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Penso com frequência e profundamente sobre mulheres e trabalho, sobre o que significa ter o
luxo do tempo – tempo para organizar os pensamentos, tempo para trabalhar sem
perturbações. Esse tempo é para contemplação e devaneio. Ele aumenta nossa capacidade
criativa. Trabalho, para artistas mulheres, nunca é o momento em que escrevemos ou nos
dedicamos a outras artes, como pintura, fotografia, colagem ou técnica mista. No sentido mais
amplo, é o tempo que se passa contemplando e se preparando. Ainda temos de criar uma
cultura tão completamente transformada pela prática feminista que seria senso comum que o
cultivo do brilhantismo ou a criação de um corpo sustentável e trabalho exigem tais horas sem
perturbação.
A maior parte das artistas mulheres se sentem sobrecarregadas. Trabalhamos para ganhar
dinheiro, para cuidar de nós mesmas e de nossa família não patriarcal. Passamos um tempo
excessivo fazendo o trabalho político (tanto teórico como prático) para sustentar as mudanças
trazidas pelo movimento feminista. E passamos muito tempo tentando descobrir como usar o
nosso tempo com sabedoria. Muitas de nós ainda lutam com o medo subjacente de que, nos
preocupando demais com arte, ficaremos sozinhas, sem companhia. E algumas de nós, que têm
um companheiro e filhos, querem garantir que, quando chegarem em casa, não haja sinais do
nosso eu artístico presente. Apesar do pensamento e da prática feminista, as mulheres
continuam a se sentir divididas quanto à alocação de tempo, energia, compromisso e paixão. E
embora importante, em geral não é tranquilizador que algumas de nós consigam incluir tudo na
agenda.
Examinando as condições que levaram homens à grandeza, descobri que as pessoas envolvidas
nas vidas deles não só aceitavam como também esperavam que precisassem de espaço e tempo
reservado para que o trabalho diário florescesse. Esse acesso à liberdade de tempo é um
privilégio de alguns que é uma necessidade de todos. A maior parte das artistas mulheres
também são trabalhadoras assalariadas em áreas que não estão diretamente relacionadas à sua
arte. É necessário criar um contexto público para a discussão, o debate, a teorização e a
institucionalização de estratégias e práticas que continuem a investigar criticamente a
criatividade feminina e a produção artística de um ponto de vista feminista.
Como muitas mulheres que já se dedicaram apaixonadamente à prática artística, noto que a
devoção é vista pelos outros como “suspeita”, como se o fato de (produzir) tanto significasse
que são seres monstruosos, que escondem alguma insatisfação terrível com a vida, com o
contato humano. O machismo gera essa resposta quando se trata de mulheres que se dedicam
apaixonadamente ao seu trabalho.
Nós, artistas mulheres, precisamos fazer escolhas se queremos mais tempo para contemplar
mais tempo para trabalhar. Não podemos esperar pelas circunstâncias ideais para encontrar
tempo e só então fazer o trabalho que é a nossa vocação, temos de criar na oposição, trabalhar
contra o fluxo. Precisamos conquistar uma conscientização feminista maior sobre a importância
das mulheres ratificarem umas às outras em nossos esforços para construir espaços em que não
somos interrompidas ou perturbadas, e onde possamos contemplar e trabalhar com paixão e
entrega.
Grupos de autoconsciência e reuniões privadas ou públicas precisam voltar a ser um aspecto
central da prática feminista, espaços onde explorar intima e profundamente todos os aspectos
da experiência feminina, incluindo nosso relacionamento com a produção artística. Eles devem
ser um espaço onde se crie um contexto cultural em que a solidariedade significativa entre
artistas mulheres possa ser fortalecida.
Muitas pessoas assumem que o feminismo já mudou o contexto social em que as mulheres
produzem o seu trabalho. Elas confundem um maior espaço no mercado coma formação de um
espaço libertador em que as mulheres podem criar arte significativa, convincente e “grandiosa”.
Precisamos ter cuidado com a sedução da possibilidade superficial e rara de receber
reconhecimento e consideração imediatos que possam nos render atenção de um modo que
continue a nos marginalizar e separar. Conforme lutamos para entrar no mainstream do mundo
da arte, precisamos nos sentir empoderadas para proteger a representação da mulher como
artista para que ela nunca mais seja desvalorizada. ²
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Em 1981, a South End Press publicou o seu primeiro trabalho principal, "E Eu Não Sou Uma
Mulher? Mulheres Negras e Feminismo", escrito anos antes quando era uma estudante
universitária. Após à publicação bell hooks ganhou um reconhecimento generalizado pela
contribuição para o pensamento feminista.
2 – O que a autora parece propor é a busca de meios para que a fama transitória da artista se
transforme em grandeza permanente, no mesmo patamar da que se confere aos homens – para
que deixem de ser consideradas “mulheres de bom gosto” em contraposição a “homens de gênio”,
como posto por Tamar Garb.