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CONTEMPORANEIDADE
INTRODUÇÃO
A ideia do curso é tentar pensar numa História da Arte Feminista, saindo do parâmetro tradicional da
arte produzida por homens cis brancos, dotados de genialidade e criatividade inatas. Deseja-se
mostrar as limitações impostas às mulheres numa sociedade sempre patriarcal e sexista. Em relação
à vida das mulheres artistas, temos acesso a poucos dados, e as biografias existentes foram escritas
majoritariamente por homens, sendo logo de saída não muito confiáveis, para o bem ou para o mal
– várias são escritas por seus maridos ou pais, e trazem portanto uma visão parcial da sua vida e
obra. Camille Claudel, por exemplo, é sempre referida como “a louca” ou a “amante de Rodin”,
deixando de lado detalhes preciosos sobre sua obra.
Examinando o trabalho “Queridas Velhas”, de María Gimeno – performance executada com o livro-
texto de E.Gombrich. O livro é colocado sobre uma tábua de carne (associação com o corpo feminino
exposto na maior parte das obras) e cortado com uma faca. Posteriormente, a artista introduz
páginas com a mesma diagramação, contendo o trabalho de mulheres como Plautilla Nelli e Judith
Leyster, numa tentativa de recolocá-las no local onde deveriam estar. As artistas mulheres foram
excluídas da História da Arte e nem mesmo percebemos isto...
Judy Chicago (1939 - ): artista feminista norteamericana, uma das criadoras do Women’s Building e
do programa de arte feminista da CAL Arts, bem como líder da elaboração de uma nova História da
Arte. Ela percebe a dificuldade de se desenvolver como mulher neste meio, dada a invisibilidade
conferida a elas. Indagações como “de onde vieram as mulheres artistas”, “a que classe social
pertenciam”, “como se tornaram artistas” começam a permear o seu pensamento.
A obra mais emblemática de Judy Chicago chama-se “Dinner Party”,
atualmente em exposição no Brooklyn Museum. É um grande banquete, que reúne 39 grandes
mulheres da História (não só da Arte), desde a pré-História até o século XIX. No chão do grande
triângulo, estão inscritos os nomes de 999 outras mulheres – a ideia é de um grande encontro entre
elas, numa mesa triangular (relacionada à vulva), com pratos decorados em que explora a
visualidade feminina também (um dos símbolos muito utilizados por ela é a borboleta, também
relacionada ao feminino). A forma triangular as coloca todas em pé de igualdade, uma vez que não
há cabeceira ou outras posições de destaque a serem ocupadas. Cada lugar à mesa é preparado com
uma toalha, onde se encontra bordado o nome da “convidada” (o bordado é uma técnica
tradicionalmente feminina, e as toalhas são feitas a partir de um processo colaborativo, onde são
convidadas mulheres de várias profissões diferentes). A escrita é uma constante na obra de Judy, e
aqui os nomes são propositadamente muito legíveis, para facilitar a compreensão por todos os
espectadores. A ideia de reunião entre
mulheres sempre foi muito popular, em todos os tempos históricos, promovendo desde mexericos à
divisão do trabalho, passando pela produção intelectual.
Destaques:
Linda Nochlin e seu artigo com título provocador (“Porque Não Houve Grandes Mulheres Artistas?”):
a ideia de grandeza para a autora se associa a genialidade, atributo unicamente associado aos
homens durante muito tempo. É necessário atentar para a diferença entre fama e grandeza – a
primeira se refere a uma situação temporária, como foi famosa Sofonisba Anguissola, contratada
pelo rei da Espanha e que foi esquecida após a sua morte. Para os homens, segundo Linda, a
situação é totalmente diversa: além da fama em vida tiveram a grandeza na morte, tornando-se
lendas após ela, com atributo de gênios, legitimados pela História da Arte. Porque as mulheres não
mantiveram a sua visibilidade como os homens, após a morte?
Michele Wallace destaca o efeito construtivo do texto de Nochlin, apesar da suposta negação da
grandeza às mulheres no título. O núcleo do texto seria o destaque à necessidade das mulheres
ocuparem os espaços institucionais da arte. Para tal, Nochlin se dedica a promover exposições,
baseada na ideia de que não basta às mulheres produzir arte; essa arte teria de ter visibilidade aos
olhos do mundo em geral. Um efeito extremamente positivo foi os museus tirarem as obras de
mulheres artistas de suas reservas técnicas e trazerem-nas para o espaço expositivo permanente ou
temporário.
Nochlin contradiz a noção clássica de que haveria um estilo feminino, característico e facilmente
reconhecível, a não ser pela diferenciação das experiências de vida de homens e mulheres – espaços
marcantes de masculinidade e de feminilidade se refletem na produção, mas não como um estilo.
Lucy Lippard, inclusive, destaca que até a década de 1970, inclusive, não se tem notícia de grupos de
mulheres reunidas com o intuito de criar um novo movimento ou estilo. Mesmo as mulheres da
Bauhaus, que tiveram bastante força, não se propunham a formar um grupo apartado dos homens.
Ela diz ainda que as mulheres artistas tinham dois tipos de arte: uma “oficial”, que apresentavam aos
outros e outra “de armário”, onde se dedicavam a temas e técnicas que não seriam aceitas pelo
público em geral. Esta segunda, logicamente, seria mais íntima e potente.
Sobre o estilo feminino facilmente reconhecível, propõe-se um jogo – tentar identificar em pares de
imagens, apenas pelo que está representado e pelo modo com que é feito, se a autoria seria de um
homem ou de uma mulher. Fragonard X Elizabeth Vigée-Le Brun; Rosa Bonheur X Edwin Landseer;
Mary Cassat X Renoir; Monet X Berthe Morissot.
A conclusão mais importante de Linda Nochlin é a de que muitas vezes a genialidade é colocada
como algo inato, como se não houvesse algo a mais por trás do gênio – apoio econômico e social,
estudo, tempo para dedicar-se à atividade, etc. Nesse contexto, a mulher poderia até ter o interesse
em tornar-se uma artista profissional, mas não tinha o suporte necessário para tal. A arte feita de
maneira amadora era até encorajada como qualidade desejável para a esposa, já a sua adoção como
atividade principal era profundamente mal vista. Além disto, quando as mulheres se dedicavam
profissionalmente à arte, eram obrigadas a também cuidar das tarefas cotidianas (casa, filhos), o que
limitava grandemente a sua produção.
Necessário também destacar que a maior parte dessas mulheres só adentrava o mercado de
trabalho na arte quando havia um apoio ou um contato para a sua inserção (pai/ marido artista).
Ainda assim, muitas vezes eram relegadas a pintar pequenas partes das obras dos homens, ou ainda
a não receberem o crédito pela autoria do seu trabalho.
A classe social também era determinante. A maioria dos artistas vinha da burguesia, às classes
nobres era praticamente impensável aceitar um filho dedicado a essa atividade, que se dirá uma
filha... Ou será que à aristocracia faltaria o gênio que também é negado às mulheres?
Conclusão: o grande problema está, na verdade, nas estruturas sociais, são elas que impedem uma
mulher de almejar fama enquanto artista, de se tornar profissional. Se as mulheres, indo aos
museus, não conseguem se identificar nas artistas expostas, como poderão pensar em dedicar-se a
essa atividade?