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Nochlin, Linda (1971). “Why Are There No Great Women Artists?”.

In Gornick,
Vivian; Moran, Barbara (eds.). Woman in Sexist Society: Studies in Power and
Powerlessness. New York: Basic Books.

O texto de Linda Nochlin traz, já em seu título, uma proposta provocativa e até
certo ponto polêmica, ao propor uma reavaliação da trajetória das mulheres artistas
evidenciando as barreiras impostas pela sociedade machista dos séculos passados. Ela
critica as respostas que muitas feministas deram à provocação em torno da ausência de
grandes artistas mulheres quando foram em busca de exemplos do passado que servem
para contrapor essa tese. Essa tentativa de “desenterrar” e “reabilitar” essas grandes
mulheres para reafirmar a sua importância apenas ajudou a reforçar que eram menos
importantes que os seus contemporâneos do sexo masculino. Apesar de considerar
importante os esforços em trazer para o primeiro plano estas artistas, ela destaca que
estas mesmas pesquisadoras não questionaram a própria natureza da pergunta utilizada
como título do artigo e várias vezes repetidas pela autora ao longo do texto. O não
questionamento desta pergunta ajudou a reforçar as suas implicações negativas em torno
dessa ausência.

Ela critica também a forma com que algumas feministas contemporâneas


buscaram justificar essa ausência, em uma tentativa de afirmar que havia um tipo
diferente de grandeza na arte das mulheres diferente da dos homens, como um tipo de
“estilo feminino distinto e reconhecível”, o que justificaria não uma qualidade inferior
de seus trabalhos, mas sim, uma qualidade peculiar ao fazer feminino, consequência da
situação e da experiência das próprias mulheres em diferentes contextos históricos.
Neste sentido, as mulheres artistas seriam mais “introspectivas, mais delicadas e
matizadas no tratamento de seu meio”. Contrapondo estas justificativas, Nochlin cita
casos de artistas homens que bem se enquadram nestas mesmas situações, o que
invalidaria, de certa forma, este ponto de vista. Cita ainda casos que evidenciam o
trabalho de mulheres que em nada se aproximam da idealização de delicadeza ou
fragilidade percebida por feministas. Trabalhos fortes que em muito se distanciam de
um suposto “estilo feminino”. Nem mesmo a escolha de certos temas pode ser um
aspecto que indicaria um “estilo essencialmente feminino”.
A autor destaca também que as análises muitas vezes versam sobre ideias em
torno da perspectiva emocional dos artistas e sua influência sobre os seus trabalhos, o
que justificaria a peculiaridade da arte feminina, frágil e delicada. Segundo Nochlin, a
linguagem artística é definida a partir do aprendizado e elaboração de técnicas que não
dependem desse ideal de feminilidade e masculinidade. É o resultado da
experimentação, dos usos dos diferentes materiais para compor uma obra, do fazer
artístico sobre aquilo que ele escolheu para representar. O fazer artístico “não é uma
história triste nem um sussurro confidencial”.
Nochlin afirma categoricamente que não houve artistas femininas equivalentes
aos grandes artistas masculinos. O que a autora reivindica como problema a ser
discutido não é a busca por artistas “ocultas” que poderiam dar uma resposta diferente à
pergunta título do artigo. O que ela evidencia é que a ausência de grandes artistas
femininas é o resultado dos obstáculos seculares impostos às mulheres que se dedicaram
a arte em diferentes contextos históricos. Contrapondo a ideia muitas vezes defendidas
por críticos e outros setores da sociedade machista, a culpa estaria, na verdade, nas
instituições e na educação negada à essas mulheres. A culpa não estaria na biologia
feminina e suas alterações hormonais, seus ciclos menstruais e outras justificativas tão
comuns até hoje. Logo, ela propõe a desnaturalização dessa ausência como
consequência das peculiaridades femininas, evidenciando que todas as estruturas de da
sociedade foram montadas para dificultar o acesso dessas mulheres a espaços de
conhecimento, trocas de experiência, exposição de seus trabalhos.
Nochlin questiona também as biografias de grandes artistas homens que
evidenciam os seus talentos natos, que acabam dando um ar de milagre às desenvolturas
dos artistas. A autora defende a ideia da importância da formação, da educação muitas
vezes recusadas às meninas e mulheres: “E se Picasso tivesse nascido menina? Teria o
senhor Ruiz prestado tanta atenção ou estimulado tanta ambição de realização na
pequena Pablita?”, nos diz a autora. Nochlin recusa essa conceção “semi-religiosa” em
torno de artistas consagrados pela história da arte. Para ela, a arte não pode ser
entendida como resultado de atividades autônomas de sujeitos superdotados. Eles são o
resultado de anos de experimentação, estudo, participação em instituições de arte,
ensinamentos aprendidos com mestres e colegas de profissão.
A autora dedica um bom tempo sobre a importância do “nu” na formação do
artista, evidenciando, por questões morais, mais um espaço recusado às mulheres. Ela
compara essa recusa ao estudante de medicina que não poderia ter acesso ao corpo
humano. Oportunidades que, quando negadas, trariam graves prejuízos a ambos os
estudantes. Ela considera essa negativa, no caso das artistas, como um claro exemplo de
discriminação institucionalizada contra as mulheres, um dos exemplos que demonstram
como foi difícil elas competirem de forma igualitária com os seus pares masculinos.
O “nu” seria apenas um exemplo dentro de um universo bem maior, de
discriminação no processo de aprendizagem, no padrão de formação acadêmica e acesso
a concursos e espaços institucionais de divulgação de arte. Segundo Nochlin, “privadas
de incentivos, facilidades educacionais e recompensas, é quase inacreditável que uma
certa mulher tenha perseverado e buscado uma profissão nas artes”.

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