefação. Na polpa, a qual se
Mediadores químicos como bradicinina e hista- encontra situada entre paredes inextensíveis de denti-
mina podem causar dor por ação direta sobre fibras na, esse aumento da pressão hidrostática tecidual pode
do tipo C. Prostaglandinas reduzem o limiar dessas comprometer sua sobrevivência.
fibras, tornando-as mais suscetíveis aos efeitos esti- Para melhor entendimento da resposta vascular
mulatórios da bradicinina e da histamina. Uma polpa da polpa à inflamação e dos efeitos da pressão, cumpre
inflamada pode apresentar níveis elevados de pros- revisar que a microcirculação pulpar é composta basi-
taglandinas73. Esses mediadores parecem não causar camente por63:
dor de forma direta sobre fibras A-δ, embora possam
reduzir seu limiar de excitabilidade. Embora esses • arteríolas – vasos com calibre abaixo de 100µm e
mediadores possam exercer um efeito direto sobre pressão sanguínea de 43mmHg;
fibras do tipo C, o aumento de pressão tecidual é o • capilares – vasos com calibre aproximado de 10µm e
principal responsável pela dor de origem pulpar e pe- pressão de 35mmHg;
rirradicular. • vênulas – vasos com calibre abaixo de 200µm e pres-
A inflamação pulpar pode diminuir o limiar de são de 19mmHg.
excitabilidade das fibras nervosas ao ponto em que um
aumento na pressão sanguínea sistólica pode ativar O aumento da pressão tecidual exerce mais efei-
neurônios pulpares. A sincronia de ativação das fibras tos sobre as vênulas, vasos mais calibrosos, mas com
pulpares em resposta aos batimentos cardíacos explica paredes mais finas e que apresentam a menor pressão
Patologias Pulpar e Perirradicular 51
Diagnóstico
Sinais e sintomas
A grande maioria dos pacientes que são acome-
tidos por pulpite irreversível não se queixa de dor.
Por essa razão, a dor em pulpite irreversível pode
ser considerada exceção e não regra. Poucos pacien-
tes relatam episódio de dor prévia. Como discutido
alhures, a ausência de sintomas da pulpite irrever-
sível provavelmente se dá em virtude da exposição
pulpar, que permite a drenagem do exsudato infla-
matório e/ou da liberação de substâncias analgésicas
A
na região inflamada. Além disso, o fenômeno dor é
extremamente influenciado por fatores psicológicos,
além dos somáticos. Assim, muitos pacientes aco-
metidos por inflamação pulpar aguda podem não se
queixar de dor.
Quando presente, a dor associada a uma inflama-
ção aguda da polpa, em estágios intermediários, pode
ser provocada, aguda, localizada e persiste por um
longo período após a remoção do estímulo. O paciente
usualmente relata o uso de analgésicos, que podem ou
não ser eficazes no alívio da sintomatologia. Em casos
mais avançados de inflamação pulpar aguda, a dor re-
latada pelo paciente pode ser pulsátil, excruciante, lan-
B
cinante, contínua e espontânea. O emprego de analgé-
sicos comuns pelo paciente usualmente não apresenta
Figura 2-29. Pulpite irreversível hiperplásica. A. Aspecto clínico.
eficácia em debelar os sintomas.
(Gentileza da Dra. Maria Urânia Alves.) B. Aspecto histopatológico.
Inspeção
Em dentes de pacientes jovens, a inflamação Pelo exame clínico visual geralmente se observa
crônica da polpa pode resultar na formação de um a presença de cáries ou restaurações extensas (Fig.
pólipo, condição conhecida como pulpite hiperplá- 2-30A). Uma vez removidas, na grande maioria das
sica. Essa é uma forma de pulpite irreversível, ca- vezes se observa exposição pulpar, observação essa
racterizada pela proliferação de um tecido granulo- de fundamental importância para se estabelecer o
matoso que protrai pela câmara pulpar (Fig. 2-29). O diagnóstico da pulpite irreversível. Entretanto, o
pólipo formado pode tornar-se epiteliado, uma vez profissional deve estar consciente de que a exposi-
que células epiteliais descamadas da mucosa oral ção pulpar não é condição sine qua non para se es-
são adsorvidas à superfície do tecido granulomato- tabelecer o diagnóstico de pulpite irreversível. Se a
so, o que contribui para a redução da sensibilidade causa da exposição for de origem microbiana, pela
desse tecido exposto. cárie, considera-se que a polpa está inflamada irre-
Em suma, uma polpa agredida por bactérias se versivelmente, necessitando de tratamento invasivo
torna inflamada. A inflamação poderá ser aguda e/ou nesse tecido, representado pela pulpotomia ou pelo
crônica, dependendo de uma série de fatores, e, se o tratamento endodôntico. Entretanto, em casos de
agente agressor não for eliminado, invariavelmente exposições traumáticas recentes (máximo de 48 ho-
progredirá para a necrose do tecido. ras) ou iatrogênicas assépticas, pode-se considerar
Uma vez que a necrose e a colonização bacteriana que a inflamação pulpar tem caráter de reversibili-
se estendem para a porção mais apical do canal, apro- dade, podendo o tecido ser salvo pelo capeamento
ximando-se do forame apical, a agressão e a resposta direto, uma vez que não houve ainda tempo hábil
passam a envolver os tecidos perirradiculares. para maciça colonização e invasão bacteriana da su-
Patologias Pulpar e Perirradicular 53
A B
Figura 2-30. Exposição pulpar em decorrência de cárie extensa (A) ou fratura coronária causada por traumatismo dentário (B). A causa e o
tempo de exposição podem influenciar o tratamento a ser efetuado. (Gentileza do Prof. Ricardo Carvalhaes Fraga.)
perfície pulpar exposta (Fig. 2-30B). Por outro lado, a) à ativação de mecanonociceptores pulpares em de-
mesmo que não se observe a inflamação pulpar, mas corrência da inflamação;
o paciente se queixa de dor lancinante, espontânea, b) à extensão da inflamação pulpar para os tecidos
pulsátil e contínua, há fortes indícios de que o teci- perirradiculares, ativando mecanonociceptores no
do pulpar está inflamado irreversivelmente e o trata- ligamento periodontal apical;
mento endodôntico convencional está indicado. c) à sensibilização central ao nível do corno dorsal da
medula, causada por atividade intensa dos nocicep-
Testes pulpares tores pulpares durante a inflamação. A sensibiliza-
Térmico ção central resulta em expansão dos campos recep-
Calor – O resultado do teste é positivo. Nos casos tivos periféricos, levando ao desenvolvimento de
sintomáticos, a aplicação de calor exacerba a dor. Isso alodinia mecânica em regiões mais distantes (como
ocorre porque o calor causa vasodilatação, potenciali- o ligamento periodontal e até mesmo os dentes e
zando a pressão tecidual. mucosa adjacentes).
Frio – Nos estágios iniciais da pulpite pode haver Palpação – A palpação da mucosa ao nível do ápi-
resposta positiva. Entretanto, nos estágios mais avan- ce gera resposta negativa.
çados da inflamação pulpar geralmente não há respos-
ta positiva devido à perda de atividade por hipoxia e Achados radiográficos
degeneração das fibras A-δ. Nos casos sintomáticos, Pela radiografia podem ser detectadas lesões ca-
o frio pode causar alívio da dor, graças ao seu efeito riosas e/ou restaurações extensas, geralmente suge-
vasoconstrictor e anestésico. Pacientes acometidos por rindo exposição pulpar. O espaço do ligamento perio-
pulpite irreversível sintomática comumente procuram dontal (ELP) apresenta-se normal ou, algumas vezes,
o auxílio do profissional portando uma bolsa de gelo ligeiramente espessado.
ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas
Elétrico – Usualmente se observa que a polpa Tratamento
apenas responde a altas correntes do teste elétrico. O tratamento consiste na remoção do tecido pul-
Cavidade – A resposta geralmente é positiva. par, total (tratamento endodôntico convencional) ou
parcial (tratamento conservador pulpar).
Testes perirradiculares
Percussão – Usualmente negativo, pois a resposta
inflamatória normalmente é localizada e restrita à pol- Necrose pulpar
pa. Contudo, um estudo relatou que 57% dos pacientes A necrose é caracterizada pelo somatório de alte-
com pulpite irreversível apresentaram alodinia me- rações morfológicas que acompanham a morte celular
cânica em resposta ao teste de percussão99. Isso pode em um tecido118. Dependendo da causa, a necrose pul-
ocorrer devido31: par pode ser classificada como:
54 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
• Necrose de liquefação – É comum em áreas de in- Frio – A resposta à aplicação de frio é sempre ne-
fecção bacteriana. Resulta da ação de enzimas hidro- gativa. Esse é um dos testes mais confiáveis para deter-
líticas, de origem bacteriana e/ou endógena (neu- minar a necrose pulpar.
trófilos), que promovem a destruição tecidual. Elétrico – Não há resposta à corrente elétrica por
• Necrose de coagulação – Geralmente é causada parte da polpa. Em raras ocasiões, se ainda houver fi-
por uma lesão traumática, com interrupção do su- bras tipo C viáveis ou a polpa apresentar necrose de
primento sanguíneo pulpar devido ao rompimento liquefação, altas correntes podem evocar uma resposta
do feixe vasculonervoso que penetra pelo forame positiva (falso resultado).
apical, ocasionando isquemia tecidual. Embora o Cavidade – É um teste também bastante eficaz para
núcleo seja perdido, a morfologia celular é usual- diagnosticar a necrose pulpar. A resposta é negativa.
mente mantida, a despeito da morte. Esse modelo
de necrose resulta de extensa desnaturação proteica, Testes perirradiculares
não apenas de proteínas estruturais, mas também de
Percussão e palpação – Podem evocar resposta
enzimas autolíticas, impedindo a proteólise e total
positiva ou negativa, dependendo do status dos tecidos
destruição da célula.
perirradiculares.
• Necrose gangrenosa – Dá-se quando o tecido que
sofreu necrose de coagulação é invadido por bacté-
rias, que promovem a liquefação. Ocorre em dentes Achados radiográficos
traumatizados, cujas polpas sofreram necrose de Pela radiografia de diagnóstico observa-se a pre-
coagulação asséptica e que se tornaram infectadas sença de cárie, coroa fraturada e/ou restaurações ex-
posteriormente. Os modelos de coagulação e lique- tensas. Se a causa de necrose foi traumática, a coroa
fação coexistem na gangrena pulpar. dentária pode apresentar-se hígida ou com pequenas
restaurações. O ELP pode apresentar-se normal, espes-
Diagnóstico sado, ou uma lesão perirradicular caracterizada por re-
absorção óssea pode estar presente.
Sinais e sintomas
A necrose pulpar geralmente é assintomática, com Tratamento
o paciente podendo relatar episódio prévio de dor. En-
O tratamento da necrose pulpar consiste na remo-
tretanto, dependendo do status dos tecidos perirradi-
ção de todo o tecido necrosado e possivelmente infec-
culares, a dor pode estar presente, como nos casos de
tado, medicação intracanal e obturação do sistema de
periodontite apical aguda ou abscesso perirradicular
canais radiculares.
agudo.
Patologia perirradicular
Inspeção
Em linhas gerais, depreende-se do exposto até
Pelo exame clínico-visual detecta-se a presença aqui que o processo patológico perirradicular se ini-
de cáries e/ou restaurações extensas que alcançaram a cia na grande maioria das vezes com um processo
polpa. Em outras situações, quando a causa de necro- carioso. Uma vez não tratada, a cárie resultará em
se foi traumática, a coroa dentária pode estar hígida. inflamação pulpar que será reversível até o momen-
A necrose pulpar também pode promover o escureci- to em que a polpa fique exposta, condição essa que
mento da coroa. usualmente induz um quadro de irreversibilidade da
condição inflamatória pulpar. O processo de inflama-
Testes pulpares ção, necrose e infecção pulpar progride por compar-
Térmico timentos em direção apical até que os tecidos perirra-
Calor – A aplicação de calor, na grande maioria diculares sejam afetados (Fig. 2-31). Em alguns casos,
das vezes, não evoca dor. No entanto, há raras situa- uma lesão perirradicular pode ser detectada mesmo
ções em que o paciente pode acusar sensibilidade, de- antes de todo o canal estar necrosado e infectado3,106.
vido à presença de fibras do tipo C, que por serem mais A ocorrência da patologia perirradicular está associa-
resistentes à hipoxia tecidual podem permanecer res- da às respostas inflamatória e imunológica do hospe-
ponsíveis por um determinado período após a necrose deiro com o intuito de conter o avanço da infecção
pulpar. endodôntica122,139,145.
Patologias Pulpar e Perirradicular 55
A B C D E
Figura 2-31. Dinâmica dos processos patológicos pulpar e perirradicular tendo como início um processo de cárie. A. Pulpite reversível. À
medida que a cárie avança na dentina em direção à polpa, aumenta a gravidade do processo inflamatório pulpar. B. Pulpite irreversível. Após
exposição pulpar por cárie, a agressão exercida diretamente por micro-organismos é intensa e gera inflamação grave e irreversível. C. Pulpite
irreversível e necrose parcial. A infecção avança no canal em direção apical. D. Necrose e infecção de praticamente toda a polpa radicular,
como resultado do avanço apical dos eventos compartimentalizados de agressão, inflamação, necrose e infecção. E. Estando localizada a
infecção na porção mais apical do sistema de canais radiculares, a agressão incide sobre os tecidos perirradiculares, estabelecendo-se uma
lesão inflamatória.
Quadro 2-2 Mecanismos de defesa do hospedeiro contra bactérias presentes no canal radicular
Defesa inata não induzida Inespecífica não induzida S/memória Macrófagos S/alterações
Complemento (va, vl) significativas
Uma vez ativado por componentes bacterianos, dores químicos envolvidos na inflamação, a resposta
o macrófago tem sua capacidade fagocítica aumenta- de defesa subsequente.
da, assim como a capacidade de apresentar antígenos Em decorrência da persistência da agressão bacte-
aos linfócitos. O macrófago ativado passa também a riana oriunda do canal, a qual não foi eliminada pelos
apresentar uma pronunciada atividade biossintética, mecanismos de defesa inata não induzida, um dano
liberando uma gama variada de mediadores, como as tecidual é gerado, levando ao desenvolvimento da res-
citocinas IL-1, IL-6, IL-8/CXCL8 e TNF-α mediadores posta inflamatória aguda, inespecífica. Essa é caracte-
lipídicos (como prostaglandinas e leucotrienos), enzi- rizada pelos eventos vasculares e celulares já descritos
mas lisossomais, radicais oxigenados e óxido nítrico. no início deste capítulo. A periodontite apical aguda está
Em caso de necessidade, como a persistência da fonte então instalada. Se essa resposta não reduz a intensi-
de agressão, esses mediadores poderão estar envolvi- dade de agressão proveniente do canal, pode se tor-
dos na indução do segundo mecanismo de defesa, a nar exacerbada, dando origem ao abscesso perirradicular
resposta inflamatória inespecífica. Componentes da agudo. Como essa resposta não é capaz de eliminar bac-
superfície bacteriana, como LPS, peptidoglicano e áci- térias no canal, mas apenas de reduzir a agressão cau-
do lipoteicoico, podem ativar o sistema complemento sada por bactérias que egressam pelo forame apical, o
pela via alternativa, enquanto bactérias que expressam processo se cronifica, sendo composto agora por com-
manose na superfície podem ativar o complemento ponentes do terceiro mecanismo de defesa, a resposta
pela via da lectina. Em conjunto com macrófagos resi- imunológica adaptativa, com caráter de especificidade.
dentes, outro mecanismo inicial de defesa inata é en- Uma inflamação crônica, caracterizada por componen-
tão ativado, sendo representado pelo efeito citolítico tes da resposta imunológica adaptativa e por elemen-
e opsonizador exercido por componentes do sistema tos de reparação, se instala nos tecidos perirradiculares,
complemento. A ativação do sistema complemento dando origem à periodontite apical crônica. Se o estímulo
pelas vias alternativa e da lectina é de grande impor- persiste no sistema de canais radiculares, esse proces-
tância, pois precede a ativação desse mesmo sistema so crônico resulta em reabsorção óssea, dando origem
pela via clássica, a qual se dá em cerca de 5 a 7 dias, ao granuloma perirradicular e, posteriormente, ao cisto
tempo necessário para haver a síntese de anticorpos. perirradicular (Fig. 2-34). Como já aclarado, a resposta
Ao mesmo tempo, produtos da ativação do sistema inflamatória crônica pode se desenvolver sem ser pre-
complemento, como C3a e C5a, atuam como anafilato- cedida pela resposta inflamatória aguda, desde que a
xinas, que estimulam a desgranulação de mastócitos e agressão inicial seja de baixa intensidade. A dinâmica
a consequente liberação de histamina e outros media- dos mecanismos de defesa do hospedeiro em respos-
ta à agressão proveniente do canal será discutida com mados23. O LTC4 tem ação vasodilatadora e por meio
mais detalhes adiante. da ligação a células endoteliais promove o aumento da
permeabilidade vascular.
Mediadores químicos envolvidos na patogênese LPS liberado por bactérias gram-negativas e ou-
das lesões perirradiculares tros produtos bacterianos que alcançam os tecidos
Os mediadores químicos detectados em lesões perirradiculares via forame apical podem estimular a
perirradiculares formam uma rede interligada, onde síntese e expressão de quimiocinas que irão atrair um
um mediador pode ativar, ter ação sinérgica ou mesmo maior número de células inflamatórias para a região.
suprimir o outro. A progressão e a estabilização da le- Por meio de imuno-histoquímica, Marton et al.81 detec-
são perirradicular serão determinadas pelo status dessa taram três importantes quimiocinas em lesões perirra-
diculares crônicas – IL-8/CXCL8 (quimiotática para
rede de mediadores52.
neutrófilos), MCP-1/CCL2 (quimiotática para monó-
citos/macrófagos) e Rantes/CCL5 (quimiotática para
Resposta inflamatória inespecífica linfócitos T e outros leucócitos). A distribuição diferen-
Os principais mediadores químicos da resposta in- ciada de MCP-1/CCL2, a qual foi a única quimiocina
flamatória aguda são: neuropeptídeos, fibrinopeptídeos, presente no endotélio, sugere que esteja envolvida no
bradicinina, componentes do sistema complemento, ami- contínuo recrutamento de células de defesa para a re-
nas vasoativas, enzimas lisossomais, derivados do ácido gião, enquanto IL-8/CXCL8 e Rantes/CCL5 podem
aracdônico, radicais oxigenados, óxido nítrico e citocinas. alcançar os vasos sanguíneos, mas apenas exercer uma
Uma vez liberados após a agressão tecidual, esses me- função quimioatrativa periodicamente.
diadores químicos podem iniciar, amplificar e perpetuar Shimauchi et al.113 relataram a ocorrência de IL-8/
uma alteração patológica dos tecidos perirradiculares. CXCL8 e óxido nítrico em 24 e 19 das 27 amostras de
O sistema complemento pode ser ativado por três lesões perirradiculares, respectivamente. Enquanto ní-
vias, a clássica, a alternativa e a da lectina, sendo que as veis significantes de IL-8/CXCL8 foram detectados em
duas últimas fazem parte dos principais mecanismos lesões sintomáticas, não houve correlação entre níveis
de defesa inespecífica do hospedeiro. Estudos relata- elevados de óxido nítrico e a presença de sintomas.
ram a presença do componente C3 do sistema comple- Os tecidos perirradiculares são inervados por fi-
mento em lesões perirradiculares69,146. bras sensoriais e simpáticas45,152,163 e o brotamento de axô-
Marton et al.80, investigando a atividade de radicais nios tem sido observado em lesões inflamatórias18,37,61,66.
oxigenados em lesões perirradiculares crônicas, revela- Fibroblastos estimulados pela agressão podem liberar
ram que eles foram primariamente liberados por células NGF (fator de crescimento de nervos), o qual se liga
fagocíticas e que podem contribuir para a destruição te- a um receptor expresso na membrana axonal e nas
cidual e perda óssea associadas a essas lesões. células de Schwann, fazendo com que ocorra a pro-
Enzimas lisossomais hidrolíticas, como as arilsul- liferação de fibras nervosas. Isso resulta em aumento
fatases A e B, foram encontradas em níveis elevados da densidade nervosa, com consequente aumento da
nas lesões perirradiculares2. liberação de neuropeptídeos. Assim, a agressão aos
Prostaglandinas podem exercer um papel impor- tecidos perirradiculares induz aumento da densidade
tante na patogênese de lesões perirradiculares141,142. nervosa, por brotamento axonal mediado por NGF, o
McNicholas et al.185 encontraram altos níveis de pros- que pode elevar os níveis de neuropeptídeos, como a
taglandinas em lesões perirradiculares, mormente nos SP e o CGRP, liberados nos tecidos perirradiculares
abscessos agudos. Takayama et al.130 encontraram cor- afetados17. Neuropeptídeos causam vasodilatação e
relação entre os níveis de PGE2 e a presença de sinto- aumento da permeabilidade vascular, exercendo papel
matologia clínica. importante nas fases iniciais da inflamação. O número
Torabinejad et al.144 relataram que os níveis de de fibras nervosas contendo CGRP está correlacionado
LTB4, um leucotrieno quimiotático para neutrófilos com o tamanho da lesão, enquanto o número de fibras
PMNs, foram significativamente maiores em lesões sin- contendo SP está associado ao acúmulo de células in-
tomáticas. Um estudo demonstrou que a concentração flamatórias. É bem estabelecido que interações neuroi-
de LTC4, outro leucotrieno pró-inflamatório, liberado munes são moduladoras importantes na determinação
principalmente por mastócitos e possivelmente por ou- da progressão das lesões perirradiculares52.
tras células inflamatórias, foi significativamente maior Bactérias e seus produtos também podem causar a
em lesões perirradiculares do que em tecidos não infla- lesão de vasos sanguíneos. Isso pode ocorrer por meio
Patologias Pulpar e Perirradicular 59
da ação de enzimas bacterianas que degradam o coláge- diada basicamente por linfócitos T, macrófagos e cito-
no, componente da membrana basal vascular. Produtos cinas secretadas, e por uma resposta humoral, mediada
do metabolismo bacteriano também podem ser tóxicos por linfócitos B, plasmócitos e anticorpos secretados.
às células endoteliais, rompendo, assim, a integridade Tem sido demonstrado que o canal radicular pode
do revestimento endotelial interno dos vasos. Outros- funcionar como uma via para a sensibilização do hospe-
sim, o dano vascular causado por bactérias pode se dar deiro164. Em outras palavras, produtos antigênicos pre-
por ação indireta delas. Macrófagos ativados por com- sentes em um canal infectado podem ser conduzidos aos
ponentes bacterianos liberam enzimas e radicais livres linfonodos regionais e desencadearem uma resposta imu-
que danificam as paredes dos vasos. Uma vez que os nológica, que irá se concentrar nas imediações do local
vasos são lesados, há a ativação dos sistemas de cininas, de saída dos antígenos (forame apical ou ramificações)116.
de coagulação e fibrinolítico, resultando na produção Estudos revelam que praticamente todos os componentes
de potentes mediadores químicos, como bradicinina e de uma resposta imunológica adaptativa estão presentes
fibrinopeptídeos. Níveis elevados de cininas têm sido em lesões perirradiculares crônicas, como granulomas e
detectados em lesões perirradiculares150. cistos104,132,147. Dessa forma, infere-se que essas lesões re-
Níveis elevados de ciclooxigenase 2 (COX-2) e presentam uma resposta imunológica adaptativa a antí-
óxido nítrico sintase, envolvidos na produção de pros- genos presentes no sistema de canais radiculares, visan-
taglandinas e óxido nítrico durante inflamação, têm do ao combate da infecção, mas resultando na inevitável
sido relatados em macrófagos presentes em lesões destruição óssea perirradicular.
perirradiculares127,131. A síntese desses mediadores Macrófagos expressando MHC II parecem partici-
também parece estar relacionada com o período inicial par ativamente da fase inicial de expansão da lesão, en-
de expansão da lesão. quanto células dendríticas expressando MHC classe II
Kettering & Torabinejad57 relataram a presença de parecem estar mais envolvidas na defesa imune contra
células NK em lesões de origem endodôntica. A detec- desafios antigênicos que persistem após a estabilização
ção de células NK em praticamente todas as lesões gra- da lesão48. Um papel de grande relevância para essas
nulomatosas e císticas examinadas por Saboia-Dantas células na lesão perirradicular seria a apresentação de
et al.111 confirma que essas células podem participar antígenos para linfócitos T efetores ou de memória que
ativamente do processo de defesa (Fig. 2-35), princi- circulam pela região e encontram, então, o antígeno
palmente em casos nos quais há infecção de células do para o qual são específicos, capturado e expresso por
hospedeiro por herpesvírus. macrófagos e células dendríticas49,50.
Stern et al.125 relataram que macrófagos, seguidos
Resposta imunológica adaptativa por linfócitos, são as principais células inflamatórias pre-
A resposta imunológica adaptativa, de caráter es- sentes em lesões perirradiculares. Isso foi confirmado
pecífico, é representada por uma resposta celular, me- por estudo de Kopp & Schwarting67. Torabinejad & Ket-
A B
Figura 2-35. Células Natural Killer detectadas em lesões perirradiculares e evidenciadas por imuno-histoquímica (A e B), de acordo com
Saboia-Dantas et al.111.
60 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
tering147 relataram a presença de linfócitos B e T em lesões TNF-α é significativamente aumentada nos estágios
perirradiculares, com os linfócitos T sendo significativa- iniciais de expansão da lesão51. IL-12 e IFN-γ (citocinas
mente mais numerosos do que os linfócitos B. Stashenko de TH1) podem participar da destruição óssea perirra-
& Yu124 demonstraram a presença de linfócitos T CD4+ e dicular por induzirem a produção de outras citocinas
CD8+ em lesões perirradiculares. Eles observaram que pró-inflamatórias por macrófagos51. Por outro lado,
durante o período de atividade lítica da lesão (expansão) IL-4 e IL-10 (citocinas de TH2) parecem participar da
os linfócitos T CD4+ (helper) predominaram. Nas fases estabilização da lesão52. IL-6 e IL-11, que podem esti-
de estabilização do crescimento da lesão, os linfócitos T mular a formação de novos osteoclastos a partir dos
CD8+ (supressor) estavam em maior número. precursores hematopoiéticos, também têm sido detec-
As duas subpopulações de linfócitos TH, TH1 e tadas em lesões perirradiculares5,51,122.
TH2, parecem exercer papéis distintos na patogênese Receptores para produtos bacterianos também
das lesões perirradiculares. Inflamação e reabsorção exercem um papel importante na fisiopatologia de le-
óssea são aparentemente aumentadas por células TH1 sões perirradiculares por sinalizarem para que células
e diminuídas por TH2. TH1 aumenta a produção de IL-1 de defesa iniciem a produção de mediadores inflamató-
e outros mediadores pró-inflamatórios, enquanto inibi- rios. Por exemplo, tem sido demonstrado que camun-
dores de IL-1 estão relacionados com TH2. A produção dongos deficientes para TLR-4, o receptor primário
de citocinas de TH1 predomina no estágio inicial de ex- para LPS, têm resposta reduzida de citocinas inflama-
pansão da lesão, enquanto a produção de citocinas de tórias e consequentemente também reduzida reabsor-
TH2 é induzida em estágios mais tardios51. Assim, lin- ção óssea perirradicular39, o que enfatiza a importância
fócitos TH1 parecem contribuir para a fase de progres- desse receptor na indução da expressão de IL-1 e TNF,
são das lesões perirradiculares, enquanto linfócitos TH2 importantes citocinas pró-reabsortivas.
podem estar mais associados à fase de estabilização da O osteoclasto é uma célula gigante multinuclea-
lesão. O envolvimento de TH1 na indução de lesões em da oriunda da mesma linhagem de células precursoras
humanos tem sido confirmado pela detecção de células dos monócitos/macrófagos (Fig. 2-36A), cuja diferen-
positivas para IFN-γ nessas lesões46. Por sua vez, uma ciação é primariamente regulada por M-CSF, ligante
maior expressão de IL-4, IL-6 e IL-10 do que de IL-2 e do receptor para ativação do fator nuclear kappa B
IFN-γ em lesões de humanos sugere que mediadores (RANKL) e osteoprotegerina (OPG)135. A diferenciação
relacionados com TH2 predominam e agem na fase de do precursor em osteoclasto requer a presença de cé-
estabilização de lesões crônicas122. lulas do estroma da medula óssea ou osteoblastos, as
Níveis elevados de citocinas, como IL-1 e TNF, quais expressam as duas moléculas essenciais para a
as quais são potentes mediadores da reabsorção óssea, promoção da osteoclatogênese – M-CSF e RANKL70,134
têm sido verificados em lesões perirradiculares em hu- (Fig. 2-36B). M-CSF, que é mandatório para a matu-
manos e em animais4,6,34,75,165,166. A produção de IL-1 e ração de macrófagos, liga-se ao seu receptor, c-Fms,
A B
Figura 2-36. Osteoclastos, células multinucleadas envolvidas na reabsorção óssea. A. Corte histológico evidenciando osteoclasto reabsor-
vendo osso. B. A ativação de osteoclastos requer a presença de células do estroma da medula óssea ou de osteoblastos, as quais expressam
as duas moléculas essenciais para a promoção da osteoclastogênese – M-CSF e RANKL.
Patologias Pulpar e Perirradicular 61
expresso na superfície dos precursores do osteoclasto, tornando bactérias mais prontamente fagocitadas e eli-
gerando os sinais necessários para sua sobrevivência minadas por neutrófilos e macrófagos. Das subclasses
e proliferação133. Embora o M-CSF seja um produto de IgG, IgG1 é produzida em maior quantidade seguida
secretado, a osteoclastogênese requer contato entre o por IgG2, IgG3 e IgG4, as duas últimas em níveis simi-
precursor do osteoclasto e as células do estroma da lares128. Matsuo et al.83, avaliando o exsudato coletado de
medula ou osteoblastos. Na verdade, esses últimos lesões, encontraram que os níveis de IgG e IgA foram di-
produzem uma molécula de superfície, o RANKL, que retamente proporcionais ao tamanho da lesão perirradi-
é essencial para a diferenciação do osteoclasto através cular. Relataram, ainda, que esses níveis decaíram após
da ligação a RANK expresso pelo precursor do osteo- a realização do tratamento endodôntico. Esses dados
clasto133. A OPG, também produzida por osteoblastos, sugerem que essas imunoglobulinas podem estar envol-
se liga a RANKL, impedindo a interação com RANK, vidas na imunopatogênese de lesões perirradiculares.
e assim neutralizando a ativação de osteoclastos defla- Complexos imunes (antígeno/anticorpo) po-
grada por RANKL16. dem ser formados em lesões perirradiculares quando
Um estudo utilizou real-time PCR para avaliar a antígenos microbianos interagem com IgG ou IgM.
expressão do mRNA para RANKL, RANK, OPG e ci- Tem sido demonstrado que as reações oriundas da
tocinas em lesões perirradiculares experimentais em formação de complexos imunes podem participar
ratos e demonstrou que a expressão de RANKL foi au- na patogênese das lesões perirradiculares149. Quando
mentada, mormente em comparação com seu competi- complexos imunes foram aplicados a canais radicu-
dor OPG, durante o período de expansão da lesão53. A lares de gatos, houve rápido desenvolvimento de le-
expressão de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, sões perirradiculares, caracterizadas por perda óssea
IL-1α e IL-1β, também aumentou nesse estágio, indi- e acúmulo de neutrófilos e osteoclastos143. Em lesões
cando sinergismo entre RANKL e citocinas na expan- perirradiculares crônicas, tais complexos ficam a elas
são da lesão. A maioria das células produzindo RANKL confinados, não penetrando na circulação e, portanto,
foram fibroblastos, mas também foram envolvidos lin- não se distribuindo sistemicamente151. Por outro lado,
fócitos T53. Outro estudo também havia indicado que a complexos que se formam durante alterações agudas,
presença de células expressando RANKL é aumentada como os abscessos, atingem concentrações mais ele-
no estágio inicial de expansão da lesão169. A expressão vadas na circulação quando comparados a pacientes
do mRNA para RANKL também foi relatada em lesões sem essas lesões55.
perirradiculares de humanos110. Pesquisadores têm relatado a presença de plas-
Os diversos isotipos de anticorpos têm sido detec- mócitos contendo IgE em lesões perirradiculares125,148.
tados em lesões perirradiculares69,93,125,153. Esses incluem Bactérias e seus produtos são as principais fontes de
aqueles com especificidade para bactérias, mormente alérgenos encontrados no canal radicular. Kettering &
as anaeróbias estritas, presentes no sistema de canais Torabinejad55 encontraram níveis elevados de IgE no
radiculares7,58. soro de pacientes com abscesso perirradicular agudo, o
Plasmócitos, células produtoras de anticorpos, mesmo não sendo relatado para os pacientes que apre-
correspondem a cerca de 19% das células inflamatórias sentavam lesões perirradiculares crônicas56. Quando o
presentes em uma lesão perirradicular125. IgG foi pro- alérgeno envolvido em um flare-up não for associado a
duzida por 74%, IgA por 20%, IgE por 4% e IgM por uma bactéria viva, a terapia antibiótica será ineficaz.
2% dos plasmócitos125. Pulver et al.104 confirmaram que A presença dos inúmeros componentes das rea-
IgG foi o principal isotipo de anticorpo produzido em ções imunológicas nas lesões perirradiculares indica
lesões perirradiculares. Demonstraram, também, que os que eles podem iniciar, amplificar e perpetuar tais al-
níveis de imunoglobulinas, em especial IgA, eram mais terações, desde que o elemento desencadeador de tais
elevados em cistos do que em granulomas. Kuntz et al.69 reações, o qual é representado pela infecção do sistema
observaram a presença de IgG, IgA, IgM e C3 em lesões de canais radiculares, não tenha sido eliminado. Tais
perirradiculares. Os anticorpos foram detectados tanto elementos, além de participarem na defesa do hospe-
extra quanto intracelularmente em plasmócitos, sendo deiro contra a infecção, também são os principais res-
os mais numerosos aqueles sintetizando IgG. Estudos ponsáveis pela destruição tecidual associada às lesões
recentes sugerem que IgG exerce um papel importan- perirradiculares. A Quadro 2-3 resume os principais
te em lesões perirradiculares no que tange à proteção elementos de defesa do hospedeiro presentes em le-
contra a disseminação da infecção endodôntica122. Tal sões perirradiculares, bem como suas prováveis e mais
papel deve-se provavelmente ao seu efeito opsonizador, importantes funções.
62 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Células Função
Moléculas Função
Características histopatológicas
Testes perirradiculares
A análise histopatológica evidencia hiperemia e
a presença de um infiltrado inflamatório no ligamento Percussão – A resposta a esse teste é sempre po-
periodontal contendo, predominantemente, neutrófi- sitiva, podendo, por vezes, ser extremamente dolorosa
los PMNs. Fibras colágenas podem estar dilaceradas, ao paciente. Assim, quando se suspeita de periodontite
como resultado do edema formado. apical aguda com base nos achados do exame subjeti-
vo, o teste de percussão, se necessário, deve ser apenas
Diagnóstico realizado por meio de leve pressão vertical, em direção
apical, exercida pela polpa digital do dedo indicador
Sinais e sintomas
sobre o dente suspeito.
O paciente geralmente se queixa de dor intensa, Palpação – Pode revelar sensibilidade ou não, de-
espontânea e localizada. Pode também relatar extre- pendendo da extensão da resposta inflamatória.
Patologias Pulpar e Perirradicular 63
Características histopatológicas
Verifica-se a presença de reação intensa, locali-
zada e adjacente ao forame apical, caracterizada pela
presença de exsudato purulento (pus) (Fig. 2-38A). Cé-
lulas inflamatórias (principalmente neutrófilos) podem
Figura 2-37. Periodontite apical aguda. Notar espessamento do
espaço do ligamento periodontal. ser detectadas em combate franco contra bactérias, em
estado de degeneração ou já deterioradas (Fig. 2-38B).
As fibras periodontais podem se encontrar dilaceradas
Achados radiográficos pelo edema intenso.
Na grande maioria das vezes, a radiografia revela
espessamento do ELP apical (Fig. 2-37), o que se deve Diagnóstico
à leve extrusão do dente no alvéolo para comportar o Sinais e sintomas
edema formado. Uma vez que o processo é rápido, não
O paciente queixa-se de dor espontânea, pulsátil,
houve ainda tempo disponível para que ocorresse a re-
lancinante e localizada, podendo ou não apresentar
absorção óssea perirradicular. Quando se observa ex-
evidências de envolvimento sistêmico, tais como lin-
tensa área de destruição óssea perirradicular associada
fadenite regional, febre e mal-estar. A dor é pronun-
à periodontite apical aguda, essa se encontra associada
ciada quando o abscesso ainda está intraósseo ou já
à agudização de um processo crônico, como granulo-
se localiza de maneira subperiosteal; nesse caso, por
ma ou cisto.
causa da rica inervação do periósteo155. Um dramáti-
co alívio da dor ocorre após a ruptura do periósteo
Tratamento pelo exsudato purulento, atingindo os tecidos moles
Consiste na eliminação do agente agressor por supraperiosteais.
meio da instrumentação, irrigação e medicação do ca-
nal, seguindo-se a obturação em sessão posterior. Para
Inspeção
alívio da sintomatologia, o dente deve ser retirado de
oclusão (por desgaste orientado por fita de carbono) e Verifica-se tumefação intra e/ou extraoral, flutu-
um analgésico/anti-inflamatório deve ser receitado. ante ou não, o que dependerá do estágio de evolução
do abscesso (Fig. 2-39). Nas fases iniciais, quando a
Abscesso perirradicular agudo inflamação aguda purulenta está confinada apenas ao
ligamento periodontal apical, pode não haver tumefa-
Em resposta à agressão, células inflamatórias,
ção. Em determinados casos verifica-se a presença de
principalmente neutrófilos PMNs e macrófagos, são
mobilidade dentária e de ligeira extrusão dentária.
atraídas para o local, visando à eliminação de bactérias
invadindo os tecidos perirradiculares. Se a resposta in-
Testes pulpares
flamatória não consegue eliminar o agente agressor ou
reduzir a intensidade da injúria, há exacerbação, carac- O normal seria todos os testes pulpares apresen-
terizada por inflamação purulenta. Isso ocorre devido tarem resultados negativos, uma vez que a polpa en-
à presença de bactérias altamente virulentas associadas contra-se necrosada. Entretanto, em raras ocasiões, os
à infecção. Em associação com enzimas proteolíticas li- testes de calor e elétrico podem oferecer falsos resulta-
beradas por bactérias, enzimas lisossomais, bem como dos, devido à presença de líquido no canal, oriundo da
radicais oxigenados, são descarregados por neutrófi- necrose de liquefação. Os testes do frio e de cavidade
los, os quais promovem liquefação tecidual, gerando o são os mais seguros.
64 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
restauração extensa e profunda, associada ou não à cá- ainda avançar para os espaços faríngeo e cervical, re-
rie recidivante. sultando em obstrução das vias aéreas e em risco de
vida (Fig. 2-41).
Tratamento Os segundos e terceiros molares inferiores tam-
O tratamento imediato deve ser direcionado bém podem drenar para o espaço pterigomandibular.
para a drenagem da coleção purulenta e eliminação Infecções resultantes da anestesia troncular do nervo
do agente agressor. Se o profissional é bem-sucedido alveolar inferior também podem atingir esse espaço.
nesse intento, advém a remissão dos sintomas. A dre- Dentes posteriores superiores, cortical vestibular: a
nagem do exsudato purulento pode ser obtida via via de disseminação pode ser o fundo de vestíbulo se o
canal radicular, por incisão da mucosa ou ambos. O ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da
canal deve ser limpo e desinfetado, preferencialmen- inserção do músculo bucinador (Fig. 2-40B).
te na consulta de emergência. Em sessão ulterior, após Dentes superiores, cortical palatina: a via de disse-
medicação intracanal, obtura-se o canal. Analgésicos/ minação pode ser o palato. Os dentes comumente en-
anti-inflamatórios devem ser prescritos. O emprego de volvidos são o incisivo lateral superior, o primeiro pré-
antibióticos apenas está indicado em condições espe- molar superior e os molares (raiz palatina).
ciais (ver Capítulo 21). Incisivo central superior, cortical vestibular: a via de
disseminação pode ser a base do lábio superior se o
Vias de disseminação e drenagem do abscesso ápice do dente envolvido estiver localizado acima da
Dependendo da relação anatômica do ápice do inserção do músculo orbicularis oris.
dente envolvido com as inserções musculares, a disse- Canino e primeiro molar superiores, cortical vestibu-
minação da infecção pode seguir vias diferentes e re- lar: a via de disseminação pode ser o espaço infraorbi-
sultar em tumefação intraoral ou extraoral (Fig. 2-40). tário ou canino se o ápice do dente envolvido estiver
O abscesso irá se disseminar por áreas de menor resis- localizado acima da inserção do músculo levantador
tência, e a proximidade do ápice com a cortical óssea do anguli oris (Fig. 2-40A).
também irá ditar se a tumefação será por vestibular ou Infecções do espaço canino ou do fundo de vestí-
lingual/palatina. bulo que podem se disseminar para o espaço periorbi-
Dentes inferiores, cortical vestibular: a via de disse- tal também podem ser muito perigosas, uma vez que
minação pode ser o fundo de vestíbulo mandibular se podem resultar em trombose do seio cavernoso. Sob con-
o ápice do dente envolvido estiver localizado acima dições normais, as veias oftálmica e angular e o plexo
da inserção do músculo bucinador (dentes posterio- venoso pterigoide drenam para as veias facial e jugular
res) (Fig. 2-40F) ou mentoniano (dentes anteriores) externa. Todavia, se uma infecção se dissemina para a
(Fig. 2-40E). região mediana da face, o edema e a pressão resultante
Dente anterior inferior, cortical vestibular: a via de podem fazer com que o sangue flua de volta para o seio
disseminação pode ser o espaço mentoniano se o ápice cavernoso, no qual pode estagnar e coagular. Os trom-
do dente envolvido estiver localizado abaixo da inser- bos infectados gerados permanecem no seio cavernoso
ção do músculo mentoniano (Fig. 2-40C). ou escapam para a circulação. Clinicamente o paciente
Dente anterior inferior, cortical lingual: a via de dis- com trombose do seio cavernoso usualmente apresenta
seminação pode ser o espaço submentoniano se o ápice edema facial, febre, mal-estar, exoftalmia com edema
do dente envolvido estiver localizado abaixo da inser- periorbital, pupilas dilatadas e cessação de reflexos
ção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40D). corneais.
Dentes inferiores, cortical lingual: a via de dissemi-
nação pode ser o espaço sublingual se o ápice do den-
te envolvido estiver localizado acima da inserção do Periodontite apical crônica
músculo milo-hióideo (Fig. 2-40H). Quando a resposta inflamatória associada à perio-
Dentes posteriores inferiores, cortical lingual: a via dontite apical aguda é eficaz na redução da intensidade
de disseminação pode ser o espaço submandibular se da agressão, a resposta cronifica. Células imunocom-
o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo petentes, como linfócitos, plasmócitos e macrófagos,
da inserção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40G). Se são atraídas para a região afetada, o que representa o
os espaços submentoniano, sublingual e submandi- início da resposta imunológica adaptativa, de caráter
bular forem envolvidos ao mesmo tempo, o quadro específico. Está estabelecida a periodontite apical crônica.
será denominado de angina de Ludwig, a qual pode É imperioso ressaltar que, se o agente agressor for ini-
66 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
A
B C
D E F
cialmente de baixa intensidade, a inflamação crônica inferiores pode drenar para os submentonianos e da
no ligamento periodontal pode se estabelecer sem ser região de molares diretamente para os cervicais pro-
precedida por uma resposta inflamatória aguda. fundos, que são secundários dos submentonianos e
Para que se inicie a resposta imunológica especí- submandibulares.
fica, o hospedeiro precisa ser sensibilizado pelos antí- Uma vez aprisionada no linfonodo por células es-
genos que saem pelo forame apical. A sensibilização pecializadas, a probabilidade de a molécula antigênica
para antígenos oriundos do canal se dá ao nível de lin- ser apresentada a linfócitos circulantes inocentes (que
fonodos, onde os linfócitos T ou B específicos para um ainda não contataram o antígeno) ou células de memó-
determinado antígeno terão mais chances de encontrá- ria residentes no linfonodo (resultado de expansão clo-
lo e, assim, serem ativados. nal após o primeiro contato), com especificidade para
Durante a resposta inflamatória aguda são gera- ela, é muito maior do que ocorreria nos tecidos perirra-
dos vários fragmentos antigênicos, oriundos da des- diculares. Por isso, nos primórdios do desenvolvimen-
truição de bactérias, os quais podem ser drenados para to de uma lesão perirradicular crônica, o antígeno deve
os linfonodos por meio de vasos linfáticos aferentes, ser conduzido ao linfonodo para que seja apresentado
ou na sua forma solúvel ou capturados por APCs. A a linfócitos com especificidade para ele. Além de se-
linfa da maioria dos dentes drena para os linfonodos rem especializados em aprisionar antígenos e facilita-
submandibulares. A linfa proveniente dos incisivos rem o encontro entre esses e os linfócitos específicos, os
Patologias Pulpar e Perirradicular 67
Tratamento
O tratamento consiste na eliminação do agente
agressor por meio da limpeza e desinfecção do sistema
de canais radiculares, seguidas pela obturação em ses-
são posterior à aplicação de uma medicação intracanal.
Granuloma perirradicular
O granuloma é a patologia perirradicular mais co-
mumente encontrada. Bhaskar9, examinando o número
expressivo de 2.308 lesões perirradiculares, constatou
que 48% delas eram granulomas. Os cistos correspon-
deram a 42% das lesões, enquanto as demais patolo- A
Características histopatológicas
O granuloma é constituído, basicamente, por um
infiltrado inflamatório do tipo crônico, associado a ele-
mentos de reparação, caracterizando um tecido granu-
lomatoso que substitui o osso reabsorvido (Fig. 2-34A).
Na periferia, circunscrevendo a lesão, encontra-se uma
cápsula composta basicamente por fibras colágenas. As
B
células inflamatórias compreendem cerca de 50% dos
elementos da lesão, sendo que os macrófagos predo- Figura 2-42. Vasos sanguíneos em granulomas. A. Capilares. B.
minam, seguidos em ordem decrescente por linfócitos, Neoformação vascular.
Patologias Pulpar e Perirradicular 69
A B
durante a resposta imunológica adaptativa ocorrendo expressão de receptores para EGF na célula epitelial e
em um granuloma. Gao et al.29 relataram que, enquanto uma maior biossíntese de KGF por fibroblastos.
o ligamento periodontal em condições de normalidade Componentes bacterianos, como endotoxinas
apresentava poucas células produzindo KGF, a síntese (LPS), que podem ser encontrados em elevadas con-
desse fator de crescimento de células epiteliais era pro- centrações no granuloma, também induzem a prolife-
nunciada no estroma do tecido conjuntivo próximo a lo- ração de células epiteliais86.
cais de proliferação epitelial em granulomas e adjacente A proliferação epitelial no granuloma gera a for-
ao revestimento epitelial de cavidades císticas. mação de fitas e verdadeiras ilhotas de epitélio organi-
Outros mediadores químicos produzidos por cé- zado, condição conhecida, histologicamente, como gra-
lulas presentes em um granuloma (linfócitos, fibroblas- nuloma epiteliado (Figs. 2-47 e 2-48). Acredita-se que essa
tos e, principalmente, macrófagos) podem estimular a proliferação visa a produzir uma barreira física contra
proliferação epitelial, os quais incluem: TNF, IL-1, IL-6 irritantes que egressam pelo forame apical, o que seria
e PGE2. As próprias células epiteliais podem produzir mais um mecanismo de defesa do hospedeiro.
IL-1 e IL-6, citocinas que podem ter efeito autócrino,
i.e., agir sobre a própria célula que as produziu. É bas- Diagnóstico
tante admissível que os efeitos desses mediadores so-
Sinais e sintomas
bre a atividade mitótica das células epiteliais ocorram
de forma indireta, por meio da indução de uma maior Geralmente, o granuloma é assintomático.
A B
A B
Figura 2-48. Granuloma epiteliado. A. Fitas de proliferação epitelial. B. Início da formação de uma cavidade cística.
72 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Patogênese
Várias teorias tentam explicar a formação da loja cís-
tica, sendo a mais plausível a que sugere o envolvimen-
to do sistema imune140, a qual se baseia na presença de
Figura 2-49. Imagem radiográfica sugestiva de granuloma perirra-
elementos da resposta imunológica adaptativa na lesão,
dicular. Todavia, não se pode distinguir granulomas e cistos apenas como linfócitos T e B, plasmócitos, macrófagos, células
tendo como base a radiografia. NK, anticorpos e componentes do sistema complemento.
Patologias Pulpar e Perirradicular 73
A B
A B
Figura 2-52. Cristais presentes em um cisto perirradicular. A. Corte histológico evidenciando cristais de colesterol. B. Eletromicrografia de
um cristal presente em cisto perirradicular, próximo a células inflamatórias.
Formação do cisto perirradicular – Papel do sistema imune nantes antigênicos, capazes de evocar uma resposta
autoimune140.
Células epiteliais no centro de uma massa celu-
d) Lipopolissacarídeos (endotoxinas), liberados por
lar tridimensional sofrem apoptose e dão origem à
bactérias gram-negativas, dependendo da concen-
cavidade cística76. É possível que durante a prolifera-
tração que atingem nos tecidos, podem atuar como
ção essas células adquiram propriedades antigênicas,
ativadores policlonais, estimulando a proliferação
fazendo com que sejam reconhecidas como estranhas
de vários clones de linfócitos, com diferentes espe-
(non-self) pelo sistema imune. Siqueira116 propôs alguns
cificidades1. Linfócitos que reconhecem antígenos
dos seguintes mecanismos possivelmente envolvidos
próprios são eliminados ou inativados (anergia), o
na aquisição de antigenicidade pelo epitélio:
que impede o desenvolvimento de doenças autoi-
a) Os restos epiteliais de Malassez, em estado de pro- munes. Se, porventura, houver a ativação de clones
liferação induzido por um processo patológico, po- autorreativos circulantes com especificidade para
dem expressar em sua superfície moléculas que an- moléculas presentes em células epiteliais, elas po-
teriormente, em estado quiescente, não produziam. dem ser destruídas. Embora possível, esse mecanis-
Se o sistema imune não foi treinado para reconhecer mo é pouco provável de acontecer.
tais moléculas como próprias (self), o epitélio é des-
truído. A produção de moléculas estranhas (princi- Independentemente da forma que o epitélio ad-
palmente proteínas) pode resultar de alterações ge- quire antigenicidade, o sistema imune pode exercer
néticas induzidas pelos processos inflamatório e/ou seu efeito citotóxico, levando à formação do cisto. Essa
de envelhecimento. Cumpre ressaltar que o cisto citotoxicidade pode ser mediada pela ação de anticor-
perirradicular é formado por restos celulares que já pos, sistema complemento, células NK e linfócitos T
completaram a sua função de formação da raiz. citotóxicos.
b) Pode haver reatividade cruzada entre antígenos pró-
prios (da célula epitelial) e estranhos (de origem bac- Anticorpos
teriana). Quando existe similaridade antigênica, o sis- Imunoglobulinas podem se ligar a moléculas an-
tema imune pode reagir contra antígenos estranhos e tigênicas presentes na superfície de células epiteliais,
destruir componentes próprios (no caso, o epitélio). induzindo a lise celular, a qual não se dá diretamente
c) Durante a resposta inflamatória podem ocorrer al- pelos efeitos dos anticorpos, mas sim por intermédio
terações estruturais nos tecidos, como resultado da do sistema complemento ou de células NK. Esse tipo
ação de substâncias bacterianas, virais e/ou endó- de resposta é denominado de hipersensibilidade do
genas. Células epiteliais podem ter moléculas de tipo II, ou citotóxica, estando acorde a classificação de
superfície alteradas, gerando, assim, novos determi- Gell & Coombs30.
Patologias Pulpar e Perirradicular 75
Diagnóstico
Os achados dos exames são similares aos do gra-
nuloma, uma vez que o cisto é oriundo dele.
Sinais e sintomas
Na grande maioria das vezes, o cisto perirradicu-
lar é assintomático.
Inspeção
Detecta-se a presença de cárie e/ou restauração
extensa. A coroa do dente pode se apresentar escureci- Figura 2-53. Radiografia evidenciando extenso cisto perirradicular.
da, como resultado da necrose pulpar. Notar a separação de raízes.
76 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
A B
Figura 2-54. Abscesso perirradicular crônico. A. Fístula intraoral. (Gentileza do Prof. Fábio Ramoa Pires.) B. Fístula extraoral. Um cone de guta-
percha foi introduzido na fístula para seguir seu trajeto e indicar o dente responsável.
Patologias Pulpar e Perirradicular 77
Tratamento
jeto pode ser rastreado pela introdução de um cone de Consiste, assim como nas outras entidades pato-
guta-percha em sua luz, seguido por constatação radio- lógicas perirradiculares, basicamente, na eliminação
gráfica (Fig. 2-55). O cone percorre o trajeto e alcança o da fonte de irritantes situada no interior do sistema
ponto de origem do processo, isto é, o dente envolvido. de canais radiculares. Se o canal radicular é tratado
Esse procedimento, denominado de rastreamento da convenientemente, a lesão e a fístula regridem. O
fístula, é de grande utilidade para a detecção do dente profissional deveria utilizar a fístula como indicador
afetado, uma vez que a fístula nem sempre se encontra biológico de que o tratamento foi eficaz para elimi-
próxima a ele. nar a fonte de infecção. O desaparecimento da fístula,
que usualmente ocorre entre 7 e 30 dias, indica que
Testes pulpares os procedimentos endodônticos foram realizados de
Resultam em respostas negativas, uma vez que a forma satisfatória. Entretanto, se na sessão marcada
polpa se encontra em estado de necrose. para a obturação a fístula persistir, há fortes indícios
de que irritantes permanecem no canal. O prognós-
Testes perirradiculares tico do tratamento, quando se obtura o canal nessas
circunstâncias, é sombrio116. É aconselhável, então, re-
Percussão e palpação – Usualmente negativos,
capitular a instrumentação, a irrigação e a medicação
não devendo ser descartada a hipótese de haver uma
intracanal, apenas obturando após o desaparecimento
ligeira sensibilidade em resposta a eles.
do trato fistuloso.
Achados radiográficos
Observa-se, assim como para o granuloma e o
ABREVIATURAS
cisto, uma área de destruição óssea perirradicular, 5-HT: 5-hidroxitriptamina (serotonina)
indistinguível dessas outras duas entidades patológi- ADCC: citotoxicidade mediada por células de-
cas (Fig. 2-56). Todavia, os limites da área radiolúcida pendente de anticorpos
podem não ser bem definidos, como o são para o gra- APC: célula apresentadora de antígenos
nuloma e o cisto. Cáries e/ou restaurações profundas BCR: B cell receptor
também podem ser detectadas radiograficamente. CD: cluster of differentiation
78 Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
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Alterações
Patológicas
Capítulo 3
Simulando
Patologias
Endodônticas
Fábio Ramôa Pires
As doenças de origem inflamatória pulpar ou, médica atual e pregressa dos pacientes podem salien-
mais raramente, endoperiodontal são aquelas que com tar dados importantes sobre manifestações orais de do-
maior frequência acometem a região perirradicular. enças sistêmicas e limitações ao tratamento dentário.
Essas, em conjunto, são usualmente tratadas por meio Além disso, a história familiar é essencial quando pen-
da terapia endodôntica convencional ou, quando indi- samos em condições geneticamente adquiridas, como
cado, mediante manobras cirúrgicas, sejam elas dire- síndromes, que podem manifestar-se nos maxilares.
cionadas a cirurgias perirradiculares ou a remoção da Esse conjunto de informações, aliadas àquelas obtidas
lesão em conjunto com o elemento dentário associado, pelo exame físico, pode justificar a necessidade de so-
quando sua estrutura remanescente não permite sua licitação de exames complementares laboratoriais, vi-
permanência na arcada dentária. sando à confirmação do diagnóstico e melhor planeja-
Entretanto, diversas outras patologias podem mento terapêutico.
manifestar-se na região perirradicular dos elementos A avaliação clínica detalhada, que faz parte do
dentários, sem mostrar relação etiológica com inflama- exame físico locorregional, deve ser parte ao menos da
ção pulpar ou periodontal12,23,41. Essas devem fazer par- avaliação inicial dedicada a todos os pacientes odon-
te do arsenal de conhecimentos do cirurgião-dentista, tológicos. Nesse momento temos a oportunidade de
devendo ser incluídas no diagnóstico diferencial das associar os achados clínicos objetivos às informações
patologias perirradiculares. Em virtude de sua origem obtidas durante a anamnese, além de podermos diag-
não inflamatória, seu tratamento diverge das terapias nosticar alterações não percebidas previamente pelos
habituais para as lesões perirradiculares inflamatórias, pacientes, oferecendo a possibilidade de diagnóstico
reforçando a necessidade da correta anamnese, da ava- precoce de diversas condições. Informações precisas
liação clínica minuciosa e da correta indicação e inter- quanto à integridade das mucosas, sensibilidade à pal-
pretação dos exames complementares laboratoriais e pação, localização das alterações e relação com os ele-
imaginológicos23,41. mentos dentários são essenciais quando caminhamos
Na anamnese, a obtenção do maior número de no processo diagnóstico das doenças inflamatórias
informações sobre a história da doença atual, incluin- perirradiculares. Em adição ao exame físico, os testes
do especialmente seu tempo e padrão de evolução, complementares de sensibilidade e vitalidade pulpar
sintomatologia associada e resposta a terapias prévias são imprescindíveis, quando indicados, no diagnóstico
utilizadas, é essencial para a consideração da origem do comprometimento pulpar e, consequentemente, no
inflamatória do quadro. Informações sobre a história diagnóstico das afecções inflamatórias perirradicula-
83
84 Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
res. Cabe ressaltar que, mesmo que um determinado quando do estabelecimento do diagnóstico diferencial
elemento dentário não responda aos testes de sensibi- entre as diferentes doenças perirradiculares. Incluímos
lidade pulpar, esse achado isoladamente não permite a ainda um grupo de condições que podem simular do-
conclusão quanto à sua participação etiológica no qua- enças inflamatórias agudas (tais como os abscessos pe-
dro em questão. Eventualmente podemos encontrar rirradiculares), que podem não apresentar alterações
um elemento dentário com necrose pulpar na mesma radiográficas marcantes.
região anatômica onde se localiza uma alteração radio-
gráfica de origem não inflamatória, por vezes dificul-
tando o correto diagnóstico final e, consequentemente, Alterações inflamatórias/
a melhor terapêutica a ser proposta. infecciosas de origem não pulpar
Mesmo com todas as informações obtidas com a que podem simular abscessos
anamnese completa e o exame físico apurado, o diag- perirradiculares
nóstico das alterações perirradiculares inflamatórias
Sialolitíases
depende de exames complementares imaginológicos.
Dentre esses, as radiografias convencionais, incluindo Sialolitíases ou sialoadenites litiásicas são pro-
radiografias panorâmicas e oclusais, mas principal- cessos inflamatórios agudos ou crônicos associados à
mente as radiografias periapicais, são componentes presença de sialolitos (cálculos ou pedras salivares)
imprescindíveis nesse processo de diagnóstico. Nessas localizados no sistema glandular. Os sialolitos são
últimas, a avaliação da integridade do contorno radi- compostos por mucina, restos celulares, restos bacte-
cular, assim como do espaço correspondente ao liga- rianos e cálcio e, embora sejam mais comuns no sis-
mento periodontal e da lâmina dura do osso alveolar tema de ductos excretores, podem ser encontrados
adjacentes, é fundamental para o correto diagnóstico também no istmo glandular ou mesmo nos ductos
das alterações inflamatórias. As alterações perirradicu- intraglandulares21. Esses depósitos levam à obstrução
lares inflamatórias produzem alteração nos tecidos que parcial ou total do fluxo salivar, podendo ocasionar
compõem o ligamento periodontal, determinando as- aumento de volume doloroso na glândula afetada, o
sim seu alargamento, com consequente resposta de es- qual pode estar associado à infecção secundária oca-
clerose ou rompimento da integridade da lâmina dura sionada por bactérias orais migrando por via retró-
do osso alveolar. Esse processo, quando não interrom- grada e, consequentemente, drenagem purulenta35. As
pido, e na dependência direta de seu padrão de evolu- glândulas submandibulares são as mais envolvidas
ção, pode também determinar alterações reacionais no especialmente por secretarem uma saliva mais visco-
osso alveolar adjacente, visíveis ao exame radiográfico sa (predominantemente mucosa), e por apresentarem
convencional. Mais recentemente, tomografias compu- um sistema ductal longo, tortuoso e de sentido anti-
tadorizadas obtidas pela técnica volumétrica trouxeram gravitacional35 (Fig. 3-1). As sialolitíases são mais fre-
valiosa contribuição ao estudo particular de alguns ca-
sos, mas as técnicas radiográficas convencionais ainda
representam o pilar do diagnóstico endodôntico.
Nas páginas seguintes, procuramos resumir in-
formações importantes acerca do diagnóstico dife-
rencial das principais condições que podem clínica e
radiograficamente simular doenças inflamatórias pe-
rirradiculares de origem pulpar. Esse texto não tem a
pretensão de esgotar o assunto e, muito pelo contrário,
servir apenas de porta de entrada para o estudante de
Odontologia, para o cirurgião-dentista clínico geral ou
especialista em outras áreas e para o especialista em
endodontia, neste fascinante capítulo da Odontologia
que integra a Endodontia, a Imaginologia, a Estoma-
tologia e a Patologia Oral. Apenas por finalidade di-
dática, as condições serão divididas em alterações que
possam produzir imagens radiográficas radiolúcidas Figura 3-1. Aumento de volume submandibular do lado esquerdo
ou radiopacas, de forma a facilitar a consulta do leitor em paciente apresentando sialoadenite litiásica.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 85
Tuberculose ganglionar
Tuberculose é uma infecção bacteriana causada
por Mycobacterium tuberculosis, representando um gran-
de problema de saúde em nossa população. A patogê-
nese da doença se dá pela infecção primária pulmonar
por via inalatória, seguida de um período de latência
e da progressão do quadro infeccioso nos pulmões e
eventual disseminação a outros sítios. O envolvimento
oral pela tuberculose é bastante incomum, sendo que
ele usualmente representa a disseminação secundá-
ria da doença a partir do foco primário pulmonar por
meio de contato direto do escarro contaminado ou por
via hematogênica21. Entretanto, o M. tuberculosis e o M.
bovis podem também causar doença nos linfonodos
Figura 3-2. Detalhe da radiografia panorâmica da paciente da Fig. cervicais, no quadro clínico conhecido como tubercu-
3-1 mostrando imagem radiopaca bem delimitada sobreposta à
região posterior de mandíbula do lado esquerdo, compatível com
lose ganglionar ou escrófula19,31 (Fig. 3-3). Clinicamente
sialolito. essa forma se apresenta como aumento de volume úni-
co ou múltiplo, submerso, fibroelástico, discretamente
doloroso, podendo se apresentar recoberto por pele
normal, eritematosa ou ulcerada com presença de dre-
quentes em adultos jovens, não mostrando predileção
nagem purulenta31 (Fig. 3-4). Essa forma clínica pode
por gênero e, por determinarem obstrução do fluxo
simular quadros semelhantes a abscessos perirradicu-
salivar, podem mostrar variações na sintomatologia,
lares e deve ser considerada como possibilidade diag-
sendo usualmente mais sintomáticas na proximidade
nóstica em aumentos de volume cervicais de caracterís-
das refeições. Clinicamente, além do aumento de vo-
ticas inflamatórias. Como os pacientes acometidos por
lume da glândula associada, pode ser observado au-
tuberculose ganglionar frequentemente não apresen-
mento de volume normocrômico ou levemente ama-
tam envolvimento pulmonar sincrônico, o diagnóstico
relado na área da mucosa onde se localiza o sialolito,
deve se basear em exames imaginológicos (ultrassono-
especialmente em associação ao ducto da submandi-
grafias, tomografias computadorizadas e ressonâncias
bular na porção lateral do assoalho de boca. Por se-
magnéticas), punção aspirativa ou biópsia, e cultura
rem compostos de material mineralizado, os sialolitos
nos casos onde se obtém material de drenagem19. O
apresentam consistência pétrea e usualmente podem
tratamento segue normas semelhantes àquelas empre-
ser visualizados em exames radiográficos de rotina,
gadas no tratamento da tuberculose sistêmica.
incluindo especialmente radiografias oclusais inferio-
res e radiografias panorâmicas21 (Fig. 3-2). Entretanto,
eventualmente o grau de calcificação dos sialolitos
pode não ser suficiente para sua visualização em exa-
mes radiográficos rotineiros e, nessas situações, são
úteis as ultrassonografias e tomografias computado-
rizadas. Em virtude da possibilidade de inflamação
aguda e sintomatologia dolorosa associadas aos sialo-
litos, esses quadros podem se confundir clinicamente
com abscessos perirradiculares21,35. Seu tratamento é
variável e depende de seu tamanho e da sua relação
com a estrutura ductal da glândula, podendo incluir:
estimulação do fluxo salivar (aumento da ingestão de
líquidos, sucos de frutas cítricas, chicletes sem açúcar,
sialogogos como a pilocarpina etc.), calor úmido local,
ordenha ductal e massageamento da glândula, sialoli- Figura 3-3. Aumento de volume múltiplo em região subman-
totripsia, e a remoção cirúrgica do sialolito, associada dibular e submentoniana em paciente portador de tuberculose
ou não com a remoção da glândula associada. ganglionar.
86 Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Cisto nasolabial
Esse cisto não odontogênico dos tecidos moles da
face, também conhecido como cisto nasoalveolar ou
cisto de Kledstadt, tem sua origem associada à perma-
nência de restos epiteliais embrionários aprisionados
na fusão dos processos maxilar, nasal mediano e nasal
lateral durante a embriogênese da face, que prolife-
ram sob estímulo desconhecido na vida adulta21. Cli-
nicamente, produz um aumento de volume no fundo
de vestíbulo superior, lateralmente à linha média, na
região correspondente aos incisivos laterais e caninos
superiores25 (Fig. 3-6). Esse abaulamento usualmente é
visível no lábio superior e produzindo elevação da asa
do nariz. Acomete preferencialmente indivíduos adul-
tos, sem mostrar predileção marcante por gênero. No
início, essas lesões são assintomáticas, mas em virtude
de seu crescimento lento e progressivo podem se tornar
secundariamente traumatizadas e infectadas, passando
a ter sintomatologia dolorosa42. Nessas situações po- Figura 3-7. Radiografia periapical da mesma paciente e da mesma
dem apresentar quadro clínico compatível com lesões região anatômica da Fig. 3-6 mostrando área radiolúcida difusa so-
breposta ao periápice dos dentes 12 e 13. (Reproduzida de Pascual
perirradiculares inflamatórias agudizadas. A despeito et al. Rev Bras Odontol, 2007; 64: 200-4.)
de surgirem nos tecidos moles dessa região anatômi-
ca, elas podem causar com seu crescimento reabsor-
ção superficial da cortical óssea, produzindo imagem
autores têm preconizado a injeção intralesional de con-
radiográfica radiolúcida difusa sobreposta aos ápices
trastes seguida de tomadas convencionais, facilitando
dos incisivos laterais e caninos superiores25 (Fig. 3-7).
a observação dos limites da lesão e, consequentemente,
A proximidade da lesão com a fossa nasal pode fazer
sua remoção cirúrgica. Seu tratamento inclui a remoção
com que as queixas nasais sejam mais evidentes que as
cirúrgica conservadora; entretanto, alguns cistos maio-
queixas orais, o que pode também fazer com que os pa-
res e inflamados podem mostrar cápsula com íntimo
cientes procurem avaliação otorrinolaringológica antes
contato com a mucosa nasal, o que aumenta a possibi-
da avaliação odontológica. Na tentativa de obterem
lidade de comunicação buconasal pós-operatória.
imagens radiográficas convencionais da lesão, alguns
Cisto paradentário
O cisto paradentário foi primeiramente descrito
por Craig em 1970, e, a despeito de ser considerado
um cisto odontogênico relativamente frequente, pou-
cas séries de casos têm sido reportadas na literatura20,26.
À semelhança dos cistos perirradiculares e residuais,
esse cisto também é classificado como um cisto odon-
togênico de origem inflamatória, para o qual diversas
etiologias têm sido sugeridas, embora a mais provável
inclua um processo inflamatório crônico, muitas vezes
precedido por episódios agudos de pericoronarite, em
um elemento dentário semierupcionado. Acredita-se
que a inflamação localizada entre a coroa/face lateral
da raiz do elemento dentário semierupcionado e o epi-
Figura 3-6. Aumento de volume submerso no fundo de vestíbulo télio do capuz pericoronário ou do sulco gengival, cor-
superior na região de incisivo lateral e canino do lado direito em
paciente portadora de cisto nasolabial. Observar a cicatriz de bióp- respondendo a uma bolsa periodontal inflamada, pro-
sia incisional prévia. (Reproduzida de Pascual et al. Rev Bras Odontol, duza destruição do osso alveolar na face lateral da raiz,
2007; 64: 200-4.) levando à formação de uma cavidade na região20. Os
88 Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Cisto dentígero
O cisto dentígero, também conhecido como cisto
folicular, é um cisto odontogênico caracterizado pelo
acúmulo de líquido entre a coroa de um dente não
erupcionado e o epitélio reduzido do órgão do es-
malte que a circunda21. É considerado o segundo cisto
odontogênico mais comum, sendo apenas menos fre-
quente que o cisto perirradicular e sua variante, o cisto
residual1. Por associar-se a dentes não erupcionados,
apresenta predileção por indivíduos jovens, nas duas
primeiras décadas de vida, não mostrando predileção
por gênero. Além da ausência clínica do elemento den-
tário associado, esse cisto pode promover abaulamento
local, usualmente assintomático e recoberto por muco-
Figura 3-8. Área radiolúcida bem delimitada sobreposta distalmen- sa normal. Os dentes mais acometidos são aqueles que
te às raízes do dente 36, diagnosticada como cisto paradentário na permanecem mais tempo retidos nos maxilares, in-
variante da bifurcação vestibular.
cluindo especialmente os terceiros molares e caninos.
Radiograficamente, esse cisto se caracteriza por uma
área radiolúcida unilocular envolvendo a coroa de um
cistos paradentários apresentam predileção pelos ter- dente não erupcionado e, nessa situação, dificilmente
ceiros molares, por serem esses os dentes que permane- consideraremos uma lesão perirradicular inflamatória
cem semierupcionados com maior frequência. Em vir- em seu diagnóstico diferencial36. Entretanto, em pacien-
tude dessa patogênese, a porção radicular distal desses tes em fase de dentição mista, faixa etária comum para
dentes é a área de predileção, mas esses cistos também o surgimento do cisto dentígero, frequentemente há
podem surgir em associação à face vestibular dos mo- sobreposição da imagem do cisto com o periápice dos
lares, especialmente dos primeiros molares inferiores, dentes decíduos localizados na região (Fig. 3-9). Nessa
sendo denominados de cistos da bifurcação vestibular situação clínica, é essencial testar a sensibilidade dos
quando surgem nessa situação anatômica21 (Fig. 3-8). dentes da região para excluir envolvimento inflamató-
Os cistos paradentários usualmente são assintomáticos, rio do tecido pulpar37. Nos casos onde o elemento decí-
podendo ou não mostrar aumento de volume distal ou duo associado não apresenta sensibilidade pulpar por
vestibular. Seu aspecto radiográfico mostra uma área
radiolúcida unilocular bem delimitada, localizada mais
comumente na face distal da raiz de um terceiro molar
semierupcionado26. Quando se associa à porção vesti-
bular do dente afetado, há sobreposição dessa imagem
com a porção inferior da coroa e superior da raiz. É
importante ressaltar que, muito embora a imagem ra-
diográfica desse cisto mostre íntima relação com a face
lateral da raiz de um elemento dentário, ele apresenta
resposta positiva aos testes de sensibilidade dentária,
visto que sua origem não está relacionada com a infla-
mação pulpar. Seu tratamento usualmente inclui a enu-
cleação cirúrgica associada à exodontia do elemento as-
sociado, especialmente quando se trata de um terceiro
molar, mas o elemento dentário pode ser mantido caso
seja viável. Quando analisado laboratorialmente, o cis-
to paradentário apresenta aspecto microscópico muito
semelhante ao cisto perirradicular e ao cisto residual, e
Figura 3-9. Área radiolúcida unilocular associada lateralmente à
a associação do padrão microscópico com os aspectos coroa do dente 35 incluso e em íntima relação com o periápice
clínicos, radiográficos e transcirúrgicos é essencial para do dente 75 sem vitalidade pulpar, diagnosticada como cisto den-
seu correto diagnóstico20. tígero.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 89
Tumores
Ameloblastoma
Figura 3-20. Aumento de volume recoberto por mucosa normal
Os ameloblastomas representam, depois dos no fundo de vestíbulo e rebordo alveolar na região ântero-inferior,
odontomas, os tumores odontogênicos mais comuns, causando afastamento dentário na região, diagnosticado como
sendo considerados um capítulo à parte dentro da Pa- ameloblastoma.
tologia Oral, visto que, a despeito de seu comporta-
mento benigno, podem causar grande destruição local
por seu caráter infiltrativo de crescimento. São subdi-
vididos em três variantes: a forma sólida, policística,
multicística ou comum, que representa até 85% dos
casos; a forma unicística representando até 20% dos ca-
sos; e a rara forma periférica, que representa apenas 2%
dos casos1,17,32. A forma mais comum de ameloblastoma
apresenta predileção por pacientes adultos entre a 3a e
a 5a décadas de vida, de ambos os gêneros, localizando-
se na região posterior da mandíbula em até 75% dos
casos. Apesar de usualmente mostrarem abaulamento
local assintomático, alguns casos podem causar dor e
desconforto, além de rompimento das corticais ósseas
(Fig. 3-20). Radiograficamente sua imagem mais co-
Figura 3-21. Radiografia panorâmica do mesmo paciente da Fig.
mum é na forma de áreas radiolúcidas multiloculares,
3-20 mostrando área radiolúcida unilocular bem delimitada e reab-
que podem conter lojas pequenas (aspecto de “favos sorção radicular dos dentes associados à lesão.
de mel”) ou grandes (aspecto de “bolhas de sabão”),
as quais podem estar associadas à reabsorção dentária,
mas também podem se apresentar na forma de áreas
radiolúcidas uniloculares1,5 (Figs. 3-21 e 3-22). O trata-
mento desses ameloblastomas usualmente inclui a res-
secção marginal ou segmentar, mas mesmo assim as
taxas de recidiva se aproximam de 15 a 20%.
A forma unicística apresenta algumas variações Figura 3-22. Área radiolú-
cida na região anterior da
quando comparada à forma sólida/multicística con-
mandíbula diagnosticada
vencional. Mostra predileção por pacientes na 2a dé- como ameloblastoma. A
cada de vida e sua imagem radiográfica é mais comu- despeito de sua proximi-
mente radiolúcida unilocular. A mandíbula posterior é dade com o periápice dos
o sítio das lesões em até 90% dos casos e há associação dentes da região e da exis-
tência de cárie e restau-
de um dente incluso, especialmente um terceiro mo- rações, todos os dentes
lar inferior, em 50 a 80% dos casos3,17. Nessa variante, apresentavam vitalidade
caracterizada pela presença de uma única cavidade, pulpar.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 95
recimento diagnóstico, após o qual basta apenas o dros assintomáticos não necessitam tratamento, ape-
controle clínico-radiográfico. nas controle clínico-radiográfico como as outras duas
A displasia cemento-óssea florida é a forma mais formas. Deve-se orientar os pacientes acometidos para
exuberante dessa condição, acometendo mulheres me- evitarem trauma ou irritação local desnecessária ou ia-
lanodermas adultas e idosas em 90% dos casos15. Nessa trogênica nas áreas acometidas, tais como trauma por
forma, as lesões são múltiplas e usualmente bilaterais próteses mal adaptadas, exodontias, doença periodon-
em ambos os maxilares ou só na mandíbula, podendo tal crônica e colocação de implantes ósseo-integrados
ou não ser simétricas. Lesões em pacientes mais jovens para evitar o desenvolvimento de osteomielites. Al-
tendem a ser mais imaturas e, portanto, radiolúcidas, guns autores sugerem que exista uma forma de displa-
ao passo que em pacientes idosos tendem a mostrar sia cemento-óssea florida com componente hereditário
imagem radiopaca (mais madura)14 (Figs. 3-28 e 3-29). autossômico dominante, chamada de cementoma gi-
Algumas áreas podem apresentar cavidades vazias as- gantiforme familiar.
sociadas, as quais são compatíveis com áreas de cavi- O fibroma ossificante central faz parte desse
dades ósseas idiopáticas. O quadro isolado das lesões mesmo grupo de condições, sendo considerado, ao
é usualmente assintomático, mas quando as áreas, es- contrário das anteriormente descritas, uma neoplasia
pecialmente as radiopacas, se tornam secundariamen- benigna verdadeira14,32. Afeta especialmente pacientes
te inflamadas ou infectadas por trauma local, infecção adultos jovens, com predileção por mulheres e acome-
dentária ou ambos, podem se tornar sintomáticas e tendo preferencialmente a região posterior da mandí-
apresentarem drenagem purulenta15. Nesses casos, bula. Clinicamente produz abaulamento das corticais
pode ser observada a formação de sequestros ósseos, na região afetada, mas é usualmente assintomático.
que devem ser removidos sob antibioticoterapia. Qua- Sua imagem radiográfica pode ser radiolúcida, mista
ou radiopaca, como na displasia fibrosa e nas displa-
sias cemento-ósseas, mas tipicamente se mostra bem
delimitada em relação ao osso normal adjacente pela
presença de uma borda de esclerose óssea14. Pode pro-
duzir ainda afastamento dentário, além de divergência
e reabsorção radiculares. Seu tratamento usualmente
inclui a enucleação cirúrgica simples, com excelente
plano de clivagem, raramente produzindo recidivas.
Exostoses
Exostoses são protuberâncias e crescimentos ori-
ginados a partir da porção cortical do osso, comumente
encontrados na mandíbula e na maxila. Sua etiologia é
desconhecida, mas acredita-se que fatores genéticos e
ambientais participem em conjunto, e diversos autores
têm sugerido que o trauma local pode produzir respos-
ta proliferativa no osso subjacente. São usualmente en-
contradas em pacientes adultos, sem predileção mar-
cante por gênero, sendo normalmente assintomáticas e
recobertas por mucosa normal. À palpação apresentam
consistência pétrea e não apresentam mobilidade em
relação aos planos teciduais adjacentes. Existem várias Figura 3-31. Paciente apresentando múltiplas exostoses vestibula-
formas clínicas de exostoses, dentre as quais podemos res assintomáticas em maxilas e em mandíbula bilateral.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas 99
Figura 3-32. Radiografia periapical da região de molares superiores Figura 3-33. Massa radiopaca relativamente bem delimitada
do lado direito mostrando a sobreposição das áreas de neoforma- localizada em continuidade com a raiz do dente 26, circundada
ção óssea das exostoses com as raízes dos elementos dentários na por discreto halo radiolúcido, diagnosticada como cementoblas-
área (mesmo paciente da Fig. 3-31). toma.
gem radiográfica radiopaca difusa, que eventualmente do usualmente ao terço apical da raiz do dente associa-
se sobrepõe à porção radicular dos elementos dentá- do, circundada por um halo radiolúcido, podendo pro-
rios, especialmente no torus mandibular e nas exosto- duzir reabsorção radicular2 (Fig. 3-33). Seu tratamento
ses vestibulares34 (Fig. 3-32). Nessas situações, é impor- envolve a remoção da lesão associada ou não à raiz
tante considerá-las no diagnóstico diferencial das os- acometida ou ao dente associado por completo.
teítes condensantes, pois mostram imagens radiopacas
difusas sem halo radiolúcido e em continuidade com
Osteoma
o osso adjacente, sendo essencial a correlação clínico-
radiográfica. As exostoses usualmente não requerem Os osteomas são neoplasias benignas de tecido
tratamento, exceção feita àqueles casos nos quais exista ósseo, cuja localização preferencial no esqueleto in-
interferência estética ou funcional, quando estejam lo- clui a área craniofacial, especialmente a mandíbula, a
calizadas em áreas sujeitas a trauma constante ou os maxila, o côndilo mandibular e os seios paranasais21.
raros casos que apresentem sintomatologia dolorosa, Quando surgem a partir do osso cortical, seu diag-
usualmente por trauma local. nóstico é mais simples; entretanto, quando surgem a
partir do osso medular, podem simular outras lesões
radiopacas dos maxilares, incluindo aquelas associa-
Tumores
das à inflamação pulpar e perirradicular10. Mostram
Cementoblastoma predileção por pacientes adultos jovens, e não por gê-
Os cementoblastomas são neoplasias odontogêni- nero, e usualmente são assintomáticos, causando ape-
cas incomuns caracterizadas pela proliferação de tecido nas abaulamento local de proporções variáveis, sendo
mineralizado de origem cementária unido à raiz de um este geralmente mais evidente nas lesões de origem
ou mais elementos dentários2. Acometem usualmente cortical. Radiograficamente se manifestam como mas-
pacientes jovens nas 2a e 3a décadas de vidas, sem pre- sas escleróticas radiopacas circunscritas corticais ou
dileção por gênero. A mandíbula posterior é a região medulares, tratadas por meio de remoção cirúrgica
de predileção, e o primeiro molar inferior é o dente conservadora10 (Fig. 3-34).
mais associado ao desenvolvimento dessas lesões21. Ao Osteomas geralmente são lesões únicas, e a pre-
contrário da grande maioria dos tumores odontogêni- sença de múltiplos osteomas faz necessária a pesquisa
cos, os cementoblastomas apresentam dor associada da possibilidade de síndrome de Gardner, uma condi-
em cerca de 50% dos casos. Ao exame radiográfico se ção rara de transmissão usualmente autossômica domi-
observa uma massa de tecido misto ou radiopaco uni- nante21. Essa síndrome é caracterizada, além da presen-
100 Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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102 Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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Capítulo 4
Microbiologia
Endodôntica
A Endodontia pode ser definida essencialmente sa área conhecer as principais nuances do processo
como a disciplina clínica voltada para o tratamento infeccioso endodôntico, reconhecendo os principais
ou a prevenção das patologias perirradiculares. Uma micro-organismos envolvidos, suas vias de acesso ao
vez que essas doenças apresentam etiologia infeccio- sistema de canais radiculares, o padrão de colonização
sa, depreende-se então que a Endodontia é a disciplina microbiana desse sistema e as consequências da infec-
envolvida com o controle e a prevenção das infecções ção endodôntica para o hospedeiro (paciente). Em tal
pulpares e perirradiculares (Fig. 4-1). Baseado nesse conhecimento reside a base sólida fundamental sobre a
conceito, é dever do profissional que se habilita nes- qual o profissional irá apoiar sua estratégia para tratar
e prevenir uma infecção endodôntica com o intuito de
lograr êxito na terapia endodôntica.
103
104 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
pois, as suas observações quanto aos canais radiculares uma relação de causa e efeito. Cerca de 70 anos após
foram ratificadas e uma relação de causa e efeito entre os achados clássicos de Miller, um estudo confirmou
bactérias e lesões perirradiculares foi sugerida. definitivamente o papel essencial desempenhado por
Isso ocorreu em 1894, quando Willoughby Dayton bactérias na etiopatogenia das doenças pulpares e
Miller, um dentista norte-americano que desenvol- perirradiculares. Kakehashi et al.89 expuseram polpas
veu seus estudos relacionados com a Microbiologia dentais de ratos convencionais e germ-free ao meio bu-
Oral, inspirado por Robert Koch, em Berlim, Alema- cal, observando a resposta desse tecido por métodos
nha, relatou a associação entre bactérias e a patologia histológicos. Enquanto nos animais convencionais se
perirradicular após a análise de material coletado de desenvolveu inflamação grave ou necrose pulpar as-
canais radiculares contendo polpas necrosadas125. Por sociada a lesões perirradiculares, nos animais germ-free
bacterioscopia do esfregaço obtido dos canais, ele en- esse tipo de resposta não ocorreu. Na ausência de mi-
controu os três tipos morfológicos básicos de células cro-organismos, as polpas de animais germ-free se repa-
bacterianas, isto é, cocos, bacilos e espirilos (Fig. 4-2). raram por deposição de dentina neoformada na área de
Verificou também que muitas bactérias observadas exposição, isolando o tecido pulpar da cavidade oral.
em microscopia não foram passíveis de cultivo pelas Até meados da década de 1970, a maioria dos
técnicas disponíveis naquela época. Miller relatou que estudos microbiológicos das infecções endodônticas
os odores desenvolvidos pela polpa são determinados pela indicava o predomínio de bactérias facultativas. As
natureza das bactérias presentes e também pelo estágio de espécies comumente isoladas eram Streptococcus mitis,
putrefação. Dentre os produtos de decomposição, eu encon- Streptococcus salivarius, Streptococcus mutans, Streptococ-
trei facilmente amônia e hidrogênio sulfuretado (sulfeto de cus sanguinis e enterococos. Staphylococcus epidermidis,
hidrogênio). (...) Diferentes espécies de bactérias na polpa lactobacilos, pseudomonas e Candida albicans (um fun-
doente ainda não foram passíveis de cultivo em meio artifi- go) também eram frequentemente isolados de canais
cial, e seus efeitos patogênicos não são definidos. O grande radiculares infectados134,198. Em alguns casos, micro-
número de bactérias em algumas polpas, e especialmente a organismos não foram isolados dos canais radiculares
repetida ocorrência de espiroquetas, sugere que, sob certas em casos de polpa necrosada com lesão perirradicular
circunstâncias, elas podem exercer um papel importante em associada. Em decorrência de tais achados, estabeleceu-
processos supurativos. se a crença de que o tecido pulpar necrosado, embora
Todavia, os achados de Miller, embora pioneiros, estéril, pudesse representar um irritante para os tecidos
não eram suficientes para o estabelecimento de uma perirradiculares, capaz de per se induzir e perpetuar o
relação causal entre micro-organismos e as patologias desenvolvimento de uma lesão.
de origem endodôntica. Dois eventos que ocorrem Entretanto, em meados da década de 1970, com
simultaneamente não necessariamente representam o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas de
isolamento e cultivo de anaeróbios estritos, foi gerado
um interesse considerável quanto ao papel desses mi-
cro-organismos na patogênese das doenças endodôn-
ticas. O estudo de Sundqvist, em 1976286, representou
um marco na literatura endodôntica, tendo em vista o
fato de que seus achados revolucionaram os conceitos
vigentes até então. Esse autor avaliou as condições bac-
teriológicas de 32 canais de dentes unirradiculares com
polpas necrosadas e coroas intactas, sem cáries ou res-
taurações. A perda da vitalidade pulpar foi resultado
de injúria traumática. Não havia doença periodontal,
tampouco a existência de fístula. Em 19 dentes foi de-
tectada radiograficamente a presença de lesão perirra-
dicular. Alguns dos achados mais importantes desse
estudo foram:
do por bactérias na etiopatogenia dessas lesões, além (atualmente, membros dos gêneros Porphyromonas e
de ter combatido o conceito de que o tecido pulpar Prevotella). Esse foi o primeiro estudo a encontrar a
necrosado, mesmo na ausência de micro-organis- associação entre uma determinada espécie bacteria-
mos, fosse um irritante tecidual. Evidentemente, a na e algum tipo de sinal ou sintoma de uma doença
explicação para a diferença entre seu estudo e os tra- de origem endodôntica.
balhos que o precederam reside na sensibilidade da
técnica utilizada no que tange ao isolamento de ana- Möller et al.131 também confirmaram o papel cru-
eróbios estritos. Depreende-se, então, que o simples cial exercido por micro-organismos na etiopatogenia
fracasso em isolar micro-organismos de canais com de lesões perirradiculares. Esses autores induziram
polpa necrosada e lesão perirradicular não implica necrose pulpar asséptica ou séptica em dentes de ma-
que eles estivessem ausentes. Muito provavelmente, cacos e, após 6 a 7 meses, as análises clínica, radiográ-
pela baixa sensibilidade e limitações das técnicas até fica, microbiológica e histológica evidenciaram que,
então empregadas, bactérias anaeróbias não foram enquanto nos casos de polpas necrosadas não infecta-
passíveis de ser isoladas. das os tecidos perirradiculares estavam desprovidos
Deve-se ter precaução quando se analisa esse de inflamação e apresentando indícios de reparação,
achado. Cumpre lembrar que as amostras do traba- nos casos de dentes contendo polpas infectadas hou-
lho de Sundqvist consistiram de dentes traumatiza- ve sempre o desenvolvimento de lesões perirradicu-
dos, sem exposição pulpar. Em situações clínicas em lares.
que ocorre a exposição da polpa à cavidade oral e Os estudos citados definitivamente demonstra-
essa se torna necrosada, micro-organismos passam ram a relação causal entre micro-organismos e as do-
a colonizar o canal radicular mesmo que uma lesão enças de origem endodôntica. Também recentemente
perirradicular ainda não se tenha desenvolvido. É estudos moleculares evidenciaram a presença de bac-
apenas uma questão de tempo. Dessa forma, o pro- térias em todos os casos de infecções endodônticas as-
fissional deve ter em mente que está tratando um sociadas a lesões perirradiculares258,259. Os conceitos en-
processo infeccioso, havendo a necessidade de utili- tão vigentes na atualidade, sustentados por evidências
zar meios adequados de controle da infecção. científicas sólidas e irrefutáveis, afirmam que micro-or-
b) No total, 88 cepas bacterianas foram isoladas dos 18 ganismos exercem um papel-chave no desenvolvimento das
canais infectados. Dessas, apenas cinco foram anaeró- patologias pulpares e perirradiculares e que o tecido pulpar
bias facultativas. Assim, bactérias anaeróbias estritas necrosado, na ausência de infecção, não possui a capacidade
representaram 94,3% das cepas isoladas. As bactérias de estimular, tampouco de sustentar o desenvolvimento de
mais frequentemente isoladas foram espécies de ba- uma lesão perirradicular. Micro-organismos colonizando
cilos produtores de pigmentos negros, Fusobacterium, o sistema de canais radiculares estão usualmente orga-
Eubacterium e Peptostreptococcus. Esse achado modifi- nizados em biofilmes. Portanto as lesões perirradiculares,
cou o conceito de que os principais patógenos endo- em regra geral, podem ser incluídas no grupo de doenças
dônticos eram bactérias facultativas. causadas por biofilmes bacterianos.
c) Casos sintomáticos foram diretamente relacionados
com um maior número de bactérias no canal.
d) O número de espécies no interior dos canais variou
ENVOLVIMENTO MICROBIANO NOS
de 1 a 12.
e) Houve uma correlação positiva entre o tamanho da
PROBLEMAS ENDODÔNTICOS
lesão perirradicular e a densidade e o número de Como aclarado, micro-organismos são os prin-
espécies bacterianas presentes no canal. Em outras cipais agentes etiológicos das patologias de origem
palavras, quanto maior o diâmetro da lesão perirra- endodôntica. Embora fatores de natureza química ou
dicular, maior era o número de células (densidade) física possam induzir uma patologia pulpar ou perir-
e de espécies (complexidade) bacterianas no interior radicular, os mesmos usualmente não são capazes de
do canal radicular. perpetuar o processo patológico30,89 (ver Capítulo 2), o
f) Em sete casos houve a presença de sinais e sinto- que se justifica pelo fato de serem fatores agressores
mas de inflamação aguda perirradicular. Em todos apenas transitórios. Por sua vez, micro-organismos
esses casos foi detectada uma espécie do grupo dos presentes em uma lesão de cárie ou em um canal in-
bacilos produtores de pigmentos negros, naquela fectado representam fonte de agressão persistente para
época denominados de Bacteroides melaninogenicus a polpa e para os tecidos perirradiculares, respectiva-
106 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
mente. Assim, além de induzirem uma patologia, são decorrência de uma série de fatores já discutidos no
também capazes de perpetuá-la. Capítulo 2, micro-organismos invadem e colonizam
Micro-organismos e seus produtos exercem papel o sistema de canais radiculares. Uma vez que a pol-
de extrema relevância na indução dos seguintes pro- pa se torna infectada, o egresso de micro-organismos
blemas: e de seus produtos para os tecidos perirradiculares
estimula o desenvolvimento das respostas inflama-
a) Patologia pulpar e perirradicular tória e imunológica. A ocorrência de uma patologia
perirradicular está associada às respostas inflama-
Micro-organismos e seus produtos estão indubi-
tória e imunológica do hospedeiro com o intuito de
tavelmente associados à indução e à perpetuação das
conter o avanço da infecção endodôntica33,92,209,279,295,296.
doenças pulpares e perirradiculares210. A cárie e a polpa
Tem sido demonstrado que lesões perirradiculares
necrosada infectada representam as principais fontes de
podem conter anticorpos específicos contra micro-
irritantes microbianos para a indução da patologia pul-
organismos alojados no interior do sistema de canais
par e perirradicular, respectivamente (Figs. 4-3 e 4-4).
radiculares11,96.
Enquanto a polpa se encontrar em estado de
A agressão aos tecidos perirradiculares pode
vitalidade, uma infecção não se instala nesse tecido.
resultar de uma ação direta ou indireta dos micro-
Todavia, se o tecido pulpar se tornar necrosado em
organismos. O dano aos tecidos causado diretamen-
te por bactérias é dependente de alguns de seus fa-
tores de virulência. Esses incluem enzimas (p. ex.:
colagenase, hialuronidase, condroitinase, Dnase,
Rnase, fosfatase ácida, hemolisina), exotoxinas e
produtos metabólicos (butirato, propionato, amô-
nia, indol, poliaminas e compostos sulfurados)53,54,1
59,194,205,221
. Além disso, componentes bacterianos co-
letivamente denominados de modulinas, como pep-
tidoglicano, ácido lipoteicoico, fímbrias e lipopolis-
sacarídeos (endotoxinas), podem ativar macrófagos
e o sistema complemento19,80,82,194,221,309,314, envolvidos
na defesa do hospedeiro. Quando da persistência da
agressão, essa ativação pode ser a responsável pela
autólise tecidual. Por exemplo, macrófagos ativados
sintetizam e liberam citocinas como IL-1β, TNF-α e
Figura 4-3. Bactérias em uma lesão de cárie representam a princi- IL-6, além de prostaglandinas, mediadores químicos
pal causa de agressão à polpa. envolvidos na reabsorção óssea1,260,278-280,314. Assim,
micro-organismos também exercem um efeito des-
trutivo de forma indireta por ativar elementos de
defesa do hospedeiro. Tal efeito indireto parece ser o
mais relevante na indução do dano tecidual associa-
do às lesões perirradiculares210.
Micro-organismos estão localizados em uma po-
sição privilegiada e estratégica no interior do canal
radicular contendo tecido necrosado. Células e mo-
léculas de defesa não têm acesso à polpa necrosada
e portanto não são capazes de eliminar micro-orga-
nismos nessa localização. Por outro lado, micro-or-
ganismos que avançam para fora do canal, inicialmen-
te em direção ao ligamento periodontal, são imedia-
Figura 4-4. Lesão perirradi- tamente combatidos pelos mecanismos de defesa do
cular extensa detectada ra-
diograficamente, cuja cau-
hospedeiro. Esses, representados por uma resposta
sa é a infecção do canal ra- inflamatória inespecífica ou por uma resposta imuno-
dicular. lógica adaptativa, de caráter específico, são mobiliza-
Microbiologia Endodôntica 107
b) Flare-ups
Micro-organismos e seus produtos, quando da
extrusão de detritos contaminados pelo forame api-
cal, do desequilíbrio da microbiota endodôntica ou
mesmo da elevação do potencial de oxirredução den-
tro do canal radicular, podem ser responsáveis por
manifestações agudas que se desenvolvem entre as
sessões do tratamento endodôntico124,139,199,206,212,242 (ver
Capítulo 19).
Figura 4-5. Fracasso endodôntico atribuído a sobreobturação tem
geralmente um componente microbiano associado.
c) Sintomatologia clínica e/ou exsudação
persistente
Micro-organismos que adentram o canal durante
ou entre as consultas de tratamento ou aqueles que não
foram eliminados pelos procedimentos intracanais po-
dem manter a agressão tecidual, com consequente ma-
nutenção de sinais e sintomas216,262,266. Isso caracteriza
uma infecção persistente ou secundária205,242.
A B C D
Figura 4-7. Vias de infecção pulpar. A. Exposição dentinária por macro ou microfissuras de esmalte. B. Exposição pulpar por cárie.
C. Exposição da dentina cervical. D. Doença periodontal atingindo o forame apical.
organismos provenientes da cavidade oral. Contudo, podendo, na junção AD, apresentar cerca de 15.000 tú-
em determinadas situações nas quais essa proteção é bulos/mm2, ocupando uma área de 1% do total300.
perdida (como, por exemplo, por cárie, trauma ou pro- Os túbulos de uma dentina vital contêm em seu
cedimentos restauradores), cria-se um potencial para a interior prolongamentos odontoblásticos, fibras colá-
invasão microbiana do tecido pulpar com consequente genas, fluido dentinário e, algumas vezes, fibras nervo-
instalação de um processo infeccioso242 (Fig. 4-7). As sas. A espessura da dentina é, em média, de 3 a 3,5mm.
principais vias de acesso que as bactérias utilizam para O prolongamento do odontoblasto possui de 0,1 a 1mm
atingir a polpa são: túbulos dentinários, exposição pul- de comprimento, percorrendo então, no máximo, apro-
par, periodonto e anacorese hematogênica. ximadamente 1/3 da espessura dentinária156.
O fluido dentinário, que ocupa cerca de 22% do
Túbulos dentinários volume da dentina, é um transudato de plasma oriun-
do da microcirculação pulpar que banha toda a exten-
Os túbulos dentinários percorrem toda a extensão são tubular. Seu conteúdo é similar ao do fluido inter-
da dentina, desde a junção dentino-pulpar (JDP) até as celular, isto é, composto basicamente por água (cerca
junções amelodentinária (AD) ou cementodentinária de 95%), íons e moléculas. Em condições fisiológicas, o
(CD). Esses túbulos ocupam 20 a 30% do volume da fluxo de fluido dentinário tem direção periférica, tendo
dentina e apresentam uma conformação cônica, com em vista o fato de que a pressão intrapulpar é maior
diâmetro maior próximo à polpa, o qual é, em média, do que a atmosférica e é transmitida para o comparti-
de aproximadamente 2,5µm, próximo à JDP. Na peri- mento intratubular. Vários estudos tentaram quantifi-
feria, nas junções AD ou CD, o diâmetro médio dos tú- car a pressão intrapulpar normal, com os valores mais
bulos é de aproximadamente 0,9µm60. aceitos atualmente variando entre 6 e 10,4mmHg (7,5 a
Os túbulos dentinários também são mais nume- 14cm H2O), dependendo da metodologia utilizada27,294.
rosos na JDP, atingindo um valor numérico de apro- Sempre que a dentina é exposta por perda de es-
ximadamente 45.000 túbulos/mm2. A área ocupada malte ou cemento, a polpa é colocada em risco devido à
pelos túbulos nessa região corresponde a 22% da área permeabilidade relativamente alta da dentina normal,
de superfície total. À medida que se distancia da polpa, o que é ditada pela presença dos túbulos dentinários
em direção à periferia, a densidade tubular diminui, (Fig. 4-8). Essa permeabilidade é ainda aumentada
Microbiologia Endodôntica 109
nia, difundem-se pelo fluido dentinário, alcançando a ou trauma. Nessas circunstâncias, a inflamação pul-
polpa. Nissan et al.145 demonstraram que a endotoxi- par pode ser mais deletéria, pois há uma predisposi-
na, fator de virulência de alto peso molecular liberado ção para o acúmulo de produtos bacterianos tóxicos
por bactérias gram-negativas, pode se difundir pela no tecido.
dentina e alcançar a polpa. Khabbaz et al.97 demons- Se a cárie não for tratada convenientemente, mi-
traram que a quantidade de endotoxinas em lesões de cro-organismos inevitavelmente alcançarão o tecido
cárie foi significantemente maior em dentes com pul- pulpar, estabelecendo um contato direto e induzindo o
pite irreversível sintomática do que em casos assinto- desenvolvimento de uma inflamação mais grave.
máticos. A difusão de produtos bacterianos pela den-
tina induz alterações inflamatórias no tecido pulpar.
Exposição pulpar
Em uma polpa sadia, jovem, a microcirculação pode
rapidamente diluir e drenar esses produtos bacteria- A cárie dental é, inquestionavelmente, a causa
nos, impedindo sua concentração na região tecidual mais comum de exposição pulpar (Fig. 4-9). Quando a
subjacente aos túbulos afetados pelo processo cario- lesão de cárie destrói uma quantidade suficiente de te-
so. Contudo, em lesões cariosas profundas, a concen- cido dentinário, a polpa se torna então exposta direta-
tração de produtos bacterianos tóxicos pode exceder mente a micro-organismos e a seus produtos presentes
essa capacidade de drenagem da microcirculação, tanto na lesão cariosa, quanto na saliva. Uma miríade
principalmente se ela encontrar-se alterada pelo pro- de espécies bacterianas passa a colonizar a superfície
cesso inflamatório. da polpa exposta. Em resposta, a polpa se torna infla-
Assim, a intensidade da resposta inflamatória mada. Se o tecido pulpar irá permanecer inflamado
pulpar sob uma área de dentina cariada dependerá do por um longo período ou se irá sucumbir, necrosando,
balanço entre os produtos bacterianos que alcançam a dependerá dos seguintes fatores: número e virulência
polpa e a capacidade de drenagem da microcirculação dos micro-organismos, resistência do hospedeiro, esta-
pulpar. Esse balanço pode ser influenciado pela viru- do da microcirculação e grau de drenagem do edema
lência microbiana, pela concentração que os produtos gerado durante a inflamação.
bacterianos atingem na polpa, pela duração da agres- Como a densidade bacteriana e o número de espé-
são e pelo estado geral de saúde da polpa. Se o dente é cies se tornam aumentados devido à exposição, o tecido
tratado por remoção da cárie e colocação de uma res- pulpar passa então a ser afetado por maiores concen-
tauração adequada, a polpa volta ao normal. trações de produtos bacterianos tóxicos. Dessa forma, a
Por outro lado, a polpa pode encontrar-se debili- porção tecidual em contato direto com o agente agressor
tada como resultado de um processo carioso de longa sofre alterações inflamatórias graves, culminando com
duração, envolvimento periodontal, envelhecimento sua necrose. Essa área de tecido necrosado não oferece
A B
Figura 4-9. Exposição pulpar por cárie. A. Aspecto clínico. B. Eletromicrografia evidenciando diversos morfotipos, como cocos, filamentos e
espiroquetas, em um biofilme associado à cárie profunda de dentina. A polpa exposta entra em contato direto com esse biofilme.
Microbiologia Endodôntica 111
Periodonto
Durante o curso de uma doença periodontal, bac-
térias e seus produtos presentes na bolsa podem ter
acesso à polpa via forames laterais associados a rami-
ficações do canal (canal lateral), túbulos dentinários e
forame apical.
Canais laterais estão presentes em cerca de 27%
dos dentes, sendo mais frequentes em pré-molares e
molares, mormente na região mais apical34.
Túbulos dentinários podem estar expostos em
10% dos casos na região cervical do dente por ausência
de coaptação entre esmalte e cemento144. Além disso, os
túbulos podem ainda ser expostos por perda do envol-
Figura 4-10. Exposição pulpar traumática. Na maioria dos casos, se tório de cemento, oriundo da necrose e/ou reabsorção
o traumatismo é recente, a infecção pulpar é apenas superficial.
desse tecido, ou de sua remoção por procedimentos
periodontais. A exposição de forames laterais e túbu-
los dentinários às bactérias componentes do biofilme
qualquer resistência à invasão bacteriana que se dá por periodontal não parece induzir maiores alterações no
meio de proliferação celular. Uma vez que avançaram tecido pulpar, desde que ele esteja em estado de vita-
apicalmente na polpa, bactérias passam a agredir a por- lidade. Alterações degenerativas, como calcificações,
ção tecidual subjacente. Essa passará pelos mesmos fe- fibrose e produção de dentina reparadora, podem ser
nômenos já descritos, sofrendo necrose. Depreende-se, observadas na porção pulpar adjacente a um forame
então, que os processos de agressão bacteriana, inflama- lateral exposto.
ção pulpar, necrose pulpar e invasão bacteriana avan- Entretanto, existem fortes evidências de que a total
çam gradualmente pela polpa em direção apical. desintegração do tecido pulpar, caracterizada por necro-
A polpa também pode se tornar exposta após se, apenas ocorre quando a doença periodontal atinge o
trauma ou por procedimentos iatrogênicos. Uma polpa forame apical104 (Fig. 4-11). Nesses casos, o feixe vasculo-
vital, sadia, exposta por trauma, apresenta uma grande nervoso principal que penetra pelo forame apical pode
resistência à invasão bacteriana, a qual ocorre lenta-
mente. Por exemplo: quando uma lesão traumática re-
sulta em exposição da polpa e essa permanece exposta
à saliva por duas semanas, a necrose pulpar e invasão
bacteriana usualmente irá se restringir apenas a uma
extensão de aproximadamente 2mm9. Uma polpa ex-
posta por trauma e que tenha permanecido até cerca
de 48 horas em contato com a microbiota da cavidade
oral é ainda passível de recuperação por meio de cape-
amento direto (Fig. 4-10). Se o período de exposição ex-
ceder 48 horas, deve-se considerar a porção superficial
da polpa já infectada, requerendo um tratamento mais
invasivo, como pulpotomia, ou tratamento endodônti-
co (biopulpectomia).
A exposição iatrogênica da polpa não oferece
grandes problemas se ocorrer de forma asséptica. Con-
tudo, se houver contaminação pela saliva ou pelo pró-
prio instrumento que promoveu a exposição (brocas Figura 4-11. Quando a doença periodontal atinge o forame apical,
contaminadas por cárie, p. ex.), a resposta da polpa de- podem advir alterações significativas na polpa, incluindo necrose e
penderá do número e virulência dos micro-organismos infecção. (Gentileza do Dr. Wilson Rosalém Jr.)
112 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
A
A
E F
Figura 4-15. Anatomia da infecção endodôntica. A. Dente de cão com necrose e infecção pulpar associada à lesão perirradicular.
B. Agregado bacteriano aderido à parede do canal. C. Bactérias formando um biofilme na parede do canal. D e E. Agregados e células bac-
terianas livres em suspensão na luz do canal principal. F. Invasão bacteriana dos túbulos dentinários da parede do canal. No centro, maior
aumento do delta apical salientado em A, mostrando bactérias no interior da ramificação e nos túbulos dentinários adjacentes. (Gentileza
dos Drs. Adriana Silveira e José F. Siqueira Jr.)
Microbiologia Endodôntica 115
A C
Figura 4-17A. Seção transversal de um espécime corado com 4’-6-diamidino-2-fenilindol (DAPI) observado em microscopia de fluorescên-
cia. B e C. Maiores aumentos da luz do canal, evidenciando densa colonização bacteriana. (Gentileza dos Drs. Flávio R. F. Alves, Alexandre S.
Rosado e José F. Siqueira Jr.)
116 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-20. Células de Actinomyces israelii invadindo túbulos Figura 4-21. Penetração intratubular por células de Candida al-
dentinários. (Reproduzida de Siqueira et al.213 com a permissão da bicans. A área delimitada à esquerda é vista em maior aumento à
editora.) direita.
Microbiologia Endodôntica 117
Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções
endodônticas
Gram-negativos Gram-positivos
Bacilos Bacilos
(Continua)
120 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções
endodônticas (continuação)
Gram-negativos Gram-positivos
Cocos Cocos
Espirilos (espiroquetas)
Treponema
T. denticola,
T. socranskii,
T. parvum,
T. maltophilum,
T. lecithinolyticum
Figura 4-25. Microbiota endodôntica determinada por cultura em estudo de Sundqvist et al.285.
Figura 4-26. Microbiota endodôntica determinada pelo método molecular checkerboard para hibridização DNA-DNA em estudo de Siqueira
et al.258.
122 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-27. Microbiota endodôntica em casos sintomáticos e assintomáticos determinada por método molecular nested PCR em vários
estudos de Siqueira e Rôças.
tes desses filos se incluem muitas bactérias cultiváveis leculares analisando a sequência do gene do 16S rRNA,
previamente isoladas por cultura ou recentemente de- a qual permite classificar a bactéria em um gênero ou
tectadas por métodos moleculares. Além disso, é digna família com base em análise filogenética. Tais bactérias
de nota a alta ocorrência de bactérias não cultiváveis – são então denominadas de filotipos e não oficialmente
cerca de 40 a 55% das espécies encontradas na microbio- classificadas pelo gênero (ou unidade taxonômica mais
ta endodôntica de infecções primárias compreendem elevada) seguido de um código composto por letras e
filotipos que ainda não foram cultivados no laborató- números, escolhidos a critério do investigador (exem-
rio, não foram ainda caracterizados fenotipicamente e, plo: Dialister clone oral 55A-29, Eubacterium clone oral
portanto, ainda não têm nome de espécie135,190. Bactérias BB142, Synergistes clone oral BA121, Bacteroidetes clone
não cultiváveis têm sido descobertas por métodos mo- oral X083 etc.).
Microbiologia Endodôntica 123
A B
Figura 4-29. Bacilos produtores de pigmentos negros. A. Cultura pura de Prevotella intermedia. B. Amostra clínica evidenciando infecção
mista, com tipos coloniais diferentes, incluindo colônias pigmentadas (Porphyromonas gingivalis).
124 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-30. Prevalência de quatro espécies de bacilos produtores de pigmentos negros em infecções endodônticas primárias revelada por
diferentes estudos. Pe – Porphyromonas endodontalis; Pg – Porphyromonas gingivalis; Pi – Prevotella intermedia; Pn – Prevotella nigrescens.
Figura 4-31. Prevalência de Tannerella forsythia em infecções endodônticas primárias reveladas por diferentes estudos.
Microbiologia Endodôntica 125
F. nucleatum, um bacilo filamentoso gram-negati- foram identificadas ao nível de espécie. A razão para
vo anaeróbio estrito, é uma das espécies mais frequen- isso se deve ao fato de que são bactérias de difícil culti-
temente encontradas em canais radiculares infectados vo em laboratório. A aplicação de métodos moleculares
associados a lesões crônicas e abscessos14,36,57,88,103,230,285,313. demonstrou que essas bactérias espiraladas são comu-
Atualmente, é classificado em cinco subespécies (fu- mente encontradas em infecções primárias associadas a
siforme, nucleatum, polymorphum, vincentii e animalis)26. diferentes formas de lesões perirradiculares. Até o pre-
Contudo, a prevalência dessas subespécies em infec- sente momento, apenas 10 espécies orais de Treponema
ções endodônticas ainda precisa ser determinada. Mo- são cultiváveis. Elas podem ser classificadas em dois
raes et al.133 analisaram a diversidade clonal de cepas de grupos de acordo com a capacidade de fermentar car-
F. nucleatum isoladas de infecções endodônticas usan- boidratos: as espécies sacarolíticas incluem T. pectinovo-
do ERIC-PCR e AP-PCR. Eles identificaram quatro ti- rum, T. socranskii, T. amylovorum, T. lecithinolyticum, T.
pos clonais, dois por canal. Um dos clones foi bastan- maltophilum e T. parvum, enquanto as espécies assacaro-
te prevalente, sugerindo que tipos clonais diferentes líticas compreendem T. denticola, T. medium, T. putidum
podem ter acesso ao canal radicular, mas nem todos e T. vincentii193. Todas as 10 foram recentemente identi-
podem predominar no canal infectado e, assim, parti- ficadas em infecções endodônticas primárias por méto-
cipar ativamente do processo infeccioso. Outra espécie dos de biologia molecular13,56,65,87,172,175,181,233,238,239,248,249,253,305
do gênero Fusobacterium – Fusobacterium periodonticum (Fig. 4-32). As espécies mais prevalentes são T. denticola
– foi detectada em casos de abscesso pelo método do e T. socranskii13,175,239,249. As espécies T. parvum, T. malto-
checkerboard para hibridização de DNA-DNA259. philum e T. lecithinolyticum são moderadamente preva-
Espiroquetas são bactérias gram-negativas espi- lentes, enquanto as demais são encontradas, mas em
raladas dotadas de motilidade, a qual é ditada pela menor número de casos13,87,181,233,239.
presença de flagelos periplásmicos que se originam em Embora se acredite que bactérias anaeróbias
polos opostos da célula. Todas as espiroquetas orais es- gram-negativas sejam as mais frequentes em infecções
tão incluídas no gênero Treponema41 e podem estar asso- endodônticas primárias, vários bacilos gram-positivos
ciadas a várias doenças na cavidade oral31,44,47. Embora também têm sido detectados em elevada frequência
espiroquetas tenham sido observadas em canais radi- na microbiota mista do canal. Desses, Pseudoramibacter
culares infectados por meio de microscopia, elas nunca alactolyticus pode ser encontrado em prevalência tão
Figura 4-32. Prevalência de espécies de Treponema orais em infecções endodônticas primárias reveladas por estudos de Rôças e Siqueira.
126 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
alta quanto os mais prevalentes gram-negativos237,243,285. licatella adiacens, Gemella morbillorum, Capnocytophaga
Filifactor alocis foi apenas ocasionalmente isolado de gingivalis, Corynebacterium matruchotii, Bifidobacterium
canais infectados por cultura285, mas estudos molecu- dentium e lactobacilos anaeróbios180,224,232,258,259,285.
lares mostram que essa espécie pode ser bastante co- Algumas espécies que não são membros da mi-
mum, sendo detectada em cerca de metade dos casos crobiota oral podem ser ocasionalmente encontradas
de infecção primária65,226. Slackia exigua, Mogibacterium em infecções endodônticas primárias. Elas incluem
timidum, Eubacterium saphenum e Eubacterium infirmum Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli e Staphylococcus
foram identificados em canais infectados por meio de aureus, as quais são, contudo, mais comumente detecta-
técnicas moleculares em prevalências relativamente das em infecções endodônticas secundárias, sendo in-
altas58,77. Espécies de Actinomyces, particularmente A. troduzidas no canal durante o tratamento, usualmente
gerencseriae e A. israelii, as quais podem estar envolvi- devido à quebra na cadeia asséptica.
das no fracasso da terapia endodôntica por causar uma O Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemco-
infecção extrarradicular denominada de actinomico- mitans, espécie envolvida na etiologia de algumas pe-
se perirradicular (ver adiante), têm sido detectadas riodontites marginais, particularmente da periodontite
em cerca de 10% dos casos257,285, embora prevalências agressiva localizada (ou periodontite juvenil)275,293, é
mais elevadas têm sido relatadas por alguns estudos raramente detectado em canais infectados247 o que su-
para essas ou outras espécies de actinomicetos291,317. gere que essa espécie capnofílica não é favorecida no
Propionibacterium propionicum, uma outra espécie que microambiente endodôntico e, portanto, não participa
pode estar envolvida com actinomicose perirradicular, da patogênese das lesões perirradiculares.
também é comumente encontrada em infecções pri- Filotipos são espécies que não foram ainda cultiva-
márias263. Espécies de Olsenella compreendem bacilos das e que são conhecidas apenas pela sequência do gene
anaeróbios gram-positivos que representam mais um do 16S rRNA, o mais usado atualmente para identifica-
exemplo de bactérias encontradas em infecções en- ção molecular de bactérias. Dados de estudos molecula-
dodônticas somente após o emprego de técnicas de res recentes indicam que novos filotipos bacterianos po-
identificação molecular57,135. Dos membros desse gêne- dem participar em infecções endodônticas primárias. Por
ro, Olsenella uli é a espécie mais comum em infecções exemplo, os filotipos orais de Synergistes, especificamen-
primárias23,172,173. te denominados de clones BA121, E3_33, BH017 e W090,
Alguns cocos gram-positivos também podem ser têm sido comumente detectados em amostras de infec-
membros comuns da microbiota endodôntica. Parvimo- ções primárias sintomáticas e assintomáticas170,231,240,246.
nas micra (previamente Micromonas ou Peptostreptococcus A grande maioria das espécies do filo Synergistes não é
micros) é um coco anaeróbio assacarolítico que tem sido cultivável, sendo identificadas apenas por métodos mo-
encontrado em aproximadamente 1/3 dos canais com leculares, o que explica o fato de essas bactérias nunca
infecção primária e sua prevalência em casos sintomáti- terem sido relatadas como possíveis patógenos endo-
cos também pode ser elevada25,67,98,244,285,313. Membros do dônticos. Da mesma forma, o clone I025 do filo TM7, o
grupo dos Streptococcus anginosus são os estreptococos qual não possui qualquer representante cultivável, foi
mais prevalentes, mas S. gordonii, S. mitis e S. sangui- encontrado em infecções endodônticas primárias170,240.
nis são também frequentemente encontrados255,257,285. E. Resultados de estudos analisando bibliotecas de clones
faecalis, espécie fortemente associada ao fracasso endo- do gene 16S rRNA também evidenciaram a presença
dôntico (ver adiante), não é tão frequente em infecções de filotipos não cultiváveis dos gêneros Dialister, Prevo-
primárias177,257. tella, Solobacterium, Olsenella, Eubacterium, Megasphaera,
Espécies de Campylobacter, como C. gracilis e C. Selenomonas, Veillonella e Cytophaga, além de filotipos
rectus, são bacilos anaeróbios gram-negativos que po- relacionados com a família Lachnospiraceae e com o filo
dem ser encontrados em infecções primárias, mas em Bacteroidetes135,172,182,189-191,306.
prevalência baixa a moderada105,165,223,258,285. Catonella Em um estudo em associação com pesquisadores
morbi, um bacilo gram-negativo anaeróbio e sacarolíti- japoneses190 encontramos filotipos não cultiváveis entre
co que pode estar associado à doença periodontal, foi as bactérias mais prevalentes em infecções primárias,
recentemente encontrado em cerca de 1/4 dos casos incluindo Lachnospiraceae clone oral 55A-34, Megaspha-
de infecção endodôntica primária224. Outras espécies era clone oral CS025 e Veillonella clone oral BP1-85. Dois
bacterianas mais esporadicamente encontradas em in- filotipos – Bacteroidetes clone oral X083 e Dialister clo-
fecções primárias incluem: Veillonella parvula, Eikenella ne oral BS016 – foram detectados apenas em casos as-
corrodens, Neisseria mucosa, Centipeda periodontii, Granu- sintomáticos, enquanto Prevotella clone oral PUS9.180,
Microbiologia Endodôntica 127
Eubacterium clone oral BP1-89 e Lachnospiraceae clone rar diretamente a microbiota endodôntica de pacientes
oral MCE7_60 estiveram presentes exclusivamente em residindo em localidades diferentes. Nossos resultados
casos sintomáticos (abscessos)190. Detecção de filotipos sugerem que há realmente diferenças na prevalência de
não cultiváveis em amostras de infecções endodônticas importantes patógenos endodônticos putativos14,167,215
indica que são bactérias previamente desconhecidas (Figs. 4-33 e 4-34). Análises do perfil das comunidades
que podem estar participando da etiologia das lesões bacterianas em amostras de abscessos perirradiculares
perirradiculares. Dos filotipos ainda não cultiváveis agudos de pacientes do Brasil e dos Estados Unidos
encontrados em infecções endodônticas destacam-se também revelaram um padrão relacionado com a posi-
o Bacteroidetes clone X083 e o Synergistes clone BA121, ção geográfica, com várias espécies sendo exclusivas de
os quais podem ser bastante prevalentes em infecções uma localidade e outras mostrando grandes diferenças
endodônticas primárias172,240. de prevalência119. Resultados similares foram observa-
dos quando amostras de canais associados a lesões crô-
nicas de pacientes brasileiros e noruegueses foram com-
Influência geográfica paradas264. Os fatores que podem levar a tais diferenças
Achados de laboratórios em diferentes países usu- na composição da microbiota endodôntica e o impacto
almente diferem muito quanto à prevalência de deter- dessas diferenças no tratamento, principalmente em ca-
minadas espécies em infecções endodônticas12, isto é, sos de abscessos que requeiram antibioticoterapia sistê-
espécies muito prevalentes em um país podem ser pou- mica, necessitam ser elucidados.
co encontradas ou mesmo ausentes em amostras de um
outro. Embora essas diferenças possam ser atribuídas a Outros micro-organismos em infecções
variações nas técnicas de identificação usadas nos dife-
endodônticas
rentes laboratórios, uma influência geográfica na com-
posição da microbiota pode explicar tais discrepâncias. a) Fungos
Iniciativas de nosso grupo em associação com outros Fungos são micro-organismos eucariotas que po-
grupos dos Estados Unidos, Coréia do Sul e Noruega dem ser encontrados em duas formas básicas: os bolo-
utilizaram diversos métodos moleculares para compa- res (fungos filamentosos multicelulares que consistem
Figura 4-33. Prevalência de diferentes espécies em amostras de abscesso perirradicular agudo do Brasil e dos Estados Unidos. Dados de
Baumgartner et al.14 e Rôças et al.167.
128 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
de túbulos cilíndricos ramificados) e leveduras (fungos e arqueias na comunidade. Um outro estudo confirmou
unicelulares com células assumindo uma forma ova- que esse filotipo relacionado com a Methanobrevibacter
lada ou esférica). Embora fungos sejam membros da oralis pode ser encontrado em infecções primárias306.
microbiota oral, em particular espécies de Candida, eles
são apenas ocasionalmente encontrados em infecções c) Vírus
primárias46,103,130,252. Contudo, um estudo molecular16 re-
Vírus não são células, mas partículas estrutural-
latou a ocorrência de C. albicans em 21% das amostras
mente compostas de uma molécula de ácido nucleico
de canais com infecção primária.
(DNA ou RNA) e uma cobertura proteica. Vírus são
inanimados, não replicam por si sós e são parasitas in-
b) Archaea (arqueias) tracelulares obrigatórios que necessitam infectar célu-
O domínio Archaea representa um dos três domí- las vivas. Quando eles infectam uma célula, a molécula
nios evolucionários de vida no planeta, sendo distintas de ácido nucleico viral tem a capacidade de direcionar
filogeneticamente dos outros dois domínios, Bacteria a replicação completa do vírus e assume o controle
e Eucarya. Arqueias são procariotas, mas bastante di- das atividades metabólicas da célula hospedeira. Uma
ferentes de bactérias. Membros desse domínio foram vez que os vírus requerem células vivas para infectar e
tradicionalmente considerados como extremófilos, isto usar a maquinaria celular para replicar o genoma viral,
é, capazes de sobreviver somente em condições am- eles não conseguem se estabelecer em canais radicu-
bientais extremas, onde nenhum outro membro dos lares contendo polpa necrosada. A presença de vírus
demais domínios poderia se estabelecer. Todavia, re- no canal só foi relatada em casos de polpas vitais não
centemente algumas arqueias têm sido encontradas inflamadas de pacientes infectados pelo vírus da imu-
em ambientes não extremos, como o corpo humano, nodeficiência humana adquirida (HIV)63.
embora nenhum patógeno tenha sido ainda reconhe- Por outro lado, herpesvírus têm sido detectados
cido. Arqueias metanogênicas têm sido encontradas na em lesões perirradiculares onde células vivas podem ser
placa subgengival associada à doença periodontal106. encontradas em abundância. Os herpesvírus consistem
Embora um estudo não tenha encontrado arqueias em em uma molécula dupla-fita de DNA inserida em um
canais com polpas necrosadas245, outro estudo detectou envelope viral. Oito herpesvírus humanos são atualmen-
arqueias metanogênicas em 25% dos canais de dentes te identificados: vírus herpes simplex 1 e 2, vírus Vari-
com lesões perirradiculares crônicas303. A diversidade cella-Zoster, vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus
de arqueias foi restrita a um filotipo semelhante a Me- (HCMV), herpesvírus 6, herpesvírus 7 e herpesvírus 8
thanobrevibacter oralis, e a proporção da população de (vírus do sarcoma de Kaposi)281. Evidências acumuladas
arqueias correspondeu a até 2,5% do total de bactérias nos últimos anos relatam o envolvimento de HCMV e
Microbiologia Endodôntica 129
EBV na etiologia das doenças periodontais29,90,101,155,272. perirradicular185,186. Pacientes HIV-positivo são mais
Mais recentemente, estudos usando métodos molecu- suscetíveis à coinfecção da lesão perirradicular com her-
lares183-186,273 e imuno-histoquímica187,188 têm detectado pervírus187 (Fig. 4-36).
herpesvírus em amostras de lesões perirradiculares, e
um papel na patogênese dessas doenças tem sido pro-
posto. HCMV e EBV poderiam participar da etiologia
Infecções sintomáticas
das lesões perirradiculares por ação direta da infecção Infecções sintomáticas são tipicamente caracteri-
e replicação viral, induzindo a liberação de citocinas e zadas pela presença de uma periodontite apical aguda
outros mediadores inflamatórios, por ação citotóxica di- ou de um abscesso perirradicular agudo. Tem sido su-
reta na célula infectada ou por reduzir as defesas locais gerido que algumas bactérias anaeróbias gram-negati-
do hospedeiro, favorecendo a proliferação de bactérias vas podem estar relacionadas com o desenvolvimen-
na porção mais apical do canal radicular127,273,310 (Fig. to de lesões sintomáticas67,69,176,190,286,301,320. Entretanto,
4-35A). Transcritos de HCMV e EBV foram encontrados vários estudos têm relatado frequências similares das
em alta prevalência em associação com sintomas184,186 mesmas espécies em casos sintomáticos e assintomáti-
(Fig. 4-35B), em lesões com alta ocorrência de bactérias cos15,57,74,88,258,259. Assim, outros fatores além da mera
anaeróbias185 e em casos de extensa destruição óssea presença de uma espécie potencialmente patogênica
A B
Figura 4-35. Ocorrência de herpesvírus associado a lesões perirradiculares sintomáticas. Dados de Sabeti et al.184.
A B
Figura 4-36. Herpesvírus em lesões perirradiculares. A e B. Análise imuno-histoquímica revelando células infectadas por citomegalovírus
(HCMV) em lesão perirradicular. (Reproduzida de Saboia-Dantas et al.187 com a permissão da editora.)
130 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
podem influenciar o desenvolvimento de dor. Esses f) Infecção concomitante por herpesvírus. Conforme já
fatores incluem205,212: aclarado, esse fator pode estar associado à reduzi-
da resistência do hospedeiro. Infecções por HCMV
a) Presença de tipos clonais virulentos. Tipos clonais de e EBV foram significativamente associadas a qua-
uma determinada espécie patogênica podem diver- dros de dor184, sugerindo que esses vírus podem
gir em relação à propriedade de virulência5,53,70,137,151. iniciar ou contribuir para a ocorrência de sinto-
Uma doença atribuída a um patógeno é na verdade mas273.
causada pelos tipos clonais virulentos daquela espé-
cie. Destarte, a presença de tipos clonais mais viru- As alterações na microbiota durante a transi-
lentos de uma determinada espécie no canal pode ção de um quadro assintomático para sintomático
ser um fator predisponente para dor. não foram ainda completamente elucidadas. Estudos
b) Interações bacterianas aditivas ou sinérgicas. A maio- transversais sugerem que uma sucessão bacteriana
ria dos candidatos a patógenos endodônticos ape- realmente ocorre entre esses dois estágios256. Há a
nas apresenta virulência ou é significativamente possibilidade de que, em um determinado momen-
mais virulenta quando em associação com outras to durante o processo infeccioso, a microbiota atinja
espécies10,51,95,218,289,319. Isso ocorre devido a interações um grau de patogenicidade que evoque uma resposta
aditivas (resultado final igual à soma da virulência inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares com
das espécies) ou sinérgicas (resultado final superior consequente desenvolvimento de dor, acompanha-
à soma da virulência das espécies). É inteiramente da ou não de tumefação. A estrutura das comunida-
plausível que casos sintomáticos abriguem combi- des bacterianas em canais associados a sintomas é
nações bacterianas mais virulentas. significativamente diferente em comparação a casos
c) Número de células bacterianas. A “carga” bacteriana assintomáticos256. Tais diferenças são principalmen-
é bem estabelecida como um fator relevante para te representadas por diferentes espécies dominantes
a indução de doença. Casos sintomáticos podem nas comunidades e por um maior número de espécies
apresentar um maior número de células bacterianas em casos sintomáticos. Destarte, uma modificação na
quando comparados a casos assintomáticos. estrutura da comunidade bacteriana provavelmente
d) Sinais do microambiente. Um tipo clonal virulento de antecede o aparecimento de sintomas. Tal modifica-
uma determinada espécie patogênica nem sempre ção pode ser decorrente da chegada de novas espécies
expressa seus fatores de virulência durante o ciclo de no local ou consequência de variações e rearranjos na
vida. O microambiente exerce um papel importante composição dos membros da comunidade mista colo-
nesse aspecto, pois pode fazer com que genes de vi- nizando o canal. Diferenças no tipo e carga das espé-
rulência sejam “ligados” ou “desligados”8,54,99,315, o que cies dominantes, bem como as interações resultantes,
representa uma parte crucial de adaptação de bactérias podem ser responsáveis por diferenças no grau de
ao ambiente, permitindo o estabelecimento, crescimen- patogenicidade da comunidade como um todo. Es-
to e sobrevivência55. Bactérias podem sentir o ambiente ses dados confirmam que não há um patógeno-chave
e então responder pela expressão de determinados ge- envolvido no aparecimento de sintomas. Na verdade,
nes que irão permitir a adaptação naquele ambiente. junto com os demais fatores já citados, a ocorrência
Estudos revelam que sinais do microambiente influen- de certas combinações bacterianas pode ser um fator
ciam a expressão de genes e proteínas de vários pató- decisivo na indução de dor.
genos orais (e endodônticos), incluindo P. gingivalis, F.
nucleatum, P. intermedia e treponemas59,93,94,321,323. Se as REQUISITOS PARA SE DEFINIR UM
condições microambientais no canal forem favoráveis
PATÓGENO ENDODÔNTICO
à expressão de genes de virulência, essa pode ser au-
mentada e levar à indução de sintomas. Os seguintes requisitos são necessários para um
e) Resistência do hospedeiro. É sobejamente conhecido determinado micro-organismo (ou uma comunidade
que diferentes indivíduos apresentam também dife- de micro-organismos) conseguir se estabelecer no canal
rentes padrões de resistência a infecções e tais pa- e participar da patogênese da doença perirradicular205:
drões podem variar mesmo durante a vida de um
determinado indivíduo126. Teoricamente, indivíduos 1. O micro-organismo (ou a comunidade microbiana)
com reduzida resistência podem ser mais propensos deve atingir número suficiente para induzir e man-
a desenvolver dor. ter uma lesão perirradicular.
Microbiologia Endodôntica 131
2. O micro-organismo (ou a comunidade) deve possuir nal após o preparo químico-mecânico ou a medicação
um conjunto de fatores de virulência que devem ser intracanal podem ter sido resistentes ou inacessíveis
expressos durante a infecção do canal radicular. aos procedimentos intracanais de desinfecção225. De
3. O micro-organismo (ou a comunidade) deve estar qualquer forma, o número de células e espécies bac-
espacialmente localizado no sistema de canais radi- terianas no canal é significativamente reduzido após
culares de forma que seus fatores de virulência pos- tratamento. Amostras de canais radiculares positivas
sam ter acesso aos tecidos perirradiculares. para o crescimento bacteriano após preparo químico-
4. O microambiente endodôntico deve permitir a so- mecânico seguido ou não de medicação intracanal
brevivência e o crescimento do micro-organismo podem abrigar uma média de uma a cinco espécies.
(ou da comunidade) e prover sinais que estimulem Nesses casos, o número de células pode variar entre
a expressão de genes de virulência. 102 e 105 por canal21,191,219,220,267,304. Nenhuma espécie em
especial tem sido reconhecida como persistente aos
5. Micro-organismos inibidores devem estar ausentes
procedimentos intracanais. Bactérias gram-negativas,
ou presentes em baixos números no microambiente
que são muito comuns no canal infectado não tratado,
endodôntico.
são usualmente eliminadas após o preparo seguido
6. O hospedeiro deve montar uma estratégia de defe-
ou não da medicação. Exceções talvez incluam alguns
sa nos tecidos perirradiculares, a qual o protege da
bacilos anaeróbios, como F. nucleatum, Prevotella spp. e
disseminação da infecção, mas ao mesmo tempo é o
C. rectus, que têm sido encontrados em amostras pós-
principal responsável pelo dano tecidual associado
instrumentação21,68,160,191,265,267. Todavia, a grande maioria
a uma lesão perirradicular. dos estudos revela que bactérias gram-positivas são as
mais frequentemente encontradas. Bactérias gram-po-
sitivas anaeróbias estritas ou facultativas que têm sido
INFECÇÃO INTRARRADICULAR isoladas ou detectadas em amostras colhidas pós-tra-
SECUNDÁRIA/PERSISTENTE tamento incluem estreptococos (S. mitis, S. gordonii, S.
Além de causarem outros problemas na clínica anginosus, S. sanguinis e S. oralis), P. micra, Actinomyces
endodôntica diuturna, infecções persistentes ou secun- spp. (A. israelii e A. odontolyticus), Propionibacterium
dárias são os principais agentes etiológicos do fracasso spp. (P. acnes e P. propionicum), P. alactolyticus, lactoba-
da terapia endodôntica, caracterizado pela manuten- cilus (Lactobacillus paracasei e Lactobacillus acidophilus),
E. faecalis e O. uli21,22,24,68,158,160,191,214,219,220,267. Tais achados
ção ou aparecimento de uma lesão perirradicular pós-
sugerem que gram-positivos podem ser mais resisten-
tratamento166. Essa afirmativa tem o suporte de dois
tes ao tratamento antimicrobiano e também mais capa-
fortes argumentos baseados em evidências:
zes de se adaptarem às condições ambientais bastante
desfavoráveis em um canal instrumentado (e medica-
1o) Há um risco aumentado de fracasso do tratamento
do). Um estudo molecular realizado pelo nosso grupo
se bactérias são encontradas no canal no momento
em associação com um grupo japonês revelou que 42%
da obturação (culturas positivas)48,49,79,129,150,267,287,307,322. das bactérias encontradas em amostras pós-instrumen-
2 ) Praticamente todos os casos de fracasso abrigam
o
tação ou pós-medicação não são cultiváveis191.
uma infecção intrarradicular2,108,110,162,168,169,192,235,287. Para que bactérias remanescentes no canal após o
tratamento causem o fracasso, elas devem225:
Baseados nesses argumentos, estudos têm objetiva-
do identificar micro-organismos presentes no canal no a) se adaptar ao microambiente drasticamente modifi-
momento da obturação, os quais têm o potential de colo- cado pelos procedimentos de tratamento, adquirin-
car o tratamento em risco, e micro-organismos em canais do nutrientes e resistindo aos efeitos antimicrobia-
já tratados e apresentando lesões perirradiculares, os quais nos dos materiais obturadores;
podem ser os causadores do fracasso do tratamento. b) alcançar números críticos e exibir atributos de viru-
lência suficientes para manter ou induzir a inflama-
ção perirradicular;
Bactérias presentes no momento da
c) ter acesso irrestrito aos tecidos perirradiculares para
obturação – fracasso em potencial
exercer a patogenicidade.
Mesmo quando bem realizado, o tratamento pode
fracassar em promover a total eliminação bacteriana A necessidade de preencher tais requisitos ajuda
dos canais radiculares. Bactérias encontradas no ca- a explicar o porquê de algumas lesões perirradiculares
132 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
A B
Figura 4-37. Enterococcus faecalis. A. Colônias crescidas sobre a superfície de meio ágar Mitis-Salivarius. B. Formando um biofilme sobre as
paredes dentinárias do canal radicular.
se repararem mesmo quando bactérias são encontradas Microbiota em dentes com canal tratado –
no canal no momento da obturação49,267. Contudo, o fato fracasso estabelecido
de que há um risco aumentado de fracasso quando o ca-
nal é obturado na presença de bactérias48,49,79,129,150,267,287,307,322 A microbiota de canais tratados associados à pa-
indica que, em muitos casos, bactérias residuais conse- tologia perirradicular persistente também apresenta
reduzida diversidade quando comparada à infecção
guem preencher os requisitos supramencionados, sobre-
primária. Canais tratados de forma aparentemente
vivendo e proliferando no canal obturado e mantendo a
adequada podem abrigar uma a cinco espécies, en-
lesão perirradicular.
quanto canais com tratamento inadequado podem
apresentar até cerca de 30 espécies, o que é bastante si-
milar a casos de infecção primária162,174,235,287 (Fig. 4-24).
O número de células bacterianas pode variar entre 103
e 107 em canais tratados17,158,197. Independentemente do
método de identificação bacteriana utilizado, E. faeca-
lis tem sido a espécie mais prevalente em dentes com
canal tratado, atingindo frequências de até 90% dos
casos128,162,168,169,177,197,235,287,324 (Figs. 4-37 e 4-38) (Quadro
4-2). E. faecalis é nove vezes mais comum em canais
tratados do que em infecções primárias177, o que suge-
re que essa espécie pode ser inibida por outros mem-
bros da comunidade microbiana mista comumente
encontrada em infecções primárias e que as condições
ambientais áridas em um canal tratado não impedem
sua sobrevivência.
O fato de E. faecalis ser a espécie mais comumen-
te encontrada em canais tratados e a sua capacidade
de sobreviver em condições ambientais desfavoráveis
fizeram com que muitos autores o apontassem como
o principal patógeno envolvido no fracasso do trata-
mento. Em decorrência, uma avalanche de artigos foi
publicada tendo como foco essa espécie277. Contudo,
Figura 4-38. Prevalência de diferentes espécies em amostras de dados de estudos recentes realizados em laborató-
fracasso endodôntico de pacientes brasileiros e sul-coreanos. Notar
que Enterococcus faecalis foi o mais prevalente, a despeito da locali- rios diferentes têm de alguma forma questionado o
zação geográfica. Dados de Rôças et al.169 e Siqueira e Rôças235. papel do E. faecalis como principal espécie envolvida
Microbiologia Endodôntica 133
Quadro 4-2 Dados de estudos avaliando a microbiota de casos de fracasso do tratamento endodôntico
Estudo
Método de Amostras positivas Enterococcus faecalis Fungos
identificação para a presença de
micro-organismos
no fracasso. Enquanto um estudo nem mesmo detec- bacterianas distintas podem participar na etiologia do
tou E. faecalis em casos de fracasso182, outros demons- fracasso endodôntico174.
traram que essa espécie, quando presente, não era a
dominante168,174,192. Estudos também mostraram que o
E. faecalis não é mais prevalente em canais tratados
INFECÇÕES EXTRARRADICULARES
de dentes com lesão em comparação a dentes sem Lesões perirradiculares são formadas em resposta
lesão91,324. Todos esses achados aparentemente ques- à infecção intrarradicular e, de um modo geral, repre-
tionam o status do E. faecalis como a mais importante sentam uma barreira eficaz contra a disseminação da
espécie causadora do fracasso. Todavia, outros fatores infecção para o osso alveolar e outras regiões do cor-
relacionados ainda necessitam ser considerados antes po. Na maioria das situações, as lesões perirradiculares
que tal questionamento se transforme em certeza324. conseguem prevenir o acesso de micro-organismos aos
Outros micro-organismos encontrados em canais tecidos perirradiculares. Entretanto, em circunstâncias
tratados associados à lesão perirradicular incluem es- específicas, micro-organismos podem superar essa
treptococos, C. albicans e algumas espécies bacterianas barreira e estabelecer uma infecção extrarradicular. A
anaeróbias estritas – P. alactolyticus, P. propionicum, forma mais comum de infecção extrarradicular é o abs-
F. alocis, D. pneumosintes e D. invisus128,162,174,235,240,287 (Qua- cesso perirradicular agudo, caracterizado por inflama-
dro 4-3). Bactérias não cultiváveis correspondem a ção purulenta nos tecidos perirradiculares em resposta
55% das bactérias encontradas em canais tratados192. à saída maciça de bactérias virulentas pelo forame api-
Dessas, Bacteroidetes clone oral X083 tem sido bastante cal. Há, entretanto, uma outra forma de infecção extrar-
prevalente192. Na verdade, a estrutura das comunida- radicular que, ao contrário do abscesso, é usualmente
des bacterianas em casos de fracasso pode variar de caracterizada pela ausência de sintomas. Essa condição
indivíduo para indivíduo, sugerindo que combinações consiste no estabelecimento de micro-organismos nos
134 Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Enterococcus faecalis 77
Pseudoramibacter alactolyticus 55
Propionibacterium propionicum 50
Filifactor alocis 48
Dialister pneumosintes 46
Streptococcus spp. 23
Tannerella forsythia 23
Dialister invisus 14 A
Campylobacter rectus 14
Porphyromonas gingivalis 14
Treponema denticola 14
Fusobacterium nucleatum 10
Prevotella intermedia 10
Candida albicans 9
Campylobacter gracilis 5
Actinomyces radicidentis 5
Porphyromonas endodontalis 5
Parvimonas micra 5
Synergistes oral clone BA121 5
Olsenella uli 5
culares após a resolução da fase aguda e estabelecer e apenas poucas espécies têm a capacidade de desa-
uma infecção extrarradicular associada à inflamação fiar e superar as defesas do hospedeiro, adquirir nu-
crônica. Isso caracterizaria um exemplo de infecção ex- trientes e prosperar nos tecidos perirradiculares infla-
trarradicular independente da intrarradicular. mados, estabelecendo então uma infecção extrarradi-
Exceto pela actinomicose perirradicular e casos cular. Das várias espécies que têm sido detectadas em
com fístula, há ainda controvérsias se lesões perirra- lesões refratárias ao tratamento endodôntico, algumas
diculares crônicas podem abrigar bactérias por muito são dotadas de um conjunto de fatores de virulência
tempo além da invasão tecidual inicial. Estudos de que pelo menos teoricamente pode possibilitar que
cultura282,298,312 e de métodos moleculares61,283,284 rela- invadam e sobrevivam em ambientes hostis (como os
taram a ocorrência extrarradicular de uma microbio- tecidos inflamados). Por exemplo, é atualmente reco-
ta complexa associada a lesões que não responderam nhecido que espécies de Actinomyces e P. propionicum
favoravelmente ao tratamento. Bactérias anaeróbias podem participar de infecções extrarradiculares e cau-
foram as predominantes em várias dessas lesões282,284. sar uma entidade patológica denominada actinomicose
Uma vez que esses estudos não avaliaram as condições perirradicular76,207,270 (Fig. 4-41). Alguns patógenos pu-
bacteriológicas da porção mais apical do canal radicu- tativos, como Treponema spp., P. endodontalis, P. gingi-
lar associado a essas lesões, torna-se impossível deter- valis, T. forsythia, Prevotella spp. e F. nucleatum, também
minar se as infecções extrarradiculares eram depen- têm sido encontrados em lesões perirradiculares crôni-
dentes ou independentes da intrarradicular. cas por estudos usando cultura, métodos moleculares
A presença de colônias bacterianas fora do canal ou métodos imunológicos7,61,269,284,298. A maioria dessas
usualmente caracteriza uma delimitação entre a infecção espécies possui um grupo de fatores de virulência que
intrarradicular e os tecidos perirradiculares inflamados as permite evitar ou superar as defesas do hospedeiro
(Fig. 4-40). Mesmo assim, a presença dessas bactérias no nos tecidos perirradiculares18,50,81,302.
espaço extrarradicular pode caracterizar uma infecção, a A incidência de infecções extrarradiculares em
qual é, contudo, dependente de uma infecção intrarradi- dentes sem tratamento endodôntico é consideravel-
cular no sentido de que, se essa for controlada de forma mente baixa141,217, o que é compatível com o alto índice
eficaz, a infecção extrarradicular pode ser combatida e de sucesso do tratamento endodôntico convencional268.
eliminada pelas defesas do hospedeiro. Mesmo em dentes com canal tratado e apresentando
Na verdade, a maioria dos micro-organismos lesão perirradicular pós-tratamento, para os quais uma
orais tem comportamento de patógenos oportunistas maior incidência de infecção extrarradicular tem sido
rias normais, como durante a escovação dos dentes e coronal leakage after root canal treatment: a preliminary
study. Int Endod J, 2004; 37: 542-51.
a mastigação. Alguns indivíduos podem gerar bacte-
3. Appelbaum B, Golub E, Holt SC, Rosan B. In vitro studies of
remia 90 horas por mês devido a atividades normais72. dental plaque formation: adsorption of oral streptococci to
Mais importante do que a bacteremia per se, é a viru- hydroxyaptite. Infect Immun, 1979; 25: 717-28.
lência e o número dos micro-organismos que obtêm 4. Bae KS, Baumgartner JC, Shearer TR, David LL. Occurrence
of Prevotella nigrescens and Prevotella intermedia in infections
acesso à corrente sanguínea, a duração da bacteremia e of endodontic origin. J Endod, 1997; 23: 620-23.
fatores predisponentes do hospedeiro. Bacteremias são 5. Baker PJ, Dixon M, Evans RT, Roopenian DC. Heteroge-
usualmente transitórias, não durando mais que 10 a 30 neity of Porphyromonas gingivalis strains in the induction of
alveolar bone loss in mice. Oral Microbiol Immunol, 2000; 15:
minutos6,78,111,163,164. Além disso, a quantidade de células 27-32.
bacterianas lançadas na corrente sanguínea após uma 6. Baltch AL, Pressman HL, Schaffer C et al. Bacteremia in
intervenção odontológica atinge usualmente 1 a 10 uni- patients undergoing oral procedures. Study following pa-
renteral antimicrobial prophylaxis as recommended by the
dades formadoras de colônias (UFCs) por mL de san- American Heart Association, 1977. Arch Intern Med, 1988;
gue, enquanto a quantidade necessária para causar en- 148: 1.084-88.
docardite experimental em animais seria muito maior, 7. Barnett F, Stevens R, Tronstad L. Demonstration of Bacte-
roides intermedius in periapical tissue using indirect immu-
isto é, de 103 a 109 por mL de sangue152. nofluorescence microscopy. Endod Dent Traumatol, 1990; 6:
Dentistas foram e têm sido muitas vezes acusados 153-56.
de induzir infecções metastáticas devido à bacteremia 8. Bassler BL. How bacteria talk to each other: regulation of
gene expression by quorum sensing. Curr Opin Microbiol,
gerada por procedimentos odontológicos, mas eles 1999; 2: 582-87.
são raramente culpados. Todavia, na ausência de evi- 9. Baumgartner JC. Endodontic microbiology. In: Walton RE,
dências definitivas com relação aos efeitos da bactere- Torabinejad M, eds. Principles and practice of endodontics.
3a ed. Philadelphia: WB Saunders, 2002: 282-94.
mia em indivíduos medicamente comprometidos, um
10. Baumgartner JC, Falkler WA, Jr., Beckerman T. Experimen-
consenso empírico indica que a profilaxia antibiótica tally induced infection by oral anaerobic microorganisms in
deveria ser administrada em tais pacientes, mormente a mouse model. Oral Microbiol Immunol, 1992; 7: 253-56.
11. Baumgartner JC, Falkler WA, Jr., Bernie RS, Suzuki JB. Se-
naqueles com risco de desenvolver endocardite bacte-
rum IgG reactive with oral anaerobic microorganisms as-
riana. Além disso, pacientes imunossuprimidos, indi- sociated with infections of endodontic origin. Oral Microbiol
víduos sofrendo hemodiálise e pacientes com próteses Immunol, 1992; 7: 106-10.
ortopédicas podem ter algum benefício ao receber pro- 12. Baumgartner JC, Hutter JW, Siqueira JF, Jr. Endodontic
microbiology and treatment of infections. In: Cohen S, Har-
filaxia antibiótica, embora não existam evidências cla- greaves KM, eds. Pathways of the pulp. 9a ed. St. Louis: Mos-
ras a esse respeito. by/Elsevier, 2006: 580-607.
Excluindo esses raros exemplos nos quais há um 13. Baumgartner JC, Khemaleelakul SU, Xia T. Identification of
spirochetes (treponemes) in endodontic infections. J Endod,
risco não comprovado, mas potencial de ocorrer com- 2003; 29: 794-97.
plicações decorrentes de bacteremia, a infecção focal é 14. Baumgartner JC, Siqueira JF, Jr., Xia T, Rôças IN. Geo-
um fenômeno improvável em pacientes saudáveis. En- graphical differences in bacteria detected in endodontic
infections using polymerase chain reaction. J Endod, 2004;
tretanto, um fator importante que deve ser elucidado é 30: 141-44.
o quanto uma lesão perirradicular persistente (inflama- 15. Baumgartner JC, Watkins BJ, Bae KS, Xia T. Association of
ção em resposta à infecção) pode contribuir para o es- black-pigmented bacteria with endodontic infections. J En-
dod, 1999; 25: 413-15.
tado geral do paciente. Há uma crescente preocupação 16. Baumgartner JC, Watts CM, Xia T. Occurrence of Candida
no sentido de que uma inflamação de longa duração, albicans in infections of endodontic origin. J Endod, 2000; 26:
mesmo que localizada, possa afetar a saúde geral do 695-98.
17. Blome B, Braun A, Sobarzo V, Jepsen S. Molecular identifi-
paciente316. Enquanto esse fator não for elucidado de cation and quantification of bacteria from endodontic infec-
forma convincente, os dentistas devem resistir à ten- tions using real-time polymerase chain reaction. Oral Micro-
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abscess model: involvement of gingipains in a synergistic sion by Porphyromonas gingivalis in response to secreted
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from root canals of teeth with periapical pathosis. J Endod, riradicular lesions by culture-dependent and -independent
1987; 13: 24-8. approaches. J Endod, 2006; 32: 722-26.
Capítulo 5
Diagnóstico em
Endodontia
Parte 1
Diagnóstico e seleção de casos
Wantuil Rodrigues Araujo Filho • Marcelo Sendra Cabreira • Wanderson Miguel Maia Chiesa
A técnica de diagnóstico exige uma abordagem tados de medicina e psicologia e na própria vivência
sistemática do paciente, incluindo anamnese, exame clínica dos autores.
físico e exames complementares. A interpretação e o Classificamos o comportamento dos pacientes
cruzamento dos sinais e sintomas colhidos em casa em frente a uma condição odontológica em três grupos
uma das três etapas permitirão o fechamento do diag- principais: o paciente colaborador, o paciente refratá-
nóstico com a consequente elaboração do plano de tra- rio e o paciente simulador.
tamento. Diagnóstico é, portanto, conhecimento, lógica
e raciocínio. Paciente colaborador
A anamnese constitui-se no primeiro passo para o Nesse tipo de paciente podemos estabelecer o diag-
estabelecimento do diagnóstico. Por meio dela, ouve-se nóstico com mais facilidade. Ele responde de forma equi-
o paciente. Inicia-se pela queixa principal, seguida pela librada e confiante às perguntas formuladas, bem como
história da doença atual que se amplia para a história aos testes e manobras que veremos adiante. Ele demons-
médica pregressa, a qual pode modificar, adiar ou mes- tra estar psicologicamente compensado, mesmo às vezes
mo inviabilizar o atendimento em nível ambulatorial, acometido de uma dor importante. A sua atitude será
na dependência do estado médico do paciente. decisiva para a rapidez do diagnóstico e também para o
sucesso da terapêutica a ser instituída, porque ele se en-
trega às mãos do profissional, disposto a ser submetido
EXAME FÍSICO DO PACIENTE ao tratamento e a seguir as prescrições necessárias.
147
148 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
ração. Diversos fatores levam a esse tipo de comporta- podem denunciar a intensidade da dor e características
mento, desde os casos de uma leve inibição, passando psicológicas do paciente.
pelo grupo dos pacientes portadores de necessidades Assimetrias faciais que acometam os ângulos
especiais, com problemas sensitivos ou motores, exis- mandibulares e a região geniana costumam ser nota-
tindo, ainda, duas razões principais para que o pacien- das numa observação a distância.
te refratário se comporte como tal. Se a história clínica e os aspectos semiológicos da
A primeira razão está relacionada aos pacientes dor são compatíveis com polpa viva, a busca deve ser
portadores de fobia restrita a alguma situação alta- direcionada a cavidades de cárie, restaurações infil-
mente específica (locais fechados ou elevados, tro- tradas e restaurações recentes. O advento das técnicas
vões, escuridão etc.), podendo estar aí incluída a ida adesivas, em que ataques ácidos em cavidades profun-
ao consultório odontológico. Mesmo que a situação das são realizados rotineiramente, tem incrementado
desencadeante possa parecer inofensiva, o contato grandemente os casos de comprometimento pulpar.
com ela pode desencadear um estado de pânico no Restaurações complexas em resinas fotopolimerizáveis
paciente. Essa circunstância é descrita no Código In- tornam esses dentes potenciais candidatos ao trata-
ternacional de Doenças sob o CID no F40.2. – Fobias mento endodôntico.
específicas (isoladas). Se os aspectos semiológicos da dor apontam para
A segunda razão aparece em decorrência de pa- um dente despolpado, deve-se direcionar a busca por
cientes sob forte abalo psicológico. Em não raras oca- elementos endodonticamente tratados, coroas naturais
siões, o paciente se encontra refratário porque sua dor escurecidas, grandes restaurações metálicas ou coroas
pode tê-lo deixado uma ou várias noites em vigília, protéticas e, mais uma vez, por extensas restaurações
diminuindo a sua tolerância a qualquer estímulo. Por- em resina fotopolimerizável, frequentemente relacio-
tanto, ao quadro patológico que possa apresentar se nadas à necrose pulpar.
associa todo um complexo psicossomático, podendo Alterações de cor ou contorno dos tecidos moles
alterar as respostas aos testes rotineiros empregados na junto ao periápice dos dentes só serão observadas, no
Odontologia, fazendo com que o paciente se compor- abscesso perirradicular agudo a partir do seu estágio
te de forma diferente da maioria dos indivíduos com intermediário, quando o edema pode se estender até
aquele tipo de sensibilidade. Esse quadro se encontra mesmo aos dentes vizinhos.
enquadrado no CID no F68.0 – Sintomas físicos aumenta- Em sua forma mais exuberante, o abscesso pe-
dos por fatores psicológicos. rirradicular agudo produz edema que se dissemina
pelas fáscias e espaços intermusculares. O paciente
Paciente simulador apresenta manifestações sistêmicas do processo infec-
cioso como febre, anorexia, prostração e enfartamento
Em outras ocasiões, um curioso aspecto precisa ganglionar periférico. Pode haver, principalmente em
ser abordado neste capítulo: o da simulação de uma molares inferiores, limitação da abertura da boca, com
doença endodôntica. necessidade premente de internação e atendimento em
Parte desses pacientes é portadora de trans- nível hospitalar.
torno hipocondríaco (CID no F45.2), cabendo também A cronificação natural do processo infeccioso
nesse grupo os pacientes com produção deliberada ou pode ocorrer pela drenagem da secreção por tratos fis-
simulação de sintomas ou de incapacidades, físicas ou tulosos com formação de parúlides que se abrem nas
psicológicas (transtorno factício) (CID no F68.1). Esses proximidades do ápice do agente causal. O rastreamen-
pacientes frequentemente requerem cuidados espe- to radiográfico pelo contraste de cones de guta-percha
ciais multiprofissionais, envolvendo a Psicologia e a inseridos nessas fístulas pode ser de grande valia para
Psiquiatria. a identificação do elemento dentário comprometido.
Lamentavelmente, junta-se a esse grupo outro tipo
de paciente, o simulador consciente (CID no Z76.5). O pa-
ciente simulador pode muitas vezes estar simulando al- RECURSOS SEMIOTÉCNICOS
guma doença que não possui ou poderá estar disposto EMPREGADOS NA ENDODONTIA
em esconder os sintomas, e fará o possível também para
ocultar os sinais de uma entidade patológica existente.
Inspeção bucal
O exame físico do paciente começa quando aden- É o exame visual da boca como um todo. Devem
tra o consultório. O relato, o gestual e a expressão facial ser observados a alteração de cor da coroa, o estado das
Diagnóstico em Endodontia 149
Exames complementares
São considerados exames complementares, po-
rém rotineiros na Odontologia: o exame radiográfi-
co, os exames hematológicos, as provas bioquímicas
do sangue e a biópsia. Nos dias atuais, o exame pela
tomografia computadorizada para a Odontologia
tem assumido especial importância, particularmente
a partir do advento de aparelhos com imagens mais
adequadas ao exame dos dentes e dos tecidos perirra-
diculares, com maior qualidade de imagem abrangen-
do mais especialidades odontológicas, assunto que
está especificamente tratado na Parte III deste mesmo
capítulo.
Exame radiográfico
Figura 5-1.3. Origem da fístula evidenciada pelo uso do cone de
guta-percha, conforme o texto. O exame radiográfico do paciente pode se inserir
em qualquer momento do processo de diagnóstico. É
de praxe a solicitação de radiografia periapical da boca
completa, complementada pelas radiografias interpro-
resistência. Uma radiografia será então realizada, e o
ximais e panorâmica para a execução do plano de trata-
dente responsável, identificado (Fig. 5-1.3).
mento. Nesse caso, o diagnóstico pode ser antecipado
pela presença de cáries extensas, grandes infiltrações
Exploração cirúrgica sob coroas protéticas e/ou pela presença de lesões pe-
A exploração cirúrgica é um último recurso para rirradiculares.
a elucidação de situações obscuras, lançando-se mão As incidências de maior interesse ao diagnóstico
de um exame invasivo, em que o paciente é informa- são a periapical, interproximal e panorâmica. São limi-
do de ser aquela uma tentativa de esclarecimento so- tadas pela bidimensionalidade de suas imagens e ape-
bre a entidade patológica que acomete o dente ou re- nas sugestivas das alterações nelas observadas.
gião (Fig. 5-1.4). A presença de fraturas verticais não A incidência periapical constitui-se em elemen-
visualizadas radiograficamente é um exemplo típico to imprescindível ao planejamento do tratamento en-
de casos em que a cirurgia exploratória pode ser in- dodôntico. Além de uma visão panorâmica do dente,
dicada. podem ser observados a largura, o comprimento e o
raio da curvatura radicular, elementos determinantes
no planejamento do tratamento endodôntico. Mostra
também alterações ósseas perirradiculares resultantes
do comprometimento da polpa dental.
A incidência interproximal mostra a coroa den-
tal e o segmento cervical da raiz. Podem ser nela mais
bem observadas a relação de proximidade entre a pol-
pa dental e as restaurações ou cavidades de cárie, bem
como a deposição irregular de dentina ou calcificações
que possam modificar a arquitetura da câmara pulpar.
O arco de curvatura do segmento cervical do canal ra-
dicular, que define o perfil de emergência do mesmo
na câmara pulpar, também pode ser observado na to-
mada radiográfica interproximal.
A radiografia panorâmica pode ser útil para uma
eventual avaliação das estruturas anexas, em casos de
Figura 5-1.4. Exploração cirúrgica: exame da região perirradicular lesões extensas ou para melhor observação da intimi-
do elemento 24, com auxílio de microespelho. dade entre acidentes anatômicos, como o seio maxilar e
Diagnóstico em Endodontia 151
tios de comprometimento e, não raramente, o mesmo de intensidade compatível com a excitação provocada,
dente apresenta sintomatologia compatível com os vá- com declínio imediato à remoção desse estímulo. As
rios estágios do desenvolvimento da doença. Os cortes manobras de palpação apical e percussão resultam em
histológicos do tecido pulpar inflamado apresentam resposta negativa.
um padrão celular diversificado de acordo com o sítio Embora o exame radiográfico periapical em den-
de inflamação observado, o que inviabiliza essa tenta- tes portadores de polpa sadia apresente integridade
tiva de classificação. da lâmina dura e espaço periodontal de espessura
As classificações histológicas podem assumir al- semelhante ao longo de toda a região perirradicular,
gumas vezes aspectos rotulatórios e até cabalísticos, esse achado radiológico isolado tem sido atualmente
uma vez que a realidade tecidual, vista ao microscópio bastante questionado como parâmetro de integrida-
óptico, pode apresentar áreas simultaneamente distin- de da polpa, a partir dos exames imaginológicos por
tas, cabendo ao histopatologista decidir qual a predo- tomografia computadorizada (TC) para a Odontolo-
minância de um quadro sobre outro4. gia, já que a TC tem sido capaz de detectar alterações
As principais alterações pulpares detectadas his- perirradiculares muito antes que o exame periapical
topatologicamente são hiperemia pulpar, pulpite agu- possa fazê-lo.
da serosa, pulpite aguda purulenta, pulpite crônica O paciente em um dente com polpa normal não
ulcerativa e pulpite crônica hiperplásica. As alterações refere a utilização de medicação analgésica.
perirradiculares inflamatórias incluem os cistos, gra-
nulomas e abscessos. Pulpite reversível
Os dentes acometidos de pulpite reversível apre-
Classificação clínica sentam uma sintomatologia provocada de resposta
A grande maioria dos autores da Endodontia um pouco mais intensa que na polpa normal. Pode
tem refutado o emprego na prática clínica das mes- ser evidenciada uma dor brusca com aplicação do frio
mas denominações utilizadas pelos patologistas, já e/ou quente, porém ela tenderá a desaparecer poucos
que não é usual a coleta de material da polpa para segundos após a sua remoção. Assim, a dor nesses ca-
análise sob a luz de microscopia óptica em lâminas sos é ainda provocada, cessando com a remoção do es-
coradas, única maneira de se obter um diagnóstico tímulo. Porém, em cavidades cariosas, é comum o pa-
histopatológico preciso. ciente referir dor persistente após a ingestão de doces
Embora exista uma enormidade de classificações e alimentos gelados, muitas vezes porque esses fatores
empregadas para designar as alterações inflamatórias de agressão ficam retidos nas lesões de cárie. Quando
da polpa dental, o consenso na atualidade aponta para removidos pela escovação dental ou bochecho, costu-
a adoção de uma classificação diagnóstica clínica básica mam referir o alívio imediato. A radiografia é em tudo
e simples das doenças pulpares e perirradiculares, sem semelhante à de um elemento dental hígido. Frequen-
a pretensão de agrupar todas as prováveis variações pa- temente o paciente informa não ter sentido necessida-
tológicas, o que a tornaria complexa, uma vez que não de de buscar medicação analgésica para o desconforto
é possível estabelecer uma correlação direta entre acha- experimentado. Um tratamento de rotina dentro dos
dos cínicos e histopatológicos. Desse modo, interessa ao princípios que regem a abordagem em dentística, com
clínico saber se deve ou não conservar a polpa. remoção de tecido cariado e restauração apropriada,
Clinicamente, o estado pulpar e perirradicular leva à completa remissão dos sintomas evidenciados.
pode ser classificado em: A hipersensibilidade frequente que ocorre nos casos
de pulpite reversível já foi erroneamente associada ao
• Polpa normal ou sadia quadro histológico de hiperemia pulpar30.
• Pulpite reversível
• Pulpite irreversível (sintomática ou assintomática) Pulpite irreversível sintomática
• Necrose pulpar
Nos pacientes portadores desse tipo de pulpi-
• Lesões perirradiculares
te, a dor aparece espontaneamente, embora seja for-
temente exacerbada com aplicação do frio e/ou do
Polpa normal ou sadia calor. Essa pode ser intermitente ou contínua, levan-
A polpa dental em sua normalidade fisiológica do muitas vezes a grande sofrimento físico e psico-
costuma reagir aos estímulos com resposta dolorosa lógico. Com bastante frequência, o paciente observa
Diagnóstico em Endodontia 157
que a sua dor aumenta nos momentos de repouso crônicos de defesa na região perirradicular, podendo
em decúbito. Em algumas situações, o paciente pode resultar em inflamações perirradiculares (periodontite
referir aumento da dor com aplicação de frio e seu apical aguda ou crônica), na formação de cistos e gra-
alívio quando entra em contato com uma substância nulomas apicais e, eventualmente, no surgimento de
quente. Noutras vezes, é exatamente o contrário que coleções purulentas (abscessos).
ocorre (alívio com frio e dor com o quente), o que já Clinicamente é possível diagnosticar a necrose
foi atribuído à fase de pulpite irreversível ser inicial pulpar, os quadros de periodontite apical e de absces-
ou tardia, mas o que de concreto se sabe é que ambas sos agudos ou crônicos, mas o diagnóstico diferencial
caracterizam a necessidade de uma intervenção com entre cistos e granulomas apicais só acontecerá me-
remoção da polpa envolvida, total ou parcialmente diante análise histopatológica.
(pulpectomia ou pulpotomia). De qualquer forma, a Na presença de um quadro de necrose pulpar, a
dor experimentada nesse quadro é importante, po- odontalgia está absolutamente ausente na esmagadora
dendo ser paroxística, ou seja, uma dor excrucian- maioria dos casos. No entanto a dor de origem odon-
te considerada a de maior intensidade no curso da togênica poderá ainda ser referida, sendo proveniente
inflamação pulpar. A resposta à palpação apical e dos tecidos perirradiculares inflamados. Assim, a res-
percussão vertical pode ser negativa ou positiva e o posta aos estímulos térmicos e elétricos será negativa,
aspecto radiográfico pode se apresentar normal ou e a radiografia variará desde situações em que ainda
com ligeiro espessamento do espaço periodontal. O
existirão os padrões de normalidade, passando pelos
uso de analgésicos/anti-inflamatórios costuma não
quadros de espessamento do espaço periodontal, po-
surtir o efeito desejado na remissão dos sintomas do-
dendo ser identificadas as chamadas lesões perirradi-
lorosos.
culares.
Crônicas
Nas lesões perirradiculares crônicas a dor pode
estar completamente ausente ou ser discreta, sempre
proveniente dos tecidos perirradiculares. Os testes frio/
quente/elétrico têm resposta negativa, e a resposta à
palpação e à percussão resulta em dentes pouco sensí-
veis. A imagem radiográfica apresenta espessamento do
espaço periodontal.
Abscessos perirradiculares
B
Abscessos são cavidades circundadas por paredes
de tecido fibrótico ou de granulação, contendo pus em Figura 5-1.13A. A radiografia foi determinante para o diagnóstico,
seu interior. Podem ocorrer na região apical, como con- mostrando o aspecto de radiolucidez perirradicular difusa, associa-
da ao ápice do elemento 24. B. A cirurgia de acesso resultou em
sequência da morte das células de defesa no combate à
drenagem via canal do processo purulento
infecção perirradicular preexistente, recebendo o nome
de abscessos perirradicularess, também conhecidos como
abscessos periapicais, apicais ou ainda como abscessos den-
toalveolares.
Agudos
Os abscessos perirradiculares agudos, embo-
ra costumem ser bastante sensíveis às manobras de
percussão e palpação, estão sempre associados à pre-
sença de polpa necrótica, onde o dente não responde
mais aos testes térmicos ou elétrico. O aspecto radio-
gráfico depende do tempo de evolução do caso, apre-
sentando desde um aumento do espaço periodontal,
passando pela perda de continuidade da lâmina dura,
até à presença de radiolucidez perirradicular difusa
associada ao ápice dentário (Fig. 5-1.13). Tumefação Figura 5-1.14. Paciente com edema apical na região dos dentes 24
de tecidos moles também é visível em casos mais evo- e 25. A restauração antiga e infiltrada de amálgama poderia sugerir
luídos (Fig. 5-1.14). o envolvimento do 25 no processo.
Diagnóstico em Endodontia 159
Nas periapicopatias, a dor irá permanecer por al- ramente, pela presença de dentina exposta ou restau-
gumas horas, quando a origem é o trauma da manipu- rações defeituosas, se tornam sensíveis ao consumo de
lação endodôntica ou, até que o processo se cronifique, alimentos doces ou ácidos. A posição de decúbito pode
quando a origem for infecciosa. Esse critério de avalia- determinar o início ou a exacerbação da sensibilidade
ção deve até nortear a conduta clínica em casos de dor dolorosa.
pós-operatória. A dor espontânea que se estende após Dentes despolpados apresentam desconforto pela
a segunda dose de um analgésico comum quase sem- mastigação, pelo toque e compressão, quando termina-
pre é de origem infecciosa. ções nervosas contidas no ligamento periodontal ede-
maciado são estimuladas.
INTENSIDADE
O limiar da dor é muito semelhante para indiví-
FATORES QUE AMENIZAM
duos da mesma espécie. O padrão de manifestação da As mesmas variações térmicas responsáveis pela
dor é que varia em função de questões culturais. A in- exacerbação da dor em polpa viva podem amenizá-la.
tensidade da dor relatada pelo paciente deve, portanto, A figura do paciente portando uma garrafa térmica
ser analisada com prudência. Um indicador palpável na sala de espera do endodontista é consagrada na li-
de referência seria a necessidade e a frequência da in- teratura.
gestão de analgésicos. Assim, dores leves não merece- Dentes despolpados nos estágios iniciais do com-
riam o uso de analgésicos e dores intensas não cede- prometimento perirradicular poderão ter o desconfor-
riam ao uso de analgésicos comuns. to amenizado pelo ajuste oclusal ou retirada de função.
Dores intensas em polpa viva ou em dentes des- Na periapicopatia aguda de natureza infecciosa, essas
polpados são agentes facilitadores do diagnóstico, por- medidas serão paliativas e somente o uso de analgési-
quanto são de fácil localização. cos potentes ou a cronificação do processo será capaz
de mitigar a dor.
LOCALIZAÇÃO
A dor da polpa viva inflamada, especialmente nos
CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES
estágios iniciais do processo inflamatório, apresenta-se O diagnóstico pode ser complicado quando nos
difusa. É um clássico do diagnóstico em endodontia o deparamos com um padrão pouco usual da dor, quan-
paciente imputar a um dente endodonticamente trata- do a sintomatologia incide de forma espaçada ou quan-
do a responsabilidade por sensibilidade térmica acom- do as informações prestadas são conflituosas.
panhada de dor que se irradia para estruturas ana- Por vezes, faz-se necessária a prescrição de me-
tômicas anexas. Esse fato se explica por ser a dor um dicação analgésica, com o adiamento da abertura do
fenômeno aprendido. O cérebro registra o desconforto dente suspeito. Essa conduta expectante propicia o
e a agressão sofridos durante o tratamento endodônti- surgimento de sintomas mais claros, característicos das
co, e qualquer desconforto futuro que acometa aque- etapas evoluídas da doença pulpar.
la região será inconscientemente imputado ao dente O clínico se defronta eventualmente com quadros
tratado. Ora, a sensibilidade térmica, especialmente dramáticos de dor. Reiteramos aqui a idéia de que o
pelo frio, só se justifica pela presença da polpa viva, profissional não se deixe envolver pelo desespero do
o que descarta a participação de um dente despolpa- paciente. O erro mais comum cometido nessas cir-
do. Ademais, o processo inflamatório ao se estender ao cunstâncias é o bloqueio anestésico da área suspeita.
periápice acomete fibras proprioceptivas do ligamento Os dentes anestesiados não mais serão responsivos aos
periodontal, tornando a dor localizada. exames complementares, ficando o diagnóstico invia-
Dor irradiada é, portanto, característica de polpa bilizado. Assim, o risco de se abrir o dente errado é
viva. Dente despolpado, se dói, o faz obrigatoriamente grande. A anestesia só deve ser aplicada após o fecha-
ao toque. mento do diagnóstico ou, como veremos adiante, como
último recurso do próprio diagnóstico.
A indicação equivocada de tratamento endo-
FATORES QUE EXACERBAM dôntico realizada pelo clínico geral pode se justificar
Dentes vitais têm o desconforto exacerbado por pela pouca vivência e fundamentação semiológica de
agentes térmicos e, em especial, pelo frio. Mas não ra- alguns profissionais. A abertura equivocada de um
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares*
Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade
Normal ou sadia Ausente Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Normal Róseo Nenhuma
Quantidade X
de corrente
Pulpite reversível Dor provocada Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Normal Róseo Eliminação da causa;
e aguda; curta Corrente proteção pulpar
duração; menor que X direta ou indireta.
desaparece com Acompanhamento
a remoção do clínico e radiográfico
estímulo
Pulpite irreversível Dor espontânea; Positivo Resposta rápida intensa Positivo Negativo aos três Normal ou com Róseo Tratamento
sintomática aguda, latejante, Corrente com aplicação do frio, testes ou positivo espessamento endodôntico ou,
persistindo após menor que X experimentando alívio à percussão e/ou à do espaço quando indicada,
remoção da causa. pela aplicação do palpação periodontal pulpotomia.
Exacerbada por quente Acompanhamento
mudanças bruscas clínico e radiográfico
de temperatura e ou
em decúbito
o contrário: alívio com
o frio, tendo resposta
rápida intensa com
aplicação do quente
Pulpite irreversível Assintomático Positivo Discreta sensibilidade Positivo Negativo Normal ou com Róseo Tratamento
assintomática ou com dor Corrente ou espessamento endodôntico ou,
moderada, maior que X negativo do espaço quando indicada,
ligeira e surda por periodontal. pulpotomia.
compressão da Nos pólipos Acompanhamento
polpa exposta pulpares há uma clínico e radiográfico
comunicação
ampla da
Diagnóstico em Endodontia
câmara com a
cavidade oral
161
(continua)
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação) 162
Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade
Necrose pulpar e Negativo aos três Normal, com Área escura Tratamento
periodontite apical Assintomático Negativo Negativo Negativo Negativo testes ou positivo espessamento endodôntico.
crônica à percussão e/ou à do espaço Acompanhamento
palpação periodontal clínico e radiográfico
ou, ainda, lesão
perirradicular
Periodontite apical Sensação de Positivo Positivo Positivo Positivo Positivo à percussão. Normal ou com Róseo Identificar a causa e
Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Periodontite apical Idem Negativo Negativo Negativo Positivo por Positivo à percussão. Normal ou com Área escura Imediata: cirurgia
aguda em dente trepidação Mobilidade pode espessamento de acesso, irrigação
despolpado de estar presente do espaço abundante.
origem bacteriana periodontal Estabelecimento de
patência foraminal.
Medicação antis-
séptica no canal,
selamento. Alívio
oclusal.
Mediata: tratamento
endodôntico.
Acompanhamento
clínico e
radiográfico
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)
Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade
Periodontite apical Idem Negativo Negativo Negativo Positivo por Idem Idem Área escura Imediata: cirurgia
aguda em dente trepidação de acesso, irrigação
despolpado por abundante.
trauma ou agente Estabelecimento de
químico patência foraminal.
Medicação
analgésica e anti-
inflamatória no
canal, selamento.
Alívio oclusal.
Medicação
analgésica e anti-
inflamatória sistêmica.
Mediata: tratamento
endodôntico.
Acompanhamento
clínico e radiográfico
Abscesso Dor aguda, Negativo Negativo Pode Positivo por Mobilidade Perda da Área escura Imediata: cobertura
perirradicular latejante; alívio ter dor trepidação acentuada. lâmina dura; antibiótica,
agudo pela pressão axial violenta Sensibilidade espessamento drenagem via canal
sobre o dente. se o calor extrema à apical ou zona e/ou via cirúrgica.
Dor agravada em for muito percussão e radiolucente Mediata: tratamento
decúbito intenso palpação difusa endodôntico.
Acompanhamento
clínico e
radiográfico.
Abscesso Assintomático Negativo Negativo Negativo Positivo por Levemente dolorido Perda da Área escura Tratamento
perirradicular ou com dor trepidação à percussão lâmina dura; endodôntico.
crônico moderada e palpação. espessamento Acompanhamento
Mobilidade apical ou zona clínico e
Diagnóstico em Endodontia
(continua)
164
Diagnóstico Sintomatologia Elétrico Frio Quente Cavidade Percussão Radiográfico Transiluminação Conduta clínica
vertical, palpação
apical,
mobilidade
Granuloma Assintomático, Negativo Negativo Negativo Negativo Às vezes sensível à Rarefação óssea Área escura Tratamento
Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Cisto perirradicular** Assintomático, Negativo Negativo Negativo Negativo Às vezes sensível à Rarefação óssea Área escura Tratamento
exceto quando percussão. mais ou menos endodôntico.
em casos de Palpação e arredondada ou Particular atenção no
agudizações mobilidade área definida, acompanhamento
negativos. redonda clínico e radiográfico
Quando volumoso, ou elíptica, da regressão da
crepitação óssea à podendo ser lesão pela
palpação limitada por possibilidade
linha radiopaca de indicação de
(linha de enucleação cística
osteogênese
reacional)
* Elaborado e adaptado a partir do Manual de Endodontia da Disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia da UFRJ (1980).
** Só o exame histopatológico fornece diagnóstico diferencial. O objetivo é apresentar características clínicas e radiográficas mais evidentes, independentemente da imprecisão fornecida pelo diagnóstico clínico.
Diagnóstico em Endodontia 165
elemento suspeito de dor pelo endodontista constitui, mento odontológico, pacientes cardiopatas e diabéticos
porém, verdadeiro desastre e depõe fortemente contra têm maior chance de sofrer situações emergenciais. Tal
a especialidade. Difícil explicar ao paciente que a dor situação obriga o profissional de odontologia a buscar
permanecerá sob controle analgésico até que se escla- novos conhecimentos que o habilitem a tratar esses pa-
reça por completo a sua origem. Impossível, porém, ex- cientes com mais segurança, para sua tranquilidade e a
plicar quando o dente aberto não alivia a dor preexis- confiança daqueles que o procuram.
tente. Há uma máxima consagrada no meio científico
que diz: “Saber parar também é arte”.
PACIENTES CARDIOPATAS
As doenças cardiovasculares persistem como a
CUIDADOS NO ATENDIMENTO DE maior causa de morte em todo o mundo.
PACIENTES COM NECESSIDADES O número de pacientes portadores de cardiopa-
ESPECIAIS tias vem crescendo muito ultimamente, tanto pela po-
Uma vez realizado o diagnóstico e confirmada pulação ter adotado um estilo de vida mais sedentário
a necessidade do tratamento endodôntico, o paciente e estressante, como também por ter adquirido hábitos
deve ser avaliado sistemicamente na busca de alguma nocivos à saúde.
condição impeditiva para o início imediato da terapia. O cirurgião-dentista tem papel fundamental na
Nessa abordagem é importante considerar o pa- salvaguarda da saúde oral dos pacientes e, consequen-
ciente no aspecto geral. Um comprometimento da saú- temente, deve estar apto a reconhecer doenças cardio-
de pode, muitas vezes, complicar um caso aparente- vasculares e os fatores de risco a elas associadas. O ma-
mente simples. Ao realizar a anamnese, é importante nejo odontológico desses pacientes implica o reconhe-
uma atenção apurada do profissional nas informações cimento da doença, o estudo da terapia farmacológica
prestadas pelo paciente, nos exames realizados e todos e as possíveis interações medicamentosas a que estão
os detalhes apurados para uma atuação segura e em- sujeitos. Estando ciente desses itens, o cirurgião-den-
prego dos cuidados necessários ao paciente. tista pode prover a saúde bucal de seus pacientes sem
Para a identificação de alguma condição sistêmica prejudicar outros sistemas.
ou a utilização de algum medicamento especial pelo Muitas vezes o trabalho conjunto do dentista e do
paciente é necessária em algumas situações uma abor- médico é imprescindível para a promoção da saúde do
dagem multidisciplinar, e um contato com o médico paciente como um todo.
que o assiste será uma conduta prudente para uma Estudos demonstram que o estresse provocado
avaliação em conjunto sobre o estado de saúde geral pelo tratamento dentário pode ocasionar alterações
do paciente. transitórias no sistema cardiovascular. Num paciente
É importante lembrar que nesses casos o trauma- saudável, essas alterações não teriam grandes proble-
tismo e a possibilidade de se provocar uma bactere- mas, ao contrário do que pode ocorrer num paciente
mia transitória, como consequência de um tratamento portador de algum distúrbio cardiovascular. Esses pa-
endodôntico, são sempre menores do que quando se cientes estão sujeitos a uma resposta hemodinâmica
realiza uma exodontia, segundo Bender et al.12 e Ben- (variações da pressão arterial e frequência cardíaca)
der e Montgomery13, ao estudarem a incidência de bac- limitada diante do estresse metabólico de um procedi-
teremia após manipulação endodôntica, exodôntica e mento odontológico. Quando isso ocorre, o miocárdio
periodôntica. (músculo cardíaco) exige uma elevada demanda de
Baseados nesse ponto de vista, a Endodontia sem- oxigênio, determinada por um aumento do nível de
pre é a primeira opção, mesmo nesses pacientes espe- catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) secundá-
ciais, desde que tomados alguns cuidados preventivos. rias à ansiedade, à dor e ao estresse gerado pelo pro-
A cada dia aumenta o número de pacientes por- cedimento como um todo. Torna-se evidente que esse
tadores de doenças sistêmicas que procuram o trata- processo presente em indivíduos com cardiopatia deve
mento odontológico, como é o caso dos hipertensos, ser realizado em condições de absoluta segurança para
diabéticos e cardiopatas. Isso reflete o aumento da ex- garantir o sucesso do procedimento e a segurança do
pectativa de vida, decorrente do avanço da Medicina e paciente.
da mudança de postura do indivíduo, que cuida mais Uma vez identificados os pacientes portadores
de sua saúde nos vários aspectos. Embora qualquer de doença do sistema cardiovascular, eles são consi-
paciente possa desenvolver problemas durante o trata- derados como compensados ou controlados quando se
166 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
enquadrarem numa das seguintes condições, com uma É importante identificar a natureza da cardiopa-
boa margem de segurança, segundo Andrade6. tia e o grau de risco diante de um procedimento en-
dodôntico, principalmente os mais invasivos. Por isso
• período mínimo de 6 meses após o infarto do mio- é importante conhecer a história médica pregressa do
cárdio ou acidente vascular cerebral (AVC); paciente, buscando avaliar sua estabilização clínica ad-
• período mínimo de 3 meses após cirurgia de revas- quirida no tratamento médico realizado e dessa forma
cularização do miocárdio como “ponte” de veia de realizarmos o tratamento endodôntico com mais segu-
safena ou artéria mamária; rança.
• angina pectoris estável (a medicação prescrita pelo É importante salientar a necessidade de verifica-
médico deve ser suficiente para evitar episódios ção dos níveis de pressão arterial antes do procedimen-
constantes de dor no peito); to em todos os pacientes, cuja anamnese os identificou
• tomar a pressão arterial e avaliar o pulso carotídeo como portadores de cardiopatia ou como pacientes
antes e durante a sessão de atendimento; suspeitos, com base em sua história médica. Para sua
• insuficiência cardíaca congestiva estável (avaliação identificação consideramos os níveis do VII Relatório
médica); do Joint National Committee31.
• hipertensão arterial controlada – pressão diastólica
até 100mmHg;
• frequência cardíaca em repouso menor que 100 bati- Cuidados com o uso de medicamentos em
mentos/minuto; pacientes cardiopatas
• pacientes que estiverem fazendo uso de vasodilata- Anestesia local
dor coronariano deverão receber uma dose profilá-
No atendimento de pacientes cardiopatas um
tica via sublingual, 1 a 2 minutos antes do procedi-
procedimento de muita controvérsia é a escolha da
mento, sob orientação médica;
solução anestésica local. Isso se deve, principalmente,
• pacientes que fazem uso de anticoagulantes e antia-
à recomendação da maioria dos médicos de empregar
gregadores plaquetários devem entrar em contato
nesses pacientes anestésicos locais sem vasoconstritor.
com o médico antes de realizar procedimentos que
Compreendemos que isso ocorra pelo fato de que a
envolvam sangramento para saber se há necessida-
adrenalina usada em medicina ocorre principalmente
de ou não de suspender ou diminuir a dose da me-
em situações emergenciais, onde a média empregada
dicação enquanto dura o tratamento;
é de 0,5 a 1mg, enquanto num tubete anestésico com
• pacientes com insuficiência cardíaca congestiva de-
esse vasoconstritor a 1:100.000, encontramos apenas
vem procurar uma posição mais confortável na ca-
0,018mg34.
deira odontológica, com o encosto menos reclinado,
para evitar dispneia; Ao empregar uma solução anestésica em pacien-
• nenhuma mudança recente quanto aos medicamen- tes cardiopatas, precisamos lembrar dois pontos im-
tos ou orientação médica. portantes: 1) a presença de um vasoconstritor promove
uma anestesia pulpar de maior duração, o que não é
A avaliação dos sinais vitais deve fazer parte do conseguido quando se utiliza uma solução sem agente
exame físico em toda consulta inicial ou antes de cada vasoconstritor associado; 2) quando se emprega solu-
sessão de atendimento. A obtenção de valores relati- ção anestésica local sem vasoconstritor, a margem de
vos ao pulso carotídeo, frequência respiratória, pressão segurança clínica é diminuída, pois a dose máxima é
sanguínea arterial e temperatura, com o paciente em geralmente calculada em função da quantidade do sal
repouso, deve constar do prontuário odontológico5. anestésico e não do agente vasopressor5.
Principais doenças cardíacas encontradas na po- O uso do anestésico local em pacientes cardiopa-
pulação adulta: tas deve obedecer aos seguintes princípios básicos:
Nos pacientes mais estressados é prudente in- lorazepam 1 ou 2mg como medicação pré-anestésica,
dicar o uso de ansiolíticos 30 a 45 minutos antes do 1 hora antes do procedimento. Os pacientes no Es-
procedimento. tágio 2, com pressão diastólica acima de 100mmHg
O Quadro 5-1.2 revela a postura profissional e/ou sistólica acima de 180mmHg, que necessitem
recomendada por Little et al. (33) diante de paciente atendimento de urgência devem primeiro receber
com hipertensão arterial. um benzodiazepínico (p. ex.: diazepam 5mg) para se
O uso de vasoconstritor junto com os anesté- tentar obter uma redução da pressão arterial1.
sicos deve ser feito com muito critério, já que pode
causar elevações da pressão arterial, porém a dor en-
volvendo o procedimento, quando a analgesia não
Prevenção da endocardite infecciosa
ocorre de forma adequada, pode ser muito pior para A endocardite infecciosa (EI) é uma doença agu-
a resposta da pressão arterial. Com isso devemos da ou subcrônica consequente à invasão bacteriana de
usar a menor quantidade possível e evitar a injeção uma área focal do endotélio de uma válvula cardíaca
intravascular. ou de uma cavidade do coração, com liberação contí-
Vários estudos demonstraram que a injeção de nua de micro-organismos infectantes para a corrente
1,8mL de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 sanguínea16.
em pacientes saudáveis não resulta em aumentos Os pacientes que têm maior risco de desenvolvê-
significativos da pressão arterial ou da frequência la são aqueles portadores de doença cardíaca congêni-
cardíaca22,49. Por outro lado, outros estudos demons- ta, reumática ou próteses valvulares cardíacas.
traram que 5,4mL de lidocaína a 2% com epinefri- Dentre os fatores precipitantes da EI, por favo-
na a 1:100.000 resultaram em grandes elevações da recerem a passagem de bactérias para a corrente san-
pressão arterial e frequência cardíaca, porém sem guínea, citamos: alguns procedimentos odontológicos,
sintomas significantes22. tonsilectomia, piodermite, pneumonia, intervenções
Segundo Andrade7, o uso de vasoconstritor in- geniturinárias ou uterinas, hemodiálise, cateteres ve-
corporado nas soluções anestésicas locais não é con- nosos, uso de drogas venosas ilícitas etc.
traindicado, podendo ser empregada a adrenalina Classicamente, os estreptococos são os agentes
(1:100.000 ou 1:200.000), em doses pequenas, com etiológicos mais comuns (30 a 50% dos casos). Ulti-
injeção lenta e aspiração prévia negativa, empregan- mamente, entretanto, a porcentagem dos estafilococos
do no máximo dois tubetes. No entanto, Armonia vem aumentando, encontrando-se taxas superiores a
& Tortamano8 afirmam que a adrenalina, noradre- 30%. Bactérias gram-negativas, fungos e bactérias do
nalina, fenilefrina e levonordefrina podem interferir grupo HACEK são outros micro-organismos que po-
com alguns anti-hipertensivos. Outra opção é o uso dem causar EI.
da felipressina 0,03UI/mL associada à prilocaína a As manifestações clínicas da EI podem ser infec-
3%, que seguramente não altera a pressão arterial e ciosas, cardíacas, pulmonares, cutâneas, oftalmológi-
atividade cardíaca, não interferindo, portanto, com cas, vasculares ou abdominais.
o efeito farmacológico dos anti-hipertensivos. Prostração, perda de peso, febrícula e palidez
Para os pacientes com hipertensão no Estágio cutânea mucosa são sintomas da endocardite aguda
1 e 2 recomenda-se a prescrição de diazepam 5mg ou (EA). Na fase aguda ela se caracteriza por início sú-
Diagnóstico em Endodontia 169
bito de febre alta com calafrios, sudorese, fenômenos Quadro 5-1.3 Pacientes com risco de adquirir EI grave
tromboembólicos, manifestações neurológicas, lesões
cutâneas de Janeway (máculas hemorrágicas, indolo- Portador de prótese cardíaca valvar
Valvopatia corrigida com material protético
res, encontradas em palmas e plantas), insuficiência
Antecedente de endocardite infecciosa
cardíaca, manchas de Roth (lesões pálidas e ovalares Valvopatia adquirida em paciente transplantado cardíaco
situadas na retina) e nódulos de Osler (lesões firmes, Cardiopatia congênita cianogênica não corrigida
elevadas, dolorosas, avermelhadas e de centro claro), Cardiopatia congênita cianogênica corrigida que evoluiu com
localizadas nas pontas dos dedos, palmas das mãos e lesão residual
planta dos pés. Cardiopatia congênita corrigida com material protético
O diagnóstico da EI é realizado com base no
quadro clínico, hemoculturas seriadas, num período
de 24 e 48 horas (em número de quatro a seis hemo-
Quadro 5-1.4 Procedimentos odontológicos e indicação de
culturas) e ecocardiograma. O prognóstico depende profilaxia de EI
de fatores como: virulência do micro-organismo in-
fectante, idade e estado geral do paciente, estruturas Indicada Não recomendada –
valvares envolvidas, duração da infecção, presença quaisquer pacientes que
de complicações. se submeterão aos
Certas cardiopatias estão associadas a endocar- procedimentos abaixo
dites mais frequentemente do que outras. Além disso,
Para pacientes com risco Anestesia local em tecido não
quando a endocardite se desenvolve em indivíduos
de El grave e que se infectado
com cardiopatias preexistentes, a gravidade da doença submeterão a Radiografia odontológica
e a morbidade subsequente podem ser variadas. procedimentos que Colocação ou remoção de
Cerca de 2/3 dos pacientes com EI apresentam envolvem a manipulação aparelhos ortodônticos
pelo menos um dos seguintes fatores de risco para de tecido gengival, região Colocação de peças em
aquisição dessa infecção: doença cardíaca estrutural, periodontal ou perfuração aparelhos ortodônticos
da mucosa oral Queda natural de dente decíduo
prótese valvar cardíaca, uso de drogas intravenosas, EI
Sangramento oriundo de trauma
prévia, HIV/AIDS, procedimentos invasivos intravas- da mucosa oral ou lábios
culares em ambiente hospitalar e hemodiálise. Pacien-
tes jovens com EI, em geral, são portadores de sequela
valvar de febre reumática, cardiopatia congênita ou
são usuários de drogas intravenosas. O maior número Um procedimento adequado para a profilaxia
de casos tem sido observado em idosos, pacientes ins- da endocardite bacteriana deve considerar a condi-
titucionalizados/hospitalizados e submetidos a proce- ção geral do paciente, o risco aparente de o procedi-
dimentos invasivos. mento causar bacteremia, possíveis reações adver-
Quanto às recomendações atuais para a profilaxia sas do agente antimicrobiano a ser empregado e, por
da EI, dois aspectos são fundamentais: fim, a relação custo-benefício do regime recomenda-
do. É prudente trocar informações com o médico do
1. Identificação de pacientes de alto risco para adqui- paciente ou com um cardiologista de confiança, o
rir EI e que tenham maior chance de evoluir com EI que transmitirá maior confiabilidade e segurança ao
grave (Quadro 5-1.3); paciente7.
2. Identificação de procedimentos odontológicos de Recomenda-se também a utilização de boche-
alto risco para bacteremia significativa (Quadro cho com solução de digluconato de clorexidina a
5-1.4). 0,2% por 1 minuto antes de cada procedimento.
Quadro 5-1.5 Esquemas medicamentosos de profilaxia para endocardite infecciosa antes de procedimentos
odontológicos
Criança Adulto
e) Os pacientes não compensados não devem ser sub- Além das mudanças físicas, que a preparam para
metidos ao tratamento odontológico. o parto e amamentação, acontecem algumas alterações
f) O tipo de anestésico a ser empregado no paciente fisiológicas importantes. A frequência cardíaca aumen-
acometido de diabetes mellitus é motivo de contro- ta na ordem de 10 batimentos/minuto a partir da 14a
vérsia entre alguns autores. Perusse et al.40, num até a 30a semana de gestação. A pressão arterial dias-
trabalho de revisão sobre as contraindicações de tólica pode diminuir discretamente e a sistólica, por
vasoconstritores em Odontologia, sugerem que os sua vez, aumentar levemente, a partir da 30a semana.
mesmos podem ser empregados com segurança na A capacidade respiratória vital se encontra aumentada,
maioria dos pacientes diabéticos em condições es- levando a maior consumo de oxigênio e aumento da
táveis. No entanto, pelos conhecimentos atuais do frequência respiratória7.
efeito hiperglicêmico da adrenalina, embora seja As alterações hormonais durante a gestação são
empregada em baixas concentrações, a maioria dos notáveis, tornando a mulher grávida uma pessoa mui-
autores reconhece que em pacientes diabéticos ins- to especial que, até mesmo pelas suas alterações psi-
táveis ou não compensados o uso de vasoconstrito- cológicas, poderá questionar todo e qualquer procedi-
res do grupo das catecolaminas deve ser evitado. mento proposto pelo dentista, com o instinto de prote-
Armonia & Tortamano9 sugerem utilizar como ro- ção ao futuro bebê, em especial quanto ao emprego dos
tina Citanest a 3% ou Citocaína a 3%, associado à raios X, anestésico ou outro medicamento.
felipressina, obedecendo às doses limites recomen- Assim se justifica que para o atendimento de uma
dadas para as distintas soluções anestésicas. mulher gestante, especialmente para a realização de
g) Quando for necessária a utilização de analgésico ou um tratamento endodôntico, algumas das seguintes
anti-inflamatório, recomenda-se nunca utilizar: ácido normas de conduta devem ser adotadas para maior se-
aceltisalicílico, sulfas, oxifenilbutazona e corticosteroide, gurança e tranquilidade de nossa paciente:
pois essas drogas aumentam a atividade de insuli-
na e dos medicamentos hipoglicemiantes; embora o 1. Relação entre dentista/médico/paciente
uso prolongado do corticosteroide provoque hiper- É extremamente interessante do ponto de vista
glicemia8. Nas situações onde a dor é de intensidade clínico e psicológico que haja uma interação amigável
leve a moderada, a dipirona ou o paracetamol são as entre os profissionais visando ao plano de tratamento
drogas indicadas7. odontológico e à avaliação risco/benefício dos proce-
h) Quanto à terapêutica antimicrobiana, em diabéticos dimentos que serão realizados e medicamentos neces-
cuja doença se encontra bem controlada, não há ne- sários. Esse procedimento, além de ético, dará maior
cessidade de se receitarem antibióticos previamente confiança à paciente4.
a qualquer procedimento odontológico.Tal conduta
só deve ser observada em pacientes descompensa- 2. Procedimentos
dos, apresentando cetoacidose sanguínea e cetonú-
ria (presença de corpos cetônicos na urina), situação A condição de gravidez não contraindica o trata-
mento endodôntico, mas por uma questão de bom sen-
na qual as funções dos neutrófilos se encontram di-
so é preciso avaliar previamente as condições da pa-
minuídas7.
ciente e o período de gestação, priorizando a princípio
o controle da dor e da infecção, programando para o
PACIENTES GESTANTES período pós-parto procedimentos mais invasivos como
cirurgias perirradiculares. O profissional deve otimizar
Ao atender uma gestante, o dentista se defronta
o tratamento para evitar o estresse da mesma, já agra-
com uma dupla responsabilidade, pois, além de pro-
vado pela situação especial da paciente.
porcionar um tratamento seguro para a mãe, deve
também se preocupar com a saúde do feto. Assim, o
atendimento desse grupo de pacientes requer certos 3. Época de atendimento
cuidados, especialmente com relação ao uso das solu- O primeiro trimestre é o mais crítico para o em-
ções anestésicas locais e a outros medicamentos. Além brião, pois, nessa época, estão se desenvolvendo os vá-
disso, devemos estar atentos às alterações psíquicas e rios órgãos, tornando-o mais vulnerável às agressões
fisiológicas dessa paciente, que passa por um momento teratogênicas e ao aborto, embora não haja evidências
ímpar em sua vida, momento de profundas mudanças efetivas de que a medicação ou o tratamento dentário
em toda a sua estrutura física e espiritual. causem abortos7.
172 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
O terceiro trimestre é o mais crítico para a gestan- o uso da radiografia. No entanto, o uso do aparelho
te, pois, nessa fase, pode ser encontrado um aumento de raios X convencional não deve ser motivo de pre-
entre 20 e 40% no seu débito cardíaco, além de um au- ocupação do profissional, embora ainda seja tema de
mento de 30% no seu volume sanguíneo. Em alguns muita angústia para a gestante, por falta de orientação
casos o feto pode exercer pressão sobre a veia cava in- e conhecimento. As radiações ionizantes são fatores
ferior, quando a mãe se encontra deitada, prejudican- sabidamente responsáveis por mutações genéticas. A
do o retorno venoso, gerando hipotensão e síncope46. quantidade de radiação para uma radiografia periapi-
Outro fenômeno que pode ser observado nesse perío- cal está muito aquém dos níveis nocivos. A maioria dos
do é a dispneia, que pode levar à hipoxia discreta das autores concorda que doses abaixo de 5 a 10 rads não
gestantes quando na posição supina. O mecanismo res- trazem qualquer prejuízo ao feto. A literatura registra
ponsável por essa alteração é o volume do conteúdo malformações com doses acima de 250 rads, antes de
abdominal pressionando o diafragma33. 16 semanas de gestação3. Para compararmos, em raios
O segundo trimestre constitui-se na melhor época X de abdome AP, a dose é de 0,05 a 0,1 rad, e em uma
para o atendimento da gestante, pois é o período em que panorâmica essa dose cai para 0,00015 rad1.
a organogênese está completa, o feto já está desenvolvi- Com tudo isso no atendimento às gestantes re-
do e a gestante já bem adaptada física e psicologicamen- comenda-se que as tomadas radiográficas devam ser
te. Segundo Andrade6, existe apenas o perigo de hipo- feitas apenas quando indispensáveis, que se utilize um
tensão postural se a paciente é tratada na posição supina fator de proteção como um avental com revestimento
e houver uma mudança brusca para a posição em pé. de chumbo e que se empreguem filmes ultrarrápidos
Por outro lado, devem ser consideradas em caráter que permitem um menor tempo de exposição.
de urgência, independentemente do período da gesta-
ção, as intervenções que tenham por objetivo controlar
6. Uso de medicamentos
a dor e remover focos de infecção, pois tem sido de-
monstrada a relação das infecções com a toxemia33,39. Segundo Bedran11, o efeito dos medicamentos so-
Sabe-se que a disseminação sistêmica de uma in- bre o feto depende de uma série de fatores, incluindo a
fecção (septicemia) é considerada teratogênica e pode quantidade de substâncias que o atinge e sua suscetibi-
ser apontada como uma das causas, em potencial, do lidade ao efeito das drogas (idade gestacional).
aborto espontâneo48. O principal mecanismo de passagem placentária
dos medicamentos é por difusão simples. A quantida-
4. Duração da consulta e posicionamento da de de substância que atinge o feto depende basicamen-
paciente te do peso molecular da droga, sua lipossolubilidade,
grau de ionização, ligação às proteínas, fluxo sanguí-
O atendimento à gestante deve ser de preferência
neo uteroplacentário e as condições das plaquetas44.
pela manhã com procedimentos otimizados e o menos
Quase nenhum fármaco é totalmente inócuo para
extenuante possível. É conveniente que a gestante não
o concepto, pelo que a conduta geral deve ser a de evi-
fique na posição supina, principalmente após o 6o mês
tar o uso de medicamentos durante a gestação.
de gestação, quando o feto pode exercer uma pressão
O efeito teratogênico com relação ao feto ou em-
sobre as veias abdominais, diminuindo o retorno ve-
brião tem uma relação direta com a dosagem e concen-
noso dos membros inferiores, predispondo a paciente
tração da droga, dependendo de vários fatores. Entre
à hipotensão postural. Convém que a paciente, ao tér-
eles podemos citar: época gestacional em que a droga
mino da consulta, fique sentada ou deitada pelo lado
é utilizada; via de aplicação da droga; solubilidade da
esquerdo por alguns minutos antes de assumir a posi-
droga; quantidade prescrita; peso molecular; doenças
ção em pé7.
maternas que poderão alterar a permeabilidade pla-
centária. São fatores que estarão influenciando direta-
5. Exame radiográfico mente a passagem ou não da droga pela placenta.
Embora a radiografia seja essencial para o trata- Em caso de necessidade, antes de prescrever, o
mento endodôntico, o avanço tecnológico de hoje nos dentista deve verificar se ele é considerado seguro na
permite obter imagem com o mínimo de radiação por fase da gestação. Deve também avaliar se a indicação
meio da radiografia digital. Os localizadores apicais medicamentosa é realmente indispensável, não poden-
eletrônicos também são excelentes recursos que possi- do ser substituída por um procedimento clínico que re-
bilitam a obtenção do comprimento de trabalho sem mova a dor ou infecção.
Diagnóstico em Endodontia 173
Dessa forma, Andrade7 não recomenda o uso de Todos os anestésicos, por serem lipossolúveis,
ansiolíticos em gestantes e em pacientes extremamente atravessam a placenta. A velocidade e a quantidade
ansiosas, devendo-se optar pela tranquilização verbal transferida são proporcionais ao tamanho das molécu-
ou outro método de condicionamento psicológico, evi- las e ao grau de ligação plasmática do anestésico na
tando-se o uso de agentes farmacológicos. Ainda se- circulação materna e aos tecidos da mãe. Assim, quan-
gundo o autor, quando houver uma indicação precisa to maior o grau de ligação do anestésico às proteínas
de analgésicos, deve-se empregar o paracetamol (500 a plasmáticas, maior é o grau de proteção ao feto41.
700mg) ou dipirona (500mg) , respeitando-se o limite de A escolha da solução anestésica local no tratamen-
três doses diárias, com intervalos de 4 em 4 horas, por to de paciente gestante ainda é muito controvertida,
tempo restrito. Os anti-inflamatórios não esteroides principalmente pela presença ou não do vasoconstri-
(Aines), assim como aspirinas, devem ser usados com tor. Há um consenso, porém, de que o anestésico local
muita precaução nos últimos 3 meses de gestação e por deve ser aquele que proporcione a melhor anestesia à
tempo restrito. Armonia & Tortamano9 contraindicam grávida.
esse tipo de medicamento, assim como as drogas mior- Segundo Little et al.33, a Associação de Cardiolo-
relaxantes. gia e o Conselho de Terapêutica Odontológica Norte-
Com relação ao uso de antibióticos, o procedi- Americano recomendam o uso de vasoconstritor em
mento mais adequado é remover a causa de infecção todos os anestésicos locais, pois há riscos no uso dessas
e evitar o uso dessa medicação. Quando houver indi- soluções sem ele. A anestesia pode não ser eficaz, além
cação do uso de antimicrobianos, deve-se optar pelas de seu efeito passar rápido demais. A dor resultante
penicilinas (penicilinas V ou amoxicilina), por serem pode levar o paciente ao estresse, fazendo com que
praticamente atóxicas, não causando danos ao organis- haja liberação de catecolaminas endógenas em quan-
mo materno e ao feto. Nos casos de alergia às penicili- tidades muito superiores àquelas contidas em tubetes
nas, a opção é a eritromicina sob a forma de estearato anestésicos e, consequentemente, mais prejudiciais.
em vez do estolato, que apresenta um maior potencial Os vasoconstritores são adicionados às soluções
hepatotóxico43. anestésicas locais com vistas a obter vantagens impor-
Em infecções mais graves recomenda-se o uso de tantes: prolongam a duração da anestesia, já que o va-
metronidazol (p. ex., Flagyl), associado às penicilinas, soconstritor diminui a velocidade de absorção do sal,
ou empregar a amoxicilina associada ao clavulanato de diminuindo assim sua toxicidade; permitem um cam-
potássio (p. ex., Clavulin) e optando pela clindamici- po operatório com menor sangramento nos procedi-
na para as pacientes alérgicas a penicilina. No entanto, mentos cirúrgicos em função da diminuição do calibre
o profissional sempre deve usar do bom senso e avaliar dos vasos com a vasoconstrição; promovem hemosta-
junto ao médico a relação risco/benefício quanto ao sia; aumentam a concentração local dos anestésicos, o
uso desses medicamentos. que permite uma anestesia mais profunda, reduzindo a
dose administrada. Essas características dos vasocons-
tritores promovem maior conforto ao paciente, pois a
7. Uso de soluções anestésicas locais maior efetividade anestésica evita o estresse provocado
A partir do momento em que o dentista decide pela dor e por injeções repetidas de anestésico local.
usar os anestésicos, ele se torna imediatamente res- No Brasil, atualmente, estão disponíveis para uso
ponsável por todas as implicações que venham surgir em Odontologia os seguintes sais anestésicos: prilo-
durante e após o procedimento clínico. Portanto, é im- caína, mepivacaína, bupivacaína, lidocaína e articaína.
portante, para a sua segurança e a do paciente, que co- Os vasoconstritores mais usados são: adrenalina, no-
nheça as propriedades, indicações e dose máxima per- radrenalina, levonordefrina, felipressina e fenilefrina.
mitida de cada um dos anestésicos locais disponíveis Que substâncias são mais indicadas para uso em ges-
no mercado. tante? É preciso conhecer um pouco mais sobre suas
Segundo Seavuzzi & Rocha43, devem ser observa- características para que possamos tomar uma decisão
dos os seguintes aspectos no uso de anestésicos locais consciente em benefício dos pacientes (gestante e feto)
em gestantes: técnica anestésica; quantidade da dose que estão sob nossos cuidados.
administrada; ausência/presença de vasoconstritor; Prilocaína – Entre os sais anestésicos, a prilo-
efeitos citotóxicos e possibilidade de causar problemas caína é o que apresenta menor percentual de ligação
no feto (quando ocorre a passagem da solução anesté- protéica (55%), o que permite uma maior proporção
sica por meio da placenta). de passagem pela placenta. Sabe-se que quanto maior
174 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
o grau de ligação do anestésico às proteínas plasmá- trações de 2% e 3%, sem vasoconstritor ou associa-
ticas na circulação materna, maior a proteção ao feto. do à adrenalina (1:50.000 e 1:100.000), noradrenalina
O metabolismo da prilocaína é hepático, produzindo (1:50.000) e fenilefrina (1:2.500)28.
metabólitos contendo ortotoluidina. Esses metabólitos, A princípio, os anestésicos sem vasoconstritores
se doses excessivas forem empregadas, podem oxidar são contraindicados, salvo em casos específicos, con-
a hemoglobina, transformando-a em metemoglobina e forme já relatado. No que se refere às associações com
tornando a molécula incapaz de transportar oxigênio, os demais vasoconstritores, a maioria dos autores pre-
desenvolvendo um quadro de cianose, redução da fun- coniza a utilização da lidocaína a 2% com adrenalina
ção cerebral, fraqueza, dispneia e cefaleia, fenômeno a 1:100.000 ou noradrenalina 1:50.000, respeitando o
chamado de metemoglobinemia7,43. limite máximo de dois tubetes por consulta7.
É importante destacarmos que a quantidade de Articaína – É um anestésico tão seguro e potente
metemoglobinemia formada é diretamente proporcio- quanto a lidocaína35, porém não há estudos conclusi-
nal à dose de prilocaína administrada. A dose máxima vos sobre sua ação em pacientes gestantes. Seu empre-
de prilocaína num indivíduo saudável de 60kg de peso go no Brasil teve início em 1999. Segundo Malamed48,
seria de 360mg, equivalente ao volume aproximada- a articaína também tem o potencial de produzir mete-
mente de seis a sete tubetes. Verifica-se assim que o moglobinemia, embora nos estudos realizados tenha
risco de metemoglobinemia se desenvolver numa pa- sido utilizada dosagem acima das empregadas em
ciente ambulatorial é muito difícil, desde que as doses odontologia.
sejam administradas nos limites recomendados. Vasoconstritores – Entre os principais utilizados
Entretanto, devemos estar atentos à possibili- em Odontologia, a adrenalina é o mais potente e um
dade de ocorrer uma injeção acidental intravascular dos mais empregados. Durante muito tempo seu uso
da solução anestésica, tornando o risco de uma mete- em gestante foi visto com desconfiança, pois se acre-
moglobinemia muito maior, que pode ser preocupante ditava que a adrenalina adicionada às soluções anes-
para o dentista, não somente em relação à mãe, mas tésicas locais poderia reduzir a frequência e a duração
principalmente ao feto7. Esse fato reforça a importância das contrações uterinas, dificultando o parto. Entre-
da aspiração prévia antes da injeção e de administrá-la tanto, ao entrar na corrente circulatória, a adrenalina é
lentamente para diminuir a ocorrência de concentração rapidamente biotransformada, não sendo seus efeitos
sanguínea excessivamente alta. cumulativos. É importante ressaltar que a adrenalina
A prilocaína apresenta ainda outro problema adi- e a noradrenalina são hormônios produzidos pelo or-
cional. Todas as soluções comercializadas no Brasil, ganismo, estando sempre presentes na corrente circu-
contendo esse sal anestésico, possuem em sua compo- latória. O estresse causado pela dor ou ansiedade pode
sição o vasoconstritor felipressina, que em altas doses provocar o aumento desses hormônios acentuadamen-
provoca contrações uterinas41. te, tornando-se mais lesivo à mãe e ao feto do que a
Mepivacaína – A duração e a profundidade des- presença desses vasoconstritores nas soluções anes-
se sal anestésico são excelentes. O grau de ligação às tésicas, sempre em concentrações muito diluídas. A
proteínas plasmáticas é de 77%, o que oferece uma boa adrenalina na concentração de 1:100.000 é atualmente
proteção ao feto. No entanto, o que restringe seu uso em o vasoconstritor mais indicado para uso com bastante
pacientes gestantes é sua velocidade de metabolização, segurança em pacientes gestantes, desde que se obser-
que no feto é de duas a três vezes menor que a da lido- vem a recomendação da técnica de injeção e a dosagem
caína. Como o sangue fetal tem menor quantidade de máxima recomendada (dois tubetes)24.
globulinas, a ligação proteica é de aproximadamente A noradrenalina na concentração de 1:50.000 tam-
50% daquela observada nos adultos. Em consequência, bém é recomendada por alguns autores9,21. Corrêa24,
tem-se mais anestésico livre na circulação, tornando-a no entanto, relata que ela pode ser mais preocupante
mais tóxica. que a adrenalina. Devido ao seu mecanismo de ação,
Bupivacaína – Esse sal anestésico tem alto grau ela pode causar aumento mais acentuado da pressão
de ligação com as proteínas plasmáticas da mãe, o que arterial e resistência vascular periférica, ocasionando
poderia supor ser uma excelente indicação para as ges- uma bradicardia reflexa, efeito indesejável não apenas
tantes. Entretanto, sua longa duração de ação (média às gestantes, mas a todos os pacientes.
de 6 a 7 horas) limita seu uso em pacientes grávidas. A felipressina não é contraindicada em pacientes
Lidocaína – É o anestésico mais utilizado em todo gestantes, mas deve ser evitada por sua semelhança
o mundo. Pode ser encontrado no Brasil nas concen- com o hormônio ocitocina, conforme já citado.
Diagnóstico em Endodontia 175
O vasoconstritor fenilefrina tem efeito ocitóxico, 15. Berbert A et al. Endodontia prática. São Paulo: Sarvier, 1980.
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a atenção do profissional, que deve realizar uma anam- 18. Caldeira CL, Abrão CV. Perspectivas atuais do diagnóstico
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saúde, temporário ou permanente, pode requerer pre- dontia - da biologia à técnica. 1a ed. São Paulo: Editora Santos,
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possa criar alguma dificuldade ao tratamento ou enfoque para o uso de anestésicos locais. J Bras Clin Odontol
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mesmo impedi-lo deve ser avaliada com critério e 22. Chernow B et al. Local Dental Anesthesia with Epinephrine.
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tiva é o encaminhamento a um profissional especiali- 23. Cohen S, Hargreaves KM. Caminhos da Polpa. Rio de Janeiro:
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Parte 2
Aspectos radiográficos de interesse endodôntico
Arlindo dos Santos Costa Filho • Márcia Valéria Boussada Vieira
Os raios X constituem peça fundamental no exer- cionais, filmes e técnicas de processamento, ainda
cício da Endodontia, visto que o profissional ligado a é o método mais utilizado no dia a dia da prática
essa especialidade é o que mais manuseia o aparelho, odontológica.
depois do radiologista, sendo necessário em todas as O processamento radiográfico, de acordo com a
fases do tratamento. Portanto, quanto mais o profissio- legislação vigente (Portaria SVS/MS 453), preconiza o
nal dominar os recursos que eles lhe oferecem, melho- uso de câmaras escuras portáteis opacas à luz, e, com
res serão os resultados. isso, o método tempo-temperatura precisa ser respei-
O tratamento endodôntico exige o uso da sensibi- tado. O tempo pelo qual o filme permanecerá imerso
lidade tátil como “extensão dos olhos”, aliada à habi- na solução reveladora é determinado de acordo com a
lidade e aos conhecimentos que se completam quando medida da temperatura do revelador. Para isso, uma
se adquire a capacidade de se extraírem das nuanças tabela de tempos de processamento, de acordo com a
radiográficas, limitadas pela bidimensionalidade, in- temperatura das soluções, deve ser consultada e tam-
formações necessárias à complementação do diagnós- bém precisa estar afixada no local destinado ao proces-
tico e tratamento. Por conseguinte, é inquestionável a samento das radiografias.
dependência das manobras endodônticas às tomadas Todas as radiografias deverão ser anexadas ao
radiográficas para que se atinja o objetivo, ou seja, o prontuário do paciente e constituem um documento
sucesso endodôntico. com valor legal. Desse modo, elas precisam ser ade-
A proposta desta seção é abordar alguns aspec- quadamente processadas, secas e acondicionadas em
tos da Radiologia na prática da Endodontia, sem, no cartelas apropriadas com a identificação do paciente e
entanto, ter a intenção de esgotar a relação existente o registro da data do exame.
entre esses temas. O foco é oferecer ao leitor uma re- Acreditamos que a grande evolução na Endo-
visão breve de alguns aspectos técnicos e filosóficos dontia será através da imagem, quando obtivermos
que poderão vir a contribuir para o êxito da inter- a imagem tridimensional da morfologia do elemento
venção endodôntica, já que a radiografia convencio- dentário, bem como da cavidade pulpar e dos forames
nal, que emprega equipamentos de raios X conven- e foraminas.
Diagnóstico em Endodontia 177
PRINCÍPIOS BÁSICOS
Variação angular
A ausência da noção de profundidade na radio-
grafia faz com que se lance mão de recursos calcados
no Princípio do Deslocamento de Imagens. A elucida-
ção de problemas é conseguida com novas radiogra-
fias obtidas utilizando-se Variações de Angulação do
Cilindro Posicionador, que podem ser horizontais ou
verticais.
Angulação horizontal
Refere-se à variação de direção dos feixes de raios
X, num plano horizontal, quando o cabeçote do apare-
lho se movimenta para a direita ou para a esquerda na Figura 5-2.1. Observe que na radiografia a raiz mesial apresenta
direção horizontal. duas linhas de terminação apical em níveis diferentes. Aplicando-se
a Regra do Objeto Bucal, o canal MV é aquele cuja linha terminal
apical se encontra mais acima, enquanto o canal ML tem a sua linha
Angulação vertical
terminal mais abaixo.
Refere-se à variação de direção dos feixes de raios
X, num plano vertical, significando que o cabeçote se
movimenta de cima para baixo ou vice-versa. LOCALIZAÇÃO DE CANAIS
Dentro dessas variações de angulação é que se
estabelece a regra de Clark8-20: “Objetos mais afasta- O reconhecimento e a localização de canais radi-
dos do cilindro posicionador (objeto linguopalatino) culares superpostos são facilmente obtidos mediante a
deslocam-se no sentido do deslocamento do cilindro aplicação da regra de Clark8 (Fig. 5-2.2).
posicionador.” Assim, o objeto mais próximo do cilin-
dro posicionador, consequentemente mais afastado do
filme, se desloca mais, enquanto o objeto mais distante
do cilindro posicionador ou mais próximo do filme se
desloca menos. Convém ressaltar que a regra de Clark
é aplicada rotineiramente na Endodontia. Nos Estados
Unidos esse fenômeno é conhecido pelo nome de Re-
gra do Objeto Bucal (SLOB – Same Lingual Opposite
Bucal). Algumas radiografias de molar inferior podem
apresentar a terminação apical dos canais de modo du-
plo, trazendo dúvidas quanto ao verdadeiro limite api-
cal radiográfico. Esse fenômeno é explicado na Regra
do Objeto Bucal (Fig. 5-2.1).
Figura 5-2.2. Incidên-
Indicações cia ortorradial no 1o pré-
molar superior. Presença
A aplicação dos princípios básicos e mais o co- nítida de dois canais ra-
nhecimento da anatomia da cavidade pulpar permitem diculares, evidenciados
pela incidência mesior-
localizar canais, entrada de canais com câmara pulpar
radial no mesmo dente.
atresiada, ápices radiculares da raiz palatina dos mo- Incidência ortorradial no
lares superiores encobertos pelo processo zigomático 1o molar inferior. Presen-
ou osso malar, visualização dos ápices das raízes vesti- ça de dois canais me-
bulares dos molares superiores, verificação do sentido siais evidenciada pela
incidência mesiorradial.
das curvas apicais, localização das perfurações radicu- Seta indicando provável
lares e reconhecimento da variação angular por meio presença de outro canal
do deslocamento da asa do grampo de isolamento12,13. na raiz distal.
178 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Elas podem ser localizadas nos pontos marcados por sionais tendem a extrair dados além do que a ima-
letras (V – vestibular, P – palatino, M – mesial e D – gem fornece; outros, ao contrário, pouco visualizam.
distal) ou nos quadrantes marcados por setas (mesio- É preciso ter sempre em mente a bidimensionalidade
vestibular, distorradicular, mesio-palatino ou disto-pa- da imagem e que o aparelho é específico para tecidos
latino). Bramante et al.5, em artigo publicado em 1980, duros9-28.
fizeram uma abordagem clara sobre o tema.
A localização pode ser possível mediante três
tomadas radiográficas: uma, ortorradial, e as outras, RADIOGRAFIA INICIAL E
mésio e distorradial, que deverão ser analisadas em ODONTOMETRIA
conjunto. Também chamada incorretamente de radiografia
Dois exemplos mostrados na Fig. 5-2.10A e B bas- de diagnóstico por alguns profissionais, é de grande
tam para o entendimento. valia, pois revela detalhes que ajudarão no diagnóstico
e no tratamento.
O aspecto da câmara pulpar pode requerer cuida-
INCONVENIÊNCIAS
dos adicionais quando da cirurgia de acesso. A forma
As radiografias ortorradiais são as que apresentam e diâmetro apical, bem como o raio de curvatura radi-
as imagens mais nítidas. A utilização da variação angu- cular nos darão indícios para a escolha do instrumento
lar horizontal e vertical pode trazer algumas inconveni- empregado na instrumentação apical. Canais extras ou
ências, como a perda de nitidez, deformação das raízes, parcialmente obstruídos, reabsorções dentárias, pre-
dificuldades na visualização do limite apical, na distin- sença de instrumentos fraturados no canal radicular e
ção do radiopaco e o radiolúcido, aumento, diminuição raízes com pequenos raios de curvaturas são situações
ou eliminação da área radiolúcida. A fim de evitar ou, que podem influenciar no plano de tratamento.
pelo menos, minimizar essas inconveniências é aconse- O uso de mais de um filme para o auxílio do
lhável utilizar a menor variação angular possível. diagnóstico é válido em certas situações. Brynolf6 afir-
ma que detalhes da interpretação radiográfica podem
aumentar 74 a 90% em relação a uma simples tomada
INTERPRETAÇÃO radiográfica, quando se usam três radiografias com an-
É fundamental que se estude a radiografia com o gulações diferentes.
auxílio de lupa (aumento mínimo de três vezes) e sob A imagem da radiografia inicial deve ser a mais
iluminação em negatoscópio. próxima do tamanho real do elemento dentário em
Os dados fornecidos pela película são muito li- questão, posto que é utilizada como base para a obten-
mitados, e a sua interpretação está, quase sempre, na ção do comprimento de exploração inicial (CEI) do ca-
razão direta do conhecimento clínico. Alguns profis- nal radicular (odontometria).
A B
Figura 5-2.10A. Diagrama mostrando uma perfuração radicular mesiovestibular. B. Diagrama mostrando perfuração radicular para distal da
raiz. (Esquema segundo Bramante et al.)5
Diagnóstico em Endodontia 181
A odontometria obtida por meio da radiografia é radiografia pode apresentar diferentes resultados,
denominada de método de Ingle13, que não é o único tais como:
disponível na Endodontia, mas que por sua simplici-
dade ganhou muita popularidade entre a maioria dos • A extremidade do instrumento aparece além do vér-
profissionais. A radiografia inicial deve ter o mínimo tice radicular. O comprimento do dente será, então,
de distorção. De posse dessa radiografia se toma o o do instrumento, deduzindo-se o da medida do
comprimento do dente, traçando uma reta paralela segmento que ultrapassou (medir esse segmento na
ao seu eixo em toda a sua extensão. A seguir, nessa radiografia).
reta projetamos duas linhas perpendiculares; uma, • A extremidade do instrumento coincide com o vér-
passando pelo ponto de referência oclusal/incisal, e tice radicular. Nesse caso, o comprimento do dente
a outra, passando pelo vértice do ápice radicular. A corresponde ao do próprio instrumento.
distância entre as linhas perpendiculares à reta é co- • A extremidade do instrumento está aquém do vér-
nhecida como comprimento do dente na radiografia tice radicular. Nessa situação, sugere-se que o com-
(CDR). Para canais radiculares retos ou com curva- primento do dente deverá ser aquele da medida do
turas suaves, uma medida correspondente a 2 mm instrumento somado à distância existente da ponta
menor que o CDR é transferida para um instrumento do instrumento ao vértice radicular.
tipo K de aço inoxidável como medida de segurança
(CEI). Para canais com curvaturas moderadas e acen- A seguir, em função do resultado obtido, é de-
tuadas, a medida correspondente ao CDR ou até mes- terminado o comprimento de trabalho (CT). O com-
mo acrescida de 2 a 3mm é transferida para o instru- primento de trabalho é obtido com a dedução de 1 a
mento endodôntico (CEI), o que é justificado porque o 2mm do vértice radiográfico do dente (comprimento
comprimento do segmento de um arco é maior do que do dente).
o segmento de uma linha reta. A seleção do primeiro O comprimento de trabalho do canal pode ser de-
instrumento é feita de acordo com o presumível diâ- terminado por meio de radiografias ou método eletrô-
metro do canal e com o comprimento do dente (CDR). nico. Entretanto, é necessário ressaltar que o método
O cursor é ajustado no comprimento (CEI), e o instru- eletrônico, embora eficiente, não permite a visualiza-
mento deve ser então introduzido no canal radicular ção da trajetória do instrumento no interior do canal
até o limitador de avanço (cursor) tocar o ponto de radicular. O profissional não pode ficar privado de
referência oclusal/incisal. uma imagem radiográfica que revele a trajetória de um
Nova radiografia é então obtida e, após seu instrumento endodôntico em toda a extensão do canal
processamento, o profissional fará uma avaliação radicular. O método eletrônico não deve ser usado iso-
da relação entre a extremidade do instrumento e o ladamente, mas sim combinado ao radiográfico (Fig.
vértice radicular. Nesse momento, a observação da 5-2.11A e B).
A B
Figura 5-2.11. Odontometria. A. Comprimento do dente na radiografia (CDR). B. Comprimento de trabalho (CT).
182 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
RESTRIÇÕES
As radiografias nem sempre revelam condições
patológicas perirradiculares apesar de muitas vezes
estarem presentes. Diversos trabalhos mostraram, por
meio de “lesões experimentais” criadas no osso espon-
joso e se estendendo aos limites da superfície do osso
cortical, que elas não são visíveis radiograficamente3,9,22.
Afirmam que essas lesões não são visíveis aos raios X
enquanto pequenas9,27.
Segundo Bender3, lesões mesmo enormes que
atinjam apenas o osso esponjoso não serão vistas na
radiografia, independentemente da sua espessura. A Figura 5-2.12. As setas indicam presença de linhas radiolúcidas,
visualização radiográfica não está diretamente relacio- oriundas das projeções do ligamento periodontal. A linha radio-
nada com o volume perdido de tecido calcificado. A lúcida do suposto canal radicular não faz contato com a câmara
quantidade de tecido envolvido necessária para pro- pulpar.
duzir lesão em nível radiográfico depende especifica-
mente da composição mineral por unidade de volume
de tecido. Assim, em tecido calcificado contendo um mineral. Assim, por causa da curvatura mandibular
elevado conteúdo mineral, basta uma pequena destrui- associada às diversas variações da espessura, são es-
ção dele para que haja visualização radiográfica. senciais diferentes tomadas radiográficas em diferen-
Entretanto, se o conteúdo mineral por unidade de tes angulações para facilitar o diagnóstico e adicionar
volume de tecido é baixo, como, por exemplo, o osso mais detalhes durante a prosservação.
esponjoso, uma grande quantidade desse tecido pre-
cisa ser destruída para que mudanças na radiografia
possam ser vistas. Além disso, um somatório de fatores ESTRUTURAS ANATÔMICAS
responsáveis pelo contraste radiográfico, tais como a Seios maxilares, fossas nasais, projeção do nariz
espessura da tábua cortical da mandíbula, as trabécu- ou do lábio, fossa canina, forame palatino anterior,
las, grossa da região endosteal e a fina da área medular espinha nasal, forame mentoniano, canais nutrientes,
central, pode fazer com que a lesão localizada no osso fossa mandibular, canal dentário e trabeculagem óssea
esponjoso não seja observada. são estruturas que não devem se prestar a confusões
Bender3 ainda chama atenção para a acentuada va- com lesões patológicas.
riação na espessura e curvatura das corticais no mesmo Uma estrutura que se pode passar por canal radi-
paciente. Desse modo, uma lesão com um determina- cular é a projeção do ligamento periodontal das raízes
do tamanho pode ser vista em uma região coberta por dos molares inferiores (Fig. 5-2.12).
um fino osso cortical, enquanto a mesma lesão em uma
região coberta por uma cortical mais espessa não será
observada. A lesão é prontamente visualizada radio- ÁREAS RADIOLÚCIDAS E RADIOPACAS
graficamente quando está no osso cortical ou próxima Essas áreas, quando próximas à região apical, po-
a ele, menos prontamente visualizada quando localiza- dem ser mal interpretadas, posto que estruturas ana-
da na região endosteal e ainda bem menos visualizada tômicas assim como lesões ósseas são confundidas, às
quando está na estrutura esponjosa. Não é o tamanho vezes, com lesões de origem endodôntica. As rarefa-
da lesão que produz a visualização radiográfica, a qual ções de origem endodôntica apresentam diversas ca-
está na dependência da percentagem de perda mine- racterísticas, mas duas são marcantes: a) a área radiolú-
ral dentro do trajeto do feixe central de raios X quando cida permanece junto ao ápice do dente quando se faz
perpendicular ao objeto. Isso pode ser mais bem expli- variação no ângulo horizontal; b) o dente se apresenta
cado quando uma mudança na angulação dos raios X sem vitalidade pulpar (Fig. 5-2.13).
ou na posição do objeto provoca um desaparecimento Um outro tipo de radiolucidez que pode estar
da lesão radiográfica no filme. presente é a cicatriz apical, resultado da cura de lesão
A tomada radiográfica em outro ângulo dá a im- perirradicular de origem endodôntica ou de cirurgia
pressão de diminuição da espessura óssea ou subtração perirradicular, cuja área não sofreu uma remineraliza-
Diagnóstico em Endodontia 183
TÉCNICA DO PARALELISMO –
LIMITAÇÕES
Essa técnica tem como característica básica a ma-
nutenção do filme paralelo ao plano do dente, forne-
cendo uma imagem praticamente sem distorções no
que concerne à forma e ao tamanho. Não é a técnica de
rotina dos endodontistas, pois dois fatores a limitam: é
pouco prática, pois necessita do uso de suportes posi-
cionadores do filme; exige um maior tempo de exposi-
ção devido ao aumento da distância focal em torno de
40cm4.
Figura 5-2.19. Superposição da asa do grampo aos ápices radi-
culares.
RADIOGRAFIA BITE-WING –
IMPORTÂNCIA
Ausência de nitidez apical e distorção da
Também é denominada de interproximal. Em
imagem alguns acessos complicados orienta o endodontista,
Dentes portadores de canais superpostos quando mostrando a relação assoalho-teto com um mínimo de
submetidos a radiografias excêntricas podem apresen- deformação. Auxilia na avaliação da direção dos ca-
tar pouca nitidez apical quando a variação do ângulo nais radiculares nos dentes posteriores e na observa-
horizontal excede a 20º25 (Fig. 5-2.20). ção da presença de nódulos de calcificação na câmara
Caso o dente esteja em giroversão é evidente que pulpar. Contribui para o planejamento de um aumento
não haverá necessidade de variação do ângulo hori- de coroa clínica, para permitir o isolamento absoluto,
zontal, bastando a tomada radiográfica ortorradial. O mostrando a altura das cristas ósseas interproximais.
comprimento de trabalho em molares superiores exe- Fornece informação sobre a relação de proximidade de
cutado nos três canais radiculares simultaneamente restaurações presentes, recidivas de cárie e proteções
pode ser inviável em uma única tomada radiográfica. pulpares com o teto da câmara pulpar (Fig. 5-2.21).
Os resultados são melhores quando a odontometria
dos canais vestibulares é obtida em separado, isto é,
NOVAS CONCEPÇÕES EM RADIOLOGIA
com mais de uma radiografia.
Outro fato que pode trazer prejuízo à nitidez api- Desde a descoberta dos raios X em 1895, o filme
cal é a pressão exagerada na película, tornando-a ar- foi o primeiro método para capturar, apresentar e ar-
queada18. mazenar imagens radiográficas. É uma tecnologia que
os cirurgiões-dentistas estão mais familiarizados e se
sentem mais confortáveis em termos de técnica e inter-
pretação.
Na clínica odontológica o filme intraoral conven- ma de sensor direto ser mais sensível à radiação que o
cional está por mais de um século na posição de um filme radiográfico convencional. Em comparação com
contribuinte importante e relevante de receptor de o filme Kodak Ektaspeed, a redução é de aproxima-
imagem, sendo a única opção. damente 60%24. Outras vantagens são a capacidade
A Odontologia passou por uma evolução e, em de manipular a imagem após a sua obtenção, a redu-
termos radiográficos, nos últimos anos também, pois a ção do tempo entre a exposição e a interpretação da
pesquisa avança continuamente e, no que diz respeito imagem, a capacidade eletrônica de arquivar clínica
ao progresso da tecnologia radiográfica, toda ela visa: e radiograficamente os dados num arquivo eletrôni-
a reduzir a dose de radiação ao paciente, aprimorar a co7 e, por último, a de dispensar os equipamentos e
qualidade da imagem, facilitar a obtenção da radiogra- soluções utilizadas no processamento dos filmes ra-
fia e diminuir o tempo gasto para sua confecção. Desse diográficos.
modo, surgiram algumas propostas inovadoras no ce- O sistema de radiografia intraoral digital (Radio
nário odontológico. VisioGraphy) foi introduzido no mercado internacio-
A partir da década de 1970, diversos estudos nal em 1987. Nesse sistema se utiliza um écran reforça-
passaram a propor nova tecnologia para videoobser- dor que transforma a radiação X em luz, onde um feixe
vação19, com a finalidade de solucionar ou diminuir prismático de fibras óticas transporta a luz a um detec-
os efeitos da radiação X, a radiografia intraoral digital tor CCD19. A maior parte dos estudos de avaliação des-
(Charge Couple Device – CCD), em que a quantidade se sistema envolveu dentes extraídos. Foram poucos
de radiação necessária por exposição era 80% menor os estudos in vivo1,11,15,21. Nesse sistema, a imagem pode
do que a utilizada anteriormente para a sensibiliza- ser alterada pela variação do contraste numa escala de
ção de um filme radiográfico (filme radiográfico D- cinza que vai de 1 a 33, revertendo a imagem escura em
speed)11,15. Atualmente diversos sistemas de radiogra- mais clara ou vice-versa11.
fia digital estão sendo comumente usados nas clínicas Entretanto, temos no mercado odontológico dois
odontológicas2. conceitos diferentes no que diz respeito à obtenção da
Nessa nova tecnologia se constatou que a com- imagem intraoral digital direta, os Sistemas CCD e os
binação dos detetores CCD com cintiladores, que são Sistemas de Armazenamento de Fósforo. Esses últimos
dispositivos utilizados para conversão dos raios X em surgiram em meados da década de 1990, e o lançamen-
luz (écran intensificador), foi sugerida como forma de to da tecnologia foi com o Digora (Soredex Orion Cor-
melhorar os detalhes visuais da imagem final obtida1. poration, Helsink, Finlândia), surgindo logo após ou-
A radiografia intraoral digital (CCD) utiliza a in- tros equipamentos comercialmente disponíveis dessa
formática e programas de imagens, possibilitando uma modalidade.
avaliação detalhada das áreas do filme, quando repro- Os profissionais que desejam incorporar e assi-
duzidas digitalmente, transformando dados numéricos milar essa tecnologia no dia a dia de trabalho preci-
da imagem digital analógica em pequenos quadrados sam acumular conhecimento profundo do assunto,
ou retângulos denominados pixel, e associa a cada um considerando as vantagens e desvantagens. Ao assim
deles um número que represente uma cor da imagem, agirem, os profissionais estarão aptos a realizar a es-
formando um conjunto de números que são avaliados colha do equipamento que irão adquirir, ajustando
e armazenados na memória de um computador23. sua opção à sua especialidade e às condições físicas
Dos diversos sistemas de radiografia digital, po- dos respectivos consultórios, e conscientes em reco-
demos destacar: Radio VisioGraphy (Trophy Radiolo- nhecer as limitações desse método radiográfico. Claro
gy, Toulouse, França)1,11,15,21; o Digora System, fabrica- está que essa informação precisará ser obtida na lite-
do pela Soredex, que utiliza placas de imagem fósforo- ratura especializada e nos cursos de educação conti-
fotoestimuláveis24. nuada em nível de atualização e pós-graduação sobre
Posicionados adequadamente o sensor intraoral o assunto.
e o tubo de raios X, o profissional pode com rapidez Como a radiografia convencional na prática endo-
observar a qualidade da imagem no vídeo e, se neces- dôntica ainda não foi substituída pela radiografia digi-
sário, corrigir a posição do sensor e a angulação do tal, essa parte deste capítulo foi elaborada para abor-
feixe de raios X, refazendo a imagem final21. A ima- dar os aspectos operacionais e as técnicas radiográficas
gem direta intraoral digital oferece, ainda, algumas convencionais.
vantagens sobre o filme radiográfico, como a baixa Cumpre acrescentar o aspecto legal que cerca as
dose de radiação por exposição, em razão de o siste- imagens da radiografia digital, uma vez que elas po-
Diagnóstico em Endodontia 187
dem ser alteradas na sua forma original com a aplica- 13. Ingle JS & Bakland KL. Endodontics. 4a ed. Philadelphia: Ed.
Lea & Febiger, 1994. 944 p.
ção de programas gráficos.
14. Langeland K. Curso sobre considerações biológicas em den-
Importante salientar que uma das grandes des- tística operatória. Associação Paulista de Cirurgiões Dentis-
vantagens da radiografia digital para o profissional tas, julho de 1979, apud Holland R e Souza V. Considerações
que trabalha no Brasil é o alto custo dos equipamentos clínicas e biológicas sobre o tratamento endodôntico. I – Tra-
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188 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Parte 3
Tomografia computadorizada como recurso
diagnóstico em Endodontia
Ricardo Affonso Bernardes
do aparelho, que tem tamanho similar ao do tomógrafo Quadro 5-3.1 Comparação entre os diferentes níveis de
dosagem de radiação
médico. O novo sistema de tomografia foi um grande
advento para diagnóstico26. Dose efetiva de Mínima Máxima
Arai et al.1 relataram o desenvolvimento de uma radiação (µSv)
TC com resolução cúbica superalta (Ortho-CT), carac-
terizada pelo tamanho pequeno do aparelho e pela Paciente submetido 20.000 – Anual
capacidade de produzir imagens em 3D de resolução 100.000 – 5 anos
alta. A tomada de imagens é realizada com o paciente 4.500.000 µSv = 4,5 Sv (letal)
sentado, em um aparelho semelhante ao da radiografia Contato com atmosfera 0,25 0,3 (anual)
panorâmica, com uso de 85kV e 10mA, usando filtro Rx periapical 1,1 5
fixo de 1mm, com tempo de exposição de 17 segundos Rx periapical (arcada) 33 84
e tempo de reconstrução em 3D de 10 minutos. A for- Panorâmica 15 66,7
mação da imagem é feita pela emissão de feixe cônico TC Convencional 1.200 3.300
de raios X centrado numa área que tem a reconstrução
TC Feixe Cônico 7 68
da forma de um cilindro com altura de 32mm e diâme-
Radiação cósmica
tro de 38mm, no qual é formada, após a rotação, uma (Viagem entre Paris e Tóquio) 150
imagem retangular com as mesmas dimensões do ci-
Diagnóstico em Endodontia 191
Figura 5-3.3. Forma de aquisição de imagem pelo tomógrafo Accuitomo 3DX e sua unidade mínima (voxel cubo de pixel com medida
lateral de 0,125mm).
Como incremento para pesquisa científica foi Vários trabalhos avaliaram molares superiores
desenvolvida a Microtomografia Computadorizada com a MTC após instrumentação e obturação do sis-
(MTC), sistema que é constituído de um aparelho tema de canais radiculares, onde foram observadas: a
portátil que possui uma fonte de emissão de feixe capacidade em exibir as morfologias externa e interna
cônico de raios X, com um tubo focal de tamanho dos dentes, sem a necessidade de sua destruição, com
menor que 8µm, ligado a um detector de radiografia cálculo das áreas de superfície e volumes de tecidos
com sistema fotográfico CCD (1.024 × 1.024 pixels antes e depois da instrumentação do canal2,17.
com 12-bit). Esse sistema é interligado por uma fibra Balto et al.2 avaliaram o uso da MTC quanto à
óptica a um cintilador radiográfico, tendo um filtro rapidez e quantificação de lesões não invasivas do
automático de 25% de reconstrução controlado por osso perirradicular comparadas à análise histológica.
um computador. Os espécimes são rotacionados a Os resultados mostraram uma correlação altamente
180o no eixo vertical e rotação simples de 0,9o, sendo significante entre a MTC e o resultado da análise mi-
o algoritmo de reconstrução rápido, em torno de 5 croscópica, confirmando a utilidade da MTC para a
segundos, permitindo cortes em tamanhos de 100 a quantificação precisa das mudanças na arquitetura
200µm. Diversos estudos relatam o uso e aplicação óssea, em espécimes pequenos. A MTC também foi
na Endodontia da MTC (Fig. 5-3.5). utilizada com o objetivo de determinar a frequência
192 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-3.4. Imagem formada nos três planos – axial, sagital e coronal – pela TC de feixe cônico (Accuitomo 3DX).
e a extensão de reabsorções radiculares apicais as- dos artefatos metálicos, além de possibilitar o diag-
sociadas a lesões perirradiculares, onde concluíram nóstico com mais detalhes.
que a MTC pode ser considerada ferramenta para Diversos trabalhos científicos têm-se baseado
estudar reabsorções. nesse novo tipo de tomógrafo, e muitos aparelhos
A MTC também apresentou excelentes resulta- foram desenvolvidos com a utilização dessa nova
dos na análise da anatomia interna dental, conforme tecnologia. No Brasil existem os seguintes apare-
demonstrado no Atlas de Anatomia 3D de Brown e lhos: 3D Accuitomo-FPD (J. Morita Manufactu-
Herbranson. ring, Kyoto, Japão) (Fig. 5-3.6); NewTom QRV 9000
Em especial para a Endodontia, a TCCB repre- (Quantitative Radiology, Verona, Itália) (Fig. 5-3.7);
sentou uma modificação nos conceitos de diagnós- o i-CAT (Xoran Technologies, Ann Arbor, Michi-
tico, não só pela baixa dosagem de radiação, como gan/Imaging Sciences International, Hatfield, PA,
também pela excelente qualidade diagnóstica e pela EUA) (Fig. 5-3.8).
possibilidade de obtenção e manipulação de ima- Desde 1998 até os dias atuais, aperfeiçoou-se
gens 3D com melhor visualização das estruturas a tecnologia desses aparelhos, diminuiu-se o cus-
anatômicas, com formação de imagens com adequa- to para aquisição do equipamento e aumentou-se
da geometria e contraste, diminuição significativa a quantidade de aparelhos disponíveis para a rea-
Diagnóstico em Endodontia 193
Figura 5-3.5. Microtomógrafo Computadorizado SkyScan 1172 Figura 5-3.7. Aparelho NewTom QRV 9000. (Quantitative Radiolo-
High-Resolution Micro-CT (http://www.microphotonics.com). gy, Verona, Itália.)
Figura 5-3.6. Aparelho Accuitomo-3DX. (J. Morita Manufacturing, Figura 5-3.8. Aparelho i-CAT. (Xoran Technologies, Ann Arbor, Mi-
Kyoto, Japão.) chigan/Imaging SciencesInternational, Hatfield, Pa, EUA.)
lização dos exames. Hoje, a grande preocupação sentado, o NewTom 9000 VG. A empresa Siemens
das empresas é criar tomógrafos que utilizam a lançou nesse mesmo ano um tomógrafo portátil,
tecnologia do feixe cônico, semelhantes ao i-CAT o Siremobil, como também a Hitachi lançou o CB
e Accuitomo, que permitem a realização do exame MercuRay (Hitachi Medical Corp, Chiba-ken, Ja-
com o paciente sentado, possibilitando, dessa for- pão). A empresa japonesa J. Morita melhorou a tec-
ma, manter a posição natural da cabeça na aquisi- nologia de seu tomógrafo Accuitomo-3DX com o
ção da imagem. Em 2007, a Quantitative Radiology aparelho Accuitomo-FPD.
(Verona, Itália), que fabrica o NewTom 9000 QRV, O Quadro 5-3.2 mostra os detalhes e diferenças
lançou um tomógrafo com a tecnologia do feixe cô- entre cada de tipo de aparelho existente no mercado
nico que permite realizar o exame com o paciente nacional.
194 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Quadro 5-3.2 Detalhes e diferenças entre cada de tipo de aparelho disponível no mercado nacional.
Adaptado de Danforth et al.10
Tipo Rx Seccional Feixe Cônico Feixe Cônico Feixe Cônico Feixe Cônico
Sensor Captura Linear Área (CCD) Área (FPD) Área (CCD) Área (FPD)
Posição Paciente Deitado Deitado Sentado Sentado Sentado
Tempo Aquisição Minutos 36s 10-40s 17s 17-s
Área de imagem Corpo inteiro 130 x 130 a 220 x 250mm 110 x 110 a 170 x 170mm 40 x 30mm 60 x 60mm
Secção de imagem 1mm 0,2 a 0,4 0,2 a 0,4 0,125 a 2 0,125 a 2
Dose Radiação(µSv) 1.200-3.300 50 34 a 68 7 7
Figura 5-3.9. Comparação de imagens pelas TCs com diferentes aparelhos. (Gentileza do Dr. Bruno Azevedo.)
Na comparação dos aparelhos, todos permi- ou cirurgia, a TCCB pode assumir aspecto de suma im-
tem uma melhor qualidade diagnóstica em relação portância para a Endodontia (Figs. 5-3.10 a 15).
às radiografias e TC helicoidal. Porém, o conforto
proporcionado ao paciente está diretamente relacio-
nado com a posição (sentado) e a rapidez do exame, DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO DE
a menor área de imagem obtida, à menor dose de tratamento
radiação, e para o diagnóstico, quanto menor a sec- Para diagnóstico e planejamento de cirurgias, a
ção de corte que o aparelho produz, melhor será a TCCB permite visualização do elemento dental e sua
qualidade da imagem obtida (Fig. 5-3.9). relação com suas estruturas anatômicas circunvizinhas
Em função de suas qualidades, a TCCB Feixe como seio maxilar, forame mentoniano, canal alveolar
Cônico possibilita diferentes indicações e formas de inferior etc.36 (Figs. 5-3.16 e 17).
diagnóstico na Endodontia4,5,8.
A B C
D E F
Figura 5-3.11. Localização de canal sem obturação na raiz distal do segundo molar inferior. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico
(Accuitomo3DX) da raiz distal. C. Corte mesial. D. Notar a presença do 4o canal. E. Radiografia para comprovação do 4o canal. F. Radiografia
de prosservação.
196 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
A B
C D
Figura 5-3.12. Diagnóstico: falta de obturação do canal radicular e desvio. A. Radiografia periapical. B. Tomografia (Accuitomo3DX) com
extensão da lesão. C. Corte tomográfico para diagnóstico da falta de obturação de canal radicular e desvio. D. Radiografia periapical do canal
retratado.
A B C
Figura 5-3.13. Diagnóstico de anastomose do nervo alveolar inferior com lesão perirradicular. A. Radiografia periapical após desobstrução
do canal radicular e da medicação, a dor não cessava. B, C. Detalhe da extensão na TC com Accuitomo da lesão que fazia contato com rami-
ficação do nervo alveolar inferior. (Gentileza do Dr. José Ribamar Azevedo.)
Diagnóstico em Endodontia 197
A B
A B
B C D
Figura 5-3.16. Diagnóstico de lesão e distâncias para cirurgia perirradicular. A. Radiografia panorâmica. B. Radiografia periapical. C. Corte
tomográfico com extensão da lesão e distância para o forame mentoniano. D. Radiografia de prosservação após 1 ano.
Figura 5-3.17. Distância do material obturador extravasado para o nervo alveolar. Imagem do aparelho NewTom 9000. (Gentileza do Centro
Radiológico 3a Dimensão Brasília – DF.)
B C D
Figura 5-3.18. Diagnóstico de lesões perirradiculares. A. Radiografia panorâmica, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no
dente 11. B. Radiografia periapical, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no dente 11. C, D. Cortes tomográficos (Accuitomo)
com visualização da lesão perirradicular no dente 11.
a obturação, perdas ósseas, perda da continuidade do tadas, são preenchidas por um novo cemento e regula-
ligamento periodontal e halos radiolucentes22,33. Porém, rizadas. Nessas áreas há nova camada cementoblástica
as tomografias, principalmente a TCCB, por apresenta- e reinserção de fibras periodontais, restabelecendo-se
rem imagens com qualidade em 3 dimensões, mostram assim a função local. Nos estágios iniciais, as lesões
melhor capacidade em diagnosticar e visualizar fratu- são microscópicas e não detectáveis radiograficamen-
ras radiculares4,5,20,22 (Figs. 5-3.19 a 22). te. “A detecção precoce de lesões iniciantes durante o
tratamento ortodôntico é essencial para minimizar os
Diagnóstico de reabsorções radiculares danos resultantes da progressão desse processo se a
Freitas15 relatou que “a reabsorção radicular ex- causa não for removida”15. Todavia, a detecção de rea-
terna é um fenômeno que pode ser induzido por vá- bsorções em estágios iniciais por meio de radiografias
rios fatores etiológicos independentes, ou seja, agindo é extremamente difícil13-15,19,37.
cada um isoladamente, não se caracterizando como Nesse mesmo estudo, Freitas15, comparou o diag-
uma lesão multifatorial, expressão que transmite a ne- nóstico das reabsorções dentárias utilizando dois tipos
cessidade de ação conjunta e simultânea deles”. A re- de exame: radiografia periapical e TCCB (tomógrafo
absorção radicular tem seus mecanismos conhecidos e iCat). A amostra constituiu-se de 16 dentes anteriores e
esclarecidos, caracterizando-se por se paralisar assim da descrição clínica de 20 exames tomográficos de feixe
que sua causa, devidamente identificada, seja removi- cônico. Nos dentes anteriores foram analisadas as carac-
da. Do mesmo modo que controláveis, as reabsorções terísticas morfológicas da raiz dentária comparando a
dentárias são reversíveis, pois as lacunas de Howship, imagem da radiografia periapical e os cortes tomográfi-
que representam as irregularidades das superfícies afe- cos transversais oblíquos. Os resultados revelaram que a
200 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
A B C
Figura 5-3.19. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B, C. cortes tomográficos (Accuitomo), que mostram fratura no terço
médio da raiz distal.
A B
Figura 5-3.20. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B. Cortes tomográficos (Accuitomo) mostrando a fratura.
A B
A B C
Figura 5-3.24. Diagnóstico de reabsorção radicular com Accuitomo. A. Radiografia periapical do dente 11. B. Corte tomográfico do dente
11. C. Corte tomográfico do dente 21 (reabsorção radicular apical).
202 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
A B
C D E F
Figura 5-3.25. Diagnóstico de reabsorção radicular com aparelho iCat. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico indicando reabsorção
cervical externa. Reconstrução tridimensional da vista vestibular da região do dente 23 em C; com remoção do tecido ósseo em D; vista
mesial do dente 23 em E, vista palatina do dente 23 em F. (Gentileza da Dra. Patrícia Z. Freitas.)
Portanto, esse fato deve sempre ser levado em con- ficas, antes da indicação do recurso tomográfico como
sideração no momento do fechamento do diagnóstico. auxiliar de diagnóstico e, acima de tudo, considerar que
Daí ser importante correlacionar sinais e sintomas com os sinais e sintomas devem ser soberanos com relação à
o laudo tomográfico, conscientizar o paciente do fato e, decisão sobre o procedimento a ser realizado, pois nada
acima de tudo, a responsabilidade ética e profissional substitui a capacidade, o senso clínico e a acurácia do
deve ser soberana em decisões radicais (Fig. 5-3.26). profissional. O conhecimento e o uso de novas técnicas
A TCCB como uma nova ferramenta é um excelen- são parceiros de sucesso, porém, acima de tudo, devem
te recurso auxiliar do diagnóstico. Contudo, devem ser ser aliados à responsabilidade e respeito ao paciente, fa-
esgotados todos os recursos clínicos e técnicas radiográ- tores imprescindíveis para o êxito do tratamento.
A B C
Figura 5-3.26. Exemplo de artefato metálico produzido em TCCB. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico com sugestão de fratura.
C. Foto demonstrando ausência de sinais e sintomas.
Diagnóstico em Endodontia 203
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204 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
BOXE 5-3.1
Parte 1
Esterilização e desinfecção em Endodontia
Julio Cezar Machado de Oliveira • Flávio Rodrigues Ferreira Alves
Viena, Áustria, em 1846, era a capital do Império crepantes. Semmelweis se iniciou então nos estudos de
Austro-Húngaro, uma das principais cidades do mun- Anatomia Patológica e Medicina Legal na tentativa de
do nessa época. Ali havia um importante hospital, o identificar a causa de tantas mortes. Observou que as
Allgemeine Krankenhaus (hoje um hospital universi- pacientes apresentavam supurações extensas e que es-
tário), onde em uma de suas enfermarias obstétricas sas lesões eram semelhantes às de um colega médico
se observava um índice extremamente elevado de que se havia ferido durante a realização de um parto.
mortes decorrentes de infecção puerperal*. Curiosa- Logo depois, observou que um dos professores de Me-
mente, uma enfermaria vizinha apresentava índices dicina morreu após se ferir com o bisturi com o qual
de mortalidade dez vezes menores. A primeira enfer- fazia a necropsia de um dos casos de infecção puerpe-
maria era atendida por estudantes de Medicina e seus ral. Analisando a história da instituição, Semmelweis
orientadores. Por sua vez, a que apresentava baixos notou que o índice de mortalidade, paradoxalmente,
índices de mortalidade era atendida por parteiras. Um aumentou quando se iniciaram os estudos de Anato-
jovem médico húngaro, Ignaz Philipp Semmelweis, mia Patológica no hospital. Os médicos tinham como
foi contratado para trabalhar nessa enfermaria, e com rotina realizar as necropsias, onde mostravam aos seus
os conhecimentos da época não conseguiu encontrar alunos a aparência anatomopatológica dos cadáveres
explicação para esses índices de mortalidade tão dis- e, logo depois, se encaminhavam às salas de parto para
atender às gestantes. Semmelweis, então, encontrou
a solução para o enigma: algo era transferido de uma
∗ Infecção puerperal é um quadro febril que se caracteriza por ocorrer
pessoa para aquela que desencadeava a doença, prova-
pelo menos 24 horas após o parto e que tem como etiologia dominante velmente transportado pelos instrumentos cirúrgicos
a contaminação dos órgãos geniturinários da parturiente pelos e/ou pelas mãos dos operadores, isto é, instrumentos
procedimentos realizados antes e durante o parto. O tipo mais comum
de infecção puerperal é a endometrite, infecção no útero que, se não que mal eram limpos após cada procedimento e mãos
for corretamente tratada, evolui para infecção generalizada e óbito. que não eram sequer lavadas entre um procedimento
207
208 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
e outro. Semmelweis decidiu por conta própria, sem a já que as patologias endodônticas são, em essência,
autorização de seus superiores, afixar cartazes nas en- doenças infecciosas causadas por micro-organismos
fermarias com os seguintes dizeres: “A partir de hoje, (ver Capítulo 4). A eliminação dos micro-organismos
15 de maio de 1847, todo estudante ou médico é obri- do sistema de canais radiculares e as medidas volta-
gado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica, a das para a manutenção desse ambiente livre de micro-
lavar as mãos, com uma solução de ácido clórico*, na organismos constituem os principais fatores para um
bacia colocada na entrada. Esta disposição vigorará prognóstico favorável ao tratamento endodôntico28.
para todos, sem exceção.” Não devemos encarar a biossegurança apenas
No entanto, para os médicos da época, reconhe- como uma consciência individual do profissional,
cer que Semmelweis estava correto resultava em assu- mas sim como um compromisso coletivo de todos os
mir que haviam sido responsáveis pela morte de um membros da equipe, sendo o descaso de um o pre-
número incontável de mulheres. Esse fato, associado a juízo de todos.
questões pessoais e políticas, resultou na demissão de Os instrumentos endodônticos são classificados
Semmelweis e no não reconhecimento oficial de sua va- como críticos em razão de terem contato com tecido
lorosa contribuição para a ciência. Essa situação acon- conjuntivo e sangue2,29, requerendo, portanto, esterili-
teceu alguns anos antes que Robert Koch e Louis Pas- zação. O equipamento considerado como padrão para
teur estabelecessem a correlação entre doença e micro- a esterilização do material endodôntico é a autoclave.
organismos e, consequentemente, a relação entre sujeira Nessa seção apresentaremos os principais con-
e contaminação dos processos cirúrgicos. Ironicamente, ceitos que norteiam o controle de infecções na prática
Semmelweis morreu vítima de infecção generalizada em endodôntica, assim como as etapas e considerações do
1865, mesmo ano em que um cirurgião escocês chamado processamento dos artigos endodônticos.
Joseph Lister, que havia lido sobre as teorias do médico
húngaro, começou a ficar famoso ao obter os menores
índices de óbitos pós-cirúrgicos da Europa. Lister utili-
CONCEITOS
zava uma solução de fenol para a desinfecção das mãos, • BIOSSEGURANÇA – Condição de segurança alcan-
do instrumental e do ambiente cirúrgico. çada por um conjunto de ações destinadas a preve-
As décadas seguintes consolidaram as primeiras nir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às
medidas eficazes para fornecer as bases justificadoras atividades que possam comprometer a saúde huma-
dos protocolos de biossegurança hoje difundidos mun- na, animal e vegetal, ou o meio ambiente.
dialmente. Os conhecimentos acumulados pela Micro- • LIMPEZA – Remoção mecânica de sujidades com
biologia mostraram que a eliminação de todas as for- o objetivo de reduzir a carga microbiana, a matéria
mas microbianas não era obtida adequadamente pela orgânica e os contaminantes de natureza inorgâni-
utilização apenas de soluções desinfetantes, nem com ca, de modo a garantir o processo de desinfecção e
a fervura do instrumental cirúrgico, desenvolvendo-se esterilização e a manutenção da vida útil do artigo.
a esterilização em temperaturas mais elevadas, che- Deve ser realizada em todo artigo exposto ao campo
gando-se ao forno com 170ºC e às modernas autocla- operatório.
ves que trabalham com umidade a altas temperaturas • DESINFECÇÃO – Processo físico ou químico que
sob pressão. Descobriu-se que mesmo a lavagem das elimina a maioria dos micro-organismos patogêni-
mãos não garantia a proteção do ambiente cirúrgico e cos, com exceção de esporos bacterianos, de objetos
do próprio operador contra infecções, e se desenvolveu inanimados e superfícies.
o recurso das luvas cirúrgicas. • ESTERILIZAÇÃO – Processo que visa destruir ou
Dentro deste contexto, o controle de infecções na eliminar todas as formas de vida microbiana presen-
prática endodôntica assume especial interesse, pois, tes por meio de métodos físicos ou químicos.
além dos riscos biológicos do próprio trabalho odon- • ANTISSEPSIA – Processo físico-químico que elimi-
tológico, o ambiente endodôntico ora é rico em tecido na a maioria dos micro-organismos patogênicos,
conjuntivo e sangue, ora em micro-organismos. Não é com exceção de esporos bacterianos, de superfícies
somente uma questão de controlar e prevenir os riscos expostas do corpo humano.
inerentes à atividade clínica, mas também uma questão • ASSEPSIA – Prevenção de contaminação por micro-
que influencia diretamente o sucesso dos tratamentos, organismos. Inclui condições estéreis em tecidos,
materiais e em salas, obtidas por exclusão, remoção
*Soluções diluídas de ácido clorídrico, fonte de cloro. ou destruição de micro-organismos.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 209
Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador
(continua)
Preparação para o Tratamento Endodôntico 211
Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador
(continuação)
Informações obtidas dos Avaliam o ciclo de esterilização, Realizado utilizando-se tiras de papel
mostradores dos equipamentos: pela mudança de cor, na presença da impregnadas por esporos bacterianos do
Temperatura, pressão e tempo. temperatura, tempo e vapor saturado, gênero Bacillus, capazes de crescer em
conforme o indicador utilizado. Podem ser temperaturas nas quais as proteínas são
usados indicadores de processo, teste desnaturadas.
Bowie-Dick, de parâmetro simples,
multiparamétrico, integrador e emuladores. O
mais comum indicador químico é a fita adesiva
para autoclave, indicando que a temperatura
selecionada para esterilização foi atingida em
algum momento.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 213
OBSERVAÇÕES QUANTO AO
PROCESSAMENTO DE ARTIGOS
SUJEITOS A CORROSÃO
A autoclavação pode determinar o aparecimen-
to de corrosão em alguns instrumentos endodônticos.
Um exemplo típico desse problema é a corrosão de
brocas de baixa rotação fabricadas em aço carbono.
Segundo o Ministério da Saúde, a corrosão em ins-
trumentos odontológicos pode ser removida, desde
que não comprometa a utilização do artigo, por meio
de soluções ácidas pré-aquecidas, seguindo as orien-
tações do fabricante. Entretanto, ressalta-se que não
Figura 6-1.3. Autoclaves para uso odontológico. devem ser utilizados produtos e objetos abrasivos2.
(Para aspectos particulares quanto à corrosão de li-
mas endodônticas ver Capítulo 9.)
ESTERILIZAÇÃO DOS CONES DE PAPEL 12. Holland R, Bernabé PF, Nagata MJ, Mitsuda ST. Métodos de
esterilização dos cones na Endodontia – influência do mé-
Embora a esterilização de cones de papel absor- todo de esterilização dos cones de papel e de guta-percha
no comportamento do tecido conjuntivo subcutâneo do rato.
vente seja possível no ambiente clínico por meio de
RGO, 1990; 38: 133-7.
métodos físicos e químicos, empregando-se calor se- 13. Hurtt CA, Rossman LE. The sterilization of endodontic hand
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Preparação para o Tratamento Endodôntico 215
Parte 2
Anestesia em Endodontia
José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes
Um dos conceitos arraigados na população em de técnicas e agentes anestésicos, bem como o manejo
geral se refere à concepção de que o tratamento odon- de casos especiais. Para mais detalhes sobre técnicas e
tológico, e em particular o endodôntico, é doloroso. A agentes anestésicos o leitor deve consultar obra inteira-
associação entre dor e o cirurgião-dentista assume às ve- mente dedicada ao assunto22.
zes proporções exageradas e insensatas que contribuem
para uma visão distorcida da profissão. Tal visão é cal-
cada em experiências que remontam à época em que a Requisitos para a técnica anestésica
Odontologia realmente não dispunha de métodos efica-
Devem ser observados os seguintes critérios para se
zes para tratar sem dor (especialmente em casos de in-
considerar uma técnica anestésica de grande utilidade:
flamação), sendo então perpetuada pela crença popular
e, até mesmo, pela conivência e contribuição de alguns
• deve prover profundidade adequada de anestesia;
profissionais mal informados ou mal preparados.
• o tempo de latência deve ser rápido;
De fato, na atualidade, o desenvolvimento de
• a duração deve ser suficiente para a execução dos
anestésicos e de técnicas eficazes permite a execução
procedimentos;
de todo e qualquer tipo de tratamento odontológico de
• o desconforto durante e após a injeção não deve
forma indolor. A anestesia local bem-sucedida confere
ausência total de sensibilidade, o que na grande maio- existir ou pelo menos ser mínimo;
ria das vezes é de vital importância para a execução • a injeção deve ser segura para a polpa e para o perio-
satisfatória de uma intervenção voltada para a remo- donto;
ção do fator etiológico da doença a ser tratada, além de • a técnica deve ser segura para o paciente em geral,
reduzir drasticamente os níveis de estresse tanto para sem expô-lo a maiores riscos.
o paciente quanto para o profissional.
Anestésicos locais são basicamente utilizados em Características dos agentes anestésicos
Endodontia para a obtenção de três efeitos16:
A potência intrínseca de um agente anestésico lo-
a) anestesia durante o procedimento endodôntico; cal é determinada por sua lipossolubilidade. Quanto
b) hemostasia durante procedimentos cirúrgicos; maior o seu coeficiente de partição óleo/água, maior
c) controle da dor pós-operatória. será sua potência.
A duração da anestesia é ditada pelo grau de li-
O objetivo deste capítulo é discutir vários aspectos gação a proteínas apresentado pelo agente anestésico
da anestesia em Endodontia, incluindo as indicações (Quadro 6-2.1). Anestésicos que apresentam grande
afinidade aos componentes proteicos da fibra nervo- promovido pela lidocaína. Além disso, a bupivacaína
sa têm menor probabilidade de se difundir para além também apresenta efeito pós-analgésico, o que usual-
do local da injeção e de serem absorvidos pela corren- mente dispensa o emprego de analgésicos potentes no
te sanguínea. Por conseguinte, permanecem por um pós-operatório imediato2,33.
tempo maior no local, aumentando assim a duração do
efeito anestésico.
A constante de dissociação (pKa) representa
Anestesia indolor
o pH, no qual as formas ionizadas e não ionizadas Além do fato de que a anestesia deve ser eficaz,
de um agente anestésico estão em equilíbrio (Qua- também é de extrema relevância a aplicação indolor.
dro 6-2.1). Apenas a forma não ionizada consegue Existem várias medidas propostas para se reduzir o des-
atravessar a bainha de mielina e a membrana nervo- conforto gerado durante a injeção do anestésico. Algu-
sa, penetrando assim na fibra nervosa e bloquean- mas medidas apresentam um caráter empírico, enquan-
do a propagação do impulso nervoso. O pKa de um to outras têm eficácia clínica realmente comprovada.
anestésico determina seu tempo de latência. Quanto O emprego de anestésicos tópicos na mucosa da
mais alto seu valor, menor a proporção de formas área a ser injetada tem sido prática comum na clínica
não ionizadas, indicando que o tempo de latência do odontológica (Fig. 6-2.1). Todavia, a eficácia dos anes-
agente anestésico será maior. Consulte o Boxe 6-2.1 tésicos tópicos em aliviar a dor da injeção é controver-
para mais detalhes sobre o mecanismo de ação dos sa. Talvez, o aspecto mais importante relacionado com
agentes anestésicos locais. o seu uso não seja tanto a diminuição da sensibilidade
A associação do anestésico com um vasoconstri- da mucosa, mas a demonstração de que tudo está sen-
tor reduz temporariamente a circulação local nos te- do feito pelo profissional para prevenir a ocorrência
cidos, retardando, assim, a remoção do anestésico20, de dor. Outro fator envolvido é o poder de sugestão
o que aumenta a eficácia e a duração da anestesia. de que o anestésico tópico irá reduzir a dor da injeção.
Uma outra vantagem é que o vasoconstritor pode Ambos os fatores introduzem um efeito placebo que
reduzir o sangramento durante um procedimento pode realmente funcionar na maioria dos pacientes.
cirúrgico. O uso de anestésicos pré-aquecidos não tem demons-
trado eficácia em aliviar a dor da injeção. Os diferentes
calibres das agulhas comumente usadas em odontolo-
Agentes anestésicos a serem utilizados em
gia (gauge 25, 27 ou 30) também parecem não influen-
endodontia ciar a incidência de dor durante a injeção53.
A solução recomendada para ser utilizada é a lido- A injeção lenta da solução permite a distribuição
caína a 2% com 1:100.000 de epinefrina como vasocons- gradual nos tecidos sem pressão dolorosa. A injeção
tritor. Todavia, um estudo demonstrou que a prilocaína deveria idealmente levar aproximadamente 1 minu-
a 4% e a mepivacaína a 3%, um agente anestésico que to por tubete. Tal conduta é significativamente eficaz
não requer o emprego de vasoconstritor, apresentaram em reduzir a dor da injeção. Sistemas computadoriza-
a mesma eficácia que a lidocaína a 2% com epinefrina dos para aplicação controlada de anestesia têm sido
a 1:100.000 na anestesia pulpar após bloqueio do nervo disponibilizados no comércio. Exemplos de sistemas
alveolar inferior23. atualmente disponíveis incluem CompuDent/Wand
Anestésicos de longa duração, como a bupiva- (Milestone Scientific), Comfort Control Syringe (Mi-
caína e a etidocaína, podem ser utilizados em casos dwest Dentsply) e QuickSleeper (Dental Hi Tec) (Fig.
de consultas extensas, de cirurgia perirradicular ou 6-2.2). São equipamentos que requerem maior espa-
quando há risco de flare-ups. Todavia, nem todos os ço operacional, mas têm boa receptividade por parte
pacientes desejam se submeter à dormência labial por dos pacientes. Embora os resultados quando com-
longos períodos, devendo ser consultados quanto às parados às técnicas tradicionais no que tange à dor
suas preferências. Dos anestésicos de longa duração, a da injeção sejam promissores, os dados no geral são
bupivacaína a 0,5% com epinefrina a 1:200.000 tem sido conflitantes28,30,38.
bastante recomendada. A anestesia pulpar com a bupi- A vibração dos tecidos moles (lábios ou bochecha)
vacaína pode levar mais tempo do que com a lidocaína durante a inserção da agulha, com os dedos da mão
para ocorrer (tempo de latência), mas apresenta dura- que não está segurando a seringa, desvia o foco de
ção de aproximadamente 5 a 9 horas, o que representa atenção do paciente, o que também ajuda a amenizar a
praticamente duas a quatro vezes o tempo de duração sensação da injeção.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 217
BOXE 6-2.1
A membrana nervosa é o sítio onde os anestésicos lo- • Articaína a 4% com epinefrina 1:100.000 ou
cais exercem sua principal ação farmacológica. Das várias 1:200.000
hipóteses propostas para explicar o mecanismo de ação Obs.: Nos bloqueios regionais, a articaína está associada
dos anestésicos locais, a mais aceita é a teoria do receptor a parestesias mais prolongadas.
específico. Segundo ela, a forma não ionizada dos anesté- 2. Tratamentos endodônticos cujas sessões de atendi-
sicos locais atravessa a membrana do axônio, penetrando mento são muito prolongadas ou no caso das cirur-
na célula nervosa onde se liga a receptores específicos gias perirradiculares.
nos canais de sódio, reduzindo ou impedindo a entrada • Bupivacaína a 0,5% com epinefrina 1:200.000 (nas
desse íon na célula. Isso resulta no bloqueio da condução técnicas de bloqueio regional promove, em média,
nervosa e, consequentemente, da percepção da dor. anestesia dos tecidos moles em torno de 7 horas).
Obs.: A critério do endodontista, podem ser empregadas
duas soluções anestésicas distintas na mesma sessão de
atendimento (p. ex.: lidocaína + articaína, lidocaína +
bupivacaína etc.).
disso, o nervo milo-hióideo pode fornecer inervação Gow-Gates13,14,25, que afeta todo o nervo mandibular
acessória para os molares inferiores. Tal probabilidade com suas ramificações, e a de boca fechada de Akinosi1,
varia de 10 a 20% dos casos e pode parcialmente explicar que afeta o alveolar inferior. Tais técnicas não são su-
o fracasso do bloqueio do alveolar inferior11,41. Todavia, periores à convencional de bloqueio do nervo alveolar
o índice de fracasso do bloqueio excede a incidência de inferior, além da dificuldade de serem aplicadas. Toda-
inervação acessória dos molares inferiores. via, podem ser empregadas em pacientes com proble-
Uma excelente alternativa para anestesia dos den- mas que impedem o uso da técnica convencional, como
tes anteriores é o bloqueio do nervo incisivo (segmento em casos de trismo ou tumefações difusas.
anterior do nervo alveolar inferior) através da injeção
de cerca de 0,5mL dentro do canal mandibular via fo- Anestesia maxilar
rame mentoniano. Nesses casos, é recomendável tam-
A anestesia maxilar é usualmente mais previsível
bém complementar com uma injeção infiltrativa por
do que na mandíbula. A anestesia infiltrativa utilizada
vestibular ao nível do ápice do dente envolvido.
isoladamente apresenta alto índice de sucesso em toda
a arcada, razão para ser a preferida para anestesia dos
Medidas alternativas em caso de fracasso da dentes superiores (Fig. 6-2.5). Com esse tipo de injeção,
anestesia mandibular a anestesia pulpar ocorre em 3 a 5 minutos, mas em
molares pode demorar mais. A duração é de aproxi-
A anestesia infiltrativa por vestibular ou lingual,
madamente 30 a 60 minutos. Uma pequena quantidade
quando utilizada isoladamente, não é muito eficaz
de anestésico deve ser injetada na região palatina dos
para a anestesia de dentes inferiores anteriores ou pos-
dentes para aplicação do isolamento absoluto.
teriores. Contudo, como suplementar à alveolar infe-
rior tradicional, a anestesia infiltrativa por vestibular
Medidas alternativas em caso de fracasso da
aumenta o sucesso da anestesia pulpar dos dentes an-
teriores (Fig. 6-2.4).
anestesia maxilar
O volume ideal de lidocaína a 2% com epinefrina Em casos de anestesia infiltrativa, o aumento do
necessário para induzir o bloqueio adequado do alveo- volume de anestésico de um para dois tubetes reforça a
lar inferior é de cerca de 2mL (aproximadamente um eficácia e a duração da anestesia pulpar.
tubete de 1,8mL). O aumento do volume anestésico de O bloqueio do nervo alveolar superior posterior
um para dois tubetes não aumenta o sucesso da anes- anestesia os 2os e 3os molares e, usualmente, os 1os mo-
tesia pulpar com o bloqueio do nervo alveolar inferior, lares. A infiltrativa por mesial (próximo ao ápice da
particularmente quando os sintomas clássicos de anes- raiz mesiovestibular) às vezes se torna necessária para
tesia são relatados pelo paciente. a anestesia adequada dos 1os molares superiores21. O
Existem técnicas alternativas ao bloqueio con- bloqueio do nervo alveolar superior posterior pode ser
vencional do nervo alveolar inferior – a técnica de empregado quando é desejado que sejam anestesiados
todos os molares.
O bloqueio do nervo infraorbitário resulta em (gauge 25, 27 ou 30) também não influenciam o suces-
dormência labial, mas que não indica necessariamente so da técnica52.
anestesia das polpas dos incisivos. Ele é mais eficaz para A agulha é inserida no sulco gengival na região
os pré-molares, com duração de anestesia inferior a 60 mesial do dente a ser tratado, em um ângulo de 30° com
minutos. Em geral, para os pré-molares, a eficácia do o longo eixo do mesmo e em contato com ele (Fig. 6-2.7).
bloqueio infraorbitário equivale à da injeção infiltrativa. A agulha deve ser segura e sustentada com os dedos do
Ocasionalmente, pode ser necessária a aplicação profissional ou com um porta-agulhas (mais seguro do
adicional de cerca de 0,5mL de anestésico na região ponto de vista da biossegurança) e então posicionada
palatina correspondente ao ápice da raiz palatina dos com penetração máxima entre a raiz e a crista óssea, com
molares superiores para eliminar a sensibilidade even- o bisel voltado para o dente, para evitar que a raiz seja
tualmente persistente. sulcada, o que pode posteriormente favorecer a retenção
de placa bacteriana subgengival. Deve-se então aplicar
lentamente uma forte pressão no êmbolo da seringa por
ANESTESIA SUPLEMENTAR cerca de 10 segundos. Quando são empregadas seringas
As técnicas convencionais nem sempre resul- especiais, o gatilho deve ser acionado lentamente uma
tam em anestesia pulpar eficaz, principalmente na ou duas vezes. Se não houver resistência à injeção, a
mandíbula9,53,54. Em geral, se os sintomas clássicos da agulha deve ser reposicionada e nova tentativa deve ser
anestesia são relatados pelo paciente, uma nova inje- feita. Repete-se a injeção na região distal do dente. Cerca
ção é ineficaz. Se a sensibilidade pulpar ainda persistir de 0,2mL de solução é injetada tanto na mesial quanto
após o emprego das técnicas indicadas, deve-se tentar na distal do dente. Esse tipo de anestesia pode ser muito
as medidas alternativas já especificadas. Se ainda assim doloroso em dentes anteriores.
uma anestesia pulpar profunda não foi obtida, pode-se A denominação anestesia intraligamentar é errô-
selecionar uma técnica suplementar que usualmente nea, uma vez que a solução injetada não atinge os ner-
oferece grandes possibilidades de sucesso. Cabe aqui vos pulpares por se difundir por meio do ligamento
salientar que essas técnicas são suplementares, não po- periodontal24. Na verdade, a anestesia intraligamentar
dendo, pois, substituir as técnicas indicadas, mas ape- força a solução anestésica por meio da lâmina cribrifor-
nas complementá-las quando houver necessidade. me do osso alveolar (a qual é muito porosa na região
cervical) para o interior dos espaços medulares e os va-
Injeção intraligamentar sos, dentro e ao redor do dente. A direção primária não
é o ligamento periodontal, não estando relacionado o
Pode ser considerada a técnica suplementar de
mecanismo de ação com a pressão direta sobre as fi-
escolha quando a anestesia convencional foi ineficaz.
bras nervosas40, ao contrário da injeção intrapulpar5,48.
A técnica é clinicamente eficaz, sendo considerada
A pressão, na verdade, é necessária a fim de forçar o
uma auxiliar de grande valia. Existem no mercado
anestésico para os espaços medulares com o objetivo
seringas especialmente desenhadas para se aplicar
de contatar e bloquear as fibras nervosas43,50,51.
essa técnica anestésica, mas que não são imprescin-
A anestesia ocorre imediatamente40,44,52,55, não
díveis (Fig. 6-2.6). Na verdade, não há vantagens no
havendo necessidade de esperar o início do procedi-
emprego das seringas especialmente desenhadas para
mento clínico. A anestesia dura aproximadamente 20
esse tipo de injeção44,52,53. Diferentes calibres de agulha
minutos e é mais eficaz em dentes posteriores. Toda-
via, na maioria das vezes, sua duração é imprevisível.
Pode ser aplicada sem que o isolamento absoluto seja
removido. Como técnica suplementar apresenta índice
de sucesso em 63 a 74% dos casos e, se necessário, a
reinjeção aumenta o índice de sucesso para 92 a 96%
dos casos7,44,52.
Um leve desconforto pós-operatório pode ocorrer
na maioria dos casos e persistir por horas até um ou
dois dias. Esse risco deve ser comunicado antecipada-
mente ao paciente. Isso ocorre devido ao leve dano te-
Figura 6-2.6. Seringa especialmente desenhada para a injeção in- cidual imposto no local de penetração da agulha. Con-
traligamentar. tudo, tal dano é mínimo e reversível.
222 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
Anestesia intrapulpar
Usualmente, é considerada como a anestesia su-
plementar de segunda escolha. A injeção pode ser ex-
tremamente dolorosa, devendo o paciente ser consul-
tado quanto à permissão para sua utilização.
A anestesia é imediata e dura cerca de 15 a 20 mi-
nutos. Uma anestesia profunda é obtida se executada sob
pressão (Fig. 6-2.8). Na verdade, a resistência à injeção é
essencial para o sucesso da técnica. Com os dedos firman-
do a agulha, ela é inserida lentamente no canal ao mesmo
tempo em que o êmbolo da carpule também é pressiona-
do lentamente para injetar a solução anestésica. A agulha
é inserida apicalmente até sofrer máxima resistência. Nes-
se ponto, uma forte pressão deve ser aplicada ao êmbolo Figura 6-2.8. Anestesia intrapulpar. A pressão exercida durante a
da carpule por cerca de 5 a 10 segundos. injeção é essencial para o sucesso da técnica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 223
sentida. É contraindicada em dentes com necrose pul- Vários sistemas têm sido propostos para a apli-
par, pois pode projetar micro-organismos para os teci- cação da anestesia intraóssea, tais como o sistema Sta-
dos perirradiculares. bident (Fairfax Dental, Miami, EUA) e o X-tip (X-tip
Technologies, Lakewood, NJ, EUA). Todavia, um que
tem recebido grande atenção recentemente é o Intra-
Anestesia intraóssea Flow (Pro-Dex Inc, Santa Ana, CA, EUA) (Fig. 6-2.9),
A injeção intraóssea é uma técnica de anestesia su- devido à facilidade de aplicação e eficácia. O sistema
plementar que tem demonstrado grande eficácia clínica19, IntraFlow compreende uma peça de mão com um per-
principalmente após o fracasso no bloqueio do nervo al- furador/agulha acoplado na ponta e integrada a um
veolar inferior. Em casos de pulpite irreversível, o índice sistema de injeção por pressão de ar. A peça de mão é
de sucesso da técnica como anestesia suplementar é de 71 acoplada na saída de ar do equipo e o sistema é então
a 98%4,29,31,32,34. Essa técnica encontra grande popularida- controlado pelo pedal. O sistema permite em um só
de nos Estados Unidos19, sendo para alguns profissionais passo a perfuração do osso e a subsequente deposição
a principal técnica de anestesia suplementar, mas não é de solução anestésica pela própria luz do perfurador/
muito difundida no Brasil. Por requerer dispositivos es- agulha19.
peciais e treinamento prévio específico, seu uso deve se A técnica intraóssea consiste na aplicação de so-
restringir a especialistas em Endodontia. lução anestésica diretamente no osso esponjoso adja-
cente ao dente. A porosidade do osso permite rápida cessidade de uma nova injeção (infiltrativa, tanto para
difusão da solução anestésica, promovendo anestesia superiores quanto para inferiores) ou o emprego da
profunda quase que imediatamente após a injeção. A técnica intraligamentar.
área de perfuração do osso e injeção está 2 a 3mm em Em alguns casos, a inflamação pulpar se localiza
direção apical à interseção entre uma linha horizontal, na porção apical do canal, enquanto a polpa coroná-
que passa pela margem gengival vestibular, e uma li- ria pode estar necrosada. Como suplementares nesses
nha vertical, que passa pela papila interdental distal casos são utilizadas as técnicas intraligamentar e intra-
ao dente a ser anestesiado. Os tecidos moles devem pulpar (diagnóstico diferencial deve ser feito em den-
ser inicialmente anestesiados por injeção infiltrativa. tes com periodontite apical aguda, por meio de teste de
Depois o perfurador é inserido na gengiva perpen- percussão, onde essas duas técnicas suplementares são
dicularmente à cortical óssea. O dispositivo é então contraindicadas).
ativado, sob pressão moderada constante até que a
cortical seja perfurada e a sensação de “queda” no
osso esponjoso seja sentida, ocasião em que se injeta a Abscesso perirradicular agudo
solução anestésica. A anestesia intraóssea da mandí- Se uma tumefação está presente, podem ser
bula dura aproximadamente 60 minutos, enquanto o realizadas infiltrações em cada lado (anterior e pos-
bloqueio do alveolar inferior pode durar cerca de 120 terior) ou então o bloqueio. Em dentes superiores,
a 150 minutos. dependendo da região envolvida, pode-se fazer o
Um estudo35 sugeriu que a anestesia intraóssea bloqueio do nervo alveolar superior posterior ou da
com o sistema IntraFlow pode ser usada como aneste- segunda divisão (tuberosidade alta) para os molares,
sia primária em dentes com pulpite irreversível, uma ou do infraorbitário para os anteriores. Em dentes
vez que apresentou eficácia estatisticamente compará- inferiores se opta pelo bloqueio do nervo alveolar
vel com o bloqueio do nervo alveolar inferior. O suces- inferior.
so da anestesia primária com o IntraFlow foi de 87%, Em casos de tumefações no palato onde se re-
enquanto o do bloqueio foi de 60%, muito embora não quer incisão para drenagem, procede-se à injeção de
tenha havido diferença estatisticamente significante um pequeno volume de anestésico no forame nasopa-
entre as técnicas. Para ser usada como técnica primária, latino (para dentes anteriores) ou no forame palatino
os autores recomendam anestesia infiltrativa prévia no maior (para posteriores). A injeção no forame palati-
local a ser perfurado com cerca de 0,1mL de lidocaína a no maior anestesia o mucoperiósteo dos 2/3 posterio-
2% com epinefrina a 1:100.000, com a finalidade de as- res do palato no lado injetado. Se a tumefação estiver
segurar conforto ao paciente durante o procedimento. sobre um dos forames, devem ser feitas infiltrativas
A injeção intraóssea é contraindicada nos casos de lateralmente a ela.
infecção no local da injeção e quando há grande proxi- Em caso de incisão para drenagem em dentes
midade com estruturas vitais, raízes dentárias ou den- mandibulares posteriores, deve-se proceder, além do
tes em estágio de desenvolvimento. bloqueio do alveolar inferior, à injeção bucal longa para
anestesia do nervo bucal. O bloqueio do nervo lingual
também pode ser necessário.
INDICAÇÕES PARA A TÉCNICA As técnicas suplementares intraligamentar e in-
ANESTÉSICA EM DIFERENTES trapulpar são contraindicadas nesses casos. Embora
SITUAÇÕES CLÍNICAS eficazes em dentes com polpa viva, são extremamente
dolorosas e ineficazes em dentes com inflamação perir-
Pulpite irreversível radicular aguda.
Os dentes com pulpite irreversível mais difíceis O emprego da bupivacaína ou da etidocaína pode
de anestesiar são, em ordem decrescente, os molares ajudar a controlar a dor pós-operatória, o que não exclui a
inferiores, os pré-molares inferiores e superiores, os necessidade do uso de analgésicos/anti-inflamatórios.
molares superiores e os incisivos inferiores. As principais razões para não se realizar a injeção na
Após a anestesia convencional (infiltrativa nos coleção purulenta são devidas à dor resultante da pressão
superiores e bloqueio nos inferiores), pode-se opcio- e à ineficácia da técnica, a qual pode ser explicada princi-
nalmente testar a anestesia pulpar por meio de testes palmente pelo maior fluxo sanguíneo da área inflamada,
térmicos e elétricos antes de se fazer o acesso. Se o pa- que remove o anestésico rapidamente para a circulação,
ciente ainda responde com dor, deve-se avaliar a ne- e/ou pelo edema que dilui a solução anestésica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 225
Quadro 6-2.2 Indicações sugeridas para técnicas anestésicas em diferentes situações endodônticas
Pulpite irreversível
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar ou intrapulpar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar, intrapulpar ou intraóssea
Necrose assintomática
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar
Cirurgia perirradicular
Dentes superiores Infiltrativa e bloqueio –
Dentes inferiores Infiltrativa e bloqueio do NAI –
Incisão p/ drenagem
Dentes superiores
Vestibular Infiltrativa –
Palatina Infiltrativa –
Dentes inferiores Bloqueio do NAI –
Obturação ou retratamento
Dentes superiores Infiltrativa Intraligamentar
Dentes inferiores Bloqueio do NAI Intraligamentar
NAI, nervo alveolar inferior.
PAA, periodontite apical aguda.
O Quadro 6-2.2 resume as indicações de técnica do nervo alveolar inferior e injeções infiltrativas na região
anestésica em Endodontia. vestibular da área envolvida, as quais são essenciais para
se obter adequada vasoconstrição. Quando a cirurgia en-
Necrose assintomática volve dentes superiores, estão indicadas injeções infiltra-
tivas na região envolvida. Além disso, deve-se também
As razões para o desenvolvimento de dor durante
proceder à anestesia no forame nasopalatino (para dentes
a manipulação de canais contendo polpa necrosada já
anteriores) ou no forame palatino maior (para posterio-
foram explicitadas alhures. As técnicas a serem utiliza-
res) (Fig. 6-2.10). Durante o procedimento cirúrgico, a ten-
das são a infiltrativa nos dentes superiores e o bloqueio
tativa de se obter anestesia adicional por meio de injeção
nos inferiores. Se necessária uma anestesia suplemen-
na área sensível geralmente é infrutífera.
tar, deve-se empregar a intraligamentar. A anestesia
intrapulpar é contraindicada.
FRACASSO DA ANESTESIA
Cirurgia perirradicular O estado psicológico do paciente em combinação
Para a execução da cirurgia perirradicular, é de ex- com alterações teciduais decorrentes da inflamação
trema importância a obtenção de uma anestesia eficaz e pode significativamente diminuir o limiar de excitabi-
profunda na região a ser operada. A indicação de técnica lidade das fibras nervosas e resultar em decréscimo da
para a cirurgia envolvendo dentes inferiores é o bloqueio eficácia do agente anestésico.
226 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A B
Figura 6-2.10. Anestesia palatina. A. Injeção ao nível do forame nasopalatino. B. Injeção ao nível do forame palatino maior.
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228 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
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Parte III
Isolamento absoluto em Endodontia
Inês de Fátima Azevedo Jacintho Inojosa
MATERIAL E INSTRUMENTAL
Lençol de borracha – Como o próprio nome diz,
é um lençol confeccionado em látex natural, fino e liso
(Fig. 6-3.2A) comercializado nos tamanhos 15 × 15cm
ou 13 × 13cm, em diferentes espessuras, cores e aro-
mas. Os de espessura média permitem uma adaptação
adequada à região cervical do dente, não rasgam com
facilidade, promovem elevada proteção aos tecidos
moles subjacentes e exercem maior força de retração
sobre os lábios e bochechas. A vantagem da espessura
fina ocorre no isolamento de dentes parcialmente ir-
rompidos, onde é menor a força de deslocamento que
o lençol exerce sobre o grampo, permitindo a sua reten-
ção em dentes afunilados e com coroas expulsivas. No
A
entanto, rasgam-se com facilidade. Quanto às cores, as
escuras oferecem maior contraste entre dente e lençol,
e as mais claras permitem visualizar o posicionamento
do filme para a tomada radiográfica.
Em caso de alergia ao látex deve ser utilizado
lençol antialérgico à base de silicone (Roeko Dental
Dam Silicone Non Látex®) ou lençol de borracha sin-
tética, não derivada do látex (Roeko Flexi Dam Non
Látex®)17.
Todo lençol de borracha deve ser descartado após
seu uso.
Arco ou porta-lençol – É fabricado em metal ou
plástico autoclavável e tem por função fixar o lençol de
borracha nas projeções laterais em formas de espinhos
ou farpas, mantendo-o distendido, firme e liso. Na En-
B dodontia é indicado o arco de plástico, que não neces-
sita ser removido durante as tomadas radiográficas por
ser radiolúcido. Dessa forma, a face do lençol voltada
para o dente em tratamento não entra em contato com
a saliva, contribuindo para a manutenção da cadeia as-
séptica (Fig. 6-3.3A e B). Os dois tipos de arcos mais
usados são em forma de U, com a denominação de arco
de Young, ou em forma octogonal, chamado arco de
Ostby. Além desses são encontrados arcos dobráveis,
indicados para pacientes que têm “sensação de falta
de ar” ou claustrofóbicos22 e arcos descartáveis, que já
vêm adaptados ao lençol, disponíveis também para pa-
cientes alérgicos.
Pinça perfuradora – É responsável pela perfura-
ção do lençol de borracha, sendo geralmente utilizado o
C alicate ou perfurador de Ainsworth (Fig. 6-3.2B). Como
na Endodontia, isola-se na maioria das vezes apenas o
Figura 6-3.1A. O isolamento impediu a entrada de exsudato puru- dente a ser tratado, e o orifício de maior diâmetro, reco-
lento proveniente do canal radicular para a cavidade oral. (Gentileza
da Profa Elaine Ferreira – UFAL.). B e C. Proteção do paciente contra a
mendado para o dente que vai receber o grampo, é uti-
ingestão acidental de instrumentos endodônticos e substância quí- lizado em qualquer caso de isolamento unitário. Com
mica, na odontometria e irrigação dos canais, respectivamente. o lençol preso no arco, o local da perfuração é realizado
230 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A C
D E
A B
Figura 6-3.3A. Tomada radiográfica com lençol parcialmente removido do arco de plástico, evita que a face do lençol voltada para o dente
em tratamento seja contaminada por saliva. B. A não remoção do arco matém o campo seco e sem contaminação durante radiografia com
os cones principais de guta-percha para obturação dos canais.
A B
C D
A B
Figura 6-3.5A. Mordentes do Grampo W8A bem adaptados e estabilizados na cervical, apesar da expulsividade vestibular e lingual obser-
vada em B.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 233
B C
Figura 6-3.6A. Remanescente coronário do dente 15 praticamente ausente. B e C. Isolamento com o grampo universal 211 e uso do prote-
tor gengival fotopolimerizável (Top Dam®), vedando a interface dente/lençol.
Quadro 6-3.1 Sugestão de grampos úteis para isolamento absoluto na Endodontia, comercializados pela S. S. White,
Ivory e Hu-Friedy
9 (Ivory e Hu-Friedy) 211*(SS White) Grampo universal para dentes anteriores, úteis para pré-molares e molares difíceis
de isolar
212 (Ferrier), sem asa Dentes anteriores que necessitam de afastamento gengival
3 Molares menores
W8A (sem asa) Molares menores com pouca retenção, expulsivos, coroa destruída etc.
12A e 13A (serrilhado) Molares esquerdo e direito onde se deseja maior retenção
14 e14A Molares menores e maiores, respectivamente, com pouca retenção, coroa destruída
etc.
234 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A B
C D
E F
G H
Figura 6-3.7A. Fio dental verificando os contatos das faces proximais. B. Amarria do grampo com fio dental. C e D. Falha cervical no isola-
mento e vedamento dela com protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®). E e F. Aplicação de cianoacrilato (Super Bond®) na interface
dente/lençol. Impede infiltração de fluidos através das pequenas falhas existentes. G. Isolamento em fenda e vedamento dos espaços com
cianoacrilato. H. Dente banhado em água para verificar falhas no vedamento pela formação de bolhas de ar ao soprar.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 235
A B
C D
E F
Figura 6-3.8A. Seleção do grampo. B. Conjunto preparado (lençol, arco e grampo). C. Grampo distendido e posicionado com a pinça.
D. Remoção do lençol das asas do grampo com cureta. E. Adaptação interproximal com fio dental. F. Dente isolado.
sório, entre outras situações, para impedir a infiltração Isolamento de dentes que necessitam de re-
de saliva e ingestão de substâncias químicas usadas na construção coronária provisória – Com o advento das
irrigação do canal (Fig. 6-3.12A-E). resinas compostas fotopolimerizáveis e sistemas ade-
Isolamento de dentes com aparelho ortodôn- sivos, a reconstrução provisória da coroa de dentes
tico – Nessas situações o isolamento é individual e o parcialmente destruída, cria condições para realizar
grampo normalmente é posicionado sob o braquete, uma boa adaptação e estabilização cervical do gram-
na cervical do dente. Os espaços existentes são então po15, fornecendo um reservatório intracoronário para
vedados com barreira, como o protetor gengival foto- a solução irrigadora, prevenindo que ela seja ingeri-
polimerizável (Fig. 6-3.13A-D). da pelo paciente e impedindo a infiltração de saliva e
Preparação para o Tratamento Endodôntico 237
A B C
A B C
Figura 6-3.11A e B.
Mecha de algodão em-
bebida em hipoclorito
de sódio a 2,5% para de-
A B
sinfecção do isolamento
absoluto.
A B
C D
sangue na cavidade pulpar durante o tratamento (Fig. cal oposto ao do tratamento parcialmente descoberto
6-3.14A-F). pelo lençol, o que proporciona intenso alívio ao pacien-
Isolamento de dentes que necessitam de ci- te (Fig. 6-3.16A e B).
rurgia periodontal – Determinadas situações clíni-
cas, como dentes que sofreram invaginação gengival
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE
no espaço coronário destruído, dentes com fratura
corono-radicular, dentes com remanescente coroná-
ISOLAMENTO ABSOLUTO
rio subgengival, entre outras, necessitam que proce- Em virtude de a terapêutica endodôntica em-
dimentos periodontais cirúrgicos sejam realizados, pregar uso farto e abundante de substâncias quími-
como gengivectomia ou até mesmo uma cirurgia a cas que agridem o organismo quando ingeridas, de
retalho para recuperação do espaço biológico com operar com instrumentos de pequenas dimensões,
ou sem osteotomia, para permitir que o tratamento que ingeridos ou aspirados colocam a vida do pa-
endodôntico seja realizado sob isolamento absoluto ciente em risco, e de ter na manutenção da cadeia
(Fig. 6-3.15A-K)15. asséptica um dos pilares para o sucesso do tratamen-
Isolamento de pacientes claustrofóbicos – Em to, faz-se necessário ter em mente a importância que
pacientes que durante o isolamento absoluto sentem esse procedimento ocupa durante a fase operatória e
dificuldades de respirar ou sensação de sufocamento, o ter em mãos instrumentais e materiais apropriados
profissional pode fazer uso do arco dobrável ou então para planejar e executar um isolamento absoluto de
cortar o lençol no sentido vertical, deixando o lado bu- excelência.
A B
C D
A B
C D
E F
Figura 6-3.14A. Destruição distolingual da coroa de dente 36 permitiu infiltração de saliva através do isolamento, impedindo a continu-
ação do tratamento. B e C. Reconstrução provisória da coroa com resina fotopolimerizável permitiu isolar o dente em condições ideais. D.
Dente 16 cariado na face distolingual. E e F. Isolamento com grampo 14A após remoção da cárie e acesso pulpar mostra infiltração de saliva.
Reconstrução provisória com resina fotopolimerizável solucionou o problema.
Preparação para o Tratamento Endodôntico 241
A B C
D E F
G H I
J K
Figura 6-3.15A. Dente 46 com hiperplasia gengival mesial. B. Cirurgia gengival da área hiperplásica e sutura, permitindo isolamento imediato
com adaptação cervical do lençol, conforme observado na C. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) D. Invaginação da papila interpro-
ximal na cavidade distal do primeiro molar superior. E. Tecido gengival hiperplásico removido e isolamento absoluto do dente. F. Reconstrução
das paredes destruídas com resina composta fotopolimerizável. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) G. Necessidade de cirurgia pe-
riodontal no incisivo lateral12. H e I. Gengivectomia e gengivoplastia da região. (Gentileza da aluna Renata Cabral de Vasconcellos e do Prof. Adelmo
Farias Barbosa – UFAL.) J. Aspecto clínico 15 dias após cirurgia periodontal. K. Isolamento absoluto realizado em condições ideais.
242 Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A B
Figuras 6-3.16A e B. Isolamento com arco dobrável e A com o lençol cortado em B, indicado para pacientes claustrofóbicos.
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Anatomia
Interna, Cavidade
Capítulo 7
de Acesso e
Localização dos
Canais
Armelindo Roldi
Rosana de Souza Pereira
Rogério Albuquerque Azeredo
CAVIDADE PULPAR DOS DENTES interna dos dentes para que possa ter maior sucesso em
PERMANENTES seus procedimentos, pois não são raras as vezes em que
se fazem perfurações durante a preparação de acesso,
A cavidade pulpar, situada geralmente no centro
que podem levar até a perda do dente.
dos dentes, é constituída por duas porções – a câma-
Com o estabelecimento de uma alteração patoló-
ra pulpar e o canal radicular –, localizadas na coroa e
gica irreversível no tecido pulpar, faz-se necessário ins-
na raiz, respectivamente. A morfologia dessa cavida-
tituir uma técnica de tratamento dos canais radiculares
de corresponde à estrutura externa do dente, isto é, o
visando ao controle da infecção, à execução de uma ob-
contorno da câmara e do canal radicular acompanha
turação compacta do sistema de canais e, consequen-
o contorno da superfície externa do dente. Também é
temente, ao favorecimento de atuação dos processos
do nosso conhecimento que essa morfologia poderá se
biológicos na reparação tecidual, restabelecendo, as-
modificar, dependendo das agressões que o dente vier
sim, o estado de normalidade das estruturas dentárias.
a sofrer durante toda a vida, e, por conseguinte, atuar
Dessa forma, faz-se necessário amplo conhecimento da
sobre a polpa indiretamente. De tais agressões pode-
mos enumerar as de natureza mecânica, térmica, quí- anatomia interna dos dentes para o sucesso da terapia
mica ou bacteriana. endodôntica.
Outro fator a que se deve dar ênfase é o tamanho Segundo Pineda e Kuttler38, para desobstruir,
da câmara e dos canais radiculares, que nos indivíduos preparar e preencher o canal radicular corretamente é
jovens é sensivelmente maior do que nos idosos. necessário conhecer detalhes de sua morfologia inter-
O estudo da anatomia do sistema de canais ra- na. Os canais radiculares podem variar em número, ta-
diculares era realizado pelo único método disponível manho, forma e apresentar diferentes divisões, fusões,
para o clínico – o radiográfico –, tendo-se ressalvas des- direções e estágios de desenvolvimento. No passado,
se, em razão de a própria característica do exame não o endodontista trabalhava com informações vagas, es-
mostrar o aspecto tridimensional dos dentes e sim pro- cassas e até falsas a respeito desse fator fundamental:
jetar bidimensionalmente a morfologia do órgão den- consequentemente, poderia se esperar um sucesso te-
tário. Na atualidade, pode-se fazer uso de um método rem sido empregados técnicas e métodos ao longo dos
moderno de avaliação tridimensional das estruturas anos com o objetivo de estudar os mínimos detalhes da
ósseas e dentárias – tomografia computadorizada. cavidade pulpar. Essas técnicas têm incluído estudos
É de extrema importância que o profissional espe- radiográficos, desgastes, cortes histológicos, diafaniza-
cializado tenha conhecimento minucioso da anatomia ção, uso do computador, utilização da técnica de pro-
243
244 Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
cessamento digital, isótopos radioativos, microscopia Considerando que os dentes estão em grupos mor-
eletrônica e tomografia computadorizada16,19,20,33,34,38,40. fofuncionalmente diferenciados, onde cada elemento
O estudo da anatomia da cavidade pulpar deve tem função definida, e que dentro de cada grupamento
ser tridimensional, e os trabalhos até então limitados à existem variações morfológicas, é fundamental uma vi-
terapia aplicada. são particularizada dos elementos, uma vez que para
Várias considerações têm demonstrado que a alcançarmos o sentido clínico que eles impõem à tera-
morfologia dentária apresenta características variáveis, pia endodôntica é necessário conhecê-los em seus as-
revelando que a configuração dos canais não é apenas pectos fundamentais e particulares.
um espaço tubular único e sim um complexo sistema
apresentando canais acessórios, canais secundários, ca-
nais laterais e comunicações10,11,20,39,44,45. Portanto, torna-
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA –
se importante uma visualização espacial, tridimensio- CONE BEAM 3D (TCFC) E A ANATOMIA
nal no sentido longitudinal, uma vez que as variações DENTÁRIA – Márcia Gabriella Lino de Barros
são observadas entre os grupos dentários, entre as raí- Bortolotti
zes de um mesmo dente e até mesmo em uma mesma A tomografia computadorizada (TC) é um méto-
raiz, dependendo do segmento observado. Acresce-se do de diagnóstico por imagem que utiliza a radiação
a essa complexidade morfológica a localização do den- X, permitindo a reprodução de uma secção do corpo
te em relação ao arco dental, no qual, quanto mais pos- humano em quaisquer uns dos três planos do espaço,
terior for o dente, mais variável será sua anatomia18. diferentemente das radiografias convencionais, que
De acordo com a condição anatomopatológica, não po- projetam em um só plano todas as estruturas atraves-
demos esquecer que várias irregularidades abrigam o sadas pelos raios X. Existem dois tipos principais de
tecido pulpar e que, durante o preparo e a obturação TC: a tomografia computadorizada tradicional e a to-
do sistema de canais radiculares, elas podem influen- mografia computadorizada de feixe cônico (cone-beam
ciar no sucesso da terapia endodôntica, uma vez que computed tomography – CBCT)16.
para limpar e modelar o sistema, independentemente A TC apresenta as vantagens de eliminar as so-
da técnica, ela deve atingir todas as áreas do canal, o breposições de imagem com muito boa resolução atri-
que na prática é limitado, tendo em vista que o acesso buída ao grande contraste e à possibilidade de recons-
mecânico, principalmente na região apical, é dificulta- truir essa imagem nos planos axial, coronal, sagital e
do pela complexa anatomia desse segmento (Fig. 7-1). oblíquo, assim como obter uma visão tridimensional
da estrutura de interesse16.
A tomografia computadorizada de feixe cônico
– Cone Beam 3D (TCFC) – é uma tecnologia recente
que permitiu o desenvolvimento de tomógrafos menos
onerosos, menores em tamanho e com maior precisão
das imagens em relação às técnicas radiográficas con-
vencionais. Essa nova tecnologia, especialmente indi-
cada para a região dentomaxilofacial, está provendo à
Odontologia a reprodução de imagens tridimensionais
com mínima distorção e dose de radiação significante-
mente reduzida em comparação à TC tradicional44.
O aparelho de TCFC é muito compacto e se asse-
melha ao de radiografia panorâmica. Apresenta dois
componentes principais, posicionados em extremos
opostos da cabeça do paciente: a fonte ou tubo de raios
X, que emite um feixe em forma de cone, e um sen-
sor de raios X. O sistema tubossensor realiza somen-
te um giro de 360º em torno da cabeça do paciente e
a cada determinado grau de giro (geralmente a cada
1°), o aparelho adquire uma imagem-base da cabeça
Figura 7-1. Pré-molar diafanizado mostrando o complexo sistema do paciente, muito semelhante a uma telerradiografia,
de canais no segmento apical. sob diferentes ângulos ou perspectivas. Essa sequência
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 245
Figura 7-5. TCFC pode ser aplicada para a medição dos canais ra- Figura 7-7. TCFC na determinação da fratura dentária vertical e re-
diculares. lação dos dentes com as estruturas anatômicas (canal mandibular).
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 247
observadas duas raízes não totalmente separadas ou têm a seguinte relação: o lingual é centralizado na raiz
uma única raiz bem larga. Não é muito comum, mas lingual, o distovestibular está perto do ângulo obtuso
pode apresentar três raízes, o que constitui dificulda- e o mesiovestibular está localizado mesialmente ao
de na intervenção endodôntica. Recursos radiográficos anterior, situado dentro do ângulo agudo da câmara
devem ser utilizados para que não ocorram sobreposi- pulpar. Em seção do segmento médio das raízes são
ções das raízes, permitindo uma visualização mais de- observados o canal lingual com seção circular; o mesio-
finida dos canais radiculares. Embora ocorra variedade vestibular, oval e alongado, ou possuindo a forma de
no número de raízes, esse dente geralmente apresenta um rim; e o distovestibular, redondo ou oval.
só dois canais radiculares. Normalmente, o contorno
da câmara no segmento cervical tem a morfologia de 2o molar superior
um rim, aspecto conferido devido ao achatamento me-
siodistal. Notamos, portanto, dois canais radiculares As raízes desse dente são mais retas e tendem à
que se estreitam até chegar ao ápice do dente. fusão, embora a lingual geralmente se apresente sepa-
A presença de três raízes constitui uma dificulda- rada. A maioria dos segundos molares superiores pos-
de na intervenção endodôntica, variação essa não mui- sui três raízes e três canais radiculares, com a raiz me-
to comum. siovestibular não sendo tão complexa como a do dente
descrito anteriormente. Embora a raiz mesiovestibular
desse dente não seja muito larga, ela pode possuir dois
2o pré-molar superior canais radiculares. A câmara pulpar tem a forma retan-
Na visão vestibulolingual é um dente que ge- gular. Os forames apicais geralmente se abrem no ápi-
ralmente possui uma raiz e um canal radicular, que é ce da raiz, podendo variar para vestibular ou lingual.
muito largo. A entrada do canal mesiovestibular está mais dis-
No segmento apical do dente o canal se estreita tante dos lados vestibular e mesial da câmara. Em razão
abruptamente, afilando-se em direção ao ápice. Não de as raízes tenderem a se fusionar, as entradas dos ca-
são raras as vezes que esse dente apresenta “ilhotas” de nais radiculares se localizam mais próximas. As raízes
dentina, o que faz com que o tratemos como se tivesse lingual e distovestibular próximas ao segmento médio
dois canais. Entretanto, sempre devemos procurar dois apresentam um contorno circular ou oval, e a mesioves-
canais, uma vez que eles estão presentes em 46,3% dos tibular, retangular com ângulos arredondados, e, se essa
casos11. O forame apical frequentemente coincide com raiz possuir dois canais, seu contorno será circular.
o ápice do dente.
Esse dente possui uma raiz e, no sentido vestibu- 3o molar superior
lolingual, apresenta um canal muito longo.
É um dente que apresenta morfologia variada, de
raízes menores e mais curvas, tendo grande tendência
1o molar superior à fusão, o que faz com que se pareçam unirradiculares.
A câmara pulpar é mais ampla, por causa de sua erup-
Possui três raízes e três canais, sendo que a raiz lin-
ção acontecer mais tardiamente. Entretanto, é bom sa-
gual tem a maior dimensão, seguida da distovestibular e
lientar que essas variações dificultam muito o trabalho
da mesiovestibular. A raiz mesiovestibular é a que sofre
do endodontista.
mais variações morfológicas, em comparação com a dis-
tovestibular, sendo que a raiz lingual é a mais reta.
A raiz mesiovestibular é muito larga vestibulolin-
Incisivo central inferior
gualmente e, normalmente, possui um canal (secundá- Embora sendo o menor dente da cavidade bucal,
rio), que apresenta um diâmetro menor que os outros apresenta-se com uma cavidade pulpar muito grande
três canais do dente. O forame apical dessa raiz se loca- quando vista no sentido vestibulolingual, em um canal
liza no ápice, podendo variar para vestibular ou lingual. radicular que pode ser duplo. O canal radicular se afu-
É frequentemente curva, sendo acompanhada pelo ca- nila suavemente até chegar ao ápice, e essa constrição
nal. Tal fato não ocorre com a raiz distovestibular. pode ocorrer abruptamente até 3 ou 4mm do ápice. O
O contorno cervical tem a forma romboidal com forame apical pode se abrir no centro da raiz, para ves-
ângulos arredondados, sendo que o ângulo mesioves- tibular ou lingual.
tibular é agudo, o distovestibular é obtuso, e o lingual, No sentido mesiodistal, esse dente é bastante estrei-
reto. As entradas dos canais no assoalho da câmara to, o que se deve ao grande achatamento nesse sentido.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 249
1o molar inferior
Observa-se na visão vestibulolingual uma ampla
câmara pulpar. A raiz mesial, por causa da presença de
dois canais, possui uma anatomia interna usualmente
complexa (Fig. 7-11). Esses canais podem se fusionar
em quaisquer dos segmentos da raiz para terminar em
um forame comum ou em dois, separados. A raiz dis-
tal geralmente possui um canal amplo, que se afunila
abruptamente a poucos milímetros do ápice radicular.
Quando apresentar dois canais, eles podem estar sepa-
Figura 7-10. Pré-molar apresentando dois canais. Tomografia. Odon- rados total ou parcialmente por “ilhotas” de dentina.
tometria (radiografia). Canais obturados. (Gentileza de H. P. Lopes.) O forame apical dessa raiz geralmente se abre no ápice
ou é deslocado para vestibular ou lingual. No sentido
Incisivo lateral inferior mesiodistal, a câmara possui a forma retangular, com
pequena distância oclusopulpar, tendo que se ter o
Em comparação com o dente anterior, a câmara cuidado ao manuseá-la, pois se corre o risco de lesar
pulpar e o canal são maiores em todas as dimensões. a furca.
Todas as características do incisivo central se repetem Os canais mesiais geralmente têm curvatura con-
nesse dente. siderável, e o distal é mais reto e mais curto. Por causa
do grau de curvatura radicular, os instrumentos se cru-
Canino inferior zam na região cervical do dente.
Possui forma semelhante ao do canino superior, A presença do canal cavo-interradicular deve
e é raro encontrar duplicidade de canais nesse dente, ser considerada no tratamento endodôntico desse
o que resulta do aparecimento de “ilhotas” de denti- dente, uma vez que tal canal pode se constituir em
na, devido à grande dimensão vestibulolingual e à es-
treita dimensão mesiodistal. Observa-se um certo grau
de curvatura na porção apical, preferencialmente para
vestibular. O forame apical se abre no ápice radicular,
na mesial ou distal.
1o pré-molar inferior
Parece um pequeno canino inferior, geralmen-
te com um canal. O forame apical se localiza no ápice
radicular, desviado para vestibular ou lingual. Oca-
sionalmente podemos encontrar dois ou três canais,
tornando o tratamento dificultado. O canal radicular é
localizado abaixo da abertura de acesso, que é feita no
longo eixo do dente e não perpendicularmente à face
oclusal, isso devido à grande inclinação de sua face
vestibular para lingual (Fig. 7-10).
2o pré-molar inferior
É um dente maior do que o já descrito, apresen-
tando, assim, proporções também maiores de canais Figura 7-11. Diafanização da raiz mesial. Complexidade anatômica.
250 Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Maxila
Mandíbula
Quadro 7-2 Média dos diâmetros dos canais radiculares ALTERAÇÕES NA ANATOMIA INTERNA
a 1mm e a 2mm do ápice anatômico nos sentidos
vestibulolingual e mesiodistal A polpa dental, derivada do mesênquima da pa-
pila dental, tem como função principal a formação de
Dente Vestibulolingual Mesiodistal dentina. Como polpa e dentina mantêm entre si uma
relação fisiológica e patológica nos processos infla-
Superiores 1mm 2mm 1mm 2mm matórios, a reação aos estímulos provoca alterações
na anatomia interna em decorrência da resposta à
Central 0,34 0,47 0,30 0,36
irritação. Assim, frente a determinantes como idade
Lateral 0,45 0,60 0,33 0,33 e irritantes, podem ocorrer alterações na morfologia,
principalmente pelo fato de a polpa estar contida em
Canino 0,31 0,58 0,29 0,44 uma cavidade que apresenta paredes inextensíveis.
Quatro aspectos da anatomia dentária e da cavidade
1o pré-molar
pulpar devem ser observados no exercício da terapia
Canal V 0,30 0,40 0,23 0,31 endodôntica40: a direção das raízes e dos canais radi-
culares, as cavidades pulpares, a topografia dos ca-
Canal P 0,23 0,37 0,17 0,26 nais radiculares e as variantes topográficas dos ápices
radiculares.
2o pré-molar 0,37 0,63 0,26 0,41
As variações anatômicas encontradas podem ser
Molares resumidas em: dens invaginatus, fusão, geminação, mi-
crodontia, macrodontia, taurodontia, dilaceração e ca-
Canal P 0,29 0,40 0,33 0,40 nal em forma de C.
Do ponto de vista clínico, devemos observar,
Canal MV 0,43 0,46 0,22 0,32
como fatores determinantes de tais modificações anatô-
Canal MV micas, a idade, os agentes irritantes, a presença de cal-
0,19 0,31 0,16 0,16 cificações e as reabsorções dentárias. Ocasionalmente
secundário
os dentes apresentam variações anatômicas não muito
Canal distal 0,22 0,33 0,25 comuns, que se tornam significantes ao tratamento en-
dodôntico. Com relação à idade, a formação de dentina
Inferiores 1mm 2mm 1mm 2mm
ocorre predominantemente em determinadas áreas do
Incisivos 0,37 0,52 0,25 0,25 dente. Como exemplo, nos molares, a maior formação
de dentina se localiza no teto e assoalho da câmara
Caninos 0,47 0,45 0,36 0,36 pulpar, ocasionando mudanças na morfologia interna
e dificultando encontrar a cavidade pulpar com o risco
Pré-molar 0,35 0,40 0,28 0,32
de lesar o soalho e até mesmo perfurá-lo.
Molares No que diz respeito aos agentes irritantes, qual-
quer agente que atue sobre o elemento dental irá esti-
Canal MV 0,40 0,42 0,21 0,26 mular a formação de dentina. Assim, o exame radio-
gráfico deve ser analisado cuidadosamente para iden-
Canal ML 0,38 0,44 0,28 0,24
tificação de possíveis alterações na anatomia.
Canal distal 0,46 0,50 0,35 0,34 Ao analisarmos a presença das calcificações, de-
vemos ter em mente que elas existem sob a forma de
nódulos pulpares e formas lineares de agulhas irre-
gulares.
Porém, ainda não há na literatura um parâmetro pre- Os nódulos pulpares são facilmente detectados
viamente estabelecido sobre a extensão ideal do pre- radiograficamente, uma vez que geralmente estão loca-
paro apical de forma a garantir a modelagem segura lizados na câmara pulpar, podendo atingir tamanhos
e efetiva dessa região. Portanto, tornam-se necessários consideráveis, com alteração da anatomia, dificultando
estudos que abram novas perspectivas nessa área, vi- muitas vezes a localização do orifício do canal. A pre-
sando cada vez mais ao aprimoramento do tratamen- sença de nódulos significa um sinal clínico e radiográ-
to endodôntico e à preservação da anatomia do canal. fico de que a polpa está envelhecendo.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 253
A B
C D E
Figura 7-13. Evidenciando o travamento do instrumento apical inicial após a realização de preparos cervicais. A. Sem pré-alargamento. B.
Pré-alargamento Gates Glidden. C. Pré-alargamento com alargador cervical. D. Pré-alargamento com alargador ProTaper. E. Pré-alargamento
com alargador LA Axxess. (Gentileza de J. M. Barroso e J. D. Pécora.)
A B A B C
A B C
vem ser avaliadas e usadas como referência para o iní- função da deposição de dentina reacional, mascaran-
cio do acesso. do a forma da abertura convencional e confundindo
Mudança na anatomia externa ocasionada por res- o operador.
taurações, especialmente coroas totais, pode também A remoção total da restauração permanente, seja
alterar a relação do longo eixo coroa-raiz. Variações um amálgama oclusal pequeno ou uma coroa total, é
nas tomadas radiográficas e a palpação da gengiva in- indicada para aumentar a visibilidade e simplificar a
serida e mucosa vestibular para ver a proeminência al- busca dos canais.
veolar da raiz ajudarão na determinação de sua correta Entretanto, em alguns casos, a total remoção não se
angulação. O sulco gengival e a área de furca também justifica, como, por exemplo, a parede interproximal de
podem ajudar nessa análise, feita antes da colocação do uma restauração classe II, que se estende subgengival-
lençol de borracha. mente; ela deve ser mantida para auxiliar o isolamento,
Quando os dentes são portadores de restaurações se não houver o risco de se soltar entre as sessões. Caso
extensas, coroas, calcificações pulpares ou os canais sua remoção seja necessária, por estar deficiente, e esse
não se mostram visíveis na radiografia e, ainda, apre- fato permitir a penetração de saliva na câmara pulpar
sentam dificuldades na orientação, o lençol de borra- ou a de soluções irrigadoras na cavidade bucal, faz-se
cha pode ser colocado após a localização da câmara ou premente o aumento de coroa clínica ou a confecção de
canais para permitir melhor direção da broca ao longo uma restauração provisória.
do eixo da raiz, principalmente quando o operador é Em casos de coroas totais, podemos optar por
um principiante. Deve-se notar também a inclinação deixá-las e depois repará-las, desde que não apresen-
da raiz relacionada com a coroa ou o dente adjacente, tem infiltrações e que a sua preservação não atrapalhe
lembrando que o canal se localiza aproximadamente o acesso.
no centro dela, necessitando muitas vezes do auxílio Os mesmos princípios básicos aplicados às res-
de uma radiografia ortorradial e outra mesializada ou taurações permanentes devem ser empregados nas
distalizada. restaurações provisórias, isto é, somente devem ser re-
Ajustes apropriados são feitos para direcionar a movidas inteiramente quando se fizer necessário.
broca ou o instrumento corretamente antes da coloca- Com relação às coroas provisórias, devem ser re-
ção do isolamento absoluto. É recomendável, no en- movidas antes do isolamento, permitindo o acesso ao
tanto, proteger a glote do paciente com a colocação de preparo do canal e facilitando a obturação, além do
gaze posicionada sobre a língua. fato de que elas são frequentemente perdidas ou deslo-
Radiografias periapicais pré-operatórias pela téc- cadas pelo grampo ou outras razões, mantendo pobre
nica do paralelismo bem processadas são indispensá- selamento durante o tratamento e entre as sessões.
veis na visualização e localização da câmara pulpar, Qualquer parte do material restaurador oclusal
dos canais e angulação radicular. Radiografias bite- ou estrutura dentária que possa interferir com o aces-
wing mostram a imagem da anatomia coronária da for- so direto deve ser removida antes de atingir a câmara.
ma mais acurada possível. Radiografias distalizadas Essa remoção, mormente em dentes inferiores, previne
ou mesializadas são recomendadas para mostrar clara- que resíduos de materiais, principalmente metálicos,
mente raízes extranuméricas, onde canais extras podem se precipitem e bloqueiem ou fiquem retidos na região
ser localizados. Em casos de elementos dentários com apical por serem de difícil remoção. Por essa razão, nos
tratamentos endodônticos iniciados por outros ope- dentes inferiores, deve-se estender um pouco mais a
radores, deve-se analisar também a situação do canal abertura, como medida de segurança.
para ver se há possíveis erros anteriores (perfurações, Nos casos de cúspides sem suporte, elas devem
desvios, instrumentos fraturados) e alertar o paciente, ser reduzidas 2 a 3mm antes da odontometria para
assim como também para nossa proteção. proporcionar um ponto de referência plano, prevenir
O acesso coronário começa com a remoção de fraturas durante e após o tratamento e as interferências
toda lesão cariosa, estrutura dentária sem suporte e oclusais.
restaurações defeituosas. Em suma, na Endodontia, necessitamos da re-
Recomenda-se a remoção de toda lesão cariosa moção do esmalte e da dentina, necessários ao acesso
antes do isolamento absoluto e da penetração na câ- direto aos canais radiculares, com eliminação de todo
mara pulpar, evitando a contaminação dos canais e teto da câmara pulpar, além de ampliar a cavidade em
do campo operatório. Não se deve esquecer, no entan- áreas estratégicas para facilitar o trabalho dos instru-
to, que a anatomia interna pode estar modificada em mentos e o máximo de visibilidade e de iluminação.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 257
Dessa forma, a ampliação deve ser feita às expen- taurações metálicas de grande porte, deve-se utilizar
sas das paredes mesiais e vestibulares na maioria dos broca transmetal (1557 ou 1558 da S.S. White/Duflex).
grupos dentais, como veremos. No caso de penetração em coroas de jaqueta de porce-
A abertura inadequada da superfície oclusal ou lana, é indicada ponta diamantada no 114.
do teto da cavidade impossibilitará a iluminação da É feita, ainda em alta rotação, a remoção de parte
câmara pulpar, dificultando a visualização, podendo da espessura dentinária, até as imediações da câmara
induzir comprometimento do assoalho. A supressão pulpar, para facilitar o trabalho e economizar tempo.
de todo o teto é particularmente importante em den- Gostaríamos de enfatizar que se a forma de con-
tes posteriores, com grande variação de posição e nú- torno inicial for feita logo após o ponto de eleição, des-
mero dos canais, como nos molares, para a localização de que não exagerada, em alta rotação, há uma agili-
dos orifícios de entrada desses canais, mesmo os mais zação dessa etapa operatória sem o risco de acidentes,
centralizados. Já os canais mesiovestibulares, tanto dos facilitando o trabalho subsequente em baixa rotação.
molares superiores quanto dos inferiores, apresentam Se existirem dúvidas quanto à localização da câmara
dificuldades de localização, porque usualmente se en- pulpar e orifícios de entrada dos canais radiculares,
contram bem mesializados e sob as cúspides do mes- deve ser feita uma forma de contorno conservadora até
mo nome. Outra dificuldade é a de que o instrumento que haja a remoção do teto cameral.
deve ter inclinação de distal para mesial, para poder A adição de fibra óptica à caneta de alta rotação
penetrar ao longo desses canais, o que muitas vezes é melhora a visibilidade durante a exploração do fundo
impedido pela pequena abertura da boca do paciente da cavidade até o alcance da câmara pulpar.
e pela tensão do lençol de borracha. No entanto, deve- O próximo passo é realizado com brocas esféricas,
mos lembrar que a remoção da estrutura dentária em em baixa rotação, compatíveis com o tamanho do den-
excesso e não necessária debilita o dente e aumenta a te (nos 2, 4 e 6, Carbide) e direcionadas para a parte mais
possibilidade de fratura ou perfuração. volumosa da câmara pulpar (direção de trepanação),
para que não haja riscos de avaliação da profundidade
é feita colocando-se a peça de mão com broca sobre a
TÉCNICAS DE ACESSO radiografia pré-operatória. Atingida a câmara pulpar,
Em princípio, o preparo de acesso básico para devemos imprimir à broca movimentos de tração, isto
cada grupo dental se aplica a todas as situações. No é, do interior para a superfície do dente, até que todo
entanto, caso ocorram variações, as adequações neces- teto cameral tenha sido removido (Fig. 7-19).
sárias devem ser feitas como exposto. Indicamos o uso de brocas em baixa rotação prin-
Para facilitar o aprendizado, descreveremos as cipalmente para os iniciantes, porque com elas se tem
manobras operatórias de forma sequencial e didática, mais facilmente a sensação da broca “caindo no vazio”,
alertando que estão intimamente relacionadas: mormente nos casos de câmaras de contorno nítido ou
nas que são volumosas. Devemos lembrar que o tama- pesquisando o tecido duro. A anatomia natural dita a
nho da câmara pulpar rege o da abertura; consequen- localização usual da entrada desses orifícios, mas res-
temente, nos jovens, a abertura se apresentará bastante taurações, deposições dentinárias e calcificações distró-
ampla, enquanto nos dentes adultos terá dimensões ficas podem alterá-la. Enquanto explora o assoalho da
menores em função do processo de calcificação. Em ca- câmara pulpar, a sonda muitas vezes penetra ou des-
sos de câmaras pulpares de tamanho reduzido ou que loca depósitos calcificados que bloqueiam o orifício. É
sofreram retração por algum fator externo, devem ser preferível sua utilização à das brocas para localizar a
utilizadas brocas esféricas de haste longa (comprimen- entrada dos canais, e sua dupla extremidade oferece
to cirúrgico de 28mm) como a broca LN – Carbide, ref. dois ângulos de abordagem. O posicionamento do ins-
0205 (Dentsply/Maillefer) de tamanhos compatíveis trumento nos orifícios de entrada dos canais permite
ao dente (nos 006, 008, 010, 012, 014 ou 016). a determinação de angulação e a sua direção. A ponta
Posteriormente, são utilizadas brocas troncocôni- em ângulo reto da sonda clínica no 5, ref. 11511 (S.S.
cas de ponta embotada (alargador de Batt, de aço carbo- White/Duflex), é utilizada para verificar a presença de
no e 28mm, de numeração 012, 014 e 016) para acertar as tetos não removidos (Fig. 7-21).
paredes cavitárias. Quando estamos intervindo em den- Finalizando, podemos utilizar pontas diamanta-
tes com polpa viva e/ou de difícil visibilidade, devemos das em alta rotação (nos 3193, 3195, 3203, 3205, 3207 e
optar pela utilização desses alargadores após a remoção 1200, 2082, sem corte na ponta da KG Sorensen) para
do teto, porque não corremos riscos de lacerar o assoa- ampliar o preparo em locais estratégicos, promovendo
lho ou desgastar exageradamente em profundidade. acesso direto aos canais radiculares, maior visibilidade
Alguns profissionais preferem o uso do alargador e iluminação, além de alisar as paredes cavitárias.
Endo Zekrya – Endo Z, ref. 0152 – Tungstênio/Carbide Não podemos nos esquecer de desgastar em lo-
(Dentsply/Maillefer), também sem corte na extremi- cais opostos à curvatura da raiz para impor desgaste
dade. São apresentados no comércio para alta e baixa compensatório com acesso reto ao segmento médio
rotação; entretanto, devem ser utilizados com parcimô- e apical do canal. As pontas diamantadas exigem, no
nia por induzir desgaste acentuado nos preparos, em entanto, domínio de técnica, podendo ser usadas em
decorrência de sua rapidez e eficiência de corte. baixa rotação com auxílio de luvas especiais. As pontas
Após a remoção completa de todo o teto cavitário, diamantadas também são complementadas com alar-
os orifícios de entrada dos canais radiculares devem gadores Largo, ou vice-versa.
ser localizados. Para isso podemos utilizar as sondas A broca para a alta rotação Endo Access, ref.
clínicas de ponta reta ou mesmo as pontas de Rhein ou, A0164 (Dentsply/Maillefer), para a abertura coronária,
ainda, as sondas exploradoras próprias para Endodon-
tia, como as de no 23, ref. 43 (Dentsply/Maillefer), e a
de no 47 (S.S. White/Duflex) (Fig. 7-20).
Esse instrumento é a extensão dos dedos do clí-
nico, sondando, avaliando, sentindo e muitas vezes
Figura 7-20. Sonda reta. Exploração do assoalho e localização da Figura 7-21. Sonda clínica no 5, utilizada na verificação do teto da
entrada dos canais radiculares. cavidade pulpar.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 259
por ser uma ponta diamantada troncocônica cuja extre- • instrumentos (no 3 LASS) grandes 45/.06 – ref. 815-
midade apresenta conformação esférica, surgiu como 1403 (2 estrias – anéis brancos em haste metálica
tentativa de abranger todos os passos do acesso coro- dourada, com ponta parabólica para evitar forma-
nário. Pode ser usada na trepanação, na remoção do ção de degraus ou perfurações).
teto e no desgaste compensatório, dando expulsivida- – indicadas para criar acesso direto e dilatar o orifí-
de sem as inconvenientes trocas sucessivas de brocas, cio de entrada do canal radicular.
agilizando portanto essa etapa operatória. Em nossa • 2 instrumentos (FD) – diamantados em forma de
opinião, ela deve estar indicada para profissionais que bola – ref. 815-1419 (1 estria – anel preto em haste
dominam a abertura coronária, uma vez que é utiliza- metálica incolor).
da em alta rotação. – indicadas para acabamento.
O Kit LA-Axxess (SybronEndo – Glendona, CA,
EUA), ref. 815-1400, é um conjunto de instrumentos Recentemente foi lançado um jogo com somente
(brocas e alargadores cervicais), planejados por Ste- os instrumentos no 1 LASS, no 2 LASS e no 3 LASS.
phen Buchanan (Leonardo30) para serem usados na Além dos alargadores Gates-Glidden, Largo, LA-
abertura coronária, desgaste compensatório e desgaste Axxess, atualmente são indicados também instrumen-
anticurvatura (segmento cervical do canal). Possuem tos de níquel-titânio para preparo do segmento cer-
elevada capacidade de corte e permitem a realização vical dos canais radiculares (desgaste anticurvatura)
de um acesso direto aos canais radiculares sem forma- denominados de alargadores cervicais ou ampliadores
ção de degraus, reduzindo muito o tempo para a rea- de orifício (orifice opener) que apresentam desenho, di-
lização da abertura coronária. O conjunto LA-Axxess, âmetro e conicidade de acordo com o sistema de ins-
linha-ângulo Axxess, é constituído por: trumentos endodônticos de níquel-titânio movidos a
motor a que pertencem (Fig. 7-22).
• 2 brocas (no 2 RD) esféricas diamantadas no 2 – ref.
815-1418 (1 estria – anel verde em haste metálica in- PREPARO DE ACESSO EM INCISIVOS
color). SUPERIORES E INFERIORES
– indicadas para corte de resina e porcelana.
• 2 brocas (XCC) cilíndricas carbides – ref. 815-1417 Ponto ou área de eleição
(haste metálica dourada). Parte mais central da face lingual.
– indicadas para corte de coroas e restaurações me-
tálicas. Forma de contorno inicial
• 2 brocas (no 2 RC) esféricas carbides no 2 – ref. 815- Forma triangular, com base voltada para a borda
1412 (haste metálica longa incolor). incisal. Nos incisivos superiores se estende de 2 a 3mm
• 2 brocas (no 4 RC) esféricas carbides no 4 – ref. 815-
1414 (haste metálica longa incolor).
– indicadas para corte de dentina e esmalte ou res-
taurações não metálicas.
• 2 brocas (no 6 RC) esféricas carbides no 6 – ref. 815-
1416 (haste longa incolor).
– indicadas para remoção de dentina cariada.
• 2 brocas (LTD) cônicas diamantadas longas – ref. 815-
1420 (estria – anel verde em haste metálica incolor).
• 2 brocas (XLTD) cônicas diamantadas extralongas –
ref. 815-1421 (estria – anel verde em haste metálica
longa incolor).
– indicadas para refinamento de abertura coronária
(desgaste compensatório).
• instrumentos (no 1 LASS) pequenos 20/.06 – ref. 815-
1401 (2 estrias – anéis amarelos em haste metálica
dourada). Figura 7-22. Instrumentos empregados no preparo cervical de
• instrumentos (no 2 LASS) médios 35/.06 – ref. 815-1402 canais radiculares. Alargadores: Gates Glidden, Largo, ProFile, LA
(2 estrias – anéis azuis em haste metálica dourada). Axxess. (Gentileza de H. P. Lopes.)
260 Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
A B A B
alargadores Endo Z ou pontas diamantadas cilindro- conformação ligeiramente ovalada, em função do seu
cônicas longas. achatamento mesiodistal, extensão cérvico-incisal e o
Em dentes inferiores, como já abordado, é mui- divertículo incisal mediano (Fig. 7-27).
to importante esse desgaste compensatório no sentido
cérvico-incisal, para facilitar a localização e o preparo Pré-molares superiores
dos canais vestibular e lingual em casos de bifurcação
(Fig. 7-26). Ponto ou área de eleição
Área central da face oclusal.
Caninos superiores e inferiores
A abertura coronária é feita de forma semelhante Forma de contorno inicial
à dos incisivos, diferindo na forma de conveniência que Forma elíptica para o primeiro pré-molar supe-
possui a base terminando em ponta de lança, podendo rior, por apresentar dois canais, ou ovoide, com maior
ser também classificada como losangular, devido ao dimensão no sentido vestibulopalatino, de acordo com
divertículo central correspondente à cúspide perfuran- a anatomia interna da cavidade pulpar.
te desses dentes que, principalmente nos jovens e em Uso de pontas diamantadas compatíveis em alta
dentes superiores, apresenta-se bastante pronunciada. rotação troncocônicas ou esféricas da mesma forma
Já os caninos inferiores apresentam muitas vezes uma que para os dentes anteriores.
Direção de trepanação
Penetração inicial com a ponta diamantada em
alta rotação, posicionada paralelamente ao longo eixo
do dente até as imediações da cavidade pulpar. Com o
dente isolado, já em baixa rotação e broca esférica com
tendência a direcioná-la para o canal palatino (porção
mais volumosa da cavidade pulpar), progride-se até
chegar à cavidade pulpar.
Forma de conveniência
A cavidade final tem conformação circular ou
ovoide, localizada na metade mesial da face oclusal,
B
geralmente incluindo a cúspide vestibular na abertu-
ra em função da acentuada inclinação para lingual que
esses dentes apresentam. Os desgastes compensatórios
podem ser efetuados com alargadores de Batt, Endo Z,
Largo ou pontas diamantadas (Fig. 7-29).
Figura 7-28. Abertura coronária e desgaste compensatório em 1os
(A) e 2os (B) pré-molares superiores.
Molares superiores
Direção de trepanação
Penetração inicial com a ponta diamantada (esfé-
rica ou troncocônica), em alta rotação, posicionada pa-
ralelamente ao longo eixo do dente até as imediações
da câmara pulpar.
A partir daí, em baixa rotação, com broca esférica
paralela ao longo eixo do dente, penetramos na cavi-
dade pulpar. Figura 7-29. Abertura coronária em pré-molares inferiores.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 263
A incidência do canal mesiopalatino da raiz me- espelho sem magnificação. Dessa forma, encontraram
siovestibular dos 1os e 2os molares superiores (também o MV2 em 51% dos casos. Com o auxílio do MO encon-
chamado MV2) tem sofrido variação de acordo com os traram o quarto canal em 82% de todos os casos.
autores. Pineda e Kuttler38 encontraram quatro canais De acordo com Ruddle42, para a localização do
em 1o e 2o molares superiores combinados em 51,5% canal MV2, o clínico deve estender a cavidade de aces-
dos casos. Kulild e Peters26, que realizaram estudo no so paramesial às expensas da crista marginal mesial
qual seccionavam a raiz mesiovestibular em cortes de em vez de procurá-lo fazendo uma canaleta a partir
1mm, observaram a presença de dois canais no seg- do orifício do MV1. Segundo ele, todos os orifícios se
mento coronário em 95,2% dos casos, onde 71,1% apre- originam do assoalho da câmara pulpar, enfatizando a
sentavam dois canais patentes até o ápice. Para esses importância da remoção de todo o teto cameral. Após
últimos autores, o orifício de entrada do canal mesio- a remoção do teto deve ser feito um desgaste na crista
palatino está a 1,82mm do orifício de entrada do canal marginal mesial eliminando a projeção de dentina que
mesiovestibular, em uma linha traçada em direção ao recobre o canal MV2. Posteriormente um explorador
canal palatino. Pode ser localizado com a ajuda de fi- deve ser usado firmemente no sulco de desenvolvi-
bra óptica ou microscópio óptico, traçando-se uma li- mento que une o canal MV1 ao palatino para trepanar
nha do orifício de entrada do canal mesiovestibular ao a fina camada de dentina que cobre o canal MV2. Tam-
palatino. bém considera o MO um elemento essencial para iden-
Numa análise através da microscopia eletrônica tificar o orifício de entrada desse canal.
de varredura em molares superiores, Gilles e Reader17 Para a localização do MV2 indicamos a utilização
encontraram canais linguais nas raízes mesiovestibula- da sonda exploradora para liberação de depósitos de
res de molares superiores em 70 a 90%. Weller e Har- dentina que porventura o estiverem encobrindo, facili-
twell51 afirmaram que há um aumento de probabili- tando o direcionamento do instrumento no 10, que deve
dade de encontrar esse canal se o acesso inicial é alte- ser o primeiro a ser usado em seu cateterismo. Para a
rado da forma triangular clássica para uma forma mais remoção da projeção de dentina indicamos brocas dia-
romboidal, com desgaste na parede mesial. Também mantadas em alta rotação com ponta ativa (3203, 3205
aconselharam explorar o sulco de desenvolvimento en- ou 3207, KG Sorensen) com o cuidado de não interferir
tre o canal mesiovestibular e o canal palatino, aprofun- no assoalho. Podem ser usadas também as pontas de
dando-o, para localizar o 4o canal. ultrassom.
Fogel et al.14 avaliaram o uso de lupas de cabeça Quanto aos desgastes compensatórios, eles são
com fibra ótica com aumento de 2,5X para localizar o efetuados nos molares superiores simultaneamente
canal mesiolingual em 1os molares superiores in vivo. aos preparos da embocadura do segmento cervical e
Após o preparo de acesso, um sulco, aproximadamen- médio dos canais radiculares. Utilizam-se para isso
te de 1mm de profundidade, era feito no assoalho da alargadores Gates Glidden, Largo, pontas diamanta-
câmara pulpar por lingual do orifício do canal mesio- das cilindrocônicas longas, sem corte na extremidade,
vestibular, seguindo o sulco de desenvolvimento entre pontas ultrassônicas complementadas com instrumen-
o canal mesiovestibular e o canal palatino. Encontra- tos manuais. É que muitas vezes, em função do peque-
ram em 71,2% dos casos, dois canais acessíveis na raiz no diâmetro dos canais, principalmente o MV1 e MV2,
mesiovestibular. os alargadores só podem ser utilizados no preparo do
Baldassari-Cruz et al.2 concluíram que o micros- seu orifício deslocando-o para a zona de segurança da
cópio operatório (MO) aumentou em 31% a chance raiz (movimento anticurvatura), após a ampliação do
de detecção do orifício do canal mesiolingual na raiz segmento cervical com instrumentos manuais, como
mesiovestibular (MV2) dos 1os e 2os molares superiores. os instrumentos tipo K. Principalmente no canal MV2
Inicialmente fizeram o acesso tradicional usando uma antes de qualquer instrumento movido a motor, deve-
broca de fissura em alta rotação, no 557, sonda explora- mos usar instrumento tipo K no 10 (que é mais rígido)
dora afiada, espelho e irrigação com hipoclorito de só- no cateterismo do segmento cervical e médio e, na pro-
dio a 2,5%, sem o uso de magnificação ou lupas. Quan- gressão em sentido apical, o de no 8 (Fig. 7-33).
do o canal MV2 não era localizado, colocavam uma Com o desgaste compensatório obtemos acesso
broca 700L, 2 a 3mm, no orifício do canal MV1, e um direto aos canais, reduzindo a curvatura e facilitan-
sulco era preparado nessa profundidade em sentido do a instrumentação do segmento apical. Isso posto,
lingual e ligeiramente para mesial através da projeção a configuração da cavidade tende a apresentar sulcos
de dentina. Novamente exploravam com explorador e voltados para a área do desgaste, maior no caso da
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais 265
Figura 7-33. Cavidade pulpar de molar superior, indicado para retratamento, vista ao MO antes e após o preparo dos canais radiculares,
mostrando a presença do MV2. (Gentileza de Cristina Musso.)
Molares inferiores
Área de eleição
Superfície oclusal.
Direção de trepanação
a) paralela ao longo eixo do dente, com pontas esféri-
cas troncocônicas, em alta rotação, como nos passos
anteriores;
b) próxima à câmara pulpar, com uso de broca esférica
compatível, em baixa rotação, na direção do canal
distal mais volumoso. Atingida a cavidade pulpar,
impõem-se movimentos de tração à broca.
preparo ao encontro dos canais mesiais: mesiovestibu- conseguir acessá-lo é necessário a remoção da parede
lar, que fica localizado abaixo da cúspide homônima, e mesial da câmara pulpar. Outras vezes pode ser iden-
mesiolingual, entre o sulco central e a cúspide corres- tificado durante o preparo dos canais principais pela
pondente. presença de um ponto de sangramento (Fig. 7-36).
Fabra-Campos12 efetuou um estudo com 760 pri-
Configuração final da cavidade intracoronária meiros molares inferiores onde encontrou 20 dentes
(forma de conveniência) com um terceiro canal na raiz mesial, dando uma in-
O desgaste compensatório, como nos molares cidência de 2,6%. Nesses 20 dentes, 13 canais interme-
superiores, deve ser feito principalmente na parede diários (65%) uniam-se com o canal mesiovestibular
mesial, no sentido do canal mesiovestibular e mesio- no segmento apical e em 6 (30%) com o mesiolingual.
lingual. Em somente uma raiz o canal intermediário manteve
Usualmente a raiz mesial dos molares inferiores sua individualidade, terminando em um forame apical
possui dois canais situados nos extremos vestibular e separadamente. Esse autor notou que o canal interme-
lingual. Entre os dois canais existe uma rede de ductos diário não tem um curso claramente definido na radio-
contendo tecido pulpar. No entanto, deve-se avaliar bem grafia e oscila entre os canais mesiovestibulares e me-
o assoalho da câmara pulpar para detectar a presença de siolinguais. No entanto, pode ter um orifício definido
um canal adicional, o que é feito pela observação da li- na câmara pulpar e preparado individualmente.
nha que une os dois canais mesiais após a secagem do Kimura e Matsumoto25 abordando estudos an-
assoalho pulpar, explorando-o com uma fina sonda. teriores de molares inferiores com três canais distais
Muitas vezes uma depressão pode ser sentida permitin- relataram um caso de 1o molar inferior com uma raiz
do a introdução de um instrumento tipo K nos 8 e 10. mesial e duas distais perfazendo o total de cinco canais
Esse terceiro canal na raiz mesial é chamado de radiculares (dois canais mesiais e três distais). Esse ele-
intermediário ou intermédio. Algumas vezes para se mento dentário se apresentava com tratamento endo-
Considerações Finais
O tratamento endodôntico, que tem como finali-
dade precípua a perfeita obliteração do sistema de ca-
nais radiculares, começa pela abertura coronária e en-
volve diferentes fases, sendo todas de igual importân-
cia e dependentes do bom êxito das que as antecedem. Figura 7-37. Desgaste compensatório da cavidade pulpar e dos
Vários autores7,10,19,40 têm demonstrado que a ima- canais radiculares (desgaste anticurvatura) dos molares inferiores.
gem da anatomia radicular como tendo um canal cilin- Nota-se o desgaste das paredes proximais preservando a região de
drocônico, com uma abertura apical, é menos real do furca (zonas de perigo da raiz).
que a que mostra a presença de canais cilíndricos com
curvaturas, embolsamentos, intercomunicações, canais
acessórios e múltiplas foraminas. Portanto, ao intervir, A ampliação do segmento cervical antes da com-
o clínico deve considerar essas variações como anato- pleta instrumentação apical deve ser realizada para
mia normal, pela persistência de sua ocorrência. prevenir acidentes operatórios. Com a introdução do
O objetivo principal do acesso coronário e radicu- alargador Gates-Glidden no preparo dos canais radicu-
lar é obter uma linha reta da superfície oclusal ao seg- lares feita por Schilder43, em 1974, ficaram mais fáceis a
mento apical do canal para que os instrumentos endo- ampliação e a limpeza do segmento cervical, auxilian-
dônticos passem através da câmara e da parte reta do do consequentemente a instrumentação do segmento
canal sem sofrer deformação elástica ou plástica. Isso apical. Ainda como medida de prevenção de acidentes,
não é sempre possível por causa da relação coroa-raiz, Abou-Rass et al.1, em 1980, introduziram uma mano-
mas o acesso reto à primeira curvatura do canal deve bra de instrumentação anticurvatura, realizada pelo
ser tentado tanto quanto possível para que o operador alargador Largo, que se mostrou excelente auxiliar do
tenha maior controle e percepção tátil dos instrumen- preparo, ampliação e retificação do segmento cervical
tos manuais na região mais crítica do canal, o segmento (Fig. 7-37).
apical. A instrumentação dos molares, tanto superiores
quanto inferiores, é muitas vezes frustrante, por apre- UTILIZAÇÃO DO MICROSCÓPIO
sentar canais curvos, atresiados e com pequena conici- OPERATÓRIO E PONTAS DE ULTRASSOM
dade, dificultando o tratamento endodôntico.
NA ABERTURA CORONÁRIA E
Interferências coronárias na embocadura dos ca-
LOCALIZAÇÃO DOS CANAIS
nais mesiais restringem o movimento dos instrumentos
endodônticos e interferem no controle e percepção tátil
RADICULARES
delas no segmento apical24,27,28,32,40. É que o estímulo da Em 1977, Baumann, médico otorrinolaringologis-
ação de contato e atrito dentário durante a mastigação ta e cirurgião-dentista, publicou na literatura mundial
produz processo de deposição progressiva de dentina o primeiro relato sobre as possibilidades de utilização
nas paredes laterais da câmara pulpar, especialmente clínica do Microscópio Cirúrgico (MC), também cha-
contra as faces proximais, dificultando a abordagem mado Microscópio Operatório (MO), na Odontologia35.
de canais em dentes bi ou multirradiculares, induzindo Na Endodontia foi introduzido por Carr5, em 1992,
Pucci e Reig40 a enfatizarem o valor do desgaste com- sendo indicado para o reconhecimento da forma da ca-
pensatório já em 1945. Kuttler27, em 1960, indicava a vidade pulpar, localização dos orifícios de entrada dos
extensão do acesso coronário em sentido inverso ao da canais radiculares, identificação de calcificações pulpa-
curvatura do canal para a obtenção de maior retifica- res, observação de bifurcações radiculares, septos ou
ção do mesmo e prevenção do alargamento imperfeito istmos e canais laterais.
do seu eixo terminal, desviando-o e impossibilitando Esse aparelho possui magnificações variadas de
sua correta obturação. acordo com os diferentes modelos e marcas do merca-
268 Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
do, com intensa iluminação35 oferecida por uma lâmpa- tos microcirúrgicos como os insertos ultrassônicos. A
da halógena de pelo menos 150W, com intensidade re- utilização do binômio microscópio-insertos, ou pontas
gulável e controlada por meio de um reostato. Essa luz de ultrassom, tem-se mostrado eficaz sob magnifica-
é coaxial, isto é, paralela à linha de visão, permitindo ção53 em virtude de não interferir na iluminação e vi-
ao operador observar o campo operatório sem sombras sibilidade, o que ocorre com as brocas devido à cabeça
e manter os olhos em repouso, como se observasse o de alta rotação e ou da peça de mão. O desgaste ul-
infinito, o que permite intervenções prolongadas sem trassônico, no entanto, deve ser realizado sem irriga-
fadiga ocular41. ção para não impedir a visão do operador e em curtos
Com relação à magnificação, o aumento mínimo períodos para que o aumento de temperatura advindo
será de 2,5× a 8× e servirá para observar um campo desse uso não promova alterações nas estruturas de
operatório amplo. O aumento médio irá de 8× a 16× e suporte do dente41. Esses insertos ultrassônicos, ainda,
será utilizado para um trabalho de precisão. O maior proporcionam maior segurança garantindo menor ris-
aumento irá desde 16× até o máximo de 32× a 40× e co de perfurações. São necessários também espelhos de
está indicado para a observação de detalhes mais re- superfície plana para uma visão mais acurada.
finados, perdendo, porém, em profundidade de cam- Existem no comércio pontas ativadas pelo ultras-
po41. Ao nível de procedimentos clínicos, geralmente som de diferentes marcas usadas na Endodontia. Para
trabalhamos nos aumentos intermediários usando os abordagem de calcificações, Puente e Saavedra41 indi-
maiores para verificação dos trabalhos, pois as referên- cam: Satelec ET40, ET-40D e Pro-Ultra Endo 3, 4 e 5 e as
cias anatômicas são facilmente perdidas em aumentos desenvolvidas por Gary Carr: Slim-Jim SJ-4, UT-4, Pon-
muito grandes. ta Troughing, Ponta Enac Ball Diamond, CT-4 e a CT-4D,
O microscópio operatório tem proporcionado ao as quais são de alta resistência ao desgaste e fratura.
operador condições para visualização do campo ope- A localização do canal mesiovestibular pode ser
ratório (cavidade pulpar), facilitando a localização da feita com pontas ultrassônicas, como a CPR-2C (Spar-
embocadura dos canais radiculares (Fig. 7-38). tan, Inc., Fenton) sob magnificação 12X53, ou a Enac Ball
Os canais atresiados são mais facilmente localiza- Diamond ou CKT 2 – D Carr Diamond Killer Tip, dentre
dos com o emprego do MO, pontas ativadas com ul- outras.
trassom e soluções irrigadoras como o hipoclorito de Encontramos, no comércio brasileiro com facili-
sódio. Sob a luz coaxial do MO, verifica-se o diferencial dade, as pontas ultrassônicas Dental Trinks, que são de
de cor, entre a dentina original e a calcificada, como baixo custo e universais e necessitam de adaptadores
também o efeito de efervescência (bolhas de champag- para as diferentes marcas de aparelhos de ultrassom.
ne), “teste da bolha”, em função da ação da solução de Para uso em câmaras pulpares apresentam-se como:
hipoclorito de sódio dissolvendo os tecidos orgânicos TU 15 C (haste policurva – 27mm) e TU 16 C (haste
presentes nos canais adicionais41. policurva – 32mm) para remoção de interferências na
Para a manipulação desses canais com o uso do entrada do canal; TU 24 (alisamento), indicada para ali-
microscópio operatório precisamos lançar mão de ins- samento e remoção de interferências e TU 27 (esférica)
trumentos adequados. Assim, para a manipulação mi- indicada para canais atresiados e localização do quarto
crocirúrgica, têm sido introduzidos vários instrumen- canal em molares superiores (canal MV2).
O MO além de oferecer magnificação (ampliação) 17. Gilles J, Reader A. An SEM investigation of the mesiolingual
e iluminação, permite a documentação clínica, por- canal in human maxillary first and second molars. Oral Surg
Oral Med Oral Pathol, 1990; 70: 638-43.
que facilita a obtenção e armazenamento de imagens 18. Grossman LI, Oliet S, Del Rio CE. Endodontic Pratice, 11th ed.,
conseguidas durante os procedimentos. As câmaras Philadelphia: Lea & Febiger, 1988.
digitais de fotografia possuem saídas para vídeo que 19. Hess W. The anatomy of the root canals of the teeth of the
permanent dentition. New York, Williams Wood Co., 1925,
permitem sua conexão aos monitores e observação nos 200p. Apud De Deus QD. Endodontia. 5a ed. Rio de Janeiro:
mesmos da imagem focalizada pelo MO. A focalização Medsi, 1992. Cap. 2.
da imagem através do monitor para fotografia oferece 20. Hess W, Zurcher E. The anatomy of the root canals of the teeth
of the permanent and deciduous dentitions. New York: William
maior precisão em função de seu tamanho e permite
Wood Co., 1925.
ao operador observar os procedimentos clínicos, sem 21. Ibelli GS et al. Influence of cervical preflaring on apical file
ter o olho fixado nas oculares, facilitando também sua size determination in maxillary lateral incisors. Braz Dent J,
comunicação com o paciente41. 2007; 18(2):102-6
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Fundamentação Capítulo 8
Filosófica do
Tratamento
Endodôntico
José Freitas Siqueira Jr.
Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes
Como abordado no Capítulo 2, existem diversos pende do reconhecimento das peculiaridades de cada
tipos de patologia pulpar e perirradicular. Entretan- uma dessas condições. A diferença fundamental entre
to, uma visão mais abrangente direcionada à filosofia elas reside no fato de que os casos de polpa necrosada
de tratamento revela que, na prática clínica diuturna, e de retratamento são caracterizados pela presença de
o profissional pode se deparar basicamente com três infecção, enquanto os de polpas vitais são livres de in-
condições endodônticas que requerem tratamento – fecção. Para que um elevado índice de sucesso de mag-
polpas vitais, polpas necrosadas e casos de retratamen- nitude similar seja obtido para essas condições deve-se
to (Fig. 8-1). O sucesso do tratamento endodôntico de- reconhecer que medidas terapêuticas diferenciadas de-
271
272 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
vem ser instituídas. Em outras palavras, o tratamento não irá persistir, porque tais estímulos também não são
para tais condições deve ser calcado em estratégias di- usualmente persistentes. Na realidade, micro-organis-
ferentes, se esperado o mesmo índice de sucesso. Este mos e seus produtos representam o principal fator cau-
capítulo discute os aspectos filosóficos que norteiam sador de agressões ao tecido pulpar. Do ponto de vista
a tomada de decisão e o tratamento dessas condições, epidemiológico, tal fator pode ser agravado em países
além de oferecer protocolos de atendimento com base em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, tendo em
em evidências científicas que garantem uma alta taxa vista a grande incidência da cárie dentária.
de sucesso. A simples difusão dos produtos bacterianos pe-
los túbulos dentinários é suficiente para desencade-
ar um processo inflamatório pulpar, ou seja, a polpa
TRATAMENTO DE DENTES POLPADOS – se inflama antes mesmo de sua franca exposição15,114.
BIOPULPECTOMIA (Para revisão mais detalhada ver o Capítulo 2.) Mes-
mo quando há exposição da polpa à cavidade oral (por
Define-se biopulpectomia como a remoção da polpa
cárie ou outros fatores), enquanto permanecer vital, a
normal ou inflamada; portanto, apresentando vitalida-
polpa consegue se defender da invasão bacteriana por
de. Esse procedimento microcirúrgico tem sua indica-
meio da inflamação. A infecção se restringe à superfície
ção primordial nos casos de pulpite irreversível, sinto-
exposta do tecido, ao nível da câmara pulpar; mais pro-
mática ou assintomática ou, ainda, onde houve fracas-
fundamente, a polpa dos canais radiculares e os tecidos
so do tratamento conservador (capeamentos indireto e
perirradiculares não estarão infectados, mas normais
direto ou pulpotomia).
ou apenas inflamados178.
Entretanto, existem situações clínicas em que a
No que tange à filosofia de tratamento, a biopul-
polpa, apesar de estar clinicamente normal, necessita-
pectomia assume um caráter profilático, pois visa es-
rá ser removida, principalmente em dentes que serão
sencialmente à prevenção do desenvolvimento de uma
submetidos a procedimentos periodontais, protéticos
lesão perirradicular. Uma polpa inflamada irreversi-
ou cirúrgicos, quando então o tratamento endodônti-
velmente é removida para prevenir a necrose e infecção
co passa a ser de fundamental importância dentro do
subsequentes, sendo então substituída pela obturação
plano de tratamento global do paciente. Essa situação é
do sistema de canais radiculares. Uma vez exposta por
definida como biopulpectomia eletiva.
cárie, a polpa sofre inflamação de caráter irreversível
Do ponto de vista periodontal, a biopulpectomia
que requer intervenção mais invasiva no tecido para
está indicada para dentes portadores de defeitos ósseos
remoção da parte afetada (Fig. 8-2). Em casos de expo-
angulares profundos, onde serão realizadas técnicas
sição por cárie, o capeamento direto está contraindica-
periodontais regenerativas (enxerto ósseo, regeneração
do. Pelo menos uma parte dessa polpa exposta deverá
tecidual guiada) ou nos casos onde será realizada a re-
ser excisada. Tem sido demonstrado que quanto maior
moção de uma raiz de dentes multirradiculares.
a quantidade de tecido pulpar excisado, maior será a
Do ponto de vista protético, a biopulpectomia
chance de sucesso do tratamento. Assim, a curetagem
eletiva está indicada nos casos de dentes que serão
pulpar, na qual apenas uma porção da polpa é excisada
retentores protéticos e onde os procedimentos para a
nas proximidades da área de exposição, oferece um ín-
obtenção do paralelismo levarão a uma grande perda
dice de sucesso menor do que a pulpotomia, onde toda
dentinária, podendo, inclusive, haver a exposição pul-
a polpa coronária é removida, que, por sua vez, oferece
par. Uma segunda indicação será para dentes que ne-
um índice de sucesso menor do que a biopulpectomia,
cessitam da colocação de um retentor intrarradicular.
onde além da polpa coronária também a radicular será
Do ponto de vista cirúrgico, a biopulpectomia ele-
excisada187. Isso se justifica pelo fato de que quanto
tiva está indicada em casos de procedimento cirúrgico
maior a parte de tecido pulpar removida, maior será
em que a intervenção envolverá o ápice radicular, ou
a margem de segurança quanto à probabilidade de re-
suas proximidades, de um dente com polpa viva. Para
movermos a porção tecidual afetada em decorrência da
prevenir o desconforto pós-operatório e futuras com-
agressão microbiana direta oriunda da exposição por
plicações realiza-se a biopulpectomia profilática.
cárie.
Assim, a remoção de uma polpa vital e a realiza-
Micro-organismos e polpa ção de um correto tratamento endodôntico apresentam
Embora agentes físicos e químicos possam ser os aspectos favoráveis no que diz respeito ao processo
responsáveis por uma inflamação pulpar, em geral ela de reparação tecidual, tendo em vista a ausência de
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 273
A B
micro-organismos no interior do sistema de canais ra- cedimentos endodônticos são realizados nesse ambiente
diculares. Além desse importante aspecto, a reparação com alto risco de contaminação, cabe ao profissional
também estará favorecida se não forem empregadas estar bastante alerta e utilizar estratégias bem definidas
substâncias citotóxicas durante a realização do trata- para não levar esses micro-organismos para o interior
mento, as quais são representadas pela substância quí- do sistema de canais radiculares, ao mesmo tempo em
mica auxiliar, medicamentos empregados durante as que deve se empenhar para eliminar os já existentes na
sessões operatórias e materiais obturadores. porção superficial do tecido pulpar exposto.
Em resumo, o sucesso do tratamento endodôntico Nesse ponto seria desnecessário enfatizar o papel
em dentes polpados está na dependência direta de dois da esterilização de todo o instrumental a ser emprega-
fatores básicos: a não introdução de bactérias no siste- do, como o material clínico, instrumentos endodônti-
ma de canais radiculares (assepsia) e a não utilização cos, canetas, micromotores, brocas etc., de preferência
de substâncias com alto poder citotóxico que poderiam em autoclave.
desencadear ou manter uma inflamação nos tecidos O primeiro passo para se evitar a contaminação
perirradiculares. do campo operatório é o preparo do dente que vai rece-
ber o tratamento. A remoção total de cárie, placa bacte-
riana, cálculo, hiperplasias gengivais invaginadas nas
Assepsia destruições coronárias e a reconstrução da porção den-
Das mais de 700 espécies bacterianas que têm sido tária perdida, por exemplo, são medidas preventivas
encontradas na cavidade oral, cada indivíduo pode abri- que irão propiciar uma melhor condição de assepsia
gar 100 a 200 em sua boca101. A grande maioria das bac- antes do início do tratamento178 (Fig. 8-3A).
térias orais pode agir como patógenos oportunistas des- Após o preparo do dente, procede-se à antissep-
de que existam condições predisponentes. Como os pro- sia da cavidade bucal por meio de bochecho com solu-
274 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
ção antisséptica, como, por exemplo, uma solução de Outro aspecto de grande relevância para manu-
digluconato de clorexidina a 0,12% por 1 minuto. Em tenção da cadeia asséptica é evitar a contaminação da
sequência se aplica o isolamento absoluto do campo parte dos instrumentos endodônticos estéreis que será
operatório, o qual é o conjunto formado pelo lençol introduzida no canal, pelo toque intencional ou aciden-
de borracha, grampo e arco, sendo extremamente tal com os dedos. Isso pode veicular bactérias contami-
vantajoso para o profissional e paciente, uma vez que nantes da luva para o interior do canal, gerando poten-
permite o trabalho em um campo seco com melhor cial para uma infecção secundária. Além disso, tocar
visão, com menor risco de contaminação, com maior a parte ativa de um instrumento que já foi levado ao
proteção para os tecidos adjacentes (gengiva, boche- canal incorre em risco de contaminação do profissional
cha, língua) contra a ação de medicamentos e solu- em caso de acidente perfurante com o instrumento. As-
ções irrigadoras, torna o trabalho mais rápido e mais sim, existem dispositivos e/ou manobras especiais que
cômodo e evita a aspiração ou sucção, pelo paciente, permitem o profissional pré-encurvar o instrumento
de qualquer tipo de substância ou instrumento. Com ou introduzi-lo em um contra-ângulo sem a necessida-
base em todas essas vantagens, infere-se que a utiliza- de do toque com os dedos na parte do instrumento que
ção do isolamento absoluto é imprescindível durante penetrará no canal.
a execução do tratamento endodôntico. Quando da A biopulpectomia deve ser considerada como um
impossibilidade de isolar o dente, o tratamento está ato cirúrgico e, como tal, requer cuidados de assepsia
contraindicado. durante todo o tratamento e uma técnica adequada
Após a aplicação do isolamento absoluto e antes para que bons resultados sejam alcançados178.
de qualquer procedimento endodôntico, procede-se à
descontaminação do campo operatório, incluindo den-
te, grampo e lençol de borracha, por meio do uso de
Preservando os tecidos perirradiculares
uma gaze ou algodão embebido em peróxido de hidro- Partindo-se do pressuposto que a infecção super-
gênio a 3% seguido pela aplicação de álcool iodado a ficial foi combatida após a remoção da polpa coronária,
5%, clorexidina a 2% ou hipoclorito de sódio a 2,5%178 o profissional deve ter em mente que a biopulpectomia
(Fig. 8-3B). é um procedimento cirúrgico que mesmo realizado
Após o preparo da cavidade de acesso e a remoção com os rigores de uma técnica adequada vai produzir
da polpa coronária, deve-se proceder a uma profusa ir- inflamação no tecido adjacente à polpa que foi extir-
rigação da câmara pulpar com solução de hipoclorito pada. A gravidade do processo inflamatório é propor-
de sódio na concentração de 2,5%. Esse procedimento cional ao trauma causado aos tecidos; quanto maior a
não apenas promove a remoção de restos pulpares e intensidade da injúria, mais grave será a intensidade
de coágulos sanguíneos (limpeza e prevenção do escu- da resposta inflamatória167. Portanto, todos os procedi-
recimento da coroa), como também permite combater mentos clínicos devem ser realizados com o intuito de
a possível infecção da superfície do tecido pulpar (de- minimizar essa inflamação e, ao mesmo tempo, manter
sinfecção). a normalidade dos tecidos vivos remanescentes.
A B
Figura 8-3. Medidas essenciais para prevenção da infecção endodôntica – Assepsia. A. Remoção de placa previamente ao isolamento ab-
soluto. B. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo operatório, incluindo dente, lençol de borracha e grampo, deve ser limpo e
descontaminado.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 275
Escolha do instrumento para o corte do tecido normalmente após a conclusão da terapia endodôntica,
Durante os últimos anos, muitos foram os ins- a despeito de uma irritação efêmera em uma pequena
trumentos endodônticos desenvolvidos. Porém, todos área tecidual causada pelo NaOCl.
foram projetados com o intuito de melhorar suas pro-
priedades mecânicas para cortar e modelar as paredes
Escolha da medicação intracanal
dentinárias ao mesmo tempo em que nenhum fabri-
cante se preocupou em desenvolver um instrumento Após a realização do preparo químico-mecânico
que se adaptasse aos problemas de ordem biológica em dentes polpados, duas são as opções de tratamento:
quando da realização do tratamento endodôntico178. a obturação do sistema de canais radiculares na mes-
Alguns estudos avaliaram o tipo de ferida tecidu- ma sessão operatória e a colocação de uma medicação
al produzido após o corte da polpa, como a lima He- intracanal, postergando-se a conclusão do tratamento
dstrom, o alargador, o extirpa-nervo etc. Tais estudos para uma segunda sessão.
demonstraram que nenhum instrumento foi superior O tratamento em sessão única em casos de bio-
ao outro no que diz respeito à resposta dos tecidos pe- pulpectomia é um procedimento que apresenta muito
rirradiculares à excisão pulpar84,95,134. mais vantagens do que desvantagens, tanto para o pro-
Além disso, um corte bem-feito e a posterior re- fissional como para o paciente, tais como: economia de
moção total da polpa só são possíveis em canais que te- tempo e de material descartável, maior produtividade
nham amplos diâmetros. Em canais atresiados, a polpa e início imediato dos procedimentos restauradores39.
é removida aos pedaços, por fragmentação durante a Além disso, tal tratamento vem-se tornando um fato
realização do preparo químico-mecânico propriamente rotineiro, principalmente quando os fatores habilidade
dito. A verdade é que, até os dias de hoje, o profissional do profissional, ergonomia na sua execução e aceitação
não dispõe de um instrumento eficiente e atraumático pelo paciente permitirem a sua realização39,186. O fato
que propicie o corte e a remoção do tecido pulpar de de que na biopulpectomia a polpa se encontra inflama-
forma controlada178. da, mas não infectada, permite a conclusão do trata-
Feitos o corte e a remoção da polpa, o preparo mento em sessão única, não havendo necessidade de
químico-mecânico deve ser feito, de preferência, na se empregar um medicamento entre as consultas para
mesma sessão operatória. A presença de remanescen- auxiliar na desinfecção do canal.
tes teciduais por períodos mais longos no interior do Por outro lado, quando a biopulpectomia estiver
sistema de canais radiculares sem qualquer medicação indicada em dentes portadores de pulpite aguda e sin-
pode predispor à dor pós-operatória e à infecção se- tomatologia perirradicular, em canais atresiados e/ou
cundária do canal. calcificados ou em raízes com curvaturas abruptas, o
procedimento em sessão única talvez deva ser subs-
tituído pelo tratamento em duas sessões, em função
Escolha da solução irrigadora das dificuldades inerentes ao fato que acarretaria um
Sob as condições de uso clínico, as soluções de aumento no processo inflamatório perirradicular no
hipoclorito de sódio (NaOCl) não apresentam gran- primeiro caso ou um tempo muito longo para sua rea-
des preocupações devido ao seu potencial citotóxico lização nas outras situações mencionadas.
demonstrado em laboratório58. Uma vez confinada ao Na impossibilidade de se completar o tratamen-
canal durante a irrigação, a solução irrigadora apenas to em sessão única após a biopulpectomia e o preparo
entra em contato com uma área mínima de tecido ao químico-mecânico do sistema de canais radiculares, a
nível do forame apical e de eventuais ramificações. ausência de uma medicação intracanal pode acarretar o
Além disso, por permanecerem no canal por um pe- retardo do processo de reparo em razão da persistência
ríodo curto, as soluções de NaOCl não produzem de um processo inflamatório na região perirradicular63.
grandes danos aos tecidos. Na verdade, o NaOCl é a Portanto, faz-se necessário o emprego de uma subs-
solução eleita para casos de biopulpectomia por apre- tância que, além de ser biocompatível com os tecidos
sentar capacidade solvente de matéria orgânica, o que vivos remanescentes, controle a intensidade do pro-
auxilia na limpeza do sistema de canais radiculares, e cesso inflamatório decorrente do trauma cirúrgico do
por ter atividade antimicrobiana que ajuda a manter corte e remoção da polpa e preparo químico-mecânico
o canal em condições assépticas, evitando os riscos de e que previna a infecção do canal durante o período
infecção secundária transoperatória. Livre de micro- entre as consultas138. Deve-se optar por uma associa-
organismos, os tecidos perirradiculares irão se reparar ção corticosteroide-antibiótico, quando o canal não foi
276 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
totalmente instrumentado, e por uma pasta de hidróxi- culares não se estabelece, o que é prevenido pela capa-
do de cálcio, quando o preparo estiver concluído. Uma cidade de defesa do tecido pulpar. Todavia, se a polpa
vez que nos casos de biopulpectomia não há infecção se tornar necrosada, independentemente da causa, uma
do canal, pode-se optar pelo emprego de veículos iner- infecção irá se instalar no sistema de canais radiculares
tes para o hidróxido de cálcio, como a água destilada, o mais cedo ou mais tarde, uma vez que a capacidade de
soro fisiológico, a solução anestésica ou a glicerina. defesa tecidual foi perdida em decorrência da necrose.
Se houver disponibilidade de tempo e não hou- O risco de infecção do canal também é grande quando
ver suspeita de quebra da cadeia asséptica, procede-se a polpa foi removida para tratamento, principalmente
à obturação imediata do sistema de canais radiculares. quando o canal se encontra vazio por algum motivo ou
Em casos de biopulpectomia, essa é a conduta ideal, inadequadamente preenchido (obturado). Contudo,
uma vez que não estamos lidando com um processo salienta-se que mesmo alguns casos de canais bem ob-
infeccioso no canal e, quanto mais rápido o tratamen- turados podem abrigar uma infecção que usualmente
to for concluído, menor o risco de haver uma infecção é a causa da manutenção de uma lesão perirradicular
secundária do canal, o que colocaria em risco o sucesso que leva à necessidade de retratamento.
da terapia. Nos casos em que há suspeita de quebra da Micro-organismos colonizando o canal radicular
cadeia asséptica está indicado o emprego de medicação representam o principal fator etiológico das patologias
intracanal com pasta de hidróxido de cálcio em um veí- perirradiculares (Fig. 8-4). Conceitualmente, doenças
culo biologicamente ativo, como o paramonoclorofenol infecciosas (como as lesões perirradiculares) apenas
canforado (pasta HPG) ou a clorexidina. são tratadas com sucesso por meio da eliminação dos
micro-organismos causadores. É nesse contexto que
Perspectivas se insere o tratamento de dentes despolpados, ou seja,
além da importância de se prevenir a introdução de no-
O desenvolvimento de técnicas de regeneração
vos micro-organismos no interior do sistema de canais
pulpar, inclusive envolvendo células-tronco, tem sido
radiculares, deve-se eliminar a infecção endodôntica ou
objeto de foco por agências de fomento à pesquisa nor-
reduzi-la significativamente para que o tratamento (ou
te-americanas, contando com um número crescente de
retratamento) logre êxito. Assim, uma vez que as le-
pesquisadores envolvidos nesses projetos. Essas técni-
sões perirradiculares têm etiologia infecciosa, prevenir
cas visam à reparação de forma previsível das polpas
e tratar a infecção endodôntica é a principal tarefa do
acometidas por inflamação atualmente considerada
profissional que pratica a Endodontia, seja consciente
irreversível (exposição por cárie) ou mesmo à indu-
ou inconscientemente, direta ou indiretamente.
ção da formação de uma nova polpa após a necrose
Para efeito de tratamento deve-se considerar todo
ou remoção para tratamento prévio91. Contextualmen-
dente contendo polpa necrosada como infectado, in-
te, considerando-se que a Endodontia essencialmente
dependentemente da detecção radiográfica de uma al-
visa à prevenção e ao tratamento da patologia perir-
radicular, a principal vantagem de o endodontista se
envolver com procedimentos que regenerem de forma
previsível polpas expostas por cárie ou que levem à
formação de nova polpa seria a prevenção da patologia
perirradicular, uma vez que ela não se forma quando
da presença de uma polpa sadia, logo não infectada,
no canal, mantendo a saúde perirradicular da melhor
forma possível. Os avanços das pesquisas nessa área
oferecem um futuro promissor para a Endodontia re-
generativa.
TRATAMENTO DE DENTES A B
Figura 8-7. Biofilme espesso aderido às paredes do canal mesial de um primeiro molar inferior com lesão perirradicular associada. Notar o
acúmulo de neutrófilos na região da luz do canal próxima ao biofilme. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
A B
C D
Figura 8-8. Infecção primária do canal. A e B. Eletromicrografias da parede do canal recoberta por biofilme bacteriano. Notar material
amorfo com células bacterianas embebidas. (Gentileza dos Drs. José F. Siqueira Jr. e Hélio R. Sampaio Filho.) C e D. Infecção mista do canal,
evidenciada pela presença de cocos, bacilos e espirilos colonizando as paredes do canal radicular. (Reproduzido de Siqueira et al.160, com
permissão da editora.)
280 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
A B
Figura 8-9. Propagação da infecção do canal radicular para o interior dos túbulos dentinários. A. Dentina radicular evidenciando a invasão
bacteriana intratubular. B. Maior aumento.
rirradiculares, sintomáticas ou não, torna-se evidente a quais são apenas eficazes em impedir a disseminação
necessidade de se prevenir e de se controlar a infecção da infecção, mas não em eliminá-la. Em razão da lo-
endodôntica, visando ao reparo das estruturas perir- calização anatômica da infecção endodôntica, ela ape-
radiculares e ao restabelecimento da função dentária nas pode ser tratada por meios químicos e mecânicos,
normal e da saúde bucal. Essa é a base sólida na qual se representados pela intervenção profissional. Assim, o
fundamenta a Endodontia contemporânea. tratamento endodôntico apresenta três etapas princi-
Tendo isso em mente, é imperioso ressaltar que o pais de combate à infecção: o preparo químico-mecâ-
sucesso do tratamento de dentes despolpados (necro- nico, a medicação intracanal e a obturação do sistema
pulpectomia ou retratamento) dependerá não somen- de canais radiculares137.
te da prevenção da infecção endodôntica, que, como
na biopulpectomia, assume extrema importância, mas
também da eliminação ou da máxima redução possível Controle da infecção – efeito do preparo
de bactérias no interior do sistema de canais radicu- químico-mecânico
lares. Estudos22,70,171,173,189 demonstraram que a resposta Durante o preparo químico-mecânico, limas en-
tecidual perirradicular e, por conseguinte, o índice de dodônticas promovem a remoção mecânica de micro-
sucesso do tratamento endodôntico de dentes com pol- organismos, seus produtos e tecidos degenerados,
pa necrosada e lesão perirradicular podem ser signifi- auxiliadas por uma substância química que, além de
cativamente elevados quando a infecção endodôntica maximizar a remoção de detritos através da ação mecâ-
é erradicada. nica do fluxo e refluxo, também pode exercer um efeito
Em geral, a infecção endodôntica possui algu- químico significativo, desde que possua ação antimi-
mas peculiaridades que a diferem de outras infecções crobiana e solvente de matéria orgânica140.
em outras partes do organismo. Uma vez instalada,
ela não é passível de remissão espontânea pela ação
dos mecanismos de defesa do hospedeiro e tampouco Ação mecânica
pode ser tratada por antibioticoterapia sistêmica. Isso Mesmo quando não se emprega uma solução ir-
é justificado pelo fato de que o canal com a polpa ne- rigadora dotada de atividade antibacteriana, a ação
crosada (necropulpectomia) ou previamente tratado mecânica da instrumentação e da irrigação é sufi-
(retratamento) é desprovido de vasos sanguíneos que ciente para eliminar uma quantidade substancial de
possam transportar células e moléculas de defesa, as- micro-organismos e de tecido degenerado do inte-
sim como antibióticos, para o sítio infectado. Destar- rior do sistema de canais radiculares5,24,28,65,148. Toda-
te, micro-organismos presentes na infecção do canal via, a eliminação total de bactérias não é observada
radicular se encontram alojados em um “santuário” na maioria dos casos. Ingle e Zeldow65 verificaram
privilegiado, sem o acesso dos mecanismos intrín- que, imediatamente após a instrumentação e irriga-
secos ou extrínsecos de combate a uma infecção, os ção com água destilada, 80% dos canais radiculares
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 281
de levar ao sucesso em quase 100% dos casos. A busca tivo menor número de casos que fracassaram (15,8%)
de um protocolo de tratamento que permita restabe- do que o grupo de sessão única (41,2%). Tais achados
lecer esse ambiente favorável ao reparo perirradicular em cães foram corroborados por vários outros estudos
deve ser a máxima que norteia a Endodontia atual. similares61,80,133 (Fig. 8-15).
Na verdade, tanto na Medicina quanto na Odon- Analisando o sucesso do tratamento endodôntico
tologia, o sucesso a longo prazo é o parâmetro mais em pacientes humanos por meio de um estudo mul-
importante pelo qual as modalidades de tratamento ticêntrico prospectivo, Friedman et al.46 revelaram que
são comparadas. Deve-se oferecer ao paciente o trata- dentes com canais radiculares infectados apresentaram
mento que apresenta uma maior probabilidade de re- um índice de sucesso 9% maior quando tratados em
sultar em sucesso a longo prazo. Poucos estudos ava- múltiplas sessões do que quando tratados em sessão
liaram o sucesso a longo prazo da terapia endodôntica única.
em dentes portadores de necrose pulpar realizada em Em outro estudo clínico, Trope et al.189 compara-
sessão única. A maioria tem sido calcada em critérios ram radiograficamente o sucesso de dentes tratados
pouco rígidos e mal definidos. As falhas mais comuns em sessão única ou em duas sessões. Todos os trata-
se referem a reduzidos períodos de prosservação; não mentos foram efetuados pelo mesmo operador, empre-
diferenciação de condições patológicas (polpa viva, gando sempre a mesma técnica de instrumentação e o
necrose com ou sem lesão); tratamentos sem padroni- mesmo tipo de substância química auxiliar (NaOCl a
zação; múltiplos operadores com óbvias variações de 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio
habilidade; estudos retrospectivos e não prospectivos; foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana.
e critérios não rígidos para determinar o que represen- A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso
ta o sucesso. de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74%
Um estudo bem controlado e delineado por Sjö- para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante
gren et al.171 revelou resultados relativamente desalen- adicional da medicação intracanal elevou em 10% o ín-
tadores para o tratamento em sessão única de canais dice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi consi-
infectados. Esses autores investigaram o papel da in- derada clinicamente relevante.
fecção no sucesso da terapia endodôntica concluída em Assim, com base em estudos clínicos randomi-
sessão única. Todos os canais (n = 53) estavam infecta- zados, pode-se inferir que o tratamento efetuado em
dos antes do tratamento, e o percentual de sucesso foi uma ou mais sessões utilizando uma pasta de hidróxi-
investigado após acompanhamento de 5 anos. Em 44 do de cálcio como medicamento oferece um índice de
casos (83%), as lesões desapareceram completamente. sucesso 10 a 20% maior do que o efetuado em sessão
Em nove (17%), houve fracasso da terapia endodôntica. única87,171,173,189 (Fig. 8-16). Entretanto, outros estudos
Desses nove que fracassaram, sete apresentaram cultu- mostraram praticamente ausência de diferença per-
ra positiva antes da obturação. Esse índice de sucesso centual104 ou mesmo uma taxa de sucesso 10% maior
obtido em sessão única (83% dos casos) pode ser con- com sessão única (Fig. 8-16). Sathorn et al.127 tentaram
siderado baixo quando comparado ao de outro estudo realizar uma revisão sistemática da literatura lidando
de Sjögren et al.173, onde os canais de dentes despolpa- com esse assunto e, em 2005, ano de publicação do ar-
dos tratados em múltiplas sessões, quando obturados tigo, só conseguiram incluir três artigos que se qualifi-
no limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram caram em seus critérios105,189,200. Os dados para análise
em um índice de sucesso de 94% dos casos. foram limitados e não permitiram maiores conclusões
Em um estudo histológico em dentes de cães, Kate- entre um método e outro, havendo a necessidade de
bzadeh et al.70 avaliaram o reparo de lesões perirradicu- outros estudos com maior número de amostras para
lares após o tratamento endodôntico efetuado em uma se alcançar uma posição definida. Em decorrência, en-
ou duas sessões. Os canais foram irrigados com solu- quanto estudos bem realizados com elevado número
ção salina e no grupo de duas sessões foi utilizada me- de amostras não forem disponibilizados, o bom senso
dicação com hidróxido de cálcio. Após 6 meses, a aná- deve prevalecer no sentido de que se deve optar por
lise histológica revelou que houve significativamente protocolos que previsivelmente eliminem a causa de
menos inflamação perirradicular no grupo tratado em lesões perirradiculares. Em outras palavras, protocolos
duas sessões. Em outro estudo também em cães71, mas com comprovada eficácia antimicrobiana demonstrada
realizando análise radiográfica do sucesso, os mesmos por estudos clínicos randomizados devem ser utiliza-
autores revelaram melhores resultados também para o dos para o tratamento ou retratamento de dentes com
grupo de duas sessões, o qual apresentou um significa- lesões perirradiculares.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 285
Figura 8-15. Reparação perirradicular em cães após tratamento em uma ou duas consultas. A. Radiografia quando da conclusão dos trata-
mentos de dentes com lesão induzida. B e C. Espécimes obturados em sessão única. Notar intenso infiltrado inflamatório e reabsorção radi-
cular. D. Espécime tratado em duas sessões com pasta HPG ou E, com óleo ozonizado. Ambos demonstram reparo perirradicular compatível
com o sucesso do tratamento. (Dados extraídos de Silveira et al.133.)
Figura 8-16. Dados de estudos comparando o índice de sucesso do tratamento endodôntico efetuado em uma ou mais consultas.
286 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
não por suposições, o que não significa ser “teórico”, zar essa redução, o emprego de curativos intracanais
“ortodoxo” e/ou “conservador”, mas sim responsável, está diretamente relacionado com uma melhor re-
consciente e bem informado. paração dos tecidos perirradiculares e, consequen-
É imperioso salientar que a medicação intracanal, temente, com um maior índice de sucesso da terapia
assim como qualquer outro procedimento, não irá este- endodôntica22,62,70,79,133,189.
rilizar o canal. Embora esse seja o ideal a ser alcançado, Desde sua introdução por Hermann, em 192060, o
o objetivo viável a ser atingido na realidade clínica é a hidróxido de cálcio tem sido amplamente usado em En-
máxima redução das populações bacterianas a um nível dodontia como um medicamento intracanal, por possuir
(limiar) que seja compatível com o reparo perirradicular. atividade antibacteriana pronunciada, a qual é ditada
Baseado em estudos clínicos randomizados, esse limiar pela sua elevada alcalinidade21,149. Entretanto, seus efei-
pode ser interpretado como o número de células bacte- tos são altamente dependentes da disponibilidade de
rianas aquém daquele necessário para ser detectado pelo íons hidroxila em solução. Meios de cultura (em testes
método de cultura (cultura negativa). Isso não significa in vitro), fluidos teciduais e a dentina (esses em testes in
que o clínico deva realizar a cultura no consultório, mas vitro com dentes extraídos e in vivo – condição clínica)
sim se basear na literatura científica para utilizar proto- possuem substâncias tamponadoras que podem limitar
colos clínicos que previsivelmente promovam um eleva- a ação antibacteriana do hidróxido de cálcio por impe-
do índice de culturas negativas antes da obturação. direm um aumento significativo no pH55,57,112,142,144,149,197.
É aparentemente óbvio que, no futuro, o trata- Essa afirmativa é reforçada por numerosos estudos que
mento endodôntico em sessão única poderá ser uma avaliaram a capacidade de o hidróxido de cálcio desinfe-
realidade, mesmo em dentes despolpados. As pesqui- tar os túbulos dentinários34,56,96,124,142,179,199 e a sua atividade
sas aparentemente caminham para a descoberta de me- inibitória por meio do teste de difusão em ágar1,30,144. Ha-
didas que permitirão esse tratamento. Por enquanto, o apasalo e Orstavik56 observaram que uma pasta à base de
protocolo de tratamento que oferece uma previsível hidróxido de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia)
eliminação bacteriana, a ponto de atingir elevados ín- falhou em eliminar, mesmo superficialmente, células de
dices de cultura negativa antes da obturação, envolve a E. faecalis dentro dos túbulos da dentina. Safavi et al.124
aplicação de uma medicação intracanal. relataram que células de Enterococcus faecium permanece-
ram viáveis no interior de túbulos dentinários após tra-
tamento com uma pasta de hidróxido de cálcio em solu-
Controle da infecção – efeito da medicação
ção salina por períodos relativamente longos. Siqueira e
intracanal
Uzeda142 verificaram que a pasta de hidróxido de cálcio
Embora uma redução considerável no número de em solução salina foi ineficaz em eliminar E. faecalis e
células bacterianas da luz do canal principal possa ser Fusobacterium nucleatum no interior de túbulos dentiná-
obtida pelos efeitos químico e mecânico da instrumen- rios, mesmo após uma semana de exposição. Contra-
tação e da irrigação, bactérias podem permanecer viá- riamente, a pasta de hidróxido de cálcio e PMCC efeti-
veis em regiões inacessíveis a eles. Enquanto menores vamente eliminou bactérias nos túbulos após uma hora
irregularidades anatômicas possam ser incorporadas de exposição, com exceção do E. faecalis, para o qual foi
no preparo, áreas como reentrâncias, istmos, ramifi- necessário um dia. Em estudo posterior, Estrela et al.34
cações laterais e apicais e túbulos dentinários podem avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de hidró-
abrigar bactérias que, uma vez não eliminadas, põem o xido de cálcio em solução salina no interior de túbulos
resultado do tratamento em risco116. Essas áreas não são dentinários experimentalmente infectados com E. faeca-
comumente afetadas por instrumentos e a substância lis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudomonas ae-
química auxiliar empregada na irrigação não terá tem- ruginosa ou com uma mistura dessas bactérias. A pasta
po de ação intracanal suficiente para agir em profun- foi ineficaz para desinfetar os túbulos mesmo após uma
didade6,35,93,140,196,207 (Figs. 8-18 a 8-21). semana de contato. Tais achados e os de outros estudos
Por permanecer um tempo mais prolongado no subsequentes179,199 confirmaram que a pasta de hidróxido
canal radicular, um medicamento intracanal dotado de cálcio em veículo inerte é ineficaz para desinfetar a
de ação antibacteriana tem mais chances de atingir dentina pelo menos após única aplicação.
áreas não afetadas pela instrumentação do canal. Estudos clínicos têm demonstrado que, em média,
Assim, exercendo sua ação antibacteriana, pode con- 20 a 30% dos canais ainda apresentam micro-organismos
tribuir decisivamente para a máxima redução da mi- viáveis após medicação com hidróxido de cálcio em um
crobiota endodôntica. Possivelmente, por potenciali- veículo inerte7,97,115,131,147 (Fig. 8-22). Além dos efeitos da
288 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
A B
Figura 8-18. Eletromicrografias evidenciando canal de dente extraído com lesão associada após preparo com limas do Sistema ProTaper.
O retângulo maior em A é visto em maior aumento em B, evidenciando área de confluência dos canais e permanência de detritos den-
tinários. O retângulo menor em A é visto em maior aumento em C e revela uma irregularidade na parede do canal. Maior aumento do
detalhe em C revela a presença de colônias bacterianas compostas por bacilos e filamentos formando um biofilme na porção mais apical
do canal radicular (D a F).
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 289
possuem hidróxido de cálcio ou clorexidina em sua O sistema de canais radiculares usualmente pos-
composição. Além da quantidade de hidróxido de sui uma anatomia complexa, ditada pela presença de
cálcio ser baixa no cone para exercer efeito antimicro- reentrâncias, saliências, istmos, ramificações apicais e
biano desejado quando de sua utilização na obturação laterais, além de outras irregularidades. Tem sido su-
definitiva de canais, a liberação de hidróxido de cálcio gerido por alguns que tais áreas são difíceis de selar
iria requerer a solubilização do cone, o que acarreta- quando da utilização de técnicas convencionais de ob-
ria perda de estrutura, prejudicando o selamento do turação, como a técnica de compactação lateral. Com
canal, função primária da obturação. Dessa forma, a base nessa premissa, técnicas de termoplastificação da
adição de substâncias com atividade antimicrobiana guta-percha têm sido preconizadas com a justificativa
aos cones de guta-percha, além de não apresentar be- que permitem uma obturação mais homogênea e um
nefícios aparentes, tem ainda o potencial de prejudi- melhor preenchimento de irregularidades do sistema
car a performance do material. de canais radiculares, quando comparadas à compac-
A maioria dos cimentos endodônticos apresenta tação lateral20,128. Todavia, tem sido exaustivamente
atividade antimicrobiana antes de endurecerem, mas demonstrado que nenhuma técnica contemporânea de
grande parte perde essa propriedade após o endure- obturação e nenhum material obturador podem pro-
cimento. Uma vez que a atividade antimicrobiana dos mover um selamento absoluto contra a microinfiltra-
principais cimentos endodônticos não é pronunciada ção19,29,45,54,72,110,126,157,161,166. Até o momento, nenhum estu-
e é efêmera1,2,145,146, é altamente improvável que cola- do clínico bem controlado demonstrou definitivamen-
borem na eliminação de micro-organismos que sobre- te que as técnicas de guta-percha termoplastificada
viveram aos efeitos do preparo químico-mecânico e oferecem um maior índice de sucesso do tratamento
da medicação intracanal (se foi usada). endodôntico quando comparadas à compactação late-
Na realidade, canais desinfetados devem ser sela- ral107. Aliás, deve-se ter em mente que a observação de
dos tridimensionalmente, eliminando-se o espaço va- que o material obturador (guta-percha e/ou cimento)
zio que teria o potencial de ser infectado ou reinfectado. foi forçado para variações anatômicas não necessaria-
Além disso, por meio de um selamento tridimensional mente implica que o sistema de canais radiculares esteja
abrangendo os aspectos apical, lateral e coronário do apropriadamente limpo, desinfetado, selado e protegi-
sistema de canais radiculares, a obturação pode con- do dos riscos de infecção ou reinfecção (Fig. 8-24). Na
finar micro-organismos residuais ao interior do canal, verdade, a grande vantagem das técnicas de termoplas-
impedindo seu egresso aos tecidos perirradiculares. A tificação da guta-percha reside na obturação de canais
eficácia de tal sepultamento microbiano vai depender do
número de micro-organismos remanescentes no canal.
Em geral, isso pode ser aquilatado pelos resultados da
cultura. Casos de cultura negativa podem apresentar
números muito baixos e não detectáveis de bactérias
cultiváveis no canal, que podem talvez ser sepultadas
de forma eficaz pela obturação. Casos de cultura posi-
tiva apresentam maior índice de fracasso32,38,59,171,192 (Fig.
8-17), o que demonstra que o sepultamento não funciona
bem em casos com maior número de bactérias residu-
ais. Isso reforça a necessidade de usar protocolos que
previsivelmente forneçam culturas negativas antes da
obturação.
O selamento tridimensional do sistema de canais
radiculares também previne a recontaminação do ca-
nal por micro-organismos da saliva, além de impedir a A B
infiltração de fluidos teciduais para o interior do canal,
negando substrato para micro-organismos sobreviven- Figura 8-24. Radiografias evidenciando a obturação de uma rami-
tes. Destarte, infere-se que a função crítica primordial ficação associada à lesão perirradicular lateral (A) e de ramificações
e deltas apicais (B). A obturação de ramificações é importante do
da obturação é essencialmente atuar como uma barrei- ponto de vista de preenchimento de espaço, embora a mera visua-
ra física à infecção ou reinfecção do sistema de canais lização da ocorrência de tais puffs de cimento não seja garantia de
radiculares. desinfecção adequada e tampouco de selamento do canal.
292 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
radiculares com anatomia aberrante, como nos casos de d) ativação sônica ou ultrassônica do hipoclorito de
reabsorção interna e de deformidades do preparo. sódio;
e) laser e terapia fotodinâmica.
de cada tipo de laser. O laser Nd-YAG tem sido o mais onda. Alguns dos fotossensibilizadores bastante usa-
estudado, uma vez que a energia do laser e a fibra ótica dos em PDT incluem o azul de metileno, o azul de to-
podem ser mais facilmente controladas. Embora resul- luidina, clorinas, porfirinas, xantenos, monoterpenos
tados promissores tenham sido relatados in vitro41, a de- etc.75. O laser diodo tem sido o mais utilizado em PDT
sinfecção do canal radicular pode ser problemática em atualmente, por ser eficaz, portátil e de fácil manuseio.
canais atrésicos e por causa da possível agressão térmica A técnica da PDT não promove o alargamento do
aos tecidos periodontais. Outrossim, aparelhos de laser canal, sendo recomendada para emprego após o pre-
são relativamente de alto custo para o profissional. Não paro para auxiliar na eliminação microbiana. O fotos-
existem ainda estudos clínicos randomizados avaliando sensibilizador é utilizado em baixa concentração para
a eficácia do laser na desinfecção de canais. evitar pigmentação do dente. Após o preparo químico-
A terapia fotodinâmica (PDT ou PAD do inglês mecânico, o canal é inundado com o agente fotossen-
photodynamic therapy ou photoactivated disinfection) en- sibilizador, que é então ativado pelo laser diodo por
volve a utilização de um corante fotoativo (fotossensi- meio de fibra ótica inserida profundamente no canal
bilizador) que é ativado por exposição a um laser com (Fig. 8-27).
comprimento de onda específico na presença do oxigê- Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia de
nio. A transferência de energia do fotossensibilizador diferentes protocolos de PDT em Endodontia. Biofil-
ativado para o oxigênio disponível no ambiente resulta mes de Streptococcus intermedius preparados em canais
na formação de compostos derivados do oxigênio, tais artificiais ou de dentes extraídos foram submetidos a
como o oxigênio singlet e os radicais livres. Esses com- PDT com azul de toluidina e laser diodo (633nm) equi-
postos são altamente reativos e podem danificar proteí- pado com uma ponta que permitiu que a luz fosse
nas, lipídios e ácidos nucleicos. transmitida até o ápice do dente. S. intermedius estava
O oxigênio do ar atmosférico está no estado não presente em número similar ao encontrado em canais
excitado e é simbolizado pela abreviatura 3O2. Ele é um com infecção pesada. PDT reduziu significativamente
radical livre, na verdade, um dirradical, uma vez que o número de bactérias em ambos os tipos de canais202.
possui dois elétrons não pareados na última camada Azul de metileno em combinação com luz vermelha
orbital. Moléculas cujos pares mais externos de elé- (665nm) promoveu a eliminação de 97% das células
trons têm rotação paralela estão no estado triplet, en-
quanto as que possuem elétrons em rotação antipara-
lela estão no estado singlet. O oxigênio atmosférico está
no estado triplet, que não é muito reativo. Se o oxigênio
triplet absorve energia suficiente para reverter a rota-
ção de um dos elétrons não pareados, o estado singlet
está formado. Assim, o oxigênio singlet (1O2) é a for-
ma excitada de oxigênio molecular, possuindo um par
de elétrons com rotações opostas que fazem com que
seja altamente reativo, mesmo sem ser um radical livre
verdadeiro. O oxigênio singlet é o principal composto
do oxigênio gerado em PDT responsável pela eficácia
antimicrobiana.
As aplicações de PDT em Odontologia têm cres-
cido rapidamente, incluindo tratamento do câncer e
terapias anti-infecciosas contra bactérias e fungos. Um
grande número de espécies bacterianas pode ser eli-
minado por laser de luz vermelha após sensibilização
do azul de metileno ou do azul de toluidina68,132,175-177.
A ausência de efeitos genotóxicos e mutagênicos da
PDT sobre os tecidos do hospedeiro é um fator im-
portante para a segurança a longo prazo durante o
tratamento75. Figura 8-27. Esquema da terapia fotodinâmica para desinfecção de
A maioria dos fotossensibilizadores é ativada por canais. O canal é repleto com um fotossensibilizador, o qual é então
luz vermelha entre 630 e 700nm de comprimento de ativado por laser de luz vermelha de baixa intensidade.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 295
A B
C D
Figura 8-28. Terapia fotodinâmica. Caso clínico. A. Aparelho de laser diodo da MMOptics. B. Canal repleto com fotossensibilizador (azul de
metileno). C. Fibra ótica levada ao canal. D. O corante é ativado pela emissão do laser.
pulpectomia, que idealmente deverão ser obturados peróxido de hidrogênio a 3% (água oxigenada 10
na mesma sessão do preparo. volumes) e então descontaminado com solução de
álcool iodado a 2%, clorexidina a 2% ou hipoclorito
1. O dente a ser tratado ou retratado deve estar total- de sódio a 2,5%.
mente isento de placa bacteriana e de cálculo. 4. Após a conclusão das manobras de acesso coroná-
2. O preparo da cavidade de acesso pode ser iniciado rio, a câmara pulpar deve ser copiosamente irrigada
sem isolamento absoluto. Isso facilita o procedimen- com solução de hipoclorito de sódio a 2,5%.
to e diminui riscos de acidentes, mormente em den- 5. O preparo químico-mecânico deve ser realizado
tes com inclinação anormal. Todavia, após a trepa- empregando-se uma técnica progressiva no sentido
nação do teto da câmara pulpar e da ampliação da coroa-ápice (crown-down), com instrumentos ma-
área de exposição, o isolamento deve ser aplicado nuais e/ou acionados a motor associados à irrigação
antes da conclusão das manobras de acesso. copiosa e frequente com hipoclorito de sódio a 2,5%
3. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo após cada uso de instrumento (no mínimo 1 a 2mL
operatório, incluindo dente, grampo e lençol de bor- de solução irrigadora a cada troca de instrumento).
racha, deve ser inicialmente limpo com solução de Instrumentos de níquel-titânio deverão ser os de es-
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico 297
A B C D
Quadro 8-1 Procedimentos recomendados para o demasiado da estrutura dentária, que poderia pre-
tratamento ou retratamento de dentes com canais dispor à fratura quando o dente se submeter aos es-
infectados forços mastigatórios. O segmento apical do canal até
o forame apical deve ser idealmente limpo e manti-
Tratamento da infecção endodôntica
do livre de detritos através do emprego das limas
Prevenção Assepsia de patência de pequeno calibre. Todavia, a sobreins-
Selamento coronário adequado trumentação é uma conduta indesejável, pois pre-
dispõe à sintomatologia e ao fracasso do tratamento
Controle Preparo apical: no mínimo, até a lima # 40 * endodôntico.
Irrigação: NaOCl de 2 a 5,25% 6. Remoção da smear layer, pois ela pode conter bac-
Medicação intracanal: Pasta HPG ou HCx
térias, pode impedir ou retardar a ação em profun-
Selamento tridimensional: Guta-percha ou
resilon e cimento didade da medicação intracanal e interferir no sela-
mento promovido pela futura obturação (Fig. 8-30).
7. O canal deve ser medicado com a pasta HPG. A pas-
ta é preparada em uma placa de vidro esterilizada,
colha para o preparo de canais curvos. O canal deve empregando-se proporções iguais de PMCC e glice-
ser ampliado na medida de 1mm aquém do ápice ra- rina (1:1, v:v). Inicialmente, misturam-se os líquidos e
diográfico ou 1mm aquém do forame, detectado por então se agrega lentamente o hidróxido de cálcio até
um localizador apical eletrônico. Preparos amplos se atingir uma consistência cremosa similar ao creme
potencializam a desinfecção, mas um meio-termo dental. Opcionalmente, pode-se utilizar a pasta de hi-
tem que ser atingido para evitar o enfraquecimento dróxido de cálcio em clorexidina de 0,12 a 2% (HCx).
298 Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
A B
Figura 8-30. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer gerada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a remoção
da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medicação profundamente na dentina.
Nesse caso, mistura-se o pó do hidróxido de cálcio 7. Barbosa CA, Goncalves RB, Siqueira JF Jr., de Uzeda M.
Evaluation of the antibacterial activities of calcium hydro-
em solução aquosa ou gel de clorexidina até que a
xide, chlorhexidine, and camphorated paramonochloro-
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Capítulo 9
Instrumentos
Endodônticos
Instrumentos endodônticos são ferramentas me- na manuseada por um operador. Os instrumentos en-
tálicas empregadas como agentes mecânicos na instru- dodônticos manuais também podem ser acionados por
mentação de canais radiculares. São fabricados de ligas máquinas.
aço inoxidável ou níquel-titânio (NiTi). Lima endodôntica é um instrumento (ferramen-
É fundamental o profissional conhecer as caracte- ta) de natureza metálica, multicortante, com arestas ou
rísticas geométricas e o comportamento mecânico dos fios cortantes ao longo de seu corpo. A lima endodônti-
instrumentos endodônticos, uma vez que o resultado ca é uma ferramenta projetada para ser empregada por
de um tratamento endodôntico depende da ferramen- meio de um movimento longitudinal alternado, com
ta de trabalho. Entretanto, esses conhecimentos são na a denominação de limagem, na raspagem de parte da
maioria das vezes ignorados, contando o profissional superfície dentinária de um canal radicular.
apenas com as informações de interesse do fabricante. Alargador endodôntico é um instrumento (fer-
Existem diferentes tipos ou modelos desses ins- ramenta) de natureza metálica cuja haste de corte ge-
trumentos que podem ser assim classificados: ralmente é cônica e apresenta certo número de arestas
cortantes ao longo de seu corpo. É projetado para ser
• quanto ao acionamento, em manuais e mecanizados; empregado por meio de movimento de alargamento
• quanto ao desenho da parte de trabalho, em farpa- com giro, contínuo, parcial alternado ou parcial à direi-
dos, tipo K, tipo Hesdtrom e especiais; ta, no desbaste (corte) de parte da superfície dentinária
• quanto ao tipo de movimento executado, em limas e de um canal radicular.
alargadores endodônticos; Os instrumentos endodônticos quanto ao dese-
• quanto à natureza da liga metálica, em instrumentos nho da parte de trabalho são fabricados obedecendo
de aço inoxidável e de níquel-titânio; a diversos critérios com base nas especificações ISO
• quanto ao processo de fabricação, em torcidos e usi- 3630-1 (1992)30 e ANSI/ADA no 58 (1997)3. Porém, al-
nados. guns fabricantes têm produzido instrumentos endo-
dônticos com modificações principalmente em relação
Os instrumentos manuais possuem cabo que à conicidade, comprimento da parte de trabalho, dese-
serve para a empunhadura e acionamento do instru- nho da haste de corte helicoidal e da ponta. Para os ins-
mento por meio da mão do operador. Os denominados trumentos endodônticos mecanizados não há especifi-
mecanizados possuem haste que serve para fixação e cações normativas quanto a sua fabricação. Entretanto,
acionamento do instrumento por meio de uma máqui- algumas características, como, por exemplo, o diâme-
305
306 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
tro na extremidade D0, têm sido adotadas de acordo se que há mais de uma fase cristalina presente no mate-
com as especificações propostas para os instrumentos rial, onde por fase cristalina se entende uma região do
endodônticos manuais. metal que apresenta a mesma estrutura cristalina e que,
por isso, guarda propriedades físicas semelhantes. Mu-
danças na estrutura cristalina (tipo de célula unitária) de
LIGAS METÁLICAS um metal ou liga ocorrem com alteração de temperatu-
Ligas metálicas são materiais obtidos pela fusão ra, adição de elemento de liga ou por tensão. Essas mu-
de dois ou mais metais e em alguns casos por elemen- danças estão associadas à tendência natural de os siste-
tos não metálicos. As propriedades físicas, químicas, mas apresentarem transformações de fases para atingir
mecânicas e biológicas das ligas são diferentes das de o estado de menor energia. Nesse caso, diz-se que ocorre
seus componentes. uma mudança de fase5,9,18.
Metal é a designação comum aos elementos quí- Durante a solidificação dos metais ou ligas metá-
micos eletropositivos, brilhantes, bons condutores de licas os átomos não ficam totalmente arranjados com
calor e eletricidade. periodicidade, existindo sempre falhas na disposição
Todos os metais e ligas metálicas no estado sólido atômica formando as imperfeições cristalinas (lacunas,
apresentam estrutura cristalina, exceto quando solidifi- discordância, contornos de grão, maclas etc.). O nú-
cados bruscamente. Nesses casos são amorfos, ou seja, mero das imperfeições pode ser modificado durante
não há arranjo periódico de seus átomos. Na estrutura a deformação plástica do material. As imperfeições ou
cristalina temos um arranjo atômico tridimensional, os defeitos cristalinos exercem grande influência na re-
seus átomos estão distribuídos em uma rede tridimen- sistência mecânica, propriedade elétrica e química do
sional organizada para formar os cristais. metal ou liga5,8,17.
Cristal ou grão é definido como arranjo ordenado
de átomos, com periodicidade e regularidade tridimen- Aço inoxidável
sional. A área que os separa é denominada contorno
Os aços inoxidáveis são ligas de ferro que con-
de grão. A menor porção da rede cristalina que guarda
têm teores de cromo acima de 12%, sendo classificados
as propriedades de todo o cristal é chamada de célula
com base na sua microestrutura e elementos de liga em
unitária (Fig. 9-1).
austeníticos, ferríticos e martensíticos. A adição dos
Existem 14 tipos de células unitárias classificadas
elementos de liga, além de alterar a microestrutura,
em sete grupos principais (cúbica, tetragonal, ortorrôm-
influencia na resistência mecânica, bem como no com-
bica, monoclínica, triclínica, hexagonal e romboédrica).
portamento perante a corrosão e a fratura, entre outros
As propriedades mecânicas de um metal ou liga metáli-
efeitos4,11,18.
ca, como dureza, resistência mecânica e ductilidade, são
Denomina-se ferrita a microestrutura do aço que
consequências do arranjo cristalino e do tipo de célula
possui estrutura cristalina cúbica de corpo centrado
unitária. O metal ou a liga metálica podem apresentar
(CCC), ou seja, a célula unitária é um cubo com um
mais de um tipo de estrutura cristalina. Nesse caso, diz-
átomo em cada vértice e um no centro4,5,9,11 (Fig. 9-2).
Quadro 9-1 Composições químicas dos aços inoxidáveis austeníticos dos instrumentos endodônticos manuais.
(Adaptado da ANSI/ADA Especificação 292.)
301 0,15 16-18 6-8 2,0 0,045 0,030 (max) 1,0 70,9-74,9
302 0,15 17-19 8-10 2,0 0,045 0,030 (max) 1,0 67,9-71,9
303 0,15 17-19 8-10 2,0 0,020 0,015 (min) 1,0 66,45-70,45 Mo:0,6
Zr:0,6
Liga níquel-titânio
A liga níquel-titânio (NiTi) foi desenvolvida por
Buehler et al. em 1963 no Naval Ordnance Laboratory,
NOL, em Silver Springs, Maryland, EUA, razão pela
qual recebeu o nome de NiTiNOL28,61,68,74,77. Figura 9-5. Estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC).
Nas ligas níquel-titânio existem duas fases cris-
talinas presentes: austenita e martensita. A austenita é
a fase com estrutura cúbica de corpo centrado (CCC
ou B2), onde os átomos ocupam as posições dos vérti-
ces e do centro de um cubo (Fig. 9-5). A liga NiTi na
fase austenita apresenta menor elasticidade do que
na fase martensita. A martensita nas ligas NiTi é mono-
clínica, caracterizada pela distorção da estrutura tetra-
gonal (denominada B19) em que o maior lado é inclina-
do em relação à base da célula (Fig. 9-6). A martensita
é uma fase que pode ter sua formação induzida tanto
por tensão quanto por resfriamento. A liga NiTi na fase
martensita é facilmente deformável, atingindo grandes
percentuais de deformação em tensões relativamente
baixas. Quando a martensita é induzida por tempera-
tura, é conhecida como martensita maclada, também Figura 9-6. Estrutura cristalina monoclínica.
Instrumentos Endodônticos 309
uma das variantes da martensita predomina sobre as 4), o que provoca a transformação da martensita não
demais. Porém, se o corpo é aquecido acima de As, a maclada para austenita52.
martensita e suas variantes, que não são mais estáveis
nessa temperatura, transformam-se em austenita e a
Conceitos básicos de superelasticidade ou
forma do corpo é recuperada. Esse é o efeito da memó-
ria de forma28,52,60,61.
pseudoelasticidade
O diagrama tensão-deformação, característico de O efeito memória de forma não é a única caracte-
uma liga com efeito memória de forma a baixa tempe- rística peculiar apresentada pelas ligas níquel-titânio,
ratura, é mostrado no lado esquerdo da Fig. 9-7. Nessa as quais apresentam também um comportamento elás-
figura se pode observar o fenômeno característico do tico atípico, denominado de superelasticidade, que é a
efeito memória de forma. A amostra da liga metálica capacidade que certos materiais possuem de recuperar
com memória de forma foi submetida ao carregamento a forma original após serem deformados muito além
mecânico a uma temperatura abaixo de Mf (tempera- do limite elástico convencional quando a tensão é re-
tura abaixo da qual somente a martensita é estável). A movida. A maior parte dos materiais metálicos pode
partir desse carregamento, quando a tensão atinge um ser deformada elasticamente em até 0,1 ou 0,2% de
valor crítico, ponto A, tem-se o início da transformação seu comprimento inicial (Lei de Hooke). A deforma-
da martensita maclada para martensita não maclada, ção elástica de 0,5% é um valor extremamente elevado,
que termina no ponto B. Após o descarregamento, a mas pode ser encontrada em alguns metais. Qualquer
amostra apresenta uma deformação residual (ponto deformação acima desse limite (denominado de limite
C). Essa deformação residual pode ser recuperada me- de escoamento) será permanente. As ligas níquel-titâ-
diante um aquecimento da amostra, fazendo a liga so- nio podem ser deformadas em até 8% sem apresentar
frer a transformação de fase28,52,60,61. deformação residual após a retirada do carregamento.
Outra forma de observar o efeito memória de Nessas ligas, a Lei de Hooke, a partir de certo percen-
forma está apresentado no lado direito da Fig. 9-7. A tual de deformação, não é mais observada, e a força,
amostra com memória de forma está em uma tempe- em vez de aumentar à medida que o material se defor-
ratura acima de Af. Nessa temperatura, a austenita é a ma elasticamente, permanece praticamente constante,
única fase presente. Conforme a temperatura da amos- num comportamento mais parecido com o de algumas
tra abaixa e cruza a linha associada à temperatura Ms, borrachas (rubberlike) do que com os metais. Além dis-
inicia-se a transformação de fase onde a austenita cede so, o material responde de maneira diferente durante
lugar à martensita induzida por temperatura, mar- a deformação elástica (ativação) e na desativação. Esse
tensita maclada. Essa transformação está totalmente comportamento é observado pela presença de duas
concluída para temperaturas menores que Mf. A par- linhas na curva tensão × deformação, fenômeno esse
tir do ponto 2, se aplica um carregamento mecânico à chamado de histerese, raramente identificado entre os
temperatura constante, o que promove o surgimento metais28,52,60,61.
da martensita não maclada. Cessado o carregamento, Histerese é o fenômeno em que duas grandezas
ponto 3, a amostra apresenta uma deformação residu- mantêm uma relação, de modo que a variação de uma
al. A forma original pode ser recuperada a partir de delas depende do fato de a outra estar crescendo ou
um aquecimento da amostra (do ponto 3 para o ponto decrescendo relativamente a ela.
Força
Podemos definir força como uma grandeza veto-
rial que, aplicada a um corpo, deforma-o ou tende a
mudar seu estado de repouso ou movimento. Uma for-
ça, assim como um vetor, para ser conhecida precisa ter
sua direção, sentido e intensidade definida.
A Fig. 9-9 mostra diversas forças sendo aplicadas
em um corpo. A força F1 é diferente da F2, pois possuem
magnitudes, sentidos e direções diferentes. A força F2
apesar de apresentar a mesma intensidade e direção que
a F3 é diferente, pois elas possuem sentidos opostos. Figura 9-10. Deformação elástica.
Instrumentos Endodônticos 313
Elasticidade
A elasticidade é a propriedade que indica a capa-
cidade de o material sofrer grandes deformações elásti-
cas. É medida pelo módulo de elasticidade, o qual rela-
ciona a tensão aplicada e a deformação no regime elás-
tico. Essa propriedade depende das forças de ligação
entre os átomos. Como essas forças são constantes para
cada material, o módulo de elasticidade é uma das pro-
priedades mais constantes dos metais ou ligas metáli-
cas, embora possa ser levemente afetado por adição de
elementos de liga, tratamentos térmicos ou trabalhos a
frio. Quanto menor a força de atração entre os átomos,
menor será o módulo de elasticidade e maior a elastici-
dade do material. O comportamento dos materiais na
região elástica pode ser determinado pela elasticidade
em torção, flambagem e flexão.
Comportamento elástico em flexão tal modo que retorna às suas dimensões originais quan-
Flexibilidade é a deformação elástica apresenta- do a força é removida. Refere-se à carga de trabalho per-
da pelo instrumento quando submetido a um carre- mitida e é a maior tensão que pode ser aplicada a um
gamento localizado na sua extremidade e na direção instrumento sem que ocorra deformação permanente.
perpendicular ao seu eixo. Nesse caso, o instrumento
encurva e forma um arco de flecha como na flambagem Plasticidade
(Fig. 9-13). Para o mesmo carregamento e arcos de mes-
É a capacidade de o material sofrer grandes de-
mo comprimento, quanto maior a flecha formada no
formações permanentes sem atingir a fratura. Essa
regime elástico, maior a flexibilidade do instrumento.
propriedade permite avaliar a capacidade de trabalho
A resistência em flexão dos instrumentos endodôn-
mecânico que o material poderá suportar, conservan-
ticos pode ser calculada com o emprego da equação:
do sua integridade física. É calculada em porcentagem,
4 e o seu valor, obtido pelo alongamento ou estricção,
PL
f=
3 EI medido no ensaio de tração. A plasticidade, conforme
Nessa equação, pode-se observar que a defle- a natureza da força aplicada, recebe as denominações
xão (deslocamento) da ponta do instrumento (flecha particulares de maleabilidade e ductilidade.
f) com carregamento em cantilever depende da for-
ça aplicada (P), do comprimento do instrumento (L),
Maleabilidade
do módulo de elasticidade da liga empregada (E) A maleabilidade é capacidade de o material sofrer
e do momento de inércia (I) da seção reta transversal grandes deformações plásticas na compressão em to-
do instrumento6,9,18,25. Quanto maiores a força e o com- das as direções, indicando a maior ou menor facilidade
primento, maior será a deflexão do instrumento ou de ser laminado e transformado em placas.
menor será a resistência em flexão.
O módulo de elasticidade em tração é o quocien- Ductilidade
te entre a tensão aplicada a um corpo e a deformação A ductilidade é a capacidade de o material sofrer
elástica que ela provoca. Quanto menor o módulo de grandes deformações permanentes na direção do car-
elasticidade da liga metálica, menor a resistência em fle- regamento sem atingir a ruptura. Representa a facili-
xão do instrumento endodôntico. Momento de inércia dade de o material ser estirado ou reduzido à forma
é o produto da massa de uma partícula pelo quadrado de fio. Essa propriedade é avaliada pelo alongamento
da distância dessa a um eixo. O momento de inércia de- total do corpo antes da fratura (alongamento) ou pela
pende da geometria (forma e dimensão) e da seção reta redução na área da seção reta transversal do corpo no
transversal do instrumento. O conceito de momento de ensaio de tração antes da estricção.
inércia é puramente matemático e fisicamente represen-
ta a resistência ao movimento que um corpo apresenta; Limite de escoamento
daí a designação de inércia. A resistência em flexão é in-
É determinado pela tensão máxima acima da qual
versamente proporcional ao módulo de elasticidade e ao
o material começa a apresentar deformação plástica per-
momento de inércia do instrumento endodôntico5,9,18,25.
manente com a retirada da carga (descarregamento).
Define o final da região elástica e o início da plástica. Na
Limite elástico maioria dos casos, o início do escoamento não é nítido e
O limite elástico de um material é definido como a não pode ser identificado com precisão. Normalmente,
maior tensão a que um material pode ser submetido, de emprega-se como limite de escoamento a tensão neces-
sária para deformar plasticamente o material em 0,2%.
Rigidez
Propriedade que indica a capacidade de o material
resistir a carregamentos elásticos sem apresentar defor-
mação plástica quando submetido a uma tensão não ex-
cedente ao limite de escoamento, ou seja, no regime elás-
tico. Representa baixas deformações dentro da região
elástica. É medida pelo módulo de elasticidade: quanto
Figura 9-13. Flexibilidade. maior o valor do módulo, maior a rigidez do metal.
Instrumentos Endodônticos 315
A B
Figura 9-16. Instrumento endodôntico. A. Fabricados por usinagem. Cortes dos cristais. B. Fabricados por torção. Cristais não são cortados.
Figura 9-21. Instrumento endodôntico. Intermediário. Figura 9-25. Instrumento endodôntico. Ângulo da ponta.
Figura 9-22. Instrumento endodôntico. Parte de trabalho. Figura 9-26. Instrumento endodôntico. Haste de corte.
Instrumentos Endodônticos 319
Aresta ou fio lateral de corte – É o gume de instru- Eixo do instrumento – Linha central na direção
mentos cortantes. Pode estar disposta na haste de corte axial do instrumento (Fig. 9-32).
de um instrumento endodôntico na forma paralela ou Ângulo de inclinação da hélice – Ângulo agudo
na forma helicoidal (inclinada) ao eixo do instrumento. formado pela hélice e o plano contendo o eixo do ins-
Pode apresentar a forma de filete ou de guia radial. A trumento (Fig. 9-33).
forma de filete é originada pelo encontro de duas pa- Passo da hélice – Distância entre vértices conse-
redes de canais contíguos de um instrumento de corte cutivos de uma mesma aresta lateral de corte ao longo
(Fig. 9-27A). A forma de guia radial é originada da con- da direção axial do instrumento (Fig. 9-34).
vergência de duas paredes de canais contíguos, porém Guia radial – Superfície cônica em forma helicoi-
com o vértice truncado terminando em uma superfície dal ou paralela em relação ao eixo do instrumento ime-
cilíndrica (Fig. 9-27B). diatamente posterior à aresta ou fio de corte (Fig. 9-35).
Hélice – É a aresta ou fio lateral de corte dispos- Largura da guia – Largura da guia radial medida
ta na forma helicoidal (hélice) traçada em volta de um perpendicularmente ao ângulo da hélice ou ao eixo
cone ou de um cilindro (Fig. 9-28). do instrumento. A porção posterior da guia é rebai-
Número de hélices – Número de filetes ou de xada com a finalidade de reduzir o atrito entre a pe-
guias radiais presente na haste de corte helicoidal de riferia do instrumento e a parede do canal radicular
um instrumento (Fig. 9-29). (Fig. 9-36).
Canal – É um sulco presente entre as arestas de Núcleo – Parte central da haste de corte de um
corte contíguas na superfície externa da haste de corte instrumento compreendida entre o fundo do canal que
de um instrumento endodôntico (Fig. 9-30). se estende desde a base da ponta até o fim da haste de
Parede ou superfície do canal – É a parede da corte (Fig. 9-37). Pode ser avaliado por meio da seção
haste de corte presente entre as arestas de corte contí- reta transversal ou longitudinal da haste de corte de
guas (Fig. 9-31). um instrumento (ferramenta).
A B
Figura 9-27. Haste de corte. Aresta lateral de corte. A. Filete. B. Guia radial.
320 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-40. Partes de um instrumento. Haste de fixação e aciona- Figura 9-41. Partes de um instrumento. Intermediário.
mento.
Raros fabricantes oferecem instrumentos endo- tâncias predeterminadas a partir da extremidade (ponta)
dônticos com hastes de fixação e acionamento com di- do instrumento endodôntico (Fig. 9-41).
mensões diferentes das mencionadas e, consequente- Nos instrumentos endodônticos fabricados por
mente, contra-ângulos exclusivos. usinagem, o intermediário geralmente tem a forma ci-
líndrica em toda a sua extensão. Todavia, nos torcidos,
o intermediário junto da parte de trabalho apresenta
Intermediário paredes planas remanescentes da haste piramidal ob-
Intermediário é a porção do corpo metálico de um tida por aplainamento do fio metálico primitivo de
instrumento endodôntico que está localizado entre o cabo forma cilíndrica (Fig. 9-42). Em alguns instrumentos
ou a haste de fixação e acionamento e a parte de trabalho. o intermediário apresenta a forma de um cone sólido
Seu tamanho varia em função do comprimento do corpo reverso, com o maior diâmetro voltado para a parte de
e do comprimento da parte de trabalho do instrumento. trabalho do instrumento (exemplos: alargadores Gates
Pode apresentar marcas (ranhuras) que representam dis- Glidden e Largo).
324 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Parte de trabalho
Parte de trabalho é a porção do corpo metálico de
um instrumento endodôntico projetada para executar
o corte e/ou a raspagem das paredes dentinárias inter-
nas de um canal radicular. É formada pela ponta e pela
haste de corte.
0 ,5 Do
L= = 0 ,5 Do
1
Por exemplo, para um instrumento com ângulo
na ponta igual ao valor 70º e diâmetro em D0 = 0,40mm
o comprimento da ponta será: L = (0,40/2)/tg (70/2) =
0,2/0,70 = 0,286mm.
Para o mesmo instrumento com ângulo na pon-
ta igual ao valor máximo de 85º, o comprimento da
ponta será :
0 , 40/2 0,2
Figura 9-49. Comprimento da ponta. L= = = 0 , 217 mm
tg ( 85/2 ) 0 ,92
08 0,07 0,04
10 0,09 0,05
15 0,13 0,07
20 0,17 0,10
25 0,22 0,12
30 0,26 0,15
35 0,30 0,17
40 0,35 0,20
45 0,39 0,22
50 0,43 0,25
55 0,48 0,27 Figura 9-51. Geometria da ponta. Superior, proposta pelo fabrican-
te. Inferior, encontrada em instrumentos de diâmetros menores.
60 0,52 0,30
70 0,61 0,35
Vértices pontiagudos apresentam maior capa- dodôntico não tenha ângulo de transição, mas sim
cidade perfurante, mesmo sendo cônica circular a curva de transição.
forma da ponta do instrumento endodôntico. Vérti- A geometria da ponta dos instrumentos en-
ces obtusos são mais seguros em relação a desvios e dodônticos apresenta uma variação acentuada de
perfurações. Instrumentos endodônticos com vértice formas e dimensões oriundas do processo de fa-
da ponta truncado, quando empregados no esvazia- bricação. A carência de uniformidade do desenho
mento (cateterismo) de canais atresiados, favorecem da ponta, associada à falta de precisão de suas di-
o entupimento (perda da patência) ou extravasa- mensões, pode acarretar dificuldades e iatrogenias
mento de resíduos via apical do canal radicular. na configuração apical do preparo de canais radi-
O ângulo da ponta dos instrumentos endodôn- culares. Na maioria das vezes esses problemas são
ticos pode variar de 60 a 90º. Essa tolerância para atribuídos a complexidades anatômicas dos canais
instrumentos de corte é ampla demais, significando radiculares e não à falta de precisão de fabricação
em valores percentuais uma diferença de até 66,6%. presente na geometria da ponta dos instrumentos
Quanto maior for o ângulo da ponta, maior será a endodônticos42,79.
resistência ao avanço do instrumento no interior de Levando-se em consideração a relevância da
um canal radicular com diâmetro menor do que o geometria da ponta dos instrumentos endodônticos
instrumento. Ao contrário, quanto menor o ângulo na configuração do preparo de canais radiculares,
da ponta, menor será a resistência ao avanço para é necessário que haja mais informações repassadas
uma mesma carga axial aplicada. aos cirurgiões-dentistas por parte dos fabricantes.
O ângulo da ponta de um instrumento endo- Além disso, é preciso ressaltar que o resultado de
dôntico está intimamente relacionado com o com- um tratamento endodôntico é dependente do conhe-
primento da ponta. Quanto menor o ângulo, maior cimento do profissional sobre sua ferramenta de tra-
será o comprimento da ponta. Com objetivo de re- balho (instrumento endodôntico).
duzir o comprimento da ponta, o seu vértice é arre-
dondado ou truncado durante o processo de fabrica- Haste de corte
ção do instrumento endodôntico. Haste de corte é o segmento da parte de trabalho
Do ponto de vista biológico e clínico, quanto com forma sulcada na face externa do corpo metálico e
maior o comprimento da ponta de um instrumento en- que se estende da base da ponta até o intermediário do
dodôntico, maior será o segmento apical do canal radi- instrumento. É constituída pelas arestas laterais ou fios
cular que ficará com a sua limpeza comprometida. de cortes e pelos canais ou sulcos (Fig. 9-52)41,49.
A passagem da base da ponta para a haste de
corte helicoidal de um instrumento endodôntico
pode ocorrer por um ângulo de transição (obtuso)
ou por uma curva de transição (elipsoide).
O ângulo de transição confere capacidade de
corte à base da ponta do instrumento endodôntico.
A sua presença durante a instrumentação de um
canal radicular curvo por meio do movimento de
alargamento pode provocar o transporte apical de
um canal radicular curvo (maior desgaste da pare-
de dentinária externa do canal). Também favorece
a imobilização da ponta do instrumento, induzindo
a fratura por torção principalmente dos instrumen-
tos de menores diâmetros. Ao contrário, a curva de
transição da base da ponta permite o giro e o avan-
ço do instrumento com um menor carregamento no
sentido apical de um canal radicular.
Para a execução do movimento de alargamen-
to parcial à direita, parcial alternado ou contínuo,
obtido manualmente ou por meio de dispositivos Figura 9-52. Parte de trabalho de um instrumento. Haste de corte.
mecânicos, é imprescindível que o instrumento en- (a) Aresta (hélice) de corte. (b) Canal helicoidal.
Instrumentos Endodônticos 329
A B
C D E
Figura 9-54. Haste de corte. Seção reta transversal. Número de arestas ou fios laterais de corte. A. Uma aresta. B. Duas arestas. C. Três arestas.
D. Quatro arestas. E. Cinco arestas.
330 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A B
Figura 9-58. Haste de corte. Canal helicoidal. Superior. Seção reta Figura 9-59. Haste de corte. Ângulo agudo de inclinação da hélice.
transversal. Inferior. Seção reta longitudinal. A. Constante. B. Variável.
332 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Com relação ao ângulo da hélice há três opções instrumento. Não há menção sobre o número de héli-
de passo8: ces dos instrumentos endodônticos nas especificações
da ADA ou ISO.
• passo normal (ângulo da hélice ~ 28º) O número de hélices diminui com o aumento do
• passo longo (ângulo da hélice ~ 5º) diâmetro e da conicidade da haste de corte, assim como
• passo curto (ângulo da hélice ~ 40º) do aumento do passo da hélice de um instrumento en-
dodôntico. Ao contrário, aumenta com a ampliação do
Quanto menor o ângulo da hélice, mais eficien- comprimento da haste de corte e do número de arestas
te é a ação de alargamento (corte) do instrumento en- laterais de corte. Por exemplo, os instrumentos endo-
dodôntico e maior o comprimento do passo da hélice. dônticos no 15 e no 80 apresentam em média, para os do
Quanto maior o ângulo da hélice, mais eficiente é a tipo K, 35 e 17 hélices, e para os do tipo Hedstrom, 25 e
ação de limagem (raspagem) do instrumento endodôn- 15 hélices, respectivamente.
tico e menor o comprimento do passo da hélice. Passo Núcleo de um instrumento de corte é a parte cen-
da hélice é a distância entre vértices consecutivos de tral compreendida entre o fundo do canal que se es-
uma mesma aresta ou fio de corte disposta na haste de tende desde a base da ponta até o término da haste de
corte na forma de hélice ao longo da direção axial do corte. A forma do núcleo está relacionada com a seção
instrumento (Fig. 9-60). da haste de corte do instrumento endodôntico.
Para os instrumentos endodônticos tipo K, o ân- Na seção reta longitudinal, o perfil do núcleo
gulo das hélices é crescente em sentido do intermediá- pode ser: cônico, com diâmetro maior voltado para o
rio e varia de 15 a 55º de uma à outra extremidade da intermediário; cônico reverso, com diâmetro menor
haste de corte helicoidal cônica. Para os instrumentos voltado para o intermediário ou cilíndrico. Na seção
de diâmetros maiores pode ser constante. reta transversal da haste de corte, a forma do núcleo é
As limas Hedstrom de menores diâmetros (até representada por um círculo tangenciando os fundos
no 40) apresentam ângulo agudo da hélice variável de dos canais do instrumento endodôntico. O diâmetro é
40 a 55º de uma extremidade à outra da haste de corte função do perfil (desenho) da seção reta transversal da
helicoidal cônica, e para os diâmetros maiores é em haste de corte do instrumento (Fig. 9-61).
média de 65º.
Para os instrumentos endodônticos mecanizados
empregados como alargadores com giro contínuo, o ân-
gulo da hélice é crescente da ponta para a base da haste
de corte helicoidal cônica de 10 a 60º. Isso confere passo
variável, reduzindo o efeito roscamento do instrumento
durante a instrumentação de um canal radicular.
O número de hélices corresponde à quantidade
de filetes ou de guias radiais (roscas) existentes na face
externa da haste de corte de um instrumento endodôn-
tico. É calculado pela relação entre o número de hélices
por unidade de comprimento da haste de corte do ins-
trumento. Varia com o comprimento, diâmetro, forma,
passo da hélice e número de arestas laterais de corte do
O diâmetro do núcleo de uma haste de corte heli- Os instrumentos endodônticos apresentam seção
coidal cônica interfere na flexibilidade e na resistência reta transversal com diferentes perfis. Pode ser o mesmo
à fratura do instrumento endodôntico. Quanto menor ou variar ao longo da haste de corte do instrumento.
o diâmetro do núcleo, maiores a flexibilidade e a re- O perfil da seção reta transversal da haste de cor-
sistência à fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo te de um instrumento é dado pelas linhas das paredes
ciclo) do instrumento. Contudo, menor será sua resis- dos canais. Essas linhas podem apresentar silhuetas re-
tência à fratura por torção. tas, côncavas, convexas e sinuosas (côncava e convexa)
O diâmetro do núcleo também determina a pro- (Fig. 9-62A a D). Instrumentos com canais com paredes
fundidade do canal presente na haste de corte do côncavas ou retas apresentam valores menores quanto
instrumento. Para núcleos cônicos, a profundidade à área da seção e ao diâmetro do núcleo. Ao contrá-
do canal é constante em toda a extensão da haste de rio, maiores serão para os instrumentos com canais de
corte cônica. Para núcleos cilíndricos e cônicos rever- paredes convexas ou sinuosas. Como os instrumentos
sos, a profundidade do canal aumenta em sentido da endodônticos por convenção giram à direita, para exe-
base da haste de corte cônica. Dentre esses últimos, a cutar o movimento de alargamento, a parede do canal
profundidade é maior para o núcleo cônico reverso. voltada para o cavaco (raspa de dentina) é denominada
Quanto maior a profundidade do canal, maior será a de parede de ataque ou de saída, e a oposta, de parede
capacidade de o instrumento transportar resíduos da de incidência ou folga41,49 (Fig. 9-63).
instrumentação. Maior também será o volume de uma O perfil da aresta lateral de corte pode apresentar a
solução química auxiliar que fluirá em sentido apical forma de filete ou a forma de guia radial (Fig. 9-64A e B).
entre a parede dentinária e a do canal do instrumento A forma de filete é dada pela interseção das paredes de
endodôntico. Vale ressaltar que a atividade antimicro- ataque e de incidência dos canais do instrumento. A for-
biana e solvente de tecido pulpar de uma solução quí- ma de guia radial é representada por um cone truncado
mica depende do volume desta. originário da convergência das paredes de ataque e de
A B
A B
e 140. São divididos em quatro séries: especial, de 6 a de na passagem de instrumentos com valores nominais
10; primeira de 15 a 40; segunda de 45 a 80 e terceira de consecutivos. Isso ocorre porque o instrumento empre-
90 a 140. A soma das quatro séries perfaz o total de 21 gado pode apresentar diâmetro no limite mínimo da
instrumentos (Quadro 9-3). tolerância (–0,02), enquanto o instrumento subsequen-
O limite de tolerância das dimensões do diâmetro te pode estar no limite máximo da tolerância (+ 0,02).
é alto, o que justifica durante o uso clínico a dificulda- O contrário justifica a facilidade na passagem entre
instrumentos de números consecutivos. No caso de di-
Quadro 9-3 Instrumentos endodônticos – ISO ficuldade do emprego de instrumento consecutivo, a
instrumentação do canal radicular deverá ser repetida
Número D0 (mm) Tolerância Cor Série
com outro instrumento endodôntico do mesmo valor
(mm)
nominal.
6 0,06 ± 0,02 rosa O diâmetro nominal dos instrumentos aumenta
de 0,05mm até o no 60; a partir desse número até o 140,
8 0,08 ± 0,02 cinza Especial o aumento é de 0,1mm. Para os números especiais 6, 8
10 0,10 ± 0,02 roxa e 10, o aumento é de 0,02mm. A tolerância dimensional
permitida é de ± 0,02mm até o instrumento de no 60 e
15 0,15 ± 0,02 branca de ± 0,04mm até o de no 140 (ISO 3630-1 1992)31. Esses
20 0,20 ± 0,02 amarela valores nominais, embora fixos, quando transforma-
dos em percentuais, revelam aumento dos diâmetros,
25 0,25 ± 0,02 vermelha que variam de 8 a 50% em D0, entre os instrumentos
Primeira
30 0,30 ± 0,02 azul consecutivos (Quadro 9-4).
Analisando os dados do Quadro 9-4, pode-
35 0,35 ± 0,02 verde mos verificar que as maiores variações percentuais
40 0,40 ± 0,02 preta se encontram entre os instrumentos delgados, e as
menores, entre os de maior calibre. Como exemplos
45 0,45 ± 0,02 branca podemos citar que o diâmetro em D0 do instrumento
50 0,50 ± 0,02 amarela no 15 é 50% maior do que o diâmetro do no 10, e o
do instrumento 60 é apenas 9% maior do que o do
55 0,55 ± 0,02 vermelha no 55. Havendo grande variação percentual entre os
Segunda
60 0,60 ± 0,02 azul diâmetros dos instrumentos consecutivos, é neces-
sária uma força maior para realizar o corte da den-
70 0,70 ± 0,04 verde tina e o avanço do instrumento no interior do canal
80 0,80 ± 0,04 preta radicular. Os diâmetros em percentuais variáveis
entre instrumentos consecutivos também justificam
90 0,90 ± 0,04 branca a dificuldade encontrada durante a passagem de um
100 1,00 ± 0,04 amarela instrumento para o outro no início do preparo do
canal radicular. Essas variações podem induzir a de-
110 1,10 ± 0,04 vermelha formação plástica e/ou fratura do instrumento, as-
Terceira
120 1,20 ± 0,04 azul sim como desvios e perfurações das paredes de um
canal radicular.
130 1,30 ± 0,04 verde Para melhor distribuir esses percentuais foram
140 1,40 ± 0,04 preta criados os instrumentos tipo K Golden Mediums
(Maillefer, Suíça), de diâmetros intermediários en-
D0 0,06 0,08 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,50 0,55 0,60 0,70 0,80 0,90 1,00 1,10 1,20 1,30 1,40
% ........ 33 25 50 33 25 20 17 14 13 11 10 9 17 14 13 11 10 9 8 8
338 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
tre os convencionais nos 10 e 40. O diâmetro entre mentos Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm.
instrumentos consecutivos aumenta de 0,05mm em Consequentemente, na passagem entre instrumen-
D0 (nos 12-17-22-27-32-37), tendo como objetivo re- tos consecutivos padronizados ISO e Golden Me-
duzir a variação no aumento dos diâmetros dos ins- diums, a dificuldade ou a facilidade permanece
trumentos iniciais da série ISO, possibilitando que (Quadro 9-5).
esses durante o preparo do canal radicular alcancem Schilder66, procurando solucionar os problemas
o comprimento de trabalho com maior facilidade. mencionados, fez um estudo propondo um núme-
Todavia, houve um aumento no número de instru- ro menor de instrumentos com aumentos constan-
mentos de 21 para 27, o que dificulta o manuseio e tes dos percentuais em D0. Assim, propôs reduzir o
aumenta o custo do tratamento. número de instrumentos de 21 para 13 com aumen-
Outro aspecto a ser considerado é que o limite to percentual em D0 constante de 29% (na verdade,
de tolerância do diâmetro em D0, para os instru- 29,17%) (Quadro 9-6).
Quadro 9-5 Aumento percentual do diâmetro em D0. Limas K (ISO) intercaladas com as Golden Mediums
No 6 8 10 12 15 17 20 22 25 27 30 32 35 37 40
D0 0,06 0,08 0,10 0,12 0,15 0,17 0,20 0,22 0,25 0,27 0,30 0,32 0,35 0,37 0,40
D% ----- 33 25 20 25 13 18 10 14 8 11 7 9 6 8
ISO Série 29
Isso possibilita uma melhor distribuição dos da parte de trabalho. A conicidade dos instrumentos
instrumentos onde os nove primeiros da série ISO convencionais, de acordo com a norma 28 da ANSI/
(três da série especial e seis da primeira) são substi- ADA1 e a norma 3630/1 ISO31 é de 0,02mm/mm, ou
tuídos por oito da série 29. Na segunda série (nos 45 seja, há aumento de 2% a cada 1mm da parte de traba-
a 80), os seis instrumentos são substituídos por três lho. Para os instrumentos da série ISO com conicidade
da série 29, enquanto os seis da terceira série (nos 80 a 0,02, o aumento de D0 para D16 é de 0,32mm. Essa co-
140) são substituídos por dois. Desse modo, verifica- nicidade foi sugerida por Ingle e Levine29 em 1958, le-
se que, no início da distribuição da série 29, é ofere- vando em consideração o diâmetro anatômico do canal
cido maior número de instrumentos com menores radicular e os princípios de instrumentação adotados
diâmetros (oito instrumentos) e poucos são disponí- na época. A técnica empregada era a convencional, em
veis no final da série (cinco instrumentos). Essa me- que os instrumentos em ordem crescente de diâmetro
lhor distribuição dos instrumentos é importante, em atuavam em todo o comprimento de trabalho. Em fun-
razão de as maiores dificuldades da instrumentação ção da complexidade anatômica do sistema de canais e,
de um canal serem encontradas no início do trata- principalmente, da existência de raízes com curvaturas,
mento endodôntico. Os instrumentos da série 29 são o uso dessa técnica provocava acidentes iatrogênicos,
fabricados em aço inoxidável ou em NiTi, com seus como, por exemplo, a formação de degrau, transporte
números variando entre 00 e 11 e com 21, 25 e 30mm do canal, perfuração, fratura do instrumento, impacta-
de comprimento. Considerando a soma dos instru- ção e extrusão de resíduos para a região apical e perir-
mentos ISO (21 limas) e intermediários (seis instru- radicular.
mentos) (Golden Mediums), observa-se que 27 ins- A partir de 1980, foi desenvolvida na Oregon
trumentos são substituídos por 13 da série 2913,38,49. University Health Science Center, USA, a técnica de-
Para Schilder66, clinicamente, a vantagem da série nominada de crown-down (coroa-ápice)53. Essa técnica
29 é que a variação constante de diâmetro dos instru- promove o alargamento cervical antes de se instru-
mentos permite ao operador uma melhor sensibilida- mentar o segmento apical de um canal radicular. O
de tátil, que é importante, principalmente no preparo alargamento no sentido coroa-ápice diminui signifi-
de canais atresiados e curvos. Os menores diâmetros cativamente os acidentes observados na técnica con-
dos instrumentos iniciais da série 29 (nos 2, 3, 4 e 5), vencional. Entretanto, os instrumentos padronizados
quando comparados aos da série ISO (nos 15, 20, 25 e (ISO) não apresentam diâmetro em D0 e conicidade
30), permitem que aqueles alcancem a região apical de que favoreçam o alargamento cervical. Assim, para
canais radiculares atresiados com maior facilidade49. promover uma maior remoção de dentina do segmen-
O valor proposto de 29,17% foi determinado to cervical são empregados instrumentos mais cali-
a partir da soma das variações percentuais dos di- brosos em D0, podendo com isso provocar a perda da
âmetros em D0 dos instrumentos da série ISO, que trajetória inicial do canal, bem como alterações na sua
corresponde a um valor total de 350%, e de que, se- anatomia interna.
gundo Schilder, os instrumentos de nos 6 até 60 são
Com o objetivo de facilitar a instrumentação do
os mais usados na instrumentação de canais radi-
canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicida-
culares. Logo, distribuindo a soma dos percentuais
des constantes de 0,04 - 0,06 - 0,08 - 0,10 e 0,12mm/
de aumento (350%) entre os 12 intervalos existentes
mm inicialmente para os instrumentos de NiTi meca-
a partir do instrumento de nos 6 até 60, teremos o
nizados. Com o aumento da conicidade do instrumen-
aumento médio de 29,17% entre dois instrumentos
to foi necessário reduzir o comprimento de sua parte
consecutivos da série 2949.
de trabalho de 16mm para que o diâmetro máximo da
Quanto maior o diâmetro, maiores serão a ri-
base da haste de corte helicoidal não ultrapasse 2mm.
gidez, as resistências à flambagem e à fratura por
Diâmetros maiores podem provocar o rasgo de raízes
torção de um instrumento endodôntico. Ao contrá-
durante a instrumentação de um canal radicular.
rio, menores serão sua flexibilidade e resistência à
Alguns instrumentos endodônticos acionados
fratura por fadiga de baixo ciclo induzida por flexão
manualmente também estão sendo fabricados com co-
rotativa do instrumento endodôntico.
nicidades maiores do que a convencional.
Por exemplo, para se obter no segmento cervical
Conicidade dos instrumentos um diâmetro de aproximadamente 1mm semelhante
A conicidade de um instrumento é a relação entre ao determinado por um instrumento K3 (alargador
o aumento no diâmetro por unidade de comprimento cervical) de no 25, conicidade 0,08mm/mm e parte
340 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
1 25 ± 0,02 branca
EXTIRPA-POLPAS
São pequenas hastes metálicas suavemente côni- 2 30 ± 0,02 amarela
cas, de aço inoxidável, providas de um cabo plástico
3 35 ± 0,03 vermelha
colorido ou metálico com uma faixa colorida. O cabo é
cilíndrico e tem 10mm de comprimento e diâmetro de 4 40 ± 0,03 azul
3mm. São caracterizados por apresentar sua parte de
trabalho com farpas levantadas da própria haste metá- 5 50 ± 0,04 verde
lica e dispostas circularmente, formando ângulo inter-
6 60 ± 0,04 preta
no agudo com o eixo do instrumento (Fig. 9-74A a C).
Possuem um número mínimo de 36 farpas, cujo
tamanho corresponde a metade do diâmetro da haste
metálica. Comprimento mínimo de 20mm e da parte A principal indicação desse instrumento é na
de trabalho de 10,5mm ± 1,5mm, conicidade variável remoção da polpa dentária. Desse modo, devem ser
de 0,007 a 0,010mm/mm. Suas dimensões não têm re- denominados de extirpa-polpas. Após sua introdu-
lação com as medidas estandardizadas dos outros ins- ção no interior do tecido pulpar, a rotação provoca
trumentos e a cor do cabo é um referencial que indica o o deslocamento da polpa das paredes dentinárias, e
diâmetro do menor para o maior (Quadro 9-7). a tração determina o seu rompimento a um nível de
Os extirpa-polpas foram projetados para acio- maior constrição do canal, que geralmente é o limite
namento manual com o movimento de remoção. Esse dentina-cemento (CDC), situado aproximadamente
movimento é constituído de três etapas: penetração a 0,5mm aquém do ápice radicular. São indicados
até o segmento apical do canal radicular, rotação de para a remoção do tecido pulpar hígido, nos casos
uma a duas voltas sobre seu eixo no sentido horário de cavidade pulpar ampla. Não devem ser usados
ou anti-horário e tração em direção cervical49. na remoção de tecido pulpar nos casos de rizogêne-
A C
A B C
obtusa (arredondada) ou truncada (Fig. 9-80A a C). O dispostos na direção oblíqua ao eixo dos instrumentos
ângulo da ponta é de 75º ± 15º. Quanto menor o ângu- no sentido da direita para a esquerda. O ângulo agudo
lo, maior será o comprimento da ponta. A passagem de inclinação das hélices é de aproximadamente 45º.
da base da ponta para a haste de corte helicoidal pode Todavia em diversos instrumentos varia de 15 a 55º, de
apresentar ângulo de transição ou curva de transição uma extremidade à outra da haste de corte helicoidal
(Fig. 9-81). cônica. A variação do ângulo agudo de inclinação das
Instrumentos tipo K com pontas cônicas pirami- hélices é crescente da ponta em sentido do intermediá-
dais e vértices pontiagudos não devem ser empregados rio do instrumento endodôntico (Fig. 9-82A e B). Apre-
em canais radiculares curvos pelo fato de promoverem senta seção reta transversal triangular ou quadrangu-
maior incidência de desvios e perfurações radiculares. lar (Fig. 9-83). O perfil do canal dos instrumentos tipo
Pontas cônicas circulares e vértices obtusos facilitam o K triangulares ou quadrangulares apresenta paredes
deslizamento do instrumento nas irregularidades das retas. O perfil da aresta de corte apresenta a forma de
paredes dos canais radiculares e reduzem o risco de filete oriundo da interseção das paredes de canais con-
iatrogenias.
Vértices pontiagudos apresentam maior capaci-
dade perfurante, mesmo sendo a forma da ponta do
instrumento tipo K cônica circular. Pontas com vértices
truncados podem favorecer o entupimento (perda da
patência) e o extravasamento de resíduos via apical do
canal radicular quando os instrumentos são emprega-
dos no esvaziamento de canais radiculares. Instrumen-
tos tipo K com ponta cônica circular e vértice truncado
devem ser empregados após o esvaziamento dos ca-
nais radiculares. O esvaziamento de um canal radicu-
lar deve preferencialmente ser realizado com instru-
mentos tipo K de ponta cônica circular com pequeno
ângulo e vértice arredondado (obtuso).
Os instrumentos tipo K quando empregados no
preparo de um canal radicular por meio do movimen-
to de alargamento não podem apresentar ângulo de
transição. A sua presença pode provocar o transporte
apical de um canal radicular ou favorecer a imobiliza-
ção da ponta do instrumento induzindo a fratura por
torção, principalmente dos instrumentos tipo K de me-
nores diâmetros.
A haste de corte dos instrumentos tipo K é heli-
Figura 9-81. Instrumento tipo K. Transição da base da ponta para
coidal cônica com a base voltada para o intermediário. a haste de corte. Superior. Ângulo de transição. Inferior. Curva de
É constituída pelas hélices e pelos canais helicoidais transição.
Instrumentos Endodônticos 345
A B
Figura 9-82. Instrumento tipo K. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A. Valor constante. B. Valores variáveis.
tíguos. Os de seção triangular apresentam três arestas (exemplo: instrumentos FexoFile (Maillefer) e Triple-
laterais de corte e três canais. O ângulo (interno) da Flex (Kerr).
aresta lateral de corte é de aproximadamente 60º. Os Os instrumentos de seção reta triangular neces-
instrumentos de sessão reta transversal quadrangular sitam de movimentos de rotação à direita de um terço
apresentam quatro arestas laterais de corte. O ângulo (120º) para completar o círculo de corte das paredes
interno da aresta lateral de corte é de 90º. Quanto me- do canal, enquanto, nos de seção reta quadrangular, o
nor o ângulo interno da aresta lateral de corte e mais movimento exigido é de um quarto (90º) de volta (Fig.
aguçado o seu vértice, maior será a capacidade de corte 9-85). Os furos produzidos com instrumentos tipo K
de um instrumento tipo K (Fig. 9-84). O ângulo de ata- de mesmo diâmetro externo de seção reta triangular
que do instrumento tipo K é negativo, ou seja, o ponto são iguais aos produzidos com os de seção quadran-
de referência da aresta lateral de corte está aquém em gular. Não considerando o desgaste da dentina, te-
relação à parede de ataque do instrumento. Os ins- oricamente, o diâmetro do furo preparado com um
trumentos tipo K de seção reta transversal triangular instrumento triangular é cerca de 33% maior do que o
também são identificados com a denominação Flex diâmetro da sua seção reta transversal, ao passo que,
Figura 9-83. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Forma qua- Figura 9-84. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Aresta ou
drangular e triangular. fio lateral de corte. Vértice pontiagudo. Vértice arredondado.
346 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-8 Média e desvio padrão da força máxima (gf ) ramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercial-
para flexionar a ponta dos instrumentos endodônticos de mente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm,
25mm de comprimento em 15,5mm nos nos de 6 a 140. A parte de trabalho possui 16mm
de comprimento mínimo. A ponta do instrumento tem
Números FlexoFile CCCord Nitiflex a forma de um cone circular, extremidade geralmente
aguda e curva de transição até o instrumento de no 40.
30 204 (14) 214 (18) 104 (3,6)
Os demais apresentam ponta cônica piramidal, extre-
40 256 (14) 266 (15,5) 128 (19,6) midade pontiaguda e ângulo de transição. Os instru-
mentos de diâmetros menores geralmente apresentam
pontas com formas diferentes das preconizadas pelos
fabricantes. A haste de corte helicoidal apresenta coni-
cidade de 0,02mm/mm. O ângulo agudo de inclinação
A seção reta longitudinal da haste de corte he- das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros
licoidal cônica revela que o núcleo dos instrumentos menores. Consequentemente, esses instrumentos não
tipo K é cônico com o vértice voltado para a ponta da exercem a ação de limagem adequadamente. A seção
parte de trabalho e o canal helicoidal nos triangula- reta transversal apresenta a forma quadrangular até o
res é mais profundo do que nos quadrangulares (Fig. instrumento de no 40 e os demais, seção reta transversal
9-88). Quanto maior a profundidade do canal, maior triangular (Fig. 9-89A a F). Resultados de medidas des-
será a capacidade de o instrumento transportar re- ses instrumentos são mostrados no Quadro 9-10.
síduos oriundos da instrumentação. Maior também
será o volume de uma solução química auxiliar que Instrumentos K-CC+VDW
fluirá no sentido apical entre a parede dentinária e o
Os instrumentos K-CC+VDW (Antaeos, Beutelro-
instrumento endodôntico.
ck, Zipperer, Alemanha) são fabricados por torção de
Os instrumentos tipo K foram projetados para
uma haste metálica piramidal de aço inoxidável. São
ser utilizados como limas em movimento de lima-
oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de
gem e como alargadores em movimento de alarga-
21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 6 a 110, e nos compri-
mento parcial à direita ou de alargamento parcial al-
mentos de 25 e 31mm nos nos de 120 a 140. Há também
ternado. O movimento de alargamento parcial alter-
dois instrumentos com diâmetros intermediários cor-
nado pode ser executado manualmente ou por meio
respondentes aos nos 12,5 e 17,5 nos comprimentos de
de dispositivos mecânicos (contra-ângulos especiais
21 e 25mm. A parte de trabalho possui 16mm de com-
acoplados em motores elétricos ou pneumáticos).
primento mínimo. A ponta do instrumento apresenta
Inúmeras são as marcas comerciais de instru-
a figura de um cone circular, extremidade pontiaguda
mentos tipo K existentes no mercado endodôntico.
e curva de transição. Todavia em alguns exemplares
observa-se ângulo de transição. Os instrumentos de
Instrumentos K-Colorinox diâmetros menores geralmente apresentam pontas
Os instrumentos K-Colorinox (Maillefer, Suíça) com formas diferentes das preconizadas pelos fabri-
são fabricados por torção de uma haste metálica pi- cantes. A haste de corte helicoidal apresenta conici-
Figura 9-88. Diâmetro do núcleo de instrumento tipo K de mesmo número. Triangular (esquerda). Quadrangular (direita).
348 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Instrumentos K-Kerr
Os instrumentos K-Kerr (Kerr, México) são fa-
bricados por torção de uma haste metálica piramidal
de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos
comprimentos úteis de 21, 25 e 30mm, nos nos de 8 a
140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimen-
to mínimo. A ponta do instrumento é piramidal (face-
E
tada) e sua extremidade é truncada. Todavia, alguns
instrumentos podem apresentar ponta cônica circular.
Figura 9-89. Instrumento tipo K Colorinox. D. Seção reta transver- Apresentam ângulo de transição obtuso. A haste de
sal. E. Seção reta longitudinal. corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
Instrumentos Endodônticos 349
15 cônica circular 16 29 17 32
20 cônica circular 19 32 17 32
25 cônica circular 23 38 16 31
30 cônica circular 26 39 17 31
35 cônica circular 26 32 17 24
40 cônica circular 28 36 17 24
45 cônica facetada 40 47 17 22
50 cônica facetada 40 47 16 22
55 cônica facetada 39 48 16 21
60 cônica facetada 43 48 16 20
70 cônica facetada Δ 47 53 16 20
80 cônica facetada 48 49 16 17
90 cônica facetada 47 51 17 15
A seção reta transversal apresenta a forma quadrangu- • reduz a velocidade de avanço do instrumento em sen-
lar. Junto à base da ponta as arestas laterais de corte são tido apical durante o movimento de alargamento;
paralelas ao eixo do instrumento, adquirindo a partir • facilita a criação do batente apical quando emprega-
de aproximadamente 1mm a disposição helicoidal (Fig da com o movimento de alargamento.
9-92A a G). A presença de arestas de corte paralelas ao
eixo do instrumento:
Instrumentos K-FlexoFile
• não permite que o instrumento nesta região da parte Os instrumentos K-FlexoFile (Maillefer, Suíça) são
de trabalho exerça a ação de limagem; fabricados por torção de uma haste piramidal de aço
inoxidável desde 1981. São oferecidos comercialmente,
350 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
F
C
Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. Seção reta longitudinal. Figura 9-91. Instrumento tipo K-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste de
D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte (D16). corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos 351
cônica
15 0,02 21 33 16 29
circular
cônica
20 0,02 26 37 17 30
circular
cônica
25 0,02 30 42 17 31
circular
cônica
30 0,02 32 46 17 29
circular
cônica
35 0,02 47 50 17 30
circular
cônica
40 0,02 40 47 17 29
circular
Quadro 9-12 Diâmetros em D0 e D16 dos instrumentos Os instrumentos Flexicut CC+VDW (VDW-Muni-
Golden Mediums ch, Alemanha) são fabricados por torção de uma haste
piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercial-
No D0 mm D16 mm Cor mente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos 15
a 40. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento
12 0,12 0,44 roxa
mínimo. A ponta do instrumento apresenta a configu-
17 0,17 0,49 branca ração de um cone circular, extremidade pontiaguda e
com curva de transição. Os instrumentos de diâmetros
22 0,22 0,54 amarela menores geralmente apresentam as pontas com formas
diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de
27 0,27 0,59 vermelha
corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
32 0,32 0,64 azul A seção reta transversal apresenta a forma triangular.
O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para
37 0,37 0,69 verde os instrumentos de diâmetros menores. Consequente-
mente esses instrumentos não exercem ação de lima-
gem adequada (Fig. 9-94A a E).
22... Todavia, devemos ressaltar que o limite de to-
lerância do diâmentro em D0 para os instrumentos Instrumentos K flex-FKG
Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm. Conse-
Os instrumentos tipo K flex (FKG Dentarie, Suíça)
quentemente, na passagem entre instrumentos con-
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi-
secutivos padronizados ISO e Golden Mediums a
dável de seção reta transversal circular. São oferecidos
dificuldade ou facilidade permanece.
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28
e 31mm, nos nos 15 a 40. A parte de trabalho possui
Instrumentos Flexicut CC+VDW 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instru-
mento apresenta a figura de um cone circular, extremi-
354 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
D
C
Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. D. Formas das pon- Figura 9-95. Instrumento tipo K flex-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste
tas. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor. de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos 355
Instrumentos K-Nitiflex
Os instrumentos tipo K-Nitiflex (Maillefer, Suí- D
ça) são fabricados por usinagem de um fio metálico de
NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm,
nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de
comprimento mínimo. A ponta do instrumento apre-
senta a figura de um cone circular, extremidade trunca-
da e curva de transição. Os instrumentos de diâmetros
menores geralmente apresentam as pontas com formas
diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de
corte helicoidal apresenta seção reta transversal de for-
ma triangular e conicidade de 0,02mm/mm. O ângulo E
F
A
C
G
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. Forma. A. Ponta. B. Haste
de corte. C. Haste de corte D16. Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. G. Seção reta transversal.
356 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. H. Forma da ponta. Supe- Instrumentos K NiTi-VDW
rior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
Os instrumentos K NiTi-VDW (VDW, Alemanha)
são fabricados por usinagem de um fio metálico de
agudo de inclinação das hélices é menor para os instru-
NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos
mentos de diâmetros menores (Fig. 9-96A a H).
comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm,
A liga NiTi empregada na fabricação desses instru-
nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de
mentos em razão da presença de partículas de segunda
comprimento mínimo. A ponta do instrumento apre-
fase (inclusões), após o processo de fabricação por usi-
senta a figura de um cone circular, extremidade trun-
nagem e de tratamento superficial químico, apresenta
cada e curva de transição. A haste de corte helicoidal
frequentemente elevado número de microcavidades.
apresenta seção reta transversal de forma triangular e
Esses defeitos funcionam como concentradores de ten-
conicidade de 0,02mm/mm (Fig. 9-98A a D).
são, podendo levar os instrumentos, principalmente os
de diâmetros menores, à falha prematura com níveis
de tensão abaixo dos previsíveis (Fig. 9-97). Instrumentos K NiTi-FKG
Resultados de medidas de instrumentos K-Niti- Os instrumentos de NiTi tipo K-FKG (FKG Den-
flex são mostrados no Quadro 9-13. tarie, Suíça) apresentam as mesmas características dos
15 cônica circular 22 39 18 34
20 cônica circular 28 36 17 34
25 cônica circular 31 42 17 34
30 cônica circular 40 44 18 34
35 cônica circular 43 47 17 34
40 cônica circular 40 50 18 24
A
A
B
E
15 cônica circular 35 45 17 20
20 cônica circular 40 50 17 20
25 cônica circular 50 60 17 20
30 cônica circular 54 55 17 19
35 cônica circular 52 55 17 19
40 cônica circular 50 55 17 18
45 cônica circular 56 55 17 17
50 cônica circular 56 60 17 17
55 cônica circular 56 60 17 17
60 cônica circular 60 60 17 17
70 cônica circular 62 60 17 16
80 cônica circular 67 62 17 15
capacidade de corte das limas tipo H. A seção reta lon- • limas Hedstrom VDW (Antaeos, Beutelrock, Zipperer,
gitudinal apresenta núcleo cônico (Fig. 9-102A a C). Alemanha) oferecidas comercialmente, nos compri-
As limas Hedstrom foram projetadas para ser acio- mentos de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 8 e 110 e nos
nadas manualmente por meio do movimento de lima- comprimentos de 25 e 31mm, nos nos de 120 a 140.
gem. Ao realizar o movimento de limagem, é impor- • limas Hedstrom Kerr (Kerr, México) oferecidas co-
tante a rigidez do instrumento. Quanto maior a rigidez, mercialmente nos comprimentos de 21, 25 e 31mm,
maior a sua eficiência de raspagem. As limas Hedstrom nos nos de 15 a 80.
de NiTi em função da superelasticidade da liga não ofe- • limas Hedstrom FKG (FKG Dentarie, Suíça) ofereci-
recem resistência ao deslocamento sob flexão, não pro- das comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28
movendo consequentemente a raspagem dentinária. e 31mm, nos nos de 15 a 140.
Têm como objetivo o preparo dos segmentos achatados
e o desgaste anticurvatura de canais radiculares. Resultados de medidas de limas Hedstrom-Mail-
Como exemplos comerciais de limas Hedstrom lefer são mostradas no Quadro 9-14.
de aço inoxidável podemos citar:
da pré-instrumentação ou instrumentação dos canais com dimensões maiores reduz a força necessária para
radiculares. girá-lo (movimento de alargamento) (Fig. 9-103A e B).
A B
A
E
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modela-
dores. A. Fotografia.
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modela-
dores. E. Seção reta transversal.
Instrumento S1
• Diâmetro D0 = 0,18mm
• Diâmetro D16 = 1,2mm
B
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade crescente de 0,02 (D1) a 0,11mm/mm
(D14) e a seguir constante de 0,11mm/mm até D16
• Cabo roxo ou haste de fixação e acionamento com
anel roxo.
C Instrumento S2
• Diâmetro D0 = 0,20mm
• Diâmetro D16 = 1,2mm
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade crescente de 0,04 (D1) a 0,08mm/mm
(D12) e a seguir a conicidade decresce até D16 para
0,05mm/mm.
• Cabo branco ou haste de fixação e acionamento com
anel branco.
da conicidade é feito de modo mais suave, o que per- bamento apresentam ponta circular e vértice arre-
mite uma transição para os instrumentos de acabamen- dondado. A passagem da base da ponta para a haste
to com menor carregamento (menor esforço). de corte helicoidal ocorre por meio de uma curva de
transição. O ângulo de inclinação das hélices é variá-
Instrumento SX vel de 30 a 35º. O ângulo de ataque é considerado ne-
• Diâmetro D0 = 0,19mm gativo. A profundidade do canal helicoidal aumenta
• Diâmetro D16 = 1,19mm de D1 para D16.
• Parte de trabalho = 16mm As seções retas transversais dos instrumentos Pro-
• Comprimento útil = 19mm Taper Universal de acabamento apresentam três arestas
• Conicidade crescente de 0,035 a 0,19mm/mm até D9 ou fios de cortes e três canais. Não apresentam guia radial.
e a seguir conicidade constante de 0,02mm/mm. As arestas de corte apresentam perfil (desenho) na forma
• Cabo laranja ou haste de fixação e acionamento sem de filetes oriundos da interseção das paredes dos canais.
anel. Os canais apresentam paredes com perfis convexos para
os instrumentos F1 e F2. O ângulo de ataque é negativo. A
É denominado de instrumento modelador auxi- seção reta longitudinal da parte de trabalho revela núcleo
liar. Apresenta em um mesmo instrumento as caracte- cilíndrico e canais helicoidais com profundidades cres-
rísticas do S1 e S2. É projetado para modelagem prévia centes de D1 para D16 (Fig. 9-106A a C e D e E).
do corpo de canais curtos. Os instrumentos F3, F4 e F5 apresentam seções re-
tas transversais com duas formas diferentes ao longo de
Instrumentos de acabamento suas hastes de corte helicoidais (Fig. 9-107). Até 12mm a
partir da ponta, o perfil da parede dos canais é côncavo
São instrumentos especiais empregados du-
e a seguir até D16 convexo. O perfil côncavo determina
rante a instrumentação para alargar o diâmetro do
redução da área do núcleo e da seção reta transversal
segmento apical e para obter uma conicidade ade-
(menor massa) o que confere a esses instrumentos uma
quada e progressiva do canal radicular (Fig. 9-105).
maior flexibilidade. A seção reta longitudinal da parte
Apresenta conicidade constante nos 3mm apicais e a
de trabalho revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais
seguir decrescente no sentido de D16 Essa caracterís-
com profundidade crescente de D1 para D16. Os instru-
tica possibilita alargar o segmento apical e aumentar
mentos F3, F4 e F5 apresentam canais helicoidais mais
a flexibilidade (reduzir a rigidez) do instrumento no
profundos nos segmentos das hastes de corte helicoidais
segmento coronário. Todos os instrumentos de aca-
que possuem perfil côncavo (Fig. 9-108A a C e D a F).
B
D
C
F
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba-
Figura 9-106. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba- mento F3, F4 e F5. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de
mento F1 e F2. D. Seção reta transversal. E. Seção reta longitudinal. corte D16.
364 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Instrumento F4
• Diâmetro D0 = 0,40mm
• Diâmetro D16 = 1,14mm
• Parte de trabalho = 16mm
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Conicidade constante de 0,06mm/mm de D1 a D3.
D4 a D9, conicidade constante de 0,05mm/mm. D10 a
D14, conicidade constante de 0,04mm/mm. D15 a D16,
F a conicidade constante de 0,03mm/mm.
• Cabo preto ou haste de fixação e acionamento com
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acaba- dois anéis pretos.
mento F3, F4 e F5. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de
corte. F. Haste de corte D16.
Instrumento F5
• Diâmetro D0 = 0,50mm
• Diâmetro D16 = 1,13mm
Instrumento F1
• Parte de trabalho = 16mm
• Diâmetro D0 = 0,20mm • Comprimento útil de 21, 25 e 31mm
• Diâmetro D16 = 1,125mm • Conicidade constante de 0,05mm/mm de D1 a D3.
• Parte de trabalho = 16mm Em D4. conicidade de 0,035mm/mm, D5 a D9, conici-
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm dade constante de 0,04mm/mm. D10 a D16, conicida-
• Conicidade constante de 0,07mm/mm de D1 a de constante de 0,035mm/mm.
D3. A partir de D4 até D16 a conicidade reduz para • Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento
0,04mm/mm. com dois anéis amarelos.
• Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento
com anel amarelo.
ProTaper Retratamento
Instrumento F2 Os instrumentos especiais mecanizados ProTaper
• Diâmetro D0 = 0,25mm retratamento Dentsply Maillefer (Suíça) são fabricados
• Diâmetro D16 = 1,20mm por usinagem de uma haste metálica de NiTi de seção
• Parte de trabalho = 16mm reta transversal circular. São oferecidos comercialmen-
• Comprimento útil de 21, 25 e 31mm te em três números – ProTaper D1, D2 e D3 –, e foram
• Conicidade constante de 0,08 de D1 a D3. A partir projetados para serem acionados por dispositivos me-
de D4 até o meio da parte de trabalho a conicida- cânicos com giro contínuo à direita. Têm como objeti-
Instrumentos Endodônticos 365
ProTaper D1
Apresenta diâmetro em D0 de 0,30mm, compri-
mento útil de 16mm, comprimento da parte de trabalho
de 13mm e conicidade de 0,09mm. Na haste de fixação e
acionamento existe um anel branco. A ponta apresenta
duas superfícies achatadas e convergentes semelhante a
uma chave de fenda, que tem como objetivo favorecer o E
avanço do instrumento na massa obturadora presente
no interior do canal radicular. O ângulo interno da pon-
ta é em média de 60º. Apresenta ângulo de transição.
A
F
C
G
Figura 9-109. ProTaper retratamento. Forma. A. Ponta cônica face-
tada (achatada). B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. Figura 9-109. ProTaper retratamento. G. Seção reta transversal.
366 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta comercialmente nos comprimentos úteis de 18, 21 e
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação 25mm e nos nos de 6 a 15. O comprimento da parte de
da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta trabalho é de 16mm. A ponta apresenta a figura de um
da ponta (25º) para o término da haste helicoidal (35º). cone circular e sua extremidade é truncada. Apresenta
O número de hélices na haste helicoidal é em média de ângulo de transição. A haste de corte helicoidal cônica
oito. O número de hélices por unidade de comprimen- apresenta seção reta transversal quadrangular. O ângu-
to da parte de trabalho é em média de 0,6 hélice por lo interno da aresta de corte é de 90º e de vértice pontia-
milímetro. É projetado para remoção do material obtu- gudo. A conicidade é variável, sendo de 0,04mm/mm
rador do segmento cervical de um canal radicular. nos 4mm iniciais a partir da ponta do instrumento e de
0,02mm/mm até o final da parte de trabalho. O ângulo
ProTaper D2 da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta
Apresenta diâmetro em D0 de 0,25mm, compri- de D1 (15 a 20º) para D16 (25 a 30º). O número de hélices
mento útil de 18mm, comprimento da parte de trabalho presente na haste helicoidal é de aproximadamente 25
de 15mm e conicidade de 0,08mm. Na haste de fixação hélices. O número de hélices por unidade de compri-
e acionamento existem dois anéis brancos. A ponta é mento da parte de trabalho é de 1,5 hélice por milíme-
cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo tro. O ângulo de ataque é classificado como negativo.
interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva A maior conicidade (0,04mm/mm) na região da
de transição. extremidade da parte de trabalho e o menor número
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta de hélices por milímetro conferem a esses instrumen-
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação tos grande resistência à flambagem (flexocompressão).
da hélice em relação ao eixo do instrumento é constan- Consequentemente, esses instrumentos são indicados
te e em média de 30º. O número de hélices na haste no cateterismo de canais atresiados.
helicoidal em média de 10. O número de hélices por Lopes et al. (2008), avaliando e comparando a força
unidade de comprimento da parte de trabalho é em necessária para induzir a flambagem de instrumentos
média de 0,6 hélice por milímetro. É projetado para a endodônticos tipo K de nos 10 e 15 (C+, Maillefer, Suíça;
remoção do material obturador do segmento médio de K-File Colorinox, Maillefer, Suíça; CCCord, Antaeos,
um canal radicular. Alemanha; Nitiflex, Maillefer, Suíça; e HI, Miltex, Inc.,
EUA), concluíram que a força máxima para flambar os
ProTaper D3 instrumentos foi maior para os da marca C+, seguidos
pelos da marca CCCord.
Apresenta diâmetro de D0 de 0,20mm, compri-
São projetados para serem acionados manualmen-
mento útil de 22mm, comprimento da parte de trabalho
te. Têm como objetivo o cateterismo de canais atresiados.
de 16mm e conicidade de 0,07mm. Na haste de fixação
Em função das características morfológicas do instru-
e acionamento existem três anéis brancos. A ponta é
mento, o movimento indicado é o de alargamento par-
cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo
cial à direita. Os instrumentos mais curtos apresentam
interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva
maior resistência à flambagem (Fig. 9-110A a C e D).
de transição.
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta
transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação Instrumentos Senseus Profinder
da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta
Os instrumentos especiais Profinder (Maillefer,
da ponta (20º) para o término da haste helicoidal (25º).
Suíça) são fabricados por usinagem de um fio de aço
O número de hélices na haste helicoidal é em mé-
inoxidável de seção reta transversal circular. São ofe-
dia de 12. O número de hélices por unidade de com-
recidos comercialmente nos comprimentos úteis de 18,
primento da parte de trabalho é em média de 0,75 por
21 e 25mm e nos nos 10, 13 e 17. A parte de trabalho
milímetro. É projetado para remoção do material obtu-
apresenta comprimento mínimo de 16mm. A ponta
rador do segmento apical de um canal radicular.
apresenta a figura de um cone circular, sua extremida-
de é truncada e apresenta ângulo de transição.
Instrumentos C+ A haste de corte helicoidal cônica apresenta se-
Os instrumentos especiais C+ (Maillefer, Suíça) ção reta transversal quadrangular. O ângulo interno
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi- da aresta de corte é de 90º e de vértice arredondado.
dável de seção reta transversal circular. São oferecidos A conicidade é variável, sendo maior nos quatro mi-
Instrumentos Endodônticos 367
10 0,02 0,015
A 13 0,0175 0,015
17 0,015 0,01
Instrumentos C-Pilot
Os instrumentos especiais C-Pilot (VDW, Alema-
nha) são fabricados por torção de uma haste pirami-
dal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente
nos comprimentos úteis de 19, 21 e 25mm nos nos 6, 8,
10, 12,5 e 15. O comprimento da parte de trabalho é de
17mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular,
sua extremidade é arredondada e apresenta curva de
transição. A haste de corte helicoidal cônica apresen-
ta seção reta transversal quadrangular e conicidade
de 0,02mm/mm. O ângulo interno da aresta de corte
é de 90º e de vértice arredondado. O ângulo da hélice
em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20º)
para D16 (30º). O número de hélices presente na has-
te helicoidal é em média de 34. O número de hélices
por unidade de comprimento da parte de trabalho é
em média de duas hélices por milímetro. O ângulo de
ataque é considerado negativo.
D Esses instrumentos são submetidos a um encru-
amento com o objetivo de aumentar sua resistência à
Figura 9-110. Instrumento especial C+. D. Seção reta transversal. flambagem.
368 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
A
Instrumentos HI
Os instrumentos especiais HI (Miltex, Inc., EUA)
são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxi-
dável de seção reta circular. São oferecidos comercial-
mente nos comprimentos úteis de 21 e 25mm no no 10.
A parte de trabalho apresenta um comprimento míni-
mo de 17mm. A ponta apresenta a figura de um cone
circular, sua extremidade é arredondada e apresenta
ângulo de transição. A haste de corte helicoidal apre-
senta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta trans-
versal é pentagonal, ou seja, com cinco arestas laterais
de corte e igual número de canais helicoidais. Isso con-
fere aos instrumentos HI canais helicoidais rasos que
dificultam a remoção de dentina excisada proveniente
do preparo, assim como a possibilidade de a solução
química auxiliar da instrumentação fluir no sentido
apical do canal radicular. O ângulo interno da aresta D
de corte é de 108º e de vértice arredondado.
O ângulo da hélice em relação ao eixo do instru- Figura 9-113. Instrumento especial HI. D. Seção reta transversal.
mento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O número de
hélices presente na haste helicoidal é de aproximada-
mente 65 hélices. O número de hélices por unidade de A presença de ângulo obtuso (108º) e de vértice
comprimento da parte de trabalho é de 3,9 hélices por arredondado reduz a capacidade de corte desses ins-
milímetro. trumentos. O ângulo de ataque é classificado como ne-
gativo.
São projetados para serem acionados manual-
mente e têm como objetivo o cateterismo de canais
atresiados. O movimento indicado é o de alargamento
parcial à direita. Os instrumentos mais curtos são mais
resistentes à flambagem (Fig. 9-113A a C e D).
A
CONTRA-ÂNGULOS ESPECIAIS
Os contra-ângulos especiais podem executar movi-
mentos de alargamento parcial oscilatório ou alternado,
contínuo, de limagem e de alargamento e limagem. In-
dependentemente da técnica empregada, o preparo api-
cal dos canais radiculares deve ser executado com movi-
B mento de alargamento parcial alternado ou contínuo.
Abordaremos os contra-ângulos especiais que
executam o movimento de alargamento parcial alter-
nado (oscilatório) à direita e à esquerda, descrevendo
um arco de 30 ou 45º. Esses contra-ângulos permitem
o acoplamento do cabo de instrumentos tipo K de aço
inoxidável ou de NiTi. Para o acoplamento da haste de
fixação de instrumentos mecanizados há necessidade
C da utilização de um adaptador metálico ou de outra
cabeça para o contra-ângulo.
Os instrumentos de aço inoxidável não devem
Figura 9-113. Instrumento especial HI. Forma. A. Ponta. B. Haste ser pré-curvados para a realização do movimento de
de corte. C. Haste de corte D16.
370 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Contra-ângulo TEP-E10R
É fabricado pela NSK (Japão) com amplitude do
arco de 45º e redução de velocidade de 10:1. Segundo
o fabricante, é recomendada uma velocidade de traba-
lho máxima para o instrumento endodôntico de 3.000
ciclos (oscilações) por minuto. Possui uma cabeça com
sistema de pinça acionada por push-botton que permite
adaptar o cabo de diferentes instrumentos endodônti-
cos tipo K. O contra-ângulo TEP-E10R é distribuído no
Brasil pela Adiel Comercial Ltda (Ribeirão Preto, SP)
(Fig. 9-114A e B).
Contra-ângulo M-4
É fabricado pela Kerr (Kerr, México) com ampli- B
Contra-ângulo 3LD-DURATEC
É fabricado pela Kavo (Brasil) com amplitude do
arco de 90º, redução de velocidade de 10:1 e engate na
cabeça do contra-ângulo por sistema push-botton. Para
Nagy et al.58 e Sydney et al.73, a amplitude do arco é de
45º e não de 90º como divulgado pelo fabricante.
O movimento de alargamento parcial alternado
também pode ser obtido por meio do aparelho ENDO-
MATE 2 com bateria de níquel-cádmio sem fio acopla-
do a uma contracabeça denominada de TEP-HA (NSK,
Figura 9-116. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de fixação
Japão).
e acionamento.
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
ESPECIAIS DE NiTi MECANIZADOS tros, a haste de fixação e acionamento é obtida da haste
metálica primitiva. Serve para fixação do instrumento
São considerados em Endodontia como instru- na cabeça do contra-ângulo e seu acionamento obtido
mentos de NiTi mecanizados os instrumentos especiais por meio de motores elétricos ou pneumáticos. Tem
acionados exclusivamente por dispositivos mecânicos 15mm de comprimento, todavia alguns instrumentos
com giro continuo à direita. Porém, alguns instrumen- apresentam comprimentos menores das hastes (11mm
tos ou sistemas podem ser acionados por dispositivos a 13mm). Esses instrumentos quando usados em con-
mecânicos com giro parcial alternado (oscilatório). tra-ângulos de cabeça menor conferem comprimentos
Geralmente são fabricados por usinagem a par- totais menores, o que favorece o emprego em dentes
tir de um fio metálico de níquel-titânio de seção reta posteriores e em pacientes de pequena abertura bucal
transversal circular ou por torção a partir de uma haste (Fig. 9-116).
piramidal de seção reta triangular. São oferecidos co- O diâmetro da haste de fixação e acionamento é
mercialmente como sistemas de instrumentos consti- universal (2,30mm), o que permite a sua adaptação em
tuídos de alargadores cervicais e de alargadores apicais contra-ângulos de qualquer marca comercial. Geral-
indevidamente denominados de limas (Fig. 9-115). mente são douradas ou prateadas e possuem anéis co-
Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi loridos correlacionados à conicidade da haste de corte
mecanizados de um sistema apresentam comprimen- helicoidal e ao diâmetro D0 da ponta do instrumento.
tos do corpo, da parte de trabalho, conicidades e diâ- Para alguns instrumentos, a conicidade é expressa pelo
metros em D0, variáveis com a marca comercial. Não número de estrias presentes na haste de fixação e acio-
existem normas de padronização para os instrumentos namento
endodônticos especiais de NiTi mecanizados. A haste O intermediário apresenta tamanho variável em
de fixação e acionamento dos instrumentos é metálica função do comprimento do corpo do instrumento e da
(liga de latão) unida por engaste a uma das extremida- parte de trabalho. Os instrumentos endodônticos me-
des do corpo (intermediário) do instrumento. Para ou- canizados geralmente apresentam ranhuras que deter-
minam o comprimento do corpo a partir da ponta do
instrumento endodôntico.
A ponta dos instrumentos mecanizados indepen-
dentemente da marca comercial é cônica circular com
a extremidade pontiaguda, arredondada ou truncada.
É obtida por um processo de usinagem denominado
Figura 9-115. Sistema de instrumentos de NiTi mecanizados. Alar- de torneamento cônico externo. Apresenta curva de
gador apical (superior). Alargador cervical (inferior). transição (Fig. 9-117A e B). A forma elipsoide (curva
372 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A B
A B
Figura 9-120. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. A. Hélices (aresta lateral de corte) na forma de filete. B. Hélices na forma
de guia radial.
374 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A B
Figura 9-121. Instrumentos de NiTi mecanizados. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A e B. Variável ao longo da haste de corte.
A B
convexas, sinuosas (côncava e convexa) ou retas. O A parte central da seção reta transversal, repre-
perfil da aresta ou fio de corte pode apresentar a forma sentada por um círculo tangenciando os fundos dos
de filete ou a forma de guia (plano) radial. Possuem canais, corresponde à área do núcleo do instrumento
duas ou três arestas laterais de corte e igual número de endodôntico. A área (diâmetro) do núcleo depende
canais. Assim, instrumentos endodônticos de mesmo da forma da seção reta transversal. Para instrumentos
diâmetro externo e de diferentes fabricantes podem de um mesmo número onde as superfícies do canal
apresentar seções retas transversais com diferentes for- helicoidal são convexas o diâmetro do núcleo é maior
mas (desenhos) ( Fig. 9-123A a D). (Fig. 9-124).
Quanto menor o diâmetro do núcleo, maior a Por meio da seção reta transversal e do posicio-
profundidade do canal e maior será a capacidade de o namento do ponto de referência da aresta de corte em
instrumento transportar resíduos da instrumentação. relação à parede de um canal radicular, podemos afir-
Maior também será o volume de uma solução quími- mar que os instrumentos endodônticos de NiTi meca-
ca auxiliar que fluirá em sentido apical entre a parede nizados apresentam ângulo de ataque negativo. É con-
dentinária e o instrumento endodôntico. Além disso, a siderado negativo quando o ponto de referência esti-
forma e a dimensão do núcleo são significativas para ver aquém (atrasado) em relação à superfície de ataque
a flexibilidade e para a resistência à fratura dos instru- (Fig. 9-125). Para a dentina (material frágil e quebradi-
mentos endodônticos. Quanto menor a dimensão do ço) é ideal que os instrumentos endodônticos possuam
núcleo, maiores a flexibilidade e a resistência à fratura ângulo de ataque negativo e não positivo41,49.
por flexão rotativa do instrumento (fadiga de baixo ci- Os instrumentos endodônticos de NiTi mecani-
clo). Contudo, menor será sua resistência à fratura por zados, projetados para a instrumentação dos segmen-
torção. A força para a flexão de 45º de instrumentos me- tos médio e apical de canais radiculares denominados
canizados de no 40, conicidade de 0,04mm/mm e com- erroneamente de limas, são na verdade alargadores
primento de 25 mm, é de 250gf para os da marca ProFile helicoidais cônicos, uma vez que executam o movi-
(Maillefer, Suíça) e de 330 gf para os da marca K3 (Kerr, mento de alargamento de um furo (canal) e não o
México). Quanto à resistência à fratura por torção, o tor- movimento de limagem. São normalmente comerciali-
que máximo é de 143gf.cm para o instrumento ProFile zados nos nos de 15 a 90, nos comprimentos de 18, 21, 25
(35/0,04 de 25mm) e de 188gf.cm para o K3 (35/0,04 de e 31mm e nas conicidades de 0,02 - 0,04 e 0,06mm/mm.
25mm). Esses resultados estão relacionados com a me- A tendência, em função da anatomia dos canais radi-
nor área do núcleo dos instrumentos ProFile quando culares e das propriedades mecânicas da liga NiTi, é
comparados aos K3. Porém, quanto maior o diâmetro de que a conicidade dos alargadores apicais não ultra-
do núcleo, menor será a profundidade do canal heli- passe 0,06mm/mm para poder proporcionar ao instru-
coidal do instrumento. Para canais helicoidais rasos, os mento empregado no preparo apical uma flexibilidade
instrumentos endodônticos devem ser removidos do capaz de percorrer e alargar sem deformação um canal
interior de um canal radicular com maior frequência, radicular curvo. Conicidades maiores podem provocar
ou seja, após três a cinco ciclos de avanço e retrocesso um corte excessivo das paredes do canal radicular na
em sentido apical. A cada remoção o instrumento deve região apical e em canais curvos em razão de a maior
ser limpo em um pedaço de gaze umedecida com álcool rigidez (menor flexibilidade) induzir a fratura dos ins-
iodado ou hipoclorito de sódio. O instrumento deve ser trumentos por fadiga de baixo ciclo.
posicionado na gaze segura pelos dedos indicadores e Os alargadores apicais são projetados para o alar-
polegar da mão do operador. A seguir, o instrumento é gamento dos segmentos médio e apical de um canal
pressionado junto do intermediário e girado à esquerda radicular promovendo uma modelagem cônica e cen-
até a sua remoção da gaze. trada. É importante ressaltar que a flexibilidade (resis-
tência em flexão) de um instrumento endodôntico de
tos endodônticos durante a instrumentação de canais zirá a ocorrência de sua fratura por torção. Entretanto,
radiculares. Os valores das velocidades e dos torques sem dúvida, o melhor recurso para reduzir o índice de
geralmente são preestabelecidos pelos fabricantes. Ou- fratura por torção é evitar a imobilização da ponta do
tros motores fornecem velocidades e torques progra- instrumento durante o preparo de um canal radicular,
mados para cada tipo e diâmetro de instrumento endo- o que é alcançado com o conhecimento dos princípios
dôntico empregado. Para ambos os motores, quando mecânicos da instrumentação, com técnica adequada,
o carregamento atingir o torque selecionado (torque habilidade e experiência profissional. Segunto Yared
de segurança), teoricamente aquém do limite máximo et al.,78 para profissionais experientes o uso de moto-
de resistência à fratura por torção, o giro do motor é res com torques menores do que o limite de resistência
interrompido, evitando-se a sobrecarga e a fratura do à fratura em torção do instrumento empregado não é
instrumento empregado. importante para reduzir a incidência de deformação
Todavia estabelecer esses valores torna-se difícil plástica ou de fratura do instrumento.
por diversos empecilhos mecânicos e clínicos a seguir Em função do exposto, estabelecer o valor de um
mencionados: torque de segurança para cada tipo e marca comercial
• O operador deve conhecer o valor provável do tor- de instrumento de NiTi mecanizado é tarefa mais difí-
que que induz a fratura de cada instrumento endo- cil do que a facilidade propalada por muitos.
dôntico empregado. Vale ressaltar que esses valores É importante ressaltar que o maior temor em usar
não são informados pelos fabricantes. instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados no
• O torque é uma grandeza relacionada com o raio. preparo de canais radiculares curvos é devido à ocor-
Assim, o torque máximo de fratura de um instru- rência da fratura por fadiga de baixo ciclo advinda de
mento endodôntico varia ao longo de sua haste de um carregamento por flexão rotativa. Esse tipo de fra-
corte helicoidal cônica. tura não está relacionado com o valor do torque apli-
• As variações acentuadas entre os diâmetros reais e cado ao instrumento quando em flexão rotativa. A fra-
os nominais propostos, assim como os inúmeros de- tura por fadiga é imprevisível, pois acontece sem que
feitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas haja qualquer aviso prévio. É responsável por 50 a 90%
e microcavidades) existentes nos instrumentos en- das falhas mecânicas24.
dodônticos, funcionam como pontos concentrado- Na região de flexão de um instrumento em rota-
res de tensão, podendo induzir a fratura prematura ção contínua são geradas tensões que variam alterna-
com níveis de torques abaixo dos previsíveis. damente em tração e compressão. Essas tensões pro-
• A seção reta transversal da haste de corte dos ins- movem mudanças microestruturais acumulativas que
trumentos endodônticos mecanizados apresenta de- podem levar o material à fratura.
senhos diferentes em função do fabricante. Pode ser A resistência à fratura por fadiga de um instru-
constante para toda a haste de corte ou apresentar mento endodôntico é quantificada pelo número de ci-
variações. Consequentemente, a área da seção reta clos (vida útil) que ele é capaz de resistir em uma deter-
transversal e o diâmetro do núcleo variam em fun- minada condição de carregamento48,49.
ção do desenho e da conicidade da haste de corte do O número de ciclos é acumulativo e depende da
instrumento. velocidade de giro e do tempo de manutenção do ins-
• O torque máximo de fratura de um instrumento trumento em flexão rotativa. Quanto maior a velocida-
endodôntico, durante o uso clínico, depende tam- de, menor será o tempo de vida útil do instrumento.
bém da anatomia do canal radicular. Em um canal A intensidade das tensões trativas e compressivas
curvo o instrumento é submetido a carregamentos impostas na região de flexão rotativa de um instru-
combinados de flexão rotativa e de torção que in- mento depende do raio de curvatura de um canal, do
duzem tensões trativas, compressivas e cisalhantes. comprimento do arco do canal e do diâmetro do ins-
Essa condição é mais severa do que a observada em trumento. Quanto menor o raio de curvatura, maior o
vários ensaios mecânicos de laboratório disponíveis comprimento do arco do canal e maior o diâmetro do
na literatura, onde o carregamento do instrumento é instrumento empregado, maior será a intensidade das
apenas por torção. tensões e, consequentemente, menor será o tempo de
vida útil do instrumento48,49.
Um maior rigor no controle das dimensões no- A Dentsply Maillefer, Suíça, fabrica um aparelho
minais e do acabamento superficial dos instrumentos compacto denominado de X-SMART empregado para
endodônticos de NiTi mecanizados certamente redu- o acionamento de instrumentos endodônticos com
Instrumentos Endodônticos 379
Quadro 9-16 Relação entre velocidade e torque ma para instrumento endodôntico manual ou me-
canizado; reversão da rotação, com aviso sonoro, e
RPM 200 240 280 320 360 400 acionamento do motor por meio de botões especí-
ficos no pedal; circuito chaveado automático para
Ncm 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0
127/220V (Bi-volt).
Para instrumento endodôntico mecanizado
usar contra-ângulo com contracabeça rotatória com
redução de 10:1. Para instrumento denominado de
velocidades e torques preestabelecidos. O aparelho manual, empregar contracabeça oscilatória sem re-
possibilita alteração de velocidade e torque em nove dução (1:1) com garra para cabo de instrumento.
programações pré-ajustáveis. A escala de velocidades O motor elétrico EASY ENDO System (Easy
é de 120 a 800rpm, e a escala de torques é de 0,6 a 5,2N. Equipamentos Odontológicos, Belo Horizonte, MG),
cm. É empregado com contra-ângulo redutor de 16:1. segundo o fabricante, constitui-se num exemplo de
Funciona na eletricidade ou com baterias. Tempo de aparelho com torques programados para cada diâ-
recarga da bateria de aproximadamente 5 horas. Tem- metro, conicidade, tipo e marca comercial de instru-
po de uso com bateria de aproximadamente 2 horas. mento endodôntico de NiTi mecanizado.
Compatível com todos os sistemas de instrumentos
mecanizados. A peça de mão possui botão liga-desliga Sistema ProFile
e pesa 92g. Apresenta tela de cristal líquido e controle
de autorreverso. Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
A Adiel Comercial Ltda. (Ribeirão Preto, SP, Bra- ma ProFile são fabricados por usinagem a partir de um
sil) fabrica um micromotor elétrico para instrumen- fio metálico de NiTi pela Maillefer Instruments (Suíça),
tação mecanizada de canais radiculares denominado sendo constituído de alargadores apicais e cervicais.
Endo-Max modelo EMX-3 com velocidade e torque São projetados para serem acionados por dispositivos
conjugados de acordo com o Quadro 9-16. mecânicos com giro contínuo à direita.
O aparelho possibilita alteração (aumento) do
torque selecionado de aproximadamente 30%, sem Alargadores apicais
alterar a velocidade de rotação. Possui visual com São oferecidos comercialmente na conicidade de
display numérico para demonstração da velocidade 0,02mm/mm nos comprimentos úteis de 21 e 25mm e nos
de rotação do instrumento; led indicador do progra- nos de 15 a 40. Na conicidade de 0,04mm/mm, nos com-
Quadro 9-17 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,02mm/mm
(valores nominais)
No 15 20 25 30 35 40
Quadro 9-18 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,04mm/mm
(valores nominais)
No 15 20 25 30 35 40 45 60 90
D0 (mm) 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,60 0,90
D16 (mm) 0,79 0,84 0,89 0,94 0,99 1,04 1,09 1,24 1,54
Cor branca amarela vermelha azul verde preta branca azul branca
380 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-19 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,06mm/mm
(valores nominais)
No 15 20 25 30 35 40
primentos úteis de 18, 21, 25 e 31mm e nos nos 15, 20, 25, de no 30 obedece ao padrão série 29 (0,13, 0,17, 0,22, 0,28)
30, 35, 40, 45, 60 e 90. Os de conicidade 0,06mm/mm, nos e os demais, o padrão ISO. Com finalidade didática esses
comprimentos úteis de 18, 21 e 25mm e nos nos de 15 a 40. instrumentos são identificados como sendo números: 15,
O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm. 20, 25 e 30 (Quadros 9-17, 9-18 e 9-19).
Os alargadores de conicidade 0,04mm/mm são identifi- A ponta dos alargadores apicais apresenta a fi-
cados por um anel colorido, e os de conicidade 0,06mm/ gura de um cone circular com sua extremidade ge-
mm, por dois anéis coloridos em suas hastes de fixação ralmente pontiaguda. Tem curva de transição, sen-
e acionamento. Os de conicidade 0,02mm/mm também do a passagem da base da ponta para a aresta de
são identificados por um anel colorido, acompanhado de corte feita de modo suave, apresentando uma forma
um sulco. O diâmetro em D0 inclusive do alargador apical elipsoide. O ângulo da ponta é menor do que 70º. O
ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento
aumenta de D0 (20 a 25) para D16 (45 a 50). Os valores
desses ângulos crescem com o aumento do diâme-
A tro nominal do instrumento (Fig. 9-126A e B a D).
Apresentam em média 21 hélices na haste de corte
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. A. Fotografia.
do instrumento.
A haste de corte helicoidal apresenta seção reta
transversal de forma triangular modificada (tríplice
U), com três guias radiais e três canais. A guia radial
tem como objetivo manter o instrumento centralizado
em relação ao eixo do canal radicular durante o corte.
B A porção posterior da guia radial é rebaixada (super-
fície de folga) para diminuir a área de contato entre o
instrumento e as paredes do canal radicular. Isso reduz
o atrito, diminuindo a possibilidade de o instrumento
durante a rotação travar no interior do canal radicular.
A presença da guia radial tem por objetivo mudar a
direção da aresta de corte em relação à parede do canal
C radicular e o ângulo interno da aresta lateral de corte
de um instrumento endodôntico. Os canais apresentam
paredes com perfis côncavos que promovem redução
do diâmetro do núcleo e da área da seção reta trans-
versal. A seção reta longitudinal da parte de trabalho
dos alargadores apicais ProFile revela núcleo cilíndri-
co e canais helicoidais com profundidade crescente de
D1 para D16. Canais helicoidais profundos permitem
uma maior remoção de dentina excisada proveniente
D
do preparo, assim como uma maior possibilidade de
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. a solução química auxiliar da instrumentação fluir no
C. Haste de corte. D. Haste de corte D16. sentido apical do canal radicular, o que reduz o risco
Instrumentos Endodônticos 381
Alargadores cervicais
Os alargadores cervicais (Orifice Shapers) apre-
sentam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica
com características morfológicas semelhantes às de
um alargador apical ProFile de NiTi mecanizado.
São oferecidos comercialmente, no comprimento útil
de 19mm e nos nos e conicidades 20/0,05 – 30/0,06 –
40/0,06 – 50/0,07 – 60/0,08 – 80/0,08. O comprimento
C mínimo da parte de trabalho é de 10mm. Os números
dos alargadores são representados por cores: branca
Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Seção reta lon- (20), amarela (30), vermelha (40), azul (50), verde (60)
gitudinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. e preta (80). São identificados por três anéis coloridos
nas hastes de fixação e acionamento dos instrumentos.
As cores representativas dos alargadores cervicais não
D
5 verde 0,08 0,60 1,40
Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. D. Seção reta 6 preta 0,08 0,80 1,60
transversal.
382 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Sistema K3
B
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
ma K3 são fabricados por usinagem de um fio metálico
de NiTi pela Sybron Dental Specialties-Kerr (México),
sendo constituído de alargadores apicais e cervicais.
São projetados para ser acionados por dispositivos me-
cânicos com giro continuo à direita.
Alargadores apicais
São fornecidos comercialmente, nas conicidades
de 0,02 – 0,04 e 0,06mm/mm, nos comprimentos úteis
de 21, 25 e 30mm e nos nos de 15 a 60. O comprimento
mínimo da parte de trabalho é de 16mm. Na haste de
C fixação e acionamento existem dois anéis coloridos: o
próximo da extremidade (denominado de superior)
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. Forma. B. Pon- corresponde à conicidade e o outro (denominado de
ta. C. Haste de corte. inferior) ao diâmetro do instrumento em D0 (Quadros
9-21, 9-22 e 9-23).
A ponta dos alargadores apicais K3 apresenta a
figura de um cone circular e sua extremidade é arre-
dondada. O ângulo da ponta é menor do que 60º (40
a 45º). Tem curva de transição. O ângulo da hélice
em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1
(20 a 25º) para D16 (45 a 50º). O número de hélices
varia entre 13 (instrumentos de nº 60) e 28 (instru-
mentos de no 15) (Fig. 9-129A e B a D).
A seção reta longitudinal apresenta núcleo cô-
nico invertido com o menor diâmetro voltado para
a base da haste de corte helicoidal cônica, o que per-
mite a esses instrumentos apresentarem boa flexibi-
lidade (compatível com o uso) em que pesem as suas
maiores conicidades. Em razão da forma cônica in-
vertida do núcleo, a profundidade do canal da haste
de corte helicoidal cônica aumenta de D0 para D16.
A haste de corte apresenta seção reta transver-
sal com três guias radiais e três canais. A aresta ou
D
fio lateral de corte é formada pela interseção da su-
perfície da guia radial com a superfície de ataque do
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. D. Seção reta
transversal.
canal. O ângulo interno da aresta de corte é de 60º
Instrumentos Endodônticos 383
Quadro 9-21 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,02mm/mm
Quadro 9-22 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,04mm/mm
aproximadamente e de vértice pontiagudo. O ângu- paredes do canal radicular, duas guias radiais têm
lo de ataque é classificado como negativo, ou seja, o suas superfícies posteriores rebaixadas, o que reduz
ponto de referência da aresta de corte está aquém em o atrito diminuindo a possibilidade de o instrumen-
relação à superfície de ataque do instrumento12,41. to durante a rotação travar no interior do canal ra-
A guia radial é ampla, proporcionando um dicular. A terceira guia radial não é rebaixada e tem
aumento da área da seção reta transversal e do nú- como finalidade estabilizar e manter o instrumento
cleo do instrumento, e com isso, aumentando a re- centrado quando em movimento de rotação no inte-
sistência à fratura por torção do instrumento. Para rior do canal radicular, reduzindo a possibilidade de
diminuir a área de contato entre o instrumento e as desvios do preparo de canais radiculares curvos.
384 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-23 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,06mm/mm
D
Alargadores cervicais
Os alargadores cervicais (Orfice Opener) apresen-
Figura 9-129. Sistema K3. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. C. tam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica com ca-
Haste de corte. D. Haste de corte D16.
racterística morfológica semelhante à de um alargador
Instrumentos Endodônticos 385
Sistema Hero
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
ma Hero (High Elasticity in Rotation) são fabricados
B
por usinagem a partir de um fio metálico de NiTi pela
Micro-Mega (França), sendo constituídos de alargado-
res apicais e de um alargador cervical. São projetados
para ser acionados por dispositivos mecânicos com
giro continuo à direita.
A
A
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. A. Fotografia.
Figura 9-132. Sistema Hero. Alargadores apicais. A. Fotografia.
é negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta Figura 9-134. Sistema Hero. Alargador cervical. B. Seção reta trans-
de corte está aquém em relação à superfície de ataque versal. C. Forma da ponta. D. Forma da haste de corte (D10).
do instrumento. Não apresenta guia radial, sendo a
aresta de corte representada pela forma de filete. Os
canais apresentam paredes com perfis sinuosos (pa-
rede convexa e côncava), o que confere canais rasos e O aumento do diâmetro do núcleo e da área da
consequentemente aumento no diâmetro do núcleo e seção reta transversal aumenta o momento de inércia
da área da seção reta transversal do instrumento. Ca- do instrumento e diminui sua flexibilidade, tornando
nais rasos dificultam a remoção de detritos oriundos o instrumento mais rígido, porém aumentando a sua
do preparo e diminuem o fluxo da solução química resistência à fratura por torção.
auxiliar da instrumentação. Isso aumenta o risco de Os alargadores apicais são indicados para o
impactação de detritos na região apical do canal api- alargamento dos segmentos médio e apical de um
cal e de extravasamento via forame apical. Para mi- canal radicular, promovendo uma modelagem côni-
nimizarem esses inconvenientes, instrumentos com ca e centrada.
canais rasos durante o preparo de um canal radicular
devem ser retirados e limpos com maior frequência Alargador cervical
(Fig. 9-133A a C). O alargador cervical, denominado de Endoflare,
apresenta características morfológicas semelhantes às
388 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
dos alargadores apicais HERO. É oferecido comercial- recidos comercialmente nas conicidades 0,02 – 0,04 e
mente no comprimento de 15mm, com diâmetro em D0 0,06mm/mm no comprimento útil de 25mm. O com-
igual a 0,25mm e conicidade de 0,12mm/mm. O com- primento mínimo da parte de trabalho é de 16mm
primento da parte de trabalho é de 10mm. É indicado (Quadro 9-25).
para o alargamento cervical de canais radiculares (Fig A ponta dos instrumentos FKG RaCe apresenta
9-134A e B a D). a forma de um cone circular com extremidade arre-
dondada. O ângulo da ponta é de 40º, valor inferior
Sistema FKG RaCe ao mínimo preconizado (60º). Tem curva de transição.
A partir da ponta do instrumento, as arestas de corte
Os instrumentos endodônticos especiais do siste-
são dispostas alternadamente em relação ao eixo do
ma FKG RaCe (Reamer with alternating Cutting edges –
instrumento na direção longitudinal (paralela) e na
Alargador com arestas de corte alternadas) são fabrica-
direção oblíqua (helicoidal). O ângulo da hélice é vari-
dos pela FKG Dentaire (Suíça), sendo constituídos de
ável de 25 a 30º. A disposição das arestas de corte pa-
dois tipos de instrumento: RaCe e Pré-RaCe. São pro-
ralela ao eixo reduz a velocidade de avanço, evitando
jetados para ser acionados por dispositivos mecânicos
o efeito de roscamento (imobilização) do instrumento
com giro contínuo à direita. Os instrumentos desse sis-
no interior do canal radicular. Consequentemente, re-
tema em razão da forma da seção reta transversal de
duz a variação do torque e minimiza a deformação
sua haste de corte helicoidal podem também ser acio-
plástica e/ou fratura do instrumento por torção. Após
nados por dispositivos mecânicos com giro alternado
a usinagem, os instrumentos FKG Pré-RaCe e FKG
(oscilatório).
RaCe são submetidos a um tratamento eletroquímico,
que tem por finalidade reduzir as ranhuras advindas
RaCe do processo de fabricação. A redução dessas ranhuras
Os instrumentos denominados FKG RaCe são tem como objetivo melhorar o comportamento mecâ-
indicados para a instrumentação dos segmentos mé- nico desses instrumentos quando submetidos a carre-
dio e apical dos canais radiculares. São fabricados gamentos por torção ou flexão rotativa (Fig. 9-135A e
por usinagem de um fio metálico de NiTi. São ofe- B a E).
A seção reta transversal pode ser triangular ou
quadrangular (ausência de guia radial) e apresenta
Quadro 9-25 Instrumentos FKG RaCe. Valores nominais
três ou quatro arestas laterais de corte na forma de
No Conicidade Seção filetes e três ou quatro canais (Fig. 9-135F). O ângulo
mm/mm reta transversal da aresta lateral de corte é de 90º para os instrumentos
de seção reta transversal quadrangular e de 60º para
15 0,02 □ os de seção triangular. O vértice do ângulo da aresta
lateral de corte é pontiagudo e o ângulo de ataque é
20 0,02 □
20 0,06 ∆ negativo.
Os instrumentos do sistema FKG RaCe vêm
25 0,02 ∆ acompanhados de um dispositivo (disco de silicone)
25 0,04 ∆ para o controle do número de uso (Safety Meno Disc-
25 0,06 ∆
SMD). O número de pétalas destacadas do disco va-
30 0,02 ∆ ria em função da complexidade anatômica do canal
30 0,04 ∆ radicular de acordo com uma tabela proposta pelo
30 0,06 ∆ fabricante.
35 0,02 ∆ O fabricante designa esse dispositivo como méto-
35 0,04 ∆ do de controle da fadiga da liga metálica. Entretanto, a
fratura por fadiga de baixo ciclo é complexa e depen-
40 0,02 ∆ de da velocidade de giro, do tempo de uso, do raio de
50 0,02 ∆ curvatura do canal, do comprimento do arco e do diâ-
metro do instrumento. Assim, o dispositivo proposto
60 0,02 ∆ pode ser útil para o controle do número de uso e não
□ = Seção reta transversal quadrangular
para o controle da resistência do instrumento à fratura
∆ = Seção reta transversal triangular por fadiga de baixo ciclo.
Instrumentos Endodônticos 389
BR 0 25/0,08 19
BR 1 15/0,05 25
BR 2 25/0,04 25
BR 3 25/0,06 25
B
BR 4 35/0,04 25
BR 5 40/0,04 25
C
Quadro 9-27 Conjunto especial. Instrumentos BioRace
BR 4C 35/0,02 25 Curvatura
severa
D
BR 5C 40/0,02 25 Curvatura
severa
BR 6 50/0,04 25 Amplo
BR 7 60/0,02 25 Amplo
No Com L PT Liga
40 0,10 19 9 NiTi
40 0,10 19 9 Inox
35 0,08 19 9 NiTi
35 0,08 19 9 Inox
30 0,06 19 10 NiTi
40 0,06 19 10 NiTi
Quadro 9-29 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 21 e 25mm
Quadro 9-30 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 25 e 31mm
te helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal oriundos da instrumentação dos canais radiculares
triangular. O ângulo de ataque é negativo. O ângulo (Fig. 9-139A, B a E e F).
da hélice em relação ao eixo do instrumento é variável
e aumenta em sentido do intermediário (15 a 30º) (Fig. Mtwo Retratamento
9-138A a D e E).
Os instrumentos endodônticos especiais Mtwo
Retratamento são fabricados por usinagem de uma has-
Instrumentos endodônticos Mtwo
te metálica de NiTi de seção reta transversal circular.
São fabricados por usinagem de um fio metálico de São oferecidos comercialmente nos nos 15 e 25, no com-
NiTi pela VDW, Alemanha. São oferecidos comercial- primento útil de 21mm e na conicidade de 0,05mm/
mente, nas conicidades de 0,04 – 0,05 – 0,06 e 0,07mm/ mm. A parte de trabalho apresenta comprimento de
mm, nos comprimentos úteis de 21, 25 e 31mm. A parte 16mm. A ponta é facetada para favorecer o avanço do
de trabalho com 16 ou 21mm de comprimento. A haste instrumento na massa obturadora presente no interior
de fixação e acionamento apresenta anéis que identifi- do canal radicular. A haste de corte helicoidal é cônica
cam a conicidade do instrumento. As dimensões dos e o ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento
instrumentos endodônticos especiais Mtwo são mos- é constante. A seção reta transversal apresenta a forma
tradas nos Quadros 9-29 e 9-30. em S com duas arestas laterais de corte e dois canais
A ponta do instrumento apresenta a figura de helicoidais. A aresta de corte na forma de filete é oriun-
um cone circular e sua extremidade é arredondada. da da interseção das paredes de canais contíguos. Eles
O ângulo da ponta é em média de 60º. Tem curva de foram projetados para ser acionados por dispositivos
transição, sendo a passagem da base da ponta para a mecânicos com giro continuo à direita, tendo como ob-
aresta de corte feita de modo suave. jetivo a remoção do material obturador (guta-percha e
A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo cimento) do interior de um canal radicular (Fig. 9-140A,
da hélice em relação ao eixo do instrumento é cons- B a E e F).
tante. A seção reta transversal apresenta forma em S
com duas arestas laterais de corte e dois canais heli- Instrumentos endodônticos especiais
coidais. A aresta de corte na forma de filete é oriun- EndoWave
da da interseção das paredes de canais contíguos. O
ângulo interno da aresta de corte é de aproximada- Os instrumentos endodônticos especiais Endo-
mente 100º e o seu vértice é pontiagudo. O ângulo de Wave são fabricados por usinagem de um fio metálico
ataque é negativo. Os canais helicoidais apresentam de NiTi pela J. Morita Corporation, Osaka, Japão. São
paredes com perfis sinuosos (parede convexa e côn- comercialmente fornecidos em dois conjuntos denomi-
A nados A e B.
cava). É profundo e permite a remoção de resíduos
O conjunto A é projetado para a instrumentação
de canais radiculares com diâmetros e curvaturas con-
siderados normais (Quadro 9-31).
Instrumentos Endodônticos 393
A A
F
F
Figura 9-140. Mtwo Retratamento. Forma. A. Fotografia. B e C.
Figura 9-139. Sistema Mtwo. Forma. A. Fotografia. B e C. Pontas. D. Pontas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta trans-
Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal. versal.
394 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
15 0,02 25
20 0,06 25
25 0,06 25
B
30 0,06 25
35 0,08 19
No C L
20 0,02 25
25 0,02 25 D
25 0,04 25
20 0,06 25
25 0,06 25
E
O conjunto B (mm) é projetado para a instrumen-
tação de canais radiculares considerados atresiados e
com curvaturas severas (Quadro 9-32).
A ponta do instrumento apresenta a figura de um
cone circular e sua extremidade é arredondada. O ân-
gulo da ponta é em média de 50º. Tem curva de tran-
sição, sendo a passagem da base da ponta a aresta de
corte feita de modo suave.
A seção reta transversal é triangular, e a aresta
de corte é na forma de filete. O ângulo interno da
aresta de corte é de 60º com seu vértice pontiagudo. O
ângulo de ataque é negativo.
A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo da
hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de
D1 (10º) para D16 (20º). Apresenta pontos alternados de
contato com as paredes dos canais radiculares, o que
F
evita o efeito roscamento e maximiza a capacidade de
corte do instrumento (Fig. 9-141A, B a E e F). Figura 9-141. Sistema EndoWave. Forma. A. Fotografia. B e C. Pon-
Após a usinagem, os instrumentos EndoWave tas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta trans-
versal.
são submetidos a tratamento eletrolítico que tem por
Instrumentos Endodônticos 395
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
ESPECIAIS DE AÇO INOXIDÁVEL
Figura 9-143. Alargadores Gates Glidden. Raio de concordância.
MECANIZADOS
Alargadores Gates Glidden
Os instrumentos Gates Glidden do ponto de vis-
ta mecânico são considerados como alargadores e não
brocas. Broca é uma ferramenta de corte na ponta que
com o movimento de rotação abre furos circulares em
um material. Alargador é uma ferramenta de corte
para alargar furos. São empregados com o fim de se
obter um furo com diâmetro maior, com superfície lisa,
bem acabada ou tornar cônico um furo cilíndrico aber-
to com uma broca21,22.
Os alargadores Gates Glidden são instrumentos
acionados a motor (mecanizados), conhecidos desde o
final do século XIX e são empregados no alargamento
dos segmentos cervical e médio dos canais radiculares.
São encontrados, no comércio nos nos de 1 a 6 e
nos comprimentos úteis de 15 e 19mm corresponden-
tes ao corpo do instrumento. O comprimento da haste
de fixação e acionamento é de 13mm, o que somado
ao comprimento útil confere aos instrumentos compri-
mentos totais de 28 e 32mm (Fig. 9-142). Para a maioria
Figura 9-144. Alargadores Gates Glidden. Ângulos da ponta.
dos instrumentos endodônticos o comprimento é dado
desprezando-se o comprimento do cabo e da haste de
fixação e o acionamento. São fabricados em aço inoxi-
tamente, mas de maneira progressiva, constituindo o
dável, por usinagem, sendo formados por duas hastes
chamado raio de concordância ou de adoçamento. O
de diâmetros diferentes. A passagem da haste de maior
raio de concordância tem como objetivo diminuir a
diâmetro para a de menor diâmetro não se faz abrup-
concentração de tensão na região de variação de diâ-
metros das hastes (Fig. 9-143).
A haste de diâmetro maior é cilíndrica e forma a
haste de fixação e acionamento, e a de diâmetro me-
nor constitui o corpo do instrumento. A haste de fixa-
ção e acionamento do alargador apresenta estrias que
indicam o número do instrumento. A ponta dos alar-
gadores Gates Glidden é formada pela interseção das
arestas laterais de corte, é cônica circular, não cortante
e o vértice de sua extremidade é truncado. Apresenta
dois ângulos, um maior, de aproximadamente 60º na
extremidade da ponta, e outro menor, de aproximada-
mente 20º localizado na parte posterior da ponta (Fig.
9-144). A haste de diâmetro menor forma o corpo, o
Figura 9-142. Alargadores Gates Glidden. qual é constituído pela parte de trabalho e pelo inter-
396 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
mediário. A parte de trabalho é formada pela ponta e possui três canais e três arestas laterais de cortes igual-
pela haste de corte do instrumento. A haste de corte é mente distantes (120º). Essas possuem guia radial com
curta e apresenta forma elíptica (oval) com três ares- a porção posterior rebaixada para reduzir o atrito entre
tas laterais de corte igualmente espaçadas e dispostas o instrumento e a parede do canal radicular. O ângulo
a partir da ponta na direção longitudinal ao eixo do interno da aresta lateral de corte é formado pela inter-
instrumento e logo a seguir na forma de hélice (dire- seção da guia radial e a parede do canal. Esse ângulo é
ção oblíqua) com sentido anti-horário. A disposição menor do que 90º, e seu vértice é agudo. O ângulo de
das arestas de corte na direção longitudinal a partir da ataque dos alargadores Gates Glidden é positivo, ou
ponta dos alargadores Gates Glidden impede que esses seja, o ponto de referência está adiantado em relação
instrumentos quando em uso no interior de um canal à parede de ataque do instrumento endodôntico (Fig.
radicular sofram o efeito roscamento. O ângulo da hé- 9-146A e B). O canal helicoidal é curto e com profundi-
lice em relação ao eixo do instrumento é de 10º apro- dade acentuada em razão de as paredes apresentarem
ximadamente. As hélices não apresentam um passo perfil côncavo.
completo devido ao pequeno comprimento da haste de O intermediário dos alargadores Gates Glidden
corte, ou seja, não completam uma volta (Fig. 9-145). A não apresenta uma forma cilíndrica, mas suavemente
seção reta transversal apresenta a forma de tríplice U e cônica, com menor diâmetro junto ao raio de concor-
dância da haste de fixação e acionamento. Nessa área
de menor diâmetro ocorre uma maior concentração
de tensão quando o instrumento é submetido a carre-
gamentos isolados ou combinados de torção e flexão
rotativa.
O Quadro 9-33 mostra os comprimentos da ponta,
da haste de corte, da parte de trabalho e os diâmetros
do intermediário junto à haste de corte (a) e junto à has-
te de fixação e acionamento (b) de alargadores Gates
Glidden (Maillefer, Suíça) (Fig. 9-147A e B).
Lopes et al.45, medindo o diâmetro dos alar-
gadores Gates Glidden (fabricados pela Maillefer,
Suíça) a partir da variação de seus números, obser-
varam que o diâmetro real médio dos alargadores é
ligeiramente inferior ao diâmetro nominal (Quadro
9-34) (Fig. 9-148).
Figura 9-145. Alargadores Gates Glidden. Haste de corte oval. Ares-
São montados em contra-ângulos com sentido de
tas laterais de corte dispostas na direção longitudinal ao eixo do ins- corte à direita e em baixa rotação. Em razão de o coe-
trumento (a) e na forma de hélice (oblíqua) (b). ficiente de atrito estático ser maior do que o dinâmico,
A B
Figura 9-146. Alargadores Gates Glidden. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
Instrumentos Endodônticos 397
Quadro 9-34 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Gates Glidden – mm
No = número do alargador; ISO = diâmetro nominal do alargador; DM = diâmetro médio; DP = desvio padrão; V = variância
398 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A B
Figura 9-153. Alargadores Largo. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
400 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-37 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Largo – mm
Número 1 2 3 4 5 6
Alargadores La Axxess
Os alargadores La Axxess são instrumentos
acionados a motor (mecanizados) fabricados pela
Sybron Dental Specialties – Kerr (México) em aço B
inoxidável por usinagem, sendo formados por duas
hastes metálicas de formas, diâmetros e ligas metáli-
cas diferentes. A de diâmetro maior é cilíndrica e for-
ma a haste de fixação e acionamento do instrumento,
e a de diâmetro menor constitui o corpo do instru-
mento. A haste de fixação e acionamento é fabricada
em liga de latão e unida por engaste em uma das
extremidades do corpo do instrumento. Apresentam
anéis coloridos para identificação do diâmetro ISO
dos alargadores La Axxess (Fig. 9-156). O corpo é C
formado pelo intermediário e pela parte de trabalho.
O intermediário é cilíndrico. A parte de trabalho é Figura 9-157. Alargadores La Axxess. Forma. A. Ponta. B. Haste de
formada pela ponta e pela haste de corte do alarga- corte. C. Haste de corte (D12).
dor. A ponta do alargador La Axxess é formada pela
interseção das arestas laterais de corte, é cilíndrica
com vértice arredondado, não cortante, sendo sua
seção reta transversal circular. O comprimento da
ponta é de 0,50mm para os alargadores de no 45 e
de 0,40mm para os de nos 20 e 35. A haste de corte
é cônica com menor diâmetro voltado para a ponta
do instrumento. Apresentam duas arestas (ou fios
laterais de corte) com espaçamentos iguais e dispos-
tas a partir da ponta na forma de hélice com sentido
anti-horário. A haste de corte tem três hélices sendo
o ângulo agudo de inclinação da primeira hélice em
relação ao eixo do instrumento de 20º e o da tercei-
ra de 25º aproximadamente. As hélices apresentam
passo completo (Fig. 9-157A a C).
Figura 9-156. Alargadores La Axxess. Figura 9-158. Alargadores La Axxess. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos 403
A seção reta transversal dos alargadores La dicados nos desgastes compensatório e anticurvatura,
Axxess apresenta forma bicôncava e possui duas ares- assim como em áreas polares de segmentos achatados
tas laterais de corte igualmente distantes (180º). Essas de canais radiculares.
arestas são formadas pela interseção da guia radial e Nos desgastes compensatório e anticurvatura, o
pela parede do canal. A porção posterior da guia ra- instrumento deve ser pressionado contra a parede a ser
dial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a desgastada. Para as áreas polares de segmentos achata-
área de contato entre o instrumento e a parede do ca- dos de canais radiculares durante o giro à direita, o ins-
nal radicular (Fig. 9-158). Isso reduz o atrito durante trumento deve ser pressionado lateralmente e acompa-
a rotação do instrumento, diminuindo a possibilidade nhado de um deslocamento circundante incorporando
da elevação da temperatura na parede do canal radi- todo o contorno do canal radicular.
cular. Reduz também a possibilidade de o instrumento Durante o uso clínico não devemos empregar o
travar no interior do canal radicular. O ângulo interno movimento básculo (inclinação do instrumento em
da aresta lateral de corte é menor do que 90º, e seu vér- relação ao seu eixo) com o objetivo de evitar o deslo-
tice, agudo. O ângulo de ataque é negativo. Possuem camento lateral do trajeto original do canal radicular.
dois amplos canais helicoidais e com comprimento su- Os alargadores La Axxess, por apresentarem ponta não
ficiente para permitir a saída do material excisado do cortante, não criam um falso canal, todavia, dependen-
interior do canal radicular (segmento cervical). O perfil do do diâmetro do alargador empregado, da morfolo-
da parede do canal helicoidal é côncavo. gia radicular e da inclinação do instrumento em rela-
São fabricados nos nos 1, 2 e 3 com comprimen- ção ao eixo do canal podem provocar perfurações ou
to útil de 19mm correspondentes ao corpo do instru- rasgos radiculares.
mento, sendo 12mm da parte de trabalho e 7mm do Como o coeficiente de atrito estático é maior do
intermediário. O comprimento da haste de fixação e que o dinâmico, os alargadores devem ser introduzi-
acionamento é de 11mm. Possuem conicidade nomi- dos girando no interior do canal radicular no sentido
nal de 0,06mm/mm e diâmetros em D0 de 0,20, 0,35 e apical. Portanto, o instrumento partindo de uma po-
0,45mm, respectivamente, para os instrumentos de nos sição estática e estando ajustado no interior do canal
1, 2 e 3. São cobertos com uma camada de nitreto de radicular necessita de torque maior para iniciar o mo-
titânio para aumentar a dureza do instrumento e, con- vimento de rotação. Em consequência, geram maio-
sequentemente, a sua capacidade de corte. res tensões nos concentradores de tensão (ranhura),
Os alargadores La Axxess foram projetados para podendo ultrapassar o limite de resistência à fratura
ser utilizados em movimento de alargamento com rota- do material.
ção contínua, com giro à direita, empregando-se moto-
De acordo com as informações do fabricante dos
res elétricos ou pneumáticos. A velocidade de emprego
alargadores La Axxess e as obtidas em um estudo por
varia entre 5.000 e 20.000rpm. São empregados para o
nós realizado houve controvérsias sobre sua geome-
alargamento do segmento cervical do canal radicular.
tria. A conicidade da parte de trabalho dos alargadores
Devido à forma cônica da parte de trabalho no
informada pelo fabricante é de 0,06mm/mm. A en-
alargamento do segmento cervical, o corte da dentina
contrada no estudo foi de 0,03mm/mm para os alar-
se dá no movimento de giro e de avanço (penetração)
gadores de nos 20 e 35 e de 0,02mm/mm para os de
do instrumento no eixo do canal radicular em senti-
no 45. Quanto ao diâmetro D0, os valores encontrados
do apical. A seguir, traciona-se o instrumento no sen-
foram de 0,70mm para os de no 20 (0,20mm), 0,80mm
tido cervical (retrocesso). A amplitude da tração é curta
para os de no 35 (0,35mm) e de 0,90mm para os de no 45
o suficiente para liberar o instrumento. Grandes mo-
(0,45mm). Os valores nominais de 0,20, 0,35 e 0,45mm
vimentos de tração podem induzir o deslocamento de
são encontrados na parte cilíndrica da ponta. Entretan-
material existente no interior do canal para a região
apical, durante o avanço subsequente. O retrocesso do to, o diâmetro D0 de um instrumento endodôntico é
instrumento tem como objetivo favorecer a passagem virtual, sendo obtido pela projeção da conicidade ob-
de solução química auxiliar no sentido apical, a remo- tida em dois pontos da haste de corte helicoidal cônica
ção de detritos no sentido coronário e dissipar o calor até a ponta do instrumento (Fig. 9-159).
gerado durante os procedimentos do preparo cervical Os Quadros 9-39 e 9-40 mostram os valores nomi-
do canal radicular. nais e os medidos dos alargadores La Axxess.
Os alargadores La Axxess, em razão do compri-
mento de sua parte de trabalho e de sua rigidez, são in-
404 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
DEFEITOS DO PROCESSO DE
FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS
ENDODÔNTICOS
Os instrumentos endodônticos são difíceis de ser
fabricados, principalmente os de menores diâmetros.
Geralmente, apresentam defeitos de acabamento super-
ficial advindos do processo de fabricação. Esses defeitos
são observados na superfície do corpo dos instrumentos
na forma de ranhuras, microcavidades e rebarbas (Fig.
9-160A a C). A parte de trabalho pode apresentar pontas
com formas propostas e diâmetros nominais diferentes
das preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-161)40.
Ranhuras, microcavidades e rebarbas são im-
perfeições advindas da ferramenta de corte utilizada
durante o processo de usinagem dos instrumentos
endodônticos10,27,34,40. Ranhuras são observadas na maio-
ria dos instrumentos analisados no MEV. As ranhuras
acompanham o sentido de corte da ferramenta em-
pregada no processo de usinagem. Nos instrumentos
Figura 9-159. Alargadores La Axxess. Diâmetros das pontas dados
endodônticos torcidos, a usinagem por aplainamento
pelo fabricantes (a). Diâmetros a partir das projeções das conicida-
des obtidas em dois pontos (D12 e D3) da haste de corte dos instru- empregada para a obtenção da haste piramidal geral-
mentos (b). mente é realizada no sentido longitudinal e raramente
no sentido perpendicular ao eixo do fio metálico pri-
mitivo. Nos classificados como usinados, a ferramenta
de usinagem mecânica trabalha perpendicularmente
Quadro 9-39 Valores nominais dos alargadores La ao eixo do fio metálico primitivo para dar a forma, di-
Axxess – mm mensão e acabamento desejados da haste de corte he-
licoidal e da ponta do instrumento endodôntico. Con-
sequentemente, nos instrumentos torcidos, as ranhuras
No Cor Conicidade Diâmetro
(mm/mm) D0 (mm) presentes na haste de corte helicoidal geralmente são
longitudinais ou raramente perpendiculares ao eixo do
fio metálico. Entretanto, para os instrumentos usinados
20 amarela 0,06 0,20 sempre serão perpendiculares ao eixo do fio metálico
primitivo.
35 verde 0,06 0,35 Em alguns instrumentos de NiTi manuais é ob-
servada a presença de microcavidades cilíndricas com
bordas arredondadas ou ligeiramente elípticas (Fig.
45 branca 0,06 0,45 9-162). Em um número reduzido de instrumentos de
aço inoxidável, as microcavidades se apresentaram
Figura 9-163. Microcavidades denominadas de cometa em instru- Figura 9-164. Falhas iniciando junto às ranhuras.
mentos de aço inoxidável.
elas são mais duras que a matriz e são difíceis de ser usinagem dos fios metálicos primitivos. A presença de
cortadas. No caso das microcavidades observadas nos rebarbas é mais acentuada nos instrumentos usinados
instrumentos de aço, também ocorre a formação de do que nos torcidos, o que se deve à maior dificulda-
partículas de segunda fase que são arrancadas durante de de confecção da parte de trabalho dos instrumen-
a usinagem51. tos usinados. Para os instrumentos torcidos, a forma
Durante o carregamento, a presença de ranhuras final da haste de corte helicoidal é obtida pela torção à
e microcavidades em uma haste metálica aumenta o esquerda de uma haste metálica piramidal com seção
estado de tensão em relação a uma haste polida. Es- triangular ou quadrangular obtida por aplainamento.
ses defeitos funcionam como pontos concentradores Todavia, para os instrumentos usinados a forma final
de tensão, podendo levar os instrumentos endodônti- da haste de corte helicoidal é obtida durante o processo
cos, principalmente os de diâmetros menores, à falha de usinagem (roscamento externo) de um fio metáli-
prematura (fratura) com níveis de tensão abaixo dos co primitivo com seção reta transversal circular (Fig.
previsíveis. De modo geral, as falhas se iniciam junto 9-165A a D).
às maiores ranhuras e microcavidades existentes nas A presença de rebarbas altera o ângulo e a agu-
hastes helicoidais dos instrumentos10,27,34,44,47,64 (Fig. cidade da aresta de corte, diminuindo a capacidade
9-164). de corte dos instrumentos endodônticos. A dificul-
Rebarbas são excrescências metálicas que se for- dade de corte da dentina induz o operador a aumen-
mam na aresta de corte (hélices) durante o processo de tar o carregamento imposto ao instrumento durante o
Instrumentos Endodônticos 407
A B
C D
preparo do canal radicular. Esse aumento de carrega- dem induzir uma lesão perirradicular, conduzindo ao
mento pode causar deformação plástica ou fratura do fracasso o tratamento endodôntico49,57,67.
instrumento endodôntico40,44,47,48. A fabricação de instrumentos endodônticos de
A presença de rebarbas nos instrumentos também maiores diâmetros é mais fácil de ser executada. A for-
pode causar danos nas paredes do canal radicular dei- ma da ponta desses instrumentos é semelhante às mi-
xando a superfície dentinária com maior rugosidade. crografias e desenhos divulgados pelos fabricantes. To-
Essas rugosidades podem interferir na qualidade do davia, os instrumentos de menores diâmetros frequen-
selamento da obturação do canal radicular. Normal- temente apresentam pontas com formas diferentes das
mente, na avaliação do selamento da obturação de um preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-166). A presença
canal radicular são considerados o material obturador de pontas com formas atípicas pode dificultar o avanço
e a técnica de obturação empregada, sem levar em dos instrumentos endodônticos em sentido apical de
consideração a superfície da parede do canal radicu- canais radiculares atresiados (Fig. 9-167). Nesse caso,
lar. Além disso, as rebarbas quando liberadas durante maior carregamento axial será aplicado no instrumen-
a ação dos instrumentos contra as paredes radiculares to. Esse aumento do carregamento poderá provocar: o
poderão permanecer no interior do canal radicular ou dobramento do instrumento ou a sua imobilização no
mesmo alcançar a região perirradicular. Resíduos me- interior do canal radicular e, consequentemente, a sua
tálicos quando presentes no interior de um canal radi- fratura por torção; o transporte apical, formação de de-
cular podem funcionar como obstáculos para o avanço graus e perfurações radiculares.
do instrumento em sentido apical. Quando presentes A presença de ranhuras, microcavidades e rebar-
na região perirradicular e estando contaminados, po- bas favorece a degradação por soluções cloradas, larga-
408 Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
poration –, após imersões em solução esterilizadora mais difíceis de ser avaliados, podem ser destacadas
(Germekill – Ceras Johnson Ltda. Div. Hospitalar) e a perda da eficiência de corte, proveniente da destrui-
em solução de hipoclorito de sódio (soda clorada). Os ção das arestas cortantes, e a fratura do instrumento
resultados revelaram que todas as amostras apresen- no interior do canal radicular, que pode gerar compli-
taram corrosão por pite quando imersas em soda clo- cações no tratamento e na preservação da integridade
rada; o Germekil não atacou as amostras estudadas. do elemento dentário e possível acúmulo de resíduos
A imersão em soda clorada provocou corrosão por metálicos na região apical do canal radicular que pode
pite, na parte de trabalho de todos os instrumentos dificultar a sua preparação (instrumentação).
endodônticos analisados. Tal comportamento se deve
à ausência de substâncias inibidoras de corrosão, na
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Preparo Capítulo 10
Químico-Mecânico
dos Canais
Radiculares
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias
415
416 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
A B
Figura 10-1. Tecido pulpar vivo ou necrosado. A. Tecido vivo. B. Tecido necrosado.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 417
favorece o avanço do instrumento em sentido apical do radicular por meio do canal helicoidal do instrumento
canal radicular. Porém, a anatomia dentária revela que endodôntico e da irrigação-aspiração. O movimento
a maioria dos canais radiculares apresenta o segmen- de alargamento pelo fato de não ser direcionado contra
to cervical reto e o apical curvo. Assim, o instrumento uma determinada parede dentinária permite o aumen-
endodôntico de aço inoxidável pré-curvado ao avan- to do diâmetro (ampliação) de um canal radicular (cur-
çar em sentido apical de um canal radicular poderá vo ou reto), mantendo a sua trajetória original.
sofrer carregamentos alternados de desdobramento e A capacidade de corte de um instrumento ao rea-
dobramento. Além disso, é inadmissível acreditar que lizar o movimento de alargamento depende:
a pré-curvatura de um instrumento para simular a for-
ma anatômica corresponda à curvatura verdadeira do • Do ângulo de inclinação da hélice – Quanto menor,
canal radicular. maior a eficiência de corte por alargamento.
• Do ângulo interno da aresta lateral do corte – Quanto
menor o ângulo e mais agudo for o vértice da aresta
Movimento de alargamento de corte, maior será a eficiência de corte por alarga-
Alargamento é um processo mecânico de usina- mento.
gem destinado a aumentar por meio do corte de um • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de
material o diâmetro de um furo cônico ou cilíndrico ataque positivo desbastam as paredes do canal ra-
preexistente. É realizado por instrumentos denomina- dicular de uma forma mais invasiva do que os com
dos de alargadores. ângulo de ataque negativo.
Alargadores são instrumentos (ferramentas) de • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a
natureza metálica cuja haste de corte geralmente é cô- ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento
nica e que apresenta um certo número de arestas cor- em relação à dentina, maior será a sua eficiência de
tantes dispostas na forma de hélices no sentido anti- corte.
horário. Alguns alargadores podem apresentar a haste • Da velocidade do movimento de avanço e de corte (rota-
de corte cilíndrica helicoidal. Outros podem apresentar ção) do instrumento – Quanto maiores, menor o tempo
a haste de corte cônica ou cilíndrica onde as arestas cor- despendido no alargamento de um canal radicular.
tantes são longitudinais paralelas. Os alargadores são
ferramentas projetadas exclusivamente para alargar Instrumentos endodônticos do tipo K e os alarga-
furos. Os alargadores endodônticos são instrumentos dores especiais mecanizados, fabricados em aço inoxi-
(ferramentas) projetados exclusivamente para alargar dável ou em NiTi, são indicados para a realização do
canais radiculares (furos). movimento de alargamento empregado na instrumen-
O alargamento consiste no giro (movimento de tação de canais radiculares.
rotação) e no deslocamento compressivo (movimento Em Endodontia, os instrumentos endodônticos
de avanço) simultâneos de um alargador no interior podem executar o movimento de alargamento por
de um furo. Para que ocorra o alargamento é necessá- meio de uma rotação parcial à direita, de uma rotação
rio que o instrumento trabalhe justo no interior de um parcial alternada (à direita e à esquerda) ou de uma
furo, ou seja, o diâmetro do instrumento deve ser maior rotação contínua à direita.
que o do furo e que o círculo de corte complete todo o Na instrumentação de canais com segmentos cur-
contorno do furo. Tendo o canal radicular a forma de vos é imprescindível que a deformação do instrumento
um cone os instrumentos endodônticos (alargadores) endodôntico permaneça no limite elástico do material.
utilizados devem ter a haste de corte helicoidal cônica Instrumentos de aço inoxidável não devem ser pré-
para manter a forma final do canal mais próxima da curvados ou sofrerem uma deformação plástica indu-
original. Durante o alargamento de um canal cônico zida pelas paredes dentinárias de segmentos curvos de
há necessidade de girar um alargador endodôntico de canais radiculares. Uma deformação plástica do ins-
diâmetro maior do que o do canal para o avanço da fer- trumento provocaria durante o movimento de alarga-
ramenta em sentido apical do canal radicular, acompa- mento a repetição cíclica de carregamento (esforço) de
nhado do corte do material. Com essas manobras são dobramento alternado (dobramento e desdobramento)
criadas tensões compressivas e cisalhantes nas paredes e de torção. Esses carregamentos levariam rapidamen-
do canal radicular, induzindo a formação de cavaco de te o instrumento à fratura, assim como à criação de de-
ruptura com forma de pedaços ou lascas de dentina. O feitos na forma final do preparo de um canal radicular
cavaco formado deve ser removido do interior do canal curvo. Isso ocorre porque a extremidade dobrada não
420 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um provoca o avanço do instrumento no sentido apical se-
semicírculo durante o alargamento parcial à direita, guido do corte e do encravamento das arestas de corte
parcial alternado ou um círculo durante o alargamento do instrumento nas paredes dentinárias do canal. A
contínuo, com raio igual ao comprimento do segmento tração arranca a dentina cortada das paredes do canal
dobrado. Todavia, devido ao pequeno diâmetro do ca- radicular ampliando o seu diâmetro. A amplitude da
nal radicular e à resistência das paredes dentinárias, a tração é curta o suficiente para liberar o instrumento.
movimentação (giro) do segmento dobrado do instru- Grandes amplitudes de tração podem induzir o des-
mento é reduzida, ocorrendo a concentração de tensão locamento de material presente no interior do canal
no ponto crítico de dobramento do instrumento. Esse radicular para a região apical, durante o avanço subse-
carregamento pode ultrapassar o limite de resistência quente (Fig. 10-5).
do material e induzir a fratura por torção do instru- A principal indicação do movimento de alar-
mento. Para instrumentos de maior diâmetro, a rigidez gamento parcial à direita é no cateterismo de canais
é aumentada e a força de oposição das paredes denti- atresiados. Nesses casos os instrumentos endodôn-
nárias impostas nem sempre é suficiente para limitar ticos indicados são os instrumentos especiais C+
ou impedir a movimentação do segmento dobrado do (Maillefer), C Pilot (VDW) ou tipo K de aço inoxi-
instrumento. Nessas condições, observa-se a deforma- dável. Os instrumentos indicados devem apresentar
ção do canal radicular após a instrumentação. seção reta transversal quadrangular, curva de tran-
Para evitar esses carregamentos, durante a instru- sição, diâmetros correspondentes aos nos 8, 10 e 15 e
mentação de canais com segmentos curvos, os instru- comprimentos de 18 ou 21mm (ver Capítulo 9, Ins-
mentos endodônticos quando acionados por meio do trumentos endodônticos).
movimento de alargamento (parcial à direita, alternado A transição da base da ponta para a haste de corte
ou contínuo) devem permanecer no limite elástico e ja- helicoidal cônica do instrumento endodôntico deve ser
mais no limite plástico do material. No limite elástico, o feita por meio de uma curva de transição (ausência do
instrumento endodôntico em um segmento curvo de um ângulo de transição). A presença do ângulo de tran-
canal radicular gira no eixo da ferramenta. Para canais sição durante a instrumentação de canais atresiados
atresiados e com segmentos curvos devemos empregar pode favorecer a imobilização da ponta do instrumen-
instrumentos de aço inoxidável de seção reta trans- to induzindo a deformação plástica da haste de corte
versal triangular de pequenos diâmetros (nos 15 a 30) helicoidal ou a fratura por torção do instrumento en-
sem pré-curvamento (dobramento). Em função das di- dodôntico.
mensões e das propriedades mecânicas da liga de aço Os instrumentos curtos, em razão de possuírem
inoxidável, esses instrumentos são dotados de elasti- maior resistência à flambagem (flexocompressão) e ao
cidade suficiente para acompanhar a curvatura de um dobramento, devem ser escolhidos independentemen-
canal radicular. Para instrumentos de maior diâmetro te do comprimento do dente. Dependendo do compri-
devemos empregar os de níquel-titânio, em função da mento do dente, após o uso de instrumentos de 18 ou
superelasticidade da liga metálica. Essa propriedade 21mm, empregamos instrumentos maiores.
permite que instrumentos de maior diâmetro traba- Para a realização do movimento de alargamento
lhem no limite elástico mesmo em canais severamente parcial à direita os instrumentos endodônticos podem
curvos. Os instrumentos de NiTi raramente sofrem do- ser acionados com as mãos ou por dispositivos mecâ-
bramento durante o alargamento de canais radiculares
com segmentos curvos.
nicos. Quando indicados para o cateterismo de canais diâmetro de sua seção reta transversal (a). Portanto, a
atresiados, devem ser acionados exclusivamente com quantidade de dentina excisada por esses instrumen-
as mãos. tos durante o movimento de alargamento parcial à di-
Para instrumentos endodônticos de mesmo valor reita é muito grande em relação à área de sua seção
(diâmetro nominal) os de seções retas quadrangula- reta transversal. Para instrumentos de mesmo diâmetro
res são os indicados porque a área de um quadrado nominal externo, os quadrangulares durante o corte da
é 54% maior do que a de um triângulo. Isso propicia dentina ficam submetidos a uma menor tensão por tor-
aos instrumentos quadrangulares um núcleo maior e ção quando comparados aos triangulares. Consequente-
consequentemente uma maior resistência à flexocom- mente, os instrumentos quadrangulares quando compa-
pressão (flambagem), ao dobramento e à deformação rados ao triangulares são mais resistentes à deformação
plástica da haste de corte helicoidal cônica por torção plástica (distorção) da haste de corte helicoidal cônica e
(Fig. 10-6). à fratura por torção dos instrumentos (Fig. 10-7).
Para instrumentos quadrangulares o diâmetro do O ângulo de rotação aplicado a um instrumento
círculo de corte (b) é equivalente ao diâmetro de sua se- na execução do movimento de alargamento parcial à
ção reta transversal (a). Assim, a quantidade de denti- direita para completar o círculo de corte das paredes
na excisada durante o movimento de alargamento par- de um canal varia em função do desenho da seção reta
cial à direita é pequena em relação à área de sua seção transversal da haste de corte do instrumento. Para
reta transversal. Para instrumentos triangulares o instrumentos de seção reta transversal quadrangular,
diâmetro do círculo de corte (b) é 33% maior do que o o ângulo de rotação exigido é de 1/4 (90º) de volta
(Fig. 10-8). Todavia, devido à resistência ao corte da
dentina, o ângulo de rotação para completar o círculo
de corte das paredes de um canal radicular deve ser
executado em duas etapas consecutivas de 45°. A cada
etapa, o instrumento é retirado do interior do canal,
limpo em um pedaço de gaze esterilizada e cuidado-
samente examinado com o objetivo de detectar defor-
mação plástica na sua haste de corte helicoidal cônica.
Caso presente, o instrumento endodôntico deve ser
descartado (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos
endodônticos). A seguir, para execução de uma nova
etapa é posicionado no interior do canal 45° à direita
em relação à posição anterior (Fig. 10-9). Para instru-
mentos delgados e canais atresiados o círculo de corte
das paredes de um canal radicular pode ser comple-
Figura 10-6. Desenho esquemático. Área da seção reta de instru-
mento quadrangular e triangular de mesmo número (diâmetro no- tado em três etapas consecutivas de 30°. Após a repe-
minal). tição das etapas, o instrumento deve ser posicionado
Figura 10-7. Desenhos esquemáticos. Diâmetros dos furos produzidos por instrumentos de seção reta transversal triangular e quadran-
gular.
422 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
canal radicular deve ser executado em duas etapas carregamento pode ultrapassar o limite de resistên-
consecutivas de 60° (Fig. 10-13). A cada etapa, o ins- cia do material conduzindo à fratura por torção do
trumento é retirado do interior do canal limpo em instrumento. Para instrumentos de maior diâmetro,
um pedaço de gaze esterilizado e cuidadosamente a rigidez aumenta e a força de oposição das paredes
examinado com o objetivo de detectar deformação dentinárias impostas nem sempre é suficiente para
plástica na sua haste de corte helicoidal cônica (dis- limitar o movimento do segmento dobrado do ins-
torção). A seguir, para execução de uma nova etapa trumento e induzir a fratura por torção. Nessas con-
fica posicionado 60° à direita em relação à posição dições, observamos uma maior deformação do canal
anterior. Após a repetição das etapas, o instrumento radicular após a instrumentação.
posicionado na distância alcançada é manualmente
girado à direita por duas a três voltas (movimento
de alargamento contínuo) enquanto é retirado gra-
dualmente do interior do canal. Como o controle do
ângulo de rotação com precisão é difícil de ser alcan-
çado, essa manobra tem como objetivo incorporar no
círculo de corte todo o contorno do canal radicular
original e remover os resíduos oriundos da instru-
mentação.
No movimento de alargamento parcial alterna-
do, os instrumentos de aço inoxidável não devem ser
pré-curvados, uma vez que esse procedimento induz
carregamentos de dobramento alternado combinado
ao de torção que poderão deformar o preparo apical
e induzir a fratura do instrumento. Para evitar esses
carregamentos, os instrumentos endodônticos devem
ser empregados em regime elástico e jamais em regime
plástico.
No movimento de alargamento parcial alterna-
do, a extremidade dobrada não gira no eixo do ins-
trumento, mas tende a descrever um arco com raio
igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig.
10-14). Porém, devido à resistência das paredes do
canal, o movimento do segmento dobrado do ins-
trumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de Figura 10-14. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento,
dobramento concentração de tensão por torção. Esse mas tende a descrever um arco.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 425
Figura 10-15. Representação esquemática do movimento de alar- Figura 10-16. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento,
gamento contínuo. mas tende a descrever um círculo.
426 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
cular durante a ação de alargamento. Para tal, é neces- preparo o contorno (circuito) das seções retas trans-
sário que a força (resistência) de oposição nas paredes versais originais do canal radicular. Nesse caso é ne-
dentinárias dos segmentos curvos dos canais radicula- cessário o uso de instrumento de diâmetro maior para
res seja maior do que a força para induzir a flexão do conferir à instrumentação, por meio do movimento de
instrumento endodôntico. alargamento, uma seção reta transversal circular a qual
assegura a incorporação do contorno do canal radicu-
Vantagens e deficiências do movimento de lar (Fig. 10-18). Todavia, às vezes, a raiz do dente apre-
alargamento senta segmentos com seções retas transversais achata-
das cujos diâmetros anatômicos não permitem o uso
Como vantagem, o movimento de alargamento de instrumento de diâmetro maior com o objetivo de
parcial à direita, parcial alternado ou contínuo propicia tornar o preparo circular (Fig. 10-19).
um preparo de canal radicular centrado em relação ao Para solucionar essa deficiência, instrumentos en-
seu eixo e com corte regular, incorporando no círculo dodônticos acionados manualmente ou por dispositi-
de corte todo o contorno do canal radicular original. A
forma final do preparo é cônica e de seção reta trans-
versal circular, desde que o diâmetro do instrumento
empregado seja maior do que o diâmetro do canal ra-
dicular (Fig. 10-17). Com o emprego do movimento de
alargamento, o profissional tem um domínio sobre o
diâmetro e a forma do furo (preparo), o que favorece a
seleção do cone principal de guta-percha e o selamento
apical da obturação do canal radicular.
Como deficiência, podemos citar que o movimen-
to de alargamento pode deixar áreas do canal radicular
não instrumentadas. Isso ocorre quando o diâmetro do
instrumento empregado é menor do que o diâmetro
maior do segmento achatado do canal. Consequente-
mente, a instrumentação não consegue incorporar no
Figura 10-18. Diâmetro do instrumento menor do que o diâmetro
do canal. Permanência de áreas não instrumentadas. Diâmetro do
instrumento maior do que o do canal. Incorporação de todo o con-
torno do canal no círculo de corte.
Figura 10-17. Movimento de alargamento. Preparo centrado com Figura 10-19. Diâmetro anatômico da raiz não permite o uso de
forma cônica e seção reta transversal circular. instrumento de diâmetro maior.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 427
vos mecanizados devem ter pelo menos diâmetro maior dentinária pode provocar o achatamento temporário
do que o menor diâmetro do segmento achatado do (deformação elástica) dos vértices das arestas de corte
canal radicular. O instrumento endodôntico acionado do instrumento, reduzindo ou mesmo não causando
pelo movimento de alargamento (parcial à direita, par- o desgaste dentinário. Também em razão do pequeno
cial alternado ou contínuo) deve ser inserido no canal a ângulo de inclinação das hélices (20 a 30o) das hastes
partir de uma das extremidades polares, aplicando-se de corte helicoidais cônicas dos instrumentos, o movi-
uma força no sentido apical até atingir um comprimen- mento de pincelamento é incapaz de promover a raspa-
to predeterminado. A seguir, o instrumento deverá ser gem das paredes dentinárias do canal radicular. Além
tracionado em sentido coronário. A cada repetição do disso, quando um instrumento endodôntico de NiTi
movimento de alargamento o instrumento deverá ser mecanizado fica submetido a um movimento de pince-
deslocado horizontalmente acompanhando a direção lamento das paredes dentinárias, sofre desnecessaria-
do eixo maior do segmento achatado do canal. Nesse mente um carregamento de flexão rotativa. Este induz
deslocamento é fundamental que o círculo de corte de- na região de maior flexão da haste de corte helicoidal
terminado pelo instrumento sobreponha o círculo de cônica do instrumento tensões trativas e compressivas.
corte anterior. Com esse procedimento o círculo de cor- Nessa situação há redução da vida útil do instrumento
te do instrumento incorpora todo o contorno (circuito) devido à fadiga. Pelas mesmas razões apresentadas os
do segmento achatado do canal original (Fig. 10-20). instrumentos de NiTi mecanizados não promovem o
Diferentes fabricantes e profissionais sugerem desgaste anticurvatura de um canal radicular.
que nos segmentos achatados de canais radiculares
os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados
Movimento de limagem (raspagem)
devem ser empregados com o movimento de pince-
lamento (escovagem). Para executar esse movimento, Limagem é um processo mecânico de usinagem
o instrumento endodôntico de NiTi mecanizado deve destinado à obtenção de quaisquer superfícies pela ras-
ser submetido às seguintes manobras: rotação contínua pagem. Raspagem representa o ato de raspar com um
à direita acompanhada de avanço do instrumento em instrumento adequado parte da superfície de um mate-
sentido apical. Simultaneamente à remoção, o instru- rial. É realizada por instrumentos denominados limas.
mento deve ser pressionado lateralmente de encontro Limas endodônticas são instrumentos de natureza
às áreas polares dos segmentos achatados dos canais metálica multicortantes, com arestas ou fios cortantes
radiculares. estendendo-se diagonalmente por meio das superfícies
Entretanto, devido à superelasticidade da liga da haste helicoidal cônica. São empregadas por meio
NiTi, a pressão exercida pode não alcançar a magnitu- de um movimento longitudinal alternado (avanço e re-
de suficiente para induzir o desgaste da dentina radi- trocesso) no desgaste (raspagem) de parte da superfície
cular. Por outro lado, a resistência imposta pela parede dentinária de um canal radicular.
canal radicular. Também é muito empregado no desgas- • Do ângulo interno da aresta lateral de corte – Quanto
te anticurvatura. A limagem em anticurvatura atua em menor e mais agudo for o seu vértice, maior será a
sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a transpor- eficiência de corte por limagem. Entretanto, quanto
tar o canal para as áreas mais volumosas (zona de segu- menor o ângulo interno da aresta lateral de corte e
rança), fugindo da área de concavidade da raiz (zona de mais agudo for o seu vértice, mais rapidamente o
risco). O desgaste anticurvatura é realizado no segmento instrumento perde a capacidade de corte.
cervical de um canal radicular para diminuir o compri- • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de
mento inicial do arco e facilitar o acesso do instrumento ataque positivo raspam as paredes do canal radicu-
endodôntico em sentido ao ápice radicular. lar de forma mais invasiva do que os com ângulo de
O movimento de limagem não deve ser emprega- ataque negativo.
do no preparo apical de um canal radicular. Quando • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a
empregado, devido à impossibilidade de se controlar ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento
a força lateral aplicada no instrumento, assim como a em relação à dentina, maior será a sua eficiência de
frequência e a amplitude do movimento, perde-se o raspagem.
controle dos valores quantitativos dos desgastes das • Da rigidez do instrumento – Quanto maior a rigidez
paredes do canal, alterando a forma final do preparo do instrumento, maior a sua capacidade de raspa-
(transporte apical interno ou zip). Geralmente, a for- gem. Como os instrumentos endodônticos são cô-
ma da seção reta transversal do canal é elipsoide com nicos, a rigidez é maior quanto mais próximo do
bordas irregulares, o que dificulta a seleção do cone de intermediário e menor na extremidade da parte de
guta-percha principal, assim como a compactação (se- trabalho. Durante a aplicação de uma força no cabo
lamento) e a manutenção do limite apical da obturação do instrumento com direção perpendicular ao seu
do canal radicular (Fig. 10-24). eixo, a região de maior diâmetro da parte de traba-
Ao realizar o movimento de limagem, a capaci- lho (junto do intermediário) exerce ação de limagem
dade de raspagem do instrumento depende: mais eficiente do que a de menor diâmetro (junto da
extremidade).
• Do ângulo de inclinação da hélice – Esse ângulo está
relacionado com o tipo de movimento que o instru- Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de
mento foi projetado. Para instrumentos com ângulos aço inoxidável são projetados para o movimento de
iguais ou maiores de 45º recomenda-se o movimen- limagem. Todavia, os instrumentos com pequeno diâ-
to de limagem. metro (nos 0,8 – 10 – 15 – 20) a extremidade da parte de
trabalho, devido à maior flexibilidade, ou seja, menor
resistência ao deslocamento sob flexão não executam
ação de limagem eficiente das paredes de canais ra-
diculares. Os instrumentos geralmente são acionados
com as mãos, podendo também ser acionados por dis-
positivos mecânicos.
Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de
NiTi, em função da superelasticidade da liga metáli-
ca, não devem ser empregados com o movimento de
limagem, principalmente os de menores diâmetros (nos
15 a 30) porque não oferecem resistência ao desloca-
mento sob flexão, não promovendo consequentemen-
te a raspagem dentinária. Entretanto, instrumentos de
NiTi com maior diâmetro (acima do no 35) podem ser
empregados com o movimento de limagem. Embora
com dureza menor, a capacidade de corte por limagem
dos instrumentos de NiTi, comparativamente aos de
aço inoxidável, está relacionada com o carregamen-
to (força lateral aplicada). Para carregamentos baixos
Figura 10-24. Movimento de limagem empregado no preparo api- (pequena força), os instrumentos de NiTi e de aço
cal de um canal radicular. Deslocamento do preparo. inoxidável apresentam capacidade de limagem seme-
430 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
• os valores das curvaturas são determinados por ân- Em função dos raios, as curvaturas dos canais são
gulos e não por raios; classificadas em:
• o ângulo pode variar com o comprimento do arco
do canal, sem ocorrer a variação do comprimento • suaves: raio igual ou maior que 20mm;
do raio; • moderadas: raio maior que 10mm e menor que
• o ângulo pode variar em função da localização do 20mm;
arco em relação ao comprimento do canal radicular • severas: igual ou menor que 10mm.
sem ocorrer variação do raio;
• ângulos iguais podem apresentar raios diferentes; Na prática endodôntica e principalmente em en-
• existe dificuldade para se determinar com exatidão saios mecânicos é fundamental a determinação dos
a tangente que passa pelo início da região curva do
comprimentos do raio do arco e da localização do arco
canal, bem como a reta que passa pela ponta do ins-
de um canal curvilíneo. Isso porque a resistência à fra-
trumento alojado junto ao forame apical.
tura por fadiga de um instrumento endodôntico com
• Não determina o comprimento do arco.
haste de corte helicoidal cônica, quando submetido a
um carregamento cíclico em flexão rotativa, depende
Método geométrico dos comprimentos, do raio, do arco e da localização
Idealizado por Lopes et al.53 em 1998, as curva- do arco de um canal curvo. Quanto menor o raio de
turas dos canais radiculares são determinadas pelos curvatura e maior o comprimento do arco de um canal
Figura 10-26. Representação esquemática do método Schneider. Figura 10-27. Representação esquemática do método geométrico.
432 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
B C
D E
Figura 10-32. Região crítica apical. Considerações anatômicas. A. Desenho esquemático. Forames e foraminas. B. Corte histológico. C, D e
E. Eletromicrografias.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 435
A B
C D
Figura 10-35. Canal cementário. A. Desenho esquemático. B. Comprimento do canal cementário (b). C. Diâmetro do forame apical (a). D.
Diâmetro da constrição apical (c).
adultos, o canal cementário não segue a direção do canal mente, mesmo pelo profissional mais habilitado. Além
dentinário e nem acaba no vértice apical42. Está localiza- disso, em determinados casos, essa junção nem sempre
do em média a 0,5mm do ápice radicular (Fig. 10-37). Às representa o diâmetro mais constrito do canal. Uma
vezes, chega a alcançar até 3mm. Outra constatação de vez que a JCD é um ponto essencialmente histológico,
grande importância terapêutica é que a constrição apical sob o ponto de vista clínico ela pode ser considerada
está distante aproximadamente 0,5mm do forame apical, um “mito”110.
ou seja, 1mm do ápice radicular. A média do diâmetro Em razão das avaliações citadas, o término da
das foraminas apicais é de 0,25mm e seu contorno é pre- instrumentação de um canal radicular (batente apical)
dominantemente circular27,31,42,114 (Fig. 10-38). Segundo tem sido proposto entre 1 e 2mm aquém do vértice
Gutierrez e Aguayo32, o número de foraminas por dente do ápice radiográfrico tanto no tratamento de dentes
pode variar de 1 a 16. O distanciamento dessas forami- polpados, quanto no de dentes despolpados (Fig. 10-
nas do ápice pode variar de 0,2mm a 3,8mm. 39). Além disso, adotamos como conduta, sempre que
O limite apical da instrumentação na junção JCD possível, manter desobstruído o canal cementário até o
do canal seria o ideal, mas, na maioria vezes, isso não forame apical.
é possível, devido à grande variabilidade na localiza- A desobstrução do canal cementário é realizada
ção da constricção e à dificuldade em detectá-la clinica- por um instrumento que percorre toda a extensão do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 437
A B
C D
dos e em diferentes segmentos do canal. O número de Uma vez que não são conhecidas quantas células
anaeróbios aumentou significativamente com o tempo bacterianas remanescentes no segmento apical podem
e excedeu o de bactérias facultativas depois de 90 dias. ser compatíveis com a resposta favorável de defesa do
Depois de 90 ou 180 dias de infecção, 85-98% das célu- hospedeiro, a extensão alcançada pelos procedimentos
las bacterianas colonizando o canal eram anaeróbias. intracanais não deveria ser aquém do que o nível mais
Baumgartner & Falkler8 avaliaram por cultura a micro- apical da infecção. Como a infecção em muitos casos
biota dos 5mm apicais de canais contendo polpa necro- pode se estender até o forame apical, o limite de ins-
sada e relataram que as espécies mais prevalentes foram trumentação deveria atingir toda a extensão do canal
Prevotella intermedia/nigrescens, Prevotella buccae, Peptos- principal até seu término, em uma tentativa de remover
treptococcus anaerobius e Veillonella parvula, todas tendo ou pelo menos reduzir significativamente a contagem
sido isoladas de cerca de metade dos casos. De um total bacteriana antes que se proceda à obturação. A neces-
de 50 cepas isoladas, 68% foram anaeróbias. Todos os sidade imperiosa de desinfecção tem sido claramente
casos abrigavam pelo menos uma espécie anaeróbia. O demonstrada por estudos que avaliaram o sucesso do
número de unidades formadoras de colônias nos 5mm tratamento endodôntico a longo prazo41,98.
apicais do canal variou entre 5,6 × 104 e 4,3 × 106. Durante a instrumentação de canais infectados,
Dougherty et al.21 investigaram a presença de ba- detritos dentinários contaminados podem ser compac-
cilos produtores de pigmentos negros nos segmentos tados no segmento apical do canal ou extruídos pelo
cervical e apical do canal e encontraram essas bactérias forame apical para o interior dos tecidos perirradicu-
em 12 de 18 casos (67%). Prevotella nigrescens foi isolada lares. Quando compactados no canal, detritos denti-
em 9 de 12 canais na parte mais apical, seguida por Pre- nários podem resultar em perda do comprimento de
votella melaninogenica em 3/12, P. intermedia em 1/12 e patência ou de trabalho e também comprometer o re-
Porphyromonas gingivalis em 1/12. Siqueira et al.96 ava- paro tecidual devido à presença de micro-organismos
liaram a presença de 11 espécies bacterianas anaeróbias residuais36. Detritos dentinários infectados quando
estritas no segmento apical de canais radiculares infec- extruídos para os tecidos perirradiculares podem ser
tados e associados a lesões perirradiculares por meio responsáveis por inflamação persistente e fracasso do
do método da polymerase chain reaction (PCR). Todos os tratamento118.
dentes investigados apresentavam infecção na porção Um segmento apical não instrumentado com 1mm
mais apical do canal. Pseudoramibacter alactolyticus foi a de extensão pode abrigar até 105 células bacterianas,
espécie mais encontrada, sendo detectada em 10 de 23 um número consideravelmente elevado, que, depen-
casos examinados. As outras espécies mais prevalentes dendo da virulência delas, pode induzir inflamação de
foram Treponema denticola (6 de 23), Fusobacterium nu- intensidade moderada o suficiente para perpetuar uma
cleatum (6 de 23), Porphyromonas endodontalis (4 de 23) lesão perirradicular.
e Filifactor alocis (6 de 23). A presença dessas bactérias Na porção mais apical do sistema de canais radi-
no segmento apical de canais associados a lesões perir- culares, podem estar presentes bactérias no canal prin-
radiculares pode ser um indicativo da participação na cipal, além de estarem alojadas em ramificações, del-
etiologia da doença. tas, lacunas de reabsorção radicular e túbulos dentiná-
A porção mais apical do canal pode ser conside- rios. Aquelas que contatam os tecidos perirradiculares
rada como um “território crítico” para os patógenos, são, obviamente, as principais envolvidas na agressão
para o hospedeiro e para o clínico96. É crítica para os e, por conseguinte, na indução de uma patologia pe-
patógenos, pois permite um íntimo contato com os rirradicular, aguda ou crônica. Nessas localidades, as
tecidos perirradiculares, onde eles podem ter acesso bactérias podem ser eliminadas pela ação mecânica do
a nutrientes e aos quais podem causar danos; crítica instrumento ou pela ação da solução química auxiliar
para hospedeiro, pois os mecanismos de defesa de- da instrumentação e/ou pela medicação intracanal.
vem se concentrar nessa área para tentar delimitar o Mesmo que os instrumentos e as soluções químicas
processo infeccioso e confiná-lo ao canal, impedindo a que atingem essa região não eliminem completamente
disseminação da infecção para o osso alveolar; e tam- as bactérias, causam um distúrbio ecológico que pode
bém é crítica para o clínico, uma vez que o sucesso do desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do
tratamento endodôntico dependerá do quanto será efi- hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de
caz o profissional em erradicar a infecção do segmento reparação.
apical e promover um selamento adequado do canal Nos casos de fracasso do tratamento endodôntico
radicular contra bactérias e fluidos. (retratamento), devem eles ser lidados como infecta-
440 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
dos, mormente quando uma lesão perirradicular está de dentes com polpa vital, poderia ser argumentado
presente. Infecções persistentes no segmento apical que o emprego de NaOCl não é necessário e deveria
do canal representam a principal causa do fracasso da ser evitado para manter o “coto” vital. Na verdade,
terapia endodôntica28,64. Micro-organismos residuais manter o canal inundado com NaOCl durante a instru-
podem estar alojados em áreas não instrumentadas do mentação de canais ajuda a manter a cadeia asséptica,
canal principal, em detritos dentinários, em ramifica- justificando o emprego dessa solução mesmo em casos
ções, no delta apical, em túbulos dentinários e em espa- vitais não infectados. Além disso, a irritação dos teci-
ços vazios na obturação do canal64,65,75,92. Se tais micro- dos perirradiculares causada pelo NaOCl é usualmen-
organismos contatam os tecidos perirradiculares e se te transitória e restrita a uma pequena área tecidual, o
encontram em número suficiente para serem patogê- que não gera efeitos adversos substanciais9,22,113.
nicos, uma lesão inflamatória pode se desenvolver ou A reparação tecidual pós-tratamento endodôntico
ser mantida. Usando microscopia óptica e eletrônica é de total responsabilidade dos tecidos perirradiculares,
de transmissão, Nair et al.64 relataram que micro-orga- principalmente do ligamento periodontal. O ligamento
nismos podem persistir no canal obturado, geralmente periodontal é um tecido conjuntivo especializado, si-
em áreas mais apicais, e ser a causa do fracasso do tra- tuado entre o cemento radicular e o osso alveolar, que
tamento. Fukushima et al.28 avaliaram dentes tratados apresenta uma espessura variável entre 0,15 e 0,38mm,
endodonticamente e com lesão perirradicular persis- a qual é reduzida gradativamente com a idade66. Como
tente por meio de microscopia eletrônica de varredura um tecido conjuntivo, ele é constituído por células e
e por cultura bacteriológica. Em mais de 60% dos casos, por uma matriz extracelular. As principais células en-
agregados bacterianos foram visualizados entre o tér- contradas são osteoblastos e osteoclastos (alinhando a
mino da obturação do canal e o forame apical. Tais bac- superfície óssea voltada para o ligamento), cemento-
térias provavelmente eram membros de uma infecção blastos (voltados para o cemento), fibroblastos, célu-
persistente ou secundária. Esses achados indicam que las epiteliais (restos de Malassez), macrófagos e célu-
bactérias podem persistir na porção apical de canais las indiferenciadas. A matriz extracelular é composta
tratados e serem a causa de lesões perirradiculares per- principalmente por feixes de colágeno embebidos em
sistentes. Assim, os mesmos princípios relacionados uma substância fundamental constituída basicamente
com os procedimentos químico-mecânicos em casos de por glicosaminoglicanas, glicoproteínas e glicolipídios.
necrose também se aplicam a casos de fracasso do tra- Fibroblastos são as principais células encontradas no
tamento endodôntico (retratamento). ligamento periodontal. Há um rápido e intenso turno-
ver de constituintes do ligamento (mormente de colá-
geno), caracterizado pela constante síntese, remoção
Canais não infectados e renovação desses componentes. Fibroblastos são os
Em casos de polpa vital, alguns autores recomen- principais responsáveis por esse turnover, sendo capa-
dam a instrumentação dos canais de 1 a 2mm aquém zes de simultaneamente sintetizar e degradar o colá-
do forame, na tentativa de preservar a vitalidade do geno, o qual está sempre sofrendo remodelação. Além
tecido pulpar apical (“coto pulpar”), o qual pode ter do alto índice de renovação de constituintes da matriz,
um papel no reparo perirradicular. Estudos têm de- as células do ligamento periodontal também são fre-
monstrado que a preservação do “coto pulpar” vital quentemente renovadas. O alto índice de turnover dos
permite que o processo de reparação ocorra frequente- constituintes celulares e extracelulares é reflexo da ex-
mente pelo selamento do canal cementário por tecido cepcional vascularização desse tecido, a qual provém
duro neoformado, mesmo quando raspas de dentina das artérias alveolares superior e inferior. Além de
são compactadas contra o “coto”23,24,107. possuir um alto índice de renovação celular e uma rica
É importante salientar que a manutenção da vita- trama vascular, o ligamento apresenta drenagem linfá-
lidade do coto pulpar não é previsível, particularmente tica adequada.
durante a instrumentação de canais curvos e atresiados. A manutenção da vitalidade do “coto pulpar” é
Outrossim, o uso de NaOCl como substância química imprevisível durante o preparo químico-mecânico84,88 e
auxiliar em diferentes concentrações pode conduzir à evidências indicam que não é essencial para o sucesso
inflamação grave ou necrose do “coto”67, como resulta- do tratamento. Estudos em cães10,35,101 revelaram que o
do da toxicidade dessa substância68. Considerando que alargamento do forame apical com consequente remo-
a assepsia é o fator decisivo em prevenir o desenvolvi- ção do “coto pulpar” foi acompanhado por invaginação
mento de uma lesão perirradicular após o tratamento do ligamento periodontal para o interior do canal,
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 441
Figura 10-44. Patência do forame (desobstrução do canal cementário). Batente apical (lado esquerdo). Instrumento de patência. Vértice da
ponta até a abertura do forame (meio). Instrumento de patência. Ponta além da abertura do forame (lado direito).
TERMINOLOGIA
Terminologia é o conjunto de termos peculiares de
uma ciência ou arte. A seguir, mencionaremos um con-
junto de termos peculiares ao preparo químico-mecâ-
nico dos canais radiculares. Figura 10-45. Diâmetro anatômico.
444 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Instrumento de patência
Equivale ao último instrumento utilizado em
todo o comprimento do canal radicular (comprimento
de patência).
Escalonamento ápice-coroa
Os instrumentos endodônticos, em ordem cres-
cente de diâmetro, são empregados a distâncias pro-
gressivamente menores do que o comprimento de
trabalho do canal radicular. A instrumentação apical
antecede o escalonamento.
Escalonamento coroa-ápice
Os instrumentos endodônticos, em ordem de-
crescente de diâmetro, são empregados a distâncias
progressivamente maiores para o interior do canal ra-
dicular. O escalonamento coroa-ápice antecede a ins-
trumentação apical.
Corpo do canal
Figura 10-47. Batente apical.
Corresponde à parte do canal que é obtida dedu-
zindo-se o segmento apical do CT.
te em canais curvilíneos e atresiados. Esses acidentes decrescente de diâmetro são empregados a distâncias
eram representados por degraus, deslocamento apical, progressivamente maiores para o interior do corpo do
obliteração apical com raspas de dentina e fragmentos canal radicular. A instrumentação apical antecede o
pulpares, perfurações etc. escalonamento ápice-coroa e precede o escalonamento
Em busca de minimizar esses acidentes, Clem15, coroa-ápice.
em 1969, propôs que os instrumentos endodônticos de O tipo de instrumento empregado, o movimento
menor diâmetro e maior flexibilidade fossem usados a ele aplicado e a maneira de acioná-lo possibilitam a
em todo o comprimento de trabalho e os de maior di- combinação de inúmeras sequências de instrumenta-
âmetro e menor flexibilidade empregados em ordem ção (procedimentos práticos) descritas equivocada-
crescente de diâmetro e com comprimentos inferiores mente na literatura endodôntica como técnicas de ins-
aos de trabalho, aumentando progressivamente o diâ- trumentação. Todavia, podemos observar que os pro-
metro dos mesmos à medida que a instrumentação era cedimentos práticos empregados na instrumentação de
executada no sentido coronário do canal radicular. Sur- um canal radicular são os mesmos independentemente
giu, assim, a instrumentação escalonada ápice-coroa, do tipo de instrumento empregado, do movimento a
a qual diminuiu significativamente as iatrogenias até ele aplicado e da maneira de acioná-lo.
então observadas no preparo dos canais radiculares. A classificação das técnicas de instrumentação
Em 1980, foi desenvolvida a instrumentação escalona- quanto à maneira de ativação dos instrumentos endo-
da coroa-ápice59. Nessa instrumentação os instrumen- dônticos em manuais e mecanizadas não procede, por-
tos endodônticos, em ordem decrescente de diâmetro, que podemos observar que ambas são combinadas. Na
avançam para o interior de um canal no sentido coroa- técnica denominada manual o segmento cervical dos
ápice. O escalonamento coroa-ápice tem como objetivo canais radiculares, na maioria das vezes é preparado
principal reduzir a extrusão de detritos de tecidos vi- por meio de instrumentos endodônticos mecanizados
vos ou necrosados e de produtos microbianos no sen- (alargadores Gates Glidden), enquanto na técnica me-
tido dos tecidos perirradiculares, assim como facilitar canizada a pré-instrumentação, assim como a regula-
a instrumentação do segmento apical de um canal ra- rização do circuito de corte de segmentos achatados
dicular. O escalonamento coroa-ápice, ou seja, a neces- de canais radiculares e o desgaste anticurvatura, geral-
sidade de uma maior conicidade do preparo do canal, mente, são executados por meio de instrumentos endo-
passou reger o aprimoramento da instrumentação. dônticos acionados manualmente.
As técnicas de instrumentação de um canal radicu- Vários estudos5,33,71,77,89,104,109 têm demonstrado que
lar são classificadas em não escalonada e escalonada. nenhuma técnica de instrumentação é capaz de pro-
Técnica é a conjugação de conhecimentos científi- mover uma total limpeza e uma correta modelagem de
cos e de procedimentos práticos essenciais à execução canais radiculares. Todavia, para a obtenção de uma
perfeita de uma arte ou profissão (Endodontia). adequada instrumentação, o profissional deve ter co-
Na não escalonada, também denominada de con- nhecimento da anatomia do canal e de suas dimensões
vencional, os instrumentos endodônticos são emprega- (geometria do canal) para poder selecionar os instru-
dos em todo o comprimento de trabalho do canal radi- mentos e os movimentos a serem empregados para
cular em ordem crescente de diâmetro. cada segmento de um canal radicular.
Na técnica escalonada, os instrumentos endo- A seleção de instrumentos endodônticos com di-
dônticos são utilizados em degraus (escalonamento) âmetros inferiores aos dos segmentos cervical, médio
nos segmentos cervical e médio (corpo) dos canais e apical dos canais radiculares e a ativação dos instru-
radiculares. No segmento apical, os instrumentos são mentos endodônticos com movimentos incompatíveis
utilizados em ordem crescente de diâmetros em toda a com a configuração anatômica dos canais radiculares
extensão do comprimento de trabalho do canal radicu- são responsáveis pela não incorporação de alguns pon-
lar. O escalonamento pode ser realizado com o avanço tos do contorno do canal radicular original durante
do instrumento no sentido coroa-ápice ou com o retro- a instrumentação. Todavia, remanescentes teciduais
cesso do instrumento no sentido ápice-coroa. No esca- e micro-organismos podem persistir nesses pontos,
lonamento ápice-coroa, os instrumentos endodônticos principalmente em istmos e ramificações dos canais
em ordem crescente de diâmetro são empregados a radiculares. A quantidade de irritantes residuais e a
distâncias progressivamente menores do que o compri- efetividade seladora da obturação do canal e da cavi-
mento do corpo do canal radicular. No escalonamento dade coronária de acesso determinarão a longo prazo o
coroa-ápice, os instrumentos endodônticos em ordem sucesso ou o fracasso da terapia endodôntica.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 447
Pré-instrumentação
A pré-instrumentação é a etapa inicial da instru-
mentação. Para canais radiculares amplos, após o cate-
terismo e a determinação do comprimento de patência
e de trabalho, a pré-instrumentação e a instrumentação
se sobrepõem, sendo muitas vezes executadas em uma
mesma etapa. Ao contrário, para canais atresiados a
pré-instrumentação é uma etapa distinta que antece-
de a instrumentação. A dificuldade ou a facilidade da
posterior instrumentação de um canal radicular atre-
siado na maioria das vezes repousa apenas na pré-
instrumentação. Tem como objetivo a eliminação ou
regularização das interferências anatômicas, buscando
a determinação do CPC, o CT e a criação do leito do Figura 10-48. Localização do canal radicular.
canal radicular (glide path).
A pré-instrumentação de um canal radicular é ini-
ciada após radiografia, anestesia, isolamento e acesso restaurações coronárias, deposições dentinárias e calci-
coronário do elemento dentário a ser submetido ao tra- ficações distróficas podem alterá-la. Enquanto explora
tamento endodôntico. O conhecimento da morfologia o assoalho da câmara pulpar, a sonda muitas vezes pe-
dentária e o exame minucioso de duas ou mais radio- netra ou desloca depósitos calcificados que bloqueiam
grafias periapicais, obtidas com diferentes angulações a embocadura dos canais radiculares (Fig. 10-48).
do cone do aparelho de raios X, são obrigatórios. O O uso de aparelhos ultrassônicos com pontas
exame radiográfico propicia informações importantes diamantadas (Spartan ultrasonic tips, Obtura Spartan,
sobre a anatomia da cavidade pulpar. USA) é muito útil, eficiente e seguro na varredura do
A pré-instrumentação é assim constituída: assoalho da câmara pulpar para a remoção de depósitos
calcificados que ocultam e impedem o acesso ao orifício
• da localização do canal ou canais radiculares; de entrada de canais radiculares atresiados. É preferível
• do cateterismo ou exploração inicial do canal radi- sua utilização à de brocas comuns ou especiais.
cular; O uso de corantes (azul de metileno ou tintura de
• do alargamento cervical do canal radicular; iodo) preenchendo a câmara pulpar e removidos por
• da complementação do cateterismo; lavagem após alguns minutos pode promover mudan-
• da determinação do comprimento de patência e de ças de cor da dentina, evidenciando a provável locali-
trabalho do canal radicular; zação da embocadura do canal radicular.
• da instrumentação inicial ou leito do canal radicular. O emprego do microscópio óptico ou de outros
recursos de magnificação permite uma perfeita visua-
Localização do Canal Radicular lização do assoalho da câmara pulpar, facilitando a lo-
calização mais segura da entrada de canais radiculares
Após a remoção completa de todo o teto cavitá-
atresiados.
rio, os orifícios dos canais radiculares devem ser lo-
calizados por meio de sondas clínicas de ponta reta e
afilada. Para isso, a ampliação e a iluminação da cavi-
Exploração inicial do canal radicular
dade pulpar são recursos indispensáveis. Para dentes A exploração ou cateterismo engloba a fase inicial
unirradiculares, a localização do canal radicular é um de ampliação e limpeza (esvaziamento), assim como
procedimento mais simples do que em dentes mul- o conhecimento da anatomia interna do canal radicu-
tirradiculares. A anatomia natural dita a localização lar por meio da sensibilidade tátil quando do avanço
usual da entrada dos canais radiculares; entretanto, de um instrumento endodôntico. O contato inicial do
448 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
profissional com a anatomia interna do canal radicular preenchida com solução de hipoclorito de sódio. Nas
permite verificar o número, a direção e o diâmetro dos biopulpectomias o cateterismo antecede a pulpectomia.
canais, assim como a possibilidade de acesso à região Nesses casos após o instrumento de cateterismo atingir
apical. Essas informações associadas às obtidas pela o comprimento previamente determinado, o tecido pul-
radiografia e pelos conhecimentos anatômicos permi- par é excisado e removido por meio de uma lima He-
tirão imaginar com alguma precisão a forma do canal dstrom de diâmetro compatível com o canal radicular.
radicular. Quanto mais próxima da verdadeira anato- Nas necropulpectomias, o cateterismo e esvaziamento
mia do canal radicular estiver a imagem criada pelo inicial do canal se desenvolvem simultaneamente. Essa
profissional, melhor será a condução do tratamento manobra é realizada por segmentos (compartimentos)
endodôntico. do canal radicular, imprimindo-se ao instrumento pe-
De posse de uma radiografia de boa qualidade quenos avanços e retrocessos em sentido apical conjun-
para o planejamento do tratamento endodôntico, toma- tamente, com discretos movimentos de rotação à direi-
se o comprimento do dente, traçando inicialmente uma ta e à esquerda. Esse procedimento permite a penetra-
reta paralela ao eixo do dente em toda a sua extensão. A ção da solução química auxiliar em sentido apical do
seguir, nessa reta, projetamos duas linhas perpendicu- canal radicular, favorecendo suas atividades solventes
lares, uma passando pelo ponto de referência oclusal/ e antimicrobianas. Assim, o instrumento é conduzido
incisal e a outra passando pelo vértice do ápice radicu- até atingir o comprimento previamente determinado,
lar. A distância entre as duas linhas perpendiculares à promovendo a neutralização e o esvaziamento inicial
reta é conhecida como comprimento do dente na radio- do conteúdo séptico do canal radicular (ver Capítulo 8,
grafia (CDR). Para canais radiculares retos ou com cur- Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
vaturas suaves, uma medida correspondente a 3mm Para o cateterismo de canais atresiados retilíne-
menor que o CDR é transferida para um instrumento os ou curvilíneos, os instrumentos de aço inoxidável
tipo K de aço inoxidável como medida de segurança indicados são os tipo K ou os instrumentos especiais
(comprimento de exploração inicial – CEI) (Fig. 10-49). C+File e C Pilot de seções retas transversais quadran-
Para canais com curvaturas moderadas e acentuadas, a gulares. O diâmetro dos instrumentos empregados
medida correspondente ao CDR, ou até mesmo acres- geralmente é maior do que os dos canais radiculares
cida de 2 a 3mm, é transferida para o instrumento en- e geralmente não atinge a distância de cateterismo pre-
dodôntico, o que é justificado porque o comprimento determinado. Os instrumentos devem ser obrigatoria-
do segmento de um arco é maior do que o segmento mente acionados manualmente por meio do movimen-
de uma linha reta. A seleção do primeiro instrumento é to de alargamento parcial à direita e jamais dobrados
feita de acordo com o presumível diâmetro do canal e (pré-curvados). Tendo os instrumentos tipo K de diâ-
com o comprimento do dente (CDR). metros menores e os especiais ângulos de inclinação
Para o cateterismo de canais radiculares amplos, das hélices de aproximadamente 25º, não devem ser
os instrumentos endodônticos de aço inoxidável tipo K acionados pelo movimento de limagem. Quanto ao do-
são os indicados e devem possuir diâmetros menores bramento, afirma-se que o pré-curvamento favorece o
do que os dos canais radiculares e não necessitam ser avanço do instrumento em sentido apical de um canal
pré-curvados (dobrados). Os instrumentos devem ser radicular16,20,112. Porém, a anatomia revela que a maioria
acionados manualmente por meio do movimento de dos canais radiculares apresenta segmento cervical reto
cateterismo ou exploração. A câmara pulpar deve ser e o apical curvo. Assim, o instrumento endodôntico de
aço inoxidável pré-curvado ao penetrar num canal ra-
dicular atresiado será desdobrado. Esse desdobramen-
to combinado à rotação do instrumento induz tensões
que poderão determinar degraus, perfurações radicu-
lares e a fratura dos instrumentos. Para evitar esses car-
regamentos durante o cateterismo de canais atresiados,
os instrumentos endodônticos devem ser empregados
em regime elástico e jamais em regime plástico (pré-
curvados). Além disso, é inadmissível acreditar que
a pré-curvatura do instrumento para simular a forma
Figura 10-49. Comprimento do dente na radiografia (CDR). Com- anatômica corresponda à curvatura verdadeira do ca-
primento de exploração inicial (CEI). nal radicular.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 449
Figura 10-50. Exploração inicial do canal radicular. Figura 10-51. Alargamento cervical inicial para facilitar o acesso apical.
450 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Instrumentação
A instrumentação de um canal radicular é inicia- Figura 10-56. Instrumentação do segmento cervical.
da após a pré-instrumentação. De posse do CT, o canal
radicular será dividido em segmentos ou comparti-
mentos (Fig. 10-55).
O segmento cervical é representado por 2/3 do
O segmento apical corresponde aos 3mm finais
comprimento do corpo do canal a partir de um ponto
de um canal radicular a partir do vértice radiográfico
de referência situado na coroa dentária (bordo incisal ou
do dente. A parte restante do canal representa o corpo.
oclusal). Consequentemente, a parte inicial do segmen-
Dois terços do comprimento do corpo do canal corres-
to cervical é representada pela profundidade (altura) da
pondem ao segmento cervical, enquanto o outro terço,
coroa dentária e não efetivamente pelo canal radicular.
ao segmento médio ou intermediário do canal.
Consiste na ampliação do diâmetro do segmento cervi-
Exemplo: comprimento do dente = 21mm
cal de um canal radicular, no sentido coroa-ápice. Tem
Segmento apical = 3mm do vértice radiográfico
como objetivo facilitar o acesso aos segmentos médio e
Corpo do canal = 21 – 3 = 18mm
apical do canal radicular (Fig. 10-56).
Segmento cervical = 2/3 do corpo do canal
Na instrumentação do segmento cervical, o diâ-
(12mm)
metro do instrumento, o tipo de instrumento, o modo
Segmento médio = 1/3 do corpo do canal (6mm)
de acionamento e o movimento empregado variam em
função da anatomia radicular. Geralmente se utilizam
A instrumentação de um canal radicular principal
um a dois instrumentos na instrumentação do segmen-
pode ser realizada com instrumentos acionados manu-
to cervical. O diâmetro e/ou conicidade dos instru-
almente e também por dispositivos mecânicos ou o uso
mentos empregados diminuem à medida que avançam
combinado deles.
no segmento cervical do canal radicular.
Nos casos onde o diâmetro anatômico do segmen-
Instrumentação do segmento cervical to cervical permite o uso de instrumentos endodônti-
A instrumentação do segmento cervical do canal cos de diâmetros maiores do que o diâmetro do canal,
é realizada no sentido coroa-ápice (crown-down) do o movimento empregado é o de alargamento parcial
dente. alternado ou contínuo, e a forma final da instrumenta-
ção é circular.
O movimento de alargamento parcial alternado
pode ser executado manualmente ou por meio de dis-
positivos mecanizados (contra-ângulos especiais). Os
instrumentos endodônticos utilizados são os tipo K de
aço inoxidável ou de NiTi e os instrumentos especiais
ProTaper Universal versão manual. Para os instrumen-
tos endodônticos empregados, a passagem da ponta
para a haste de corte helicoidal cônica deve ser por
meio de uma curva de transição (ausência de ângulo
de transição). O movimento de alargamento contínuo
é executado por meio de dispositivos mecânicos (mo-
Figura 10-55. Segmentos de um canal radicular. tores e contra-ângulos), empregando-se instrumentos
452 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
emprego de instrumentos (alargadores cervicais) com o maior diâmetro da seção reta transversal do canal
diâmetros em D0 maiores do que o de no 25. original e as condições anatômicas da raiz não permi-
tirem o uso de instrumentos de diâmetros maiores, a
Instrumentação do segmento intermediário limpeza e a modelagem ficam deficientes. Nesses ca-
A instrumentação do segmento intermediário ou sos, indicamos o uso de instrumentos tipo K ou limas
médio consiste na ampliação do diâmetro do canal ra- Hedstrom de aço inoxidável de diâmetros inferiores
dicular, no sentido coroa-ápice até a distância de 3mm aos do canal, ativados por meio do movimento de
aquém do vértice radiográfico do dente. O diâmetro limagem com o objetivo de complementar a instru-
em D0 e/ou a conicidade dos instrumentos empre- mentação do segmento intermediário do canal radi-
gados diminui à medida que avançam no segmento cular. Aparelhos sônicos e ultrassônicos também são
médio do canal radicular. Geralmente são utilizados empregados para promover a limpeza de áreas não
dois a três instrumentos na instrumentação do seg- instrumentadas do corpo (segmento cervical e médio)
mento médio. Os avanços devem ser da ordem de 1 de canais radiculares. O instrumento escolhido deverá
a 3mm, intercalados por retiradas. Para instrumentos atuar nas paredes dentinárias a cerca de 3mm aquém
de diâmetros menores, o avanço será menor. Pode ser do vértice radiográfico do dente, ou seja, no corpo do
realizada com instrumentos acionados manualmente e canal radicular.
também por dispositivos mecanizados ou o uso combi- A cada etapa da instrumentação do segmento in-
nado deles. Os primeiros são representados pelos ins- termediário do canal radicular realizamos a irrigação-
trumentos tipo K de aço inoxidável ativados por meio aspiração seguida de inundação da cavidade pulpar
do movimento de alargamento parcial alternado, ob- com solução química auxiliar. A patência do canal
tido manualmente, ou por ângulos especiais. Para ca- cementário deve ser mantida em todas as etapas da
nais curvos (curvaturas severas e moderadas) em que instrumentação do segmento intermediário do canal
o comprimento do arco se inicia próximo do término radicular.
do segmento cervical do corpo do canal, os instrumen-
tos de aço inoxidável de maiores diâmetros devem ser Instrumentação do segmento apical
substituídos pelos de NiTi (Fig. 10-57). O segmento apical corresponde aos 2mm finais de
Os instrumentos acionados por dispositivos me- um canal radicular a partir do CT. A instrumentação do
canizados empregados na instrumentação do segmen- segmento apical tem como objetivo a regularização da
to intermediário são representados pelos alargadores forma da constrição apical pela ampliação do diâmetro
apicais de NiTi. O movimento do instrumento é de do canal principal até o CT. É importante salientar que
alargamento contínuo. Devem ser introduzidos e reti- a forma da constrição apical não é na maioria das ve-
rados do interior do segmento intermediário do canal zes circular, mas oval ou irregular. Em consequência,
radicular girando à direita a fim de evitar o atrito es- durante a instrumentação apical até o CT buscamos
tático do instrumento contra as paredes dentinárias e englobar a constrição apical com o objetivo de criar um
possibilitar a saída de material excisado. batente com seção reta transversal circular onde o cone
Nos casos de canais com segmento intermediá- principal de obturação irá se encaixar.
rio achatado onde o diâmetro do instrumento empre- Na instrumentação apical, os instrumentos endo-
gado (manualmente ou mecanizado) é menor do que dônticos são utilizados em ordem crescente de diâme-
tro, atuando em toda a extensão do CT (instrumenta- preparo. Para instrumentos de maior diâmetro, deve-
ção não escalonada), podendo ser ativados mediante mos substituir os de aço inoxidável pelos de NiTi, em
movimento de alargamento parcial alternado ou con- função da superelasticidade dessa liga metálica. Essa
tínuo. O número de instrumentos empregados varia superelasticidade permite que instrumentos de maior
em função da anatomia do segmento apical do canal diâmetro trabalhem durante a instrumentação apical,
radicular. A forma final do segmento apical do canal ra- mesmo em canais severamente curvos dentro do limite
dicular após a instrumentação deve ser cônica, e a seção elástico. Os instrumentos tipo K de aço inoxidável e de
reta transversal, circular, tendo como objetivos a con- NiTi podem ser acionados manualmente ou por meio
fecção do batente apical, fator importante na limitação de ângulos especiais para a realização da instrumenta-
do material obturador do canal radicular, assim como ção apical dos canais radiculares.
propiciar um selamento apical satisfatório para impe- Os instrumentos endodônticos mecanizados de
dir a entrada de fluidos teciduais no canal e o tráfego NiTi são utilizados na instrumentação apical de ca-
de volta de micro-organismos e seus produtos para os nais radiculares retilíneos ou curvilíneos. São aciona-
tecidos perirradiculares. O movimento de alargamento dos por dispositivos mecanizados especiais (motores
parcial alternado ou contínuo dos instrumentos, du- elétricos e contra-ângulos). Para canais com curva-
rante a instrumentação, proporciona adequada mode- turas severas é aconselhável e prudente que a ins-
lagem apical e menor extrusão de material excisado via trumentação do segmento apical seja realizada com
forame (Fig. 10-58). instrumentos endodônticos acionados manualmente,
A instrumentação apical pode ser realizada com em primeiro lugar de aço inoxidável e, a seguir, de
instrumentos endodônticos tipo K, instrumentos me- NiTi, ativados mediante movimento de alargamento
canizados ou o uso combinado deles. Os primeiros são parcial alternado.
representados pelos instrumentos tipo K de aço inoxi- A cada etapa da instrumentação do segmento api-
dável e de NiTi. Instrumentos de aço inoxidável são in- cal do canal radicular realizamos a irrigação-aspiração
dicados para canais radiculares retilíneos ou com cur- seguida da inundação da cavidade pulpar com solução
vaturas suaves. Para canais radiculares curvilíneos, os química auxiliar. A patência do canal cementário deve
instrumentos endodônticos na instrumentação apical ser mantida em todas as etapas da instrumentação do
devem atuar dentro do limite elástico e jamais dentro segmento apical do canal radicular.
do limite plástico da liga metálica. Para canais atresia- Nos casos onde a patência do canal cementário
dos e curvilíneos devemos empregar inicialmente ins- não foi obtida ou mesmo perdida, o limite apical de
trumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros e instrumentação deverá ser o mais próximo possível
seção reta transversal triangular (nos 15, 20 e 25) sem do ápice radicular (CT). A ampliação do diâmetro api-
pré-curvamento. Em função das dimensões e proprie- cal deverá ser a maior possível. Nos casos de necrose
dades mecânicas da liga de aço empregada, esses ins- pulpar é recomendado o uso de um maior volume de
trumentos são dotados de flexibilidade suficiente para solução irrigante, o uso da agulha de irrigação o mais
acompanhar a curvatura de um canal radicular sem próximo do CT, a remoção da smear layer e o uso de
sofrerem dobramento e promoverem deslocamento do medicação intracanal.
Ampliação do diâmetro apical de canais a instrumentação no CT deve ser circular. Para o suces-
radiculares so de um tratamento endodôntico, a determinação da
ampliação do diâmetro do segmento apical no CT é tão
O diâmetro da ampliação apical corresponde ao importante quanto a determinação desse mesmo CT. A
diâmetro em D0 do último instrumento usado no CT do ampliação maior de um canal resulta em uma limpeza e
canal radicular. A ampliação do diâmetro do segmento modelagem melhor do que uma ampliação menor (Fig.
apical no CT deve sempre ser maior do que o maior 10-59A a D). Estudos têm revelado que quanto maior o
diâmetro do canal original. A forma final da seção reta diâmetro do preparo apical, maior é a redução do nú-
transversal do segmento apical do canal radicular após mero de bactérias de um canal radicular6,14,62,76,91,108.
seleção do cone principal de guta-percha e conse- O diâmetro em D0 do instrumento indicado deve ser
quentemente permite um selamento da cavidade maior do que o maior diâmetro do canal, para que o
endodôntica satisfatório devido a uma maior com- preparo ao nível do CT tenha a seção reta transversal à
pactação do material obturador no interior da ca- forma circular (Quadro 10-1).
vidade pulpar, independentemente da técnica de Para instrumentos endodônticos de NiTi meca-
obturação empregada. nizados, os de conicidade 0,06mm/mm são indicados
Os diâmetros dos instrumentos endodônticos para os canais retos, os de conicidade 0,04mm/mm
sugeridos para o preparo apical estão fundamentados para os de curvaturas suaves ou moderadas e os de co-
nos resultados das dimensões dos canais radiculares a nicidade 0,02mm/mm para os de curvaturas severas
2mm do ápice anatômico de acordo com Wu et al.114. (Fig. 10-60A a I).
Quadro 10-1 Média dos diâmetros dos canais radiculares a 2mm do ápice anatômico e dos diâmetros em D0 sugeridos
dos instrumentos endodônticos ISO – mm
Superiores
1o Pré-molar
Molares
Inferiores
Molares
A B C
D E F
G H
MANOBRAS ENDODÔNTICAS
Manobras endodônticas são o conjunto de ações
ou de movimentos empregados nas diferentes etapas
da instrumentação de um canal radicular para alcançar
um objetivo desejado.
Escalonamento
Escalonamento é uma manobra onde os segmen-
tos cervical e médio são instrumentados separadamen-
te, ou seja, os instrumentos endodônticos são utilizados
aquém do comprimento de trabalho de um canal radi-
cular. É útil no preparo endodôntico de canais curvos e
de dentes cujas raízes apresentam segmento apical afila-
do. Nesses casos, o emprego de instrumentos de maior
diâmetro e menor flexibilidade, em toda a extensão do Figura 10-61. Escalonamento ápice-coroa.
canal, pode causar uma instrumentação inadequada.
O escalonamento também denominado de ins-
trumentação escalonada pode ser realizado no sentido Escalonamento coroa-ápice
ápice-coroa (step-back) ou coroa-ápice (crown-down) do Neste escalonamento, os instrumentos endodôn-
dente15,46,55,59,60. ticos, em ordem decrescente de diâmetro, avançam
A instrumentação apical antecede o escalonamen- para o interior do canal no sentido coroa-ápice. Tam-
to ápice-coroa e, normalmente, precede o escalonamen- bém pode ser executado com avanços programados
to coroa-ápice. ou determinados pela anatomia do canal radicular
(Fig. 10-62).
Escalonamento ápice-coroa O escalonamento pode ser realizado com ins-
Após a instrumentação apical, os instrumentos, trumentos acionados manualmente ou por disposi-
em ordem crescente de diâmetro, são empregados a tivos mecanizados. Para os primeiros, os movimen-
distâncias progressivamente menores do que o CT. É tos podem ser de limagem e de alargamento parcial
chamado de escalonamento com recuo programado à direita, alargamento parcial alternado ou de alar-
ou telescópico quando a distância existente entre os gamento e limagem. Para os mecanizados, o de alarga-
instrumentos é constante e previamente determinada
pelo profissional. Tal distância, geralmente, é fixada
em 1mm. E é chamado de escalonamento com recuo
anatômico quando essa distância é determinada pela
anatomia do canal radicular e pela flexibilidade do ins-
trumento (Fig. 10-61).
No escalonamento com recuo programado, o ins-
trumento seguinte da série nem sempre apresentará uma
flexibilidade suficiente para atingir o ponto previamente
determinado, e o esforço empregado para alcançar esse
objetivo poderá determinar iatrogenia no preparo. É a
adaptação do canal às propriedades mecânicas do ins-
trumento. Por sua vez, no recuo anatômico, podemos
afirmar que o instrumento endodôntico se adapta às
condições da anatomia do canal radicular. Nesse caso,
o recuo é ditado pela anatomia interna do canal e pela
flexibilidade do instrumento. Assim, a distância entre
um instrumento de diâmetro menor e outro de diâmetro
imediatamente superior não é prefixada46. Figura 10-62. Escalonamento coroa-ápice.
460 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
mento parcial alternado ou contínuo. A forma final desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do
do preparo escalonado favorece a obturação do ca- hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de
nal radicular. Também facilita a remoção parcial da reparação.
obturação do canal para o recebimento de retentores Nos dentes vitais, apesar de o micro-organismo
intrarradiculares. não assumir papel de destaque como nos dentes ne-
crosados, a manutenção do coto pulpar (segmento
Patência do canal cementário tecidual frágil) durante o tratamento endodôntico
constitui tarefa inexequível mecanicamente. Com
É uma manobra que tem como objetivo a manu-
isso, torna-se difícil saber se o tecido corresponden-
tenção do canal cementário desobstruído durante a
te ao coto pulpar ficará necrosado ou normal frente
instrumentação do canal radicular. É obtida com ins-
aos procedimentos endodônticos. Por outro lado, a
trumento de pequeno diâmetro (instrumento patente),
realização da patência do canal cementário, além de
durante toda a pré-instrumentação e mantida durante
evitar a compactação de raspas de dentina na porção
toda a instrumentação do canal radicular. Tendo o ca-
apical do canal, irá favorecer a reparação tecidual
nal cementário a forma de um cone truncado com o
pós-tratamento por meio do tecido do ligamento pe-
maior diâmetro voltado para superfície externa da raiz,
riodontal, que tem melhor estrutura histológica para
a ponta cônica do instrumento deve ser conduzida 0,5
esse fim.
a 1mm além da abertura foraminal. Essa manobra tem
como objetivo manter patente o canal e favorecer a re-
moção de detritos pelo canal helicoidal do instrumento Desgaste anticurvatura
(Fig. 10-63). É uma manobra realizada no segmento cer-
A patência é uma manobra justificada por mo- vical de um canal radicular e consiste no desgaste
tivos biológicos e mecânicos. Nos dentes despolpa- direcionado às zonas volumosas da raiz, ou zonas
dos, micro-organismos e tecido pulpar presentes na de segurança, e distante das delgadas, ou zonas de
porção mais apical do canal radicular (zona crítica risco, onde pode ocorrer adelgaçamento da parede
apical) devem ser reduzidos por meio da ação dos dentinária, ou perfurações radiculares laterais (ras-
instrumentos endodônticos, da ação da solução quí- gos) (Fig. 10-64).
mica auxiliar e pela ação da irrigação/aspiração. A Abou-Rass et al.1 descrevem e recomendam o uso
permanência desses irritantes em segmentos apicais da limagem anticurvatura para o preparo de canais cur-
não instrumentados representa a principal causa do vos e atresiados. A instrumentação em anticurvatura
fracasso da terapia endodôntica. Mesmo que a patên- atua em sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a
cia não elimine completamente os irritantes presen- transportar o canal para as áreas mais volumosas (zona
tes na zona crítica apical devido à sua complexidade de segurança), fugindo, assim, da área de concavidade
anatômica, esse procedimento causa um distúrbio da raiz ou convexidade do canal (zona de risco). Tem
ecológico da microbiota do canal radicular, que pode como objetivo retificar o início do arco (segmento cur-
vo) e ampliar o segmento cervical para facilitar o avan- de 1,05 ± 0,28mm e, na zona de segurança, a espessura
ço de instrumentos endodônticos no sentido apical do foi igual a 1,36 ± 0,24mm.
canal radicular. Os instrumentos de NiTi, em razão do pequeno
Num molar inferior, em sua raiz mesial, o des- módulo de elasticidade da liga (superelasticidade), não
gaste maior será feito contra a parede mesial (oposta são indicados para a realização do desgaste anticurva-
à furca). Na raiz distal, o desgaste maior será feito na tura dos canais radiculares.
parede distal.
O desgaste anticurvatura pode ser realizado com
instrumentos de aço inoxidável (tipo K ou H) e meca-
INSTRUMENTAÇÃO NÃO ESCALONADA
nizados, alargadores Largo e alargadores La Axxess. Também conhecida como convencional, os ins-
Os instrumentos tipo K ou H devem atuar por ação de trumentos endodônticos são utilizados em ordem
limagem, e os mecanizados pelo desgaste de uma pa- crescente de diâmetro em toda a extensão do CT,
rede dentinária obtida pela pressão do instrumento em podendo ser ativados mediante movimento de alar-
anticurvatura. gamento parcial alternado ou contínuo. Essa instru-
Lopes e Costa47, após o alargamento do segmento mentação pode ser realizada com instrumentos en-
cervical do canal com alargador Gates Glidden, empre- dodônticos acionados manualmente, por dispositivos
gam para o desgaste anticurvatura alargador Largo de mecânicos ou pelo uso combinado desses. Os acio-
igual número. Esse, ao ficar livre no interior do seg- nados manualmente são representados pelos ins-
mento preparado, pode ter sua haste de corte helicoi- trumentos tipo K de aço inoxidável e de NiTi. Os
dal cilíndrica direcionada contra a zona de segurança instrumentos endodônticos acionados por dispositi-
do canal radicular. Os alargadores Largo, por apresen- vos mecânicos são representados pelos sistemas de
tarem maior resistência à fratura, maior superfície da instrumentos de NiTi mecanizados.
haste de corte helicoidal e menor capacidade de des- Após a pré-instrumentação, os instrumentos
locamento do corpo sob flexão do que os Gates Glid- devem ser utilizados preferencialmente com o mo-
den, podem ser mais solicitados contra uma parede do vimento de alargamento parcial alternado ou contí-
canal radicular, determinando um desgaste dentiná- nuo em todo o CT. O movimento de limagem deve
rio seletivo. Os alargadores Gates Glidden devem ser ser evitado na instrumentação do segmento apical em
usados para alargar o furo e jamais para direcionar o razão da perda do controle do diâmetro e da forma da
desgaste em direção a uma das paredes dentinárias do seção reta transversal do canal radicular. Durante a
canal radicular. instrumentação, o canal deverá estar preenchido com
Diversos profissionais sugerem que os alargado- a solução química auxiliar indicada para o caso clíni-
res Gates Glidden devem ser empregados no desgaste co. A cada novo instrumento a solução química deve
anticurvatura de segmentos cervicais de canais radicu- ser renovada pela irrigação-aspiração e a patência
lares. Afirmam que durante a tração no sentido coro- do canal mantida. Essa técnica é indicada para a ins-
nário o alargador Gates Glidden deve ser pressionado trumentação de canais radiculares amplos e também
lateral e simultaneamente acompanhado de um movi- como parte da técnica combinada na instrumentação
mento de pincelamento, promovendo o desgaste an- do segmento apical de canais radiculares retilíneos e
ticurvatura de um canal radicular. Todavia, com esse curvilíneos (Fig. 10-65).
procedimento o corpo do instrumento fica submetido
a um carregamento por flexão rotativa que induz a fra-
tura por fadiga do alargador Gates Glidden.
Lim e Stock44 em 1987, analisando o risco de per-
furação das raízes de molares inferiores durante a ins-
trumentação, encontraram os seguintes valores: canal
mesiovestibular – para a zona de risco, a média de es-
pessura encontrada foi de 1,05 ± 0,33mm e, para a zona
de segurança, a espessura média de 1,28 ± 0,23mm; ca-
nal mesiolingual – para a zona de risco, a espessura
média de 1,05 ± 0,24mm e, para a zona de segurança,
espessura média de 1,36 ± 0,20mm. Para os dois casos
foi encontrada uma espessura média na zona de risco Figura 10-65. Instrumentação não escalonada.
462 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
A B
problema principal do emprego de instrumentos me- níquel-titânio. Essa liga confere aos instrumentos endo-
canizados por meio de alargamento contínuo de canais dônticos grande flexibilidade e resistência à deformação
radiculares curvos está relacionado com a flexibilidade plástica. Se fracassaram as tentativas de se acionarem
dos instrumentos endodônticos empregados. por dispositivos mecânicos instrumentos endodônticos
A movimentação por meio de alargamento con- de aço inoxidável, com o advento da liga NiTi isso se
tínuo de um instrumento endodôntico de aço inoxi- tornou uma realidade. Porém, na região de flexão de um
dável em um canal curvo, estando ele em regime de instrumento em rotação contínua, são geradas tensões
deformação plástica (dobrado), induz carregamentos que variam alternadamente entre tração e compressão.
combinados de dobramento alternado e de torção. A Essas tensões, dependendo da velocidade de giro, do
continuidade desses carregamentos induz a fratura do raio de curvatura, do comprimento do arco do canal e
instrumento e/ou a deformação das paredes do canal. do diâmetro do instrumento, podem após um pequeno
Para evitar esses carregamentos em um instru- tempo de uso levá-lo à fratura por fadiga de baixo ciclo
mento, estando ele em rotação contínua no interior de (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos).
um canal radicular curvo, devemos empregá-lo em Instrumentos de aço inoxidável acionados por dis-
regime de deformação elástica e jamais em regime de positivos mecânicos em canais curvos resistem a um pe-
deformação plástica. queno número de ciclos até a fratura por fadiga. Já ao
Avanços tecnológicos têm permitido a confecção de contrário, os instrumentos de NiTi resistem a um maior
instrumentos endodônticos com novas ligas, como as de número de ciclos até ocorrer a fratura por fadiga.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 465
Os instrumentos de NiTi mecanizados, indepen- mento endodôntico é variável ao longo de sua haste
dentemente da marca comercial, são projetados para de corte helicoidal cônica. Portanto, depende do di-
ser utilizados com movimento de alargamento con- âmetro da haste de corte helicoidal cônica próximo
tínuo à direita obtido por micromotores a ar ou por ao ponto de imobilização do instrumento no interior
motores elétricos possuidores de dispositivos mecâ- do canal radicular.
nicos-elétricos que permitem uma baixa velocidade • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e
(250 a 350rpm) e torque de 0,6 a 5 Newton × centíme- os nominais propostos, assim como os defeitos de
tro (N.cm). O torque e a baixa velocidade de rotação acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e micro-
permitem a aplicação de uma força, com intensidade cavidades) existentes nos instrumentos endodônti-
suficiente para os instrumentos vencerem a resistência cos, funcionam como pontos concentradores de ten-
ao corte das paredes dentinárias. são, podendo levá-los a uma fratura prematura com
Os micromotores acionados a ar, em razão da va- níveis de torques abaixo dos previsíveis.
riação de pressão do compressor, conferem aos instru-
mentos endodônticos uma velocidade de rotação osci- Não se pode negar que equipamentos com tor-
lante. O torque utilizado é fixo. Os motores elétricos ques programados ou pré-selecionados para cada
mantêm constante a velocidade de rotação e possuem instrumento endodôntico são um avanço tecnológico.
diferentes valores de torque. Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para
Diversos fabricantes propõem motores elétricos reduzir a ocorrência de fratura por torção de instru-
com diferentes valores de velocidade e de torque. Es- mentos endodônticos mecanizados é sem dúvida man-
ses valores são programados pelo operador ou preesta- tê-los não imobilizados durante a instrumentação do
belecidos pelo fabricante. Nos motores de torque pro- canal radicular, o que é alcançado com conhecimento
gramados pelo operador o valor selecionado deve ficar da geometria dos instrumentos, dos princípios da ins-
aquém do limite de resistência à fratura por torção do trumentação mecanizada e com a habilidade e experi-
instrumento empregado. Nesse caso, é imprescindível ência do profissional.
conhecer o valor do torque máximo de fratura do ins-
trumento empregado. Assim, quando ocorrer a imobi- Dispositivos mecânicos
lização do instrumento acionado a motor no interior
X-SMART – características técnicas
do canal radicular e o carregamento atingir o torque
programado, o giro do motor é interrompido. Sendo • Funciona na eletricidade ou com baterias
o torque programado pelo operador inferior ao limite • Tempo de recarga da bateria: aproximadamente 5
de resistência à fratura por torção do instrumento, são horas
evitadas a sobrecarga e a sua fratura. Outros apare- • Tempo de uso com bateria: aproximadamente 2 horas
lhos oferecem torques preestabelecidos pelo fabrican- • Acompanha um contra-ângulo redutor de 16:1
te. Nesses, quando o carregamento aplicado atingir o • Funciona com ou sem pedal
valor preestabelecido, o giro do instrumento é inter- • Compatível com todos os sistemas de instrumentos
rompido automaticamente. Se o valor preestabelecido mecanizados
pelo fabricante for inferior ao limite de resistência à • Peça de mão com botão liga-desliga. Peso da peça de
fratura por torção do instrumento empregado, evita-se mão de 92g
a ruptura do instrumento. Em muitos motores, após a • Tela de cristal líquido
interrupção do giro à direita, o movimento rotatório é • Autorreverso de giro
revertido à esquerda. • Escala de velocidades para contra-ângulo redutor
A seleção de um torque programado ou preesta- de 16:1. Velocidades de saída: 120 a 800rpm
belecido, aquém do limite de resistência à fratura por • Escala de torque: 0,6 a 5,2 N.cm com 9 torques prees-
torção, é difícil de ser obtida por diversas razões: tabelecidos
• Fabricante: Dentsply, Maillefer, Suíça (Fig. 10-67).
• O operador deve conhecer o valor provável do tor-
que que induziu a fratura de cada instrumento en- ENDO-MAX – características técnicas
dodôntico empregado. Todavia, esses valores não • Painel visual com display numérico para demonstra-
são informados pelos fabricantes. ção da rotação do instrumento
• O torque é uma grandeza relacionada com o raio. • Led indicador do programa para instrumento tipo K
Assim, o torque máximo de fratura de um instru- ou mecanizado
466 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
• Cateterismo final até a distância predeterminada nualmente a cada instrumento empregado na ins-
– Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel trumentação apical
nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial • Segmento intermediário até o término do corpo do
à direita) canal
– Determinação do CPC e CT – Alargadores apicais de NiTi nos 40, 35 e 30 de co-
• Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) nicidade 0,04mm/mm com movimento de alar-
– instrumento tipo K ou especial de aço inoxidá- gamento contínuo.
vel nos 10 e 15 (movimento de alargamento par-
– Checar a patência do canal cementário com ins-
cial à direita)
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
nualmente a cada instrumento empregado na ins-
Instrumentação
trumentação apical
Instrumentos endodônticos utilizados: sistemas
• Segmento apical até o CT
de instrumentos de NiTi (alargadores cervicais e api-
– Alargadores apicais de NiTi nos 20 a 40 e/ou 45
cais) e instrumento tipo K de aço inoxidável.
de conicidades 0,06mm/mm para canais retos;
Acionamento dos instrumentos: alargadores cer-
0,04mm/mm para canais com curvaturas suaves
vicais e apicais por meio de dispositivos mecânicos;
instrumentos tipo K manualmente. ou moderadas e 0,02mm/mm para canais com
curvaturas severas por meio do movimento de
• Segmento cervical até 2/3 do corpo do canal alargamento contínuo.
– Alargadores cervicais de NiTi nos 25/0,08 e 25/0,10 – Checar a patência do canal cementário com ins-
com movimento de alargamento contínuo trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
– Checar a patência do canal cementário com ins- nualmente a cada instrumento empregado na ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- trumentação apical (Fig. 10-70A a D).
A B
C D
Figura 10-70. Casos clínicos realizados pela instrumentação proposta. A. Molares inferiores. B. Molar inferior. C. Molar inferior. D. Molar
superior. (Gentileza do TCel Dent. Ex Chiesa.)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 471
Sistema ProTaper universal. Descrição – Checar a patência do canal cementário com ins-
sumária de instrumentação trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
nualmente a cada instrumento de acabamento
Pré-instrumentação empregado.
Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou
especiais de aço inoxidável A sequência de instrumentos propostos é a mes-
Acionamento dos instrumentos: manual ma para ProTaper Universal versão manual ou meca-
nizada.
• Localização dos canais radiculares Os instrumentos modeladores S1 e S2 em função
– sonda clínica com ponta reta e extremidade pon- das conicidades de suas hastes de corte helicoidais ao
tiaguda serem empregados até o CT realizam automaticamente
• Cateterismo inicial o escalonamento coroa-ápice dos segmentos cervical e
– instrumento tipo K ou especiais (C+File, C Pilot) médio do canal radicular. Esse procedimento promo-
de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm ve uma conicidade uniforme dos segmentos cervical e
(movimento de alargamento parcial à direita) médio e reduz o tempo gasto em comparação ao esca-
• Alargamento cervical inicial lonamento convencional.
– Instrumento tipo K de aço inoxidável nos 8, 30 e 35 A instrumentação do segmento apical é realizada
de 21mm (movimento de alargamento parcial à em ordem crescente de diâmetro em D0 dos instrumen-
direita) tos de acabamento (F1, F2, F3, F4 e F5). Ao alcançarem
• Cateterismo final até a distância predeterminada o CT, os instrumentos devem ser retirados imediata-
– Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel mente do canal radicular.
nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial Para canais com severas curvaturas apicais, a ins-
à direita) trumentação apical deve ser executada com instrumen-
– Determinação do CPC e CT tos acionados manualmente. O diâmetro do instrumento
• Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) de acabamento será selecionado em função do diâmetro
– instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos anatômico do canal radicular a ser instrumentado.
10 e 15 (movimento de alargamento parcial à direita) Durante a instrumentação de um canal radicular
conferimos a patência do canal cementário e realizamos
Instrumentação a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavida-
Instrumentos endodônticos utilizados: sistema de pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo
ProTaper Universal (modeladores e de acabamento) e instrumento e a cada mudança de instrumento.
instrumentos tipo K.
Acionamento dos instrumentos: ProTaper Uni- Instrumentos BioRace. Descrição sumária de
versal por meio de dispositivos mecânicos ou manual- instrumentação
mente; instrumentos tipo K manualmente.
Pré-instrumentação
• Instrumento modelador S1 até o CT Realizada conforme já descrito.
– Checar a patência do canal cementário com ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- Instrumentação
nualmente. A sequência BioRace é baseada no princípio de que
• Instrumento modelador S2 até o CT todos os instrumentos empregados na instrumentação
– Checar a patência do canal cementário com ins- alcancem o CT do canal radicular. Os instrumentos são
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- acionados por dispositivos mecânicos. A velocidade de
nualmente. rotação para obtenção do movimento de alargamento
• Instrumento de acabamento F1 até o CT contínuo é de 500-600rpm.
– Checar a patência do canal cementário com ins-
trumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma- • Segmento cervical
nualmente. – instrumentos BRO de número ISO 25, conicidade
• Instrumentos de acabamento F2, F3, F4 e F5 até o CT 0,08mm/mm e comprimento útil de 19mm.
de acordo com o diâmetro segmento apical do canal A instrumentação deve ser realizada em quatro ci-
radicular clos de pequenos avanços e retrocesso até 4 a 6mm
472 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
da embocadura do canal radicular em sentido ser repetidas até que sejam atingidos os objetivos pla-
apical. nejados. Para os canais amplos, as etapas e manobras
– checar a patência do canal cementário com instru- de instrumentação poderão sofrer alterações quanto à
mento tipo K de aço inoxidável no 15 acionado ma- sequência mencionada. Os diâmetros dos instrumentos
nualmente. serão selecionados em função do diâmetro anatômico
• Instrumentação apical até o CT do canal radicular a ser instrumentado.
A instrumentação deve ser realizada em quatro ci-
clos de avanços e retrocessos de 1 a 3mm até atingir Considerações gerais
o CT
– Instrumento BR1 no 15, conicidade 0,05mm/mm e Abordaremos, a seguir, algumas vantagens e des-
comprimento útil de 25mm. vantagens do emprego de instrumentos mecanizados
– Instrumento BR2 no 25, conicidade 0,04mm/mm e na instrumentação de canais radiculares.
comprimento útil de 25mm.
– Instrumento BR3 no 25, conicidade 0,06mm/mm e Vantagens
comprimento útil de 25mm.
Tempo de instrumentação
– Instrumento BR4 no 35, conicidade 0,04mm/mm e
comprimento útil de 25mm. A instrumentação é considerada a etapa mais
– Instrumento BR5 no 40, conicidade 0,04mm/mm e importante do preparo químico-mecânico e, para sua
comprimento útil de 25mm. execução, certamente mais tempo é consumido. As se-
Para canais radiculares amplos, a instrumenta- quências propostas de instrumentos, além dos objeti-
ção apical até o CT deve ser ampliada empregan- vos principais de limpeza, ampliação e modelagem do
do-se os instrumentos BioRace BR6 e BR7. canal radicular, buscam diminuir o tempo e o esforço
– Instrumento BR6 no 50, conicidade 0,04 mm/mm físico despendidos na instrumentação. O tempo con-
e comprimento útil de 25mm. sumido na execução de qualquer procedimento é um
– Instrumento BR7 no 60, conicidade 0,02 mm/mm fator importante de custo operacional, influenciando,
e comprimento útil de 25mm. assim, a escolha de instrumentais, materiais e técnicas
Para canais radiculares com curvaturas seve- a serem usados no tratamento endodôntico.
ras, o instrumento Bio Race BR3 (25/0,06) não Trabalhos existentes na literatura consultada re-
deve alcançar o CT. A seguir serão empregados velam que o preparo de canais radiculares com ins-
os instrumentos BR4C e BR5C até o CT. trumentos de NiTi mecanizados é significativamente
– Instrumento BR4C no 35, conicidade 0,02mm/mm mais rápido do que o com instrumentos acionados
e comprimento útil de 25mm. manualmente34,69,86. Vale ressaltar que os instrumentos
– Instrumento BR5C no 40, conicidade 0,02mm/mm mecanizados promovem a ação de alargamento contí-
e comprimento útil de 25mm. nuo, girando em seu eixo com velocidade (movimento
– a cada novo instrumento a solução química deve de corte) maior do que a obtida rotacionando os instru-
ser renovada e a patência do canal cementário mentos manualmente. Entretanto, o profissional não
mantida com instrumento K de aço inoxidável no deve estar comprometido com o tempo, mas sim com o
15 acionado manualmente. resultado observado por meio da prosservação do tra-
• Refinamento do corpo do canal. tamento endodôntico realizado.
– lima tipo H ou instrumento K de aço inoxidável
nos 35 e/ou 40 com movimento de limagem cir- Forma de preparo
cundante obtido manualmente aplicado nos seg- Em função da maior conicidade e ação de alarga-
mentos achatados do corpo de um canal radicular. mento dos instrumentos mecanizados, a forma final da
Outra opção é o emprego de aparelhos sônicos e instrumentação de um canal radicular é cônica centra-
ultrassônicos para promoverem a limpeza das da, e de seção reta transversal circular desde que o di-
áreas não instrumentadas dos segmentos achata- âmetro dos instrumentos seja maior do que o diâmetro
dos do corpo de um canal radicular. do canal3,17,18,25,34 (Fig. 10-71).
Os instrumentos endodônticos de conicidades
É preciso ressaltar que o preparo químico-mecâni- maiores apresentam volumes de suas hastes de cor-
co dos canais radiculares é um procedimento dinâmi- te helicoidais maiores do que os de conicidades ISO
co, podendo as etapas e manobras de instrumentação (0,02mm/mm). Consequentemente, aqueles durante
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 473
Quadro 10-3 Dimensões e volumes da parte de trabalho (vol) de instrumentos de NiTi mecanizados e conicidades
0,04 e 0,06mm/mm
de molares inferiores, concluíram que os instrumentos sua forma retilínea original com carregamentos elásti-
de NiTi acionados manualmente e mecanizados apre- cos. Os instrumentos de NiTi, por terem menor módulo
sentaram menor índice de deslocamento do preparo, de elasticidade, são deformados elasticamente com ní-
nos três níveis avaliados, em relação aos de aço inoxi- veis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do
dável; na instrumentação onde os instrumentos eram canal radicular durante a instrumentação.
acionados a motor, o preparo foi mais centrado em re- Lopes et al.56, avaliando a influência do movimen-
lação aos acionado manualmente. to de alargamento contínuo, empregando-se instru-
Com a instrumentação sendo mais centrada, te- mentos ProTaper (Maillerfer), mecanizados, e do movi-
remos com o emprego de instrumentos mecanizados mento de alargamento parcial alternado, empregando-
redução do risco de iatrogenias radiculares na instru- se instrumentos ProTaper (Maillefer), versão manual
mentação de canais curvos. na modelagem do segmento final de canais artificiais
Em relação ao deslocamento apical, os instrumen- curvos, concluíram que não ocorreram diferenças esta-
tos de NiTi, quando comparados aos de aço inoxidável, tísticas significativas após a instrumentação com alar-
causam menor transporte do segmento apical curvo de gamento contínuo ou parcial alternado (versão manual
um canal radicular17,18,49,51,78,115. ou mecanizada).
Lopes et al.51 avaliando os deslocamentos apicais Lopes et al.57, avaliando a influência do movimen-
após a instrumentação de canais mesiovestibulares de to de alargamento contínuo empregando-se instru-
molares inferiores, com o emprego de instrumentos de mentos K3 mecanizados (Sybron Dental Spealties-Kerr,
aço inoxidável K-FlexoFile (Maillefer, Suíça), K-FlexoFi- México) e do movimento de alargamento parcial alter-
le Golden Mediums (Maillefer), NiTi manual, NiTiflex nado obtido por contra-ângulo especial, empregando-
(Maillefer) e os ProFile 0,04 série 29, acionados a motor se instrumentos tipo K de aço inoxidável (FlexoFile,
(Tulsa Dental Products, EUA), concluíram que os ins- Maillefer) e de NiTi (Nitiflex, Maillefer) nos desgastes
trumentos de NiTi exibiram menores valores em relação das paredes do segmento apical curvo de canais artifi-
aos de aço inoxidável e os instrumentos de NiTi, aciona- ciais, concluíram que a natureza da liga metálica (NiTi
dos a motor, exibiram menores valores em relação aos ou aço inoxidável) dos instrumentos endodônticos em-
de NiTi manuais. O deslocamento apical superior dos pregados, assim como o movimento de alargamento
instrumentos de aço inoxidável em relação aos de NiTi contínuo ou parcial alternado gerados por meios me-
pode ser atribuído à maior resistência à deformação do cânicos, estatisticamente, não influenciaram nos resul-
instrumento de aço inoxidável, o qual tende a manter tados obtidos.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares 475
O deslocamento apical da instrumentação dificul- com a pressão unidirecional apical que o instrumento
ta a obturação e o selamento apical do canal radicular. exerce para atingir o comprimento de trabalho durante
A percolação de fluidos oriundos dos tecidos perirradi- a ação de alargamento do canal radicular. A de empre-
culares, via forame apical, pelo espaço existente entre go do sistema ProFile 0,04, série 29, promoveu menor
o material obturador e as paredes do canal, servirá de extrusão de material via forame apical. O desenho dos
substrato para os micro-organismos remanescentes em instrumentos ProFile 0,04, série 29, complementado
regiões do canal de dentes com polpa necrosada e in- pela rotação (300rpm) e pelos avanços de 0,5 a 2mm em
fectada. Consequentemente, esses fatos interferem no sentido apical intercalados por retiradas, induz o corte
êxito do tratamento endodôntico. à remoção do material pela helicoidal do instrumento
em sentido da câmera pulpar. Além disso, o preparo
Extrusão de material do canal via forame apical no sentido coroa-ápice permite que os instrumentos de
A extrusão de material de um canal além do fo- menor diâmetro empregados no preparo apical do ca-
rame apical, como tecido necrótico, micro-organismos, nal radicular exerçam menor pressão unidirecional no
restos pulpares, raspas de dentina e soluções quími- sentido do forame.
cas durante o preparo do canal, pode ser responsável
pelo aparecimento de reações inflamatórias, que cau- Desvantagens
sam dor pós-operatória ou exacerbação de processos Os instrumentos mecanizados, por atuarem em
crônicos preexistentes. A extrusão de material ocorre alargamento contínuo, deixam nos canais com segmen-
em todas as técnicas de instrumentação em maior ou tos achatados áreas não instrumentadas. Isso ocorre
menor quantidade independentemente de um instru- porque, em algumas regiões, o diâmetro do instrumento
mento endodôntico ser acionado manualmente ou por empregado é menor do que o diâmetro do canal, dando
dispositivos mecânicos37,38. ao preparo uma seção reta transversal não circular. Nes-
Lopes et al.50 compararam a quantidade de ma- se caso, é necessário o uso de instrumento de diâmetro
terial extruído por meio do forame apical, após a ins- maior para conferir ao preparo, por meio do movimen-
trumentação dos canais radiculares, com as seguintes to de alargamento contínuo, uma seção reta transversal
técnicas: escalonada ápice-coroa com o movimento de circular contornando todo o circuito anatômico do canal
limagem; escalonada ápice-coroa com movimentos radicular. Todavia, às vezes, a raiz do dente apresenta
de alargamento parcial alternado (oscilatório) e escalo- um diâmetro anatômico que não permite o uso de ins-
nada coroa-ápice com instrumentos dos sistema ProFile trumento de maior diâmetro55 (Fig. 10-72).
0,04, série 29, acionado a motor (Tulsa Dental Products, No que se refere a essa desvantagem, alguns fa-
EUA) com giro contínuo à direita. Em todas as técnicas bricantes e profissionais sugerem que nas áreas polares
empregadas ocorreu extrusão de material por meio do
forame apical. Entretanto, o sistema ProFile 0,04, série
29, foi o que promoveu menor quantidade de material
extruído. Na técnica escalonada, ocorreu maior extru-
são de material via forame apical, devido à ação de
limagem (vaivém) dos instrumentos que atuam como
êmbolo, forçando o material excisado e o líquido em-
pregado como solução química auxiliar para a região
perirradicular. Certamente, a amplitude e a frequência
do movimento de avanço e de retrocesso do instrumen-
to, assim como seu diâmetro, são fatores importantes
na quantidade de material extruído além do forame.
A técnica de movimentos oscilatórios promoveu me-
nor extrusão do material do que a escalonada devido
à modificação dada ao movimento do instrumento. O
movimento oscilatório com rotação alternada dado ao
instrumento possibilita o desgaste das paredes do canal
radicular por alargamento, o que evita constante bom- Figura 10-72. Canal achatado. Diâmetro do instrumento menor do
beamento de detritos para o forame apical. A extrusão que o de um canal achatado. Áreas não instrumentadas. Diâmetro
de material nessa técnica certamente está relacionada anatômico não permite o uso de instrumento de maior diâmetro.
476 Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
de segmentos achatados de canais radiculares os ins- de um canal radicular não é um fator decisivo na sele-
trumentos endodônticos de NiTi mecanizados devem ção de qual modo os instrumentos devem ser aciona-
ser empregados com movimento de pincelamento (es- dos (manual ou a motor).
covagem). Para executar esse movimento, o instrumen- Outra consideração a ser mencionada é a maior
to deve ser submetido às seguintes manobras: rotação incidência de fratura observada nos instrumentos de
contínua à direita, acompanhada simultaneamente de NiTi mecanizados com giro contínuo em relação aos
pressão lateral de encontro às áreas polares de segmen- acionados manualmente durante o preparo de canais
tos achatados, e tração do instrumento no sentido cer- radiculares. A fratura dos instrumentos de NiTi meca-
vical do canal radicular. nizados durante o uso clínico ocorre por torção, flexão
Todavia, devido à superelasticidade da liga NiTi e rotativa e por combinações desses carregamentos (ver
ao ângulo de inclinação das hélices da haste de corte he- Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos). A
licoidal cônica do instrumento endodôntico, a pressão fratura por torção pode ser minimizada pelo empre-
e a tração exercidas podem não alcançar a magnitude go de motores com controle de torque programado
suficiente para induzir o desgaste da dentina radicular pelo operador ou preestabelecido pelo fabricante, téc-
nas áreas polares. Por outro lado, a resistência imposta nica adequada, habilidade e experiência profissional.
pela parede dentinária pode provocar o achatamento Por sua vez, a fratura por flexão em rotação (fadiga de
temporário (deformação elástica) dos vértices das ares- baixo ciclo) é imprevisível e ocorre sem que haja qual-
tas de corte do instrumento, reduzindo ou mesmo não quer aviso prévio. Dependendo do raio de curvatura,
promovendo o desgaste dentinário. Ademais, devido do comprimento do arco do canal e do diâmetro do
ao pequeno ângulo de inclinação das hélices (20 a 30°) instrumento, a fratura por fadiga de baixo ciclo ocorre
das hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumen- após um determinado número de ciclos (velocidade ×
tos de NiTi mecanizados, o movimento de pincelamen- tempo de fratura). O critério clínico adotado de des-
to é incapaz de promover a raspagem (limagem) das carte do instrumento com o objetivo de evitar a fratura
paredes dentinárias de um canal radicular. Além disso, é o número de vezes em que ele é empregado. Toda-
durante o movimento de pincelamento, o instrumen- via, predizer o número de vezes que um instrumento
to endodôntico é submetido desnecessariamente a um endodôntico de NiTi acionado a motor (mecanizado)
carregamento de flexão rotativa que induz na região de pode ser empregado com segurança no preparo de ca-
maior flexão da haste de corte helicoidal cônica do ins- nais radiculares sem ocorrer a fratura por fadiga, não
trumento tensões trativas e compressivas. Consequen- levando em consideração os raios de curvaturas dos
temente, o instrumento é submetido indevidamente canais, os comprimentos dos arcos, os diâmetros, as co-
a um número de ciclos (velocidade × tempo) que é nicidades e as resistências em flexão dos instrumentos
acumulativo. Nessa condição há redução do tempo de endodônticos empregados, é no mínimo uma conduta
vida útil do instrumento por fadiga. Pelas mesmas ra- empírica e incorreta. Em função do exposto, podemos
zões apresentadas os instrumentos de NiTi acionados a afirmar que para maior segurança os instrumentos de
motor não promovem o desgaste anticurvatura de um NiTi acionados a motor devem ser usados uma única
canal radicular. vez e a seguir descartados. Esse procedimento eleva o
Outro aspecto a ser considerado é que o menor custo do tratamento endodôntico realizado por meio
tempo despendido na instrumentação de um canal por de instrumentos acionados a motor, podendo isso ser
meio de instrumentos mecanizados reduz o tempo de considerado como uma desvantagem de seu emprego.
ação da solução química auxiliar, diminuindo suas ati-
vidades solvente e antimicrobiana. Consequentemen-
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Fratura dos
Instrumentos
Capítulo 11
Endodônticos:
Fundamentos
Teóricos e Práticos
Hélio Pereira Lopes
Carlos Nelson Elias
José Freitas Siqueira Jr.
Marcelo Mangelli Decnop Batista
A ocorrência de falhas de um material normal- mento inicia-se em trincas. Trincas são descontinuidades
mente é o resultado de deficiências do projeto, proces- abertas na superfície ou internas, originadas de tensões
samento inadequado dos materiais, deterioração em localizadas, cujos valores excedem o limite de ruptura
uso e operação incorreta pelo homem. do material. Qualquer processo de fratura envolve duas
A análise das fraturas é importante porque per- etapas, a formação (nucleação) e a propagação de trincas,
mite determinar as possíveis causas da falha do ma- em resposta à imposição de uma tensão3,7,13.
terial e, com as informações obtidas, é possível preve- Quanto à direção de propagação das trincas, a
nir novas falhas. Em geral, o problema de fratura está fratura dos materiais cristalinos pode ser classificada
ligado às tensões e deformações altas aplicadas sobre em transgranular e intergranular. Na transgranular, a
o material, quando as mesmas excedem a capacidade trinca se propaga pelo interior dos grãos e, na intergra-
de resistência do material. Embora as causas de falha e nular, a trajetória da trinca é ao longo dos contornos de
comportamento dos materiais possam ser conhecidas, grão, apresentando elevada tortuosidade. Na fratura
a prevenção de falhas é uma condição difícil, mas não intergranular, o material absorve baixa quantidade de
impossível de ser garantida. energia e tende a ocorrer quando os contornos de grão
A fratura dos materiais consiste na separação em são mais frágeis do que a rede cristalina3,30.
duas ou mais partes devido à aplicação de cargas exter- Ao se classificar a fratura em função do estado de
nas. Pode ser induzida pela aplicação de cargas lentas tensão aplicado ao material, considera-se que as ten-
(tração, flexão, torção), pelo impacto, por carregamen- sões trativas produzem fratura por clivagem, ao passo
tos repetidos (fadiga) ou por cargas de baixa intensida- que as tensões cisalhantes induzem fratura por cisalha-
de atuando durante muito tempo (fluência)7,13,30. mento. A tensão compressiva pode levar à nucleação
A resistência à fratura dos materiais depende ba- (iniciação) de trincas, mas não ao seu crescimento para
sicamente das forças de coesão entre seus átomos e da causar fratura3,7,30.
presença de defeitos nos materiais. Não existe material Com o objetivo de caracterizar a morfologia da
sem defeito. Sabendo-se dessa limitação, os materiais são superfície de fratura, ela pode ser considerada como
submetidos aos diferentes ensaios mecânicos para deter- frágil e dúctil3,7,17.
minação de suas propriedades mecânicas e previsão de
seu desempenho. A despeito disso, às vezes, os materiais
podem apresentar fratura com carregamento abaixo do
FRATURA FRÁGIL
seu limite de resistência, obtido em ensaios estáticos. A Esse tipo de fratura se dá sem deformação plás-
fratura dos materiais quando submetidos a um carrega- tica macroscópica. Na fratura considerada frágil, uma
481
482 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A B
trinca se propaga sob carga constante ou decrescente a principalmente inclusões, presentes nas ligas metálicas
uma velocidade que se aproxima da velocidade de pro- comerciais. A formação da superfície de fratura ocorre
pagação do som no material por toda a seção resistente. em três etapas: nucleação, crescimento e coalescência de
A velocidade do som em uma barra de aço é da ordem microcavidades. Como as inclusões possuem proprie-
de 5.200m/s. Geralmente, a fratura frágil é por cliva- dades elásticas e plásticas diferentes do cristal da matriz,
gem, ou seja, a tensão de tração é aplicada perpendicu- elas não acompanham a deformação da matriz. Por sua
larmente ao plano de fratura, com baixa movimentação vez, como a matriz não possui capacidade de se escoar
das discordâncias. A quantidade de energia requerida completamente em torno dessas partículas, é iniciado o
para a propagação da trinca é muito pequena e ocorre processo de falha da interface partícula-matriz mediante
sob tensão inferior à correspondente ao limite de esco-
amento do material. Embora não seja possível detectar
macroscopicamente qualquer deformação plástica do
material, por meio de uma análise no microscópio ele-
trônico de varredura, é possível observar uma pequena
área do metal ou liga metálica com deformação3,7,30,35.
A superfície de fratura frágil dos metais ocorre em
planos cristalinos, é lisa e apresenta brilho. Em ligas fer-
rosas possui coloração cinza-clara. (Fig. 11-1A e B). Um
dos aspectos microscópicos característicos da superfície
de uma fratura frágil é a presença de pequenas irregu-
laridades chamadas marcas de rios (Fig. 11-2). Essas
marcas são oriundas da propagação da fratura ao longo
de planos cristalinos paralelos que se unem formando
degraus que tendem a convergir no sentido da propa-
gação da trinca3,7,17. Na Odontologia, pode-se observar
a fratura frágil nas lâminas de bisturis, nos grampos de
próteses removíveis e nas próteses cerâmicas.
FRATURA DÚCTIL
O processo de fratura dúctil está intimamente rela-
cionado com a presença de partículas de segunda fase, Figura 11-2. Fratura frágil. Marcas de rio.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 483
a nucleação de microcavidades em torno das partículas dimensões nominais e as reais, assim como pontas com
de segunda fase. Com a continuidade do carregamento, formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes.
as microcavidades crescem e em determinado momento A presença de pontos concentradores de tensão
iniciam a coalescência. À medida que ocorre a coales- pode induzir a fratura do instrumento aos níveis in-
cência das microcavidades, há redução da área resis- feriores de tensão dos teoricamente esperados. Além
tente do material, culminando com a fratura. A forma desses concentradores de tensão, durante o preparo
hemisférica ou alongada das microcavidades (dimples), químico-mecânico do canal radicular, os instrumentos
observada no microscópio eletrônico de varredura, de- endodônticos são submetidos a grave estado de tensão e
pende do estado de tensão imposto ao material durante deformação que variam com a anatomia do canal e com
o carregamento. O tamanho dessas cavidades depende a habilidade do profissional. Nessa fase, os instrumen-
das características microestruturais e das propriedades tos sofrem carregamentos extremamente adversos que
mecânicas do material (Fig. 11-3A e B). Quando obser- modificam continuamente a sua resistência à torção, à
vada com pequenos aumentos, apresenta uma superfície flexão rotativa e ao dobramento. Por essa razão, em al-
cinza e rugosa. Nesse tipo de fratura, o material absorve guns casos se observa a falha prematura do instrumen-
grande quantidade de energia e, após a falha, apresenta to, principalmente nos de menores diâmetros25,31,33,35.
deformação plástica macroscópica3,7,17,30. É importante A resistência à fratura é uma das principais pro-
notar que a presença de microcavidades não exclui a priedades mecânicas relacionadas com os instrumen-
possibilidade de a fratura ter ocorrido sem deformação tos endodônticos. A resistência de um instrumento en-
plástica macroscópica, isto é, ser frágil7. dodôntico à fratura é a tensão máxima suportada por
Na Odontologia, esse tipo de fratura pode ser ob- ele antes da fratura.
A fratura dos instrumentos endodônticos pode
servado nos instrumentos endodônticos, fios ortodôn-
ser avaliada e analisada por meio de ensaios mecânicos
ticos e restaurações de ouro.
ou de uso clínico. E ocorre por carregamento de torção,
de dobramento alternado, de flexão rotativa e por suas
FRATURAS DOS INSTRUMENTOS combinações.
ENDODÔNTICOS
Os instrumentos endodônticos, por apresentarem
Ensaios mecânicos
pequenas dimensões, forma complicada e geometria Os ensaios mecânicos são realizados com corpos
com variações bruscas de dimensões, são difíceis de ser de prova ou com produtos no estado como são comer-
produzidos. Assim, durante a fabricação desses instru- cializados ou acabados (instrumentos endodônticos).
mentos são introduzidos em sua haste metálica (corpo Para a realização de um ensaio mecânico é necessário
do instrumento) pontos concentradores de tensão. Esses o uso de máquinas e de equipamentos (dispositivos)
concentradores de tensão são representados por defeitos específicos para cada tipo de ensaio. Cada ensaio me-
de acabamento superficial, variações acentuadas entre as cânico tem um objetivo específico que é realizado para
A B
avaliar e analisar determinadas propriedades mecâni- mensão) dos instrumentos empregados nos ensaios me-
cas dos materiais ou dos produtos acabados (instru- cânicos. Além disso, é aconselhável o uso de uma amos-
mentos endodônticos)13,19. tragem maior de um mínimo de 10 instrumentos13,35.
Os ensaios mecânicos podem ser classificados
quanto ao tempo de aplicação da carga e quanto à inte-
gridade do corpo de prova ou do produto acabado.
Fratura por torção
Ensaios mecânicos quanto ao tempo de aplicação A fratura por torção pode ocorrer nos instrumen-
da carga: tos endodônticos de aço inoxidável e nos de NiTi. Para
ocorrer a fratura por torção é preciso que a ponta do
• Ensaio estático: a carga aplicada é aumentada len- instrumento endodôntico fique imobilizada e na ou-
tamente e o tempo de ensaio é de alguns minutos. tra extremidade (haste de fixação e acionamento ou
Exemplo: ensaio de tração, flexão, torção, dobra- cabo) seja aplicado um torque (força de rotação) su-
mento e compressão. Ensaio estático não significa perior ao limite de resistência à fratura por torção do
que não possam ocorrer movimento e deformação instrumento13,35.
do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. Com a imobilização da ponta do instrumento en-
• Ensaio dinâmico: a carga aumenta bruscamente para dodôntico, a força de rotação (torque) à direita promove
simular um impacto. O ensaio é realizado em alguns a ultrapassagem do limite elástico da liga metálica (NiTi
segundos. Exemplo: ensaio de impacto tipo Charpy ou aço inoxidável) ocasionando uma deformação plásti-
e Izod. ca (distorção) localizada na haste de corte helicoidal cô-
• Ensaio de carga repetida: a carga é cíclica (carregamen- nica do instrumento. Essa deformação plástica aumenta
to e descarregamento alternado) e repetida diversas o encruamento do material (diminuição da plasticidade).
vezes. A repetição cíclica de carga e descarga induz A continuidade do aumento da força de rotação (torque)
a fratura de um corpo de prova ou de um instru- pode ultrapassar o limite de resistência à fratura do ins-
mento endodôntico. trumento endodôntico, provocando a sua ruptura em
duas partes próximo do ponto de imobilização29,32,34.
Ensaios mecânicos quanto à integridade do corpo Torque ou momento de uma força pode ser defini-
de prova ou do instrumento endodôntico: do como o efeito rotatório criado por um carregamento
distante do centro de resistência de um corpo (eixo de
• Ensaios destrutivos: há inutilização parcial ou total rotação do objeto). O carregamento equivalente para
do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. induzir a rotação do corpo pode ser substituído por
Exemplos: ensaio de torção, tração, impacto, fadiga duas forças com sentidos opostos e paralelas ao eixo de
e compressão. rotação (binário). O torque é calculado pela equação:
• Ensaios não destrutivos: mantêm a integridade do cor-
po de prova ou do instrumento endodôntico, utili- Torque = F.R
zados para detectar falhas internas no material ou
para determinar alguma propriedade física. Exem- onde, o R (raio) é a distância entre o ponto de aplicação
plo: ensaio de flexão. da força (F) e o eixo de rotação do corpo (Fig. 11-4).
A força no Sistema Internacional de Unidades é ex- Com os resultados obtidos no ensaio mecânico de
pressa em newton (N), e o torque expresso pela unida- torção é possível prever o desempenho de um instru-
de de força multiplicada pela unidade de comprimento mento endodôntico durante o uso clínico.
(newton × metro). Empregam-se também para a força as No ensaio de torção, muitos fatores como o diâ-
unidades em kgf e gf, e para o comprimento as unidades metro em D0, a conicidade, o desenho do instrumento,
em cm e mm. Existem as relações entre unidades: a área da seção reta transversal, o diâmetro do núcleo,
o processo de fabricação, o acabamento superficial e o
1kgf = 1.000gf = 9,807N sentido da rotação podem influenciar nos parâmetros
avaliados (ângulo e torque máximos em torção)6,45,50,56.
1m = 100cm = 1.000mm = 1.000.000µm = A norma ADA 282 menciona os seguintes valores
1.000.000.000nm para os instrumentos tipo K de aço inoxidável em rela-
ção ao torque e ao ângulo de torção (Quadro 11-1).
A deformação de um material (instrumento endo- Para alguns autores, no ensaio de torção o prin-
dôntico) é denominada elástica quando ela desaparece cipal parâmetro é o ângulo máximo em torção que
após a retirada da força aplicada e plástica quando per- funciona como fator de segurança em relação à fra-
manece após a retirada da força aplicada13,44. tura do instrumento endodôntico5,13,45,47,51. Para Lo-
Limite elástico ou de escoamento é a resistência pes e Elias31,33, quanto maior o ângulo máximo em
máxima de um metal ou liga metálica à deformação torção de um instrumento, maior será a sua defor-
elástica13,35,44. mação elástica e plástica antes de atingir o início da
O encruamento é um mecanismo de aumento da fratura. Esse comportamento do material atua como
resistência mecânica (endurecimento) por deformação um fator de segurança, porque o torque aplicado fi-
plástica a frio. Quanto maior o encruamento, menor a cará aquém do limite de resistência à fratura por tor-
plasticidade da liga metálica, maior a possibilidade de ção do material. A presença de deformação plástica
fratura do material13,35,44. (distorção das hélices) dá um alerta de que uma fra-
A fratura por torção de um instrumento endodôn- tura por torção é iminente, permitindo que medidas
tico pode ser avaliada e analisada por meio de ensaio preventivas sejam tomadas.
mecânico ou de uso clínico. Entretanto, podemos afirmar que a determina-
Para a realização do ensaio mecânico de torção ção do torque máximo em torção fornece ao profis-
é necessário o uso de dispositivos específicos13,47,51. A sional a força máxima que pode ser aplicada ao ins-
imobilização da ponta do instrumento geralmente é trumento endodôntico. Esse valor é fundamental: a)
obtida por meio de uma morsa que apresenta um ba- no estudo comparativo da resistência à fratura por
tente (degrau) de 3mm de profundidade. A força de torção entre os diversos instrumentos endodônticos;
rotação é obtida por meio de dispositivos específicos b) na seleção da liga metálica usada na fabricação
acoplados a uma máquina de ensaio universal6,13,39,51. A do instrumento endodôntico; c) para o ajuste de
partir do ensaio mecânico de torção podemos quanti- motores elétricos que possuem seleção de torques
ficar o ângulo máximo em torção e o torque máximo individuais para cada instrumento acionado a mo-
em torção suportado pelo instrumento endodôntico tor. Nesses motores o torque selecionado deve ficar
em uma determinada condição de carregamento. O ân- aquém do limite de resistência à fratura por torção
gulo máximo em torção (deflexão angular) determina do instrumento utilizado13,35.
o número máximo de voltas que o instrumento endo-
dôntico resiste antes da fratura. Representa a rotação Ângulo máximo em torção ou em rotação
de um instrumento na região elástica e plástica até a Quanto maior a plasticidade da liga metálica,
fratura (deformação de ruptura). Pode ser quantificado maior será o ângulo máximo em torção suportado por
em graus ou número de voltas13,19,47. um instrumento endodôntico. É maior à direita do que
Ângulo máximo de torção em graus = desloca- à esquerda, independentemente da liga metálica e do
mento do fio × 360/2πR. processo de fabricação do instrumento29,32,34,45,47,51. Na
Ângulo máximo de torção em número de volta = rotação à esquerda, há redução homogênea do passo
graus/360. entre as arestas de corte dispostas ao longo da haste
O torque máximo em torção (limite de resistência helicoidal cônica do instrumento. Essa redução do pas-
à fratura em torção) determina a carga máxima que o so promove um estrangulamento da seção reta trans-
instrumento endodôntico resiste antes da fratura. versal que, associado à presença de tensões residuais,
486 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Torque Ângulo
No
gf.mm gf.cm N.mm N.cm graus
é responsável pelo menor ângulo de torção à esquerda por usinagem, os cristais (fibras) alinhados na direção
pelos instrumentos endodônticos. de trefilação do fio metálico são cortados (interrompi-
Considerando-se a natureza da liga metálica e o dos). Esses cortes promovem uma redução do diâme-
processo de fabricação do instrumento, podemos afir- tro do fio metálico (tipo entalhe), associada aos defei-
mar que os de aço inoxidável fabricados por torção tos de acabamento superficial, funciona como pontos
são os que suportam maior rotação à direita. Os ins- concentradores de tensão, induzindo a fratura por
trumentos usinados devido ao menor encruamento torção do instrumento usinado aos níveis inferiores
do material, teoricamente, deveriam apresentar um de tensão dos teoricamente esperados4. Já, ao contrá-
maior ângulo máximo em torção quando comparados rio, nos fabricados por torção não há interrupção das
aos fabricados por torção. Todavia, os ensaios labora- linhas dos cristais (Fig. 11-5A e B).
toriais revelam resultados opostos29,32,51. Certamente, O ângulo máximo em torção é proporcional ao
isso se deve às maiores deficiências de acabamento torque e ao comprimento do instrumento, o que quer
superficial observadas nos instrumentos usinados. dizer que para um instrumento de mesma seção reta
Outro aspecto é que, na fabricação de um instrumento transversal e liga metálica, mas com comprimentos di-
A B
Figura 11-5. Desenho esquemático. Fabricação de instrumentos endodônticos. A. Por torção. Não há corte (interrupção) dos cristais alinha-
dos da liga metálica. B. Por usinagem. Há interrupção dos cristais alinhados.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 487
ferentes, o ângulo de torção será maior para o de maior tro nominal e consequentemente são mais resistentes
comprimento para o mesmo torque13,19. à torção33,35.
Quanto à influência do diâmetro (diâmetro em D0 Experimentalmente, verificou-se que os instru-
e conicidade) de um instrumento endodôntico em rela- mentos endodônticos de aço inoxidável (torcidos e
ção ao ângulo máximo em torção, os resultados encon- usinados) e de NiTi de mesma seção reta transversal,
trados na literatura são conflitantes. Para muitos, o ân- independentemente do sentido de rotação, suportam
gulo máximo em torção antes da fratura diminui com estatisticamente o mesmo carregamento (torque) até a
o aumento do diâmetro4,5,10,36,45. Entretanto, outros estu- fratura47,51.
dos não estabeleceram qualquer relação direta entre os A média da força máxima e do torque máximo até
valores do ângulo máximo em torção antes da fratura e a fratura dos instrumentos K3 de no 25 e conicidade 0,02-
o diâmetro dos instrumentos endodônticos18,54. 0,04 e 0,06mm/mm foi estatisticamente maior para os
A média do ângulo máximo em torção na fratura instrumentos de maior conicidade (Quadro 11-3).
dos instrumentos K3 de 25mm de comprimento e coni- As discrepâncias dos resultados reveladas en-
cidades 0,02-0,04 e 0,06mm foi estatisticamente maior tre os diversos trabalhos podem ser explicadas pelo
para os instrumentos endodônticos de menor conici- fato de que, a despeito de todos os esforços dos fa-
dade (Quadro 11-2). bricantes no intuito de padronizar as dimensões dos
instrumentos endodônticos, há sempre uma varia-
Torque máximo em torção ção entre as dimensões nominais e reais dos ins-
Teoricamente, o torque máximo varia com o di- trumentos de uma mesma numeração. Além disso,
âmetro em D0, com a conicidade e com a área da se- apresentam acabamentos superficiais deficientes,
ção reta transversal dos instrumentos endodônticos. assim como seções reta transversais com formas,
É maior para os instrumentos de maior diâmetro, áreas e núcleos diferentes. Essas variações e defeitos
conicidade e área20,34,45,49,54. Os instrumentos de seção interferem diretamente nos resultados obtidos nos
reta quadrangular apresentam uma área 54% maior ensaios mecânicos desses instrumentos endodônti-
do que os de seção reta triangular de mesmo diâme- cos ou mesmo durante o uso clínico.
Quadro 11-2 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm. Média e desvio padrão (DP) da deformação
em torção (mm). Ângulo máximo em torção na fratura
Quadro 11-3 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm/mm. Média e desvio padrão (DP) da força
máxima e torque máximo até a fratura
Avanços maiores aumentam a área de contato e a re- fixação e acionamento do instrumento para que esse,
sistência de corte da parede dentinária, que poderão no momento da imobilização do instrumento, fique
provocar a imobilização da ponta do instrumento e in- abaixo do limite de resistência à fratura em torção.
duzir um carregamento superior ao seu limite de resis- Para instrumentos acionados manualmente, o
tência à fratura por torção. controle da intensidade do torque aplicado ao cabo
O avanço de um instrumento endodôntico heli- do instrumento durante a instrumentação de um ca-
coidal cônico no interior de um canal radicular depen- nal radicular é um procedimento difícil de ser obtido.
de do comprimento do passo e do ângulo de rotação Sentir o momento de cessar o carregamento de torção,
aplicado ao instrumento endodôntico. O comprimento sem causar deformação plástica ou a fratura do instru-
do passo varia em função do ângulo agudo de incli- mento, fica atrelado ao conhecimento, à habilidade e à
nação das hélices (arestas) de corte. Quanto menor o experiência do profissional. Todavia, podemos afirmar
ângulo de inclinação das hélices, maior o passo. Cada que quanto menor for o ângulo de rotação aplicado ao
volta (360º) corresponde a um passo do instrumento. instrumento, menor será o carregamento a ele aplica-
Para uma mesma rotação, quanto maior o passo, maior do. Quanto menor o diâmetro do instrumento, menor
será o avanço do instrumento no interior de um canal. deve ser o ângulo de rotação aplicado. Clinicamente,
Porém, para instrumentos de mesmo passo, quanto para instrumentos esbeltos, o ângulo de rotação à di-
maior o ângulo de rotação aplicado, maior será o avan- reita deve ser inferior a 45o.
ço do instrumento. Para instrumentos acionados por dispositivos
Para instrumentos acionados manualmente, o mecanizados, o controle da intensidade do torque apli-
controle do avanço se faz por meio do ângulo de rota- cado à haste de fixação e acionamento do instrumento
ção e da força de compressão aplicada ao cabo da fer- durante a instrumentação de um canal radicular pode
ramenta. Para instrumentos de diâmetros pequenos, ser obtido por meio do emprego de motores elétricos
o ângulo de rotação à direita não deve ser superior a que interrompem o giro quando ocorrer a imobilização
45º. Para os de diâmetros maiores, o ângulo de rotação do instrumento no interior do canal radicular. O torque
pode variar de 90 a 120º. preestabelecido pelo fabricante ou programado pelo
Para os instrumentos acionados a motor com giro operador deve ficar aquém do limite máximo de resis-
contínuo à direita de no mínimo cinco voltas por se- tência à fratura por torção do instrumento empregado.
gundo, o controle do avanço durante o uso clínico fica Todavia, preestabelecer ou programar com precisão
relacionado com o carregamento axial (força de com- esses valores é difícil por diversas razões:
pressão) aplicado ao instrumento. Nesse caso, o profis-
sional deve aplicar carga compressiva suficiente para • O operador deve conhecer o valor provável do tor-
promover o avanço do instrumento no interior do ca- que que induz a fratura de cada instrumento endo-
nal não superior a 3mm seguido de um pequeno retro- dôntico empregado. Entretanto, esses valores não
cesso para liberá-lo da ação de corte (packing motion). são informados pelos fabricantes.
• O torque é uma grandeza associada ao raio. Tendo
b) Realizando-se o preparo do canal radicular no a haste de corte helicoidal geometria cônica, o limite
sentido coroa-ápice de resistência à fratura por torção de um instrumento
O alargamento prévio do segmento cervical e mé- endodôntico é variável. Consequentemente, o valor
dio do canal radicular com instrumentos de maior di- do torque é dependente do diâmetro da haste de cor-
âmetro permite que instrumentos de menor diâmetro te helicoidal cônica junto ao ponto de mobilização do
empregados no preparo do segmento apical do canal instrumento no interior de um canal radicular.
fiquem submetidos a um menor carregamento, dimi- • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e
nuindo o esforço necessário para o corte. Ocorrendo a os nominais propostos pelos fabricantes e os defei-
imobilização de um instrumento no interior de um ca- tos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e
nal radicular, o profissional deve retrocedê-lo por tra- microcavidades) existentes nos instrumentos endo-
ção até obter um ligeiro afrouxamento. Essa manobra dônticos funcionam como pontos concentradores de
diminui a resistência de corte da dentina, permitindo a tensão, podendo levá-los a uma fratura prematura
liberação do instrumento empregado. com níveis de torque abaixo dos previsíveis.
Outro recurso para reduzir a fratura de um instru-
mento endodôntico durante o uso clínico é controlar a Para Sattapan et al.48, a fratura por torção ocor-
intensidade do torque aplicado no cabo ou na haste de reu em 55,7% de todos os instrumentos de NiTi fra-
490 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A B
Figura 11-7. Deformação plástica. Reversão do sentido original das hélices. A. Instrumento de NiTi. B. Instrumento de aço inoxidável.
turados durante o uso clínico de rotina. Afirmaram (Fig. 11-7A e B). É mais acentuada para os instrumen-
também que essa fratura é ocasionada pelo aumento tos de aço inoxidável do que para os de NiTi6,32,36,39,48,51.
do carregamento do instrumento em direção apical A fratura por torção ocorre junto ao ponto de
durante o preparo do canal. Em um estudo de WEI et imobilização do instrumento. Independentemente da
al.58, para 100 instrumentos de NiTi fraturados duran- natureza da liga metálica e do processo de fabricação,
te o uso clínico, em 91% dos casos a fratura ocorreu a superfície de fratura apresenta aspecto plano e per-
por flexão rotativa, em 3% por torção e em 6% por sua pendicular ao eixo do instrumento (Figs. 11-8A a D
combinação. e 11-9A e B). Para instrumentos endodônticos tipo K
Segundo Yared et al.60, para profissionais expe- de aço inoxidável fabricados por torção, dependendo
rientes, o uso de motores com torques menores do que do diâmetro máximo do segmento imobilizado, na
o limite de resistência à fratura em torção do instru- rotação à direita, trincas longitudinais podem ser ob-
mento empregado não é importante para reduzir a de- servadas na região de reversão do sentido das hélices.
formação plástica ou a incidência de fratura do instru- Essas trincas, provavelmente, têm origem em inclu-
mento. sões não metálicas existentes no fio da máquina de ori-
A maior desvantagem do uso de instrumentos gem. Com a continuidade do carregamento, as trincas
mecanizados em comparação aos acionados manual- oriundas do processo de fabricação crescem e causam
mente não é a fratura por torção, mas a fratura por fle- a falha do instrumento com características de fratura
xão rotativa (fadiga de baixo ciclo). dilacerada13,29,25,52 (Fig. 11-10A a D).
Não se pode negar que equipamentos com tor- Defeitos de acabamento superficial oriundos do
ques programados pelo operador para acionar os ins- processo de fabricação de instrumentos endodônticos
trumentos endodônticos são um avanço tecnológico. podem atuar como pontos concentradores de tensão.
Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para Esses defeitos induzem a fratura do instrumento du-
se reduzir a ocorrência de fratura por torção de instru- rante o ensaio mecânico de torção ou durante o uso
mentos endodônticos acionados a motor é sem dúvida clínico com carregamentos inferiores ao esperado.
mantê-los não imobilizados durante o preparo do canal Quanto maiores o número e o tamanho dos defeitos de
radicular, o que é alcançado com o conhecimento dos acabamento superficial presentes na haste de corte he-
princípios mecânicos da instrumentação e com técnica licoidal cônica de um instrumento, menor será a tensão
adequada, habilidade e experiência profissional. necessária para determinar a sua fratura.
As superfícies de fratura dos instrumentos endo-
Análise no MEV dônticos fraturados por torção apresentam característi-
Na fratura por torção desencadeada em ensaios cas morfológicas como sendo do tipo dúctil. Na fratura
mecânicos ou em uso clínico há deformação plástica dúctil, a superfície de fratura apresenta microcavida-
da haste de corte helicoidal cônica de um instrumento des com formas hemisféricas ou alongadas. Em alguns
endodôntico. casos, as microcavidades apresentam-se alongadas e
A deformação plástica é acentuada, ocorrendo a rasas, indicando o sentido das tensões impostas no ma-
reversão das hélices em relação ao seu sentido original terial durante o carregamento6,36,39,47,51 (Fig. 11-11).
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 491
A B
A B
Figura 11-9. Fratura de um instrumento endodôntico de aço inoxidável por torção. A. Reversão da hélice original. B. Superfície de fratura
plana e perpendicular ao eixo do instrumento.
Fratura por dobramento alternado um carregamento que se caracteriza por induzir numa
peça (instrumento endodôntico) tensões de compres-
A fratura por dobramento alternado pode ocorrer são em uma parte de sua seção transversal e tensões de
nos instrumentos endodônticos de aço inoxidável. tração na parte oposta13,19,33,35.
Dobramento é a deformação plástica do segmento As tensões trativas localizadas na superfície
reto de um instrumento de seção circular, quadrangu- externa e as tensões compressivas localizadas na
lar, triangular ou outras formas em segmento curvo. É superfície interna do dobramento variam de intensi-
492 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A B
Considerações clínicas
Quando do emprego clínico para dar a forma fi-
nal desejada e adequada à curvatura do canal radicu-
lar, o carregamento de dobramento geralmente é apli-
cado na extremidade e raramente no centro da parte Figura 11-13. Dobramento. Efeito mola ou recuperação elástica do
de trabalho do instrumento endodôntico. Procura-se material dobrado.
494 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
O ângulo de dobramento é maior em canais com pe- mesmo dobrado devido ao efeito mola trabalhe no
quenos raios de curvatura, e a intensidade das ten- interior do canal radicular dentro do regime elástico.
sões de dobramento e desdobramento é maior para Com esses procedimentos reduzimos a possibilidade
instrumentos de diâmetros maiores. de fratura do instrumento e de alteração na forma do
canal radicular33,35.
A movimentação de um instrumento endodônti- É importante ressaltar que a maioria dos profis-
co dobrado durante o preparo de um canal radicular, sionais emprega instrumentos endodônticos de aço
por meio do movimento de limagem, induz carrega- inoxidável de menores diâmetros pré-curvados no
mento alternado de dobramento e desdobramento no preparo de canais curvos e, mesmo assim, o número
segmento dobrado do instrumento. Quanto maio- de fraturas desses instrumentos é reduzido. Isso pode
res a amplitude e a frequência do movimento, maior ser justificado em função de que as curvaturas dos ca-
será a indução de tensões trativas e compressivas na nais radiculares geralmente são suaves e moderadas,
área de dobramento e desdobramento do instrumen- as quais determinam pequenos ângulos de dobramen-
to. No movimento de alargamento (parcial, alternado to dos instrumentos endodônticos. Quanto menor o
ou contínuo) o segmento dobrado não gira no eixo do ângulo de dobramento, menor a indução de tensão
instrumento, mas tende a descrever um círculo ou se- no instrumento endodôntico. Outra justificativa é a de
micírculo com raio igual ao comprimento do segmento que o instrumento endodôntico de pequeno diâmetro
pré-curvado. Todavia, devido à resistência das paredes mesmo após o dobramento mantém suas propriedades
dentinárias e ao pequeno diâmetro dos canais radicu- elásticas (efeito mola).
lares, o giro do segmento pré-curvado do instrumento Assim, ao ser movimentado (limagem, alarga-
é reduzido ou anulado, ocorrendo no ponto crítico de mento parcial à direita ou alternado) no interior de um
dobramento combinações de tensões por torção e por canal radicular, o segmento dobrado do instrumento
dobramento alternado. Esses carregamentos combina- não ficará submetido à deformação plástica (dobra-
dos podem ultrapassar o limite de resistência à fratura mento alternado). Outro aspecto que contribui para
do instrumento endodôntico. Durante o uso clínico a diminuir a incidência de fratura é que o aço inoxidável
fratura geralmente ocorre quando da combinação de empregado na fabricação dos instrumentos endodônti-
tensões (dobramento e torção). cos é classificado como um material dúctil. Esses fatos
Durante o preparo de um canal radicular curvo, reduzem a possibilidade de encruamento e de apare-
para evitar carregamentos de dobramento alternado cimento de trincas na área dobrada do instrumento
isolados ou combinados ao de torção dos instrumen- endodôntico de diâmetro menor. Consequentemente,
tos endodônticos, devemos empregá-los em regime esses instrumentos podem suportar continuamente
de deformação elástica e jamais em regime plástico pequenos esforços de dobramento/desdobramento
(dobrado). Para canais atresiados e curvos, devemos isolados ou combinados ao de torção sem que haja a
empregar instrumentos de aço inoxidável de pequenos ruptura.
diâmetros (nos 8 ao 25) sem pré-curvamento. Em fun-
ção das dimensões e das propriedades mecânicas da
liga de aço empregada, esses instrumentos são dotados
Análise no MEV
de flexibilidade suficiente para acompanhar a curvatu- Na fratura por dobramento alternado ou por do-
ra de um canal radicular. Para instrumentos de maior bramento e torção, há acentuada deformação plástica
diâmetro, devemos empregar os de níquel-titânio, em da haste de corte helicoidal cônica do instrumento en-
função da superelasticidade da liga metálica. Essa pro- dodôntico.
priedade permite que instrumentos de maior diâmetro Na área de dobramento e desdobramento de um
trabalhem em regime elástico mesmo em canais seve- instrumento endodôntico de aço inoxidável, observa-
ramente curvos. Os instrumentos de NiTi raramente mos microtrincas que atuam como pontos de nuclea-
apresentam deformação plástica por dobramento du- ção de fratura. A continuidade de carregamentos alter-
rante a instrumentação de canais radiculares. nados induz o crescimento das microtrincas e a fratura
Nos casos onde o acesso radicular é obtido ape- do instrumento. Independentemente do processo de
nas com o instrumento pré-curvado, o movimento fabricação (torcido ou usinado) do instrumento, a su-
desse por limagem, por alargamento parcial alternado perfície de fratura pode ser plana, quando oriunda da
ou parcial à direita deverá ser de pequena amplitude propagação de uma única trinca, ou apresentar diver-
e baixa frequência, o que permite que o instrumento sos planos, quando a ruptura é oriunda da propagação
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 495
de mais de uma trinca. Geralmente, no segundo caso, Fratura por flexão rotativa
as propagações das trincas ocorrem em sentidos opos-
A fratura por flexão rotativa ocorre quando um
tos e separadas por pequenas distâncias33,35.
instrumento endodôntico gira no interior de um canal
Nos casos em que há tensões combinadas de do-
curvo, estando ele dentro do limite elástico do mate-
bramento e torção, a fratura ocorre junto ao ponto crí-
rial. Na região de flexão rotativa de um instrumento
tico de dobramento do instrumento. A superfície de
endodôntico são induzidas tensões alternadas trativas
fratura geralmente apresenta aspecto dilacerado e se
e compressivas. A repetição dessas tensões promove
observa deformação plástica das hélices do instrumen-
mudanças microestruturais acumulativas que induzem
to (Fig. 11-14A a C).
a nucleação, crescimento, coalescimento de trincas, que
se propagam até a fratura por fadiga do instrumento
endodôntico (Fig. 11-15A e B).
B
C
Figura 11-15. Fratura de um instrumento endodôntico por flexão
Figura 11-14. Fratura de um instrumento endodôntico por dobra- rotativa. A. Instrumento no interior de um canal curvo: (a) tensão
mento e torção. A. Trinca na área dobrada. B e C. Fraturas com su- trativa; (b) tensão compressiva (catálogo VDW – adaptação). B. Trin-
perfícies dilaceradas. cas na superfície do instrumento.
496 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A fadiga é um fenômeno que ocorre quando são gia da superfície de fratura por fadiga apresenta duas
aplicados carregamentos dinâmicos repetidos ou flu- zonas: uma produzida pelo desenvolvimento gradual
tuantes a um material metálico e o mesmo rompe-se e progressivo da trinca; a outra, pela ruptura brusca. A
com uma carga muito menor do que a equivalente à primeira zona se apresenta lisa em razão da iniciação e
sua resistência estática. As tensões necessárias para propagação da trinca, e a segunda (fratura final) como
propagar a trinca são consideravelmente inferiores à se fosse uma fratura dúctil.
tensão capaz de provocar o crescimento da trinca sob Como as trincas de fadiga comumente se ini-
carga monotonicamente crescente e com valores nomi- ciam na superfície do instrumento, é fácil entender a
nais inferiores ao limite de escoamento do material. A importância de que sejam evitados concentradores de
fadiga é importante no sentido de que ela é a maior tensões, entre eles as variações bruscas de dimensões,
causa individual de falhas em metais, sendo estimado presença de ranhuras na superfície e tensões residuais
que ela compreende aproximadamente 90% de todas (internas) oriundas do tratamento mecânico ou térmi-
as falhas metálicas3,15. co. Em consequência, os resultados obtidos nos ensaios
A falha por fadiga pode apresentar características laboratoriais com os corpos de prova da matéria-prima
de natureza frágil, mesmo em metais dúcteis, uma vez usada na fabricação dos instrumentos têm um signifi-
que existem pouca deformação plástica e ausência de cado restrito, sendo essencial a realização dos ensaios
grandes áreas com deformação macroscópica associa- dos instrumentos para se avaliar a influência do aca-
da à falha3,7,13. bamento e do processo de fabricação na resistência à
A fratura por fadiga é considerada de baixo ci- fadiga.
clo quando ocorre abaixo de 104 ciclos. Está associada A fratura por flexão rotativa pode ser avaliada e
a cargas relativamente elevadas que produzem não analisada por meio de ensaio mecânico ou de estudo
somente deformações elásticas, mas também alguma clínico. Na Endodontia é muito estudada, avaliando-se
deformação plástica durante cada ciclo. Consequen- o comportamento de instrumentos de NiTi.
temente, a vida em fadiga é relativamente curta. Para Para a realização do ensaio mecânico é necessário
níveis de tensão mais baixos, onde as deformações são o uso de dispositivos específicos13,21,26,46. O instrumen-
totalmente elásticas, tem-se como resultado a fadiga de to endodôntico gira no interior de um canal artificial
alto ciclo, uma vez que números de ciclos relativamen- curvo com raio de curvatura e comprimento do arco
te grandes são necessários para produzir a falha. A fa- predeterminados (Fig. 11-16A e B). É considerado en-
diga de alto ciclo ocorre acima de 104 ciclos3,7,13. Nesses saio destrutivo, ou seja, é realizado até ocorrer a fra-
casos a vida em fadiga é mais longa. tura do instrumento endodôntico. O canal artificial
A vida em fadiga de um material está relacionada deve possuir diâmetro maior do que o do instrumento
com o número de ciclos necessários para causar a falha a ser ensaiado. O instrumento endodôntico é aciona-
(fratura) em um nível de tensão específico. do a uma velocidade predeterminada, empregando-se
As etapas de ruptura de um material sujeito à fa- um contra-ângulo acoplado a um micromotor elétrico.
diga são, essencialmente, nucleação da trinca, propa- O conjunto canal artificial, contra-ângulo/micromo-
gação da trinca e ruptura da peça ou corpo de prova tor elétrico é fixado em um dispositivo suporte, tendo
(fratura rápida). A nucleação de trincas de fadiga sem- como objetivo principal eliminar a interferência do
pre ocorre na superfície do material. A nucleação da operador na indução de tensões sobre os instrumentos
trinca é sempre lenta e microscópica e depende fun- endodônticos durante o ensaio de flexão rotativa.
damentalmente do acabamento superficial da peça. Na Endodontia, o ensaio de flexão rotativa pode
A presença de defeitos de acabamento superficial ser considerado estático ou dinâmico. É considerado es-
(ranhuras) reduz a duração dessa etapa. Na segunda tático quando um instrumento endodôntico gira no in-
etapa, a propagação da trinca é macroscópica e se dá terior de um canal artificial curvo, permanecendo numa
em incrementos durante cada ciclo de carregamento mesma distância, ou seja, sem deslocamento longitudi-
pela abertura e fechamento consecutivos da trinca, a nal de avanço e retrocesso21,37,46. Quando um instrumen-
qual cresce na direção do seu eixo longitudinal com um to durante o ensaio é movimentado longitudinalmente
certo incremento. A terceira etapa ocorre (fratura final) com avanço e retrocesso, é considerado dinâmico26,59.
quando o comprimento da trinca atinge um tamanho De acordo com Tobushi et al.55, o ensaio de flexão
crítico tal, que a seção resistente fica relativamente pe- rotativa é um método simples e eficaz para determinar
quena, a porção remanescente não pode resistir à carga o comportamento em fadiga dos instrumentos endo-
e a ruptura ocorre repentinamente. Assim, a morfolo- dônticos de NiTi.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 497
A partir do ensaio de flexão rotativa podemos Para Lopes et al.37, mantendo-se a velocidade de
quantificar o número de ciclos que um instrumento en- rotação e o raio de curvatura do arco de um canal cons-
dodôntico é capaz de resistir à fratura por fadiga em tantes, quanto maior o comprimento do arco, maior
uma determinada condição de carregamento. será a tensão induzida na superfície de um instrumento
O número de ciclos é obtido pela multiplicação endodôntico, o que reduz o número de ciclos necessá-
da velocidade de rotação empregada no ensaio pelo rios para causar a sua fratura em fadiga. Os resultados
tempo para ocorrer a fratura do instrumento endo- obtidos por esses autores mostraram que instrumentos
dôntico. É cumulativo e está relacionado com a inten- ProTaper F3 de 25mm de comprimento (Maillefer SA,
sidade das tensões trativas e compressivas impostas na Suíça) girando 250rpm em canais artificiais de 20mm de
região de flexão rotativa do instrumento endodôntico. comprimentos e arcos nas pontas (arco de 9,5mm e arco
A intensidade das tensões é um parâmetro específico de 14mm) com raios de 6mm fraturaram com valor mé-
e está relacionada com o raio de curvatura do canal, o dio de ciclos menor no canal com arco maior (14mm) do
comprimento do arco, o diâmetro e a rigidez do instru- que no canal com arco menor (9,5mm) (Quadro 11-4).
mento empregado. Quanto menor o raio de curvatura Em função dos resultados obtidos podemos
do canal, maiores o comprimento do arco, o diâmetro afirmar que para canais de mesmo raio de curvatura
e a rigidez do instrumento empregado, menor será o o comprimento do arco exerce influência na fratura
número de ciclos até a fratura suportado pelo instru- em fadiga de um instrumento de mesmo número.
mento endodôntico ensaiado21,22,23,37,40,41,46,57,59. Quanto maior o comprimento do arco, menor será o
Para Haikel et al.21, mantendo a velocidade cons- número de ciclos suportado pelo instrumento endo-
tante, quanto menor o raio do canal e maior o diâmetro dôntico até a fratura por fadiga. Isso ocorre porque
do instrumento, maior será a tensão criada na super- no canal com arco maior o ponto máximo de tensão
fície do instrumento, o que aumenta a possibilidade em flexão rotativa está localizado na haste de corte
de sua fratura prematura. Os resultados obtidos por helicoidal cônica do instrumento em uma área de
esses autores mostraram que um instrumento ProFile maior diâmetro. Consequentemente, quanto maior
de NiTi da marca Maillefer (Maillefer SA, Suíça) de no o diâmetro da haste de corte helicoidal cônica de
25 e conicidade 0,04 mm/mm, girando 350rpm em um
canal artificial com curvatura de 5mm de raio, levou o
tempo médio de 105,20 segundos até atingir a fratura Quadro 11-4 Média (desvio padrão) do tempo e do
(no de ciclos = 613,67). Usando o mesmo instrumento e número de ciclos para ocorrer a fratura por fadiga de
aumentando o raio do canal para 10mm, o tempo para instrumentos ProTaper F3
fratura aumentou para 538,20 segundos (no de ciclos
= 3.139,50). Aumentando o diâmetro do instrumento Arco (mm) Tempo (s) No de ciclos
para o no 35, em um canal com raio de 5mm o tempo
9,5 165,3 (1,5) 688,9 (64)
médio até a fratura foi de 94,10 segundos (no de ciclos =
548,92) e em um canal com raio de 10mm foi de 445,60 14,0 72,8 (1,4) 303,5 (60)
segundos (no de ciclos = 2.599,33).
498 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Quadro 11-5 Média e desvio padrão (DP) do tempo (segundo) e do número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) de
instrumentos ProTaper universal
ProTaper F3 ProTaper F4
Velocidade Número de
rpm instrumentos
Tempo(s) NCF (DP) Tempo(s) NCF (DP)
um instrumento endodôntico no ponto máximo de sos maiores promoveram um maior tempo de vida
concentração de tensão (aproximadamente o meio útil (maior número de ciclos) do instrumento endo-
do arco) menor será o número de ciclos até a fratura dôntico de NiTi. Segundo os autores, uma distância
por fadiga do instrumento. de avanço e retrocesso maior no segmento curvo do
Para ensaios de flexão rotativa realizados em canal propiciou ao instrumento endodôntico um in-
uma mesma condição de carregamento, a velocida- tervalo de tempo maior antes que ele passasse no-
de de rotação não tem influência significativa sobre vamente na área crítica de maior concentração de
o número de ciclos para a fratura do instrumento tensão. Essa manobra tem como objetivo evitar a
endodôntico de NiTi mecanizado. Isso porque ve- concentração de tensão em uma determinada área
locidades maiores reduzem o tempo requerido para do instrumento (Quadro 11-6).
alcançar o número de ciclos até a fratura7,8,24,42,46,61. A fratura por fadiga é imprevisível e acontece
Todavia, para outros autores o aumento da ve- sem que haja qualquer aviso prévio. A vida em fadi-
locidade reduz significativamente o número de ci- ga não depende do torque aplicado ao instrumento
clos para a fratura de instrumentos endodônticos de endodôntico, mas do número de ciclos e da intensi-
NiTi mecanizados9,11,12,16,38,60. dade das tensões aplicadas na área flexionada de um
Para Ferreira14, mantendo-se constante a geo- instrumento endodôntico13,35. A fratura por flexão
metria de um canal artificial, o número de ciclos re- rotativa de um instrumento endodôntico no interior
querido para causar a fratura por flexão rotativa de de um canal curvo ocorre no ponto máximo de flexão
instrumentos ProTaper Universal F3 e F4 foi influen- da haste de corte helicoidal cônica do instrumento,
ciado pela velocidade de rotação (Quadro 11-5). localizada próximo ao ponto médio do arco36,46.
Os resultados desse quadro mostraram que o Para ocorrer a fratura por flexão rotativa du-
número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) foi rante o uso clínico é necessário que o instrumento
maior para os instrumentos de menor diâmetro (F3) e endodôntico gire dentro do limite elástico do mate-
diminuiu com o aumento da velocidade de rotação.
Para Eggeler et al.12, o efeito da velocidade de
rotação na fratura de um corpo de prova de NiTi Quadro 11-6 Valores médios e desvio padrão (DP) do
está relacionado com a produção de calor durante tempo de fratura (segundos) para cada distância de
a formação da martensita induzida por tensão. Para avanço e retrocesso em três rotações diferentes em
formar a martensita, a interface austenita-martensita canal curvo (45º)26
tem que se mover, e esse movimento dissipa energia
e produz calor. Velocidades maiores produzem mais Velocidade
calor que velocidades menores e com isso aumenta Avanço
200rpm 300rpm 400rpm
mais rapidamente a temperatura do corpo de prova,
que leva ao rápido aumento da tensão na superfície, 0 118 (11,6) 103 (15,6) 58 (13,2)
fazendo com que a fratura por fadiga ocorra preco-
cemente. 1 152 (14,3) 122 (30) 92 (14,7)
Li Uei-Ming et al.26, por meio de ensaio mecâni-
2 166 (19,2) 134 (43,8) 102 (21)
co de flexão rotativa dinâmico empregando a mes-
ma velocidade de avanço e retrocesso (1mm/s) em 3 200 (58,7) 143 (8,8) 118 (33,6)
canais curvos, observaram que avanços e retroces-
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 499
rial no interior de um canal radicular curvo. O uso dodôntico de NiTi fica submetido desnecessariamente
clínico para avaliar a fratura por fadiga de instru- a um carregamento de flexão rotativa que induz ten-
mentos endodônticos submetidos a flexão rotativa sões trativas e compressivas na região de maior flexão
no interior de canais radiculares curvos é de valor da haste de corte helicoidal cônica. Consequentemente,
mecânico irrelevante. Isso porque, devido a uma o instrumento é submetido indevidamente a um nú-
grande diversidade anatômica dos canais radicula- mero de ciclos acumulativo, reduzindo a sua vida útil
res e das variáveis advindas dos operadores, torna- à fadiga.
se impossível controlar com segurança o número de Outra maneira de se reduzir a fratura por fadiga
ciclos e a intensidade das tensões na região de flexão é por meio do descarte preventivo do instrumento an-
rotativa do instrumento endodôntico empregado na tes de ele alcançar o limite de vida em fadiga. Todavia,
instrumentação de canais radiculares. esse procedimento eleva o custo do tratamento endo-
Assim, predizer o número de canais radicula- dôntico, podendo ser considerado como uma desvan-
res em que um instrumento endodôntico de NiTi tagem.
mecanizado pode ser empregado com segurança
sem ocorrer a fratura por fadiga, não levando em Análise no MEV
consideração os raios de curvaturas dos canais, os
Na ruptura por flexão rotativa de um instrumento
comprimentos dos arcos, os diâmetros, as conici-
de NiTi mecanizado, a superfície de fratura pode ser
dades e as resistências em flexão dos instrumentos
plana, quando oriunda da propagação de uma única
endodônticos empregados, é no mínimo uma con-
trinca, ou apresentar diversos planos, quando a ruptu-
duta empírica e incorreta. Porém, o estudo clínico
ra é oriunda da propagação de mais de uma trinca (Fig.
é importante para descrever procedimentos técnicos
11-17A e B). No segundo caso, a propagação das trincas
capazes de aumentar a vida útil (vida em fadiga) de
um instrumento endodôntico quando submetido à
flexão rotativa no interior de um canal radicular, as-
sim como propor condutas clínicas diante de casos
com fragmentos de instrumentos endodônticos reti-
dos no interior de um canal radicular.
Recomendações clínicas para reduzir a incidên-
cia de fratura por flexão rotativa de um instrumento
endodôntico durante a instrumentação de um canal
radicular:
A B
Figura 11-19. Fratura por flexão rotativa com característica dúctil. A. Fratura dúctil. Presença de trincas junto das ranhuras. B. Fratura dúctil.
Presença de microcavidades com formas variadas.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 501
A B
C D
E F
Figura 11-20A a F. Defeitos de acabamento superficial. Trincas nas depressões das ranhuras.
sendo o instrumento pressionado lateralmente de en- tro e a configuração geométrica (raio de concordância)
contro a uma parede dentinária (pincelamento). têm por objetivo concentrar as tensões de torção e/ou
O intermediário dos alargadores Gates Glidden flexão rotativa junto à haste de fixação, o que pode ser
e Largo não apresenta uma forma cilíndrica, mas sua- observado em ensaios mecânicos ou durante o uso clí-
vemente cônica, com menor diâmetro junto à haste de nico de instrumentação de um canal radicular. A ten-
fixação (raio de concordância). Essa variação de diâme- são induzida nessa região pode ultrapassar o limite de
502 Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
B
Largo no 1 244,76 (15,59) 215,53 (3,18)
Figura 11-22. Fratura junto ao raio de concordância. A. Alargado- Largo no 2 305,95 (13,78) 323,32 (22,41)
res Gates Glidden. B. Alargadores Largo.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos 503
Os alargadores Gates Glidden não devem ser 2. American Dental Association. Specification no 28. Root canal
files and reamers, type K for hand use. Amer Dent Ass June,
pressionados lateralmente durante o uso clínico com
1988.
o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias 3. Callister Jr. WD. Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Intro-
ou mesmo no desgaste anticurvatura. A maior causa dução. 5a ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científi-
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Ao serem pressionados e movimentados du- 1996; 29: 185-9.
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nados a motor. RBO, 2002; 59: 197-9.
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Endod, 2001; 27: 93-5.
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Pela mesma justificativa mencionada sempre of rotational speed on the breakage of nickel-titanium rotary
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A flexibilidade é maior para instrumentos de maior alloys. Mat Scien Eng, 2004; 378: 24-33.
comprimento. Isso ocorre porque para instrumentos 13. Elias CN, Lopes HP. Materiais dentários. Ensaios mecânicos.
São Paulo: Livraria Santos, 2007.
de maior comprimento o carregamento necessário 14. Ferreira AAP. Influência da velocidade de rotação, do diâ-
para induzir a flexão é menor do que para instru- metro e da flexibilidade no número de ciclos para ocorrer
mentos mais curtos. Consequentemente, como o car- a fratura por flexão rotativa de instrumentos endodônticos.
Dissertação de Mestrado – Universidade Estácio de Sá. Rio
regamento para induzir a flexão de um instrumento de Janeiro, 2008: 96.
mais longo é menor, a probabilidade de ele fraturar 15. Fuchs HO, Stephens RI. Metal fatigue in engineering. New
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deformação elástica). 17. Gall K, Yang N, Sehitoglu H, Chumlyakov YI. Fracture of
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A fratura dos instrumentos endodônticos 109: 189-207.
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Capítulo 12
Acidentes e
Complicações em
Endodontia
507
508 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
permitindo que a ponta pré-encurvada do instrumento várias seções. Nos casos de necrose pulpar é recomen-
deslize na parede do canal radicular frontal ao defeito. dável o emprego de medicação intracanal antecedendo
Quanto mais próximo do cervical estiver localizado o a obturação. Nesses casos, o êxito do tratamento de-
degrau, maior será a possibilidade de ultrapassá-lo. pende de quanto a porção apical do canal foi preparada
Vencido o degrau, o instrumento endodôntico antes da formação do degrau. A probabilidade de falha
deve trabalhar com movimento de alargamento parcial do tratamento endodôntico aumenta quando o degrau
à direita combinado ao de limagem até alcançar liber- é criado antes de uma adequada limpeza e modelagem
dade junto às paredes do canal radicular. No desloca- do segmento apical do canal radicular. Evidências de
mento longitudinal de retrocesso do instrumento em fracasso podem indicar a necessidade de tratamento
sentido cervical a ponta não deve ultrapassar o degrau cirúrgico.
para evitar a perda da trajetória apical do canal. Se o
degrau não for ultrapassado, instrumenta-se e obtura- Transporte apical
se o canal até esse degrau (Fig. 12-3). Uma avaliação
Transporte ou desvio apical é a mudança do tra-
clínica e radiográfica periódica é necessária. Canais
jeto de um canal radicular curvo em seu segmento
infectados podem comprometer o resultado do trata-
apical. Ocorre devido a um desgaste progressivo da
mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a
parede externa de um canal radicular curvo (conve-
intervenção cirúrgica é indicada.
xa da raiz) na região apical. A forma do preparo na
Nos casos de biopulpectomia realiza-se a obtura-
região apical adquire o aspecto de ampulheta tam-
ção imediata do canal radicular preferencialmente com
bém mencionada como pata de elefante. A seção reta
guta-percha termoplastificada e cimento, procedimen-
transversal obtida nessa região mostra a forma de
to esse que tem como objetivo evitar a contaminação
uma gota.
do canal que pode ocorrer em tratamento realizado em
Quando o desvio apical permanece na massa
dentinária junto ao comprimento de trabalho sem se
exteriorizar, é denominado transporte apical interno.
Todavia, quando o desvio apical alcança o comprimen-
to de patência e modifica a forma original do forame,
é denominado transporte apical externo ou zip. Nesse
caso, o forame apical original é rasgado. O zip é identi-
ficado pela hemorragia persistente na região apical do
canal radicular (Fig. 12-4).
Para alguns autores5,10,38, zip é o transporte apical 30, devemos empregar instrumentos de diâmetros
interno no preparo de canais radiculares curvos. Con- maiores fabricados com liga NiTi. Os instrumen-
tudo, segundo o Glossário da American Association of tos endodônticos de NiTi apresentam flexibilidade
Endodontics1, zip é o transporte apical externo, ou seja, o 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa pro-
forame apical original é rasgado. priedade permite que esses instrumentos durante a
O transporte apical no preparo de um canal ra- instrumentação acompanhem a curvatura do canal
dicular curvo basicamente ocorre devido ao emprego com facilidade, impedindo ou minimizando o trans-
do movimento de limagem e ao de instrumentos en- porte apical. Os instrumentos endodônticos de NiTi,
dodônticos rígidos. No movimento de limagem o des- por terem menor módulo de elasticidade, são defor-
gaste é direcionado à parede externa do canal (conve- mados elasticamente com níveis inferiores de tensão
xa da raiz) independentemente de o instrumento estar e acompanham a curvatura do canal radicular du-
ou não pré-curvado e da vontade do operador. Quan- rante a instrumentação.
to maiores a amplitude e a frequência do movimento, • Ao emprego do movimento de alargamento.
bem como do diâmetro e da rigidez do instrumento, Alargamento é um processo mecânico de usi-
maior será o deslocamento da parede externa do canal nagem destinado a aumentar por meio de corte o
radicular (convexa da raiz) em relação à sua posição diâmetro de um furo cônico (canal radicular) pree-
original. O valor do transporte também está relacio- xistente. Para que ocorra o alargamento é necessário
nado com a dureza da dentina e o raio de curvatura que o instrumento trabalhe justamente no interior
do canal radicular. Quanto menor a dureza da dentina do furo, ou seja, o diâmetro do instrumento propor-
em relação à dureza da liga metálica do instrumento, cionalmente deve ser maior do que o do furo (canal).
maior será o transporte apical. Também, quanto me- No movimento de alargamento, o profissional para
nor o raio de curvatura de um canal radicular, maior alargar o furo (canal) exerce uma certa pressão no
será o transporte apical. Quanto à rigidez do instru- instrumento endodôntico em sentido apical, impri-
mento, quando ela é aumentada, a força de oposição mindo-lhe uma rotação à direita. Consequentemen-
da parede dentinária externa do canal radicular curvo te, nesse tipo de movimento, o corte das paredes de
(convexa da raiz) não é suficiente para manter o pre- um canal radicular é uniforme e não direcionado a
paro centrado. Nesses casos há um maior desgaste da uma parede.
parede externa do segmento curvo do canal determi-
nando o transporte apical. Outro aspecto importante é O movimento de limagem não deve ser empre-
que a passagem da base da ponta para a haste de corte gado na instrumentação apical de um canal radicu-
helicoidal cônica dos instrumentos deve ser por meio lar. Quando empregado, devido à impossibilidade de
de uma curva de transição e não de um ângulo obtuso se controlar a força lateral aplicada no instrumento,
denominado ângulo de transição, o qual, associado à à frequência e à amplitude do movimento, perde-se
rigidez do instrumento, provoca acentuado desloca- o controle do desgaste das paredes do canal, alteran-
mento apical durante a instrumentação de canais ra- do a sua forma final. Geralmente, a forma do preparo
diculares curvos. é irregular e desviada na região apical em direção à
O mecanismo para a formação de um transporte parede externa do canal radicular (transporte api-
apical interno ou externo é o mesmo, a diferença reside cal). Essas alterações dificultam a seleção do cone de
na posição da extremidade apical do instrumento en- guta-percha principal, assim como a compactação e
dodôntico em relação à abertura do forame apical na a manutenção do limite apical da obturação do canal
parede radicular externa. radicular (Fig. 12-5).
A prevenção da formação de um transporte apical A maioria dos autores5,10,38 indica o dobramento
durante a instrumentação de um canal radicular curvo (pré-curvamento) principalmente nos 3 a 4mm apicais
está condicionada: de um instrumento endodôntico de aço inoxidável em-
pregado na instrumentação de canais radiculares cur-
• Ao uso de instrumentos de maior elasticidade (fle- vos com o objetivo de evitar o transporte apical. Toda-
xibilidade). via, os instrumentos de aço inoxidável jamais deveriam
Para canais radiculares com segmentos curvos ser pré-curvados quando empregados na instrumenta-
após a instrumentação apical, correspondente a um ção de canais radiculares curvos, seja pelo movimento
instrumento endodôntico tipo K de aço inoxidá- de alargamento, seja pelo movimento de limagem21.
vel, de seção reta transversal triangular de no 25 ou Isso porque, ao ser movimentado, o instrumento tende
512 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Subinstrumentação
Subinstrumentação é o preparo do canal radicular
às técnicas de compactação da guta-percha termoplas-
aquém do limite apical de instrumentação estimado. O
tificada.
instrumento endodôntico não atua em toda a extensão
Para os casos de transporte apical externo (zip), a
do comprimento de trabalho do canal radicular5,21.
manutenção do material obturador no interior do canal
As causas mais comuns para ocorrência da su-
é problemática, ocorrendo frequentemente o extravasa-
binstrumentação são:
mento. Nesses casos é aconselhável o emprego do tam-
pão apical na obturação do canal radicular (Fig. 12-7A
• Erros na determinação do comprimento de patência
e B) (ver Capítulo 16, Obturação de canais radiculares).
e de trabalho;
• Movimento de limagem;
Sobreinstrumentação • Obstrução do segmento apical do canal radicular
A sobreinstrumentação, também denominada por detritos oriundos da instrumentação;
arrombamento do forame apical, é a instrumentação • Deficiente volume de solução química auxiliar
do canal até ou além da abertura foraminal. Descui- presente no interior do canal durante a instru-
dos na determinação e manutenção do comprimento mentação;
de trabalho podem levar à sobreinstrumentação do • Deficiente frequência de irrigação-aspiração e inun-
canal radicular com o arrombamento do forame api- dação do canal radicular;
cal. Esse tipo de acidente ocorre em canais radicula- • Não manutenção da patência do canal cementário
res retilíneos. Em canais radiculares curvos o arrom- durante a instrumentação do canal radicular;
bamento do forame apical é chamado de transporte • O uso prolongado de instrumentos endodônticos
apical externo (zip)21. com canal helicoidal de pequena profundidade.
514 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
A B
Figura 12-8. Sobreinstrumentação. Casos clínicos. A. Emprego do tampão apical na obturação do canal radicular. B. Sobreinstrumentação
acompanhada de sobreobturação (raiz mesial).
Dentre essas causas destacamos a patência do ca- gar. O instrumento é posicionado na gaze a partir do
nal cementário, o movimento de limagem e a profundi- intermediário e a seguir girado à esquerda. Após a
dade do canal helicoidal. limpeza, o instrumento é examinado e descartado caso
A manutenção do canal cementário desobstruído tenha ocorrido deformação plástica em sua haste de
durante a instrumentação de um canal radicular é realiza- corte helicoidal cônica. A cada retirada do instrumento
da com instrumento de pequeno diâmetro (instrumento devem ser realizadas uma abundante irrigação-aspira-
patente) utilizado durante a pré-instrumentação do canal ção e uma inundação do canal radicular.
e reutilizado até o forame, durante a instrumentação, para A desobstrução do segmento apical do canal radi-
evitar a sua obliteração pelo depósito de detritos resul- cular é realizada com instrumentos endodônticos tipo
tantes do preparo do canal. Mantida a patência do canal K de aço inoxidável. Esses devem apresentar: resistên-
cementário, não haverá subinstrumentação. cia à flexocompressão; de preferência ponta, com pe-
O movimento de limagem com amplitude supe- queno ângulo (menor que 75º) e vértice pontiagudo. O
rior a 2mm e frequência alta, estando o instrumento instrumento deve ser empregado com o movimento de
justo no interior do canal, desloca maior volume de alargamento parcial à direita, estando o canal radicular
detrito em sentido apical do canal radicular. Estando o preenchido com solução química auxiliar (hipoclorito
limite apical de instrumentação aquém da abertura do de sódio). Irrigação-aspiração abundante favorece a
forame haverá obstrução do segmento apical do canal manobra de desobstrução. A desobstrução do segmen-
radicular. to apical é tarefa fácil para canais retos, onde o canal
Outro fator importante a ser analisado é a profun- cementário tem a mesma direção do dentinário. Para
didade do canal helicoidal do instrumento. Canal heli- canais curvos essa manobra tende a levar à criação de
coidal é o canal da haste de corte helicoidal do instru- um falso canal ou mesmo de uma perfuração radicular
mento formado pelas superfícies adjacentes às arestas apical. Se a obstrução não for vencida, instrumenta-se
laterais de corte (hélices). Serve para transportar resí- o canal até ela (Fig. 12-9A e B). Uma avaliação clínica e
duos e para a entrada da substância química auxiliar radiográfica periódica é necessária. Canais infectados
da instrumentação em sentido apical do canal radicu- podem comprometer o resultado do tratamento endo-
lar. Quanto menor o núcleo de um instrumento, maior dôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção
a profundidade de seu canal helicoidal. O uso de ins- cirúrgica é necessária.
trumentos com pouca profundidade do canal helicoi- A recomendação de uso de soluções quelantes
dal pode favorecer o bloqueio apical do canal radicular para facilitar a desobstrução apical de canais radicu-
devido à dificuldade de remoção de detritos oriundos lares não procede. Isso porque o volume de solução
do preparo e à dificuldade de permitir a passagem da quelante é pequeno devido às dimensões exíguas dos
solução química auxiliar. Para superar essa deficiência canais radiculares; a área de contato da solução que-
o instrumento deve ser retirado mais frequentemente lante com o material obliterador é reduzida e a solução
do interior do canal radicular e limpo por meio de um quelante tem dificuldade em fluir (penetrar) no mate-
pedaço de gaze seguro pelos dedos indicador e pole- rial obliterante do segmento apical do canal radicular.
Acidentes e Complicações em Endodontia 515
A B
Figura 12-9. Subinstrumentação. Casos clínicos. A. Desobstrução do canal radicular obtida. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Desobstrução
não obtida.
A B
Figura 12-10. Falso canal. A. Trajetória original retomada. B. Trajetória original do canal não retomada (raiz mesial).
516 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
O torque máximo de fratura de um instrumento maior diâmetro, devemos empregar os de aço inoxidá-
durante o uso clínico depende da anatomia do canal ra- vel de seção reta transversal triangular ou de níquel-ti-
dicular. Para a fratura de um instrumento imobilizado tânio. Essas características geométricas e a flexibilidade
em um segmento reto, é maior do que em um segmen- permitem que os instrumentos de maiores diâmetros
to curvo de um canal radicular. Quanto menor o raio trabalhem no limite elástico mesmo em canais grave-
de curvatura, menor o torque necessário para induzir a mente curvos.
fratura do instrumento endodôntico. Em um canal cur- Nos casos onde o acesso apical é obtido apenas
vo, o instrumento é submetido a carregamentos combi- com o instrumento pré-curvado, o deslocamento line-
nados de flexão ou dobramento e de torção. Essa con- ar durante o movimento de limagem ou o ângulo de
dição é mais grave do que a observada quando o ins- rotação durante o movimento de alargamento deverá
trumento é submetido a um carregamento isolado19,20. ser de pequena amplitude e de baixa frequência. Esse
Na fratura por torção, a ruptura ocorre junto ao procedimento induz menor nível de tensão no instru-
ponto de imobilização do instrumento, ou seja, o compri- mento, o que permite que o instrumento de pequeno
mento do segmento fraturado corresponde ao com- diâmetro mesmo dobrado devido ao efeito mola tra-
primento do segmento imobilizado. A superfície da balhe por limagem ou alargamento no interior de um
fratura geralmente apresenta aspecto plano e perpen- canal radicular, dentro do limite elástico, reduzindo a
dicular ao eixo do instrumento. Em algumas condições possibilidade de sua fratura19,21.
de carregamento a superfície de fratura apresenta as- A fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo)
pecto dilacerado. Na fratura por torção sempre há de- é observada nos instrumentos endodônticos de NiTi
formação plástica da haste de corte helicoidal cônica acionados a motor e ocorre quando esses instrumentos
do instrumento endodôntico19,20. giram no interior de um canal radicular curvo. Na re-
A fratura por dobramento ocorre quando um gião de flexão de um instrumento em rotação contínua
instrumento endodôntico de aço inoxidável dobrado são geradas tensões que variam alternadamente entre
é movimentado no interior de um canal radicular. No tração e compressão. Essas tensões promovem mudan-
movimento de limagem na área dobrada de um instru- ças microestruturais acumulativas que podem levar o
mento endodôntico de aço inoxidável, tensões trativas instrumento à fratura por fadiga. A fratura é imprevisí-
são observadas na superfície externa e tensões com- vel, pois acontece sem que haja qualquer aviso prévio e
pressivas na superfície interna. Com a repetição cíclica não depende do valor do torque aplicado11,19,26,32.
do dobramento e desdobramento surgem trincas na A resistência de um instrumento endodôntico à
área dobrada, as quais se propagam até a fratura do fratura por fadiga é quantificada pelo número de ciclos
instrumento endodôntico20. que ele é capaz de resistir em uma determinada con-
No movimento de alargamento com rotação par- dição de carregamento. O número de ciclos é obtido
cial à direita ou com rotação parcial oscilatória, o seg- pela multiplicação do tempo para ocorrer a fratura pela
mento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas velocidade de rotação empregada no ensaio mecânico.
tende a descrever um arco com raio igual ao compri- É acumulativo e está relacionado com a intensidade
mento do segmento pré-curvado. Devido à resistência das tensões trativas e compressivas impostas na região
das paredes do canal o deslocamento do segmento de flexão rotativa de um instrumento. A intensidade
pré-curvado do instrumento é reduzido, ocorrendo das tensões é um parâmetro específico e está relacio-
no ponto crítico de dobramento concentração de ten- nada com o raio de curvatura do canal, o comprimento
são por torção. Esses carregamentos de dobramento do arco e o diâmetro do instrumento empregado26,32.
alternado e de torção combinados podem ultrapassar o Quanto menor o raio de curvatura do canal e maiores
limite de resistência do material, conduzindo o instru- o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento
mento à fratura. A superfície da fratura pode ser plana empregado, maior será a incidência de fratura por fa-
ou dilacerada20. diga do instrumento endodôntico, ou seja, menor será
A fratura por dobramento pode ser evitada, em- a vida útil do instrumento26.
pregando-se no preparo de canais radiculares curvos A fratura por fadiga de um instrumento sub-
instrumentos endodônticos no limite elástico e jamais metido a flexão rotativa no interior do canal curvo
no limite plástico. Para canais atresiados e curvos, ocorre no ponto médio do comprimento do arco do
devemos empregar instrumentos de aço inoxidável canal. Isso ocorre porque o ponto máximo de con-
de pequenos diâmetros e seção reta transversal qua- centração de tensão na haste de corte helicoidal cô-
drangular sem pré-curvamento. Para instrumentos de nica de um instrumento endodôntico, submetido à
518 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
flexão rotativa, está situado próximo ao ponto médio • Diâmetro do canal é maior do que o diâmetro do
do comprimento do arco. Na fratura por fadiga não fragmento metálico.
ocorre deformação plástica da haste de corte helicoi- Isso é observado quando o instrumento é fratura-
dal cônica do instrumento. A superfície da fratura do em segmentos achatados de canais radiculares.
pode ser plana, quando oriunda da propagação de • Diâmetro do canal igual ao diâmetro do fragmento
uma única trinca, ou apresentar degraus, quando metálico.
oriunda da propagação de várias trincas em planos Isso é observado quando o instrumento é fraturado
paralelos26,32. em segmentos de canais radiculares com seção circu-
Durante o uso clínico, devido à grande diversi- lar. Nesse caso, a ultrapassagem fica condicionada ao
dade anatômica dos canais radiculares, é impossível comprimento do fragmento metálico, à profundidade
determinar com segurança o número de ciclos de car- do canal helicoidal e ao ângulo agudo de inclinação
regamento e a intensidade das tensões na região de fle- das hélices da haste de corte do instrumento. Quanto
xão de um instrumento endodôntico acionado a motor. à profundidade do canal helicoidal, é importante que
Consequentemente, informar o número de vezes que seja acentuada, criando um espaço entre as paredes
um instrumento de NiTi acionado a motor pode ser do canal radicular e do canal helicoidal capaz de per-
empregado no preparo de canais radiculares curvos é mitir a passagem de um instrumento endodôntico
uma afirmação empírica e incorreta. Todavia, algumas delgado e flexível. Quanto ao comprimento do frag-
das seguintes recomendações clínicas podem reduzir a mento metálico, a ultrapassagem fica condicionada
incidência de fratura por flexão rotativa de instrumen- ao comprimento do canal helicoidal e ao ângulo de
tos endodônticos: inclinação da hélice. Quanto menor o ângulo de incli-
nação da hélice e o comprimento do canal helicoidal
• permanecer o menor tempo possível com o instru- contidos no fragmento metálico, maior a facilidade
mento girando no interior de um canal curvo; de ultrapassagem de um instrumento endodôntico
• manter o instrumento no interior de um canal curvo através do canal helicoidal do fragmento metálico.
em constante avanço e retrocesso em sentido apical
(pecking motion); A ultrapassagem por fragmentos de iguais com-
• não flambar (aplicar força axial) o instrumento no primentos de uma lima Hedstrom é mais difícil de
interior de um canal radicular; acontecer do que a de um instrumento tipo K. Isto ocor-
• quanto menor o raio de curvatura do canal e maior re porque para as limas Hedstrom o ângulo agudo da
o comprimento do arco, menor deverá ser a conici- hélice é de 65° enquanto para os instrumentos do tipo
dade do instrumento empregado; Kerr é de no máximo 45°. Além disso, as limas Heds-
• durante movimento de retrocesso, não pressionar trom apresentam apenas um canal helicoidal, enquan-
lateralmente (pincelamento) o instrumento contra to os instrumentos tipo K possuem três ou quatro.
as paredes dos canais radiculares; Para a tentativa de ultrapassagem do fragmen-
• descartar preventivamente o instrumento antes de to de um instrumento fraturado, inicialmente se deve
ele alcançar o limite de vida em fadiga. procurar ampliar o diâmetro do canal até o nível do
fragmento metálico. A seguir, com um instrumento de
Para a resolução clínica de um instrumento fratu- aço inoxidável tipo K no 8 ou 10 procura-se encontrar
rado existem quatro opções: um espaço entre o fragmento metálico e a parede do
canal radicular. Uma vez encontrado, com movimento
• ultrapassagem e remoção do fragmento via coro- de exploração cauteloso de avanço em sentido apical
nária; e de retrocesso em sentido cervical, procura-se ultra-
• ultrapassagem e não remoção do fragmento; passar o fragmento metálico. O avanço e o retrocesso
• não ultrapassagem do fragmento; devem ser curtos, procurando evitar a imobilização
• remoção cirúrgica do fragmento. do instrumento, o que poderia induzir a sua fratura.
Avanços maiores também podem determinar a criação
Ultrapassagem e remoção do fragmento do de degraus ou de perfurações radiculares.
instrumento fraturado A radiografia nesse momento é muito importante
A ultrapassagem pelo fragmento do instrumento para se detectarem possíveis desvios do canal radicu-
fraturado é dependente das condições anatômicas do lar e, no caso de ter ultrapassado o fragmento metálico,
canal radicular: definir o comprimento de patência e de trabalho.
Acidentes e Complicações em Endodontia 519
• Do tipo de fratura
A remoção de um fragmento de um instrumento
fraturado por torção é muito mais difícil de se con-
cretizar do que diante de uma fratura por fadiga ou
por dobramento alternado. Isso ocorre porque na
fratura por torção o segmento fraturado do instru-
mento está imobilizado no interior do canal radicu-
lar, enquanto na fratura por fadiga ou dobramento,
teoricamente, está em liberdade.
• Da anatomia do canal radicular
A remoção de um fragmento de um instrumento
fraturado em um canal radicular achatado e reto é
mais provável de ocorrer do que em um canal cir-
cular e curvo. Quanto menor o raio de curvatura de
Figura 12-12. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fra-
um canal radicular, menor a possibilidade de ultra- turado de uma expiral Lentulo.
passagem e de remoção do fragmento metálico.
O Masserann Kit é um sistema para a remoção de mento fraturado do instrumento, expondo-a em uma
fragmento metálico (instrumentos fraturados, cones extensão que permita a sua apreensão pelo extrator. Se-
de prata) composto de um dilatador de canal, semelhan- lecionado o extrator aplicam-se uma ou duas gotas de
te a um alargador Gates Glidden, um trépano oco e um Super Bonder em sua extremidade oca, levando-o de
dispositivo de apreensão. Inicialmente, com o dilatador, encontro ao fragmento metálico. Após alguns minutos
amplia-se o segmento do canal radicular até a proximi- para que a cola endureça, o extrator é removido por
dade do fragmento metálico. Com o trépano oco, que tração (Fig. 12-14A a C).
tem sua extremidade serrilhada, procura-se desgastar a O Masserann Kit e o Endo Extrator também po-
dentina ao redor do fragmento metálico, expondo-o em dem ser usados na remoção de cones de prata e pinos
uma extensão tal, que permita sua apreensão. A seguir, metálicos presentes no interior de um canal radicular.
o dispositivo de apreensão (extrator) é posicionado no Todavia, pelo desgaste acentuado que provocam na
canal com o objetivo de apreender o fragmento metáli- dentina e pela rigidez do material empregado na fa-
co. Obtida a apreensão, o conjunto extrator e fragmento bricação dos instrumentos componentes dos sistemas,
é tracionado em sentido cervical do canal radicular. têm emprego muito limitado, sendo recomendados
Outro sistema empregado para a remoção do apenas para canais radiculares retos ou segmentos re-
segmento fraturado de um instrumento endodôntico é tos de canais curvos e raízes dentárias volumosas.
o Endo Extrator. Esse sistema é composto por alarga-
dores Gates Glidden, trépano oco e extrator. É usado Ultrapassagem e não remoção do segmento
de modo semelhante ao Masserann Kit. Após ampliar fraturado do instrumento
o canal até o fragmento metálico, com o trépano oco Nas situações em que se consegue ultrapassar o
procura-se desgastar em volta da extremidade do seg- segmento fraturado do instrumento e não se consegue
A C
Figura 12-14. Instrumento fraturado com a extremidade além do forame apical. A. Tentativa de remoção fracassada (manual e ultrassônica).
B. Utilização de um cone de guta-percha com a ponta amolecida para rastrear a posição do fragmento metálico em relação às paredes do
canal. C. Remoção do fragmento metálico com agulha metálica e Super Bonder. Obturação do canal.
Acidentes e Complicações em Endodontia 521
removê-lo, instrumenta-se o canal radicular e realiza-se rado, podem não ser possíveis a ultrapassagem e con-
a sua obturação. O material obturador sepulta o frag- sequentemente a sua remoção.
mento do instrumento no interior do canal radicular, A dificuldade de ultrapassagem é maior quan-
uma vez que a sua permanência não interfere no resul- do a seção reta transversal do canal é circular e a
tado do tratamento endodôntico (Figs. 12-15 e 12-16). seção reta transversal do instrumento revela canal
Nos casos em que a extremidade do segmento fra- helicoidal pouco profundo. Também o ângulo agudo
turado do instrumento ultrapassar o forame apical, a de inclinação das hélices e o comprimento do canal
sua não remoção, principalmente nos casos de dentes helicoidal contidos no fragmento metálico podem
infectados, pode comprometer o resultado do trata- interferir, ou seja, quanto maior o ângulo de inclina-
mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a ção da hélice e do comprimento do canal helicoidal,
intervenção cirúrgica é indicada. maior a dificuldade de ultrapassagem pelo canal he-
licoidal do segmento fraturado do instrumento en-
Não ultrapassagem do segmento fraturado do dodôntico.
instrumento A tentativa de ultrapassagem pelo canal helicoi-
Dependendo da forma da seção reta transversal dal pode determinar desvios, fratura do instrumento
do canal radicular e do instrumento endodôntico fratu- empregado e, na insistência, a perfuração radicular.
Figura 12-17. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do segmento fraturado. Controle de 5 anos.
No caso de não ultrapassagem, o canal radicular é antimicrobiana. Nesse caso, se a fratura do instrumento
preparado até o nível do segmento fraturado do instru- ocorreu após o canal ter sido esvaziado, o prognóstico
mento, executando-se, então, a obturação. É importan- é mais favorável do que se a fratura ocorreu no início
te usar como solução química auxiliar hipoclorito de do esvaziamento.
sódio com concentração mínima de 2,5% de cloro ativo. Spili et al.35 analisaram o impacto da permanência
Para a obturação do canal radicular, devemos dar prio- de um instrumento endodôntico fraturado no interior
ridade à técnica da compactação da guta-percha termo- de um canal radicular no resultado de um tratamen-
plastificada (Figs. 12-17 e 12-18). to endodôntico realizado. Foram avaliados 277 dentes
As condições do tecido pulpar do canal, além do contendo um ou mais fragmentos de instrumentos (to-
segmento fraturado do instrumento, terão influência tal = 301 fragmentos). Desses, 235 (78,1%) eram de ins-
direta no resultado do tratamento endodôntico. A pos- trumentos de NiTi mecanizados, 48 (15,9%) de instru-
sibilidade de sucesso é maior nos casos de polpa viva mentos manuais de aço inoxidável, 12 (4%) de expiral
e em canais já preparados. Nos casos de necrose, é im- Lentulo e 6 (2%) de espaçadores endodônticos digitais.
portante usar uma medicação intracanal com atividade Quanto à localização do fragmento, 1 (0,5%) estava no
segmento cervical, 57 (18,9%) no segmento médio, 232
(77,1%) no segmento apical e em 11 (3,7%) a extremida-
de do fragmento estava além do forame apical. Quanto
à condição perirradicular, 153 (52,2%) dos dentes eram
portadores de lesão perirradicular pré-operatória en-
quanto 124 (44,8%) não tinham lesão perirradicular. No
estudo de controle foram avaliados, um grupo de 146
dentes com instrumento fraturado retido no interior do
canal e outro de 146 dentes, controle equiparado (sem
a presença de instrumento fraturado). O percentual de
sucesso foi de 91,8% para o grupo contendo instrumen-
to fraturado e de 94,5% para o grupo controle equipa-
rado. Para ambos os grupos o percentual de sucesso foi
de 86,7% para dentes portadores de lesão perirradicu-
lar pré-operatória, contra 92,9% para dentes não porta-
Figura 12-18. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do seg- dores de lesão perirradicular. Finalizando, concluíram
mento fraturado. Controle de 4 anos. que a permanência de um instrumento fraturado no in-
Acidentes e Complicações em Endodontia 523
nados lateralmente durante o uso clínico17,21. Nos casos ções vão implodindo-as, sendo removidas em flocos,
onde o procedimento clínico fracassou podemos optar reduzindo o risco de perfurações.
pela resolução cirúrgica. Didaticamente as perfurações coronárias podem
ser classificadas em supragengivais, subgengivais – su-
Perfurações endodônticas praósseas e intraósseas.
Dependendo do nível da crista óssea e do grau de des- radiográfico. Após esse procedimento o local não deve
truição do osso na área da perfuração, pode-se instalar ser irrigado para evitar o deslocamento do material. O
um processo endoperiodontal determinando uma bol- tratamento endodôntico deverá ser realizado em uma
sa periodontal5,6. próxima intervenção.
Junto a esses eventos, o cemento e a dentina adja- Nos casos onde a perfuração coronária intraós-
centes à área da perfuração poderão se apresentar com sea está localizada muito próximo da embocadura de
variado grau de reabsorção. Outra possibilidade é que canal radicular torna-se difícil realizar e manter o pre-
os restos epiteliais de Malassez que circundam a raiz enchimento definitivo da comunicação durante o tra-
sejam estimulados, podendo dar origem a um cisto5,6. tamento endodôntico subsequente desse canal. Nesses
Uma vez reconhecida e localizada a perfuração casos, recomendamos o preenchimento temporário da
coronária intraóssea, essa deverá ser fechada o mais perfuração preferencialmente com sufato de cálcio ou
rápido possível. O não selamento da perfuração per- pasta de hidróxido de cálcio com veículo viscoso (glice-
mite a infiltração de fluidos bucais para o interior da rina ou polietilenoglicol) que serão removidos e substi-
cavidade pulpar, que favorece o desenvolvimento mi- tuídos pelo material selador definitivo (pasta L&C ou
crobiano responsável pela indução e manutenção do MTA) após a obturação do canal radicular. Os demais
processo inflamatório. canais do dente poderão ser tratados na mesma sessão
Nos casos em que a perfuração ocorre e não há ou em outras subsequentes.
contaminação da área, o selamento do defeito deve ser Nos casos onde após a perfuração coronária in-
realizado imediatamente após o acidente e se possível traóssea se observa hemorragia intensa, a perfuração
antes mesmo de dar continuidade ao tratamento endo- deve ser preenchida com sulfato de cálcio ou com pasta
dôntico. de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolú-
Vários materiais podem ser empregados no fe- vel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar
chamento das perfurações intraósseas. Dentre eles des- superficialmente o tecido junto à área da perfuração.
tacamos a pasta L&C (Dentisply, Brasil) e o MTA (Den- Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se o
tisply, Suíça, ou Angelus Odonto, Logika Ind. de Prod. selamento da perfuração com as opções mencionadas.
Odontológica Ltda., Londrina, PR)3,4,12,27,34,36. Quando ocorrer contaminação da área intraóssea,
Nesses casos recomendamos que o local da per- a destruição tecidual geralmente é extensa e pode de-
furação seja limpo com abundante irrigação-aspiração senvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o
(hipoclorito de sódio a 1%), e se necessário a remoção uso de solução química representada pelo hipoclorito
de resíduos com auxílio de curetas. Cessada a hemor- de sódio a 2,5% de cloro ativo, remover mecanicamen-
ragia, sendo o diâmetro da perfuração pequeno, ime- te por meio de instrumentos endodônticos ou curetas o
diatamente colocamos a pasta L&C ou o MTA. Após material ou tecido contaminado presente na perfuração,
secagem com pontas de papel absorvente, o material é sendo as vezes necessário ampliá-la. Usar uma medica-
levado com um instrumento adequado (curetas, espá- ção com efetiva atividade antimicrobiana (pasta HIPG)
tula Hollenback ou calcadores de cimento) na perfura- (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debelados os
ção e, a seguir, compactado, sendo o excesso removi- sinais e sintomas do processo infeccioso, procede-se ao
do. Em casos de perfurações amplas, devemos evitar selamento da perfuração (Fig. 12-21). Dependendo das
o extravasamento do material de preenchimento da condições anatômicas, quando o tratamento proposto
perfuração para dentro do espaço periodontal. Nesses fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica.
casos podemos recorrer a uma matriz (barreira) interna Outra opção de tratamento para as perfurações
colocada no fundo da perfuração para controlar a he- coronárias intraósseas é o seu preenchimento com pas-
morragia e prevenir a sobreobturação. O hidróxido de tas à base de hidróxido de cálcio. Essas devem ser reno-
cálcio na forma de pó ou associado a um veículo aquo- vadas até ocorrer o selamento biológico da perfuração.
so ou viscoso pode ser empregado. Outro material em- Obtida a formação de um tecido mineralizado que sela
pregado é o sulfato de cálcio31,39. Esses materiais funcio- a perfuração, a pasta de hidróxido de cálcio é removi-
nam como uma barreira mecânica, são bem tolerados da. A seguir, procede-se à obturação do canal radicu-
pelos tecidos e reabsorvidos lentamente, permitindo lar e ao preenchimento da cavidade pulpar de modo
posteriormente o contato do tecido conjuntivo com o semelhante ao descritos anteriormente. Essa proposta
material de preenchimento (pasta L&C ou MTA). A co- terapêutica pouco utilizada na clínica tem como incon-
locação e a compactação do material de preenchimen- veniente retardar a restauração definitiva do dente.
to na perfuração devem ser comprovadas pelo exame Isso pode favorecer a contaminação da perfuração e do
526 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
A B
Figura 12-24. Perfuração radicular média. Ausência de contaminação. Selamento imediato da perfuração com pasta L&C. A. Parede interna
da raiz mesial do molar inferior. B. Parede distal da raiz do incisivo lateral.
Geralmente, são provocadas por instrumentos endo- Nos casos onde após a perfuração radicular se ob-
dônticos tipo K de aço inoxidável. Devemos evitar o serva hemorragia intensa, a cavidade pulpar e o defeito
emprego de instrumentos com pontas cônicas pira- devem ser preenchidos com sulfato de cálcio ou pasta
midais e com vértices pontiagudos. Para canais com de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolú-
segmentos apicais curvos, instrumentos de maiores vel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar
diâmetros deverão ser de NiTi em substituição aos superficialmente o tecido junto à área da perfuração.
de aço inoxidável. Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se a
Nas perfurações radiculares apicais, a retoma- obturação do canal e da perfuração com uma das op-
da da trajetória do canal original é uma tarefa bas- ções mencionadas.
tante difícil de ser alcançada. Nos casos onde foram Quando ocorre contaminação da área radicular
possíveis a remoção das obstruções e a retomada da perfurada, a destruição tecidual geralmente é extensa e
trajetória do canal original, a perfuração radicular pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é neces-
apical será considerada e tratada como sendo um ca- sário o uso de solução química auxiliar da instrumen-
nal secundário de um sistema de canais radiculares. tação representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de
Não havendo contaminação, a obturação do canal cloro ativo. Se possível, remover mecanicamente por
deverá ser realizada imediatamente após o preparo meio de instrumentos endodônticos o material con-
químico-mecânico. Sendo a perfuração ampla, deve- taminado presente na perfuração, preparar o canal
mos substituir os cimentos à base de óxido de zinco- radicular até o comprimento de trabalho mantendo o
eugenol pelos cimentos Sealapex, AH-plus ou pela canal cementário desobstruído e usar uma medicação
pasta L&C. intracanal com efetiva atividade antimicrobiana (pasta
A não remoção da obstrução e a não retomada da HIPG) (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debela-
trajetória do canal original podem ser desfavoráveis ao dos os sinais e sintomas, procede-se ao preenchimen-
resultado do tratamento endodôntico, principalmente to da perfuração e à obturação do canal radicular de
nos dentes portadores de lesão perirradicular. Nesses modo semelhante aos já descritos. Quando o tratamen-
casos a opção cirúrgica é de prognóstico bastante fa- to proposto fracassar, pode-se optar pela resolução ci-
vorável. rúrgica (Fig. 12-27).
Figura 12-27. Perfuração radicular apical. Área da perfuração contaminada. Lado esquerdo. Perfuração da parede distal da raiz do pré-molar
superior. Presença de instrumentos fraturados. Centro. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Lado direito. Controle de 2 anos.
(Gentileza de RC Morais.)
530 Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
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Substâncias
Químicas
Capítulo 13
Empregadas no
Preparo dos
Canais Radiculares
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Carlos Nelson Elias
O preparo químico-mecânico tem como objetivo promover a dissolução de tecidos orgânicos vivos ou
promover a limpeza, a ampliação e a modelagem do ca- necrosados, a eliminação ou máxima redução possível
nal radicular. A ampliação e a modelagem do canal radi- de micro-organismos, a lubrificação, a quelação de íons
cular são obtidas exclusivamente pelo desgaste de suas cálcio e a suspensão de detritos oriundos da instrumen-
paredes dentinárias por meio da ação mecânica dos ins- tação. Devem apresentar propriedades físicas e quími-
trumentos endodônticos. A ampliação e a modelagem cas que as qualifiquem para esses objetivos. São usadas
obedecem a uma forma cônica cujo maior diâmetro está durante a instrumentação dos canais radiculares, de-
voltado para cervical e o menor para apical. A limpeza é sempenhando ações químicas e físicas, concomitante-
lograda pela somatória de diferentes eventos: pela ação mente, com a ação mecânica dos instrumentos endo-
mecânica dos instrumentos endodônticos junto às pare- dônticos. Também são usadas após a instrumentação
des internas do canal radicular; pela ação das substân- para remover das paredes do canal radicular a smear
cias químicas auxiliares sobre os componentes (tecidos layer. Podem ser empregadas em forma de solução lí-
orgânicos, inorgânicos e micro-organismos) presentes quida, de creme ou de gel. Geralmente, são utilizadas
no interior do sistema de canais radiculares e completa- em forma de soluções líquidas.
da pela irrigação-aspiração que, às expensas da energia Uma solução é formada pela adição de um ou
cinética do jato, da turbulência criada e do refluxo da mais solutos ao solvente. Em uma solução o soluto é
corrente líquida (solução irrigadora), arrasta para fora o disperso, e o solvente, o dispersante. O estado físico
do canal radicular os resíduos oriundos desses eventos. do solvente é que determina o estado físico da solução.
Do exposto, as substâncias químicas podem ser Em Endodontia se empregam soluções líquidas, onde
empregadas no preparo dos canais radiculares como au- o solvente é sempre um líquido, e o soluto, um sólido,
xiliares da instrumentação e como soluções irrigadoras. um líquido ou um gás.
A escolha da substância química para uma dessas fun-
ções depende de suas propriedades físicas e químicas.
Requisitos
Tensão superficial
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS AUXILIARES
Em um líquido, as forças de atração entre as molé-
DA INSTRUMENTAÇÃO culas da superfície são maiores que as do interior. Isso
As substâncias químicas auxiliares são emprega- ocorre porque, no interior do líquido, as moléculas es-
das no interior do canal radicular com os objetivos de tão cercadas por outras e, na superfície, há uma região
531
532 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
de contato com o meio exterior. A superfície do líquido No Quadro 13-1 apresentamos os valores da tensão su-
se comporta como uma película elástica, que tende a perficial de algumas substâncias químicas empregadas
minimizar sua área superficial. A essa película se atri- na Endodontia58,94,97,116,164.
buem as forças de tensão superficial. Existem substâncias que, em solução, são capazes
A tensão superficial é uma propriedade carac- de reduzir a tensão superficial de outras. São os agen-
terística de cada líquido, variando com a temperatu- tes tensoativos, entre os quais se incluem os detergen-
ra e com o tipo de superfície contatada. Por exemplo, tes e o hipoclorito de sódio.
a água a 20ºC possui tensão superficial igual a 72,75 Os sólidos exercem força de atração sobre as mo-
dinas/cm, em contato com o ar, e 21 dinas/cm, em léculas dos líquidos. Quando essa força é maior do que
contato com óleo de oliva12. Para Santos130, a solução a tensão superficial do líquido, ocorre o molhamento
de hipoclorito de sódio a 2,5%, a 24ºC, possui tensão ou umectação daqueles pelo líquido, o que não ocorre
superficial de 76 dinas/cm e a 37ºC de 70,3 dinas/cm. quando a força de atração é menor. Essa interação tam-
patologias pulpoperirradiculares75. A infecção do ca- Todavia, é preciso ressaltar que as dimensões dos
nal radicular é usualmente mista e semiespecífica, com canais radiculares são exíguas e o volume de solução
predomínio de bactérias anaeróbias estritas, as quais quelante empregado é pequeno. Além do mais, há di-
correspondem a mais de 90% dos isolados161. Assim, no ficuldade física para essas soluções preencherem os ca-
tratamento endodôntico, a limpeza e a desinfecção dos nais radiculares em sua plenitude. Em decorrência, é
sistemas de canais radiculares são importantes, sendo lícito supor que a eficiência das soluções quelantes na
logradas pela ação mecânica dos instrumentos, pela quelação de dentina durante instrumentação de canais
ação antimicrobiana das soluções químicas auxiliares atresiados é questionável, sob o ponto de vista clínico.
da instrumentação e pelo fluxo e refluxo da solução ir- Possivelmente, os resultados favoráveis obtidos estão
rigadora. relacionados com a ação lubrificante e não com a ação
Vários estudos demonstraram que o emprego de quelante da solução química.
substâncias químicas dotadas de atividade antimicrobia- Segundo Walton e Rivera178, os agentes quelantes
na, durante o preparo dos canais radiculares, exerce um não revelam resultados satisfatórios quanto à ação de
efeito significativo na eliminação de bactérias19,72,150,152. descalcificação, principalmente em canais atresiados.
Assim, enquanto uma solução desprovida de ação an- Tal fato se deve à pequena velocidade da reação quími-
timicrobiana (por exemplo, água destilada, soro fisioló- ca, provavelmente menos eficiente que a ação cortante
gico) exerceria apenas um efeito de lubrificação e a sus- dos instrumentos endodônticos. Não existe evidência
pensão de detritos oriundos do preparo do canal radi- de que os agentes quelantes empregados durante a ins-
cular, a solução que reconhecidamente possui atividade trumentação de canais atresiados reduzam a dureza da
antimicrobiana teria um efeito adicional, representado dentina ou removam, de modo suficiente, as obstruções
pela eliminação ou máxima redução de micro-organis- do canal para permitir a passagem do instrumento.
mos não removidos mecanicamente. Após a instrumentação dos canais radiculares
recomenda-se o uso de quelantes para a remoção da
Atividade quelante smear layer presente nas paredes dentinárias do canal.
Os quelantes usados em Endodontia são substân- Todavia, não há por parte dos pesquisadores consenso
cias orgânicas que removem íons cálcio da dentina, fi- quanto à necessidade da remoção da smear layer após o
xando-os quimicamente. O mecanismo de desminera- preparo dos canais radiculares.
lização da dentina ocorre por quelação, definida como
a incorporação de um íon metálico em uma cadeia fe- Atividade lubrificante
chada heterocíclica, na qual o metal é ligado por dois
Os instrumentos endodônticos, assim como as
ou mais íons, dentro do complexo molecular chamado
paredes dentinárias, apresentam rugosidades diferen-
ligante. Certos átomos ligantes fornecem elétrons ao
tes quando observados ao nível microscópio. Assim,
átomo metálico e consequentemente partilham pares
durante a instrumentação do canal há contato físico
de elétrons com o íon metálico. A quelação correspon-
apenas dos picos das rugosidades superficiais do ins-
de à ação dessas substâncias sobre os íons metálicos, e
trumento com as rugosidades das paredes dentinárias,
o composto dessa adição denominamos quelato68,106,107.
surgindo forças que se opõem ao deslocamento do
A atividade do quelante depende de sua solu-
instrumento. A resistência a esse deslocamento é de-
bilidade e capacidade de dissociação iônica, necessi-
nominada atrito. Estando o instrumento imóvel no in-
tando água para que se possa dissociar. Sabemos que,
terior do canal radicular, à medida que a força motriz
devido à forte polarização existente nas moléculas da
água, elas agem sobre a substância iônica, de forma a aumenta, a força de atrito estática cresce para impedir
promover o afastamento de seus íons. Assim, podemos seu deslocamento. Ocorrendo o movimento, a força
depreender que há maior eficiência nos agentes que- de atrito estática deixa de existir, passando a atuar a de
lantes quando esses se apresentam na forma de solução atrito dinâmica ou cinética, oposta ao sentido de deslo-
aquosa do que quando na forma de cremes23. camento do instrumento e de valor inferior ao da força
Durante a instrumentação de canais atresiados de atrito estática. As forças de atrito estática ou dinâ-
recomenda-se o uso de quelantes para facilitar o tra- mica que se opõem ao movimento do instrumento es-
balho de alargamento do canal. O efeito descalcificante tão relacionadas com a força que o instrumento exerce
do agente quelante resulta em menor resistência den- contra as paredes do canal pela equação:
tinária à ação de corte dos instrumentos endodônticos
Fa = μFp
durante a instrumentação dos canais atresiados.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 535
onde: Fa é a força de atrito estática ou dinâmica; μ é o tação, em vez de favorecer dificulta o movimento do
coeficiente de atrito dinâmico para o instrumento em instrumento endodôntico. Além do mais, favorece a
movimento; Fp é a força de pressão. extrusão do material além do forame, o qual pode pro-
A força de atrito não depende da área de contato vocar reações inflamatórias ou mesmo uma resposta
entre as superfícies, mas da rugosidade e natureza das imunológica do organismo139.
superfícies de contato (secas ou umedecidas). Para um É importante salientar que o volume de líquido
mesmo par de superfícies, as forças de atrito dinâmicas que um canal pode conter é muito pequeno. Segundo
são menores do que as estáticas, decrescem com o au- Campos23, após a instrumentação dos canais radicula-
mento da velocidade e quando há lubrificação. res, o volume médio, para o maxilar superior, era de
As soluções químicas empregadas no preparo 10,3mm3 e, para a mandíbula, de 11,1mm3. Assim, es-
químico-mecânico dos canais radiculares, por meio de ses pequenos volumes de solução existentes no interior
seu poder de umectação, conservam as paredes denti- dos canais têm suas propriedades esgotadas rapida-
nárias hidratadas e atuam também como lubrificantes, mente. Para minimizar esse problema devemos:
reduzindo a força de atrito e formando uma película
que diminui o contato físico entre as superfícies do ins- a) manter a cavidade de acesso preenchida com solu-
trumento e da dentina. Em consequência, diminuem o ção química auxiliar, já que a movimentação e reti-
desgaste e preservam a capacidade de corte dos ins- rada do instrumento endodôntico no interior do ca-
trumentos, durante o preparo dos canais radiculares. nal favorecem a penetração e renovação do líquido;
Em canais atresiados, favorecem a passagem dos ins- b) realizar renovações frequentes da solução química
trumentos até alcançar o comprimento de trabalho. auxiliar.
de sódio, são inativadas ao entrar em contato com a desde que a solução não seja extravasada pelo forame
matéria orgânica. Assim, para que sua ação solven- apical127. Além disso, uma vez controlada a infecção
te e antimicrobiana seja efetiva é necessário renovar endodôntica por um preparo químico-mecânico ade-
sempre a solução que entra em contato com as pare- quado e por uma ulterior medicação intracanal, o efei-
des do canal, o que é imperioso para que o hipoclo- to irritante transitório causado pela substância química
rito de sódio mantenha seus efeitos antimicrobianos coadjuvante da instrumentação ou de uma solução irri-
e solventes de matéria orgânica durante o preparo gadora torna-se irrelevante, não interferindo no reparo
químico-mecânico. dos tecidos perirradiculares. Em outras palavras, na
ausência de infecção e de uma agressão química per-
sistente, o reparo tecidual ocorrerá naturalmente.
Soluções Irrigantes O tratamento endodôntico radical não visa à ma-
São soluções químicas usadas na irrigação-aspira- nutenção ou à cura da polpa dentária e sim a sua com-
ção dos canais radiculares. Sendo a irrigação-aspiração pleta remoção. Sabendo-se que a busca de um preparo
um procedimento de curta duração, é de esperar que ideal quanto à forma e à limpeza tem esbarrado em
a sua eficiência dependa mais das propriedades físi- dificuldades, associadas principalmente à complexida-
cas do que das propriedades químicas das soluções de anatômica dos canais radiculares e às propriedades
empregadas. As soluções irrigadoras devem possuir físicas e mecânicas das ligas metálicas usadas na fabri-
pequeno coeficiente de viscosidade e pequena tensão cação dos instrumentos endodônticos, é fundamental
superficial. Esses requisitos favorecem o aumento do que a substância química auxiliar da instrumentação
alcance do jato, a formação da turbulência e o reflu- seja dotada de atividade solvente de tecido vivo ou ne-
xo do líquido em direção coronária, permitindo uma crosado e de atividade antimicrobiana.
maior efetividade da limpeza do canal radicular. A seleção da concentração clínica ideal de uma
solução de hipoclorito de sódio não deve ser determi-
nada pelo tipo e intensidade de resposta inflamatória
BIOCOMPATIBILIDADE do tecido conjuntivo, mas sim pela sua capacidade sol-
Toda substância desinfetante apresenta toxicida- vente de matéria orgânica e efeito antimicrobiano168.
de para as células vivas. Isso ocorre porque essas subs- A postura adotada por diversos profissionais em
tâncias, ao contrário da maioria dos antibióticos, não não empregar substâncias químicas ativas durante o
apresentam seletividade para micro-organismos. Por- preparo do canal radicular pode, a longo prazo, ser
tanto, torna-se uma utopia querer conciliar forte ação responsável do fracasso do tratamento endodôntico.
antimicrobiana ou solvente de tecido e compatibilida- É fundamental o respeito aos tecidos perirradiculares,
de biológica61,63. mas os resultados dos testes de toxicidade das subs-
Para Harrison63, os ensaios laboratoriais são exce- tâncias químicas obtidos em laboratório não podem ser
lentes na determinação do potencial relativo da toxi- extrapolados de forma absoluta para a clínica178.
cidade dos agentes químicos. Todavia, a extrapolação É preciso considerar que os resultados labora-
de tais testes para a situação clínica pode ser enganosa, toriais geralmente não produzem condições reais da
pois o procedimento de uso clínico não é levado em prática, sendo portanto desaconselhável aplicar dire-
consideração. O modo clínico no qual o agente químico tamente seus resultados sem que haja uma adequada
é usado afeta diretamente seu potencial de toxicidade. análise deles em relação ao comportamento clínico das
Os efeitos lesivos causados por uma substância substâncias químicas auxiliares da instrumentação.
desinfetante sobre os tecidos dependem de sua própria
toxicidade, de sua concentração, do tempo e da área
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS EMPREGADAS
de contato com os tecidos. Provavelmente, pelo curto
período de tempo que permanece em contato com uma
NO PREPARO DOS CANAIS RADICULARES
área reduzida dos tecidos perirradiculares durante os Entre as substâncias químicas existentes na Endo-
procedimentos de preparo químico-mecânico, o efeito dontia serão analisadas as rotineiramente empregadas
irritante de uma substância química auxiliar da instru- no preparo químico-mecânico dos canais radiculares.
mentação ou de uma solução irrigadora pode ser mini- Estudos in vitro têm demonstrado a eficiência rela-
mizado. É isso o que acontece com o hipoclorito de só- tiva de diferentes substâncias químicas quanto às suas
dio a 5,25%149. Embora in vitro ele apresente pronuncia- propriedades físicas, químicas e biológicas. Entretanto,
da citotoxidade112, in vivo esse efeito não é observado60, essa efetividade não tem sido claramente demonstra-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 537
da em estudos clínicos. Assim, pode-se afirmar que a ro (Na = 23, O = 16, Cl = 35,5). Assim: NaOCl/Cl2 =
maioria das informações é teórica63,179. 74,5/71 = 1,0493, que é o fator de conversão. Esse fator
Certamente, isso se deve à complexidade anatô- multiplicado pelo resultado final de cloro ativo (t) for-
mica do canal radicular que dificulta o contato da subs- nece o teor de hipoclorito de sódio % diretamente, isto
tância com os tecidos ou micro-organismos; à rapidez é: g% NaOCl = t × 1,0493.
da instrumentação que reduz o tempo de permanência Tomando-se como exemplo: Água Sanitária Clorox
da substância no interior do canal; ao pequeno volume
de substância que um canal pode conter; e à renovação • teor de cloro ativo = 2,309g%
deficiente da substância química durante o preparo do • teor de hipoclorito de sódio = 2,309 × 1,0493 =
canal radicular. 2,423g%
A substância química auxiliar deve ser aplicada
no interior do canal radicular com uma seringa e agu- Indubitavelmente para o hipoclorito de sódio, a
lha hipodérmica. É importante que a substância pene- análise mais importante é a determinação quantitativa
tre em toda a extensão do canal radicular. Isso geral- dos teores de cloro ativo e de hipoclorito. É evidente
mente ocorre em canais amplos, porém na maioria dos que o teor de cloro ativo deve-se ao teor de hipoclorito,
canais é necessário um preparo coronário para facilitar pois esse é quem dará origem ao primeiro.
a penetração da substância auxiliar em direção apical. As soluções aquosas de NaOCl obtidas por pro-
Nesses casos, a movimentação do instrumento durante cesso eletrolítico apresentam concentração variável de
o cateterismo ou preparo endodôntico favorece a pene- 10 a 17%. Normalmente a sua diluição origina as dife-
tração e a renovação da substância química. rentes concentrações de soluções cloradas usadas em
Machtou87 relatou que o sucesso da terapia en- Endodontia, assim como as diversas marcas comerciais
dodôntica repousa sobre a tríade preparo químico- de águas sanitárias78.
mecânico, controle da infecção e obturação dos canais Classificado como um composto halogenado, o
radiculares. Salientou que devem ser eliminados to- NaOCl pode ser encontrado em uma série de produ-
dos os resíduos e os micro-organismos do interior dos tos, contendo concentrações e aditivos variáveis, tais
canais radiculares e relatou que a ação de uma subs- como:
tância química auxiliar depende de dois fatores: área
de contato entre a substância química e os resíduos e • Líquido de Dakin: solução de NaOCl a 0,5% (equi-
o tempo de ação. valente a 5.000ppm), neutralizada por ácido bórico
para reduzir o pH (pH próximo de neutro).
Hipoclorito de sódio • Líquido de Dausfrene: solução de NaOCl a 0,5% (equi-
valente a 5.000ppm), neutralizada por bicarbonato
Industrialmente o hipoclorito de sódio (NaOCl) é de sódio.
obtido por processos eletrolíticos que originam a cha- • Solução de Milton: solução de NaOCl a 1% (equivalente
mada indústria eletroquímica do cloro. A eletrólise a 10.000ppm), estabilizada por cloreto de sódio (16%).
de uma solução de cloreto de sódio dependendo das • Licor de Labarraque: solução de NaOCl a 2,5% (equi-
condições poderá fornecer: o hidróxido de sódio, cloro, valente a 25.000ppm).
hipoclorito de sódio e ácido clorídrico. • Soda clorada: solução de NaOCl de concentração vari-
O valor de um hipoclorito ou cloróforo deve-se ável entre 4 e 6% (equivalente a 40.000-60.000ppm).
ao teor de cloro que libera. O cloro liberado é denomi- • Água Sanitária: soluções de NaOCl a 2-2,5% (equiva-
nado cloro ativo. O teor de cloro ativo é definido pelo lente a 20.000-25.000ppm).
grau clorométrico, que representa o peso de cloro libe-
rado por 100 gramas do cloróforo em natureza ou 100 O hipoclorito de sódio foi utilizado para a limpe-
mililitros (mL) de solução (grau clorométrico inglês). O za de feridas, em 1915, por Dakin31, sendo seu empre-
teor de cloro ativo é determinado pelo método de titulo- go em Endodontia proposto por Coolidge79, em 1919.
metria iodométrica. O teor de hipoclorito de sódio nor- Walker177, em 1936, propôs a utilização da soda clorada
malmente é obtido multiplicando o resultado final do na irrigação de canais radiculares. Sua utilização no
percentual de cloro ativo por um fator de conversão e preparo químico-mecânico de canais radiculares se
tem-se diretamente o teor de hipoclorito de sódio91. tornou difundida graças a Grossman55,56. É sem dúvida
O fator de conversão é obtido dividindo-se os pe- a solução química auxiliar da instrumentação de canais
sos moleculares do hipoclorito de sódio pelo do clo- radiculares mais usada mundialmente.
538 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
O hipoclorito de sódio apresenta uma série de – direta: o NaOH em excesso neutraliza os ácidos, em
propriedades, tais como: atividade antimicrobiana, sol- especial o ácido carbônico, presente quase sempre
vente de matéria orgânica, desodorizante, clareadora, sob a forma de CO2, transformando-o em carbo-
lubrificante e baixa tensão superficial. É também deter- nato de sódio. A presença do carbonato de sódio
gente, porque promove a saponificação de lipídios13,54. (Na2CO3) dará origem a um segundo tipo de alca-
O hipoclorito de sódio somente existe em solução linidade, a alcalinidade por carbonato. O CO2 tem
aquosa. Nesse estado ele origina hidróxido de sódio a sua fonte principal a atmosfera, que vai saturar a
(base forte) e ácido hipocloroso (ácido fraco). Assim, água usada para a obtenção do produto final.
em solução aquosa o hipoclorito de sódio exibe um – indireta: a alcalinidade cáustica, que eleva o valor
equilíbrio dinâmico de acordo com a reação: do pH próximo a 13,5, vai retardar uma reação de
autorredox do hipoclorito, a formação de clorato
NaOCl + H2O NaOH + HOCl (3 ClOˉ 2Clˉ + ClOˉ3). A velocidade dessa reação é
HIPOCLORITO ÁGUA HIDRÓXIDO ÁCIDO mínima em valores alcalinos, pH ≥ 12, e esse valor
DE SÓDIO DE SÓDIO HIPOCLOROSO
só é mantido pela alcalinidade cáustica. A velocida-
de é mínima, porém não é anulada. Assim, a solução
Cabe ressaltar que, dependendo do pH do meio,
de hipoclorito conterá sempre pequenas concentra-
o HOCl pode encontrar-se ionizado (meio alcalino
ções de clorato109.
pH >9) ou não ionizado (meio ácido, pH ≤ 5,5).
relacionado com o aumento da concentração de ácido As soluções cloradas terão ação antimicrobiana
hipocloroso não dissociado. Esse dado sugere que o em meio ácido, quando então liberam ácido hipoclo-
ácido hipocloroso apresenta maior efeito antimicrobia- roso. Esse ácido só atua na forma não dissociada e a
no do que o íon hipoclorito9,40. acidez impede a ionização do ácido hipocloroso, fa-
Dois efeitos antimicrobianos têm sido atribuídos vorecendo, assim, sua acentuada ação microbicida. O
ao cloro ativo liberado de um hipoclorito ou clorófo- ácido hipocloroso se encontra 100% não ionizado em
lo: inibição enzimática e formação de cloraminas, após pH próximo a 5,5 e 100% ionizado em pH próximo a
reação com componentes do citoplasma microbiano. 10. Daí, a importância do pH na ação microbiana do
Muitas enzimas microbianas contêm o aminoácido cis- cloro, pois o HOCl não ionizado é o componente ati-
teína, tendo assim cadeias laterais terminando em gru- vo. Assim, a um pH acima de 9 a ionização do hipo-
pamentos sulfidrila (SH). Tais enzimas apenas exercem clorito de sódio nas soluções aquosas usuais pode ser
suas funções, se o grupamento SH estiver livre e redu- considerada como sendo completa em temperaturas
zido. O cloro é um forte agente oxidante, que promove normais. Com a baixa do pH da solução de hipoclorito
a oxidação irreversível de grupamentos sulfidrila das de sódio com valores de pH de 9 a 5, forma-se progres-
enzimas microbianas40. Evidentemente, tal efeito se sivamente ácido hipocloroso. Esse ácido é classificado
dá tanto sobre enzimas associadas à membrana quan- como ácido muito fraco e é facilmente dissociado em
to sobre as enzimas presentes no citoplasma. Como meio alcalino.
enzimas essenciais são inibidas, importantes reações Nas soluções fortemente ácidas, com pH inferior
metabólicas são interrompidas, originando a morte ce- a 5, o cloro elementar aparece e constitui-se na forma
lular. O cloro também pode reagir com o grupamento predominante segundo a reação:
amina (NH) de proteínas citoplasmáticas, formando
cloraminas, compostos de reconhecida toxicidade, os HOCl + H+ + Clˉ Cl2 + H2O
quais interferem com o metabolismo celular31,79. Toda- ÁCIDO ÍON ÍON CLORO ÁGUA
via, como o efeito microbicida do cloro se dá rapida- HIPOCLOROSO HIDROGÊNIO CLORO
a diminuição da concentração de íons hidroxilas (–OH), quantidade de matéria orgânica, representada principal-
promovendo a redução do potencial hidrogeniônico. O mente por tecido pulpar, fluidos teciduais e micro-orga-
hidróxido de sódio reage também com aminoácidos das nismos compondo a infecção endodôntica. Para compen-
proteínas da matéria orgânica, formando sal e água (re- sar essa pequena relação (volume da solução/massa de
ação de neutralização). Assim, essas reações são respon- tecido) durante o preparo químico-mecânico do canal ra-
sáveis pela retirada de íons hidroxila do meio, promo- dicular, a solução de hipoclorito de sódio deve ser cons-
vendo a redução do potencial hidrogeniônico do líquido tantemente renovada. Outrossim, mormente durante o
residual. Essa redução do potencial hidrogeniônico das tratamento de canais com polpa necrosada e infectada,
soluções de hipoclorito de sódio reduz a velocidade de devemos optar pelo emprego de água sanitária, a qual é
dissolução do tecido pulpar. mais estável, favorecendo a obtenção de uma concentra-
ção de hipoclorito de sódio disponível para realizar uma
Temperatura ação solvente e antimicrobiana adequadas.
A temperatura da solução de hipoclorito de sódio
exerce uma influência significativa em suas proprieda- Concentração
des. De acordo com diversos autores, fatores como au- A concentração de uma solução é a relação de
mento de temperatura e de concentração e longo tempo quantidade entre soluto, solvente e solução. Essa rela-
de reação química proporcionam uma maior eficácia ção pode ser determinada de várias formas, entre elas
da solução de hipoclorito de sódio quanto à sua ação a concentração comum ou em grama/litro (g/L) e a
solvente e antimicrobiana1,3,30,40,164. porcentagem em massa ou em peso.
O aquecimento da solução aumenta sua capaci- Massa é a quantidade de matéria que compõe o
dade solvente de matéria orgânica1. Uma elevação de corpo e varia com o tipo e o número dos átomos de que
10ºC na temperatura da solução promove uma redução é formada. Peso, por ser uma força (F), é o produto da
de, aproximadamente, 50 a 60% no tempo necessário massa (m) pela aceleração da gravidade (g).
para destruir micro-organismos. Por sua vez, se a tem-
peratura da solução for reduzida em 10ºC, esse tempo P=F=m×g
será elevado em cerca de duas vezes40.
A velocidade de dissolução do tecido pulpar bovi- Nessa relação, o peso de um corpo é proporcional
no é diretamente proporcional à concentração e à tempe- a sua massa. Nessa equação o fator de proporcionali-
ratura de utilização da solução de hipoclorito de sódio, dade é a aceleração da gravidade, que varia com a po-
isto é, quanto maiores a concentração e a temperatura sição que estivermos em relação ao nível do mar. Um
utilizadas, maior a velocidade de dissolução tecidual. A mesmo corpo (mesma massa) no nível do mar é mais
elevação da temperatura aumenta a frequência das coli- pesado do que no alto de uma montanha.
sões moleculares, e elas contribuem para o aumento da Concentração (C) de uma solução é a relação en-
velocidade de uma reação. O mais importante é o fato tre a massa do soluto (m1), em gramas, e o volume da
de que uma elevação da temperatura aumenta a pro- solução (V), em litros.
porção de moléculas que terão energia suficiente para
reagir. Consequentemente, quanto maior for a tempera-
m1
tura, maior será a proporção de moléculas que colidem C= (g/L)
V
e que reagirão umas com as outras e, como resultado,
maior será a velocidade de dissolução tecidual130. Porcentagem em massa ou em peso (p) de uma
solução é a massa de soluto dissolvida em 100 unida-
Matéria orgânica des de massa da solução.
A relação entre o volume da solução e a massa de
tecido tem influência na efetividade do hipoclorito de massa da solução massa do soluto
sódio. m(m1 + m2).........................................................m1
Quanto maior for essa relação, maiores serão a 100..................................................................p
capacidade de dissolução e a atividade antimicrobiana 100 × m1 ou 100 × m1
p=
do hipoclorito de sódio sobre os tecidos orgânicos vi- m m1 + m2
vos ou necrosados e sobre os micro-organismos.
Durante o tratamento endodôntico, pequeno vo- p = porcentagem; m = massa da solução; m1 = massa do
lume de solução de hipoclorito de sódio contata grande soluto; m2 = massa do solvente.
542 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Atividade desodorizante
As infecções por bactérias anaeróbias usualmente
resultam em odor fétido, devido à produção de ácidos
graxos de cadeia curta, compostos sulfurados, amônia
e poliaminas. O cloro pode desodorizar por dois me-
canismos:
Figura 13-2. Efeito inibitório da solução de hipoclorito de sódio a
4% sobre Prevotella nigrescens.
1. atividade letal sobre os micro-organismos envolvi-
dos na infecção pulpar;
As atividades antimicrobiana e solvente do hipo- 2. ação oxidativa sobre os produtos bacterianos, neu-
clorito de sódio dependem da concentração da solução tralizando-os e eliminando o mau odor.
química. Essas atividades diminuem à medida que a
solução é diluída, sendo a capacidade solvente mais
Considerações clínicas
afetada do que a antimicrobiana. Quando do uso de
soluções de concentrações menores, elas deverão ser Uma vez que o NaOCl necessita estar em con-
renovadas no interior do canal radicular com maior centração suficiente para exercer seus efeitos antimi-
frequência. crobianos e solvente de tecidos, a questão de sua ins-
Soluções mais concentradas apresentam maior tabilidade química é crítica. Uma solução de NaOCl
atividade antimicrobiana, desde que outros fatores, apresenta decréscimos significativos de concentração
como tempo de atuação, pH, temperatura e conteúdo quando armazenada em condições inadequadas ou
orgânico, sejam mantidos constantes. Siqueira et al.151 quando o frasco, durante o uso, é frequentemente
demonstraram que a solução de hipoclorito de sódio aberto.
a 5,25% foi mais eficaz do que a solução a 1% para ini- Avaliando as concentrações de cloro ativo em
bir o crescimento de bacilos produtores de pigmentos amostras de soluções de hipoclorito de sódio utilizadas
negros. Em outro estudo, Siqueira et al.149 demonstra- em consultórios de endodontistas, concluímos que:
ram que a solução a 4% apresentou atividade antibac-
teriana mais pronunciada contra bactérias facultativas • nenhuma amostra apresenta a concentração previs-
e bacilos produtores de pigmentos negros (anaeróbios ta pelo fabricante;
estritos) quando comparada às soluções a 2,5% e a 0,5% • as soluções de hipoclorito de sódio são instáveis;
(Fig. 13-2). • as soluções a 0,5% foram as que mais perderam clo-
Siqueira et al.154 avaliaram in vitro a redução da ro ativo proporcionalmente (Quadro 13-4).
população bacteriana intracanal produzida pela ins-
trumentação e irrigação com soluções de NaOCl a 1%,
2,5% ou 5,25%. Como controle, empregou-se solução Quadro 13-4 Concentrações de cloro ativo encontradas
salina como irrigante. Todas as soluções promoveram nas amostras de soluções de NaOCl (médias)
redução significativa no número de células bacterianas
no canal. Não houve diferença significante entre as três Capacidade de
Indicada no rótulo Encontrada
concentrações de NaOCl utilizadas. Todavia, todas atividade
as soluções de NaOCl foram significativamente mais 5% 3,24% 64,7%
eficazes do que a solução salina, fato que realça a im-
portância do efeito químico, além do mecânico. Esses 2% 1,6% 80%
resultados quanto à atividade antibacteriana indicam
que trocas regulares da solução no canal e irrigações 1% 0,78% 78,3%
copiosas mantêm as propriedades das soluções, com-
0,5% 0,06% 11,5%
pensando os efeitos da concentração.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 543
Quadro 13-5 Vantagens e desvantagens do hipoclorito Um estudo de Marchesan et al.90 revelou que
de sódio várias marcas de água sanitária nacionais jamais
apresentaram concentrações de NaOCl abaixo do
Vantagens Desvantagens especificado nos rótulos das embalagens. Os teores
de cloro disponíveis variaram entre 2,53 e 2,95%, e o
Relativamente barato Instável ao armazenamento
pH entre 12,53 e 13,44.
Inativado por matéria Martins91 analisou química e quantitativamente
Rápida atuação 18 amostras de diferentes marcas de águas sanitá-
orgânica
rias, viabilizando-as como fonte de hipoclorito de
Desodorizante e lubrificante Corrosivo sódio, e concluiu que as marcas Clorox, Super Globo
e Q-Boa são seguras para o uso como solução quími-
Atividade antimicrobiana
ca auxiliar de instrumentação na Endodontia.
pronunciada contra Irritante para a pele e mucosa
O teor de cloro ativo, o teor de hipoclorito de só-
bactérias, fungos e vírus
dio, a alcalinidade cáustica, a alcalinidade por carbo-
Relativamente não tóxico nas nato de sódio e o pH de soluções-mães de seis marcas
Forte odor
condições de uso comerciais de águas sanitárias foram determinados
por Lopes et al.82 e estão expressos no Quadro 13-6.
Ação solvente de matéria Nesse mesmo trabalho concluíram que:
Descora tecidos
orgânica
• todas as marcas de água sanitária testadas apresen-
Concentrações facilmente
Remove carbono da borracha taram teor de cloro ativo dentro dos percentuais
determinadas
exigidos segundo a Portaria 89, de 25 de agosto de
Clareador 1994, da Secretaria de Vigilância Sanitária – Ministé-
rio da Saúde18;
• as marcas Q-Boa, Super Globo e Clorox apresenta-
ram menor teor de NaOH (alcalinidade cáustica);
Dada a instabilidade das soluções de hipoclorito • é viável o uso das marcas Q-Boa, Super Globo e
de sódio, é aconselhável que as mesmas sejam adquiri- Clorox como solução química auxiliar do preparo
das dentro do prazo de validade e o mais próximo pos- químico-mecânico dos canais radiculares.
sível da data de fabricação. Por serem as soluções de
hipoclorito de sódio instáveis, perdem eficiência com a Siqueira et al.150, avaliando a atividade antimicro-
elevação da temperatura, com a exposição à luz e ao ar biana das águas sanitárias Ajax (Colgate-Palmolive,
e quando armazenadas por longos períodos.
Grossman55, considerando a instabilidade do hi- Quadro 13-6 Média dos resultados de teor de cloro
poclorito de sódio, advoga a sua armazenagem para, ativo, teor de hipoclorito de sódio, alcalinidade cáustica,
no máximo, três meses, devendo ser guardado em vi- alcalinidade por carbonato de sódio e pH das soluções
dro de cor âmbar ao abrigo da luz e do calor. analisadas
O Quadro 13-5 resume as principais vantagens
e desvantagens do hipoclorito de sódio. pH
Cl2 NaOCl NaOH Na2CO3
Marca (solução-
A concentração ideal em que a solução de hipo- (g%) (g%) (g%) (g%)
mãe)
clorito de sódio deve se apresentar, sua toxicidade e
sua instabilidade são motivos de grande discussão. Ajax 2,590 2,729 0,929 0,974 12,82
Entretanto, diversos autores consideram a concentra-
ção de 2,5% como a de primeira escolha28,32,60,82,93,173. Brilhante 2,446 2,566 0,994 0,285 12,89
Em muitos países, as soluções de hipoclorito
Brilux 2,138 2,244 0,486 0,131 12,61
de sódio usadas em Odontologia são fornecidas a
partir de agentes clareadores domésticos (água sa- Clorox 2,191 2,298 0,243 0,053 12,37
nitária), sendo que o mais popular entre essas solu-
ções é o Clorox. Foi Lewis80, em 1954, o primeiro a Super
2,354 2,475 0,209 0,126 12,27
sugerir o Clorox como fonte de hipoclorito de sódio Globo
para o preparo químico-mecânico de canais radi-
Q-Boa 2,434 2,553 0,177 0,088 12,12
culares.
544 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
São Paulo, SP), Brilux (Pará Inds. R. Raymundo da passíveis de ocorrerem durante o atendimento clínico.
Fonte S.A., Belém, PA), Brilhante (Indústrias Gessy Le- Para os canais amplos com polpa vital é aconselhável
ver Ltda., São Paulo, SP), Q-Boa (Indústrias Anhembi o uso de solução de menor concentração. A diluição
S.A., Osasco, SP), Kokinos (Kokino’s Ind. Com. Ltda., da água sanitária para uma concentração de 1% de clo-
D. Caxias, RJ), Bariloche (Indústrias Químicas Ribeiro ro ativo pode ser realizada facilmente no consultório,
Ltda., Rio de Janeiro, RJ), Super Globo (Água Sanitá- adicionando-se duas partes do produto a três partes de
ria Super Globo S.A., Rio de Janeiro, RJ) contra cepas água destilada. As águas sanitárias em função de suas
bacterianas de Prevotella nigrescens, Propionibacterium propriedades físicas satisfatórias e de seu baixo custo
acnes, Pseudomonas aeruginosa, E. faecalis, Lactobacillus também são usadas como soluções irrigadoras durante
casei, Escherichia coli e Streptococcus bovis, uma cultura a irrigação-aspiração dos canais radiculares. O empre-
mista (amostra de saliva total) e uma levedura (Candida go de uma mesma solução química como substância
albicans), observaram que todas as sete marcas apresen- auxiliar da instrumentação e como solução irrigadora
taram atividade satisfatória, não tendo sido detectadas simplifica e agiliza o preparo do canal radicular.
diferenças estatisticamente significantes entre os gru- Associações de outras soluções com o NaOCl em
pos (p >0,05). A concentração de NaOCl das amostras uso alternado durante a irrigação têm sido propostas
testadas variou entre 2 e 2,5%. com o intuito de maximizar a eliminação bacteriana do
Nery100 avaliou a influência no processo de repa- canal radicular. Siqueira et al.155 compararam a eficá-
ro apical e perirradicular de dentes de cães com lesão cia da instrumentação associada a diferentes soluções
perirradicular de diferentes soluções químicas auxilia- irrigantes em reduzir a população bacteriana intraca-
res empregadas no preparo químico-mecânico. Após nal. Canais inoculados com E. faecalis foram prepara-
o preparo, os canais radiculares foram obturados na dos e irrigados com as seguintes soluções: NaOCl a
mesma sessão. A análise histopatológica das amostras 2,5%; NaOCl a 2,5% e ácido cítrico a 10%, alternados;
obtidas demonstrou que as soluções de hipoclorito de NaOCl a 2,5% e gluconato de clorexidina a 2%, alter-
sódio a 1 e 2,5% favoreceram o reparo dos tecidos api- nados; e solução salina. Amostras foram coletadas dos
cais e perirradiculares, sendo os resultados semelhan- canais antes e depois do preparo químico-mecânico,
tes para as duas soluções. diluídas e cultivadas para contagem das unidades for-
Várias marcas de água sanitária disponíveis no madoras de colônias. Todos os irrigantes significati-
comércio nacional são fáceis de ser encontradas, mes- vamente reduziram a população bacteriana dentro do
mo em localidades mais isoladas, apresentam um bai- canal radicular. Não houve diferenças significantes en-
xo custo e, devido ao alto consumo pela população em tre os grupos experimentais. Todavia, todos os grupos
geral, são frequentemente renovadas no estoque do foram significativamente mais eficazes do que o grupo-
vendedor, o que diminui os riscos de decomposição da controle onde solução salina foi usada como irrigante.
solução. Portanto, as águas sanitárias podem ser utili- Tais resultados confirmaram a importância do empre-
zadas como soluções químicas auxiliares e na irrigação go de substâncias dotadas de atividade antimicrobiana
de canais radiculares como uma alternativa às soluções durante o preparo químico-mecânico. Além disso, o
de NaOCl disponíveis no comércio odontológico. É re- uso combinado de outros irrigantes com o NaOCl não
comendável que o profissional renove frequentemente potencializou a redução bacteriana induzida por essa
o seu estoque de água sanitária e armazene os frascos, substância quando usada isoladamente na irrigação.
devidamente fechados, ao abrigo da luz e do calor.
Durante o tratamento de canais radiculares inde-
pendentemente das condições da polpa dentária indi-
Clorexidina
camos como solução química auxiliar da instrumen- A clorexidina é composta estruturalmente por
tação soluções de hipoclorito de sódio a 2,5% (águas dois anéis clorofenólicos nas extremidades, ligados a
sanitárias – Clorox, Super Globo ou Q-Boa). Nessa um grupamento biguanida de cada lado, conectados
concentração, o hipoclorito de sódio favorece a solubi- por uma cadeia central de hexametileno35.
lização dos remanescentes teciduais vivos ou necrosa- Essa bisbiguanida catiônica (carregada positiva-
dos do sistema de canais radiculares e atua de manei- mente) é uma base forte, sendo praticamente insolúvel
ra eficaz contra a microbiota dos canais infectados. A em água, daí sua preparação na forma de sal, o que au-
atividade antimicrobiana de águas sanitárias também menta a solubilidade da substância. O sal digluconato
é de fundamental importância como fator de segu- de clorexidina em solução aquosa é o mais utilizado na
rança em deslizes da manutenção da cadeia asséptica Odontologia34,35.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 545
As soluções são usualmente incolores e inodoras. como, por exemplo, íons potássio. Além disso, ao nível
As aquosas são mais estáveis em pH de 5 a 8. Acima dis- de membrana, a clorexidina pode inibir a atividade de
so, há precipitação, enquanto, em pH ácido, há deterio- determinadas enzimas, como a adenosina trifosfatase
ração da atividade em razão da perda de estabilidade (ATPase). Se o efeito da clorexidina em razão da baixa
da solução. A atividade antibacteriana da clorexidina é concentração para nesse ponto, a substância tem um
excelente na faixa de pH entre 5,5 e 7, o que abrange o efeito bacteriostático35.
pH das superfícies corporais e dos tecidos110,123. Adsorção é a adesão de uma substância a uma
O digluconato de clorexidina é um agente anti- outra. No processo de adsorção, um líquido ou um gás
bacteriano de amplo espectro, sendo muito emprega- (adsordato) se adere firmemente à superfície de um só-
do na Periodontia para reduzir a formação de placas e lido ou líquido (adsorvente). A adsorção é um proces-
no tratamento de suporte de doenças periodontais125. so de superfície. O processo de adsorção difere do de
Esse composto aromático de bisbiguanida é solúvel em absorção onde uma substância absorvida penetra den-
água, sendo que em pH fisiológico se dissocia liberan- tro da outra (sólido) num processo chamado difusão.
do moléculas de carga positiva. Basicamente o processo de absorção é na realidade a
Além de possuir atividade antibacteriana de am- combinação da adsorção e difusão.
plo espectro, a clorexidina apresenta substantividade, O efeito bactericida da clorexidina é observado
isto é, ela se liga à hidroxiapatita do esmalte ou dentina em concentrações mais altas, quando se verifica que o
e a grupos aniônicos ácidos de glicoproteínas, sendo dano à membrana citoplasmática é mais grave, levan-
lentamente liberada à medida que a sua concentração do ao extravasamento de conteúdo citoplasmático de
no meio decresce, permitindo assim um tempo de atu- maior peso molecular, como ácidos nucleicos. Quando
ação prolongado. Assim, essa substância pode manter a concentração da substância é suficientemente eleva-
seus efeitos por um longo período35,125. da (100 a 500mg/L), não há mais extravasamento do
A clorexidina apresenta atividade antibacteriana conteúdo do citoplasma bacteriano, visto que ele se
contra um grande número de espécies gram-positivas torna precipitado, como resultado da reação da clore-
e gram-negativas35 (Fig. 13-3). xidina com compostos fosfatados, como ATP (adenosi-
Em baixas concentrações, a clorexidina é bacte- na trifosfato) e ácidos nucleicos, formando complexos.
riostática, enquanto em concentrações mais elevadas é Nesse último caso, o efeito bactericida é extremamente
bactericida. Por ser uma molécula catiônica, a clorexi- rápido. A maioria das soluções de clorexidina usadas
dina é atraída e adsorvida à superfície bacteriana, na na clínica possui efeito bactericida35.
qual é carregada negativamente. Essa adsorção dá-se, Siqueira et al.149, avaliando os efeitos inibitórios
principalmente, em componentes contendo fosfato. das soluções de clorexidina a 0,2 e a 2% sobre bactérias
Na sequência do processo de lise da bactéria, a clore- anaeróbias estritas e facultativas, comumente isoladas
xidina é atraída para a membrana citoplasmática, na de canais radiculares infectados, observaram que não
qual promove uma ruptura, permitindo a liberação de houve diferença significante entre elas. Entretanto,
componentes citoplasmáticos de baixo peso molecular, quando comparadas à solução de hipoclorito de sódio
a 4%, ambas as soluções de clorexidina apresentaram
atividade antibacteriana significativamente menor.
Rigel et al.123 compararam, in vivo, a efetividade
antimicrobiana da clorexidina a 0,2% e NaOCl a 2,5%,
no preparo químico-mecânico dos canais radiculares,
demonstrando que a solução clorada foi significativa-
mente mais eficaz do que a clorexidina como agente
antimicrobiano.
Quando utilizada nas concentrações preconiza-
das para emprego clínico (entre 0,12 e 2%), a clorexidi-
na apresenta uma relativa ausência de toxicidade123,125.
Por outro lado, o hipoclorito de sódio é citotóxico e ir-
ritante aos tecidos112. Essa característica provavelmente
indicaria a utilização da clorexidina como substância
Figura 13-3. Halos de inibição do crescimento bacteriano promo- auxiliar da instrumentação em detrimento do hipoclo-
vido por soluções de clorexidina a 0,2 e 2%. rito de sódio. Entretanto, como já discutido, esse efei-
546 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
to irritante do hipoclorito de sódio não parece exercer lar. Amostras foram coletadas do canal antes e depois
qualquer influência no êxito do tratamento, desde que da instrumentação e então cultivadas. Nos casos com
utilizado na forma indicada, limitado ao interior do ca- cultura positiva, bactérias foram identificadas por se-
nal radicular. Além disso, outras propriedades devem quenciamento do gene da porção 16S do rRNA. Inde-
ser levadas em conta ao se selecionar uma substância pendentemente do grupo, a instrumentação e a irriga-
química a ser empregada no preparo dos canais radi- ção resultaram em redução de mais de 95% no número
culares. O hipoclorito de sódio apresenta, além da ex- de bactérias no canal. No grupo do NaOCl, 37,5% dos
celente atividade antimicrobiana, outras propriedades, canais apresentavam culturas negativas. No grupo da
como solvente de matéria orgânica e clareador, que a clorexidina, 50% não apresentaram crescimento bacte-
clorexidina não possui, o que é de grande valia durante riano. Estreptococos foram o grupo de bactérias mais
o preparo de canais com polpa necrosada. O efeito sol- comumente isolado dos canais com culturas positivas.
vente do hipoclorito de sódio pode auxiliar na limpeza Não houve diferença estatisticamente significativa en-
do sistema de canais radiculares, promovendo a remo- tre a irrigação com o NaOCl e a clorexidina.
ção de matéria orgânica em decomposição, não afetada Resultados semelhantes quanto à ausência de di-
pelos instrumentos endodônticos1,54. ferença significante entre a eficácia antibacteriana do
Embora não apresentando atividade solvente de NaOCl e da clorexidina foram observados em vários ou-
tecido pulpar, o gluconato de clorexidina é um eficien- tros estudos clínicos ou laboratoriais41,52,64,73,126,141,174,176.
te antimicrobiano e possui uma relativa ausência de A clorexidina pode ser a substância química de elei-
toxicidade. Em busca de corrigir as propriedades inde- ção quando há relato de alergia ao hipoclorito de sódio
sejáveis dessa solução, alguns autores têm sugerido o por parte do paciente e, possivelmente, no tratamento
seu emprego associado ao hipoclorito de sódio. de dentes com polpa necrosada associada à rizogênese
Kuruvilla e Kamath77, avaliaram, in vivo, a ativida- incompleta, onde existe grande risco de extravasamento
de antimicrobiana das soluções de hipoclorito de sódio apical da solução química. Pode haver desenvolvimento
a 2,5%, clorexidina a 0,2% e associação de ambas, como de reações graves dos tecidos perirradiculares, quando
substância química auxiliar no tratamento endodôntico do extravasamento apical de hipoclorito de sódio du-
de dentes com necrose pulpar e reação perirradicular vi- rante a execução da terapia endodôntica127.
sível radiograficamente. Foram feitas coletas microbio-
lógicas antes e após o preparo. Esse estudo mostrou que
Ácido etilenodiamino tetracético
a combinação hipoclorito de sódio e clorexidina resul-
dissódico (EDTA)
tou em menor quantidade de culturas positivas após o
preparo químico-mecânico do canal radicular. Entretan- A instrumentação de canais radiculares calcifica-
to, a forte pigmentação acastanhada e a impregnação da dos e atresiados sempre foi tarefa difícil para os que
dentina oriunda da combinação das duas substâncias155, se dedicam à clínica endodôntica. Para esses casos,
gerando o composto paracloroanilina7, desabonam seu durante muito tempo se empregaram ácidos inorgâ-
uso associado quando da irrigação de canais. nicos, como sulfúrico, fenil sulfônico e clorídrico. Po-
Por outro lado, Siqueira et al.155 compararam a rém, esses ácidos têm um poder lesivo muito grande
eficácia in vitro da instrumentação associada a diferen- sobre os tecidos vivos, em particular sobre os tecidos
tes soluções químicas para reduzir a população bac- perirradiculares55,89.
teriana intracanal e revelaram que o uso alternado do Em 1957, Ostby106, baseado no trabalho de Nikifo-
NaOCl a 2,5% com o gluconato de clorexidina a 2% não ruk e Sreebny103, indicou a solução salina de etilenodia-
foi mais eficaz do que o NaOCl usado isoladamente. mino tetracético dissódico (EDTA) para a instrumen-
Além disso, relatam o desenvolvimento de forte pig- tação de canais atresiados. Esse sal, derivado de um
mentação acastanhada quando da associação da clore- ácido fraco, é capaz de promover, em pH alcalino, a
xidina com o NaOCl, que tem o potencial de apresentar quelação de íons cálcio da dentina.
efeitos antiestéticos. Por tais razões, não recomenda- O EDTA, na sua forma de ácido, apresenta um
mos a associação dessas duas substâncias. pequeno poder de descalcificação, porque sua solubili-
Em um estudo clínico controlado, Siqueira et al.155 dade em água é pequena (0,001 mol/L). Consequente-
compararam a eficácia antibacteriana do NaOCl a 2,5% mente, seu poder quelante é reduzido, pela impossibi-
e da clorexidina a 0,12% quando utilizados como subs- lidade de uma efetiva dissociação iônica4,5,68,129.
tância química auxiliar no tratamento de dentes com A solubilidade do EDTA está diretamente relacio-
canais infectados associados a uma lesão perirradicu- nada com o número de átomos de hidrogênio dos radi-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 547
cais carboxila, substituídos por sódio. Como apresenta Diversos trabalhos indicam que as soluções
quatro radicais carboxila, podemos obter quatro tipos de EDTA apresentam ação desmineralizadora so-
de sais: mono, di, tri e tetrassódico. bre a dentina, a qual é verificada por meio de tes-
tes de microdureza. Os resultados mostram que o
O EDTA apresenta a seguinte fórmula estrutural: EDTA diminui a microdureza da dentina e o pH, en-
quanto o tempo de ação da solução influencia a ação
HOOC – CH2 CH2 – COOH desmineralizadora28,43,118,131.
N – CH2 – CH2 – N Patterson113 afirma que a dureza da dentina hu-
HOOC – CH2 CH2 – COOH mana varia com a sua localização e possui valores de
25 a 80 na escala Knoop. Na junção cementodentinária
Levando em consideração a capacidade de des- e nas proximidades da superfície do canal radicular a
calcificação e a compatibilidade biológica do EDTA em dureza é menor e, quando a dentina foi submetida à
relação aos tecidos pulpares e perirradiculares, empre- ação de EDTA, a dureza máxima determinada foi de
gamos o sal trissódico68,99,106,129,148. 1,6 Knnop.
As soluções de EDTA também influenciam na
NaOOC – CH2 CH2 – COONa permeabilidade da dentina. A maioria dos trabalhos
N – CH2 – CH2 – N revela que o emprego do EDTA aumenta essa per-
HOOC – CH2 CH2 – COONa meabilidade. Esses resultados geralmente são obti-
dos através de infiltração de corantes ou de métodos
Quando se coloca uma solução aquosa de EDTA histoquímicos113,117,118,124.
no interior do canal radicular, ocorre, inicialmente, a Quanto à compatibilidade do quelante em relação
solubilização de uma quantidade muito pequena de ao tecido pulpar e perirradicular de cães, os resultados
moléculas de fosfato de cálcio, componente mineral da são, por vezes, discordantes. Silveira148 observou rea-
dentina, até que seja estabelecido o equilíbrio: ção inflamatória moderada, enquanto Ostby106 e Nery
et al.99 observaram uma resposta tecidual satisfatória.
H2O O efeito antimicrobiano de soluções de EDTA é
Ca3(PO4)2
3Ca++ + 2PO4– – – negado por Pupo et al.122. Todavia, Byström e Sund-
FOSFATO DE CÁLCIO ÍON CÁLCIO ÍON FOSFATO qvist20, no tratamento endodôntico de dentes infecta-
dos, observaram que o uso combinado de uma solu-
O EDTA incorpora o cálcio por meio das ligações ção de EDTA e de hipoclorito de sódio a 5% apresenta
bivalentes do oxigênio existente em sua estrutura, fe- atividade antibacteriana mais eficaz do que quando se
chando-o numa cadeia heterocíclica. Essa reação é de- usava apenas a solução de hipoclorito de sódio. Siquei-
nominada quelação, e o produto resultante, quelato de ra et al.149 confirmaram que o EDTA possui atividade
cálcio. antibacteriana contra bacilos anaeróbios estritos pro-
dutores de pigmentos negros.
Ca+ + + EDTA Ca EDTA Para alguns autores, soluções irrigantes, como as
de hipoclorito de sódio e água oxigenada, neutralizam
Dessa forma ocorre uma quebra da constante de a ação do EDTA, não se devendo, portanto, empregá-
solubilidade da dentina, que volta a solubilizar-se na las quando houver necessidade de sua ação11,68.
tentativa de suprir a falta de íons cálcio. Esses íons são Saquy131 avaliou a capacidade quelante do EDTA
incorporados às moléculas de EDTA e a reação quími- e da associação EDTA mais solução de Dakin (hipoclo-
ca continua até a saturação da solução de quelante, in- rito de sódio a 0,5% de cloro ativo), por meio de méto-
terrompendo o mecanismo de descalcificação. dos químicos e da análise de microdureza da dentina.
O EDTA tem ação autolimitante, pois uma molé- Esse autor concluiu que tanto a solução de EDTA como
cula quela um mol de íon metálico. Essa solução não a associação dessa com a de Dakin são efetivas em que-
atua imediatamente quando colocada em contato com lar íons de cálcio, sendo que a ação quelante do EDTA
a dentina, necessitando esperar alguns minutos (10 a não é inativada pela sua associação com a solução de
15) para a obtenção do efeito quelante. À medida que Dakin na proporção de 1:1.
ocorre aquele contato, há reação com os íons cálcio, Ostby106 adicionou o tensoativo Cetavlon (brometo
neutralização e perda da ação química, necessitando, de cetiltrimetilamônio) à solução de EDTA, formando,
assim, de constantes renovações37,106. assim, uma associação conhecida como EDTAC. A asso-
548 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
ciação do Cetavlon ao EDTA reduz a tensão superficial testes bacteriológicos negativos imediatamente após o
da solução em 50%. Consequentemente, o EDTAC em preparo em 97,2% e após uma semana em 94,4% dos
relação ao EDTA é mais efetivo quanto à redução da mi- casos, sem o emprego de qualquer medicação intraca-
crodureza da dentina e promove uma maior permeabi- nal entre as sessões.
lidade dentinária radicular43,58. Para Guimarães et al.58, a Cohen et al.27 demonstraram que o uso associado
tensão superficial do EDTA é de 69,25 dinas/cm e a adi- do RC-Prep com o hipoclorito sódico a 5% aumentou
ção de 0,1% de Cetavlon a reduz para 33,92 dinas/cm. de maneira significativa a permeabilidade dentinária
Recomendamos o uso de soluções de EDTA com- no nível do terço médio e apical. Todavia, Pécora119
binadas com soluções de hipoclorito de sódio, na re- constatou que essa associação promovia aumento da
moção da smear layer, após o preparo químico-mecâni- permeabilidade dentinária de modo menos intenso do
co de canais radiculares infectados. O EDTA também é que a utilização da solução EDTA e das soluções halo-
comercializado na forma de creme ( RC-Prep-Premier) genadas nas diferentes concentrações, quando utiliza-
e de gel, contido em seringas (Glyde File Prep-Dents- das individualmente.
ply/Maillefer e EDTA trissódico 24%, Biodinâmica). Com relação à compatibilidade com os tecidos vi-
Atenção deve ser dada à data de fabricação e ao vos, Neri et al.99 em tratamento de canais radiculares de
acondicionamento da solução de EDTA. Quando acon- dentes de cães afirmaram que o RC-Prep é altamente
dicionado em frascos de vidro, com o tempo o EDTA citotóxico aos tecidos pulpar e perirradicular. Procu-
pode quelar o cálcio do silicato de cálcio existente na rando justificar esses resultados, referiram-se à consis-
composição do vidro, diminuindo sua capacidade de tência pastosa do veículo (Carbowax) que dificultaria
atuação5. sua remoção completa do interior do canal radicular.
Glyde
RC-Prep
Apresenta-se na forma de gel com a seguinte com-
Apresenta-se na forma de creme com a seguinte posição química: EDTA, peróxido de carbamida (peró-
composição química EDTA 15%, peróxido de ureia 10% xido de ureia) em uma base hidrossolúvel. É utilizado
e Carbowax 75%, como idealizaram Stewar et al.160. em associação com soluções de hipoclorito de sódio.
O peróxido de ureia (bactericida) é um complexo Deve ser armazenado em refrigerador. É utilizado de
de peróxido de hidrogênio e ureia. Apresenta-se sob maneira semelhante ao RC-Prep e deve ser empregado
a forma de corpo cristalino, branco, com ligeiro odor. apenas no início da instrumentação, até os três primei-
É solúvel em água, glicerina, álcool e propileno gli- ros diâmetros de instrumentos. A posterior preparação
col. É usado como fonte de peróxido de hidrogênio. O dos canais deverá ser realizada apenas com solução de
EDTA (quelante) é usado para descalcificação dos teci- hipoclorito de sódio
dos dentários. O Carbowax é o polietileno glicol 4000,
apresenta-se na consistência cremosa e na cor branca. EDTA gel
É francamente solúvel na água e no álcool. Funciona
Apresenta-se na forma de gel com a seguinte
como uma base estável para o peróxido de ureia e
composição química: ácido etilenodiaminotetracético,
como lubrificante durante a instrumentação dos canais
hidróxido de sódio, água deionizada (livre de íons) e
radiculares.
espessante (substância usada para dar consistência) É
O RC-Prep é colocado no interior do canal radi-
hidrossolúvel e apresenta uma concentração de EDTA
cular e a seguir adiciona-se uma solução de hipoclorito
trissódico de 24%. Atua como lubrificante e quelante.
de sódio a 2,5% e procede-se à instrumentação. A re-
É recomendado pelo fabricante na instrumentação de
ação química do peróxido de ureia com o hipoclorito
canais radiculares. Durante o preparo, a substância quí-
de sódio produz uma efervescência, com a liberação de
mica deve ser substituída, injetando-se nova quantida-
oxigênio nascente, que maximizará a limpeza do canal,
de do produto. Após o término do preparo, o canal de-
favorecendo a remoção de detritos e a eliminação de
verá ser irrigado com solução de hipoclorito de sódio.
bactérias. A adição de EDTA proporciona a essa asso-
ciação a ação quelante sobre o cálcio das paredes denti-
nárias do canal radicular.
Ácido cítrico
Stewart et al.160, empregando RC-Prep e hipoclo- O ácido cítrico é um ácido orgânico (ácido 2-hi-
rito de sódio a 5% na instrumentação de canais radi- droxi propano tricarboxílico), sólido e cristalino, quan-
culares de dentes despulpados e infectados, obtiveram do à temperatura ambiente, muito solúvel na água
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 549
(133g/100mL de água em temperatura ambiente), que baixo pH (2,15) devido à presença do ácido cítrico e é
atua sobre os tecidos mineralizados do dente, promo- recomendado para irrigação final do canal, após o em-
vendo a sua desmineralização, podendo ser emprega- prego do NaOCl. A tetraciclina presente, além de par-
do na remoção da smear layer, após o preparo químico- ticipar da remoção da porção inorgânica da smear layer
mecânico do canal radicular. por quelar cálcio, também tem efeitos antibacterianos
sobre grande parte dos patógenos endodônticos. A for-
H2 – C – COOH ma de utilização proposta é o uso de NaOCl a 1,3%
| durante o preparo químico-mecânico, seguido de irri-
HO – C – COOH
| gação final com MTAD, o qual é deixado no canal por
H2 – C – COOH 5 minutos172. Torabinejad et al.170 demonstraram que o
MTAD é bastante eficaz para remover a smear layer e
Quanto à concentração do ácido cítrico a ser usa- apresenta melhor comportamento sobre a dentina do
da em Endodontia, não há consenso entre os autores, que o EDTA, não afetando significativamente a estru-
os quais indicam concentração entre 1 e 50%16,81,133,180. tura dos túbulos dentinários.
Silveira148, trabalhando com ácido cítrico a 10%, Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia an-
como solução química na instrumentação de dentes timicrobiana do MTAD. Torabinejad et al.171 relataram
de cães, observou que 24 horas após o tratamento, na que as zonas de inibição do crescimento e as concentra-
maioria dos casos, os cotos pulpares exibiam mode- ções inibitórias mínimas do MTAD contra o E. faecalis
rado a intenso infiltrado neutrofílico, que se estendia foram comparáveis ao NaOCl a 5,25% e significativa-
ao ligamento periodontal. Nesses cotos notou, ainda, mente mais eficazes do que o EDTA. Newberry et al.101
vasos hiperemiados, fibroblastos e neutrófilos em de- relataram que o MTAD apresentou eficácia antibacte-
generação e necrose da porção mais coronária voltada riana contra várias cepas de E. faecalis. Portenier et al.120
para o canal principal. demonstraram que o MTAD elimina E. faecalis in vitro
Segundo Smith e Wayman157, o ácido cítrico a 50% em menos que 5 minutos. Contudo, seus efeitos foram
possui atividade antibacteriana contra o E. faecalis. Para retardados quando na presença de dentina ou albumi-
Nikolaus et al.104, o ácido cítrico a 50% é efetivo contra na bovina.
bactérias anaeróbias. Todavia, Pupo et al.122, testando O MTAD não apresenta grande eficácia contra
a atividade antibacteriana de soluções para irrigação biofilmes de E. faecalis quando comparado in vitro com
de canais radiculares, frente a E. faecalis, Staphylococcus outras substâncias. Um estudo avaliando a eficácia de
albus e microbiota mista oriunda de canais radicula- soluções químicas usadas no preparo químico-mecâ-
res, observaram que o ácido cítrico só foi bactericida nico de canais radiculares na eliminação de biofilmes
na concentração de 50% quando atuou por 10 minutos de E. faecalis demonstrou que o percentual de morte
contra o S. albus. Para os demais micro-organismos não bacteriana no biofilme induzido pelas soluções testa-
foi efetivo, assim como nas concentrações de 1 e 10%. das foi a seguinte em ordem decrescente de eficácia:
O efeito antibacteriano do ácido cítrico está rela- NaOCl a 6% (>99,9%), NaOCl a 1% (99,8%), smear cle-
cionado com seu baixo pH (1,45 a 1,5), que promove a ar (78,1%), clorexidina a 2% (60,5%), REDTA (26,9%)
desnaturação de proteínas, mormente as enzimas47,157. e MTAD (16,1%)39.
Porém, este pH ácido pode ter efeito adverso no tecido Estudos utilizando dentes extraídos com canais
perriradicular devido ao possível efeito citotóxico. experimentalmente contaminados também têm ava-
Soluções de ácido cítrico podem ser empregadas liado os efeitos antimicrobianos do MTAD. Em um
na remoção do componente mineralizado da smear experimento utilizando canais contaminados com E.
layer. Quando do seu uso, devemos dar preferência às faecalis, Shabahang e Torabinejad145 relataram que o
soluções de menores concentrações16,134,148. protocolo utilizando NaOCl a 1,3% + MTAD foi signi-
ficativamente mais eficaz do que protocolos utilizando
NaOCl a 5,25% associado ou não ao EDTA. Em outro
MTAD estudo do mesmo grupo, Shabahang et al.144 relataram
O MTAD (Biopure, Dentsply, Tulsa, OK, EUA) é que o MTAD foi significativamente mais eficaz do que
um produto comercial para uso no preparo químico- o NaOCl a 5,25% em desinfetar canais de dentes ex-
mecânico de canais radiculares. Consiste em uma Mis- traídos experimentalmente contaminados com saliva.
tura de um isômero da Tetraciclina (doxiciclina), Ácido Dados controversos foram relatados por um outro es-
cítrico e um Detergente (Tween 80). O MTAD tem um tudo na eliminação de E. faecalis de canais experimen-
550 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
talmente contaminados. Enquanto uma desinfecção sulta em um produto de cor vermelha ou púrpura que
significativa foi obtida quando da utilização do NaOCl tem alta afinidade pela hidroxiapatita. No caso especí-
a 5,25% + EDTA, cerca de 50% dos canais ainda per- fico, o processo de degradação oxidativa é deflagrado
maneceram contaminados após emprego do NaOCl a pelo NaOCl como agente oxidante e pode ser preve-
1,3% + MTAD74. nido pela irrigação do canal com ácido ascórbico, um
Shabahang et al.146 acrescentaram a clorexidina ao agente redutor, antes da aplicação do MTAD.
MTAD ou usaram-na em substituição à doxiciclina e Em um estudo clínico, Torabinejad et al.172 compa-
avaliaram seus efeitos na desinfecção de canais de den- raram os níveis de dor pós-operatória após utilização
tes extraídos contaminados com E. faecalis. Seus resul- de dois protocolos para remoção da smear layer: NaOCl
tados demonstraram que, embora o acréscimo de clo- a 5,25% + EDTA ou NaOCl a 1,3% + MTAD. Os autores
rexidina não tenha exercido impacto sobre a eficácia do não encontraram diferenças significantes entre os dois
MTAD, a sua utilização como substituto da doxiciclina grupos.
reduziu significativamente a eficácia da solução. Todos esses achados revelam que o MTAD pode
Uma das vantagens da doxiciclina presente no ser uma boa opção para remoção da smear layer e para
MTAD é que, por ser quelante de íons cálcio, ela pode promover uma desinfecção complementar ao preparo
se ligar às paredes do canal e ser liberada em solução químico-mecânico. Todavia, antes que seu uso seja am-
quando sua concentração local decair. Isso representa plamente recomendado há necessidade da publicação
o efeito de substantividade que pode resultar em ati- de estudos clínicos randomizados demonstrando a efi-
vidade antibacteriana prolongada. Um estudo revelou cácia desse produto.
que a substantividade antibacteriana do MTAD à den- O Tetraclean (Ogna Laboratori Farmaceutici,
tina foi superior à da clorexidina a 2% e durou cerca de Muggio, Itália) é uma outra combinação recomendada
28 dias95. para irrigação, com composição muito semelhante ao
Os efeitos da atividade antibacteriana prolongada MTAD, mas com menor concentração de doxiciclina.
devido à substantividade e da remoção da smear layer Um estudo do grupo proponente revelou que o Tetra-
podem fazer com que o MTAD auxilie a obturação do clean foi mais eficaz do que o MTAD contra biofilmes
canal radicular na prevenção da reinfecção. Ghoddusi de E. faecalis51.
et al.50 avaliaram o efeito da irrigação final com MTAD
na infiltração bacteriana de canais obturados com guta-
percha e cimento AH-Plus ou de Rickert. Streptococcus
Água de cal
mutans foi utilizado como marcador. Os resultados re- De acordo com a Farmacopeia dos Estados Uni-
velaram que a utilização do MTAD ou do EDTA para dos do Brasil, a água de cal é “uma solução saturada de
remoção da smear layer conferiu maior resistência à hidróxido de cálcio puro, pró-análise, em água recente-
infiltração bacteriana quando comparada com a utiliza- mente fervida e resfriada (cerca de 0,14g de hidróxido
ção do grupo em que a smear layer não foi removida. De- de cálcio em 100mL de água)”. A água de cal é límpida
Deus et al.33 avaliaram os efeitos da irrigação final com e apresenta pH aproximado de 11.
o MTAD para remoção da smear layer no selamento pro- Nery et al.99 verificaram a reação do coto pulpar
movido pela obturação do canal e não encontraram di- e tecidos perirradiculares de dentes de cães a algumas
ferenças entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA substâncias empregadas no preparo químico-mecânico
e o grupo onde a smear layer não foi removida. Por sua dos canais radiculares. Entre as várias substâncias tes-
vez, em um estudo de infiltração de corante, Park et al.108 tadas, as menos irritantes foram o soro fisiológico, a
relataram que os espécimes que foram submetidos à água destilada e a água de cal.
remoção da smear layer com MTAD apresentaram sig- A solução aquosa de hidróxido de cálcio apresen-
nificativamente menos infiltração do que aqueles onde ta alta tensão superficial 66,82 dinas/cm116, ausência de
a smear layer não foi removida. Não houve diferença atividade solvente de tecido pulpar96 e atividade anti-
entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA. bacteriana extremamente baixa159. Consequentemente,
Um estudo relatou a ocorrência de pigmenta- a água de cal não possui propriedades que a indiquem
ção avermelhada ou purpúrea da dentina quando ca- como solução química auxiliar da instrumentação de
nais foram irrigados com NaOCl a 1,3% seguido de canais radiculares.
MTAD165. Isso se dá devido a uma reação do tipo redox Deve ser acondicionada em frasco de cor âmbar
que se assemelha ao mecanismo de pigmentação pela para evitar alterações pela ação da claridade. Tem seu
tetraciclina, no qual a foto-oxidação da tetraciclina re- uso recomendado para irrigações de canais radicula-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 551
res de dentes com vitalidade pulpar e rizogênese in- química, o hipoclorito de sódio e a água oxigenada são
completa. Em casos de hemorragia pulpar, podemos inativados após a reação química. A água oxigenada
empregá-la como substância hemostática, que atua reduz e neutraliza o hipoclorito de sódio, resultando
por vasoconstrição, eliminando, assim, a possibilidade em pouco ou nenhum cloro disponível para ter efeito
de hemorragia tardia. Também podemos empregar a antimicrobiano9. Dessa forma, o rápido efeito letal do
água de cal nas manobras e tratamento conservador ácido hipocloroso sobre micro-organismos é perdido.
pulpar32. É possível que, pelo método de Grossman, o efeito an-
timicrobiano ocorra principalmente no momento em
Água oxigenada (peróxido de hidrogênio) que o hipoclorito de sódio é utilizado, decaindo rapi-
damente quando da neutralização.
O peróxido de hidrogênio (H2O2) é um agente oxi-
Se o uso de água oxigenada 10 vol., em alternân-
dante, apresentando-se sob forma de um líquido inco-
cia com o hipoclorito de sódio a 5,25%, deve ou não ser
lor, transparente e altamente instável. É empregado em
recomendado continua sendo um tema a ser debatido e
soluções aquosas, cuja instabilidade é proporcional ao
requer pesquisas adicionais para determinar as verda-
aumento e concentração. É miscível em água em todas
deiras vantagens clínicas. Embora não haja vantagem
as proporções4.
aparente, também não há desvantagem na alternância
A água oxigenada USP, 10 volumes (peróxido de
das duas soluções durante o preparo químico-mecâni-
hidrogênio a 3%), apresenta pH de 3,5 e libera oxigênio
co do sistema de canal. A primeira e a última irrigação
sob influência de calor, luz e em contato com bases e
de cada ciclo do método devem ser feitos com o hipo-
com o hipoclorito de sódio54,63.
clorito de sódio.
O peróxido de hidrogênio (água oxigenada) quan-
do em contato com sangue produz reação efervescen-
te, liberando oxigênio nascente, produzindo hemólise Glicerina e outras soluções
e hemoglobinólise e removendo detritos do interior do A glicerina (propanotriol) é um líquido incolor,
canal radicular. Como agente oxidante evita que o san- inodoro ou quase inodoro, viscoso, transparente, esté-
gue penetre nos canalículos dentinários e altere a cor ril, não tóxico e inteiramente miscível em água. É um
dos dentes. excelente lubrificante das paredes do canal, muito em-
Diante de matéria orgânica, essa substância apre- pregada na exploração ou no cateterismo de canais ra-
senta uma atividade antibacteriana limitada, além de diculares atresiados. Uma vez completada a sua finali-
ser ineficaz como solvente de tecido necrosado e como dade, por ser miscível em água, é facilmente removida
solução irrigadora, na limpeza do sistema de canais do canal radicular, por irrigação com solução aquosa,
radiculares63,179.
como soluções de hipoclorito de sódio4,32.
O uso alternado do hipoclorito de sódio com o
Como não possui atividade solvente de tecido ou
peróxido de hidrogênio, conhecido como método de
antimicrobiana, deve ser usada em canais atresiados
Grossman, tem sido proposto no preparo químico-
até o instrumento endodôntico alcançar o comprimen-
mecâncio de canais radiculares. Ao se associarem essas
to total do canal radicular.
duas substâncias, há o desenvolvimento de efervescên-
A água destilada, soluções anestésicas ou soro fisioló-
cia, oriunda da liberação de oxigênio nascente54. A rea-
gico são indicados como soluções irrigantes dos canais
ção, quando da associação, dá-se da seguinte forma:
radiculares. Essas soluções não apresentam atividades
antimicrobiana e de dissolução de tecido, sendo indi-
NaOCl + H2O2 NaCl + H2O + O2
cadas apenas na irrigação final do canal radicular. Não
HIPOCLORITO ÁGUA CLORETO ÁGUA OXIGÊNIO
DE SÓDIO OXIGENADA DE SÓDIO devem ser empregadas como soluções químicas auxi-
liares da instrumentação12,32,98.
A razão alegada para se utilizar o método de Gros-
sman seria que a efervescência gerada iria maximizar a
limpeza do canal, favorecendo a remoção de detritos e
Irrigação-Aspiração
a eliminação de micro-organismos. No entanto, estudos Irrigação representa a aplicação de um líquido
não evidenciaram maiores benefícios no que se refere medicinal sob pressão nas cavidades dos organismos.
à limpeza e à desinfecção do canal com emprego desse No tratamento endodôntico, a irrigação é repre-
método, quando comparado ao uso isolado do hipoclo- sentada por uma corrente líquida no interior da cavi-
rito de sódio152,162. Como podemos verificar na equação dade pulpar. A aspiração é a ação de atrair, por sucção,
552 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A B
de uma substância química auxiliar dotada de proprie- do canal radicular. A chegada da solução irrigante a
dades físicas e químicas adequadas, mas também de determinadas áreas é um fator crítico, principalmente
um mecanismo eficiente de irrigação-aspiração. É pre- no segmento apical, onde se observa a maior incidên-
ciso salientar que diversos fatores influenciam na efici- cia de curvaturas e ramificações, as quais dificultam a
ência desse mecanismo, entre os quais destacamos: limpeza e o saneamento dos canais radiculares nessa
região.
Propriedades físicas da solução irrigante Entre as propriedades físicas que a solução irri-
Para melhorar a eficiência da irrigação-aspiração gante deve possuir para que a irrigação-aspiração pos-
é imprescindível o íntimo contato (molhamento) entre sa ser um procedimento efetivo na limpeza do canal
a solução irrigante e os resíduos existentes no interior radicular destacamos a tensão superficial e a viscosida-
554 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
de. As soluções irrigantes devem possuir pequeno coe- agulha. O diâmetro do preparo do canal está relacio-
ficiente de viscosidade e pequena tensão superficial. nado com o diâmetro e a conicidade do instrumento
endodôntico empregado. Dados experimentais indi-
Anatomia do canal radicular cam que o diâmetro final de um canal radicular, após
A complexidade anatômica do sistema de canais a instrumentação usando o movimento de alargamen-
é um fator decisivo na qualidade de limpeza das pa- to, é superior (aproximadamente 6%) ao diâmetro do
redes radiculares. Quanto mais amplo e reto o canal, instrumento usado85. O diâmetro externo das agulhas
mais fácil é a limpeza, não só pela maior penetração da irrigadoras mais empregadas no preparo químico-me-
agulha, como pela possibilidade do uso de agulhas de cânico dos canais radiculares varia de 0,25mm a 0,5mm
maior diâmetro, que levam maior volume de líquido e o comprimento útil é de 25mm. Quanto menor o diâ-
irrigante. A presença de curvaturas acentuadas é um metro da agulha mantendo-se a mesma força aplicada
fator limitante da penetração da agulha. Nesses casos, no êmbulo da seringa, maior será a velocidade e o al-
o líquido deve ser levado para além da região de curva- cance do jato na saída da agulha.
tura pelo canal helicoidal do instrumento endodôntico O jato da solução irrigante no interior de uma canal
ou por agulhas irrigadoras flexíveis (Fig. 13-6A e B). radicular alcança em média 2 a 3mm além da ponta da
No início da instrumentação dos canais atresia- agulha70. Isso ocorre devido à convergência das paredes
dos, a solução química não consegue penetrar em toda dos canais radiculares em sentido apical e à coluna de
a extensão do canal, devido a suas dimensões exíguas ar aprisionada na extremidade do canal. Assim, o seg-
e à presença de bolhas de ar. Para minimizar esse pro- mento apical dos canais radiculares é adequadamente
blema, devemos manter o compartimento coronário da irrigado quando a extremidade da agulha irrigadora
cavidade pulpar preenchido com a solução emprega- alcança 3mm aquém do comprimento de trabalho. Agu-
da. A movimentação do instrumento durante o prepa- lhas irrigadoras com pontas fechadas e ranhura lateral
ro endodôntico favorece a penetração e a renovação da (canelura) próxima à extremidade para a saída da solu-
solução química. ção irrigante devem ser posicionadas mais próximas ao
comprimento de trabalho, ou seja, a 1mm145,182.
Diâmetro das agulhas irrigadoras
A profundidade atingida por uma agulha irri- Técnica de preparo de canal radicular
gadora no interior de um canal radicular depende da Nas fases iniciais do preparo químico-mecânico
relação/diâmetro do preparo do canal-diâmetro da de um canal radicular, a técnica de instrumentação
utilizada pode favorecer a penetração da agulha ir- • Favorecem a limpeza e a modelagem de um canal
rigadora em sentido apical e, em consequência, pro- radicular. Quanto maior o diâmetro da instrumen-
mover maior limpeza do canal durante a irrigação- tação apical, maior a redução de tecidos e de micro-
aspiração. organismos do interior de um canal radicular.
Diversos estudos indicam que os resíduos pre- • Favorecem o mecanismo de irrigação-aspiração. O
sentes no segmento apical são eliminados com maior maior diâmetro da instrumentação apical permite um
eficiência quando empregamos, no preparo químico- maior avanço da agulha irrigadora em sentido apical.
mecânico, a técnica escalonada coroa-ápice em vez da • Permitem um volume maior de solução química auxi-
convencional ou escalonada ápice-coroa2,45,86. liar dentro do canal radicular durante o preparo quí-
O preparo no sentido coroa-ápice promove uma mico-mecânico. Para soluções químicas de uma mes-
maior remoção de tecido dentário junto à região cervi- ma concentração, quanto maior o volume, maior será
cal do canal radicular. Essa maior ampliação do canal, sua atividade solvente de tecido e antimicrobiana.
em nível cervical, funciona como uma zona de escape
acentuada, diminuindo a pressão unidirecional apical,
Material utilizado
favorecendo o refluxo da solução irrigante. Permite
também maior penetração da agulha irrigadora em Para a irrigação são usados dispositivos geradores
sentido apical, facilitando, assim, a irrigação-aspiração de pressão, agulhas irrigadoras e soluções irrigantes.
e, consequentemente, melhor limpeza do segmento A seringa plástica hipodérmica tipo Luer Lock ou
terminal do canal radicular (Fig. 13-7). seringas especiais (Ultradent, Utah, USA), de 3 ou 5mL,
Para Abou-Rass e Jastrab2, o preparo do segmento é o dispositivo gerador de pressão mais usado durante
cervical e médio, antes do apical, favorece a penetração a irrigação dos canais radiculares. A solução química
da solução irrigadora, facilita a remoção de detritos da é retirada do frasco comercial e acondicionada em um
região apical e, em consequência, reduz a possibilidade recipiente esterilizado, na quantidade prevista de uso
de extrusão de material para o periápice. durante o preparo químico-mecânico do canal. Sobras
A ampliação maior de um canal radicular até o de solução não devem retornar ao frasco original, mas
comprimento de trabalho resulta em uma limpeza e sim descartadas. Seringas de plástico devem ter pre-
modelagem melhor do que uma ampliação menor. ferência sobre as de vidro. São descartáveis e mais se-
Diâmetros maiores de instrumentos endodônticos guras quanto ao extravasamento acidental da solução
para instrumentação de canais radiculares: química por meio da conexão agulha/bico da seringa
(Fig. 13-8A e B).
Normalmente, a solução química é recolhida pela
seringa destituída da agulha irrigadora, procurando
utilizar-se toda a capacidade de carga do seu cilindro.
A seguir, a agulha é adaptada assepticamente à serin-
ga, com o auxílio de uma pinça clínica, ficando o con-
junto pronto para uso.
A seringa tipo carpule também é utilizada por
alguns profissionais, sendo a solução química acondi-
cionada, comercialmente ou não, em tubos anestésicos
vazios previamente esterilizados.
Em ambos tipos de seringa a pressão irrigadora é
regulada pela força manual aplicada sobre o êmbolo.
A pressão irrigadora também pode ser gerada por
meio de dispositivos mecânicos. Dentre os disponíveis
podemos mencionar o Peri-Pump (Adiel Comercial
Ltda., Ribeirão Preto, SP), o 200 pump (VKDriller Equi-
pamentos Elétricos Ltda., São Paulo, SP) e EndoVac
(Smart Endodontics, USA).
Bombana e Gavini14, empregando as formas de
Figura 13-7. Preparo do canal radicular no sentido coroa-ápice fa- irrigação manual, com seringas carpule e pressuriza-
vorece o avanço da agulha irrigadora em sentido apical. da (sistema Ideal-Jet), concluíram que a utilização do
556 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A B
Figura 13-8. Seringas plásticas para irrigação. A. Seringa hipodérmica tipo Luer. B. Seringa especial.
sistema pressurizado dá maior praticidade ao trabalho quanto a acidentes, em relação ao paciente e ao opera-
endodôntico, propicia fluxo contínuo da solução irri- dor, diminuindo a possibilidade de alterar a direção do
gante pelo tempo que se desejar e pode promover uma jato, quando ocorre a deformação do bisel. As agulhas
limpeza mais eficiente dos canais radiculares. comercializadas para a irrigação em Endodontia não
A maior eficiência da limpeza com o emprego do apresentam bisel (Fig. 13-9A e B).
sistema pressurizado pode ser atribuída à maior ener- As agulhas anestésicas e especiais geralmente têm
gia cinética do líquido, em razão do aumento da velo- seu diâmetro expresso em Gauge. A equivalência apro-
cidade do jato. ximada em milímetro é mostrada no Quadro 13-7.
Agulha irrigadora é um tubo cilíndrico por onde Em relação ao diâmetro, quanto menor, mais
passam ou saem líquidos tendo uma extremidade rom- facilmente ela penetra no canal vencendo curvaturas
ba e, na outra, um dispositivo metálico ou plástico de graças à sua flexibilidade. Se necessário o dobramen-
adaptação ao bico de uma seringa. to, ele deverá ser em forma de arco e não de ângulo.
As agulhas irrigadoras usadas em Endodontia O dobramento em ângulo deve ser evitado para não
são obtidas a partir de agulhas hipodérmicas, agulhas ocorrer a redução da área do furo interno longitudi-
anestésicas tipo carpule ou agulhas especiais. As agu- nal do tubo e dificultar a saída do líquido.
lhas hipodérmicas são identificadas por dois números, Entre as agulhas irrigadoras especiais podemos
sendo que o primeiro determina seu comprimento em destacar as fabricadas em aço inoxidável ou em NiTi.
milímetros (no 20, 25, 30...) e o segundo (3, 4, 5...), e seu As agulhas de irrigação Endo-Eze são fabricadas
diâmetro externo em décimos de milímetro (0,3, 0,4, em aço inoxidável pela Ultradent (Utah, EUA) nos di-
0,5mm). âmetros Gauge 27, 30 e 31. A de diâmetro 30 Gauge
A remoção do bisel da extremidade da agulha não (0,3mm) é a mais utilizada e conhecida pela denomi-
é necessária para melhorar a efetividade da limpeza do nação de Navitip. São fornecidas nos comprimentos
canal. Todavia, a sua remoção aumenta a segurança de 16 e 19mm (x-curta), 20 e 23mm (curta), 24 e 27mm
Gauge Milímetro
23 0,70
24 0,60
25 0,50
27 0,40
30 0,30
sugador tenha a capacidade de esvaziar 1 litro de negativa apical (corrente líquida no sentido coroa-ápi-
líquido em 90 segundos. Tal capacidade possibilita ce), que permite grande segurança aos tecidos perirradi-
o estabelecimento de um fluxo contínuo entre a ex- culares durante o procedimento de irrigação-aspiração.
tremidade da agulha irrigadora e a ponta da cânula O sistema é constituído de uma ponta principal
aspiradora79,107. (cabeça) de irrigação-aspiração, sendo a irrigação re-
Durante o preparo químico-mecânico devemos alizada por uma cânula metálica acoplada no interior
empregar cânulas aspiradoras de maior diâmetro de uma cânula plástica de aspiração – a cânula plástica
(40:20), em consequência da maior quantidade de (aspiração) é mais curta do que a metálica (irrigação);
detritos a serem removidos do interior do canal de duas cânulas de aspiração, sendo uma macrocânula
radicular. Após o preparo, isto é, quando se dese- de plástico e outra microcânula metálica de aço inoxi-
ja somente a aspiração, com o objetivo de auxiliar a dável.
secagem do canal, é aconselhável o emprego suces- A ponta de irrigação-aspiração tem a cânula de
sivo de cânulas de plástico (Ultradent, Utah, EUA) irrigação acoplada a uma seringa comum, e a cânula
de 30mm de comprimento e diâmetros em D0 de de aspiração, a um dispositivo de alta capacidade de
0,5mm (roxa) e 0,7mm (verde) capazes de penetrar sucção do equipamento odontológico. Um tubo plásti-
até o segmento apical, eliminando, de forma mais co pequeno conecta também a macro ou a microcânula
adequada, a solução irrigante (Fig. 13-14A e B). de aspiração ao dispositivo de sucção do equipamento
odontológico. A ponta de irrigação-aspiração promove
EndoVac os dois procedimentos (irrigação-aspiração) simulta-
O sistema EndoVac (Discus Dental, Culver City, neamente na câmara pulpar. A macrocânula plástica
CA, EUA) é um novo sistema de irrigação-aspiração de aspiração possui uma abertura na ponta de 0,55mm
proposto por John Schoeffel, um endodontista norte- e conicidade de 0,02mm/mm. A microcânula metáli-
americano136,137. O sistema é baseado em cânulas aspi- ca de aspiração com extremidade fechada e diâmetro
radoras especiais usadas em um sistema que permite a externo de 0,32mm possui 12 microfuros vazados de
utilização de grandes volumes de NaOCl, em pressão 0,1mm de diâmetro. Os microfuros localizados lateral-
mente no 1mm final da microcânula metálica estão dis-
tribuídos em quatro fileiras de três furos. O primeiro
furo dista 0,37mm da ponta, e a distância entre os furos
é de 0,2mm (Figs. 13-15 e 13-16).
B
Figura 13-15. Sistema EndoVac. Microcânula metálica de aspira-
Figura 13-14. Cânulas aspiradoras. A. Metálica. B. Plástica. ção. Eletromicrografia.
560 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A B
C D
Figura 13-17. Sistema EndoVac. A. Conjunto de seringa, cânulas e tubos plásticos. B. Ponta principal de irrigação-aspiração. C. Ponta prin-
cipal de irrigação-aspiração e macrocânula plástica de aspiração em uso clínico. D. Ponta principal de irrigação-aspiração e microcânula
metálica de aspiração em uso clínico.
entre ela e a parede radicular, permitindo que o líquido (instrumento de no 35). Mesmo em canais com curva-
reflua livremente. Por outro lado, para que a agulha turas severas o diâmetro do preparo apical não deve
penetre facilmente no canal, inclusive vencendo possí- jamais ser inferior ao de um instrumento de no 35. Isso
veis curvaturas, é preciso que seja flexível, condição só pode ser alcançado com segurança, empregando-se
encontrada nas de menor diâmetro. Ainda como van- instrumentos de NiTi de diâmetros acima dos no 20 ou
tagem, preconizam que o uso de agulhas de pequeno 25 de aço inoxidável.
diâmetro permite controle mais fácil do volume e da Senia et al.143 verificaram que a profundidade da
pressão de líquido sobre os tecidos perirradiculares. agulha de irrigação exerce um papel importante na re-
No interior de um canal o alcance do jato da solu- moção de resíduos do interior dos canais radiculares.
ção irrigante alcança 3 a 4mm apical da ponta da agu- Para realizar a irrigação-aspiração convencional,
lha. Assim, na irrigação-aspiração convencional a agu- a agulha irrigadora deve ocupar a posição mais apical
lha de irrigação deve ser introduzida o mais próximo possível sem, contudo, obstruir a luz do canal radi-
do comprimento de trabalho para aumentar a eficiên- cular a fim de permitir o refluxo da solução irrigante
cia da irrigação-aspiração. A agulha de menor diâme- promovido pela ponta aspiradora colocada ao nível da
tro recomendada para a irrigação é a de no 30 (0,3mm). embocadura do canal. Sendo a cânula cilíndrica e o ca-
Consequentemente, para essa agulha alcançar as proxi- nal cônico, haverá entre ambos um trajeto de refluxo,
midades do comprimento de trabalho, o diâmentro mí- denominado área de refluxo, cuja menor área de seção
nimo da instrumentação apical deverá ser de 0,35mm transversal se situa ao nível da ponta da agulha irriga-
562 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
contrariando as afirmações de Baker et al.6, salientam que Após a irrigação-aspiração fazemos a aspiração fi-
nem sempre o volume maior de líquidos produz melho- nal para conseguirmos a secagem do canal. Nessa fase,
res resultados na remoção de resíduos dos canais radicu- as agulhas de maior diâmetro são substituídas pelas de
lares. Vande-Visse e Brilliant175, estudando a extrusão de menor diâmetro à medida que a cânula avança em sen-
material além do forame apical afirmam que o simples tido apical. A secagem final do canal é completada com
uso da solução irrigante facilita a extrusão apical. cones de papel absorvente. O diâmetro do cone deve
Para Schafer136, o protocolo de irrigação-aspiração estar próximo ao do canal radicular. Quanto maior essa
sugerido é: entre instrumento de 2 a 5mL de hipoclori- diferença, maior será o número de cones necessários
to de sódio; após o preparo de 5 a 10mL de hipoclorito para secá-lo. Entretanto, para que se elimine a umida-
de sódio; após o preparo, 5mL de EDTA por canal por de contida no interior do canal radicular é necessário
um minuto; irrigação-aspiração final com 2mL de hi- que o cone de papel tenha grande capacidade de absor-
poclorito de sódio. ção de massa de líquido.
Yamada et al.181 recomendam 10 a 20mL de irri- A presença de umidade é um dos fatores que po-
gante para cada canal, seguido de um grande volume dem influenciar no selamento apical e, consequente-
após o término do preparo. mente, no êxito da obturação do canal radicular.
Podemos observar que os autores abordam, ge- A capacidade de absorção dos cones de papel é
nericamente, a importância do volume da solução em- influenciada por alguns fatores: natureza da matéria-
pregada durante o preparo químico-mecânico do ca- prima empregada; solubilidade do papel e da cola;
nal. Não há citações de valores nominais dos volumes processo e lote de fabricação dos cones e natureza das
utilizados. Embora o volume possa variar, em razão soluções químicas empregadas35,65. Para Lopes et al.80,
de diversos fatores, indicamos como rotina o empre- além desses fatores, a microestrutura dos cones exer-
go de 3 a 5mL de líquido para cada irrigação-aspiração ce influência na sua capacidade de absorção. Os co-
do canal radicular. Quanto maior o volume de líquido nes, com predominância de fibras entrelaçadas, pouca
empregado na irrigação, maior a eficiência da limpeza. quantidade de substância aglutinante e grande quanti-
Todavia, o aumento do número de irrigações para o dade de espaços vazios, apresentaram maior capacida-
mesmo volume de líquido empregado terá efeito mais de de absorção de massa de líquido. Os cones de papel
significativo na dispersão das partículas e, consequen- absorvente das marcas comerciais Dentsply (Dentsply
temente, na limpeza do canal do que o emprego desse Ind. Com. Ltda.) e Odahcan (Herpo Produtos Dentá-
mesmo volume em apenas uma irrigação. rios Ltda.) apresentaram os melhores resultados.
A irrigação-aspiração é empregada antes, durante
e após o preparo químico-mecânico do canal radicu- “Smear layer”
lar. Após o acesso endodôntico, devemos empregar a O objetivo do preparo químico-mecânico é lim-
irrigação-aspiração com o objetivo de remover detritos par, ampliar e dar forma definida ao canal radicular
dentinários, material obturador e tecido pulpar presen- para que ele possa receber o material obturador.
tes na câmara pulpar. O sucesso da terapia endodôntica depende do
Durante o preparo químico-mecânico do canal método e da eficiência desse preparo, da desinfecção
radicular realizamos a irrigação-aspiração seguida da e da obturação tridimensional do canal. Diferentes ti-
inundação da cavidade pulpar a cada sequência de em- pos de instrumento, manuais, sônicos, ultrassônicos ou
prego de um mesmo instrumento e a cada mudança acionados a motor e soluções químicas, têm sido em-
de instrumento. Esse procedimento tem como objetivo pregados nesses procedimentos.
remover os detritos mantidos em suspensão no inte- Algumas técnicas laboratoriais têm sido utilizadas
rior do canal radicular e permitir a renovação da solu- para a avaliação da eficiência do preparo químico-me-
ção química auxiliar da instrumentação. Geralmente, cânico no que diz respeito à limpeza do canal radicular.
usamos a mesma solução (hipoclorito de sódio a 2,5%), Entre essas técnicas destacamos a microscopia óptica,
quer na irrigação-aspiração, quer no preenchimento do corantes, substâncias radiopacas e a microscopia ele-
canal, como solução química auxiliar. trônica da varredura. Observações realizadas com mi-
A irrigação-aspiração final tem como objetivo croscopia eletrônica de varredura, após o preparo quí-
principal remover traços das drogas usadas durante mico-mecânico, têm revelado a presença de diminutos
o preparo do canal ou como medicamento intracanal. restos dentinários e uma substância amorfa aderida às
Geralmente, empregamos de 3 a 5mL de líquido na ir- suas paredes, formando um aglomerado pastoso, que
rigação final. se deposita, principalmente, na região apical: a smear
564 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
layer88,89,140. Essa denominação foi dada por Boyde et tes na parede dentinária durante a instrumentação do
al.15, que foram os primeiros a descrever essa formação canal3,92,140,181.
na superfície de esmalte cortado pela ação de brocas. McComb e Smith92 sugeriram que a smear layer,
McComb e Smith92 observaram essa camada nas pare- associada ao tratamento endodôntico, consiste não
des dos canais radiculares instrumentados e relataram apenas de dentina, como a da cavidade coronária, mas
sua semelhante aparência à smear layer coronária. também de remanescentes de componentes odonto-
A smear layer é também denominada lama endo- blásticos, tecido pulpar e bactéria. Desse modo, apre-
dôntica, magma dentinário, barro dentinário e camada sentam em sua composição substâncias orgânicas e
residual, e representa a formação de qualquer resíduo inorgânicas. A porção inorgânica é formada por ras-
produzido pela ação de corte de um instrumento sobre a pas de dentina e materiais inorgânicos não específicos,
dentina, esmalte ou cemento12,68,79,84,107 (Fig. 13-20A e B). oriundos do tecido dentário calcificado. A orgânica
Em Endodontia, a instrumentação do canal radi- pode ter como componentes tecido pulpar vivo ou ne-
cular produz a smear layer similar àquela formada du- crótico, remanescentes de processos odontoblásticos,
rante o preparo da cavidade, independentemente do proteínas coaguladas, células sanguíneas, saliva e bac-
tipo de instrumento e da técnica de instrumentação térias e seus produtos140. De acordo com Cameron22, a
empregados121. smear layer apresenta alta quantidade de componente
Em razão da provável influência da smear layer na orgânico, nos estágios iniciais da instrumentação, em
permeabilidade dentinária e reflexos sobre a ação dos razão da presença de tecido pulpar vivo ou necrótico.
medicamentos intracanais e do selamento das obtura- Outro aspecto a ser considerado é que ela pode
ções, o seu estudo e sua caracterização têm aumentado ser observada no plano frontal à abertura do túbu-
na prática endodôntica. Seu efeito de “isolante cavitá- lo dentinário, bem como no lateral, acompanhando
rio natural” tem sido avaliado e, dependendo do crité- a sua extensão. A smear do plano frontal (smear layer)
rio, pode ser considerado benéfico ou deletério89,111,140. apresenta-se como uma camada fina, irregular, gra-
Pelo fato de ser uma camada muito fina e solúvel nulosa, friável e pouco aderida à superfície do canal
em ácido, a smear layer é solubilizada durante o proces- radicular. É separada, estruturalmente, da dentina
samento histológico, não permitindo estudos à luz da subjacente, possui espessura que pode variar de 1 a
microscopia óptica. Essa é uma das razões pelas quais 5μm, e sua morfologia depende do tipo de instrumento
recebeu pouca atenção ao longo do tempo e somente empregado, do grau de umidade da dentina no mo-
pode ser revelada e analisada pela microscopia eletrô- mento do corte, da quantidade e composição química
nica de varredura88. da substância auxiliar e das características anatômicas
A smear layer tem uma aparência amorfa irregular do canal. A do plano lateral se apresenta comprimida
e granular quando vista pela microscopia eletrônica de no interior dos túbulos dentinários, sendo denominada
varredura. Essa aparência é devida à movimentação smear plug. Como os túbulos aumentam de diâmetro à
e brunimento dos componentes superficiais presen- medida que se aproximam do canal, supõe-se que mais
A B
Figura 13-20A e B. Eletromicrografia evidenciando smear layer após instrumentação de um canal radicular.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares 565
fragmentos sejam impelidos para o seu interior do que Para Ostavik e Haapasalo105, a smear layer retarda,
os que se abrem na superfície externa da dentina88,92. mas não impede a ação de desinfetantes. Entretanto,
Garberoglio e Brannström48 observaram que, com a remoção da camada, bactérias presentes nos
próximo à polpa, o diâmetro dos túbulos é em tor- túbulos dentinários podem ser facilmente destruídas
no de 2,5μm, na região média de 1,2μm e, na denti- em razão da maior difusão de medicamentos através
na superficial, de 0,9μm. A penetração da smear plug da dentina17. Desse modo, essa remoção permite o uso
no interior dos túbulos dentinários varia de 1 a 5μm, de agentes bacterianos de menor concentração e/ou
podendo atingir até 40μm. Essa compressão de mate- quantidade, o que será benéfico, uma vez que esses
rial para o interior dos túbulos dentinários é devida agentes mostram algum grau de toxicidade às células
à ação dos instrumentos endodônticos88. Entretanto, do hospedeiro.
para Cengiz et al.24, a penetração da smear poderia ser Outra importante consideração em Endodontia
causada pela ação de capilaridade, como um resulta- é o selamento total do canal para impedir possível in-
do de forças adesivas entre os túbulos dentinários e o filtração de exsudato tecidual ou saliva, o que poderá
material residual. causar futura falha do tratamento endodôntico. A re-
A smear layer, quando examinada pela microsco- moção da smear layer facilita a penetração dos cimentos
pia eletrônica de varredura, poderia ser considerada obturadores nos túbulos dentinários e melhora a adap-
impermeável. Todavia, experimentos in vivo e in vitro tação do cone de guta-percha às paredes do canal, au-
têm mostrado sua permeabilidade111. mentando a eficiência seladora da obturação49.
A microinfiltração do canal radicular é definida
Remoção da smear layer: sim versus não como a passagem de micro-organismos, fluidos e subs-
As vantagens e desvantagens de remover ou não tâncias químicas entre a parede dentinária e o material
a smear layer, após a instrumentação do canal radicu- obturador do canal radicular. A microinfiltração resul-
lar, são questões ainda controvertidas. Parece que a ta na presença de um espaço preenchido com fluido
necessidade e a importância da remoção da smear layer na interface do material obturador e da parede do ca-
estão condicionadas ao conteúdo do canal radicular nal radicular. Esse espaço pode ser resultado de uma
(polpa viva ou necrosada) e à manutenção de um ca- adaptação deficiente do material obturador na parede
nal asséptico89. do canal, solubilização do cimento ou expansão ou
No tratamento de dentes, onde não há contami- contração do cimento selador. Existem duas interfaces
nação e é mantida a cadeia asséptica, a remoção da potenciais de infiltração: entre a guta-percha e o cimen-
camada residual não seria necessária. Se uma contami- to ou entre o cimento e a parede do canal radicular. A
nação por infiltração ou queda do selamento coronário maior infiltração ocorre entre o cimento e a parede do
ocorrer, a presença da smear layer diminui a aderência canal radicular69.
e a penetração de bactérias nos túbulos dentinários. A smear layer na parede do canal atua como uma
No entanto, ocorrerá a contaminação da própria smear barreira física intermediária e pode interferir na adesão
layer, sendo, então, necessária a sua remoção38. e penetração do selador no interior dos túbulos den-
No tratamento de canais infectados há uma forte tinários. Assim, torna-se fácil entender a preocupação
razão para a eliminação da smear layer. Nesses casos, as de autores em relação à remoção da camada de smear
bactérias penetram nos túbulos dentinários e podem ser layer previamente à obturação do canal radicular, com
encontradas mais profundamente na dentina. Mesmo o objetivo de permitir a penetração do cimento obtu-
após o preparo químico-mecânico do canal, algumas rador nos túbulos dentinários promovendo o embrica-
bactérias ainda aí permanecem, assim como nos túbu- mento mecânico e aumentando a ligação mecânica do
los dentinários17. Na ausência do cemento radicular e material obturador com a parede do canal radicular.
na existência de comunicação com o exterior (ligamen- Entretanto, não há na literatura evidências de correla-
to periodontal), as bactérias presentes podem iniciar ção direta entre a infiltração e a penetração do material
e/ou manter complicações, como reabsorções radicu- obturador no interior dos referidos túbulos140.
lares e patologias perirradiculares. Nessas condições, A infiltração no canal radicular é um assunto
a presença da smear layer “protege” as bactérias, impe- complexo, em função da existência de inúmeras va-
dindo que os medicamentos entrem em contato com as riáveis: anatomia e diâmetro de dilatação do canal;
paredes do canal ou, até mesmo, que penetrem nos tú- natureza e volume da solução irrigadora; método
bulos dentinários92. A formação da smear layer reduz a empregado na remoção da smear layer; propriedades
permeabilidade da dentina radicular de 25 a 49%46. físicas e químicas dos cimentos seladores; técnica de
566 Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A B
Figura 13-21A e B. Eletromicrografia evidenciando remoção da smear layer de um canal radicular (emprego de EDTA e NaOCl).
com a ação química da solução, removem com maior Para Takeda et al.163, as paredes dos canais radi-
eficiência a smear layer. culares irradiadas pelo laser de Er:YAG ficam livres de
O ultrassom pode ser um meio auxiliar para a re- restos teciduais, a smear layer é evaporada e os túbulos
moção da smear layer quando aliado ao uso combinado dentinários abertos. Concluíram que a irradiação com
de grandes volumes de soluções de quelante seguido laser Er:YAG é um método eficiente na eliminação da
de solvente. Segundo Cheung e Stock26, a circulação de smear layer das paredes do canal radicular.
um grande volume de solução dentro de um canal ra- Guerisoli et al.57 averiguaram a capacidade de re-
dicular é o que favorece a maior capacidade de limpeza moção da smear layer com o laser de Er:YAG compara-
do ultrassom quando comparada à irrigação manual. do ao EDTAC quando da aplicação no interior do canal
Outra vantagem é que a microcorrente acústica do sis- radicular. Os autores concluíram que quando associa-
tema ultrassônico direciona um fluxo contínuo de solu- do ao hipoclorito de sódio a 1% o laser de Er:YAG é tão
ção química ao longo do instrumento endodôntico no eficiente quanto o EDTAC na remoção da smear layer
interior do canal radicular, favorecendo a remoção da presente nos canais radiculares. Pécora et al.115 obser-
smear layer. varam que após a aplicação do laser Er:YAG ocorreu
O laser, abreviatura de Light Aplification by Sti- aumento da permeabilidade dentinária.
mulated of Radiation, que significa ampliação da luz Assim, o uso do laser em trabalhos experimentais
por emissão estimulada de radiação, está sendo em- tem mostrado resultados promissores na remoção da
pregado em Odontologia com diversas finalidades, smear layer remanescentes das paredes dos canais ra-
sendo que na Endodontia sua importância é destaca- diculares.
da na remoção da smear layer, por meio do processo de
ablação (ação de arrancar, cortar) pelos lasers de alta
potência. Entre esses se destaca o de Er:YAG, que pos- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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effectiveness of citric acid as root canals irrigant. J Endod, dontics. 2a ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1996.
1986; 12: 54-8. 180. Wayman BE, Kopp WM, Pinero GJ, Lazzari EP. Citric and
158. Spanó JCE. Estudo “in vitro” das propriedades físico-químicas lactic acids root canals irrigants in vitro. J Endod, 1979; 5:
das soluções de hipoclorito de sódio, em diferentes concentrações, 258-65.
antes e após a dissolução de tecido pulpar bovino. Dissertação 181. Yamada RS, Armas A, Goldman M, Lin PS. A scanning elec-
(Mestrado) – Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, tron microscopic comparation of a high volume final flush
Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 1999: 99. with several irrigating solutions: Part 3. J Endod, 1983; 9:
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Rev. Gaúcha Odontol, 1989; 37(5): 346-8. 182. Zehnder M. Root canal irrigants. J Endod, 2006; 32: 389-98.
Capítulo 14
Medicação
Intracanal
573
574 Capítulo 14 Medicação Intracanal
b) Impedir a proliferação de
micro-organismos que sobreviveram ao
preparo químico-mecânico
Quando um canal é selado coronariamente após
a sua instrumentação, restaura-se a atmosfera de C
anaerobiose, e o fluxo de fluidos teciduais ou exsu-
dato inflamatório ricos em proteínas e glicoproteínas Figura 14-2. Ramificação do canal. A. Dente diafanizado. (Gentileza
do Dr. Armelindo Roldi.) B. Corte histológico evidenciando remanes-
para o interior daquele pode sustentar o crescimento centes teciduais não removidos pelo preparo. C. Corte demonstrando
de micro-organismos, mormente os anaeróbios estri- intensa colonização de uma ramificação apical por bactérias gram-
tos, que porventura tenham sobrevivido ao preparo positivas. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
Medicação Intracanal 575
A B C
Figura 14-3. Istmo entre os canais mesiais do molar inferior. A. Dente diafanizado. (Gentileza do Dr. Armelindo Roldi.) B e C. Cortes histoló-
gicos demonstrando remanescentes teciduais após completo preparo químico-mecânico. Bactérias nessa região não são significativamente
afetadas pelo preparo químico-mecânico.
A A
químico-mecânico. Estudos têm demonstrado que nação do canal através da saliva ocorrerá por: solu-
micro-organismos remanescentes podem proliferar bilização e permeabilidade do medicamento ou per-
rapidamente no interior do sistema de canais radi- colação de saliva na interface entre o medicamento
culares se nenhum medicamento for utilizado entre e as paredes do canal. Entretanto, se o medicamento
as sessões de trabalho, podendo inclusive alcançar possuir atividade antimicrobiana, a sua neutraliza-
magnitude de contagem similar àquela antes da ção por parte da saliva deve preceder a invasão mi-
instrumentação15,16,175. crobiana.
Medicamentos aplicados em toda a extensão do
canal radicular podem funcionar como barreira física, As pastas de hidróxido de cálcio funcionam como
impedindo o suprimento de substratos na forma de uma barreira físico-química, retardando significativa-
fluidos teciduais para os micro-organismos que sobre- mente a recontaminação do canal quando da exposição
viveram ao preparo químico-mecânico e limitando o à saliva por perda do selador coronário. O tempo mé-
espaço para a multiplicação microbiana. dio observado para ocorrer a total recontaminação de
um canal medicado com hidróxido de cálcio pode ser
de aproximadamente 15 dias. O efeito físico de preen-
c) Atuar como barreira físico-química chimento parece exercer maior influência na prevenção
contra a infecção ou reinfecção por da reinfeccção do que o efeito químico149.
micro-organismos da saliva
Canais instrumentados podem ser contamina- d) Reduzir a inflamação perirradicular e
dos/recontaminados e infectados/reinfectados entre consequente sintomatologia
as sessões de tratamento por diferentes motivos: mi-
Um dos aspectos importantes da terapia endo-
croinfiltração por meio do selador temporário; per-
dôntica é manter ou restaurar o conforto do paciente.
da ou fratura do material selador e/ou da estrutura
Assim, em determinadas situações clínicas, como na
dentária. Infecção/reinfecção do sistema de canais
periodontite apical aguda e no abscesso perirradicular
radiculares obviamente ameaça o sucesso da terapia
agudo, onde há sintomatologia devido à inflamação
endodôntica.
perirradicular, faz-se necessário o emprego de um me-
Medicamentos intracanais podem impedir a pe-
dicamento intracanal com o intuito de reduzir a inten-
netração de micro-organismos da saliva no canal por
sidade da resposta inflamatória.
duas maneiras:
Medicamentos que inibem ou reduzem a resposta
inflamatória perirradicular têm um consequente efeito
1. Barreira química. Medicamentos que possuem efei-
analgésico, uma vez que a dor é um dos sinais cardeais
tos antimicrobianos podem atuar como barreira
da inflamação. De todos os medicamentos propostos
química contra a microinfiltração, eliminando mi-
para atuar dessa forma, os corticosteroides, sem dú-
cro-organismos e impedindo sua entrada no canal.
vida alguma, são os mais eficazes. Medicamentos que
Substâncias aplicadas em mechas de algodão coloca-
possuem atividade antimicrobiana podem exercer efei-
das na câmara pulpar, como o tricresol formalina e o
to indireto sobre a resposta inflamatória, por eliminar a
paramonoclorofenol canforado (PMCC), agem des-
sua causa, isto é, micro-organismos presentes no inte-
sa maneira. A contaminação ou recontaminação do
rior do sistema de canais radiculares.
canal só ocorrerá após a exposição à saliva quando
o número de células microbianas exceder a ativida-
e) Controlar exsudação persistente
de antimicrobiana do medicamento. Por sua vez, a
saliva pode diluir o medicamento e neutralizar seus Em determinadas situações clínicas, podemos ob-
efeitos, permitindo, assim, a invasão microbiana do servar a persistência de um exsudato seroso no canal,
canal. O tricresol formalina e o paramonoclorofenol como consequência de reação inflamatória dos tecidos
canforado, aplicados na câmara pulpar, não conse- perirradiculares frente à injúria persistente de origem
guem retardar por muito tempo a recontaminação microbiana. A presença física desse exsudato cria um
do canal após exposição à saliva149. ambiente extremamente úmido que impede a obtenção
2. Barreira física. Medicamentos que preenchem toda de um adequado selamento do canal radicular quan-
a extensão do canal podem funcionar como uma do da sua obturação, além de indicar que o tratamento
barreira física à invasão de micro-organismos pro- não está sendo eficaz para eliminar a causa da inflama-
venientes da saliva. A contaminação ou recontami- ção perirradicular.
Medicação Intracanal 577
A persistência de exsudação no canal indica que canal em um ambiente asséptico, reduzindo os riscos
irritantes permanecem atuando sobre os tecidos perir- de exacerbações. Compostos aldeídicos, como o tricre-
radiculares. O preparo químico-mecânico deve ser re- sol formalina, têm sido utilizados com esse propósito.
visado com o comprimento de trabalho reavaliado e, Após a confecção da cavidade de acesso em dentes
então, um medicamento intracanal que possua eficácia com polpa necrosada, o tricresol seria aplicado em
antimicrobiana deve ser aplicado em todo o canal, vi- uma mecha de algodão na câmara, permanecendo por
sando à eliminação de micro-organismos persistentes 48 horas. Findo esse período, o preparo do canal, com
e à consequente redução da inflamação perirradicular. um suposto conteúdo inerte, seria iniciado. Tal con-
As pastas de hidróxido de cálcio agem dessa forma. duta, porém, não apresenta respaldo científico e será
mais bem discutida na seção sobre esse medicamento
f) Solubilizar matéria orgânica neste mesmo capítulo.
Outras substâncias possuem efeito neutralizante
O preparo químico-mecânico tem como finalida-
específico sobre determinados produtos bacterianos tó-
de a limpeza do sistema de canais radiculares, onde
xicos. Por exemplo, o hidróxido de cálcio, quando em
todo conteúdo orgânico, infectado ou não, deve ser
contato direto, pode neutralizar endotoxinas bacterianas
removido. A permanência desses resíduos pode fun-
(lipopolissacarídeos), importantes fatores de virulência
cionar como reservatório de micro-organismos, que
de bactérias gram-negativas. Todavia, uma vez que esse
podem comprometer o sucesso da terapia endodôntica
medicamento somente é empregado após a completa
a longo prazo.
instrumentação do canal radicular, não teria o efeito
É preciso ressaltar que durante o preparo quími-
proposto de “neutralizar antes de instrumentar”.
co-mecânico a ação do instrumento endodôntico se
realiza somente no canal principal, permanecendo ina-
h) Controlar reabsorção dentária
cessíveis os canais laterais, ramificações apicais, istmos
inflamatória externa
e áreas de reabsorções dentárias. Assim, a remoção do
tecido vital ou necrosado que preenche essas áreas de- A reabsorção dentária inflamatória externa pode
penderá da ação solvente da solução química auxiliar, ocorrer após traumatismo dentário6,197. Lesões traumá-
do fluxo da solução irrigadora durante a aspiração e ticas menores do ligamento periodontal e/ou do ce-
da ação de substâncias empregadas como medicamen- mento podem causar pequenas cavidades de reabsor-
to intracanal. Como será discutido adiante, é bastante ção na superfície radicular. Essas cavidades se comu-
questionável se um medicamento intracanal pode re- nicam diretamente com a polpa por meio dos túbulos
almente auxiliar na limpeza do sistema de canais ra- dentinários. Se a polpa e os túbulos estiverem infecta-
diculares. dos, micro-organismos passam a apresentar contato di-
reto com o ligamento periodontal, o que pode susten-
g) Neutralizar produtos tóxicos tar uma reabsorção dentária inflamatória externa5,136.
A reabsorção inflamatória externa também pode estar
Durante a terapia endodôntica em dentes com ne- associada a uma lesão perirradicular crônica, mesmo
crose pulpar, não é raro o aparecimento de indesejáveis sem história prévia de trauma, afetando a porção api-
complicações pós-operatórias. A intervenção pouco cal da raiz.
cautelosa em um meio geralmente bastante infectado Para o tratamento da reabsorção inflamatória ex-
favorece a projeção de micro-organismos e de seus terna, após o preparo químico-mecânico, é imprescin-
produtos tóxicos, presentes no canal radicular, para a dível o uso de um medicamento intracanal com ativi-
região perirradicular, o que pode ocasionar manifesta- dade antimicrobiana para tentar debelar a infecção in-
ções dolorosas de intensidades imprevisíveis. tratubular, fator que mantém o processo reabsortivo.
Tem sido proposto que a neutralização mediata
das toxinas e a redução da população microbiana da
i) Estimular a reparação por tecido
cavidade pulpar podem ser alcançadas com o empre-
go de determinados medicamentos, antecedendo o
mineralizado
preparo químico-mecânico do canal radicular. A prin- Nos casos de perfurações e reabsorções radicu-
cípio, utilizar uma substância que neutralize o conteú- lares, assim como nos dentes com rizogênese incom-
do tóxico do sistema de canais radiculares, tornando-o pleta, medicamentos intracanais são utilizados com a
inerte, parece um procedimento interessante. Isso per- intenção de favorecer a reparação através da deposição
mitiria, em uma consulta posterior, a penetração no de um tecido mineralizado.
578 Capítulo 14 Medicação Intracanal
parcialmente em laboratório, capazes de inibir o desen- o PMC está associado à cânfora usualmente na propor-
volvimento ou matar outros micro-organismos. Isola- ção 3,5:6,5 (SS White). Tem sido relatado que meno-
damente ou combinados com outras drogas, têm sido res concentrações de PMC podem apresentar melhor
pouco empregados como medicamento intracanal, compatibilidade biológica e ainda reter o poder bacte-
devido ao risco de haver sensibilização do paciente ou ricida178.
de haver desenvolvimento de resistência bacteriana. Siqueira et al.151, testando a atividade antibacteria-
Como medicamento intracanal, os antibióticos não são na do PMC aquoso a 2%, do PMC associado a Furacin
superiores aos antissépticos comuns87,136,141. (PMC-Fur) e do PMCC (35% de PMC e 65% de cânfora)
contra bactérias anaeróbias estritas (Porphyromonas en-
dodontalis, Porphyromonas gingivalis, Fusobacterium nu-
MEDICAMENTOS UTILIZADOS cleatum, Propionibacterium acnes e Bacteroides fragilis) e
Paramonoclorofenol ou paraclorofenol anaeróbia facultativa (Enterococcus faecalis), concluíram
que o PMCC e o PMC-Fur apresentaram os maiores ha-
O paramonoclorofenol (PMC) foi introduzido na
los de inibição de crescimento antibacteriano, e o PMC
Odontologia por Walkhoff, em 1891207. Seu uso se fun-
a 2% apresentou baixa atividade antibacteriana, evi-
damenta nas propriedades antissépticas do fenol e do
denciada pelos pequenos halos de inibição observados
íon cloro que, na posição para do anel fenólico, é libera-
em volta do medicamento.
do lentamente. Apresenta-se sob a forma de cristais e
Esses resultados demonstraram que o PMCC
possui odor fenólico característico.
apresenta elevada atividade antibacteriana contra as
A combinação do PMC com outras substâncias, ou
bactérias anaeróbias estritas testadas. Tais achados em
a sua diluição, tem sido proposta com o objetivo de po-
relação ao PMCC contra bactérias anaeróbias são con-
tencializar a atividade antimicrobiana e reduzir a citoto-
firmados por Ohara et al.97. O efeito letal do PMC sobre
xicidade do medicamento. A forma em associação com a
micro-organismos se dá por destruição da membrana
cânfora tem sido a mais utilizada em Odontologia.
celular, pela desnaturação de proteínas (mormente as
Quimicamente, a cânfora é uma cetona terpênica
de membrana), pela inativação de enzimas, como as
bicíclica, derivada do canfeno e obtida da canforeira,
oxidases e desidrogenases, e pela liberação de cloro,
árvore da família das lauráceas. Apresenta-se sob a for-
um forte agente oxidante, que inativa enzimas conten-
ma de cristais incolores ou massas cristalinas friáveis
do grupamentos sulfidrila (SH).
e translúcidas, untuosas ao tato. Tem odor penetrante
característico e sabor amargo. É uma substância aro-
mática, muito pouco solúvel em água (1:800). Tricresol formalina ou formocresol
Da combinação do PMC com a cânfora, em partes Tricresol formalina ou formocresol são denomina-
variáveis, forma-se uma mistura líquida denominada ções para o mesmo medicamento quanto à composição
PMCC. Além de a cânfora funcionar como veículo, química. Todavia, apresentam concentrações diferen-
também reduz o potencial irritante do PMC. tes de formalina em suas formulações: tricresol forma-
O PMCC desempenha sua atividade antimicro- lina (em torno de 90%) e formocresol (19 a 43%).
biana pelo contato direto do líquido com os micro- O tricresol formalina é um composto à base de
organismos ou pela ação dos vapores liberados147. No formaldeído e cresol. O formaldeído é um gás produ-
entanto, sua ação quando da aplicação em uma mecha zido pela incompleta combustão do metanol, é solú-
de algodão na câmara pulpar no intuito de que os va- vel em água, com solução na concentração aquosa de
pores tenham efeito antimicrobiano no canal é impre- aproximadamente 38 a 40% de formaldeído em peso,
visível e usualmente efêmera, durando no máximo 48 chamado formalina.
horas13,68,85. Graças à sua baixa tensão superficial (36,7d/ A ação antimicrobiana da formalina se dá pela
cm2), atua por capilaridade, agindo assim, a distância, ação alquilante sobre proteínas e ácidos nucleicos do
no interior dos túbulos dentinários e nas ramificações micro-organismo, que se caracteriza pela substituição
do canal radicular86,91. do átomo de hidrogênio de uma hidroxila ou sulfidrila
A proporção mais empregada é a recomendada por um radical hidroximetil, causando dano ou perda
por Sommer et al.176, que utiliza três partes de PMC para de atividade dessas biomoléculas. A difusão da forma-
sete de cânfora. Segundo os autores, esta associação é lina pelos tecidos moles é aproximadamente cinco ve-
bactericida e perde praticamente suas propriedades ir- zes mais lenta que a difusão por meio do plasma san-
ritantes sob condições de uso clínico. Comercialmente, guíneo. A formalina atua na corrente sanguínea pela
580 Capítulo 14 Medicação Intracanal
indução de formação de trombos, resultando em áreas neutralizar o tecido pulpar necrosado em toda a sua
de isquemia. Sabe-se que a formalina é altamente irri- extensão. Se aplicado em grande quantidade, visando
tante aos tecidos vivos. a maximizar tais efeitos, o medicamento pode ter um
O outro constituinte é o tricresol, que está em sus- forte efeito irritante sobre os tecidos perirradiculares.
pensão aquosa em forma de três isômeros de metilfe- Assim, o controle da quantidade e da concentração do
nol (orto, meta e para). É derivado do “carvão de breu” medicamento atuante na total neutralização do con-
e é um antisséptico quatro ou cinco vezes mais ativo teúdo pulpar parece extremamente difícil. A quantidade
que o fenol em ação local, mas considerado menos tó- do medicamento depende do tamanho da câmara pul-
xico. Foi adicionado ao formaldeído para diminuir as par. Sendo o volume de tricresol formalina pequeno, é
propriedades irritantes. possível que essa substância apenas promova uma neu-
tralização parcial de produtos tóxicos e a eliminação de
micro-organismos em limitada profundidade no tecido
OH OH OH
pulpar em contato com a mecha de algodão contendo o
CH3 medicamento. Por fim, cumpre salientar que o tecido vi-
tal ou necrosado, fixado por compostos aldeídicos, não
CH3 é inerte, apresentando efeitos tóxicos e antigênicos11,195.
CH3 Dessa forma, ainda haverá o risco de ocorrer uma agu-
ortocresol metacresol paracresol
dização na segunda consulta, após o suposto emprego
sólido incolor líquido incolor sólido incolor “neutralizador” do tricresol formalina.
Deve-se ter em mente que a infecção do sistema de
canais radiculares só é controlada de forma eficaz após
O tricresol formalina é um potente agente anti- o completo preparo químico-mecânico, após a aplica-
microbiano e age tanto por contato quanto a distância ção de uma medicação intracanal adequada e após a
(por meio de vapores)28,147. A ação antimicrobiana prin- realização de uma obturação que promova o selamento
cipal se deve à porção formaldeídica do medicamento. tridimensional do sistema de canais radiculares.
Buckley12 afirmou em 1905 que quando o tricre-
sol formalina é aplicado sobre uma polpa necrosada há
transformação dos gases bacterianos e outros elemen-
ASSOCIAÇÃO
tos tóxicos em sólidos e líquidos não irritantes. Assim, o CORTICOSTEROIDE-ANTIBIÓTICO
formol e o tricresol iriam neutralizar componentes tóxi- O emprego de uma associação corticosteroide-
cos da infecção pulpar. Contudo, deve-se ter em mente antibiótico atenua a intensidade da reação inflamatória
que essa hipótese foi fundamentada nos conhecimen- provocada pelo ato cirúrgico e uso de drogas, favore-
tos disponíveis naquela época, isto é, há mais de 100 cendo a eliminação da dor pós-operatória. Os corticos-
anos. Atualmente, sabe-se que bactérias colonizando o teroides de efeito anti-inflamatório moderado, como a
sistema de canais radiculares podem liberar inúmeras hidrocortisona e a prednisolona, usados na medicação
outras substâncias envolvidas na patogenicidade, tais intracanal em doses diminutas, não produzem efeitos
como: endotoxinas, exotoxinas, ácidos graxos de cadeia sistêmicos significantes, o que permite seu uso com se-
curta (ácidos acético, succínico, butírico, isovalérico, gurança.
propiônico etc.), enzimas (colagenase, condroitina- É preciso advertir que não se pode depreender ser
se, hialuronidase, hemolisinas, fosfolipases, proteases a reação inflamatória indesejável. Pelo contrário, ela é
etc.), metil mercaptana, sulfeto de hidrogênio etc.158. tida como um fenômeno necessário para o completo e
Assim, tendo em vista a síntese de uma gama variada normal desenvolvimento do processo de reparação. O
de fatores bacterianos tóxicos, é extremamente questio- que se espera da terapia com corticosteroides é minimi-
nável se o tricresol formalina, ou qualquer outro me- zar a reação inflamatória inicial, de modo a não atingir
dicamento, seja dotado da capacidade de neutralizar níveis excessivos capazes de provocar danos teciduais
todos eles. Além disso, sabe-se que fixadores teciduais mais graves.
são eficazes sobre tecidos vitais para análise histológi- Várias associações e produtos comerciais têm
ca. A fixação de tecidos necrosados e degenerados não sido sugeridos para utilização endodôntica. Entretan-
é usualmente eficaz. Também é muito pouco provável to, abordaremos o Otosporin (FQM, Rio de Janeiro, RJ),
que a quantidade de droga aplicada em uma mecha de proposto por Holland et al.54,59, que consiste na asso-
algodão na câmara pulpar seja suficiente para fixar e ciação da hidrocortisona com os antibióticos sulfato
Medicação Intracanal 581
picante. Exposto ao ar úmido, absorve umidade. Mis- Quando em associação com o hidróxido de cálcio, fun-
tura-se em qualquer proporção com água e álcool. ciona como veículo biologicamante ativo e oleoso, em
Os veículos oleosos, em função de serem muito função de possuir eficácia antimicrobiana e a cânfora
pouco solúveis na água, conferem à pasta de hidróxido ser considerada um óleo essencial com baixa solubili-
de cálcio pouca solubilidade e difusão junto aos teci- dade em água. As preparações usualmente disponíveis
dos. Como veículos oleosos podem ser mencionados no comércio odontológico são compostas por 35% de
alguns ácidos graxos, como o ácido oleico, linoleico e PMC e 65% de cânfora.
isosteárico, o óleo de oliva, o óleo de papoula-lipiodol, Trabalhos de Naumovich91 e de Milano et al.86
o silicone e a cânfora-óleo essencial do PMC. As pastas revelaram que o PMCC apresenta baixa tensão super-
LC (Herpo Produtos Dentários Ltda., Rio de Janeiro) ficial (36,7 e 37,2 dinas/cm2, respectivamente). Além
e Vitapex (Neo Dental Chemical Products Co., Tóquio, disso, os compostos fenólicos são solúveis em lipídios.
Japão) são exemplos de formulações comerciais que Essas duas características permitem que essa substân-
utilizam veículos oleosos. cia apresente maior penetrabilidade tecidual, aumen-
Os ácidos graxos apresentam as seguintes caracte- tando seu raio de atuação dentro do sistema de canais
rísticas: possuem mais de 10 carbonos na cadeia, o que é radiculares.
normal, podendo ter ou não duplas ligações. São mono- Como já esclarecido, o PMCC possui atividade
carboxílicos e têm número par de átomos de carbono. bactericida por romper a membrana citoplasmática
O ácido isosteárico é saturado e apresenta a fór- bacteriana, desnaturar proteínas (principalmente as
mula funcional C17H35-COOH. O ácido oleico é insa- de membrana) e inativar enzimas, como oxidases e de-
turado com uma dupla ligação e fórmula funcional sidrogenases bacterianas. Além disso, também libera
C17H-33-COOH. O ácido linoleico é insaturado, apresen- cloro, que tem forte poder antibacteriano.
tando duas ligações duplas e fórmula funcional C17H31-
COOH. Substâncias adicionais
Algumas substâncias químicas, além dos veí-
Óleo de Oliva culos, têm sido acrescidas ao hidróxido de cálcio, no
intuito de melhorar suas propriedades físico-químicas
O óleo de oliva purificado é um líquido amarelo- para utilização clínica, como a própria radiopacidade.
claro ou verde-claro, odor característico, insolúvel na As substâncias associadas normalmente são: carbonato
água, ligeiramente solúvel no álcool. Quimicamente, de bismuto, sulfato de bário, iodofórmio e o óxido de zinco80.
compõe-se de ésteres de ácidos graxos de cadeias linea-
res longas (C18), entre os quais se destacam os seguintes:
Carbonato de bismuto – Bi2(CO3)3
É um pó branco-amarelado, inodoro, insípido,
Ácidos Variação percentual
insolúvel na água, ótima radiopacidade, boa fluidez e
Oleico 56,00 – 83,00% não altera o pH, tampouco a cor branca do hidróxido
de cálcio.
Palmítico 7,50 – 20,00%
Sulfato de bário – BaSO4
Linoleico 3,50 – 20,00%
É um pó branco, fino, pesado, inodoro, insípido,
Palmitoleico 0,30 – 3,50% insolúvel na água e solventes orgânicos. Favorece o es-
coamento da pasta e atua como agente radiopaco.
Esteárico 0,50 – 3,50%
radicular, sendo perfeitamente tolerado pelos tecidos de cálcio, podem combinar-se com proteínas pre-
perirradiculares. sentes na substância intercelular das células en-
doteliais, formando complexos de proteinato de
Óxido de zinco – ZnO cálcio177. Esses atuariam como pontes interendote-
É um pó branco ou branco-amarelado, inodoro, liais, reduzindo a permeabilidade vascular e a con-
amorfo, insolúvel na água e no álcool. É radiopaco, li- sequente saída de fluido para o tecido. Esse meca-
geiramente antisséptico. nismo parece muito pouco provável de acontecer.
Primeiro, por ser o hidróxido de cálcio pouco so-
Colofônia ou breu lúvel, a quantidade de íons cálcio disponível para
exercer tal efeito é muito baixa. Além disso, esses
É uma resina sólida de origem vegetal, composta íons reagiriam inicialmente com o CO2 tecidual e
principalmente de anidridos dos ácidos abiético, sapí- com proteínas presentes na matriz extracelular e no
nico e pimárico. Apresenta-se como sólido amorfo, cor exsudato, sendo rapidamente consumidos. Segun-
de âmbar, praticamente insolúvel na água e fracamente do, as células endoteliais são unidas por zônulas de
solúvel no álcool e clorofórmio. Confere diversas van- oclusão e aderência, praticamente sem substância
tagens à pasta: escoamento, adesividade, corpo e endu- intercelular. Mesmo assim, durante um processo
recimento, diminuindo sua permeabilidade em contato inflamatório com aumento de permeabilidade vas-
com os líquidos teciduais. cular, essa união é rompida, abrindo canais nos va-
sos de aproximadamente 0,5 a 1µm de espessura,
Atividades do hidróxido de cálcio por onde passaria o fluido168. Assim, parece impro-
As pastas de hidróxido de cálcio, quando empre- vável a formação de tais pontes de proteinato de
gadas como medicamento intracanal, podem desempe- cálcio no espaço interendotelial. Não existe com-
nhar atividades biológicas, químicas e físicas, que pos- provação científica desse mecanismo de ação.
sibilitam à substância o exercício de diferentes funções. • Inibição da fosfolipase177. As enzimas fosfolipases
Vale ressaltar que, embora essas funções possam se A2 e C estão envolvidas na hidrólise de fosfolipídios
desenvolver simultaneamente, discutiremos cada uma da membrana citoplasmática, com consequente li-
isoladamente. A composição da pasta e a natureza do beração do ácido aracdônico. Esse é, então, oxidado
veículo podem influenciar as atividades do hidróxido por meio da enzima cicloxigenase, dando origem
de cálcio136,148. Como aclarado anteriormente, os veícu- às prostaglandinas, importantes mediadores quí-
los biologicamente ativos podem conferir efeitos adi- micos da inflamação168. Assim, substâncias que ini-
cionais aos proporcionados pelo hidróxido de cálcio. bem a ação da fosfolipase promovem a inibição da
síntese de prostaglandinas. Não existem evidências
Atividades biológicas do hidróxido de cálcio científicas que suportem essa ação do hidróxido de
cálcio. Se essa substância realmente age inibindo a
1 – Ação anti-inflamatória fosfolipase, essa inibição é possivelmente de cará-
Tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio tem ter inespecífico, graças ao seu elevado pH, que des-
a capacidade de controlar o processo inflamatório e, as- natura e inativa a enzima. Por outro lado, o efeito
sim, pode ser utilizado de forma eficaz no tratamento cáustico do hidróxido de cálcio pode causar lesão
não cirúrgico de dentes com lesões perirradiculares e celular, influxo de cálcio para o interior de células
nos casos com exsudação persistente51,177. Três meca- e ativação de fosfolipases, estimulando a síntese de
nismos de ação têm sido propostos para justificar os prostaglandinas. Agindo dessa forma, o efeito do
efeitos anti-inflamatórios do hidróxido de cálcio: hidróxido de cálcio será contrário ao sugerido, isto
é, pró-inflamatório.
• Ação higroscópica. Quando colocado em contato
com um tecido inflamado, o hidróxido de cálcio Até o presente momento, calcado na ausência de
pode absorver exsudato inflamatório, reduzindo a maiores evidências científicas, parece lícito afirmar que
pressão hidrostática tecidual. Essa absorção se deve o efeito anti-inflamatório direto do hidróxido de cálcio
ao fato de o hidróxido de cálcio ser hipertônico em é bastante questionável. Outrossim, quando aplicado
relação ao meio; no caso, os fluidos teciduais. diretamente sobre um tecido acometido por resposta
• Formação de pontes de proteinato de cálcio. Os inflamatória aguda, o hidróxido de cálcio promove a
íons Ca+2, oriundos da dissociação do hidróxido exacerbação do processo199, o que certamente não ocor-
Medicação Intracanal 585
reria se essa substância fosse dotada de ação anti-infla- organismo, visto que essa estrutura é responsável
matória. A característica de ser higroscópico não justi- por uma série de funções biológicas, tais como:
fica a atribuição de propriedades anti-inflamatórias ao • Atua como barreira osmótica (permeabilidade
hidróxido de cálcio, uma vez que o processo inflamató- seletiva) e transporte de moléculas, regulando a
rio não é inibido. Nesse caso, essa substância teria ape- entrada e saída de substâncias para o citoplasma,
nas um efeito osmótico, que poderia reduzir um dos sendo que quando danificada há o rompimento
sinais da inflamação, que é o edema. do equilíbrio entre os meios interno e externo da
célula. Há, então, o extravasamento de moléculas
para o compartimento extracelular e um maior in-
2 – Ação antimicrobiana fluxo de água e íons para o interior da célula, que
A grande maioria dos micro-organismos patogê- acaba morrendo.
nicos para o homem não é capaz de sobreviver em um • Contém citocromos e outras enzimas da cadeia
meio extremamente alcalino. Enquanto muitas espé- respiratória.
cies microbianas isoladas de canais radiculares conse- • Está envolvida na excreção de exoenzimas, envol-
guem manter sua viabilidade até cerca de pH 9, raras vidas na clivagem de polímeros orgânicos macro-
o fazem em meios que apresentam maiores valores de moleculares (proteínas, polissacarídios, lipídios),
pH. Alguns micro-organismos são exceções, como o E. com consequente obtenção de nutrientes.
faecalis, que pode sobreviver em pH 11,513, a Candida • Está envolvida na biossíntese da parede celular.
albicans209,211 e o Actinomyces radicidentis63. b) Inativação enzimática. Todo o metabolismo celular
Como o pH do hidróxido de cálcio é de cerca de é dependente de ação enzimática, a qual está direta-
12,8, depreende-se que praticamente todas as espécies mente relacionada com o pH do meio. Proteínas (nes-
bacterianas já isoladas de canais infectados são sensí- se caso em especial, as enzimas) e outras biomoléculas
veis aos seus efeitos, sendo eliminadas em curto perío- possuem uma faixa estreita de pH, onde a atividade
do quando em contato direto com essa substância. ou estabilidade é ótima, girando em torno da neutrali-
dade101. A alcalinização promovida pelo hidróxido de
Mecanismos de atividade antimicrobiana cálcio induz a desnaturação de enzimas por quebra
A atividade antimicrobiana do hidróxido de cál- de ligações iônicas, que mantêm sua estrutura terciá-
cio está relacionada com a liberação de íons hidroxila, ria (a forma como a proteína está disposta tridimen-
oriundos de sua dissociação em ambiente aquoso. Os sionalmente). Assim, a enzima mantém seu esqueleto
íons hidroxila são radicais livres altamente oxidantes covalente, mas a cadeia polipeptídica se desdobra ao
que apresentam extrema reatividade, ligando-se a bio- acaso em conformações espaciais variáveis e irregu-
moléculas próximas ao seu local de formação48, isto é, lares. Essa alteração de forma quase sempre resulta
onde o hidróxido de cálcio foi aplicado. Seu efeito letal em perda de atividade biológica. Inibida a atividade
se dá pelos seguintes mecanismos: enzimática, a célula morre.
c) Dano ao DNA. Os íons hidroxila reagem com o
a) Perda da integridade da membrana citoplasmá- DNA bacteriano, levando à cisão das fitas, acarre-
tica bacteriana. Isso ocorre devido à peroxidação tando a perda de genes e induzindo mutações37,61.
lipídica, que resulta na destruição de fosfolipídios, Isso gera inibição da replicação do DNA e desarran-
componentes estruturais da membrana37. Os íons jo da atividade celular.
hidroxila removem átomos de hidrogênio de ácidos
graxos insaturados, unidade básica dos lipídios, for- Há evidências científicas que demonstram que os
mando um radical lipídico livre, que reage com o três mecanismos realmente ocorrem. Assim, é difícil
oxigênio, transformando-se em um peróxido lipídi- estabelecer, em um sentido temporal, qual deles é o
co. Esse peróxido formado remove um outro átomo principal mecanismo responsável pela morte da célula
de hidrogênio de um segundo ácido graxo, culmi- microbiana quando exposta a uma base forte.
nando com a formação de outro peróxido lipídico.
Ocorre, então, uma reação autocatalítica em cadeia, Limitações do hidróxido de cálcio quanto à atividade
resultando na perda de ácidos graxos insaturados e antimicrobiana
em dano extenso à membrana citoplasmática, com Vários estudos têm confirmado que o hidróxido
perda de sua integridade19. O dano à membrana de cálcio realmente exerce um efeito letal sobre micro-
exerce papel importante na lise e morte do micro- organismos13,39,173. Contudo, esse efeito apenas foi obser-
586 Capítulo 14 Medicação Intracanal
vado quando a substância era colocada em contato direto Inúmeros estudos revelaram que o hidróxido
com micro-organismos, situação em que a concentração de cálcio não promove ação satisfatória sobre micro-
de íons hidroxila é máxima, atingindo níveis incompa- organismos presentes no interior de túbulos dentiná-
tíveis com a sobrevivência microbiana. Entretanto, estu- rios30,47,52,99,125,139,154,185,215. Orstavik e Haapasalo99 ob-
dos utilizando o teste de difusão em ágar demonstraram servaram que o hidróxido de cálcio pode levar até 10
que pastas de hidróxido de cálcio em veículos inertes dias para desinfetar túbulos dentinários infectados por
(como água destilada ou glicerina) foram ineficazes em facultativos. Siqueira e Uzeda139, trabalhando com in-
inibir o crescimento de várias espécies bacterianas anae- fecção intratubular, demonstraram que o hidróxido de
róbias estritas e facultativas1,27,41,141,145,150,151,155. cálcio associado à solução salina não foi eficaz na elimi-
Apesar de o hidróxido de cálcio apresentar baixa nação de E. faecalis, um facultativo, e de F. nucleatum,
o
solubilidade em água (1,2g/L a 25 C) e isso limitar sua um anaeróbio estrito, dentro dos túbulos dentinários,
difusibilidade, foi observado que as pastas contendo mesmo após uma semana de contato. Haapasalo e Ors-
essa substância promoveram halos de difusão no ágar. tavik47 observaram que uma pasta à base de hidróxido
Entretanto, sobre esses halos esbranquiçados foram de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia) falhou em
observadas colônias bacterianas, sugerindo que a di- eliminar, mesmo superficialmente, células de E. faecalis
fusão do material não foi suficiente para inibir o cres- dentro dos túbulos. Safavi et al.125 relataram que célu-
cimento bacteriano. Isso, provavelmente, ocorreu pelo las de Enterococcus faecium permaneceram viáveis no
fato de os meios de cultura possuírem em suas formu- interior de túbulos dentinários após tratamento com
lações substâncias tamponadoras. Assim, mesmo que uma pasta de hidróxido de cálcio em solução salina
sofra difusão, ela é lenta, graças à baixa solubilidade por períodos de tempo relativamente longos. Estrela et
da substância, o que faz com que os níveis de pH alcan- al.30 avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de
çados pelo meio não sejam elevados o suficiente para hidróxido de cálcio em solução salina no interior de tú-
apresentar atividade antimicrobiana. bulos dentinários, experimentalmente infectados com
As bases de metais alcalinos, como hidróxido de E. faecalis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudo-
sódio e hidróxido de potássio, apresentam alta solubi- monas aeruginosa ou com uma mistura dessas bactérias,
lidade e, dessa forma, se difundem bem em ambiente e relataram que a pasta foi ineficaz para desinfetar os
aquoso, o que explica a pronunciada atividade anti- túbulos mesmo após uma semana de contato. Sukawat
microbiana dessas substâncias155 (Fig. 14-7). Por outro e Srisuwan185 também relataram que uma pasta de hi-
lado, essa alta solubilidade e também a alta difusibili- dróxido de cálcio em veículo inerte (água destilada) foi
dade aumentam o poder tóxico dessas bases sobre cé- ineficaz para eliminar E. faecalis em túbulos dentinários
lulas eucarióticas, não sendo o seu uso recomendado após 7 dias de exposição. Resultados similares foram
na prática endodôntica. demonstrados por Weiger et al.215. Todos esses relatos
confirmam de forma inconteste que a pasta de hidróxi-
do de cálcio em veículo inerte é ineficaz em desinfetar
a dentina, pelo menos após única aplicação.
Para ser eficaz contra micro-organismos locali-
zados no interior dos túbulos dentinários, os íons hi-
droxila do hidróxido de cálcio devem difundir-se pela
dentina e alcançar níveis suficientes para ter efeito letal.
Foi demonstrado que a hidroxiapatita, principal com-
ponente inorgânico da dentina, tem efeito tampão para
substâncias alcalinas, graças à presença de doadores de
prótons em sua camada hidratada93,214.
Tronstad et al.198 demonstraram que o pH da den-
tina radicular de macacos foi elevado após curativos
intracanais com hidróxido de cálcio por 4 semanas.
Entretanto, os valores do pH foram decrescentes nas
porções dentinárias mais distantes do canal, onde o
Figura 14-7. Eficácia antibacteriana de três hidróxidos. Desses, ape-
nas o hidróxido de cálcio é seguro e, portanto, recomendado para medicamento foi aplicado. No canal, o pH foi superior
utilização em pacientes. Média contra bactérias orais. Dados segun- a 12,2; a dentina adjacente ao canal, em contato direto
do Siqueira et al.155. com o hidróxido de cálcio, apresentou pH variando en-
Medicação Intracanal 587
ação do hidróxido de cálcio, pela neutralização do pH. krusei (2 cepas) e C. tropicalis (2 cepas). A suscetibilida-
Dessa forma, a curto prazo, o hidróxido de cálcio ape- de de uma cepa de E. faecalis também foi avaliada para
nas destrói células bacterianas em contato direto com fins comparativos. Os micro-organismos permanece-
ele, i.e., na luz do canal principal ou na entrada dos ram em contato com o hidróxido de cálcio por 5 mi-
túbulos dentinários. Mas isso não representa maiores nutos a 6 horas. Comparadas ao E. faecalis, todas as es-
vantagens, uma vez que a instrumentação e a substân- pécies de Candida apresentaram resistência igualmente
cia química auxiliar também agem nessas regiões. alta ou até maior ao hidróxido de cálcio.
Uma outra espécie encontrada em associação com
Resistência microbiana ao hidróxido de cálcio o fracasso da terapia endodôntica – o A. radicidentis –
Além do fato de ser inativado pela dentina ou ou- também apresenta elevada resistência aos efeitos do
tros componentes teciduais, um outro fator ajuda a ex- hidróxido de cálcio18,63. Todavia, a prevalência dessa
plicar a ineficácia do hidróxido de cálcio em alguns ca- espécie em casos de fracasso é baixa quando avalia-
sos. Tem sido demonstrado que alguns micro-organis- da por uma técnica de Biologia Molecular sofisticada
mos são mais resistentes aos efeitos alcalinos do hidró- e altamente sensível160, o que coloca em dúvida a sua
xido de cálcio. Isto se deve à utilização de mecanismos importância como patógeno endodôntico.
sofisticados por alguns micro-organismos que os per-
mitem regular e manter o pH intracitoplasmático em Desinfecção do canal pelo hidróxido de cálcio
níveis compatíveis com sua sobrevivência, a despeito O tempo necessário para o hidróxido de cálcio pro-
de alterações de pH no ambiente extracelular10. Alguns mover uma desinfecção adequada do canal radicular é
desses micro-organismos resistentes ao hidróxido de ainda desconhecido. Estudos in vivo, utilizando cultura
cálcio, como E. faecalis, C. albicans e A. radicidentis, são do material coletado do canal após medicação com hi-
frequentemente encontrados em casos de fracasso da dróxido de cálcio, têm revelado resultados conflitantes.
terapia endodôntica18,42,63,88,103,104,107,108,118,119,159,160,188. Sjögren et al.173 verificaram que um curativo intracanal
Embora não seja frequentemente detectado em ca- com hidróxido de cálcio por uma semana promove a to-
sos de infecção primária166,186, o E. faecalis é a espécie mais tal eliminação de micro-organismos do canal radicular,
comumente encontrada em casos de fracasso endodônti- representado por 100% de culturas negativas. Por sua
co42,88,107,108,118,159,188. Essa espécie resiste a altos valores de vez, Byström et al.13 demonstraram que a medicação com
pH do ambiente – até 11,513. A resistência do E. faecalis hidróxido de cálcio por 4 semanas foi totalmente eficaz
ao hidróxido de cálcio parece estar relacionada com uma para eliminar micro-organismos em 97% dos canais pre-
bomba de prótons ativa, que reduz o pH intracitoplasmá- viamente infectados. Shuping et al.130 observaram que
tico ao bombear prótons para o interior da célula31. a aplicação do hidróxido de cálcio por no mínimo uma
C. albicans também tem sido mais frequentemente semana foi capaz de eliminar totalmente micro-organis-
encontrada em casos de fracasso da terapia endodôntica mos em 92,5% dos casos. Reit e Dáhlen112 encontraram
do que em infecções primárias, embora em prevalência infecção persistente em 26% dos casos, após 2 semanas
inferior ao E. faecalis169,210,212. Waltimo et al.209 avaliaram de medicação com hidróxido de cálcio. Orstavik et al.100
a suscetibilidade de sete cepas de C. albicans a quatro relataram a permanência de micro-organismos no ca-
agentes antimicrobianos: iodeto de potássio iodetado, nal em 34,8% dos casos de canais medicados com essa
acetato de clorexidina, NaOCl e hidróxido de cálcio. substância por 1 semana. Barbosa et al.8 revelaram infec-
Além disso, associações entre os medicamentos tam- ção persistente em 26,7% dos casos, após utilização do
bém foram testadas. Os resultados mostraram que C. hidróxido de cálcio por 1 semana. Lana et al.71 observa-
albicans foi altamente resistente ao hidróxido de cálcio. ram que 22,6% dos canais medicados com hidróxido de
NaOCl a 5% e a 0,5% e o iodeto de potássio iodetado cálcio por 1 semana permaneceram infectados. Nesses
foram eficazes após 30 segundos de contato, enquan- casos, espécies dos gêneros Candida, Streptococcus, Lac-
to o acetato de clorexidina a 0,5% requereu 5 minutos tobacillus, Pseudomonas e Gemella foram isoladas. Siquei-
para ter total eficácia. A combinação do hidróxido de ra et al.146 relataram que 18% dos canais apresentavam
cálcio com o NaOCl ou com a clorexidina apresentou cultura positiva após preparo químico-mecânico e 1 se-
eficácia contra as cepas de C. albicans. mana de medicação com hidróxido de cálcio associado
Em outro estudo, Waltimo et al.211 testaram a sus- à glicerina. Após identificação por sequenciamento do
cetibilidade de espécies orais de Candida ao hidróxido gene do 16S rRNA, apenas duas espécies bacterianas
de cálcio. As espécies testadas foram C. albicans (16 ce- foram encontradas nos canais com cultura positiva –
pas), C. glabrata (3 cepas), C. guilliermondii (3 cepas), C. F. nucleatum e Lactococcus garviae.
Medicação Intracanal 589
Em dados completamente discrepantes dos de- prego do hidróxido de cálcio em veículo inerte como
mais estudos sobre o assunto, Peters et al.105 isolaram medicação intracanal.
micro-organismos persistentes em 71,4% dos canais
medicados com hidróxido de cálcio em solução salina Efeito do veículo na atividade antimicrobiana
por 4 semanas. Tais resultados foram provavelmente Como já citado neste capítulo, os veículos para o
decorrentes da forma de aplicação do hidróxido de cál- hidróxido de cálcio podem ser classificados como inertes
cio no canal, i.e., com pontas de papel absorvente. Na e biologicamente ativos sob o ponto de vista da atividade
maioria dos demais estudos, o hidróxido de cálcio foi antimicrobiana. Os veículos inertes não influenciam as
aplicado com espirais de Lentulo. Um estudo demons- propriedades antimicrobianas do hidróxido de cálcio.
trou que a aplicação do hidróxido de cálcio apenas com Por sua vez, os veículos biologicamente ativos conferem
pontas de papel resultou em menores valores de pH efeitos antimicrobianos adicionais aos proporcionados
nas paredes do canal do que quando comparada à apli- pelo hidróxido de cálcio.
cação com Lentulo193, o que pode ajudar a explicar os
pobres resultados relatados por Peters et al.105. Associação do hidróxido de cálcio com o
O hidróxido de cálcio, como medicação intracanal a PMCC – pasta HPG
curto prazo, parece funcionar principalmente como uma Em 1966, Frank36 preconizou a utilização do PMCC
barreira física, impedindo a percolação apical de fluidos como veículo para o hidróxido de cálcio em casos de
teciduais, negando, assim, o suprimento de substrato para apicificação. Contudo, essa associação foi alvo de críti-
micro-organismos residuais que sobreviveram ao prepa- cas, uma vez que, por possuir atividade antimicrobiana
ro químico-mecânico. Essa barreira física também limita dependente de seu pH, o hidróxido de cálcio dispen-
o espaço para a multiplicação desses micro-organismos saria a associação a uma outra substância que, apesar
remanescentes entre as sessões de tratamento. Outrossim, de ter ação antimicrobiana reconhecida, também seria
é possível que os efeitos antibacterianos do hidróxido de citotóxica.
cálcio em um veículo inerte, exclusivamente dependentes Na década de 1990 voltou-se a preconizar o em-
do pH, apenas ocorram nas proximidades da luz do canal prego dessa associação com base na justificativa de que
principal, onde a pasta é aplicada. o espectro de ação do medicamento seria aumentado,
A Fig. 14-9 mostra o resultado de vários estudos principalmente por ter o PMCC atividade antibacteria-
avaliando a incidência de culturas negativas após em- na mais pronunciada contra o E. faecalis47,182. Na verda-
de, vários estudos demonstram que a pasta de hidróxi- Siqueira e Uzeda141 também relataram que a asso-
do de cálcio com PMCC apresenta excelente atividade ciação do PMCC com o hidróxido de cálcio mostrou-se
antimicrobiana. Mas parecem haver mais justificativas bastante eficaz contra 12 espécies bacterianas (6 anae-
para se associarem as duas substâncias além do au- róbias e 6 facultativas), utilizadas no teste de difusão
mento do espectro de atividade. em ágar, ao contrário do que ocorreu com as pastas
Estudos demonstram que, quando aplicado em de hidróxido de cálcio em água destilada ou glicerina
contato direto com bactérias anaeróbias estritas, o hi- (Fig. 14-10). Esses achados corroboram aqueles de Di-
dróxido de cálcio é mais eficaz do que o PMCC13,39,184. fiore et al.27, utilizando a espécie Streptococcus sanguinis
Contudo, utilizando o teste de difusão em ágar, Siqueira e a mesma metodologia.
et al.151 demonstraram que o PMC, associado à cânfora Gomes et al.41 avaliaram a suscetibilidade de 11
ou ao Furacin, apresentou excelente atividade antibacte- espécies bacterianas (4 anaeróbias estritas, 6 facultati-
riana, inclusive superior à do hidróxido de cálcio, sobre vas e 1 aeróbia) e 1 levedura (C. albicans) a pastas de
bactérias anaeróbias estritas. Isso revela que o PMC se hidróxido de cálcio em diferentes veículos. O método
difunde mais, possuindo um maior raio de ação antibac- empregado foi o de difusão em ágar. Seus achados con-
teriana. Por isso, quando associado ao hidróxido de cál- firmaram que a pasta HPG apresentou eficácia antimi-
cio, o PMCC pode aumentar o raio de atuação da pasta, crobiana pronunciada, a qual foi significativamente su-
atingindo micro-organismos alojados em regiões mais perior quando comparada com as pastas de hidróxido
distantes do local de aplicação daquele. de cálcio tendo como veículos o PMCC (sem acréscimo
Essa afirmativa foi comprovada por trabalho de Si- de glicerina), a glicerina, a solução salina ou o polieti-
queira e Uzeda139. Esses autores observaram que a pasta lenoglicol.
de hidróxido de cálcio com PMCC foi eficaz na desinfec- Siqueira et al.165 investigaram a atividade anti-
ção de túbulos dentinários infectados experimentalmen- fúngica de vários medicamentos endodônticos contra
te com três espécies bacterianas (duas anaeróbias estri- C. albicans, C. glabrata, C. guilliermondii, Candida parap-
tas e uma facultativa) comumente isoladas de canais silosis e Saccharomyces cerevisiae. Eles observaram que a
radiculares. Esse efeito foi observado em um período de pasta HPG apresentou os efeitos mais pronunciados. A
tempo curto. O hidróxido de cálcio em solução salina associação do hidróxido de cálcio à glicerina (HG) ou
(veículo inerte) foi ineficaz contra duas das espécies bac-
terianas, inclusive após uma semana de contato.
Siqueira et al.154 contaminaram cilindros de den-
tina bovina com cultura mista de F. nucleatum e Pre-
votella intermedia, duas espécies bacterianas anaeróbias
estritas frequentemente encontradas em infecções en-
dodônticas. Os espécimes contaminados foram expos-
tos a pastas de hidróxido de cálcio em solução salina,
glicerina, propilenoglicol ou PMCC/glicerina. Os es-
pécimes foram deixados em contato com as pastas por
3 e 5 dias. Findos esses períodos, a viabilidade bacteria-
na foi avaliada por meio de incubação dos espécimes
em caldo de cultura, de forma a comparar a efetividade
das pastas na descontaminação da dentina. Apenas a
pasta de hidróxido de cálcio/PMCC/glicerina (HPG)
foi capaz de efetivamente descontaminar a dentina
após 5 dias de contato.
Sukawat e Srisuwan185 compararam a eficácia de
três pastas de hidróxido de cálcio para desinfetar a
dentina humana experimentalmente infectada com E.
faecalis. Após 7 dias de exposição, apenas a pasta de
hidróxido de cálcio com PMCC eliminou E. faecalis dos Figura 14-10. Eficácia de medicamentos intracanais contra 12 es-
pécies bacterianas – 6 anaeróbias estritas e 6 facultativas. Notar que
túbulos dentinários. As pastas de hidróxido de cálcio
a pasta HPG foi mais eficaz do que os demais medicamentos. Dados
com água destilada ou com clorexidina a 0,2% foram adaptados de Siqueira e Uzeda141. HC, hidróxido de cálcio; CHX, clo-
ineficazes nesse sentido. rexidina.
Medicação Intracanal 591
à clorexidina (HCx) também apresentou efeitos anti- e Siqueira38 demonstraram que a pasta HPG não apre-
fúngicos, mas muito menores do que os da pasta HPG senta efeitos genotóxicos e mutagênicos (Fig. 14-12), o
(Fig. 14-11). que confirma sua segurança para emprego clínico.
Se, nos testes de difusão em ágar e de desinfecção Estudos avaliando o reparo dos tecidos perirradicu-
da dentina, o hidróxido de cálcio associado a um veícu- lares de cães após tratamento endodôntico em uma ou
lo inerte foi ineficaz e, quando associado ao PMCC, mi- duas sessões de dentes com necrose pulpar e lesão perir-
cro-organismos foram inibidos e/ou eliminados, pare- radicular associada revelaram que no grupo em que os
ce lógico afirmar que o efeito antimicrobiano da pasta canais foram medicados com uma pasta de hidróxido de
em profundidade se deve principalmente ao PMCC. cálcio com PMCC o reparo dos tecidos perirradiculares
Destarte, se o PMCC é o principal responsável pela foi significativamente melhor do que nos dentes tratados
atividade antimicrobiana da pasta, a afirmativa de que em sessão única133,189. Isso certamente se deveu à excelente
essa substância é o veículo não procede. Na verdade, atividade antimicrobiana da pasta de hidróxido de cálcio
parece-nos que o inverso, pelo menos no que concerne em PMCC. Além disso, tais estudos confirmaram que tal
à atividade antimicrobiana, seja mais verdadeiro, isto pasta apresenta excelente comportamento biológico.
é, o hidróxido de cálcio funciona como veículo, permitindo A compatibilidade biológica da pasta HPG pode
uma liberação lenta e controlada de PMCC para o meio, o ser devida:
suficiente para ter ação contra micro-organismos136,151.
Isso é importante, pois o PMCC na forma pura 1. À pequena concentração de PMC liberado. Quan-
é extremamente citotóxico178,179. Contudo, trabalhos do o PMCC é associado ao hidróxido de cálcio, há
experimentais em modelo animal demonstraram que a formação de um sal pouco solúvel, o paramono-
essa pasta é biocompatível44,60,196. Além disso, Gahyva clorofenolato de cálcio, que em ambiente aquoso se
dissocia lentamente liberando PMC e íons cálcio e
hidroxila para o meio circundante7. Sabe-se que uma
substância pode apresentar efeitos benéficos ou de-
letérios, dependendo de sua concentração. A baixa
liberação de PMC da pasta, provavelmente, não é
suficiente para ter ação citotóxica.
2. Ao fato de o pH alcalino da pasta causar uma desna-
turação proteica superficial no tecido em contato com
ela, que serve como barreira física para a difusão e
maior penetrabilidade tecidual por parte do PMC.
3. À irritação ser de baixa intensidade por um curto
período. Uma vez que micro-organismos residuais
Figura 14-11. Atividade antifúngica de medicamentos intracanais
são eliminados pela pasta, após a sua remoção do
contra 5 espécies. Notar que a pasta HPG foi mais eficaz do que os
demais medicamentos. Dados segundo Siqueira et al.165. HC, hidró- canal não há a persistência de agressão aos tecidos
xido de cálcio. perirradiculares148.
A B
Figura 14-12. Teste de Ames para avaliação de mutagenicidade. A. Ausência de efeitos mutagênicos para a pasta HPG. B. Controle positivo
(4-nitroquinolina-1-óxido), mostrando forte efeito mutagênico.
592 Capítulo 14 Medicação Intracanal
É bastante admissível que as três hipóteses este- químico-mecânico de dentes com necrose pulpar, de-
jam inter-relacionadas para justificar a biocompatibi- vendo permanecer no canal por um período ideal de
lidade do PMCC quando associado ao hidróxido de aproximadamente 7 dias135,156.
cálcio.
A pasta HPG apresenta maior espectro de ati- Eficácia clínica do protocolo usando a pasta HPG
vidade antimicrobiana, maior raio de atuação e efei- como medicamento
to antimicrobiano mais rápido, quando comparada Estudos clínicos avaliando importantes fatores,
às pastas de hidróxido de cálcio em veículos iner- como a ocorrência de dor pós-operatória, a capacidade
tes139-141,150,151,155,165 (Fig. 14-13). O maior raio de ação pode de eliminação bacteriana e o índice de sucesso a longo
ser resultado da baixa tensão superficial do PMCC86,91 prazo, apontam resultados extremamente satisfatórios
e da solubilidade em lipídios, o que facilita sua difu- para o protocolo utilizando o tratamento em duas ses-
sibilidade pelo sistema de canais radiculares. Por tais sões baseado em estratégias antimicrobianas, tais como
razões, recomendamos a pasta HPG como a medicação amplo preparo apical, estabelecimento e manutenção
intracanal a ser utilizada rotineiramente após o preparo da patência foraminal, NaOCl a 2-3% como substância
química auxiliar e pasta HPG como medicação intraca-
nal por 7 dias.
Incidência de dor pós-operatória: Em um estudo pros-
pectivo, Siqueira et al.162 avaliaram a incidência de dor
pós-operatória após procedimentos intracanais baseados
em uma estratégia antimicrobiana. Todos os casos rece-
beram medicação intracanal com a pasta HPG. Dados
foram obtidos de 627 dentes que apresentavam polpas
necrosadas ou necessitavam de retratamento. Os trata-
mentos foram efetuados por alunos de graduação em
seu primeiro ano de treinamento endodôntico. No ge-
ral, algum nível de desconforto pós-operatório ocorreu
em 15% dos casos. Dor leve ocorreu em 10% dos casos,
Figura 14-13. Pronunciada atividade antibacteriana da pasta HPG moderada em 3% e grave (flare-up) em 2% (Fig. 14-14).
evidenciada pelo teste de difusão em ágar. Comparar com os ha- O emprego dos procedimentos intracanais para contro-
los de inibição promovidos por clorexidina (CHX) a 0,2% com ou le da infecção, incluindo a utilização da pasta HPG, re-
sem óxido de zinco (OZ). Notar a presença do halo de difusão do sultou em uma baixa incidência de dor pós-operatória,
hidróxido de cálcio (seta amarela), halo de inibição definido (seta
laranja) e um halo que sugere inibição inicial, mas que foi superada principalmente de flare-ups, mesmo quando em mãos
por crescimento exuberante das bactérias com o passar do tempo inexperientes. Tais achados também atestam a biocom-
(seta vermelha). patibilidade da pasta HPG quando do uso clínico.
causa precipitação de componentes fosfatados intrace- xido de cálcio. Alguns estudos mostram que os efei-
lulares, como os ácidos nucleicos. Em decorrência, o ci- tos antimicrobianos do hidróxido de cálcio são signi-
toplama se torna “congelado”, o que diminui a infiltra- ficativamente aumentados quando ele é misturado à
ção de elementos intracelulares, de forma que há um clorexidina32,43,109,111,171. Já outros estudos não encontra-
efeito bifásico sobre a permeabilidade da membrana83. ram vantagens significativas nessa associação127,164. Na
A atividade antimicrobiana da clorexidina é ótima em verdade, a eficácia da clorexidina parece ser significa-
pH em torno de 5,5 a 7, sendo bastante reduzida ou tivamente reduzida quando misturada com o hidró-
mesmo abolida na presença de matéria orgânica83. xido de cálcio43,127,164. A clorexidina permanece estável
A clorexidina é um agente antimicrobiano ampla- em pH 5-8, e, à medida que o pH aumenta, a ionização
mente utilizado e que tem sido recentemente proposto diminui. A pasta HCx mantém um pH alto similar ao
para uso endodôntico como substância química auxi- do hidróxido de cálcio em água171,221. Em altos valores
liar ou como medicação intracanal. Na irrigação, a clo- de pH, a clorexidina precipita e pode ficar indisponível
rexidina tem revelado resultados antimicrobianos simi- para exercer seus efeitos antimicrobianos221.
lares ao NaOCl em vários estudos clínicos e laborato- Contudo, apesar da perda da clorexidina ativa
riais29,62,122,170,203,204, embora existam controvérsias96,98,206. quando misturada ao hidróxido de cálcio, os efeitos
Além dos efeitos antimicrobianos, a clorexidina apre- residuais ainda podem ter significado clínico, como
senta baixa toxicidade98,190 e a propriedade de substan- revelado por dois estudos157,221. Zerella et al.221 demons-
tividade à dentina, o que resulta em efeitos antimicro- traram que a medicação com pasta HCx (clorexidina a
bianos residuais mantidos por dias a semanas75,121,217. 2%) foi no mínimo tão eficaz quanto o hidróxido de cál-
Como medicação intracanal, a clorexidina tem cio em veículo inerte na desinfecção de canais de casos
sido recomendada sozinha ou em combinação com o de retratamento com lesão. A incidência de culturas ne-
hidróxido de cálcio. Devido às limitações já discuti- gativas após o uso dessa combinação por 7-10 dias foi
das do hidróxido de cálcio, parece vantajoso associar de 65%221. Em outro estudo clínico, dessa vez avaliando
outros medicamentos a essa substância148. A associa- a eficácia de um protocolo de tratamento contra infec-
ção da clorexidina com o hidróxido de cálcio (HCx) ções endodônticas primárias, Siqueira et al.157 irrigaram
tem sido então bastante estudada recentemente. Até os canais durante o preparo com clorexidina a 0,12% e
o momento, não há consenso entre os estudos in vitro encontraram incidência de culturas positivas de 54%.
quanto à vantagem de associar clorexidina ao hidró- A medicação intracanal com pasta HCx (clorexidina a
Medicação Intracanal 595
0,12%) reduziu ainda mais o número de culturas posi- sultados parecem indicar que o efeito neutralizador do
tivas, atingindo 8% dos casos, o que foi estatisticamen- hidróxido de cálcio sobre o LPS observado em estudos
te significante. laboratoriais pode não ser significativo na situação in
Os efeitos antimicrobianos significativos da pasta vivo.
HCx revelados por esses dois estudos clínicos podem
ser creditados a resíduos ainda ativos e não precipi- 4 – Indução de reparo por tecido mineralizado
tados de clorexidina na pasta, além do alto pH dela. Quando em contato direto com um tecido conjun-
Assim, essa pasta pode ser uma boa alternativa à pasta tivo organizado com memória genética para produção
HPG para uso rotineiro no tratamento (e no retrata- de tecido mineralizado, como polpa ou ligamento pe-
mento) de dentes com lesão perirradicular, com o po- riodontal, o hidróxido de cálcio estimula a neoforma-
tencial de promover resultados similares. ção de dentina ou cemento, respectivamente40,55,56,128,129
(Fig. 14-17). Esta é, sem dúvida alguma, a propriedade
3 – Neutralização de endotoxinas mais difundida do hidróxido de cálcio, sendo suporta-
Endotoxinas ou lipopolissacarídeos (LPS) são da tanto pela prática clínica, quanto por inúmeros tra-
constituintes da membrana externa da parede celular
de bactérias gram-negativas que, quando liberadas
para o meio externo, são importantes fatores de vi-
rulência. Essas moléculas exercem um papel relevan-
te na patogênese das doenças da polpa e dos tecidos
perirradiculares137,158.
A porção lipídica da molécula, conhecida como
lipídio A, é a principal responsável por seus efeitos
biológicos115,116. Foi demonstrado que o hidróxido de
cálcio pode promover a hidrólise do lipídio A, des-
truindo ligações éster dentro da molécula de LPS,
promovendo assim a liberação de ácidos graxos hi-
droxilados124. Consequentemente, a molécula de LPS é
inativada, tendo seus efeitos tóxicos neutralizados ou
reduzidos significativamente92,123,132.
Embora alguns estudos tenham relatado tal efeito
in vivo, na verdade, nesses estudos o LPS foi mistura-
do com o hidróxido de cálcio e aplicado no canal, ten-
do sido observada a sua inativação com consequente
reduzida capacidade de causar inflamação nos tecidos A
perirradiculares92,132. Entretanto, essa não é a situação
real in vivo, na qual a pasta de hidróxido de cálcio aplica-
da ao canal deve se difundir, atingir o LPS presente em
localidades diversas no sistema de canais e assim exercer
o efeito neutralizador. Até o momento, apenas um estu-
do em cães sugeriu que tal propriedade do hidróxido de
cálcio pode ocorrer de forma significativa in vivo191.
Assim, tornam-se necessários estudos em huma-
nos para avaliar se o hidróxido de cálcio exerce tais
efeitos neutralizadores sobre o LPS de forma signifi-
cativa na real situação clínica. Na verdade, um estudo
clínico recente em pacientes demonstrou níveis reduzi-
B
dos significativamente, mas ainda relativamente eleva-
dos de LPS nos canais após preparo químico-mecânico,
Figura 14-17. Estímulo à formação de tecido mineralizado pelo hi-
os quais foram praticamente inalterados após medica- dróxido de cálcio. A. Na polpa, após pulpotomia. B. No ligamento
ção intracanal com hidróxido de cálcio, clorexidina ou periodontal apical, após biopulpectomia. (Gentileza do Prof. Rober-
com uma associação das duas substâncias205. Tais re- to Holland.)
596 Capítulo 14 Medicação Intracanal
balhos científicos. Algumas modalidades de tratamen- de desnaturação proteica superficial no tecido em con-
to se utilizam desse efeito biológico do hidróxido de tato com essa substância, caracterizada por necrose de
cálcio, tais como: capeamento pulpar direto, curetagem coagulação de espessura variável entre 0,3 e 0,7mm181.
pulpar, pulpotomia, apicificação, tratamento de perfu- Esse efeito parece ser o responsável pela indução de
rações e de reabsorções radiculares. reparo por deposição de tecido mineralizado20,128,136,200.
Embora se reconheça a citada propriedade dessa A polpa e o ligamento periodontal, na grande maio-
substância, seu mecanismo de ação ainda não foi per- ria das vezes, são reparados pela deposição de tecido
feitamente elucidado. Alguns atribuem esse efeito aos duro, i.e., dentina e cemento, respectivamente. Isso é
íons hidroxila, enquanto outros julgam que os íons Ca+2 uma característica natural desses tecidos ditada por
sejam os responsáveis pela indução do reparo. Seguem sua memória genética, a qual é mantida por células
algumas tentativas de explicar os efeitos do hidróxido indiferenciadas. Quando acometidos por um trauma
de cálcio sobre os tecidos que resultam na deposição de superficial e transitório, na ausência de infecção, os
tecido duro neoformado: mecanismos de reparação são desencadeados. A cau-
terização química induzida pelo hidróxido de cálcio
a) Ativação de enzimas envolvidas no processo de sobre a polpa ou ligamento periodontal é superficial e
reparo transitória, graças à baixa solubilidade dessa substân-
Ca+2-ATPase. A Ca+2-ATPase (adenosina trifosfa- cia, o que impede um efeito em maior profundidade no
tase) é uma enzima associada à membrana citoplasmá- tecido. Esse trauma químico é suficiente para estimular
tica de células envolvidas na produção de tecido duro, a reparação20.
a qual funciona como uma “bomba” de cálcio, promo- Outras substâncias, como o eugenol, presente em
vendo o transporte desse elemento contra um gradien- cimentos para proteção pulpar ou para obturação de
te de concentração2,45. Por sua ativação ser cálcio-de- canal, podem promover esse mesmo trauma químico.
pendente, acredita-se que o hidróxido de cálcio exerça Contudo, devido à maior solubilidade e consequente
seus efeitos desse modo. A ATPase exerce um papel penetração tecidual, ele se dá em maior profundidade
importante nos processos de mineralização tecidual. no tecido e por um período prolongado. Enquanto esti-
Pirofosfatase. Essa enzima também é cálcio-de- ver sendo irritado, o tecido não inicia a sua reparação.
pendente, estando envolvida em processos onde há Além de induzir um trauma químico superficial e tran-
necessidade de obtenção de energia a partir do ATP. sitório no tecido em contato direto com ele, o hidróxido
Um desses processos é a síntese de proteínas, como de cálcio promove um ambiente alcalino na superfície
o colágeno, principal componente da matriz orgânica do tecido, o qual é impróprio para o desenvolvimento
de dentina, cemento e osso. Acredita-se, então, que a de micro-organismos. Assim, o tecido fica em condi-
ativação da pirofosfatase pelos íons Ca+2 oriundos do ções apropriadas para iniciar seu processo de reparo.
hidróxido de cálcio aumentará a utilização de energia, Cumpre salientar que, para o hidróxido de cálcio esti-
favorecendo o mecanismo de reparo51. mular essa reparação, o tecido deve estar organizado e,
Fosfatase alcalina. A ativação dessa enzima pelo no máximo, ligeiramente inflamado. De outro modo,
hidróxido de cálcio é um dos mecanismos mais defen- essa propriedade não será observada.
didos por alguns autores181. A fosfatase alcalina está
envolvida no processo de mineralização e é ativada, Outras propriedades do hidróxido de cálcio
como o próprio nome indica, em pH alcalino, varian-
do entre 8,6 e 10,3. Logo, o elevado pH do hidróxido 1 – Solvente de matéria orgânica
de cálcio pode ativá-la. Ela é uma enzima hidrolítica Estudos de Hasselgren et al.50 e Andersen et al.3 re-
que promove a liberação de fosfato inorgânico, a partir velaram que o hidróxido de cálcio, por possuir um pH
de ésteres fosfóricos. Os íons fosfato liberados podem extremamente alcalino, promove a quebra de ligações
reagir com os íons cálcio provenientes dos tecidos, for- iônicas que mantêm a estrutura terciária de proteínas,
mando precipitados de fosfato de cálcio (na forma de desnaturando-as e tornando-as mais suscetíveis à dis-
hidroxiapatita) sobre uma matriz orgânica, o que ca- solução por NaOCl. Tais estudos foram conduzidos em
racteriza o processo de mineralização. condições experimentais onde a área de contato entre
as substâncias testadas e os tecidos era máxima, o que
b) Trauma químico não condiz com a situação real dentro do sistema de
Devido ao pH elevado, os íons hidroxila, oriundos canais radiculares, onde irregularidades, istmos e ra-
da dissociação do hidróxido de cálcio, causam uma zona mificações podem limitar esse contato.
Medicação Intracanal 597
Contudo, áreas de istmos e ramificações não são importante para estimular a biossíntese e liberação de
totalmente limpas, mesmo após a utilização de cura- citocinas (IL-1, TNF, IL-6) envolvidas na ativação de
tivo com hidróxido de cálcio. No interior do canal ra- células clásticas137,158.
dicular, a área de contato entre o tecido e o hidróxido Devido ao fato de ser uma base forte, tem sido
de cálcio/NaOCl é mínima, limitando a eficácia des- sugerido que o hidróxido de cálcio promove a elevação
sas substâncias. Além disso, a baixa solubilidade da do pH do meio, neutralizando ácidos e inibindo a ati-
primeira praticamente restringe a sua ação à área de vidade enzimática relacionada com a reabsorção197,198.
contato com o tecido e, consequentemente, apenas a Outrossim, a elevada alcalinidade do hidróxido de cál-
superfície tecidual degenerada pela ação do hidróxido cio poderia induzir a morte da célula clástica, parali-
de cálcio sofrerá uma efetiva ação solubilizadora do sando o processo de reabsorção49.
NaOCl. Nos raros casos onde a área de contato da pas- Todavia, tais teorias carecem de suporte científi-
ta de hidróxido de cálcio com o tecido conjuntivo for co. É bastante questionável que o hidróxido de cálcio
maior, esse efeito poderá ser observado. apresente eficácia diretamente sobre o processo de re-
Siqueira et al.144 avaliaram histologicamente a lim- absorção inflamatória externa. Isso pode ser atestado
peza de canais radiculares de molares após instrumen- pelo fato de que essa substância é completamente ino-
tação, medicação intracanal com hidróxido de cálcio perante em casos de reabsorção por substituição, onde
e posterior irrigação com NaOCl. Um grupo recebeu os mecanismos bioquímicos de reabsorção utilizados
curativos com pasta de hidróxido de cálcio e soro fisio- pela célula clástica são os mesmos, mas a causa da rea-
lógico, sendo essa removida posteriormente por meio bsorção é diferente.
de irrigação profusa com NaOCl. O grupo-controle É imperioso ressaltar que o processo de reabsor-
consistiu de dentes que não receberam medicação in- ção inflamatória é usualmente a consequência de uma
tracanal. A limpeza do canal foi avaliada em cortes infecção instalada no sistema de canais radiculares. As-
histológicos das regiões localizadas a 1, 2 e 3mm do sim, nas reabsorções radiculares inflamatórias externas,
término apical. Apesar de a limpeza do canal radicular o combate aos micro-organismos presentes no sistema
no grupo onde foi utilizado curativo de hidróxido de de canais radiculares (o agente etiológico) é o fator pri-
cálcio ter sido ligeiramente superior à do grupo-con- mordial na paralisação do processo patológico (Figs.
trole, não houve diferença estatisticamente significante 14-16 e 14-18). O hidróxido de cálcio em veículo inerte
entre os dois grupos. apenas será eficaz para eliminar a infecção intratubular
e, consequentemente, paralisar a reabsorção inflamató-
2 – Inibição da reabsorção radicular externa ria externa após múltiplas aplicações (trocas), as quais
O processo de reabsorção de um tecido minera-
lizado se inicia pela perda da matriz orgânica que o
reveste, como o osteoide no osso e o pré-cemento no
cemento. Isso pode ocorrer pela ação de colagenases,
liberadas por células ativadas pelos mediadores quí-
micos da inflamação. O tecido mineralizado exposto
é então destruído pela ação de substâncias liberadas
por células clásticas. Ácidos promovem a dissolução
da hidroxiapatita, componente inorgânico do tecido
mineralizado. A seguir, enzimas, como catepsinas e
metaloproteinases de matriz, degradam a matriz orgâ-
nica exposta168. O pH na lacuna de reabsorção cai para
aproximadamente 4,5, o qual é ótimo para a atividade
da catepsina K, principal enzima liberada pelo osteo-
clasto e envolvida na reabsorção192. Tais mecanismos
bioquímicos utilizados pela célula clástica para reab-
sorver tecidos mineralizados são exatamente os mes-
mos, independentemente de a reabsorção ser fisioló-
gica ou patológica. Nas reabsorções radiculares infla-
Figura 14-18. Reabsorção inflamatória externa. A infecção do sis-
matórias externas, componentes bacterianos, como o tema de canais radiculares deve ser devidamente controlada para a
LPS de bactérias gram-negativas, desempenham papel paralisação do processo.
598 Capítulo 14 Medicação Intracanal
são necessárias para exceder a capacidade tampão da não observaram, nessa combinação, resultados estatis-
hidroxiapatita e assim obter a alcalinização adequada ticamente superiores, quando comparada com a pasta
da dentina para ter consequente efeito antimicrobiano. de hidróxido de cálcio em soro fisiológico, no que tan-
A associação do hidróxido de cálcio com veículos ge à recontaminação do canal após exposição à saliva.
biologicamente ativos, como o PMCC e a clorexidina, Provavelmente, isso ocorreu porque a saliva pode ter
apresenta maior capacidade de desinfetar túbulos den- diluído e neutralizado o efeito antimicrobiano do PMC
tinários em aplicação única e por isso é mais apropria- liberado da pasta HPG.
da para o controle da reabsorção inflamatória externa. As pastas de hidróxido de cálcio utilizadas como
medicação intracanal também funcionam como uma
barreira física, impedindo a percolação apical de flui-
Atividade física dos teciduais, negando assim o suprimento de subs-
As pastas de hidróxido de cálcio usadas como trato para micro-organismos residuais que porventu-
medicamento intracanal atuam como barreira física e ra tenham sobrevivido ao preparo químico-mecânico.
química (ação de preenchimento), impedindo ou retar- Também, essa barreira física limita o espaço para a
dando a infecção ou reinfecção do canal radicular por multiplicação desses micro-organismos remanescentes
micro-organismos provenientes da cavidade oral. entre as sessões de tratamento.
Canais instrumentados podem ser contaminados, Esses dados indicam que a ação de preenchi-
nos casos de biopulpectomia, ou recontaminados, nos mento dessas pastas pode ser mais relevante do que a
casos de necropulpectomia entre as sessões do trata- ação química para prevenir a contaminação ou recon-
mento endodôntico, em determinadas situações clínicas, taminação do canal radicular entre as consultas. Além
tais como: a infiltração de saliva através do material se- disso, impedem fisicamente a penetração de substra-
lador temporário e perda ou fratura do material selador tos que porventura venham a suprir as necessidades
e/ou da estrutura dentária. Nessas situações, a cavidade nutricionais de micro-organismos remanescentes no
pulpar se torna exposta à microbiota oral, o que pode canal149,153.
comprometer o sucesso do tratamento endodôntico. As pastas de hidróxido de cálcio também atuam
Siqueira et al.149,153 avaliaram a efetividade do como barreira química contra a proliferação de micro-
PMCC, tricresol formalina e pastas de hidróxido de organismos residuais que sobreviveram ao preparo
cálcio/soro fisiológico e hidróxido de cálcio/PMCC/ químico-mecânico e contra a contaminação ou recon-
glicerina (HPG) para prevenir a recontaminação do taminação do canal por micro-organismos oriundos da
canal quando da ausência de um selador temporário. cavidade oral. A ação química do hidróxido de cálcio é
Concluíram que as pastas de hidróxido de cálcio pre- representada pela sua elevada alcalinidade. Sendo as-
enchendo o canal foram significativamente mais efica- sim, sua eficácia é pH-dependente. Desse modo, a ati-
zes do que o PMCC e o tricresol formalina aplicados vidade antimicrobiana do hidróxido de cálcio pode ser
em mechas de algodão na câmara pulpar no sentido limitada na presença de tecidos ou fluidos biológicos
de retardar a invasão microbiana do sistema de canais dotados de capacidade tampão. A saliva possui tal efei-
radiculares. to em função da presença de proteínas e da atividade
Ainda segundo esses autores149,153, o PMCC e o tri- dos sistemas bicarbonato e fosfato. Os fluidos tecidu-
cresol formalina foram menos eficazes do que as pastas ais e o sangue também podem ter o efeito tamponador
de hidróxido de cálcio para impedir a recontaminação representado por proteínas e sistemas tampão, como
dos canais radiculares, em função da diluição e neutra- o próprio bicarbonato, além de outras substâncias que
lização dos medicamentos pela saliva. O tricresol for- eventualmente possam estar presentes, como ácidos
malina e o PMCC atuam somente pelo efeito químico orgânicos e CO2. Doadores de prótons presentes na ca-
e não físico, quando empregados como medicamento mada hidratada da hidroxiapatita da dentina também
intracanal. Por mais essa razão, a utilização de medi- tamponam o pH do hidróxido de cálcio.
camentos líquidos aplicados em mechas de algodão na Baseado em tudo o que foi discutido sobre as
câmara pulpar se torna questionável. propriedades atribuídas ao hidróxido de cálcio, ra-
Como já aclarado neste capítulo, a pasta HPG tem tificamos a afirmativa de que essa substância não é
demonstrado um largo espectro de atividade antimi- uma panacéia35. Contudo, embora não resolva todos
crobiana, rápido efeito letal para micro-organismos os problemas, o hidróxido de cálcio é de extrema uti-
e um amplo raio de ação, quando comparada com as lidade em Endodontia quando em indicações precisas
pastas em veículos inertes. Todavia, Siqueira et al.149 e sensatas.
Medicação Intracanal 599
Siqueira et al.161 avaliaram a atividade antimi- volvidos na etiopatogenia das doenças perirradicula-
crobiana de um novo medicamento, o óleo de giras- res. A metodologia empregada foi o teste de difusão
sol ozonizado, e do hidróxido de cálcio associado ao em ágar. Discretos halos de inibição de crescimento
PMCC/glicerina ou ao tricresol formalina (TCF)/ bacteriano foram associados à pasta hidróxido de
glicerina contra micro-organismos comumente en- cálcio/TCF/glicerina. As pastas de hidróxido de cál-
cio/PMCC/glicerina apresentaram eficácia antimi-
crobiana pronunciada, principalmente na proporção
PMCC/glicerina de 1:1. A maior eficácia de atividade
antimicrobiana foi observada para o óleo ozonizado
(Fig. 14-20). Um estudo em cães revelou bons resul-
tados no grupo onde o óleo ozonizado foi empregado
como medicação intracanal, com ocorrência de repa-
ração perirradicular similar ao grupo onde a pasta
HPG foi usada e superior ao grupo tratado em sessão
única133 (Fig. 14-21).
Estudos demonstraram que vidros bioativos
(como S53P4 e 45S5) têm o potencial de ser usados
como medicação intracanal208,218-220. Seus efeitos antimi-
Figura 14-20. Eficácia antibacteriana do óleo ozonizado quando
comparado a outros medicamentos intracanais. Dados segundo Si- crobianos parecem ser aumentados quando em contato
queira et al.161. HG, hidróxido de cálcio em glicerina; HTG, hidróxido com a dentina219,220, mas parecem ser inferiores quando
de cálcio associado a tricresol formalina e glicerina. comparados à clorexidina69.
Embora resultados promissores tenham sido pu- Decadron colírio ou Otosporin é utilizado para re-
blicados para alguns medicamentos e combinações, duzir a inflamação do remanescente pulpar, que pode-
cumpre salientar que são ainda preliminares e, na ria resultar em sintomatologia até o retorno do pacien-
maioria das vezes, desprovidos de comprovação quan- te para a completa instrumentação. Esse medicamen-
to à eficácia e segurança para uso clínico. to pode ser acondicionado em tubetes de anestésicos
vazios, o que facilita sua aplicação no canal radicular
com o auxílio de uma seringa do tipo carpule e agulha
EMPREGO DE MEDICAMENTOS G30.
Também empregamos o Decadron colírio ou o
Biopulpectomia Otosporin nos casos de uma sobreinstrumentação du-
Geralmente, a infecção em dentes com vitalidade rante o tratamento de um dente polpado ou em casos
pulpar está restrita à superfície da polpa coronária ex- de periodontite apical aguda de etiologia traumática
posta, sendo que a radicular se encontra apenas infla- ou química, mas não infecciosa.
mada, isenta de micro-organismos. Isso porque os me-
canismos de defesa do hospedeiro, conquanto a polpa Casos em que o canal foi totalmente
se encontre vital, impedem o avanço da infecção em instrumentado
direção apical. Esse fato se reveste de importância clí- Hidróxido de cálcio. Pode ser usado em associa-
nica, no que se refere à conduta terapêutica em dentes ção com veículos inertes, uma vez que não há infecção
com polpa vital. Uma vez eliminada a infecção super- do canal. Recomendamos a utilização da pasta con-
ficial da polpa através de profusa irrigação da câmara tendo hidróxido de cálcio e iodofórmio, na proporção
pulpar com solução de NaOCl, todos os procedimen- de 3:1 em volume, tendo como veículo a glicerina, a
tos intracanais serão realizados em ambiente asséptico, qual permite uma adequada repleção do canal117. A
não infectado. pasta deve ser levada ao canal, de preferência por
Destarte, uma vez combatida a infecção superfi- meio de espirais de Lentulo (Figs. 14-19 e 14-22). O
cial da polpa e mantidos os princípios básicos de assep- medicamento deve preencher toda a extensão do ca-
sia, nas biopulpectomias, recomendamos a obturação nal preparado, entrando em íntimo contato com as
imediata do sistema de canais radiculares. Na even- paredes dentinárias e com os tecidos perirradiculares
tualidade de o tratamento endodôntico não poder ser via forame apical, mas sem extravasar. A repleção
concluído na mesma sessão, sugerimos o emprego de adequada do canal com a pasta deve ser confirmada
um medicamento, cujo objetivo primordial é impedir a radiograficamente.
contaminação do sistema de canais radiculares entre as As pastas de hidróxido de cálcio usadas como
sessões de tratamento. medicamento intracanal nos casos de biopulpecto-
Quando indicados nas biopulpectomias, os medi- mia funcionam como obturação provisória, evitando
camentos intracanais recomendados são uma solução ou retardando a contaminação do canal radicular por
de corticosteroide/antibiótico (Otosporin ou Decadron microinfiltração salivar via material selador tempo-
colírio) ou as pastas de hidróxido de cálcio. rário. Assim, quando o canal radicular se encontra
devidamente preparado e a obturação foi postergada,
consideramos as pastas de hidróxido de cálcio como Casos em que o canal foi totalmente
o medicamento intracanal de primeira opção. O me- instrumentado
dicamento pode permanecer no interior do canal ra- Concluído o preparo químico-mecânico, o canal
dicular por um período variável de 7 a 30 dias, apro- é seco e preenchido com EDTA a 17% por 3 minutos.
ximadamente. Para facilitar a atuação da solução, a mesma é agitada
no interior do canal radicular com uma lima de peque-
Necropulpectomia e retratamento no calibre ou com uma espiral de Lentulo. A seguir,
Como discutido alhures, após o preparo químico- retira-se o EDTA por meio de irrigação-aspiração com
mecânico de canais radiculares infectados (casos de ne- 5 a 10mL de uma solução de NaOCl a 2,5%. Seca-se o
crose pulpar ou de retratamento), impõe-se o emprego canal e prepara-se a pasta HPG.
de um medicamento intracanal visando a maximizar a Pasta HPG. A pasta é preparada sobre uma placa
eliminação de micro-organismos. Todavia, é imperioso de vidro estéril, utilizando-se espátula flexível para ci-
que se remova a smear layer com o objetivo de desobs- mentos. Inicialmente, volumes iguais de PMCC e glice-
truir o acesso às ramificações e aos túbulos dentinários rina são depositados sobre a placa e então homogeneiza-
e, com isso, facilitar a difusão e atuação do medicamen- dos. Em seguida, agrega-se o pó do hidróxido de cálcio e
to (Fig. 14-23). do iodofórmio (na proporção de 3:1 em volume), grada-
tivamente, até que se obtenha uma consistência cremo-
sa similar a creme dental. O acréscimo de iodofórmio é
adequado para conferir radiopacidade e não interfere na
atividade antibacteriana da pasta150 (Fig. 14-24).
Nos casos onde o iodofórmio puder determinar
alteração cromática da coroa dentária ou reações alérgi-
cas, podemos substituí-lo pelo pó de óxido de zinco ou
pelo sulfato de bário. O pó da pasta LC também pode
ser empregado. Em canais amplos pode-se suprimir o
agente contrastante. A pasta passa então a apresentar
radiopacidade semelhante à dentina.
Após a aplicação, radiografa-se o dente para veri-
ficar se a repleção do canal foi satisfatória (Fig. 14-24A).
Cumpre relembrar que a pasta deve preencher de for-
ma homogênea toda a extensão do canal preparado
A
para que exerça os efeitos esperados. Antes de selar a
cavidade com um material selador temporário, a câma-
ra pulpar deve ser devidamente limpa. Consideramos
a pasta HPG como de primeira escolha quando o canal
estiver completamente instrumentado. Em função dos
resultados obtidos por Siqueira e Uzeda139,140 e Siqueira
et al.126,141,149-151,156, indicamos o tempo mínimo de per-
manência do medicamento no interior do canal radi-
cular de 7 dias.
Opcionalmente, a pasta HCx (clorexidina de 0,12
a 2%) pode ser empregada com resultados possivel-
mente similares aos da pasta HPG. Contudo, essa úl-
tima tem sido mais estudada e, portanto, possui maior
volume de comprovação científica quanto à eficácia.
B
Casos em que o canal não foi totalmente
Figura 14-23. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer ge- instrumentado
rada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a
remoção da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medica- Hipoclorito de sódio. Seleciona-se uma mecha de
ção profundamente na dentina. algodão seca e esterilizada de tamanho compatível com
604 Capítulo 14 Medicação Intracanal
SELAMENTO CORONÁRIO
Na Endodontia, selamento coronário é o preen-
chimento da cavidade de acesso e parte da cavidade
A pulpar por um material selador temporário. É usado
entre as sessões de um tratamento endodôntico e tam-
bém após o seu término. Material selador temporário
é aquele destinado ao preenchimento de cavidades
dentárias por um período, sem alcançar o desempenho
mecânico e biológico previsto para um material restau-
rador permanente.
Segundo Weine216, o material selador temporário
usado entre as sessões de um tratamento endodôntico
tem como funções: impedir que a saliva e micro-orga-
B nismos da cavidade oral ganhem acesso ao canal radi-
cular, prevenindo assim o risco de infecção ou reinfec-
Figura 14-24. Aplicação da pasta HPG no canal. A. Radiografia para ção, e evitar a passagem de medicamento do interior
confirmação da adequada aplicação da pasta HPG com iodofórmio
(HiPG) no canal. B. O acréscimo de iodofórmio à pasta HPG em dife-
do canal radicular para o meio bucal, preservando a
rentes proporções não influencia significativamente a eficácia anti- efetividade da medicação intracanal e impedindo qual-
bacteriana. Dados segundo Siqueira et al.150. HG, hidróxido de cálcio quer ação deletéria na mucosa oral.
em glicerina. Iodo/Glic, pasta de iodofórmio em glicerina. Para cumprir tais funções, o material selador tem-
porário deve apresentar estabilidade dimensional, boa
adesividade às estruturas dentárias e elevada resis-
as dimensões da câmara pulpar. A seguir, a mecha é tência mecânica. Outros fatores inerentes ao material
umedecida com NaOCl a 2,5% e então colocada e aca- podem causar microinfiltrações, tais como: preparo
mada na câmara pulpar, de modo a permitir um espaço incorreto da cavidade de acesso, material mal adapta-
de 3 a 5mm de espessura para a aplicação do material do às paredes da cavidade, resíduos entre as paredes
selador temporário. Optamos pelo emprego do NaOCl cavitárias e a restauração temporária e deterioração do
nos casos em que o canal radicular não foi instrumenta- material selador pelo tempo.
do ou o foi parcialmente. Isso porque esse medicamento A forma da cavidade coronária também interfere
pode promover uma desinfecção parcial do conteúdo na capacidade seladora do material empregado. A ca-
Biopulpectomia Necropulpectomia/Retratamento
Canal totalmente instrumentado Obturação ou medicação com pasta HG Medicação com pasta HPG
vidade deve ter suas paredes paralelas ou ligeiramente Por sua vez, os materiais seladores podem possuir
expulsivas no sentido coronário. Cavidades que apre- atividade antimicrobiana, permitindo a eliminação ou
sentam todas as paredes constituídas de estrutura den- redução de micro-organismos que permaneceram na
tária são as ideais para conter o material selador tem- cavidade e/ou de micro-organismos que tenham por-
porário. A ausência de paredes dentárias certamente ventura penetrado em canais de microinfiltração. Esse
compromete o selamento da cavidade pulpar. último fator pode explicar a excelente capacidade que
Outro aspecto a ser considerado é a profundidade têm alguns seladores de prevenir a infiltração bacteria-
da cavidade que irá receber o material selador. Diver- na. Siqueira et al.143 avaliaram a atividade antibacteriana
sos estudos evidenciam que uma espessura variável de de seis materiais usados como seladores temporários.
3 a 5mm é a mínima suficiente para permitir o selamen- Para isso, foram utilizadas quatro espécies bacterianas
to marginal94. comumente associadas a processos patológicos na cavi-
No selamento coronário entre as sessões de um dade oral. Foi demonstrado que todos os materiais tes-
tratamento endodôntico os materiais mais empregados tados apresentaram atividade antibacteriana. No geral,
são os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol e os Coltosol, Pulpo-San e OZE foram os mais eficazes. Vi-
denominados “prontos para uso”. drion-R, um cimento ionomérico, produziu os menores
Os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol são halos de inibição. Entretanto, deve-se ter em mente que,
encontrados na forma pó/líquido (OZE, Pulpo-San, na condição clínica, a atividade antibacteriana pode não
IRM). Todavia, diversos trabalhos mostram que esses ser exercida quando uma grande quantidade de células
materiais não são bons seladores coronários4,26,66,152. bacterianas invadir a interface dente/restauração tem-
Os produtos “prontos para uso” (Cavit, Coltosol, porária e/ou a saliva neutralizar ou diluir a substância
Cimpat) se apresentam na forma de pasta e endure- responsável pelo efeito antibacteriano.
cem por hidratação. Apresentam maior capacidade se-
ladora do que os cimentos à base de óxido de zinco/ Considerações clínicas
eugenol4,26,72,152,194. Entretanto, esses últimos possuem
O comportamento mecânico dos materiais sela-
menor tempo de presa (cura) e maior resistência à
dores temporários está relacionado com as caracterís-
compressão17,95.
ticas morfológicas da cavidade coronária de acesso à
Na avaliação da capacidade de selamento marginal
cavidade pulpar.
de diferentes materiais seladores temporários, os méto-
dos mais comumente usados empregam: corantes94,222;
Cavidades de acesso simples
filtração de fluido90,102 e penetração bacteriana25,26,152. A
literatura evidencia grande divergência de resultados São aquelas que apresentam todas as paredes
entre os autores, o que certamente se deve às diferen- constituídas de estrutura dentária. Para os dentes ante-
tes metodologias empregadas. Todavia, o método que riores, após a colocação da medicação intracanal, uma
utiliza a penetração de micro-organismos tem, segura- mecha seca de algodão de dimensão adequada é intro-
mente, um significado biológico superior25,26,152. duzida abaixo da embocadura do canal e sobre essa,
Siqueira et al.152, avaliando a capacidade de três se- o material selador temporário. Nesses casos devemos
ladores temporários (Cavit, IRM e OZE) de prevenir a usar materiais prontos para uso – Cavit ou Coltosol.
infiltração da espécie bacteriana Streptococcus sobrinus, Para os dentes posteriores, a mecha de algodão
observaram que, após 8 dias, houve infiltração bacteria- deve ser recoberta por uma fina lâmina de guta-percha,
na em 27% dos espécimes selados com Cavit, 45,5% com e a cavidade selada com o material provisório.
IRM e 45,5% com OZE. Após 16 dias ocorreu infiltração
bacteriana em 54,5%, 64% e 73% das amostras seladas Cavidades de acesso complexas
com Cavit, IRM e OZE, respectivamente. A diferença Denominamos cavidades de acesso complexas
entre os materiais não foi estatisticamente significante. aquelas que apresentam ausência de uma ou mais pa-
A penetração bacteriana, através da interface den- redes dentárias.
te/restauração, pode ocorrer por dois mecanismos: Nos casos de grande perda de estrutura coroná-
ria, ela pode ser reconstituída com bandas metálicas
• micro-organismos colonizam a coroa do dente e, por e/ou resina composta com ataque ácido. A utilização
meio da divisão celular, invadem a interface; de material restaurador permanente no selamento co-
• micro-organismos podem ser transportados, passi- ronário tem mostrado melhores resultados do que os
vamente, pela saliva. materiais temporários120.
606 Capítulo 14 Medicação Intracanal
A seguir, o acesso e o selamento coronário serão 13. Byström A, Claesson R, Sundqvist G. The antibacterial ef-
fect of camphorated paramonochlorophenol, camphorated
realizados de forma convencional em função do dente
phenol and calcium hydroxide in the treatment of infected
a ser tratado endodonticamente. Normalmente, antes root canals. Endod Dent Traumatol, 1985; 1: 170-5.
da reconstrução coronária, devemos remover todo o 14. Byström A, Happonen RP, Sjogren U, Sundqvist G. Healing of
tecido cariado e executar o acesso à cavidade pulpar. periapical lesions of pulpless teeth after endodontic treatment
with controlled asepsis. Endod Dent Traumatol, 1987; 3: 58-63.
A entrada dos canais deve ser bloqueada com guta- 15. Byström A, Sundqvist G. The antibacterial action of sodium
percha de cor rósea ou ceras de uso odontológico. Esse hypochlorite and EDTA in 60 cases of endodontic therapy.
procedimento tem como objetivo evitar o entupimento Int Endod J, 1985; 18: 35-40.
16. Byström A, Sundqvist G. Bacteriologic evaluation of the
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O tempo decorrido até a obturação do canal ra- 17. Civjan S, Huget EF, Wolfhard G, Waddell LS. Characteriza-
tion of zinc oxide-eugenol cements reinforced with acrylic
dicular deve ser o menor possível. Vários trabalhos resin. J Dent Res, 1972; 51: 107-14.
mostram que a infiltração bacteriana em cavidades 18. Collins MD, Hoyles L, Kalfas S et al. Characterization of
seladas com diferentes materiais temporários aumen- Actinomyces isolates from infected root canals of teeth:
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Capítulo 15
Materiais
Obturadores
O tratamento endodôntico deve ser considerado dodôntico, uma atenção especial deve ser dada à ob-
um processo cujas fases são igualmente importantes e, turação do sistema de canais radiculares. Nessa fase,
como tal, necessita de uma avaliação a cada etapa re- visa-se à eliminação de espaços vazios, originalmente
alizada. A prática comum de se avaliar os resultados ocupados pela polpa dental, que podem servir de ni-
imediatos do tratamento, aqueles relacionados com a chos para a proliferação de micro-organismos que re-
habilidade mecânica do profissional, apenas pela radio- sistiram ao preparo do canal (infecção persistente) ou
grafia final do caso, impossibilita a correção de fatores que em momento posterior possam ganhar acesso a
que estão diretamente associados ao “resultado” final. esses espaços (infecção secundária)93. Portanto, obturar
Como em todo processo, a avaliação criteriosa o sistema de canais radiculares é uma combinação de
fase a fase dá a oportunidade de construir o sucesso do técnica e seleção de materiais obturadores.
tratamento. Dessa forma, iniciar a instrumentação do Alguns materiais têm sido propostos para a ob-
sistema de canais radiculares sem que uma inspeção turação do sistema de canais radiculares. No entanto,
cuidadosa da cavidade de acesso seja feita é colocar em nenhum substituiu a guta-percha, que é universalmen-
risco o êxito da instrumentação, pelos motivos já es- te aceita como “padrão-ouro” para os materiais obtura-
tudados. Todavia, um clínico perspicaz que prossegue dores. Até agora, todos os materiais resinosos testados
com o preparo dos canais e detecta posteriormente um têm apresentado problemas quanto às características
obstáculo ainda presente na câmara pulpar pode, nesse de trabalho, à radiopacidade e à capacidade de permi-
momento, voltar à fase anterior e corrigir o problema. tir o retratamento endodôntico.
Por outro lado, iniciar a obturação do sistema de Nesse capítulo serão abordadas as principais ca-
canais radiculares sem o completo preparo dos canais racterísticas dos materiais empregados na obturação
do sistema de canais radiculares com base no consenso
ou ainda com o preparo imperfeito pode deixar, algu-
universal de que a obturação deve consistir em uma
mas vezes, consequências irreversíveis, uma vez que a
massa formada pela guta-percha com um mínimo de
obturação é a última etapa operacional do tratamento
cimento endodôntico, que preenche os espaços entre a
endodôntico convencional. Por exemplo, o dimensio-
guta-percha e as paredes do canal radicular.
namento impróprio do término apical pode acarretar
sobreobturação ou extravasamento de material exces-
sivo, que nem sempre se consegue reverter.
Guta-percha
Por essa razão, ainda que não se possa destacar Em 1843, José D’Almeida, residente em Cinga-
uma fase como a mais importante do tratamento en- pura, apresentou espécimes de guta-percha à Royal
613
614 Capítulo 15 Materiais Obturadores
Asiatic Society, em Londres110. Alguns anos depois, e fisicamente, balata e guta-percha são essencialmen-
mais precisamente em 1867, Bowman introduziu o uso te idênticas50. Consequentemente, iremos nos referir a
dessa substância em Endodontia. Ela é um polímero do essa substância como guta‑percha.
metilbutadieno ou isopreno (1,4 poli-isopreno), sendo Em 1942, C. W. Bunn relatou que, quimicamen-
assim um isômero da borracha, porém mais dura, mais te, a guta-percha pode ser encontrada em duas formas
quebradiça e menos elástica do que esta. Enquanto a cristalinas distintas: alfa e beta. A forma alfa é a natu-
borracha natural é um cis-poli-isopreno, possuindo ralmente extraída da árvore. Entretanto, a maioria das
grupamentos CH2 do mesmo lado da ligação dupla, a guta-perchas disponíveis comercialmente se encontra
guta-percha é um transpoli-isopreno, o qual apresen- na forma beta. Ambas as formas cristalinas são trans‑
ta seus grupamentos CH2 em lados opostos da ligação poli-isoprenos, que diferem basicamente na configura-
dupla (Fig. 15-1)36,65. ção da ligação dupla e na distância molecular repetida,
Na verdade, muitos produtos disponíveis comer- a qual é de 8,8Å para a fase alfa e 4,7Å para a fase beta.
cialmente podem não apresentar guta-percha pura. A guta-percha na forma alfacristalina é quebradiça à
Alguns fabricantes admitem que têm utilizado a ba- temperatura ambiente, tornando-se, quando aquecida,
lata, extraída da árvore Manilkara bidentata, da família pegajosa, aderente e com maior escoamento. Sua tem-
das sapotáceas, a qual é abundante no Brasil, particu- peratura de fusão é de 65°C. Já a forma betacristalina
larmente na Amazônia25. A verdadeira guta-percha é é estável e flexível à temperatura ambiente. Quando
obtida a partir da coagulação do látex de árvores da aquecida, não apresenta adesividade e tem menor es-
Malásia, dos gêneros Payena ou Palaquium, também da coamento do que a forma alfa. Sua temperatura de fu-
família das sapotáceas. Tem sido relatado que, química são é de 56°C. A pureza da substância pode alterar o
ponto de fusão36 (Figs. 15-2 e 15-3).
A massa obturante é constituída principalmente
pelo núcleo sólido, formado pela guta-percha e por
uma quantidade mínima de cimento endodôntico. As
técnicas de obturação mais difundidas entre os clínicos
empregam a guta-percha sob a forma de cones. Tradi-
cionalmente, os cones de guta-percha são classificados
em dois tipos: os padronizados (calibrados) e os auxi-
liares (Fig. 15-4).
Atualmente, tendo em vista o emprego crescente
de técnicas que utilizam a guta-percha termoplastifica-
da, outros tipos de cones são encontrados, além de ou-
tras formas de apresentação para a guta-percha, como
em bastões para plastificação nas técnicas de injeção no
interior dos canais radiculares.
Os cones de guta-percha padronizados apresen-
tam diâmetros e conicidades determinados. O diâme-
tro da ponta de um cone de guta‑percha é denomina-
do D0. É um diâmetro virtual que consiste na projeção
da conicidade do cone até a sua extremidade. Os di-
âmetros em D0, expressos em centésimos de milíme-
tros, correspondem aos números padronizados (ISO)
e variam entre 15 e 140. O diâmetro dos cones de
guta-percha aumenta de 0,05mm até o no 60; a partir
desse número, até o 140, o aumento é de 0,10mm. De
acordo com a norma ISO 6877, Dental root canal obtu‑
rating points, de 1995, a tolerância de fabricação dos
cones para o diâmetro é de ± 0,05mm até os diâmetros
0,25mm (no 25) e de ± 0,07 até os de diâmetro 1,4mm
Figura 15-1. Estrutura química da guta-percha nas formas alfa e (no 140). O comprimento mínimo é de 28mm com uma
beta. tolerância de ± 2mm.
Materiais Obturadores 615
A B C D
Figura 15-2. Formas da guta-percha desde a extração até a forma utilizável. A. Balata bruta (seiva). B. Balata purificada com tolueno e álcool.
C. Balata purificada e com óxido de zinco. D. Balata com óxido de zinco e corante, produto final. (Gentileza da Odous De Deus Ind. Com. Imp.
Exp. Ltda, Belo Horizonte, Brasil.)
A B C
Para os cones padronizados convencionais, a A Odous De Deus (Belo Horizonte, MG) fornece
conicidade é de 0,02mm/mm. Esses cones estão dis- cones auxiliares MF, F, FM, MX, M, MLX, ML, L e XL.
poníveis com diâmetro D0 entre 15 e 140 (Dentsply/ Ainda apresentam os cones FM e M padronizados em
Maillefer). São empregados como cones principais na D0, nos nos 20, 25, 30 e 35, com comprimento de 28mm.
técnica de compactação lateral. Também se encontram Fornecem também cones auxiliares FM, M e MX extra-
disponíveis cones com outras conicidades, como, por longos, com 35mm de comprimento. A Dentsply for-
exemplo, os de conicidades 0,04 e 0,06mm/mm, que nece cones auxiliares em guta-percha TP (termoplas-
são apresentados entre os nos 15 e 40 (Dentsply/Mail- tificação) nos tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, espe-
lefer). cialmente fabricados para obturação com técnicas de
Cones de guta-percha com as dimensões de ins- termoplastificação da guta-percha (Fig. 15-4).
trumentos endodônticos de sistemas mecanizados têm Os cones de guta-percha apresentam uma com-
sido concebidos com a finalidade de se adaptarem ao posição básica de guta-percha (de 19 a 20%), óxido de
espaço dos canais radiculares preparados por esses zinco (60 a 75%), radiopacificadores, como o sulfato de
instrumentos. Como exemplos, citamos os cones de bário (1,5 a 17%), e outras substâncias, como resinas,
guta-percha correspondentes às dimensões dos instru- ceras e corantes (1 a 4%). A presença do óxido de zinco
mentos ProTaper Universal (Dentsply/Maillefer), K3 confere rigidez e atividade antibacteriana aos cones de
(SybronEndo) e Mtwo (VDW) (Fig. 15-4). guta-percha50,69.
Os cones auxiliares possuem conicidades variá- Com 1mm de espessura, os cones de guta-percha
veis (não padronizadas) e pontas mais afiladas, quan- apresentam radiopacidade equivalente a 6,44mm de
do comparados aos padronizados. Eles estão disponí- alumínio.
veis em tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, ML, L e XL O escoamento dos cones de guta-percha é inver-
(Quadro 15-1). Apresentam comprimento e tolerância samente proporcional ao seu conteúdo de óxido de
de fabricação para diâmetros similares aos dos cones pa- zinco, componente que altera o ponto de fusão da gu-
dronizados. Embora sejam mais utilizados como cones ta-percha. A guta-percha apresenta um comportamen-
acessórios (secundários ou laterais) durante a técnica to viscoelástico, o que significa que em temperaturas
da compactação lateral, os cones auxiliares podem ser mais altas ela apresenta o comportamento viscoso ou
usados como principais em diversas situações clínicas, tal qual o de um líquido. Por outro lado, em tempera-
principalmente quando da obturação de canais curvos. turas intermediárias, encontra-se como um sólido com
as características de uma borracha, o qual exibe com-
portamentos mecânicos que são a combinação desses
Quadro 15-1 Calibre e conicidade dos cones de dois extremos.
guta-percha auxiliares O comportamento viscoelástico da guta-percha
depende tanto do tempo em que se mantém a carga so-
Tamanho D3 Conicidade bre o material, como da temperatura em que a carga é
(calibre a (mm/mm)
aplicada. Quando submetida a uma força de compac-
3mm da ponta)
tação mantida por alguns poucos segundos, o material
XF (extra-fine) 0,2 0,019 se deforma plasticamente. Quanto maior a deformação
plástica, maior o escoamento do material.
FF (fine-fine) 0,24 0,025 As vantagens e desvantagens dos cones de gu-
ta‑percha como material obturador dos canais radicu-
MF (medium-fine) 0,27 0,032 lares são:
F (fine) 0,31 0,038
Vantagens
FM (fine-medium) 0,35 0,041
• Adaptam-se facilmente às irregularidades do canal
M (medium) 0,40 0,054 quando utilizados em várias técnicas de obturação.
• São bem tolerados pelos tecidos perirradiculares.
ML (medium-large) 0,43 0,063 • São radiopacos.
• Podem ser facilmente plastificados por meios físicos
L (large) 0,49 0,082 e químicos, de acordo com variações de técnicas.
• Possuem estabilidade dimensional nas condições
XL (extra-large) 0,52 0,083
de uso.
Materiais Obturadores 617
• Não alteram a cor da coroa do dente quando usa- guta-percha, porém o tempo necessário para alcançar
dos no limite coronário adequado da obturação do desinfecção ainda não foi estabelecido35.
canal.
• Podem ser facilmente removidos do canal radicular.
THERMAFIL
Desvantagens Muitas das modernas técnicas de obturação em-
• Têm pequena resistência mecânica à flexocompres- pregam a guta-percha termoplastificada com a finali-
são (rigidez), o que dificulta o seu uso em canais cur- dade de adaptar melhor o material às paredes do canal
vos e atresiados. e preencher de forma mais eficiente todos os espaços
• Têm pouca adesividade, o que exige a complemen- no sistema de canais radiculares, inclusive os istmos.
tação da obturação com cimentos endodônticos. Um desses métodos de obturação é o sistema Therma-
• Podem ser deslocados pela pressão, provocando so- fil (Dentsply/Maillefer). Os obturadores Thermafil são
breobturação durante os processos de compactação. constituídos de um núcleo plástico revestido com guta-
percha na fase alfa (Fig. 15-5). A guta-percha na fase
Tem sido relatado um número crescente de ca- alfa quando aquecida apresenta maior capacidade de
sos de hipersensibilidade ao látex da borracha natural, escoamento do que na fase beta. Após o aquecimento
oriundo da árvore Hevea brasiliensis20. Isso pode ser dos obturadores em um forno especial, a guta-percha se
devido em parte ao aumento do emprego de produ- torna amolecida e o obturador é introduzido no canal
tos médicos à base de borracha. Uma vez que o único preparado. O núcleo plástico do obturador permanece
método prático de se controlar os indivíduos alérgicos no canal como parte integrante da massa obturadora
ao látex é evitar a exposição ao alérgeno, tem sido re- (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares).
comendado que os ambientes médico e odontológico O núcleo dos obturadores é de plástico biocompa-
abandonem os produtos que contenham o látex da He‑ tível e radiográfico. Apresentam-se em comprimento de
vea brasiliensis. 25mm com conicidade de 0,04mm/mm, e o diâmetro D0
Foi estudada a possibilidade de reação cruzada varia de 45 a 100 para os dentes anteriores e de 20 a 40
entre a guta-percha, a guta-balata e o látex da borra- para os dentes posteriores. Da mesma forma que os co-
cha natural20. Verificou-se que o uso da guta-percha em nes de guta-percha, foram lançados no mercado os obtu-
pacientes sensibilizados ao látex representa um risco radores com conicidade variável (ProTaper Obturação,
mínimo de indução de sintomas alérgicos. Quanto à Dentsply/Maillefer), que também foram concebidos
guta-balata, os fabricantes de guta-percha devem ser com a finalidade de se adaptarem ao espaço do sistema
encorajados a abandonar o seu uso na composição dos de canais radiculares preparado pelos instrumentos de
cones, tendo em vista que a guta-balata na forma bru- NiTi do sistema de mesmo nome. Embora apresentem
ta pode fazer a reação cruzada com o látex da Hevea conicidade variável, são padronizados no diâmetro D0
brasiliensis, o que representa risco de induzir resposta com os nos 20, 25, 30, 40 e 50, correspondendo aos instru-
alérgica em pacientes sensibilizados. mentos F1, F2, F3, F4 e F5, respectivamente.
Os cones de guta-percha devem ser conservados
em local fresco e protegidos da luz, o que possibilitará
sua longevidade. Caso contrário, ficarão quebradiços
e não deverão ser utilizados na obturação dos canais
radiculares. Esse estado quebradiço corresponde ao
fenômeno conhecido como fendilhamento, que é a for-
mação de pequenas trincas e que antecede à fratura do
polímero18.
A desinfecção dos cones de guta-percha antes do
uso pode ser feita pela imersão do cone em hipoclo-
rito de sódio na concentração de 2,5% até 5,25% por
um minuto86,89,94, tomando-se o cuidado de lavá-lo em
seguida em solução salina estéril.
Foi sugerida ainda a desinfecção por meio da clo-
rexidina a 2%, por não apresentar essa substância o po-
tencial para alterar a estrutura superficial dos cones de Figura 15-5. Obturadores do sistema Thermafil.
618 Capítulo 15 Materiais Obturadores
Por outro lado, em elevadas concentrações, o eu- Outro plastificante é o Abitol, que é mistura de
genol pode induzir vasodilatação e aumento do fluxo álcool tetra, di e de-hidroabetílico. Existem inúmeros
sanguíneo, o que pode ser deletério para uma polpa já plastificantes disponíveis no mercado; para qualquer
lesada, acarretando necrose tecidual. modificação na formulação do pó ou do líquido são ne-
Depreende-se, então, que altas doses de eugenol cessários os ensaios laboratoriais para que o produto
inibem o crescimento e a respiração celular, podendo resultante se enquadre nas especificações da ADA.
levar à morte, promovem alterações vasculares, como Tetraborato de sódio. Retarda o tempo de endureci-
vasodilatação, e são neurotóxicas. Tais propriedades mento do cimento. Dependendo do tipo de derivado da
são consideradas indesejáveis. Contrariamente, baixas colofônia e a presença ou não de óleos vegetais na com-
concentrações dessa substância apresentam proprieda- posição do produto, pode ser excluído da formulação.
des farmacológicas desejáveis, como ações anti-infla- Breu (colofônia) e derivados do breu. O principal ingre-
matória e analgésica64. diente ativo do breu é o ácido abiético (C19H29COOH).
No caso da obturação do canal com cimento à base A adição desse confere maior adesividade ao cimento
de OZE, uma pequena quantidade pode contatar os te- e concomitantemente diminui a sua solubilidade. Exis-
cidos perirradiculares ao nível do forame apical. Essa tem vários tipos de colofônia e derivados da mesma.
quantidade pode conter uma concentração de eugenol Quanto mais ácido o pH, mais rápido será o tempo de
suficientemente tóxica, tanto para as bactérias quan- endurecimento do cimento. Cimentos contendo resi-
to para as células do hospedeiro. Ao redor dessa área nas de colofônia esterificadas ou hidrogenadas têm o
de morte celular, os tecidos perirradiculares contatam tempo de endurecimento aumentado quando compa-
uma menor dosagem de eugenol, a qual pode exercer rado com aqueles que contêm resinas não modificadas
efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. O extravasa- quimicamente.
mento de uma grande quantidade de cimento para os Óleo de amêndoas doces. Retarda o tempo de endu-
tecidos perirradiculares permite uma maior difusão de recimento do cimento. Cimentos contendo no pó o te-
eugenol, o qual tende a exercer suas propriedades de- traborato de sódio anidro não requerem o óleo adicio-
letérias, podendo interferir negativamente no processo nado no eugenol. São necessários ensaios laboratoriais
de reparo tecidual. para se adequar o tempo de endurecimento. Pode ser
substituído por outros óleos vegetais desde que não se-
Efeito das matérias-primas nas propriedades do jam tóxicos. Adicionando o óleo de soja no eugenol, o
cimento endodôntico à base de OZE cimento apresenta tempo de endurecimento diminuído
devido à maior acidez da mistura quando comparado
Matérias-primas com o óleo de amêndoas doces.
Óxido de zinco. É a base para a reação iônica com Além disso, é importante ressaltar que as proprie-
o eugenol. A sua substituição por outros óxidos (MgO dades físico-químicas e biológicas dos cimentos à base
ou BaO) forma cimentos bastante solúveis em água, o de OZE dependem fortemente do tamanho de partícu-
que não é o desejado. Substituindo o óxido de zinco la do pó, da pureza das matérias-primas, das condições
por CdO ou HgO, produzem-se cimentos com proprie- do ambiente clínico (temperatura e umidade relativa
dades biológicas indesejáveis (muito tóxicos – o CdO do ar) e do tempo e modo de espatulação. Aumentan-
possui propriedades carcinogênicas). do-se a temperatura ou a umidade relativa do ar no
Eugenol. É a base para a reação iônica com o óxido ambiente da espatulação, o cimento tem seu tempo de
de zinco. endurecimento diminuído.
Sulfato de bário. Confere radiopacidade ao cimen- De igual importância são as condições do sistema
to. Pode ser substituído por subcarbonato de bismuto, de canais radiculares (umidade) e os fundamentos da
sulfeto de zinco ou tungstato de cálcio. técnica de obturação (aplicação ou não de calor). Quan-
Subcarbonato de bismuto. Plastificante que também do o canal apresenta umidade, o cimento nele inserido
confere radiopacidade ao cimento. Como plastificante, tem seu tempo de endurecimento e sua capacidade de
pode ser substituído por: N-etil orto e paratoluenos- escoamento diminuídos. Efeito semelhante é observa-
sulfonamida (Santicizer tipo 8 especial – Monsanto); do quando do aumento da temperatura nas técnicas
sendo líquido, deve ser acrescentado ao componente que empregam a guta-percha termoplastificada.
líquido do cimento (caso a composição do líquido seja Silva et al.90 realizaram um estudo para determi-
eugenol e óleo vegetal, deve ser feita uma compensa- nar a influência de cada componente do cimento de
ção percentual nele). Grossman sobre estabilidade dimensional, solubili-
Materiais Obturadores 621
dade/desintegração e radiopacidade. De acordo com no que tange à obturação do sistema de canais radi-
esse estudo, a resina natural (breu) confere acentuada culares.
expansão, o tetraborato de sódio anidro aumenta sig-
nificativamente a solubilidade e desintegração, a resi-
Cimento de Grossman
na natural diminui a solubilidade do cimento de óxido
de zinco, e o subcarbonato de bismuto é um excelente Pó: Óxido de zinco, resina hidrogenada, colofô-
agente radiopaco. nia, subcarbonato de bismuto, sulfato de bário, borato
Universalmente, os cimentos à base de óxido de de sódio (anidro).
zinco‑eugenol têm sido os mais usados pelos profissio- Líquido: Eugenol.
nais para a obturação dos canais radiculares. A seguir, Nos EUA, o cimento de Grossman é comerciali-
apresentam-se os cimentos à base de óxido de zinco- zado sob o nome de Procosol. No Brasil, temos apre-
eugenol mais comumente utilizados. sentações com os nomes Endofill (Dentsply, Maillefer),
Intrafill (SSWhite), Pulp Fill (Biodinâmica) e Fill Canal
Cimento de óxido de zinco-eugenol (OZE) (Technew).
Estudos têm demonstrado que o cimento de Gros-
O cimento de OZE em sua forma mais pura (óxido
sman possui propriedades físico-químicas satisfatórias.
de zinco no pó e eugenol no líquido) é comercializado
Elas incluem: boa capacidade seladora, baixa permea-
por vários laboratórios e encontra inúmeras aplicações
bilidade, estabilidade dimensional, adesividade ade-
em Odontologia, sendo preferido por alguns poucos
quada, baixa solubilidade e baixa desintegração11,39,40.
profissionais para a obturação do sistema de canais
A adesividade é ditada pela presença da resina hidro-
radiculares. Seu tempo de trabalho é de aproximada-
genada, a plasticidade pelo subcarbonato de bismuto,
mente 3 horas, e o de endurecimento é de 20 horas. A
a radiopacidade pelo sulfato de bário, e o borato de só-
radiopacidade de 1mm desse cimento é corresponden-
dio retarda o tempo de endurecimento do material.
te a 4-5mm de alumínio.
Grossman40 recomenda que o cimento seja prepa-
Quando comparado a outros cimentos, o cimento
rado da seguinte forma:
de OZE sem aditivos apresenta uma baixa capacidade
de adesão40 e baixo escoamento136.
• deve-se sentir uma leve resistência quando da espa-
Além de alterar as propriedades físico-quími-
tulação, no momento em que se aproxima da correta
cas do cimento, variações na proporção pó/líquido
consistência;
também exercem influência sobre a propriedade de
• levantando-se o cimento com o auxílio da espátula,
biocompatibilidade. Holland et al.48 observaram que
ele não deverá cair antes de 16 segundos;
misturas fluidas acarretam uma resposta inflamatória
• colocando-se a espátula sobre o cimento preparado,
tecidual mais intensa do que aquela produzida por
ao se levantar, o cimento deverá formar um fio de
misturas mais espessas (Fig. 15-7).
cerca de 2,5mm antes de se romper.
Suas deficiências fizeram com que esse cimento
fosse preterido pela grande maioria dos profissionais
O tempo de trabalho do cimento de Grossman in
vitro é de 24 horas e o de endurecimento é de 40 ho-
ras. Pequenas variações podem advir em decorrência
de algumas modificações na formulação do cimento,
dependendo do produto comercial.
Inúmeros estudos avaliaram a biocompatibilida-
de desse produto. Barbosa et al.7 relataram que o Fill
Canal (cimento de Grossman) apresentou toxicidade
superior àquela verificada para os cimentos N-Rickert
e Sealer 26. Brodin et al.16 relataram que o Procosol
causou inibição completa da condução nervosa, a qual
foi, contudo, reversível. Esse cimento possui ativida-
de antibacteriana pronunciada, graças à presença do
eugenol3,97.
Figura 15-7. Inflamação perirradicular associada à obturação do Vassiliadis et al.126 avaliaram a penetração do ci-
canal com cimento OZE. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.) mento de Grossman em túbulos dentinários por meio
622 Capítulo 15 Materiais Obturadores
de microscopia eletrônica. A smear layer, não removi- zinco-eugenol. Possui um tempo de presa de apro-
da antes da obturação, não impediu a penetração do ximadamente 115 minutos, o que favorece seu em-
cimento nos túbulos dentinários. Diferentes profundi- prego na obturação de canais de dentes multirradi-
dades de penetração do cimento foram observadas, as culares.
quais poderiam ser decorrentes de diferenças na mis- Ørstavik e Mjor74 avaliaram a biocompatibilidade
tura e na consistência do cimento, assim como na força do Endométhasone em tecido conjuntivo subcutâneo
empregada na compactação lateral. O selamento apical de ratos após os períodos de 14 e 90 dias. Foi verificado
promovido pelo cimento de Grossman é satisfatório96. que esse cimento apresentou efeitos tóxicos sobre os te-
cidos similares aos de outros cimentos à base de óxido
Pulp Canal Sealer (cimento de Rickert) de zinco-eugenol testados (Procosol, Kerr Pulp Canal
Sealer e N2), os quais foram pronunciados.
O Pulp Canal Sealer (ou Kerr Pulp Canal Sealer, Sy-
Avaliando os efeitos de cimentos endodônticos
bronEndo, EUA), apresenta a seguinte formulação:
sobre células imunocompetentes in vitro e in vivo, Bra-
Pó: Óxido de zinco, prata precipitada, subcarbo-
tel et al.15 relataram que o Endométhasone e o AH 26
nato de bismuto, sulfato de bário.
inibiram a proliferação de linfócitos T. Isso caracteriza
Líquido: Óleo de cravo, bálsamo-do-canadá.
uma ação imunossupressora. Após o endurecimento,
O cimento de Rickert foi introduzido na Endo-
esse efeito foi consideravelmente reduzido.
dontia em 1931. Esse produto possui boa estabilida-
Ørstavik73 estudou as propriedades antibacte-
de dimensional e capacidade seladora, adesão sa-
rianas de vários materiais sobre Enterococcus faecium,
tisfatória, excelente escoamento, baixa solubilidade,
Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Alguns
radiopacidade elevada e baixa desintegração7,40,95,100.
dos cimentos usados foram o AH 26, Endométhasone,
Após a preparação, o Pulp Canal Sealer apresenta um
Kerr Pulp Canal Sealer, Procosol e Tubli-Seal. Todos os
tempo de trabalho de aproximadamente 30 minutos e materiais apresentaram algum efeito antibacteriano,
de endurecimento de 1 hora. Estudos demonstraram principalmente quando recém-preparados. O Endomé-
que esse cimento apresenta atividade antibacteriana thasone, devido à presença do paraformaldeído, apre-
satisfatória73,95. sentou atividade antibacteriana pronunciada mesmo
Devido à presença de prata em sua formulação, após o endurecimento. A ação inibitória do Endomé-
é altamente recomendada uma limpeza adequada da thasone sobre bactérias foi também demonstrada por
câmara pulpar, inclusive com solventes como álcool, Pumarola et al.81.
clorofórmio, xilol ou óleo essencial de laranja (d-limo- A adição do paraformaldeído é indesejável, uma
neno), de forma a eliminar os riscos de escurecimento vez que exacerba os efeitos tóxicos do eugenol. Isso
da coroa dentária após a obturação. O Pulp Canal Sealer pode retardar os mecanismos de reparação nos tecidos
EWT (extended working time) apresenta tempos de tra- perirradiculares, em razão da coagulação e impregna-
balho e de endurecimento maiores do que o cimento ção dos tecidos por essa substância. Com o tempo, o
convencional. formaldeído é removido do tecido necrosado, o qual
pode então ser infectado ou, dependendo do supri-
Endométhasone mento sanguíneo da região, ser reparado. Causa real-
O Endométhasone (Specialités-Septodont, Fran- mente surpresa o fato de que alguns ainda acreditam
ça) possui os seguintes componentes: que o tratamento de uma ferida com uma substância
Pó: Óxido de zinco, dexametasona, acetato de hi- tóxica e coagulante tecidual possa favorecer a cura dos
drocortisona, diiodotimol, paraformaldeído, óxido de tecidos perirradiculares.
chumbo, sulfato de bário, estearato de magnésio, sub-
nitrato de bismuto. Tubli-Seal
Líquido: Eugenol. O Tubli-Seal (SybronEndo, EUA) apresenta basi-
O paraformaldeído foi adicionado com o intui- camente os seguintes elementos: óxido de zinco, sulfa-
to de melhorar os efeitos antibacterianos do cimento, to de bário, resinas oleosas, iodeto de timol, trióxido de
enquanto os corticosteroides (dexametasona e acetato bismuto, óleos e eugenol.
de hidrocortisona) visam a propiciar uma ação anti- Esse produto se apresenta sob a forma pasta/
inflamatória. pasta, base e catalisador. Deve ser preparado espa-
Suas propriedades físico-químicas são bastante tulando-se porções iguais até se obter uma mistura
similares às dos demais produtos à base de óxido de bem homogênea e com uma consistência que, do pon-
Materiais Obturadores 623
to de vista clínico, seja considerada ideal. Apresenta cos. Eles observaram reações inflamatórias ao AH 26 clas-
um tempo de trabalho de 30 minutos e de endureci- sificadas como graves para os períodos curtos (1 a 7 dias)
mento de 1 hora. Possui propriedades físico-químicas e leves para os períodos longos (1 a 3 anos) de avaliação.
bastante similares às dos demais materiais à base de Em relação à atividade antibacteriana, esse ma-
óxido de zinco-eugenol. terial apresenta bons resultados. Por meio do teste de
difusão em ágar, Stevens e Grossman112 estudaram os
Cimentos resinosos efeitos antibacterianos de diversos cimentos sobre uma
bactéria anaeróbia estrita, o Bacteroides fragilis. O AH
São representados pelos seguintes cimentos: AH 26, o Procosol e o OZE promoveram efeitos inibitórios
26, Sealer 26 (a ser discutido adiante, como cimento significantes. O Kerr Pulp Canal Sealer e o Tubli-Seal
contendo hidróxido de cálcio) e AH Plus. provocaram pequenos halos de inibição do crescimen-
to microbiano.
AH 26
O AH 26 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) é AH Plus
um cimento à base de resina epóxica constituído pelos
O AH Plus (Dentsply/De Trey, Konstanz, Ale-
seguintes elementos:
manha) é um cimento à base de resina do tipo epoxia-
Pó: Óxido de bismuto; pó de prata; óxido de titâ-
minas, cuja composição fornecida pelo fabricante é a
nio; hexametilenotetramina.
seguinte:
Resina: Éter de bisfenol A diglicidil.
Pasta A: Éter de bisfenol A diglicidil; tungsteanato
Também está disponível o cimento sem a prata e
de cálcio; óxido de zircônio; aerosil; óxido de ferro.
o óxido de titânio, AH 26 Silverfree.
Pasta B: Amina adamantana; n,n-dibenzil-5-oxa-
Sua radiopacidade é similar à da guta-percha, isto
nonano-diamina-1,9; tcd-diamina; tungsteanato de cál-
é, 1mm do cimento corresponde a 6,66mm de alumínio.
cio; óxido de zircônio; aerosil; óleo de silicone.
Esse produto apresenta excelentes propriedades
Apresenta-se sob a forma de pasta/pasta. A pro-
físico-químicas, tais como: boa estabilidade dimensio-
porção indicada para se preparar a mistura é de 1:1, em
nal, adesividade, radiopacidade, baixa solubilidade,
volume. O tempo de trabalho é de aproximadamente 4
boa capacidade seladora e alto escoamento2,40,55. Seu
horas a 23°C, e o tempo de endurecimento é de cerca
tempo de trabalho é de 7 horas e o de endurecimento é
de 8 horas a 37°C.
de cerca de 32 horas.
Esse cimento apresenta boa capacidade seladora
O AH 26 apresenta partículas finas, o que pode
apical e excelente comportamento histológico, permi-
ajudar a explicar seu elevado escoamento e a grande
tindo o selamento biológico pela deposição de um te-
força adesiva.
cido cementoide60. Ele possui atividade antibacteriana
Wennberg e Ørstavik130 avaliaram a propriedade
satisfatória e excelente escoamento, segundo achados
de adesão de vários cimentos endodônticos. Eles rela-
de Siqueira et al.95. Saleh et al.84 compararam a adesão
taram que o cimento que apresentou a maior força de
de vários cimentos endodônticos à dentina e à guta-
adesão foi o AH 26. Dos materiais testados, o que apre-
percha e revelaram que o AH Plus apresentou a maior
sentou a menor força adesiva foi o Sealapex.
capacidade adesiva dos materiais investigados. Ørsta-
Limkangwalmongkol et al.62, pelo método de infil-
vik et al.75 observaram que esse cimento apresentou
tração de corante, avaliaram in vitro o selamento apical
expansão volumétrica de 0,4% depois de 4 semanas a
produzido por quatro cimentos endodônticos. O AH
até 0,9%. O bom selamento apical promovido por esse
26 apresentou os melhores resultados, seguido do Ape-
cimento é semelhante ao produzido pelo Sealer 26100.
xit, Tubli-Seal e Sealapex. Avaliando a infiltração coro-
nária por Fusobacterium nucleatum de canais obturados
com guta‑percha e dois cimentos, Chailertvanitkul et Epiphany (Real-Seal)
al.19 verificaram que a completa recontaminação foi ob- O cimento Epiphany (Pentron Clinical Techno-
servada, em média, em 8,4 e 8,2 semanas para o AH logies) ou Real-Seal (Sybron Endo) contém as resinas
26 e o Tubli-Seal EWT, respectivamente. Esses dados uretano dimetacrilato (UDMA), poli (etilenoglicol) di-
revelam que o AH 26 apresenta uma capacidade de se- metacrilatos (PEGDMA), bisfenol A dimetacrilato eto-
lamento apical e coronário bastante satisfatória. xilado (EBPADMA), bisfenol-A-glicidildimetacrilato
Pascon et al.78 avaliaram a biocompatibilidade do (BisGMA), designadas para uso com materiais sólidos
AH 26 e de outros cimentos, utilizando dentes de maca- à base de policaprolactona. Esse cimento ainda contém
624 Capítulo 15 Materiais Obturadores
vidro borosilicato de bário tratado com silano, sulfa- composição é a seguinte: polidimetilsiloxano, fluido
to de bário, sílica, hidróxido de cálcio, oxicloreto de de silicone, óleo à base de parafina, ácido hexacloro-
bismuto com aminas, um fotoinibidor e pigmentos. O platínico e dióxido de zircônio. O cimento é colocado
cimento Epiphany é um compósito de cura dual que por meio de um aplicador de câmara dupla, o qual já
autopolimeriza em cerca de 25 minutos. É acompanha- mistura o cimento na dosagem apropriada. O aplica-
do por um primer autocondicionante com ácido sulfô- dor possui pontas misturadoras especiais e flexíveis,
nico, hidroxietilmetacrilato (HEMA), água e iniciador de emprego único, que permitem a aplicação do ci-
de polimerização. Uma vez que o hipoclorito de sódio mento no canal. O material polimeriza por comple-
pode afetar negativamente a força de adesão do primer, to, independentemente de umidade e temperatura. O
depois da irrigação com essa substância deve-se irrigar tempo de trabalho é de 15-30 minutos e o de endure-
com EDTA e água destilada ou solução salina. Clore- cimento é de 45-50 minutos. Há poucos estudos ava-
xidina não afeta a força de adesão. Quando a obtura- liando suas propriedades. Ørstavik et al.75 relataram
ção está completa, deve-se fotopolimerizar a superfície que esse cimento expandiu até 0,2% em 4 semanas de
coronária do material por 40 segundos para promover avaliação, mas depois apresentou comportamento es-
um selamento coronário. tável.
Foram avaliados histologicamente os tecidos pe-
EndoRez rirradiculares de dentes de cães após a obturação com
O EndoRez (Ultradent, EUA) é um cimento re- os cimentos RoekoSeal e AH Plus61. Não foram encon-
sinoso hidrofílico de UDMA que apresenta bom mo- tradas diferenças estatisticamente significativas entre
lhamento das paredes do canal e escoamento para o os dois cimentos quanto ao infiltrado inflamatório, à
interior de túbulos dentinários131. A propriedade hi- espessura do ligamento periodontal e à quantidade de
drofílica melhora a capacidade seladora, mesmo se reabsorção dentinária, cementária ou óssea.
alguma umidade está presente no canal no momento Özok et al.77 testaram a capacidade de selamento
da obturação76. EndoRez é introduzido no canal com da GuttaFlow, do RoekoSeal e do AH26 em canais ra-
agulhas Navitip gauge 30 (Ultradent) e o canal é obtu- diculares de dentes humanos extraídos. Os canais ob-
rado com a técnica do cone único ou pela compactação turados com AH26 receberam a técnica da compacta-
lateral. Cones de guta-percha recobertos com Endo- ção lateral, ao passo que os canais obturados com Ro-
Rez são também disponíveis comercialmente para uso ekoSeal e GuttaFlow foram submetidos à técnica do
com o cimento, favorecendo a união química de cone- cone único modificada. O modelo de penetração de
cimento. Os cones EndoRez encontram-se disponíveis glicose foi empregado no experimento. Os resultados
em calibres conforme a padronização ISO. mostraram diferenças estatisticamente significantes,
evidenciando que a GuttaFlow apresentou os maiores
Cimentos à base de ionômero de vidro valores de infiltração em todas as semanas. No entan-
Em razão das várias propriedades benéficas que to, a comparação entre RoekoSeal e AH26 não mostrou
possui, tais como atividade antibacteriana, efeito ca- diferença significativa.
riostático, adesão química à estrutura dentária e bio-
compatibilidade, os cimentos de ionômero de vidro GuttaFlow
têm sido amplamente utilizados em Odontologia como Em 2004, a Coltène/Whaledent Inc (EUA) intro-
material forrador de cavidades, restaurador, selante
duziu um material obturador que a frio apresenta bom
de cicatrículas e fissuras e na cimentação de próteses
escoamento e capacidade de autopolimerização. Esse
fixas32,33,66,72,113,132. Devido a tais propriedades, seu uso
material consiste na combinação da guta-percha com
como cimento endodôntico foi preconizado. O Ketac-
um cimento endodôntico em cápsulas que se acoplam
Endo (3M-ESPE, Alemanha) é o representante mais
a um sistema que permite a injeção direta do material
estudado desse grupo de cimentos. Atualmente, pare-
no interior do canal radicular. GuttaFlow contém gu-
ce não haver qualquer cimento endodôntico à base de
ta-percha finamente moída em partículas com menos
ionômero de vidro disponível comercialmente.
de 30µm de diâmetro combinada com um cimento à
base de polidimetilsiloxano (Fig. 15-8). Também con-
Cimentos à base de silicone tém óleo de silicone, óleo de parafina, agente catalíti-
O RoekoSeal Automix (Dental Products, Lange- co de platina, dióxido de zircônio, nanopartículas de
nau, Alemanha) é um cimento à base de silicone. Sua prata (conservante) e corante. Não contém eugenol.
Materiais Obturadores 625
Esse material deve ser triturado em sua cânula e inje- visando a contornar tais deficiências. Todavia, o ideal
tado no canal para uso com um ou mais cones de guta- seria melhorar as propriedades físico-químicas dessa
percha. O fabricante relata que o material pode escoar substância sem contudo interferir em suas proprieda-
para os canais laterais e preencher completamente os des biológicas. Os materiais desse grupo, comumente
espaços entre o cone de guta-percha e as paredes do pesquisados e conhecidos, são Sealapex, CRCS, Sealer
canal radicular. Além disso, como a técnica não envol- 26 e Apexit.
ve a aplicação de calor, não é esperada a contração do
material após o endurecimento. Ao contrário, afirma o Sealapex
fabricante que o material sofre expansão de 0,2% após
O cimento Sealapex (SybronEndo/Kerr, EUA) foi
o endurecimento.
um dos primeiros cimentos endodônticos à base de hi-
Uma vez que GuttaFlow é um novo material, exis-
dróxido de cálcio a ser comercializado. Ele se apresenta
tem relativamente poucos estudos que avaliam as suas
na forma pasta/pasta, contendo as seguintes substân-
propriedades. Embora GuttaFlow seja uma modifica-
cias em sua formulação:
ção do cimento RoekoSeal, os resultados dos estudos
Base: Óxido de cálcio; óxido de zinco; composto à
podem não ser os mesmos já encontrados, tendo em
base de sulfonamida; sílica.
vista as diferentes composições dos dois materiais.
Catalisador: Sulfato de bário; resina polimetileno
Mesmo apresentando um escoamento melhor do
metilsalicilato; dióxido de titânio; sílica; salicilato de
que a guta-percha na porção apical, foi recomendada a
isobutila; pigmentos.
aplicação de uma barreira de MTA para uso quando do
Partes iguais da base e do catalisador devem ser
emprego da técnica de compactação vertical aquecida
dispensadas sobre uma placa de vidro e manipula-
com GuttaFlow, para que não ocorra a extrusão apical
das com uma espátula até que se obtenha uma mas-
do material26,134.
sa homogênea. Recentemente, o fabricante lançou o
Sealapex Xpress, com o cimento disponível em serin-
Cimentos contendo hidróxido de cálcio ga automix. Seu tempo de presa pode ser de no mí-
Devido aos vários efeitos biológicos benéficos nimo 2 horas a 23°C. No canal radicular, a 37°C, com
atribuídos ao hidróxido de cálcio, seu emprego na umidade relativa de 100%, a presa pode se dar em 1
obturação definitiva do sistema de canais radiculares hora, segundo as informações do fabricante. Clinica-
passou a ser preconizado. Contudo, um material para mente, tem sido observado que resíduos de umidade
ser usado com essa finalidade deve obedecer a certos no canal aceleram significativamente o endurecimen-
requisitos físico‑químicos e não apenas aos biológi- to do material, reforçando a necessidade imperiosa de
cos. Nesse sentido, o hidróxido de cálcio apresenta se secar bem o canal antes de qualquer procedimento
alguns inconvenientes, uma vez que não é radiopaco, obturador.
tem pouco escoamento, não tem boa viscosidade, é O óxido de cálcio reage com a água e forma o hi-
permeável e é solubilizado com o tempo. Daí a neces- dróxido de cálcio. A reação de presa do Sealapex ocor-
sidade de associá-lo a veículos e outras substâncias, re por meio da ação quelante do componente salicilato
626 Capítulo 15 Materiais Obturadores
(no catalisador) sobre o óxido de cálcio/hidróxido de nal radicular o Sealer 26 endurece em aproximadamen-
cálcio (na base), em uma base aquosa, formando sali- te 12 horas. Para que o cimento adquira maior fluidez,
cilato de cálcio. As outras substâncias associadas à for- facilitando sua inserção no canal radicular, pode‑se
mulação são responsáveis por radiopacidade, viscosi- espalhá-lo na placa de vidro e aquecê-lo levemente a
dade, fluidez, adesividade e escoamento da pasta. uma distância de 10 a 15cm de uma chama. Evidente-
mente, o aquecimento excessivo deve ser evitado.
CRCS O endurecimento se deve à reação entre a resina e
O CRCS (Calciobiotic Root Canal Sealer), fabri- a hexametilenotetramina, o agente ativador. É interes-
cado pela Coltène/Whaledent Hygenic, apresenta-se sante notar que o hidróxido de cálcio não participa da
na forma de pó (acondicionado em unidades contendo reação de presa do material.
0,4g em cada) e líquido, sendo que seus componentes
básicos são: Apexit
Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de zinco; resina hi- O Apexit (Ivoclar/Vivadent, EUA) apresenta-se
drogenada; sulfato de bário; subcarbonato de bismuto. no sistema pasta/pasta e o princípio de presa é similar
Líquido: Eugenol; eucaliptol. ao do Sealapex, isto é, por meio da formação do que-
Esse material deve ser espatulado sobre uma pla- lato salicilato de cálcio. Sua composição básica é a se-
ca de vidro, à temperatura ambiente, na proporção de guinte:
duas a três gotas de líquido para cada dose de pó. A Base: Hidróxido de cálcio; colofônia hidrogenada;
consistência desejada é densa e cremosa. A presa sobre dióxido de silício; óxido de cálcio; óxido de zinco; fos-
a placa de vidro, em temperatura ambiente, se dá em fato tricálcico; polimetilsiloxano; estearato de zinco.
cerca de 2 horas, enquanto no canal geralmente ocorre Catalisador: Salicilato de trimetil-hexanodiol; car-
em 20 minutos. Calor e umidade aceleram a presa do bonato de bismuto; óxido de bismuto; dióxido de silí-
material, que ocorre após a reação do eugenol com o cio; salicilato de 1-3 butanodiol; colofônia hidrogenada;
óxido de zinco, formando eugenolato de zinco, e, pos- fosfato tricálcico; estearato de zinco.
sivelmente, com o hidróxido de cálcio, formando eu- O material deve ser espatulado empregando-se
genolato de cálcio. A presença do eucaliptol no líquido volumes iguais de base e de catalisador, por 10 a 20
visa a reduzir o excesso de eugenol livre após a reação segundos, até que se obtenha uma massa homogênea.
de presa e permitir uma união química com a guta-per- O endurecimento no interior de um canal radicular de-
cha, uma vez que o eucaliptol é solvente desta. vidamente seco ocorre entre 10 e 30 horas. A presença
de umidade acelera a presa.
Sealer 26
O Sealer 26 (Dentsply, Brasil) possui composição si- Acroseal
milar à do AH 26, cimento à base de resina epóxica, utili- O Acroseal (Septodont, França), cimento conten-
zado por muitos anos em Endodontia. A diferença básica do hidróxido de cálcio e recentemente lançado no co-
entre os dois cimentos é que o Sealer 26 possui hidróxido mércio na forma pasta/pasta, é um cimento resinoso
de cálcio em sua composição e não prata. Sua apresenta- que contém hexametilenotetramina e éter de bisfenol
ção é na forma de pó e resina, essa última acondicionada A diglicidil, componente epóxico também presente no
em uma bisnaga. A composição básica é a seguinte: AH26 e Sealer 26. Assim como esses últimos, também
Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de bismuto; hexa- libera formaldeído durante o endurecimento27,28. O fa-
metilenotetramina; dióxido de titânio. bricante anuncia a incorporação de enoxolona (ácido
Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. glicirretínico) na composição, com o intuito de exercer
O material deve ser espatulado sobre uma placa efeitos antisséptico e anti-inflamatório. O tempo de en-
de vidro, agregando-se o pó gradativamente à resina, durecimento varia entre 16 e 24 horas.
até que se obtenha uma mistura lisa e homogênea que,
quando levantada com o auxílio de uma espátula, se par-
te a uma altura de 1,5 a 2,5cm acima da placa de vidro. A OUTROS MATERIAIS EMPREGADOS NA
proporção ideal é de aproximadamente duas a três partes OBTURAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES
de pó para uma de resina, por volume. Quanto maior a
proporção de pó, maior a radiopacidade do produto.
Pasta L&C
A presa do material se dá em cerca de 48 a 60 horas A pasta L&C (Dentsply, Brasil) apresenta a se-
em temperatura ambiente, enquanto no interior do ca- guinte composição:
Materiais Obturadores 627
Pó: Hidróxido de cálcio (65,6%); carbonato de bis- de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C) apresentou
muto (32,8%); colofônia (1,6%). melhor reparo na região de fundo de alvéolo.
Veículo: Óleo de oliva purificado. Bittencourt et al.13, por meio de resultados histo-
Graças à sua composição, a pasta apresenta boa lógicos, evidenciaram a viabilidade do uso de pastas
radiopacidade, fluidez, adesividade e escoamento, o de hidróxido de cálcio – com veículos hidrossolúveis e
que permite sua fácil introdução no canal radicular. oleosos (pasta L&C) – para o recobrimento pulpar, per-
O veículo oleoso lhe confere pouca solubilidade, com mitindo a manutenção da polpa em plenas condições
liberação lenta e contínua de hidróxido de cálcio do funcionais, apta ao reparo, inclusive com a formação
interior das micelas formadas. Possui bom comporta- de barreira de tecido duro, na maioria dos casos.
mento biológico. É indicada para fechamento de perfu-
rações radiculares, obturação nos casos de rizogênese Sulfato de cálcio
incompleta e na técnica do tampão apical63. Esse mate-
O sulfato de cálcio (Class Implant & R.L., Roma,
rial deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e
Itália), comercialmente denominado Surgiplaster, apre-
espátula estéreis, agregando-se o pó ao veículo, até se
senta a seguinte composição:
obter uma massa pastosa, homogênea, e com consis-
Pó: sulfato de cálcio hemi-hidratado.
tência de trabalho (massa de vidraceiro). É levada ao
Líquido regular: solução aquosa de cloreto de sódio
interior do canal com espirais de Lentulo.
a 0,9%.
Avaliações clínicas e radiográficas de tratamentos
Líquido endurecedor: solução aquosa de sulfato de
endodônticos de dentes com canais radiculares obtura-
potássio a 4%.
dos com pasta L&C como cimento obturador ou como
É utilizado na forma de pasta obtida a partir do pó,
tampão apical têm revelado resultados positivos6,12,63. tendo como veículo o líquido regulador. O líquido en-
Do ponto de vista biológico, Soares et al.104, em durecedor é para acelerar o endurecimento da pasta.
tratamento de dentes com rizogênese incompleta, ob- Após a aplicação da pasta de sulfato de cálcio,
servou a formação de uma barreira de tecido minera- nos casos em que se deseja um endurecimento rápido,
lizado. pincela-se a sua superfície com a solução de sulfato de
Sonada e Okamoto107, avaliando a influência da potássio.
pasta de hidróxido de cálcio com um veículo oleoso ou É indicado para funcionar como uma barreira, evi-
aquoso como curativo de canal em reimplante dental tando o extravasamento do material utilizado como ob-
imediato em ratos, concluíram que: turador nas perfurações, reabsorções interna e externa,
em dentes com rizogênese incompleta e como tampão
• a falta de obturação do canal radicular no grupo- apical. É facilmente reabsorvido e possui bom compor-
controle resultou em maior incidência de reabsorção tamento biológico79,108. Esse material deve ser espatulado
radicular e neoformação óssea menos pronunciada utilizando-se placa de vidro e espátulas estéreis, agre-
na região de fundo de alvéolo; gando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pasto-
• o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e sa, homogênea e com consistência de trabalho (massa de
veículo oleoso (pasta L&C) apresentou neoformação vidraceiro). É levado ao sítio com espátulas e calcadores
óssea mais pronunciada na região de fundo de al- para cimento ou com espirais de Lentulo.
véolo do que o grupo tratado com veículo aquoso;
• o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e Agregado de trióxido mineral
veículo oleoso (pasta L&C) apresentou menor inci- O agregado de trióxido mineral (MTA) é um pó
dência de reabsorção radicular que o grupo tratado cinza ou branco composto de trióxidos combinados
com pasta de hidróxido de cálcio e veículo aquoso. com outras partículas minerais hidrofílicas e que se
cristaliza na presença de umidade. Seus principais
Em outro estudo semelhante, porém com reim- componentes são o silicato tricálcio, silicato dicálcio,
plante dental mediato (após 60 minutos), Sonada106 aluminato tricálcio, ferroaluminato tetracálcio, sulfa-
concluiu que, no grupo em que foi utilizada pasta de to de cálcio diidratado (gesso) e o óxido de bismuto,
hidróxido de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C), como radiopacificador. Pode ainda conter até 0,6% de
áreas de reabsorção radicular foram encontradas no resíduos insolúveis livres, como a sílica cristalina, e
período de 10 dias; mantiveram-se constantes no perío- outros componentes, como óxido de cálcio, óxido de
do de 60 dias; o grupo que recebeu pasta de hidróxido magnésio e sulfatos de sódio e de potássio.
628 Capítulo 15 Materiais Obturadores
do material. Após esse período, remove-se a bolinha fagocitados ou se dissolver e ser eliminados na forma de
de algodão, procedendo-se à restauração definitiva do pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser
dente. Em algumas situações clínicas (perfuração de encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracteriza-
furca e tampão apical) é recomendado deixar a bolinha do pelo predomínio de colágeno.
de algodão umedecida com água destilada em contato A biocompatibilidade de um cimento endodônti-
com o MTA durante 1 a 3 dias para continuar a solidi- co depende diretamente de seus componentes, de seu
ficação do material115. tempo de presa e de sua solubilidade. Estudos têm de-
monstrado que a maioria dos cimentos endodônticos
utilizados na obturação dos canais radiculares não ofe-
NOVOS MATERIAIS rece diferenças quanto ao índice de sucesso do trata-
Recentemente foram desenvolvidos estudos so- mento. Isso é muito provavelmente devido ao fato de
bre um novo material obturador à base de óxido de que a maioria desses materiais apresenta boas proprie-
zinco e poliuretano e um novo cimento endodôntico dades seladoras e de biocompatibilidade. Embora exis-
fotoativado à base de uretano-acrilato/diacrilato tri- tam alguns raros casos de fracassos associados à reação
propileno glicol49,57. Os estudos têm mostrado que esse de corpo estranho ao material obturador70, na maioria
material apresenta boas propriedades mecânicas e tér- da vezes a presença de micro-organismos é o principal
micas quando comparado à guta-percha e ao Resilon49. elemento determinante do insucesso83,91,92,98 e não a to-
A resistência à tração e o módulo de elasticidade desse xicidade do material empregado. Esse dado ressalta o
material foram acentuadamente mais altos do que da papel exercido por micro-organismos no processo de
guta-percha e do Resilon. O ponto de fusão dos três terapia endodôntica.
materiais foi similar, já a variação de entalpia e o calor Eriksen et al.29 avaliaram os resultados do trata-
específico do novo material ficaram próximos aos da mento endodôntico utilizando três cimentos obtura-
guta-percha, porém foram inferiores aos do Resilon. dores: Procosol (à base de OZE), AH 26 (cimento resi-
Esses resultados indicam que o novo material apre- noso) e Kloroperka NO (que consiste em guta-percha
senta boas propriedades mecânicas e térmicas como branca e clorofórmio). A avaliação se estendeu por 3
material obturador. No entanto, mais estudos acerca anos. Os autores relataram que, embora a resposta à
de suas propriedades mecânicas devem ser realizados. Kloroperka NO tenha sido ligeiramente inferior à dos
Além disso, obviamente as suas propriedades biológi- outros dois cimentos, não houve diferença significante
cas também devem ser testadas e comparadas aos ma- entre os grupos. Waltimo et al.128 também compararam
teriais já consagrados pelo uso. os resultados clínico-radiográficos após tratamento
utilizando os cimentos Sealapex, CRCS e Procosol, os
dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o últi-
PROPRIEDADES DOS MATERIAIS mo à base de OZE. Seus resultados demonstraram que
OBTURADORES no geral a influência do cimento no resultado do trata-
Propriedades biológicas mento foi mínima. Após 3 a 4 anos de avaliação, não
houve diferença significante entre os grupos quanto ao
Biocompatibilidade índice de sucesso do tratamento.
Qualquer material destinado ao uso biológico não Com os cimentos à base de óxido de zinco-euge-
deve apresentar citotoxicidade. Dessa forma, ele não nol, quando na intimidade do tecido perirradicular, à
irá interferir negativamente no processo de reparo dos medida que ocorre o decréscimo de sua citotoxicida-
tecidos com os quais está em contato. A guta‑percha é de aparece uma cápsula fibrosa cuja espessura tende
bem tolerada pelos tecidos perirradiculares e a maioria a ser proporcional ao potencial irritante do material.
dos cimentos endodônticos, embora apresente níveis Essa cápsula tende a isolar o material do tecido perir-
variados de citotoxicidade antes da presa, usualmente radicular. Nesse caso, diz-se que a reparação é feita por
perde esta propriedade após o endurecimento7,109. Uma cicatrização.
vez que a agressão química causada pelos cimentos é Os cimentos à base de hidróxido de cálcio provo-
transitória, deve-se reconhecer então que é incapaz de cam necrose por coagulação dos tecidos submetidos a
induzir e manter uma lesão perirradicular. Na obtu- seu contato íntimo, sendo que o tecido imediatamente
ração de um canal radicular, quando extravasados, os subjacente reage pela deposição de tecido calcificado,
cimentos podem ter três destinos, dependendo de suas desde que seja dotado dessa capacidade (exemplo: li-
propriedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser gamento periodontal).
630 Capítulo 15 Materiais Obturadores
desenvolvimento de uma reação inflamatória crônica temperatura não afeta a sua toxicidade, ao passo que
nos tecidos perirradiculares. usando o AH Plus a sua citotoxicidade diminui. Por
Beltes et al.10 avaliaram a citotoxicidade de três outro lado, alguns cimentos apresentam maior citoto-
cimentos contendo hidróxido de cálcio em suas formu- xicidade quando aquecidos, como é o caso do Pulp Ca‑
lações, mediante um modelo de cultura de células. A nal Sealer e Roth 80171.
partir dos resultados obtidos, esses autores concluíram Os cones de guta-percha, quando em contato com
que o cimento mais citotóxico foi o Sealapex, seguido os tecidos perirradiculares, estimulam a formação de
do CRCS e do Apexit. uma cápsula fibrosa, envolvendo-os. Entretanto, po-
Na verdade, todos esses cimentos contendo hi- dem existir situações em que o cone extravasado é de
dróxido de cálcio contêm substâncias citotóxicas em pequeno diâmetro e, com o passar do tempo, pode ser
suas formulações. Sealapex, CRCS e Apexit possuem reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico
compostos à base de zinco em suas composições. O de solubilidade e desintegração e, também, mediante
CRCS possui eugenol e eucaliptol, substâncias de re- ação macrofágica59.
conhecida atividade citotóxica. O Sealapex possui dió-
xido de titânio, que pode se difundir para os tecidos e Atividade antimicrobiana
induzir uma reação de corpo estranho135. A hexametile- Além de ser biocompatível, o cimento endodônti-
notetramina presente nos cimentos Sealer 26 e Acrose- co deve possuir atividade antimicrobiana para destruir
al se decompõe em meio aquoso, gerando formaldeído micro-organismos que tenham sobrevivido ao preparo
e amônia, substâncias reconhecidamente citotóxicas. químico-mecânico. Outrossim, materiais seladores com
Todavia, cumpre relembrar que a maior parte dos es- essa propriedade podem eliminar micro-organismos
tudos tem demonstrado que a citotoxicidade desses presentes em canais de microinfiltração, prevenindo
materiais é reduzida com o decorrer do tempo. Isso assim a entrada ou saída destes do sistema de canais
provavelmente se dá devido ao endurecimento do ma- radiculares.
terial, o que permite uma redução da solubilidade e, Pumarola et al.81 testaram a atividade antimi
consequentemente, da liberação de componentes cito- crobiana de vários cimentos usados em Endodontia
tóxicos. Por exemplo, a liberação de formaldeído pelo contra 120 cepas de Staphylococcus aureus. Eles relata-
AH 26, similar ao Sealer 26, é máxima nas primeiras ram que os cimentos à base de óxido de zinco e euge-
48 horas, tendendo a reduzir-se significativamente de- nol, paraformaldeído ou resinas apresentaram maior
pois, justificando assim a citotoxicidade transitória do atividade inibitória do que o Sealapex, o de menor efei-
material109. to antimicrobiano.
Pinna et al.80 compararam a citotoxidade do Me- Al-Khatib et al.3 avaliaram os efeitos antibacteria-
taSEAL (Parkell Inc), um cimento à base de resina me- nos de vários cimentos endodônticos sobre Streptococ‑
tacrilato, com um cimento resinoso (AH Plus Jet) e um cus mutans, S. aureus e Porphyromonas endodontalis. Eles
cimento à base de óxido de zinco e eugenol (Pulp Ca‑ verificaram que o cimento de Grossman foi o de maior
nal Sealer). Todos os cimentos apresentaram toxicidade atividade. Contudo, o AH 26 foi mais eficaz contra a P.
grave até 72 horas. Após esse período ela foi diminuin- endodontalis. No geral, os cimentos à base de óxido de
do durante o experimento, exceto o Pulp Canal Sealer, zinco-eugenol, como o de Grossman, o Tubli-Seal e o
que permaneceu muito tóxico. O MetaSEAL foi mais CRCS (embora também contenha hidróxido de cálcio),
tóxico que o AH Plus Jet na primeira semana. foram mais eficazes que a eucapercha (guta-percha +
Heitman et al.44 estudaram a citotoxicidade do eucaliptol) e o cimento (Sealapex) e pastas contendo
cimento Epiphany em várias concentrações sobre fi- hidróxido de cálcio.
broblastos do ligamento periodontal humano. O efeito Siqueira e Gonçalves97 avaliaram a atividade an-
da concentração, de 25 a 800g/mL, do cimento sobre tibacteriana dos cimentos Sealapex, Sealer 26 e Ape-
a viabilidade celular foi avaliado em 1, 3 e 7 dias. Os xit, à base de hidróxido de cálcio, comparando-os ao
resultados mostraram significativa citotoxicidade do Fill Canal, cimento à base de óxido de zinco‑eugenol,
Epiphany contra os fibroblastos, que aumentou com contra bactérias anaeróbias estritas comumente asso-
o maior tempo de exposição e maior concentração do ciadas às infecções endodônticas. Os resultados reve-
cimento. laram que o Fill Canal apresentou a maior atividade
A citotoxicidade dos cimentos endodônticos pode inibitória de crescimento. Isso ocorreu por causa do
ser alterada pela aplicação de calor nas técnicas de ob- seu conteúdo de zinco e, principalmente, de eugenol.
turação. Quando se emprega o Sealapex, o aumento da O Sealer 26 foi o segundo de maior atividade, apenas
632 Capítulo 15 Materiais Obturadores
não sendo eficaz contra P. endodontalis e Porphyromo‑ cos – AH Plus, Apexit Plus, Epiphany SE e RoekoSeal
nas gingivalis (Fig. 15-10). Embora contenha hidróxido – quando em contato com E. faecalis. Os materiais fo-
de cálcio em sua formulação, essa substância não pa- ram utilizados logo após o tempo de presa e 1, 2, 7
rece ser a principal responsável por essa propriedade e 14 dias após. Os resultados estatísticos mostraram
do cimento. A hexametilenotetramina, elemento ati- que o Apexit Plus teve um curto período de atividade
vador da presa da resina do cimento, presente no Sea- antibacteriana, ao passo que o Epiphany incrementou
ler 26, se decompõe, em meio aquoso, em formaldeído o crescimento bacteriano por pelo menos 7 dias. AH
e amônia. O formaldeído possui excelente atividade Plus e RoekoSeal foram ineficazes contra os micro-
antibacteriana. O Sealapex apenas apresentou eficácia organismos.
contra duas espécies bacterianas, enquanto o Apexit Shin et al.87 avaliaram os efeitos da guta-percha
foi inerte. e do Resilon sobre túbulos dentinários contamina-
A atividade antibacteriana dos cimentos conten- dos com E. faecalis. Blocos de dentina bovina foram
do hidróxido de cálcio depende dos seguintes fatores: infectados e preenchidos apenas com guta-percha,
guta-percha e cimento à base de OZE, guta-percha
• pH e solubilização do material. Para liberar substâncias e cimento resinoso e Resilon e cimento resinoso. Os
ativas contra micro-organismos o material deve se blocos foram incubados por 4 semanas e, em seguida,
solubilizar. Essa propriedade pode interferir negati- raspas de dentina foram coletadas da parede denti-
vamente no selamento produzido pela obturação. nária e colocadas no meio de cultura. Os resultados
• Presença de hidróxido de cálcio livre no material, que indicaram que nenhum material foi capaz de impedir
não tenha participado da reação de presa. completamente o crescimento de E. faecalis. No entan-
• Difusibilidade do material. O hidróxido de cálcio apre- to, o grupo do Resilon e cimento resinoso apresentou
senta baixa solubilidade e se difunde pouco. Para redução significativa na contagem de bactérias em re-
exercer efeito antibacteriano, ele deve alcalinizar o lação ao tempo do experimento.
pH do meio circundante em magnitude suficiente Damasceno et al.23 avaliaram a atividade antifún-
para ser letal às bactérias. A alcalinização do meio gica do ProRoot MTA e de sete cimentos endodônticos
de cultura e da dentina radicular pela ação do hidró- contra as seguintes espécies: Candida albicans, Candida
xido de cálcio não é na maioria das vezes suficiente glabrata, Candida tropicalis e Saccharomyces cerevisiae.
para esse intento. O teste de difusão em ágar foi o método utilizado.
• Presença de outras substâncias com atividade antibacteria‑ Placas de Petri contendo o meio tripticase-soja ágar
na, como eugenol no CRCS e formaldeído (pela de- foram inoculadas com cada espécie de fungo testada
composição da hexametilenotetramina) no Sealer 26. ou com saliva humana, representativa de uma cultura
microbiana mista. Os resultados permitiram classifi-
Slutzky-Goldberg et al.103 avaliaram as proprie- car os cimentos testados em ordem decrescente de efi-
dades antibacterianas de quatro cimentos endodônti- cácia antifúngica: Intrafill, AH Plus, Kerr Pulp Canal
Sealer, Epiphany, MTA, Sealer 26, Acroseal e Roeko
Seal. Nenhum material foi eficaz contra todas as es-
pécies testadas.
Propriedades físico-químicas
Adesividade
De acordo com Anusavice5, quando duas subs-
tâncias são postas em contato íntimo uma com a outra,
as moléculas de um substrato aderem ou são atraídas
pelas moléculas do outro substrato. Essa força é de-
nominada adesão, quando moléculas dissimilares são
atraídas, e de coesão, quando moléculas do mesmo
tipo são atraídas. De acordo com o autor, a adesão está
envolvida em várias situações na Odontologia, sendo
Figura 15-10. Halos de inibição do crescimento bacteriano induzi- uma delas a infiltração adjacente aos materiais dentá-
dos por cimentos endodônticos. rios que é afetada pelo processo de adesão.
Materiais Obturadores 633
Grossman38 salientou que a adesividade é a capa- Como a contração dos materiais após o tempo de
cidade de um cimento permanecer aderido fisicamente presa pode comprometer o resultado do tratamento
às paredes dos canais radiculares e que a maior parte endodôntico, Hammad et al.42 estudaram o comporta-
dos cimentos possui essa característica. Todavia, existe mento de três cimentos endodônticos quanto à contra-
diferença no grau de adesividade de um cimento para ção após a polimerização. Os cimentos testados foram
o outro. EndoRez, RealSeal e GuttaFlow, sendo o controle com
o Tubli-Seal (à base de OZE). Os resultados mostraram
Estabilidade dimensional diferenças estatisticamente significantes. O EndoRez
A estabilidade dimensional parece ser outra carac- apresentou maior valor de contração, seguido pelo
terística bastante importante em um cimento. Kazemi Real-Seal, ao passo que o Tubli-Seal apresentou o me-
et al.55 compararam as mudanças sofridas pelos cimen- nor valor de contração. GuttaFlow exibiu expansão
tos endodônticos AH26, Endo-Fill, Endométhasone e após a polimerização.
um cimento de óxido de zinco e eugenol. Os resultados A forma mais tradicional de se testar a capacidade
obtidos por eles mostraram que todos os cimentos tes- seladora dos cimentos in vitro é por meio de infiltração
tados sofreram alterações dimensionais bastante simi- de corantes. Inúmeros estudos têm demonstrado que
lares em 180 dias. os cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio
proporcionam um selamento apical igual ou superior
aos de óxido de zinco‑eugenol4,8,52,96,100.
Selamento Bouillaguet et al.14 avaliaram a propriedade de se-
As propriedades dos cimentos responsáveis pela lamento de quatro cimentos endodônticos (Pulp Canal
promoção de um bom selamento são a estabilidade di- Sealer, RoekoSeal, TopSeal e EndoRez). Os cimentos
mensional, a impermeabilidade aos fluidos orgânicos e testados mostraram grau de infiltração significativo,
a adesividade às paredes do canal. mas o RoekoSeal apresentou melhores resultados. No
No que concerne à adesividade às paredes denti- referido trabalho os autores concluíram que o risco
nárias, estudos demonstraram que o Sealapex e o Ape- biológico do uso de cimentos endodônticos depende,
xit apresentam fraca força adesiva31,34,84,130. O Sealer 26 entre outros fatores, da sua capacidade de selamento.
apresenta adesão pronunciada31. Citaram ainda que o material ideal deveria apresentar
Quanto à estabilidade dimensional, o Sealapex citotoxicidade mínima sem permitir infiltração.
apresenta comportamento atípico, sofrendo alta ab- Alexander e Gordon4 compararam a capacidade
sorção de água e expansão volumétrica, devido prova- de selamento apical dos cimentos endodônticos Sea-
velmente à sua porosidade17. O CRCS apresenta esta- lapex, CRCS e do cimento de Grossman, utilizando o
bilidade dimensional mais satisfatória17. O Apexit não método de infiltração do corante azul de metileno. De-
apresentou significativa alteração dimensional durante monstraram que o Sealapex e o cimento de Grossman
4 semanas de avaliação75. promoveram um selamento apical similar. O CRCS
Venturi127 avaliou a precisão da obturação e a ex- apresentou maior índice de percolação apical.
tensão de espaços vazios em canais principais e canais Estudo de Siqueira et al.96 revelou que o Sealer 26
laterais de molares humanos extraídos. Os canais foram apresentou os melhores resultados em termos de sela-
instrumentados e obturados pela técnica da compacta- mento quando comparado a outros cimentos contendo
ção vertical complementada pela termocompactação. hidróxido de cálcio e ao Fill Canal. Contudo, não foram
Os cimentos usados foram Pulp Canal Sealer EWT em detectadas diferenças estatisticamente significantes en-
um grupo e AH Plus em outro. Após a diafanização, tre os materiais.
os espaços vazios dentro dos canais foram observados Barnett et al.8 compararam o selamento apical in
em lupa estereoscópica e a eles atribuído um escore vivo promovido pelos cimentos CRCS, Sealapex e Roth
de 0 a 4. Além disso, os canais laterais visíveis foram 801, os dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o
contados. Em ambos os grupos, nos 4mm apicais, onde último sendo à base de óxido de zinco-eugenol. Os me-
a guta-percha foi compactada a frio, foram encontra- lhores resultados foram obtidos para o CRCS. Os dois
dos menos espaços vazios do que nas porções média e cimentos contendo hidróxido de cálcio foram significa-
cervical do canal. No grupo do AH Plus foi observada tivamente melhores do que o à base de óxido de zinco-
uma quantidade significativamente menor de espaços eugenol, no que se refere ao selamento apical.
vazios. Com relação aos canais laterais, melhores resul- Siqueira et al.100 avaliaram o selamento apical pro-
tados foram encontrados também com o AH Plus. movido por cinco cimentos endodônticos: Pulp Canal
634 Capítulo 15 Materiais Obturadores
Sealer EWT, cimento de Grossman, ThermaSeal, Sealer cha com uma barreira de ionômero de vidro usando
26 e AH Plus. A solução evidenciadora consistiu em um modelo de filtração de fluidos em dentes humanos
nanquim misturado com soro fetal bovino, no intuito de extraídos. Após instrumentação padronizada, as raí-
simular a consistência dos fluidos teciduais. O cimen- zes foram divididas aleatoriamente em dois grupos.
to de Grossman infiltrou significativamente mais do Em um, a obturação foi feita com Resilon apenas; em
que os outros, exceto quando comparado com o Ther- outro, a obturação de guta-percha foi complementada
maSeal. Não houve diferença significante entre Therma- com uma barreira de 2mm de cimento de ionômero de
Seal e AH Plus, o mesmo ocorrendo quando o Pulp Ca‑ vidro. Os resultados estatísticos permitiram concluir
nal Sealer EWT foi comparado com o ThermaSeal ou que as raízes obturadas com guta-percha e cimento io-
com o AH Plus. O Sealer 26 apresentou selamento api- nômero de vidro apresentaram microinfiltração signifi-
cal significativamente melhor do que os outros cimen- cativamente menor do que as obturadas com Resilon.
tos, exceto o AH Plus (Fig. 15-11). Wedding et al.129 com metodologia semelhante
Além do selamento apical, a obturação do ca- compararam a microinfiltração em canais radiculares
nal deve promover um selamento coronário adequa- obturados com guta-percha + AH 26, e com Resilon +
do85. Siqueira et al.99, avaliando a capacidade de dois Epiphany pela técnica da compactação vertical. Nesse
cimentos contendo hidróxido de cálcio na prevenção estudo, os autores observaram que a combinação Resi-
da infiltração de bactérias da saliva, revelaram que lon + Epiphany apresentou microinfiltração significa-
o Sealer 26 foi significativamente mais eficaz do que o tivamente menor do que a da guta-percha com AH 26
Sealapex. em 1, 7, 30 e 90 dias.
Jack e Goodell51 compararam a microinfiltração Eldeniz e Orstavik28 avaliaram a capacidade dos
coronária entre o Resilon isoladamente e a guta-per- seguintes materiais obturadores na prevenção da in-
filtração coronária por Streptococcus mutans: Resilon/
Epiphany, EndoRez, GuttaFlow, RC Sealer, Acroseal,
Apexit, AH Plus e RoekoSeal. Os melhores resultados,
significantes ao nível estatístico, foram obtidos com Re-
silon/Epiphany, GuttaFlow e Apexit.
Nos casos de perda da constrição apical são feitos
esforços no sentido de se criar um batente apical e sub-
sequentemente instrumentar e obturar o canal até esse
ponto. A capacidade de selamento do material obtura-
dor nesses casos é uma propriedade importante a ser
considerada na escolha do material a ser empregado.
Dandakis et al.24 estudaram in vitro a capacidade de se-
lamento de três cimentos endodônticos quando do em-
A B
prego da técnica da compactação lateral em raízes que
apresentavam a constrição alargada. Foram utilizados
dentes pré-molares humanos unirradiculares retos ex-
traídos. Os canais tiveram a constrição apical alargada
e a instrumentação realizada a 1,5mm do comprimento
de trabalho original, para criar um novo batente apical.
Os canais foram obturados usando os cimentos Top-
seal, Roth 811 e Apexit. Os dentes foram seccionados
transversalmente e a infiltração por corante foi obser-
vada por uma lupa estereoscópica e medida digital-
mente. Não houve extrusão de guta-percha através do
batente criado. Os resultados mostraram que o TopSeal
exibiu infiltração significativamente menor que os de-
C D
mais cimentos. Não foram observadas diferenças signi-
ficativas entre Apexit e Roth 811.
Figura 15-11. Selamento apical. Espécimes diafanizados represen-
tativos de canais obturados com: A. AH Plus; B. Sealer 26; C. Endofill; Considerando que a capacidade de o material pro-
e D. ThermaSeal. duzir um bom selamento está na dependência do estado
Materiais Obturadores 635
das paredes dentinárias, Varella et al.125 investigaram o res, favorecendo assim a obtenção de uma obturação
efeito da aplicação do laser antes da obturação do canal tridimensional.
radicular. Concluíram que os canais tratados com laser Siqueira et al.96 realizaram um estudo com o obje-
Cr, Er:YSGG proporcionaram um número significativa- tivo de comparar o escoamento de três cimentos endo-
mente maior de canais e istmos obturados. dônticos à base de hidróxido de cálcio (Sealapex, Sealer
26 e Apexit) e um à base de óxido de zinco e eugenol
Solubilidade (Fill Canal). Os resultados demonstraram que o Sealer
Os cimentos endodônticos devem ser pouco so- 26 possui o maior escoamento, seguido por Fill Canal,
lúveis junto aos fluidos teciduais. Todavia, essa pro- Apexit e Sealapex. A análise estatística evidenciou di-
priedade é muito discutível, uma vez que o material ferença significante entre o Sealer 26, de maior escoa-
extravasado deve ser absorvível por fagocitose ou por mento, e os demais. O Sealapex apresentou escoamen-
solubilização, dando lugar a um tecido de granulação, to significativamente inferior ao dos demais cimentos
cuja evolução tende a culminar com a reparação. Entre- testados. Em outro estudo, Siqueira et al.95 testaram o
tanto, dentro do canal radicular, o cimento endodônti- escoamento dos seguintes cimentos: Kerr Pulp Canal
Sealer EWT, Fill Canal, ThermaSeal, Sealer 26, AH Plus
co deve ser estável (não solubilizado).
e Sealer Plus. O AH Plus e o Kerr Pulp Canal Sealer EWT
Os cimentos endodônticos à base de hidróxido de
apresentaram valores de escoamento significativamen-
cálcio devem apresentar solubilidade para poder libe-
te superiores aos demais cimentos.
rar íons cálcio e hidroxila da massa. Por outro lado, no
interior do canal radicular, essa solubilidade pode ser
crítica, uma vez que tende a influir no selamento pro- Radiopacidade
porcionado pelo material. A radiopacidade é uma propriedade importante
Acredita-se, entretanto, que o hidróxido de cálcio dos materiais, pois permite o controle radiográfico do
liberado nas primeiras horas por um cimento solúvel preenchimento do canal radicular. O grau de radiopa-
seja capaz de causar um trauma químico inicial suficien- cidade de uma obturação endodôntica está na depen-
te para estimular a deposição de tecido calcificado em dência do tipo de cimento e cones utilizados, da com-
contato com o material. Uma vez que há a formação de pactação e do volume da obturação. A radiopacidade do
um selamento biológico, a solubilização do material de- cimento deve ser próxima à dos cones utilizados, para
cresce, já que o contato com fluidos é drasticamente re- que a imagem radiográfica da obturação seja homogê-
duzido. Essas premissas são suportadas pelos achados nea em toda a sua extensão. O sulfato de bário, carbona-
de Cvek et al.22, que verificaram que apenas um breve to de bismuto, óxido de zinco e óxido de bismuto são as
contato do hidróxido de cálcio com os tecidos era sufi- substâncias químicas normalmente empregadas como
ciente para induzir reparo cálcico, sendo que a perma- radiopacificadores dos cimentos endodônticos.
nência dessa substância na região por um período pro-
longado apenas promovia um ambiente estéril, propício Considerações sobre cimentos endodônticos
para o prosseguimento do processo de cura tecidual.
Até o momento, nenhum material foi capaz de atin-
Além disso, um estudo realizado a longo prazo
gir o status de ideal. Em termos gerais, no que tange às
demonstrou que o selamento apical produzido pelo
propriedades biológicas e físico-químicas, a maioria dos
cimento Sealapex é comparável àquele produzido por
cimentos disponíveis e descritos neste capítulo apresen-
cimentos à base de óxido de zinco-eugenol102. Dessa ta comportamento similar. Embora não promovam um
forma, mesmo que o material não estimule a formação perfeito selamento hidráulico e antibacteriano do siste-
de selamento biológico por cemento neoformado, a ma de canais radiculares41, os cimentos mais utilizados
área de contato do cimento endodôntico no interior do em Endodontia são eficazes em reduzir significativa-
canal com os fluidos teciduais parece ser mínima para mente a microinfiltração de fluidos e bactérias, em ní-
causar uma dissolução significativa. veis compatíveis com o sucesso da terapia endodôntica,
desde que o controle da infecção intrarradicular tenha
Escoamento sido apropriado (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica
O escoamento exerce um papel importante na do tratamento endodôntico). Além disso, a grande maioria
performance de um cimento endodôntico, uma vez que dos cimentos aqui descritos apresenta diferentes graus
permite a sua penetração em irregularidades, istmos e de citotoxicidade imediatamente após a manipulação.
ramificações inerentes ao sistema de canais radicula- Todavia, após a presa do material, sua toxicidade é
636 Capítulo 15 Materiais Obturadores
usualmente bastante reduzida. Assim, com exceção dos 18. Callister WD Jr. Ciência e engenharia de materiais: uma introdu‑
ção. 5a ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002.
produtos contendo paraformaldeído na formulação, os
19. Chailertvanitkul P, Saunders WP, MacKenzie D, Weetman
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Capítulo 16
Obturação dos
Canais
Radiculares
Parte 1
Princípios e técnica de compactação lateral
José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes • Carlos Nelson Elias
O objetivo precípuo da obturação é selar toda a mecânico e pela medicação intracanal (quando usada),
extensão da cavidade endodôntica, desde a sua aber- além de reduzir os riscos de reinfecção. Outrossim, a
tura coronária até o seu término apical. Em outras pa- obturação deve selar vestígios de irritantes, que podem
lavras, o material obturador deve ocupar todo o espa- permanecer após o preparo químico-mecânico, impe-
ço outrora ocupado pelo tecido pulpar, promovendo dindo seu egresso para os tecidos perirradiculares.
um selamento adequado nos sentidos apical, lateral e Quando o fracasso do tratamento endodôntico
coronário13,14,64. está relacionado com deficiências no selamento pro-
É inteiramente possível que uma lesão perirradi- porcionado pela obturação, o desenvolvimento de uma
cular regrida após a instrumentação adequada, mesmo lesão perirradicular é comumente observado após um
sem obturação. Isso ocorre devido à remoção significa- longo período, variando de meses a anos.
tiva de irritantes durante o preparo químico-mecânico
(Fig. 16.1-1A e B). Entretanto, embora possa resultar Selamento apical
em sucesso a curto prazo, esta conduta é inaceitável na Micro-organismos remanescentes que sobrevi-
prática endodôntica. Canais instrumentados, mas não veram ao preparo químico-mecânico constituem um
obturados, resultariam inevitavelmente em fracasso a potencial para o fracasso do tratamento endodôntico
longo prazo, pois o espaço vazio seria extremamen- a longo prazo. Um dos objetivos da obturação é então
te propício para a proliferação de micro-organismos impedir o egresso desses micro-organismos para os
remanescentes e o estabelecimento de novos micro- tecidos perirradiculares26,65. Evidentemente, esse iso-
organismos provenientes da cavidade bucal. O pre- lamento deve se manter intacto definitivamente, pois
enchimento adequado e definitivo do canal com um o reservatório de irritantes também se mantém. As
material obturador elimina esse espaço, perpetuando o principais regiões que funcionam como reservatório
estado de desinfecção obtido após o preparo químico- compreendem istmos, túbulos dentinários, canais re-
641
642 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-3. Ausência de restauração definitiva do dente tratado endodonticamente. Radiografia inicial. Radiografia após 2 anos (repara-
ção da lesão). Radiografia após 4 anos (reaparecimento da lesão).
644 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
dada por outros estudos. Tronstad et al.76, por exemplo, fatores que determinarão a possibilidade ou não de se
revelaram que o maior índice de sucesso do tratamento realizar tal procedimento.
endodôntico ocorreu quando da associação bom trata- Para se eleger o momento ideal da obturação, al-
mento endodôntico/boa restauração coronária – 81% de guns dos seguintes requisitos devem ser preenchidos:
sucesso. Quando o tratamento endodôntico foi bem exe-
cutado, mas a restauração coronária ficou ruim, o índice Preparo químico-mecânico completo
de sucesso caiu para 71% dos casos. Por sua vez, quando
a qualidade do tratamento endodôntico não foi boa, o ín- O canal radicular só deve ser obturado quando
dice de sucesso caiu drasticamente, independentemente sua ampliação, limpeza, desinfecção e modelagem tive-
de a qualidade da restauração coronária estar boa (56% rem sido completadas. O canal deve estar o mais limpo
de sucesso) ou ruim (57% de sucesso) (Quadro 16.1-1). possível, com a máxima remoção de irritantes (amplia-
Assim, se o tratamento endodôntico foi inadequado, a ção), para propiciar o reparo dos tecidos perirradiculares.
qualidade da restauração coronária não influenciou o Além desses cuidados, é imprescindível que também es-
índice de sucesso. Esse estudo e o de Ricucci et al.57 de- teja adequadamente ampliado (modelado), favorecendo
monstraram que o fator mais importante para o sucesso a execução da técnica de obturação. É imperioso ressaltar
da terapia endodôntica se refere à qualidade da mesma. que os limites para essa ampliação se encontram condi-
Se o tratamento endodôntico foi bem executado, uma cionados aos aspectos patológicos do tecido presente no
boa restauração coronária poderá elevar o índice de su- canal radicular, à anatomia radicular do dente a ser trata-
cesso. Mas, se a qualidade do tratamento endodôntico do e à flexibilidade dos instrumentos endodônticos.
for insatisfatória, a qualidade da restauração coronária
não terá impacto significativo. Ausência de exsudação persistente
Assim, uma vez que nenhuma técnica de obtura-
No momento da obturação, necessariamente de-
ção ou material obturador disponível atualmente apre-
vemos secar o canal. Se após a remoção da medicação
senta eficácia em promover um bom selamento coroná-
intracanal se observa a drenagem de exsudato pelo ca-
rio, o ingresso de micro-organismos da saliva em um
nal, ele não deve ser obturado. Primeiro, porque isso
canal obturado só pode ser prevenido por adequada
sugere que o tratamento não está sendo eficaz para
restauração coronária. Por outro lado, apenas uma boa
eliminar irritantes do canal ou está sendo realizado
restauração coronária não representa garantia de suces-
de forma inadequada, causando uma agressão física
so se o tratamento endodôntico não estiver adequado.
(sobreinstrumentação) ou química (uso de substân-
cias citotóxicas) aos tecidos perirradiculares. Segundo,
MOMENTO DA OBTURAÇÃO porque a presença de umidade no canal pode interfe-
rir com as propriedades físicas do material obturador,
O momento oportuno para se obturar o canal ra-
causando deficiências no selamento.
dicular deve ser avaliado criteriosamente. Na sessão
Nesses casos, o profissional deve proceder da se-
em que será executada a obturação do sistema de ca-
guinte maneira: (a) recapitulação do preparo químico-
nais radiculares, o profissional deverá observar alguns
mecânico do canal; (b) emprego de medicação intraca-
nal com pasta HPG.
Na sessão seguinte, se ainda houver persistência
Quadro 16.1-1 Influência da qualidade do da exsudação, devem ser repetidos os mesmos passos
tratamento endodôntico e da restauração coronária no
descritos, sendo agora necessária a prescrição de an-
sucesso endodôntico. De acordo com Tronstad et al.76
tibióticos. O antibiótico de eleição para esses casos é
Tratamento Restauração Índice de sucesso a amoxicilina. Para pacientes alérgicos às penicilinas,
endodôntico coronária deve-se optar pela clindamicina. Se a exsudação ainda per-
sistir após o emprego de antibióticos sistêmicos por 7
Bom Boa 81% dias, deve-se optar pela cirurgia perirradicular.
de que o tratamento endodôntico não está sendo realiza- como para o paciente. Além de poupar tempo, bastante
do da forma ideal. A permanência de micro-organismos desejável nos dias atuais, previne a contaminação (den-
em número considerável no sistema de canais radicula- tes polpados – biopulpectomia) ou a recontaminação
res, a sobreinstrumentação e o uso abusivo de substâncias (dentes despolpados) que pode ocorrer entre as ses-
químicas de elevada citotoxicidade são as causas mais co- sões de tratamento. Em casos de tratamento de dentes
muns de sintomatologia persistente. A sessão de obtura- polpados, o tratamento em sessão única não apresenta
ção deve ser adiada nessas circunstâncias. O tratamento é maiores resistências por parte dos profissionais, de-
o mesmo para casos de exsudação persistente. vendo ser executado quando o fator tempo, a habilida-
de do operador, as condições anatômicas e o material
Ausência de odor disponível assim o permitirem. Por outro lado, a obtu-
ração imediata em casos de dentes despolpados, com
O canal não deverá ser obturado na presença de
uma infecção endodôntica estabelecida e lesão perirra-
odor fétido, pois fica indicada a permanência da in-
dicular associada ou não, representa um dos assuntos
fecção endodôntica, com proliferação de micro-orga-
mais controversos da especialidade.
nismos, particularmente os anaeróbios. Ácidos graxos
Dois fatores são críticos quando se considera o
de cadeia curta, poliaminas, amônia e compostos sul-
tratamento em sessão única de dentes despolpados: a
furados (metilmercaptana e sulfeto de hidrogênio) são
incidência de sintomatologia pós-operatória e o suces-
os principais produtos bacterianos responsáveis pelo
so a longo prazo da terapia.
odor que pode emanar do canal radicular. O preparo
químico-mecânico deve ser refeito, o canal novamente
medicado e a obturação adiada para uma sessão ulte- Sintomatologia pós-operatória
rior. O odor necessita estar em alta intensidade para Ao ser observada a incidência de sensibilidade
ser percebido pelo profissional, não devendo chegar ao pós-operatória após tratamentos endodônticos realiza-
limite extremo de cheirar instrumentos, felpas de algo- dos em sessão única ou múltiplas, os resultados encon-
dão e cones de papel retirados do canal. trados mostraram que o estado patológico pulpar não
interfere nos resultados17,29,50,58,71,77.
Obtenção de culturas negativas Esses dados atestam, claramente, que a incidên-
cia de dor pós-operatória não difere significativamente
Embora seja ainda o método mais científico de ava-
quando do tratamento endodôntico de dentes com ne-
liar as condições microbiológicas do canal radicular, o
crose pulpar em uma ou em múltiplas sessões. Entre-
teste bacteriológico, de uso rotineiro, tem validade ques-
tanto, além da avaliação do desenvolvimento de sin-
tionável. Alguns dos seguintes fatores nos levam a não
tomatologia após o tratamento de dentes despolpados
recomendá-lo para uso rotineiro na prática endodôntica:
em sessão única, um outro fator, provavelmente mais
a grande probabilidade de ocorrerem falhas durante a
relevante, deve ser considerado: o sucesso a longo pra-
coleta de material do canal, o que pode conduzir a falsos
zo do tratamento.
resultados; não permitir que sejam avaliadas as condi-
ções microbiológicas de todo o sistema de canais radi-
culares; não serem eficazes os métodos comumente uti- Sucesso a longo prazo
lizados para manter a viabilidade de anaeróbios estritos, Diversos estudos avaliaram o sucesso a longo
os principais patógenos endodônticos. Por essas razões, prazo da terapia endodôntica em dentes portadores
acreditamos que esse teste deva ser utilizado em casos de necrose pulpar realizada em sessão única ou múl-
limitados, como em pacientes de risco, e como meio de tipla. Weiger et al.79, em 2000, realizaram um trabalho
pesquisa. Nessas circunstâncias deve ser executado por prospectivo in vivo para verificar a influência do hidró-
um profissional devidamente treinado e afeito à técnica. xido de cálcio usado como medicação intracanal entre
Outrossim, a metodologia deve permitir o isolamento sessões na cura das lesões perirradiculares associadas
de bactérias anaeróbias estritas. em 67 dentes portadores de polpas necrosadas. Com-
pararam o prognóstico dos tratamentos endodônticos
realizados em sessão única ou em duas. Após 5 anos
OBTURAÇÃO EM SESSÃO ÚNICA VERSUS
verificaram índices de reparação completa das lesões
DUAS OU MAIS SESSÕES que excederam 90% dos casos para ambas as modali-
O tratamento endodôntico executado em sessão dades de tratamento. Araújo Filho1, avaliando clínica e
única tem algumas vantagens tanto para o profissional, radiograficamente o tratamento endodôntico de dentes
646 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
desvitalizados em sessão única, obteve um índice geral tratados em múltiplas sessões, quando obturados no
de sucesso de 90,2%. O tempo de prosservação foi de 2 limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram
a 10 anos após o tratamento endodôntico. em um sucesso de 94%.
De acordo com Peters et al.55, os dentes que rece- Em um estudo clínico, Trope et al.78 compararam
beram medicação intracanal de hidróxido de cálcio, radiograficamente o sucesso de dentes tratados em ses-
in vivo, permitiram o crescimento microbiano entre as são única ou em duas sessões. Todos os tratamentos
consultas. Quanto maior foi o tempo entre as consultas, foram efetuados pelo mesmo operador, sempre em-
maior o crescimento microbiano. Peters e Wesselink54 pregando a mesma técnica de instrumentação e o mes-
mostraram que culturas positivas colhidas imediata- mo tipo de solução irrigadora (hipoclorito de sódio a
mente antes da obturação de canais radiculares não in- 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio
fluenciaram o prognóstico dos tratamentos realizados foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana.
em uma ou mais sessões clínicas. A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso
Molander et al.48 e Penesis et al.53 concluíram que de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74%
não há diferença estatisticamente significativa quanto para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante
ao sucesso do tratamento endodôntico de dentes com adicional da medicação intracanal elevou em 10% o ín-
necrose pulpar realizado em uma ou duas sessões. dice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi consi-
Os resultados desses estudos poderiam sinalizar a derada clinicamente relevante.
favor do tratamento em sessão única em casos de den- Bonetti Filho7, em 2000, em uma avaliação radio-
tes despolpados. Todavia, todos esses estudos envol- gráfica, histopatológica e histomicrobiológica, realizou
veram amostragem baixa, o que questiona a validade o tratamento de 72 canais com lesões perirradiculares
dos resultados “estatisticamente não significantes”. Na induzidas em dentes de cães. Os canais foram dividi-
verdade, as evidências científicas atuais apontam para dos em quatro grupos experimentais. No grupo I se uti-
um maior índice de sucesso quando da utilização de lizou como medicação intracanal uma pasta à base de
um medicamento intracanal para potencializar a desin- hidróxido de cálcio (Calen) associada a formocresol; no
fecção. Além disso, estão de acordo com a lógica norte- grupo II se utilizou a mesma pasta, associada ao formo-
adora da Endodontia contemporânea, a qual estabelece cresol e paramonoclorofenol canforado; no grupo III, a
que o controle da infecção é fator preponderante para o pasta Calen com paramonoclorofenol canforado; e, no
sucesso da terapia de dentes com lesão perirradicular. grupo IV, os canais foram obturados na mesma sessão.
E isso não pode ser previsivelmente alcançado em uma Foi utilizada uma solução de hipoclorito de sódio a
única sessão operatória. 5,25% como substância química auxiliar da instrumen-
Um estudo realizado por Sjögren et al.68 revelou tação dos canais radiculares. O trabalho concluiu que
resultados desalentadores para o tratamento em ses- o uso da medicação intracanal foi fundamental para
são única de canais infectados em dentes de humanos. o reparo da região perirradicular. No grupo onde
Esses autores investigaram o papel da infecção no se realizou a obturação imediata, radiograficamente
sucesso da terapia endodôntica concluída em sessão ocorreram os menores percentuais de redução da área
única. Os canais de 55 dentes unirradiculares, com da lesão perirradicular, sendo o único a apresentar
lesão perirradicular associada, foram instrumenta- micro-organismos na região perirradicular quando
dos, tendo sido usado como solução química auxiliar comparado aos demais grupos.
o hipoclorito de sódio a 0,5% e obturados na mesma Otoboni Filho51, em 2000, estudou o processo
sessão. Antes da obturação, amostras foram colhidas de reparo após tratamento endodôntico em uma ou
dos canais e processadas por métodos bacteriológicos duas sessões em dentes de cães com lesões perirra-
avançados. Todos os canais estavam infectados antes dicularres induzidas. Como medicação intracanal foi
do tratamento, e o sucesso de 53 casos foi avaliado utilizada a pasta de hidróxido de cálcio por 7 e 14 dias
em acompanhamento de 5 anos. Em 44 casos (83%), as e, como substância química auxiliar, solução de hipo-
lesões desapareceram completamente. Em nove casos clorito de sódio a 2,5%. Os resultados demonstraram
(17%), houve fracasso da terapia endodôntica. Desses que o tratamento em duas sessões foi superior ao re-
nove que fracassaram, sete apresentaram cultura po- alizado em sessão única, como também o curativo de
sitiva antes da obturação. Esse índice de sucesso ob- hidróxido de cálcio por 14 dias foi mais eficiente do
tido em sessão única (83% dos casos) pode ser consi- que por 7 dias.
derado baixo quando comparado ao de outro estudo Tanomaru Filho72, em 2001, avaliou a reparação
por Sjögren et al.66. Os canais de dentes despolpados perirradicular após tratamento endodôntico de den-
Obturação dos Canais Radiculares 647
tes de cães com necrose pulpar e reação perirradicu- O alojamento de micro-organismos no interior de
lar crônica. Dois grupos foram obturados em sessão irregularidades do sistema de canais radiculares im-
única e os outros dois em duas sessões, tendo como pede o acesso das células inflamatórias e imunológi-
curativo intracanal pasta de hidróxido de cálcio por cas de defesa ao sítio infeccioso. Moléculas proteicas
15 dias. As substâncias químicas auxiliares da instru- envolvidas na defesa do hospedeiro, como anticorpos
mentação empregadas foram hipoclorito de sódio a e componentes do sistema complemento, podem efe-
5,25% ou clorexidina a 2%. Os resultados da análise tivamente penetrar nessas áreas, mas podem não ter
histológica demonstraram que os grupos que rece- efeito desde que muitos patógenos endodônticos libe-
beram curativos intracanais apresentaram melhores rem proteases envolvidas na quebra e na consequente
resultados de reparo do que aqueles obturados em inativação dessas moléculas.
sessão única. Assim, como os micro-organismos remanescen-
Soares e César70, em 2001, avaliaram clinica e ra- tes em localidades anatômicas inacessíveis aos instru-
diograficamente 37 dentes com necrose pulpar e lesão mentos e à substância química auxiliar representam
perirradicular assintomática. Após o preparo químico- um potencial para o fracasso a longo prazo do trata-
mecânico utilizando como solução química auxiliar o mento endodôntico, medidas adicionais que envolvem
hipoclorito de sódio a 5%, 28 dentes (93,3%) estavam o controle desse processo infeccioso (por eliminação
microbiologicamente negativos; no entanto, aos 12 ou máxima redução de micro-organismos) devem ser
meses apenas 46,4% apresentaram completa resolução empregadas durante a execução da terapia em dentes
das áreas radiolúcidas perirradiculares. Em função dos despolpados. No presente momento, apenas a medica-
resultados concluíram que, a médio prazo, o tratamen- ção intracanal com determinadas substâncias químicas
to endodôntico em sessão única proporciona 100% de pode ser eficaz nesse sentido43,62,67.
sucesso clínico, mas reduzido percentual de sucesso Destarte, nos casos de biopulpectomia (dentes
radiográfico. polpados), optamos pela obturação imediata do canal
Tem sido relatado que, em cerca de 40 a 50% dos radicular após o preparo químico-mecânico, sempre
casos de dentes com canais radiculares infectados, que possível. Essa conduta se baseia no fato de o canal
micro-organismos sobrevivem ao preparo químico- estar originalmente livre de micro-organismos, desde
mecânico9,10,67. Muitos desses micro-organismos estão que a cadeia asséptica tenha sido mantida pelo profis-
destinados a morrer pela exposição a um material ob- sional durante os procedimentos intracanais. Assim,
turador dotado de atividade antimicrobiana ou por não há razão aparente para não concluir o tratamento
estarem confinados dentro do canal, ficando desprovi- em sessão única, mesmo nos casos de pulpite irrever-
dos de nutrientes. Contudo, em alguns casos, micro- sível sintomática, pois uma vez removida a polpa há
organismos podem sobreviver mesmo a despeito de remissão dos sintomas. Na pulpite irreversível, a in-
uma obturação adequada do canal radicular, obtendo fecção usualmente se restringe à superfície exposta da
nutrientes e sobrevivendo em número suficiente para polpa, mantendo-se o seu segmento radicular livre de
perpetuar uma lesão perirradicular. Isso é confirmado micro-organismos46,81.
pelos achados de Sjögren et al.66, os quais verificaram Entretanto, quando um quadro de sintomatolo-
que 31,8% dos casos que apresentavam cultura positi- gia à percussão, em razão de uma periodontite apical
va antes da obturação resultaram em fracasso, caracte- aguda, está associado à pulpite, o tratamento deve ser
rizado pela manutenção da lesão perirradicular mesmo prolongado por mais uma sessão e o canal medicado
após 5 anos de observação. com hidróxido de cálcio/glicerina ou com uma solução
É evidente que a redução da população microbia- de corticosteroide/antibiótico.
na dos canais radiculares promovida pelo preparo quí- Em casos de necrose pulpar, mormente quando
mico-mecânico é na maioria das vezes suficiente para há associação com lesões perirradiculares, o canal
permitir que os mecanismos de reparo dos tecidos pe- deveria ser obturado em uma segunda sessão, após
rirradiculares tenham efeito. Contudo, a perpetuação a permanência de uma medicação intracanal com
de processos patológicos perirradiculares causada pela a pasta de hidróxido de cálcio//PMCC/glicerina
persistência de uma infecção endodôntica vai depen- (HPG) por um período variável entre 3 e 7 dias. Essa
der: (a) do acesso desses micro-organismos aos tecidos medicação é bastante eficaz em maximizar a elimina-
perirradiculares; (b) da resistência do hospedeiro; (c) ção de micro-organismos do interior do sistema de
da virulência; (d) do número de micro-organismos en- canais radiculares (ver Capítulo 14, Medicação intra-
volvidos. canal).
648 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
LIMITE APICAL DE OBTURAÇÃO apical, garantindo com isso uma desinfecção adequa-
da em uma máxima extensão do canal. Todavia, canais
Parece ser consensual entre a maioria dos autores o
obturados a mais do que 2mm aquém do ápice radicu-
fato de que o material obturador deva se limitar ao inte-
lar têm maiores chances de fracassar, inclusive quando
rior do sistema de canais radiculares. Da mesma forma,
comparados aos casos onde houve sobreobturação. A
preconiza-se que a obturação deva atingir as proximi-
obturação muito aquém do forame representa um gran-
dades do forame apical. Em algumas situações clínicas,
de potencial para o fracasso da terapia principalmente
contudo, esse intento pode nem sempre ser alcançado.
nos casos onde o segmento apical além da obturação
Nos casos de dentes polpados, nos quais micro- não foi instrumentado. Esse segmento abriga micro-
organismos estão ausentes (e desde que o profissional organismos envolvidos na indução e na perpetuação da
não os tenha introduzido no canal), o limite apical de lesão perirradicular e, uma vez não eliminados, têm um
obturação não representa maiores problemas ao suces- grande potencial para manter um nível de agressão que
so da terapia endodôntica, que usualmente é alto, inde- é incompatível com a reparação dessas lesões. Contudo,
pendentemente de o canal estar obturado ao nível do mesmo nos casos em que o segmento apical não obtura-
ápice, aquém ou além dele. do foi previamente instrumentado, o fracasso pode ad-
Todavia, em casos de dentes despolpados com vir. Isso porque, embora o número de micro-organismos
lesão perirradicular associada, o limite da obturação tenha sido reduzido nessa localização, o espaço vazio
pode influenciar o sucesso do tratamento. Sjögren et será rapidamente recolonizado pelos micro-organismos
al.66, por meio da análise de diferentes fatores que po- remanescentes, que irão se multiplicar na presença de
dem influenciar o sucesso do tratamento endodôntico, substrato suprido por restos teciduais necrosados não
acompanharam 356 pacientes após o período de 8 a 10 removidos e, principalmente, por moléculas presentes
anos de conclusão do tratamento. O índice de sucesso no fluido tecidual oriundo dos tecidos perirradiculares
para os casos sem lesão perirradicular associada, exce- que inevitavelmente, por capilaridade, irão preencher
deu 96%, mas já nos casos de dentes despolpados com esse segmento apical vazio. Em pouco tempo, tais mi-
lesão o índice de sucesso foi de 86%. Esses dados de- cro-organismos remanescentes, na presença de subs-
monstram claramente que na presença de uma lesão trato disponível, poderão alcançar números suficientes
perirradicular o índice de sucesso pode cair significati- para a manutenção da lesão perirradicular, resultando
vamente, o que se deve à presença de uma microbiota no fracasso da terapia.
complexa instalada e disseminada para todo o sistema A ocorrência de sobreobturação pode também
de canais radiculares, caracterizando uma infecção influenciar negativamente os resultados do tratamen-
mais difícil de controlar. to endodôntico de dentes com lesão perirradicular. A
O sucesso do tratamento de dentes despolpados princípio, isso sugere um efeito citotóxico proporcio-
com lesão perirradicular associada depende do nível da nado pelo material obturador. Entretanto, estudos re-
obturação em relação ao ápice radicular. Sjögren et al.66 velam que a guta-percha é bem tolerada pelos tecidos
relataram que, em tais casos, os canais obturados no li- perirradiculares, e a maioria dos cimentos endodônti-
mite do ápice ou até 2mm aquém apresentaram um per- cos, embora apresente níveis variados de citotoxicida-
centual de sucesso de 94%, enquanto os sobreobturados de antes da presa, usualmente perde essa propriedade
ou os obturados a mais de 2mm do ápice apresentaram após o endurecimento3,35. Uma vez que a agressão quí-
índices menores, ou seja, 76 e 68%, respectivamente. mica causada pelos cimentos é transitória, deve-se re-
Araújo Filho1, avaliando clínica e radiografica- conhecer então que é incapaz de induzir e manter uma
mente o tratamento endodôntico de dentes desvitaliza- lesão perirradicular. Quando extravasados, os cimen-
dos realizados em sessão única, concluiu que o limite tos podem ter três destinos, dependendo de suas pro-
apical de obturação foi um fator diferencial, uma vez priedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser fago-
que o maior índice de sucesso foi observado no grupo citados ou se dissolver e serem eliminados na forma de
onde os canais radiculares foram obturados no limite pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser
de 0 a 2mm aquém da abertura foraminal. encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracteri-
O índice de sucesso dos casos de necropulpectomia zado pelo predomínio de colágeno (Fig. 16.1-4).
obturados ao nível dos 2mm apicais do canal é bastante Nos casos em que ultrapasse o cone de guta-
próximo daquele obtido para as biopulpectomias. Esse percha para os tecidos perirradiculares geralmente se
fato salienta a importância de se instrumentar o canal e forma uma cápsula fibrosa envolvendo-o. Entretanto,
obturá-lo a um nível mais próximo possível do forame podem existir situações em que o cone extravasado é
Obturação dos Canais Radiculares 649
Figura 16.1-4. Extravasamento de material obturador. Incisivo lateral superior. Obturação do canal com grande extravasamento de material
obturador (pasta L & C). Controle após 8 anos. Material encapsulado (radiograficamente).
de pequeno calibre e, com o passar do tempo, pode ser Embora alguns raros casos de fracassos associa-
reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico dos a sobreobturações possam ser atribuídos a uma re-
de solubilização e desintegração e também pela ação ação de corpo estranho ao material extravasado43,67, na
macrofágica25,26,35 (Fig. 16.1-5). maioria das vezes, a presença de micro-organismos é o
Aliás, para reforçar tais afirmativas inerentes à au- principal elemento determinante do insucesso e não a
sência de toxicidade significativa dos materiais obturado- toxicidade dos materiais comumente utilizados na atu-
res, pode-se comentar o fato de que nos casos de dentes alidade. Esse dado ressalta o papel exercido por micro-
polpados, onde uma infecção endodôntica não está insta- organismos no fracasso da terapia endodôntica.
lada no sistema de canais radiculares, a sobreobturação Baseados no exposto, consideramos que a obtura-
não influencia negativamente o sucesso do tratamento. ção deva preencher toda a extensão do canal preparado,
devendo então se localizar, sempre que possível, 0,5 a
1mm do ápice radiográfico (Fig. 16.1-6). Isso permite a
eliminação do espaço vazio, reduzindo o risco de ulte-
rior colonização bacteriana nesse espaço, o que caracteri-
zaria um potencial fracasso do tratamento endodôntico.
Obturações muito aquém não são indicadas, uma vez
que podem deixar um segmento muito extenso no qual
micro-organismos inevitavelmente poderão se estabele-
cer. Deve-se ter ainda em mente que, embora o limite
ideal seja de 0,5 a 1mm aquém do ápice, em determina-
das circunstâncias ele será difícil de ser alcançado, como
em casos de forame amplo, devido a reabsorções den-
tárias, sobreinstrumentação ou rizogênese incompleta,
que predispõem à sobreobturação. Já nos casos de hi-
percementose e de acidentes, como degraus, bloqueios
e instrumentos fraturados, a obturação pode ter de fi-
car muito aquém do limite ideal. O profissional deverá
Figura 16.1-5. Extrusão de cone de guta-percha para os tecidos
avaliar as condições peculiares de cada caso e decidir a
perirradiculares. Controle após 3 anos. Material encapsulado (radio- conduta a ser tomada, que pode incluir prosservação ou
graficamente). cirurgia perirradicular (Figs. 16.1-7 e 16.1-8).
650 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Inspeção visual
Apreende-se o cone com uma pinça clínica (tipo
Perry), introduzindo-o no canal até o CT. Após sua
Figura 16.1-13. Espaçadores endodônticos digitais. NiTi, A, B C, e retirada, não deve apresentar distorções (resultantes
D (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: ponta com vértice truncado e de pressão apical exercida durante a introdução de
biselado, ângulos de 20 e 90°, ranhuras circunferenciais. um cone de diâmetro inferior ao do canal). Se o cone
não alcança essa medida, deve ser testado um outro Critério radiográfico
de diâmetro imediatamente inferior. A recapitulação
Aprovado nos testes visual e tátil, o cone é posicio-
do preparo, com o último instrumento que trabalhou
nado no canal e o dente é radiografado para confirmar
em todo o comprimento de trabalho, e uma abundan-
a exatidão da seleção. Em cada um dos dentes com mais
te irrigação/aspiração podem ser de grande valia na
de um canal deverá ser posicionado o respectivo cone
remoção de resíduos no canal que impedem o avan-
antes da tomada radiográfica. Nesses casos recomenda-
ço apical do cone. Em determinadas situações, o ins- mos a realização de, no mínimo, uma tomada no sentido
trumento alcança o CT; entretanto, o cone do mesmo ortorradial e outra angulada (mésio ou distorradial). Na
diâmetro nominal não o faz. Isso pode ser justificado dúvida quanto ao limite apical do cone, a seleção deverá
pelo alto limite de tolerância permitido e por deficiên- ser individualizada, ou seja, canal por canal. A radio-
cia na estandardização de instrumentos e cones ou pela grafia da prova do cone representa a oportunidade final
presença de resíduos no interior do canal radicular, já de avaliação de todas as etapas operatórias, mostrando
que eles podem impedir o avanço dos cones, mas não se o limite apical de trabalho foi correto e se ocorreram
dos instrumentos de mesmo diâmetro, pois, ao contrá- alterações na forma original do canal radicular. Mostra-
rio daqueles, são mais resistentes à flexocompressão e rá também, dentro das resoluções proporcionadas pela
possuem canal helicoidal, no qual os resíduos podem técnica radiográfica, o ajuste do cone às paredes do seg-
se acomodar. A pinça tipo Perry permite melhor acesso mento apical do canal (Fig. 16.1-17).
aos canais de dentes posteriores, assim como melhor Selecionado o cone principal, ele pode ser mar-
controle da sensibilidade tátil na seleção dos cones de cado por uma ligeira pressão com uma pinça clínica
guta-percha. na região coincidente com o ponto de referência oclu-
sal/incisal, permitindo que o profissional, no ato da
cimentação, facilmente consiga reinseri-lo na exten-
Critério tátil são desejada.
Uma vez que o cone atinge o CT, o que é inicial- O procedimento de seleção deve ser realizado
mente avaliado de forma visual, deve oferecer uma com o canal umedecido pela solução química auxiliar,
certa resistência ao deslocamento coronário. Essa resis- permitindo assim a lubrificação do canal, à semelhança
tência muitas vezes referida como travamento é acen- da que será proporcionada pelo cimento obturador.
tuada, sobretudo em canais preparados a um maior Após a remoção do cone selecionado do canal, o
diâmetro em seu segmento apical, ou tênue, quando o mesmo é envolto por uma gaze umedecida com hipo-
preparo apical se limita a instrumentos de menor diâ-
metro. A resistência ao deslocamento oferecido pelo
cone deve ser tanto no sentido coronário quanto no
apical. Assim, o cone que alcança o CT não deve ultra-
passar essa medida (Fig. 16.1-16).
Figura 16.1-16. Inspeção visual e critério tátil. Figura 16.1-17. Seleção do cone. Critério radiográfico.
Obturação dos Canais Radiculares 655
clorito de sódio, permanecendo aí até o momento de do cone em solventes orgânicos ou pelo calor. A pon-
sua cimentação. O mesmo deve ser feito com os cones ta do cone de guta-percha (3mm aproximadamente) é
acessórios. mergulhada por um segundo em clorofórmio ou por 5
O ajuste do cone principal junto ao CT do canal segundos em eucaliptol. A seguir, com o canal umede-
contribui para um eficiente selamento apical da obtu- cido pela substância química auxiliar, o cone é levado
ração e reduz a extrusão do material obturador para em posição e pressionado em sentido apical. Remo-
os tecidos perirradiculares. Entretanto, torna-se difícil vido do canal, é mergulhado em álcool absoluto por
o correto ajuste do cone principal de guta-percha junto 5 minutos e secado em gaze esterilizada. A remoção
ao segmento apical do canal, uma vez que os proce- dos solventes com álcool é importante, uma vez que a
dimentos endodônticos executados durante a instru- presença do eucaliptol ou clorofórmio pode provocar a
mentação normalmente não permitem ao profissional desintegração física do cimento obturador. Além dis-
um controle exato sobre o diâmetro e a forma final do so, a evaporação do solvente pode provocar contração
preparo. Além disso, a despeito de todos os esforços no volumétrica do cone de guta-percha. Esses fatos, certa-
intuito de padronizar as dimensões dos instrumentos mente, podem comprometer a qualidade do selamento
endodônticos e dos cones de guta-percha, há sempre apical da obturação do canal radicular.
uma discrepância entre as dimensões dos instrumen- A ponta do cone de guta-percha também pode ser
tos e dos cones de uma mesma numeração. Sendo a plastificada pelo calor por meio de toque rápido com
tolerância de fabricação para o diâmetro em D0 dos espátula Hollembak aquecida à chama. Após a molda-
instrumentos endodônticos de ± 0,02mm, pode haver gem apical devemos realizar marcas na face vestibular
uma discrepância de 0,07mm entre eles e os cones de da coroa dentária e na extremidade extracoronária do
guta-percha de mesmo diâmetro nominal especifica- cone que permitam o posterior posicionamento e sua
do. Essa diferença ainda pode ser maior entre cones adaptação junto ao batente apical (Fig. 16.1-19).
de mesmo diâmetro, isto é, de 0,1mm (tolerância para A modelagem apical, embora seja um método
os cones de ± 0,05mm). Por exemplo, uma embalagem seguro para adaptação do cone de guta-percha junto
de cones no 40 pode, na verdade, conter cones nos 35 ao batente apical, é prática pouco utilizada e difícil de
e 45. Essas diferenças podem gerar problemas quando ser executada em canais curvos. Assim, essa adapta-
da seleção do cone principal, sendo ainda mais críticas ção pode ser obtida executando-se sucessivos cortes da
se o fabricante não obedecer estritamente aos valores extremidade do cone com uma lâmina de barbear ou
estabelecidos. Deve-se salientar que a forma da pon- bisturi, até que ele se ajuste junto ao batente apical e
ta dos instrumentos endodônticos não é a mesma dos ofereça alguma resistência à tração ou ao avanço.
cones de guta-percha. Existem acentuadas diferenças
entre as formas, conicidades, extremidades dos vérti-
ces e comprimentos das pontas (Fig. 16.1-18). Assim,
uma melhor adaptação poderá ser obtida moldando-
se o preparo apical por meio da plastificação da ponta
B
B
Figura 16.1-22. Corte da ponta do cone de guta-percha. A. Por
Figura 16.1-20. Corte da ponta do cone de guta-percha com te- meio de uma régua calibradora e de uma lâmina cortante. B. Ele-
soura. A. Desenho esquemático. B. Eletromicrografias. tromicrografias.
Obturação dos Canais Radiculares 657
Secagem do canal
Após abundante irrigação-aspiração realizamos
inicialmente a secagem do canal, utilizando para isso
pontas aspiradoras seguidas de cones de papel ab-
sorvente de diâmetros compatíveis com o do preparo
apical, sobre os quais se delimita o comprimento de
trabalho, para evitar traumatismos sobre o tecido pe-
rirradicular. Os cones de papel absorventes são ofere-
cidos comercialmente nas conicidades de 0,02, 0,04 e
0,06mm/mm e diâmetros em D0 padronizados (ISO). Figura 16.1-23. Espátula metálica flexível (Odous Industrial e Co-
mercial Ltda., Belo Horizonte, MG).
Alguns fabricantes oferecem cones de papel absorven-
te com os diâmetros semelhantes aos dos instrumentos
endodônticos empregados no preparo apical do canal
radicular. o cone de guta-percha principal, após secagem
Um cone de papel absorvente deverá ser manti- em gaze esterilizada, é introduzido no canal, com
do no interior do canal até o momento da obturação movimentos curtos de avanços e retrocessos, até
propriamente dita a fim de absorver a umidade que se atingir o CT.
deve acumular principalmente na região apical. Nos • Pelo uso de cone principal seguro com pinça tipo
casos de ampla dilatação no sentido coroa-ápice, mais Perry na marca confeccionada correspondente ao
de um cone de papel pode ser colocado lateralmente CT. O cone é carregado com o cimento endodônti-
ao apical. co e inserido no canal, realizando-se movimentos
curtos de avanço e retrocesso até atingir o CT. Para
se evitar excesso de cimento na câmara pulpar, o
Preparo do cimento obturador
cone deve ser envolvido com material cimentante
A manipulação do cimento é feita utilizando-se a partir de sua extremidade até a região mediana
placa de vidro e espátula metálica flexível estéreis, de (Fig. 16.1-24).
acordo com as características e instruções próprias do
produto comercial selecionado para a obturação do ca- Deve-se evitar a colocação do cone em um único
nal radicular (Fig. 16.1-23). movimento no sentido apical para evitar que possíveis
bolhas de ar existentes no canal fiquem aprisionadas. A
Colocação do cone principal
O cimento poderá ser levado ao interior do canal
de duas maneiras:
presença de bolhas se movimentando em sentido api- o interior da cavidade pulpar, o que inevitavelmente
cal pode provocar dores durante o ato da obturação. dificultaria a introdução do cone acessório. Esse deve
Além disso, a colocação do cone no canal radicular em possuir diâmetro inferior ao do espaçador. A não ob-
único movimento pode induzir uma pressão unidire- servação desses procedimentos é a principal causa
cional no sentido do forame radicular, promovendo o de defeitos na obturação. Todos esses procedimentos
extravasamento do cimento para os tecidos perirradi- devem ser repetidos até que o espaçador não penetre
culares (Fig. 16.1-25). mais do que a junção dos segmentos médio e cervical.
Toma-se uma radiografia para avaliar a qualidade da
Compactação lateral propriamente dita obturação e, se necessário, são feitos os devidos ajustes
(Fig. 16.1-27).
A compactação do material obturador no interior
Em dentes com mais de um canal, são repetidos
do canal radicular é fundamental para se alcançar a im-
todos os procedimentos desde a cimentação dos cones
permeabilidade a fluidos, impedindo a infiltração mi-
principais. Em determinadas circunstâncias devem ser
crobiana advinda da cavidade bucal, e para a elimina-
ção do espaço vazio propício à proliferação de micro-
organismos remanescentes. Estando o cone principal
de guta-percha ajustado no segmento apical do canal,
o avanço do espaçador devido à sua forma cônica pro-
move a compactação ou a adaptação do material obtu-
rador nas paredes do canal radicular, propiciando um
selamento adequado.
O espaçador selecionado é introduzido no canal
lateralmente ao cone de guta-percha principal, utili-
zando movimentos simultâneos de penetração no sen-
tido apical e rotação alternada. Inicialmente o espaça-
dor selecionado deve penetrar (avanço) no canal até 1
a 2mm aquém do CT (Fig. 16.1-26).
Procede-se então à remoção do espaçador com
uma das mãos, inserindo-se imediatamente no espa-
ço criado um cone acessório carregado com cimento.
Essa rápida inserção impede a perda do espaço criado, Figura 16.1-27. Término da compactação lateral. Tomada radio-
a qual ocorre devido à fluência da guta-percha para gráfica.
Obturação dos Canais Radiculares 659
realizadas as obturações dos canais separadamente. mais fácil em razão de induzir tensões cisalhantes, o
Nesses casos, as entradas dos canais não obturados de- que é difícil de conseguir com instrumentos cilíndri-
vem ser bloqueadas com cones de papel absorventes. cos (compactadores) (Fig. 16.1-28). Imediatamente de-
Tomando como exemplo um molar inferior, podemos pois do corte é realizada uma compactação no sentido
obturar os canais mesiais e, a seguir, o distal. Se a obtu- apical, usando-se um compactador sem aquecimento.
ração for realizada em sessões diferentes, a embocadu- A compactação vertical da massa obturadora, plastifi-
ra do canal obturado deve ser bloqueada com cimento cada pelo calor do corte, deve ser feita repetidamente.
(Cavit, Coltosol etc.). Encerrando o processo, executamos durante um tem-
A pressão nas paredes do canal exercida duran- po mínimo de 3 minutos uma compressão do material
te a penetração de espaçador, por ser semelhante à obturador com um compactador. Esse tempo mínimo
introdução de uma cunha, deve ser realizada com empregado na compressão final é necessário devido à
cuidado para não ultrapassar a resistência à compres- elevada taxa de resfriamento da guta-percha. Esse pro-
são da dentina. O aumento abusivo da força, além de cedimento reduz, significativamente, o efeito de sua
não melhorar a qualidade da obturação28,43, pode pro- contração volumétrica e aumenta o contato do cimento
vocar o deslocamento longitudinal do cimento e/ou com as paredes do canal durante a presa, o que dimi-
do cone de guta-percha em sentido apical e fraturas nui a interface do cimento à dentina radicular. Conse-
radiculares verticais que comprometem o sucesso do quentemente se aumenta também o selamento da ob-
tratamento endodôntico25,47. Para evitar a fratura ra- turação junto ao segmento cervical do canal radicular
dicular vertical de uma raiz durante a compactação (Fig. 16.1-29).
lateral, a carga máxima aplicada ao espaçador deve Observa-se então se o limite coronário da ob-
ser de 1,1kgf30. turação está em sentido apical ao nível da gengiva
Lopes et al.40, avaliando a força de avanço de es- marginal, o que é facilmente realizado, utilizando-se
paçadores endodônticos digitais de aço inoxidável e de uma sonda periodontal milimetrada. Feitos os ajustes
NiTi durante a compactação lateral, concluíram que a quando necessário, limpa-se completamente a câmara
força máxima necessária para o avanço do espaçador pulpar com álcool etílico, removendo-se todos os resí-
endodôntico digital em um canal artificial reto ou cur- duos de material obturador. Esses procedimentos vi-
vo foi maior para o de NiTi (canal reto 810gf, curvo sam a prevenir o escurecimento da coroa dentária após
1.948gf) do que para o de aço inoxidável (canal reto a conclusão do tratamento endodôntico. Toma-se uma
693gf, curvo 1.604gf). radiografia para variar a qualidade da obturação e, se
Vértice truncado, presença de bisel e ranhuras necessário, são feitos os seus devidos reajustes (Fig.
circunferenciais presentes nos espaçadores endodôn- 16.1-30).
ticos de NiTi oferecem maior resistência mecânica ao A cavidade coronária deve então ser preenchi-
da com material selador temporário. Em dentes que
avanço do instrumento no interior do canal artificial
reto ou curvo, induzindo à aplicação de uma força
maior. Ao contrário, ponta lisa, vértice arredondado
e ausência de bisel oferecem menor resistência mecâ-
nica ao avanço do espaçador endodôntico digital de
aço inoxidável.
A B C
D E F
Figura 16.1-32. Casos clínicos representativos da obturação do canal radicular pela técnica de compactação lateral. A. Molar superior. (Gen-
tileza do Ten.-Cel. Chiesa.) B. Molar superior. C. Molar inferior. D. Molar inferior. E. Incisivos inferiores. (Gentileza de V. A. Fonseca.) F. Canino
superior. (Gentileza de M. D. Viana.)
Outras pastas de hidróxido de cálcio (HPG ou ra mecânica, a pasta deve ser compactada com cones
HIPG) podem ser utilizadas como tampão apical. Nes- de papel absorvente. Geralmente, o cone é emprega-
ses casos, devido à diluição da pasta junto aos líquidos do com a extremidade mais calibrosa em sentido api-
teciduais, a extensão do tampão deverá ser no máximo cal do canal radicular. Em seguida, o MTA é colocado
de 2mm em relação ao comprimento de patência do ca- conforme essa descrição com menores riscos de sobre-
nal radicular. obturação. Sobre o MTA é colocada uma bolinha de
O MTA também é empregado como tampão api- algodão umedecida com água destilada por um perí-
cal na obturação de canais radiculares de dentes com odo mínimo de 3 a 4 horas protegida por selamento
reabsorções apicais ou com rizogênese incompleta74. O coronário5,52,74.
material será inserido na região apical com o emprego Esse procedimento tem como objetivo manter a
de instrumentos especiais (seringas) ou mesmo levado hidratação e permitir a solidificação do material. To-
com auxílio de instrumentos endodônticos de ponta davia, Sluyk et al.69 não o recomendam, acreditando
truncada (compactadores). O material deve ser coloca- que a umidade advinda do tecido no local é suficiente
do numa extensão de até 3mm e seu limite apical com- para manter as necessidades hidrofílicas do MTA. Em
provado pelo exame radiográfico. razão da pouca solubilidade do MTA é conveniente
Para prevenir o extravasamento apical do MTA evitar o seu extravasamento junto aos tecidos perir-
durante a sua colocação no interior de um canal ra- radiculares. Mesmo possuindo excelente comporta-
dicular, criamos uma barreira mecânica na porção mento biológico, seu extravasamento pode dificultar
apical do preparo com pastas de hidróxido de cálcio ou mesmo impedir o selamento apical do canal por
ou de sulfato de cálcio. Uma vez preparada a pasta, tecido mineralizado.
realiza-se o preenchimento do segmento apical do A proposta terapêutica do tampão apical tem
canal radicular, utilizando espirais de Lentulo, como como vantagem não retardar a restauração definitiva
descrito. A seguir, são efetuadas simultaneamente a do dente. Isso favorece a não contaminação do canal
remoção e a compactação da pasta numa extensão de radicular, reduz a possibilidade de fratura de dente
até 2mm, e seu limite apical é comprovado pelo exa- e permite prontamente o restabelecimento da função
me radiográfico. Na fase final da confecção da barrei- mastigatória e estética (Fig. 16.1-39).
Figura 16.1-39. Tampão apical. Vantagem, não retarda a restauração do dente. Incisivo central com arrombamento apical.
Obturação dos Canais Radiculares 665
metros para atender às variações dos diversos canais introduzido no canal radicular. A temperatura média
radiculares. do instrumento, ao entrar em contato com o material
Os alargadores Peeso, em função de sua extremi- obturador, era de 480°C. Como a guta-percha amolece
dade cortante, não devem ser utilizados. a 60°C e funde-se a 100°C, o excesso de energia térmi-
A remoção parcial da obturação do canal é reali- ca do instrumento é transferido à massa obturadora e
zada com movimentos curtos e sucessivos de penetra- à parede dentinária.
ção e remoção do instrumento rotatório, com o auxílio Em outro experimento, a temperatura média
de um cursor, que servirá como guia de penetração do instrumento, quando deixado por 5 segundos na
até atingir a profundidade preestabelecida. Atingi- zona redutora da chama da lamparina de álcool, era
da a profundidade adequada, com um compactador de 365°C, sendo reduzida para 210°C no momento de
manual frio e de diâmetro compatível, realiza-se a entrar em contato com o material obturador. Com esse
compactação vertical do remanescente da obturação. procedimento, o aquecimento externo médio da su-
Os instrumentos rotatórios são montados em contra- perfície radicular foi de 40,3°C. O uso de alargadores
ângulos com sentido de corte à direita, em baixa rota- Gates-Glidden causou o menor aquecimento na super-
ção, e levados, girando, ao interior do canal radicular. fície externa da raiz (32,8°C), comportamento que pode
O diâmetro dos instrumentos deve ser aproximado ser atribuído à fácil remoção da obturação por corte;
ao do canal para que a guta-percha seja cortada por à redução da resistência ao corte do material obtura-
intermédio do calor provocado pelo atrito das arestas dor, advindo da transformação da energia mecânica do
de corte com o material obturador e com as paredes alargador em calor; à forma ovoide da parte de traba-
do canal. lho do alargador, o que favorece o corte, a penetração e
O avanço do instrumento no canal radicular é a remoção do material excisado; e à rapidez na execu-
representado por pequenos toques da parte de traba- ção do trabalho.
lho do instrumento na superfície externa do material Para Lopes et al.45, o efeito do calor no periodon-
obturador, seguido de retrocesso em sentido cervical, to é desconhecido. Assim, a elevação da temperatura
provocando o corte de pequenas porções dele. Avan- em algum ponto da superfície radicular poderá ser res-
ços maiores plastificam a guta-percha, que acaba por ponsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua
aderir ao instrumento, podendo com o movimento de vez, Eriksson et al.18 e Eriksson19 concluíram que o calor
retrocesso deslocar ou mesmo remover a obturação do pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aqueci-
interior do canal. A parte de trabalho do instrumento mento de 47°C durante um minuto.
deve ser limpa por meio de uma gaze estéril a cada pe- No preparo do espaço para pino, não se deve
netração no canal radicular. empregar instrumento aquecido ao vermelho-rubro.
Após a remoção do material obturador, o que é Temperaturas menores são suficientes para a remoção
necessário à correta extensão do pino, deve-se prepa- parcial da obturação do canal radicular, as quais pro-
rar lateralmente o canal radicular com os mesmos ins- vocam menor aquecimento das superfícies externas
trumentos rotatórios utilizados na obtenção do espaço. da raiz.
Para retentores intrarradiculares fundidos, a largura Após a criação do espaço radicular, colocamos
do pino normalmente deve ser de aproximadamente em seu interior um medicamento intracanal e selamos
1/3 da largura total da raiz59, representando um im- a cavidade com óxido de zinco e eugenol. A finalidade
portante aspecto para a resistência final da estrutura do curativo é impedir a contaminação desse espaço via
dental remanescente. cavidade bucal. Esse procedimento deve ser repetido
Lopes et al.45 determinaram, in vitro, a tempe- durante as sessões da fase de preparo e cimentação do
ratura externa da superfície radicular de dentes ob- retentor protético, devendo-se tomar cuidado com toda
turados com guta-percha e cimento durante a remo- e qualquer possibilidade de contaminação do canal ra-
ção de obturação do canal, quando do emprego de dicular durante as fases de modelagem do retentor e
instrumentos rotatórios e aquecidos. A remoção por confecção do provisório em retentores intrarradicula-
meio de instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro res indiretos.
transfere mais calor ao sistema, e a temperatura pode Os sistemas de pinos pré-fabricados, como já des-
chegar a 57,5°C. Certamente, isso pode ser atribuído crito, são compostos por instrumentos rotatórios pa-
à temperatura de 700°C necessária para o instrumen- dronizados, respectivos ao diâmetro apresentado pelo
to atingir a coloração de um vermelho-rubro, apesar pino, e são fundamentais para a calibração do espaço
da perda de calor durante seu deslocamento, até ser obtido.
Obturação dos Canais Radiculares 667
A B
C D
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Obturação dos Canais Radiculares 671
Parte 2
Técnicas de termoplastificação da guta-percha
Janir Alves Soares • Frank Ferreira Silveira • Eduardo Nunes • Carlos Augusto Santos César
Indubitavelmente, a obturação representa uma conseguinte, pela prática já por mais de 100 anos, os
imprescindível etapa do tratamento dos canais radicu- cones de guta-percha compactados pela técnica da
lares. Do ponto de vista físico-químico tem como prin- compactação lateral são considerados o Gold Standard
cipal objetivo isolar, tridimensionalmente, a cavidade das obturações5,31. Trata-se de uma técnica simplificada
pulpar do ambiente periodontal e da cavidade bucal, e de fácil execução, sendo a mais ensinada na maio-
em caráter permanente. Inicialmente, é oportuno re- ria das universidades nacionais31 e estrangeiras5. Não
prisar que uma das melhores estratégias de obturação obstante, a complicada morfologia do sistema de ca-
resulta, essencialmente, da associação da guta-percha nais radiculares, a exemplo da Fig. 16.2-1A, B, C e D,
à reduzida quantidade de cimento endodôntico. Por traduzida pelo reduzido espaço e pelas irregularidades
B C D
Figura 16.2-1A. Obturação de vários canais secundários com o Sistema Resilon. B. Obturação de istmo. C. Obturação de canais laterais.
D. Obturação de istmo na raiz mesial de molar.
672 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
anatômicas, curvaturas, atresias e inúmeras ramifica- no sentido ápice-coroa (backfill). Similarmente a outras
ções, aliados ao baixo escoamento da guta-percha com- técnicas, o treinamento pré-clínico é fundamenal e pro-
parativamente aos cimentos, dificulta, sobremaneira, a gressivamente propiciará o domínio e a segurança para
obturação tridimensional de todo esse sistema8,41. a sua correta execução (Fig. 16.2-2). A partir de então os
Do ponto de vista físico-químico e radiográfico, a resultados radiográficos obtidos no dia a dia da clínica
qualidade das obturações tem sido avaliada em termos endodôntica serão realmente muito compensadores. É
de selamento marginal, homogeneidade, conicidade e oportuno salientar que a qualidade da modelagem do
limite apical. De longa data, vários estudos radiográfi- canal radicular influencia, sobremaneira, vários aspec-
cos e pela diafanização têm demonstrado inúmeros es- tos da obturação, podendo torná-la simples, de fácil
paços vazios na massa obturadora e na interface obtura- execução, e maximizando as particulares vantagens da
ção/parede do canal radicular, principalmente quando técnica utilizada26,39.
executada pela técnica da compactação lateral40. Nesse O material utilizado consta de cones de guta-
aspecto é oportuno salientar que recentes estudos epi- percha, cimento endodôntico, fonte geradora de ca-
demiológicos de diversas partes do mundo têm evi- lor, conjunto de condutores de calor e compactadores
denciado uma premente necessidade de melhora de verticais. Geometricamente, os cones de guta-percha
sua qualidade em tratamentos conduzidos em nível de devem apresentar acentuada conicidade e, quanto à
graduação ou pós-graduação, ou seja, na atualidade a composição química, a preferência recai pela fase alfa,
excelência nas obturações dos canais radiculares ainda que aquecida se torna pegajosa, aderente e com maior
é um desafio na clínica endodôntica1,9,10,17,23,27,32. escoamento. Mormente, a técnica é compatível com to-
Historicamente, almejando preencher tridimen- dos os cimentos disponíveis no mercado.
sionalmente o sistema de canais radiculares por uma Conforme descrito adiante nesta seção, a ação dos
massa densa e homogênea, Herbert Schilder (1967)29 condutores de calor e compactadores se restringe aos
teve a ideia de plastificar o cone de guta-percha no ca- segmentos cervical e médio, permanecendo o remanes-
nal radicular, mediante a inserção de um instrumento cente apical com 5 a 7mm de cone de guta-percha. O
aquecido – condutor de calor (heat carrier) seguido de condutor de calor eleva a temperatura da guta-percha
imediata compactação vertical da guta-percha. Esses para 40 a 45oC. No entanto, a baixa condutividade tér-
dois princípios constituem os fundamentos da Técni- mica da guta-percha limita a propagação da plastifi-
ca da Compactação da Guta-Percha Termoplastificada. Essa cação a uma extensão de aproximadamente 4 a 5mm,
contribuição de Schilder revolucionou a concepção de que é suficiente para plastificá-la e obter sua efetiva
obturação do sistema de canais radiculares e constituiu
o fundamento para as futuras evoluções tecnológicas.
A guta-percha plastificada apresenta maior esco-
amento e melhor embricamento mecânico às paredes
dentinárias. A compactação com compactadores (plug-
gers) de diâmetros compatíveis gera efeito hidráulico
no material e promove o movimento apical e lateral da
massa obturadora, preenchendo detalhes anatômicos,
como istmos, canais laterais e acessórios, bem como
irregularidades consequentes de reabsorção interna e
acidentes ocorridos durante a instrumentação dos ca-
nais radiculares, a exemplo de degraus, desvios e per-
furações.
1. TÉCNICA DE SCHILDER
A Técnica de Schilder29 é, aparentemente, complexa
e por vezes julgada como de difícil execução clínica.
Essencialmente compreende um conjunto de mano-
bras realizadas primeiramente no sentido coroa-ápice
(downpack), complementada pela progressiva inserção/ Figura 16.2-2. Adequado limite apical, conicidade e homogenei-
compactação da guta-percha previamente plastificada dade da obturação.
Obturação dos Canais Radiculares 673
A B
médio, e o de menor diâmetro no segmento apical. ou elipsoide, pode-se utilizar um cone complementar de
A correta seleção desses instrumentos influencia a tamanho FM ou MF lateralmente ao cone principal.
qualidade do preenchimento do sistema de canais
radiculares7,39. Como regra, nunca podem exercer Fase coroa-ápice (Downpack)
efeito de cunha diretamente sobre as paredes den-
Essa fase corresponde à obturação do segmento
tinárias. Esse fato poderá acarretar fratura radicu-
apical do canal radicular no sentido coroa-ápice. Por
lar vertical2. Para tanto, devem ser inseridos até o
conseguinte, após cimentação do cone principal, o ins-
limite seguro e demarcar essa extensão com cursor
trumento condutor de calor (heat carrier) é aquecido em
de silicone.
lamparina de álcool e inserido até a entrada do canal
4. Controle longitudinal do material obturador: O ex-
radicular (Fig. 16.2-4H). O simultâneo movimento de
travasamento periapical, seja de cimento e/ou de
retirada remove toda a guta-percha cervical. Momen-
guta-percha, é indesejável sob vários aspectos. Do
taneamente, procede-se à compactação vertical com o
ponto de vista histológico da reparação, a sobreo-
respectivo compactador selecionado (Fig. 16.2-4I). É re-
bturação pode impedir o selamento biológico12,33.
comendado cobrir a ponta do compactador com pó do
Esse inconveniente é de difícil controle clínico em
cimento objetivando evitar adesão da guta-percha plas-
qualquer técnica de obturação.
tificada. Na sequência, com o condutor de calor remove-
se a guta-percha do segmento médio (Fig. 16.2-4J) com
Especificamente, na Técnica de Schilder, a compres- simultânea compactação vertical da massa amolecida
são hidráulica no segmento apical impulsiona cimen- (Fig. 16.2-4K). Nessa etapa pode ser obtida a obturação
to e guta-percha em todas as direções, resultando, na de canais laterais. Finalizando essa etapa, remove-se
maioria das vezes, em extrusão foraminal da massa ob- uma pequena porção da guta-percha apical, deixando
turadora. Como manobra compensatória é recomenda- um remanescente de 4 a 5mm (Fig. 16.2-4L), seguido da
do travar o cone principal a 1-2mm aquém do compri- sua pronta compactação (Fig. 16.2-4M). Nessa etapa é
mento de trabalho. A parada apical (ombro dentinário, importante obter tomada radiográfica para averiguar
parada apical ou batente apical), se corretamente exe- a qualidade da obturação e providenciar a necessária
cutada, atua mecanicamente como um anteparo para a correção. Caso se tenha planejado a cimentação de um
guta-percha e consequentemente reduz a sua extrusão retentor intrarradicular, a obturação está concluída.
no periápice.
Fase ápice-coroa (backfill)
Sequência técnica
Corresponde ao preenchimento dos segmentos
Em primeiro lugar, seleciona-se um conjunto médio e cervical no sentido ápice-coroa, podendo ser
de três compactadores verticais compatíveis com os realizada mediante introdução de pequenos segmen-
segmentos cervical, médio e apical do respectivo ca- tos de cones de guta-percha cortados (Fig. 16.2-4N).
nal radicular (Fig. 16.2-4C, D e E). Embora eles apre- Assim, após a plastificação da guta-percha apical com
sentem ranhuras padronizadas em sua parte ativa condutor de calor (Fig. 16.2-4O), cones de guta-percha
(Endoprime, Belo Horizonte, Brasil – Fig. 16.2-4B), é plastificados são inseridos próximos ao segmento api-
prudente delimitar com cursor de silicone a correta cal (Fig. 16.2-4P) e compactados verticalmente (Fig.
profundidade a ser alcançada com cada compactador. 16.2-4Q). Esses procedimentos são repetidos nos seg-
Em seguida, o cone de guta-percha principal deve mentos médio (Fig. 16.2-4R, S e T) e cervical (Fig. 16.2-
ser posicionado 1–2mm do comprimento de trabalho 4U, V, X e W), utilizando-se pedaços de guta-percha
(Fig. 16.2-4F), porque o material plástico se desloca progressivamente mais calibrosos, seguindo-se uma
no sentido apical durante a compactação vertical da radiografia final para avaliar a qualidade da obturação
guta-percha. (Fig. 16.2-4Y).
Na seleção do cone de guta-percha, a preferência Originariamente, se utilizava lamparina a álcool
é por aqueles com conicidade acentuada, geralmente como fonte geradora de calor. Com o aperfeiçoamen-
M ou FM7, seguido de tomada radiográfica (Fig. 16.2- to da técnica, como fonte geradora de calor podem ser
4G). Após secar o canal radicular, o segmento apical do utilizados aparelhos especiais, como o System B e o
cone é envolvido pelo cimento e em seguida inserido no Touch’N Heat. Ademais, a fase backfilling envolvendo a
canal radicular até a extensão planejada. Em canais ra- Fig. 16.2-4Y pode ser executada em sua plenitude pela
diculares irregulares, com seção reta transversal ovalar aplicação do Sistema Obtura II (Fig. 16.2-5A, B e C).
Obturação dos Canais Radiculares 675
A B C
D E F
G H I
Figura 16.2-4A. Canal radicular formatado. B. Compactadores verticais. C, D e E. Seleção dos compactadores nos segmentos cervical, mé-
dio e apical. F. Prova clínica do cone principal. G. Prova radiográfica do cone principal. H. Remoção da guta-percha no segmento cervical. I.
Compactação cervical da guta-percha. (Continua.)
676 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
J K L
M N O
P Q R
Figura 16.2-4J. Remoção da guta-percha no segmento médio. K. Compactação da guta-percha. L. Remoção da guta-percha no segmento
apical. M. Compactação da guta-percha. N. Radiografia para verificação da qualidade da obturação. O. Segmentos de guta-percha alfa.
P. Condutor de calor no segmento apical. Q. Inserção de segmento de guta-percha. R. Compactação da guta-percha. (Continua.)
Obturação dos Canais Radiculares 677
S T U
V X W
A B
Sequência técnica
1. Seleção clínica e comprovação radiográfica da
adaptação do cone de guta-percha principal no
comprimento de trabalho (CT) (Fig. 16.2-10A).
2. Na seleção da ponta do System B deve-se verificar
se a sua conicidade é compatível com a do cone es-
colhido. A ponta System B deve ser previamente se-
lecionada no nível de corte da guta-percha, ou seja,
de 5–7mm do CT (Fig. 16.2-10B). Esse ponto deve
ser demarcado com cursor do condutor/compacta-
dor.
3. Secagem, pincelamento de cimento obturador e po-
Figura 16.2-7. Pontas do System B. sicionamento do cone principal no canal radicular.
4. Aparelho ajustado para o modo Use e Touch, com
temperatura de 200ºC. Em sequência o aparelho é
acionado no Holder, e o condutor/compactador,
pré-aquecido, é direcionado através do cone de
guta-percha, exercendo-se uma compressão até
3-4mm aquém da posição de travamento apical
(Fig. 16.2-10C).
5. Libera-se o dispositivo acionador (Holder), manten-
do-se a compressão apical por 10 segundos, com o
objetivo de:
a) reduzir o efeito da contração volumétrica da gu-
ta-percha;
b) aumentar o embricamento do cimento endodôn-
tico às paredes dentinárias;
Figura 16.2-8. Touch’N Heat. c) maximizar a qualidade do selamento apical.
680 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
6. Previamente à remoção do condutor/compacta- mento acontece numa câmara portátil. Nesse sistema,
dor (Fig. 16.2-10D), deve-se acionar o Holder para a guta-percha apresenta três diferentes consistências
facilitar o seu desgarramento da guta-percha. Caso e são acondicionadas em cânulas. A Regular Set é
seja indicada confecção de espaço para retentor in- um material de baixa viscosidade que após injetada
trarradicular, a obturação está concluída (Fig. 16.2- no canal radicular leva em torno de 30 minutos para
10E). Nessa fase é recomendada a realização de solidificar. Na consistência Firme Set, a guta-percha
uma radiografia para verificação da qualidade da endurece aproximadamente em 4 minutos, embora
obturação. apresente viscosidade similar à Regular Set. A for-
7. Fase de preenchimento dos segmentos médio e mulação Endo Set apresenta alta viscosidade e baixo
cervical (fase backfill). Adapta-se a ponta da bomba escoamento. Cada cânula possui uma agulha de aço
Obtura II e aperta-se o gatilho para liberar gradual- inoxidável, no diâmetro de no 22 e com comprimento
mente a guta-percha (Fig. 16.2-10F). de 21mm. Estando o aquecedor preparado, o tempo
8. Compactação a frio com calcadores (Fig. 16.2-10G). de plastificação da guta-percha é de 3 minutos. Para
9. Novo incremento de guta-percha com a bomba Ob- facilitar a aplicação no canal radicular, a agulha pode
tura II (Fig. 16.2-10H). ser previamente encurvada.
10. Compactação a frio (Fig. 16.2-10I).
Sequência técnica do sistema Obtura II
Casos clínicos representativos da obturação de ca-
1. Ligar o aparelho e definir a temperatura de plasti-
nais radiculares pela técnica de onda contínua de com-
ficação (normalmente entre 150 e 200ºC). Colocar a
pactação são mostrados na Fig. 16.2-11A-F.
guta-percha na câmara de plastificação e aguardar 2
minutos.
Considerações importantes 2. Pré-encurvar a agulha de aplicação de modo a favo-
• Em canais curvos, a penetração dos calcadores até recer a sua inserção no canal radicular.
a profundidade desejada é mais difícil, sendo ne- 3. Teste de fluidez. Com a guta-percha plastificada,
cessária uma maior dilatação dos segmentos cervi- pressionar suavemente a pistola e dispensar uma
cal e médio, o que pode levar ao enfraquecimento pequena quantidade do material obturador.
radicular. 4. Aplicar uma camada de cimento endodôntico nas
• Em tratamento de dentes com maior comprimento paredes do canal radicular.
também haverá dificuldade na adaptação do condu- 5. Inserir a agulha no máximo 3 a 5mm aquém do
tor em níveis desejados, o que poderá inviabilizar a comprimento de trabalho. Apertando o gatilho do
utilização dessa técnica. aparelho, a guta-percha é injetada no canal radicu-
lar, gerando uma resistência que tende a deslocar
a agulha cervicalmente. A obturação pode ser re-
3. Técnica de Injeção de alizada gradualmente ou em incrementos, sendo a
Guta-Percha Termoplastificada guta-percha compactada com calcadores manuais
frios.
Apresenta-se como uma variação das técnicas de
guta-percha termoplastificada por meio de aparelhos
especiais, seguindo-se sua compactação a frio com ins-
Considerações importantes
trumentos manuais. Classicamente são representadas • Como em toda técnica de obturação por termoplas-
pelo Sistema Obtura II (Texceed Co, USA) e Ultrafil 3D tificação, o preparo apical deve ser o menor possível
(Hygienic Co, USA). para que se minimize a possibilidade de extravasa-
O Sistema Obtura II, considerado de alta tempe- mento de material obturador.
ratura, contém uma câmara onde a guta-percha em • Preferencialmente se opta pelas agulhas mais finas,
bastões é adicionada e plastificada em torno de 160ºC a fim de facilitar a inserção nos canais radiculares.
num intervalo de 2 minutos. A fluidez adquirida per- • Os calcadores devem ser embebidos em álcool ou
mite a sua aplicação no canal radicular por meio de com pó de cimento obturador na ponta, a fim de
uma pistola acoplada a agulhas de prata com diâme- evitar que a guta-percha adira ao instrumento e seja
tros nos 20, 23 e 25. removida do canal radicular.
Em contrapartida, o Sistema Ultrafill 3D plasti- • Em dentes longos a introdução da ponta da agulha
fica a guta-percha alfa em torno de 70ºC. O aqueci- próxima à região apical se torna inviável.
Obturação dos Canais Radiculares 681
A B C
D E F
G H I
Figura 16.2-10A. Adaptação do cone de guta-percha. B. Ponta do System B ajustada em nível de corte da guta-percha. C. Ponta do aparelho
introduzida aquecida até a 7mm do CT. D. Aquecimento por 2 segundos e remoção da ponta do System B. E. Segmento apical obturado. F.
Preenchimento dos segmentos médio e cervical (Backfill). G. Compactação a frio com calcadores. H. Novo incremento de guta-percha com
o Obtura II. I. Compactação a frio.
682 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
A B
C D
E F
Figura 16.2-11. Casos clínicos representativos da obturação pela técnica de onda contínua de compactação. A. Dente 25 com canal se-
cundário obturado. B. Dentes 43 e 44 obturados e com espaço remanescente para retentor intrarradicular. C e D. Ramificações obturadas e
controle de 36 meses no dente 48. E. Extensa reabsorção interna no dente 11. F. Controle de 12 meses. (Gentileza de Geraldo Weligton.)
Obturação dos Canais Radiculares 683
A B C
Figura 16.2-12A. Rizogênese incompleta do dente 21. B. Barreira apical com MTA. C. Obturação do canal radicular na mesma sessão com
o Sistema Obtura II.
684 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
dos radiográficos têm sido relatados com esse sistema de sua lenta remoção do canal radicular, com suave
(Mazzoti et al.24, 2008). pressão lateral. Todo esse procedimento é realizado
em não mais do que 10 segundos (Fig. 16.2-17C).
Vantagens 5. Compactação da massa obturadora na embocadura
do canal radicular, com calcadores de Schilder (Fig.
• Dispensa equipamentos especiais, proporcionando
16.2-17D), precedida de remoção de remanescentes
uma opção de baixo custo para quem deseja realizar
de guta-percha na câmara pulpar, se houver. Na
a obturação com a guta-percha termoplastificada.
sequência faz-se a limpeza da câmara pulpar como
• Possibilita a correção da obturação (Fig. 16.2-16A e descrita previamente, seguido de selamento coro-
B) quantas vezes se fizer necessária, evitando a re- nário.
moção de todo o material obturador15. 6. Radiografia final.
• É de rápida execução, com reduzido consumo de
material, e promove satisfatório selamento apical6. Posteriormente, Tagger et al.37 propuseram uma
modificação na técnica original, que consiste em reali-
Sequência técnica zar, logo após a utilização do termocompactador, novo
1. Prova do cone principal de guta-percha semelhante espaçamento lateral seguido da inserção de um ou dois
à técnica de compactação lateral. cones de guta-percha, reutilizando-se então o termo-
2. Aplicação do cimento obturador no canal radicular compactador com o objetivo de melhorar a densidade
seguindo-se a adaptação do cone principal também da obturação. Cabe salientar que essa manobra pode
envolto no cimento obturador. também ser utilizada na correção de outras técnicas de
3. Faz-se a compactação lateral do segmento apical, obturação, especialmente na eliminação de porosida-
utilizando-se dois ou três cones acessórios (Fig. des (Fig. 16.2-18A, B, C, D e E).
16.2-17A). É recomendada tomada radiográfica para
averiguar a homogeneidade e o limite apical da ob- Considerações
turação. 1. O compactador de aço inoxidável deve se ater à por-
4. Introdução do espaçador seguido de imediata in- ção reta do canal radicular.
serção do compactador no espaço estabelecido (Fig. 2. Preventivamente, conferir o sentido de rotação do
16.2-17B). O compactador deverá apresentar diâme- contra-ângulo, pois o compactador, em nenhuma
tro nominal igual ou superior ao respectivo cone hipótese, deve girar no sentido anti-horário. Pelo
principal, nunca menor. O compactador, acoplado a desenho da sua parte ativa, a rotação anti-horária
um contra-ângulo de baixa rotação, é inserido no ca- resulta na rápida remoção da guta-percha do ca-
nal radicular até o ponto onde encontra resistência nal radicular e no imediato avanço do mesmo em
e, então, retrocedido por cerca de 1mm e acionado sentido apical, com risco de travamento, perfura-
no sentido horário. Após 1 segundo, o compactador ção radicular, transpasse foraminal ou fratura do
é conduzido em sentido apical por 1 a 2mm, seguido instrumento.
A B
Figura 16.2-16A. Falha na obturação dos canais radiculares da raiz mesial do dente 37. B. Melhor homogeneidade após uso do termocom-
pactador. (Gentileza do Prof. Manoel Brito Jr.)
686 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
A B
C D
Figura 16.2-17A. Canal radicular com cones de guta-percha. B. Termocompactador nos segmentos médio e cervical. C. Termoplastificação
da guta-percha. D. Compactação vertical da guta-percha.
A B C
nos casos de retratamentos endodônticos. Posteriormen- sem a guta-percha, e durante o uso devem atingir o
te, a lima foi substituída por núcleos condutores plásti- comprimento. Portanto, são imprescindíveis na seleção
cos (carregadores) revestidos de guta-percha termoplas- do carregador Thermafil.
tificada em fornos específicos (Fig. 16.2-19A e B). A Técnica do Thermafil, que é bastante simples e
O carregador é recoberto por guta-percha na fase oferece resultados similares aos das demais técnicas de
alfa, possuindo um limitador de penetração de silico- guta-percha termoplastificada, consiste basicamente
ne e demarcações de 18, 19, 20, 22, 24, 27 e 29mm. São dos seguintes passos:
produzidos para corresponder às especificações dos
instrumentos endodônticos, inclusive no que tange ao 1. Um verificador, usualmente do diâmetro do último
código de cores. Podem ser encontrados nos diâmetros instrumento endodôntico usado no preparo apical,
de nos 20 a 140. Para certificar as dimensões do canal ou um imediatamente inferior é conduzido no canal
radicular preparado, em termos de limite apical e coni- até o CT.
cidade, introduziram no sistema os verificadores. Esses 2. Ajusta-se o limitador de silicone do carregador de
instrumentos correspondem ao respectivo carregador acordo com as demarcações existentes. O carrega-
688 Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Considerações
1. O carregador deve ser imediatamente aquecido em
fornos apropriados, que permitem maior controle
Figura 16.2-19B. Aquecedor de guta-percha Therma Prep Plus.
da temperatura para plastificação da guta-percha.
2. Deve-se deixar por 1 a 2mm o carregador protraindo
na câmara, o que facilita posteriormente se houver
necessidade de retratamento.
dor deve ser descontaminado por imersão em solu-
3. Após o aquecimento, o carregador deve ser ime-
ção de hipoclorito de sódio a 5,25% por 1 minuto,
diatamente inserido no canal, não permitindo que
seguindo-se um enxágue em álcool etílico a 70%.
resfrie.
3. Após a secagem é aplicada uma camada fina de ci-
4. A inserção do carregador deve ser feita sem rotação,
mento nos segmentos cervical e médio do canal ra-
pois pode remover a sua guta-percha14.
dicular. Os cimentos ideais para serem utilizados
nessa técnica são aqueles cuja presa não é demasia-
damente acelerada pelo calor. Os cimentos Therma-
6. Outros Sistemas de
Seal, AH26, Sealer 26, AH Plus e o Kerr Pulp Canal
Termoplastificação da
Sealer oferecem bons resultados com essa técnica.
4. Na plastificação do carregador Thermafil é ligado o
Guta-Percha
forno Therma Prep Plus 20 minutos antes do uso. Co- Objetivando simplificar a obturação do sistema de
loca-se o carregador no local indicado do aparelho. O canais radiculares pela guta-percha termoplastificada,
tempo para a correta plastificação variará em função do vários sistemas têm sido propostos. No sistema Suc-
diâmetro do carregador. Sabe-se que a guta-percha de- cessfil (Coltone/Whaledent, Inc., USA) a guta-percha
Obturação dos Canais Radiculares 689
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Capítulo 17
Retratamento
Endodôntico
691
692 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
nível na atualidade eficaz para eliminar o biofilme pe- Envolvimento microbiano – considerações a
rirradicular (se presente) é representada pela cirurgia respeito de situações especiais
perirradicular. Todavia, como a infecção perirradicular
apenas é diagnosticada após a remoção do espécime, o
Sobreobturação
profissional, antes de optar pela cirurgia, deve buscar Estudos indicam que o sucesso da terapia endo-
outras prováveis causas do insucesso endodôntico, as dôntica é reduzido em casos de sobreobturação32,33,118,122.
quais podem ser passíveis de solução pelo retratamen- A toxicidade dos materiais obturadores tem sido
to endodôntico não cirúrgico. considerada um fator importante nesse aspecto.
Poucas espécies bacterianas podem ser capazes Contudo, a grande maioria dos materiais utilizados
de sobreviver no interior dos tecidos perirradiculares, na obturação de canais radiculares é biocompatível
tornando-se, assim, responsáveis pela perpetuação de (como a guta-percha) ou apresenta citotoxicidade
uma lesão perirradicular. A sobrevivência nessa re- significativa apenas antes de endurecerem (cimentos
gião, onde as defesas do hospedeiro têm maior aces- endodônticos)7,126. Após o endurecimento do cimen-
so ao agente infeccioso, somente é possível para os to, com exceção daqueles contendo paraformaldeído
poucos micro-organismos dotados da capacidade de na composição, a citotoxicidade é reduzida de forma
evadir essas defesas. Entretanto, deve-se ter em men- significativa ou mesmo ausente. Dessa forma, é pou-
te que a infecção perirradicular não é uma ocorrência co provável que, na ausência de uma infecção conco-
comum. Assim, a principal causa de insucesso endo- mitante, esses materiais sejam capazes de induzir ou
dôntico é a persistência de uma infecção intrarradi- perpetuar uma lesão perirradicular quando extrava-
cular, independentemente de o canal aparentemente sados pelo forame apical.
estar tratado satisfatoriamente ou não55,56,83,93,94,116. Isso Tal afirmativa encontra respaldo no fato de que o
é atestado pelo fato de que cerca de 2/3 dos casos de índice de sucesso nas biopulpectomias, onde há ausên-
fracasso resultam em sucesso após o retratamento en- cia de infecção pulpar, é bastante elevado, mesmo nos
dodôntico clínico122. casos de sobreobturação. Obviamente isso não deve ser
Um outro aspecto importante em relação às infec- entendido como uma apologia da sobreobturação, uma
ções extrarradiculares e que assume extrema relevân- vez que complicações pós-operatórias, como flare-ups,
cia no entendimento de seu papel no fracasso da tera- podem advir mormente quando a quantidade de ma-
pia endodôntica se refere ao fato de que elas podem terial obturador extravasada for grande. Na verdade,
ser dependentes ou independentes da infecção intrarradi- tal constatação enfatiza a necessidade de se controlar
cular114. Na maioria das vezes, a infecção extrarradicu- e prevenir a infecção endodôntica para o sucesso da
lar é mantida pela infecção intrarradicular localizada terapia.
na parte mais apical do canal. Na verdade, o biofilme Depreende-se então que o fracasso associado às
extrarradicular observado em alguns casos é apenas a sobreobturações está relacionado com a presença de
região fronteiriça entre a infecção endodôntica e as de- uma infecção concomitante. Na maioria das vezes, ca-
fesas do hospedeiro. Essa fronteira está usualmente lo- nais sobreobturados não apresentam um selamento
calizada no interior do canal, em alguns casos atinge o apical satisfatório, o que permite que ocorra a perco-
forame apical e, em poucos, se estende para os tecidos lação de fluidos teciduais para o interior do sistema de
perirradiculares. canais radiculares, os quais, sendo ricos em proteínas
Nessa última situação, um biofilme perirradicu- e glicoproteínas, podem suprir substrato para micro-
lar pode ser observado, o qual é mantido pela infec- organismos residuais que sobreviveram aos efeitos
ção do canal na maioria das vezes. Já a infecção ex- dos procedimentos intracanais. Restabelecida a fonte
trarradicular, independentemente da intrarradicular, nutricional, tais micro-organismos podem proliferar e
é mais rara e talvez seja representada principalmente atingir números compatíveis com a indução ou manu-
pela actinomicose perirradicular, onde colônias coe- tenção de uma lesão perirradicular111.
sas de Actinomyces spp. ou de Propionibacterium pro- Uma outra situação comum em casos de sobreob-
pionicum podem ser encontradas no corpo da lesão turação e que pode justificar o fracasso do tratamento
sem aparente contato com a infecção do canal (se se refere ao fato de que, usualmente, a sobreinstrumen-
ainda existente). Contudo, se a actinomicose perirra- tação antecede a sobreobturação. Em casos de dentes
dicular realmente representa uma entidade indepen- despolpados, com necrose e infecção pulpar, tal evento
dentemente da infecção intrarradicular ainda precisa faz com que raspas de dentina infectadas sejam proje-
ser elucidado120. tadas para o interior da lesão perirradicular145. Nessa
Retratamento Endodôntico 695
situação, os micro-organismos são fisicamente protegi- técnicas: onda contínua de compactação (System B),
dos dos mecanismos de defesa do hospedeiro e têm o Thermafil e compactação lateral. Um número signi-
potencial de sobreviver no interior da lesão e, assim, ficativo de espécimes apresentava canais totalmente
perpetuá-la128. contaminados após 30 dias, independentemente da
técnica. Após 60 dias, 75% dos canais obturados pela
Selamento coronário técnica da onda contínua de compactação, 85% dos
Há até alguns anos, a grande maioria dos autores obturados com Thermafil e 90% dos obturados pela
estava concorde em afirmar que a obtenção de um sela- compactação lateral estavam totalmente contamina-
mento apical “hermético” era o principal fator relacio- dos. Não houve diferença estatisticamente significan-
nado com o sucesso da terapia endodôntica. Todavia, te entre as três técnicas.
para Saunders e Saunders98 um selamento coronário A exposição da obturação do canal à saliva pode
adequado também exerce extrema relevância no resul- ocorrer nas seguintes situações clínicas: (a) perda do
tado do tratamento endodôntico. selador temporário ou da restauração coronária defini-
Se irritantes presentes na saliva, como bactérias, tiva; (b) microinfiltração através do selador temporário
produtos bacterianos, componentes da dieta e subs- ou da restauração coronária definitiva; (c) desenvolvi-
tâncias químicas, contatam os tecidos perirradiculares, mento de cárie secundária ou recidivante; (d) fratura
eles podem se tornar inflamados. Canais obturados do material restaurador e/ou da estrutura dentária.
expostos diretamente à saliva podem se tornar rapi- Após a obturação do canal radicular, um selador
damente recontaminados, graças à solubilização do ci- coronário provisório é aplicado, até a realização do tra-
mento endodôntico e à permeabilidade da obturação. tamento restaurador definitivo. Devido à solubilidade
Khayat et al.49 avaliaram in vitro o tempo necessário à saliva e à baixa resistência mecânica à compressão
para os canais obturados por duas técnicas se torna- dos materiais seladores temporários, o selamento pro-
rem recontaminados após exposição à saliva. Eles ve- visório não deve permanecer por um período longo
rificaram que, quando a técnica de compactação late- (como o próprio nome diz – é provisório). Assim, após a
ral foi empregada, a total recontaminação do canal foi conclusão do tratamento endodôntico, deve ser execu-
observada, em média, em 29 dias, variando entre 8 e tada o mais rapidamente possível a restauração defini-
48 dias. Canais obturados pela técnica de compactação tiva ou o preenchimento da cavidade coronária (núcleo
vertical foram recontaminados entre 4 e 46 dias, com de preenchimento) do elemento dentário.
uma média de 25 dias. Torabinejad et al.135 utilizaram A solubilização do cimento endodôntico e a con-
culturas de bactérias para avaliar a recontaminação do sequente permeabilidade da obturação do canal pela
canal. Eles verificaram que canais obturados expostos saliva permite a comunicação entre irritantes da cavi-
coronariamente a uma cultura de Staphylococcus epider- dade oral e os tecidos perirradiculares via forame api-
midis se tornaram recontaminados, em média, em 24 cal ou ramificações. Nessas condições, o tratamento
dias, enquanto aqueles expostos a Proteus vulgaris, em endodôntico, mesmo adequadamente executado, pode
49 dias. Estudo de Behrend et al.10, examinando o efei- resultar em fracasso.
to da remoção da smear layer na penetração coronária Como, clinicamente, ainda é impossível determi-
de P. vulgaris, relatou que a frequência da penetração nar se a comunicação entre a saliva e os tecidos perirra-
bacteriana em 21 dias foi significativamente maior em diculares ocorreu, parece contraindicada a restauração
dentes obturados com a smear layer intacta (70%) do dentária definitiva de um dente cujo canal tenha per-
que naqueles onde esta camada de detritos foi remo- manecido exposto à cavidade oral por um curto perío-
vida (30%). do de tempo.
Siqueira et al.109 compararam o selamento do ca- Estudos clínicos têm revelado que a qualidade do
nal radicular sem selamento coronário proporcionado selamento coronário promovido pela restauração da
por dois cimentos endodônticos contendo hidróxido coroa dentária pode estar relacionada com o sucesso
de cálcio, Sealer 26 e o Sealapex. Foi demonstrado da terapia endodôntica. Ray e Trope91 chegaram a afir-
que, após 90 dias de exposição à saliva, 45% e 80% mar que a qualidade da restauração coronária foi signi-
dos canais obturados onde se empregaram o Sealer ficativamente mais importante para o sucesso a longo
26 e o Sealapex, respectivamente, tornaram-se total- prazo do tratamento endodôntico do que propriamen-
mente recontaminados. Em outro estudo, Siqueira et te a qualidade da obturação do canal. Embora tenham
al.110 avaliaram a infiltração via coronária de micro- alertado para essa questão importante, tal afirmativa
organismos da saliva em canais obturados por três não foi respaldada por outros estudos.
696 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Tronstad et al.137 revelaram que o maior índice processada e examinada por microscopia óptica e ele-
de sucesso do tratamento endodôntico (81%) ocorreu trônica, sendo diagnosticada como cisto perirradicular.
quando da associação adequado tratamento endodôntico/ Um grande número de cristais de colesterol foi obser-
adequada restauração coronária. Quando o tratamento vado no tecido conjuntivo, circundando o revestimento
endodôntico foi bem executado, mas a restauração co- epitelial da loja cística. Uma vez que micro-organismos
ronária estava ruim, o índice de sucesso caiu para 71% não foram detectados, esses autores atribuíram a causa
dos casos. Por sua vez, quando a qualidade do trata- da persistência da lesão ao desenvolvimento de uma
mento endodôntico foi ruim, o índice de sucesso caiu reação de corpo estranho aos cristais de colesterol.
drasticamente, independentemente de a qualidade da Tais cristais podem se originar da precipitação do
restauração coronária estar adequada (56% de sucesso) colesterol liberado por eritrócitos, linfócitos, plasmóci-
ou não (57% de sucesso). Assim, se o tratamento en- tos e macrófagos, em estado de desintegração na lesão,
dodôntico foi inadequado, a qualidade da restauração ou por lipídios circulantes. Eles também podem evocar
coronária não influenciou o índice de sucesso. uma reação de corpo estranho, sendo então circunda-
Siqueira et al.118 avaliaram a prevalência de lesões dos por células gigantes multinucleadas82. É possível
perirradiculares em 2.051 dentes com canais tratados que essas células sejam incapazes de eliminar os cris-
de uma população brasileira. Casos com tratamento tais, que continuariam a se acumular, perpetuando a
endodôntico e restauração coronária adequados apre- lesão perirradicular.
sentaram um índice de sucesso de 71%. Tal índice caiu Tem sido sugerido que o epitélio cístico pode
para 65% em casos de adequado tratamento e restaura- ser o responsável pela ausência de reparo da lesão
ção inadequada e para 48% quando o tratamento esta- pós-tratamento endodôntico, principalmente em ca-
va adequado, mas com restauração coronária ausente. sos de cistos perirradiculares verdadeiros, nos quais
Dentes com tratamento endodôntico inadequado tive- a loja cística não se comunica com o canal radicular.
ram índices de sucesso de 38%, 25% e 18% quando a Todavia, estudos revelam que cistos perirradiculares
restauração coronária estava adequada, inadequada podem ser curados após tratamento endodôntico não
ou ausente. Assim, quando o tratamento endodôntico cirúrgico57,78,79,134. Ademais, alguns cistos podem se tor-
estava adequado, a qualidade da restauração não afe- nar infectados, mormente quando a cavidade cística
tou os resultados, exceto quando ela estava ausente e a apresenta comunicação direta com a infecção do canal
obturação do canal completamente exposta à cavidade via forame apical (cisto em bolsa ou cisto baía). No in-
oral. Por sua vez, a qualidade da restauração coronária terior da cavidade, micro-organismos que egressam do
afetou significativamente o resultado dos dentes com canal são combatidos por moléculas de defesa (anti-
tratamento endodôntico inadequado. corpos e componentes do sistema complemento) e por
Levando-se em consideração que nenhuma técni- neutrófilos polimorfonucleares, únicas células capazes
ca de obturação ou material obturador disponível na de atravessar o revestimento epitelial e adentrar a loja
atualidade apresentam eficácia em promover um bom cística. Devido às características morfológicas da cavi-
selamento coronário, o ingresso de micro-organismos dade cística, o combate à infecção pode não ser eficaz, e
da saliva em um canal obturado só pode ser prevenido a persistência de micro-organismos e de seus produtos
por uma adequada restauração coronária. Entretanto, pode ser a causa verdadeira do fracasso, também ca-
apenas uma adequada restauração coronária não re- racterizando uma infecção extrarradicular111,112.
presenta garantia de sucesso se o tratamento endodôn- Além dos fatores intrínsecos, também os extrín-
tico não estiver correto92,118,137. secos têm sido propostos como causa de fracasso en-
dodôntico. Alguns materiais obturadores contendo
substâncias insolúveis e irritantes, como o talco conta-
Fatores não microbianos minando cones de guta-percha, quando extravasados
Embora fatores microbianos sejam citados como para os tecidos perirradiculares, podem evocar uma
a causa primária de fracasso da terapia endodôntica, reação de corpo estranho neles, o que perpetuará ou
relatos sugerem que alguns poucos casos podem estar possivelmente induzirá uma lesão perirradicular, le-
relacionados com a reação de corpo estranho a mate- vando o tratamento endodôntico ao fracasso80. A ce-
riais endodônticos ou com fatores intrínsecos, como o lulose, presente em cones de papel, no algodão e em
acúmulo de produtos de degeneração tecidual. Nair et alguns alimentos, também pode ser a causa de insu-
al.81 relataram um caso clínico de lesão refratária à te- cesso endodôntico se, por algum motivo, contatar os
rapia endodôntica. A lesão removida por cirurgia foi tecidos perirradiculares50,111. Uma vez que nossas célu-
Retratamento Endodôntico 697
las não produzem celulase, a enzima que degrada esse níveis suficientes que sejam compatíveis com a repara-
carboidrato, ele permanecerá nos tecidos, evocando ção completa119.
uma reação de corpo estranho. O uso de cones de papel Quanto ao tempo de prosservação, os valores ci-
absorvente além do comprimento do canal radicular, tados na literatura consultada são conflitantes, varian-
pode deixar fragmentos de celulose nos tecidos perir- do de 6 meses a 10 anos11,122,130.
radiculares. Em nossa opinião, o emprego intracanal Para Friedman35, a maioria dos casos de dentes
de algodão, independentemente da razão alegada, é tratados endodonticamente é curada após 1 a 2 anos,
totalmente desnecessário e contraindicado. Alimentos com alguns podendo levar até 4 anos. Se após esse pe-
à base de celulose podem adentrar o canal nos casos ríodo a lesão ainda persistir sem sinais de redução nos
em que ele é deixado aberto para drenagem ou quando últimos controles radiográficos, deve ser considerado o
o selamento temporário é perdido. Obviamente, tais caso como um fracasso.
alimentos também carrearão micro-organismos para o A Sociedade Europeia de Endodontia determi-
canal radicular. Deixar o dente aberto para drenagem nou que a radiografia de controle deve ser tirada pelo
já era considerado um procedimento antiquado e sem menos após 1 ano do tratamento endodôntico. Para
suporte científico sólido no início do século passado140. controles subsequentes, em caso necessário, até 4 anos,
Cumpre salientar que, embora haja suposições quando o tratamento é definitivamente considerado
quanto ao envolvimento de fatores não microbianos como sucesso ou fracasso26.
no fracasso endodôntico e até tentativas de explicação, A validade do critério clínico e radiográfico utili-
não há fortes evidências científicas nesse sentido. Em zado na avaliação do índice de sucesso ou de fracasso
todos os casos relatados é difícil excluir a possibilida- do tratamento endodôntico é questionada por diver-
de de infecção concomitante aos supostos fatores não sos autores. Os critérios para a avaliação clínica são
microbianos. No momento, acredita-se que todos os frequentemente mal-entendidos, mal-empregados ou
casos de fracasso devido à perpetuação de uma lesão mal-interpretados. Isso pode até acontecer com o mes-
perirradicular sejam causados por micro-organismos mo dente e o mesmo profissional em duas ocasiões
presentes no canal ou nos tecidos perirradiculares. distintas. Fatores relacionados com o paciente, seleção
do caso e interpretação do observador podem alterar
de modo significativo as percepções do sucesso e do
AVALIAÇÃO DO SUCESSO DA TERAPIA
fracasso. A ausência de sintomas clínicos não serve de
ENDODÔNTICA parâmetro para determinar o sucesso ou o fracasso de
No que tange às avaliações de sucesso ou fra- um tratamento endodôntico sem a integração de ou-
casso realizadas por vários autores, podemos afir- tros fatores39.
mar que elas divergem consideravelmente, talvez Para que dados radiográficos obtidos na ocasião
em razão da variação dos critérios empregados pelos do tratamento endodôntico sejam comparados com os
pesquisadores39,75,122. obtidos nas avaliações subsequentes, todas as radio-
Ao longo dos anos diversos critérios têm sido uti- grafias devem ser de boa qualidade e com o mínimo de
lizados para o estabelecimento do índice de sucesso distorção. As angulações verticais e horizontais devem
do tratamento endodôntico. Porém, é comum entre os ser constantes e fornecer uma representação mais pró-
autores considerar os aspectos clínicos e radiográficos, xima possível da verdadeira anatomia radicular e da
assim como o tempo de controle (prosservação), como configuração do canal. O exame de controle clínico e
critérios de avaliação do índice de sucesso e fracasso radiográfico é difícil de ser concretizado devido à relu-
do tratamento endodôntico. tância do paciente em encontrar tempo para a sua reali-
A Sociedade Europeia de Endodontia em 1994 zação quando o dente está bem clinicamente. A comu-
considerou que as ausências de dor, tumefação e ou- nicação e a formação da importância do controle pós-
tros sintomas; assim como a ausência de fístula, da tratamento endodôntico ao paciente são fundamentais
perda de função e de evidência radiográfica de espaço para a obtenção de maiores percentuais de avaliação
do ligamento periodontal normal são indicativos de do tratamento endodôntico a longo prazo.
sucesso. Se a radiografia revela que a lesão permane- Um dente, aparentemente normal com relação ao
ce com a mesma dimensão ou diminui de tamanho, o critério clínico e radiográfico, pode apresentar altera-
tratamento não é considerado um sucesso26. Nos casos ções patológicas nos tecidos perirradiculares.
onde ocorre a redução do tamanho da lesão perirradi- Na prática diária, a interpretação e a avaliação
cular significa que a infecção diminuiu, mas não aos dos resultados obtidos pelo controle clínico e radiográ-
698 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Antes da indicação do retratamento endodôntico
convencional ou da cirurgia perirradicular devemos
descartar a possibilidade de dor:
A
Figura 17-3. Retratamento endodôntico. Indicação. Obturação ex- Figura 17-4. Retratamento endodôntico. Indicação. Presença de
posta ao meio oral. rarefação óssea em área perirradicular previamente inexistente.
700 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Outra maneira de se remover a restauração é re- um discreto movimento de alavanca entre a estrutura
alizar o seu seccionamento com broca, no sentido do dentária e a coroa, esta é facilmente deslocada e, pos-
menor diâmetro, até atingir o cimento e/ou a estrutura teriormente, utilizada para a confecção da coroa pro-
dentária. A seguir, um instrumento metálico rígido é visória.
introduzido no traço da seção e, com movimento dis-
creto de alavanca, conseguimos o deslocamento dos Remoção por ultrassom
fragmentos (Fig. 17-5A e B). As restaurações coronárias complexas metálicas
Na remoção de material cerâmico são emprega- podem ser removidas pelo emprego de ultrassom. En-
das brocas diamantadas. Nas coroas metalocerâmicas, tre os diversos tipos de aparelhos, podem ser citados o
primeiramente, a cerâmica será seccionada com broca ENAC (Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Co-
diamantada e, a seguir, secciona-se o metal com brocas mercial Ltda, Ribeirão Preto, SP), que apresentam boa
carbide. eficiência e simplicidade de emprego. Esses aparelhos
Em função da estética, principalmente em dentes vêm acompanhados de uma ponta especial ST 09, posi-
anteriores, pode-se desgastar a coroa pelo lado palati- cionada junto às diferentes faces da restauração. Com a
no ou lingual, contornando o preparo até liberá-la, sem aplicação da vibração ultrassônica ocorre a fragmenta-
prejudicar sua face vestibular. Após o desgaste, com ção do cimento, podendo, a seguir, a restauração ser re-
Figura 17-5. Remoção da restauração coronária por desgaste. A. Seccionamento com broca. B. Deslocamento com um instrumento metá-
lico rígido. Restauração removida.
702 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Coroa protética
A remoção da coroa protética tem como objetivo
principal a visualização do núcleo, devendo ser reali-
zada de acordo com os preceitos já mencionados.
Núcleo
Sendo de resina composta ou de ionômero de
vidro, deve ser desgastado até a liberação da por-
ção extrarradicular do pino. Geralmente, essa porção
apresenta a forma cilíndrica e não é ideal para a apre-
ensão do aparelho de tração. O desgaste vestibular e
palatino, conferindo superfícies planas e paralelas, fa-
A B
cilitará sua apreensão e aumentará a estabilidade do
aparelho de tração.
Figura 17-11. Remoção por tração. Dispositivos especiais. A. Alica- Sendo o núcleo fundido, com o uso de brocas car-
te saca-pinos. B. Pequeno gigante. bide cilíndricas e troncocônicas de alta rotação, trans-
formamos sua forma cônica em retangular. Sua espes-
observaremos a viabilidade do retratamento endodôn- sura mesiodistal não pode ser superior a 2mm, visto
tico e, principalmente, o tipo de retentor instalado e o que a abertura dos batentes solidários dos aparelhos de
posicionamento do pino intrarradicular. tração estudados é de 2,5mm (Fig. 17-12).
Procedimentos operatórios
Abordaremos, a seguir, os procedimentos que
visam à remoção da coroa protética e ao preparo do
núcleo e topo radicular com o propósito de criar condi-
ções seguras para a remoção do pino por tração. A não
observação criteriosa dos procedimentos desses tópi-
cos poderá provocar a fratura radicular60,61. Figura 17-12. Núcleo fundido. Desgaste correto.
706 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Figura 17-13. Núcleo fundido. Desgaste incorreto. Figura 17-14. Dimensão do pino metálico na embocadura do ca-
nal superior a 2mm. Procedimentos operatórios.
Os batentes solidários não devem se apoiar na atuariam como cunhas e provocariam a fratura radicu-
estrutura metálica do estojo ou do pino (desgaste in- lar. Temos, então, a necessidade de criar sobre o topo
correto do núcleo), pois se ocorrer, as forças do batente um anteparo estável (arruela metálica), para receber o
e a de reação da estrutura metálica se anulariam, não apoio dos batentes (Fig. 17-14).
havendo carregamento (remoção) do pino (Fig. 17-13).
Essa mesma situação pode ocorrer quando o pino, na Topo radicular
embocadura do canal, apresentar dimensão superior a Para a remoção de um retentor intrarradicular, o
2mm. Nesses casos, com o auxílio de brocas FG esféri- topo radicular deve possuir um plano mesiodistal ri-
cas nos 1 e 2, nós o desgastamos em toda a sua circunfe- gorosamente perpendicular ao eixo do pino, condição
rência, com uma profundidade de 1 a 2mm em sentido essa que pode ser obtida pelo desgaste das estruturas
apical, criando um espaço necessário ao seu desloca- dentárias remanescentes (Fig. 17-15A e B) ou artificial-
mento. Nessa situação, os batentes dos instrumentos mente nos casos de desnivelamento do topo radicular.
de tração, aplicados diretamente ao topo radicular, Nesses casos, um plano perpendicular ao eixo do pino
é obtido pela reconstituição do topo radicular com re- e rigorosamente perpendicular ao eixo do pino. Com
sinas compostas e/ou arruelas metálicas (anteparo me- instrumentos adequados, a resina é acomodada e re-
tálico). Em determinados casos, nos quais se obtém um movidos seus excessos.
sistema estável com a aplicação da arruela, a utilização Após o endurecimento da resina composta, o ex-
da resina pode ser dispensada. cesso da cera ou vaselina usada como alívio é também
Geralmente usamos resina composta e arruelas removido, ficando o pino e o topo radicular preparados
metálicas (arruelas de parafuso), de 5 a 10mm de diâ- corretamente para a adaptação e aplicação do aparelho
metro e de 0,5 a 1mm de espessura. Quando necessá- de tração usado na remoção do retentor intrarradicular
rio, realizamos desgastes em suas bordas para melhor (Fig. 17-17A e B).
adaptação às faces proximais dos topos radiculares Outra maneira de se restabelecer a superfície pla-
(Fig. 17-16). na é por meio de uma peça metálica fundida. Após
Após isolamento relativo, a parte extrarradicu- os procedimentos convencionais de moldagem e fun-
lar do pino é coberta com uma fina camada de cera dição, a peça será adaptada e não cimentada no topo
ou mesmo vaselina, que serve de área de escape ou radicular60,61.
alívio. A seguir, o topo radicular é coberto com uma
camada de resina composta (b) e, imediatamente, a Remoção do pino
arruela metálica (a) selecionada é justaposta antes da
Alicate saca-pinos
polimerização da resina, procurando criar-se, com li-
geira pressão em sentido apical, uma superfície plana Após preparo do pino e do topo radicular, o ali-
cate seguro pela mão direita (operador destro) será
aplicado e posicionado. As mandíbulas do bico (m e
m1) seguram o pino, devendo ficar juntamente com os
batentes solidários (n e n1), apoiados e adaptados no
topo radicular.
O próximo procedimento será levar a mão esquer-
da por baixo da direita, tendo para o maxilar o dedo po-
legar e para a mandíbula o indicador da mão esquerda,
apoiado na extremidade da alavanca de acionamento
(A). Com o sistema imóvel, aplicamos na alavanca uma
força. Através da dinâmica de funcionamento do alicate
saca-pinos (ação do CAME sobre a borda côncava da
saliência lateral) surgem forças iguais e com sentidos
Figura 17-16. Arruelas metálicas. contrários: a força T aplicada ao pino pelo bico do ali-
cate e as de reação R1 e R2, no topo radicular exercidas Como limitação desse aparelho podemos mencio-
pelos batentes solidários do aparelho. Com o aumento nar que o seu emprego é inviável na remoção de pinos
gradual da força T chega-se à tensão máxima de ruptu- intrarradiculares de molares, em função da forma geo-
ra do material cimentante do pino, ocorrendo assim a métrica do núcleo e do acesso a ele (Fig. 17-19A a C).
sua remoção do canal radicular. Nesse sistema as ten-
sões criadas são do tipo normal (trativa) no pino e cisa-
“Pequeno gigante”
lhante na interface do pino-parede dentinária do canal
radicular (Fig. 17-18A e B). O funcionamento mecânico desse aparelho é se-
Nesse aparelho, a força de tração que atua no pino melhante ao do alicate saca-pinos.
é cerca de 30 vezes maior que a aplicada na alavanca. Esse aparelho apresenta várias limitações:
É preciso ressaltar que, após o posicionamento do
aparelho, ele deve permanecer imóvel, pois qualquer • após posicionado, devido ao seu mecanismo de fun-
esforço (carregamento) inadvertidamente introduzido cionamento, poderá o profissional introduzir esfor-
pelo profissional ao sistema poderá causar danos à es- ços laterais no aparelho, que certamente causarão
trutura dentária. fraturas do dente;
A B
A B C
Considerações mecânicas
Como mencionamos, normalmente os instrumen-
tos usados na remoção por tração de pinos intrarradi-
culares são o alicate saca-pinos e o pequeno gigante. De
um modo geral, apresentam mandíbulas, que fazem
a apreensão da porção extrarradicular do pino e uma Figura 17-20. Topo radicular. Superfície irregular e não plana
peça móvel com dois batentes que, por construção, se ao pino.
solidarizam e se deslocam segundo um mesmo plano
até atingir as bordas proximais do topo radicular60,61.
As ondas de ultrassom podem ser geradas por
Os esforços envolvidos na remoção do pino são
um transdutor acústico, dispositivo que converte ener-
a força T (tração), aplicada ao pino pelas mandíbulas,
gia elétrica, térmica, magnética ou de outras formas em
e as forças de reação R1 e R2, exercidas pelos batentes
energia acústica (energia mecânica)13,53. Nos aparelhos
sobre as bordas proximais do topo radicular. Esse sis-
usados em Odontologia, a geração de ondas ultrassô-
tema de forças é o ideal, quando R1 for igual a R2, e só
nicas é obtida por meio do efeito piezoelétrico reverso,
acontece se o topo for uma superfície plana e rigorosa-
que transforma energia elétrica em energia mecânica.
mente perpendicular ao eixo do pino.
Durante essa conversão, praticamente não há dissipa-
Caso essa superfície não seja plana, ao eixo do
ção de energia sob a forma de calor.
pino, somente um dos batentes encosta no topo, e uma
Os retentores intrarradiculares podem ser remo-
das forças de reação (R1 por exemplo) desaparece. As-
vidos por meio do emprego de ultrassom. Dentre os
sim, o sistema fica com as forças T e R2, de iguais valo-
diversos tipos de aparelhos de ultrassom, o ENAC
res, mesma direção, sentidos opostos e afastadas entre
(Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Comercial
si da distância L. Aparece, em consequência, um con-
Ltda., Ribeirão Preto, SP) apresentam boa eficiência e
jugado (binário) de valor M = T × L, que tende a fletir
simplicidade de emprego. Esses aparelhos vêm acom-
o pino. O sistema é equilibrado por outro conjugado
panhados de uma ponta ST 09, usada na remoção de
(binário) M1= N × d, sendo N o valor da força de resis-
retentores intrarradiculares. Com a aplicação da vi-
tência da raiz dentária e d o comprimento do pino no
bração ultrassônica ocorrem impactos mecânicos na
interior da raiz dentária. O pino ao fletir no interior do
porção extrarradicular do retentor, provocando a frag-
canal radicular pode provocar a fratura das raízes den-
mentação do cimento que une o pino metálico à parede
tárias, inviabilizando o retratamento (Fig. 17-20).
do canal radicular, podendo ele, a seguir, ser retirado
facilmente por tração simples.
Remoção por ultrassom A ligação do cimento pode romper na interface
Ultrassom é o nome atribuído às ondas acústicas cimento-pino ou na interface cimento-dentina.
de frequência maior que aquelas perceptíveis pelo ou- Após a remoção da coroa dentária, alguns proce-
vido humano. O menor limite de frequência de ondas dimentos clínicos devem ser executados no núcleo com
ultrassônicas é de aproximadamente 16.000Hz. o objetivo de favorecer a remoção do pino intrarradi-
710 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
cular. Assim, com o auxílio de instrumentos rotatórios seguro que evita as perfurações e minimiza os riscos
podemos desgastar proporcionalmente as faces do nú- de fraturas. É indicado para todas as situações clínicas,
cleo para que ele fique com o diâmetro igual ao do pino principalmente para retentores em dentes posteriores e
junto à embocadura do canal radicular. O desgaste ves- em dentes com estruturas dentárias enfraquecidas.
tibular e palatino, conferindo superfícies planas e para- Deve ser empregado com água para evitar o su-
lelas, facilitará o posicionamento da ponta vibradora. peraquecimento do retentor durante o período de vi-
Podemos também, com o auxílio de uma broca LN bração. Um superaquecimento pode conduzir calor ao
205 (Maillefer) de baixa rotação, realizar uma canaleta ligamento periodontal por meio da dentina. A elevação
ou sulco, no sentido apical, entre o pino e a parede do da temperatura em algum ponto da superfície radicu-
canal radicular. Esse procedimento é de grande valia, lar pode ser responsável por uma imediata ou futura
principalmente, na remoção de pinos cimentados com injúria no periodonto.
cimentos resinosos (Fig. 17-21A e B). A fratura radicular, embora com baixa incidência,
Em algumas situações, onde a liga metálica em- é outra causa de preocupação quando se emprega a
pregada na confecção do retentor não apresenta resis- vibração ultrassônica na remoção de retentores intrar-
tência ao desgaste (dureza), podemos prender o pino radiculares de dente com paredes dentinárias igual ou
com uma pinça hemostática e nela aplicar a ponta ge- menor do que 1mm. Nesses casos, a tensão criada du-
radora da energia mecânica. rante a vibração pode ultrapassar o limite de resistên-
Nos dentes multirradiculares, o núcleo deve ser cia à fratura da dentina.
dividido em duas partes e as porções coronárias des- Nos casos de retentores fraturados no interior do
gastadas em toda a sua circunferência. Para esses pro- canal devemos, com brocas LN 205, realizar um des-
cedimentos empregamos brocas carbide cilíndricas, gaste da estrutura dentária, contornando a ponta cer-
cônicas e esféricas de alta rotação, estandardizadas ou vical do pino. A seguir, aplicamos a vibração ultrassô-
de haste longa. Brocas especiais produzidas pela Mail- nica, utilizando uma ponta periodontal. A fratura do
lefer, como as Transmetal FG-153 (cilíndrica) e 154 (for- pino ocorre na porção cervical da raiz ou logo abaixo
ma de pera), também são indicadas. (Fig. 17-23A a C).
Para os dentes posteriores superiores, o corte no O tempo gasto na remoção de pinos intrarradicu-
núcleo é feito no sentido mesiodistal, separando a par- lares por ultrassom, além da experiência profissional,
te vestibular da palatina e, nos posteriores inferiores, depende de vários fatores, tais como:
no sentido vestibulolingual, separando a parte distal
da mesial. É importante não danificar as paredes den- • comprimento, diâmetro, forma e adaptação do pino
tárias, principalmente o assoalho da câmara coronária. no interior do canal radicular;
Após o procedimento realizado aplicamos a pon- • natureza do cimento utilizado e resistência da inter-
ta vibradora ST 09 sucessivamente em diferentes áreas face cimento-canal.
das faces do núcleo (Fig. 17-22A a D).
O emprego do ultrassom na remoção de retentores A remoção de retentores intrarradiculares ci-
intrarradiculares é um método conservador, eficiente e mentados com cimentos resinosos ou com cimentos
A B
Figura 17-21. Retentores intrarradiculares. Remoção por ultrassom. A. Procedimentos operatórios. B. Aplicação da ponta vibradora.
Retratamento Endodôntico 711
A B
C D
A B
adesivos dentinários é extremamente difícil e as vezes o campo de trabalho. A seguir, com pequenos toques
impossível de ser obtida independentemente do proce- laterais, procuramos deslocar o pino intrarradicular.
dimento empregado. Em função da anatomia radicular, os sulcos devem ser
Lopes et al.63 analisaram o tempo despendido na direcionados no pino intrarradicular.
remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilín- É importante ressaltar que, enquanto os métodos
drica, com diâmetro de 1,4mm, tendo 11mm de com- de tração e ultrassom, basicamente, são conservadores,
primento intrarradicular e 8mm de segmento extrarra- o de desgaste é mutilante e promove acentuada perda
dicular, cimentados com cimento fosfato de zinco, atra- de estrutura dentária (Fig. 17-24).
vés da tração (alicate saca-pinos) e ultrassom (ENAC). Lopes et al.64 analisaram o volume do desgaste
Os resultados revelaram que ambos os métodos são provocado pela remoção de pinos intrarradiculares,
eficientes, porém com acentuada disparidade no tem- por meio de brocas movidas por aparelhos de baixa e
po consumido, ou seja, tempo médio, alicate saca-pinos, alta rotação. Os resultados revelaram que a variação
2 segundos e 50 centésimos de segundo, ENAC mo- entre o volume do espaço, antes e após a remoção do
delo OE7, 15 minutos, 33 segundos e 5 centésimos de pino, com broca em aparelho de baixa e alta rotação, é
segundo. Observaram também que a força média de de 324% e 96%, respectivamente. Concluíram que:
tração empregada na remoção dos pinos, quando testa-
dos na Máquina de Ensaio Universal – INSTRON, era – a remoção de pinos intrarradiculares por desgaste
de 26,40kgf. promove perda exagerada de estrutura dentária;
Finalizando, podemos afirmar que, mecanica- – o uso de brocas em micromotor de baixa rotação
mente, o ultrassom é um método seguro e eficiente na desgasta as estruturas dentárias 104% a mais do que
remoção de pinos intrarradiculares. Entretanto, a pon- as montadas em aparelho de alta rotação.
ta vibradora não deve entrar em contato direto com a
estrutura dentária por tempo prolongado, devido ao Para Lopes et al.64, a justificativa físico-mecânica
desconhecimento do potencial de injúrias que pode ser para esses resultados pode ser atribuída à diferença
causado aos tecidos de sustentação do dente85. das forças impostas pelo profissional na broca, durante
a remoção do pino por desgaste, com instrumento de
alta ou baixa rotação. Se empregada baixa velocidade,
Remoção por desgaste
a força imposta na broca terá que ser maior, tendendo
Tylman e Malone139 declaram que os pinos metá- a aumentar, à medida que a velocidade diminui. Com
licos podem ser removidos por desgaste, por meio dos isso se torna difícil mantê-la em contato permanente
movimentos de rotação das brocas. Isso, porém, pode
levar a problemas de enfraquecimento da raiz e até a
perfurações.
Para a remoção de pinos intrarradiculares metá-
licos por desgaste podemos usar brocas de diferentes
formas e diâmetros. Todavia, podemos indicar as bro-
cas: Transmetal 153 e 154 – Maillefer; FG 2SU de 25mm
– Meisinger; LN 205 – Maillefer; e brocas de aço com
wídia de 28mm, que são extremamente eficientes no
desgaste de metais. Nessa técnica desgastamos total-
mente o metal, procurando manter a broca em contato
com o pino sem atingir a estrutura dentária. Quanto
maior o comprimento do pino, maior será a dificulda-
de em removê-lo.
Outra maneira é usar a broca LN 205 para criar
sulcos ao longo do pino. É importante que a broca siga
a parede do pino metálico e sua interface, imprimindo-
lhe toques rápidos, para evitar grande destruição da
estrutura dentária. É absolutamente necessário elimi-
nar constantemente as raspas de dentina e metal por Figura 17-24. Retentores fraturados no interior do canal radicular.
jatos de ar, com o propósito de manter limpo e visível Remoção por desgaste.
Retratamento Endodôntico 713
com o pino sem atingir a estrutura dentária. Todavia, de estrutura dentária. Com o auxílio de brocas criamos,
com alta velocidade, a força empregada será menor, junto ao pino, sulcos em sentido apical às expensas da
visto que as lâminas da broca cortam o pino com maior dentina. Esse procedimento reduz o tempo necessário
facilidade. Em consequência, é muito maior a possi- para a remoção do pino. A utilização desses procedi-
bilidade de o operador restringir a parte cortante do mentos está fundamentada em resultados clínicos, nor-
instrumento na direção do pino. Devemos, no entanto, malmente sem comprovação experimental.
salientar que o uso da broca movida em alta rotação
exige maior cuidado durante o avanço, uma vez que
pequena variação na angulagem em relação ao eixo do REMOÇÃO DE RETENTORES
pino poderá produzir perfuração radicular. PRÉ-FABRICADOS
É importante ressaltar que a maior fragilidade de
Chalfin et al.15 afirmam que os pinos pré-fabrica-
dentes endodonticamente tratados se deve à perda de
dos metálicos são mais fáceis de ser removidos do que
estrutura dentária. A preservação da dentina radicular,
os fundidos, muito embora sejam estes menos reten-
mais do que o tipo de restauração, é um fator crítico na
tivos. Embora os pinos roscados sejam os mais reten-
resistência do dente à fratura.
tivos dos pinos pré-fabricados, são os mais fáceis de
Assim, em função dos dados mencionados, é pos-
ser removidos, principalmente quando são utilizados
sível afirmar que, na remoção de pinos intrarradicula-
movimentos de rotação ao redor de seu próprio eixo.
res, devemos dar preferência aos métodos que preser-
Os pinos roscados são removidos do interior do
vam as estruturas dentárias, como a tração e o ultras-
canal radicular, quando da aplicação do movimento
som. A remoção por desgaste deve ser empregada em
de rotação à esquerda, por meio de chaves específi-
casos especiais em que os métodos mencionados não
cas ou pinças hemostáticas. O emprego de aparelhos
podem ser aplicados. Nesses casos dar-se-á preferência
ultrassônicos, embora na maioria das vezes consuma
ao uso de brocas em aparelhos de alta rotação.
muito tempo, é eficiente na remoção desses retento-
res. A combinação do emprego do ultrassom com a
Remoção por combinações de métodos rotação geralmente é o procedimento empregado com
esse objetivo.
Para remoção de retentores intrarradiculares po-
Alguns aparelhos específicos têm sido propostos
demos, em determinadas circunstâncias, buscar a com-
para a remoção de pinos roscados. Dentre esses apa-
binação de métodos e procedimentos. Assim, junta-
relhos podemos citar o Ruddle Post Removal System
mente com a tração podemos empregar instrumentos
(SybronEndo Specialties, Orange, CA)17.
rotatórios com o objetivo de realizar desgastes do pino
Os pinos pré-fabricados não metálicos são remo-
junto à embocadura do canal ou mesmo realizar sul-
vidos dos canais radiculares por desgaste com instru-
cos ao longo dele. Esses procedimentos buscam, de um
mentos rotatórios. Os de fibra de carbono e de vidro são
modo geral, facilitar a apreensão do pino ou diminuir
facilmente removidos. Alguns pinos não metálicos são
a sua retenção intrarradicular.
comercializados juntamente com brocas indicadas para
Por sua vez, a combinação ultrassom e tração tem
sua remoção. Há também brocas desenhadas especifi-
sido estudada por alguns autores. Jorge Prado45 ve-
camente para remover pinos de fibra reforçada, como a
rificou que não há influência na aderência dos pinos
Gyro Tip (MTI Precision Products, Lakewood, NY)17.
intrarradiculares quando da aplicação de ultrassom
(ENAC) por 5 minutos. Todavia, para Tanomaru Filho
et al.132, o emprego do ultrassom diminui significativa-
REMOÇÃO DO MATERIAL OBTURADOR
mente a força de tração empregada na remoção de re-
tentores intrarradiculares.
DO CANAL RADICULAR
Lopes et al.63 analisando o tempo despendido na Uma vez estabelecida a opção da reintervenção
remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilín- no canal radicular e não existindo maiores problemas
drica e cimentados com fosfato de zinco, empregan- iatrogênicos, as dificuldades do retratamento endo-
do a tração por alicate saca-pinos e o uso de ultrassom dôntico, basicamente, ficam relacionadas com o mate-
(ENAC), concluíram que ambos são eficientes, mas que rial obturador utilizado. A necessidade de se remover
a remoção é mais rápida pelo emprego do saca-pinos. o material obturador do canal radicular é a grande di-
A combinação do desgaste e ultrassom também é ferença entre a terapia endodôntica primária e o retra-
empregada nos casos em que há uma parede espessa tamento.
714 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Na obturação dos canais radiculares, uma infini- Canais obturados com guta-percha e
dade de materiais tem sido empregada e investigada cimento
em busca de suas reais finalidades de selamento e de
Entre os inúmeros materiais, a guta-percha asso-
respeito aos tecidos perirradiculares. Assim, em bus-
ciada a um cimento são as substâncias mais emprega-
ca do material ideal, centenas de substâncias já foram
das nas obturações dos canais radiculares.
usadas, não só em sua forma pura, como também em
A guta-percha é, basicamente, um polímero de
associações.
hidrocarboneto (metilbutadieno ou isopreno), prove-
Para se obter uma obturação endodôntica com-
niente de plantas da espécie Palaquium, originária da
pacta, além de técnica aprimorada, é necessária a as-
ilha de Sumatra. Endodonticamente foi usada pela pri-
sociação dos materiais sólidos (cones de guta-percha,
meira vez por Bowman, em 1867. Como todo material
Resilon e prata) e plásticos (cimentos e pastas). A guta-
obturador de canais radiculares, apresenta vantagens e
percha e os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol
desvantagens71.
em sua composição básica ou em outras formulações
Entre as vantagens é pertinente mencionar a re-
têm sido os materiais mais usados nas obturações de moção sem grande dificuldade do interior dos canais
canais radiculares. Todavia, outros materiais, como os radiculares, quando necessário. Nesses casos, o esva-
cones de Resilon (polímero de poliéster termoplástico) ziamento do canal radicular pode ser realizado por
em associação a um cimento adesivo resinoso (Epi- meios mecânicos, térmicos, químicos ou suas combinações.
phany, Pentron Clinical Technologies, Wallingford, Mecânicos: instrumentos endodônticos; Térmicos: cal-
CT), têm sido recomendados como materiais obtura- cadores aquecidos, aparelhos especiais (Touch’n Heat,
dores de canais radiculares17,69. System B); Químicos: solventes orgânicos; Combinações:
Consequentemente nos retratamentos endodôn- mecânicos-térmicos e mecânicos-químicos. A escolha
ticos, durante a fase de remoção do material obtura- do método de remoção a ser utilizado não depende
dor (esvaziamento), estaremos diante de mais de uma da técnica de obturação empregada, mas certamente
substância que geralmente apresenta comportamen- da compactação, anatomia do canal e limite apical da
tos mecânicos, físicos e químicos desiguais. Em fun- obturação.
ção disso têm sido propostas técnicas que vão desde Os cimentos endodônticos, independentemente
a utilização de instrumentos manuais e mecanizados, de sua composição química, são removidos das pare-
associados ou não a solventes, até o emprego de calor e des de um canal radicular por meio da ação mecânica
equipamentos de ondas sonoras. de alargamento e/ou limagem dos instrumentos endo-
Todavia, além desses instrumentos e substâncias, dônticos.
encontramos na literatura citações de diversos enge- A remoção do material obturador do interior de
nhos e procedimentos, alguns até empregados com um canal radicular está relacionada com a qualidade
manobras mirabolantes na busca da resolução de um da obturação primária.
caso clínico.
É evidente que, embora às vezes eficientes, esses Obturações pouco compactadas
engenhos e procedimentos tenham sido usados mais Quando o canal radicular é pobremente obtura-
em função do virtuosismo do operador, sem se consti- do e o cone de guta-percha aparentemente está livre, a
tuírem numa técnica que possa ser facilmente reprodu- sua remoção é simples e pode ser facilmente realizada
zida e aplicada na maioria dos casos. com limas Hedstrom de calibre adequado. Após a re-
Contudo, qualquer que seja a técnica empregada, tirada do material existente na câmara pulpar realiza-
é importante ressaltar que a remoção do material ob- mos uma abundante irrigação-aspiração com soluções
turador do canal radicular não deve alterar a sua mor- de hipoclorito de sódio (2,5%), tomando o cuidado de
fologia interna, preservando assim um dos principais deixar a cavidade inundada com a solução química.
objetivos da terapia endodôntica e contribuindo para o A seguir, pelo movimento de remoção, a lima Heds-
êxito do tratamento proposto. trom selecionada é inserida entre a parede do canal
A remoção total ou parcial do material obturador radicular e o material obturador em sentido apical, gi-
tem como objetivo permitir o acesso do instrumento rando-a à direita. Uma vez ajustada no canal, faz-se a
endodôntico em toda a extensão do canal radicular. tração em sentido coronário, removendo-se o cone de
Geralmente, a remoção é parcial, sendo completada guta-percha que, geralmente, vem aderido a haste he-
durante a reinstrumentação do canal radicular. licoidal do instrumento. Se nas duas ou três primeiras
Retratamento Endodôntico 715
Obturações compactadas
Quando a obturação do canal radicular é compac-
ta, o material do segmento cervical pode ser removido
por instrumentos endodônticos acionados manual-
mente, por dispositivos mecanizados ou por instru-
mentos aquecidos.
Os instrumentos endodônticos tipo K de 21mm de
comprimento, de seção reta transversal quadrangular e
fabricados em aço inoxidável, devem ser os escolhidos.
Instrumento de mesma liga metálica, mesma seção reta
transversal e com menor comprimento é mais rígido
do que os de comprimento maior. Quanto mais rígido
o instrumento, maior a sua resistência à flexocompres- C
um maior carregamento (torção) durante a remoção do sentido apical, para que sejam removidos pequenos
material obturador do interior do canal radicular. fragmentos do material obturador. É importante não
Após a remoção da restauração coronária da en- penetrar profundamente na massa obturadora, porque
trada dos canais radiculares e da visualização do ma- o aquecimento gerado pelo atrito plastifica a guta-per-
terial obturador endodôntico, será selecionado um ins- cha, podendo ela transmitir calor à superfície radicular
trumento endodôntico tipo K de diâmetro um pouco externa.
menor do que o diâmetro aparente da obturação em Outra maneira de se remover a guta-percha do
relação ao segmento cervical. A ponta do instrumento segmento cervical é por meio de instrumentos aqueci-
é direcionada à guta-percha, aplicando-lhe um carre- dos. Geralmente com esse propósito são usados apare-
gamento axial (avanço) associado a um movimento de lhos especiais, como o Touch’n Heat ou o System B e os
rotação à direita de uma a duas voltas sobre o seu eixo calcadores de Donaldson ou de De Deus. Os aparelhos
e, a seguir, removido em sentido coronário. especiais são preferidos em virtude de propiciar um
A rotação e o avanço provocam o corte e o encra- ajuste à temperatura biologicamente desejada. É mui-
vamento das hélices do instrumento no cone de guta- to importante lembrar que os calcadores não precisam
percha, com a remoção arrancando o material cortado ser aquecidos ao vermelho-rubro, já que a guta-percha
do interior do canal radicular, manobra essa que será amolece a uma temperatura de 60ºC. O aquecimento
repetida com o mesmo instrumento ou outro de menor excessivo, fundindo a guta-percha à temperatura su-
diâmetro, avançando-o em sentido apical do canal radi- perior a 100°C, poderá causar injúrias às fibras perio-
cular. Sempre que removido do canal, o instrumento é dontais e ocasionar o aparecimento de reabsorções ra-
limpo em gaze esterilizada e avaliado. Se ocorrer defor- diculares cervicais.
mação plástica (distorção) na haste de corte helicoidal Para Lopes et al.67, a elevação da temperatura em
cônica, o instrumento deve ser descartado com o objeti- algum ponto da superfície radicular poderá ser res-
vo de prevenir a sua fratura por torção. Normalmente, ponsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua
os instrumentos tipo K são empregados juntamente com vez, Eriksson et al.23 e Eriksson24 concluíram que o calor
solventes, como o eucaliptol ou o clorofórmio. pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aqueci-
Os alargadores Largo, Gates-Glidden e Peeso são mento de 47ºC durante um minuto.
instrumentos mecanizados muito utilizados com esse Lopes et al.67 determinaram in vitro a temperatu-
objetivo. Os dois primeiros, por apresentarem a pon- ra externa da superfície radicular de dentes obturados
ta não cortante, são mais seguros do que os de Peeso, com guta-percha e cimento, durante a remoção de ob-
cuja extremidade é perfurante e pode causar desvios turação do canal, quando do emprego de instrumen-
ou perfurações radiculares. São montados em contra- tos rotatórios e aquecidos. A remoção por meio de
ângulos, com sentido de corte à direita e em baixa rota- instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro transfere
ção. O emprego desses alargadores retifica o desgaste mais calor ao sistema, podendo a temperatura chegar
da embocadura e do segmento cervical do canal, facili- a 57,5ºC. Certamente, isso pode ser atribuído à tempe-
tando assim o acesso em sentido apical. ratura de 700ºC necessária para o instrumento de aço
Em razão de a força de atrito estática ser maior inoxidável atingir a coloração de um vermelho-rubro,
do que a dinâmica, os alargadores mecanizados devem apesar da perda do calor durante seu deslocamento
ser levados em direção ao material obturador girando. até ser introduzido no canal radicular. A temperatu-
Se a remoção for iniciada com o alargador em posição ra média do instrumento, ao entrar em contato com o
estática e junto ao material obturador do canal, devido material obturador, era de 480ºC. Como a guta-percha
ao fato de o coeficiente de atrito estático ser maior que amolece a 60ºC e se funde a 100ºC, o excesso de energia
o cinético, é gerado um torque maior no instrumento. térmica do instrumento é transferido à massa obtura-
Em consequência, as cargas criadas são maiores. Com dora e à parede dentinária. Em outro experimento, a
a existência de concentradores de tensão (ranhuras, temperatura média do instrumento, quando deixado
raio de concordância) no instrumento, a tensão de car- por 5 segundos na zona redutora da chama da lâm-
regamento pode ultrapassar o limite de resistência ao pada de álcool, era de 365ºC, sendo ela reduzida para
cisalhamento do material, havendo assim a fratura pre- 210ºC no momento de entrar em contato com o mate-
matura do alargador. rial obturador. Com esse procedimento, o aquecimen-
Os alargadores mecanizados devem ser intro- to externo médio da superfície radicular foi de 40,3ºC.
duzidos e retirados sucessivamente do canal radicu- O uso de alargadores Gates Glidden causou o menor
lar, percorrendo distâncias variáveis de 2 a 3mm em aquecimento na superfície externa da raiz (32,8ºC).
Retratamento Endodôntico 717
Esse comportamento pode ser atribuído à fácil remo- terminação do comprimento de trabalho, a obturação
ção da obturação por corte, à redução da resistência ao remanescente na região apical pode ofuscar o limite do
corte do material obturador, advinda da transformação instrumento endodôntico. Nesses casos, procuramos
da energia mecânica do alargador em calor, à forma cuidadosamente remover novas porções de material
ovoide da parte de trabalho do alargador, que favorece obturador ou ultrapassar o forame apical com um ins-
o corte, a penetração e a remoção do material excisa- trumento delgado.
do, e à rapidez na execução do trabalho. Com base nos Na remoção do material obturador do segmento
resultados concluíram que não se deve empregar ins- apical do canal radicular, as limas Hedstrom geralmen-
trumento aquecido ao vermelho-rubro na remoção da te são substituídas por instrumentos tipo K nos 10, 15, 20
obturação do canal. ou 25 de aço inoxidável. Esses instrumentos, por apre-
Os instrumentos aquecidos, em relação aos meca- sentarem maior rigidez em compressão do que as limas
nizados, revelam a vantagem de não causar qualquer Hedstrom correspondentes, podem mais facilmente pe-
iatrogenia (desvios, perfurações, degraus), apresentan- netrar na massa obturadora em sentido apical.
do, porém, a desvantagem da não ampliação e retifica- Quanto mais curta a obturação em relação à aber-
ção da porção cervical do canal radicular. tura do forame, mais simples é a sua remoção. Por ou-
Cumpre salientar que o espaço criado pela re- tro lado, a remoção do material sobreobturado é difícil
moção da obturação do canal radicular no segmento e na maioria das vezes impossível de ser obtida. Quan-
cervical, quer por instrumentos acionados manual- do representada pelo cone de guta-percha, duas situa-
mente, por dispositivos mecanizados ou aquecidos, ções podem ocorrer:
serve como reservatório para o solvente. Nesse espa-
• Cone frouxo na constrição apical. Nesses casos, a re-
ço colocamos algumas gotas de solvente, levadas por
moção com limas Hedstrom e sem uso de solvente
uma seringa tipo Luer e agulha, ou por uma pinça, no
normalmente é obtida (Fig. 17-27).
caso de dentes inferiores, deixando ele agir por alguns
• Cone adaptado na constrição apical. Uma excessiva
minutos, com a finalidade de solubilizar a guta-percha
pressão axial pode ocasionar a passagem do cone
remanescente no interior do canal radicular. Após esse
além da constrição apical. Devido à fluência da guta-
tempo, com uma lima Hedstrom ou tipo K, procura-
percha, o diâmetro do segmento do cone ultrapassa-
mos remover, progressivamente em sentido apical pe- do é maior do que o diâmetro da constrição apical.
daço a pedaço, a guta-percha amolecida. Vale ressaltar Esse estrangulamento impede a remoção do cone,
que o diâmetro do instrumento empregado depende que geralmente é rompido nesse ponto. Além disso,
do diâmetro aparente do canal radicular a ser retrata- a cura do cimento endodôntico também dificulta a
do. Ao instrumento aplicamos o movimento de pene- remoção do material (Fig. 17-28).
tração, rotação à direita e remoção, tendo o cuidado de
limpá-lo com gaze esterilizada sempre que removido Nas técnicas de obturação com guta-percha ter-
do canal. moplastificada é frequente a ultrapassagem do mate-
De tempo em tempo, a câmara pulpar deve ser rial além do forame apical. Nesses casos, a remoção da
limpa com pequenas mechas de algodão e abundan-
temente irrigada com solução de hipoclorito de sódio
e aspirada. Em seguida, o solvente é renovado e no-
vas porções de material removidas, lembrando-se de
que esses procedimentos devem ser repetidos até que
se atinjam as proximidades do segmento apical da ob-
turação. Uma vez atingida essa distância, paramos de
utilizar o solvente e continuamos com o hipoclorito de
sódio. O solvente quando empregado nessa condição
solubilizará a substância obturadora que, pela ação de
êmbolo do instrumento, muito provavelmente extruirá
através do forame apical, causando injúrias aos tecidos
perirradiculares.
Tão logo seja possível, realizamos a tomada de
uma radiografia para determinar o comprimento de Figura 17-27. Guta-percha e cimento. Sobreobturação. Cone de
trabalho desejado. É pertinente mencionar que, na de- guta-percha frouxo na constrição apical.
718 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Para Somma125, no retratamento é recomendável o endodôntico manual é, certamente, a técnica mais co-
uso combinado de instrumentos acionados por disposi- mumente praticada143.
tivos mecânicos e manualmente na remoção do material Independentemente da técnica empregada na
obturador do interior de um canal radicular. Inicialmen- remoção do material obturador, o fundamental é não
te, devem ser usados os instrumentos acionados por dis- criar iatrogenias que possam dificultar ou impedir a
positivos mecânicos para a remoção da maior parte da reinstrumentação do canal radicular. Contudo, é im-
obturação e, em seguida, os instrumentos acionados ma- portante ressaltar que alterações iatrogênicas podem
nualmente para completar a remoção e refinar o preparo ocorrer, devido à resistência que a guta-percha e o ci-
(reinstrumentação) dos canais radiculares. mento exercem na penetração do instrumento empre-
A extrusão de material obturador via forame gado, principalmente em canais radiculares curvos e
apical é observada em todas as técnicas, independen- com anatomia complexa.
temente de os instrumentos serem acionados por dis-
positivos mecânicos ou manualmente. Para Somma125, Solventes
a extrusão é maior para instrumentos acionados por Os solventes são substâncias químicas que têm a
dispositivos mecânicos. Ao contrário, para Imura44 e capacidade de dissolver outra e podem ser classifica-
Schirrmeister99 onde o uso de limas Hedstrom promo- dos em orgânicos e inorgânicos. Os primeiros dissol-
veu maior extrusão do que os instrumentos ativados vem as substâncias orgânicas, enquanto as inorgânicas
mecanicamente. são dissolvidas pelos últimos.
Todavia, a quantidade de material obturador ex- A guta-percha pode ser dissolvida com vários
truído via forame apical não está associada ao modo de solventes orgânicos. Todavia é necessário salientar que
acionamento do instrumento (manual ou mecanizado), esses, geralmente, são tóxicos, e o seu emprego deve
mas sim à amplitude e à frequência do avanço e re- ser evitado quando possível.
trocesso de um instrumento endodôntico em um canal Vários solventes orgânicos da guta-percha têm
radicular. Quanto maiores, maior será a possibilidade sido testados e pesquisados, todavia os mais conheci-
de ocorrer a extrusão. dos são o clorofórmio, o xilol e o eucaliptol3,42,47,131.
Durante o retratamento (esvaziamento e reins- O cone de Resilon é dissolvido pelo clorofórmio28,125.
trumentação de um canal radicular) o instrumento en- O cone de Resilon é solúvel em clorofórmio, po-
dodôntico ao alcançar justeza no interior de um canal dendo também ser removido pela aplicação de calor
radicular, sua parte de trabalho (ponta e haste de corte num comportamento similar ao cone de guta-percha.
helicoidal cônica), funciona como um cone móvel (êm- O cimento resinoso deverá ser removido pela ação
bolo) promovendo o deslocamento do material exis- mecânica de alargamento ou de alargamento e lima-
tente na cavidade pulpar. Isso induz uma pressão uni- gem obtida pelos instrumentos endodônticos15,28,86. En-
direcional no sentido apical, promovendo o extravasa- tretanto, pela presença de tags de resina nos túbulos
mento de material oriundo da reinstrumentação de um dentinários e nas ramificações anatômicas a limpeza
canal radicular, independentemente de o instrumento do canal radicular durante a reinstrumentação poderá
endodôntico ser acionado por dispositivos mecânicos ficar comprometida.
ou manualmente. Outros fatores, como os diâmetros
da constrição apical, do preparo e do instrumento em- Clorofórmio (triclometano)
pregado também influenciam a quantidade de material Apresenta-se como um líquido pesado, transpa-
extruído via forme apical. rente, incolor e odor característico. É pouco solúvel na
O tempo despendido na remoção do material ob- água e inteiramente miscível com o álcool. Altera-se
turador do interior de um canal radicular é menor para pela luz e pelo ar. É muito volátil e tóxico, não sendo
os instrumentos acionados por dispositivos mecânicos biocompatível com os tecidos apicais e perirradiculares.
quando comparado aos acionados manualmente29,43,125. Segundo o Serviço de Saúde dos EUA, possui po-
Porém, o profissional não deve ficar comprometido tencial cancerígeno, embora tal efeito em humano ve-
com o tempo despendido em um retratamento endo- nha sendo questionado, não sendo seu uso proibido na
dôntico, mas sim com o resultado do tratamento exe- prática odontológica.
cutado, avaliado por meio da prosservação clínica e ra-
diográfica. Xilol (dimetilfenol)
No retratamento endodôntico, a remoção do ma- Apresenta-se como um líquido límpido, incolor,
terial obturador pela associação solvente-instrumento com cheiro semelhante ao benzeno. É insolúvel na
720 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
água, porém solúvel no álcool e benzeno. Muito tóxico. 30oC, sua capacidade solvente é aumentada e compa-
Apresenta menor efeito solvente sobre a guta-percha rável à do clorofórmio (Fig. 17-29A a D).
quando comparado ao clorofórmio. Em função disso,
pode ser usado como medicação intracanal para dis- Canais obturados com pastas e cimentos
solver a guta-percha entre sessões no retratamento en- As pastas obturadoras de canais radiculares não
dodôntico. tomam presa (cura), permanecendo, por tempo indeter-
minado, sob o mesmo estado físico, pelo fato de as subs-
Eucaliptol (1 metil, 4 isopropil cicloexano, 1-4 óxido) tâncias que as constituem não reagirem quimicamente
Apresenta-se como um líquido incolor e de odor entre si. Algumas vezes sofrem ressecamento devido
aromático semelhante ao da cânfora. É insolúvel na à volatilização de algum componente, sendo usadas
água e inteiramente miscível com o álcool. É menos mais com a finalidade terapêutica do que obturadora
irritante do que o clorofórmio e não apresenta poten- dos canais radiculares. Dentre as diversas pastas men-
cial cancerígeno. Exibe efeito antibacteriano e proprie- cionadas na literatura, as alcalinas à base de hidróxido
dades anti-inflamatórias, porém é menos efetivo como de cálcio são amplamente usadas como medicamento
solvente da guta-percha. Quando aquecido acima de intracanal, na forma de obturação temporária52,53,71.
A B
Do exposto podemos concluir que, nos casos de As perfurações radiculares são outras iatrogenias que
canais obturados com pasta, o seu esvaziamento é fá- também podem ocorrer nesse procedimento. Porém,
cil e pode ser realizado com instrumentos acionados como as obturações com cimento normalmente são
manualmente ou por dispositivos ultrassônicos, coad- curtas na maioria das vezes, os instrumentos mecani-
juvados com abundante irrigação-aspiração. zados podem ser aplicados com segurança, apenas no
Os cimentos usados na obturação dos canais radi- segmento cervical do canal radicular.
culares diferem das pastas, porque há reação química No retratamento de canais obturados com cimen-
de seus componentes, ocorrendo posteriormente o seu to, a anatomia do canal, assim como a compactação,
endurecimento (cura). o comprimento longitudinal da obturação e o tempo
Dentre esses cimentos, o de óxido de zinco-eu- decorrido do tratamento certamente influenciarão na
genol, sem cone de guta-percha, tem sido o mais usa- desobturação.
do como material obturador de canais radiculares. A Os solventes orgânicos não têm capacidade de
combinação do óxido de zinco com o eugenol assegura dissolver os compostos minerais que formam o óxido
o endurecimento desse cimento por um processo de de zinco-eugenol. Isso provavelmente se deve ao fato
quelação, cujo produto final é o eugenalato de zinco. de o cimento não apresentar, em sua composição, a
Esse cimento não apresenta em sua composição com- colofônia, o que o torna praticamente insolúvel diante
ponentes orgânicos, fato esse que o torna praticamente dos solventes orgânicos usualmente empregados em
insolúvel diante dos solventes orgânicos usados para a Endodontia. Porém, essas soluções químicas podem
guta-percha. Em consequência, o ato de esvaziamento promover a desintegração física do cimento de óxido
do canal radicular se torna trabalhoso e, muitas vezes, de zinco-eugenol65.
impossível de ser realizado. O fenômeno da desintegração física se deve à ad-
Instrumentos tipo K no 10 ou 15, de 21mm de sorção e difusão de uma solução química pelo óxido de
comprimento e de seção reta transversal quadrangu- zinco-eugenol, acompanhada de aumento de volume
lar, previamente preparados pelo corte de alguns mi- e quebra das ligações entre as partículas do cimento.
límetros em sua parte de trabalho, são eficientes na Vale ressaltar que adsorsão é a fixação das moléculas
fragmentação do cimento. É pertinente ressaltar que de uma substância (adsordato) na superfície de outra
esse procedimento deve ser aplicado apenas em canais (adsorvente). A capacidade de desintegração do ci-
retos ou segmentos retos de canais curvos. Devido à mento de óxido de zinco-eugenol varia em função da
rigidez do instrumento e à resistência do cimento du- compactação da obturação, da viscosidade e da pola-
rante o esvaziamento, podem ocorrer degraus, falsos ridade das soluções químicas usadas. Quanto menor
canais ou mesmo perfurações radiculares. Todavia, o for a compactação, maior será a porosidade da obtura-
acompanhamento radiográfico pode impedir tais ocor- ção, o que permitirá a penetração de maior volume de
rências. Outras vezes, podemos empregar o ultrassom solução, facilitando o amolecimento e a desintegração
na remoção de cimento obturador de canais radicula- física do óxido de zinco-eugenol (Fig. 17-30). A visco-
res. A vibração mecânica do instrumento endodôntico sidade e a polaridade da solução química empregada
resulta na fragmentação do cimento, enquanto o contí- são outros fatores que influenciam na capacidade de
nuo fluxo irrigante dispersa as partículas para a câmara desintegração do óxido de zinco-eugenol. Quanto me-
pulpar. Como inconvenientes, temos o grande tempo nor a viscosidade e maior a polaridade, maiores serão
consumido, possibilidade de fratura dos instrumentos a absorção e a velocidade de difusão da solução por
e alterações da forma do canal radicular. meio dos poros existentes na obturação65.
Outro procedimento usado é a remoção da obtu- Lopes et al.65 analisaram quatro soluções químicas
ração do canal com instrumentos mecanizados, os quais – eucaliptol, clorofórmio, Endosolv-E e óleo de laranja
devem apresentar corte na ponta, e os normalmente in- doce – quanto à capacidade de solubilização e desin-
dicados são as brocas Peeso e esférica de aço-LN (Mail- tegração do cimento de óxido de zinco-eugenol. Os re-
lefer). Os alargadores Gates-Glidden e Largo não atuam sultados mostraram que as soluções químicas testadas
com esse propósito, em função de apresentarem ponta não foram capazes de solubilizar o cimento de óxido
não cortante. Entretanto, a remoção da ponta desses ins- de zinco-eugenol. Verificaram também que o clorofór-
trumentos possibilita o seu emprego no retratamento de mio, o Endosolv-E e o óleo de laranja doce foram capa-
canais radiculares obturados com cimentos. zes de promover a desintegração física das amostras
Com o emprego de instrumentos mecanizados, em tempos diferentes. O clorofórmio com maior rapi-
sempre ocorre grande destruição de estrutura dentária. dez. O eucaliptol não desintegrou o cimento de óxido
722 Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
No retratamento de canais obturados com cones instrumentos tipo K esbelto no 10 ou 15, com o objetivo
de prata, a remoção desses pode ser realizada por tra- de fragmentar a substância cimentante (Fig. 17-32).
ção, ultrassom ou pela combinação ultrassom e tração58. Às vezes, o cone de prata está bem ancorado
Para fins didáticos, classificamos as obturações junto às paredes do canal radicular e a tração é ine-
dos canais em função da altura da seção do cone de ficiente. Nesses casos devemos usar a associação ul-
prata usado: trassom e tração. Uma ponta periodontal do aparelho
ultrassônico é aplicada junto à extremidade do cone.
• não secionados A vibração da ponta é transferida ao cone, causando
• secionados a fragmentação do cimento. A seguir, o cone será re-
• secionados no segmento apical movido por tração.
A aplicação prolongada de ultrassom desgasta a
Canais obturados com cones de prata não extremidade do cone de prata, podendo tal fato difi-
secionados cultar ou mesmo impedir a sua remoção. Para evitar
Nesses casos, deparamos com cones de prata aflo- esse problema podemos prender o cone com uma pin-
rando na câmara pulpar, apresentando, muitas vezes, ça e aplicar nesse instrumento a energia ultrassônica,
uma angulação de 90º. Assim, a remoção do cone se a qual transfere para o cone de prata as vibrações me-
torna relativamente fácil. Devemos apenas tomar a cânicas59.
precaução de, ao retirarmos a restauração e o cimento
existente na câmara pulpar, não secionar a extremida- Canais obturados com cones de prata secionados
de aflorada do cone. Para tal, sugerimos, ao chegar na Nesses casos, os cones de prata podem estar se-
câmara pulpar, remover o cimento com o auxílio de cionados na altura da embocadura do canal ou ligei-
instrumentos manuais (Hollemback, escavadores) ou ramente aquém. As dificuldades, assim, passam a ser
mesmo ultrassom. maiores, podendo-se realizar algumas manobras com
Uma vez liberado o cone de prata na câmara pul- a finalidade de remoção. Como, na maioria das vezes,
par, podemos usar uma solução química para conse- os canais radiculares no segmento cervical não são
guir a desintegração do cimento obturador do canal circulares, existindo, consequentemente, um espaço,
radicular e, a seguir, tentar a sua remoção. ocupado ou não por cimento, ou mesmo guta-percha,
Geralmente, apreendemos o cone em sua extre- podemos por meio de instrumentos endodônticos e so-
midade coronária por meio de uma pinça tipo Stieglitz, luções químicas, criar passagem entre o cone de prata e
Ralks ou mesmo porta-agulhas, removendo-o inteiro, a parede do canal radicular.
por simples tração. Constitui boa norma, antes da tra- Inicialmente, com instrumentos tipo K no 10 ou 15
ção, tentar penetrar entre o cone e a parede do canal com de 21mm, buscamos uma passagem entre o cone e a
parede do canal radicular. A seguir, uma lima Heds- A vibração ultrassônica transmitida pelo instrumento e
trom no 30, 35 ou 40 é introduzida justa nesse espaço, a abundante irrigação liberam o cone de prata. Outras
em sentido apical, e com pequenos movimentos de vezes, após o uso da vibração ultrassônica, o cone fica
penetração com giro à direita procuramos cravar suas aderido em alguma parte da parede do canal, podendo
hélices no cone de prata. Apresentando a liga metálica ser removido manualmente com o auxílio de uma lima
da lima dureza maior do que a da prata, tal procedi- Hedstrom.
mento é possível e, com movimento de tração no senti- Quando não há espaço para a penetração de um
do oclusal, promovemos a remoção do cone. Devemos instrumento endodôntico entre o cone de prata e a
salientar que o instrumento deverá ser de tal diâmetro parede do canal radicular, procuramos, com o auxílio
que penetre justo, através das paredes radiculares e no de broca esférica LN 205 (Maillefer) de baixa rotação,
cone de prata, não ultrapassando dois terços dele. Nun- desgastar o tecido dentário circundante ao cone. Com
ca devemos ultrapassar o cone em toda a sua extensão, o espaço criado, a extremidade fica exposta, o que per-
pois tentativas de tração podem provocar alterações no mite a sua apreensão com pinça saca-cones. A seguir,
forame apical que dificultarão a obturação do canal e o o cone pode ser removido por tração simples ou pela
processo de reparação (Fig. 17-33A e B). combinação ultrassom e tração.
Às vezes, penetramos a lima de um lado, porém Outras vezes, após a criação do espaço, com o au-
há dificuldade em remover o cone, ocorrendo o seu xílio de um escavador afiado, procuramos fazer uma
desgaste após diversas tentativas. Se isso acontecer, reentrância no cone e usando o mesmo instrumento
com o auxílio de uma sonda clínica de ponta reta e como alavanca, tendo as paredes dentárias como ponto
pontiaguda ou mesmo de uma lima Hedstrom, procu- de apoio, promovemos a sua remoção.
ramos penetrar o instrumento na posição diametral-
mente oposta, tentando deslocar o cone para o espaço Canais obturados com cones de prata
criado. Em seguida, ocupa-se, com a lima Hedstrom, secionados no segmento apical
esse novo espaço e, com movimentos de penetração e Quando o cone de prata é secionado no interior
tração do instrumento, remove-se o cone de prata. do canal radicular, a tarefa se torna ainda mais difícil.
Podemos também empregar o ultrassom na re- O restante do canal radicular poderá ou não estar ocu-
moção de cones de prata secionados. Nesses casos, um pado por guta-percha. Caso positivo, procuramos ini-
instrumento tipo K no 15 é inserido no espaço anterior- cialmente sua remoção para posteriores manobras de
mente criado entre o cone e a parede do canal radicular. retirada do segmento de prata.
A B
Figura 17-33A e B. Canais obturados com cones de prata secionados. Casos clínicos. Retratamento.
Retratamento Endodôntico 725
mento e a reinstrumentação na maioria das vezes são em 85,71%, os resíduos do material obturador se esten-
realizados concomitantemente. diam além do limite apical de instrumentação, ou seja,
Clinicamente, a reinstrumentação é considerada ocupavam a porção terminal do canal radicular em
completa quando não há mais evidência de guta-percha sentido ao forame apical. Em função dos resultados,
ou selador no instrumento endodôntico, quando as ras- concluíram que: a) a avaliação radiográfica das hemis-
pas de dentina excisadas são de coloração clara e o canal seções revela acentuada diferença estatística na quan-
radicular, através da sensibilidade tátil, apresentar pare- tidade de resíduos de material obturador, após a reins-
des lisas e, imaginariamente, uma forma adequada que trumentação dos canais radiculares; b) houve acentua-
permita sua posterior obturação de maneira efetiva. do acúmulo de material obturador na porção terminal
Em busca desses fundamentos, várias manobras do canal radicular em dentes cujas obturações estavam
têm sido sugeridas: manuais e especiais, ultrassônicas, aquém do ápice radiográfico (Fig. 17-36A e B).
vibratórias-sônicas e acionadas a motor, com instru- Lopes e Gahyva66 utilizaram 60 dentes unirradi-
mentos de conicidades variáveis. Contudo, no retrata- culares extraídos, obturados com guta-percha e cimen-
mento, após o esvaziamento e a reinstrumentação de to selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos li-
um canal radicular, resíduos do material obturador se- mites da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém
rão observados independentemente da técnica empre- do ápice radiográfico. Após o esvaziamento, 30 dentes
gada e da natureza do material obturador28,38,133,143. foram divididos e reinstrumentados pelas técnicas con-
Lopes e Gahyva62, utilizaram in vitro 30 dentes vencional e ultrassônica até o comprimento de trabalho
unirradiculares, obturados com guta-percha e cimento situado 1mm aquém da abertura foraminal, com os de-
selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos limi- mais recebendo os mesmos procedimentos. Entretanto,
tes da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém do durante a sequência de instrumentação, a cada mudan-
ápice radiográfico. Os dentes foram esvaziados e reins- ça de instrumento, um instrumento tipo K no 40 era in-
trumentados 1mm aquém do comprimento de trabalho troduzido até ultrapassar 1mm do forame apical. Finda
pela técnica convencional. A seguir, analisou-se a pre- a preparação endodôntica, os dentes foram cortados
sença de resíduos de material obturador, por meio de longitudinalmente no sentido mesiodistal, e os 3mm
tomadas radiográficas e das hemisseções com auxílio apicais de cada amostra foram avaliados com o auxílio
de uma lupa após clivagem mesiodistal dos espécimes. de uma lupa. Os resultados revelaram que, nos retrata-
Os resultados revelaram que, após a reinstrumentação, mentos endodônticos, o esvaziamento além do forame,
os resíduos estavam presentes em 56,67% dos espé- durante a reinstrumentação, favoreceu uma maior re-
cimes analisados radiograficamente e em 93,34% nos moção de material obturador do segmento apical dos
visualizados com lupa. No que concerne à localização, canais radiculares (Figs. 17-37A e B e 17-38A e B).
A B
Figura 17-36. Retratamento endodôntico. A. Avaliação radiográfica. Ausência de resíduo. Avaliação da hemiseção da mesma amostra. Pre-
sença de resíduos. B. Avaliação da hemiseção. Presença de resíduo no segmento apical do canal.
Retratamento Endodôntico 727
Com relação às pastas, Porkaew et al.90 observaram, apresenta seções retas transversais com formas dife-
que em canais obturados temporariamente com pasta rentes.
de hidróxido de cálcio, a reinstrumentação com um ins- Nos segmentos arredondados dos canais radi-
trumento de diâmetro maior do que o último utilizado, culares, o diâmetro do instrumento deverá ser maior
seguida de abundante irrigação-aspiração, não foi sufi- do que o do canal, e o movimento empregado, o de
ciente para remover completamente a pasta de hidróxi- alargamento (parcial alternado ou contínuo). Diâmetro
do de cálcio do interior dos canais radiculares. de instrumento maior permite que todo o contorno do
Lambrianidis et al.51, utilizando diferentes solu- canal seja englobado pelo círculo de corte do canal ci-
ções químicas associadas à limagem – hipoclorito de rúrgico.
sódio, solução salina e hipoclorito de sódio seguido Nos segmentos achatados dos canais radiculares
de irrigação final com EDTA –, concluíram que ne- usamos instrumentos tipo Hedstrom ou tipo K de aço
nhum dos métodos foi eficiente para remover todo o inoxidável de diâmetro inferior ao do canal com mo-
hidróxido de cálcio das paredes do canal. Observaram vimento de limagem circunferencial. O instrumento
também que a composição da pasta usada teve pouco deve apresentar rigidez suficiente para exercer a ação
efeito na eficiência do método aplicado. Para Barcelos8, de limagem das paredes do canal radicular. Alargador
o veículo utilizado no preparo de pasta de hidróxido Largo ou instrumentos acionados por dispositivos ul-
de cálcio empregada como medicação intracanal in- trassônicos podem ser empregados antecedendo o uso
fluenciou decisivamente na permanência de resíduos de instrumentos manuais.
do material sobre as paredes do canal após a desobs- Em combinação com soluções químicas auxiliares
trução. A quantidade de resíduo foi maior quando os e a irrigação-aspiração, teremos uma melhor limpeza
veículos empregados eram classificados como oleosos das paredes radiculares (Fig. 17-40).
(óleo de oliva e PMCC/Glicerina).
Analisando por meio da microscopia eletrônica de
varredura as paredes de canais radiculares, anterior-
mente preenchidos com pasta de hidróxido de cálcio e
esvaziados com limas tipo Hedstrom, após irrigação-
aspiração com solução de hipoclorito de sódio, obser-
vamos que a maioria das amostras revelou presença de
resíduos do medicamento.
A limpeza e a forma final de um canal radicular
após a sua reinstrumentação estão associadas princi-
palmente:
• maiores forem a amplitude e a frequência do avanço Nas cirurgias perirradiculares, o índice de fracasso
e retrocesso (deslocamento) do instrumento no inte- aumenta nos casos onde o canal radicular se apresenta
rior do canal; inadequadamente instrumentado e obturado. Também
• maior for o volume do instrumento em relação ao devemos mencionar que a obturação retrógrada reali-
volume do canal; zada em canais deficientemente obturados não é, por si
• maior for a justeza do instrumento em relação ao di- só, fator de sucesso cirúrgico.
âmetro do canal radicular; Nos casos em que ocorre o fracasso da cirurgia
• maiores forem a compactação e a extensão (limite) perirradicular, nem sempre é viável a reintervenção
apical da obturação primária; cirúrgica, em função de condições anatômicas desfavo-
• maior for a quantidade de solvente. ráveis ou mesmo emocionais do paciente. Nessas con-
dições, dois são os problemas encontrados na solução
A somatória desses fatores durante o deslocamen- terapêutica proposta: eliminação da infecção e obtura-
to de um instrumento no interior de um canal aumenta ção do canal radicular.
a pressão unidirecional apical, favorecendo uma maior
extrusão de material via forame para os tecidos perir-
Tratamento
radiculares.
Vale ressaltar que, nos retratamentos, a extrusão Após o acesso, removemos a obturação do canal
de material obturador, embora presente, a dor pós-ope- do modo já descrito. A seguir, realizamos o preparo
ratória, é menos acentuada nas situações clínicas assin- químico-mecânico em toda a extensão do canal, em-
tomáticas do que nas sintomáticas. Trope138, no retra- pregando como solução química o hipoclorito de sódio
tamento de dentes com periodontite apical, observou (água sanitária). A remoção da smear layer é realizada
a agudização em 13,6% dos casos, sugerindo também com o uso associado do EDTA e do hipoclorito de só-
que a obturação do canal não deve ser realizada na pri- dio após o preparo do canal.
meira sessão. Estrela et al.25 estudaram a prevalência de Como medicamento intracanal empregamos a
dor pós-operatória nos retratamentos endodônticos em associação hidróxido de cálcio, iodofórmio, paramo-
184 pacientes, sendo que 110 dentes se apresentavam noclorofenol canforado e glicerina. Além da proprie-
assintomáticos e 74 sintomáticos, com aspectos radio- dade antimicrobiana, a capacidade de preenchimento
gráficos com e sem presença de rarefação óssea perirra- do medicamento permite o mapeamento da cavidade
dicular. Frente à avaliação dos resultados observaram pulpar. Assim, podemos observar, por meio da ima-
ausência de dor pós-operatória em 83,3%, 82,8% e 82%, gem radiográfica, a posição vestibular do plano incli-
respectivamente, nos retratamentos de dentes assinto- nado da ressecção apical (ver Capítulo 14, Medicação
máticos cujos aspectos radiográficos eram de ausência intracanal).
de rarefação, rarefação óssea difusa e rarefação óssea Combatida e debelada a infecção, realizamos a ob-
circunscrita, e em 59%, 50% e 54,5% nos retratamentos turação do canal radicular. Porém, a remoção cirúrgica
de dentes sintomáticos, respectivamente, para os mes- do ápice provoca a perda da constrição apical, criando
mos aspectos radiográficos já descritos. um problema técnico para a realização da obturação do
canal radicular.
Nos casos em que é possível a determinação do
RETRATAMENTO DE DENTES SUBMETIDOS
bordo vestibular do plano inclinado da raiz podemos
A CIRURGIA PERIRRADICULAR
fazer o batente apical ligeiramente aquém desse limi-
A cirurgia perirradicular não é a solução para cor- te e a obturação convencional do canal radicular. Em
rigir os fracassos endodônticos, mas sim uma comple- outras circunstâncias, podemos optar pela técnica do
mentação da terapia endodôntica. Trabalhos existentes tampão apical (ver Capítulo 16, Obturação dos canais ra-
na literatura revelam que o sucesso da cirurgia perir- diculares).
radicular é baixo quando comparado ao retratamento Nos casos onde há a obturação retrógrada, ela
endodôntico2,130. deve ser mantida e os procedimentos endodônticos
Para Allen et al.2, a taxa de sucesso obtida com realizados dentro do segmento radicular existente. To-
cirurgia perirradicular com apicetomia foi de 57,4%; davia, durante a instrumentação do canal radicular, a
quando seguida de obturação retrógrada, foi de 60%; e obturação retrógrada pode sofrer deslocamento para a
o retratamento não-cirúrgico proporcionou sucesso em região perirradicular. Nesses casos, não há necessidade
72,7% dos casos. de remoção cirúrgica do material retro-obturador. A re-
Retratamento Endodôntico 731
A B C D
Figura 17-41. Retratamento endodôntico de dente submetido a cirurgia perirradicular. A. Fracasso cirúrgico. B. Esvaziamento e reinstru-
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Capítulo 18
Cirurgia
Perirradicular
Gabriele Pécora
Osvaldo Massi
Santiago Massi
Alguns dos problemas mais difíceis e instigadores ses da cirurgia perirradicular, permite uma avaliação
que desafiam a Endodontia vêm sendo abordados pelo crítica da técnica utilizada e, como consequência, uma
que se propõe como uma nova disciplina: a Microendo- escolha seletiva dos melhores procedimentos43.
dontia. Entre eles podemos incluir a localização de ca- No passado, o foco principal era a eliminação da
nais calcificados, a reparação clínica e cirúrgica de per- patologia. O dano funcional e o trauma anatômico no
furações, a retirada de instrumentos fraturados e cones órgão operado eram considerados consequências do
de prata, o refinamento da cirurgia de acesso e do pré- ato cirúrgico. Tais danos iatrogênicos têm sido analisa-
alargamento, a modelagem dos canais atrésicos, o diag- dos por meio de novas técnicas possíveis com a utiliza-
nóstico clínico e cirúrgico de fraturas, a irrigação final, a ção do microscópio operatório, dando crédito, evidên-
cirurgia perirradicular, a revascularização pulpar e todos cia e importância ao conceito de cirurgia mini-invasiva.
os procedimentos complexos que envolvem a precisão e Em microcirurgia, existe uma otimização do respeito
uma abordagem minimamente invasiva como objetivo aos tecidos, porque o operador tem facilitada a sele-
principal em Endodontia. Há uma tendência natural a ção e identificação das estruturas anatômicas e, como
exagerar o grau de eficiência dos resultados obtidos, mas consequência, um risco menor, uma precisão maior e
não há dúvida de que eles representam uma visão con- uma diminuição das complicações pós-operatórias.
ceitual nova e desafiadora que merece ser desenvolvida. Atualmente, a microcirurgia endodôntica é uma reali-
O tratamento preciso de alguns problemas endo- dade, preconizada por poucos, mas praticada por um
dônticos ainda constitui um desafio para os endodontis- número crescente de especialistas que perceberam que
tas. A imprevisibilidade e a dúvida em relação aos resul- o futuro está na utilização do microscópio operatório.
tados dos tratamentos têm preocupado os endodontistas “A mente deve preceder a visão, e a visão deve
e os profissionais de outras especialidades que precisam preceder as mãos”, dizia O. W. Homes. “Nós podemos
ancorar seus tratamentos nos dentes tratados. Na ausên- tratar aquilo que podemos ver.” (Rubinstein, 1994.)
cia dessa certeza é feito um uso generalizado de mate- Isso é o objetivo dos microscopistas.
riais, instrumentos e técnicas pouco eficazes, sem conse-
guir, entretanto, uma resposta efetiva nos prognósticos.
Luz + aumento = microscópio operatório.
1. Simplificação técnica; 2. Precisão; 3. Potencia-
Microcirurgia endodôntica lidade operatória.
A utilização do microscópio operatório, além de “Se podes olhar, vê; se podes ver, repara.”
permitir um elevado nível de qualidade nas várias fa- (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura)
739
740 Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
dade etc.);
• diminuição ou desaparecimento da radiopacidade
(doença) (Fig. 18-3);
• restauração e manutenção da função mastigatória;
• detenção da progressão da doença (perda de tecido
de sustentação).
B C
1 – E1: menor do que a largura da raiz; considerados essenciais para se obter uma regeneração
2 – E2: igual à largura da raiz; periodontal são bactérias na região radicular apical, a
3 – E3: maior do que a largura da raiz. biomodificação da dentina, a estabilização da ferida, a
migração celular e o suporte sanguíneo.
Considerando a relação entre a convexidade da O respeito à migração celular e à colonização da
raiz e a superfície da cortical óssea, assim como a es- ferida em vias de regeneração por parte das células
pessura da cobertura óssea da raiz, podemos distinguir progenitoras periodontais é um pré-requisito para a
igualmente outras três subclasses: formação de um novo cemento, de uma nova inserção
do ligamento periodontal e de um novo osso alveolar
4 – E4: quando a raiz está por dentro da cortical óssea; sobre uma superfície previamente infectada.
5 – E5: quando a raiz está ao mesmo nível do plano Para compreender o mecanismo da regeneração
cortical; das estruturas periodontais é útil relembrar os con-
6 – E6: quando a superfície radicular protrai da super- ceitos básicos da reparação. A reparação por cicatri-
fície do osso que a rodeia. zação acontece quando o processo reparativo resulta
na formação de um novo tecido com células e estru-
Qualquer uma dessas classes tem uma diferente turas que têm capacidade de reação diferente das
potencialidade de regeneração (de forma geral, tanto originais. A regeneração se verifica quando o tecido
pior quanto mais se avança na classificação). Isso pode preexistente, afetado pela patologia, é substituído por
ajudar o clínico a tomar uma decisão, também transo- um novo tecido idêntico ao original na composição
peratória, resguardando a oportunidade de recorrer a celular, na estrutura e na reatividade. Em Endodon-
um procedimento regenerativo. tia assim como em Periodontia, isto implica formação
Podemos ressaltar que atualmente, havendo à de um novo osso, novo ligamento periodontal e novo
disposição alternativa terapêutica extremamente váli- cemento.
da, como o implante, poderia resultar em injustificada Estudos demonstraram que a cirurgia periodontal
persistência terapêutica a aplicação de uma técnica re- convencional induz mais à cicatrização do que à rege-
generativa complexa e custosa frente a um dente com neração do periodonto52. Por outro lado a regeneração
escassa capacidade residual de regeneração. periodontal pode ser obtida de forma previsível com o
Os autores vêm utilizando nos últimos anos dife- uso de uma membrana ou barreira tanto em animais7
rentes técnicas de regeneração tecidual guiada (GTR), quanto em humanos24.
inclusive algumas alternativas ao uso das membranas. De maneira similar, Dahlin et al.12 demonstraram
Dentre elas, uma das mais promissoras é a proporcio- que os defeitos perirradiculares e as cavidades císti-
nada pelo enxerto de sulfato de cálcio para uso mé- cas mandibulares em macacos regeneravam com um
dico (Medical Grade Hemydrate Calcium Sulfate ou preenchimento quase total do osso, desde que fossem
MGHCS). Esse material não é certamente novo para a tratadas com barreira pela GTR. Por outro lado, os
prática médica, pois tem sido usado em Ortopedia des- cistos tratados somente com cirurgia convencional,
de 18902, em Otorrinolaringologia18 e também em Ci- apesar de uma regeneração periférica, mostravam um
rurgia Oral59 e Periodontia3. Vários autores têm testado consistente preenchimento de tecido conjuntivo fibro-
sua biocompatibilidade48, a ausência de resposta infla- so. Isso mostra que na cirurgia endodôntica, especial-
matória, a total reabsorção e eficácia na GTR17. Pécora mente com grandes defeitos em lesões bicorticais, a
et al.48 têm estudado a capacidade de esse material atu- ação somente do periósteo (quando presente) pode ser
ar como barreira, enquanto Ricci et al.54 têm estudado suficiente para assegurar uma regeneração comple-
seu poder osteocondutor. ta. Devemos lembrar também que a presença de uma
A regeneração tecidual em resposta à cirurgia pe- grande lesão perirradicular, geralmente crônica, pode
rirradicular é evidente na restauração dos tecidos pe- estar associada a uma fístula. Por isso, o periósteo está
riodontais, isto é, cemento, osso alveolar e ligamento geralmente lesionado nesses casos. Isso mostra a pos-
periodontal. A aplicação dos princípios de GTR em Ci- sibilidade de uma reparação não desejável (cicatriz de
rurgia Endodôntica esteve sempre no centro de muitas tecido conjuntivo).
discussões clínicas e pesquisas experimentais, tanto em Do ponto de vista biológico, a formação de nova
humanos como em animais12, 17, 47. inserção pode oferecer algumas vantagens em com-
Muitos fatores influenciam o resultado do pro- paração com a reparação genérica. Isso inclui uma
cesso de cura após a cirurgia; em particular, os fatores maior resistência à penetração bacteriana, assim como
742 Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
um aumento da resistência a cargas oclusais. A qua- Uma fase crítica na cirurgia regenerativa é a ma-
lidade da regeneração (e prognóstico) de um dente é nutenção do espaço sob a membrana. Quando o uso
influenciada pela localização da lesão. O prognóstico dessa não é capaz de assegurar a manutenção de tal
muda se, depois da cirurgia, a lesão permanece na área espaço, pode ser útil um material a ser usado com tal
apical, estende-se ao terço médio radicular ou é uma propósito. Para conseguir isso, diversos materiais têm
comunicação marginal endoperiodontal. Com essa úl- sido usados:
tima produzir-se-á uma regeneração menos completa e
menos previsível. Infelizmente, a área marginal é onde • enxerto de osso desidratado congelado desminerali-
(por questões tanto biomecânicas quanto microbioló- zado (DFDBA);
gicas) uma nova inserção é mais desejável. Enquanto • hidroxiapatita;
um dente pode sobreviver bem com o ápice circunda- • osso autólogo;
do por tecido conjuntivo, uma lesão marginal endope- • sulfato de cálcio63.
riodontal, inadequadamente reparada, causará uma
infecção recorrente e perda de osso. A função do dente O sulfato de cálcio tem uma longa história de
é ligada biomecanicamente à relação coroa-raiz. De- utilização em Medicina e seu uso tem sido recente-
pois da cirurgia endodôntica é importante considerar mente aplicado na Odontologia por suas potenciais
não só o comprimento da raiz, como também se está aplicações na regeneração tecidual guiada10,37,63. Em
coberta de ligamento funcionalmente inserido ao osso algumas circunstâncias, o sulfato de cálcio pode atuar
de suporte. simultaneamente como preenchimento e como barrei-
As indicações clínicas para uma GTR em Endo- ra47.
dontia são as seguintes: A aplicação das técnicas regenerativas, a utiliza-
ção de tecnologia avançada (microscópio e ultrassom)
• grandes lesões ósseas45; e a utilização de materiais obturadores com caracterís-
• lesões bicorticais47 (Fig. 18-4); ticas favoráveis e de eficiência na previsibilidade de
• lesões endodônticas e de formação17; resultados têm permitido o tratamento de casos cirúr-
• comunicações endoperiomarginais e perfurações23. gicos com patologias estendidas a toda a superfície ra-
dicular e com comprometimento de todo o complexo
dentoalveolar (lesões endoperiodontais). A técnica de
descontaminar a superfície radicular tem elevado o
percentual de êxito nos resultados.
Não obstante a utilização das terapias regenera-
tivas seja discutida e considerada por muitos autores,
existe evidência clínica de que o prognóstico de muitos
casos é considerado bom com procedimentos simples.
Assim, as indicações para a colocação de implantes são
reduzidas.
O uso das membranas em cirurgias endodônti-
cas tem sido sugerido por Duggings et al.17 no trata-
mento das perfurações radiculares, por Pécora et al.47
para o tratamento das grandes lesões e, de maneira
mais generalizada, por Kellert et al.30.
Gottlow et al.23,24, Cortellini et al.11 e Caffesse et al.7,
entre outros, têm demonstrado a capacidade de vários
materiais para criar um espaço em volta de uma raiz
patologicamente exposta, permitindo uma migração
seletiva de células, somente do osso e do ligamento pe-
riodontal.
As membranas podem ser reabsorvíveis (osso la-
minar, ácido poliláctico, ácido poliglicólico, colágeno,
Figura 18-4. Lesão afetando as corticais vestibular e lingual (bi- sulfato de cálcio) e não reabsorvíveis (politetrafluoreti-
cortical). leno expandido ou e-PTFE).
Cirurgia Perirradicular 743
sivo (palatino anterior), para o nervo nasopalatino; no A incisão ou as incisões verticais devem ser ri-
forame infraorbitário, para o nervo alveolar superior gorosamente verticais para passar através das fibras
anterior e médio. musculares, tentando não seccioná-las, o que pode ser
Mandíbula: no forame mandibular (espinha de visualizado levantando o lábio e avaliando o percurso
Spix), para o nervo alveolar inferior, lingual e bucal; no das fibras e a presença dos vasos superficiais.
forame mentoniano, para o nervo mentoniano e incisivo. Na maxila, a incisão vertical é realizada o mais
posteriormente possível para os dentes anteriores e o
3 – Retalho mais anteriormente possível para os posteriores. Como
Incisão regra, prefere-se levá-la posteriormente à fossa canina,
Devem ser consideradas uma componente hori- sempre avaliando a extensão da lesão e a espessura do
zontal e uma ou duas verticais. Os critérios gerais para tecido. Em alguns casos, apresenta-se a possibilidade
o desenho do retalho são amplitude e estética. de se fazer uma primeira incisão e avaliar a situação
A amplitude está ligada à extensão da lesão e à antes de se fazer a segunda, que transforma o desenho,
anatomia do local: nervos, vasos, inserções muscula- não permitindo que ele seja modificado.
res, eminências e depressões das paredes ósseas, assim Na mandíbula, a presença do forame e do nervo
como a espessura dos tecidos moles. dentário inferior indica a zona da sínfise mentoniana para
A estética está ligada à visibilidade do dente a a primeira incisão vertical para os dentes anteriores; em
operar: anterior, posterior, superior e inferior; ao po- alguns casos, a incisão vertical deve ser retalho total na
tencial de regeneração: espessura dos tecidos moles e gengiva inserida e retalho dividido nas zonas críticas.
lesões periodontais concomitantes, suspeita de deis- A segunda incisão vertical é realizada posterior-
cência óssea ou de fraturas radiculares. mente ao forame mentoniano (Fig. 18-7). Antes de esta-
O uso do microscópio é limitado nos casos em belecer o local da incisão horizontal deve-se fazer uma
que é necessário eliminar dúvidas ou executar passos
técnicos muito difíceis; em alguns casos, a necessidade
de ter um campo visual amplo limita o aumento ideal
a 6-8×. A realização de um retalho dividido necessita
de aumento e iluminação; assim também nos casos de
avaliação da espessura dos tecidos moles ou de inci-
sões vizinhas a estruturas nervosas ou vasculares im-
portantes.
A componente horizontal pode ser intrassulcular
ou parassulcular (ou submarginal); a avaliação é ope-
ratória e estética (Fig. 18-6). Geralmente, prefere-se in-
cisar o sulco com a intenção de criar um leito receptor
na papila, deixando o tecido e também fibras e vascu- A
larização.
detalhada sondagem periodontal e se avaliar aten- pressões ósseas. Essa fase, como a precedente, deve ser
tamente a quantidade de gengiva inserida. As lesões feita com pouco aumento, devido à necessidade de um
periodontais e a escassez de gengiva inserida são con- campo visual amplo.
traindicações para uma incisão parassulcular. Essa é uma fase extremamente importante, por-
Na maxila, na vertente palatina, a incisão ho- que um retalho corretamente descolado pode ser repo-
rizontal é sempre intrassulcular, assim como para as sicionado facilmente e sua recuperação é melhor e mais
incisões verticais deve-se levar em conta a vasculari- rápida. O retalho total se realiza com decisão sobre o
zação e, em particular, o calibre e o percurso da artéria osso e deve cortar o periósteo. Isso evita lacerações.
palatina e dos seus ramos. A incisão vertical deve ter Não devem ser feitos ângulos agudos, e o traço da inci-
o traçado planejado, o posterior deve ser curto e dis- são deve ser arredondado.
tal ao primeiro molar. A forma do palato é importante A parte ativa do destaca-periósteo deve ser cur-
para estabelecer uma correta avaliação do desenho. Na va para as superfícies curvas e reta para as superfícies
cirurgia da raiz palatina temos que avaliar também a planas, devendo também ser cortante e de secção ade-
possibilidade de fazer a intervenção via vestibular, de quada às características do local. O descolamento deve
acordo com o seguinte critério: ser iniciado no ponto mais favorável e levado adiante,
progressivamente, sobre toda a superfície do retalho.
• comprometimento, também, de pelo menos alguma O controle do sangramento inclui a necessidade de se
raiz vestibular; fecharem eventuais pequenos vasos presentes nos teci-
• dilaceração das raízes; dos moles, controle esse podendo ser feito com ligadu-
• proximidade do seio maxilar; ras, coagulação e compressão.
• comprimento da raiz a operar; Destaca-periósteo ultrassônico: Da mesma for-
• tamanho da lesão. ma que o bisturi, ele vibra de acordo com o aparelho
de ultrassom aproximadamente 30.000 vezes por se-
Desenho do retalho: gundo (30KHz) e irriga a parte ativa ao mesmo tempo.
A parte ativa deve ser afiada, como nos instrumentos
• uma incisão vertical: retalho triangular; de Molt ou similares. O gume permite um descola-
• duas incisões verticais: retalho retangular. mento do retalho com um corte nítido das fibras de
Sharpey, que unem o periósteo ao osso, evitando que
As incisões verticais são mais longas em micro- elas sejam esgarçadas. A irrigação lava a hemorragia,
cirurgia, com o objetivo de permitir um descolamento permitindo uma visão clara sobre a área de descola-
e uma retração sem tensão e sem interferência com o mento e um melhor controle da superfície óssea, aju-
trajeto da luz. dando na eficácia do procedimento. Esse tratamento
Alguns instrumentos ultrassônicos se apresentam minimamente invasivo do retalho diminui o trauma,
como alternativa aos instrumentos cirúrgicos clássicos. melhorando a cicatrização e ajudando a regeneração
Bisturi ultrassônico: É um suporte para lâmina de óssea.
bisturi adaptado numa ponta ultrassônica. Isso permite
que ele vibre 30.000 vezes por segundo e irrigue a lâmi- Afastamento do retalho
na e o retalho, o que evita o aquecimento da parte ativa Os afastadores devem se adaptar ao contorno
e banha o retalho, formando uma delgada camada de ósseo, não devem escorregar, nem interferir com a en-
água sobre a área incisada, impedindo que a hemorra- trada do microscópio na área operatória. Por esse mo-
gia interfira na visão do retalho, e melhorando o campo tivo, devem conter uma parte terminal que tenha um
de trabalho. Esse bisturi pode ser utilizado nas incisões contato estável com o osso, sobre o qual possam ser
relaxantes verticais e no descolamento das papilas e in- criados pequenos degraus, depressões ou sulcos para
cisões horizontais. A vibração ultrassônica permite fazer a ancoragem do afastador. Também a largura deve ser
um corte mais eficiente com uma pressão menor sobre o suficiente para separar o lábio e mantê-lo afastado pas-
retalho, o que libera a mão para um traço mais preciso e sivamente, criando um acesso adequado e estável às
realiza uma incisão nítida e eficaz, cortando o periósteo. estruturas subjacentes.
Cinzel ultrassônico: Richman55, em 1957, foi o
Descolamento do retalho primeiro a falar de um cinzel ultrassônico, mas na-
Usamos instrumento destaca-periósteo de peque- quela época o que mais se valorizava na cirurgia api-
nas dimensões para seguir melhor as saliências e de- cal era o tempo empregado na cirurgia e não a rege-
Cirurgia Perirradicular 747
5 – Apicectomia
• com baixa rotação
É uma fase delicada em que se necessita de uma • com alta rotação
atenta avaliação e representa a premissa importante
para um prognóstico favorável. Que parte da raiz será A apicectomia pode ser realizada em um tempo
seccionada? ou em dois. O ângulo de corte final não deve ser supe-
A premissa anatômica é de que os 3mm apicais rior a 10°. Podemos cortar 1 ou 2mm e retificar o cor-
constituem a zona crítica da terapia endodôntica pela te depois da avaliação microscópica da superfície de
presença dos canais laterais. Isso, no entanto, não pode corte. Tal procedimento pode ser realizado com alta
ser tomado como um valor absoluto para afirmar que rotação ou com peça de mão reta a baixa velocidade,
vamos cortar pelo menos 3mm da raiz. Existem muitos segundo as condições anatômicas. A irrigação deve ser
fatores que devemos levar em conta, como, por exem- feita com solução fisiológica estéril, evitando o aqueci-
plo: mento da broca e do dente.
Quando temos uma espessura de osso ou uma
a) Limite apical da obturação do canal. A obturação distância maior da cortical vestibular (por exemplo, da
retrógrada não pode ser adaptada de modo a pro- raiz palatina), é importante se usar a peça de mão reta
mover um selamento efetivo sobre uma parte do para uma visibilidade adequada e um acesso correto.
Cirurgia Perirradicular 749
superfície radicular deve ser examinada a 12×-16× para fície de corte da raiz, uma vez endurecido o cimento.
avaliar a presença de eventuais crateras, reabsorções, Assim, obtemos uma superfície seca e uma excelente
depósitos de tártaro e biofilme. A cavidade pode ser ir- hemostasia para as sucessivas fases técnicas operató-
rigada com tetraciclina, preferencialmente em solução rias. Em caso de perfuração da mucosa do seio maxi-
de 250mg por 5mL de solução fisiológica a 37oC. lar, o material pode ser empurrado também dentro do
seio, impedindo a comunicação, porque além da total
Características da tetraciclina biocompatibilidade é bem tolerado pela mucosa e não
• poder bactericida (em elevadas concentrações); produz inflamação.
• poder anti-inflamatório;
• substantividade (poder de se ligar à superfície radi- 10 – Avaliação da superfície seccionada
cular e de liberar substância ativa durante um deter- Pintamos com azul de metileno a 2% e lavamos com
minado tempo); solução fisiológica. Avaliamos depois, por meio do mi-
• promoção da adesão dos fibroblastos; croscópio operatório e com microespelhos, sob aumento
• depressão da atividade osteoclástica. de 12× a 26×. A observação da superfície cortada deverá
estar concentrada nos seguintes aspectos (Fig. 18-9):
9 – Hemostasia
É uma fase importante, porque condiciona a exe-
cução da obturação retrógrada, que será tanto mais ho-
mogênea, quanto mais o operador consiga controlar o
sangramento e a infiltração de fluidos.
A concentração de vasoconstritor no anestésico
deve ser elevada (1:50.000). Embora o efeito sistêmico
seja mínimo (aceleração do pulso e leve aumento da
pressão), há estudos que demonstram que uma dose
elevada de epinefrina corresponde a elevados níveis
plasmáticos68. Em cardiopatas, um cardiologista deve
ser consultado.
O controle do sangramento na cripta óssea, de-
pois da ressecção apical e da curetagem, pode ser feito A
com:
• incluir todo o forame apical; • a regularidade das margens e o paralelismo das pa-
• ser de secção reduzida; redes;
• ter uma profundidade de pelo menos 3mm; • a preparação completa;
• estar limpa; • a ausência de microfraturas.
• incluir um eventual istmo.
O controle é realizado com grandes aumentos
Essas características podem ser realizadas com o 20×-30×, com o auxílio de microespelhos, sem os quais
uso do microscópio e do ultrassom, sendo que esse úl- no passado era impossível a avaliação da limpeza da
timo permite uma série de vantagens: cavidade. Eles estão disponíveis em várias formas,
tamanhos e qualidades, entram facilmente na cripta
• melhor acesso; óssea e permitem uma boa visão dentro da cavidade
• preparo conservador; quando usados com uma inclinação de 45°.
• extrema simplicidade e rapidez de execução;
• preparo sem detritos e de paredes paralelas;
Instrumentos ultrassônicos de retropreparo
• preparo do istmo;
• menos estresse para o operador e mais segurança; O recente desenvolvimento de novos instrumen-
• melhores resultados com o tempo. tos e técnicas vem melhorando o resultado das cirur-
gias perirradiculares de apicectomia com retro-obtura-
No que concerne à profundidade da obturação, ção. Como o resultado da cirurgia depende muito de
a maioria dos estudos tem demonstrado que com ca- boa obturação e do selamento da cavidade, um ótimo
vidades de 3mm há uma infiltração mínima e uma preparo do local é requisito essencial para uma obtura-
equivalência entre os vários materiais. Com cavida- ção adequada depois da apicectomia9,65,70.
des de profundidade de 1mm, a infiltração é maior e, As pontas ultrassônicas para retropreparo apical
geralmente, ficam evidenciadas sensíveis diferenças são atribuídas a Bertrand4. Em 1987, Flath e Hicks20 re-
entre os materiais. Outro ponto importante na esco- portaram o uso de pontas sônicas e ultrassônicas. As
lha do material obturador é que ele não deve se so- pontas ultrassônicas revolucionaram a terapia cirúr-
lubilizar na presença de umidade, deve ser de fácil gica perirradicular, melhorando os procedimentos ao
inserção e ser biocompatível com os tecidos perirra- permitirem um melhor acesso ao canal apical, o que
diculares. Segundo Tanomaru-Filho et al.66, diversos resulta num melhor retropreparo32,71.
materiais apresentam resultados histológicos simila- Essas pontas vêm com diferentes ângulos, com-
res quando comparados em condições ideais, embora primentos, diâmetros, e acabamentos, o que permi-
possam apresentar diferenças significativas em testes te trabalhar melhor e ser mais eficiente, quando se
in vitro. escolhe a ponta certa8,29,55. Uma das vantagens mais
Uma das mais frequentes causas de insucesso da importantes é a de poder trabalhar com uma osteoto-
cirurgia perirradicular é a presença de resíduos de ob- mia menor. Isso permite ser minimamente invasivo
turações de canais ou de substâncias contaminantes na na osteotomia durante os procedimentos, já que a es-
parede vestibular da cavidade. Esse fato torna bastante colha da ponta certa permite um espaço de trabalho
relevante o controle da limpeza e da adequação das pa- pequeno39.
redes da cavidade por meio de microespelhos. As pontas permitem uma cavidade mais profun-
O uso de pontas com curvatura adequada (Back da, preparando o local originalmente ocupado pela
Action Ultrasonic Tip) e um correto uso dos compac- polpa apical, conservando maior quantidade de denti-
tadores para a devida compactação dos resíduos de na nas bordas da cavidade25,31,74, e, como se sabe, uma
guta-percha no assoalho da cavidade, com iluminação cavidade mais centrada afasta o risco de fratura e de
e aumento adequados, permitem obter as melhores perfuração lateral1,34.
condições para uma obturação retrógrada compacta. A geometria das pontas não requer bisel para
Para tanto, devem ser considerados os seguintes fa- acesso ao canal71, reduzindo assim a superfície de den-
tores: tina cortada e diminuindo dessa forma o número de
canalículos dentinários expostos. Essas pontas também
• a limpeza da parede; permitem a remoção do istmo, quando ele está presen-
• a ausência de sangramento; te entre dois canais na mesma raiz19,34,72,75, evitando fra-
• o fundo da cavidade; cassos71 (Fig. 18-10).
Cirurgia Perirradicular 753
O refinamento das margens da cavidade, obtido caso de perfuração pode-se cortar um pouco mais de
com as pontas de ultrassom, facilita a obturação, per- raiz no local da perfuração (se a relação coroa-raiz o
mite levar melhor o material retro-obturador e conden- permite) ou mesmo fazer uma obturação detalhada
sá-lo, melhorando o selamento9,41,58,65. com um prévio controle de sangramento.
Existem controvérsias sobre a produção de fratu- O controle visual deve ser acurado e eventual-
ras, sobre o tempo de utilização, o diâmetro da ponta e mente integrado com o controle radiológico, especial-
a amplitude de vibração do aparelho. Khabaz31 diz que mente no caso de canais com obturações defeituosas
as pontas lisas produzem mais fraturas que as pontas ou com presença de retentores intrarradiculares. No
com diamante. primeiro caso, não devem permanecer espaços va-
A influência de microfraturas69 é compensada em zios; deve-se aprofundar o preparo, seccionar mais
parte pela reabsorção remodeladora pós-cirúrgica, que o ápice, ou ainda limpar e obturar com material bac-
pode eliminar os defeitos de superfície e contribuir teriostático não reabsorvível a parte vazia do canal.
com o sucesso da cirurgia26. Esses defeitos podem ser No segundo caso, se o retentor intracanal está perto do
eliminados por acabamento e obturação20. fundo da cavidade retrógrada, é importante remover
Estudos reportam excelentes taxas de sucesso pelo menos 1mm de cimento em volta do pino e des-
quando são utilizados microscópio e pontas ultrassôni- contaminar a área com solução de tetraciclina antes da
cas, considerados atualmente como fundamentais em obturação retrógrada.
cirurgia perirradicular67. Margens irregulares apresentam dificuldade de
Alguns autores recomendam potência ultrassô- obturação e aumentam o espaço entre a parede e o ma-
nica média ou mínima e cavidades de 3mm de pro- terial de obturação. Por isso, é importante uma parede
fundidade para haver uma boa compactação e asse- lisa para se obter uma correta vedação. Deve ser con-
gurar o selamento39. A cavidade ideal deve ser de pa- siderado também que uma parede irregular apresenta
redes paralelas, ocupando o espaço pulpar apical8,29. uma superfície maior.
Alguns autores preconizam iniciar a cavidade com O paralelismo das paredes é importante para a re-
a ponta coberta com diamante, e, uma vez obtida a tenção da obturação, especialmente para os materiais
profundidade, alisar as paredes com pontas de aço que têm um tempo de endurecimento longo (MTA –
polidas75. agregado de trióxido mineral).
A ponta pode servir para colocar o material na Todas as portas de saída do sistema de canais de-
cavidade e vibrá-lo para aumentar a adaptação às pa- vem estar incluídas na preparação. Habitualmente, é
redes e ao fundo, melhorando a obturação33. Também difícil avaliar a presença de istmo, e é de bom alvitre,
pode ser utilizada para o polimento da superfície api- na dúvida, fazer o preparo. Isso vale também para a
cal, eliminando bactérias que poderiam ser responsá- presença de pequenas depressões, de microfraturas
veis por infecção persistente61,62. e de suspeita de canais laterais durante a observação
da superfície do corte. Pode ser usado também maior
aumento, lavar com solução fisiológica a superfície ou
12 – Verificação e controle da cavidade retrógrada usar transiluminação.
Nunca é demais repetir que devemos prestar Nos casos de superfície radicular exposta é neces-
atenção especial à parede vestibular do preparo, veri- sária uma avaliação extremamente detalhada na busca
ficando com microespelho a limpeza da cavidade. A de microfraturas. Deve ser reavaliada a radiografia ini-
observação microscópica de centenas de casos de in- cial na busca de radiolucidez lateral na raiz e testar a
sucesso mostrou a presença de materiais de obturação oclusão do paciente em uma espátula de madeira (pro-
ou detritos na parede vestibular coronariamente à su- va de mordida).
perfície de corte. Depois dessas observações podemos A fase de secagem da cavidade é realizada tanto
concluir que muitos desses insucessos aconteceram por antes do controle final da cavidade, como também an-
um preparo incompleto ou pela obturação defeituosa tes da aplicação do material de obturação. A obtenção
da parede vestibular da preparação apical. de uma superfície seca é útil para uma visão melhor da
Mesmo que muitos sustentem a impossibilidade cavidade e para uma perfeita adaptação da obturação
de perfuração com o uso do ultrassom, tem havido às superfícies.
muitos casos por erro de posicionamento da ponta. O irrigador de Stropko, uma agulha de ponta
São importantes um detalhado controle pré-ope- cega, não cortante, que está adaptada a uma seringa
ratório e o uso do ultrassom na potência média. Em tríplice de baixa pressão (4 libras por polegada), é um
754 Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
instrumento útil para levar água e ar na cavidade, à turação, que é realizada com um ligeiro excesso, e a
qual se adapta muito bem. compactação final é finalizada com brunidor de diâme-
Muitos materiais de retro-obturação proporcio- tro superior à cavidade, passado alternativamente nas
nam um bom selamento, mesmo na presença de umi- bordas (Fig. 18-12). O material excedente é removido
dade; entretanto, a melhor adaptação se consegue com com um escavador de secção maior ou com uma cureta
uma cavidade seca. É impossível ter um bom controle Columbia 13-14.
da cavidade na presença de secreções, e com o micros- Quando é utilizado MTA, após a remoção do ex-
cópio operatório e com os microespelhos podemos cesso podemos cobrir o material com sulfato de cálcio,
conseguir uma correta observação da cavidade seca. que protege o material durante o tempo de presa final
Portanto, depois de uma última lavagem com tetraci- e mantém um pH favorável à deposição do cemento
clina usando aumentos de 10× a 16× podemos obter sobre a superfície de corte, durante o tempo em que é
uma secagem eficiente com o irrigador de Stropko, o reabsorvido.
qual permite uma lavagem e secagem melhor e mais O conceito de selamento é ligado, em cirurgia
rápida que os cones de papel. endodôntica, à capacidade de impedir a passagem de
bactérias ou produtos bacterianos do sistema de canais
radiculares para os tecidos perirradiculares. Sabemos
13 – Obturação retrógrada
que o cemento é uma barreira natural; portanto, a de-
Selecionamos os instrumentos adequados, pro- posição do cemento sobre a superfície do corte seria a
vando-os dentro da cavidade, enquanto o assistente situação ideal. Entretanto, os estudos têm demonstra-
prepara o material de obturação. do que existe uma dupla infiltração via apical por meio
As várias fases podem ser assim resumidas: dos túbulos dentinários e do espaço entre a parede
dentinária e o material de retro-obturação.
• Seleção do material. Entre os numerosos materiais de retro-obtura-
• Preparação do material. ção podemos indicar o SuperSeal (um cimento simi-
• Adaptação do material na cavidade. lar ao Super-EBA, uma associação de óxido de zinco
• Compactação. com ácido etoxibenzoico), com um tempo de trabalho
• Modelagem da superfície. maior. Esse material é biocompatível, não reabsorví-
• Acabamento da superfície. vel, radiopaco, tem uma excelente adaptação tridi-
• Controle visual e radiográfico. mensional e não produz descoloração nos tecidos vi-
zinhos (tatuagem). SuperSeal é simples de preparar
As características ideais do material de retro-ob- e de levar na cavidade, o tempo de trabalho é sufi-
turação são: cientemente longo, sendo adequado às necessidades
operatórias. É apresentado em cápsulas monodose e
• Ser bem tolerado pelos tecidos perirradiculares. a relação ideal é de duas cápsulas por gota de líquido.
• Ser bactericida ou bacteriostático. A espatulação deve ser realizada incorporando lenta-
• Prover um selamento adequado mesmo em ambien- mente o pó ao líquido, para produzir uma saturação
te úmido. progressiva e produzir uma consistência compacta,
• Ser de fácil manipulação. similar a uma massa de vidraceiro, não pegajosa. O
• Ter estabilidade dimensional. tempo de endurecimento é de cerca de 8 minutos.
• Não provocar alterações de cor nos tecidos. Uma vez espatulado, o material é levado à cavidade
• Não ser solúvel com o tempo. em forma de pequenos cones, com uma microespá-
• Promover a cementogênese. tula e condensado com microcondensadores. Depois
• Ser radiopaco. de endurecido é feito o acabamento com brocas dia-
mantadas com baixa rotação ou brocas multilamina-
O material é compactado com um microcompac- das e alta rotação, visualizando o procedimento com
tador, que, em cada caso, é primeiramente experimen- aumentos de 8× a 12×.
tado na cavidade. O cone do material é compactado Outro material interessante é o MTA, que se
contra o fundo da cavidade, e o compactador é retira- apresenta em pó e deve ser misturado com água desti-
do comprimindo contra a parede vestibular. As por- lada. O tempo de endurecimento é de 4 horas, poden-
ções seguintes encontram assim um espaço adequado do ser levado à cavidade com uma ponta de ultras-
sucessivamente. Dessa forma evitaremos falhas na ob- som, microespátula ou microporta-amálgama, que
Cirurgia Perirradicular 755
permite levar pequenas doses do material no interior por regeneração ou por cicatrização? Nesse ponto, a res-
da cavidade. Ele deve ser compactado, e o ultrassom posta está no tipo de lesão.
permite o preenchimento da cavidade sem bolhas. A Quando a lesão se restringe ao ápice, o tipo de
desvantagem desse material, além de seu longo tem- cura não possui importância particular. Somente em
po de presa, é sua consistência peculiar, que exige lesões particularmente grandes pode se materializar
uma adaptação do profissional para dominar seu uso. a oportunidade de privilegiar a formação de osso e,
Uma vez preenchida a cavidade, pode ser alisado com então, de guiar a cura em tal sentido. Quando a le-
brunidor, e colocamos a proteção do capuz de sulfato são se estende à superfície radicular, não permitindo
de cálcio. a ressecção de toda a porção de raiz comprometida, é
O controle da obturação se realiza a 20×-25× com necessário que sejam aplicados os princípios da GTR,
auxílio de microespelhos. Nesse momento é oportuna com o objetivo de obter formação de cemento, liga-
uma documentação fotográfica para arquivar na ficha mento e osso.
do paciente ou enviar ao dentista referente. Um material que tem suscitado extremo interesse
e uma confirmação na clínica e nas pesquisas é o sulfa-
14 – Avaliação da necessidade de GTR to de cálcio. A técnica de aplicação é a “estratificação”
Para uma melhor finalização do tratamento é ne- (em camadas); o material é misturado com consistência
cessária a avaliação da oportunidade ou da necessidade cremosa, colocado em pequenas quantidades, e com-
de aplicar os princípios da GTR. A pergunta principal primido com pequenos quadradinhos de gaze tran-
é: quanto é importante nesse caso ter uma reparação çada até preencher ligeiramente em excesso o defeito.
756 Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
15 – Sutura
A fase de sutura requer o uso do microscópio ope-
ratório. Nos casos de necessidade estética ou de suturas
6-0 pode ser útil um aumento de 2,5× a 8×. Para a re-
moção da sutura é importante um aumento adequado
(6× a 8×), especialmente as microssuturas, com o uso de
pinças e fórceps de microcirurgia, seja para controlar a
remoção completa do fio, seja para evitar a laceração
do tecido na remoção precoce (48 horas).
A
16 – Controle radiográfico
Em condições normais os controles são realizados
a 1, 3, 6 e 12 meses. Nos casos de lesões mais extensas,
eles se estendem por 2 a 3 anos. As radiografias devem
ser realizadas com posicionadores.
Considerações gerais
A vantagem maior na utilização do microscópio
operatório é permitir tratar casos difíceis com maior
confiança e simplicidade, além de permitir um prog-
nóstico favorável em casos extremos. A pergunta mais
importante é: com as técnicas microcirúrgicas temos
um maior percentual de sucesso?
A resposta vem fornecida por um estudo clínico
de Rubinstein e Kim57 que revelou um percentual de
sucesso de 96,8% com um tempo de cura médio de 7,2
B meses nos controles de 1 ano. A grande experiência clí-
nica, acumulada nos últimos anos, nos leva a coincidir
Figura 18-13. Sulfato de cálcio preenchendo a loja cirúrgica. A. com o pensamento de Rubinstein: “O elevado percen-
Reconstrução com Surgiplaster. B. Radiografia de controle pós-ope-
tual de sucesso revelado nesse estudo deve ser atri-
ratório mostrando o Surgiplaster em volta do ápice, preenchendo
a lesão. buído às técnicas microcirúrgicas, muito mais que ao
material de obturação utilizado.” As Figs. 18-14 a 18-16
são casos clínicos operados seguindo os princípios e
Nas grandes cavidades pode ser usado o Surgiplaster técnicas descritos neste capítulo.
G 170 em grânulos, que apresenta uma extrema simpli-
cidade no seu uso e uma grande previsibilidade nos re-
sultados (Fig. 18-13). O sulfato de cálcio (Surgiplaster)
possui algumas características que o tornaram popular
e indispensável por aqueles que o têm experimentado
nas várias situações clínicas:
• é osteocondutor;
• é totalmente reabsorvível;
• impede o crescimento bacteriano;
• mantém o espaço no defeito, impede a colonização
da cavidade por células não osteogênicas (ação de
barreira); A B
• estimula o crescimento e a maturação do tecido
ósseo; Figura 18-14. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Con-
• estimula a neoangiogênese. trole de 12 meses.
Cirurgia Perirradicular 757
A B
C D
Figura 18-15. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Osteotomia guiada por cone de guta-percha. C. Surgiplaster preenchendo a
área da lesão. D. Controle de 12 meses.
A B C
Figura 18-16. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Surgiplaster na área da lesão. C. Controle de 12 meses. Notar pequenas áreas
arredondadas mostrando a não regeneração da cortical palatina por defeito de técnica de regeneração.
758 Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
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Capítulo 19
Emergências e
Urgências em
Endodontia
Dentre as atribuições do cirurgião-dentista, uma blema do paciente, adequando-o, assim, a uma con-
das mais nobres e importantes se refere à promoção do veniência mútua. Enquanto a urgência não representa
alívio da dor do paciente. A dor de origem pulpar ou uma condição séria, que necessite de intervenção ime-
perirradicular corresponde a cerca de 90% dos casos de diata, a emergência requer tratamento imediato para
emergência em consultórios dentários38, sendo que, em restabelecimento do conforto do paciente. Walton &
muitas das vezes, a intervenção endodôntica se torna Torabinejad42 propõem questionamentos que podem
imprescindível para alívio imediato dos sintomas. ser dirigidos ao paciente visando ao reconhecimento
As emergências endodônticas estão relaciona- de uma emergência verdadeira:
das com casos de dor e/ou tumefação que requerem
diagnóstico e tratamento imediatos. O sucesso do tra- 1. Seu problema está interferindo em seu sono, na ali-
tamento emergencial, caracterizado pela remissão da mentação, no trabalho, na concentração e em outras
sintomatologia, é gratificante para ambos, profissional
atividades diárias?
e paciente, e contribui decisivamente para que a con-
Uma emergência verdadeira rompe o equilíbrio do
fiança do paciente seja conquistada. Todavia, o fracas-
paciente e o impede de executar atividades rotineiras.
so em debelar a dor resulta em frustração para ambos e
2. Há quanto tempo esse problema o aflige?
comprometimento da relação profissional-paciente.
Uma emergência verdadeira raramente dura mais do
O propósito deste capítulo é discutir os princípios
que 2 a 3 dias, que é o período normal do curso de uma
e sugerir os procedimentos técnicos relacionados com o
resposta inflamatória aguda.
tratamento das urgências e, principalmente, das emer-
gências de origem endodôntica. Opções de tratamento 3. Você precisou tomar algum medicamento para ali-
serão também apresentadas, levando-se em considera- viar a dor? Ele foi eficaz?
ção possíveis limitações técnicas do profissional, tem- Dificilmente o emprego de analgésicos alivia a dor as-
po disponível para tratamento e dificuldades impostas sociada a uma emergência verdadeira.
pela anatomia dentária (por exemplo, canais curvos,
atresiados, calcificados etc.). Identificadas e diferenciadas essas duas condi-
ções, deve-se proceder da forma mais conveniente,
que seria: tratamento imediato para as emergências,
EMERGÊNCIA VERSUS URGÊNCIA procurando encaixar o paciente no atendimento do
A diferenciação dessas duas condições propiciará dia e marcação de consulta para os casos de urgência,
ao profissional a melhor maneira de lidar com o pro- atendendo à conveniência tanto do paciente quanto
761
762 Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
Hipersensibilidade dentinária
Características
Dor aguda, fugaz, localizada e provocada após es-
tímulos mecânicos, osmóticos, térmicos e bacterianos.
Muitas vezes está associada à recessão gengival,
que, em cerca de 10% dos pacientes, promove exposi- A
ção dentinária na região cervical do dente, por ausên-
cia de coaptação entre esmalte e cemento19 (Fig. 19-1).
b) Aplicação de adesivos dentinários, que agem por hi- riores ou mesmo posteriores que irão receber restau-
bridização com a dentina, ou de cimentos de ionômero ração com resina composta é conveniente aplicar um
de vidro fotopolimerizáveis, sob isolamento absolu- forro com cimento de hidróxido de cálcio e selar a ca-
to. Esses materiais restauradores apresentam um re- vidade com cimento de ionômero de vidro. Após uma
sultado também imediato, contudo mais duradouro a duas semanas, se o dente estiver assintomático, a
do que o oxalato de potássio. Preferimos o emprego restauração definitiva pode então ser aplicada.
dos adesivos dentinários ou dos cimentos de ionô-
mero de vidro fotopolimerizáveis, pois propiciam
um selamento adequado dos túbulos dentinários
Condição que requer terapia endodôntica
e, consequentemente, reduzem a movimentação do É representada pela pulpite irreversível sinto-
fluido e do conteúdo tubular6, responsável pelo me- mática.
canismo de dor da dentina (teoria hidrodinâmica)22.
Outrossim, alguns adesivos e os cimentos de ionô- Pulpite irreversível sintomática
mero de vidro possuem atividade antibacteriana,
Características
inibindo a colonização bacteriana e eliminando bac-
térias remanescentes sobre a superfície dentinária7. A ocorrência de dor em casos de pulpite irrever-
Em casos de abrasão ou atrição, onde houver perda sível não é regra, mas exceção. Clinicamente, sabe-
de estrutura dentária na cervical do dente associada mos que uma polpa está inflamada irreversivelmente
à hipersensibilidade, a área deve ser restaurada com quando há exposição pulpar por cárie e/ou se o dente
resina composta ou cimento de ionômero de vidro. apresenta dor aguda, contínua, excruciante, fastidiosa,
espontânea e, às vezes, difusa. O paciente comumente
relata uso de analgésicos, o qual pode ou não ser efi-
Pulpite reversível
caz, dependendo do estágio da inflamação. Em alguns
Características raros casos pode haver dor à percussão.
Quando presente, a dor é semelhante à descrita
para a hipersensibilidade dentinária. Os exames re-
Tratamento
velam cárie profunda e/ou recidivante, restaurações
extensas, recentes ou fraturadas. Não há exposição 1a Opção (há tempo disponível):
pulpar.
• Preparo inicial: anestesia (ver Capítulo 6.2 – Aneste-
sia em Endodontia); raspagem e polimento coronário;
Tratamento
isolamento absoluto; descontaminação do campo
Remoção do tecido cariado ou restauração de-
operatório com hipoclorito de sódio (NaOCl) a 2,5%
feituosa e aplicação de curativo com cimento à base de
ou álcool iodado a 2%; e acesso à câmara pulpar
óxido de zinco e eugenol (Fig. 19-3). Em dentes ante-
(Fig. 19-4).
• Exploração do canal e obtenção do comprimento de
trabalho (CT). Durante a exploração de canais mais
amplos, a polpa deve ser descolada das paredes
dentinárias pela ação do instrumento.
• Pulpectomia em canais amplos com limas rabo de
rato ou extirpa-nervos (Fig. 19-5). Esses instrumen-
tos, selecionados de acordo com o diâmetro do canal,
não devem sofrer resistência das paredes de dentina
quando introduzidos até próximo do CT. Nessa po-
sição, o extirpa-nervos deve ser girado no sentido
horário, aprisionando a polpa em suas farpas, sendo
em seguida retirado do canal. Se a polpa não for to-
talmente removida, repetem-se os passos descritos.
Às vezes, a polpa é removida por fragmentos. Em
Figura 19-3. Remoção de cárie profunda e aplicação de curativo
com cimento à base de óxido de zinco-eugenol em um terceiro
canais atrésicos e/ou curvos não se utiliza extirpa-
molar inferior com pulpite reversível. Clinicamente, não havia indí- nervos – a polpa é removida por fragmentação du-
cios de exposição pulpar. rante a instrumentação.
Emergências e Urgências em Endodontia 765
Além do aumento de pressão intratecidual, bra- também deve ser realizada na mesma consulta de emer-
dicinina e histamina também induzem dor por ação gência, quando os fatores tempo, habilidade do opera-
direta sobre as fibras nervosas. Prostaglandinas não dor e variações anatômicas obviamente permitirem.
causam dor diretamente, mas podem reduzir o limiar A instrumentação apical com limpeza do forame
das fibras nervosas, tornando-as mais suscetíveis aos com uma lima de patência, além de permitir a dre-
efeitos algógenos da bradicinina e da histamina. nagem, promove a eliminação da causa principal da
Tem sido sugerido que a produção de gases agressão, isto é, bactérias alojadas no 1/3 apical do ca-
por bactérias pode também ser responsável pela nal, em íntimo contato com o ligamento periodontal.
dor, por comprimir fibras nervosas. Não existem quais- Alguns temem que a instrumentação apical na sessão
quer evidências científicas de que a produção de gases de emergência possa promover a extrusão apical de
por bactérias no canal atinge proporção capaz de cau- detritos contaminados, o que resultaria em exacerba-
sar dor por compressão. Na verdade, tal ocorrência é ção da resposta inflamatória. Ora, o risco de extrusão
muito pouco provável. Outros produtos bacterianos, de detritos contaminados durante a instrumentação
como enzimas e componentes estruturais da célu- apical é o mesmo, tanto na sessão de emergência quan-
la bacteriana, são certamente os fatores de virulência to em qualquer outra.
mais envolvidos na indução da dor de forma indireta É nossa opinião que essa extrusão resulta em me-
porque estimulam o desenvolvimento de uma resposta nores problemas justamente na sessão de emergência,
inflamatória aguda. quando os tecidos perirradiculares já estão inflamados,
Como a causa da dor perirradicular de origem in- preparados para a agressão. Outrossim, a sintomatolo-
fecciosa é a presença de bactérias no interior do sistema gia clínica pós-operatória pode ser controlada pelo em-
de canais radiculares, o tratamento para essa condição prego de anestésicos de longa duração, como a bupi-
é a eliminação ou pelo menos a redução da população vacaína, durante a execução dos procedimentos, e pela
bacteriana intracanal. Uma vez que as bactérias locali- prescrição de agentes analgésicos/anti-inflamatórios,
zadas na porção apical do canal são as principais envol- como o ibuprofeno de 400 a 600mg, de 6 em 6 horas.
vidas na agressão aos tecidos perirradiculares, parece Outros agentes, como diclofenaco, naproxeno, ceto-
óbvio que aquele objetivo apenas é logrado quando o profeno e piroxicam, também são bastante eficazes no
canal é instrumentado em toda a sua extensão. Não é controle da dor de origem endodôntica. Em casos de
justificado realizar a instrumentação dos 2/3 coroná- dor severa é recomendado associar o acetaminofeno de
rios do canal na sessão de emergência, deixando-se o 650 a 1.000mg no intervalo das doses do ibuprofeno41.
1/3 apical para uma segunda sessão. Isso só é justifi- Para pacientes com intolerância a AINEs que apresen-
cado se o tempo disponível para o atendimento emer- tam dor aguda é recomendado o acetaminofeno de
gencial for curto. Alguns alegam que tal procedimento 650-1.000mg associado a um opioide (60mg de codeína
causará a descompressão causada pelos gases bacteria- ou 10mg de hidrocodona)41. Em consultas posteriores,
nos. Como já discutido, se os gases liberados realmente após a remissão dos sintomas em canais parcialmente
exercem algum efeito na indução de dor, ele é mínimo instrumentados, a extrusão apical pode causar exacer-
quando comparado à compressão de fibras nervosas bação por mobilização de novas células inflamatórias
pelo edema no ligamento periodontal. para aquela região. Esse flare-up gera frustração ao pro-
Na verdade, ao procedermos à abertura coroná- fissional e principalmente ao paciente, que se julgava
ria e à limpeza dos 2/3 coronários, pode-se ter o alívio livre da dor.
de sintomas devido à diferença de pressão (perirradi-
cular e atmosférica), que induz uma drenagem, ainda Tratamento – procedimentos
que mínima e às vezes imperceptível clinicamente, mas
Necrose pulpar com periodontite apical aguda
de magnitude suficiente para reduzir a compressão ao
nível do ligamento periodontal apical. Contudo, a re- Características
missão de sintomas é mais previsível quanto o canal é Dor intensa à mastigação. Teste positivo de per-
limpo e desinfetado em toda a sua extensão. cussão e às vezes de palpação. Dor ao toque, o paciente
Realizamos nesses casos uma técnica progressiva tem sensação de “dente crescido” devido à ligeira ex-
de instrumentação no sentido coroa-ápice, como as téc- trusão do dente no alvéolo em decorrência do edema
nicas MRA29, de Oregon17 e de instrumentos acionados no ligamento periodontal apical. Radiograficamente
a motor. Assim, embora a limpeza dos 2/3 coronários pode haver ou não espessamento do espaço do liga-
do canal deva idealmente preceder a apical, essa última mento periodontal (Fig. 19-6).
Emergências e Urgências em Endodontia 767
• Preparo inicial.
• Instrumentação dos terços médio e cervical, preser-
vando os 3 a 4mm apicais e irrigando-se com NaOCl
a 2,5%.
Figura 19-6. Espessamento do espaço do ligamento periodontal • Remoção do excesso de NaOCl do canal por meio de
em dente com periodontite apical aguda. aspiração. Não secar o canal.
• Colocação de mecha de algodão embebida em
Tratamento NaOCl na câmara pulpar. Uma pasta de hidróxido
de cálcio não é aplicada nessa situação, pois o canal
Como já discutido, se o conteúdo tóxico no canal
ainda não foi totalmente instrumentado. A aplica-
radicular é o responsável pela inflamação perirradicu-
ção do NaOCl visa a minimizar a penetração de bac-
lar, então a limpeza completa do canal em toda a sua
térias da saliva por uma possível microinfiltração
extensão, por meio de técnicas progressivas de instru-
do selador temporário. Além disso, mantém ação
mentação, é o procedimento de escolha para alívio da
antimicrobiana residual, impedindo a proliferação
dor29. O completo preparo químico-mecânico só não
microbiana até que a completa instrumentação seja
deve ser realizado na consulta de emergência se hou- executada em, no máximo, 7 dias.
ver limitação técnica do operador, carência de tempo • Selamento coronário e prescrição de analgésico/
ou interferências anatômicas. anti-inflamatório.
• Alívio de oclusão.
1a Opção:
Abscesso perirradicular agudo
• Preparo inicial. Optamos pela anestesia com bupi-
vacaína. Características
• Inundação da câmara pulpar com NaOCl a 2,5%. Dor espontânea, pulsátil e à mastigação. Testes de
• Desinfecção progressiva. Uma lima de pequeno ca- percussão e palpação positivos. Pode haver mobilidade
libre (#08, #10 ou #15) é introduzida frouxa no canal, dental e também envolvimento sistêmico, como febre.
com movimentos suaves de vaivém, carreando a so- O tratamento varia conforme o estágio de evolu-
lução irrigadora no sentido apical e desalojando o ção do abscesso:
tecido pulpar necrosado e infectado. Nenhuma ação
de corte deve ser exercida contra as paredes denti- ESTÁGIO INICIAL: Não há tumefação. A dor é
nárias. Após o avanço de 2 a 3mm no interior do excruciante. O diagnóstico clínico é usualmente con-
canal, a lima é removida, limpa com gaze estéril, e a fundido com a periodontite apical aguda e só é confir-
solução irrigadora é renovada na câmara pulpar. A mado quando da visualização de exsudato purulento
lima é então reinserida no canal, e essas manobras drenando pelo canal após a abertura coronária.
são repetidas até que o instrumento atinja o limite
entre os terços médio e apical. Tratamento
• Limpeza por ampliação dos 2/3 coronários com • Preparo inicial.
brocas de Gates-Glidden ou outros instrumentos • Drenagem da coleção purulenta pelo canal (Fig.
acionados a motor. 19-7). Esperar por 15 a 30 minutos até que todo o
• Limpeza apical e obtenção do CT com limas de pe- exsudato se esvaia.
queno calibre (#08, #10 e #15) e irrigações abundan- • Tratamento como já recomendado para a periodon-
tes com NaOCl a 2,5%. tite apical aguda.
768 Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
A B C
Figura 19-8. Abscesso perirradicular agudo. A. Tumefação intraoral flutuante. B. Ilustração esquemática da incisão para drenagem. C. Dre-
nagem da coleção purulenta após incisão da mucosa.
Figura 19-10. Extrusão apical de detritos é uma das principais causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).
Emergências e Urgências em Endodontia 771
Figura 19-11. Aumento do potencial de oxirredução pode levar a uma proliferação excessiva de bactérias facultativas que podem causar
um flare-up (ver texto para mais detalhes).
Figura 19-12. O desequilíbrio da microbiota do canal, como, por exemplo, devido à instrumentação incompleta, é uma das causas de flare-
up (ver texto para mais detalhes).
Figura 19-13. A introdução de novas bactérias no canal, como, por exemplo, devido à quebra da cadeia asséptica durante o tratamento, é
uma das causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).
Se não resolver: 18. Naidorf IJ. Endodontic flare-ups: bacteriological and immu-
nological mechanisms. J Endod, 1985; 11: 462-4.
• Remoção da obturação, drenagem e retratamento. 19. Nanci A. Ten Cate’s Oral Histology. 6th ed. St. Louis: Mosby,
2003.
Se o problema ainda não for resolvido, está in- 20. Närhi M. The neurophysiology of the teeth. Dent Clin North
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• Obturação incorrigível – nesses casos está indicada a 22. Pashley DH. Dynamics of the pulpo-dentin complex. Crit
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Capítulo 20
Analgésicos em
Endodontia
Anibal R. Diogenes
Kenneth M. Hargreaves
775
776 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
químicos e térmicos. Assim, são chamados nocicepto- entende a necessidade de intervir em um ou mais ní-
res polimodais. A detecção de diferentes estímulos na veis da via de transmissão da dor.
periferia é diretamente modulada no local de detecção Os instrumentos farmacológicos (analgésicos e
pela presença de mediadores inflamatórios, tais como anestésicos) disponíveis na clínica atuam em um ou
bradicinina, fator de crescimento neural, substância P mais dos três níveis da via de dor. É importante para
e outros3,5,6,19,28,46,67-69,107. Esses mediadores têm efeitos o clínico entender o mecanismo de ação de cada uma
sensibilizantes a curto prazo e efeitos plásticos a longo dessas drogas de uma forma que sejam usadas quando
prazo, ambos resultando em resposta aumentada ao apropriadas para atingir um nível máximo de confor-
estímulo detectado27. Dessa forma, mediadores infla- to para o paciente e uma satisfação com o tratamento
matórios permitem um aumento da resposta aferente oferecido. Todavia, é importante enfatizar o papel dos
primária, levando potencialmente a uma maior per- anestésicos locais (ver Capítulo 6, Seção 2, Anestesia em
cepção da dor. Endodontia) em fornecer redução da dor transoperató-
Antes de a resposta sensorial primária ao estí- ria e também redução pós-operatória da sensibilização
mulo nocivo (isto é, potencial de ação) ser conduzida central (será discutido adiante). As principais classes
ao córtex cerebral para percepção, ela alcança o corno de analgésicos discutidas neste capítulo são os não
dorsal da medula. Nessa região, neurônios sensoriais esteroidais (ou AINEs – anti-inflamatórios não este-
primários fazem sinapse com neurônios de segunda roidais; por exemplo, ibuprofeno e dipirona), os não
ordem, tais como os neurônios de ampla faixa dinâmi- AINEs (por exemplo, paracetamol e opioides) e os es-
ca (ou WDR, do inglês wide-dynamic range), para trans- teroides (por exemplo, dexametasona).
mitir sua informação sensorial. Esse processo não é um
simples tráfego de sinais elétricos inalterados. Há um
FATORES PREDISPONENTES DA DOR
processamento considerável ao nível espinhal levando
à amplificação do sinal inicial (por exemplo, pela ação
ENDODÔNTICA PÓS-OPERATÓRIA
da ativação dos receptores NMDA – N-Metil-D-Ácido Embora o tratamento endodôntico moderno te-
aspártico – nos neurônios WDR) ou amortecimento do nha o potencial de ser um procedimento livre de dor,
sinal (por exemplo, pela ação do GABA – ácido gama- em parte devido a avanços na técnica anestésica, como
aminobutírico – liberado por interneurônios interagin- os sistemas de anestesia intraósseo (por exemplo, X-
do com os neurônios WDR). tip da Dentsply e Stabident da Fairfax Dental Inc.) e
É importante salientar que a descarga crônica de injeção controlada por computador (por exemplo,
de um aferente primário sensorial dentro do terminal The Wand, CompuDent System), pacientes ainda po-
central muitas das vezes leva a alterações plásticas no dem experimentar dor pós-operatória. Estudos inves-
circuito, que resulta na sensibilização para inputs sub- tigando a dor endodôntica pós-operatória têm relata-
sequentes. Esse processo, denominado sensibilização do uma incidência de dor moderada a aguda em 15 a
central, é um dos mecanismos pelos quais um estímulo 25% dos casos11,47,91. Em um estudo clínico prospecti-
que previamente era inócuo agora se torna doloroso, vo, 57% dos pacientes relataram ausência de dor após
o que é conhecido como alodinia (por exemplo, uma o preparo químico-mecânico, enquanto 21% apre-
leve percussão com o cabo de um espelho sobre dentes sentaram dor leve, 15% dor moderada e 7% dor agu-
adjacentes a um dente com lesão perirradicular pode da38. Um episódio de dor extrema, muitas das vezes
evocar uma resposta dolorosa)63,92,124. associada a tumefação, febre e mal-estar, que requer
A última fronteira do mecanismo de dor é a pro- uma consulta imprevista, é denominado flare-up (ver
jeção dos neurônios de segunda ordem do corno dorsal Capítulo 19, Emergências e urgências em Endodontia). A
medular via trato espinotalâmico contralateral para o incidência de flare-ups (de 2 a 20%) é significativamen-
tálamo e daí, por meio de sinapses com neurônios de te menor do que a de pacientes experimentando dor
maior ordem, para áreas diferentes do córtex cerebral. leve a moderada80,82,112,113,116,118.
Não é surpresa para um profissional bem informado Inúmeros estudos objetivaram determinar os
que há uma área ampla do córtex cerebral dedicada a fatores predisponentes à dor pós-operatória endo-
integrar sinais nociceptivos, permitindo a percepção da dôntica e ao flare-up. Uma comparação direta entre
sensação altamente complexa de dor93. Assim, ao longo os dados desses estudos é difícil devido às diferenças
da via da dor há níveis consideravelmente diferentes nos métodos utilizados. No geral, esses estudos ava-
de processamento e potencial para desenvolvimento liaram mais de 12.000 pacientes, e um consenso entre
de estados dolorosos persistentes. Um clínico astuto os achados é que a dor pré-operatória, mais especi-
Analgésicos em Endodontia 777
ficamente a alodinia mecânica (definida como limiar significante entre os casos tratados em uma ou mais
de sensibilidade reduzido a estímulos mecânicos, ou sessões. Por fim, não houve aumento significativo na
seja, dor à percussão), é um fator que predispõe à dor taxa de flare-ups em dentes submetidos a retratamento,
pós-operatória15,32,35,37,42,52,55,75,86,109,119. embora subgrupos com e sem lesão não tenham sido
Outros fatores foram mais variáveis em seu valor comparados.
preditivo da dor pós-operatória. Por exemplo, em um Em suma, o fator predisponente mais consisten-
estudo retrospectivo, registros odontológicos de 1.000 te da dor pós-operatória é a presença de dor pré-ope-
pacientes que foram submetidos ao tratamento endo- ratória ou alodinia mecânica. Embora nenhum fator
dôntico e não relataram a ocorrência de flare-ups (isto é, isoladamente possa servir para prever a ocorrência e
necessidade de consulta extra imprevista) foram com- magnitude da dor pós-operatória, o clínico consciente
parados com os registros de outros 1.000 pacientes que muitas das vezes interpreta a presença de dor pré-ope-
apresentaram flare-ups após o preparo de canais com ratória ou alodinia mecânica como um sinal de alarme
polpa necrosada. Os resultados mostraram que a pre- para a seleção de um regime de controle da dor para
sença de dor pré-operatória, elemento dentário, sexo, cada paciente.
idade, história de alergia e retratamento foram fatores
predisponentes para flare-ups, enquanto medicamentos
intracanais, doenças sistêmicas e estabelecimento de
AINEs
patência foraminal durante o preparo não tiveram re- Analgésicos anti-inflamatórios são drogas ampla-
lação com a incidência de flare-ups111. mente utilizadas e com um perfil relativamente seguro.
Especificamente, as incidências mais altas de flare- Essas drogas prontamente se ligam à albumina plas-
ups foram associadas ao retratamento endodôntico, em mática e são transportadas para os tecidos periféricos
dentes inferiores, de mulheres com idade acima de 40 e centrais. Salienta-se que a inflamação é caracterizada
anos e em pacientes com história de alergia111. Mor et pelo extravasamento de plasma, causando edema e tu-
al.80 determinaram a incidência de flare-ups em pacien- mefação, um dos sinais cardinais do processo inflama-
tes tratados em múltiplas consultas por alunos de gra- tório. Esse mecanismo aumenta a distribuição dessas
duação80. A incidência de flare-up foi de 4,2%, o qual drogas pelo sítio inflamado, uma característica bastan-
foi positivamente relacionado com dentes com polpa te desejável. AINEs atuam primariamente pela inibição
necrosada. Não houve, entretanto, correlação entre a da atividade das enzimas cicloxigenases 1 (COX-1) e
ocorrência de flare-up e a presença ou ausência de lesão 2 (COX-2). Essas enzimas são responsáveis pela con-
perirradicular. versão do ácido aracdônico em diferentes subprodu-
Em um estudo prospectivo de tratamento em ses- tos bioativos, tais como tromboxane A2, prostaciclina
são única, a taxa geral de flare-up foi de apenas 1,8%112. e prostaglandinas. As enzimas cicloxigenases estão
Contudo, esse mesmo estudo determinou que o retra- presentes em praticamente todas as células do corpo.
tamento de dentes com lesão perirradicular em sessão A COX-1 é responsável por manter níveis basais de
única teve uma incidência quase dez vezes maior de prostaglandinas, incluindo os requeridos para prote-
flare-ups (13,6%). Com base nesses achados, os autores ger o trato gastrintestinal (GI) contra os ácidos gástri-
não recomendam que o retratamento de dentes com cos. Por sua vez, a COX-2 é uma enzima induzida com
lesão seja concluído em sessão única. Outro estudo clí- expressão e função aumentadas por certos processos,
nico prospectivo relatou uma incidência de flare-up de como a inflamação21,24,61. A inibição das cicloxigenases
3,17% em 946 casos endodônticos119. Pacientes com dor pelos AINEs é não específica e tanto a COX-1 quanto
pré-operatória aguda apresentaram uma taxa de flare- a COX-2 são inibidas. Assim, com o uso de AINEs há
ups de 19%, enquanto a presença de tumefação difusa também inibição das “prostaglandinas benéficas”, que
ou localizada foi observada em 15% dos casos. Nesse têm papel protetor no trato GI. Essa é a razão pela qual
estudo, o status pulpar predispôs ao flare-up, com den- os AINEs não são tolerados por algumas pessoas em
tes com polpa necrosada apresentando uma incidência virtude do desconforto gástrico.
de flare-ups significativamente mais alta do que dentes Na polpa inflamada há indução da expressão e
com polpa viva (6,5 versus 1,3%). O status perirradicular atividade de COX-2, resultando em níveis aumenta-
também foi um fator predisponente, sendo diferenças dos de prostaglandinas87. Prostaglandinas exercem
observadas entre os casos com lesão perirradicular crô- um papel relevante na dor inflamatória por sensibili-
nica (3,4%), periodontite apical aguda (4,8%) e absces- zar diretamente os nociceptores, levando à transmis-
so perirradicular agudo (13,1%). Não houve diferença são aumentada da dor40. Dessa forma, a prevenção da
778 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
(Continua)
780 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
NNT: “Números necessários para tratar” são calculados para a proporção de pacientes com no mínimo 50% de alívio da dor em 4-6 horas, quando em comparação com
placebo em estudos de dose única duplo-cegos randomizados, envolvendo pacientes com dor moderada a grave. As drogas foram administradas por via oral, exceto onde
especificado, e as doses são em miligramas.
Fonte: http://www.medicine.ox.ac.uk/bandolier/booth/painpag/acutrev/analgesics/Acutepain2007.pdf
Analgésicos em Endodontia 781
sicamente na inibição não seletiva das cicloxigenases. genérica. Embora tenha sido empregado por décadas,
Contudo, os efeitos do diclofenaco são usualmente seu mecanismo de ação ainda permanece fonte de con-
mais duradouros do que os do ibuprofeno. Além disso, trovérsia.
acredita-se que tenha maior predileção pela isoforma 2 Dois principais mecanismos de ação para o pa-
da enzima cicloxigenase (COX-2). Assim, menos pro- racetamol têm sido sugeridos. O primeiro envolve a
blemas gástricos devem ser esperados quando do uso inibição da enzima cicloxigenase 3 (COX-3), a qual foi
do diclofenaco17,56. identificada e clonada em 2002 e é preferencialmente
Um estudo clínico prospectivo randomizado expressa no sistema nervoso central10. O paracetamol
duplo-cego e controlado por placebo envolveu 267 inibe a COX-3 seletivamente em modelos animais.
pacientes submetidos ao tratamento endodôntico com Contudo, ainda não há evidências a partir de estudos
relato de dor moderada a aguda com o intuito de de- em humanos de que a COX-3, in vivo, seja uma ciclo-
terminar a eficácia do diclofenaco como analgésico xigenase funcional e, assim sendo, seja inibida pelo
pós-operatório88. Aproximadamente 80% dos pacien- paracetamol64,102. Outro mecanismo possível e talvez
tes relataram remissão total da dor. Outrossim, ele tem mais provável envolve a ativação do sistema endo-
apresentado bons resultados quando administrado canabinoide e serotonérgico no sistema nervoso cen-
em combinação com outros medicamentos devido ao tral72. Há considerável evidência de que o paracetamol
sinergismo. Por exemplo, em um estudo clínico ran- é convertido no composto AM404, que inibe o consu-
domizado, 120 pacientes apresentando dor moderada mo do canabinoide endógeno anandamida no cérebro.
a aguda após extração do 3o molar tiveram um alívio O receptor canabinoide 1 (CB-1) é expresso no siste-
significativamente maior da dor quando do uso do di- ma nervoso central e é o alvo central dos canabinoi-
clofenaco com paracetamol do que de cada uma des- des exógenos (por exemplo, ∆-9-tetra-hidrocanabinol,
sas drogas usadas isoladamente ou em associação com o componente ativo das folhas de Cannabis sativa, ou
opioides8. Essa conduta tem o potencial de reduzir os maconha) e endógenos (por exemplo, anandamida).
riscos de desconforto gástrico em relação ao emprego Os efeitos analgésicos do paracetamol têm sido com-
de um único AINE. pletamente abolidos pelo bloqueio da sua conversão
A introdução de inibidores seletivos para COX-2 em AM404, pelo antagonismo dos receptores CB-1 no
ofereceu o potencial para benefícios analgésicos e anti- sistema nervoso central e em animais pela deleção ge-
inflamatórios e reduzida irritação gastrintestinal21,62. nética do receptor CB-172. Ademais, a ativação do sis-
Todavia, tem sido gerada preocupação no sentido de tema endocanabinoide intensifica as vias descendentes
que os inibidores de COX-2 podem apresentar ainda serotonérgicas inibidoras da dor95. Em suma, o parace-
alguma irritação ao trato GI em casos com doença pre- tamol parece ativar os mecanismos centrais de inibição
existente, sugerindo cuidados com o emprego dessas da dor para exercer sua eficácia analgésica.
drogas115. Além disso, a demonstração de um risco Dados de revisões sistemáticas de estudos clíni-
aumentado de eventos pró-trombóticos após admi- cos randomizados duplo-cegos sugerem que o parace-
nistração a longo prazo de rofecoxibe (Vioxx) levou à tamol em concentrações de até 1.500mg não é tão efi-
retirada dessa droga do mercado em 200431. No mo- caz quanto a dipirona e o ibuprofeno (Quadro 20-1).
mento, não é conhecido se o evento pró-trombótico é Contudo, é importante salientar que o paracetamol não
droga-específico (isto é, afeta apenas a rofecoxibe) ou gera os efeitos colaterais gástricos apresentados pelo
é classe-específico (isto é, afeta todos os inibidores de ibuprofeno. Dessa forma, é uma boa alternativa para
COX-2). Devido a essa situação e à eficácia dos AINEs pacientes com história de desconforto gástrico ou de
como alternativa, não recomendamos os inibidores es- hipersensibilidade aos inibidores de COX. Além disso,
pecíficos de COX-2 para tratar rotineiramente a dor de o paracetamol é um agente valioso quando combinado
origem endodôntica. com inibidores de COX, uma vez que seu efeito sinér-
gico permite redução na dosagem do inibidor de COX,
reduzindo também os efeitos colaterais gástricos sem
NÃO AINEs perder eficácia analgésica (ver discussão adiante na se-
O paracetamol foi inicialmente comercializado ção de estratégias).
nos Estados Unidos sob o nome de Tylenol, em 1955. Opioides são analgésicos reconhecidamente efica-
Atualmente, ele ainda é comercializado sob o nome zes. Sua ação é principalmente restrita ao sistema ner-
original de Tylenol sozinho ou combinado a outras voso central, onde eles bloqueiam a condução de sinais
drogas como expectorantes e opioides, além da forma elétricos dolorosos para regiões superiores do cérebro
782 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
no qual o estímulo seria percebido como dor. O meca- como placebo após o preparo no sentido de reduzir a
nismo de ação parece ser mediado pela ativação de re- incidência de dor pós-operatória9. No entanto, quando
ceptores opioides mu, que estão estrategicamente posi- a polpa estava necrosada, não houve diferença signifi-
cionados em várias áreas superiores do cérebro envol- cante entre esteroide e placebo na redução do descon-
vidas na percepção da dor. Todavia, o uso de opioides forto pós-operatório.
é acompanhado por vários efeitos colaterais, incluindo Outro estudo não encontrou diferença signifi-
náusea, vômito, tonteira, torpor e potencial para cons- cante no índice de flare-ups quando formocresol, Le-
tipação e depressão respiratória. O uso crônico é asso- dermix (uma combinação de antibiótico com corticos-
ciado a tolerância e dependência. Uma vez que a dose teroide), ou hidróxido de cálcio foi usado como me-
de opioides é restrita pelos potenciais efeitos colaterais, dicação intracanal, a despeito da presença ou ausên-
os opioides são quase sempre usados em combinação cia de lesão perirradicular113. Entretanto, um amplo
com outras drogas para manejo da dor dentária. O uso estudo clínico envolvendo 223 pacientes relatou uma
de combinações é preferido, uma vez que permite uma significativa menor incidência de dor após o uso de
dose baixa do opioide com consequente redução dos Ledermix como medicação intracanal quando compa-
efeitos colaterais. É importante salientar que o uso de rado ao hidróxido de cálcio ou casos onde nenhuma
narcóticos (isto é, opioides) deve ser extremamente res- medicação foi usada30. Assim, esteroides intracanais
trito devido aos efeitos colaterais, potencial para abuso parecem exercer efeitos significantes na redução da
e ausência de evidência científica de que os opioides, dor pós-operatória98.
mesmo combinados com AINEs, são mais eficazes do
que os AINEs usados isoladamente12,13,44.
Uso sistêmico
Outros estudos avaliaram a eficácia da via sistê-
ESTEROIDES mica de administração de corticosteroides sobre a dor
Glicocorticosteroides reconhecidamente reduzem pós-operatória ou flare-ups. Em um estudo duplo-cego
a resposta inflamatória aguda pela supressão da vaso- controlado por placebo, dexametasona (4mg/mL) ou
dilatação, da migração de neutrófilos e da fagocitose, solução salina foi injetada por via intramuscular ao tér-
além de inibirem a formação de ácido aracdônico a mino de uma consulta de tratamento em sessão única
partir dos fosfolipídios da membrana dos neutrófilos ou da primeira consulta de um tratamento em múlti-
e macrófagos, bloqueando assim as vias da cicloxige- plas sessões75. Os resultados indicaram que o esteroide
nase e lipoxigenase e as respectivas sínteses de pros- reduziu significativamente a incidência e magnitude
taglandinas e leucotrienos. Assim, não causa surpresa de dor após 4 horas quando em comparação com o pla-
o fato de vários estudos terem avaliado a eficácia dos cebo. Embora a dor tenha sido reduzida após 24 horas,
corticosteroides (administrados via intracanal ou sis- não houve diferença estatisticamente significante nem
têmica) na prevenção ou controle da dor endodôntica na incidência ou intensidade da dor após 48 horas en-
pós-operatória e dos flare-ups74. tre os dois grupos.
Em estudo similar, 106 pacientes com pulpite irre-
versível e periodontite apical aguda receberam injeção
Uso intracanal intramuscular intraoral de dexametasona em diferentes
Vários estudos avaliaram a administração in- concentrações ao término do tratamento em sessão úni-
tracanal de esteroides. Em 50 pacientes consecutivos ca ou depois da primeira consulta de um tratamento em
requerendo tratamento endodôntico de dentes com várias sessões70. A administração de dexametasona re-
polpa viva, Moskow et al.84 aplicaram em pacientes al- duziu significativamente a intensidade da dor em 4 e 8
ternados uma medicação intracanal com uma solução horas, com dosagem ótima entre 0,07 e 0,09mg/kg. Não
de dexametasona ou solução salina como placebo após houve contudo redução significativa na intensidade
o preparo químico-mecânico. Índices de dor foram re- da dor após 24, 48 e 72 horas, tampouco um efeito geral
gistrados no pré-operatório e após 24, 48 e 72 horas do na incidência de dor. Outro estudo comparou os efei-
tratamento. Os resultados indicaram uma redução sig- tos da injeção intraligamentar com metilprednisolona,
nificante na dor após 24 horas, mas sem diferença sig- mepivacaína ou placebo na prevenção da dor pós-ope-
nificante após 48 e 72 horas. Em estudo clínico duplo- ratória em Endodontia57. Os resultados mostraram que
cego similar, a aplicação intracanal de uma solução de a metilprednisolona reduziu significativamente a dor
esteroide a 2,5% foi mais eficaz do que a solução salina pós-operatória dentro de um período de observação de
Analgésicos em Endodontia 783
24 horas. Um estudo interessante avaliou a injeção in- tamento endodôntico inicial65. A administração de
traóssea de metilprednisolona ou placebo em pacientes dexametasona oral reduziu significativamente a dor
com pulpite irreversível, demonstrando uma redução pós-operatória após 8 e 24 horas quando comparada
de dor altamente significante no grupo do esteroide, com os indivíduos que receberam placebo. Um estudo
que se manteve por 7 dias após injeção única36. de acompanhamento avaliou os efeitos de uma dose
Estudos em animais avaliaram histologicamente oral maior de dexametasona (isto é, 12mg a cada 4
os efeitos anti-inflamatórios dos corticosteroides sobre horas) sobre a gravidade da dor pós-tratamento en-
os tecidos perirradiculares inflamados90. Depois de in- dodôntico39. Os resultados demonstraram que a de-
duzir uma resposta inflamatória aguda em molares de xametasona do jeito prescrito foi eficaz para reduzir
ratos por meio de sobreinstrumentação, uma solução a incidência de dor até 8 horas depois da conclusão
salina estéril ou dexametasona foi infiltrada suprape- do tratamento. Não pareceu haver qualquer efeito na
riostealmente no vestíbulo adjacente aos dentes trata- gravidade da dor após 24 e 48 horas.
dos. Os resultados demonstraram que a dexametasona No geral, esses estudos sobre administração sis-
reduziu significativamente o número de neutrófilos têmica indicam que os corticosteroides reduzem a gra-
presentes e, assim, teve efeito anti-inflamatório nos te- vidade da dor pós-tratamento endodôntico quando
cidos perirradiculares dos dentes submetidos a trata- comparados com o tratamento com placebo. Contudo,
mento endodôntico. devido à relação segurança-eficácia entre esteroides e
Outros estudos de administração sistêmica ava- AINEs, a maioria dos pesquisadores elege os AINEs
liaram a eficácia da administração oral de corticoste- como drogas de primeira escolha para controle da dor
roides sobre a incidência e a gravidade da dor pós- pós-operatória.
operatória endodôntica. Em estudo clínico controla- O Quadro 20-2 sumariza as principais proprieda-
do, 50 pacientes receberam aleatoriamente 0,75mg des farmacocinéticas de diversos medicamentos usa-
de dexametasona ou placebo por via oral após tra- dos no controle da dor em Endodontia.
200-300mg, dividida em
Flurbiprofeno 300 5,7 ~1-2 1,5 ~99
2-4 doses
50-100mg, cada
Tramadol 400 <6 ~1 2 ~20
4-6h
Fonte: Wynn R, Meiller T, Crossley H. Drug information handbook for dentistry. Hudson, Ohio: Lexi-Comp Inc., 2000.
784 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
profilático de penicilina não oferece benefícios quanto Quadro 20-3 Considerações para o controle eficaz da dor
à prevenção de dor pós-operatória e flare-ups. Assim,
não indicam seu uso profilático rotineiro em pacientes 1. Diagnóstico
submetidos ao tratamento endodôntico de dentes com 2. Tratamento dentário adequado
3. Drogas
necrose pulpar e lesão perirradicular crônica.
a. Pré-tratamento com AINEs ou acetaminofeno quando
Em outro estudo prospectivo randomizado con- for apropriado
trolado por placebo, Fouad et al.34 avaliaram se o uso b. Uso de anestésicos locais de longa duração quando for
suplementar de penicilina reduzia os sintomas ou o indicado
curso de recuperação de pacientes de emergência com c. Uso de um plano de prescrição flexível
diagnóstico de necrose pulpar e abscesso perirradicu- d. Prescrição “pelo relógio” em vez de “quando necessário”
lar agudo. Os pacientes receberam aleatoriamente pe-
nicilina, um placebo ou nenhuma medicação. Usando
uma escala analógica visual, os próprios indivíduos
avaliaram a ocorrência e os níveis de dor e tumefação hiperalgesia e alodinia. Isso usualmente requer um tra-
até 72 horas. Os resultados mostraram ausência de di- tamento que remova e reduza os fatores causais (por
ferença significante entre os três grupos. A recuperação exemplo, fatores bacterianos e imunológicos). Tanto
dos pacientes ocorreu como resposta ao tratamento en- assim que não só a pulpotomia, como a pulpectomia
dodôntico em si. têm sido associadas à redução substancial dos relatos
Antibióticos podem ser indicados quando do ma- de dor em comparação com os níveis pré-operatórios
nejo de alguns casos de infecção endodôntica. Contu- de dor26,48,94. Todavia, a terapia farmacológica é muitas
do, uma revisão da literatura disponível indica que seu das vezes requerida para reduzir a estimulação conti-
uso profilático está contraindicado em pacientes imu- nuada de nociceptores (por exemplo, AINEs, anestési-
nocompetentes que não apresentam sinais sistêmicos cos locais) e suprimir a hiperalgesia central (por exem-
de disseminação da infecção, com tumefação locali- plo, AINEs e opioides).
zada no vestíbulo. Nessas condições, estudos clínicos
controlados indicam que antibióticos oferecem pouco Pré-tratamento
ou nenhum benefício no que se refere à redução da
Tem sido demonstrado que a prescrição de um
dor. Entretanto, podem ser indicados para pacientes
AINE antes da intervenção endodôntica produz bene-
imunocomprometidos e para aqueles casos nos quais
fícios significantes em muitos22,53, mas não em todos os
o paciente apresenta sinais e sintomas típicos de envol-
estudos89. O objetivo do pré-tratamento é bloquear o
vimento sistêmico ou quando a infecção se disseminou
desenvolvimento de hiperalgesia pela redução da es-
para espaços anatômicos da cabeça e pescoço (ver Ca-
timulação dos nociceptores periféricos. É interessan-
pítulo 21, Antibióticos em Endodontia).
te notar que os pacientes impossibilitados de tomar
AINEs podem ainda se beneficiar do pré-tratamento
ESTRATÉGIAS PARA CONTROLE DA DOR com acetaminofeno79. Assim, pacientes podem ser pré-
tratados 30 minutos antes do procedimento com um
Para o manejo da dor em um determinado in-
AINE (por exemplo, ibuprofeno 400mg ou flurbiprofe-
divíduo, o clínico hábil deve personalizar o plano de
no 100mg) ou com acetaminofeno 1.000mg26,53,79.
tratamento, equilibrando os princípios gerais de Endo-
dontia, os mecanismos de hiperalgesia e as estratégias
para controle da dor com fatores individuais de cada
Anestésicos de longa duração
paciente (por exemplo, história médica, uso concomi- Uma segunda conduta farmacológica para mane-
tante de outras medicações)45,58,59,100,103. A discussão a jo da dor é usar anestésicos locais de longa duração.
seguir revisa considerações gerais para as estratégias Bupivacaína e ropivacaína são dois exemplos desses
de controle da dor. tipos de anestésico que se encontram disponíveis para
O manejo eficaz do paciente com dor endodôntica uso. Estudos clínicos indicam que anestésicos locais de
envolve três etapas: diagnóstico, tratamento dentário ade- longa duração não somente produzem anestesia du-
quado e drogas (Quadro 20-3). Em inglês, essas etapas rante o procedimento, mas também retardam signifi-
são conhecidas como 3 Ds: Diagnosis, Definitive dental cativamente o desenvolvimento da dor pós-operatória
treatment and Drugs. O manejo da dor endodôntica quando comparados com anestésicos locais contendo
deve focar a remoção dos mecanismos periféricos de lidocaína16,22,41,42,54. Aliás, tem sido demonstrado que o
786 Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
emprego de anestésicos de longa duração para aneste- cia com dor pode tomar ibuprofeno 400mg (ou outro
sia por bloqueio reduz a dor pós-operatória por 2 a 7 AINE de escolha) no consultório. A seguir, o pacien-
dias após o procedimento oral41,42,54, uma vez que uma te pode tomar a combinação de acetaminofeno com
descarga aferente acentuada de nociceptores pode in- opioide 2 horas mais tarde. O paciente então tomaria
duzir hiperalgesia central121-123. O benefício analgésico cada medicamento em intervalos de 4 horas, usando o
de anestésicos locais de longa duração é mais frequen- esquema de 2 horas alternadas. Na maioria dos casos,
temente observado quando de injeções para bloqueio esse tratamento não necessita ser continuado por mais
do que de injeções infiltrativas. Contudo, o clínico deve de 24 horas1,13,26. Aspirina e combinações de opioides
estar atento para os efeitos adversos atribuídos aos não são obviamente usadas nesse regime alternado por
anestésicos locais de longa duração4,78. causa do potencial para interações medicamentosas.
O segundo método para combinar um AINE com
um opioide para tratar dor de intensidade moderada a
Plano de prescrição flexível severa explora as vantagens analgésicas do AINE e do
Uma terceira conduta farmacológica é usar um opioide pela administração de uma combinação sim-
plano flexível de prescrição analgésica1,13,43-45,58,60,114. Tal ples dessas drogas. Por exemplo, o Vicoprofen contém
plano serve para minimizar a dor pós-operatória e os ibuprofeno a 200mg e hidrocodona a 7,5mg em um
efeitos colaterais. Com esse objetivo em mente, a es- comprimido. (Nota: esse medicamento não se encontra
tratégia é primeiro alcançar uma dose de analgésico disponível no Brasil.) Estudos de dor pós-operatória
não narcótico com máximo de eficácia (um AINE ou têm demonstrado que essa combinação foi cerca de
acetaminofeno para pacientes que não podem tomar 80% mais eficaz para analgesia do que o ibuprofeno
AINEs). Segundo, naqueles raros casos em que o pa- a 200mg sozinho, com aproximadamente a mesma
ciente ainda apresenta dor moderada a grave, o clínico incidência de efeitos colaterais120. Dobrar a dose para
deveria considerar a necessidade de combinar outras ibuprofeno a 400mg e hidrocodona a 15mg produz
drogas para aumentar a analgesia. Por causa do seu va- ainda maiores efeitos de analgesia com concomitante
lor preditivo, a presença de dor ou alodinia mecânica aumento dos efeitos colaterais105,120. Não há estudos
pré-operatória pode servir como uma indicação para o disponíveis comparando o Vicoprofen sozinho com a
uso dessas combinações de AINEs. combinação de Vicoprofen e 200 a 400mg de ibuprofe-
Estudos recentes têm demonstrado que a combi- no. Outros opioides podem também ser adicionados a
nação de um AINE com acetaminofeno 1.000mg sozi- um AINE para aumentar a analgesia. Por exemplo, o
nho (isto é, sem opioide) produz cerca de duas vezes a ibuprofeno a 400mg com 10mg de oxicodona em com-
resposta analgésica de pacientes tratados apenas com o primido produz analgesia significativamente maior do
AINE7,14,77. A administração de ibuprofeno 600mg com que o ibuprofeno a 400mg sozinho20. Um estudo recen-
acetaminofeno 1.000mg resultou em alívio significante te sobre dor pós-operatória em Endodontia demons-
da dor pós-operatória endodôntica em comparação com trou benefícios a curto prazo da combinação entre flur-
o ibuprofeno sozinho ou com o placebo. Além disso, es- biprofeno e tramadol26. Outra combinação de AINE e
tudos demonstraram que a administração concomitan- opioide também tem sido avaliada23.
te de um AINE com o acetaminofeno combinado com Obviamente, nem todos os pacientes requerem
opioide produziu analgesia significativamente maior uso concomitante de AINE com uma combinação
do que quando comparado com o AINE sozinho7,104. de acetaminofeno e opioide, tampouco combinações de
O uso concomitante de AINEs e acetaminofeno parece um AINE e um opioide. Na verdade, essa é a premis-
ser bem tolerado, sem aumento detectável nos efeitos sa básica do plano flexível de prescrição, ou seja, que
colaterais ou alterações na farmacocinética7,66,104,125. o analgésico prescrito se encaixe nas necessidades do
Em situações raras pode ser necessário receitar paciente. A maior vantagem de um plano flexível de
um AINE com um opioide. Há dois métodos gerais prescrição é que o clínico está preparado para aqueles
para combinar um AINE com um opioide a fim de tra- raros casos em que uma terapia farmacológica adicio-
tar casos raros de dor moderada a severa. nal está indicada, o que aumenta a eficácia do controle
O primeiro método atinge as vantagens anal- da dor. Como discutido previamente, a presença de hi-
gésicas do AINE e também do opioide por meio da peralgesia pré-operatória pode servir como indicação
prescrição de um regime alternado consistindo de um para uma terapia farmacológica mais consistente.
AINE seguido por uma combinação de acetaminofeno As informações e recomendações fornecidas nes-
e opioide1,13. Por exemplo, um paciente de emergên- te capítulo foram selecionadas para ajudar o clínico
Analgésicos em Endodontia 787
no manejo da dor endodôntica aguda. Todavia, o jul- 17. Cryer B, Feldman M. Cyclooxygenase-1 and cyclooxygena-
gamento clínico deve também levar em consideração se-2 selectivity of widely used nonsteroidal anti-inflamma-
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outras fontes de informação, incluindo história do pa- 18. de Campos DI, Cunha FQ, Ferreira SH. A new mechanism
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Capítulo 21
Antibióticos em
Endodontia
Inquestionavelmente, a descoberta dos antibióti- fenômeno e deu o nome à substância produzida pelo
cos representa um dos maiores avanços da humanida- fungo de penicilina. Após descobrir que a penicilina
de. Doenças infecciosas, que representavam uma das era também eficaz contra pneumococos, estreptococos,
principais causas de mortalidade até o início do século gonococos e meningococos e publicar seu trabalho clás-
XX, passaram a ser controladas de forma extremamen- sico em 1929 (além de outro em 1932), Fleming abando-
te eficaz. nou seus estudos sobre esse fungo e essa substância.
Como a maioria das grandes descobertas da hu- Fleming não isolou a penicilina pura, tampouco
manidade, a dos antibióticos também foi casual. Em demonstrou seus efeitos quimioterapêuticos. A penici-
1875, John Tyndall, médico inglês, observou que espo- lina apenas começou a ser empregada em pacientes no
ros de um fungo que contaminou seus tubos de cultura início da década de 1940, após inúmeras investigações
eram capazes de destruir bactérias. Todavia, não deu e os esforços de um grupo de pesquisadores notáveis
maior importância a tais achados. A razão para isso pa- em Oxford, chefiado por Howard Walter Florey e com-
rece óbvia. Sua descoberta da propriedade antibacteria- posto por Chain, Jennings, Heatley e Abraham. A his-
na desse fungo ocorreu cerca de 7 anos antes de Robert tória da humanidade e sua relação com doenças infec-
Koch demonstrar, em 1882, que as bactérias podiam ciosas começou a mudar significativamente. Em 1945,
causar doenças. Na verdade, a descoberta da penici- Fleming, Florey e Chain foram, com justiça, laureados
lina é creditada a Alexander Fleming, médico escocês, com o Prêmio Nobel de Medicina15.
que trabalhava no Hospital Saint Mary, em Londres. A Antibiótico é uma substância produzida por um
descoberta de Fleming também foi casual. Esporos de micro-organismo (geralmente bactéria ou fungo) ou
um fungo – o Penicillium notatum – que se dispersaram uma similar desenvolvida total ou parcialmente por
pelo ar, originários da manipulação em um laboratório síntese química, que, em baixas concentrações, inibe o
no andar debaixo do de Fleming, contaminaram suas metabolismo ou destrói micro-organismos. Os antibi-
placas nas quais Staphylococcus aureus estavam sendo óticos exercem seus efeitos sobre um grupo de micro-
cultivados. Ao retornar de suas férias em setembro de organismos, e o alcance de efetividade é denominado
1928, Fleming observou que, embora um profuso cres- espectro. Antibióticos de amplo espectro agem sobre
cimento de estafilococos ocupasse a superfície do ágar, uma ampla variedade de micro-organismos gram-
uma ampla área em volta do crescimento do fungo Pe- positivos e gram-negativos, enquanto os de pequeno
nicillium não apresentava crescimento bacteriano. Con- espectro atuam apenas sobre um número reduzido de
trariamente a Tyndall, Fleming resolveu estudar esse espécies.
791
792 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
Alguns micro-organismos são considerados pató- ocorrem exclusivamente sobre micro-organismos, uma
genos verdadeiros, isto é, quando conseguem se esta- vez que afetam estruturas ou vias metabólicas não ob-
belecer no hospedeiro irão necessariamente provocar servadas em nossas células. Tais efeitos são principal-
doença. Exemplos desse tipo de micro-organismo são mente representados por:
as espécies bacterianas Treponema pallidum e Clostri-
dium tetani, agentes etiológicos da sífilis e tétano, res- • Inibição da síntese de parede celular (β-lactâmicos,
pectivamente. Entretanto, um número considerável vancomicina, bacitracina);
de micro-organismos coloniza o organismo humano • Ação sobre a membrana citoplasmática (polimixi-
sem provocar doença e, de fato, são fundamentais nas, poliênicos);
para a homeostase, para o funcionamento normal dos • Inibição da função do DNA (metronidazol, quinolo-
sistemas e para a própria manutenção da vida. Esses nas, novobiocina);
micro-organismos ajudam na digestão de alimentos e • Inibição da síntese de proteínas (aminoglicosídeos,
dificultam ou mesmo impedem que patógenos estritos cloranfenicol, macrolídeos, tetraciclinas, lincosami-
se estabeleçam no hospedeiro, já que ocupam espaço das);
e produzem substâncias que são tóxicas para outros • Inibição da síntese de ácido fólico (sulfonamidas,
micro-organismos. Obviamente, se um micro-organis- trimetoprim).
mo que coloniza a cavidade oral tem acesso a locais
que deveriam se manter estéreis (como a polpa dental), Apenas os antibióticos de interesse para o contro-
tem-se uma situação onde esse ser, antes benéfico ao le das infecções endodônticas serão considerados neste
hospedeiro, irá agora produzir doença. Os micro-orga- capítulo.
nismos que possuem esse comportamento dual cons-
tituem a microbiota anfibiôntica humana e podem ser
considerados patógenos oportunistas. A relação entre
PRINCÍPIOS DE ANTIBIOTICOTERAPIA
os micro-organismos que constituem a microbiota anfi- Antibióticos não promovem a cura do processo
biôntica e entre esses e o hospedeiro humano progride infeccioso, mas permitem um controle da infecção até
ao longo dos anos desde a infância até alcançar uma que os mecanismos de defesa do hospedeiro, inicial-
situação equilibrada na vida adulta. Interferir nesse mente surpreendidos pelos micro-organismos pato-
equilíbrio ecológico sempre poderá acarretar prejuízos gênicos, consigam efetivamente controlar a situação
ao hospedeiro humano. e debelar a infecção45,48. Atualmente, tem havido uma
Portanto, o antibiótico ideal seria aquele que eli- grande mobilização da comunidade científica no senti-
minasse micro-organismos patogênicos sem afetar o do de restringir o uso de antibióticos para apenas as si-
hospedeiro humano. Tal medicamento não existe e tuações em que essas drogas são realmente necessárias
provavelmente não existirá em se tratando dos micro- e nas quais o benefício supera o risco do emprego. Par-
organismos envolvidos nas infecções endodônticas, tindo dessa conscientização, o profissional deve, antes
pois os prováveis patógenos endodônticos parecem ser de pensar em qual antibiótico irá receitar, avaliar a real
alguns dos constituintes da microbiota anfibiôntica hu- necessidade de seu uso. Em aproximadamente 60%
mana, ou seja, essas infecções são endógenas e a gran- dos casos de infecção em humanos, as próprias defesas
de maioria dos micro-organismos envolvidos pode ser do hospedeiro são as responsáveis pela resolução do
considerada patógenos oportunistas. processo sem a necessidade de utilização de antibió-
O médico alemão Paul Ehrlich (1854-1915) estabe- ticos39. Como será discutido adiante neste capítulo, o
leceu no início do século XX o conceito básico da qui- uso indiscriminado de antibióticos é a causa principal
mioterapia anti-infecciosa: A droga deve ser seletiva para do crescente desenvolvimento de resistência bacteria-
o agente agressor em dose tolerada pelo hospedeiro. A partir na, o que tem gerado consequências desastrosas para
desse conceito procura-se escolher o medicamento que a humanidade.
apresente o mínimo de efeitos colaterais ao hospedeiro, Antibióticos não são eficazes no tratamento de
dentro da dosagem mínima efetiva e pelo tempo míni- doenças crônicas, como no caso de lesões perirradi-
mo de administração necessário, de forma que se afete culares refratárias ao tratamento endodôntico. Nessas
minimamente o equilíbrio ecológico do hospedeiro. situações, o uso prolongado da droga pode induzir a
Os efeitos dos antibióticos se devem à sua ação seleção e predomínio de micro-organismos resistentes,
específica sobre determinados alvos estruturais ou me- além de predispor a infecções secundárias em outras
tabólicos dos micro-organismos. Muitos desses efeitos regiões do organismo. Tem sido demonstrado que o
Antibióticos em Endodontia 793
índice de sucesso do tratamento endodôntico não é da infecção8. De fato, mesmo nos casos dos abscessos
aumentado após o emprego de antibioticoterapia sis- perirradiculares agudos mais exuberantes que evo-
têmica55. Além disso, o uso de antibióticos também não luíram para celulites (como na angina de Ludwig), a
reduz a incidência de dor pós-operatória após a mani- terapia cirúrgica constitui o fator mais importante no
pulação de dentes com polpas necrosadas e com lesão controle da infecção, sendo a terapia antibiótica impor-
perirradicular associada64. Na verdade, os antibióticos tante nesses casos, mas coadjuvante12,33.
devem ser, na maioria das vezes, reservados para o
tratamento a curto prazo de doenças infecciosas com
INDICAÇÕES PARA O USO DE
sintomatologia aguda ou como medida profilática.
Nos casos em que a antibioticoterapia sistêmica
ANTIBIÓTICOS SISTÊMICOS EM
está indicada, alguns princípios básicos devem ser obe- ENDODONTIA
decidos. Como a maioria das infecções orais é de rápi- O uso de antibióticos em Odontologia tem sido
da progressão, há a necessidade de se realizar imedia- cada vez mais restrito e há uma grande preocupação
ta terapia antibiótica, não havendo geralmente tempo quanto ao uso errôneo ou abusivo dessas drogas19,60,62.
para coletar material, cultivar os micro-organismos e A Endodontia se insere perfeitamente nesse contexto
realizar o antibiograma. Assim, a escolha do antibióti- de conscientização quanto ao emprego de antibiotico-
co deve recair sobre a droga reconhecidamente eficaz terapia sistêmica. Cumpre salientar que a grande maio-
contra as espécies comumente isoladas daquele proces- ria das infecções de origem endodôntica é tratada sem
so infeccioso. Como as infecções endodônticas são mis- a necessidade do emprego de antibióticos. A ausência
tas, de etiologia polimicrobiana, e predominadas por de circulação sanguínea na polpa necrosada e infecta-
anaeróbios estritos gram-negativos, deve-se optar por da impede o acesso de antibióticos administrados sis-
um antibiótico de amplo espectro com eficácia sobre temicamente a micro-organismos infectando o sistema
esses tipos de bactérias. de canais radiculares. Assim, a fonte de infecção não
É importante, quando do tratamento de infecções é afetada pela antibioticoterapia sistêmica. Por outro
graves, iniciar a terapia com uma dose de ataque, que lado, os antibióticos podem ajudar a impedir a disse-
usualmente corresponde ao dobro da dose de manu- minação da infecção endodôntica e o desenvolvimento
tenção. A maioria dos antibióticos empregados em in- de infecções secundárias em pacientes medicamente
fecções na cavidade oral possui meia-vida inferior a 3 comprometidos. Isso faz com que antibióticos sejam
horas. Os níveis plasmáticos ideais dos antibióticos são de grande valia no tratamento coadjuvante de alguns
usualmente obtidos em período de três a cinco vezes casos de infecções endodônticas. As raras ocasiões em
maior do que a sua meia-vida. Isso leva a um retardo que antibióticos devem ser prescritos em Endodontia
na obtenção de níveis terapêuticos da droga, o que é incluem:
contornado pela utilização da dose de ataque.
Pacientes sob terapia antibiótica devem ser moni- a) Abscesso perirradicular agudo com ocorrência de
torados diariamente. O melhor guia prático para se de- tumefação difusa e/ou envolvimento sistêmico.
terminar a duração da terapia antibiótica é a melhora Um abscesso perirradicular agudo em pacientes
clínica do paciente. Assim, se as evidências clínicas in- saudáveis que se apresenta com tumefação localiza-
dicam que a infecção está sob controle do hospedeiro, da e sem envolvimento sistêmico é tratado de forma
antibióticos deveriam ser administrados por não mais extremamente eficaz por meio de drenagem via in-
do que 1 a 2 dias. Não há benefícios em se prolongar cisão e/ou via canal, seguida pelo preparo químico-
a terapia antibiótica por mais tempo que o necessário. mecânico completo, sem a necessidade de adminis-
Pelo contrário, os riscos aumentam significativamen- tração de antibióticos. Em indivíduos saudáveis, a
te, tanto em relação ao favorecimento da expressão de drenagem do exsudato purulento permite a redução
resistência, como pelo desequilíbrio ecológico na mi- significativa de irritantes microbianos e mediadores
crobiota anfibiôntica. Outro fato que contribui para um químicos da inflamação, permitindo o início do pro-
tempo mais reduzido de administração de antibióticos cesso de reparação sem a necessidade de emprego
na Endodontia se dá pela terapia cirúrgica que acom- de antibióticos. Contudo, em pacientes imunocom-
panha o tratamento, seja pela drenagem de coleção prometidos/imunossuprimidos devem ser pres-
purulenta da lesão perirradicular, seja pelo preparo critos antibióticos mesmo se a drenagem foi logra-
químico-mecânico do canal radicular ou mesmo pela da satisfatoriamente, pois nesses pacientes podem
exodontia do elemento dentário que constitui a fonte ocorrer complicações sistêmicas mesmo diante de
794 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
quadros infecciosos brandos. Quando o abscesso está infeccioso (que inclusive já pode estar na intimida-
associado à ocorrência de tumefações difusas, levan- de dos tecidos perirradiculares), pode-se empregar
do ao desenvolvimento de uma celulite com a disse- um antibiótico para debelar sinais e sintomas per-
minação do processo infeccioso para outros espaços sistentes. A amoxicilina em comprimidos de 875mg
anatômicos, ou quando está associado a indícios de de 12 em 12 horas ou cápsulas de 500mg de 8 em 8
envolvimento sistêmico, como febre, mal-estar, lin- horas é o antibiótico de eleição. Em casos resisten-
fadenite regional ou trismo, é necessária a utilização tes ou em pacientes alérgicos, utiliza-se a clinda-
de antibióticos como tratamento coadjuvante à dre- micina (cápsulas de 150 a 300mg de 6 em 6 horas),
nagem, pois o sistema imunológico do paciente não não sendo indicado o uso isolado do metronidazol,
está sendo capaz de fazer frente ao avanço da infec- pois algumas espécies bacterianas frequentemente
ção. Deve-se realizar um monitoramento diário da associadas a esses quadros pertencem aos gêne-
resposta do paciente à terapia antibiótica e, diante ros Actinomyces, Propionibacterium e Streptococcus,
do fracasso em obter a melhora clínica em 48 horas, geralmente resistentes a esse antimicrobiano. Se
deve-se optar por uma droga com espectro diferen- possível, realizar a coleta de material para análise
ciado. microbiológica. Embora alguns recomendem o uso
Nos casos de abscessos mais graves ou de celu- de apenas anti-inflamatórios nesses casos, tais me-
lites, em que o envolvimento sistêmico do paciente dicamentos podem mascarar a causa do problema
pode ser mais crítico, optamos por uma abordagem por reduzir a exsudação/sintomatologia atuando
antimicrobiana mais ampla com a prescrição da as- no processo inflamatório, que é a consequência,
sociação amoxicilina com o ácido clavulânico como não a causa.
primeira opção. Casos raros que não respondam a d) Abscesso perirradicular agudo em pacientes de ris-
essa medicação devem ser considerados para en- co. Exemplos de pacientes de risco incluem imuno-
caminhamento ao cirurgião bucomaxilofacial para comprometidos, imunossuprimidos, diabéticos não
internação hospitalar. Nos casos de abscessos dre- controlados e aqueles propensos a desenvolverem
nados em ambiente hospitalar, deve-se encaminhar um quadro de endocardite bacteriana. Como em
parte da coleção purulenta coletada para a realiza- casos de abscesso agudo pode se estabelecer uma
ção do teste de sensibilidade aos antimicrobianos bacteremia, é indicada a terapia antibiótica para pre-
(TSA ou antibiograma). Com o paciente internado, venir o estabelecimento de complicações infecciosas
geralmente se inicia a terapia endovenosa com am- sistêmicas. Além disso, o antibiótico deve ser bacte-
picilina associada ao metronidazol ou a um amino- ricida (no caso, a amoxicilina), uma vez que a resis-
glicosídeo, aguardando-se o resultado do TSA para tência do hospedeiro está baixa. Nesses pacientes,
eventuais mudanças na abordagem terapêutica. Aos o antibiótico auxilia de forma decisiva no controle
pacientes graves e alérgicos às penicilinas, a clinda- da infecção, criando um ambiente propício para a
micina na dosagem de 300mg de 6 em 6 horas pare- ulterior (e usualmente tardia) reparação.
ce a melhor opção2,20,61. e) Uso profilático em pacientes de risco. Embora a
b) Avulsão dentária. O emprego de antibioticotera- incidência de bacteremia seja baixa durante a exe-
pia em casos de reimplante de dentes avulsionados cução dos procedimentos endodônticos, pacientes
pode favorecer o prognóstico do tratamento. A as- com risco de desenvolver endocardite bacteriana
sociação Internacional de Traumatologia Dentária devem receber profilaxia antibiótica, de acordo com
(IADT) publicou em 2007 um consenso sobre o ma- o regime proposto pela American Heart Association
nejo dos casos de avulsão de dentes permanentes em (AHA)13,68,69. Há outras condições que também po-
que recomenda a utilização da doxiciclina adminis- dem requerer cobertura antibiótica durante a inter-
trada sistemicamente (100mg/dia por 7 dias) para venção intracanal. (O uso profilático de antibióticos
estes casos. Se o paciente tiver menos que 12 anos será discutido mais adiante.)
de idade, a medicação de escolha será a penicilina V
(40mg/kg/dia ou 50.000U/kg/dia de 6/6 horas por Uma vez que os antibióticos não penetram bem
7 dias). em áreas de abscesso, é de suma importância que se
c) Sintomatologia e/ou exsudação persistentes. Em estabeleça a drenagem da coleção purulenta a fim de
raras situações, quando os procedimentos intra- se eliminarem as potenciais barreiras para a difusão
canais de instrumentação e medicação intracanal dos antibióticos. Salienta-se então que antibióticos
não estão sendo suficientes para eliminar o agente não devem ser utilizados isoladamente para tratar
Antibióticos em Endodontia 795
abscessos de origem endodôntica. Na verdade, são últimos para o tratamento de abscessos orais. Amoxici-
drogas coadjuvantes ao tratamento que consiste em lina/clavulanato, clindamicina, telitromicina e metro-
drenagem e posterior tratamento endodôntico ou nidazol apresentaram elevada eficácia contra cepas de
extração dentária. A drenagem de abscessos e remo- Prevotella resistentes à amoxicilina.
ção de tecidos necrosados como medida principal do Amoxicilina tem sido amplamente utilizada no Ja-
tratamento é conduta mandatória em todas as áreas pão e na Europa para o tratamento de abscessos orais,
da Medicina, não sendo uma manobra original da principalmente por causa da melhor absorção no trato
Odontologia8,9,32,42. gastrintestinal quando comparada a outras penicilinas
O uso de antibióticos para o tratamento de in- orais. Por sua vez, a penicilina V tem sido a preferida
fecções de origem endodôntica é iniciado tomando-se nos Estados Unidos34.
como base os patógenos endodônticos mais prováveis A opção pela associação amoxicilina/clavulanato
de estarem envolvidos. A amoxicilina, uma penicilina como primeira escolha deve se limitar aos casos mais
semissintética de amplo espectro, representa o antibió- graves, já que se mostra a mais eficaz, porém com maior
tico de primeira escolha a ser usado, uma vez que seu propensão a efeitos colaterais. Apesar de a amoxicilina
espectro abrange os principais micro-organismos en- isoladamente não ser tão eficaz, sua condição de pri-
volvidos no abscesso perirradicular agudo. meira escolha permanece para os casos considerados
Baumgartner e Xia6 testaram 98 cepas bacterianas como moderados ou leves, em que há uma situação de
quanto à suscetibilidade a seis antibióticos por meio início de sinais de envolvimento sistêmico, mas ainda
do método do E-test. Os percentuais de suscetibilida- sem gravidade34. De acordo com o conceito risco/be-
de das 98 cepas testadas foram os seguintes, em ordem nefício, a amoxicilina será adequada na grande maioria
decrescente: dos casos provocando menos efeitos colaterais sobre a
homeostase do paciente do que a associação amoxici-
• Amoxicilina/ácido clavulânico: 98 de 98 (100%); lina/clavulanato, associação essa muito mais propensa
• Clindamicina: 94 de 98 (96%); à indução de quadros diarreicos e ao favorecimento da
• Amoxicilina: 89 de 98 (91%); candidíase.
• Penicilina V: 83 de 98 cepas (85%); Dessa forma, consideraremos aqui duas situa-
• Metronidazol: 44 de 98 (45%). ções clínicas distintas para a escolha da apresentação
da amoxicilina: casos graves e leves/moderados. Os
O metronidazol apresentou o maior percentual casos graves serão aqueles caracterizados como abs-
de resistência bacteriana. Entretanto, usado em combi- cessos perirradiculares agudos com sinais de envol-
nação com a amoxicilina ou penicilina V, o percentual vimento sistêmico, quando optamos pela amoxicilina
de cepas suscetíveis se elevou para 99 e 93%, respecti- associada ao ácido clavulânico (cápsulas com 500mg
vamente. de amoxicilina e 125mg de clavulanato) de 8 em 8 ho-
Kuriyama et al.34 determinaram a suscetibilida- ras. Quando houver uma evolução negativa nesses
de antimicrobiana de 800 cepas isoladas de patógenos casos após 48 horas de início da antibioticoterapia, a
anaeróbios associados a abscessos orais (Prevotella spp., conduta ideal deverá ser o encaminhamento do pa-
Fusobacterium spp., Porphyromonas spp. e Parvimonas mi- ciente para internação hospitalar e acompanhamento
cra) a vários antibióticos. Embora a maioria das cepas pelo cirurgião bucomaxilofacial. Pacientes alérgicos às
de Fusobacterium tenha sido resistente a eritromicina, penicilinas receberão a clindamicina na posologia de
azitromicina e telitromicina, vários outros antibióticos, 300mg de 6 em 6 horas. Em ambos os casos deve-se
como penicilinas, cefalosporinas e clindamicina, de- iniciar a terapia com uma dose de ataque constituída
monstraram alto grau de eficácia. P. micra e Porphyro- de uma dose dobrada. É imperioso salientar também
monas spp. foram altamente sensíveis a todos os anti- que a terapêutica com antibiótico deve persistir por
bióticos testados. Em relação às espécies de Prevotella, 2 a 3 dias após a resolução dos sinais e sintomas da
resistência à amoxicilina ocorreu em 34% das cepas, to- infecção, o que geralmente irá resultar em 5 a 7 dias
das produtoras de β-lactamase. A suscetibilidade das de administração, desde que a terapia cirúrgica tenha
cepas de Prevotella ao cefaclor, cefuroxima, cefcapene, sido corretamente conduzida.
cefdinir, eritromicina, azitromicina e minociclina esta- Nos casos que podem ser classificados como leves
va relacionada com a suscetibilidade à amoxicilina. To- a moderados (como na profilaxia em seguida aos reim-
das as cepas resistentes à amoxicilina também o foram plantes e na proteção contra a bacteremia e casos de
às cefalosporinas, o que questiona a indicação desses abscessos sem envolvimento sistêmico para pacientes
796 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
imunossuprimidos) ou nos casos de terapia coadjuvan- zendo uso de contraceptivos orais sejam alertadas para
te de canais com exsudato persistente, pode-se optar o risco de interferência dos antibióticos e aconselhadas
por uma abordagem mais conservadora, e a escolha a usar métodos anticoncepcionais alternativos desde o
recai para o uso isolado da amoxicilina na forma de início do uso de antibióticos até 1 semana depois de
comprimidos solúveis de 875mg administrados duas encerrada a terapia antibiótica10,29.
vezes ao dia. Nesses casos, quando houver sinal de re- As dosagens terapêuticas para adultos dos anti-
sistência à amoxicilina, com uma evolução desfavorá- bióticos mais utilizados em Endodontia são mostra-
vel do quadro infeccioso do paciente mesmo 48 horas das no Quadro 21-1 e suas principais propriedades
após o início da antibioticoterapia, optamos por orien- farmacocinéticas, no Quadro 21-2. As dosagens refe-
tar o paciente a adquirir o metronidazol na apresenta- rentes ao uso profilático de antibióticos são discuti-
ção de comprimidos de 250mg (podendo essa dosagem das em seção separada adiante. As principais causas
ser elevada até 400mg de 8 em 8 horas se necessário) e de fracasso da antibioticoterapia são mostradas no
administrá-lo associado à amoxicilina. A associação do Quadro 21-3.
metronidazol com a amoxicilina apresenta resultados
semelhantes quanto ao espectro de ação da associa-
ção amoxicilina/clavulanato34 por um custo inferior.
PRINCIPAIS ANTIBIÓTICOS DE
Os efeitos colaterais do metronidazol (discutidos mais INTERESSE NA CLÍNICA ENDODÔNTICA
adiante) são minimizados pela dosagem menor do que β-lactâmicos
quando do seu uso isolado, e a possibilidade de ocor-
Os principais antibióticos que compõem esse gru-
rência da colite pseudomembranosa também fica mini-
po são as penicilinas e as cefalosporinas, que possuem
mizada pela ação do metronidazol sobre o Clostridium
um anel β-lactâmico. O ácido clavulânico também pos-
difficile. Uma outra opção seria a substituição da amoxi-
sui o anel β-lactâmico, mas não deve ser considerado
cilina pela clindamicina na dosagem de 150mg de 6 em
um antibiótico.
6 horas, sendo também essa a opção para os pacientes
Os antibióticos desse grupo são bactericidas, agin-
alérgicos às penicilinas.
do pela inibição da síntese de parede celular.
Embora tenha sido sugerido que a terapia sistê-
mica com antibióticos possa reduzir a eficácia de con-
traceptivos orais, estudos demonstram que a taxa de
Penicilinas
fracasso dos anticoncepcionais (1 a 3%) não é diferente Penicilina é um termo genérico para um grupo de
da observada quando do uso concomitante de antibió- antibióticos de estrutura química similar, todos pos-
ticos29. Mesmo assim, é recomendável que pacientes fa- suindo como núcleo molecular o ácido 6-aminopenici-
Antibiótico Dosagem
Metronidazol 400mg de 8 em 8h
Metronidazol (associado à amoxicilina) 250 a 400mg de 8 em 8h
Penicilina V 500mg de 6 em 6h
Quadro 21-2 Farmacocinética dos principais antibióticos usados em Endodontia (via oral)
Antibiótico % absorção após % ligação Meia-vida Pico (horas) Efeito adverso mais comum
administração oral a proteínas (horas) (ocorrência)
plasmáticas
picilina por sua melhor absorção e, por isso, constitui gram-negativas. A presença do grupamento amina au-
a escolha frente à ampicilina quando da utilização por menta a penetração desses agentes através da membra-
via oral. na externa de gram-negativos.
As isoxazolil penicilinas apresentam pequeno A maioria das cepas de anaeróbios, como Por-
espectro de atividade antibacteriana, sendo, contudo, phyromonas, Prevotella, Fusobacterium, Peptostreptococ-
resistentes à ação das β-lactamases. As aminopenicili- cus, Campylobacter e Actinomyces e de facultativos, como
nas apresentam um amplo espectro de ação, mas são estreptococos, enterococos e Capnocytophaga, isoladas
sensíveis à ação das enzimas β-lactamases. de canais radiculares ou de abscessos perirradiculares,
Cerca de 10% da população sofre de alergia às é sensível à amoxicilina, o que faz desse antibiótico o
penicilinas. A incidência de alergia varia com a via de de primeira escolha no tratamento das infecções endo-
administração: oral – 0,3%; intravenosa – 2,5%; intra- dônticas.
muscular – 5%. Em cerca de 75% dos óbitos por res- A associação da amoxicilina com o ácido clavulâni-
posta anafilática às penicilinas, não há relato prévio co resulta em uma combinação extremamente eficaz, pela
de alergia a essa droga. As penicilinas são a principal inativação que o clavulanato provoca nas β-lactamases.
causa de morte por anafilaxia nos Estados Unidos, cor- Com o espectro de ação aumentado pela associação da
respondendo a 75% dos casos, isto é, de 400 a 800 mor- amoxicilina com o clavulanato, a quase totalidade das
tes anuais. Essa droga pode funcionar como hapteno, espécies bacterianas envolvidas em infecções endodôn-
ligando-se a proteínas do hospedeiro, assumindo as- ticas fica afetada. Por outro lado, a possibilidade do
sim imunogenicidade capaz de evocar três tipos de hi- surgimento de superinfecções aumenta, podendo mais
persensibilidade imunológica: tipo I (anafilática); tipo facilmente ocorrer episódios de candidíase ou diarreia.
II (citotóxica) e tipo III (complexo imune). As espécies bacterianas mais frequentemente associadas
à produção de β-lactamases na cavidade oral pertencem
Mecanismo de ação aos gêneros Prevotella e Fusobacterium, ambos fortemen-
As penicilinas agem por inibição da síntese da pa- te associados à infecção endodôntica. Estima-se que um
rede celular bacteriana, tendo um efeito bactericida. Por terço das espécies de Prevotella encontradas na cavidade
atuar dessa forma, requerem que os micro-organismos oral sejam produtoras de β-lactamase, o que poderia re-
estejam em estado de proliferação, o que comumente sultar em um grau de ineficácia elevado da amoxicilina
ocorre em processos infecciosos. A inibição se dá pela no tratamento das infecções orais, mas tal fato ainda não
ligação covalente, irreversível, a enzimas transpeptida- se observa na prática clínica34. Entretanto, há indícios su-
ses (também conhecidas como PBP – penicilin binding gestivos de que a incidência de Prevotella spp. em infec-
protein), que promovem a transpeptidação, responsá- ções endodônticas de indivíduos brasileiros possa não
vel pelas ligações cruzadas entre as moléculas de pep- ser tão elevada quanto em outros países59. A resistência
tidoglicano. O arranjo tridimensional das unidades de às penicilinas pode se dar por outros mecanismos que
peptidoglicano, ditado pelas ligações cruzadas, confere não a produção de β-lactamases, sendo esses casos mais
a rigidez característica da parede celular. A deficiência raros e na maioria das vezes associados a bactérias gram-
na formação dessa configuração rompe a integridade positivas, como Enterococcus e Staphylococcus, a bactérias
da parede celular e expõe a célula bacteriana à pressão gram-negativas não fermentadoras, como Pseudomonas
osmótica, que culmina com a sua lise. É possível que e Acinetobacter, ou ainda a enterobactérias, como Kleb-
as penicilinas também inibam a atividade, de forma siella spp. Esses micro-organismos estão associados a
reversível, da enzima D-alanina carboxipeptidase, res- quadros infecciosos de difícil manejo, sendo, entretanto,
ponsável pela geração de energia para a ação das PBPs. relativamente fáceis de ser identificáveis por cultura em
Contudo, a inibição dessa enzima provavelmente não laboratórios de bacteriologia. Dessa forma, a coleta de
ocasiona efeitos letais à bactéria. material clínico para a realização do antibiograma deve
constituir conduta de rotina sempre que possível nos ca-
sos que receberam drenagem cirúrgica, aproveitando-se
Espectro de atividade o material drenado para a análise microbiológica.
As penicilinas G e V possuem espectro de ativida-
de antibacteriana similar, sendo que a última é ligeira-
mente menos eficaz contra anaeróbios estritos. As ami-
Cefalosporinas
nopenicilinas apresentam amplo espectro de atividade Seu núcleo básico é o ácido 7-aminocefalospo-
antibacteriana, sendo bastante eficazes contra bactérias rânico. Modificações no anel β-lactâmico permitiram
Antibióticos em Endodontia 799
uma maior resistência às β-lactamases e maior ligação serem menos eficazes e mais caras do que as aminope-
às PBPs por parte das cefalosporinas, quando compa- nicilinas (amoxicilina) e por não serem indicadas como
radas às penicilinas. No entanto, a atividade contra droga de eleição em pacientes alérgicos às penicilinas
gram-positivos se tornou reduzida. (pelo risco de reatividade cruzada), acreditamos que as
As cefalosporinas também agem pela inibição da cefalosporinas não têm o potencial de ser empregadas
síntese de parede celular, provavelmente por um me- no tratamento das infecções endodônticas.
canismo similar ao das penicilinas.
Ácido clavulânico e sulbactam
Espectro de atividade Como já citado, essas substâncias não devem ser
As cefalosporinas de primeira geração apresentam consideradas como antibióticos, mas uma vez que são
um espectro de atividade contra: cocos gram-positivos de grande importância na terapêutica antibiótica serão
(Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, estafi- brevemente discutidas aqui.
lococos e peptostreptococos), Escherichia coli, Klebsiella São drogas β-lactâmicas com elevada afinida-
pneumoniae e Proteus mirabilis. Exemplos: cefalexina, ce- de pelas enzimas β-lactamases, ligando-se a essas de
fadroxila, cefalotina, cefazolina e cefradina. forma irreversível e “suicida”. O mecanismo de ação
As de segunda geração são mais eficazes contra E. dessas drogas se dá pela ávida ligação da β-lactamase
coli, K. pneumoniae, P. mirabilis, Haemophilus influenzae, com o anel β-lactâmico do ácido clavulânico (ou do
Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis. A eficácia sulbactam). Essa ligação resulta na hidrólise do anel
contra gram-positivos é reduzida quando comparada β-lactâmico do clavulanato, mas a enzima permanece
às de primeira geração. Exemplos: cefaclor, cefonicida, ligada aos produtos resultantes da hidrólise, sendo
cefamandol, ceforanida e cefuroxima. dessa forma inativada irreversivelmente. Por essas ca-
As de terceira geração perderam ainda mais a racterísticas, são chamadas de drogas inibidoras das
eficácia contra gram-positivos, mas apresentam extre- β-lactamases, sendo geralmente associadas a um anti-
ma eficácia contra micro-organismos gram-negativos biótico β-lactâmico.
resistentes a vários antibióticos, como Enterobacteria- Existem vários tipos de β-lactamases, mas tanto o
ceae, Pseudomonas aeruginosa, Prevotella spp. e Bacteroi- clavulanato quanto o sulbactam são efetivos contra a
des fragilis. As cefalosporinas de terceira geração são quase totalidade dessas enzimas produzidas por bacté-
resistentes contra as β-lactamases de muitas bactérias rias associadas às infecções endodônticas. O ácido cla-
gram-negativas, sendo apenas indicadas para casos vulânico se mostra mais potente que o sulbactam e por
de infecção nosocomial (hospitalar) e/ou com risco de isso é a droga preferencial para o uso terapêutico, mas
vida. Exemplos: cefixima, cefmenoxima, cefotaxima, encontra-se disponível comercialmente a associação de
ceftazidima e ceftriaxona. sulbactam e ampicilina para uso injetável.
As de quarta geração conservaram a eficácia con-
tra gram-negativos, mas também possuem elevada po- Clindamicina
tência contra gram-positivos, especialmente contra os
estafilococos. São bastante resistentes à inativação por A clindamicina, assim como a lincomicina, é clas-
β-lactamases. Exemplos: cefpiroma, cefepima, cefqui- sificada como uma lincosamida. Quando comparada
noma, cefprozam, cefclidina, cefluprenam e cefoselis. à lincomicina, a clindamicina apresenta melhores pro-
priedades farmacocinéticas. Em baixas concentrações,
As cefalosporinas de terceira e quarta gerações de-
as lincosamidas são bacteriostáticas, enquanto, em
vem ser guardadas para infecções graves, com alto risco
maiores, são bactericidas. A clindamicina é bem ab-
de vida e envolvendo cepas microbianas multirresisten-
sorvida por via oral, atinge um pico de concentração
tes. Isso não se aplica às infecções endodônticas.
sanguínea em 45 minutos e possui meia-vida de 2 a 4
É limitada a eficácia das cefalosporinas de uso
horas.
oral contra anaeróbios estritos comumente associados
às infecções endodônticas, com exceção do cefaclor, de
segunda geração5. Além disso, também com exceção Mecanismo de ação
do cefaclor, a penetração desses antibióticos no tecido A clindamicina age por inibição da síntese pro-
ósseo é reduzida5. Todavia, o cefaclor não parece apre- teica. Ela se liga à subunidade 50S do ribossoma bacte-
sentar maior eficácia do que a amoxicilina sobre bac- riano, interferindo na ligação do tRNA ao ribossoma,
térias isoladas de lesões perirradiculares agudas34. Por inibindo a formação da cadeia peptídica.
800 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
de náuseas, dor abdominal, cefaleia, anorexia e sensação O efeito colateral mais comum observado com o
de gosto metálico desagradável na boca. Por vezes esses uso da eritromicina é a intolerância digestiva, manifes-
sintomas são tão pronunciados que o paciente pode re- tando-se por náuseas, vômitos, dor abdominal, anore-
cusar a continuidade do tratamento. Pacientes com in- xia, distensão abdominal, flatulência e diarreia. Outro
suficiência hepática podem apresentar neuropatia, que fator negativo desse medicamento é a sua incompatibi-
reverte com a suspensão da droga. De fato, a suspensão lidade com o uso concomitante de várias substâncias,
da administração do metronidazol quando do surgi- como os anticoncepcionais orais, vitaminas do comple-
mento de sintomas de neuropatia (como a parestesia) xo B e vitamina C, fenobarbital, corticosteroides, teo-
constitui uma prática formal devido à possibilidade de filina, carbamazepina, aminofilina, ciclosporina, anti-
essas lesões se tornarem irreversíveis com a continuida- coagulantes (pode facilitar hemorragias), ergotamina,
de da administração dessa droga. digoxina e terfenadina. Esses fatores levaram ao de-
Também não é recomendável a utilização do me- senvolvimento dos novos macrolídeos para substituir
tronidazol no primeiro trimestre da gravidez, pois, a eritromicina.
apesar de não terem sido observados efeitos carcinogê- Os macrolídeos mais recentes, como a azitromici-
nicos e teratogênicos em humanos, eles ocorrem com na, a claritromicina e a roxitromicina, apresentam van-
animais de laboratório (camundongos e ratos). Desa- tagens quando comparados à eritromicina, no que tan-
conselha-se também a administração de imidazólicos ge à maior meia-vida, maior resistência à degradação
a lactantes, pois o leite adquire sabor amargo e pode por ácidos gástricos, menor irritação gástrica e eficácia
ser rejeitado pela criança ou provocar alterações na sua contra alguns patógenos, mormente gram-negativos.
microbiota entérica61. A presença de alimentos no estômago diminui o
grau de absorção da droga. Assim, os macrolídeos de-
Espectro de atividade vem ser ingeridos com estômago vazio ou antes das
refeições.
O metronidazol apresenta especificidade de atu-
ação sobre bactérias anaeróbias estritas (Prevotella,
Porphyromonas, Fusobacterium, Clostridium, Bacteroides, Mecanismo de ação
Selenomonas, Campylobacter e Peptostreptococcus) e al- O mecanismo de ação dos macrolídeos se dá pela
guns protozoários anaeróbios (Trichomonas vaginalis, ligação à subunidade ribossomal 50S, bloqueando a
Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Gardnerella va- translocação por interferir na dissociação do tRNA
ginalis). A sensibilidade de Actinomyces e Propionibac- ligado ao sítio doador do ribossoma. A eritromicina
terium ao metronidazol varia entre as cepas isoladas, também inibe a ação da peptidil-transferase, enzima
não sendo indicado para infecções onde essas bactérias que faz a transferência de aminoácidos entre os tRNA.
predominam34,56. A síntese proteica é então inibida. Nas doses usuais da
Devido ao fato de as infecções endodônticas se- prática clínica, os macrolídeos geralmente apresentam
rem predominantemente anaeróbias, consideramos atividade bacteriostática, podendo eventualmente atu-
esse antibiótico de extrema utilidade em casos refratá- ar como bactericidas em micro-organismos mais sen-
rios à terapêutica com penicilinas ou clindamicina. A síveis.
associação do metronidazol à amoxicilina em casos de
infecções endodônticas graves, mormente em pacientes Espectro de atividade
de risco e nos casos onde a amoxicilina isoladamente
A eritromicina é eficaz contra muitos estreptoco-
não mostrou resultado terapêutico, pode ser bastante
cos e alguns estafilococos. Ela pode apresentar eficácia
apropriada. A posologia usual para infecções orais em
contra Veillonella, Capnocytophaga, Campylobacter, Eu-
adultos é de 400mg a cada 8 horas.
bacterium, Actinomyces e Porphyromonas. Muitas cepas
de Prevotella, Eikenella corrodens, Selenomonas, Peptos-
Macrolídeos treptococcus e Fusobacterium apresentam resistência à
São antibióticos que apresentam em seu núcleo eritromicina.
um anel macrocíclico de lactona. Entre as drogas desse A eritromicina foi durante muito tempo o anti-
grupo, algumas têm sido indicadas para o tratamento biótico substituto das penicilinas nos pacientes odon-
de infecções orais, como a eritromicina, a azitromici- tológicos alérgicos a esses antibióticos. Entretanto, a
na, a claritromicina, a roxitromicina, a espiramicina e a eritromicina tem apresentado uma atividade apenas
miocamicina. moderada sobre os micro-organismos anaeróbios. De
802 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
sos e dentes pode provocar desde malformações até 90% dos pacientes, que se manifestam principalmente
pigmentações irreversíveis nas coroas dentárias. Com como tonteiras, vertigem, náuseas, vômitos e ataxia.
relação às gestantes, além das possíveis malformações Esses sintomas aparecem nos primeiros 3 dias de uso e
fetais, tem sido relatado o óbito por falência hepática regridem com a suspensão do medicamento.
com doses acima de 2 gramas diários. É importante observar que o uso de tetraciclinas
em pacientes cardiopatas pode representar um pro-
blema a mais em Odontologia. As tetraciclinas, assim
Espectro de atividade
como o metronidazol, podem potencializar o efeito de
As tetraciclinas são antibióticos de amplo espec- anticoagulantes orais. Esses pacientes frequentemen-
tro, atuando sobre várias espécies gram-positivas, te fazem uso contínuo de substâncias com atividade
gram-negativas, aeróbias ou anaeróbias, além de espi- anticoagulante, e a associação com tetraciclinas pode
roquetas e alguns protozoários. Tem sido relatada uma consequentemente levar a quadros hemorrágicos com-
alta incidência de resistência às tetraciclinas por várias plexos durante o atendimento odontológico cruento,
cepas de Prevotella intermedia, Selenomonas spp. e Pep- principalmente nos procedimentos periodontais, nas
tostreptococcus spp. exodontias e na cirurgia perirradicular.
Muitas proteínas que promovem resistência às te- De acordo com Tavares61, atualmente as tetracicli-
traciclinas pelo efluxo desse medicamento do interior nas são consideradas antibióticos de primeira escolha
das células bacterianas estão codificadas no genoma de apenas nas infecções causadas por bactérias parasitas
várias espécies bacterianas. No entanto, essas proteínas intracelulares, principalmente devido à sua boa difu-
são induzidas à expressão geralmente apenas quando são para o interior das células eucarióticas, ou seja, em
da presença do antibiótico. Esses genes normalmente doenças causadas por riquétsias, clamídias e borrélias.
não são expressos, sendo reprimidos por outro gene Seu uso em outras situações deveria ser restringido aos
que codifica um sistema repressor. Esse sistema repres- casos onde se pode comprovar sua eficácia pela reali-
sor pode facilmente deixar de funcionar, seja por falha zação de um antibiograma. Tem sido frequente a de-
na sua expressão, por indução pela presença do me- tecção de espécies resistentes provenientes de bolsas
dicamento ou por informações codificadas em plasmí- periodontais e abscessos de origem endodôntica.
dios ou transposons transmitidos por outras bactérias. Por outro lado, Golub et al.,18 em um ensaio labo-
Um fator que facilita o crescimento populacional ratorial, observaram que as tetraciclinas são capazes de
das espécies resistentes é o uso rotineiro das tetracicli- inibir a colagenase, o que pode constituir um auxílio
nas em ração de animais para consumo humano, com significativo na contenção do dano aos tecidos durante
a finalidade de modular a população microbiana intes- a infecção periodontal. Esses autores chegam a suge-
tinal, sobretudo em aves, levando a um ganho de peso rir que essa atividade antienzimática das tetraciclinas
mais acelerado nesses animais. O uso indiscriminado pode ser mais importante que sua ação antimicrobiana
das tetraciclinas na forma de automedicação pelos pa- especificamente. Essa característica de inibição da cola-
cientes é muito comum, uma prática que facilita ainda genase e também da atividade de osteoclastos mostra-
mais a disseminação de espécies bacterianas resisten- se de grande valia nos casos de dentes traumatizados,
tes. Outra questão-chave é que a resistência às tetra- principalmente quando da avulsão dentária. Dessa
ciclinas se dá de forma cruzada entre os membros do forma, Sae-Lim et al.57 consideram a doxiciclina o anti-
grupo, isto é, a ativação da resistência pode ser desen- biótico de escolha na profilaxia antibiótica associada ao
cadeada por qualquer antibiótico do grupo. tratamento dos casos de reimplante de dentes trauma-
As tetraciclinas e o cloranfenicol são antibióticos tizados, na posologia de 100mg/dia por 7 dias.
frequentemente associados a superinfecções, especial-
mente do trato digestivo, podendo se manifestar inclu-
sive como um quadro de CP. São muito frequentes tam- Oxazolidinonas
bém as manifestações de intolerância gastrintestinal As oxazolidinonas são drogas sintéticas desen-
(relacionadas com 10% dos pacientes), expressando-se volvidas originalmente como inibidoras da monoa-
como náusea e/ou diarreia. Para aliviar os sintomas mino-oxidase (IMAO) utilizadas no tratamento da
de irritação gástrica, o paciente tende a administrar o depressão. No final dos anos 1970 descobriu-se que
medicamento às refeições ou associado ao leite, o que possuíam atividade antimicrobiana e foram então uti-
pode prejudicar sensivelmente a absorção das tetraci- lizadas no controle da infecção por bactérias e fungos
clinas. A minociclina provoca efeitos colaterais em até em plantas como o tomate. Modificações em sua es-
804 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
trutura permitiram a utilização por via oral em mode- Sua meia-vida plasmática é de 3 a 4,5 horas, sendo uti-
los animais, mas se mostrou muito tóxica, sendo ini- lizado, assim, em duas doses por dia.
cialmente descartada a possibilidade de seu emprego
em humanos. Os esforços dos pesquisadores continu- Mecanismo de ação
aram até obter duas drogas com excelente atividade Inibe a ação da DNA girase ou topoisomerase,
antimicrobiana e baixa toxicidade: a eperezolida e a enzima envolvida no enrolamento das moléculas de
linezolida. A linezolida mostra biodisponibilidade e DNA, para que ocupem um menor espaço dentro da
níveis séricos superiores, permitindo uma posologia célula. Isso resulta em crescimento anormal, síntese
de duas doses diárias41. O elevadíssimo custo (cerca proteica diminuída e lise do micro-organismo.
de 40 vezes mais alto do que o custo da clindamici-
na no mercado farmacêutico brasileiro) coloca esse
Espectro de atividade
medicamento apenas como uma possibilidade futura
Seu espectro de atividade antibacteriana atinge
para o uso na clínica odontológica.
principalmente bacilos e cocos gram-negativos, facul-
tativos ou aeróbios: Enterobacteriaceae, P. aeruginosa,
Mecanismo de ação
N. gonorrhoeae, N. meningitidis e Mycobacterium. Essas
As oxazolidinonas são inibidoras da síntese de drogas são muito pouco eficazes contra estreptococos,
proteínas, mas, diferentes de outros agentes antimicro- enterococos e anaeróbios estritos, sendo de pouca uti-
bianos que atuam em nível ribossomal, essas drogas lidade em Endodontia. Sua indicação se restringe a ca-
apresentam um mecanismo de ação inovador, interfe- sos de infecções endodônticas persistentes ou secundá-
rindo com o primeiro passo da ligação entre as frações rias causadas por P. aeruginosa onde a presença desse
30S e 50S. A linezolida se liga à subunidade 50S em um micro-organismo tenha sido confirmada por cultura.
local próximo onde ocorre a ligação do cloranfenicol e Casos de osteomielite por Staphylococcus spp também
das lincosamidas. Mesmo sendo o local de ligação da podem ser tratados com quinolonas.
linezolida próximo ao destes outros antimicrobianos,
não há resistência cruzada desta com o cloranfenicol e
Resistência a antibióticos
as lincosamidas41.
Apresenta meia-vida de 6 horas, possibilitando Há um século, doenças infecciosas como tuber-
sua administração a cada 12 horas, tanto por via oral culose, pneumonia e infecções gastrintestinais repre-
quanto endovenosa, sendo a posologia de 1.200mg/ sentavam a principal causa de mortalidade no mundo.
dia para adultos. O advento dos antibióticos resultou em um declínio
significativo na incidência de infecções letais e anun-
Espectro de atividade ciou uma nova era na terapia das doenças infecciosas.
Todavia, o entusiasmo gerado se revelou prematuro.
A linezolida apresenta ação potente sobre gram-
Durante os anos seguintes, a resposta evolucionária
positivos, sendo bactericida contra estreptococos e
dos micro-organismos à pressão seletiva exercida por
bacteriostática contra estafilococos e enterococos. Não
antibióticos culminou no aparecimento de algumas
se mostra eficaz contra bacilos gram-negativos não fer-
cepas microbianas resistentes a praticamente todos
mentadores (como Pseudomonas) ou enterobactérias,
os antibióticos conhecidos16,35. Dados da Organização
mas é eficaz contra bactérias gram-negativas anaeró-
Mundial de Saúde relativos a 1997 revelaram que do-
bias com desempenho comparável à clindamicina72 e
enças infecciosas foram responsáveis por 32% dos óbi-
pode representar uma opção terapêutica futura na clí-
tos no mundo (16,4 milhões de pessoas), seguidas por
nica endodôntica.
doenças circulatórias (19% ou 9,7 milhões de pessoas),
câncer (12% ou 6 milhões) e acidentes (8% ou 3,9 mi-
Quinolonas lhões). Tais índices conferem às doenças infecciosas
As quinolonas são agentes totalmente sintéticos. novamente o status de principal causa de mortalidade
As mais utilizadas são ciprofloxacin, norfloxacin e oflo- no mundo.
xacin. Ciprofloxacin é o único com possibilidades de Se um determinado membro de uma comunida-
uso em Endodontia. de microbiana possui genes de resistência contra um
O ciprofloxacin é bem absorvido por via oral e determinado antibiótico e a comunidade é persistente-
atinge picos de concentração em cerca de 1 hora. Ali- mente exposta à droga, o micro-organismo resistente é
mentos podem retardar, mas não reduzir, a absorção. então selecionado, emerge e se multiplica. Se a pressão
Antibióticos em Endodontia 805
seletiva persistir, tal micro-organismo passará a preva- felizmente, em muitos casos esse outro agente pode ser
lecer na comunidade. No mundo moderno, tais micro- ainda ineficaz para tratar a doença.
organismos rapidamente se alastram para outras regi- Apesar dos inúmeros centros de pesquisa envolvi-
ões, ajudando a disseminar a resistência contra aquele dos no desenvolvimento de novos fármacos, surgiram
antibiótico. nos últimos 40 anos apenas duas novas classes relevan-
Tem sido relatada a ocorrência de cepas multirre- tes de antimicrobianos de amplo espectro: as oxazoli-
sistentes das espécies S. aureus, Enterococcus faecalis, P. dinonas (principalmente a linezolida) e os antibióticos
aeruginosa, S. pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis e lipopeptídeos (o único aprovado para uso clínico é a
de muitas outras espécies capazes de causar infecções daptomicina). Por outro lado, mesmo sendo capazes
letais16,23-25,35,47,65,66. Além disso, a incidência de resistên- de obter novos antimicrobianos, a resposta bacteriana
cia entre bactérias anaeróbias tem aumentado, princi- com o surgimento da resistência tem se dado de forma
palmente contra clindamicina, cefalosporinas e peni- cada vez mais precoce. O exemplo da linezolida ilus-
cilinas, como observado em hospitais e nos principais tra bem essa situação. Por ser uma droga totalmente
centros de atendimento médico23,26. sintética, quando do seu lançamento no mercado em
O aumento assustador na incidência da resistên- 2000, apregoava-se que as bactérias levariam muito
cia a múltiplos antibióticos por parte dos principais tempo até se adaptarem a uma nova substância que
patógenos humanos é de grande preocupação e incita não encontrava similar na natureza. Pois a resistência à
o compromisso de agirmos cuidadosamente e com res- linezolida foi relatada pela primeira vez em 2002, ape-
ponsabilidade. Uma única utilização errônea de antibi- nas 2 anos após seu lançamento comercial31. O que se
óticos consiste em uma contribuição significativa para tem dito é que estamos perdendo a corrida contra as
o cenário atual de emergência. Doenças infecciosas que bactérias: a capacidade de desenvolver novos antimi-
já foram tratadas com sucesso por meio de um deter- crobianos não é páreo para a capacidade bacteriana de
minado antibiótico agora podem requerer outro agente se adaptar a eles e de expressar novas formas de resis-
antimicrobiano, usualmente mais caro e potencialmen- tência11. A Fig. 21-1 ilustra essa corrida no momento do
te mais tóxico, para se alcançar o êxito terapêutico. In- lançamento do antimicrobiano e quando foi detectada
Surgimento do antibiótico
tetraciclina
cloranfenicol
ampicilina
estreptomicina
eritromicina cefalosporinas
sulfonamidas daptomicina
meticilina
penicilina linezolida
1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005
sulfonamidas cloranfenicol
cefalosporinas linezolida
penicilina vascomicina
estreptomicina daptomicina
ampicilina
eritromicina
tetraciclina
meticilina
Surgimento da resistência
Figura 21-1. “Corrida” contra micro-organismos resistentes. Esquema revelando o momento do lançamento do antimicrobiano e o momen-
to quando foi detectada a resistência microbiana.
806 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
a sua resistência. O uso abusivo, inadequado e indiscri- disponíveis se dá no ambiente hospitalar. A Infectious
minado de antibióticos é uma das principais causas do Disease Society of America estima que 70% dos casos de
desenvolvimento de múltiplas e preocupantes formas infecção hospitalar nos EUA envolvem bactérias resis-
de resistência bacteriana. Esse uso é representado por: tentes a um ou mais antibióticos11. Novas ideias talvez
possibilitem uma abordagem diferente para enfrentar
a) Uso em pacientes sem um processo infeccioso. Ex.: a crescente taxa de resistência bacteriana aos antibióti-
É um absurdo utilizar antibióticos no tratamento da cos. Interferir na capacidade do patógeno de provocar
pulpite, que é eminentemente caracterizada por um doença, isto é, impedindo a ação de seus fatores de vi-
processo inflamatório com a infecção se restringin- rulência (toxinas, citolisinas ou proteases produzidas
do à polpa coronária exposta. O uso de antibióticos pelas bactérias patogênicas), pode ser uma nova forma
não eliminará a infecção, localizada na superfície de tratar infecções sem provocar alteração significativa
exposta, sendo constantemente mantida por micro- na microbiota do hospedeiro. Mas são apenas conjectu-
organismos da cavidade oral. ras e possibilidades para o futuro11. No presente, a me-
b) Escolha errônea do agente, dose e/ou duração. lhor forma de se postergar o crescimento da resistência
c) Uso abusivo em profilaxia. Nesse caso, existem in- entre os micro-organismos é melhorar o discernimento
dicações precisas (discutidas a seguir) que devem pelos clínicos no uso das drogas antimicrobianas ora
ser seguidas. disponíveis.
fragmentos de DNA cromossomial ou de plasmídios. mais de forma efetiva sobre seu alvo de atuação.
Uma vez infectando outra célula bacteriana, esse mate- Essa é uma forma de resistência aos β-lactâmicos,
rial genético pode ser inserido em seu genoma. à eritromicina, à clindamicina, às tetraciclinas e às
Na conjugação há a transferência de material ge- quinolonas.
nético entre as células bacterianas por meio de pili se- c) Aumento da produção do receptor para a droga.
xuais, que fixam uma célula à outra, estabelecendo co- Um aumento da produção de receptores pode tor-
nexões intercitoplasmáticas. Isso permite a passagem nar a droga ineficaz. Isso porque, embora a droga se
do DNA de plasmídios pelo interior dos pili de uma ligue a seu alvo específico, inibindo-o, outros per-
célula para outra. manecem livres para continuar suas funções. Por
Se em todos esses mecanismos há a aquisição de exemplo, um aumento na síntese de PBPs pode re-
genes que codificam para fatores de resistência, cepas sultar em resistência aos β-lactâmicos.
outrora sensíveis podem agora ser resistentes. d) Redução da permeabilidade à droga. Alterações
estruturais no envelope celular ou a perda da ca-
Mecanismos bioquímicos de resistência pacidade de transportar a droga para o interior da
célula bacteriana podem diminuir ou impedir a pe-
Os mecanismos genéticos de aquisição de resis-
netração da droga, limitando seus efeitos. Esse me-
tência são responsáveis pelo desenvolvimento de me- canismo é responsável pela resistência bacteriana
canismos bioquímicos que permitem às células bacte- aos β-lactâmicos, à eritromicina, às tetraciclinas, ao
rianas resistir a um agente antimicrobiano. Os princi- metronidazol e às quinolonas.
pais mecanismos bioquímicos de resistência são:
Calcado no exposto, observa-se que existem múl-
a) Inativação da droga pela produção de enzimas. Bac- tiplas formas de resistência para uma mesma droga.
térias podem produzir enzimas que inativam o anti- Assim, a inibição de uma via não implica necessaria-
biótico. Um exemplo típico é a enzima penicilinase, mente maior eficácia da droga. Por exemplo, a resistên-
uma β-lactamase, produzida por cepas resistentes cia à penicilina associada a um inibidor competitivo da
à penicilina. As β-lactamases de bactérias gram-po- β-lactamase (ácido clavulânico) pode ser mantida por
sitivas, codificadas por plasmídios, são induzidas e cepas que utilizam um outro mecanismo de resistência,
possuem uma alta afinidade por seus substratos. São como a produção de PBPs de baixa afinidade. Assim, a
extracelulares e produzidas em grandes quantida- droga permanecerá ineficaz no combate à infecção.
des. Por isso, podem proteger toda a população bac-
teriana da região dos efeitos da penicilina (incluindo
cepas vizinhas sensíveis). As β-lactamases de gram- DIARREIA ASSOCIADA AO USO DE
negativos são constitutivas e ligadas à célula. São co- ANTIBIÓTICOS
dificadas por genes cromossomiais ou de plasmídios. Os quadros de diarreia associados à administra-
Sua localização no espaço periplásmico restringe o ção de antimicrobianos geralmente se instalam por
acesso da penicilina ao seu receptor e, ao contrário uma alteração profunda na comunidade microbiana
das β-lactamases de gram-positivas, protege apenas intestinal. Antibióticos de amplo espectro de ação que
a célula que a produz. A produção de β-lactamases são mal absorvidos por via oral tendem a se acumular
constitui a forma mais comum de resistência bacte- em maiores quantidades no trato gastrintestinal, sendo
riana às penicilinas, advindo daí o desenvolvimento mais associados a esses quadros patológicos. A micro-
de drogas com o intuito de impedir a ação dessas biota anfibiôntica intestinal possui várias espécies ce-
enzimas, chamadas de inibidores de β-lactamases. A lulolíticas que produzem celulase, ajudando a digerir
utilização do ácido clavulânico associado à amoxicili- os vegetais da nossa dieta. A depleção dessa microbio-
na visa justamente a bloquear a ação dessas enzimas, ta acelera o trânsito intestinal pelo acúmulo de fibras
impedindo a destruição do antibiótico. A resistência vegetais, podendo estabelecer um quadro diarreico.
à eritromicina e à tetraciclina também pode ser me- Igualmente, a eliminação da microbiota anfibiôntica
diada por inativação enzimática. intestinal abre espaço para a colonização por bactérias
b) Alterações no receptor da droga. Receptores podem patogênicas ou permite que espécies oportunistas que
ser produzidos com seu sítio de ligação à droga al- se encontravam em pequeno número se multipliquem
terado, oferecendo baixa afinidade de ligação. Isso e estabeleçam a doença. Por outro lado, as diarreias
faz com que o agente antimicrobiano não se ligue associadas aos antibióticos podem não ser infecciosas,
808 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
mas sim causadas pela redução no metabolismo de O metronidazol é a droga de escolha para o tra-
ácidos biliares primários e de carboidratos, alergia ou tamento da maioria dos casos de diarreia associada ao
efeitos tóxicos dos antibióticos sobre a mucosa intesti- C. difficile21. Embora o paciente deva ser encaminhado
nal e efeito farmacológico na motilidade intestinal. ao médico para o tratamento da colite, cabe ao dentista
Uma medida que pode minimizar a ocorrência de suspender e alterar o regime antibiótico em curso para
diarreia associada ao uso de antimicrobianos é a admi- o tratamento da infecção oral.
nistração profilática do liófilo de S. boulardii (Floratil®,
100 a 200mg de 12 em 12 horas), com a finalidade de
promover uma colonização intestinal com micro-or- PROFILAXIA ANTIBIÓTICA
ganismos não patogênicos resistentes aos antibióticos
A profilaxia antibiótica consiste na administração
utilizados, dificultando a invasão e/ou proliferação de
de antibióticos a pacientes sem evidências de infecção
bactérias patogênicas, como o C. difficile7.
para prevenir a colonização bacteriana e reduzir o risco
A maioria dos quadros diarreicos pode ser tratada
de desenvolvimento de complicações pós-operatórias.
pela simples reposição hidroeletrolítica (utilização do
soro de reidratação caseiro). Todavia, dor abdominal,
acompanhada de febre, fezes mucossanguinolentas em Indicações
evacuações líquidas, profusas e frequentes, constitui O uso profilático de antibióticos é indicado em
uma situação mais grave, podendo ser um quadro de Odontologia principalmente para prevenir o desenvol-
CP, a qual representa 10 a 20% dos casos de diarreia
vimento de endocardite bacteriana (EB) em pacientes
associada aos antibióticos, e sua ocorrência está asso-
de risco, resultante de bacteremias seguintes a proce-
ciada à presença de uma cepa de C. difficile produtora
dimentos operatórios44,46,50. A endocardite bacteriana é
de toxina entero-hemorrágica no intestino do paciente,
uma infecção grave das válvulas cardíacas ou das su-
cepa essa resistente ao antibiótico ministrado. Antibi-
perfícies endoteliais do coração, que atinge um índice
óticos de amplo espectro depletam a microbiota intes-
de mortalidade de aproximadamente 10%. Em 2007, a
tinal e, se cepas de C. difficile produtoras de toxina es-
American Heart Association (AHA) revisou as indica-
tiverem presentes (ou infectarem o paciente durante o
ções para a realização da profilaxia da EB, diminuindo
tratamento) e não forem afetadas pela medicação, elas
o número de indicações em relação às recomendações
podem encontrar condições ambientais para se multi-
anteriores de 199768,69. Pacientes de risco para desen-
plicar e causar doença. A ocorrência de um quadro de
volver EB, logo que necessitam de profilaxia antibióti-
CP é preocupante, já que a ausência de uma interven-
ca, estão listados no Quadro 21-4.
ção adequada pode levar o paciente ao óbito. Todavia a
Os motivos que motivaram as mudanças nos pa-
incidência dessa patologia varia em diferentes estudos
entre 0,01 e 10% dos pacientes61, com uma maior inci- cientes-alvo para receberem a profilaxia antibiótica no
dência para os pacientes internados por períodos mais que concerne à EB são:
longos em hospitais gerais. Pacientes submetidos a re-
gimes de antibioticoterapia mais prolongada são mais • a EB resulta muito mais provavelmente de exposi-
suscetíveis aos quadros diarreicos, principalmente os ções frequentes a bacteremias aleatórias associadas
idosos70. a atividades diárias do que a bacteremias causadas
A ocorrência de CP geralmente se dá após a ad- por procedimentos odontológicos;
ministração dos seguintes antibióticos (em ordem de • a profilaxia antibiótica pode prevenir um número
frequência de ocorrência): ampicilina, cefalosporinas extremamente reduzido de casos de EB, se é que
(principalmente a cefoxitina), lincosamidas (princi- previne algum caso, em pessoas submetidas a pro-
palmente a clindamicina), tetraciclinas, macrolídeos e cedimentos odontológicos;
cloranfenicol30. A amoxicilina também pode provocar a • o risco de eventos adversos pelo uso de antibióticos
CP; entretanto, como apresenta uma boa absorção, ra- excede os benefícios, se é que há algum, da profila-
ramente isso ocorre. De toda forma, é muito importante xia antibiótica;
salientar que a CP pode estar associada à utilização de • a manutenção da saúde e da higiene oral pode redu-
qualquer antimicrobiano de amplo espectro e, por isso, zir a incidência de bacteremia decorrente de ativi-
o paciente deve ser acompanhado e esclarecido sob a dades diárias e é mais importante que a antibiotico-
possível ocorrência de diarreia para que se proceda à profilaxia nos procedimentos odontológicos para
intervenção necessária o mais breve possível. reduzir o risco de EB.
Antibióticos em Endodontia 809
Quadro 21-4 Condições cardíacas associadas à Pacientes infectados por HIV e que necessitam de
endocardite segundo a American Heart Association tratamento endodôntico não apresentam maiores riscos
de complicações infecciosas quando comparados com
Profilaxia recomendada pacientes não infectados. Assim, não requerem antibi-
Alto risco
óticos administrados profilaticamente. Na verdade, o
• Válvulas cardíacas protéticas ou material protético utilizado
para reparo de válvula cardíaca uso de profilaxia antibiótica em pacientes infectados
• Endocardite bacteriana prévia por HIV que se apresentam gravemente imunocom-
• Doenças cardíacas congênitas (DCC): prometidos gera um grande risco de desenvolvimento
– DCC cianótica não reparada, incluindo shunts ou condutos de infecções secundárias causadas por patógenos opor-
paliativos tunistas que são resistentes à droga.
– Defeito cardíaco congênito completamente reparado com
A profilaxia antibiótica tem sido prescrita por al-
material protético ou aparelho, se colocado por cirurgia
ou intervenção por cateter, apenas nos primeiros 6 meses
guns profissionais antes ou depois de procedimentos de
após o procedimento cirurgia oral menor em pacientes que não estão incluídos
– DCC reparada, mas com defeitos residuais no local no grupo de risco para sequelas infecciosas decorrentes
ou adjacentes ao local da prótese (que iniba a de bacteremia. Tal procedimento não é substanciado
endotelialização) por evidências científicas e diverge significativamente
• Receptores de transplantes cardíacos que desenvolveram dos protocolos e princípios de profilaxia antibiótica em
valvulopatia cardíaca
cirurgia. A cobertura antibiótica profilática em pacien-
Profilaxia não recomendada tes cirúrgicos é comprovadamente eficaz e com uma
Médio risco razoável relação risco-benefício em casos de cirurgias
• Maioria das outras malformações congênitas “limpas” (cirurgia aberta do coração, reconstrução de
• Disfunção valvular adquirida (por exemplo, doença cardíaca vasos principais, cirurgia para colocação de próteses ar-
reumática)
ticulares), nos quais o risco de infecção é remoto, mas, se
• Cardiomiopatia hipertrófica
• Prolapso da válvula mitral com regurgitação valvular
ocorrer, pode gerar consequências graves; ou em casos
de cirurgias “contaminadas” (cirurgia eletiva biliar, gás-
Baixo risco trica ou colônica), nos quais a probabilidade de infecção
• Defeito septal atrial secundário isolado é grande, mas raramente fatal. Autoridades em doenças
• Reparo cirúrgico de defeito do septo atrial, defeito do infecciosas apenas recomendam cobertura antibiótica
septoventricular ou duto arterial persistente (sem resíduos
profilática para procedimentos cirúrgicos com um alto
além de 6 meses)
• Cirurgia com enxerto para derivação da artéria coronária
risco de infecção e/ou para colocação de implantes. De
• Prolapso da válvula mitral sem regurgitação valvular acordo com esse critério, o único procedimento cirúrgi-
• Sopro cardíaco fisiológico, funcional ou inocente co oral que poderia justificar a profilaxia antibiótica em
• Doença de Kawasaki prévia sem disfunção valvular pacientes saudáveis seria a cirurgia para colocação de
• Febre reumática prévia sem disfunção valvular implantes; todavia, mesmo nesses casos há indicações
• Marcapasso cardíaco (intravascular ou epicárdico) e de que a administração de antibióticos não melhora o
desfibriladores implantados
prognóstico do procedimento60.
Cumpre enfatizar que a utilização da profilaxia
antibiótica para o tratamento de pacientes normais,
A profilaxia não está indicada para pacientes saudáveis, é extremamente empírica e contraindicada.
portadores de pinos, placas ou parafusos ortopédicos. Um caso específico constitui a profilaxia antibi-
Pacientes com próteses articulares devem receber pro- ótica nos casos de dentes avulsionados. Nos casos de
filaxia antibiótica durante os 2 primeiros anos após a avulsão traumática, geralmente o dente entra em con-
colocação da prótese. Findo esse período, a profilaxia tato com superfícies contaminadas e os procedimentos
deve ser feita apenas para pacientes de alto risco, como adequados ao reimplante não permitem uma limpeza
imunossuprimidos, imunocomprometidos, diabéticos, eficiente da superfície radicular. A limpeza vigorosa da
hemofílicos e para indivíduos malnutridos. superfície radicular irá danificar as fibras residuais do
Pacientes recebendo quimioterapia para tratamento ligamento periodontal, acarretando um risco aumenta-
do câncer e casos de transplante de medula devem rece- do de reabsorção por substituição pós-reimplante. Des-
ber profilaxia antibiótica se a contagem de leucócitos for sa forma, a administração de antibióticos no período
inferior a 2.500. Nesses casos, o regime profilático propos- mais crítico do reimplante é fundamental para evitar
to para a endocardite também pode ser utilizado. a proliferação de bactérias que, estabelecendo uma in-
810 Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
fecção, poderiam impedir o reparo do ligamento perio- Quadro 21-5 Procedimentos dentários e profilaxia da
dontal. Devido às suas propriedades inibitórias sobre endocardite segundo a American Heart Association
metaloproteinases e pelo espectro de ação adequado,
a doxiciclina se apresenta como o antibiótico mais in- Profilaxia recomendada*
• Extração dentária
dicado para esses casos, na posologia de 100mg/dia,
• Procedimentos periodontais, incluindo cirurgias,
por 7 dias. raspagem e polimento radicular, sondagem e consultas de
manutenção
Eficácia da profilaxia • Aplicação de implantes dentários e reimplantes após
avulsão
Alguns requisitos são necessários para a eficácia • Instrumentação endodôntica e cirurgia perirradicular
da profilaxia antibiótica44,46,49,50: • Aplicação subgengival de fibras ou fitas de antibióticos
• Colocação de bandas ortodônticas, mas não de brackets
a) a seleção do antibiótico deve ser fundamentada no • Anestesia intraligamentar
• Profilaxia dentária ou de implantes quando é previsto
provável micro-organismo que causará a infecção;
sangramento
b) o antibiótico deve atingir concentração sérica eficaz
antes da disseminação dos micro-organismos; Profilaxia não recomendada
c) o antibiótico deve ser bactericida; • Dentística restauradora** com ou sem fio retrator***
d) o antibiótico não deve ser administrado por um pe- • Anestesia local (exceto intraligamentar)
ríodo prolongado antes do procedimento, isso para • Cimentação de núcleo metálico e reconstrução
• Aplicação de isolamento absoluto
evitar o risco de selecionar micro-organismos resis-
• Remoção de suturas
tentes; • Colocação de prótese removível ou aparelhos ortodônticos
e) o benefício da profilaxia para o paciente deve com- • Moldagens
pensar os riscos de alergia (anafilaxia), resistência, • Aplicação de flúor
toxicidade e superinfecções. • Tomadas radiográficas
• Ajustes de aparelhos ortodônticos
• Exfoliação de dentes decíduos
A efetividade da profilaxia antibiótica em Odon-
tologia tem sido questionada, uma vez que inúmeros * Profilaxia recomendada para pacientes de alto e médio riscos.
patógenos podem estar associados a infecções orais, ** Inclui restaurações de dentes cariados e substituição de dentes perdidos.
*** Avaliação clínica pode indicar o uso de antibióticos em circunstâncias especiais
sendo muito difícil a seleção de um antibiótico eficaz que podem gerar sangramento significativo.
contra todos. Entre esses patógenos existem ainda
diversos graus de virulência e modelos diferentes de
resistência aos antibióticos. Outrossim, não existem es-
repostas cirurgicamente ou shunts e próteses vascula-
tudos clínicos controlados que tenham determinado a
res pulmonares estabelecidos cirurgicamente68,69.
droga de escolha, sua efetividade, a dose terapêutica e
O médico do paciente deve ser consultado e a
o intervalo apropriado entre as doses.
relação risco-benefício discutida, incluindo o desen-
Reconhecidamente, o uso profilático de antibi-
volvimento de reações alérgicas (muitas vezes letais),
óticos em procedimentos orais é empírico. Ele visa a
resistência, toxicidade e superinfecções. Absolutamen-
prevenir uma infecção por uma espécie bacteriana a
te, não é vergonha para um profissional debater com
princípio desconhecida, de patogenicidade também
outro questões inerentes a um paciente em comum.
desconhecida, em um tecido desconhecido, utilizando
uma dosagem de eficácia desconhecida. Acreditamos
que o uso profilático de antibióticos, como o recomen- Regime profilático
dado pela AHA, deva ser empregado nas indicações Determinados procedimentos odontológicos em te-
já citadas (ver também as indicações no Quadro 21-5), cidos contaminados podem causar bacteremia transitória,
pois, embora sua eficácia não seja comprovada cienti- que raramente persiste por mais de 30 minutos4,27,36,53,54.
ficamente, por outro lado também não existe compro- Todavia, tem sido relatado que bacteremia envolven-
vação de sua ineficácia. Já a British Society for Anti- do algumas espécies potencialmente patogênicas pode
microbial Chemotherapy estabelece que a profilaxia durar no mínimo 60 minutos3,37. Bactérias presentes na
da endocardite bacteriana no âmbito da Odontologia corrente sanguínea podem ser aprisionadas e se esta-
deveria se restringir aos pacientes com história de en- belecer em válvulas cardíacas anormais ou danifica-
docardite prévia ou que possuam válvulas cardíacas das, no endocárdio ou no endotélio adjacente a defeitos
Antibióticos em Endodontia 811
anatômicos, induzindo a endocardite bacteriana ou a desses bochechos deve ser desestimulada, uma vez que
endoarterite51. Embora a ocorrência de bacteremia seja pode resultar em seleção de micro-organismos resisten-
comum após procedimentos invasivos, apenas certas tes e dificultar o processo de reparo de feridas orais.
espécies bacterianas podem causar endocardite. Deve- Os procedimentos odontológicos com risco de de-
se aclarar que nem sempre é possível prever quais pa- senvolver bacteremias e, portanto, justificando o em-
cientes desenvolverão esse processo infeccioso ou qual prego de profilaxia estão listados no Quadro 21-6. No
procedimento específico será o responsável50,51. geral, a profilaxia antibiótica para prevenção da endo-
Bochechos com antissépticos, como a solução de cardite bacteriana é recomendada em procedimentos
gluconato de clorexidina a 0,12%, realizados imediata- associados a sangramento significante oriundo de teci-
mente antes de procedimentos dentários, podem reduzir dos moles e/ou duros, como em raspagem periodontal
a incidência ou a magnitude de bacteremias. De fato, bo- e em cirurgia perirradicular. De forma similar, também
chechos com 15mL dessa solução de clorexidina são reco- é indicada em tonsilectomia ou em cirurgia periodon-
mendados para todos os pacientes de risco ou não, cerca tal. Como pode ocorrer sangramento inesperado oca-
de 30 segundos antes do procedimento a ser executado, sionalmente, dados de estudos utilizando um modelo
como uma das medidas rotineiras de precaução universal animal sugerem que a profilaxia antimicrobiana admi-
no atendimento odontológico38,63. Por outro lado, a utili- nistrada até 2 horas após o procedimento pode ainda
zação caseira continuada e sem orientação profissional apresentar eficácia. Antibióticos administrados por
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Capítulo 22
Traumatismo
Dentário
Gilberto Debelian
Martin Trope
Asgeir Sigurdsson
815
816 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
normal pode ter sido reimplantado ou reposicionado Exame dos tecidos moles intraorais
previamente por qualquer uma dessas pessoas ou pelo
A próxima etapa é procurar lacerações dos lá-
próprio paciente, e isso irá influir no prognóstico e na
bios, língua, mucosa jugal, palato e assoalho bucal. As
sequência do tratamento.
gengivas vestibulares e linguais e a mucosa oral são
palpadas, devendo ser registradas áreas de sensibili-
Exame clínico dade, edema ou equimose. A borda anterior do ramo
Queixa principal da mandíbula é palpada. Quaisquer achados anormais
Com exceção de dor e sangramento, pode haver sugerem possíveis injúrias ao dente e ao osso, sendo
uma queixa específica que ajude no diagnóstico. Se a indicado um posterior exame radiográfico da área. La-
queixa for de que os dentes “não estão encaixando”, cerações dos lábios e da língua devem ser observadas
o clínico deve considerar possíveis deslocamentos ou e radiografadas no caso de envolvimento de corpos es-
fratura óssea. Dor que ocorre somente quando o pacien- tranhos.
te trinca os dentes pode indicar fraturas coronárias, ra-
diculares ou ósseas ou, ainda, deslocamentos. Exame dos tecidos duros
Um dos melhores exames para evidenciar injú-
Exame neurológico rias traumáticas é simplesmente olhar cuidadosamen-
Quando o clínico está obtendo a história do aci- te. Cada dente e suas estruturas de suporte devem ser
dente e da queixa principal, o paciente deve ser obser- examinados com uma sonda exploradora e periodon-
vado em relação a complicações neurológicas ou médi- tal. Perguntas básicas como “O plano oclusal está de-
cas32. As injúrias dentárias podem ocorrer simultanea- salinhado?” e “Está faltando algum dente?” devem ser
mente com outras injúrias da cabeça e pescoço. Deve respondidas antes da realização de qualquer teste tér-
ser registrado se o paciente está-se comunicando de mico ou elétrico. O examinador procura inicialmente
forma coerente. O paciente tem dificuldade para focar por uma evidência grosseira de injúria. Se vários den-
ou rodar os olhos ou para respirar? tes estiverem fora de alinhamento, uma fratura óssea
O paciente pode virar a cabeça de um lado para é a explicação mais razoável. A mandíbula deve ser
o outro? Existe alguma parestesia dos lábios ou da lín- examinada para pesquisa de fraturas colocando-se o
gua? O paciente reclama de zumbido no ouvido? Ele dedo indicador sobre o plano oclusal dos dentes infe-
tem apresentado dores de cabeça persistentes, tontei- riores com os polegares sob a mandíbula, movendo-a
ras, sonolência ou vômitos desde o acidente? Obstrução de um lado para o outro, para a frente e para trás. Uma
aérea por aparelhos dentários deve ser considerada. fratura mandibular irá causar desconforto com esses
movimentos, e um som desagradável de fragmentos
quebrados poderá ser ouvido. Uma pressão suave,
Exame externo
mas firme, deve ser usada para prevenir um possível
Antes de o paciente abrir a boca para um exa- trauma adicional ao nervo alveolar inferior e aos vasos
me intraoral, o clínico deve primeiramente procu- sanguíneos. Também pode se tentar mover os dentes
rar sinais externos da injúria. Lacerações da cabeça individualmente com uma pressão com o dedo. Qual-
e pescoço são facilmente detectáveis. Entretanto, quer mobilidade é indicativa de deslocamento do osso
desvios dos contornos normais do osso devem ser alveolar. O movimento de vários dentes juntos eviden-
atentamente investigados. A articulação temporo- cia fratura alveolar. A mobilidade da coroa deve ser di-
mandibular deve ser palpada externamente quando ferenciada da de um dente. Quando ocorrem fraturas
o paciente abre e fecha a boca. O padrão de abertura coronárias, a coroa ficará móvel, mas o dente permane-
e fechamento da boca do paciente desvia para um cerá em posição. Ocasionalmente, fraturas radiculares
dos lados? Se isso ocorre, pode haver indicação de podem ser sentidas colocando-se um dedo sobre a mu-
uma fratura mandibular unilateral. Da mesma for- cosa de um dente e movendo a coroa.
ma, o arco zigomático, o ângulo e a borda inferior Quaisquer fraturas recentes de cúspides ou de
da mandíbula devem ser palpados bilateralmente, margem incisal devem ser registradas. Fraturas incom-
devendo ser feitos registros sobre qualquer área de pletas de cúspide podem ser observadas usando-se a
amolecimento, edema ou equimose da face, boche- ponta de um explorador dental como uma cunha nos
cha, pescoço ou lábios. Esses podem ser sinais de sulcos oclusais dos dentes posteriores para evidenciar
possíveis fraturas ósseas. o movimento de alguma cúspide.
Traumatismo Dentário 817
Cada margem incisal e cada cúspide devem ser uma indicação de que a polpa esteja provavelmente em
gentilmente percutidas com o cabo do espelho para lo- processo de degeneração. A persistência de uma res-
calizar fraturas incompletas ou dentes que tenham sido posta negativa sugere que a polpa foi comprometida
levemente deslocados de seus alvéolos. de forma irreversível, mas, mesmo assim, isso não é
Hemorragia no sulco gengival pode indicar um absoluto27.
dente ou um segmento de dente deslocado. Qualquer Testes pulpares térmicos e elétricos de todos os
alteração na coloração dos dentes deve ser observada; dentes anteriores (canino a canino), superiores e in-
a inspeção da superfície lingual dos dentes anteriores feriores, devem ser realizados no momento inicial do
com uma luz refletida irá ajudar. Exposições eviden- exame e cuidadosamente registrados para estabelecer
tes da polpa devem ser observadas, e as fraturas co- uma base de comparação com testes subsequentes re-
ronárias com exposições pulpares mínimas podem ser petidos nos meses posteriores. Esses testes devem ser
detectadas com uma bolinha de algodão embebida em repetidos depois de 3 semanas, com 3, 6 e 12 meses de
solução salina e pressionada contra a área suspeita de intervalo anual após o trauma. O propósito dos testes
exposição14. Quando o exame visual está completo e to- é estabelecer uma diretriz do status fisiológico das pol-
dos os achados anormais foram registrados, devem ser pas desses dentes. Particularmente, em dentes trauma-
realizadas radiografias das áreas traumatizadas. tizados, a neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou o di-
clorodifluormetano (–40ºC) colocados sobre o terço in-
Testes térmicos e elétricos cisal da superfície vestibular produzem respostas mais
precisas do que o bastão de água gelada53,54 (Fig. 22-1).
Durante décadas, a validade dos testes térmicos e O frio intenso parece penetrar no dente e na cobertura
elétricos em dentes traumatizados tem sido motivo de dos splints ou das restaurações e alcançar áreas mais
controvérsia. Apenas impressões genéricas podem ser profundas do dente. Além disso, o gelo seco não forma
obtidas a partir desses testes subsequentes a uma injú- água gelada, que pode dispersar sobre o dente adjacen-
ria traumática. Eles são, na realidade, testes de sensibi- te ou sobre a gengiva e produzir uma resposta falso-
lidade para a função nervosa e não indicam a presença negativa. O teste pulpar elétrico se baseia em estímulos
ou a ausência de circulação sanguínea no interior da elétricos diretamente sobre os nervos pulpares. Esses
polpa. Presume-se que após a injúria traumática a ca- testes apresentam valor limitado em dentes jovens, po-
pacidade de condução das terminações nervosas e/ou rém são úteis em casos onde os túbulos dentinários es-
dos receptores sensoriais esteja suficientemente desor- tão fechados e não permitem que os fluidos dentinários
denada para inibir o impulso nervoso a partir de um circulem dentro deles. Essa situação é típica em dentes
estímulo elétrico ou térmico. Isso torna o dente trau- de pacientes mais idosos ou em dentes traumatizados
matizado vulnerável a leituras falso-negativas a partir que foram submetidos à esclerose prematura. Nessas
desses testes91. situações os testes térmicos que se baseiam no fluxo do
Os dentes que apresentam resposta positiva ao fluido nos túbulos não podem ser usados e o teste elé-
exame inicial podem não necessariamente ser conside- trico se torna importante.
rados saudáveis, uma vez que com o tempo podem não
continuar a dar respostas positivas. Dentes que produ-
zem resposta negativa ou nenhuma resposta não po-
dem ser considerados com polpas necrosadas, porque
podem apresentar resposta positiva em consultas pos-
teriores de controle. Foi demonstrado que pode levar
cerca de 9 meses para que o fluxo sanguíneo normal
retorne à polpa coronária de um dente traumatizado
completamente formado. À medida que a circulação é
restaurada, a resposta aos testes retorna55.
A transição de uma resposta negativa para po-
sitiva em um teste subsequente pode ser considerada
um sinal de polpa saudável. Os achados contínuos de
respostas positivas podem ser considerados como um
Figura 22-1. Gás diclorodifluormetano (–40°C) é aplicado em uma
sinal de polpa saudável. A transição de uma respos- mecha de algodão e então colocado em contato com a borda inci-
ta positiva para negativa pode ser considerada como sal do incisivo superior.
818 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
A fluximetria laser Doppler (FLD) foi introduzida Entretanto, o padrão da radiografia dentária
no início dos anos 1970 para a mensuração do fluxo san- apresenta graves limitações. Por exemplo, uma linha
guíneo na retina68. A técnica tem sido usada para avaliar de fratura pode correr no sentido mesiodistal de um
o fluxo sanguíneo em outros sistemas tissulares, como a dente e não estar evidente na radiografia. Uma linha de
pele e a córtex renal, e utiliza um feixe de luz infraverme- fratura também pode ser diagonal em um sentido ves-
lha (780-820nm) ou quase infravermelha (632,8nm) dire- tibulolingual e não ser óbvia em um filme. Da mesma
cionada para o tecido por fibras óticas. Enquanto a luz forma, uma fratura muito fina pode não estar evidente
penetra no tecido, ela se dispersa através dos eritrócitos na radiografia ao exame inicial e somente mais tarde se
em movimento e das células teciduais estacionárias. Os tornar óbvia quando fluidos teciduais e mobilidade se
fótons que interagem com os eritrócitos em movimento espalharem sobre as partes fraturadas.
são dispersados e a frequência é modificada de acordo A reabsorção radicular também é extremamente
com o princípio do Doppler. Os fótons que interagem difícil de se detectar em radiografias dentárias. A ra-
com as células estacionárias são dispersados, mas não diodensidade da raiz requer que uma quantidade sig-
são modificados pelo Doppler. Uma porção da luz retor- nificativa de substância radicular seja removida para
na ao fotodetector e um sinal é produzido (Fig. 22-2). que haja contraste suficiente na radiografia que permi-
Têm sido feitas tentativas de utilizar a tecnologia ta detectá-la. Assim, somente os defeitos de reabsor-
FLD para o diagnóstico da vitalidade pulpar em dentes ção na superfície mesial ou distal da raiz podem ser
traumatizados, porque ela ofereceria uma leitura mais detectados de forma previsível. A fim de superar es-
precisa do status de vitalidade da polpa85,133. Estudos sas dificuldades é essencial que sejam tiradas quantas
demonstraram resultados promissores, indicando que radiografias anguladas forem possíveis para avaliar a
o laser Doppler pode detectar o fluxo sanguíneo de for- reabsorção do osso adjacente125. A partir do momento
ma mais consistente e mais cedo do que os testes comu- em que a reabsorção devido ao trauma dentário for de
mente utilizados. natureza inflamatória, o osso adjacente a uma área de
Atualmente o custo do aparelho de fluxometria reabsorção radicular será afetado de forma semelhante
por laser Doppler limita seu uso nos consultórios den- e irá reabsorver. Pelo fato de o osso não ser tão radio-
tários particulares, sendo usado primariamente em denso quanto a raiz, é mais fácil detectar reabsorção
hospitais e em instituições de ensino. óssea do que reabsorção radicular125.
Novas técnicas radiográficas, como a tomogra-
fia computadorizada de abertura sincronizada (Tuned
Exames radiográficos
Aperture CT ou TACT), têm-se mostrado promissoras
As radiografias são instrumentos essenciais no na melhora da capacidade de os clínicos diagnostica-
exame completo dos tecidos duros traumatizados. Elas rem reabsorção radicular86, mas atualmente são experi-
podem revelar fraturas radiculares, fraturas coronárias mentais ou financeiramente inviáveis de ser praticadas
subgengivais e fraturas ósseas, deslocamentos dentá- pelo dentista.
rios, reabsorções das raízes e do osso adjacente ou ob- Nos casos de laceração dos tecidos moles é reco-
jetos estranhos. mendável radiografar a área lesada antes de suturar para
A B C
Figura 22-3. Paciente com fraturas coronárias complicadas em dentes superiores. A. Capeamento pulpar de emergência foi realizado e
aplicada resina composta. Seis dias depois, o paciente foi encaminhado à clínica por causa de reparação inadequada da laceração do lábio.
B. Uma radiografia do lábio revelou parte da coroa do incisivo lateral ainda no lábio. O paciente foi anestesiado e a coroa removida. C. A
reparação então ocorreu sem maiores incidentes subsequentemente.
se ter certeza de que não há corpos estranhos envolvidos. margem para a restauração. Se o dente pode ser man-
Uma radiografia de tecido mole com um filme de tama- tido do ponto de vista periodontal, a polpa é tratada
nho normal exposta brevemente a uma quilovoltagem como para uma fratura de coroa.
reduzida deve revelar a presença de várias substâncias
estranhas, inclusive fragmentos dentários (Fig. 22-3). Fraturas radiculares
Na revelação dos filmes de dentes traumatiza-
Surpreendentemente, um grande número de pol-
dos, uma atenção especial deve ser direcionada para a
pas em dentes com fratura radicular sobrevive a uma
dimensão do espaço do canal radicular, para o grau de
injúria traumática. Na verdade, em quase todos os ca-
fechamento apical da raiz, para a proximidade das fra-
sos o segmento apical permanece vital. Se o segmento
turas com a polpa e para a relação das fraturas radicula-
coronário perde a vitalidade, ele deve ser tratado como
res com a crista alveolar. Enquanto os filmes periapicais
um dente permanente jovem necrosado. O segmento
convencionais são geralmente úteis, um filme oclusal ou
apical vital não deve ser tratado!
um filme panorâmico pode complementá-los quando o
examinador está investigando fraturas ósseas ou corpos
estranhos. Traumas sérios como acidentes de automó- Injúrias por luxações
vel podem afetar qualquer dente e ocorrem em todas as Essas injúrias geralmente resultam em necrose
faixas etárias. Assim, em muitos casos após injúria trau- pulpar e também em lesão da camada protetora de ce-
mática dentária, a terapia endodôntica é realizada em mento. A combinação potencial da infecção pulpar em
um dente permanente jovem unirradicular sem cárie. uma raiz que tenha perdido sua camada protetora de
Portanto, se um tratamento rápido e correto é realizado cemento torna essas injúrias potencialmente catastrófi-
logo após a injúria, o potencial para um resultado endo- cas, e o tratamento de emergência correto e o tratamen-
dôntico bem-sucedido é muito providencial. to endodôntico, críticos.
Fraturas coronárias
FRATURAS CORONÁRIAS
Essas injúrias geralmente ocorrem em dentes an-
Como já mencionado, o primeiro objetivo sob o
teriores jovens e sem cáries. Isso faz com que a manu-
ponto de vista endodôntico é manter a vitalidade após
tenção da vitalidade pulpar seja altamente desejável.
esses tipos de injúrias dentárias.
Por sorte, a terapia para polpa vital tem um bom prog-
Trincas de esmalte – “Fratura incompleta ou ra-
nóstico nessas situações se o tratamento correto e os
chadura do esmalte sem a perda de estrutura dentária”14
procedimentos de acompanhamento forem seguidos.
e Fratura dentária não complicada – “Fratura somente
do esmalte ou do esmalte e da dentina sem exposição
Fraturas coroa-raiz pulpar”14 são injúrias que têm pouco risco de resultar
Essas fraturas são primeiramente tratadas pe- em necrose pulpar. Na verdade, o maior risco à saúde
riodontalmente para assegurar que seja possível uma da polpa se deve a causas iatrogênicas provocadas pelo
820 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Incidência
Fraturas coronárias complicadas ocorrem em 0,9-
13% das injúrias dentárias34,98,115.
Figura 22-5. Aparência histológica da polpa 24 horas após exposi-
Consequências biológicas ção traumática. A polpa proliferou para a área de dentina exposta.
Uma fratura que envolve a polpa, se não for trata- Há aproximadamente 1,5mm de polpa inflamada abaixo da super-
fície de fratura.
da, sempre irá resultar em necrose pulpar74. Entretanto,
a maneira e a sequência de tempo pela qual a polpa se
torna necrosada são responsáveis por grande parte do primeiras 24 horas após a injúria uma resposta pro-
potencial de sucesso em uma intervenção para manter liferativa com inflamação se estendendo não mais do
a polpa saudável. A primeira reação após a injúria é que 2mm para o interior da polpa esteja presente36,40,63
hemorragia e inflamação local (Fig. 22-5). (Fig. 22-5). Com o tempo, a invasão bacteriana irá re-
As alterações inflamatórias subsequentes geral- sultar em necrose pulpar e em reabsorção radicular
mente são proliferativas, mas também podem ser des- (Fig. 22-6).
trutivas. Uma reação proliferativa é favorecida nas in-
júrias traumáticas, já que a superfície fraturada geral-
mente é plana, permitindo a irrigação pela saliva com
pouca chance de impactação de restos alimentares
contaminados. Portanto, a menos que a impactação de
detritos contaminados seja óbvia, espera-se que nas
b) Selamento antibacteriano
Em nossa opinião, esse requisito é o fator mais
crítico para um tratamento bem-sucedido114. A inva-
são por bactérias durante a fase de reparação causará
insucesso35. Por outro lado, se a polpa exposta estiver
efetivamente vedada contra a passagem bacteriana, a
reparação bem-sucedida da polpa com a formação de
Figura 22-9. Barreira de tecido duro após pulpotomia parcial e apli-
uma barreira de tecido duro irá ocorrer independente- cação de hidróxido de cálcio. Aparência histológica de odontoblas-
mente da proteção colocada sobre ela35. tos de substituição e da barreira.
c) Curativo pulpar
cálcio parece ser neutralizada à medida que as cama-
Atualmente, o hidróxido de cálcio é o curativo
das pulpares mais profundas são afetadas, causando
mais comum usado para a tratamento da polpa vital.
uma necrose coagulativa na junção da polpa necrótica
Suas vantagens são que ele é antibacteriano33,105 e irá
com a polpa vital, resultando apenas em uma discre-
desinfetar a polpa superficialmente. O hidróxido de
ta irritação pulpar. Essa discreta irritação dará início
cálcio puro causará uma necrose em cerca de 1,5mm do
a uma resposta inflamatória que na ausência de bacté-
tecido pulpar84, que removerá as camadas superficiais
rias100 irá permitir à polpa uma reparação por forma-
de polpa inflamada quando elas estiverem presentes
ção de uma barreira de tecido duro99,100 (Fig. 22-9). A
(Fig. 22-8). O alto pH de 12,5 do hidróxido de cálcio
colocação de hidróxido de cálcio de presa rápida não
causa uma necrose por liquefação nas camadas mais
causará necrose nas camadas superficiais da polpa e
superficiais da polpa100. A toxicidade do hidróxido de
tem demonstrado iniciar uma reparação também com
a formação de uma barreira de tecido duro113,120.
A principal desvantagem do hidróxido de cálcio é
que ele não veda a superfície fraturada. Portanto, um
material adicional deve ser usado para assegurar que a
polpa não seja invadida por bactérias, particularmente
durante a fase crítica de reparação.
Muitos materiais como o óxido de zinco e euge-
nol , fosfato tricálcico65 e resina composta22 têm sido
123
Indicações
As mesmas do capeamento pulpar.
Técnica
São realizadas anestesia, aplicação do isolamento
absoluto e desinfecção superficial.
Uma cavidade de 1-2mm de profundidade é pre-
parada no interior da polpa usando uma broca dia-
mantada estéril de tamanho apropriado com refrigera-
ção profusa com água59 (Fig. 22-11). O uso de broca de
baixa rotação ou de colher escavadora deve ser evitado
Figura 22-10. Corte histológico de dente de cão após capeamento
direto com MTA. Há boa evidência de formação de ponte de denti- a não ser que a refrigeração com a broca de alta rota-
na diretamente abaixo do MTA. (Gentileza do Dr. L. K. Bakland.) ção não seja possível. Se o sangramento for excessivo, a
polpa é amputada mais profundamente até que apenas
uma hemorragia moderada seja observada. O exces-
durecido, irá gerar um excelente selamento antibacte- so de sangue deve ser cuidadosamente removido por
riano118 e é resistente o bastante para agir como base meio da irrigação com substância salina estéril ou solu-
para a restauração final117. ção anestésica e deve ser seco com bolinha de algodão
estéril. Deve-se ter o cuidado de não permitir que um
coágulo sanguíneo se desenvolva, o que iria compro-
Métodos de tratamento meter o prognóstico36,99. Se a polpa possui tamanho su-
Capeamento pulpar ficiente que permita uma necrose adicional de 1-2mm,
uma fina camada de hidróxido de cálcio puro é mistu-
O capeamento pulpar implica a colocação de um
rada com solução salina estéril ou com anestésico e é
curativo diretamente sobre a exposição pulpar.
cuidadosamente depositada sobre ela. Se o tamanho da
polpa não permite uma perda adicional de tecido pul-
Indicações par, pode ser usado um hidróxido de cálcio comercial
Como é demonstrado pelo índice de sucesso des- de presa fácil113 e a cavidade preparada pode ser obtu-
se procedimento (80%)51,93 comparado ao da pulpoto- rada com um material que apresente a melhor chance
mia parcial (95%)36, parece que um capeamento pulpar de um selamento contra bactérias (óxido de zinco e eu-
superficial não deve ser considerado após exposições genol ou cimento de ionômero de vidro) em um nível
traumáticas da polpa. O baixo índice de sucesso não é que recubra a superfície fraturada. O material na cavi-
difícil de entender, já que uma inflamação superficial
se desenvolve imediatamente após a exposição trau-
mática. Assim, se o tratamento é realizado em um nível
superficial, um número de polpas inflamadas (em vez
de saudáveis) será tratado diminuindo o potencial de
sucesso. Além disso, um selamento antibacteriano co-
ronário rigoroso é muito mais difícil em um capeamen-
to pulpar superficial, uma vez que não há profundida-
de da cavidade para ajudar a criação de um selamento
contra bactérias como em uma pulpotomia parcial.
Pulpotomia parcial
A pulpotomia parcial implica a remoção do teci-
do pulpar coronário até o nível da polpa saudável. Em
injúrias traumáticas esse nível pode ser precisamente Figura 22-11. Pulpotomia parcial de Cvek. O dente fraturado é lim-
po e desinfetado e é aplicado isolamento absoluto. A cavidade é
determinado devido ao conhecimento da reação da preparada com broca esférica diamantada em alta rotação na pro-
polpa após uma injúria traumática, procedimento esse fundidade de 1 a 2mm dentro da polpa. Cavidade após aplicação
que é comumente chamado pulpotomia de Cvek. do hidróxido de cálcio.
824 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
dade pulpar e todos os túbulos dentinários expostos O prognóstico é extremamente satisfatório (94-
são recobertos com cimento de hidróxido de cálcio de 96%)36,52.
presa fácil e o esmalte condicionado e restaurado com
resina composta adesiva como no capeamento pulpar. Pulpotomia total
Recentemente, o MTA tem sido usado como material
Esse procedimento envolve a remoção de toda a
de forração permanente para se aplicar diretamente so-
polpa coronária ao nível dos orifícios radiculares. Esse
bre a polpa exposta e substituir o uso do Ca(OH)2. Vá-
nível de amputação pulpar é escolhido arbitrariamente
rios estudos57,82 sobre polpas expostas devido ao trau-
de acordo com sua comodidade anatômica. Portanto, já
ma mostraram resultados previsíveis de formação de
que a polpa inflamada algumas vezes se estende além
barreira dentinária dura adjacente à exposição quando
dos orifícios do canal para o interior da polpa radicu-
o MTA foi aplicado.
lar, muitos “erros” são cometidos resultando no trata-
mento de uma polpa inflamada em vez de uma polpa
Acompanhamento não inflamada.
O mesmo do capeamento pulpar. Novamente, a
ênfase é colocada na evidência da manutenção de posi- Indicações
tividade pelos testes de sensibilidade e nas evidências Quando é previsto que a polpa esteja inflamada
radiográficas da continuação do desenvolvimento ra- em níveis mais profundos do que a polpa coronária.
dicular (Fig. 22-12). Exposições traumáticas após 72 horas ou uma exposi-
ção por cárie são exemplos em que essa forma de tra-
Prognóstico tamento pode ser indicada. Devido às chances razoa-
Esse método apresenta muitas vantagens sobre velmente boas de que o curativo será colocado sobre a
o capeamento pulpar. A polpa superficial inflamada é polpa inflamada, a pulpotomia total é contraindicada
removida no preparo da cavidade pulpar. O hidróxi- em dentes maduros. Entretanto, os benefícios superam
do de cálcio desinfeta a dentina e a polpa. O mais im- os riscos nesta forma de tratamento em dentes imatu-
portante é o espaço oferecido para um material que irá ros com os ápices incompletamente formados e com
promover o selamento contra bactérias para permitir paredes de dentina delgadas.
que a polpa se repare por formação de tecido duro sob
condições ideais. Além disso, a polpa coronária não é Técnica
removida, o que permite a realização dos testes de sen- Anestesia, aplicação do isolamento absoluto e
sibilidade em consultas de acompanhamento. desinfecção superficial como no capeamento pulpar e
na pulpotomia parcial. A polpa coronária é removida tores recomendam a pulpectomia rotineiramente após
como na pulpotomia parcial, mas ao nível dos orifícios a formação completa das raízes (Fig. 22-13). Essa filo-
radiculares. Um curativo de hidróxido de cálcio, o se- sofia se baseia no fato de que enquanto o procedimen-
lamento contra bactérias e a restauração coronária são to de pulpectomia apresenta um índice de sucesso de
realizados como na pulpotomia parcial. O MTA nesse 95%, quando uma lesão perirradicular se desenvolve, o
caso também pode substituir o Ca(OH)2 e pode ser usa- prognóstico do tratamento do canal radicular cai signi-
do como um material permanente. Entretanto, o MTA ficativamente para cerca de 80%101,102,106 (ver Capítulo 8,
necessita de vários minutos, horas ou dias para endu- Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
recer completamente antes que uma obturação perma-
nente seja aplicada sobre ele83. Pulpectomia
A pulpectomia implica a remoção de toda a polpa
Acompanhamento
ao nível do forame apical.
O mesmo do capeamento e da pulpotomia parcial.
A principal desvantagem desse método de tratamento Indicações
é o fato de que o teste de sensibilidade não é possível
Fratura coronária complicada em um dente ma-
devido à perda da polpa coronária. Portanto, o acom-
duro (se as condições não forem ideais para o trata-
panhamento radiográfico é extremamente importante
mento da polpa vital). Esse procedimento não difere
para a avaliação de sinais de lesão perirradicular e para
do tratamento do canal radicular de um dente vital não
assegurar a continuação da formação radicular.
traumatizado.
Prognóstico
Na medida em que a pulpotomia é realizada em Tratamento da polpa necrosada
polpas onde é esperada a presença de inflamação pro- Dente imaturo – apicificação
funda, sendo o local de amputação pulpar arbitrário,
muitos “erros” ocorrem, levando ao tratamento de Indicações
uma polpa inflamada. Consequentemente, o prognós- Dentes com ápices abertos e paredes de dentina
tico que se encontra na faixa de 75% é pior do que o da delgadas nos quais as técnicas padronizadas de instru-
pulpotomia parcial56. Devido à incapacidade de avaliar mentação não podem criar um fechamento apical para
o status da polpa após a pulpotomia total, alguns au- facilitar a obturação efetiva do canal radicular.
Consequências biológicas
Um dente imaturo não vital apresenta várias dificul-
dades para o tratamento endodôntico adequado. O canal
geralmente é mais amplo apicalmente do que coronaria-
mente, necessitando de uma técnica de obturação com o
uso de um material obturador mais amolecido para mol-
dá-lo na forma da porção apical do canal. Uma vez que
o forame apical é muito amplo, não existe barreira para
impedir que esse material amolecido invada e traumatize
os tecidos periodontais apicais. E a falta de fechamento
apical e o extravasamento do material através do canal
podem resultar em um canal mal obturado e suscetível à
infiltração. Um problema adicional em um dente imaturo Figura 22-14. Mistura cremosa de hidróxido de cálcio em espiral
com paredes dentinárias delgadas é sua suscetibilidade à de Lentulo pronta para aplicação no canal.
fratura durante e depois do tratamento37.
Esses problemas são superados pelo estímulo da
formação de uma barreira de tecido duro que permi- Barreira apical de tecido duro
ta uma obturação do canal de forma ideal e reforce
Método tradicional
a fragilidade da raiz contra fratura antes e depois da
A formação de uma barreira de tecido duro no
apicificação75,116.
ápice requer um meio semelhante ao que é necessário
para a formação de tecido duro no tratamento conser-
Técnica vador pulpar, isto é, um discreto estímulo inflamatório
Desinfecção do canal para iniciar a reparação e um meio ambiente isento de
Já que na grande maioria dos casos os dentes não bactérias para assegurar que a inflamação não seja pro-
vitais estão infectados, a primeira fase do tratamento é gressiva.
desinfetar o sistema de canais radiculares para assegu- Assim como no tratamento da polpa vital, o hi-
rar a reparação perirradicular33,41. O comprimento do dróxido de cálcio é usado para esse procedimento37,64,66.
canal é estimado com uma radiografia pré-operatória O hidróxido de cálcio em pó é misturado com uma so-
e, depois que o acesso aos canais é realizado, uma lima lução salina estéril (ou solução anestésica) até uma con-
é conduzida a essa extensão. Quando o comprimento sistência espessa (com mais pó) (Fig. 22-15). O hidróxi-
tiver sido confirmado radiograficamente, uma lima- do de cálcio é acamado contra os tecidos moles apicais
gem muito suave (devido às paredes delgadas de denti- por meio de um compactador ou instrumento de ponta
na) é realizada com irrigação copiosa com hipoclorito de romba para iniciar a formação de tecido duro. Esse pas-
sódio a 0,5%42,110. Uma concentração menor de NaOCl é so é seguido pelo preenchimento do restante do canal
usada em razão do maior risco de introdução de hipo- com hidróxido de cálcio, garantindo dessa forma um
clorito de sódio através do ápice em dentes imaturos. canal isento de bactérias com pouca chance de reinfec-
Essa concentração mais baixa de NaOCl é compensada
pelo volume da solução irrigadora usada. Uma agu-
lha de irrigação que possa alcançar passivamente um
comprimento próximo do ápice é útil na desinfecção
dos canais desses dentes imaturos. O canal é seco com
pontas de papel, e uma mistura pastosa de hidróxido
de cálcio é introduzida no canal com uma espiral de
Lentulo (Fig. 22-14). A ação desinfetante adicional (à
instrumentação e irrigação) do hidróxido de cálcio é
efetiva após a sua aplicação por no mínimo uma sema-
na. O tratamento posterior não deve demorar mais do
que 1 mês, já que o hidróxido de cálcio pode ser elimi-
nado pelos fluidos teciduais através do ápice aberto,
deixando o canal suscetível à reinfecção. Figura 22-15. Mistura espessa de hidróxido de cálcio.
Traumatismo Dentário 827
ção durante os 6 a 18 meses necessários para a forma- damente o fechamento apical por tecido duro. Quando
ção de tecido duro no ápice. O hidróxido de cálcio é uma barreira de tecido duro é observada radiografica-
meticulosamente removido da cavidade de acesso ao mente e pode ser sondada com um instrumento, o ca-
nível dos orifícios radiculares e um material restaura- nal está pronto para ser obturado.
dor temporário é colocado na cavidade de acesso. Uma
radiografia é realizada e o canal deve parecer como se Barreira por MTA
estivesse calcificado, indicando que ele foi totalmente A previsão para a criação de uma barreira fisio-
preenchido com hidróxido de cálcio (Fig. 22-16). Pelo lógica de tecido duro gira em torno de 3 a 18 meses.
fato de a eliminação do hidróxido de cálcio ser avaliada A desvantagem desse longo período é a necessidade
por sua radiodensidade relativa, é prudente usar uma de que o paciente se apresente várias vezes para o
mistura de hidróxido de cálcio sem a adição de um ma- tratamento e também que o dente possa fraturar du-
terial radiopaco como o sulfato de bário. Esses aditivos rante o tratamento e antes que as paredes delgadas
não são eliminados prontamente como o hidróxido de do canal sejam fortalecidas. Além disso, um estudo
cálcio, de modo que, se estiverem presentes no canal, a indica que a longo prazo o tratamento com hidróxido
avaliação da eliminação é impossível. de cálcio pode enfraquecer as raízes e torná-las ainda
Em intervalos de 3 meses uma radiografia é reali- mais suscetíveis à fratura17. O MTA tem sido usado
zada para avaliar se uma barreira de tecido duro se for- para criar uma barreira de tecido duro imediatamen-
mou e se o hidróxido de cálcio foi eliminado do canal. te após a desinfecção do canal (Fig. 22-17). Sulfato de
Essa ocorrência só pode ser avaliada por meio de novas cálcio é empurrado para além do ápice para produ-
radiografias. Se a eliminação do hidróxido de cálcio é zir uma barreira extrarradicular reabsorvível contra a
observada, ele é recolocado como antes. Se não há evi- qual o MTA vai ser acondicionado. O MTA é mistura-
dências de eliminação, ele pode ser deixado intacto por do e colocado em 3 a 4mm apicais do canal de forma
mais 3 meses. Trocas excessivas no curativo de hidró- semelhante à colocação do hidróxido de cálcio. Uma
xido de cálcio devem ser evitadas, já que se considera bolinha de algodão molhada pode ser colocada sobre
que a toxicidade inicial do material atrasa a reparação77. o MTA e deixada por no mínimo 6 horas e, então, todo
Quando se suspeita da conclusão da barreira de tecido o canal deve ser obturado com um material obturador
duro, o hidróxido de cálcio deve ser removido do canal endodôntico ou a obturação pode ser colocada ime-
com hipoclorito de sódio, devendo uma radiografia ser diatamente, já que os fluidos teciduais do ápice aberto
realizada para avaliar a radiodensidade do fechamen- provavelmente irão produzir uma umidade suficiente
to apical. Uma lima de calibre suficiente para alcançar para garantir o endurecimento do MTA. A porção cer-
facilmente o ápice pode ser usada para sondar delica- vical do canal então é reforçada com resina composta
A B C D E
Figura 22-17. Apicificação com MTA. A. O canal é desinfetado com instrumentação discreta, irrigação copiosa e medicação com mistura
cremosa de hidróxido de cálcio por um mês. B. Sulfato de cálcio é aplicado além do ápice como uma barreira contra a qual o MTA é com-
pactado. C. Um plug de MTA de 4mm é colocado na região apical do canal. D. O corpo do canal é obturado com o sistema Resilon. E. Resina
composta é utilizada abaixo da junção amelocementária para fortalecer a raiz. (Gentileza da Dra. Marga Ree.)
periodontal para o interior do canal radicular. A obtu- um posterior desenvolvimento radicular e do reforço
ração deve ser concluída ao nível da barreira de tecido das paredes dentinárias pela deposição de tecido duro,
duro e não deve ser forçada em direção ao ápice radio- fortalecendo a raiz contra a fratura. Após o reimplante
gráfico. de um dente imaturo avulsionado existe um conjunto
exclusivo de aspectos capaz de permitir que ocorra rege-
Reforço das paredes delgadas de dentina neração. O dente jovem tem um ápice aberto e é curto, o
O procedimento de apicificação se tornou previsi- que permite o crescimento relativamente rápido de um
velmente bem-sucedido (ver Prognóstico)50. Entretanto, novo tecido para o interior do espaço pulpar. A polpa
as finas paredes de dentina ainda constituem problema está necrosada, mas geralmente não está degenerada e
clínico. Se ocorrerem injúrias secundárias, os dentes infectada e, dessa forma, irá agir como uma matriz den-
com paredes dentinárias delgadas ficam mais suscetí- tro da qual o novo tecido pode crescer. Foi demonstrado
veis à fratura, o que os torna não restauráveis44,119. Tem experimentalmente que a porção apical de uma polpa
sido relatado que aproximadamente 30% desses dentes pode permanecer vital e proliferar coronariamente
irão fraturar durante ou após o tratamento endodônti- após o reimplante, substituindo a porção necrosada da
co76. Consequentemente, alguns clínicos têm questio- polpa24,87,108. Além disso, o fato de que na maioria dos ca-
nado a conveniência do procedimento de apicificação sos a coroa do dente se encontra intacta e livre de cáries
e têm optado por tratamentos mais radicais incluindo assegura que a penetração bacteriana dentro do espa-
extração seguida por procedimentos restauradores ço pulpar através de rachaduras80 ou defeitos seja um
mais avançados como implantes dentários. Estudos processo lento. Assim, a corrida entre o tecido novo e a
recentes têm demonstrado que restaurações adesivas infecção do espaço pulpar favorece o tecido novo.
intracoronárias podem reforçar internamente os den- Até hoje se pensava que fosse impossível a rege-
tes tratados endodonticamente e aumentar sua resis- neração do tecido pulpar em um dente necrosado e in-
tência à fratura58,75. Assim, após a obturação do canal, o fectado com lesão perirradicular associada. Entretanto,
material deve ser removido a um nível abaixo do osso se for possível criar um meio ambiente como já foi des-
marginal e uma obturação de resina adesiva deve ser crito para o dente avulsionado, a regeneração poderá
colocada (Fig. 22-17). ocorrer. Assim, se o canal for efetivamente desinfetado,
a matriz na qual o novo tecido poderia crescer for pro-
Acompanhamento duzida e o acesso coronário for efetivamente selado, a
Devem ser realizadas novas consultas para ava- regeneração deverá ocorrer como em um dente imatu-
liação a fim de determinar o sucesso na prevenção ou ro avulsionado.
no tratamento da lesão perirradicular. Os procedimen- Um relato de caso por Banchs e Trope23 reprodu-
tos restauradores devem ser avaliados para assegurar ziu os resultados de casos reportados por outros que
que eles não promovam, em qualquer hipótese, fratu- indicam ser possível replicar os aspectos exclusivos de
ras radiculares. um dente avulsionado de forma a revascularizar a pol-
pa de raízes imaturas necrosadas infectadas.
O caso mostrado na Fig. 22-20 descreve o trata-
Prognóstico
mento de um incisivo superior com sinais clínicos e
A reparação perirradicular e a formação de uma radiográficos de lesão perirradicular com a presença
barreira de tecido duro ocorrem de forma previsível no de fístula. O canal foi desinfetado sem instrumentação
tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo (79 mecânica, mas com irrigação copiosa com hipoclorito
a 96%)37,76. Entretanto, a sobrevida a longo prazo é co- de sódio a 5,25% e com o uso de uma mistura de antibi-
locada em risco pelo potencial de fratura das paredes óticos69. Um coágulo sanguíneo foi produzido ao nível
delgadas de dentina desses dentes. É esperado que as da junção amelocementária para obter uma matriz para
mais novas técnicas de reforço interno desses dentes já o crescimento de um novo tecido seguido por uma res-
descritas aumentem sua sobrevida a longo prazo. tauração coronária para oferecer um selamento contra
bactérias. Com evidências clínicas e radiográficas de
Revascularização pulpar reparação em 22 dias, a ampla área radiolúcida desa-
A regeneração de uma polpa necrosada tem sido pareceu em 2 meses e, no controle de 24 meses, era ób-
considerada possível apenas após a avulsão de um den- vio que as paredes radiculares estavam espessas e que
te permanente imaturo (ver a seguir). As vantagens da o desenvolvimento da raiz abaixo da restauração era
revascularização pulpar se baseiam na possibilidade de semelhante à dos dentes adjacentes e contralaterais.
830 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Padrões de reparação
Andreasen e Hjorting-Hansen18 descreveram qua-
tro tipos de reparação das fraturas radiculares.
A B
Tratamento
O tratamento de emergência envolve o reposicio-
namento dos segmentos o mais próximo possível e es-
plintagem aos dentes adjacentes por 2-4 semanas16. Esse C D
protocolo de esplintagem mudou recentemente dos 2
Figura 22-23. Padrões de reparação após fraturas radiculares ho-
aos 4 meses tradicionalmente recomendados92. Se um rizontais. A. Reparação por tecido calcificado. B. Reparação com
longo período ocorreu entre a injúria e o tratamento, tecido conjuntivo interproximal. C. Reparação com osso e tecido
provavelmente a reposição dos segmentos próximos à conjuntivo. D. Tecido conjuntivo interproximal sem reparação.
832 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
2. Dentes imaturos raramente estão envolvidos em fra- lar é novamente recoberto por cemento. A reparação é
turas, mas, quando estão, o prognóstico é bom15,71. desfavorável quando ocorre a inserção direta do osso
3. Qualidade do tratamento. O prognóstico melhora à raiz e ela é progressivamente substituída pelo osso
com o tratamento rápido, redução dos segmentos (reabsorção por substituição)79.
radiculares e esplintagem semirrígida por 2 a 4 se- Existem dois tipos de reabsorção em que a polpa
manas16. tem um papel essencial:
As complicações são: 1 – necrose pulpar, que pode 1. Na reabsorção radicular inflamatória externa, a pol-
ser tratada de forma bem-sucedida38,72 com o tratamen- pa necrosada infectada produz o estímulo para a
to do segmento coronário com hidróxido de cálcio a inflamação periodontal. Se a situação tem origem
longo prazo e obturação após a formação de uma bar- onde o cemento foi danificado por uma injúria
reira de tecido duro; 2 – a obliteração do canal radicu- traumática, bactérias e seus produtos presentes no
lar não é incomum se o segmento (coronário ou apical) espaço pulpar são capazes de se difundir por meio
permanecer vital. dos túbulos dentinários e estimular uma resposta
inflamatória sobre amplas áreas do ligamento pe-
riodontal. Novamente, devido à falta de proteção
INJÚRIAS POR LUXAÇÃO cementária, a inflamação periodontal incluirá reab-
Definições sorção radicular, assim como a esperada reabsorção
óssea32,60,79,121,124.
1. Concussão implica ausência de deslocamento, mo- 2. Na reabsorção radicular inflamatória interna, a pol-
bilidade normal, sensibilidade à percussão. pa inflamada é o tecido envolvido na reabsorção
2. Subluxação implica sensibilidade à percussão, mo- da estrutura radicular. A patogênese da reabsorção
bilidade aumentada, sem deslocamento. interna não está completamente entendida. Consi-
3. Luxação lateral implica deslocamento vestibular, dera-se aqui que a polpa coronária necrosada infec-
lingual, distal ou incisal. tada produz um estímulo para uma inflamação nas
4. Luxação extrusiva implica deslocamento na direção porções mais apicais da polpa. Se em casos raros a
coronária. polpa inflamada estiver adjacente a uma superfície
5. Luxação intrusiva implica deslocamento na direção radicular que tenha perdido sua proteção cementá-
apical dentro do alvéolo. ria, poderá ocorrer a reabsorção radicular interna.
Assim, tanto a polpa necrosada infectada como a
Essas definições descrevem injúrias de magnitu- polpa inflamada contribuem para esse tipo de reab-
de crescente em termos de intensidade e sequelas sub- sorção radicular121,124.
sequentes.
Tratamento
Figura 22-25. Obliteração quase completa do canal radicular em O dano de inserção devido à injúria traumática
dente superior 1 ano após luxação grave.
e a diminuição da inflamação subsequente são o foco
da visita de emergência. A atenção do profissional
para a infecção pulpar deve ser exatamente de 7 a 10
com ápices abertos (>0,7mm radiograficamente), em dias após a injúria127,128. A desinfecção do canal radi-
dentes com injúrias por luxação extrusiva e lateral e em cular remove o estímulo da inflamação perirradicular
dentes que tenham sido esplintados rigidamente9. e a reabsorção irá cessar60,127,128. Em muitos casos, uma
nova inserção irá se formar, mas, se uma grande área
Necrose pulpar da raiz é afetada, a substituição óssea pode ocorrer
Os fatores mais importantes para o desenvolvi-
mento da necrose pulpar são o tipo de injúria (concus-
são menos, intrusão mais) e o estágio do desenvolvi-
mento radicular (ápice maduro > ápice imaturo)8. A
necrose pulpar pode levar à infecção do sistema de ca-
nais radiculares com as seguintes consequências.
Infecção pulpar
A infecção pulpar em conjunto com lesão da superfície
externa da raiz resulta em reabsorção da raiz e do osso, e
continuará em seu estado ativo enquanto o estímulo pulpar
(infecção) permanecer.
Quando a raiz perde sua proteção cementária,
pode ocorrer uma lesão lateral com reabsorção radicu-
lar (Fig. 22-26).
Para que haja uma infecção do espaço pulpar, a
polpa deve primeiramente se tornar necrosada. Isso
ocorrerá após uma injúria bastante grave na qual o des-
locamento do dente resulta em danos aos vasos sanguí-
neos apicais.
Figura 22-26. Reabsorção radicular inflamatória causada por infec-
Em dentes maduros, a regeneração pulpar não ção endodôntica. Note as áreas radiolúcidas na raiz e no osso adja-
pode ocorrer e geralmente em 3 semanas a polpa ne- cente. (Gentileza do Dr. Fred Barnett.)
Traumatismo Dentário 835
A B C
Figura 22-28A. Incisivo central superior após luxação lateral grave. Não respondeu ao teste do frio com CO2, embora os dentes adjacentes
tenham apresentado resultados positivos. B. Quatro meses depois, todos os dentes responderam normalmente ao frio. C. Sete meses depois,
há bons sinais de formação radicular no incisivo.
836 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Acompanhamento
Acompanhamento
Três semanas, 3, 6, 12 meses e anualmente.
Dente maduro
A maior preocupação durante o acompanhamen-
Embora a sobrevivência da polpa seja possível em
to é o desenvolvimento de necrose pulpar. Testes pul-
alguns casos, é nossa opinião que, se após 3 semanas os
pares e perirradiculares são realizados, assim como ra-
testes de sensibilidade indicam necrose pulpar, o trata-
diografias. Necrose pulpar pode ser diagnosticada aos
mento endodôntico deve ser realizado. O tratamento
3 meses.
endodôntico de um dente maduro sem infecção pulpar
tem um índice de sucesso extremamente alto e deveria
Subluxação ser realizado em vez de se correr o risco de complica-
Diagnóstico e apresentação clínica ções por reabsorção externa.
A apresentação clínica da subluxação é similar
à da concussão. Além disso, o dente pode apresentar
Dente imaturo
leve mobilidade e tipicamente apresenta sinais clínicos Dentes imaturos representam um dilema. As
de sangramento ao nível do sulco gengival. chances de a vitalidade pulpar ser mantida ou haver
revascularização são razoavelmente boas. Contudo, se
necrose e infecção ocorrerem, esses dentes que já so-
Tratamento
freram dano ao cemento devido ao trauma são susce-
Como na concussão. tíveis de reabsorção inflamatória externa e podem ser
perdidos em pouco tempo. Acompanhamento cuida-
Acompanhamento doso é muito importante e, ao primeiro sinal (clínico
Como na concussão. ou radiográfico) de reabsorção radicular, o tratamento
838 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
endodôntico deve ser iniciado. Fluximetria laser Dop- ce resultar em dano mínimo, conduz à necrose pulpar
pler é um instrumento promissor para o diagnóstico de em 12 a 20% dos casos. Nas luxações lateral e extru-
revascularização desses dentes jovens. siva, a polpa necrosa em mais da metade dos casos.
A incidência de necrose após intrusão é altíssima. A
Luxação extrusiva (extrusão) infecção da polpa necrosada ocorre depois de um pe-
Diagnóstico e apresentação clínica, tratamento e acom- ríodo variável. Sinais de lesão perirradicular, incluin-
panhamento são essencialmente os mesmos para as luxações do dor à percussão, podem levar de meses a anos para
laterais. ocorrer.
Tratamento clínico
Tratamento de emergência no local da lesão
Reimplantar se possível ou colocar em um meio apro-
priado de armazenamento.
Como já mencionado, a lesão do aparato de inser-
ção que ocorreu na fase inicial da injúria é inevitável,
mas geralmente é mínima. Entretanto, todos os esforços
são realizados para minimizar a necrose do ligamento
periodontal remanescente enquanto o dente estiver
fora da boca. As sequelas pulpares não são levadas em
conta inicialmente e serão consideradas em um estágio
mais avançado do tratamento.
O fator mais importante para assegurar um re-
sultado favorável após o reimplante é a rapidez com
a qual o dente é reimplantado14,20. De máxima impor-
tância é a prevenção do ressecamento, que causa per-
da do metabolismo fisiológico normal e da morfologia
Figura 22-33. Aparência radiográfica da reabsorção por substi-
tuição. A raiz adquire a aparência radiográfica do osso circundante das células do ligamento periodontal20,109. Todo esforço
(sem lâmina dura). Note que áreas radiolúcidas típicas de inflama- deve ser feito para reimplantar o dente dentro dos pri-
ção ativa não estão presentes. meiros 15 a 20 minutos25. Isso geralmente requer uma
equipe de emergência no local da injúria com algum
conhecimento do protocolo de tratamento. O dentista
deve se comunicar claramente com as pessoas no local
Objetivos do tratamento do acidente. O ideal seria que essa informação fosse
O tratamento é direcionado para o impedimen- dada anteriormente como um suporte educacional às
to ou minimização da inflamação resultante das duas escolas de enfermagem ou aos treinadores de atletas,
principais consequências de uma avulsão dentária, de- por exemplo, mas, como isso não é feito, a informação
nominadas lesão de inserção e infecção pulpar. pode ser dada por telefone.
A lesão de inserção como um resultado direto O objetivo é reimplantar um dente limpo com uma
da avulsão não pode ser evitada. Entretanto, uma le- superfície radicular sem danos, o mais delicadamente
são adicional considerável pode ocorrer ao ligamen- possível, e depois disso o paciente deve ser levado ao
to periodontal no momento em que o dente está fora consultório imediatamente. Se houver dúvida em rela-
da boca (primeiramente devido ao ressecamento). O ção ao reimplante adequado do dente, ele deve ser ar-
tratamento é direcionado para a minimização dessa mazenado em um meio apropriado até que o paciente
lesão (e da inflamação resultante) para que as com- possa chegar ao consultório dentário para o reimplan-
plicações sejam as menores possíveis. Quando uma te. Os meios de armazenamentos sugeridos por ordem
lesão adicional grave não pode ser evitada e a subs- de preferência são leite, saliva, tanto no vestíbulo da
tituição óssea da raiz é considerada certa, algumas boca como em um recipiente onde o paciente cuspa,
medidas são tomadas para retardar a substituição da solução salina fisiológica e água67. A água é o meio de
raiz pelo osso e manter o dente na boca pelo maior armazenamento menos desejável porque um ambiente
período possível. hipotônico causa uma rápida lise celular e aumenta a
Em um dente com o ápice aberto, todos os es- inflamação durante o reimplante30,31.
forços são feitos para promover a revascularização Meios de cultura em recipientes de transporte es-
da polpa, evitando, assim, a infecção do espaço pulpar. pecializados, tais como solução salina balanceada de
Quando a revascularização falha (em um dente com Hank (HBSS) ou ViaSpan, mostraram uma capacidade
o ápice aberto) ou não é possível (em um dente com o superior de manter a viabilidade das fibras do ligamen-
ápice fechado), todos os esforços para o tratamento são to periodontal por longos períodos126. Atualmente, eles
Traumatismo Dentário 841
são considerados impraticáveis, visto que precisam es- ou o seu colapso. O alvéolo e as áreas circunjacentes,
tar presentes no local do acidente antes que a injúria incluindo os tecidos moles, devem ser radiografados.
ocorra. Se considerarmos que mais de 60% das injúrias Três angulações verticais são necessárias para o diag-
por avulsão ocorrem perto de casa ou da escola62, seria nóstico da presença de uma fratura radicular horizon-
vantajoso ter esses meios disponíveis em kits de emer- tal em dentes adjacentes14. Os dentes remanescentes
gência nesses dois locais. Além disso, seria razoável tê- tanto na arcada superior como na inferior devem ser
los em ambulâncias e em outras equipes de emergência examinados para injúrias, como as fraturas coronárias.
que sejam prováveis de tratar injúrias mais sérias onde Quaisquer lacerações dos tecidos moles devem ser
os dentes teriam que ser sacrificados devido a situa- anotadas.
ções mais graves de risco de vida.
interior60. Ele deve ser levemente aspirado se um coá- TRATAMENTO DOS TECIDOS MOLES
gulo sanguíneo estiver presente. Se o osso alveolar so-
As lacerações da gengiva alveolar devem ser
freu colapso e pode impedir o reimplante ou torná-lo
adequadamente suturadas. As lacerações do lábio
traumático, um instrumento rombo deve ser inserido
são muito comuns nesses tipos de injúria. O dentista
cuidadosamente dentro do alvéolo na tentativa da re-
deve abordar as lacerações labiais com alguma cau-
posição da parede.
tela, e uma consulta ao cirurgião plástico poderia ser
prudente. Se essas lacerações forem suturadas, deve-se
ESPLINTAGEM ter cuidado de limpar totalmente a ferida de antemão
porque a sujeira ou até mesmo fragmentos dentários
Uma técnica de esplintagem que permita o movi-
diminutos deixados na ferida afetam a reparação e o
mento fisiológico do dente durante a reparação e que
resultado estético.
permaneça no local por um período mínimo resulta
na diminuição da incidência de anquilose3,11,60. Uma
fixação semirrígida (fisiológica) por 7 a 10 dias é re-
comendada3. O splint deve permitir o movimento do
TERAPIA COMPLEMENTAR
dente, não deve ter memória elástica (assim o dente A administração de antibióticos sistêmicos no
não é movido durante a reparação) e não deve inva- momento do reimplante e antes do tratamento endo-
dir a gengiva e/ou impedir a manutenção de higiene dôntico é efetiva na prevenção da invasão bacteriana
oral na área. Muitos splints satisfazem os requisitos da polpa necrosada e, portanto, da reabsorção infla-
aceitáveis. Recentemente, um novo splint de titânio matória subsequente61. A tetraciclina tem uma vanta-
para trauma (TTS) tem demonstrado ser particular- gem adicional na diminuição da reabsorção radicular
mente efetivo e fácil de usar129 (Fig. 22-34). Depois que porque afeta a motilidade dos osteoclastos e reduz a
o splint é colocado, uma radiografia deve ser realizada efetividade da enzima colagenase96. A administração
para verificar a posição do dente e como uma referên- de antibióticos sistêmicos é recomendada, começando
cia pós-operatória para o futuro tratamento e acom- pela consulta de emergência e continuando até que o
panhamento. splint seja removido61. Para pacientes não suscetíveis à
Quando o dente está na melhor posição possível, pigmentação por tetraciclina, doxiciclina 2 vezes ao dia
é importante ajustar a mordida para que ele não seja por 7 dias em doses apropriadas para a idade e peso
esplintado em uma posição que cause oclusão traumá- do paciente96,97 é o antibiótico de escolha. A penicilina
tica. Uma semana é suficiente para criar um suporte V 1.000mg e 500mg, 4 vezes ao dia por 7 dias, também
periodontal que mantenha o dente avulsionado em tem demonstrado ser benéfica. O conteúdo bacteriano
posição124. Portanto, o splint deve ser removido depois do sulco gengival também deve ser controlado durante
de 7 ou 10 dias. A única exceção é a avulsão em conjun- a fase de reparação. Além de reforçar a necessidade de
ção com fraturas alveolares, para a qual é sugerido um uma higiene oral adequada ao paciente, o uso de enxá-
tempo de splint de 4 a 8 semanas124. gues com clorexidina por 7 a 10 dias pode ser útil.
Em estudo recente realizado por nosso grupo,
uma grande vantagem foi observada na remoção dos
conteúdos pulpares na visita de emergência e a co-
locação de Ledermix no interior do canal radicular32.
Esse produto contém uma combinação de tetraciclina
com corticosteroide e foi demonstrado que ele pene-
tra nos túbulos dentinários. Aparentemente o uso do
medicamento foi capaz de reduzir significativamente a
resposta inflamatória após o reimplante, o que permi-
tiu uma reparação mais favorável comparada aos den-
tes nos quais o medicamento não foi usado. Estamos
confiantes de que o uso imediato desse medicamen-
to tornar-se-á uma prática-padrão em um futuro não
muito distante. A necessidade de analgésicos deve ser
avaliada com base nos casos individuais. É incomum
Figura 22-34. Splint de titânio para trauma (TTS) aplicado. o uso de uma medicação mais forte para dor do que
844 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
anti-inflamatórios não esteroidais que não necessitam espessa de hidróxido de cálcio e solução salina esté-
de prescrição. O paciente deve ser encaminhado ao ril (a solução anestésica também é um veículo aceitá-
médico para consulta em relação a um reforço contra vel). O hidróxido de cálcio é trocado a cada 3 meses
o tétano dentro de 48 horas a partir do atendimento em uma variação de 6 a 24 meses. O canal é obturado
inicial. quando o espaço do ligamento periodontal parecer ra-
diograficamente intacto ao redor da raiz. O hidróxido
Segunda consulta de cálcio é um agente antibacteriano efetivo33,105 e in-
fluencia favoravelmente o meio ambiente no local da
Ela deve ocorrer 7 a 10 dias após a sessão de emer- reabsorção, teoricamente promovendo a reparação122.
gência. Na consulta de emergência foi colocada ênfase Ele também modifica o meio ambiente na dentina para
na preservação e na reparação do aparato de inserção. um pH mais alcalino, que pode retardar a ação das cé-
O foco dessa segunda visita é a prevenção ou elimina- lulas de reabsorção e promover a formação de tecido
ção de agentes irritantes potenciais do espaço do canal duro122. Entretanto, a troca do hidróxido de cálcio deve
radicular. Esses agentes irritantes, se presentes, pro- ser mantida por um tempo mínimo (não mais do que a
duzem o estímulo para a progressão da resposta infla- cada 3 meses), porque ele tem um efeito necrosante so-
matória e da reabsorção óssea e radicular. Ainda nessa bre as células que estão tentando repovoar a superfície
visita, o curso de antibióticos sistêmicos é concluído, radicular danificada77. Enquanto o hidróxido de cálcio
o enxágue com clorexidina pode ser interrompido, e o é considerado a substância de escolha na prevenção e
splint, removido. no tratamento da reabsorção radicular inflamatória, ele
não é o único medicamento recomendado nesses casos.
Tratamento endodôntico Algumas tentativas têm sido feitas não apenas para re-
mover o estímulo das células da reabsorção, mas tam-
Tempo extraoral < 60 minutos bém para afetá-las diretamente. O Ledermix é efetivo
Ápice fechado no tratamento da reabsorção radicular inflamatória
por meio da inibição dos osteoclastos89,90 sem danificar
Iniciar o tratamento endodôntico em 7 a 10 dias. Em
o ligamento periodontal, tendo sido demonstrada sua
casos em que o tratamento endodôntico é atrasado ou sinais
capacidade de se difundir através da raiz do dente hu-
de reabsorção estão presentes, tratar com hidróxido de cálcio
mano1. Sua liberação e difusão são intensificadas quan-
“a longo prazo” antes da obturação.
do usado em combinação com pasta de hidróxido de
Não existem chances de revascularização desses
cálcio2. A calcitonina, hormônio que inibe a reabsorção
dentes, devendo ser iniciado o tratamento endodôn-
óssea, também é uma medicação efetiva no tratamento
tico na segunda visita, 7 a 10 dias depois da consulta
da reabsorção radicular inflamatória89.
de emergência12,39. Se a terapia iniciar em seu momento
ideal, a polpa deve estar necrosada sem infecção ou no
máximo apenas com uma infecção mínima81,127. Portan-
Ápice aberto
to, o tratamento endodôntico com um efetivo agente Evitar o tratamento endodôntico e procurar por sinais
antibacteriano entre as consultas127 por um período re- de revascularização. Ao primeiro sinal de uma polpa infectada,
lativamente curto (7 a 10 dias) é suficiente para garantir iniciar o procedimento de apicificação.
uma desinfecção efetiva do canal105. Se o dentista confia Os dentes com ápices abertos têm um potencial
na cooperação total do paciente, a terapia com hidró- para revascularizar e continuar o desenvolvimento
xido de cálcio a longo prazo continua um excelente da raiz, e o tratamento inicial é direcionado para o
método de tratamento121,127. A vantagem do uso do hi- restabelecimento do suprimento sanguíneo39,95,131. O
dróxido de cálcio é que ele permite que o profissional início do tratamento endodôntico deve ser evitado
coloque um material obturador temporário no local até caso seja possível, a menos que estejam presentes si-
que um espaço intacto do ligamento periodontal seja nais explícitos de necrose pulpar, como a inflamação
confirmado. O tratamento com hidróxido de cálcio a perirradicular. O diagnóstico de vitalidade pulpar é
longo prazo deve ser sempre usado quando a injúria extremamente desafiador nesses casos. Após o trau-
ocorreu mais de 2 semanas antes do início do tratamen- ma, o diagnóstico de uma polpa necrosada deve ser
to endodôntico ou se houver evidência radiográfica de particularmente criterioso, uma vez que a infecção
reabsorção127. nesses dentes é potencialmente mais nociva em razão
O canal radicular é instrumentado completamen- da lesão do cemento acompanhando a injúria traumá-
te e irrigado e, então, preenchido com uma mistura tica. A reabsorção radicular inflamatória externa pode
Traumatismo Dentário 845
ser extremamente rápida nesses dentes jovens porque sina composta de ataque ácido ou cimento ionômero
os túbulos dentinários são amplos e permitem que os de vidro. A profundidade da restauração temporária
agentes irritantes circulem livremente pela superfície é crítica para seu selamento. Uma profundidade de no
externa da raiz39,131. Os pacientes são chamados a cada mínimo 4mm é recomendada para que uma bolinha de
3 a 4 semanas para a realização de testes de sensibili- algodão não possa ser colocada; a restauração temporá-
dade. Relatos recentes indicam que os testes térmicos ria é colocada diretamente sobre o hidróxido de cálcio
com neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou dicloro- na cavidade de acesso. O hidróxido de cálcio deve ser
difluormetano (–40ºC) colocado na margem incisal ou primeiramente removido das paredes da cavidade de
no corno pulpar são os melhores métodos para tes- acesso, porque ele é solúvel e será eliminado quando
tar a sensibilidade, particularmente em dentes jovens entrar em contato com a saliva, deixando a restauração
permanentes53,54,88. Um desses dois testes deve ser temporária defeituosa.
incluído na avaliação da sensibilidade desses dentes Após o início do tratamento endodôntico, o splint
traumatizados. é removido. Se o tempo não permitir a remoção com-
Relatos recentes confirmam a superioridade da pleta do splint nessa visita, as bordas da resina devem
fluxometria laser Doppler no diagnóstico da revascu- ser alisadas para que não irritem os tecidos moles e a
larização de dentes imaturos traumatizados132. No mo- resina residual é removida em consulta posterior.
mento, entretanto, o custo de tal instrumento impede Nessa consulta, a reparação geralmente é sufi-
seu uso na maioria dos consultórios dentários. Sinais ciente para a realização de um exame clínico detalhado
radiográficos (destruição apical/ou sinais de reabsor- nos dentes adjacentes ao dente avulsionado. Os testes
ção radicular lateral) e clínicos (dor à percussão e à pal- de sensibilidade, a reação à percussão e à palpação e
pação) de doença são cuidadosamente avaliados. Ao as medidas à sondagem periodontal devem ser cuida-
primeiro sinal de doença, o tratamento endodôntico dosamente registradas para referência nas visitas de
deve ser iniciado e, após a desinfecção do espaço do acompanhamento.
canal radicular, um procedimento de apicificação deve
ser realizado.
SESSÃO PARA OBTURAÇÃO DO CANAL
Tempo extraoral > 60 minutos RADICULAR
Ápice fechado Atendendo à conveniência dos profissionais ou, no caso
Esses dentes são tratados endodonticamente da mes- de uma terapia com hidróxido de cálcio a longo prazo, quan-
ma forma que os que tenham um tempo extraoral < 60 mi- do uma lâmina dura intacta for identificada.
nutos. Se o tratamento endodôntico teve início em 7 a 10
dias após a avulsão e os exames clínicos e radiográfi-
cos não indicam doença, a obturação do canal radicular
Ápice aberto (se reimplantado)
nessa visita é aceitável, embora o uso de hidróxido de
Se o tratamento endodôntico não foi realizado fora da
cálcio a longo prazo seja uma opção comprovada para
boca, iniciar o procedimento de apicificação.
esses casos. Por outro lado, se o tratamento endodôn-
Nesses dentes, a chance de revascularização é
tico tiver início em mais de 7 a 10 dias após a avulsão
extremamente baixa125,128; portanto, tentativas são evi-
ou se uma reabsorção ativa for visível, o espaço pulpar
tadas. Um procedimento de apicificação é iniciado na
deve ser primeiramente desinfetado antes da obtura-
segunda visita se o tratamento do canal radicular não
ção do canal radicular. Tradicionalmente, o restabele-
foi realizado na de emergência. Se o tratamento endo-
cimento da lâmina dura é um sinal radiográfico de que
dôntico foi realizado na visita de emergência, a segun-
a infecção do canal foi controlada. Quando uma lâmina
da visita é uma nova convocação para avaliar apenas a
dura intacta for identificada, a obturação do canal radi-
reparação inicial.
cular pode ser realizada.
O canal é limpo, modelado e irrigado sob estrita
Restauração temporária assepsia. Após a conclusão da instrumentação, o ca-
O selamento efetivo do acesso coronário é es- nal pode ser obturado por qualquer técnica aceitável,
sencial para prevenir a infecção do canal entre as con- com especial atenção para a manutenção da assepsia e
sultas. Restaurações temporárias recomendadas são o melhor selamento possível promovido pelo material
reforçadas com cimento óxido de zinco e eugenol, re- obturador.
846 Capítulo 22 Traumatismo Dentário
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Capítulo 23
Reabsorções
Dentárias
A reabsorção dentária pode ser definida como um O trauma dental geralmente determina uma lesão
evento fisiológico ou patológico decorrente, principal- complexa das estruturas dentárias e, algumas vezes,
mente, da ação de clastos ativados, sendo caracterizada também do osso alveolar. Assim, pode resultar em des-
pela perda progressiva ou transitória de cemento ou truição celular direta, pelo esmagamento de células, ou
cemento e dentina17,48. destruição celular indireta, devido à limitação ou à pa-
A dentina, o cemento e o osso são tecidos mine- ralisação do suprimento sanguíneo2,10,12.
ralizados de origem mesenquimal, sendo o colágeno Quando um trauma dentário ocasiona ruptura do
e a hidroxiapatita seus componentes principais. Em- feixe vasculonervoso apical de um elemento dentário,
bora similares, a presença de um ligamento de, em a polpa dental poderá se tornar necrosada e, dessa ma-
média, 200µm de espessura, separando os tecidos neira, micro-organismos presentes na saliva ou no sul-
mineralizados dentários do osso alveolar, determina co gengival poderão invadir e colonizar a polpa dental
suscetibilidades diferentes desses tecidos à reabsor- necrosada por meio de túbulos dentinários que possam
ção. Assim, os tecidos mineralizados do dente não estar expostos à cavidade oral ou ao sulco gengival2,12,80.
são normalmente reabsorvidos, enquanto o osso é Além disso, o trauma dentário poderá acarretar o apa-
continuamente remodelado. Algumas hipóteses63,69,81 recimento de micro e macrofissuras de esmalte que tam-
têm sido sugeridas para explicar essa diferença, mas, bém funcionariam como vias para a invasão microbia-
segundo Hammarström e Lindskog28, é ainda obscuro na, já que a polpa dental necrosada perde seus mecanis-
o exato mecanismo pelo qual o processo de reabsor- mos de defesa. Sendo assim, além da injúria traumática
ção é inibido. que representa o fator desencadeante, a infecção pul-
As reabsorções dentárias são um fenômeno estri- par que representa o fator de manutenção poderá perpe-
tamente local e podem ser induzidas por meio de fato- tuar a reabsorção dentária de natureza inflamatória.
res traumáticos e/ou infecciosos. Os tipos de trauma Portanto, a reabsorção de um dente permanente
mais envolvidos são luxação lateral, intrusão, avulsão poderá ser decorrente de trauma dentário, de um pro-
seguida de reimplante, fratura radicular e fratura co- cesso inflamatório crônico do tecido pulpar e/ou pe-
ronária (com lesão de luxação). A necrose pulpar as- riodontal ou ainda ser induzida por meio da pressão
sociada a lesões perirradiculares, assim como os mo- exercida pela movimentação ortodôntica dentária, ne-
vimentos ortodônticos intempestivos, dentes impac- oplasias ou devido à erupção dentária1,3,21,27,63.
tados, trauma oclusal ou tecido patológico (cistos ou Na patologia das reabsorções dentárias há nor-
neoplasias), também estão relacionados como fatores malmente envolvimento pulpar, periodontal ou perio-
etiológicos das reabsorções dentárias1,2,4,52,69,82. dontopulpar.
851
852 Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
ATIVAÇÃO E MECANISMO DA
REABSORÇÃO
Osteoclastos são células gigantes multinucleadas
com origem nos mesmos precursores hematopoiéticos
dos monócitos/macrófagos e que podem apresentar
50 a 100µm de diâmetro e 6 a 12 núcleos, alguns atin-
gindo até cerca de 100 núcleos45. O tempo de vida do
osteoclasto é de usualmente 2 semanas78. Essa célula
participa decisivamente do processo de remodelação
óssea por reabsorver osso, e os problemas com ela po-
dem levar a diversas condições patológicas. A diferen-
ciação anormal ou redução no número de osteoclastos
pode resultar em osteosclerose/osteopetrose. Por sua
vez, doenças caracterizadas pelo excesso de atividade
osteoclástica incluem osteoporose, artrite reumatoide,
mieloma múltiplo, metástase de câncer, doenças perio-
dontais e lesões perirradiculares.
As atividades osteoblástica e osteoclástica são
processos fisiológicos normais do tecido ósseo, o qual
sofre reabsorção e aposição, como parte de um proces-
Figura 23-2. Corte histológico de dente de humano evidenciando
so contínuo de remodelação. Os tecidos mineralizados (1) camada de odontoblasto, (2) pré-dentina, (3) dentina. (Gentileza
dos dentes permanentes, ao contrário do osso, não so- do Prof. E. Mattos.)
frem remodelação e, portanto, não são normalmente
reabsorvidos. Eles são protegidos, na superfície radicu-
lar, pelo pré-cemento (cementoide) e por cementoblas-
da camada de odontoblastos e cementoblastos que re-
tos (Fig. 23-1) e, na cavidade pulpar, pela pré-dentina
veste a pré-dentina e o pré-cemento, respectivamente,
e por odontoblastos (Fig. 23-2). A perda da integridade
causada mecânica ou quimicamente, permite o acesso
de células clásticas ao tecido mineralizado e predispõe
à reabsorção.
O cemento é um tecido semelhante ao osso; en-
tretanto, é mais resistente ao processo reabsortivo que
esse último. Apenas o terço apical da raiz dental é re-
coberta por cemento celular, onde estão situados os ce-
mentócitos, enquanto o restante da raiz é recoberto por
cemento acelular28. Entre a camada de cemento perifé-
rica e a dentina radicular se encontra uma camada de
cemento intermediária que parece ser mais hipercalci-
ficada que a dentina adjacente e o cemento periférico58.
Andreasen7 acredita que o cemento intermediário pode
contribuir para a proteção do ligamento periodontal, já
que ele formaria uma barreira contra a passagem de
produtos tóxicos oriundos de uma polpa inflamada ou
necrosada.
As possíveis razões para o cemento ser significa-
tivamente menos afetado por reabsorção do que o osso
incluem:
teoclasto se solta, desorganiza seu anel de actina e as derá aderir à superfície mineralizada do tecido ósseo
bordas pregueadas, migrando para seu próximo sítio ou dentário por meio da presença da integrina ανβ3
de reabsorção78. na região da zona clara do osteoclasto, a qual é capaz
Embora o osteoblasto seja uma célula preferen- de se ligar a peptídeos contendo a sequência de ami-
cialmente responsável pela formação de osso, o me- noácidos Arg-Gly-Asp (RGD), presente em proteínas
canismo bioquímico da reabsorção óssea se inicia pela da matriz óssea como osteopontina e sialoproteína do
ativação dessa célula que passa a secretar colagenases osso79. Após ligação ao osso, as integrinas da superfície
que serão responsáveis pela degradação da osteoide, do osteoclasto transmitem sinais intracelulares para re-
expondo a porção mineralizada do osso à ação dos os- organizar o citoesqueleto e induzir a migração de vesí-
teoclastos. No caso da reabsorção dentária, é possível culas acídicas para a região de bordas pregueadas.
que os odontoblastos e os cementoblastos exerçam tais O principal ácido envolvido no processo de re-
efeitos. absorção é o ácido clorídrico (HCl) que se forma na
Pelo menos duas moléculas são essenciais para que lacuna de reabsorção. A enzima anidrase carbônica
o processo de reabsorção ocorra: o fator estimulador de II catalisa a reação entre o dióxido de carbono (CO2)
colônias de macrófagos (M-CSF) e o ligante do receptor com a água, formando ácido carbônico, o qual se dis-
para ativação do fator nuclear κB (RANKL). M-CSF di- socia em íons H+ e em íons bicarbonato (HCO3–). Os
reciona a diferenciação das células hematopoiéticas em prótons (H+) são transferidos para a lacuna de reabsor-
precursores de macrófagos e osteoclastos8. Além disso, ção com o auxílio das ATPases presentes nas bordas
M-CSF induz a expressão de RANK nos precursores pregueadas. O transporte extracelular de prótons ten-
do osteoclasto, preparando-os para a diferenciação em de a alcalinizar o citoplasma, o que é prevenido pelo
resposta a RANKL16. Osteoblastos e células do estroma mecanismo de troca de cloro-bicarbonato localizado na
da medula óssea expressam RANKL assim como M- membrana citoplasmática da região contrária à área de
CSF, de acordo com a regulação exercida por algumas reabsorção. O cloro que entra na célula se move para a
moléculas como o hormônio da paratireoide (PTH), região de bordas pregueadas e é transportado para a
prostaglandina E2 (PGE2), 1,25-di-hidroxivitamina D3, lacuna de reabsorção por um canal de ânions acoplado
interleucina 11 (IL-11), interleucina 1 (IL-1) e o fator de à H+ ATPase. Com a formação de HCl, o osteoclasto
necrose tumoral (TNF)33,39,40,73,74. promove a queda do pH na área a ser reabsorvida para
RANK e RANKL são membros da família do TNF aproximadamente 4,577. A desmineralização do tecido
e da família do receptor para TNF, respectivamente15. promove a exposição da matriz orgânica do mesmo, a
A molécula RANKL já recebeu várias denominações, qual será degradada pela ação de enzimas proteolíti-
tais como: fator de diferenciação de osteoclastos (ODF), cas, principalmente pela catepsina K79, que apresenta
ligante de osteoprotegerina (OPGL) e citocina indutora melhor ação em pH ácido que as metaloproteinases de
de ativação relacionada com o TNF (TRANCE). matriz (colagenases).
Faz-se necessária a interação entre o osteoblasto Células imunes participam ativamente da ativa-
e o osteoclasto para que esse último seja ativado. Essa ção de osteoclastos durante um processo inflamató-
interação ocorre principalmente por meio da ligação de rio crônico. Macrófagos ativados pela resposta imune
RANK (presente no osteoclasto) ao RANKL (presen- celular produzem IL-1, TNF e IL-6, que estimulam a
te no osteoblasto). Sendo assim, a atividade reabsorti- expressão de RANKL por osteoblastos, células do es-
va do osteoclasto é estimulada diretamente por meio troma da medula e fibroblastos75,76. Linfócitos T podem
dessa interação. O aumento da expressão do RANKL produzir vários fatores que promovem diretamente a
estimulada pela atividade de determinadas citocinas formação do osteoclasto (RANKL e IL-7) ou que agem
é, portanto, responsável pela elevação da osteoclasto- indiretamente por induzir a produção de RANKL por
gênese. osteoblastos, fibroblastos e células do estroma da me-
De acordo com Teitelbaum77, RANKL e M-CSF dula (IL-1, IL-6, IL-17). Linfócitos T também produzem
interagem com seus receptores presentes nos precur- moléculas que podem inibir a reabsorção, como IL-4,
sores do osteoclasto (RANK e c-Fms, respectivamente), IL-12, IL-15, IL-18, IL-23 e osteoprotegerina23.
induzindo a diferenciação desses em osteoclastos. A A IL-1 é uma das principais citocinas com efei-
maturação dos osteoclastos permite que essas células tos pró-reabsortivos57,72. Essa citocina é produzida por
se tornem polarizadas na superfície a ser reabsorvi- monócitos/macrófagos, linfócitos T, células da me-
da devido ao surgimento das bordas pregueadas nas dula óssea e por osteoclastos. Essa citocina, além de
mesmas. Dessa maneira, o osteoclasto polarizado po- induzir o aumento do número de células precursoras
Reabsorções Dentárias 855
Os tecidos mineralizados dos dentes permanentes Trope e Chivian81 descrevem que o ligamento
não são normalmente reabsorvidos, estando fisiologi- periodontal, cementoblastos cementoides e cemento
camente isentos de atividade blástica e clástica. Assim, intermediário parecem desempenhar algum papel na
a superfície radicular é protegida pelo pré-cemento resistência da superfície externa da raiz à reabsorção.
ou cementoide e pela camada de cementoblastos. A Acreditam, também, que os restos epiteliais de Malas-
camada de pré-cemento funciona como uma barreira sez da bainha radicular estejam relacionados com a re-
orgânica impedindo a atração quimiotática de células sistência à anquilose e à reabsorção substitutiva da raiz
clásticas sobre cemento. Contudo, as camadas de ce- dentária.
mentoblastos e pré-cemento são sensíveis a pequenas Na ausência do ligamento periodontal ou de par-
agressões – físicas, químicas ou biológicas – que pode- te dele, assim como do fator ou dos fatores antirreab-
rão danificá-las, removendo-as ou acelerando a mine- sortivos o tecido ósseo fica intimamente justaposto à
ralização do pré-cemento. Esses eventos expõem áreas superfície radicular, estabelecendo uma anquilose den-
de cemento que serão colonizadas por células clásticas toalveolar. Essa união direta entre o osso e a raiz favo-
dando início à reabsorção dentária externa. É provável rece a atração e ligação de células clásticas à superfície
que a exposição de elementos como a hidroxiapatita radicular. Lacunas de reabsorção ativa com osteoclas-
e/ou determinadas glicoproteínas da matriz minerali- tos podem ser vistas em conjugação com aposição de
zada seja a principal responsável por essa ativação80,81,82. osso normal realizada pelos osteoblastos1,3,5,80. Devido
A agressão responsável pela lesão dos cementoblastos ao ciclo normal de remodelação óssea, o dente anquilo-
e pré-cemento também induz na região um processo sado se converte em parte desse sistema. Sendo assim,
inflamatório, propiciando um acúmulo maior de me- a raiz é substituída gradualmente por osso11.
diadores locais da osteoclasia19. A reabsorção substitutiva é dependente da des-
Nas áreas de reabsorção dentária externa, o exame truição do ligamento periodontal. A polpa não está en-
microscópico revela superfícies dentinárias irregulares volvida no processo de reabsorção externa substitutiva.
repletas de clastos em lacunas de Howship, no interior Após o traumatismo e uma vez cessada a inflamação
das quais se abrem numerosos túbulos dentinários sem inicial responsável pela remoção dos restos necróticos
alteração dos seus diâmetros, mesmo quando observa- da área, células adjacentes à raiz desnudada competem
dos à microscopia eletrônica de varredura. Na micros- para repovoá-la5,6. Assim, o reparo será caracterizado
copia óptica, os clastos apresentam morfologia variada por uma competição entre as células vitais do ligamen-
em seu contorno, forma e distribuição, bem como no to periodontal remanescente e as células osteogênicas.
número de núcleos, em média de um a sete19. Em caso de grandes injúrias do ligamento periodontal
(mais de 20% da superfície radicular), o número de cé-
lulas vitais remanescentes do ligamento periodontal é
Reabsorção dentária externa substitutiva muito pequeno ou mesmo inexistente, permitindo que
É uma reabsorção dentária externa observada nos as células osteogênicas se movam da parede do alvéolo
reimplantes, transplantes e luxações. Assim, qualquer e colonizem a superfície radicular danificada. Conse-
trauma dentário capaz de provocar um dano irrever- quentemente, há formação de tecido ósseo em contato
sível ao ligamento periodontal e/ou à superfície ra- direto com a raiz dentária. Esse fenômeno é denomi-
dicular pode desencadear uma reabsorção substituti- nado anquilose dentoalveolar1,82. O processo de remo-
va também denominada reabsorção por substituição. delação óssea (reabsorção e formação) determina por
Entretanto, a luxação intrusiva e a avulsão dentária, meio dos osteoclastos a reabsorção dos tecidos den-
pela extensão do dano ao ligamento periodontal, são tários, enquanto os osteoblastos na fase de formação
os traumatismos responsáveis pelo maior número de produzem novo osso na área reabsorvida da raiz. Essa
reabsorção substitutiva. substituição progressiva dos tecidos dentários pelo
Há indícios significativos de que o ligamento pe- osso é denominada reabsorção substitutiva1,82. A an-
riodontal e um (ou mais) fator inibidor da reabsorção quilose dentoalveolar e a reabsorção substitutiva não
liberados pelos cementoblastos e cementoide (pré-ce- podem ser revertidas porque o tecido ósseo reabsorve
mento) poderiam se constituir, cada um isoladamente e remodela durante toda a vida.
ou em conjunto, em um escudo protetor para o dente, A reabsorção substitutiva é assintomática. Clini-
evitando o aparecimento das condições favoráveis à re- camente, o dente anquilosado se mostra imóvel (sem
absorção e/ou mantendo afastadas da raiz dentária as mobilidade fisiológica) e, frequentemente, em suboclu-
células clásticas69,81. são. O dente permanece estável no arco, até uma pe-
Reabsorções Dentárias 857
quena porção remanescente de raiz. Apenas quando a tamento endodôntico geralmente consegue conter
inserção epitelial sustentar o dente é que a exodontia o processo infeccioso, mas não a reabsorção externa
será indicada. substitutiva1,4,6,10,19.
O som à percussão é metálico (alto), claramente Em pacientes jovens, quando a anquilose é acom-
diferente dos dentes adjacentes. Pode revelar a anqui- panhada de suboclusão, a exodontia deve ser levada
lose, mesmo antes da radiografia1,48,69. em consideração para prevenir a interferência com o
Radiograficamente, há o desaparecimento do es- crescimento alveolar. Todavia, a exodontia é complica-
paço pericementário e uma substituição contínua da da e pode acarretar perda vertical e horizontal do osso
raiz por osso, a qual se origina no segmento apical. As alveolar com graves comprometimentos estéticos. Nes-
margens da reabsorção são irregulares. O osso adjacen- ses casos, pode-se remover a coroa dentária e deixar no
te não é reabsorvido, de modo que áreas radiolúcidas alvéolo a raiz para ser paulatinamente substituída por
não são encontradas no osso junto à raiz reabsorvida osso, procedimento esse que atenua consideravelmen-
(Fig. 23-5). te a perda óssea. O tratamento ortodôntico é contrain-
Reabsorções substitutivas recentes apresentam dicado em dentes anquilosados ou com reabsorções
poucos sinais radiográficos, sendo sua identificação substitutivas.
muito difícil. Em reabsorções antigas as evidências
radiográficas são nítidas e a sua identificação se torna Reabsorção dentária externa transitória
fácil. A reabsorção substitutiva é muito lenta e levará 3 Reabsorção dentária transitória ou de superfície é
a 10 anos para substituir a raiz dentária. uma reabsorção externa que paralisa sem qualquer in-
O trauma, além do dano às estruturas periodon- tervenção. É autolimitante e prontamente reparada1,19,69.
tais, pode afetar o suprimento neurovascular apical Pode-se estabelecer em qualquer ponto situado ao lon-
para a polpa dentária. Como consequência, pode go da raiz dentária.
ocorrer a obliteração da cavidade pulpar ou necrose A reabsorção é paralisada porque:
pulpar. Nos dentes com necrose pulpar pode ocor-
rer um processo infeccioso com superposição de • a área danificada da raiz e o processo inflamatório
uma reabsorção dentária externa substitutiva, a qual, instalado não têm magnitude suficiente para manter
conforme vai progredindo, se encontra com zonas e dar continuidade à reabsorção;
de tecidos pulpares necrosados e infectados. O tra- • um fator inibidor da reabsorção presente na denti-
na é maior do que o estímulo recebido pelas células
clásticas oriundo de pequenas agressões ao comple-
xo protetor da raiz;
• a polpa não está envolvida.
dentes humanos extraídos, raramente são observadas As reabsorções dentárias externas associadas à in-
no exame radiográfico. Devido ao pequeno tamanho fecção da cavidade pulpar podem ser classificadas em
são de difícil visualização radiográfica. reabsorção dentária externa apical, reabsorção dentária
São autolimitantes e se reparam espontaneamen- externa do segmento médio e reabsorção dentária ex-
te, por meio de neoformação cementária, com restabe- terna cervical.
lecimento do contorno original da raiz. Nas cavidades
mais profundas, que penetram na dentina, não há res- Reabsorção dentária externa apical
tabelecimento do contorno. Segundo Henry e Wein- É uma reabsorção dentária progressiva localizada
mann32, 90% dos dentes normais apresentam esse tipo no ápice radicular e ocorre em dentes portadores de
de reabsorção. necrose pulpar e lesão perirradicular crônica.
Ao exame clínico, o dente se apresenta com ca- O processo de reabsorção apical é progressivo,
racterísticas de normalidade e nenhum tratamen- provocando desde pequenas perdas de substâncias,
to está indicado, em razão de a reparação ocorrer imperceptíveis ao exame radiográfico, até grandes
espontaneamente1,3,19. destruições que podem comprometer o sucesso do tra-
tamento endodôntico (Fig. 23-6A a C). Também pode
Reabsorção dentária externa por pressão estar presente em dentes tratados endodonticamente
É uma reabsorção dentária externa determinada portadores de lesão perirradicular crônica (Fig. 23-7).
por pressão. Pode ser provocada por tratamento orto- Ferlini20 afirmou que reabsorções dentárias apicais
dôntico, dentes impactados, erupções dentárias, cistos, estão presentes na maioria dos dentes com processo
neoplasias e trauma oclusal, e cessa desde que removi- periapical crônico e são mais facilmente vistas ao exa-
da a causa, estando a polpa dentária hígida. Contudo, me microscópico óptico ou eletrônico do que no exame
em determinadas circunstâncias, em que a remoção radiográfico. Esses achados foram confirmados pelo
cirúrgica da causa pode comprometer a integridade trabalho de Lauz et al.44 em que apenas 19% dos dentes
do feixe vasculonervoso pulpar, o tratamento endo- estudados (114 dentes) apresentaram reabsorção apical
dôntico se faz necessário13,21,36,48. Quando o tratamento evidenciável radiograficamente, enquanto ao exame
ortodôntico é a causa e o estímulo para a reabsorção, a histopatológico 81% apresentaram essa condição.
mesma cessará após a remoção da força. Nos casos de Nas periapicopatias agudas, como o abscesso
dentes vitais onde não há paralisação parece que a re- dentoalveolar, à necrose por liquefação típica da absce-
absorção está associada à patologia pulpar (inflamação dação, não favorece a instalação de células clásticas na
pulpar). Nesses casos, a terapia endodôntica é indicada superfície radicular desnuda e não propicia um míni-
na tentativa de cessar a reabsorção1,36,48. mo de organização tecidual, como uma vascularização
A reabsorção está localizada com mais frequência adequada, para que a reabsorção ocorra. Dessa forma,
na região apical dos dentes do que nas paredes late- nos abscessos dentoalveolares, a raiz envolvida não so-
rais. fre reabsorções dentárias significantes que possam ser
Não há confirmação de que os dentes traumati- notadas nas radiografias periapicais19.
zados sejam mais suscetíveis à reabsorção por pres- Polpa dental necrosada e infectada constitui-se no
são. Porém, aqueles com sinais de reabsorção antes do principal fator etiológico. Os micro-organismos no in-
tratamento ortodôntico podem ser mais propensos a terior do sistema de canais radiculares promovem uma
ela1,51,53. inflamação crônica nos tecidos perirradiculares que
Quanto aos dentes tratados endodonticamen- induzem a liberação de mediadores químicos, como
te, não há estudos mostrando diferença em relação interleucinas, prostaglandinas e fator de necrose tumo-
aos vitais quanto à reabsorção dentária externa por ral, que podem estimular ou ativar as células clásticas
pressão51,71. que promovem a reabsorção óssea e dentária apical1,12.
A sobreinstrumentação do canal radicular, du-
rante o tratamento endodôntico, pode desencadear a
Reabsorção dentária externa associada à
reabsorção inflamatória apical. Porém, a continuidade
infecção da cavidade pulpar
da reabsorção está ligada à presença de um estímulo
Essa reabsorção progride continuamente, e sua de manutenção, representado por uma lesão perirradi-
paralisação exige a intervenção do profissional, que cular crônica.
retira ou elimina o fator de manutenção presente no As razões para a maior suscetibilidade do ápice
interior do canal radicular69,82. radicular à de outras áreas radiculares quanto à reab-
Reabsorções Dentárias 859
A B
sorção dentária externa apical não estão bem elucida- do segmento apical com manutenção da luz do canal
das. Todavia, admite-se que, estando o processo infla- intacta (Fig. 23-8A a D). Histologicamente, a lesão pe-
matório confinado a uma pequena área do ápice radi- rirradicular tem características de um granuloma ou
cular, há maior concentração de fatores da reabsorção cisto. Na superfície radicular apical se observa reab-
capaz de vencer a resistência dos tecidos radiculares à sorção de cemento, ou cemento e dentina. Ao lado das
instalação do processo patológico. Outra suposição se- lacunas de reabsorção podem ser encontradas lacunas
ria a de falhas na junção cementodentina ou a pequena remineralizadas13,19,20.
espessura do pré-cemento e cemento no canal cemen- O tratamento das reabsorções dentárias externas
tário. Assim, a dentina mineralizada estaria exposta, apicais visíveis radiograficamente deve ser direciona-
atraindo as células clásticas da reabsorção. Também se do ao combate da infecção endodôntica. A instrumen-
sabe que a fixação inicial dos clastos na superfície radi- tação deve ser realizada em toda a extensão do canal
cular ocorre nas áreas entre as inserções das fibras pe- remanescente, buscando-se, com os instrumentos mais
riodontais, que, assim, funcionariam como protetoras. calibrosos, criar um batente ligeiramente aquém da
Como tem sido citado, a concentração dessas inserções margem mais reabsorvida.
é menor no segmento apical, resultando disso mais áre- Nas reabsorções apicais geralmente há um en-
as a serem alcançadas pela célula de reabsorção48,69,81. curtamento da raiz, representado por um plano per-
A reabsorção apical clinicamente é assintomáti- pendicular ao eixo radicular. Entretanto, outras vezes
ca. Sintomas que podem levar a seu diagnóstico estão a reabsorção é irregular, podendo ser mais acentuada
associados à inflamação perirradicular. Radiografica- em uma das faces da raiz, adquirindo o aspecto deno-
mente, observam-se áreas radiotransparentes no ápice minado bico de flauta. Nesses casos, a radiografia revela
radicular e no osso adjacente. Geralmente, há um en- o término da raiz e não o término do canal radicular.
curtamento da raiz, representado por um plano per- O término do canal radicular pode ser evidencia-
pendicular ao eixo radicular. Entretanto, a reabsorção, do por meio da colocação de uma pasta de hidróxido
na maioria das vezes, é irregular, podendo ser mais de cálcio com um contrastante (iodofórmio ou óxido
acentuada em uma das faces da raiz, adquirindo o as- de zinco). A pasta deve preencher todo o canal e pro-
pecto denominado bico de flauta. Outras vezes, além do mover um extravasamento na região apical. A seguir,
encurtamento da raiz, a reabsorção adentra o canal em radiografando-se o dente, observa-se o preenchimento
sentido coronário. Também é observada a reabsorção do canal até o ponto onde ocorreu o extravasamento,
A B C D
Figura 23-8. Reabsorção dentária externa apical. Aspectos radiográficos. A. Encurtamento da raiz. B. Reabsorção adentra o canal. C. Manu-
tenção da luz do canal. D. Bico de flauta.
Reabsorções Dentárias 861
que aparece com a forma de um cogumelo, com o tér- dos sintomas clínicos, a pasta de hidróxido de cálcio é
mino da raiz sendo visto mais além. Com esse proce- removida, e o canal é obturado pela técnica convencio-
dimento podemos determinar o comprimento do canal nal ou da guta-percha termoplastificada. Todavia, em
radicular e o posicionamento do batente apical. Para razão de a reabsorção apical alterar a anatomia interna
raízes com dois canais, eles deverão ser preenchidos do forame e do canal cementário, fica problemático o
isoladamente e a seguir radiografados. controle longitudinal do material obturador no interior
Solução de hipoclorito de sódio a 2,5% deve ser do canal radicular remanescente. Nesses casos é reco-
usada como substância coadjuvante do preparo30,48 (ver mendada a técnica de obturação com tampão apical
Capítulo 13, Substâncias químicas empregadas no preparo (Figs. 23-9A a C, 23-10A e B, 23-11A a D, 23-12A e B,
de canais radiculares). 23-13 e 23-14A a D) (ver Capítulo 16, Obturação dos ca-
Após o preparo, a smear layer é retirada, preen- nais radiculares).
chendo-se o canal radicular com solução de EDTA a Outra proposta terapêutica é a de que, além da fi-
17%. A solução permanece no interior do canal por 5 nalidade antimicrobiana, a pasta de hidróxido de cálcio
minutos, sendo que, durante os 2 primeiros, ela é agi- deve funcionar como uma obturação temporária. O ob-
tada com uma espiral de Lentulo ou instrumento endo- jetivo principal de tal proposta é em razão de que essa
dôntico tipo K de diâmetro menor do que o empregado pasta, ao entrar em contato com o tecido conjuntivo da
no preparo apical. A seguir, o canal radicular é irrigado área de reabsorção, favorece a reparação dessa área, a
com hipoclorito de sódio48. partir da deposição de um tecido mineralizado69,84.
O uso de um medicamento intracanal é imprescin- Os íons hidroxila, oriundos da dissociação do
dível e tem como objetivo eliminar micro-organismos hidróxido de cálcio em contato com o tecido, causam
que permaneceram, após o preparo químico mecâni- nele uma zona de desnaturação proteica superficial,
co, no interior dos canais radiculares. Como medica- que é caracterizada por uma necrose de coagulação.
mento intracanal utilizamos uma pasta de hidróxido Devido à baixa solubilidade do hidróxido de cálcio, a
de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em volume), cauterização química ocorrida no tecido é superficial
tendo como líquido uma gota de PMCC e uma gota de e transitória. Outrossim, essa substância promove um
glicerina HIPG65,66. A mistura obtida deve apresentar ambiente alcalino, impróprio para o desenvolvimento
aspecto homogêneo e consistência cremosa. O medi- de micro-organismos na superfície do tecido necrosa-
camento deve preencher o canal em toda a extensão, do. Assim, o tecido fica em condições celulares e enzi-
sendo recomendado um pequeno extravasamento da máticas para iniciar o seu processo de reparo. Cumpre
pasta na região apical. A seguir, realiza-se o selamento salientar que, para ocorrer essa reparação, o tecido deve
coronário (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). estar organizado e, no máximo, ligeiramente inflama-
A pasta de hidróxido de cálcio, além da ativida- do. De outro modo, esta propriedade do hidróxido de
de antimicrobiana, atua como uma barreira físico-quí- cálcio não será observada34,69,84.
mica, impedindo a proliferação de micro-organismos Controles clínicos radiográficos são recomenda-
residuais, a reinfecção do canal radicular por micro- dos para se avaliar a evolução do processo reparativo.
organismos oriundos da cavidade oral e a invaginação Recomenda-se o primeiro exame 30 dias após a coloca-
de tecido de granulação da área reabsorvida à luz do ção da pasta de hidróxido de cálcio no interior do canal
canal radicular. Promove também a necrose das células radicular, seguido de controles trimestrais. Embora,
de reabsorção nas lacunas de Howship, neutraliza áci- em alguns casos, o fechamento apical possa ocorrer
dos de células clásticas, impedindo a dissolução mine- dentro de 6 meses, é normal que ele demore 18 meses
ral da raiz e torna o meio inadequado para a atividade ou mais, período esse aparentemente relacionado com
das hidrolases ácidas67. a extensão da área reabsorvida.
Geralmente, renovamos a pasta de hidróxido de Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido
cálcio 7 dias após a colocação inicial. Persistindo a tu- de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle ra-
mefação apical e/ou exsudato, renovamos o preparo diográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do
químico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias. canal, a troca será realizada. Alguns autores têm obser-
O tempo de permanência da pasta de hidróxido vado melhores resultados com a renovação mensal da
de cálcio no interior do canal radicular está condicio- mesma1,69,84.
nado à terapia endodôntica proposta. Radiograficamente, obtido o selamento apical, a
Nos casos em que a medicação intracanal é em- pasta de hidróxido de cálcio é removida do interior do
pregada com objetivo antimicrobiano, após a remissão canal radicular até o limite de barreira mineralizada.
862 Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
A B C
Figura 23-9. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial, após preparo e colocação de pasta HIPG. B. Após obtu-
ração com tampão de pasta L&C. Controle de 6 meses e 1 ano. C. Controle de 6 anos.
A B
Figura 23-10. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial e preparo dos canais. B. Após obturação com tampão
apical de pasta L&C. Controle de 1 e 10 anos.
A B C D
Figura 23-11. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial. B. Após preparo e colocação de pasta HIPG. C. Obtura-
ção com tampão apical de pasta L&C. Controle de 1 ano. D. Controle de 2 anos.
Reabsorções Dentárias 863
A B
A seguir, o canal é obturado pela técnica de compacta- lar vencendo a barreira estabelecida pelo cemento,
ção lateral ou guta-percha termoplastificada. Essa pro- deixará expostos túbulos dentinários adjacentes.
posta terapêutica tem como inconveniente retardar a Os produtos tóxicos autolíticos pulpares ou micro-
restauração definitiva do dente, o que pode favorecer bianos e toxinas do canal radicular podem, através
a contaminação do canal radicular, a fratura do dente desses túbulos dentinários, alcançar os tecidos perio-
e retardar o restabelecimento da função mastigatória e dontais laterais e provocar uma resposta inflamató-
da estética. ria (reabsorção dentária externa lateral progressiva),
Para a reabsorção apical quando presente em den- que no exame clínico pode demonstrar uma flutua-
tes tratados endodonticamente de maneira deficiente ção ou até mesmo uma fístula.Também está presente
é indicado o retratamento endodôntico. Se a terapia em dentes cujos canais foram tratados de maneira
endodôntica fracassar na interrupção da reabsorção, a deficiente1,2,7,80 (Fig. 23-15).
cirurgia perirradicular deve ser indicada. A resposta inflamatória no periodonto consiste
Para dentes portadores de um tratamento endo- em um tecido de granulação com numerosos linfócitos,
dôntico bem conduzido, a opção poderá ser cirúrgica. células plasmáticas e leucócitos polimorfonucleares.
Nesse caso é provável que o fator de manutenção que Ao lado dessa área, a superfície radicular sofre uma re-
estimula o processo de reabsorção seja a presença de absorção intensa, com numerosas lacunas de Howship
um biofilme perirradicular ou mesmo de uma infecção e células multinucleares1,4,7,19,80.
persistente em áreas não acessíveis ao procedimento Radiograficamente, há perda contínua de tecido
químico-mecânico do canal radicular. dental, associada a zonas radiolúcidas persistentes e
Se as radiografias de controle, após 6 meses ou 1 progressivas no osso adjacente. Podem estar localiza-
ano mais tarde, mostrarem a reabsorção continuada das nas faces laterais (mesial e distal) ou vestibular ou
ou periapicopatia persistente, parte-se para a cirurgia palatina da raiz dentária. Quando localizadas nas faces
apical, ficando claro, porém, que o tratamento clínico é vestíbular ou lingual, as lesões (reabsorções) se movem
sempre a primeira opção de resolução para as reabsor- com as variações de angulagem horizontal radiográ-
ções dentárias externas apicais1,10,21,48. fica. Devido à falta de comunicação com a cavidade
pulpar, é possível distinguir claramente o contorno do
Reabsorção dentária externa lateral canal radicular por meio da área radiolúcida de reab-
É uma reabsorção dentária externa progressi- sorção. Essas características diferenciam as reabsorções
va estabelecida nos segmentos médio e/ou apical da externas das internas.
superfície radicular. A face externa da raiz é, normal-
mente, bem protegida pelo ligamento periodontal e
pelo cemento. Se o ligamento periodontal for perdido,
ocorrerá a anquilose.
Injúrias traumáticas de baixa intensidade, como
oclusão traumática, concussão e subluxação, geral-
mente não causam necrose pulpar. Assim, após o dano
mecânico na superfície da raiz, o tecido lesado será
eliminado pela resposta inflamatória local e ocorrerá a
reparação com novo cemento e ligamento periodontal,
devido à ausência de estímulos para a continuação da
resposta inflamatória (reabsorção dentária externa la-
teral transitória)1,3,19,80.
Entretanto, injúrias mais graves, como luxa-
ções ou avulsões, determinam a ruptura dos vasos
sanguíneos do forame apical e, consequentemente, a
necrose pulpar isquêmica. Micro-organismos então
alcançarão o canal radicular, através de microrra-
chaduras do esmalte-dentina ou de túbulos dentiná-
rios expostos, estabelecendo-se, em 2 a 3 semanas,
um processo infeccioso endodôntico. A reabsorção
dentária externa, localizada na superfície radicu- Figura 23-15. Reabsorção dentária externa lateral progressiva.
Reabsorções Dentárias 865
Normalmente, a reabsorção não atinge a luz do Nos casos considerados perfurantes (interna-ex-
canal – reabsorção externa não perfurante. Porém, às ve- terna), após o preparo químico-mecânico e a remoção
zes, o processo pode penetrar no canal radicular ou, da smear layer, o uso de um medicamento intracanal é
durante a instrumentação, ocorrer a comunicação imprescindível, tendo como objetivo eliminar micro-
– reabsorção externa perfurante (reabsorção interna- organismos, assim como preencher todo o canal ra-
externa). dicular e a região da perfuração (reabsorção). Como
Nos casos considerados não perfurantes realiza- medicamento intracanal utilizamos a pasta HIPG com
mos o tratamento endodôntico em dentes com necrose contrastante. A mistura obtida deve apresentar aspecto
pulpar ou o retratamento endodôntico de dentes trata- homogêneo e consistência cremosa. A seguir realiza-
dos deficientemente, dando ênfase ao combate da in- mos o selamento coronário.
fecção endodôntica presente no sistema de canais radi- A pasta HIPG, além da atividade antimicrobiana,
culares. A instrumentação deve ser realizada visando atua como uma barreira físico-química, impedindo a
à limpeza e modelagem do canal radicular. Solução de proliferação de micro-organismos residuais, a reinfec-
hipoclorito de sódio a 2,5% é usada como substância ção do canal radicular por micro-organismos oriundos
coadjuvante do preparo. A smear layer deve ser remo- da cavidade oral e a invaginação de tecido de granula-
vida, e uma medicação intracanal, usada. ção da área reabsorvida à luz do canal radicular.
Como medicamento intracanal devemos usar a Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de
pasta HPG com contrastante (iodofórmio ou óxido de cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a
zinco). Damos preferência ao uso dessa pasta em fun- tumefação e/ou exsudato, renovamos o preparo quí-
ção de ela, ao preencher o canal radicular, revelar ra- mico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias.
diograficamente a presença ou não de possível comu- O objetivo precípuo da medicação intracanal com
nicação com a área de reabsorção. A seguir realiza-se o a pasta HIPG é o de eliminar a infecção intratubular
selamento coronário48. responsável pela manutenção da reabsorção dentária
Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de externa inflamatória progressiva.
cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a Controles clínicos radiográficos são recomenda-
tumefação, renovamos o preparo químico-mecânico e dos para se avaliar a evolução do processo reparati-
o medicamento a cada 7 dias. vo. Recomendamos o primeiro exame 30 dias após a
Não havendo sintomas clínicos retiramos a pasta colocação da pasta de hidróxido de cálcio no interior
e obturamos o canal radicular. Nesses casos não há ne- do canal radicular, seguido de controles trimestrais.
cessidade de usarmos cimentos obturadores à base de Embora, em alguns casos, o fechamento da perfura-
hidróxido de cálcio (Fig. 23-16). ção lateral possa ocorrer dentro de 6 meses, é nor-
mal que ele demore 18 meses ou mais, tempo esse
aparentemente relacionado com a extensão da área
reabsorvida.
Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido
de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle ra-
diográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do
canal, a troca será realizada. Alguns autores têm obser-
vado melhores resultados com a renovação mensal da
mesma1,69,84.
Radiograficamente obtido o selamento da reab-
sorção lateral perfurante, a pasta de hidróxido de cál-
cio é removida do interior do canal radicular. A seguir,
o canal é obturado pela técnica de compactação lateral
ou guta-percha termoplastificada17,62.
A proposta terapêutica descrita tem como incon-
veniente o tempo muito longo que o paciente perma-
nece em tratamento. Assim, após o uso da pasta HIPG
com finalidade antimicrobiana, podemos obturar o ca-
Figura 23-16. Reabsorção dentária externa lateral não perfurante.
Sequência radiográfica. Inicial. Após preparo e colocação da pasta nal e a área reabsorvida definitivamente. Nesses casos
HIPG. Após obturação, controle de 2 anos. devemos usar material obturador contendo hidróxido
866 Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
rão dentro de limites normais. Se a polpa é exposta por A mancha rósea tem sido tradicionalmente descrita
uma reabsorção extensa, é esperada uma sensibilidade como um sinal patognomônico da reabsorção radicu-
anormal ao estímulo térmico. lar interna, localizada na região coronária e oriunda
A pré-dentina e a camada de odontoblastos pare- da polpa dentária. Em consequência, muitos casos de
cem funcionar como uma barreira à reabsorção. Quan- reabsorção cervical são mal diagnosticados e tratados
do a pré-dentina é atingida, o processo de reabsorção como reabsorção radicular interna1,13,31,82.
sofre resistência e continua lateralmente em sentido O aspecto radiográfico da reabsorção cervical é
coronário e apical. Em estados avançados, o tecido de variável. Quando localizada nas faces proximais da
granulação pode ser observado solapando o esmalte superfície radicular, é caracterizada por uma área ra-
da coroa dentária, dando-lhe uma aparência rosada. diotransparente no interior da raiz, que se expande na
Essa mancha rósea é oriunda do ligamento periodontal dentina em sentidos coronário e apical. As imagens são
e não da polpa dentária1,3,13,21,70. Nessas condições, ge- similares às de cáries profundas. Entretanto, a sonda-
ralmente o esmalte dentário é fraturado promovendo a gem revela paredes amolecidas, enquanto nas reabsor-
comunicação da reabsorção com o suco gengival (Fig. ções cervicais são duras e resistentes.
23-18A e B). A reabsorção óssea sempre acompanha a reab-
sorção cervical com imagens que se confundem com
bolsas infraósseas de origem periodontal. Entretanto,
quando sondadas, diferentemente das bolsas perio-
dontais, sangram abundantemente, e uma sensação
tátil de uma esponja é observada em função da presen-
ça de tecido de granulação firmemente aderido à área
reabsorvida.
Quando vestibular ou lingual, a imagem radio-
gráfica depende da extensão da área reabsorvida. Ini-
cialmente, uma radiotransparência próxima à margem
cervical será observada. Com o progresso da reabsor-
ção sobre a dentina, a área radiotransparente pode
A estender-se, de um modo considerável, em sentido
apical e coronário. Devido à falta de comunicação com
a cavidade pulpar é possível distinguir claramente o
contorno do canal radicular, identificado por linhas
radiopacas através da área radiotransparente da rea-
bsorção cervical.
O aspecto histopatológico revela a tentativa de
reparação por meio de um tecido semelhante a osso
ou cemento, ocorrendo, algumas vezes, a união do
osso e dentina (reabsorção substitutiva)1,22,31,70. A rea-
bsorção cervical pode se apresentar clínica e radiogra-
ficamente na superfície radicular como uma cratera
ampla (Fig. 23-19A e B) ou como uma pequena aber-
tura (Fig. 23-20).
Quando apresentar a forma de uma cratera ampla,
onde parte do processo patológico se situa de maneira
intraóssea e a outra supraóssea, o tratamento consiste
em expor cirurgicamente a lesão, remover o tecido de
granulação e restaurar a área reabsorvida. Todavia, o
padrão da extensão da área reabsorvida faz com que
a aplicação dos princípios do tratamento seja difícil e
B
complexa. A remoção de todo o tecido de granulação
Figura 23-18. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. As- da raiz e do osso, até alcançar o tecido não infectado, é
pecto clínico. B. Aspecto radiográfico (incisivo central). imprescindível para o sucesso do tratamento.
868 Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
A B
Figura 23-23. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Abertura pequena na superfície radicular. Tratamento via canal radicular. Se-
quência radiográfica. A. Inicial. Colocação de pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal. Corte dos cones de guta-percha em toda a
extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 3 anos.
A B
Figura 23-24. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. Inicial. Preparo do canal radicular e remoção do tecido patológico da área
de reabsorção. Preenchimento com pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal radicular. Corte dos cones de guta-percha em toda a
extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 1 ano.
ção. Imediatamente depois do corte é realizada uma dem ser transitórias ou progressivas. As transitórias
compactação vertical do material obturador, usando- envolvem apenas a perda de odontoblastos e pré-den-
se compactador frio. Após a limpeza da loja cirúrgi- tina, sendo autolimitantes e reparadas por novo tecido
ca correspondente à reabsorção, ela é preenchida com duro que pode preencher a lacuna de reabsorção. As
pasta L&C ou MTA. Todas as etapas do tratamento são progressivas continuam além do local em que a den-
acompanhadas radiograficamente. Após a remoção do tina foi exposta após a perda dos odontoblastos e pré-
excesso do material na câmara pulpar é feito o selamen- dentina1,18,80,83,85. Quanto ao mecanismo do processo
to coronário com os materiais restauradores indicados reabsortivo, as reabsorções internas progressivas são
(Figs. 23-23A e B e 23-24A e B). classificadas em inflamatória e substitutiva.
Dependendo da extensão e da localização da rea-
bsorção cervical, a exodontia deve ser indicada. Reabsorção dentária interna inflamatória
A reabsorção dentária interna inflamatória se ca-
Reabsorção dentária interna racteriza pela reabsorção da face interna da cavidade
A reabsorção dentária interna pode ter início em pulpar, por células clásticas adjacentes ao tecido de
qualquer ponto da superfície da cavidade pulpar. Po- granulação da polpa1,19,52,69.
Reabsorções Dentárias 871
Resulta de uma inflamação crônica pulpar, tendo com vitalidade, podendo, assim, responder ao teste de
como fatores etiológicos o trauma e a infecção. Para sensibilidade pulpar. Entretanto, após um período de
que a reabsorção se instale além do tecido de granu- atividade da reabsorção interna, a polpa pode tornar-se
lação é necessário que as camadas de odontoblastos e não vital, dando resposta negativa ao teste de sensibi-
pré-dentina sejam perdidas ou alteradas. O trauma e lidade. Nesses casos, o desenvolvimento da reabsorção
o superaquecimento do dente, por preparo cavitário, é paralisado1,3,19.
podem danificar essas camadas1,19,81,85. Quanto à localização, a reabsorção interna pode
Histologicamente se observa uma transformação ocorrer em qualquer região da cavidade pulpar que
do tecido pulpar normal em tecido de granulação, com apresente polpa viva. Assim, pode se localizar quer na
células gigantes multinucleadas reabsorvendo as pa- câmara pulpar, quer no canal radicular. Se ocorrer na
redes dentinárias da cavidade pulpar e avançando em coroa do dente, a rede vascular do tecido de granula-
sentido à periferia. A polpa coronária apresenta uma ção pode ser vista pelo esmalte como um ponto róseo
zona com tecido pulpar necrosado e infectado e esse (mancha rósea)1,13,19,48.
é, aparentemente, o fator de manutenção do processo Radiograficamente, apresenta-se como uma área
de reabsorção. Produtos microbianos da área necrosa- radiotransparente, caracterizada por um aumento uni-
da podem alcançar áreas do canal radicular com polpa forme, de aspecto ovalado, do canal radicular.
vital por meio dos túbulos dentinários. Assim, para a Com o objetivo de estabelecer o correto planeja-
reabsorção interna progredir, túbulos dentinários con- mento, tratamento e prognóstico, as reabsorções dentá-
taminados devem promover a comunicação da área rias internas inflamatórias são divididas em não perfu-
necrosada com a área do canal com tecido vital. Isso rantes e perfurantes (interna-externa) (Fig. 23-25A e B).
provavelmente explica por que a reabsorção interna Nos casos considerados não perfurantes o trata-
progressiva é rara em dentes permanentes. Nos casos mento é relativamente fácil. Uma vez diagnosticada a
em que não há uma área de necrose pulpar, a reabsor- reabsorção, o tratamento endodôntico deve ser realiza-
ção interna é dita transitória. Nesse caso os odontoblas- do prontamente, com o intuito de paralisar o processo,
tos em uma área da superfície radicular são destruídos o qual cessa quando da remoção da polpa, tendo em
e a pré-dentina se torna mineralizada1,19,52,82. vista a interrupção da circulação sanguínea que nutre
Assintomática geralmente, a reabsorção dentária as células clásticas.
interna inflamatória é diagnosticada durante exame Quanto mais apical estiver localizada, mais difí-
radiográfico de rotina. A dor pode estar presente se a cil se torna a remoção de tecido patológico. Para a re-
perfuração da coroa ocorrer (mancha rósea) e o tecido moção do tecido da área de reabsorção devemos usar
metaplásico ficar exposto ao meio oral. Parte da polpa solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, instrumentos
coronária se apresenta frequentemente necrótica, en- endodônticos dobrados em ângulo (90º), ultrassom,
quanto o segmento pulpar remanescente permanece brocas de Muller e alargadores Gates-Glidden. Se a le-
são é extensa, geralmente não é possível remover todo O tratamento não cirúrgico é semelhante ao em-
o tecido patológico. O hidróxido de cálcio e iodofórmio pregado na reabsorção dentária externa perfurante
+ PMCC + glicerina, aplicado como medicamento in- (Fig. 23-27A e B).
tracanal, cauteriza o restante do tecido que é posterior- O cirúrgico, que depende do tamanho e da locali-
mente removido por abundante irrigação com hipoclo- zação da reabsorção, é realizado após o tratamento do
rito de sódio. A aplicação de hidróxido de cálcio é re- canal radicular.
petida com o objetivo de se mapear a extensão da área Quando ela é localizada na região cervical, o en-
reabsorvida e de se observar a completa remoção do volvimento periodontal é agravante, determinando so-
tecido patológico por meio da tomada radiográfica. A lução de continuidade entre o defeito e a cavidade oral,
obturação se faz, preferencialmente, com guta-percha via sulco gengival. Os procedimentos cirúrgicos em-
termoplastificada. Não há obrigatoriedade de se em- pregados são semelhantes aos de reabsorção cervical.
pregarem cimentos obturadores à base de hidróxido de Dependendo da extensão e da localização da reabsor-
cálcio (Fig. 23-26A a D). ção interna perfurante, a exodontia deve ser indicada.
Nos casos considerados perfurantes, com presença Quando localizada no terço apical, é indicada a
ou não de lesão no periodonto, o tratamento se torna remoção apical. Em outros segmentos da raiz, quando
mais complicado. Pode ser não cirúrgico e cirúrgico. acessível, procede-se ao fechamento do defeito, com
A B
Figura 23-27. Reabsorção dentária interna inflamatória. Perfurante. A. Molar inferior. Raiz mesial, controle de 8 anos. B. Molar inferior, raiz
distal, controle de dois anos. (Gentileza da Profa M. D. Viana.)
materiais indicados para as obturações retrógradas suspenso e acontece a obliteração do canal radicular.
(ver Capítulo 18, Cirurgia perirradicular). Tem como fator etiológico o trauma, geralmente de
baixa intensidade1,3. A análise radiográfica, ao contrá-
Reabsorção dentária interna por substituição rio da reabsorção cervical invasiva, revela ausência da
A reabsorção dentária interna por substituição linha radiopaca de demarcação entre o canal radicular
se caracteriza radiograficamente por um aumento ir- e a imagem da reabsorção na dentina31. Localiza-se na
regular da cavidade pulpar. O contorno pulpar não coroa dentária e nos segmentos radiculares cervical e
é mantido, não havendo consequentemente a super- médio.
posição da cavidade pulpar sobre a área de reabsor- Dependendo da localização e da possibilidade de
ção. Histologicamente há metaplasia do tecido pulpar acesso à área de reabsorção, o tratamento endodôntico
normal por tecido ósseo medular. A reconstituição pode ser instituído com o intuito de paralisar o pro-
contínua do tecido ósseo às expensas da dentina é cesso. Os procedimentos técnicos empregados no tra-
responsável pelo aumento gradual da cavidade pul- tamento são semelhantes aos da reabsorção dentária
par. Após algum tempo o processo de reabsorção é interna inflamatória não perfurante (Fig. 23-28A e B).
874 Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
Figura 23-28. Reabsorção dentária interna de substituição. A. Canino inferior. Localizada na coroa dentária (câmara pulpar). Controle de 1
ano. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, J. C. Mucci.) B. Incisivo lateral superior. Localizada no segmento cervical e médio. Controle de 2 anos.
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Tratamento
Endodôntico em
Capítulo 24
Dentes com
Rizogênese
Incompleta
Hélio Pereira Lopes
José Freitas Siqueira Jr.
Mônica Aparecida Schultz Neves
Carlos Estrela
Um dos grandes problemas encontrados pelo o problema tornar-se-á grave. Nesses casos, a forma-
endodontista é o tratamento endodôntico de dentes ção normal e fisiológica do ápice, que corresponde, em
permanentes com ápices incompletamente formados quase sua totalidade, à função pulpar, poderá ficar de-
(Fig. 24-1A a C). Embora os mesmos princípios que tida definitivamente e, com infecção ou não, com com-
norteiam a terapêutica endodôntica de dentes comple- plicação perirradicular ou não, o dente se não tratado
tamente desenvolvidos sejam também aplicados aos convenientemente permanecerá com o ápice divergen-
dentes com rizogênese incompleta, o objetivo, nesses te, sem terminar de formá-lo, em caráter definitivo.
casos, é mais complexo, porque são buscados o com- Embora a necrose pulpar possa deter o desenvol-
pleto desenvolvimento radicular nos casos de polpa vimento apical radicular, é importante ressaltar que o
viva e o fechamento do forame apical por tecido duro ápice deve ser visto como um tecido dinâmico, capaz
calcificado, nos casos de necrose pulpar. de crescer, desenvolver-se e reparar-se. Esses atributos
Denomina-se apicigênese a complementação radi- podem ser vistos como de grande valor quando usados
cular fisiológica em dentes que apresentam tecido pul- adequadamente33..
par ainda com vitalidade, pelo menos na porção apical No estudo do problema deve-se ressaltar que a
do canal radicular, com existência de viável bainha de complementação ou o fechamento do forame apical es-
Hertwing, e apicificação a indução do fechamento do tão relacionados com os seguintes fatores: estágio de
forame apical, em dentes com necrose pulpar12,28. desenvolvimento da raiz do dente, condições da polpa
O trauma ou a fratura coronária com envolvimen- dentária e dos tecidos perirradiculares no momento da
to pulpar, assim como a cárie dentária e restaurações intervenção e substância empregada20.
inadequadas, constituem-se geralmente nos fatores Várias técnicas, orientações e medicamentos têm
etiológicos. A perda prematura de dentes pode afetar, sido propostos com relação ao tratamento endodôn-
psicologicamente, o paciente, além de acarretar graves tico dos dentes com rizogênese incompleta1,16,27,29. Po-
alterações no plano estético e no fonético, bem como rém, alguns trabalhos, tanto radiográficos como histo-
prejudicar o desenvolvimento do arco dentário. lógicos, têm mostrado que os medicamentos não são
Quando as lesões pulpares não se estenderem até necessários para estimular o fechamento do forame
a porção radicular, poder-se-á conseguir a complemen- apical4,9,11,15,39.
tação apical, utilizando-se o tratamento conservador da Outros estudiosos, embora admitindo que a apifi-
polpa dentária. Entretanto, diante da necrose pulpar, cação seja um fenômeno natural, advogam técnicas que
inclusive com lesão perirradicular recente ou antiga, incluem o uso de diversas substâncias com o objetivo
877
878 Capítulo 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
2. Abertura coronária, com remoção completa do teto so antigo, com exposição pulpar, a necrose da polpa
da câmara pulpar. poderá limitar-se às partes coronária e média do canal
3. Remoção da polpa coronária com curetas de inter- radicular, permanecendo sua porção apical inflamada,
mediário longo e bem afiadas. porém com vitalidade. Isso se deve, provavelmente, à
4. Abundante irrigação-aspiração da câmara pulpar drenagem dos produtos tóxicos, do interior do canal
com solução fisiológica. radicular ao meio bucal, à dissipação de parte da força
5. Descompressão pulpar por 5 minutos. traumática no traço de fratura, causando menor dano
6. Irrigação-aspiração com solução fisiológica, seca- à circulação vascular apical, e ao fato de a rizogênese
gem com bolinhas de papel absorvente esterilizadas incompleta possibilitar ampla circulação sanguínea, o
e exame da superfície do remanescente pulpar, que que aumentaria a capacidade de defesa orgânica do te-
deverá apresentar as características já mencionadas. cido pulpar à invasão infecciosa1.
7. Aplicação do cortecosteroide-antibiótico (Ostoporin Nesses casos, procuramos preservar o remanes-
otossolução), mantendo uma bolinha de papel ab- cente de tecido apical com vitalidade e, principalmen-
sorvente esterilizada embebida nesse medicamento. te, a bainha epitelial de Hertwing, com o objetivo de se
8. Selamento duplo com guta-percha e cimento. alcançar o desenvolvimento radicular2,50,51.
9. Decorridos 2 a 7 dias, são removidos o selamento e Sendo os elementos de diagnóstico imprecisos,
o curativo, irrigando-se fartamente com solução fi- não se deve anestesiar o paciente de imediato, até que
siológica e retirando-se qualquer coágulo presente. clinicamente se possa ter certeza da presença do tecido
10. Acama-se sobre o remanescente pulpar com suave pulpar vivo. Assim procedendo, evita-se danificar esse
pressão a pasta de hidróxido de cálcio pró-análise tecido ou mesmo retirá-lo da região apical, o que pre-
com solução fisiológica, em uma fina camada, adap- judicaria o desenvolvimento radicular.
tado por uma bolinha de papel absorvente esteri- O mesmo procedimento se aplica aos casos de
lizado. Remove-se o excesso da pasta das paredes lesões traumáticas. Nesses, os dentes se apresentam
laterais e coloca-se sobre esse revestimento biológi- insensíveis, por vários dias ou semanas após o trauma-
co uma fina camada de cimento com hidróxido de tismo, permanecendo, contudo, na porção terminal do
cálcio com a finalidade de protegê-lo. canal radicular, tecido vital – presença que é caracteri-
11. Coloca-se ionômero de vidro ou cimento de óxido zada pelo sangramento vivo e consistência firme1.
de zinco e eugenol como base protetora para a res-
tauração ou se realiza diretamente a restauração
coronária verificando-se a oclusão20.
Técnica mediata
1. Automatização da cavidade oral com solução antis-
Nos atendimentos ambulatoriais, que por impos- séptica e preparo do dente, que tem como objetivo
sibilidade de uma segunda sessão ou por insegurança a regularização da coroa (nos casos de fratura co-
quanto ao correto selamento coronário da cavidade se ronária), a remoção de toda a dentina cariada e de
realiza a pulpotomia em sessão única, deixa-se o cor- restaurações defeituosas, reconstituindo-se, quando
te costeroide-antibiótico por 10 a 15 minutos sobre o necessário, a coroa dentária com cimento ou resina,
remanescente pulpar e acama-se, a seguir, a pasta de bandas ortodônticas, coroas provisórias etc.
hidróxido de cálcio, mantendo-se todos os demais cui- 2. Isolamento absoluto, sempre que possível, com di-
dados. Contudo, o maior índice de sucesso é o obtido que de borracha e antissepsia do campo operatório.
com a pulpotomia realizada em duas sessões. É certo que, muitas vezes, devido a fatores psicoló-
O MTA também tem sido empregado como re- gicos do paciente ou a extensas fraturas coronárias,
vestimento biológico pulpar imediatamente após a não se consegue o isolamento absoluto. Nesses ca-
pulpotomia em dentes hígidos com excelentes resulta- sos, usamos o melhor isolamento relativo possível,
dos histológicos24. pois é melhor um bom isolamento relativo que um
mau isolamento absoluto.
3. Abertura coronária que, a princípio, deve ser ampla,
DENTES PORTADORES DE TECIDO
devido à largura do canal e ao volume da câmara
PULPAR VIVO NO SEGMENTO APICAL DO
pulpar. Para os dentes anteriores, a parede vestibu-
CANAL RADICULAR lar da cavidade deverá ser biselada para a extremi-
Geralmente, nos dentes em desenvolvimento dade incisal, a fim de permitir o adequado preparo
em que ocorrem fratura coronária ou processo cario- do canal radicular.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 881
com contraste e nível apical adequados, a renovação canal radicular. Após o preparo do canal radicular e do
não é recomendada. Segundo Felipe et al.14, a renova- uso da medicação intracanal (HPG) por um tempo mí-
ção da pasta de hidróxido de cálcio não é necessária nimo de 3 dias, estando o dente livre de sinais e sinto-
para ocorrer a apecificação. mas de infecção observáveis sobretudo pela inspeção,
Na renovação da pasta após 7 dias, podemos palpação e percussão, a pasta de hidróxido de cálcio é
usar veículo oleoso (pasta L&C). Acredita-se que, nos removida e a seguir procede-se à imediata colocação do
tratamentos endodônticos em dentes com rizogêne- MTA. O material será inserido na região apical com o
se incompleta e necrose pulpar, o uso do hidróxido emprego de instrumentos especiais (seringas) ou mes-
de cálcio com veículo oleoso é melhor do que com o mo levado com auxílio de instrumentos endodônticos
aquoso23,29,30,32. Provavelmente aquele diminui a dilui- de ponta truncada (compactadores). O material deve
ção do material nos fluidos orgânicos da região perir- ser colocado numa extensão de até 3mm e seu limite
radicular, tornando-o menos facilmente absorvível, apical comprovado pelo exame radiografico.
criando melhores condições para a deposição de tecido Para prevenir o extravasamento do MTA durante
duro no fechamento apical23. sua colocação em casos de forames muito abertos, proce-
Obtida a apicificação, a pasta de hidróxido de cál- demos à criação de uma barreira apical de hidróxido ou
cio deverá ser removida do interior do canal radicular sulfato de cálcio junto aos tecidos perirradiculares. Em
até o limite da barreira calcificada, nem sempre visível seguida, o MTA é colocado conforme já descrito, com me-
em nível radiográfico, mas clinicamente comprovada nores riscos de sobreobturação. Sobre o MTA é colocada
pelo instrumento endodôntico junto do ápice. uma bolinha de algodão umedecida em água destilada
O canal radicular geralmente permanece amplo por um período mínimo de 3 a 4 horas, protegida por
com a forma de bacamarte, o que pode tornar a obtu- selamento coronário provisório. Esse procedimento tem
ração um procedimento técnico difícil. As técnicas re- como objetivo manter a hidratação e permitir a solidifi-
comendadas são do cone de guta-percha moldado, do cação do material. O MTA em contato com os tecidos pe-
cone invertido, do cone pré-fabricado, da guta-percha rirradiculares estimula a formação de um selamento bio-
termoplastificada e da compactação lateral. lógico junto ao forame apical24,48,49. Todavia, Sluyk et al.44
Embora investigações clínicas e histológicas te- não recomendam esse procedimento, acreditando que
nham certamente comprovado que as barreiras forma- a umidade advinda do tecido no local é suficiente para
das são resistentes, pode ocorrer seu rompimento se a manter as necessidades hidrofílicas do MTA.
pressão exercida durante a compactação da guta-per- A proposta terapêutica do tampão apical tem como
cha for demasiadamente exagerada, principalmente vantagem não retardar a restauração definitiva do den-
em canais amplos28. te, o que favorece a não contaminação do canal radicu-
Dependendo do estágio de desenvolvimento lar, reduz a possibilidade de fratura do dente e permite
apical do dente com rizogênese incompleta, podemos prontamente o restabelecimento da função mastigatória
empregar o MTA como tampão apical na obturação do e da estética (Figs. 24-6A a C, 24-7A a C e 24-8A a C).
A B C
Figura 24-7. Caso clínico. Incisivo central superior. Manobra do tampão apical. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, uso da pasta HPG
como medicação apical. Manobra do tampão apical de pasta L&C. C. Obturação do canal. Controle de 6 meses. (Gentileza de G. Venanzoni.)
A B
Andreasse et al.3 concluíram, por meio de um tra- com ou sem lesão perirradicular e vários trabalhos
balho com incisivos mandibulares imaturos de ovelhas, vêm demonstrando clinicamente resultados bem-
que a resistência à fratura em dentes imaturos tratados sucedidos de revascularização pulpar5,7,26,47. Esse mé-
com hidróxido de cálcio será de 50% em 1 ano devi- todo de tratamento utiliza o coágulo sanguíneo como
do ao tratamento de canal, constatando o porquê de substância de preenchimento do canal radicular. O
frequentes relatos de fraturas de dentes tratados com coágulo atua como uma matriz (malha) para o cres-
hidróxido de cálcio por longo período. cimento de um novo tecido dentro do espaço pulpar,
Simon et al.43 realizaram um teste para substi- similar à polpa necrosada de um dente reimplantado
tuir o hidróxido de cálcio por MTA em apicicações de após um trauma dental. Antes porém, é fundamental
dentes imaturos com polpa necrosada. O hidróxido uma criteriosa desinfecção do canal por meio de co-
de cálcio tem muita eficiência até mesmo na presença piosa irrigação, utilizando-se solução de hipoclorito
de lesão periapical, porém tem muitas desvantagens, de sódio (1,25 a 5,25%). A instrumentação nesses casos
tais como a variação no tempo de tratamento (média é contraindicada, pois agravaria a fragilidade das pa-
de 12,9 meses), a dificuldade de retorno de pacientes redes dentinárias. Segundo alguns autores5,26,47, após a
e a demora no tratamento com hidróxido de cálcio desinfecção com uma solução irrigadora, o canal deve
por períodos extensos. Como alternativa para o tra- ser preenchido inicialmente com uma pasta à base da
tamento com hidróxido de cálcio, sugeriram a técnica associação de três antibióticos (ciprofloxacin + metro-
de tampão apical com o MTA, observando as seguin- nidazol + minociclina) a fim de promover a elimina-
tes vantagens: redução do tempo de tratamento, pos- ção de micro-organismos que sobreviveram à desin-
sibilidade de restaurar o dente com o mínimo atraso fecção com a irrigação. Após 4 semanas, constatado o
e, assim, prevenir a fratura de raiz e também evitar desaparecimento de sinais e de sintomas clínicos de
mudanças nas propriedades mecânicas da dentina infecção, remove-se a pasta através de irrigação e es-
por causa do uso prolongado do hidróxido de cálcio. timula-se um sangramento apical, utilizando-se uma
Além disso, por causa da atoxicidade, o MTA tem sonda endodôntica exploradora. O sangramento deve
boas propriedades biológicas e estimula a reparação. ser mantido a 3mm da junção cemento-esmalte e, após
Os resultados do estudo indicaram sucesso de 81%, 15 minutos, se forma o coágulo sanguíneo nesse local.
porém novos estudos devem ser feitos para confirmar O selamento coronário deve possuir dupla camada a
esses resultados. fim de assegurar um meio sem penetração bacteria-
na. Em contato com o coágulo se coloca uma camada
de MTA, seguida de uma bolinha de algodão estéril
REVASCULARIZAÇÃO PULPAR umedecida com água destilada e, por último, um se-
A possibilidade de regeneração de uma polpa lador temporário com profundidade adequada. Duas
necrosada tem sido considerada apenas em casos de semanas após, mantendo-se os sinais e sintomas clí-
avulsão de dente permanente com rizogênese incom- nicos normais, são substituídos o algodão e o selador
pleta. A vantagem de uma revascularização pulpar está temporário, por uma restauração de resina adesiva. A
no fato de serem obtidos o completo desenvolvimen- prosservação deve ser mantida por 2 anos por meio do
to radicular e a deposição de dentina nas paredes do exame clínico e radiográfico. Durante esse período po-
canal e, consequentemente, a raiz dentária terá maior dem ser observados o crescimento radicular, o aumen-
resistência à fratura. A condição de um dente jovem to da espessura da parede do canal e o fechamento do
com ápice aberto e raiz curta favorece a invaginação forame apical. Em alguns casos pode haver resposta
de um novo tecido para dentro do espaço pulpar. A pulpar positiva ao teste frio. Nos casos em que após
polpa necrosada, porém não infectada, pode funcionar 3 meses não se observar o desenvolvimento radicular
como uma matriz na qual um novo tecido poderá se deve-se optar pela apicificação tradicional5,8.
desenvolver5. Segundo alguns autores5,7,26,47, a revascularização
Tem sido considerado impossível a regeneração em canais previamente necrosados e infectados só é
pulpar em dentes necrosados e infectados. Contudo, possível desde que haja uma eficaz desinfecção. Vale
se for possível criar um meio como descrito no caso ressaltar que, embora o desenvolvimento radicular e
de avulsão, a regeneração poderá ocorrer5. Nos últi- o aumento na espessura das paredes do canal sejam
mos anos, novos métodos de terapia têm sido propos- observados, não se pode afirmar que o novo tecido
tos com o objetivo de permitir o completo desenvol- formado seja polpa dentária10. Alguns trabalhos em
vimento radicular em dentes com polpa necrosada animais36,37 demonstraram a presença de fibras do tipo
888 Capítulo 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
do ligamento periodontal e cemento dentro do canal antes do ápice. Histologicamente, nesses casos, a
radicular. barreira é constituída de cemento, há deposição
A pasta L&C também pode ser empregada como lateral desse tecido, e o ápice, inicialmente, per-
material obturador permanente do segmento apical ra- manece aberto, ocorrendo ampla comunicação en-
dicular como tampão apical (ver Capítulo 15, Materiais tre o periodonto e o tecido conjuntivo existente no
obturadores). Após, o espaço do canal radicular deve ser interior das paredes radiculares (Fig. 24-9B). Com
obturado com cone de guta-percha e cimento endodôn- o tempo, o aspecto radiográfico tende a se asseme-
tico pela técnica convencional ou termoplastificada. lhar ao descrito em A.
C) Calcificação total da porção apical. Há o desenvolvi-
mento radicular, porém ocorre a calcificação maciça
FORMAS DA ZONA APICAL APÓS A da porção terminal da raiz (Fig. 24-9C).
COMPLEMENTAÇÃO OU FECHAMENTO
DO ÁPICE Em dentes com necrose total do
As condições histopatológicas dos tecidos pulpar conteúdo pulpar
e perirradicular, em nível de localização do processo A) Fechamento em semicírculo. O ápice se calcifica, to-
de reparação, parecem influenciar as características mando a forma de semicírculo, porém o canal per-
morfológicas do tecido duro depositado17,18,28,45, o qual, manece com a forma de bacamarte. Histologicamen-
radiograficamente12,52, poderá apresentar as seguintes te, o selamento ocorre com cemento ou com tecido
formas: osteocementoide. Radiograficamente não há comu-
nicação entre o canal e a área perirradicular12,17,18,20,52
Em dentes portadores de tecido pulpar vivo (Fig. 24-10A).
B) Calcificação tênue. Não há evidência radiográfica
no segmento apical do canal radicular
do fechamento apical, porém uma delgada barrei-
A) Selamento duplo. Radiograficamente há formação de ra cálcica pode ser comprovada pelo instrumental
barreira de tecido duro, alguns milímetros antes do junto do ápice. Não há mudança na divergência das
ápice. Histologicamente, nesses casos, a barreira é paredes do canal radicular12,17,18,20,52 (Fig. 24-10B).
constituída de dentina, há deposição lateral desse
tecido e selamento apical com cemento, restando, Essas duas últimas configurações morfológicas
todavia, comunicação entre o periodonto e o tecido não promovem o alongamento radicular, permanecen-
conjuntivo semelhante à polpa existente na região do o dente mais curto do que o seu homólogo. Entre-
apical (Fig. 24-9A). tanto, radiograficamente, em alguns casos podem não
B) Selamento simples. Radiograficamente há forma- ser encontrados os padrões descritos, apresentando a
ção de barreira de tecido duro, alguns milímetros região apical morfologia atípica.
A B
A B C
Figura 24-9. Representação esquemática das formas da zona api- Figura 24-10. Representação esquemática das formas da zona
cal após complementação do ápice. Dentes com tecido pulpar vivo apical após selamento do ápice. Dentes com necrose total do con-
no segmento apical. A. Selamento duplo. B. Selamento simples. C. teúdo pulpar. A. Fechamento em semicírculo. B. Barreira tênue de
Calcificação total da porção apical. tecido mineralizado.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta 889
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Capítulo 25
Inter-relação
Endodontia e
Periodontia
Ilan Rotstein
James H. Simon
RELAÇÕES ANATÔMICAS
A polpa dental e o periodonto estão conectados
por meio de três vias de comunicação: 1) túbulos den-
tinários expostos, 2) portais menores de saída e 3) fo-
rame apical.
891
892 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
expostos, criando, assim, vias de comunicação entre documentadas tanto em dentes de animais quanto em
a polpa e o ligamento periodontal. Os pacientes que dentes humanos utilizando vários métodos. Esses mé-
apresentam hipersensibilidade dentinária cervical são todos incluem perfusão de corantes, injeção de mate-
um exemplo desse fenômeno. Fluidos e agentes irri- riais de impressão, microrradiografia, microscopia óp-
tantes podem escoar por meio dos túbulos dentinários tica e microscopia eletrônica de varredura23,43,65,96,111,154.
patentes e, na ausência de um esmalte intacto ou de um Estima-se que 30 a 40% desses dentes possuam ramifi-
revestimento cementário, a polpa pode ser considera- cações e que a maioria delas seja encontrada no terço
da exposta ao meio oral através do sulco gengival ou apical da raiz. De Deus43 relatou que 17% dos dentes
bolsa periodontal. Estudos experimentais demonstram apresentavam múltiplos sistemas de canais no terço
que o material solúvel da placa bacteriana aplicado so- apical da raiz, cerca de 9% no terço médio e menos de
bre a dentina exposta pode causar inflamação pulpar, 2% no terço coronário. Entretanto, parece que a inci-
indicando que os túbulos dentinários podem propor- dência de doença periodontal associada a ramificações
cionar acesso imediato entre o periodonto e a polpa17. seja relativamente baixa. Kirkham96, estudando 1.000
Estudos de investigação por microscopia eletrô- dentes humanos com doença periodontal extensa, en-
nica de varredura demonstraram que a exposição den- controu apenas 2% de ramificações associadas com a
tinária na JCE ocorreu em cerca de 18% dos dentes em bolsa periodontal presente.
geral e em 25% dos dentes anteriores em particular128. Ramificações na região de furca de molares tam-
Além disso, o mesmo dente pode apresentar diferentes bém podem ser uma via direta de comunicação entre
características na JCE mostrando exposição dentinária a polpa e o periodonto65,111. A incidência de canais
em uma superfície enquanto as outras superfícies estão acessórios pode variar de 23 a 76%23,43,62. Esses canais
recobertas por cemento161. Essa área se torna importan-
acessórios contêm tecido conjuntivo e vasos sanguíne-
te na avaliação da progressão dos patógenos endodôn-
os que conectam o sistema circulatório da polpa com o
ticos, bem como no resultado da raspagem radicular
periodonto. Entretanto, nem todos esses canais estão
e no planejamento da integridade cementária, trauma
presentes em toda a extensão da câmara pulpar ao as-
e alteração patológica induzida por clareamento48,149,153.
soalho da furca62.
Pode haver outras áreas de comunicação dentinária por
Seltzer et al.163 reportaram que a inflamação pulpar
meio de sulcos de desenvolvimento gengivo-palatinos
pode causar uma reação inflamatória nos tecidos pe-
ou apicais169.
riodontais inter-radiculares. A presença desses canais
menores abertos é uma via potencial para a dissemi-
Outros portais de saída nação de micro-organismos e seus produtos da polpa
Canais acessórios e laterais podem estar presentes para o ligamento periodontal e vice-versa, resultando
em qualquer lugar ao longo do comprimento da raiz em um processo inflamatório nos tecidos envolvidos
(Fig. 25-2). Sua incidência e localização têm sido bem (Fig. 25-3).
A B C D
E F G H
I J
Figura 25-4. Infecção perirradicular por Actinomyces. Esse caso demonstra o crescimento de bactérias além do forame apical e sua invasão
para o cemento e para os tecidos perirradiculares. A. Radiografia de um incisivo central superior com polpa necrosada mostrando ampla
lesão perirradicular. B. A terapia endodôntica não cirúrgica foi realizada, mas os sintomas persistiram. C. Cirurgia perirradicular foi então
realizada. A fotomicrografia mostra parte da raiz com a lesão aderida. D. Colônias de Actinomyces no lúmen da lesão são evidentes. E. Maior
aumento mostra grande colônia de Actinomyces. F. Macrófagos atacando as bactérias. G. Margem da megacolônia bacteriana mostrando a
ausência de células inflamatórias capazes de penetrar na colônia. H. Maior aumento da colônia bacteriana. I. Centro da colônia desprovido
de células inflamatórias. J. Bactérias viáveis no cemento apical.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 895
A B C
D E F
Figura 25-5. Fungos em uma lesão perirradicular persistente. A. Radiografia do incisivo lateral superior com polpa necrosada e radiolucidez
perirradicular. B. Radiografia pós-operatória imediata ao tratamento não cirúrgico. C. Aos 3 meses de controle, o paciente ainda estava sinto-
mático e a radiolucidez perirradicular estava aumentada. D. Eletromicrografia de transmissão mostra o crescimento de hifas de um fungo. E.
Maior aumento das hifas mostrando a parede celular. F. Esporos reprodutores dos fungos.
Bactérias
Bactérias desempenham um papel crucial na
formação e na progressão das doenças perirradicula-
res12. Os tecidos perirradiculares se tornam envolvidos
quando bactérias invadem a polpa, causando necro-
se parcial ou total. Kakehashi et al.89, em um estudo
clássico, demonstraram a relação entre a presença de
bactérias e a patologia da polpa e dos perirradiculares.
Nesse estudo, polpas de ratos normais foram expostas
e deixadas expostas ao meio oral. Consequentemente,
houve necrose pulpar seguida por inflamação e for-
mação de lesão perirradicular. Entretanto, quando o
mesmo procedimento foi realizado em ratos germ-free,
não somente as polpas se mantiveram vitais e relati-
vamente não inflamadas, como os locais de exposição
mostraram evidências de reparação dentinária.
Figura 25-6. Eletromicrografia de transmissão do núcleo de um
macrófago em uma lesão perirradicular, sugerindo uma possível Möller et al.124 confirmaram esses achados em maca-
infecção viral. cos e relataram que o tecido pulpar necrótico não infecta-
896 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
do não induz lesões perirradiculares ou reações inflama- predominantemente mais anaeróbia53,182. Rupf et al.155
tórias. Todavia, uma vez que a polpa se tornou infectada, estudaram os perfis dos patógenos periodontais nas
lesões perirradiculares se desenvolveram. Korzen et al.100 doenças pulpares e periodontais associadas ao mesmo
relataram resultados semelhantes e sugeriram que as dente. Métodos específicos de PCR foram usados para
infecções pulpares geralmente são infecções mistas por detectar Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomyce-
natureza. Coletivamente, esses estudos forneceram evi- temcomitans, Tannerella forsythia, Eikenella corrodens, Fu-
dência-chave em relação ao papel dos micro-organismos sobacterium nucleatum, Porphyromonas gingivalis, Prevo-
nas doenças pulpares e perirradiculares. tella intermedia e Treponema denticola. Esses patógenos
Blomlof et al.19 criaram defeitos sobre as superfí- foram encontrados em todas as amostras endodônticas
cies radiculares de dentes extraídos de macacos com e também em dentes com lesão perirradicular crônica
ápices abertos ou maduros. Os canais foram infectados e periodontite crônica do adulto. Portanto, parece que
ou preenchidos com hidróxido de cálcio e reimplanta- os patógenos periodontais acompanham as infecções
dos em seus alvéolos. Após 20 semanas, os achados de endodônticas e que as inter-relações endodônticas e
proliferação epitelial abaixo das áreas de dentina des- periodontais são a via crítica para ambas as doenças.
nuda indicaram associação entre o tecido pulpar infec- Espiroquetas são um grupo de bactérias associadas
tado e a doença periodontal. Jansson et al.85 avaliaram tanto à doença endodôntica quanto à periodontal. Espi-
o efeito de patógenos endodônticos na reparação da roquetas geralmente são encontradas com mais frequên-
lesão periodontal marginal de superfícies dentinárias cia na placa subgengival do que nos canais radiculares.
desnudas cercadas por ligamento periodontal saudá- Vários estudos mostraram uma ampla diversidade de
vel, e seus resultados mostraram que, em dentes infec- treponemas orais presentes nos biofilmes subgengivais
tados, os defeitos eram recobertos por 20% a mais de de bolsas periodontais26,45,91. Foi proposto anteriormen-
epitélio, enquanto os dentes não infectados mostravam te que a presença ou a ausência de espiroquetas orais
apenas mais 10% de revestimento por tecido conjunti- pode ser usada para diferenciar os abscessos endodôn-
vo. Concluíram que os patógenos nos canais radicula- ticos dos periodontais191. Atualmente, entretanto, a pre-
res necrosados podem estimular a proliferação epitelial sença de espiroquetas no sistema de canais radiculares
abaixo das superfícies dentinárias expostas, resultando tem sido bem documentada e demonstrada por diferen-
em comunicação marginal e também em aumento da tes técnicas de identificação, tais como microscopias de
doença periodontal. campo escuro e eletrônica, identificação bioquímica e
Jansson et al.84 em um estudo radiográfico retros- métodos moleculares37,38,87,88,125,147,175.
pectivo de 3 anos avaliaram 175 dentes unirradicula- As diferenças na incidência das espiroquetas asso-
res tratados endodonticamente de 133 pacientes. Os ciadas às doenças endodônticas reportadas por vários
pacientes mais propensos a periodontites e exibindo autores podem ser atribuídas aos diferentes métodos
evidências de falhas no tratamento endodôntico mos- de detecção utilizados. Foi demonstrado que as espé-
travam aumento de aproximadamente três vezes na cies de espiroquetas mais comumente encontradas nos
perda óssea marginal quando comparados a pacientes canais radiculares são Treponema denticola147,175 e Trepo-
sem infecção endodôntica. Além disso, também foram nema maltophilum87. O principal fator de virulência do
investigados o efeito da infecção endodôntica sobre a T. denticola inclui proteínas de superfície com ativida-
sondagem periodontal profunda e a presença de en- de citotóxica, como a proteína principal de superfície
volvimento de furca em molares mandibulares82, sen- e o complexo de proteases semelhantes à quimiotrip-
do observado que a infecção endodôntica nos molares sina, enzimas proteolíticas ou hidrolíticas associadas
inferiores estava associada a maior perda de inserção à membrana, e metabólitos54. Essa espécie possui um
na área de furca. Por isso, foi sugerido que a infecção arranjo de fatores de virulência associado à doença pe-
endodôntica em molares associada à doença periodon- riodontal e também pode participar na patogênese da
tal poderia reforçar a progressão da periodontite pela doença perirradicular147. Os fatores de virulência do T.
disseminação de patógenos através dos canais acessó- maltophilum ainda não foram completamente elucida-
rios e dos túbulos dentinários82. Entretanto, quando a dos. Foi proposto que a motilidade do T. maltophilum,
infecção era tratada com sucesso, o vetor periodontal causada pela rotação de seu flagelo periplasmático,
desaparecia, indicando que existia apenas um vetor in- poderia contribuir para sua patogenicidade78. Esse
feccioso presente. micro-organismo também foi isolado com frequência
Bactérias proteolíticas predominam na microbiota em pacientes apresentando periodontite de progres-
do canal radicular, que com o passar do tempo se torna são rápida127. Entretanto, o papel exato desse micro-
Inter-relação Endodontia e Periodontia 897
organismo nas doenças endoperiodontais requer mais específicas de bactérias no canal radicular durante o
investigações. tratamento endodôntico pode permitir a proliferação
Também tem sido sugerido que bactérias na forma excessiva de fungos no ambiente que se tornou pobre
L desempenham um papel na doença perirradicular173. em nutrientes177,183. Outra possibilidade é a de que os
Foi reconhecido que algumas cepas bacterianas podem fungos podem ter acesso ao canal radicular através
passar por uma transição morfológica à forma L após da cavidade oral como resultado de assepsia precária
exposição a certos agentes, particularmente a penicili- durante o tratamento endodôntico ou quando dos pro-
na92. A forma L e a forma comum da bactéria podem cedimentos pós-operatórios. Foi reportado que apro-
não só aparecer individualmente ou juntas, como tam- ximadamente 20% dos pacientes com periodontite do
bém se transformar de uma variante para outra com adulto também abrigam fungos subgengivais39,179, e a
numerosos estágios intermediários e transicionais da C. albicans foi a espécie isolada mais comum67. Além
forma L, o que pode ocorrer espontaneamente ou por disso, foi demonstrado que a presença de fungos no
indução em uma forma cíclica. Sob certas condições, canal radicular está diretamente associada à sua pre-
dependendo dos fatores de resistência do hospedeiro sença na saliva47. Esses achados reforçam ainda mais a
e da virulência bacteriana, as formas L revertem para importância do uso de técnicas endodônticas e perio-
sua forma bacteriana patogênica original, podendo ser dontais assépticas, mantendo a integridade dos tecidos
responsáveis pela exacerbação aguda de lesões perirra- duros dentários e revestindo a coroa dentária assim
diculares crônicas173. que possível com uma restauração permanente bem
selada com a finalidade de prevenir a reinfecção.
Fungos (leveduras)
Vírus
A presença e a prevalência de fungos associados
Existem fortes evidências sugerindo que os vírus
à doença periodontal têm sido bem documentadas176.
têm um papel importante nas doenças endodônticas e
A colonização por leveduras associada à doença perir-
radicular foi demonstrada em dentes com cáries radi- periodontais. Em pacientes com doença endodôntica e
culares não tratadas81,201, túbulos dentinários40,165, trata- periodontal, o vírus herpes simples foi frequentemente
mentos de canais radiculares com insucesso123,133,140,183, detectado no fluido crevicular gengival e nas biópsias
ápices dos dentes com lesão perirradicular assinto- gengivais de lesões periodontais27,29. O citomegalovírus
mática110 e nos tecidos perirradiculares189. A maioria humano foi observado em cerca de 65% de amostras
dos estudos reportou que a prevalência de fungos em de bolsa periodontal e em aproximadamente 85% de
amostras do sistema de canais radiculares submetidas amostras de tecido gengival27. O vírus Epstein-Barr tipo
à cultura é variável, podendo alcançar mais de 26% em I foi observado em mais de 40% de amostras de bolsa
canais radiculares não tratados14,64,81,94,106 e 33% em casos e em cerca de 80% de amostras de tecido gengival27.
de canais radiculares tratados previamente81,123,183,185,195. Herpesvírus gengivais foram observados associados
Alguns estudos, entretanto, demonstraram uma in- a uma grande ocorrência de P. gingivalis, T. forsythia,
cidência ainda mais alta, isto é, de mais de 55%135,165. P. intermedia, Prevotella nigrescens, T. denticola e A. acti-
O fungo predominante recuperado foi a Candida albi- nomycetemcomitans, sugerindo seu papel na prolifera-
cans195, a qual foi detectada em 21% dos canais infec- ção excessiva de bactérias periodontais patogênicas99.
tados usando primers espécie-específicos direcionados A presença de vírus na polpa dental foi primeira-
para o gene do 18S rRNA14 e também mostrou a capa- mente relatada em um paciente com AIDS60. O DNA
cidade de colonizar as paredes do canal e invadir os tú- do vírus HIV também foi detectado em lesões perir-
bulos dentinários174. Outras espécies como C. glabrata, radiculares50. Entretanto, não foi estabelecido que o
C. guillermondii e C. inconspicua195 e Rhodotorula mucila- vírus HIV possa causar diretamente doença pulpar.
ginosa47 também foram detectadas. O vírus herpes simples também foi estudado em rela-
Os fatores que afetam a colonização do canal ra- ção à doença endodôntica. Entretanto, parece que, ao
dicular pelos fungos não estão totalmente entendidos. contrário do que ocorre na doença periodontal, esse
Entretanto, parece que entre os fatores predisponentes vírus não desempenha papel significativo na doença
desse processo estão as doenças imunossupressoras, endodôntica75,145. Por outro lado, outros tipos comuns
como o câncer40, certos medicamentos intracanais81, de herpesvírus humanos podem estar envolvidos nas
antibióticos locais e sistêmicos118,201 e o insucesso na doenças pulpares e perirradiculares. Foi sugerido que
terapia endodôntica prévia177,183. A redução de cepas o citomegalovírus humano e o vírus Epstein-Barr têm
898 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
um papel na patogênese das lesões perirradiculares Em meios muito hostis como nos extremamente aque-
sintomáticas156,157. Parece que a infecção ativa pode dar cidos, ácidos ou secos, esse modo de crescimento es-
origem à produção de um arranjo de citocinas e qui- tacionário é basicamente defensivo, porque as células
miocinas com o potencial de induzir imunossupressão bacterianas não são varridas para áreas onde possam
ou destruição tecidual28. A ativação de herpesvírus nas ser mortas32.
células inflamatórias perirradiculares pode prejudicar Biofilmes infecciosos são difíceis de detectar por
os mecanismos de defesa do hospedeiro e dar origem métodos diagnósticos de rotina e são basicamente tole-
à proliferação excessiva de bactérias, como observado rantes às defesas do hospedeiro e a terapias antibióti-
nas lesões periodontais. cas59. Além disso, os biofilmes facilitam a disseminação
A imunossupressão mediada pelos herpesvírus de resistência antibiótica pela promoção de transmis-
pode ser determinante nas infecções perirradiculares são horizontal de genes. Eles também são ativamente
em razão de respostas já comprometidas do hospedeiro adaptados às tensões ambientais, tais como alteração
no tecido granulomatoso116. Alterações entre períodos na qualidade nutricional, densidade celular, tempera-
prolongados de latência do herpesvírus interrompidos tura, pH e osmolaridade136. A inanição prolongada in-
por períodos de ativação podem explicar alguns episó- duz a perda do cultivo sob condições-padrão, enquan-
dios sintomáticos da doença perirradicular. A reativa- to os micro-organismos permanecem metabolicamente
ção frequente dos herpesvírus nos tecidos perirradicu- ativos e estruturalmente intactos144. Isso é considerado
lares pode ajudar na rápida destruição perirradicular, o principal motivo para o baixo índice de detecção de
e a ausência de infecção por herpesvírus ou de reati- infecções por biofilme por meio de métodos rotineiros
vação viral pode ser a razão pela qual algumas lesões de cultura. Entretanto, até agora, o exato papel dos bio-
perirradiculares se mantêm clinicamente estáveis por filmes na inter-relação das doenças endodônticas e pe-
longos períodos156. riodontais ainda não foi totalmente elucidado.
A B
C D
Figura 25-7. Partículas de corpo estranho em uma lesão perirradicular. A. Radiografia de um incisivo central superior sintomático com uma
grande lesão perirradicular. O tratamento endodôntico foi realizado 17 anos antes. B. A cirurgia perirradicular foi realizada e o tecido perirra-
dicular submetido à análise histológica. A fotomicrografia mostra partículas de corpo estranho na presença de células gigantes. C. Maior au-
mento das partículas de corpo estranho e das células gigantes. D. Parte do corpo estranho. Quando colocado sob luz polarizada, respondeu
como substância de origem vegetal. O diagnóstico foi a presença de fragmentos de uma ponta de papel junto ao forame apical.
A B
C D
E F
Figura 25-8. Fatores etiológicos múltiplos próximos do forame apical associados ao fracasso do tratamento. A. Radiografia mostrando fra-
casso do tratamento em um segundo pré-molar superior. O dente foi tratado por reimplante intencional durante o qual a lesão perirradicular
foi removida. B. Fotomicrografia da lesão mostrando a presença de material estranho. C. Maior aumento mostra material arroxeado não
identificado e tecido muscular necrótico (“granuloma de tecido morto”). D. Uma área diferente da lesão mostrando músculo necrótico com
colônias de bactérias viáveis. E. Tecido muscular necrótico infectado por bactérias e presença de lentilhas (granuloma vegetal). F. Acompa-
nhamento radiográfico de 1 ano. O dente está assintomático. Consolidação e reparação óssea são evidentes.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 901
Colesterol
A presença de cristais de colesterol nas lesões
perirradiculares apical é um achado histopatológico
comum18,22,134,166,192. Com o tempo, os cristais de coles-
terol são dissolvidos e eliminados, deixando espaços
em forma de fendas. A incidência de fendas de coles-
terol reportada na doença perirradicular varia de 18 a
44%22,166,192. Tem sido sugerido que os cristais podem
ser formados a partir do colesterol liberado por eri-
trócitos em desintegração, presentes em vasos san-
guíneos estagnados dentro da lesão perriradicular22,
de linfócitos, plasmócitos e macrófagos que morrem
em grande quantidade e se desintegram em lesões
perirradiculares crônicas192 ou de lipídios plasmáticos
circulantes166. Entretanto, é possível que todos esses
fatores possam contribuir para o acúmulo, concentra-
Figura 25-10. Fotomicrografia de um cisto inflamatório verdadeiro ção e cristalização de colesterol em uma lesão perirra-
corado com tricrômico de Masson, mostrando uma lesão tridimen-
sional revestida por epitélio sem conexão com o sistema do canal dicular (Fig. 25-11).
radicular e com o forame apical. Tem sido sugerido que o acúmulo de cristais de
colesterol nos tecidos perirradiculares inflamados em
alguns casos pode causar o fracasso do tratamento
de um cisto é uma faixa de epitélio que parece estar endodôntico130,134. Parece que macrófagos e células gi-
revestindo a cavidade. Portanto, é provável que a cure- gantes multinucleadas que se congregam em volta dos
tagem tanto de um cisto baía quanto de um cisto verda- cristais de colesterol não são eficientes o bastante para
deiro possa levar a idêntico diagnóstico microscópico. destruir e remover os cristais completamente. Além
Um cisto baía pode ser seccionado de tal forma que pos- disso, o acúmulo de macrófagos e de células gigantes
sa lembrar ou dar a impressão de um cisto verdadeiro, ao redor das fendas de colesterol na ausência de ou-
distinção essa que pode ser importante do ponto de tras células inflamatórias, como neutrófilos, linfócitos e
vista da reparação. Pode ser que o cisto verdadeiro deva plasmócitos, sugere que os cristais de colesterol indu-
ser cirurgicamente removido, mas que o cisto baía que zem uma típica reação de corpo estranho130.
902 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
A B
Figura 25-11. Fendas de colesterol em uma lesão perirradicular. A. Fotomicrografia corada com tricrômico de Masson de um cisto com uma
espessa parede fibrosa. Embebida na parede, há uma grande coleção de fendas de colesterol. B. Maior aumento mostrando fendas vazias
onde o colesterol foi dissolvido durante a preparação histológica.
A B
Figura 25-12A. Fotomicrografia de uma lesão perirradicular mostrando a presença de corpúsculos de Russel. B. A eletromicrografia de
transmissão demonstra a configuração arredondada e amorfa dessas estruturas.
Inter-relação Endodontia e Periodontia 903
hialinos de Rushton geralmente aparecem dentro do que eles são de natureza ceratinosa166, de origem hema-
revestimento epitelial ou no interior do lúmen cístico togênica79, um produto secretório especializado do epi-
(Fig. 25-13). Eles possuem uma variedade de aspec- télio odontogênico126 ou de eritrócitos degenerados49.
tos morfológicos incluindo estruturas lineares (retas Alguns autores sugerem que os corpúsculos hialinos
ou curvas), irregulares, arredondadas e policíclicas, ou de Rushton são materiais remanescentes de um proce-
podem aparecer de forma granular6,49. dimento cirúrgico prévio120. Ainda não está claro por
A natureza exata dos corpúsculos hialinos de que a maioria dos corpúsculos hialinos de Rushton se
Rushton não é completamente entendida. Foi sugerido forma no interior do epitélio.
Cristais de Charcot-Leyden
Os cristais de Charcot-Leyden são cristais origi-
nariamente hexagonais e bipiramidais, derivados de
grânulos intracelulares de eosinófilos e basófilos2,185,198.
Sua presença, na maioria das vezes, está associada ao
aumento do número de eosinófilos no sangue periféri-
co ou nos tecidos, nas doenças parasitárias, alérgicas,
neoplásicas e inflamatórias2,104,185. Tem sido reportado
que os macrófagos têm um importante papel na forma-
ção dos cristais de Charcot-Leyden em vários proces-
sos patológicos46. Cristais de Charcot-Leyden e eosinó-
A filos danificados têm sido observados no interior dos
macrófagos24,46,104. Tem sido proposto que as proteínas
dos cristais de Charcot-Leyden, após a desgranulação
dos eosinófilos, podem ser fagocitadas para o interior
da membrana acidificada ligada aos lisossomos104. Em
algum momento, a proteína dos cristais de Charcot-
Leyden começa a se cristalizar, formando discretas
partículas que com o tempo aumentam de volume e
densidade. Por fim, esses cristais seriam liberados via
exocitose fagossomal ou pela perfuração da membrana
do fagossoma e do citoplasma do macrófago, ficando
livres no estroma tecidual.
Achados recentes sustentam a teoria de que os
B
macrófagos ativados têm um papel na formação dos
cristais de Charcot-Leyden167. Além disso, a presença
de cristais de Charcot-Leyden pode ser detectada no
interior da lesão perirradicular que não se resolveu
após o tratamento endodôntico convencional (Fig. 25-
14). Embora o papel biológico e patológico dos cristais
de Charcot-Leyden nas doenças endodônticas e perio-
dontais ainda seja desconhecido, eles podem estar en-
volvidos em alguns casos de fracasso do tratamento.
FATORES CONTRIBUINTES
Tratamento endodôntico deficiente
C
Procedimentos e técnicas endodônticas corretas
Figura 25-13A. Fotomicrografia mostrando corpúsculos de Rushton
são fatores-chave para o sucesso do tratamento. Duran-
no revestimento epitelial de um cisto perirradicular. B e C. Maior au- te a avaliação do índice de retenção dos dentes tratados
mento demonstrando o pleomorfismo desses corpúsculos. endodonticamente foi demonstrado que o tratamento
904 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
A B C
D E
F G
endodôntico não cirúrgico é um procedimento previsí- do canal radicular tratado. Portanto, a falta de revesti-
vel com um excelente prognóstico a longo prazo105,150,158. mento coronário após o tratamento endodôntico pode
É imperativo que o sistema de canal radicular seja comprometer de maneira significativa o prognóstico
completamente limpo, modelado e obturado para que do dente158. Então, é essencial que o sistema de canais
sejam obtidos resultados satisfatórios. O tratamento radiculares seja protegido por uma boa obturação en-
endodôntico incorreto permite a reinfecção, o que fre- dodôntica e uma adequada restauração coronária. To-
quentemente leva ao insucesso no tratamento141. davia, mesmo os materiais restauradores permanentes
As falhas endodônticas podem ser tratadas, tanto nem sempre podem evitar a infiltração coronária200.
por retratamento quanto por cirurgia perirradicular, Coroas totais cimentadas63,199, bem como coroas adesi-
com bons índices de sucesso. Parece que o índice de vas à dentina138, também mostram infiltração.
sucesso é semelhante ao do tratamento endodôntico Uma revisão da literatura74 examinou os fatores
convencional inicial se a causa do fracasso for adequa- associados ao prognóstico de dentes tratados endodon-
damente diagnosticada e corrigida16. Nos últimos anos, ticamente a longo prazo. Os achados indicaram que: 1) o
as técnicas de retratamento e cirurgia melhoraram dra- preparo para pinos e a cimentação devem ser realizados
maticamente devido ao uso de microscópio e ao desen- sob isolamento absoluto; 2) o espaço para pinos deve ser
volvimento de novos equipamentos. preparado com um instrumento aquecido; 3) um míni-
mo de 3mm de material obturador deve permanecer no
canal; 4) o espaço para pinos deve ser irrigado e prepa-
Restauração deficiente rado da mesma forma que durante o tratamento do ca-
A infiltração coronária é uma causa importante nal radicular; 5) as restaurações bem adaptadas devem
de fracasso do tratamento endodôntico. Os canais radi- ser colocadas tão logo possível após o tratamento endo-
culares podem ser recontaminados por micro-organis- dôntico; 6) o retratamento endodôntico deve ser con-
mos em razão da demora na colocação de uma restau- siderado para dentes com o selamento coronário com-
ração coronária e da fratura da restauração coronária prometido por mais de 3 meses74. Levando esses fatores
e/ou do dente160. Madison e Wilcox113 observaram que em consideração, muitas complicações endodônticas e
a exposição dos canais radiculares ao meio oral permi- periodontais podem e devem ser prevenidas.
tia a ocorrência de infiltração coronária, atingindo em
alguns casos toda a extensão do canal radicular. Ray Trauma
e Trope143 reportaram que dentes com obturações en-
dodônticas adequadas e restaurações coronárias de- O trauma aos dentes e ao osso alveolar pode en-
feituosas tinham uma incidência maior de fracasso do volver a polpa e o ligamento periodontal. Ambos os
que dentes com obturação inadequada e restaurações tecidos podem ser afetados direta ou indiretamente.
adequadas. Os dentes onde tanto as obturações do As injúrias dentárias podem tomar várias formas, mas
canal radicular quanto as restaurações eram adequa- geralmente podem ser classificadas como fraturas de
das apresentavam apenas 9% de fracasso, enquanto os esmalte, fraturas coronárias sem envolvimento pulpar,
dentes nos quais tanto as obturações do canal radicular fraturas coronárias com envolvimento pulpar, fratura
quanto as restaurações eram defeituosas apresentavam coroa-raiz, fratura radicular, luxação e avulsão11. O
cerca de 82% de fracasso143. Saunders e Saunders159 tratamento do dente acometido por traumatismo va-
mostraram que a infiltração coronária era um proble- ria dependendo do tipo de injúria e irá determinar o
ma clínico significativo em molares obturados. Em um prognóstico da reparação da polpa e do ligamento pe-
estudo in vitro, eles observaram que a compactação do riodontal10.
excesso de guta-percha e cimento sobre o assoalho da
câmara pulpar, após a conclusão da obturação do ca- Fratura de esmalte
nal, não oferecia um melhor selamento dos canais ra- Envolve apenas o esmalte e inclui lasca do es-
diculares. Portanto, é recomendável que o excesso de malte e fraturas incompletas ou fissuras do esmalte. O
obturação de guta-percha seja removido até o nível dos tratamento geralmente inclui polimento e alisamento
orifícios do canal e que o assoalho da câmara pulpar das margens irregulares ou restauração da estrutura de
seja protegido com um material restaurador com uma esmalte perdida. Em casos onde somente o esmalte foi
boa capacidade seladora159. envolvido, a polpa geralmente mantém sua vitalidade
A restauração coronária é a primeira barreira con- e é bom o prognóstico tanto para a polpa quanto para
tra a infiltração coronária e a contaminação bacteriana o periodonto.
906 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
Fratura coronária sem envolvimento pulpar um defeito periodontal ou uma fístula está associado
Essa é uma fratura sem complicações que envolve à raiz fraturada. Radiograficamente, uma fratura radi-
esmalte e dentina sem exposição pulpar. O tratamen- cular pode ser visualizada somente se o feixe de raios
to pode incluir restauração com resina composta ou a X passar pela linha de fratura. Fraturas radiculares
colagem do fragmento fraturado. Tem sido relatado horizontais e oblíquas são mais fáceis de se detectar
que a colagem de fragmentos coronários de dentina e radiograficamente enquanto o diagnóstico de fraturas
esmalte é uma possibilidade conservadora para a res- radiculares verticais é mais desafiador. Uma tecnolo-
tauração da coroa8. O prognóstico para a polpa e para gia avançada de imagem pode se mostrar benéfica para
o periodonto é bom. fins diagnósticos129.
O tratamento, quando possível, geralmente inclui
Fratura coronária com envolvimento pulpar reposição do segmento coronário e estabilização por
esplintagem11. Um splint flexível usando fio ortodônti-
Essa é uma fratura complicada que envolve es-
co ou de nailon afixado com resina composta e ataque
malte e dentina e exposição da polpa. A extensão da
ácido por períodos acima de 12 semanas irá intensificar
fratura ajuda a determinar os tratamentos pulpares
o reparo pulpar e periodontal7. Os dentes com raízes
e restauradores necessários11. Uma pequena fratura
fraturadas não requerem necessariamente o tratamen-
pode indicar tratamento conservador pulpar segui-
to do canal radicular se a reparação ocorrer sem evi-
do por restauração com resina composta e ataque
dência de doença pulpar204.
ácido. Uma fratura mais extensa pode requerer pul-
pectomia parcial ou tratamento endodôntico con-
Luxações
vencional.
Essa categoria envolve diferentes tipos de injúrias
O estágio de maturação dentária é um fator im-
e deslocamento dentário, incluindo concussão, sublu-
portante na escolha entre a pulpectomia parcial ou to-
xação, luxações extrusivas, laterais e intrusivas. Geral-
tal11. A quantidade de tempo decorrido a partir da in-
mente, quanto mais grave é a luxação, maior é o dano
júria geralmente afeta o prognóstico da polpa. Quanto
ao periodonto e à polpa dental11.
mais cedo o dente é tratado, melhor é o prognóstico.
Nas concussões, o dente está apenas sensível à
percussão. Não há aumento na mobilidade e não são
Fraturas de coroa-raiz
observadas alterações radiográficas. A polpa pode
Essas fraturas geralmente são oblíquas e envol- responder normalmente aos testes de vitalidade e
vem tanto a coroa quanto a raiz. Elas incluem esmal- geralmente não há necessidade de tratamento ime-
te, dentina e cemento, podendo incluir ou não a pol- diato11.
pa. As fraturas de coroa-raiz podem afetar molares e Nas subluxações, os dentes estão sensíveis à per-
pré-molares assim como dentes anteriores. A fratura cussão e também apresentam mobilidade. Geralmente
da cúspide que se estende para a região subgengival o sangramento sulcular é observado, indicando dano
é um achado comum que geralmente apresenta desa- ao ligamento periodontal. Os achados radiográficos
fio diagnóstico e clínico11. O tratamento depende da não são marcantes e a polpa pode responder normal-
gravidade da fratura e pode variar desde a remoção mente aos testes de vitalidade11. Geralmente, não há
do fragmento do dente fraturado e restauração apenas necessidade de tratamento para as subluxações meno-
até o tratamento endodôntico, tratamento periodontal res. Se a mobilidade for grave, será necessária a estabi-
e/ou procedimentos cirúrgicos. Algumas vezes o prog- lização do dente.
nóstico é ruim e o dente precisa ser extraído. Devido à Em luxações extrusivas, os dentes foram parcial-
complexidade dessa injúria, uma equipe de abordagem mente deslocados do alvéolo, e uma maior mobilidade
que inclua endodontistas, periodontistas, ortodontistas é observada. As radiografias também mostram deslo-
e protesistas é altamente recomendável11. camento. A polpa geralmente não responde aos testes
de vitalidade e requer tratamento do canal radicular11.
Fraturas radiculares O dente requer reposição e esplintagem geralmente
Esses tipos de fratura, que envolvem tipicamen- por um período de 2 a 3 semanas.
te cemento, dentina e polpa, podem ser horizontais Em luxações laterais, o dente foi deslocado do
ou transversas. Clinicamente, as fraturas radiculares seu longo eixo. A sensibilidade à percussão pode es-
podem causar com frequência mobilidade dos dentes tar presente ou não. Um som metálico à percussão
envolvidos, assim como dor à mastigação. Geralmente, indica que a raiz foi empurrada para dentro do osso
Inter-relação Endodontia e Periodontia 907
periodontal com a formação de osso sobre a área des- é detectado somente ao exame radiográfico de rotina.
nuda da superfície radicular188. Essa condição é obser- Onde a lesão é visível, os aspectos clínicos variam de
vada com mais frequência como uma complicação das um pequeno defeito na margem gengival até uma des-
luxações, especialmente em dentes avulsionados que coloração rósea da coroa dentária70. Radiograficamen-
tenham ficado fora de seus alvéolos em condições secas te, a lesão varia de uma radiolucidez bem delimitada
por várias horas. a uma radiolucidez de bordas irregulares. Uma linha
Certos procedimentos periodontais têm sido re- radiopaca característica geralmente separa a imagem
latados como indutores da reabsorção radicular por da lesão da imagem do canal radicular, porque a pol-
substituição114. O potencial para a reabsorção por subs- pa se mantém protegida por uma fina camada de pré-
tituição também foi associado ao reparo de lesões pe- dentina até o fim do processo70.
riodontais90. O tecido de granulação derivado do osso A etiologia da reabsorção cervical invasiva não é
ou do tecido conjuntivo gengival pode induzir a rea- totalmente entendida. Entretanto, parece que fatores
bsorção radicular e anquilose. Parece que a incapaci- predisponentes potenciais são as injúrias traumáti-
dade de formar tecido conjuntivo de inserção sobre a cas, tratamento ortodôntico e clareamento coronário
superfície desnuda da raiz é a responsável. As únicas com agentes oxidantes altamente concentrados71,149. O
células do periodonto que parecem ter a capacidade tratamento da condição apresenta problemas clínicos
de fazer isso são as células do ligamento periodontal21. porque o tecido reabsorvido é altamente vascular e a
Em geral, se menos de 20% da superfície radicular está hemorragia resultante pode impedir a visualização e
envolvida, pode ocorrer a reversão da anquilose9. Caso comprometer a colocação da restauração72. O sucesso
contrário, os dentes anquilosados são incorporados ao no tratamento depende da remoção completa ou da
osso alveolar e se tornam parte do processo normal de inativação do tecido reabsorvido. É difícil obter su-
remodelação óssea. Esse é um processo gradual e a ve- cesso nas lesões mais avançadas caracterizadas por
locidade pela qual os dentes são substituídos por osso uma série de pequenos canais geralmente interligan-
varia dependendo principalmente da taxa metabólica do o ligamento periodontal apical à lesão principal.
do paciente. Na maioria dos casos, pode levar anos an- Na maioria dos casos, é necessária a cirurgia para
tes que a raiz seja completamente reabsorvida. ter acesso ao defeito da reabsorção e frequentemente
Clinicamente, a reabsorção radicular por substi- pode haver perda do osso e do periodonto de inser-
tuição é diagnosticada quando a falta de mobilidade ção. A aplicação tópica de solução aquosa de ácido
dos dentes anquilosados é determinada9. Os dentes tricloroacético a 90%, curetagem e selamento do de-
também irão apresentar um som metálico à percus- feito obteve sucesso em muitos casos72. Parece que o
são, e após um período ficarão em infraoclusão. Ra- ácido tricloroacético a 90% tem um efeito amolecedor
diograficamente, a ausência do espaço do ligamento sobre os tecidos duros dos dentes109. Grandes defeitos
periodontal é evidente e a invaginação de osso na raiz associados a estágios avançados dessa condição têm
irá apresentar uma aparência característica de “roído prognóstico ruim.
de traça”188. A reabsorção radicular por substituição e a reab-
sorção radicular invasiva extracanal têm sido classifi-
Reabsorção radicular invasiva extracanal cadas separadamente na literatura. Entretanto, a um
A reabsorção radicular invasiva extracanal é uma olhar mais atento elas parecem ser bastante semelhan-
forma relativamente incomum de reabsorção radicu- tes. Histologicamente, o cemento e a dentina são in-
lar70-72. Ela se caracteriza por uma localização cervical vadidos e reabsorvidos por um tecido não inflamado.
e natureza invasiva. A invasão da região cervical da Mais tarde, um tecido duro semelhante ao osso é depo-
raiz é predominada por tecido fibrovascular derivado sitado da superfície de dentina reabsorvida, levando à
do ligamento periodontal. O processo reabsorve pro- anquilose.
gressivamente o cemento, o esmalte e a dentina, po-
dendo, mais tarde, envolver o espaço pulpar. Pode não Reabsorção radicular infecciosa
haver sinais ou sintomas a menos que a reabsorção Esse processo ocorre devido à resposta vascular
esteja associada à infecção pulpar ou periodontal. A aos micro-organismos que invadem os tecidos afeta-
invasão bacteriana secundária para o interior da polpa dos. Pode ocorrer tanto no interior do espaço do canal
ou do espaço do ligamento periodontal causará uma radicular (reabsorção interna) quanto na superfície
inflamação dos tecidos acompanhada de dor. Entretan- externa da raiz (reabsorção externa). Na polpa, esse
to, frequentemente, o defeito causado pela reabsorção processo está associado a uma resposta inflamatória
Inter-relação Endodontia e Periodontia 909
que progride até que a polpa se torne necrosada. Ge- dessas lesões geralmente é inevitável e o prognóstico
ralmente isso também é acompanhado por uma infla- é excelente190.
mação perirradicular. Praticamente, quase todos os
dentes com lesão perirradicular exibirão certo grau
de reabsorção radicular44. Essa pode estar localizada
Perfurações
tanto na região apical quanto na face lateral da raiz, As perfurações radiculares são complicações clí-
mas ocorre com mais frequência no ápice. Durante os nicas indesejáveis que podem levar ao insucesso no
estágios iniciais, a reabsorção não pode ser identifi- tratamento. Quando a perfuração ocorre, as comuni-
cada radiograficamente; entretanto, ela é evidente em cações entre o sistema de canais radiculares com os te-
cortes histológicos. Se sua progressão for permitida, o cidos perirradiculares ou com a cavidade oral podem
processo de reabsorção pode destruir a raiz inteira. Se restringir o prognóstico do tratamento. As perfurações
for detectada e tratada precocemente, o prognóstico é radiculares podem resultar de extensas lesões por cá-
bom. A remoção do tecido pulpar infectado e a obtu- rie, reabsorção ou de acidentes operatórios que ocor-
ração do sistema do canal radicular são o tratamento ram durante a instrumentação do canal radicular ou a
de escolha34,178. preparação para pinos101,187.
Em alguns casos ocorre um processo de reabsorção O prognóstico do tratamento das perfurações radi-
radicular interno como resultado da atividade de célu- culares depende do tamanho, da localização, do tempo
las gigantes multinucleadas em uma polpa inflamada. de diagnóstico e tratamento, do grau do dano periodon-
A origem dessa condição não é totalmente entendida, tal, bem como da capacidade de selamento e da biocom-
mas parece estar relacionada com a inflamação pulpar patibilidade do material de reparo58. Foi reconhecido que
crônica associada à infecção do espaço pulpar coroná- o sucesso do tratamento depende principalmente do se-
rio196. Essa reabsorção ocorrerá apenas na presença de lamento imediato da perfuração e do controle de infec-
tecido de granulação e se a camada odontoblástica e a ção apropriado. Alguns materiais têm sido recomenda-
pré-dentina forem afetadas ou perdidas188,197. Quando dos para selar as perfurações radiculares que incluem,
confinadas apenas ao espaço dos canais radiculares, as entre outros, MTA, Super EBA, Cavit, IRM, cimentos de
implicações sobre o ligamento periodontal são míni- ionômero de vidro, compósitos e amálgama41,86,107,137,146.
mas. Entretanto, caso o defeito de reabsorção perfure Atualmente, o MTA é o mais usado.
as paredes da dentina, aparecerão complicações perio- Uma modalidade de tratamento excelente e con-
dontais. servadora para perfurações, reabsorções radiculares
A etiologia desse tipo de reabsorção é geralmente e certas fraturas radiculares é a extrusão radicular
um trauma196. Foi sugerido que o calor extremo pode controlada171. O procedimento tem bom prognóstico
ser uma possível causa para esse tipo de reabsorção190. e baixo risco de recidiva, e sua versatilidade tem sido
Portanto, o clínico deve usar soluções irrigadoras su- demonstrada em várias situações clínicas51,180,194. Ele
ficientes quando estiver realizando raspagem radicu- pode ser realizado imediatamente ou em um período
lar com aparelhos de ultrassom, bem como quando de algumas semanas, dependendo de cada caso. O ob-
estiver utilizando cauterização durante procedimen- jetivo da extrusão radicular controlada é modificar os
tos cirúrgicos. tecidos moles e o osso, e, portanto, é usada para corri-
A reabsorção radicular interna geralmente é as- gir discrepâncias gengivais e defeitos ósseos de dentes
sintomática e diagnosticada durante um exame ra- envolvidos periodontalmente180. Também é usado no
diográfico de rotina. O diagnóstico precoce é crítico tratamento de dentes não restauráveis.
para prognóstico. O aspecto radiográfico do defeito O objetivo da erupção forçada em dentes trata-
da reabsorção mostra um contorno distorcido do ca- dos e comprometidos protética e endodonticamente
nal radicular. Geralmente um defeito arredondado é permitir a restauração do defeito localizado abaixo
ou oval no espaço do canal radicular é observado. da crista óssea por meio da movimentação do defeito
Na maioria dos casos não ocorre a reabsorção do até um ponto onde o acesso não seja mais um proble-
osso adjacente, a menos que grandes extensões da ma170. Em todos os casos, a inserção epitelial perma-
polpa se tornem infectadas. Histologicamente se ob- nece no nível da junção amelocementária. A erupção
serva geralmente a presença de tecido pulpar de gra- forçada também se apresenta uma boa alternativa para
nulação associado a células gigantes multinucleadas o aumento de coroa clínica, já que previne alterações
e necrose da polpa mais coronária. Quando diagnos- estéticas e redução desnecessária do suporte ósseo dos
ticadas em estágio inicial, o tratamento endodôntico dentes adjacentes.
910 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
A B
A B
C D
E F
G H
Figura 25-18. Doença periodontal primária em um segundo pré-molar superior. A. Radiografia mostrando perda de osso alveolar e uma
lesão perirradicular. Clinicamente, uma bolsa profunda e estreita foi observada na face mesial da raiz. Não havia evidência de cárie e o dente
respondia normalmente aos testes de sensibilidade pulpar. B. Radiografia mostrando o trajeto da bolsa para região apical com um cone
de guta-percha. Foi decidido extrair o dente. C. Imagem clínica do dente extraído com a lesão aderida. Notar sulco do desenvolvimento
profundo na face mesial radicular. D. Fotomicrografia do ápice do dente com a lesão aderida. E e F. Maior aumento mostra a lesão inflama-
tória, reabsorção de cemento e dentina e osteoclastos. G e H. Cortes histológicos da câmara pulpar mostram polpa não inflamada, camada
odontoblástica e pré-dentina intacta.
914 Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
A B C
Figura 25-19. Doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário em um primeiro molar inferior. A. Radiografia pré-
operatória demonstrando defeito inter-radicular se estendendo até a região apical da raiz mesial. B. Radiografia tirada ao final do tratamento
do canal radicular. C. Acompanhamento radiográfico de 1 ano mostrando a resolução da maior parte da lesão perirradicular; entretanto, um
defeito ósseo na região de furca permaneceu. Notar que apenas o tratamento endodôntico não levou à reparação completa da lesão. O
tratamento periodontal é necessário para reparo posterior da área de furca e dos tecidos gengivais inflamados.
reparar até o nível da lesão periodontal secundária. Em mação de um abscesso periodontal. As fraturas radi-
geral, o reparo dos tecidos danificados pela supuração culares também se tornaram um grande problema em
da polpa pode ser previsível151. molares tratados por ressecção radicular103,148.
As lesões endodônticas primárias com envol-
vimento periodontal secundário também podem
ocorrer como resultado de uma perfuração radicular Doença periodontal primária com envolvimento
durante um tratamento de canal ou onde pinos in- endodôntico secundário
trarradiculares tenham sido mal colocados durante A progressão apical de uma bolsa periodontal
a restauração. Os sintomas podem ser agudos, com pode continuar até que os tecidos perirradiculares se-
a formação de abscesso periodontal associado à dor, jam envolvidos. Nesse caso, a polpa pode se tornar ne-
edema, exsudato purulento, formação de bolsa e mo- crosada como resultado de uma infecção que penetrou
bilidade dentária. Às vezes pode ocorrer uma respos- através dos canais laterais ou do forame apical (Fig.
ta crônica sem dor, envolvida com o aparecimento 25-20). Em dentes unirradiculares, o prognóstico geral-
súbito de uma bolsa com sangramento à sondagem mente é sombrio. Nos molares o prognóstico pode ser
ou exsudação de pus. melhor. Já que nem todas as raízes do molar podem so-
Quando a perfuração radicular está situada pró- frer a mesma perda dos tecidos de suporte, a ressecção
xima à crista alveolar, pode ser possível levantar um radicular pode ser considerada como um tratamento
retalho e reparar o defeito com um material obturador. alternativo.
Em perfurações mais profundas ou no teto da furca, o O efeito da periodontite progressiva sobre a vita-
tratamento imediato da perfuração tem um prognósti- lidade da polpa é controverso3,4,102. Se o suprimento de
co melhor do que o tratamento tardio de uma perfura- sangue circulante através do forame apical estiver in-
ção infectada. Foi demonstrado que o uso do agregado tacto, a polpa tem boas chances de sobrevivência. Tem
trióxido mineral (MTA) nesses casos pode melhorar o sido relatado que alterações pulpares em decorrência
reparo do cemento após o tratamento imediato da per- de doença periodontal são mais prováveis de ocorrer
furação142. quando o forame apical está envolvido102. Nesses ca-
As fraturas radiculares também podem se apre- sos, bactérias oriundas da bolsa periodontal são a fonte
sentar como lesões endodônticas primárias com envol- de infecção do canal radicular. Tem sido demonstrada
vimento periodontal secundário. Essas ocorrem tipica- uma forte correlação entre a presença de micro-orga-
mente em dentes com a raiz tratada geralmente com nismos no canal radicular e sua presença nas bolsas
pinos e coroas. Os sinais podem variar de um aumento das periodontites avançadas95,97. O suporte para esse
da profundidade local de uma bolsa periodontal à for- conceito veio de estudos nos quais as amostras de cul-
Inter-relação Endodontia e Periodontia 915
A B
Figura 25-20. Doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário em um pré-molar superior. A. Radiografia mostran-
do perda óssea em um terço da raiz e uma radiolucidez perirradicular separada. A coroa estava intacta, mas os testes de sensibilidade pulpar
foram negativos. B. Radiografia tirada imediatamente após a terapia do canal radicular mostrando cimento em um canal colateral que foi
exposto devido à perda óssea.
turas obtidas a partir do tecido pulpar e da dentina tecidos periodontais, entretanto, podem não respon-
radicular de dentes humanos envolvidos periodontal- der bem ao tratamento, o que depende da gravidade
mente mostraram crescimento bacteriano em 87% dos da doença combinada.
dentes3,4. O aspecto radiográfico da doença endodôntico-
O tratamento da doença periodontal também periodontal combinada pode ser semelhante ao do
pode levar ao envolvimento endodôntico secundário. dente fraturado verticalmente. Uma fratura que tenha
Os canais colaterais e os túbulos dentinários podem invadido o espaço pulpar, com necrose resultante, tam-
ser expostos à cavidade oral pela raspagem, cureta- bém pode ser classificada como uma lesão verdadeira
gem ou procedimentos de retalhos cirúrgicos. É pos- combinada e pode não ser receptiva a um tratamento
sível que um vaso sanguíneo no interior de um canal de sucesso. Se uma fístula estiver presente, pode ser
colateral possa ser danificado por uma cureta e que necessário levantar um retalho para determinar a etio-
micro-organismos sejam forçados para a área durante logia da lesão.
o tratamento, resultando assim em inflamação pulpar
e necrose.
A B
C D
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Capítulo 26
Síndrome do
Dente Rachado
Domenico Ricucci
A expressão síndrome do dente rachado (cracked tooth estudos, as restaurações de classe I e II (de modo parti-
syndrome) foi criada por Cameron, em 19642. Ele foi o pri- cular as cavidades MOD) aumentariam as possibilida-
meiro a destacar os sintomas do diagnóstico diferencial des de fratura12 (Fig. 26-1). Em particular, a perda e a
dessa entidade clínica. De fato, esses sintomas podem consequente restauração das cristas marginais aumen-
aparecer indiferenciados e pouco claros, necessitando tariam sua incidência7. Também a combinação de vá-
o conhecimento da elevada frequência dessa condição
clínica para chegar ao correto diagnóstico. A síndrome do
dente rachado pode ser definida como uma fratura incom-
pleta de um dente posterior vital que, ocasionalmente,
se estende à polpa. Esse quadro tem geralmente carac-
terísticas crônicas. Os estudos epidemiológicos revelam
que as fraturas dentárias constituem a terceira causa de
perda de dentes nos países industrializados depois da
cárie e da doença periodontal.
Fatores etiológicos
Na formação das rachaduras ou fraturas incom-
pletas, o papel principal é atribuído às forças oclusais.
Alguns atribuem ao efeito cunha na relação cúspide-
fossa. As fraturas começam na fossa, ao longo do sulco
de desenvolvimento central, se estendem ao longo da
crista marginal e progridem através da polpa ou em
direção apical ao longo da raiz6.
A presença de restaurações e de lesões cariosas
não tratadas é um fator predisponente (Figs. 26-1 e Figura 26-1. Paciente apresentando dor à mastigação. A restaura-
ção MOD preexistente em compósito foi removida para inspeção
26-2). Na verdade, a perda da integridade da estrutura do assoalho da cavidade em ambos os dentes. A manobra eviden-
coronária em razão desses fatores é o principal fator ciou uma linha de fratura atravessando todo o assoalho cavitário do
predisponente. De acordo com os resultados de alguns primeiro molar em sentido mesiodistal.
923
924 Capítulo 26 Síndrome do Dente Rachado
Classificação
As classificações propostas são múltiplas e em
muitos casos se sobrepõem. Reportamos a seguir a su-
gerida por Williams19:
Classe I – Fratura vertical incompleta de esmalte e
dentina sem envolvimento pulpar.
Classe II – Fratura coronária incompleta com en-
volvimento pulpar.
Classe III – Fratura vertical incompleta com en-
volvimento periodontal.
A Classe IV – Fratura promovendo separação com-
pleta dos fragmentos.
Sintomatologia
A sintomatologia que acompanha a fratura in-
completa dos tecidos dentais pode variar enormemen-
te. Varia de ausência total de sintomas, e nesses casos
a presença de uma trinca é descoberta ocasionalmente
quando é removida uma restauração pelos mais va-
riados motivos, aos casos nos quais a sintomatologia
é evidente. É importante ressaltar como a adoção de
sistemas de magnificação em Odontologia operatória
tem facilitado o diagnóstico precoce dos defeitos estru-
B
turais, assim como o reconhecimento das restaurações
com margens inadequadas.
Figura 26-2. Paciente de 75 anos com queixa de dor recorrente
na região superior esquerda. A. A radiografia revela um segundo Na presença de sintomas, o diagnóstico dessa con-
pré-molar com uma restauração oclusodistal em amálgama e uma dição pode ser às vezes muito difícil11,17. Normalmente
cavidade cariosa na mesial. O teste de sensibilidade dá resposta os pacientes relatam uma sensação de incômodo ou
exacerbada, e a resposta à percussão é positiva. B. Após anestesia, dor a partir de um dente, que se inicia com a mastiga-
isolamento e remoção da restauração e da cárie mesial, podemos
ção de alimentos sólidos e que desaparece com o cessar
ver uma linha de fratura a partir do centro do assoalho cavitário em
direção à região distal. da pressão. O paciente em geral é incapaz de indicar o
dente responsável e, às vezes, tanto pode não distinguir
completamente o quadrante envolvido, como indicar o
rios fatores, como restauração e interferências oclusais, lado, mas não a arcada. Comumente está relacionado
tem sido considerada como possível causa de trincas com uma história de numerosos tratamentos dentários
e fraturas12. Por muito tempo se pensou que a contra- com resultados insatisfatórios11.
ção de polimerização das resinas compostas pudesse Como já destacado, os dentes afetados pela sín-
ter um papel determinante nas microfraturas (microcra- drome podem apresentar restaurações de extensão va-
cks), mas os dados experimentais não parecem confir- riada. Com o crescimento da experiência sobre trincas
mar essa hipótese15. dentárias e a progressiva atenção na clínica cotidiana
Finalmente, devemos avaliar os fatores iatrogê- sobre esse problema, a síndrome do dente rachado vem
nicos. Trincas foram observadas em épocas passadas sendo diagnosticada com maior frequência14. Os den-
Síndrome do Dente Rachado 925
tes mais atingidos seriam, segundos alguns autores, os é difícil decidir se o elemento pode ser tratado ou se
molares e pré-molares superiores, seguidos dos mola- deve ser extraído. Qualquer decisão terapêutica deve
res inferiores4. Segundo outros autores14, a síndrome ser tomada com o acordo e consentimento do paciente.
se observa mais frequentemente nos molares infe- O ideal seria remarcar o paciente para uma consulta de
riores com extensas restaurações e em pacientes com diagnóstico meticulosa e para fornecer uma adequada
mais de 50 anos de idade. Em um estudo conduzido informação para melhorar o relacionamento dentista-
por 1 ano, Ron e Lee14 analisaram todos os dentes com paciente, diminuindo os riscos de um problema legal
diagnóstico de fratura, avaliando o tipo de cavidade no futuro.
e restaurações presentes, as características dos dentes Em outros casos a intervenção exploratória eli-
antagonistas, a posição na arcada, a idade e o sexo, bem mina qualquer dúvida sobre a possibilidade de trata-
como os sinais e sintomas clínicos resultantes dos trata- mento do elemento dentário. Se a eliminação do teto da
mentos realizados. As fraturas foram encontradas com câmara pulpar após a confecção do acesso revelar uma
maior frequência nos dentes sem restauração (60,4%) e linha de fratura que atravessa por inteiro o assoalho da
com restaurações de classe I (29,2%). A fase etária mais câmara pulpar no sentido vestibulolingual, a extração
atingida foi a dos 40 anos, com frequência similar en- pode ser a única solução viável.
tre os dois sexos. Os mais atingidos foram os molares Um aspecto importante a ser considerado é que,
superiores (33,8% o primeiro molar e 23,4% o segundo) nas situações crônicas, há a possibilidade de desenvol-
em relação aos molares inferiores (20,1% o primeiro e vimento de processo carioso na dentina adjacente à
16,2% o segundo). No geral, 96,1% respondiam ao teste linha de fratura. Isso não é incomum, visto que essa li-
“de mordida”, e 81,1% das fraturas estavam orienta- nha é usualmente colonizada por bactérias. Se cárie for
das em relação mesiodistal. Os autores concluíram que observada em volta da fratura, todo o tecido amolecido
quando se examina um molar superior hígido, que é deverá ser eliminado, e o término apical do defeito, lo-
sensível a alterações térmicas e ao teste de mordida, calizado. Em casos avançados, quando a degeneração
deve ser considerada como possível causa uma fratura pulpar já está instalada, os sintomas podem ser mais
mesiodistal. precisos. Infelizmente, muitas das vezes quando o pa-
É importante ressaltar que, em algumas situações ciente é capaz de distinguir o dente responsável, a fra-
clínicas particulares, para realizar um diagnóstico pre- tura já atingiu a inserção periodontal, e o prognóstico
ciso devemos realizar procedimentos invasivos. É o passa a ser desfavorável.
caso dos dentes com restaurações que geram uma sin-
tomatologia difusa e para os quais não é possível rea-
Aspectos microbiológicos e
lizar um diagnóstico preciso com a inspeção e imagem
radiográfica. A presença de restaurações coronárias im-
patológicos das fraturas
pede a visão do tecido cariado subjacente ou uma fra- Todas as falhas de continuidade do esmalte e den-
tura atingindo o assoalho da cavidade13. Portanto, está tina subjacente constituem uma ameaça à integridade
justificado proceder à completa remoção do material da polpa e favorecem a entrada e colonização de bacté-
restaurador presente e de um eventual tecido cariado rias orais. Em dentes onde linhas de fratura do esmal-
para exibir o tecido dentário remanescente (Figs. 26-1 e te são apenas visíveis sob magnificação, a dissolução
26-2). A exploração do assoalho da cavidade represen- química do esmalte revela uma quantidade enorme de
ta um estágio fundamental com a finalidade de decidir material orgânico superior ao que poderia ser detecta-
se a polpa pode ser conservada sob uma restauração do pela simples observação clínica. Na literatura apare-
que proteja as cúspides. cem poucos estudos sobre os aspectos microbiológicos
A exploração do assoalho cavitário após a remo- nas fraturas. Cúspides fraturadas de dentes com trin-
ção dos materiais restauradores e tecido cariado permi- cas têm sido examinadas ao MEV (microscópio eletrô-
te evidenciar linhas de fraturas responsáveis pela sin- nico de varredura). Têm sido observadas bactérias com
tomatologia pulpar. Mas somente depois da remoção diversas morfologias: cocos, bacilos e formas filamen-
do teto da câmara é possível compreender como é in- tosas, muitas delas em franca proliferação8.
certo o prognóstico devido à extensão em sentido api- Parece evidente que a gravidade da resposta
cal da linha de fratura ao longo do perfil distal. Mesmo pulpar varia segundo a extensão da trinca da denti-
que um envolvimento periodontal não seja detectável, na em direção pulpar. Embora inicialmente a fratura
é fácil prever que um defeito periodontal poderá ins- não envolva toda a espessura dentinária, sem alcançar
talar-se ao longo da extensão apical da fratura. Assim, a câmara pulpar por via direta, a polpa é comumente
926 Capítulo 26 Síndrome do Dente Rachado
exposta através dos túbulos dentinários adjacentes à e dos riscos relacionados a tratamentos complexos
linha de fratura. Esses são imediatamente colonizados de êxito não previsível.
permitindo que produtos bacterianos penetrem preco-
cemente no tecido pulpar e iniciem uma reação infla-
matória inicial.
Tratamento
Quando uma fratura em estado avançado envolve Quando o diagnóstico da síndrome do dente rachado
por completo a dentina e se estabelece uma comunica- é confirmado antes que se tenha um comprometimento
ção direta entre o ambiente oral e a polpa, essa última pulpar irreversível, o clínico pode optar pela manuten-
será invariavelmente afetada de forma irreversível. A ção da vitalidade pulpar. O objetivo do tratamento res-
Figura 26-3 ilustra os eventos histológicos e histobacte- taurador é minimizar a flexão das cúspides comprome-
riológicos que se observam quando a polpa é atingida tidas para prevenir a propagação da fratura9. Portanto,
por uma linha de fratura. O caso se refere ao segundo a primeira intervenção indicada é desgastar o dente
molar inferior de uma paciente de 61 anos, portado- para retirá-lo de oclusão. Então, remove-se a restaura-
ra de uma acentuada sintomatologia dolorosa espon- ção presente para visualizar o piso da cavidade e, caso
tânea. O dente estava isento de cárie, mas com sinais seja feita a opção de manter a polpa vital, a cavidade
evidentes de envolvimento periodontal (Fig. 26-3A). A deve ser restaurada com cimento de óxido de zinco
inspeção clínica revela uma linha de fratura entendida e eugenol. A seguir, as duas partes são imobilizadas
a toda superfície oclusal. A paciente rejeitou qualquer com uma banda ou um anel ortodôntico. Promove-se
tipo de tratamento conservador e o dente foi extraído então um acompanhamento atento da sintomatologia
(Fig. 26-3B). O exame histológico sucessivo evidenciou do dente. Uma alternativa é preparar o dente e colocar
que a fratura atingiu a câmara pulpar (Fig. 26-3C, D, uma coroa acrílica devidamente adaptada e polida5,10.
E). Bactérias são evidentes em toda a profundidade da Se após o período de 1 a 2 semanas não existirem sinto-
fratura, e o tecido pulpar apresenta inflamação grave mas, pode ser programada uma restauração coronária
com áreas de abscesso (Fig. 26-3F, G, H). total19. Como alternativa à agressiva remoção de estru-
As sugestões seguintes nos parecem idôneas para tura dentária para uma coroa total, os recentes avanços
ajudar o clínico a realizar escolhas prudentes e ponde- da tecnologia adesiva e materiais compósitos permi-
radas: tem preparos coronários parciais e restaurações com
incrustações em cerâmica e compósito1.
1. Nos casos onde os sintomas clínicos parecem indi- A escolha entre uma restauração coronária to-
car um envolvimento reversível da polpa e o clí- tal ou parcial depende de uma série de fatores, entre
nico opta pela manutenção da vitalidade pulpar, os quais a quantidade de tecido residual e a extensão
o paciente deve ser informado de que a extensão gengival do traço de fratura. Nos casos onde a polpa
real da linha de fratura em direção à polpa não é parece comprometida irreversivelmente é indicado o
previsível somente com parâmetros clínicos e que tratamento endodôntico. A pulpectomia deve ser ne-
a progressão de uma linha de fratura é dinâmica. cessariamente seguida de uma restauração coronária
Portanto, a remoção da polpa pode se tornar ne- que proteja as cúspides (onlay ou coroas totais). Um
cessária em qualquer momento após o tratamento exemplo de reconstrução com coroa total após a pul-
conservador. pectomia é mostrado na Fig. 26-4.
2. Mesmo procedendo à remoção da polpa, um envol- É desaconselhável proceder a uma restauração
vimento eventual do assoalho da câmara e das áreas direta após a pulpectomia, deixando as cúspides resi-
de furca não é sempre diagnosticado. Analogamen- duais sem proteção. O efeito de cunha continuará, fa-
te, não é possível quantificar a eventual extensão da vorecendo a propagação da linha vertical de fratura,
fratura ao longo da superfície externa da raiz em estimulando cedo ou tarde a formação de uma fratura
direção apical. Então, a partir de certo momento, o vertical total. O insucesso de uma escolha restaurado-
problema deixa de ser uma área de interesse apenas ra imprópria é ilustrado na Fig. 26-5, onde o paciente
endodôntico, passando a ser também de interesse não aceitou uma restauração total, optando por uma
periodontal. O prognóstico da unidade dente-res- restauração direta de compósito para uma extensa des-
tauração está estritamente ligado à propagação api- truição coronária e uma fratura foi identificada após
cal da fratura e à instauração de uma franca linha apenas 2 anos (Fig. 26-5F).
de fratura vertical. O paciente deve ser informado e Qualquer que seja o tipo de restauração, todos os
conscientizado dessas possíveis evoluções negativas casos com trincas devem ser periodicamente controla-
Síndrome do Dente Rachado 927
A B C
D E F
G H
Figura 26-3. Paciente de 61 anos se apresenta para tratamento de emergência com queixa de forte dor na área de molares direitos. A co-
roa do segundo molar não apresenta cárie à inspeção, mas é visível uma fratura no esmalte ao longo do sulco central por toda a superfície
oclusal. A. Radiografia revela comprometimento periodontal avançado e calcificações ocupando quase totalmente o volume da câmara
pulpar. A paciente rejeitou qualquer tratamento conservador e optou pela extração do elemento. B. Uma fotografia da face distal após a
extração mostra o comprometimento da crista marginal distal. O dente foi processado para análise histológica (C) e histobacteriológica (D).
Decidiu-se pela realização de secções seriadas com plano transversal. Podemos notar a fratura presente em todas as secções e também a
massa calcificada que ocupa grande parte da câmara pulpar (HE e Brown & Brenn modificado, aumento original de 10×). E. Metade distal de
um corte passando apicalmente pela junção esmalte-cemento. Visão que mostra a linha de fratura conectando a superfície externa da raiz
com a câmara pulpar. Área vazia no alto da câmara pulpar é um abscesso (Brown & Brenn modificado, aumento original 25×). F. Área na qual
a fratura penetra no tecido pulpar. Destruição do tecido e grave inflamação (Brown & Brenn modificado, 400×). G. Porção mesial. A linha de
fratura aparece menos marcada (Brown & Brenn modificado, 25×). H. Maior aumento da área pulpar adjacente à fratura em G. Bactérias sendo
fagocitadas por leucócitos atraídos para a região (Brown & Brenn modificado, 1.000×).
928 Capítulo 26 Síndrome do Dente Rachado
A B
C D
A B
C D
dos clínica e radiograficamente de maneira criteriosa. O 7. Homewood CI. Cracked tooth syndrome – incidence, clinical
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Causas de Dor Capítulo 27
Persistente
Pós-tratamento
Endodôntico
José Freitas Siqueira Jr.
Leonardo M. Veiga
Isabela das Neves Rôças
Hélio Pereira Lopes
931
932 Capítulo 27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico
aquém ou no limite do ápice estão muitas das vezes tado, para induzir ou manter um quadro sintomáti-
sobreobturados. Situações onde acidentes anatômi- co. Alterações na angulação horizontal da radiogra-
cos se sobrepõem ao ápice radicular podem impedir fia bem como a utilização de tomografia computa-
apropriada visualização do término ou qualidade da dorizada cone-beam ajudam a identificar tais canais
obturação endodôntica. Alteração na angulação ver- (Figs. 27-7 e 27-8).
tical da radiografia periapical e, principalmente, o • Fratura vertical/oblíqua ou fissuras radiculares: fraturas
emprego de tomografia computadorizada cone-beam radiculares podem levar à dor persistente pós-trata-
podem revelar tal sobreobturação (Figs. 27-2 a 27-4). mento (Fig. 27-9). Em determinadas circunstâncias,
A sobreobturação pode causar dor crônica devido podem não ser facilmente visualizadas na radiogra-
à irritação inicial causada pela compressão mecâni- fia, principalmente quando não há significante se-
ca do ligamento periodontal e pelo efeito químico paração dos fragmentos ou quando há sobreposição
de substâncias irritantes liberadas da massa do ma- de outras estruturas. Fissuras radiculares são ainda
terial. No entanto, a dor a longo prazo associada à mais difíceis de ser visualizadas. Fraturas e fissuras
sobreobturação tem usualmente a sobreposição de representam mais uma situação em que a tomogra-
fatores microbianos5. fia computadorizada cone-beam pode ser de grande
• Perfuração radicular: da mesma forma que a sobreo- valor no diagnóstico (Figs. 27-10 a 27-13). A dor
bturação, dependendo da localização, perfurações pode estar relacionada com a movimentação dos
podem não ser visualizadas em razão da incidên- fragmentos, mas é usualmente agravada pela con-
cia da radiografia (Figs. 27-5 e 27-6). Perfurações comitante infecção por bactérias do canal, do sulco
causam dor persistente quando associadas a uma ou da saliva, dependendo da extensão da fratura/
infecção persistente/secundária e/ou a uma sobre- fissura e das condições patológicas do canal.
obturação. • Dente errado: em algumas situações, o paciente se
• Canal não tratado: canais extras podem conter sufi- engana e relata dor em um dente que foi recente-
ciente tecido pulpar, inflamado ou necrosado-infec- mente tratado endodonticamente, mas na verdade
Figura 27-4. Sobreobturação não visível na radiografia periapical, mas evidente na imagem de reconstrução 3D por tomografia computa-
dorizada cone-beam (seta).
934 Capítulo 27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico
Figura 27-5. Perfuração radicular na face vestibular da raiz. Visualização no corte transaxial e na reconstrução 3D por tomografia computa-
dorizada cone-beam.
Figura 27-6. Perfuração radicular na face vestibular do dente 13 associada a extravasamento de cimento para tecidos moles. Diagnóstico e
determinação da superfície perfurada por meio de tomografia computadorizada cone-beam em cortes transaxiais.
Figura 27-7. Lesão perirradicular associada ao dente 32 com dois canais que aparentemente se fusionam na porção apical da raiz – notar
que um dos canais e a região apical comum não foram tratados. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes pano-
râmico e transaxial.
Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico 935
Figura 27-9. Fratura radicular vertical/oblíqua. Radiografias periapicais e eletromicrografia de varredura de um dente extraído.
Figura 27-10. Fratura radicular e lesão de furca (setas) sugeridas por radiografia periapical e confirmadas nos cortes transaxiais por tomogra-
fia computadorizada cone-beam.
936 Capítulo 27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico
Figura 27-11. Fratura radicular e lesão radicular lateral associada (setas) em molar superior previamente submetido à cirurgia perirradicular.
Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes sagital-oblíquo e axial.
Figura 27-12. Fratura radicular na raiz distal do dente 36 previamente submetido à hemissecção radicular. Diagnóstico por tomografia com-
putadorizada cone-beam em corte coronal.
Figura 27-13. Pré-molar superior tratado endodonticamente. A primeira radiografia de prosservação evidencia redução do tamanho da
lesão, o qual se estabilizou como mostrado na segunda radiografia pós-preparo para pino. Esse dente passou a exibir uma fístula por vesti-
bular e foi extraído. Análise por tomografia cone-beam pós-extração revela fratura radicular associada a paredes radiculares demasiadamente
delgadas em decorrência do preparo para pino.
Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico 937