Você está na página 1de 277

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Letícia Cordeiro Simões

Integração regional no leste asiático:


ASEAN, ASEAN+3 e a disputa pela liderança regional

Rio de Janeiro
2012
 
 

Letícia Cordeiro Simões

Integração regional no leste asiático:


ASEAN, ASEAN+3 e a disputa pela liderança regional

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Política
Internacional.

Orientador: Prof. Dr. Alexis Toribio Dantas

Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

S593i Simões, Letícia Cordeiro.


Integração regional no leste asiático: ASEAN, ASEAN + 3
e a disputa pela liderança regional/ Letícia Cordeiro Simões. –
2012.
275 f.

Orientador: Alexis Toríbio Dantas.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
. Bibliografia.

1. China – Relações exteriores – Japão - Teses. 2. Japão –


Relações exteriores – China - Teses. I. Dantas, Alexis Toríbio.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 327

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que
citada a fonte.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
 
 

Letícia Cordeiro Simões

Integração regional no leste asiático:


ASEAN, ASEAN+3 e a disputa pela liderança regional

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Política Internacional.

Aprovada em: 30 de março de 2012.

Banca examinadora:

____________________________________________
Prof. Dr. Alexis Toribio Dantas (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas - UERJ

____________________________________________
Profª. Dra. Lia Cecília Baker Fonseca Valls Pereira
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas - UERJ

____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Pedone
Universidade Federal Fluminense - UFF

Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA

Para Célia Simões, Yara Guimarães, Mário Afonso Lima e Wellington Amorim.

Nada seria possível sem vocês.

Obrigada.
AGRADECIMENTOS

Dizem que as maiores batalhas da vida são travadas quando estamos a sós.
Cabe dizer, porém, que quando construímos algo, ou quando atingimos uma meta
que levamos tanto tempo para atingir, nunca o fazemos sozinhos. A conquista de se
formar em um mestrado está longe de ser individual, pelo contrário, há muito e
muitos a agradecer. Dedico este espaço a todos que participaram deste processo,
direta ou indiretamente, das mais diversas formas, com todo tipo de apoio.
Aos meus pais, Célia Cordeiro Simões e Sylvio Florenciano Simões (in
memorian) pela base de tudo que sou hoje. Obrigada por me ensinarem a ser uma
pessoa correta, a dar valor aos estudos, a acreditar em mim mesma, e a seguir
sempre em frente mesmo quando alguns obstáculos surgissem no caminho.
Obrigada pelo seu amor incondicional e por me ensinarem os melhores valores de
um ser humano através do exemplo que sempre foram para mim. A minha mãe
Célia, um obrigado especial por me incentivar em todos os momentos, por se
orgulhar de mim, e por me permitir continuar me dedicando exclusivamente aos
estudos sem nenhuma cobrança, apenas por confiar no meu comprometimento e
potencial.
Aos meus avós, Yara Guimarães Cordeiro e Jorge Ferreira Ribeiro (in
memorian) que sempre me incentivaram nos estudos e também são exemplos de
caráter. A minha avó Yara, obrigada por ser meu exemplo de força e por me fazer
acreditar nos meus sonhos. Ao meu avô Jorge, obrigada pela inspiração, por criar
em mim o gosto pela leitura, pela história, pela geografia, pela política, pelas línguas,
pelo senso crítico, ou seja, tudo que está hoje ligado à profissão que eu escolhi.
Ao meu namorado, amigo, companheiro, crítico, psicólogo, leitor fiel, colega
de mestrado, e incentivador Mário Afonso Massière y Correa de Moraes Lima. Me
faltam palavras quando venho agradecer por tudo que você fez e continua fazendo
por mim. Obrigada pela paciência, pela gentileza, pelo carinho, pela amizade, pelas
noites mal dormidas, pelas palavras de incentivo, por estar sempre do meu lado, por
querer o melhor pra mim, pelas broncas merecidas, pela doçura, pelos agrados
quando muitas vezes eu nem merecia, por ouvir milhares de vezes as minhas
reclamações, frustrações, ideias, angústias e sempre ter alguma coisa reconfortante
pra me dizer, por me ajudar a fazer os Gráficos, por me ensinar pela milésima vez a
fazer a formatação no Word com a mesma paciência da primeira vez, e ainda assim
ter que mexer novamente em tudo porque eu não soube fazer do melhor jeito.
Obrigada por sua calma desconcertante, por sair comigo para descontrair e
continuar ouvindo sobre a minha dissertação, enfim, por ser uma pessoa
maravilhosa comigo e com todos e por felizmente fazer parte da minha vida.
Ao amigo, ex-professor e eterno mestre Wellington Amorim por ter despertado
em mim o gosto acadêmico pelo Leste Asiático, que já fazia parte das minhas
preferências televisivas e de leitura há muito tempo. Obrigada também por ter me
emprestado tantos livros, por ter lido meus trabalhos todas as vezes que pedi, por
servir de psicólogo virtual e pessoalmente sempre que eu achava que não dava
mais, por me tratar com carinho de filha e merecer da minha parte ao menos a
admiração de um pai. Agradeço por ser sempre tão correto, tão amável e tão
presente não só na vida acadêmica, mas também e principalmente na vida pessoal.

Ao professor Alexis Toribio Dantas por ter, em primeiro lugar, me aceito como
sua orientanda, por ter acreditado no meu projeto, por responder sempre meus e-
mails intermináveis, por me tranquilizar e me incentivar a todo momento, por me dar
toda liberdade que eu precisava, por confiar em mim mesmo que eu sempre tenha
atrasado alguns dias em quase todos os prazos que eu mesmo me dava, e por
parecer que estava logo ali na UERJ, quando na verdade estava do outro lado do
mundo.

Aos professores Lia Valls e Luiz Pedone por aceitarem fazer parte da minha
banca de dissertação. Obrigada à professora Lia que esteve comigo desde o
primeiro semestre do mestrado nas aulas de Integração Econômica e também na
qualificação do projeto de dissertação sempre com comentários e sugestões
interessantes para minha pesquisa. Obrigada ao professor Pedone por ser tão gentil
e interessado desde o primeiro momento em que foi convidado a fazer parte da
banca e por me tratar de forma tão acolhedora no pouco que nos conhecemos.

A amiga e ex-professora, Patrícia Nasser, por estar presente na minha


história com o Leste Asiático desde a banca de monografia, e por ter sido
indispensável na reta final deste trabalho. Um agradecimento especial também a
professora Ana Paula Tostes que enquanto participante da banca de qualificação do
meu projeto, ajudou muito com sugestões inestimáveis.
Aos grandes amigos e ex-professores da La Salle, Guilherme Dias, Leonardo
Braga, Rickson Rios, Carlos Frederico Coelho, Juliana Benício, Ana Carolina
Delgado, Marcelo Fonseca, Marta Moreno, Cristina Vinciprova, Mariana Carpes e
Fabiano Mielniczuk que me deram a base de tudo que eu sei sobre Relações
Internacionais, e que me incentivaram sempre no mestrado e na dissertação.

Aos colegas e amigos do PPGRI, Beatriz Carvalho, Juliana Luiz, Erika


Medina, Sandra Dutra, Ana Paula Becker, Rodrigo Salgado, Guilherme Graça,
Dhiego Mapa, Ana Carolina Oliveira, Natália Couto. Obrigada a cada um de vocês
por tantos motivos diferentes e especiais, mas principalmente por compartilharem
comigo as mesmas dificuldades, frustrações, alegrias, comemorações, brincadeiras,
e por fazerem parte destes dois anos de PPGRI.

Agradeço também aos funcionários do PPGRI André Furtado e Cristiane


Baptista por serem os melhores e mais eficientes colaboradores que alguém pode
querer.

A tantos amigos e familiares maravilhosos que pessoal ou virtualmente me


incentivaram e acompanharam – quase em tempo real – as conquistas e
dificuldades relacionadas a este trabalho. Alessandra Viz Veiga, Jéssica de Oliveira,
Beatriz, Marcos e Carolina de Moraes Lima, Gláucia Ferreira, Lilian Antunes,
Douglas Armendone, Pedro Batalha, Terezinha Melo, Débora Goulart, Fabiana
Neves, Gabriel de Moraes, Renata de Almeida, Vitor Swan, Felipe Polidoro, Diego
Assef, Ivi Elias, Jean Dittz, Patrícia Mara, Luis Alejandro, Camila Fontoura, Lana
Bauab e tantos outros que apesar de não terem seus nomes aqui recebem o meu
muito obrigada.

Comprovo a frase que já me foi dita mais de uma vez: o melhor nem sempre é
o mais fácil. Optar por um curso de mestrado pouco depois de deixar a faculdade,
escrever sobre um tema denso sobre países tão diferentes e distantes e de literatura
tão escassa no Brasil não foi uma das tarefas mais fáceis. Mas hoje, tenho a certeza
de que foi o melhor que podia fazer e a partir daqui, buscarei continuar fazendo o
melhor, para mim e para os demais.
Ao final, somente percebemos do
que somos capazes ao tentarmos,
nem que pareça impossível.

Wellington Amorim
 
 

RESUMO

SIMÕES, Letícia Cordeiro. Integração regional no leste asiático: ASEAN, ASEAN+3


e a disputa pela liderança regional. 2012. 275 f. Dissertação (Mestrado em Relações
Internacionais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

A presente dissertação tem como objetivo analisar as relações internacionais


no Leste Asiático tendo como foco principal a pesquisa do fenômeno da integração
regional e da disputa pela liderança na região através dos mecanismos de
integração, por suas principais potências locais, China e Japão. A Associação dos
Países do Sudeste Asiático (ASEAN) e seu desdobramento estrutural, a ASEAN+3
que inclui os dez países membros da associação além dos três países mais
influentes do Nordeste Asiático, China, Japão e Coréia do Sul, são o objeto da
pesquisa, uma vez que por serem os principais mecanismos de integração da
região, estão mais sujeitos a vivenciar a concorrência chinesa e japonesa pelo papel
de principal ator e líder regional. A crescente importância dos mecanismos de
integração do Leste Asiático decorrente da maior integração que vem adquirindo,
uma integração com particularidades únicas e bem distintas da União Europeia, traz
o aumento da representatividade da região no mundo e de seus países membros
dentro da região. Este tipo de destaque adquirido por este padrão de arcabouço
regional, que proporciona crescimento das trocas comerciais na região e de seu
desenvolvimento, passou a atrair as potências regionais por se constituir em um
importante e interessante instrumento de política regional. Os Estados japonês e
chinês possuem problemas históricos de longa data, o que traz maior desconfiança
e instabilidade para a região, e aumenta a competição entre os dois atores por maior
influência nos grupos de integração regional, acreditando ser possível através desta
manobra alcançar a liderança regional. Deste modo, o que esta dissertação
pretende mostrar é: a forma como japoneses e chineses se utilizam dos mecanismos
de integração regional – com a ASEAN e a ASEAN+3 em evidência – para perpetuar
sua política na região como forma de alcançar o poder; apresentar quais os
objetivos, benefícios e interesses em se tornar o líder regional; e apontar qual país
tem maior potencial em se tornar líder e através de que tipo de liderança.

Palavras-chave: Integração regional. Liderança regional. Disputa. China. Japão.


ASEAN. ASEAN+3. Leste asiático.
 
 

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the international relations in East Asia with a
focus on research into the phenomenon of regional integration and the competition
for leadership in the region through the mechanisms of integration by their local
major powers, China and Japan. The Association of Southeast Asian Nations
(ASEAN) and its deployment structure, ASEAN +3, comprising the ten member
countries of the association beyond the three most influential countries in Northeast
Asia, China, Japan and South Korea, are the object of research, since that being the
main mechanisms of integration of the region, are more likely to experience Chinese
and Japanese competition for the role of main actor and regional leader. The growing
importance of the mechanisms of integration in East Asia due to the increased
integration that it has been acquiring, a different kind of integration when compared
to European Union, brings greater representation for the region in the world and for
its member countries within the region. This type of prominence acquired by the
pattern of regional framework, which provides trade growth in the region and its
development, began to attract the regional powers, once they constitute an
interesting and important instrument of regional policy. The Japanese and Chinese
States have long-standing historical problems, which brings higher distrust and
instability in the region, increasing the competition between the two actors for greater
influence in regional integration groups, believing to be possible through this
maneuver to achieve regional leadership. Thus, what this dissertation aims to show
is: how Japan and China use the mechanisms of regional integration - with ASEAN
and ASEAN +3 in evidence - to perpetuate its policy in the region as a means of
attaining power, which are the objectives, benefits and interests to become the
regional leader, and to suggest which country has the greatest potential to become a
leader and through what kind of leadership.

Key-words: Regional integration. Regional leadership. Dispute. China. Japan.


ASEAN. ASEAN+3. East Asia.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................... 12
1 TEORIAS DE REGIONALISMO, LIDERANÇA E LIDERANÇA
REGIONAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
CONSTRUINDO UMA TEORIA ................................................. 21
1.1 Considerações Iniciais ............................................................ 21
1.2 Regionalismo em Perspectiva Teórica .................................. 26
1.3 Liderança em Perspectiva Teórica ......................................... 33
1.4 Liderança Regional em Perspectiva Teórica.......................... 44
1.5 Considerações Finais .............................................................. 52
2 REGIONALISMO E INSTITUCIONALISMO ASIÁTICOS:
HISTÓRIA, ESTRUTURA E ECONOMIA .................................. 55
2.1 Considerações Iniciais ............................................................ 55
2.2 O conceito de Leste Asiático: As diferentes ‘Ásias’ ............. 56
2.3 A Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN) ..... 59
2.3.1 Antecedentes históricos da ASEAN (Décadas de 1950/1960) .. 59
2.3.2 ASEAN – 1967 a 1989 ............................................................... 67
2.3.3 ASEAN – 1990 aos dias atuais .................................................. 74
2.3.4 O ASEAN-Way ........................................................................... 85
2.4 A ASEAN em números ............................................................. 89
2.5 Considerações Finais .............................................................. 100
3 A REDEFINIÇÃO DO LESTE ASIÁTICO: A ASEAN+3 NA
ÁREA MAIS DINÂMICA DO CAPITALISMO ............................ 103
3.1 Considerações Iniciais ............................................................ 103
3.2 Leste Asiático: o centro mais dinâmico do capitalismo e o
papel dos EUA na região ......................................................... 104
3.3 A Associação dos países do Sudeste Asiático+3: uma
retrospectiva histórica (da EAEG à ASEAN+3) ..................... 118
3.4 Leste Asiático e Livre Comércio: o que é especulação e o
que há de concreto. ASEAN+3, ASEAN+1, EAS e EAFTA .... 135
3.5 ASEAN+3 em números ............................................................ 148
3.6 Considerações Finais .............................................................. 161
4 A DISPUTA PELA LIDERANÇA REGIONAL NO LESTE
ASIÁTICO: CHINA, JAPÃO E OS MECANISMOS DE
INTEGRAÇÃO REGIONAL ...................................................... 164
4.1 Considerações Iniciais ............................................................ 164
4.2 A relação entre Japão, a região e os mecanismos de
integração regional: ASEAN e ASEAN+3 ............................... 166
4.3 A relação entre China, a região e os mecanismos de
integração regional: ASEAN e ASEAN+3 ............................... 193
4.4 Duas potências, dois tipos de liderança no Leste Asiático.. 220
4.4.1 As modernas relações Sino-Japonesas ..................................... 220
4.4.2 Duas potências, dois tipos de liderança ..................................... 236
4.5 Considerações Finais .............................................................. 247
5 CONCLUSÃO ............................................................................ 250
REFERÊNCIAS .......................................................................... 258
APÊNDICE A - Estruturas e mecanismos da ASEAN ............... 268
ANEXO A - Relato Histórico do Caminho para a Comunidade
Econômica da ASEAN ............................................................... 274
ANEXO B - Mapas da ASEAN e ASEAN+3 ............................... 275
12

INTRODUÇÃO

Foi em meados do século XX, marcado pelo “impacto do Ocidente na Ásia e


na África e pela revolta da Ásia e da África contra o Ocidente” (BARRACLOUGH,
1976, p. 146) que o processo de neo-colonialismo iniciado há um pouco mais de
meio século começava a deteriorar, e pouco tempo depois, o “número de Estados
internacionalmente reconhecidos como independentes na Ásia quintuplicou”.
(HOBSBAWM,1995, p.337). O imperialismo europeu do século XIX e início do XX
que se mantinha devido à superioridade militar e do comércio daquele continente,
esfacelava-se no pós Segunda Guerra, já que a Europa encontrava-se arrasada.
“Entre 1945 e 1960, nada menos de quarenta países [...] revoltaram-se contra o
colonialismo e obtiveram sua independência”( BARRACLOUGH, 1976, p. 147).

Em plena Guerra Fria surgia uma terceira via, formada pelos novos Estados
independentes do pós-Segunda Guerra que apesar de serem bastante diferentes
em sua essência eram pobres, dependentes, e buscavam se desenvolver e por isso
eram classificados como o Terceiro Mundo. Muitos destes países buscavam status
de “não-alinhados” na Guerra Fria, mas tinham suas preferências em relação às
potências o que transformava o Terceiro Mundo em zona de Guerra enquanto o
Primeiro e o Segundo Mundos viviam de fato a Guerra Fria e um longo período de
paz como ausência de guerra direta. (HOBSBAWN, 1995).

Os novos Estados queriam desenvolvimento, o que lhes foi privado durante o


período de exploração colonial, e para isso pretendiam acabar com o atraso agrário
com uma industrialização sistemática pelo modelo de planejamento centralizado ou
pela substituição de importações, ou seja, através da receita soviética ou capitalista.
No Leste Asiático, a maioria das ex-colônias, mais bem colocadas no cenário que as
africanas, escolheram o modelo de desenvolvimento econômico patrocinado pelo
Estado, e o resultado foi o surgimento dos Países de Industrialização Recente ou
NICs em inglês. Até hoje grande parte dos países do Leste Asiático permanece com
o modelo de Estado forte, guiando e orientando a economia, e exatamente por isso
a soberania é tão respeitada no modelo de regionalismo entre os países que fazem
parte da Associação dos Países do Sudeste Asiático (ou Association of Southeast
Asian Nations – ASEAN).(HELD & MCGREW, 2001).
13

A ASEAN é um dos exemplos mais duráveis do multilateralismo regional e


possui o respeito e a atenção de diversas organizações regionais ao redor do mundo
em desenvolvimento. Criada em 1967, construiu uma imagem positiva durante as
quatro décadas de sua existência. Em primeiro porque sobreviveu como a única
organização regional multilateral da Ásia depois que a tentativa por parte de China e
Índia de criar algo parecido falhou. Depois porque desde sua criação nenhum
membro da ASEAN participou de nenhum conflito armado de maior porte, com a
exceção de algumas questões de fronteira (principalmente entre Tailândia e
Myanmar). Terceiro porque foi uma ferramenta importante para colocar fim no
conflito de uma década entre Vietnã e Camboja - que era visto como um obstáculo
para o alcance da estabilidade regional - e depois incentivar que assinassem um
tratado de paz, e se tornassem membros da Associação. E por último, com o fim da
Guerra Fria, foi a ASEAN que proveu as bases para a construção de instituições
regionais mais robustas que engajariam a China e outros grandes atores do Leste
Asiático como o Japão. (ACHARYA, 2007).

Foi a crise financeira de 1997 que desencadeou uma série de contratempos,


onde as economias e finanças de três dos cinco membros fundadores da
Associação foram profundamente afetadas: Tailândia, Indonésia e Malásia. Além
disto, colocou fim ao regime de Suharto, governante da Indonésia, país que até
então era o guia da organização. A crise também representou uma frustração para
os novos membros que entraram na associação no final da década de 1990 e
esperavam colher os frutos desta adesão: Myanmar, Camboja, Laos e Vietnã
custaram a receber de fato os benefícios de fazer parte da ASEAN. (IBID).

Entretanto, foi a mesma crise que deu origem a uma iniciativa informal entre
os países da ASEAN e as principais potências regionais, por também sentirem o
impacto da crise e entenderem que era necessário fazer algo para que a
interdependência das economias não levasse toda região para uma espiral negativa.
O estabelecimento de um encontro informal entre os países membros da ASEAN e
China, Japão e Coréia do Sul dava início a ASEAN+3, que se constituiria como tal
reunindo a noção inicial de Leste Asiático sob sua alcunha, o que ajudou a região,
no momento da crise, a vencer o estado financeiramente perigoso que se
encontrava através de pacotes de ajuda econômica e manobras cambiais.
14

Apesar de inspirada pela iniciativa européia no final da Guerra Fria, a ASEAN


tem poucas características que lembrem a União Européia (UE). O modelo de
integração europeu é constituído de densas instituições supranacionais e grande
institucionalização intrabloco. Por outro lado, a ASEAN tem uma estrutura
institucional “flexível”, devido à sua baixa institucionalização além do grande respeito
à soberania dos países, e por isso a ausência de fortes instituições supranacionais.
(HAACKE, 2005). Segundo Tommy Koh, um diplomata de Cingapura que cuida de
assuntos relativos a ASEAN, representando seu país, a União Européia é um
inspiração mas não pode ser considerada um modelo pela associação. (KOH apud
ACHARYA, 2007).

Depois que Japão, Coréia do Sul e China estabeleceram uma cooperação


com a ASEAN no final da década de 1990, com a informal ASEAN+3, o Leste
Asiático passou a se aproximar cada vez mais. Atualmente diversas questões são
tratadas no âmbito dos mecanismos de integração regional, incluindo a formação de
Acordos de Livre Comércio (ou Free Trade Agreements -FTA) dos países do
Nordeste Asiático com os países da ASEAN, que também é enxergado como um
indício da importância que esta tem para estes vizinhos poderosos. (DENT, 2008) .
O fato de os países mais importantes da região demonstrarem se importar com a
ASEAN através do estabelecimento e participação em fóruns e reuniões prova como
a associação é relevante para a Ásia como um todo. (ACHARYA, 2007).

O crescimento de importância que a ASEAN e consequentemente seus


desdobramentos estruturais como a ASEAN+3 alcançaram na região do Leste
Asiático, onde cada vez mais as relações econômicas e políticas regionais se dão no
âmbito multilateral, fez com que a atenção de China e Japão – e também da Coréia
do Sul e dos Estados Unidos (EUA) – se voltasse para a associação. Com o
destaque recebido pela ASEAN e pela grande área do Leste Asiático principalmente
com o final da Guerra Fria e a mudança da postura antes de segurança para uma
atual, voltada para questões principalmente de comércio, levou as potências
regionais a notarem que, possuir um papel relevante dentro destes mecanismos de
integração regional aumentaria o poder e a possibilidade de atingir a uma maior
estabilidade regional. Os países do Nordeste Asiático passaram a perceber que a
ASEAN e também as reuniões periódicas da ASEAN+3 se tornariam um excelente
instrumento de política regional e entenderam que cooperar com o regionalismo e
15

fazer parte dele era imprescindível para conseguir fazer desta ferramenta uma
opção possível para a liderança regional, disputada pelos dois principais atores
regionais, Japão e China, mas observados de perto pelos EUA. É neste ponto que
esta pesquisa se inicia.

O presente trabalho tem como foco de pesquisa a questão da disputa da


liderança entre China e Japão perpassando o fenômeno da regionalização no Leste
Asiático, através do estudo do bloco regional que surgiu naquela parte do globo e de
suas ramificações, em especial a ASEAN+3. Também temos como enfoque a forma
de atuação, interna e externa, da ASEAN e da ASEAN+3 principalmente no que
tange o relacionamento e a presença dos dois atores do Nordeste Asiático. A análise
leva em conta o período que se estende de 1997 a 2011. A delimitação desse marco
inicial decorre do início das conversações sobre o estabelecimento da ASEAN+3, o
que não significa dizer que fatos históricos anteriores a esta data, como a criação da
ASEAN em 1967 e seu desenvolvimento não serão levantados, uma vez que são
necessários para a elaboração do cenário da pesquisa.

O trabalho busca ainda analisar o atual nível de integração do Leste Asiático


bem como mostrar sua evolução com o passar do tempo. Por esta razão, além de
abordar a criação, o estabelecimento e o modus operandi da ASEAN, uma
associação mais formal, o fenômeno da ASEAN+3, mais informal, recente e dinâmico
e que pode acelerar o processo de integração na região, incentivando-o pelo viés
econômico, também será analisado. A análise da ASEAN+3 está intimamente ligada
à presença de outros países influentes na região por meio de outras associações
como a Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Asia-Pacific Economic Cooperation
-APEC), ou ampliações como o Fórum Regional da ASEAN (ASEAN Regional Fórum
– ARF) ou o Summit do Leste Asiático (ou East Asia Summit – EAS).

Este trabalho tem como objetivo geral entender o fenômeno do regionalismo


no Leste Asiático através do estudo de caso do bloco da ASEAN e de seu
desdobramento estrutural dinâmico, a ASEAN+3, com o intuito de analisar a atuação
específica das potências da região dentro destes mecanismos regionais, voltada
para o estabelecimento de uma liderança regional. Partindo disso, a pesquisa visa
ainda estudar a competição e a disputa pela liderança entre Japão e China que
ocorrem dentro do escopo dos mecanismos de integração regional.
16

O primeiro objetivo específico é identificar a postura que China e Japão


possuem frente a ASEAN e na ASEAN+3 e de que forma esta se relaciona com a
busca por uma liderança regional, e/ou a busca para que o outro não se torne um
líder ou hegemon da região. O segundo objetivo específico da pesquisa é procurar
identificar qual ator melhor se encaixa em cada tipo de liderança presente na região,
e a partir disso identificar em um quadro estático e hipotético, qual seria a potência
regional com maior possibilidade de tornar-se líder regional.
Em suma, procura-se pesquisar a relação entre a crescente integração na
região, que envolve não só os países do Sudeste Asiático, mas também Japão,
China e Coréia do Sul, e a disputa pela liderança regional entre tais países. Através
de pesquisas em literaturas especializadas que proporcionaram uma revisão histórica
e dados econômicos dos países do Nordeste e Sudeste Asiáticos, procurou-se
estabelecer até que ponto a disputa pela liderança passa por dentro dos mecanismos
de integração regional do Leste Asiático, levando em consideração os movimentos
de aproximação comercial, financeira e econômica entre as potências regionais e os
países do Sudeste Asiático.

A conjuntura econômica na qual a região do Leste Asiático se insere hoje é


bastante favorável para os países da região, a julgar que há pouco mais de uma
década, grande parte dos países do Sudeste Asiático passavam por uma crise
econômica, e que há cerca de vinte anos, o Japão vivia o estouro da bolha
inflacionária. O processo de integração na região, iniciado com a ASEAN, embora
com mais de quarenta anos, começou a se desenvolver economicamente há pouco
mais de duas décadas, e tem alcançado avanços importantes tanto vertical quanto
horizontalmente, ou seja, tanto na quantidade de membros quanto no
aprofundamento das questões que são tratadas em seu escopo institucional.
Cada vez mais temas são tratados pelos países que fazem parte da ASEAN e
da ASEAN+3, embora somente alguns tenham real destaque nas instituições e em
suas reuniões.1 Foi possível perceber que um número maior de países se aproxima
da ASEAN, que surge como representante mais forte da integração na Ásia. Não foi
diferente com Japão e China, que a partir da década de 1970 e 1990

1
Temas de direitos humanos, meio ambiente, cultura, pobreza e desenvolvimento humano, embora abordados
pela comunidade sócio-cultural da ASEAN são marginalizados se comparados a assuntos de comércio e
segurança.
17

respectivamente começaram a olhar a associação como uma oportunidade


econômica.
Apesar do papel de destaque que a China conquistou nas últimas décadas
com seu crescimento acelerado, tornando-se consequentemente um mercado
exportador e importador cada vez mais importante para todo o mundo, o Japão
continua sendo uma das maiores economias mundiais e importante polo de
desenvolvimento e criação de novas tecnologias, além de ser um parceiro
importante para a região do Leste Asiático dentro e fora do seu escopo
multilateral.(MUNAKATA, 2006).
Japão e China possuem formas bastante distintas de se relacionar com os
meios de integração da região, o que caracteriza duas formas distintas de buscar
tornar-se mais influente na região e o que significa também duas maneiras
diferentes de ser líder. O que nossa pesquisa se propõe a responder é se é possível
pensar que os países do Nordeste Asiático disputam um papel de liderança regional
através do arcabouço institucional iniciado pela ASEAN. Caso seja possível pensar
nesta possibilidade, de que forma se caracterizaria este papel de liderança e qual
seria o país com mais condições de incorporá-lo dentro dos seus objetivos de
política externa. Através da postura de relevância de Japão e China na região
mesmo que de formas distintas – a partir de sua política externa, e até mesmo de
seus diferentes passados históricos com a região (DENT, 2008) – e em áreas
distintas, é possível pensar que os dois países entraram na cena do Leste Asiático a
partir da ASEAN+3, mas passaram a agir com intensidades e posturas diferentes
dentro deste arcabouço, apesar de atuarem em uma mesma direção: à favor da
geração de maior integração.
Também, mesmo com aspectos distintos, é possível afirmar que os dois
atores tem a tendência de buscar utilizar a ASEAN e a ASEAN+3(e as instituições
multilaterais regionais como um todo) como um trampolim para alcançar a liderança
regional através, principalmente, do comércio, das finanças e investimentos.
Entretanto, estas formas de atuação podem revelar impactos distintos na região, na
integração e na própria relação entre os Estados japoneses e chineses. Sendo
assim, a hipótese que esta pesquisa procura comprovar é a seguinte:
18

Hipótese: A influência de Japão e China na ASEAN e seus desdobramentos


estruturais (ASEAN+3 por exemplo) impacta na disputa da liderança, econômica,
financeira e comercial na região do Leste Asiático.

Variável dependente: Impacto na disputa da liderança econômica, financeira e


comercial da região.

Variável independente: A influência de Japão e China na ASEAN e seus


desdobramentos estruturais.

Ao escolher este estudo de caso, um método descritivo e\ou histórico da


ASEAN, da ASEAN+3, e de outros organismos que estão ligados a sua criação e
evolução, além do próprio sistema internacional em diversos momentos, tornou-se
fundamental para a caracterização do objeto de estudo. Contudo, o método indutivo
também é utilizado ao longo do trabalho para buscar uma conexão entre as teorias
utilizadas e a dinâmica da liderança dentro do arcabouço de integração regional no
Leste Asiático. (LAKATO & MARCONI, 1995). Para tratar a liderança no universo
dos processos de integração regional esta pesquisa trabalha com uma perspectiva
teórica formada por um puzzle que reúne diversos conceitos teóricos que tratam da
questão pura da integração regional e da liderança, e da liderança regional,ou seja a
junção dos dois primeiros conceitos a serem analisados, mesmo que não exista
ainda uma literatura que se dedique apenas à este tema com maior destaque e
profundidade.
O fenômeno da integração regional, que ocorre ao redor do planeta, vem
despertando o interesse dos acadêmicos por possuir características próprias e por
ter ganhado forças com a expansão da União Europeia, que não se encontra na sua
melhor forma, nas últimas décadas. Apesar de a União Europeia figurar como um
exemplo maior da integração regional, cada bloco tem suas distintas
especificidades, sendo importante, portanto, conhecê-las para estudar o fenômeno
como um todo. Além disso, a ASEAN é entendida por estudiosos como o
mecanismo de integração regional mais bem sucedido do planeta e melhor
organizada depois da União Europeia (McDOUGALL, 2007), o que deixa a
ASEAN+3 em um patamar de igual destaque porque inclui China, Japão e Coréia do
Sul, mesmo sendo um mecanismo informal.
19

A região onde se encontra a ASEAN e seu desdobramento estrutural, a


ASEAN+3, o Leste Asiático possui Estados de grande relevância econômica,
tecnológica, política e estratégica para o sistema internacional, abrigando ainda a
China, grande ator internacional e importante parceiro comercial brasileiro. Alguns
estudiosos apontam a Ásia como a região mais dinâmica em termos de capitalismo,
e o local onde possivelmente surgirá a nova potência hegemônica, com um possível
final do ciclo hegemônico norte-americano. (ARRIGHI,1996). A partir deste
pensamento, torna-se indispensável entender as dinâmicas regionais de liderança e
sua configuração no Leste Asiático. Além disso, esta região é entendida por
estudiosos e policymakers mundiais como uma área instável do ponto de vista
natural, devido a sua delicada posição geográfica, bem como político, já que possui
diversos Estados com governos pouco democráticos (SIMON,2008) e países
vizinhos com antigo histórico de rivalidade.
O tema ganha maior relevância no Brasil uma vez que é pouco desenvolvido
no país, com pouca literatura disponível e escassos estudos no que diz respeito à
região do Leste Asiático, principalmente no que tange os assuntos de liderança e
integração regional. À medida que o Brasil se insere e pretende ampliar sua
participação no cenário internacional como um ator de importância crescente,
sobretudo no âmbito dos BRICs (Brasil Rússia, Índia e China), é imprescindível que
se tome conhecimento de uma das áreas que mais obteve sucesso em crescimento
econômico com distribuição de riqueza, e desenvolvimento de capital humano nas
últimas décadas. (WAN, 2008).
Vale ressaltar ainda que esta dissertação é um trabalho de continuação da
pesquisa que iniciamos ainda na graduação cujo objeto foi apenas a integração do
Leste Asiático sendo entender a ASEAN e a recente ASEAN+3 seu principal
objetivo. O trabalho na época nos levou a questão mais específica da disputa pela
liderança regional, que não pôde ser tratada naquela oportunidade devido a sua
delimitação estar restrita a outras questões. Com este novo trabalho acreditamos
poder ter aprofundado mais a história e as particularidades da ASEAN e de seus
desdobramentos estruturais, principalmente a ASEAN+3, e tratar com maior
propriedade a questão da disputa pela liderança regional. Sendo este trabalho fruto
de um primeiro muito mais limitado, algumas literaturas e até mesmo algumas
passagens, principalmente no início do histórico da ASEAN e da escolha da teoria
de integração regional, remetem ao trabalho posterior que serviu como grande
20

incentivador para a busca de maiores esclarecimentos e detalhes sobre esta região


e suas particularidades.
Este trabalho apresenta quatro capítulos além de sua introdução e conclusão.
O primeiro capítulo intitulado “Teorias de Regionalismo, Liderança e Liderança
Regional nas Relações Internacionais: construindo uma teoria” é dedicado única e
exclusivamente a apresentação das perspectivas teóricas que são utilizadas na
pesquisa com o intuito de tipificar sua informação e responder a sua pergunta. São
apresentados conceitos teóricos de liderança e liderança regional, além de teorias
de integração regional. Entre os tipos de teorias e conceitos apresentados, são
escolhidos quatro para formar um puzzle teórico que dê conta de explicar de
maneira satisfatória o tema escolhido.
O segundo capítulo “Regionalismo e Institucionalismo Asiáticos: História,
Estrutura e Economia” procura apresentar o conceito de Leste Asiático e das
diferentes ‘Ásias’ bem como aprofundar uma série de aspectos históricos e
econômicos relacionados à ASEAN que possam caracterizar o regionalismo local
desde a sua época inicial, tratando inclusive de particularidades como o ASEAN-
Way que ajudam a explicar os princípios básicos da instituição até os dias de hoje. O
terceiro capítulo que tem o nome de “A Redefinição do Leste Asiático: a ASEAN+3
na Área mais Dinâmica do Capitalismo” trata mais especificamente o fenômeno da
ASEAN+3, a questão do Leste Asiático como o centro mais dinâmico do capitalismo
e o papel dos EUA na região além de apresentar, como o capítulo anterior, dados
que melhor retratam o mecanismos que é analisado no capítulo.
O quarto e último capítulo “A disputa pela liderança no Leste Asiático: China,
Japão e os mecanismos de integração regional” apresenta a relação de Japão e de
China com a ASEAN e a ASEAN+3, tratando também da relação bilateral moderna
entre os dois países e as interferências do arcabouço de integração da região nesta
relação, além de utilizar as ferramentas teóricas apresentadas no primeiro capítulo
para analisar o esquema de disputa e de liderança que se forma na região entre os
Estados japonês e chinês e a ASEAN, a ASEAN+3, perpassando ainda outros tipos
de integração regional complementares a ASEAN na região. Finalmente, a
conclusão procura condensar os principais dados apresentados durante a pesquisa
e comprovar a sua efetividade em relação às questões levantadas pela
problemática, hipótese e outras questões geradas por este trabalho.
21

1. TEORIAS DE REGIONALISMO, LIDERANÇA E LIDERANÇA REGIONAL


NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: CONSTRUINDO UMA TEORIA

1.1 Considerações Iniciais

Dentro de um trabalho monográfico que busca analisar fenômenos


econômicos, políticos ou sociais, é necessário que haja uma teoria ou ao menos
uma perspectiva teórica que ajude a dar base ao estudo realizado. (VAN EVERA,
1997). A teoria, dentro das ciências humanas e sociais, ajuda a aproximar a
academia da realidade que é explorada na pesquisa, servindo de ponte para ligar os
dois extremos e possibilitar que o objeto estudado pelo pesquisador assuma o
caráter de ciência.
Van Evera (1997) lista sete atributos que caracterizam uma teoria de boa
qualidade. Primeiro ela deve ter amplo poder explicativo, ou seja, deve prezar pela
importância da causa ou tema explicado, pela abrangência da explicação e por sua
aplicabilidade. Uma boa teoria também deve conseguir ser econômica no sentido de
conseguir explicar aquilo que procura sem tornar o assunto mais complexo, e sim
mais simples. Outra característica da lista pelo autor é a satisfação, o que significa
que a teoria deve satisfazer a curiosidade do pesquisador para ser considerada uma
teoria de qualidade, sem deixar pontas soltas que continuem trazendo
questionamentos.
Além disso, é necessário que uma boa teoria seja bem construída e bem
explicada para poder ser utilizada para testes e aplicações em situações concretas,
o que quer dizer que não deve deixar falhas quando confrontada com a realidade e
suas diversas facetas. Uma boa teoria deve também ser falseável, o que significa
que não pode ser uma teoria vaga e que a princípio deve contar com a possibilidade
de poder ser refutada ou contestada em um experimento físico ou científico.
Também, uma boa teoria deve por definição explicar um fenômeno importante e com
isso responder uma ou mais questões que sejam de algum interesse ou importância
para o mundo ou pelo menos para a academia. Por fim, a última característica de
uma teoria de qualidade é a riqueza prescritiva, principalmente quando está voltada
para assuntos ou causas que são manipuláveis, pois estes têm a característica de
poderem ser modificados pelo ser humano, o que dá à teoria a possibilidade de
mudar ou ao menos ajudar na melhoria daquilo que se dedica.
22

Ao tratar da atuação de China e Japão na região do Leste Asiático e a disputa


pela liderança da região dentro de instituições regionais multilaterais, este trabalho
utiliza-se das teorias de integração regional, liderança e de um conceito ainda pouco
explorado, no que diz respeito à teoria, de liderança regional para montar um puzzle
teórico que possa englobar as diversas arestas desta pesquisa. Partindo das Teorias
de Relações Internacionais para analisar o tema proposto pela pesquisa, o capitulo é
dividido em quatro seções além desta, cada uma delas com foco nas principais
teorias da escola de Relações Internacionais voltadas para os temas específicos da
pesquisa.
A primeira seção trata das teorias de Relações Internacionais voltadas para a
integração regional, a segunda tem como tema central a liderança também norteada
pelas teorias de Relações Internacionais, a terceira seção busca conceitualizar a
Liderança Regional também em perspectiva teórica, por mais que a literatura sobre
esta seja escassa. Por fim, as Considerações Finais procurarão reunir os aspectos
das seções anteriores com o intuito de formar uma perspectiva teórica que possa ser
utilizada como base teórica para este estudo.
O principal objeto desta pesquisa é a disputa pela liderança regional entre as
maiores potências do Leste Asiático, disputa esta que pode passar por dentro do
âmbito multilateral asiático. Quando se trata do cenário internacional da Ásia como
um todo, mas mais especificamente do Leste da Ásia, as teorias de Relações
Internacionais, basicamente eurocêntricas, seja em relação à liderança, integração
da região, ou até mesmo relativas aos fenômenos durante e pós-Guerra Fria
recebem um tratamento diferente.
Um exemplo bastante distinto sobre as teorias de Relações Internacionais e o
Leste Asiático pode ser visto na Tabela 1 de Acharya (2008) onde o autor procura
demonstrar como algumas das principais teorias de Relações Internacionais tratam
diversos momentos e fenômenos internacionais na região da Ásia. Todos os
argumentos expostos pela Tabela 1 podem ser enxergados como válidos, contudo
com o passar do tempo algumas teorias parecem, em alguns aspectos, acertar mais
que outras. Mas, o que é interessante analisar e concluir a partir da observação da
Tabela abaixo é que, apesar de algumas teorias conseguirem se sair melhor quando
confrontadas com a prova do tempo (tanto no caso de fatos ocorridos no passado e
que ocorrem no presente, quando aqueles que ainda estão sendo delineados para o
23

futuro), nem sempre é necessário a escolha de uma única teoria para explicar um ou
mais fenômenos.

Realismo Clássico Neo-Realismo Institucionalismo Construtivismo


(Realismo (Realismo Liberal e (Escola Inglesa)
Defensivo) Ofensivo) Neoliberal

O que manteve A presença Militar Bipolaridade. Interdependência Normas


a Ásia em dos EUA. induzida por rápido difundidas
ordem durante crescimento através da
a Guerra Fria econômico. ASEAN

Provável Rivalidade Expansionismo Estabilidade 1- Estabilidade


impacto com o Multipolar. chinês. multipolar devido à multipolar
final da Guerra expansão do através da
Fria e capitalismo e do socialização dos
crescimento da comércio. rivais da Guerra
China Fria.(e.g.
Acharya) 2-
Hierarquia
Benigna (Kang).

O papel e o Auxilia a balança de Instrumentos da Construir regimes Estabelecimento


impacto das poder (efetivas esfera de influência econômicos e de de normas e a
instituições apenas se houver chinesa. segurança para criação de uma
regionais uma balança de promover livre comunidade
poder prévia). comércio e através de
administrar disputas hábitos de
que surgem com a diálogo e
crescente instituições
2
interdependência. informais.

O futuro da O passado Europeu O passado Norte- (Sem argumentos O passado


Ásia se (final do século XIX americano (final do disponíveis) Asiático
assemelha a: início do século XX) século XIX) – (hierarquia
– Friedberg. Mearsheimer. benigna pré-
colonial) - Kang

Tabela 1: Perspectivas Teóricas para as Relações Internacionais da Ásia Fonte: ACHARYA (2008, p. 61, tradução
nossa)
Desta forma, é importante afirmar que a maneira como as teorias são tratadas
em um trabalho acadêmico, dependerão muito da forma como o pesquisador
entende e aplica as questões de ontologia e epistemologia. Furlong e Marsh (2010)
em um dos textos mais esclarecedores sobre metodologia, e principalmente sobre
ontologia e epistemologia aplicadas às ciências sociais afirmam que a orientação de

2
Regime que evita conflitos devido a um modo capitalista de desenvolvimento. É necessário ressaltar, no
entanto, que a interdependência, em si, não precisa ser capitalista – apesar de ter sido no caso da Ásia – como,
em outra época e área, o Conselho para Assistência Econômica Mútua (ou COMECON), um regime de
interdependência, com um comércio “administrado”.
24

cada cientista social em relação ao seu objeto de estudo molda sua posição
ontológica e epistemológica. Sendo assim a forma como enxergamos a ontologia e a
epistemologia deve ser entendida como algo sério e profundo justamente por
qualificar a maneira que fazemos ciência além de indicar o ponto de partida que
utilizamos para fazê-lo.3
Nas palavras dos autores ontologia “[...] é a forma e a natureza da realidade e
consequentemente, o que é possível saber sobre ela”4(FURLONG & MARSH, 2010),
ou seja,é a forma como o pesquisador enxerga o mundo ( a realidade) . Já a
epistemologia, ainda de acordo com os autores segundo a frase supracitada, é o
que possível saber sobre o mundo. Enquanto a ontologia esta voltada para a
existência, a epistemologia está voltada para o conhecimento desta existência e a
forma como é possível enxergá-la. Sendo assim, é possível dizer que questões
epistemológicas e ontológicas estão inevitavelmente ligadas. Contudo, o tipo de
relacionamento entre as duas é um assunto extremamente contestado e depende da
forma como cada grupo de escolas teóricas, divididas pelos autores entre
fundacionalistas e anti-fundacionalistas, enxergam esta questão.
Os fundacionalistas, que podem ser divididos entre positivistas – aqueles que
utilizam métodos apenas quantitativos – e realistas5 – que utilizam métodos
qualitativos e quantitativos –, acreditam que o mundo, e com isso a realidade, são
formados por objetos que possuem propriedades que são independentes do
observador, ou seja acreditam que todo observador deve enxergar e entender tais
objetos da mesma forma, uma vez que possuem as ferramentas necessárias para
tal. Por outro lado os anti-fundacionalistas – que utilizam métodos apenas
qualitativos – que são classificados como interpretativistas, acreditam que não existe
uma só realidade, e sim realidades locais e específicas que não são descobertas,
mas construídas socialmente.

3
No texto intitulado “A skin not a sweater: ontology and epistemology in political science” os autores utilizam a
metáfora usada no título “Uma pele e não um suéter” para falar sobre ontologia e epistemologia. O que Furlong e
Marsh (2010) querem dizer é que a forma como um pesquisador enxerga ontologia e epistemologia é algo muito
mais profundo do que se imagina pois se relaciona com a visão de mundo do pesquisador e molda toda sua
pesquisa, ou seja, não pode ser considerado um suéter que é possível ser mudado de tempos em tempos. Mais
que isso, é como a pele que é algo próprio, intrínseco ao pesquisador e que não pode ser mudado sempre que o
trabalho acadêmico exige.
4
O texto em língua estrangeira é: “[...] is the form and nature of reality and, consequently, what is there taht we
can be known of it.”
5
O termo realistas segundo o texto é no sentido amplo e não específico da Teoria Realista de Relações
Internacionais.
25

A categoria fundacionalista compreende todos os racionalistas que entendem


que há uma ontologia previamente estabelecida, e com isso uma realidade que deve
ser estudada a partir da epistemologia, o que significa que enxergam que a ontologia
é anterior a epistemologia. Já os anti-fundacionalistas, que correspondem aos
construtivistas e pós-modernos, não enxergam, como os fundacionalistas, uma
separação entre ontologia e epistemologia, que para esta corrente são constituídos,
ou inter-relacionados, (algumas teorias acreditam apenas na epistemologia) uma vez
que não há uma realidade antes de haver uma interpretação desta, ou seja, o
mundo (com o significado de realidade) não existe sem a interpretação(ou
conhecimento) sobre ele.
Através da diferenciação entre Fundacionalistas, formados por positivistas
(que acreditam que ciência natural e social devem ser iguais analisadas a partir dos
mesmos métodos, que as interpretações dos observadores são isentas de análises
subjetivas e que acreditam que questões empíricas devem ser completamente
dissociadas das questões normativas) e realistas (que entendem que existem
estruturas mais profundas que podem não ser completamente observadas,
principalmente do ponto de vista quantitativo) e Anti-Fundacionalistas que enxergam
que o mundo é uma construção social e baseiam sua pesquisa em discursos,
contextos, costumes, crenças e outros, é possível que o pesquisador faça sua
escolha metodológica, ontológica e epistemológica.
Uma vez dita que a orientação do pesquisador é essencial para estabelecer
sua visão ontológica e epistemológica, é necessário afirmar que a orientação aqui
apresentada que melhor se adapta a nossa visão de mundo, está no grupo de
teorias que enxerga que a ontologia e a epistemologia são, apesar de relacionadas,
conceitos distintos, sendo a epistemologia necessariamente dependente da
ontologia. Isso significa que a ontologia escolhida para guiar este trabalho é a
fundacionalista que acredita na existência de uma realidade que independe do
nosso conhecimento ou interpretação a seu respeito. No entanto, não acreditamos
que tudo pode ser quantificado, ou que as ciências sociais devam se igualar as
ciências naturais. Por este motivo, a epistemologia que melhor traduz nosso
entendimento da realidade é a epistemologia realista, em sentido amplo, que nos
leva a uma metodologia que considera aspectos tanto qualitativos quanto
quantitativos dentro da Ciência Política.
26

Apesar de enxergar os méritos do anti-fundacionalismo no relativismo de suas


questões, em sua busca por entender a fundo as questões subjetivas, e na
amplitude da sua epistemologia qualitativa, baseados em Furlong e Marsh (2010)
entendemos que tais teorias pecam quanto a condução de uma análise objetiva, que
busca explicar antes de entender. Acreditamos, desta forma, que a ontologia anti-
fundacionalista, que vê epistemologia e ontologia como uma só, não corresponde
alguns dos sete atributos listados por Van Evera (1997) para uma boa teoria, como a
necessidade de ser bem construída para não deixar falhas quando confrontada com
a realidade, a importância de trazer satisfação aos observadores para não deixar
nenhum tema mal explicado, e de possuir riqueza prescritiva.
Ainda assim, vale ressaltar que a escolha da orientação ontológica e
epistemológica é uma escolha de cada cientista e deve, portanto, ser respeitada.
Cabe finalmente dizer que, dentro deste estudo, as teorias são consideradas lentes
sob as quais o pesquisador se debruça para trazer à sua pesquisa uma
interpretação específica do mundo, ou pelo menos, do seu objeto de pesquisa. Foi
partindo desta ótica que a perspectiva teórica deste trabalho foi definida, através da
escolha de conceitos-chave das teorias de Relações Internacionais e de teorias que
possam satisfazer tanto a questão da integração regional quanto da liderança, e o
conceito específico de liderança regional ainda em fase de desenvolvimento.

1.2 Regionalismo em Perspectiva Teórica

Tendo como ponto de partida o artigo de Andrew Hurrell (1995) sobre


perspectivas teóricas do regionalismo, é fundamental esquematizar tal fenômeno da
mesma forma que faz o autor, através da divisão do conceito de regionalismo em
cinco categorias todas elas importantes para explicá-lo em sua essência:
Regionalização6, Consciência e Identidade Regionais7, Cooperação Regional entre
Estados8, Integração Regional promovida pelo Estado9 e Coesão Regional.10

6 6
Regionalização “diz respeito ao crescimento da integração da sociedade em uma região” (HURRELL, 1995, p.
26) Conhecido também como “regionalismo suave” (soft regionalism), o termo dá peso a processos econômicos
autônomos, circulação crescente de pessoas e complexas redes sociais
7
Consciência e Identidade Regionais são para Hurrell, conceitos vagos mais indispensáveis e dizem respeito à
consciência dos indivíduos de fazerem parte de uma certa região socialmente construída e se identificarem com
ela;
8
Cooperação Regional entre Estados para o autor pode ser feita de maneira formal ou informal, envolve grande
parte das transações que buscam algum tipo de integração entre países, e pode servir a diversos propósitos de
econômicos a de segurança;
27

[...] em vez de trabalhar com um conceito único de aspecto muito amplo, é mais útil
decompor o conceito de ‘regionalismo’ em cinco categorias diferentes,
analiticamente diversas, embora as relações entre elas sejam fundamentais para a
teoria e a prática do regionalismo contemporâneo .(HURRELL, 19995, p. 26)

Além de fazer uma divisão no conceito de regionalismo o autor também


subdivide as principais teorias que abordam o assunto em três diferentes blocos ou
níveis de análise: sistêmico, regional e interno atribuindo diferentes escolas teóricas
a cada um dos níveis. Apesar de criar diversas divisões para explicar o regionalismo
de maneira teórica, o autor afirma que bem como as categorias de regionalismo, os
três níveis se comunicam entre si lançando a ideia da “abordagem escalonada” da
“teoria dos estágios”.(HURRELL, 1995, p. 51).
A ASEAN e o seu desdobramento estrutural, a ASEAN+3 podem de certa
forma se encaixar em todas as cinco categorias elencadas por Hurrell (1995) para
descrever o regionalismo. Certamente alguns dos cinco conceitos se moldam melhor
às condições da associação e seu desdobramento que outras. Qual característica do
regionalismo como colocado por Hurrell melhor se adéqua à associação e seu
desdobramento, é uma pergunta que pode ter respostas variadas, de acordo com a
escolha teórica para a análise do objeto. A proposta da análise de Hurrell é de não
enfatizar as teorias de integração que se tornaram o mainstream da explicação da
criação e evolução da Comunidade Europeia, mas citar todas as teorias cabíveis e
apontar seus pontos fortes e fracos. Por este motivo o autor inicia seu trabalho pelo
bloco das teorias sistêmicas citando o Neorealismo e a Interdependência e
Globalização.
No nível sistêmico, tanto Neorealismo quanto Interdependência com ênfase na
globalização veem o regionalismo como resposta do Sistema Internacional.
Inicialmente pensado como anomalia para o neorealismo, o regionalismo depois foi
explicado como resposta a ameaças, principalmente para Estados pequenos e
fracos, ou a hegemonias fossem elas regionais ou não, como meio de buscar maior
equilíbrio de poder. Outra explicação do neorealismo para a integração regional é o
bandwagoning11 dos Estados com menor destaque no Sistema para conseguir

9
Integração Econômica Promovida pelo Estado é importante para o autor, pois “envolve decisões específicas de
políticas por parte dos governos, destinados a reduzir ou remover barreiras ao intercâmbio mútuo de bens,
serviços, capital e pessoas” (HURRELL, 1995, p. 29)
10
Coesão Regional que para o autor é a “possibilidade de que, [...], a combinação dos quatro primeiros
processos [...] desemboque no surgimento de uma unidade regional coesa e consolidada”. (HURRELL, 1995 ,
ps. 29-30)
11
Segundo Waltz (1979) é a estratégia do Estado mais fraco de se aliar ao Estado mais forte para tentar tirar
algum proveito desta relação.
28

compensações da hegemonia local. Contudo, o autor deixa claro que o neorealismo


tem problemas em explicar a continuidade e aprofundamento do processo de
integração e cooperação regionais, além de falar pouco dos fatores internos de cada
Estado que os levam a buscar integração.
Ainda no nível sistêmico está a teoria de Interdependência Estrutural e a
Globalização que segundo o autor é “complexa e ambígua” (HURREL, 1995, p.37)
porque “por um lado trabalha contra a emergência do regionalismo”.(IBID). Contudo,
segundo a teoria, a integração global pode trazer problemas que só podem ser
resolvidos de maneira coletiva, mas que só conseguiriam ser tratados em níveis
regionais e não globais. Além de outros argumentos esta teoria aponta que “a
integração global pode ter atuado como poderoso estímulo ao regionalismo
econômico, alterando e intensificando padrões da concorrência comercial”.
(HURREL, 1995, p.39)
O segundo nível colocado pelo autor, o nível regional, intitulado “Regionalismo
e Interdependência” possui como subcategorias, o Institucionalismo Neoliberal, o
Neofuncionalismo e o Construtivismo. “As duas primeiras variantes visualizam o
regionalismo como uma resposta funcional dos Estados aos problemas criados pela
interdependência regional e sublinham o papel crítico em encorajar e desenvolver a
coesão regional.” (HURREL, 1995, p.40)

A integração para os neofuncionalistas se inicia a partir do já alto e crescente


nível de interdependência12 principalmente verificado entre os países de uma
mesma região, o que levaria inevitavelmente a um processo continuo de
cooperação, que culminaria na integração política dos Estados, com instituições
supranacionais capazes de resolver de forma mais simples os problemas comuns
relativos à integração. Os neofuncionalistas creem na força das instituições e de
uma integração auto-sustentada com a metáfora do “spillover effect”.13 Contudo para
Hurrell seu futuro como teoria aplicável é questionável: uma de suas críticas está

12
O conceito de interdependência está ligado ao conceito de dependência que significa “o estado de ser
determinado ou fortemente afetado por forças externas”(KEOHANE & NYE,2001, p. 7, tradução nossa). O texto
em língua estrangeira é “... a state of being determined or significantly affected by external forces” ). A
interdependência seria, portanto, a dependência mútua dos países do sistema, que se daria através de
movimentação de pessoas, capital, ideias, e outros através das fronteiras do Estado, o que torna cada vez menor
o controle do Estado nacional sob tais questões.(KEOHANE & NYE, 2001)
13
O efeito transbordamento parte do princípio de que os benefícios que uma integração traz tornam cada vez
mais difícil a saída de um país desta integração, e que estes benefícios que são gerados para um membro
acabam transbordando, ou respingando e atingindo todos os outros que fazem parte daquela integração.
(HURRELL ,1995, p. 41)
29

diretamente ligada ao papel que a teoria dá às instituições afirmando que o


neofuncionalismo tem mais a dizer sobre elas, que sobre o ato de integração em si;
outra crítica está voltada para a abordagem da teoria sobre a diminuição do papel do
Estado em relação às instituições, que para o autor não é tão simples quanto faz
parecer o neofuncionalismo.
No institucionalismo neoliberal as instituições “são vistas como soluções
internacionalmente criadas para diferentes tipos de problemas de ação coletiva”
(HURREL, 1995, p.42) e, em contraposição ao neofuncionalismo, no
institucionalismo o Estado tem papel fundamental e relevante. Racionalistas, os
institucionalistas se utilizam de pressupostos neorealistas, mas não colocam a
cooperação de lado, sem acreditar em alianças, como os realistas. Tendo como
pressuposto a interdependência principalmente a econômica, o institucionalismo vê
a cooperação como ponto chave para a manutenção e intensificação dos fluxos de
integração.
Já no Construtivismo, o autor afirma que a integração é enxergada como um
‘regionalismo cognitivo’ ou seja, baseado em identidades regionais, possuidor da
ideia compartilhada de pertencimento regional. Sendo assim são duas as principais
variáveis que explicam a formação do regionalismo e suas características segundo
esta corrente teórica: a primeira delas enfatiza a criação de uma comunidade de
Estados que enxerguem uns aos outros com “simpatia, lealdade e identidades
compartilhadas” (HURRELL, 1995, p. 45) e a segunda afirma que é necessário dar
destaque aos processos que criam os interesses e as identidades bem como a
interação das auto-imagens, da linguagem e do discurso dos atores envolvidos.
Essa escola teórica bastante distinta das escolas racionalistas, que focam
basicamente nos incentivos materiais do esquema regional, dá destaque aos
processos históricos e culturais internos de cada Estado e a forma como isso
influencia na relação destes para que seja formado o regionalismo. Por dar
demasiada importância às identidades e aos discursos, e por ignorar muitas vezes
que regiões com Estados que não se enxergam mutuamente com simpatia tem
níveis altos de integração, a corrente construtivista costuma ser criticada por
neofuncionalistas e institucionalistas neoliberais.
As Teorias de Nível Interno mencionadas por Hurrell dão relevância às
características internas compartilhadas dos Estados (como raça, etnia, religião,
língua, cultura, história e outros) como fundamentais para sua integração, uma vez
30

que a compatibilidade de valores internos de destaque como os citados acima,


seriam indispensáveis para a obtenção de um processo político decisório comum.
Segundo o autor, “são três as maneiras de relacionar os fatores internos ao
regionalismo contemporâneo” (HURRELL, 1995 p. 46): o Regionalismo e a
Coerência Estatal; o Tipo de Regime e a Democratização; e as Teorias da
Convergência. A primeira das três maneiras aborda a possibilidade do fim das
fronteiras e da soberania dos Estados, incentivados principalmente pelo entusiastas
de uma profunda integração europeia que convenientemente esquecem-se da força
das estruturas estatais e a legitimidade das fronteiras estabelecidas; a segunda
maneira afirma que os regimes democráticos são peças-chave para o
estabelecimento de integração regional, justificando que esta característica do
Estado é a mais propensa a permitir a paz, o que em outras palavras pode significar
uma integração regional principalmente voltada para o comércio; e a terceira
maneira descreve a cooperação regional e a integração econômica como o
resultado de convergências de preferências entre as políticas dos Estados de uma
determinada região.
Após o breve estudo dos níveis de análise propostos por Hurrell (1995) em
seu artigo, é possível chegar a algumas conclusões preliminares em relação as
teorias que podem vir a satisfazer melhor parte do objeto apresentado. Segundo o
autor, as teorias sistêmicas não conseguiriam explicar mais que o passo inicial da
integração e as teorias de nível interno só conseguiriam olhar para dentro de cada
Estado. Desta forma, são as teorias de nível regional as que possuem melhores
condições para explicar o fenômeno da integração no Sudeste, bem como no Leste
da Ásia. Dentro das teorias de nível regional, que se diferenciam do nível sistêmico
que tem como característica a abordagem de ‘fora para dentro’, o estudo é feito do
nível regional para o internacional ( o que também o diferencia do nível interno que
tem uma abordagem do nível interno para o nível regional e internacional) o que
torna possível analisar questões regionais mais que no nível sistêmico, e questões
internacionais, mais que no nível interno.
Procurando dar ênfase antes à região que ao sistema – afinal trata-se de
regionalismo – tanto Construtivismo como Neofuncionalismo e Institucionalismo
neoliberal tem algumas contribuições para o estudo da integração no Leste da Ásia.
Contudo, residem no Institucionalismo neoliberal os mais completos pressupostos
para o estudo dos casos da ASEAN e ASEAN+3 no que diz respeito à integração,
31

uma vez que este estudo utiliza-se da orientação ontológica fundacionalista para
explicar também a integração na região. .
Apesar de algumas noções do construtivismo muitas vezes serem aplicadas
aos casos da ASEAN e da ASEAN+3 por diversos estudiosos do assunto (BA, 2009;
NARINE, 2009; ACHARYA, 2008 e outros) por questões de identidades,
reconhecimento e simpatia mútuos, assuntos delicados pelo passado histórico da
região, é o Institucionalismo neoliberal que.continua explicando a integração
baseada no comércio e na figura forte do Estado indispensável, enquanto
proponente de alianças e integração amistosa, para o bom funcionamento do bloco.
O que é possível perceber, é que apesar de inimizades e identidades diversas, e as
vezes ausência de simpatia mútua, o bloco foi um dos que mais se desenvolveu nas
últimas décadas. É plausível pensar que Estados que se identificam uns com os
outros, costumam argumentar a favor de uma mesma questão ou contra outra, mas
o comércio no bloco e o papel do Estado na cultura principalmente da ASEAN14
parece mostrar-se superior a isso, mantendo o bloco e seu crescimento apesar dos
diversos casos de inimizade e passado histórico conturbado.
Uma vez definida a melhor corrente teórica para trabalhar as questões da
integração regional na região do Leste Asiático, torna-se possível encaixar a ASEAN
e seu desdobramento estrutural nas cinco categorias que formam o conceito de
regionalismo segundo Hurrell (1995). A abordagem deste trabalho é voltada para
pelo menos três das cinco categorias colocadas pelo autor: a Coesão Regional, a
Cooperação Regional entre Estados e a Integração Regional promovida pelo
Estado.
Dentro da categoria de Coesão Regional dá-se destaque à duas das quatro
subcategorias que a formam: a Cooperação Regional entre Estados e a Integração
Econômica promovida pelo Estado. A primeira destas categorias se encaixa no
contexto atual da ASEAN, uma vez que é caracterizada como mais ampla e típica de
blocos que estão em formação e/ou fase de transformação, por poder se encaixar
tanto em regimes mais “frouxos” quanto mais formais no que tange à existência ou
não de instituições. Além disso, segundo Hurrell, a Cooperação Regional pode servir
a diversos propósitos, desde “respostas a desafios externos e à necessidade de
coordenação das posições regionais nas instituições internacionais” (HURREL,

14
Para melhor explicação sobre este assunto ver a seção de ASEAN-Way no próximo capitulo
32

1995, p. 28) até “para assegurar ganhos de bem-estar, promover valores comuns ou
resolver problemas comuns.”(IBID) Ainda segundo o autor, esta categoria serve bem
ao campo de segurança institucionalizada ou não, e ambas podem corresponder a
ASEAN tanto em seu período inicial durante o “velho regionalismo”15, com o
estabelecimento de um ‘agrupamento de segurança’ não-institucionalizado, quanto à
ideia da Comunidade de Segurança da ASEAN.16
Porém a categoria que mais se aproxima da ASEAN é a categoria da
Cooperação Regional Entre Estados e o fato de reforçar e promover a atuação do
Estado, mesmo que seja em conjunto como é o caso do bloco, é como prevê o
institucionalismo neoliberal. (HURREL, 1995). A categoria da Integração Regional
promovida pelo Estado, também se faz presente neste estudo uma vez que bem
como a categoria anterior, aborda a integração feita através da vontade dos
governos, como é o caso da ASEAN desde sua fundação em 1967. Contudo, uma
característica das mais importantes desta categoria é a presença de estágios de
integração que em teoria evoluem de eliminação de barreiras comerciais até o
desenvolvimento de políticas comuns como no modelo europeu, mas que podem
parar antes da criação de políticas comuns como é o caso do presente momento da
ASEAN.
As demais categorias – leia-se Regionalização; Consciência e Identidade
Regionais – também podem caracterizar a ASEAN de acordo com a escolha teórica
que é feita. Enquanto a Regionalização lembra mais o Neofuncionalismo, pois dá
grande ênfase não só a integração da sociedade em níveis mais altos, mas também
à importância das empresas e das redes estabelecidas sem a necessidade da
intervenção do Estado; a Consciência e Identidade Regionais lembra o
Construtivismo com todo o discurso da consciência e identidade regionais como pré-
requisito para a formação de uma área de integração regional. Apesar de ambas as
categorias estarem dentro do nível de análise regional (o escolhido para tratar da
ASEAN através do Institucionalismo neoliberal), não se encaixam na escolha teórica

15
É considerado velho regionalismo, por alguns autores, o fenômeno regional que ocorreu do fim do século XIX
até a década de 1980. Os acordos do velho regionalismo eram basicamente ou comerciais – de criação de
comércio – ou militares. O velho regionalismo também é conhecido por privilegiar o regionalismo fechado, ou
seja, favorecendo o comércio intra-regional vis-à-vis o extra-regional. (Notas de aula de Integração Regional,
ministrada pela Profª Patrícia Nasser Carvalho– 01/09/2009)
16
A Comunidade de Segurança da ASEAN foi concebida em 2003 pelos líderes do bloco para ser construída
com a evolução deste, bem do Fórum Regional da ASEAN criado em 1994 e que envolve membros e não-
membros da ASEAN.). Disponível em: http://www.aseansec.org/64.htm
33

feita para satisfazer o objeto de pesquisa, mesmo sem serem completamente


destoantes em relação à questão da integração regional na ASEAN e seu
desdobramento estrutural, já que possuem algumas contribuições neste sentido,
mas que não são aproveitadas nesta pesquisa.

1.3 Liderança em Perspectiva Teórica

Nabers(2008) e Young (1991) são autores que tratam não só da questão pura
e simples da liderança, mas também quando aplicada à disputas dentro de
instituições regionais e à formação de regimes e instituições no cenário
internacional. Para Nabers (2008), que trata em seu artigo da disputa entre China e
Japão pela liderança através dos mecanismos regionais do Leste da Ásia, a
liderança de um Estado forte com destaque internacional é indispensável para que
um grupo de países seja levado a agir de forma coletiva. A ASEAN como instituição
não possui um país que possa ser considerado líder, apesar de Indonésia, Tailândia
e Malásia terem um destaque maior dentro da associação. Por outro lado, na
ASEAN+3, China e Japão são países com grande destaque internacional,
capacidade de guiar a instituição à ação coletiva e vontade de fazê-lo.

A liderança tem um papel importante quando é necessário abordar problemas


internacionais relevantes [...]. Uma liderança forte parece ser essencial para guiar e
direcionar um grupo de países à ação coletiva. Por outro lado, a cooperação entre
atores internacionais levanta questões como de que maneira se deve dividir custos e
benefícios, especialmente quando alguns atores são econômica e/ou militarmente
mais poderosos que outros. Mesmo que a adesão em uma instituição regional ou
global seja inclusiva e que regras de votação sejam representativas, alguns Estados
possuem consideravelmente mais peso que outros porque suas vozes são
consideradas cruciais para o resultado do processo político. Esses Estados podem
17
ser considerados "líderes" em assuntos internacionais. (NABERS, 2008, p. 5,
tradução nossa).

Nabers (2008) divide a liderança a partir de conceitos teóricos em dois tipos


básicos: aquela que depende de capacidades materiais, e a que está voltada para o
intersubjetivo. A liderança baseada em capacidades materiais está descrita em
teorias tidas como racionalistas como o realismo, o neorealismo e dentro dele a

17
O texto em língua estrangeira é: Leadership plays a crucial role in tackling internationally relevant problems
[…]. Strong leadership seems to be essential for guiding and directing a group of countries towards collective
action. On the other hand, cooperation between international actors raises questions about how to share both
costs and benefits, especially when some actors are economically and/or militarily more powerful than others.
Even if membership in a regional or global institution is inclusive and voting rules are representative, some states
may carry considerably more weight than others because their voice is considered crucial for the outcome of the
political process. These states can be considered “leaders” in international affairs.
34

teoria da estabilidade hegemônica e a teoria da transição de poder, e outras como o


Institucionalismo neoliberal, enquanto a liderança caracterizada pelo intersubjetivo é
considerada mais complexa pelo autor e se volta para questões menos palpáveis
como a concepção de poder baseada no discurso e a reformulação de interesses e
identidades.
As teorias de liderança que envolvem a capacidade material dos países se
apresentam como racionalistas e traduzem os pensamentos destas escolas de
Relações Internacionais, muito ligadas no factual e no tangível tanto dos Estados
quanto do sistema internacional como um todo. Sobre a liderança, os realistas
clássicos acreditam que as capacidades de poder de cada Estado são o que
determinam suas escolhas e que as instituições são sempre um reflexo do interesse
e do poder do Estado líder ou hegemônico. (NABERS, 2008)18. Dentro do
neorealismo, a corrente da Teoria da Estabilidade Hegemônica tenta ligar a
distribuição de poder com a criação e estabilidade de instituições (NABERS, 2008)19.
Para os teóricos da Estabilidade Hegemônica, as instituições são criadas por
Estados dominantes em períodos de hegemonia. Para esta teoria, a hegemonia de
um Estado está diretamente ligada ao sistema sobre o qual exerce a hegemonia(e
sem o qual não existiria como hegemon regional ou global), e deve contribuir para a
sua manutenção de paz e estabilidade além de prover bens públicos como um
sistema de livre comércio entre outros, arcando com seus elevados custos.
Segundo Nabers, a hegemonia pode funcionar provendo bens públicos no
curto prazo mantendo a estabilidade, mas no longo prazo, a instabilidade no sistema
internacional é inevitável devido a uma tendência de comportamento monopolista do
próprio hegemon. Além disso, o autor afirma que outras teorias neorealistas
contrariam a Teoria da Estabilidade Hegemônica ao afirmarem que a preocupação
dos Estados com ganhos relativos faz com que parem de cooperar uns com os
outros uma vez que um país aliado pode vir a se tornar um Estado inimigo e os
benefícios de uma cooperação podem se transformar em capacidades materiais que
podem ser usadas contra a integridade dos países (GRIECO, 1990;
MEARSHEIMER, 1994 apud NABERS, 2008). Uma das teorias tidas como

18
Para fazer esta construção da escola realista Nabers utiliza as idéias dos seguintes autores: CARR; 1964;
MORGENTHAU, 1967; WALTZ, 1959, 1979,
19
Para fazer esta construção da Teoria da Estabilidade Hegemônica Nabers utiliza as idéias dos seguintes
autores: KRASNER, 1985; STRANGE, 1983.
35

neorealistas que se colocam na contra mão da Teoria da Estabilidade Hegemônica


quando a questão é liderança é a Teoria da Transição de Poder que apesar de
possuir pouco detalhamento, para o autor, afirma que o desenvolvimento da riqueza
interna dos países tem impactos importantes nas suas políticas internacionais, que o
sistema internacional é uma hierarquia e não uma anarquia e que o poder relativo e
o peso do status quo internacional de um país são determinantes para o início da
guerra entre Estados. (NABERS, 2008)20.
Em relação ao realismo clássico, ao neorealismo e também à Teoria de
Estabilidade Hegemônica, a Teoria de Transição de Poder tem algumas diferenças
básicas como a importância que dá a alguns aspectos internos do Estado que não
são levados em consideração pelo realismo que trabalha com os Estados como
caixas pretas e o fato de enxergar o sistema internacional como hierárquico com os
países líderes como superiores nesta hierarquia e não como anárquico, como prega
o realismo em geral, afirmando ainda que há, dentro do sistema hierárquico
internacional, sub-hierarquias (NABERS, 2008)21, ou seja, lideranças regionais
responsáveis por manter a ordem, mesmo que constrangidas pelos líderes globais.
Diferente do que diz a Teoria de Estabilidade Hegemônica, a Teoria de Transição de
Poder afirma que o Estado líder ou hegemon obtém ganhos de sua posição de líder
e não gastos, distribuindo bens privados aos seus aliados com a finalidade de
garantir apoio ao arcabouço internacional que estabeleceu. Sendo assim, diferente
do que pensa a Teoria de Estabilidade Hegemônica, a Teoria da Transição de Poder
afirma que o Estado líder mantém seu poder e seu status, não fornecendo bens
públicos, mas benefícios privados aos seus aliados. (BUSSMANN & ONEAL, 2004
apud NABERS, 2008)
Nabers (2008) conclui que as teorias racionalistas que tratam de liderança, ao
contrário das teorias intersubjetivas, analisam a questão do poder ligado à liderança
sem levar em conta todos os aspectos do poder de acordo com a abordagem de
Steven Lukes (1974) que apresenta três elementos específicos do poder22. Para o

20
Para fazer esta construção da Teoria da Transição de Poder Nabers utiliza as idéias dos seguintes autores:
ORGANSKI, 1968; ORGANSKI & KUGLER, 1980; KUGLER & LEMKE eds., 1996; KUGLER & LEMKE, 2000;
TAMMEN ET AL, 2000; LEMKE, 2002; KUGLER & TAMMEN & EFIRD, 2004.
21
Para fazer esta construção da Teoria da Transição de Poder Nabers utiliza as idéias dos seguintes autores:
KIM, 1991,1992; LEMKE, 2002; KUGLER & TAMMEN & EFIRD, 2004
22
Apesar de Nabers (2008) citar as três faces do poder como de autoria de Lukes (1974), outros autores já
haviam anteriormente elaborado o que depois passou a ser convencionado como a primeira e segunda faces.
Dahl (1961) foi o responsável por observar o poder de acordo com a primeira face, enquanto Bacharch& Baratz
(1963) foram os pesquisadores que acrescentarem à primeira face de Dahl, uma segunda. Lukes (1974), por fim,
36

autor, partindo da colocação de Lukes, as teorias racionalistas cobrem apenas os


dois primeiros aspectos de poder: a primeira dimensão trata do poder que A exerce
sobre B para fazer algo que B preferiria não fazer e a segunda dimensão trata de
coerção, influência, autoridade, força e manipulação ao analisar o poder de
membros dentro de um grupo ou instituição em processo de decisão, onde suas
regras influenciam naturalmente a mobilização de recursos para agendas
concorrentes contra alguns indivíduos e/ou grupos de indivíduos e a favor de outros.
(LUKES, 1974 apud NABERS, 2008). O terceiro aspecto do poder, que não é
contemplado pelas teorias racionalistas, apenas pelas intersubjetivas, segundo o
autor, trata da hegemonia discursiva, ou seja, trata do poder que um Estado exerce
sobre outro influenciando, moldando ou determinando suas vontades e crenças.
Por outro lado, as teorias de liderança que estão voltadas para a
intersubjetividade23 se aproximam mais da teoria construtivista no campo das
Relações Internacionais, apesar da afirmação não ser feita pelo autor em seu artigo.
Tais características podem ser enxergadas uma vez que Nabers (2008) dá destaque
a questões de interação social e a modificação que esta provoca nos interesses e
identidades. Sobre a terceira dimensão de poder de Lukes (1974), Nabers (2008)
afirma que para que a liderança de um país seja bem sucedida e efetiva no cenário
internacional, o poder deve ser internalizado no intersubjetivo dos atores de
destaque que tem a intenção de iniciar um projeto hegemônico global ou regional
que de fato consiga guiar uma ação coletiva. O approach intersubjetivo que o autor
propõe não trata, ao contrário das teorias racionalistas, o interesse coletivo como
algo exógeno e dado de antemão, mas sim como algo intrínseco às interações
sociais.
A liderança efetiva de acordo com a teoria que envolve a intersubjetividade
está intimamente ligada à questão de convencimento e internalização do próprio
Estado e dos demais Estados, da condição de liderança e poder do país que pleiteia
a hegemonia seja global ou regional. Para que os outros Estados enxerguem a
liderança deste é necessário que as elites estrangeiras possuam, internalizada, a

foi quem elaborou o conceito da terceira face, como acréscimo conceitual às duas anteriormente expostas. (NYE,
2011)
23
“O termo Intersubjetividade, utilizado frequentemente pelos construtivistas, é equivalente ao de ‘conhecimento
comum’,que é usado na linguagem cotidiana. Ambos se referem às crenças mantidas por indivíduos sobre os
outros.” (NABERS, 2008 p. 10, tradução nossa) O texto em língua estrangeira é: The term ‘intersubjectivity,’
frequently used by constructivists, is equivalent to that of ‘common knowledge,’which is used in everyday
language. Both refer to the beliefs held by individuals about each other.
37

mesma visão internacional que o líder possui e que possivelmente, através do


convencimento e do discurso (e da concepção de poder baseada no discurso),
conseguiu introduzir no interesse coletivo e nas interações sociais dos demais
Estados.
A liderança, segundo esta teoria voltada para o construtivismo, possui
também grande importância no âmbito da negociação multilateral. Quanto mais
universal é a questão a ser analisada, e quanto maior é o número de Estados
participantes, mais importante é o papel da liderança efetiva para conseguir levar a
negociação a um consenso. Uma vez que quanto maior o número de países que
participam da negociação, maior e mais diversos são os interesses a serem
colocados em acordo, mais aceita internacionalmente deve ser a liderança para
levar aquele grupo de Estados a uma ação coletiva. Desta forma, a liderança
segundo a teoria intersubjetiva é “disputada e constituída por ideias compartilhadas
sobre o si próprio, os outros e o mundo, e isso depende da internalização
intersubjetiva de idéias, normas e identidades”24 (NABERS, 2008, p. 11).
Apesar de o autor afirmar que as teorias racionalistas ignoram a terceira
dimensão de poder, o Soft Power de Nye (2004) trata de várias das questões
apresentadas como a terceira dimensão do poder de Lukes (1974) que para Nabers
(2008) são exclusivas das teorias intersubjetivas na questão de liderança. Embora o
Soft Power não seja considerado uma teoria, mas um conceito, pode ser trabalhado
dentro das teorias racionalistas bem como da intersubjetiva, principalmente por tratar
de questões de poder e ter condições suficientes para ser aplicado nas questões de
liderança. Sendo assim, é possível enxergar certa similaridade entre o terceiro
aspecto do poder de Lukes (1974), as teorias intersubjetivas de poder e liderança de
Nabers (2008) e o Soft Power de Nye (2004).

Soft power é fazer com que os outros almejem os resultados que você almeja,
cooptando-os e não os coagindo. O Soft power está na habilidade de moldar as
preferências dos outros [...] fazer com que os demais comprem os seus valores.[...]
Soft Power não é simplesmente influência, uma vez que esta pode vir através do
hard power.[...] É também a habilidade de atrair, e atração muitas vezes leva ao
consentimento. [...] A diferença entre soft e hard power está na variedade de formas
de obter o resultado desejado. [...] usando poder econômico, [...] restringindo
preferências, [...] ou apelando para o senso de atração, amor ou dever do outro e
apelando para os valores comuns [...]. Se o outro foi persuadido a cooperar com

24
O texto em língua estrangeira é: disputed, and constituted by shared ideas about self, other, and the world, and
it relies on the intersubjective internalization of ideas, norms, and identities
38

seus propósitos sem nenhuma ameaça ou troca [...] o soft power está em
25
ação. .(NYE, 2004, ps.5-7, tradução nossa)

Mais recentemente, o próprio Nye (2011) trata da questão da terceira face ou


dimensão do poder de Lukes (1974) relacionado ao seu conceito de Soft Power. Na
verdade, o autor afirma que o soft power pode ser aplicado às três dimensões
citadas por Lukes (1974) sendo a primeira originalmente elaborada por Dahl (1961)
e a segunda por Bacharach e Baratz (1963). Vale ressaltar que, num primeiro
momento, parece pouco provável que o soft power possa coexistir com o hard power
dentro das duas primeiras faces do poder (a primeira que se baseia na coerção ou
seja na tentativa de induzir os outros a fazer algo que não gostariam de fazer, e a
segunda que se baseia na coerção na preparação e construção de agendas de
grupos ou instituições). No entanto, segundo Nye (2011) é possível inclusive que
não só o soft Power, mas também o hard power convivam na terceira dimensão de
poder.
O autor acredita que dentro da primeira dimensão, além de A poder se utilizar
de forço ou recursos financeiros para fazer com que B mude suas estratégias já
existentes, (hard power) também é possível que A use sua atração ou persuasão
para mudar as preferências existentes de B (soft power). Da mesma, forma dentro
da segunda dimensão do poder, é possível que A utilize de sua força ou recursos
financeiros para truncar a agenda (ou a agenda aspirante) de B, com a aprovação
ou não aprovação do país (hard power) bem como A pode usar sua atração ou suas
instituições para que B enxergue a agenda em questão como legitima (soft power).
Partindo deste pensamento, Nye (2011) afirma ainda que mesmo na terceira hard e
soft power podem estar presentes quando um país usa sua força ou seis recursos
financeiros para moldar as preferências de B (hard power) ou quando A usa sua
atração ou suas instituições para moldar as preferências iniciais de B (soft power).
Novamente, através da explicação de Nye (2011) é possível perceber que o
soft power está presente em todas as três faces do poder, e não somente na
terceira, o que significa que, mesmo as teorias racionalistas podem levar em
25
O texto em língua estrangeira é: No original: This soft power – getting others to want the outcomes that you
want – co-opts people rather than coerces them. Soft power rests on the ability to shape the preferences of
others. […] You also need to get others to buy in your values. […] Soft power is not merely the same as influence.
After all, influence can also rest on the hard power of threats or payments. […] It is also the ability to attract, and
attraction often leads to acquiescence. […] One way to think about the difference between hard and soft power is
to consider the variety of ways you can obtain the outcomes you want. […] by using economic power […] you can
restrict my preferences […] Or you can appeal to my sense of attraction, love, or duty in our relationship and
appeal to our shared values […] If I am persuaded to go along with your purposes without any explicit threat or
exchange taking place […] soft power is at work.
39

consideração questões qualitativas, como Furlong e Marsh (2010) já afirmavam em


seu artigo sobre ontologia e epistemologia na Ciência Política. Esta análise baseada
em Nye (2004; 2011) e Furlong e Marsh (2010) coloca em dúvida a afirmação de
Nabers (2008) de que apenas teorias intersubjetivas levam em consideração
questões qualitativas de cooptação, moldar preferências, atrair através de valores e
outros. Segundo Furlong e Marsh, a diferença básica entre a epistemologia das
teorias racionalistas que vão além da forma de pesquisa quantitativa e as teorias
intersubjetivas é que enquanto as teorias racionalistas utilizam métodos de pesquisa
quantitativos e qualitativos (por exemplo, no caso ora analisado, levando em
consideração o hard e o soft power), o que costuma refletir uma realidade
considerada objetiva, as teorias intersubjetivas utilizam-se apenas dos métodos
qualitativos e dão e entender que todas as relações e acontecimentos na política
26
internacional se resumem a questões de discurso, identidade e influência.
Embora bastante diversas e divergentes, as duas hipóteses teóricas
colocadas por Nabers (2008), devem ser vistas como complementares e inter-
relacionadas. Mesmo que o autor pareça dar preferência à teoria que envolve a
intersubjetividade, é notável, até mesmo pelo próprio autor, que se as teorias
racionalistas pecam por não tratar do poder relacionado ao discurso, a teoria
intersubjetiva dá pouco destaque às capacidades materiais que no atual cenário
internacional também importam. Sendo assim, Nabers (2008) cita Ikenberry e
Kupchan (1990) para apresentar as duas formas básicas de exercer a liderança: “a
primeira envolve incentivos materiais, que variam de sanções econômicas a ataques
militares [...]. A segunda [...] conta com a modificação de crenças básicas dos líderes
de outras nações"27 (IKENBERRY & KUPCHAN, 1990 apud NABERS, 2008). Apesar
de serem duas formas distintas de exercício da liderança, que resumem os dois
tipos básicos apresentados por Nabers (2008), não demonstram ser totalmente
independentes, o que faz com que uma reforce a outra no processo de política

26
Vale ressaltar que a definição de realidade (ontologia) para cada uma das duas abordagens é diversa e
segundo Furlong e Marsh (2010)pois para os fundacionalistas ou racionalistas o mundo ‘real’ existe
independente do nosso conhecimento sobre ele, enquanto para os anti-fundacionalistas ou intersubjetivos, o
mundo é socialmente construído e depende do conhecimento que temos sobre ele. Esta forma diversa de olhar
para a realidade apenas fortalece a critica feita a Nabers (2008) de que teorias intersubjetivas levam em conta
questões de influência indireta de um Estado sobre o outro e de hegemonia coletiva, enquanto as teorias
realistas se limitam apenas às questões de hard Power.
27
O texto em língua estrangeira é: first involves material incentives, which range from economic sanctions to
military strikes [...]. The second [...]relies on the modification of the basic beliefs of leaders in other nations
40

internacional, uma vez que coerção e persuasão coexistem no mesmo tempo e


espaço.
Young (1991), por sua vez, trata de questões como negociação internacional
e a natureza da liderança a ela relacionada, formação de regimes internacionais e
arranjos internacionais, além de classificar a liderança em três tipos diferentes:
liderança estrutural, empresarial e intelectual.

Liderança [...] é uma determinante crítica do sucesso ou falha no processo de


negociação institucional que domina os esforços para formar regimes internacionais,
ou de maneira mais genérica arranjos institucionais na sociedade internacional.
Ainda assim a liderança é um fenômeno complexo, mal definido, pouco entendido e
28
sujeito a controvérsias recorrentes entre os estudantes de assuntos internacionais.
(YOUNG, 1991, p. 281, tradução nossa)

Como forma de analisar as três diferentes formas de lideranças colocadas por


Young em seu artigo, considerado um marco nos modelos de liderança, e que ainda
é utilizado por diversos acadêmicos na área de assuntos internacionais,(NABERS,
2008) apesar de ser de 1991, é necessário iniciar este breve estudo partindo do que
o autor chama de negociação institucional, passando pela seção que trata da
natureza da liderança para, por fim, iniciar uma busca mais detalhada pelos três
modelos de liderança que são descritos pelo autor, uma vez que cada um dos
modelos está intimamente ligado não só com a questão da negociação institucional,
como também da natureza da liderança, que por sua vez está ligada também a
negociação institucional. A partir da explicação do conceito de negociação
institucional, é possível começar a entender de que forma esta questão se liga à
liderança e suas variadas formas.

O termo ‘negociação institucional’ refere-se aos esforços por parte de atores


autônomos para chegar a acordos entre si sobre os termos de contratos
constitucionais ou conjuntos interligados de direitos e regras que devem reger as
suas interações subsequentes. Ocasionalmente, estes contratos assumem a forma
de amplos acordos-quadro que abrangem a ordem básica ou os princípios de
ordenação de todo um sistema social. [...] Mais frequentemente, no entanto, a
negociação institucional foca em esforços para a provisão de acordos institucionais
mais especializados ou regimes que cubram áreas e assuntos mais particulares, em
29
contraste com o ordenamento básico dos princípios da sociedade internacional.
(YOUNG, 1991, p. 282, tradução nossa)

28
O texto em língua estrangeira é: Leadership [...] is a critical determinant of success or failure in the processes
of institutional bargaining that dominate efforts to form international regimes or, more generally, institutional
arrangements in international society. Yet leadership is also a complex phenomenon, ill-defined, poorly
understood, and subject to recurrent controversy among students of international affairs.
29
O texto em língua estrangeira é: The phrase "institutional bargaining" refers to efforts on the part of
autonomous actors to reach agreement among themselves on the terms of constitutional contracts or interlocking
sets of rights and rules that are expected to govern their subsequent interactions.' Occasionally, these contracts
take the form of broad, framework agreements encompassing the basic order or ordering principles of an entire
social system.[...] More often, however, institutional bargaining centers on efforts to reach agreement on the
41

Segundo o autor, a negociação institucional e a liderança estão intimamente


ligadas, uma vez que a liderança surge quando os obstáculos no cenário
internacional impedem a negociação institucional. Dentre os obstáculos que põem
em risco a construção ou ação da negociação institucional a nível internacional
(cujos atores que geralmente entidades coorporativas ou coletivas como Estados
soberanos ou organizações internacionais) estão: divergências na composição do
grupo, dos participantes e da composição da agenda qualquer que seja a pauta
discutida de meio ambiente a comércio, bem como níveis diferentes de pressa ou
vontade entre os participantes de concluir o processo de negociação, muitas vezes
porque alguns membros estão ansiosos por fechar a negociação e outros tem sua
atenção desviada por questões internas que lhe demandam mais urgentemente que
a negociação institucional a nível internacional da qual fazem parte.
Nestes casos, a liderança significa a ação de indivíduos que buscam resolver
ou contornar problemas de ação coletiva que minam os esforços das partes que
almejam ganhos coletivos dentro de uma negociação institucional. A interferência de
um ator que represente o papel de líder não corresponde necessariamente a uma
resposta positiva no campo dos resultados, mas a existência de uma liderança traz a
possibilidade do sucesso para a negociação, agindo na maioria das vezes no
desenvolvimento de contratos ou disposições que agradem a todos os participantes
a ponto de aceitarem as clausulas que devem guiar a negociação institucional.
Em seu artigo, Young (1991) opta por uma abordagem behaviorista 30, com
ênfase no indivíduo, para tratar os três tipos de liderança que desenvolve. O autor
afirma que a Teoria da Estabilidade Hegemônica não consegue explicar a liderança
no cenário internacional pois um hegemon é entendido apenas como um Estado que
possui destaque quanto as capacidades materiais e não quanto a assuntos de áreas
individuais ou da sociedade internacional como um todo. Além disso, o autor afirma
que tal teoria não pode ser totalmente comprovada empiricamente, uma vez que há
diversos casos que vão ao contrário de sua hipótese principal de que a presença de
uma hegemonia constitui necessariamente um ambiente propício para a formação
de acordos internacionais bem sucedidos.

provisions of more specialized institutional arrangements or regimes covering particular issue-areas in contrast to
the basic ordering principles of international society.
30
Conjunto de teorias oriundas da Psicologia que entendem que a análise do comportamento é o objeto mais
adequado para o estudo das circunstâncias.
42

Apesar das fortes afirmações em relação à Teoria da Estabilidade


Hegemônica, o autor é enfático ao afirmar que, embora esteja trabalhando com o
nível do indivíduo e não com o nível dos Estados ou instituições internacionais, os
indivíduos que na grande maioria das vezes assumem o papel de líder estão
atuando em nome de um Estado ou de uma instituição. Contudo, para Young (1991),
ao final é o comportamento destes indivíduos que devem ser explorados para avaliar
o papel que as lideranças têm na formação de negociações institucionais. O autor
critica a Teoria da Estabilidade Hegemônica e inclusive o fato de Kindleberger
(1973), um de seus defensores, não responder claramente se na questão das
negociações institucionais a nível internacional os atores considerados líderes são
indivíduos ou entidades coletivas como o Estado. Todavia, Young (1991) cai na
mesma armadilha, fazendo apenas a escolha pelo indivíduo, mas afirmando que na
maioria das vezes ele representa um Estado ou uma instituição.
Desta forma, é possível teorizar que, embora o indivíduo seja o meio pelo
qual a liderança é exercida, o Estado é o fim, pois são as ordens e desejos do
Estado como entidade coletiva que o indivíduo irá acatar e colocar em ação. Sendo
assim, para tratar os três tipos de liderança propostas pelo autor, sairemos do plano
micro, do indivíduo, e utilizaremos o plano macro, do Estado, sem ignorar a
importância do indivíduo no processo de liderança internacional, mas dando ênfase
ao fato de que o indivíduo é o meio, e o Estado ou a instituição que representa é o
que está por trás de suas escolhas e ações. Partindo do tratamento da liderança
voltado para o papel do Estado, mesmo que executada por um indivíduo, Young
apresenta três formas de liderança (estrutural, empresarial e intelectual), e todas
permitem a existência do Estado como ator relevante, de alguma forma, nas
abordagens que se baseiam no individuo. Sendo assim, é partir do papel do Estado
que serão feitas as análises a seguir.
A primeira forma de liderança, a estrutural, segundo o autor, necessita de um
indivíduo que necessariamente age em nome de um Estado que faz parte de uma
negociação institucional a nível internacional, e que traz as capacidades materiais do
país (ou seu poder estrutural) como forma de mostrar sua relevância no cenário
internacional, e desta forma alavancar seu poder de barganha dentro da negociação
frente aos demais indivíduos que representam outros países. O segundo tipo de
liderança, a empresarial também é focada no indivíduo que pode ou não, mas na
43

maioria das vezes representa os interesses de um grande stakeholder31 - pensando


que o Estado pode também ser um stakeholder de empresas, e no caso japonês e
chinês, geralmente o é – dentro da negociação institucional e que procura liderar
utilizando suas habilidades de negociação para influenciar a maneira como as
questões são colocadas dentro do grupo que participa, buscando criar acordos que
reúnam as partes interessadas e que tragam benefícios a todos os participantes. Por
fim, a liderança intelectual é exercida por um indivíduo que também pode ou não ser
afiliado a um ator do cenário internacional (Estado ou instituições multilaterais) e que
utiliza o poder das ideias não só para moldar a forma como os demais participantes
de uma negociação institucional enxergam as questões ali tratadas, mas também
para orientar seus pensamentos quanto as opções disponíveis para resolver tais
questões. (YOUNG, 1991)
O autor afirma que mesmo que as formas de liderança por ele descritas sejam
analiticamente diversas, e que cada um dos diferentes papeis de líder recaia,
geralmente, sobre indivíduos diferentes, alguns deles utilizam um ou mais destes
papeis quando dentro de negociações institucionais a nível internacional como
estratégia para alcançar seus objetivos finais. Desta forma, é possível pensar que
cada um dos tipos de liderança não existe ou são postos em prática isoladamente,
na verdade pode haver uma amalgama entre todos eles. Partindo deste princípio é
razoável acreditar que, se um único indivíduo representando a instituição do Estado
em uma negociação internacional pode assumir um ou mais dos papeis de liderança
que são descritos por Young (1991), o Estado como indivíduo macro, ou como ator
das Relações Internacionais também é capaz de assumir os três papeis de liderança
no sistema internacional como um todo, bem como em instituições internacionais ou
regionais específicas.
A partir dessas análises decorrentes do texto de Young (1991), o que é
possível ser feito partindo da tipologia de três lideranças do autor, adaptada para o
papel do Estado antes do indivíduo, é utilizar as três formas de liderança
encontradas não só nas ações do Japão como também da China na região do Leste
Asiático e mais especificamente dentro das instituições da ASEAN e da ASEAN+3,
para medir de que forma cada um dos atores busca exercer os diferentes tipos de
liderança na região. Desta forma, a intenção é estabelecer uma comparação direta

31
Pessoa, grupo, organização ou sistema que afeta ou pode ser afetado por ações de uma organização ou
empresa, parte interessada ou interveniente.
44

entre os dois Estados e medir qual deles possui maior e mais densa liderança
estrutural, empresarial e intelectual dentro das instituições que, cada vez mais
representam o Leste da Ásia. Sendo assim, na soma final relativas às três formas de
liderança, poderá ser possível estabelecer qual dos dois países tem maior condição
de se tornar um líder regional, mesmo que não seja de forma exclusiva.

1.4 Liderança Regional em Perspectiva Teórica

A literatura de liderança regional, ao contrário da literatura de liderança no


campo do Sistema Internacional, é relativamente nova, datando principalmente do
início da década de 1990 com o Pós-Guerra Fria, quando o regionalismo se
aprofundou em uma instância global e começou a surgir o questionamento que leva
a este campo de estudo: como as regiões são lideradas? (OSTERUD, 1992 apud
DENT, 2008). Entretanto, além de recente, a questão da liderança regional, segundo
o autor, ainda é negligenciada na academia, uma vez que as teorias clássicas de
Relações Internacionais e Economia Política Internacional costumam dar maior
importância ao nível global antes do regional quando o assunto é liderança ou
hegemonia. Dent (2008), por sua vez, trata a questão da liderança regional contrária
à forma da mainstream das teorias de Relações Internacionais, que teoriza sobre
liderança internacional. Segundo o autor, é necessário abrir a caixa-preta do Estado
e entender a liderança regional não apenas em um ‘nível-nacional’, mas procurar no
interior de cada Estado, os atores e grupos de pressão e interesse que guiam a
atuação do Estado e o fazem buscar a liderança naquela região da maneira como o
fazem.
De acordo com Dent (2008) as teorias de mainstream que tratam da liderança
costumam ser voltadas para estudos que incluam os Estados Unidos ou o seu
interesse, adotam um approach centrado no Estado como ator unitário, se fixam em
hegemonias, hierarquias e formas hard de poder para exercer a liderança e se
focam em análises baseadas em poder com ênfase na hegemonia ou dominância e
em ações unipolares. Sendo assim, o autor acredita que como a maioria das escolas
de mainstream tomou como maior ponto de referência a escola burguesa de
liderança no sistema internacional, dominada por trabalhos de escolas norte-
americanas preocupadas apenas com a posição de superpotência do país, elas não
45

se mostram completamente aptas a lidar com outras situações mais diversas e


específicas.
Katzenstein (1976;1978) foi um dos primeiros a tentar abrir a caixa-preta32 do
Estado-unitário destacando as influências que a política e as instituições internas do
país teriam no comportamento da construção da política externa. Apesar de esforços
externos, as principais abordagens de liderança das Relações Internacionais ainda
são baseadas em premissas teóricas do realismo e do neorealismo como a primazia
do Estado-nação, os princípios positivistas e empiricistas, as abordagens
racionalistas, e o determinismo das capacidades materiais (poder) quanto a escolha
dos Estados. Desta forma, o que os racionalistas costumam entender como a base
material da liderança é o poder, ou seja o hard power traduzido na capacidade
militar, tecnológica, econômica e tecnocrática do Estado. (KATZENSTEIN 1976;
1978 apud DENT, 2008).
Contudo, trabalhar com concepções múltiplas de poder se mostra
fundamental quando o assunto principal é liderança, uma vez que poder e liderança
internacional se tornaram fortemente associados no campo empírico, já que a
capacidade de exercer a liderança no cenário internacional deriva e depende de
diversas formas de poder. Além dos realistas e neorealistas, que segundo o autor,
possuem uma visão muito estreita sobre o que é poder, outras escolas também
possuem sua própria concepção de poder. O institucionalismo neoliberal dá ênfase
ao fato de que Estados com interesses convergentes criam organizações e
arcabouços multilaterais capazes de domar o poder estatal, uma vez que tais
organizações e arcabouços possuem normas e regras próprias e, portanto formas
intrínsecas de poder. O construtivismo social, por sua vez, destaca a importância
das estruturas e processos normativos de aprendizado e persuasão mútuos
(baseados em valores particulares, ideias, identidades e etc) que moldam o
comportamento do agente no sistema internacional, e podem ser entendidos como
uma fonte de poder e influência. (BARNETT ; DURVAL, 2005 apud DENT, 2008)
Além de tratar do institucionalismo neoliberal e do construtivismo social como
formas alternativas de entender e pensar o poder, o autor também procura trabalhar
o conceito de soft power e da Teoria da Estabilidade Hegemônica, ambos já

32
“De forma geral, os realistas tomam o Estado como uma ‘caixa-preta’ e o encaixam dentro do que chama de
modelo da ‘bola de bilhar’ (billiard-ball). Isso os leva a abstrair os processos internos de tomada de decisão e as
motivações políticas que levam os Estados a agir no plano internacional e a destacar exclusivamente a dinâmica
da relação entre estas ‘caixas’ ou estas ‘bolas’.” (NOGUEIRA & MESSARI, 2005, p. 25)
46

mencionados anteriormente no capítulo. Sobre o soft power, Dent comenta que ao


contrário do hard power trabalha com conceitos, mesmo que muito gerais, da
habilidade de um país moldar as preferências dos outros, bem como de cultura,
normas, ideais e valores que podem ajudar a legitimar a política externa de certos
Estados mais poderosos, e funcionar como uma forma de ‘diplomacia pública’ onde
um Estado influencia todo um sistema a partir de sua cultura, símbolos e outros.
Entretanto, apesar de demonstrar uma análise diferente das perspectivas
tradicionais, bem como apontar que cada Estado tem seu tipo de soft power,
incluindo China e Japão nesta categoria, para Dent (2008), tal conceito de poder
continua a ser exclusivamente voltado para os EUA devido ao destaque dado a este
país quando da elaboração do soft power cujo modelo de fato foi os Estados Unidos.
Quanto a Teoria da Estabilidade Hegemônica, o autor afirma que se trata de
um outro pensamento norte-americano sobre liderança, assim como o soft power.
Esta teoria, como já dito anteriormente, se baseia em conceitos realistas e
neorealistas, e afirma que o sistema internacional é fixado no poder de um Estado
hegemônico – e dele dependente – que é o responsável por (promover o bem
público internacional33) com o intuito de manter a estabilidade do sistema e
incentivado a fazê-lo uma vez que se caracteriza como o principal beneficiário dos
resultados positivos advindos do sistema. Consequentemente quando os custos se
sobrepõem aos benefícios, o hegemon, partindo de uma escolha racional, deixará
de se encarregar destes deveres. Os críticos desta teoria afirmam, no entanto, que a
estabilidade econômica internacional não é exclusivamente dependente da
existência de uma hegemonia global, e que ao contrário, o excesso do uso do poder
hegemônico de forma questionável, pode gerar feitos desestabilizadores antes que
estabilizadores no cenário internacional. (DENT, 2008)34.
Ainda sobre teorias da mainstream, citadas a cima, o autor afirma que
costumam tratar hegemonia e liderança – conceitos diferentes – como sinônimos.
Enquanto a hegemonia é classificada por Dent (2008) essencialmente como status
de poder, o que configura dominação, controle e supremacia (muitas vezes através
do hard power), a liderança deve ser enxergada mais como um esforço conjunto ou

33
Bem público internacional é entre outras coisas: medidas antipirataria, assistência humanitária e ajudas pós-
desastres e segurança das linhas marítimas. (YAHUDA, 2008).
34
Para ter maior base para tratar das críticas da Teoria da Estabilidade Hegemônica Nabers utiliza os seguintes
autores: SNIDAL, 1985; GRUNBERG, 1990; BEESON, 2008.
47

consensual, criando uma ideia de parceria. Partindo da distinção destes dois


conceitos, cabe afirmar que hegemonia é mais que liderança, e vice-versa uma vez
que ser hegemônico significa exercer liderança, mesmo que de forma coerciva,
ignorando os princípios do consenso, e ser líder engloba questões mais profundas e
coletivas, e permite que outros atores que não sejam hegemônicos exerçam
liderança em grupos, regiões e temas. Contudo, apesar das críticas que o autor faz
às teorias mainstream que tratam hegemonia e liderança como sinônimos, é
possível perceber que, em certos momentos, liderança e hegemonia se confundem
no atual cenário internacional, o que no pensamento racional, pode ser entendido
como uma mesma coisa, principalmente quando é feita a distinção entre “liderança
global” e “liderança regional”.
No âmbito do Leste Asiático mais especificamente, o autor aponta algumas
configurações regionais que são o resultado de uma perspectiva de liderança
regional sob o olhar das teorias que privilegiam o Estado-macro, ou seja, sem
buscar entender as razões para a tomada de decisão interna dos Estados quanto a
liderança. Dent elenca então, uma série de possíveis cenários de liderança no Leste
Asiático, partindo de atores como China e/ou Japão que, segundo o autor são
apontados por diversos analistas como as “caixas-pretas” que tem condições de
exercer a liderança regional (DENT, 2008):
Liderança Contestada – China e Japão disputando a liderança
exclusiva da região;
Divisão de Trabalho – Acordo tácito ou explicito entre China e Japão de
serem responsáveis, cada um deles, por um ou mais aspectos (incluindo fóruns) da
liderança regional;
Co-liderança Geral – China e Japão formam uma ampla aliança (como
França e Alemanha na EU) para liderar a região e representá-la em âmbito global.
Co-liderança Alternativa – China e Japão buscam exercitar a co-
liderança com outros Estados do Leste Asiático;
Coalizão de Lideranças – China e Japão exercem a liderança regional
através de diferentes subsistemas de Estados do Leste Asiático em questões
particulares;
48

Liderança Através de Grupos de Consenso – China e Japão não


surgem como liderança regional, que será exercida por grupos ou organizações
regionais através do consenso;
Matriz ou Combinação Simultânea dos Cenários Acima – considerar a
pluralidade e a co-existência dos exercícios de liderança regional como meio de
pensar a complexidade do objeto;
Liderança Nula – caso Japão e China se neguem a exercer a liderança
regional, ou tais países tentem cancelar a tentativa do outro de tornar-se líder.

Após tratar das teorias que considera como sendo de mainstream no quesito
liderança internacional, o autor apresenta algumas teorias emergentes relativas à
liderança regional, ou seja, passando do nível sistêmico para o nível regional, sendo
assim teorias mais especializadas dentro de um terreno mais específico. Estas
teorias como um todo partem do pressuposto de que se vive em um mundo
multipolar, ou seja, de regiões e não hegemônico e dominado apenas pela potência
global, o que por conseguinte apresenta potências regionais independentes da
existência da global. (DENT, 2008)35. Todavia, o autor também critica as teorias
emergentes, uma vez que grande parte de sua literatura se apoia nas teorias de
liderança internacional da mainstream, o que resulta no destaque das capacidades
materiais dos Estados, bem como na noção de hegemonias regionais.
Em algumas dessas teorias, segundo o autor, os termos ‘grandes potências’ e
‘potências regionais’ são trabalhados como sinônimos, mas, discordando do autor é
possível acreditar que esta seja uma questão parecida com a que ocorre com os
termos de hegemonia e liderança nas teorias mainstream, sendo possível haver uma
grande potência que também seja uma potência regional, mas não uma potência
regional que seja necessariamente uma grande potência. Segundo Dent (2008), o
termo ‘potência regional’ acaba por significar o Estado que é hegemônico ou
dominante em uma dada região, como é o caso de China e Japão no Leste da Ásia,
o que, dentro das teorias de liderança regional que derivam das teorias de liderança
internacional, não parece ser um problema. Entendendo que é aceitável pensar na
liderança regional destinada à potência(s) regional(is), ou seja a Estado(s) que
exerce(m) dominância em certa região, Flemes (2007) lista uma série de
35
Para tratar das teorias emergentes em liderança regional Nabers utiliza os seguintes autores: BUZAN &
WÆVER, 2003; FLEMES, 2007; HURRELL, 2006; KUPCHAN, 1998; LAKE & MORGAN, 1997; NABERS, 2006.
49

determinantes que caracterizam uma potência regional: reivindicação de poder;


recursos de poder; empregos de instrumentos de política externa e a aceitação da
liderança. Depois de caracterizado segundo as terias emergentes, o líder regional
tem dois papeis principais a exercer: estabilizar a região no que diz respeito aos
assuntos de segurança, e criar regras para a economia regional, o que de certa
forma se aproxima do approach da teoria da Estabilidade Hegemônica (FLEMES,
2007 apud DENT, 2008).
Outras teorias emergentes de liderança regional dão maior destaque à
coesão doméstica e a capacidade do Estado de exercer a liderança regional tendo
como condição primordial os fatores políticos internos daquele país. Um exemplo do
que tais teorias pretendem com esta ênfase no interno está justamente no Leste da
Ásia. A Indonésia é o segundo maior país da região em termos geográficos e
populacionais, e no passado se colocou como um líder regional na comunidade do
Sudeste Asiático (como será visto no próximo capitulo), mas devido a sua baixa
coesão doméstica não possuiu as capacidades necessárias para se manter como
um líder regional a nível internacional. (SCHOEMAN, 2003 apud DENT, 2008).
Dent também afirma ser importante, dentro das teorias emergentes, a
aceitação dos países vizinhos quanto ao status de líder regional do país aspirante.
Esta abordagem trata do conceito de ‘hegemonia cooperativa’ que busca entender
as razões pelas quais as potências regionais buscam institucionalizar a região e
desenvolver uma estrutura de governança regional organizada por um país líder. A
hegemonia cooperativa funciona através da negociação (ou barganha) entre a
potência regional e os outros membros da instituição regional que possui benefícios
como ganhos de escala, ganhos de estabilidade e ganhos de difusão – neste caso
das ideias da potência – mas também possui desvantagens, principalmente para a
potência regional, como divisão de poder com os países vizinhos via instituição,
compromisso de longo-prazo, e alto custo indireto na maioria das vezes para
garantir bens públicos para a região. (PEDERSEN, 2002 apud DENT, 2008).
Embora apresente as teorias emergentes sobre potências regionais e
liderança regional, o autor as critica da mesma forma que faz com as teorias de
liderança internacional justamente por possuírem premissas ou perspectivas
analíticas muito próximas, mesmo que voltadas para as regiões, e principalmente
por focarem muito mais na potencial que na liderança regional. Portanto, Dent
(2008) procura desenvolver uma nova agenda de pesquisa para estudar mais
50

especificamente a liderança regional e seu expoente no Leste Asiático. O autor


acredita que para tratar de forma plena a liderança regional, as abordagens devem
combinar análises positivistas e normativas, com ênfase na explicação não na
previsão.
O principal motivo que faz com que o autor prefira abordagens que fujam da
mainstream é o fato de que estas geralmente só respondem perguntas que são
voltadas para as questões dos Estados Unidos, e o maior dos problemas é que até
mesmo a maior parte das escolas do Leste Asiático tende a utilizar teorias e
conceitos voltados para o ocidente como forma de estudar suas próprias questões,
uma vez que a maioria dos estudiosos da região são treinados nos EUA ou na
Europa. Apesar de não ser a visão do autor, acreditamos que mesmo as teorias
criadas para responder as perguntas dos EUA podem muitas vezes ser adaptadas
e/ou combinadas com outras teorias e/ou conceitos mais específicos para prever ou
explicar assuntos, mesmo que provenientes de outras partes do globo. No entanto,
acreditando ser pouco possível adaptar e/ou combinar conceitos e teorias regionais
e da mainstream o autor propõe uma série de temas-chave de análise para estudar
a liderança regional no Leste Asiático como uma forma de iniciar novas abordagens
analíticas sobre o assunto.
Além de apresentar conceitos como de Multi-agência e Multi-estrutura no
exercício da Liderança Regional; e auto-identificação ou auto-associação do Estado
líder com a região, o autor apresenta os conceitos-chave de Multilateralismo
Regional e de Multilateralismo Global. Estes dois últimos conceitos se configuram
como os mais importantes para Dent (2008), uma vez que são colocados como um
ponta-pé para que surjam novas abordagens de liderança regional específicas para
o Leste Asiático.
Sobre o multilateralismo-regional, o autor afirma que existe uma relação muito
forte entre o multilateralismo e o regionalismo surgindo, principalmente no Leste
Asiático. Com o multilateralismo entendemos que é um conceito inclusivo que conta
com o engajamento de varias partes (geralmente Estados) co-administrando uma
instituição ou órgão, na busca de atingir objetivos coletivos. Desta forma, o
multilateralismo-regional se torna um dos meios mais importantes para que China e
Japão exerçam sua liderança. Uma vez que o regionalismo no Leste Asiático se
fortaleceu e os países da região se mostraram cada vez mais engajados em
diversos acordos e organizações regionais, contribuindo para o crescimento do
51

processo de criação de uma comunidade regional, o multilateralismo-regional se


apresenta como a ferramenta mais assertiva para que Japão e China demonstrem
sua responsabilidade como líderes regionais, e diminuam o medo e a desconfiança
que países vizinhos possuem sobre ambos.
Por este motivo, primeiro o Japão e mais recentemente a China se mostram
interessados em promover o multilateralismo-regional para que possam penetrar da
maneira mais correta na região. A perda de poder relativo dos EUA na região do
Leste da Ásia também contribuiu para que Japão e China aumentassem seu
exercício de liderança na região via acordos multilaterais emergentes como a
ASEAN+3 e outros. O acontece na região, segundo Dent, e também em outras
partes do mundo é uma relação inter-constitutiva e co-determinante cada vez mais
próxima, o que cria através do aprofundamento do multilateralismo-regional maiores
oportunidades para que a liderança dos dois atores mais proeminentes da região
aflore, mesmo que com fardos a carregar.
Em relação ao multilateralismo-global, Dent (2008) afirma que também se
relaciona fortemente com a liderança regional, possuindo dois aspectos principais: o
primeiro é sobre como os atores que são líderes regionais representam o interesse
da comunidade da região em fóruns da comunidade global; e o segundo está
voltado para a maneira como o exercício da liderança regional afeta a natureza e o
funcionamento dos principais mecanismos de governança global. O que fica
caracterizado de acordo com o que Dobson (2008) afirma é que quando possuem
certo destaque global, os líderes regionais conseguem chamar certa atenção para si
e também para a região que lideram quando dentro de instituições multilaterais
globais, mas cabe a cada Estado que é líder regional buscar representar mais seus
interesses e menos o da comunidade que representa ou vice-versa. (DOBSON,
2008 apud DENT, 2008).
Mesmo que Dent (2008) procure desenvolver novas abordagens teóricas para
a liderança regional do Leste da Ásia saindo do campo da mainstream, o que fica
claro nos últimos conceitos-chave que delineia, é que apesar de combinarem
análises positivistas e normativas, as positivistas parecem estar em maior destaque,
mesmo que identidades e o conceito de multi-agente e multi-estrutura tenham sido
utilizados para chegar aos conceitos-chave que apresentou. Apesar da critica válida,
a conclusão que se pode chegar é que apenas análises normativas não conseguem
52

explicar totalmente a liderança seja internacional ou regional, mas podem servir


como forma de enriquecer as análises de cunho positivista.
Partindo do que fora apresentado por Dent (2008), é razoável pensar que
tanto as teorias emergentes que o autor traz como uma alternativa às teorias
mainstream mas que segundo o próprio ator derivam delas, bem como os conceitos-
chave por ele lançados podem ser ferramentas úteis para ajudar a formar a
perspectiva teórica da pesquisa. Mais especificamente, nas teorias emergentes
sobre liderança regional, aquela que trata das ‘grandes potências’ e ‘potências
regionais’ (FLEMES, 2007) pode ser de grande ajuda para o trabalho uma vez que
descreve as características e o principal papel de uma liderança regional; já nos
conceitos-chave lançados pelo próprio autor, o multilateralismo-regional parece ter
bastante significado para a busca pela liderança de Japão e China na região do
Leste Asiático cuja estratégia é fazê-lo perpassando o arcabouço institucional da
ASEAN e da ASEAN+3. (DENT, 2008)

1.5 Considerações Finais

A elaboração de uma perspectiva teórica que possa corresponder à altura de


uma pesquisa onde a literatura é escassa ou pouco trabalhada costuma ser mais
trabalhosa e complicada, uma vez que é necessário que se faça a junção de
diferentes análises sobre diferentes teorias em pontos de vista que nem sempre
correspondem com o ponto de vista do pesquisador. Ainda assim, através da leitura
de cada uma das análises teóricas, é quase sempre possível moldar o conhecimento
bruto em algo que possa servir bem o trabalho que é desenvolvido.
Sendo assim, esta pesquisa não apresenta a escolha de uma única teoria
para pautar a análise final que procura fazer dos dados empíricos e secundários que
auxiliam a construção do objeto de pesquisa e de sua hipótese, mas sim um puzzle
ou uma perspectiva teórica formada por algumas teorias e/ou conceitos importantes
na área das relações internacionais. Para construir a perspectiva teórica da pesquisa
foi necessária a apresentação de três temas diferentes, mas que estão intimamente
relacionados no trabalho, alguns que podem servir de base para a discussão que
será feita ao longo dos próximos capítulos – principalmente no quarto capítulo – e
outros que serão diretamente utilizados como medida de comparação ou pré-
requisitos na identificação de lideres regionais.
53

O primeiro tema abordado foi o regionalismo em sua perspectiva teórica.


Apesar desta pesquisa não ter como principal objeto a integração regional do
Sudeste ou do Leste Asiáticos, é importante entender de que forma o pesquisador
enxerga este processo uma vez que seu tema principal perpassa a questão do
regionalismo e o fenômeno da ASEAN e da ASEAN+3. Desta forma, a abordagem
que é utilizada ao longo da pesquisa quando se tratar do regionalismo do Leste
Asiático é a do institucionalismo neo-liberal conforme descrito na primeira seção
deste capítulo logo após as Considerações iniciais.
O institucionalismo neoliberal se encaixa melhor na questão da ASEAN e da
ASEAN+3 primeiro porque estuda o regionalismo a nível regional e não sistêmico ou
interno, e porque dá grande relevância a figura do Estado (como acontece com os
países dentro das instituições), que apesar de ser o ator principal não se configura
como egoísta, mas cooperativo que age buscando uma gestão colaborativa onde as
instituições tem o papel de tornar mais previsível o sistema internacional,
principalmente no que diz respeito a cooperação.
O segundo tema abordado foi a liderança em perspectiva teórica onde dois
textos foram utilizados: o de Nabers (2008) e o de Young (1991). Embora apenas os
três tipos de liderança analisados por Young serão utilizados como perspectiva
teórica pesquisa, o texto de Nabers ajudou a elucidar algumas questões sobre as
teorias racionais e intersubjetivas de liderança internacional. É possível fazer um
certo paralelo entre os dois textos encaixando as duas primeiras formas de liderança
de Young (1991), a estrutural e a empresarial, na divisão racionalista feita por
Nabers (2008) e a liderança intelectual na divisão intersubjetiva estabelecida por
este.
Quando aos três tipos de liderança de Young(1991), é necessário afirmar que,
apesar de estarem focadas no indivíduo, nesta pesquisa estarão focadas no Estado,
que é o ator que na maioria das vezes está por detrás do indivíduo que exerce o
papel de líder dentro de uma negociação institucional a nível internacional. O que
será feito com as três formas de liderança de Young é medir, fazendo comparações
diretas, qual dos dois atores de maior proeminência da região do Leste Asiático –
Japão e China – possuem maior liderança estrutural, empresarial e intelectual, o que
possibilitará indicar um dos dois como o mais provável líder regional do Leste da
Ásia e distinguir o tipo de liderança que mais prevalece em cada um desses dois
atores.
54

O terceiro e último tema abordado pode ser inicialmente enxergado como


uma somatória do primeiro e do segundo temas abordados, mas neste caso a soma
das partes não significa o todo. A liderança regional como teoria é um campo ainda
muito recente , que não possui ainda uma teoria própria estabelecida e fortalecida e
que por isso acaba se apoiando nas teorias de liderança internacional. A proposta
de Dent (2008) que trata da questão é lançar conceitos-chave de liderança regional
específicos para o Leste da Ásia. Mesmo conseguindo fazê-lo, tais conceitos ainda
são uma forma muito inicial da busca pela criação de uma teoria de liderança
regional que não derive da mainstream e consequentemente dos EUA.
As duas teorias ou conceitos que serão aproveitados da abordagem do autor
são uma teoria emergente de liderança regional que lista as características e papeis
de um líder regional pensado por Flemes (2007) e descrito por Dent (2008) como
uma das teorias emergentes que se inspiraram na mainstream e o conceito de
multilateralismo-regional lançado pelo próprio autor e que descreve bem a relação
de China, Japão, ASEAN e ASEAN+3 e as tentativas de mostrar-se líder regional. A
teoria emergente de Flemes(2007) será utilizada para designar qual dos dois atores
possuem mais características e desenvolvem maior e/ou melhor papel de líder
regional, enquanto o conceito de multilateralismo-regional ajudará a explicar por
quais razões e de que maneira Japão e China buscam exercer a liderança por meios
institucionais.
A construção de uma perspectiva teórica possibilita, por fim, a escolha da
lente sobre a que o pesquisador irá se debruçar para extrair do seu objeto de
pesquisa o conhecimento científico necessário para concluir de maneira satisfatória
seu trabalho e desta maneira poder, de alguma forma, colaborar com a academia.
Este também é o objetivo deste capítulo e desta pesquisa como um todo.
55

2. REGIONALISMO E INSTITUCIONALISMO ASIÁTICOS: HISTÓRIA, ESTRUTURA


ECONOMIA.

2.1. Considerações Iniciais

O Leste Asiático36 pode ser considerado hoje, uma das áreas de maior
interesse da Comunidade Internacional. A região reúne grandes potências
econômicas como a China e o Japão – contando também com a atuação direta dos
EUA– além de estar nas intermediações de Rússia e Índia, países que possuem
ampliada importância no cenário internacional. O Leste Asiático ainda engloba os
chamados quatro Tigres Asiáticos37, que a partir da década de 1970 vivenciaram
forte crescimento econômico. Há ainda a proximidade com o Sudeste Asiático,
países de economia dinâmica, PIBs per capita elevados e alta tecnologia. A maioria
destes países está interligada pela interdependência, e procuram se aproximar cada
vez mais econômica e politicamente como uma forma de aumentar seus ganhos e
criar novas oportunidades, principalmente no âmbito comercial e financeiro.
O processo de integração regional, embora não seja um fenômeno recente,
tem-se mostrado uma tendência mundial e atualmente é caracterizado por uniões
voluntárias entre Estados soberanos em áreas política e econômica para elevar
decisões a um nível supranacional. Inspirados na União Europeia, a maioria destes
blocos, porém, possui características bastante distintas de seu principal modelo. A
ASEAN, e sua extensão, a ASEAN+3, não fogem desta regra e são menos
institucionalizadas e, portanto, com aspectos supranacionais menos pronunciados
do que a UE. Todavia, não devem ser consideradas inferiores em termos de
sucesso na integração quando comparadas àquela União, já que não possuem o
mesmo histórico e não ocupam o mesmo espaço geopolítico que a Europa.
O propósito principal desta dissertação é analisar, mais que o fenômeno da
integração regional no Leste Asiático, a forma como se manifestam as
movimentações de liderança naquela região. Este capítulo busca precisar a Ásia do
Leste entre tantas outras definições de Ásia, bem com apresentar a Associação dos
Países do Sudeste Asiático em sua concepção histórica, política, econômica e
comercial.

36
O conceito de Leste Asiático será definido posteriormente na seção subsequente
37
São denominados Tigres Asiáticos: Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong Kong.
56

Conhecida como a área mais dinâmica em termos de capitalismo (ARRIGHI,


1996), torna-se cada vez mais importante que esta parte do globo, suas dinâmicas
econômicas, e produtivas, seus atores e líderes, sejam conhecidos e analisados.
Para tanto, este capítulo tem como objetivos apresentar: o conceito da região a ser
trabalhada; o Sudeste e o Leste Asiáticos– sua recente história, política e economia
intimamente ligadas com o surgimento da ASEAN, a formação e a estrutura de seu
bloco regional; e a real importância da região e de seu bloco dentro do sistema
internacional.

2.2. O conceito de Leste Asiático: As diferentes ‘Ásias’

Todos os continentes são construções políticas, e com a Ásia não é diferente.


(McDOUGALL,2007). No entanto, o que a difere dos demais é o fato de ser
exclusivamente, no sentido geopolítico, um conceito ocidental surgido na Grécia
clássica, e não na região propriamente dita. A ideia de ‘Ásia’, é, portanto, europeia,
nascida a partir da noção de mundo formado por três continentes – Europa, África e
Ásia – sendo esta última definida como tudo aquilo que estivesse à leste da Grécia,
e esta é a ideia que persiste até os dias atuais. (EMMOTT, 2008).

Desta maneira, a Ásia não possui sentido étnico ou racial, havendo tão pouca
conexão entre o povo japonês e o da Turquia Asiática, como haveria entre o povo
chinês e o francês. Ela não possui também, nenhum sentido linguístico: diversas
línguas europeias têm maiores laços com a Índia, que o indiano tem com o coreano
ou o japonês. Politicamente, apenas com os Mongóis, pode-se encontrar alguma
ligação que unisse toda a Ásia devido ao sucesso de Genghis Khan e seus
descendentes em conquistar e manter um Império de treze séculos que se espalhou
38
da Geórgia e Pérsia para o oeste até a China e a parte oriental da Rússia.
(EMMOTT, 2008, p. 34, tradução nossa)

E talvez por falta de uma definição melhor, ou apenas por um costume


imposto pela lógica de mundo eurocêntrica, continuamos nos referindo a Ásia da
mesma forma como os antigos gregos a ela se referiam: a partir da Europa – Oriente
Próximo, Oriente Médio; Extremo Oriente ou Oriente Distante.(EMMOTT, 2008).
Para encontrar alguma lógica étnica, racial e até mesmo política dentro do

38
O texto em língua estrangeira é: “As such, Asia makes no particular ethnic or racial sense, for there is as much
or as little connecting together the peoples of Japan and Asian Turkey as there is the peoples of China and
France. Nor does it make any linguistic sense: Many European languages claim stronger ties to India than India
with Korean or Japanese. Politically, only in the Mongols can be found a thread that has tied the whole of Asia
together, because of the success of Genghis Khan and his descendants in conquering and maintaining a
thirteenth-century empire that spread from Georgia and Persia in the west to China and part of eastern Russia.”
57

continente, sua subdivisão é feita unindo grupos de países que de alguma forma
possuam alguma semelhança entre si. Contudo, tal postura não impede que a lógica
europeia siga ‘construindo’ o continente asiático.
Há, portanto, diversas maneiras de classificar e dividir a Ásia. Neste trabalho
sob o cunho geopolítico, o Leste Asiático – e não a Ásia Pacífico – será a região
contemplada e analisada. O conceito de Leste Asiático, diferente de Ásia Pacífico, é
mais geográfico, limitando-se à região do Leste da Ásia. O conceito de Ásia Pacífico,
criado entre os anos de 1960 e 1970, carrega um significado muito mais político,
uma vez que legitima o envolvimento norte-americano na Ásia, incluindo-a na região
do Pacífico – ou inserindo os EUA na Ásia. (McDOUGALL, 2007). Ao utilizar o termo
‘Leste Asiático’, busca-se tratar apenas dos países daquela região, excluindo-se as
potências ocidentais, principalmente os EUA.
Entretanto, a geografia do Leste Asiático, ou seja, os países que fazem parte
desta região, não são um absoluto consenso entre os estudiosos. Por diversas
vezes, para tratar da região como um todo há a inclusão ou ‘exclusão’ de alguns
países para que seja possível utilizar o conceito de forma mais acertada.
Para McDougall (2007), o Leste Asiático pode ser dividido em Nordeste e
Sudeste Asiáticos. O nordeste possui China (incluindo Hong Kong),Taiwan
(reivindicado pela China), Japão, Coréia do Sul, Coréia do Norte, Rússia e Mongólia.
O Sudeste Asiático possui por sua vez: Brunei, Myanmar 39,, Camboja, Timor Leste,
Indonésia, Laos, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. Para Wan (2008)
Leste Asiático compreende a região que vai do Japão a Myanmar que inclui: o
Nordeste Asiático que pode ser dividido em continente – China e as duas Coreias –
e regiões marítimas – Japão e Taiwan; e o Sudeste Asiático que também pode ser
dividido entre continente – Myanmar, Tailândia, Laos, Vietnã e Camboja – e
arquipélago – Malásia, Cingapura, Indonésia, Brunei e Filipinas. Já Dent (2008) trata
o Leste Asiático como a região que se divide entre Sudeste e Nordeste, mas que
engloba no Sudeste: Brunei, Camboja, Timor Leste, Indonésia, Laos, Malásia,
Myanmar, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã; e no Nordeste: Coréia do Sul,
Coréia do Norte, Mongólia, Taiwan, e as áreas administrativas de Hong Kong e
Macau. Simon (2008) afirma que em uma perspectiva geopolítica, o litoral asiático se
divide em três áreas: Nordeste – China, Japão, as duas Coreias, Taiwan e a parte

39
A denominação oficial do país é Myanmar, no entanto, na língua inglesa utiliza-se Burma, que foi traduzido
para Birmânia em português.
58

mais à leste da Rússia –, Sudeste – Tailândia, Myanmar, Camboja, Laos,


Vietnã,Filipinas, Malásia, Indonésia, Cingapura, Brunei – e Sul – Índia, Paquistão,
Bangladesh e Sri Lanka.
Para efeitos deste trabalho a definição de Leste Asiático compreenderá a
região que possui Tailândia, Malásia, Indonésia, Cingapura, Filipinas, Myanmar,
Vietnã, Laos, Camboja e Brunei, excluindo-se o Timor Leste como Sudeste Asiático;
além de Japão, China e Coréia do Sul, excluindo-se Coréia do Norte , Mongólia e
Rússia como Nordeste Asiático. Esta escolha de países foi feita para melhor
compreender o conceito de Leste Asiático com a instituição da ASEAN+3, que inclui
os 10 países que fazem parte da ASEAN (por isso a exclusão do Timor Leste que
não está na associação como membro pleno) além de Japão, China e Coréia do Sul,
que são aos países do ‘+3” e correspondem ao conceito de Nordeste Asiático que
este trabalho adota.40 “Não se pode evitar ser arbitrário em decidir quais países
devem ser incluídos numa região. Um subsistema regional deve ser determinado por
dezenas de atributos como proximidade, padrão de interação, e reconhecimento.”41
(THOMPSON, 1973 apud WAN, 2008, p.3 tradução nossa).

O conceito de Leste Asiático tal qual será utilizado por esta pesquisa está
intimamente ligado ao momento da criação da ASEAN+3 e a iniciativa do começo da
formação de uma identidade do Leste Asiático que englobasse todos os 13 países
que dela fazem parte (TERADA, 2003). A Crise Asiática de 1997 permitiu que os
países do Nordeste Asiático, através da primeira reunião dos países da ASEAN com
Japão, China e Coréia do Sul mostrassem sua vontade de cooperar com as
economias regionais afetadas pela crise. (McDOUGALL,2007). A Iniciativa Chiang
Mai42 criada na Reunião de Ministros das Finanças da ASEAN+3 em 2000 como
uma das formas de evitar novas crises como a crise financeira de 1997 é um dos
símbolos da aproximação dos países do Leste Asiático.

40
Para melhor compreensão da região que é apresentada neste trabalho ver mapas de Sudeste e Leste
Asiáticos apresentados no Anexo B (Figuras 2 e 3).
41
O texto na língua estrangeira é: “One cannot avoid being arbitrary in deciding which countries should be
included in a region. A regional subsystem may be determined by dozens of attributes such as proximity, pattern
of interaction and recognition.”
42
A Iniciativa Chiang Mai é um arranjo financeiro regional criado para o Leste Asiático após a crise financeira de
1997 que tem como principal finalidade estabilizar a rede de contratos de swap bilaterais entre os membros da
ASEAN+3 com o intuito de promover suporte à liquidez de países que tenham dificuldades em suas balanças de
pagamento. (ASAMI, 2005). Disponível em: http://www.asean.org/17905.pdf
59

A criação desta identidade, que uniria Nordeste e Sudeste Asiáticos, surgiria


em contraposição não só à ideia de Ásia Pacífico, bem como a maneira como a
região do Sudeste Asiático fora construída. O conceito de Sudeste Asiático, em
cunho político, não foi construído pelos países que hoje fazem parte da região. Estes
não se enxergavam como parte de um “Sudeste Asiático”. Esta denominação veio
de fora, durante a Segunda Guerra Mundial, e foi definida pelos Aliados Ocidentais
para estabelecer um comando militar separado para aquela região 43 que abrangeria
Burma44, Malaia45, Sumatra46 e Tailândia. Após a Conferência de Postdam47, em
1945, as atribuições do comando se estenderam para a antiga colônia holandesa, a
atual Indonésia.48 (TURNBULL, 1999).

A ASEAN+3 não foi a primeira tentativa de reunir o conceito geográfico e


político do Leste Asiático em busca de uma identidade que pudesse de fato
corresponder aquela região. Contudo, a existência de tensões históricas na região 49,
bem como a presença de países do Pacífico, como os EUA, Nova Zelândia e
Austrália, dificultaram anteriormente a criação de uma associação que excluísse
países ocidentais que ali atuassem. A maneira que se encontrou de aproximar estas
potências regionais no nordeste da Ásia e as Novas Economias Industrializadas do
Sudeste Asiático foi associar aquelas ao bloco regional mais antigo da região: a
ASEAN.

2.3. A Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN)

2.3.1. Antecedentes históricos da ASEAN (Décadas de 1950/1960)

O Final da década de 1940 e início da década de 1950 começava a configurar


um Sudeste Asiático com um grau de autonomia maior em relação às potências
ocidentais. O momento era de descolonização e aumento de nacionalismos. As

43
O “South East Asia Command” (SEAC)
44
Burma é a denominação dada pelo Reino Unido à atual Myanmar
45
Antigo conjunto de colônias inglesas da península Malaia formado por Cingapura, Malásia, Sarawak e Bornéu.
46
Uma das ilhas que compõem a Indonésia
47
Realizada entre os Aliados, vencedores da Segunda Guerra Mundial, para decidir o futuro administrativo da
Alemanha, entre outras questões.
48
As Índias Orientais Holandesas
49
Entre os exemplo de países com históricos de rivalidade estão Japão e China, Japão e Coréia do Sul,
Indonésia e Malásia, Indonésia e Cingapura, Filipinas e Malásia, e Cingapura e Malásia.
60

Filipinas foram o primeiro país a ter sua independência aceita por sua metrópole, os
EUA, no Pós-Segunda Guerra em 1946. Logo em seguida também alcançaram sua
independência, Myanmar em 1948, Indonésia e Laos em 1949, o Camboja em 1953,
o Vietnã em 1954, a Malásia em 1957 (Sabah e Sarawak em 1963), Cingapura em
1959, e Brunei um sultanato que só deixou de ser protetorado britânico em 1984. A
Tailândia constitui outra exceção, pois foi um dos poucos países que não se tornou
colônia ocidental (o que não o poupou do enfraquecimento e diminuição em sua
soberania em 1945 devido aos ataques aos territórios franceses e britânicos na Ásia
durante a Segunda Guerra), principalmente por estar entre áreas de influência de
França e Reino Unido. Além disso, a Tailândia autorizou a entrada do exército
japonês em seu território como uma forma de auxílio ao Eixo, o que acabou fazendo
com que os Aliados tivessem uma postura diferente com o país no pós-Guerra, visto
que, apesar de não ter participado efetivamente dela, demonstrou seu apoio ao
Japão e por consequência ao Eixo. (TURNBULL, 1999). Contudo, a redução da
presença das antigas metrópoles com o início das descolonizações não significou o
afastamento imediato destas.
No final da década de 1940 estudantes asiáticos em Londres providenciaram
um espaço para a apresentação dos futuros líderes da Malásia e de Cingapura. Em
1947 as Nações Unidas providenciaram um fórum para o Sudeste Asiático, a
50
Comissão Econômica para a Ásia e o Extremo Oriente que se tornou importante
para produzir alguma organização regional. Mas a Grã Bretanha e a Índia surgiram
como as maiores forças promotoras da cooperação na região: a Grã Bretanha ao
mesmo tempo que buscou maior cooperação com os países da Commonwealth51
que faziam parte da região, estabeleceu um Comissionário Especial em Cingapura
em 1946 que devia administrar a distribuição de provisões na região e que dois anos
depois tornou-se um Comissionário Geral do Reino Unido para o Sudeste Asiático,
que tinha como objetivo mais amplo construir uma influência política na região; a

50
A Comissão Econômica para a Ásia e o Extremo Oriente foi estabelecida em 1947 pelo Conselho Econômico e
Social como uma experiência de 5 anos. Seus maiores objetivos eram iniciar e participar em ações que
pudessem ajudar na reconstrução da Ásia e do Oriente Distante, mantendo e fortalecendo as relações
econômicas entre estas áreas; fazer ou patrocinar estudos de problemas tecnológicos e econômicos na região;e
coletar avaliar e disseminar informações econômicas, tecnológicas e estatísticas. Era formada por membros e
membros associados: os membros regionais eram, Paquistão, Índia, Burma, Tailândia, Indonésia, Filipinas e
China (as Nações Unidas apenas reconheciam o governo chinês em Taiwan); os membros não-regionais eram
Afeganistão, Austrália e Nova Zelândia; os membros associados eram Nepal, Ceilão, Malaia, Bornéu, Vietnã,
Camboja, Laos, Hong Kong, Japão e Coréia do Sul. (SCHAAF 1953)
51
A Commonwealth é uma organização que visa unificar através do comércio os antigos membros do Império
Britânico.
61

Índia, por sua vez, buscava demonstrar uma postura independente, contrária ao
imperialismo e pró-nacionalismos, procurando criar conferências que pudessem
reunir os líderes dos países recém independentes como foi o caso da Conferência
das Relações Asiáticas de Nova Deli de 1947 e a Conferência Inter-Asiática de
1949, ambas patrocinadas pela Índia com o propósito de fomentar a cooperação na
Ásia. (TURNBULL, 1999).

Na instável e fragmentada situação do Sudeste Asiático, o conceito de regionalismo


no imediato pós-Guerra foi uma reação aos eventos mais que algum plano pensado
antecipadamente. Foi moldado em meio a uma variedade de influências externas
algumas vezes conflitantes, variando de iniciativas pessoais à atividades de
52
agências das Nações Unidas, e de governos estrangeiros. (TURNBULL, 1999,
pgs.594-595, tradução nossa)

Pensar em uma integração da região do Sudeste Asiático nas décadas de


1950 até meados de 1960 era pouco provável, e argumentar a seu favor ainda
menos provável, apesar de as iniciativas de integração regional começarem a
ganhar força ao redor do mundo. Inicialmente as elites de países recém-
independentes tinham uma ideia mais ampla para a Ásia quando o assunto era a
maior aproximação das regiões como: uma federação asiática que englobasse Índia,
China e o Sudeste Asiático como um todo ou uma unidade pan-Asiática que se
estendesse além do Sudeste da Ásia. (BA, 2009). Tais iniciativas não passaram de
ideias que nada tiveram de concreto.
A Guerra Fria, ainda em seu início, espalhou-se rapidamente para o Sudeste
da Ásia, que parecia ser uma região propícia para a busca de áreas de influência
pelos dois lados da disputa, uma vez que a maioria dos Estados era recém
independentes e seus nacionalismos fragmentados ainda estavam em formação. A
disputa ideológica entre comunismo e capitalismo tornava-se então uma via para
que estes países alcançassem desenvolvimento e também coesão nacional.
(TURNBULL, 1999).
Mas a mesma Guerra Fria que incentivava os nacionalismos inspirava
também arranjos ‘regionais’ como a Conferência de Bandung53 em 1955 vista como

52
O texto em língua estrangeira é: In the unstable and fragmented situation of Southeast Asia, the concept of
regionalism in the immediate postwar years was a reaction to events rather than some preconceived plan. It was
shaped in the main by a variety of sometimes conflicting external influences, ranging from personal initiatives to
the activities of United Nations agencies and of foreign governments.
53
A reunião de Bandung aconteceu em 1955 e reuniu os países de Terceiro Mundo que não queriam se
identificar nem com os EUA, tampouco com a URSS durante a Guerra Fria, desejando desta forma, criar uma via
alternativa sem um alinhamento automático, com o objetivo de buscar desenvolvimento.
62

um movimento de solidariedade entre os países da Terceira Via, e considerado


“mais tarde como primus inter pares para a ASEAN”54. (TURNBULL, 1999, p. 594,
tradução nossa). Bandung não foi o único movimento que ia de encontro à ideia da
aproximação e solidariedade entre países. No Sudeste Asiático, as Filipinas
propuseram um pacto anticomunismo que seria seguido por diversas outras
propostas do país; a Tailândia propôs uma União Budista entre os países do
Mekong (Laos, Camboja e a Tailândia); e a Malaia por sua vez trazia diversas
sugestões para uma união pan-Malaia, cada uma delas possuía as mais diversas
combinações entre Malaia, Indonésia, Filipinas, Bornéu, Nova Guiné e algumas
partes da Tailândia. A maioria destas tentativas de aproximação possuía sempre um
cunho étnico ou religioso, o que tornava a definição da região menos abrangente, e
terminava por não avançar. No entanto, todos esses movimentos demonstravam o
interesse existente na região por uma aproximação de fato.(BA, 2009).
Para muitos, o fato de a Ásia – e com isso o Sudeste Asiático – fazer pouco
sentido cultural, econômica e politicamente, como já citado, dificultava a visão de um
Sudeste Asiático unido. O nacionalismo das recentes ex-colônias era outro
obstáculo para o regionalismo na região, principalmente pelos conflitos regionais que
aquele viria a causar. (IBID).
O temor da difusão do comunismo aumentava no final da década de 1950 no
Sudeste da Ásia, principalmente pela independência do Vietnã e o início da Segunda
Guerra da Indochina55. Já no início da década de 1960 houve a entrada formal dos
EUA na Guerra com o Vietnã e com isso o aumento da confrontação entre China e
Estados Unidos, apesar de a maior rivalidade naquela região ser entre URSS e EUA
(eram da URSS as bases no território vietnamita), uma vez que a China possuía
questões territoriais com o Vietnã, e apoiou-o apenas inicialmente na Guerra.
Também neste período, o afastamento entre a República Popular da China e a
União Soviética trouxe agitação para os países que se colocavam como comunistas
no Sudeste Asiático, uma vez que cada um deles competia por influência em
diferentes áreas do globo, se colocando como rivais e não mais aliados.
(McDOUGALL, 2007). Países como Vietnã do Norte e Indonésia que haviam

54
O texto em língua estrangeira é: “later as primus inter pares in the Association of South-East Asian Nations
(ASEAN)”. A expressão latina primus inter pares pode ser traduzida como o primeiro entre iguais.

55
Também conhecida no Ocidente como Guerra do Vietnã, e no Vietnã como Guerra Americana (1955-1975)
63

recebido equipamento ou ajuda econômica de Moscou, tinham, contudo, maior


influência chinesa principalmente dentro de seus partidos, ou no modelo maoísta de
desenvolvimento. (TURNBULL, 1999).
No início da década de 1960, contrariando os conflitos e as rivalidades vindas
dos nacionalismos latentes da pós-descolonização, alguns grupos internos de
diferentes países lançaram a ideia de olhar para a região de uma forma diferente, e
criaram em 1961 a Associação do Sudeste Asiático (ou Association of Southeast
Asia – ASA) formada inicialmente por Tailândia, Filipinas e a Malaia. Em 1963
partindo do mesmo espírito de buscar cooperação e aproximação criou-se o
Maphilindo cujos membros eram Filipinas, Indonésia e Malásia, mesmo ano em que
a Malaia tornou-se Federação Malásia. Mas antes mesmo da criação da ASA, em
1959 os então presidentes das Filipinas e da Federação Malaia concordaram em
combater o comunismo através de um Tratado Econômicos de Amizade do Sudeste
Asiático. O Ministro das Relações Exteriores da Tailândia também concordou com o
tratado e tentou trazer para dentro dele todos os demais países do Sudeste Asiático,
com exceção do Norte do Vietnã. Este tratado não foi levado a frente, mas
possibilitou a assinatura da ASA dois anos mais tarde(IBID)

No Sudeste Asiático, particularmente, onde a emergência de novos políticos


inaugurou o início de conflitos em todos os níveis, a criação da Federação Malásia
em 1963 promoveu o momento de maior instabilidade. A criação da federação não
só colocou um fim imediato as relações entre Malásia e Filipinas como também
providenciou um pretexto para os três anos da violenta Política de Confrontação da
Indonésia [de Sukarno] contra a Malásia. A breve e turbulenta inclusão e expulsão
de Cingapura da Federação (1963-1965) foi um reflexo da existência de tensões
regionais. Resumindo, a fragmentação regional e não a integração pareciam ser
56
dominantes na região. (BA, 2009, p. 45, tradução nossa).

A ASA representava a vontade de construir uma associação que sairia da


noção estritamente etnocêntrica e religiosa, e que não teria como escopo a
disposição de reunir toda a Ásia, como à maioria das ideias de associações da
década anterior, e sim aproximar os países que fizessem parte do Sudeste Asiático.
A presença da Tailândia, um país continental e que não tinha influência malaia foi
fundamental para que a ASA, iniciativa Malaia (que ainda não era Malásia) que não

56
O texto em língua estrangeira é: "In particular, in Southeast Asia, where the emergence of new polities has
invited conflict at all levels of it's politics, the 1963 creation of the Federation of Malaysia proved most
destabilizing. Not only did the federation's creation immediately put an end to Malaysia-Philippines relations, but it
also provided the pretext for Indonesia's three-year policy of violent Confrontation against Malaysia. Singapore's
turbulent and brief inclusion and the expulsion from the Federation(1963-1965) similarly both reflected and
exacerbated existing regional tensions. In short, regional fragmentation, not integration, seemed to be the
dominant of the day."
64

possuía um cunho anticomunista como por exemplo a SEATO, pudesse seguir em


frente. A neutralidade da ASA possibilitava que um maior número de países da
região pudesse aderir à associação, como por exemplo, a Indonésia, cuja
participação era tão importante para o arranjo como era a da Tailândia, mesmo que
por motivos diferentes. Ter a Indonésia dentro da ASA significava ter um grupo de
países unidos independentemente de sua ligação com as potências ocidentais.
Todos os então três membros da associação estavam ligados a um eixo Anglo-
Saxão57, o que foi exatamente o que esvaziou o conceito anticomunista inicial da
associação. A Indonésia de Sukarno, e nenhum outro país não-alinhado se sentiu
persuadido a se juntar ao bloco, principalmente depois de fortes ações
anticomunistas de Filipinas e Malaia enquanto membros da ASA.(BA, 2009).
O Maphilindo por sua vez, tinha como bases, diferente da ASA, ideias mais
étnicas e nacionais uma vez que objetivava reunir os povos malaios sob uma única
identidade Malaia, por isso era formado apenas pelos países que possuíam em sua
essência a origem étnica malaia. A iniciativa filipina, contudo, falhou em conseguir
acomodar antigas rivalidades de dois de seus membros. A criação da Federação
Malásia, e o desejo por parte desta de incorporar o Norte de Bornéu desagradou
principalmente a Indonésia de Sukarno que enxergava o avance malásio como uma
nova colônia britânica e principalmente como um desafio e uma ameaça a sua
tentativa de liderança regional. O novo presidente eleito nas Filipinas também não
apoiava a incorporação do norte de Bornéu pela Malásia, uma vez que o país
também o reivindicava, muito menos o apoio norte-americano à incorporação do
território pela Malásia. A Federação Malásia de fato completa, com o Norte de
Bornéu e Cingapura (que 23 meses depois deixaria a Federação), desagradou os
outros dois membros do Maphilindo e enfraqueceu os objetivos da associação que
eram de tratar questões de interesse comum na base do consenso. Desta forma, a
associação se esvaziou, principalmente depois que a Indonésia utilizou a criação da
Federação Malásia como pretexto para sua campanha de Konfrontasi58 contra a
Malásia que durou de 1963 a 1966. (IBID).

57
Tailândia e Filipinas com os EUA pela SEATO e a Malásia com o Reino Unido pelos Cinco Acordos de Força
de Defesa.
58
Foi uma guerra não declarada por parte da Indonésia contra a criação da Federação Malásia incluindo o Norte
de Bornéu e Cingapura que contou com tropas armadas e ataques navais ao território malaio.
65

Apesar de não se desfazer como foi o caso do Maphilindo, a ASA também se


enfraqueceu frente a falta de relações de Filipinas e Malásia 59, dois de seus três
membros. Novamente, os nacionalismos rivais se colocavam no caminho da
formação de uma associação regional que incluísse o Sudeste Asiático. O período
entre 1965 e 1967 parecia muito menos propício à criação de um bloco regional que
no momento da criação da ASA, quando a maioria dos conflitos entre os países da
região ainda não havia se iniciado, ou ao menos não eram tão latentes. (IBID). Então
como e por que a ASEAN conseguiu surgir no ano de 1967, e porque não continuar
com a ASA, ou recomeçar o Maphilindo?
Para Ba (2009), são três as principais razões: a criação de uma janela de
oportunidade de desenvolvimento interno e externo 60; a concordância por parte de
uma elite transnacional de criar uma visão alternativa de regionalismo; e a forma
como as ideias de nacionalismo e regionalismo se estabeleceram ( de maneira
complementar e não-concorrente). Para McDougall (2007) o principal motivo que
permitiu a criação da ASEAN foi a mudança da postura indonésia com a saída de
Sukarno e entrada de Suharto no poder, o que levou o fim da Confrontação com a
Malásia. Segundo o autor, outra razão foi o fim do regime comunista na Indonésia
que possibilitou que a associação reunisse todos os países não-comunistas do
Sudeste Asiático fortalecendo suas relações sob este prisma.61 Segundo Turnbull
(1999), a ASA foi descartada como a associação que aproximaria o Sudeste Asiático
uma vez que a Indonésia não tinha nenhuma intenção de fazer parte desta por
temer que estivesse sob domínio ocidental, preferindo que uma nova associação
fosse criada para que de fato pudesse reunir o Sudeste da Ásia.

59
Thanat Khoman, então Ministro das Relações Exteriores da Tailândia durante o governo de Sukarno, foi um
dos grandes responsáveis por restaurar as relações diplomáticas entre Malásia e Filipinas (TURNBULL, 1999)
60
A conjuntura política que favoreceu o surgimento da ASEAN, segundo Ba (2009), foi constituída: pela saída de
Sukarno do poder na Indonésia em 1965 e a entrada de Suharto, que através da violência eliminou todo o antigo
sistema de organização da política indonésia além dos laços que o partido comunista, que estava no poder,
tinha com a República Popular da China assumindo depois o poder no país em um governo autoritário porém
anticomunista;pela eleição também em 1965 do novo presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos, que diferente
do antigo presidente não concordava de que o Norte de Bornéu, anexado pela Federação Malásia em 1963, era
essencial para a segurança nacional do país; pela confirmação da retirada do Reino Unido da região; e pela
intervenção problemática que os EUA tinham no Vietnã nos primeiros anos da Guerra, o que gerava nos demais
países não-comunistas da região o medo de insurreições domésticas de grupos radicais comunistas como
acontecia no Vietnã.
61
Contudo, no momento em que Malásia e Indonésia começavam a se reconciliar, após o final das ameaças
desta àquela, Cingapura ainda ressentia-se com sua violenta saída da Federação Malásia, e sentia-se
desprotegido frente aos seus vizinhos e com a retirada do Reino Unido da região. Unir-se com os demais países
do Sudeste Asiático era uma forma de garantir-se na região com a possibilidade de continuar existindo de
maneira soberana. (BA,1999)
66

No entanto, segundo Ba (2009), havia a intenção por parte da Indonésia de


reviver o Maphilindo. Contudo, o país não conseguiu persuadir Tailândia ou Malásia
para que a organização voltasse a existir. A Tailândia mostrava-se relutante pelo
fato de o Maphilindo ter um cunho étnico nacional, e o país não fazer parte dos
estados considerados malaios. Já a Malásia, ainda não tinha confiança suficiente no
novo governo indonésio, cujo novo líder, Suharto, que havia acabado de retirar
Sukarno do poder e dado fim ao Konfrontasi, ainda era pouco conhecido. Com o
Maphilindo descartado como possível associação para o Sudeste Asiático, foi a vez
de a Malásia sugerir a renovação da ASA para que ocupasse este espaço. Todavia,
a Malásia continuava a ter razões para desconfiar da posição indonésia, que apesar
de ter novo governante mantinha tropas em suas fronteiras e tentava dissuadir as
Filipinas de normalizar suas relações com a Malásia. A Indonésia por sua vez, era a
favor da recriação do Maphilindo e não uma das entusiastas da ASA, preferindo a
criação de uma nova associação para a região. Já em 1967 o país anunciou o
desejo de sediar uma conferência para que os países do Sudeste Asiático
pudessem discutir a cooperação regional. A Malásia, no entanto, não se convenceu
das novas intenções do governo indonésio e a conferência não foi realizada.
Entretanto, foi necessário mais que acertos políticos entre os países da região
para que fosse construída uma associação que os reunisse. Os nacionalismos rivais
de nações recém independentes ainda falavam muito alto. Neste momento,
regionalismo e nacionalismo ainda se colocavam em lados opostos da balança dos
Estados: o segundo pesava mais em suas avaliações. Desta forma, foi necessário
que os links regionais fossem criados a partir de argumentos que ligassem o
regionalismo ao nacionalismo. Sendo assim, foram levadas em consideração ideias
de auto-determinação, consolidação nacional e não- intervenção– ou seja, ideias de
estabilidade nacional – aliadas à ideias de unidade, solidariedade e organização
regionais, o que significava a busca pelo fim dos conflitos e pela coalizão dos
Estados do Sudeste Asiático. Uma organização regional para continuar a existir
deveria ater as ideias regionais e nacionais aos países da ASEAN, fazendo com que
o bloco aguentasse pressões internacionais, melhorasse a relação entre os Estados
que dela fizessem parte, facilitando o diálogo entre eles, reduzindo a assimetria de
informações e o sentimento de insegurança que era até então latente, e permitindo
que se mantivessem unidos e não estritamente aliados a um lado ou outro do
conflito ideológico. (BA, 2009).
67

Se o futuro da Ásia se caracterizará por cooperação ou confrontação será


determinado em grande parte pela habilidade da região de construir instituições
multilaterais efetivas para integração, colaboração e resolução cooperativa dos
62
problemas. (GILL & GREEN, 2009, p;1, tradução nossa)

2.3.2. ASEAN – 1967 a 1989

Em 8 de agosto de 1967 era criada a Associação dos Países do Sudeste


Asiático através da assinatura da Declaração de Bancoc por cinco países da região:
Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Cingapura. Apesar da tentativa por parte
destes países de incluir outros países na fundação da ASEAN, o Camboja e Burma
se recusaram a fazer parte do grupo (TURNBULL, 1999). E apesar de teoricamente
a associação não ser anticomunista,e a Declaração dar ênfase na promoção cultural
e econômica da região (McDOUGALL,2007), não foi estendida à participação como
membro ao Vietnã do Norte que era abertamente comunista e passava por uma
Guerra contra os EUA. De fato houve a discussão para incluir os dois ‘Vietnãs’ na
organização com o argumento de que apenas unido, o Sudeste Asiático estaria
seguro. Contudo, a situação de Guerra e de insurreição principalmente no Vietnã do
Norte fez com que os membros decidissem por sua não-adesão63. No caso do
Vietnã do Sul, havia medo por parte dos membros, que o convite para se tornar
parte da ASEAN soasse como uma provocação ao Vietnã do Norte, o que poderia
enfraquecer o bloco nascente, e gerar um possível desconforto com o Vietnã do
Norte.
Ao não definir exatamente o que era o Sudeste Asiático, houve o interesse
por parte de Malásia, Indonésia e Filipinas, que o Ceilão (Sri Lanka) também se
tornasse membro. Entretanto, não houve consenso por parte dos membros de que o
Ceilão de fato fizesse parte do Sudeste Asiático, trazendo o questionamento se,
então, por critérios geográficos a Índia também não devesse aderir à associação. A
Índia, no entanto, era um país bem mais rico e forte que os demais do Sudeste
Asiático e esta ideia foi também, descartada (BA, 2009).

62
O texto em língua estrangeira é: "Whether Asia's future is characterized by cooperation or confrontation will be
determined in large part by region's hability to construct effective multilateral institutions for integration,
collaboration, and cooperative problem solving."
63
Este foi o momento do estabelecimento de duas das principais condições para ser membro da ASEAN,
articuladas pelo então Ministro das Relações Exteriores das Filipinas: ser um Estado do Sudeste Asiático; e estar
de acordo com os princípios e propósitos da ASEAN(BA, 2009) –algo que não era, no momento, garantido por
parte do Vietnã.
68

Para Turnbull (1999), a prioridade da ASEAN se mostrava ser, neste primeiro


momento, a conciliação dos membros de recentes conflitos, restaurando a confiança
entre os Estados. Segundo Simon (2008), era proteger a soberania de cada Estado
membro. Estas ações eram fundamentais para o sucesso da associação que ainda
tinha questões de defesa a serem resolvidas, apesar de este não ser o foco principal
do bloco, que buscava primeiramente crescimento econômico e desenvolvimento
cultural e social na região. Por não ser uma aliança de defesa propriamente dita – e
também por questões que passavam pela auto-determinação dos Estados – a
ASEAN recusou possuir uma política de defesa coletiva.64 Tal questão surgiu a partir
da criação da cláusula da Declaração de Bancoc que afirmava que todas as bases
estrangeiras eram apenas temporárias. (TURNBULL, 1999). Desta forma, o fato de
apenas a Indonésia naquele momento não ser dependente de aliados ocidentais em
relação à defesa, ficou expressa “a ideia de independência e autonomia
regionais”65(BA, 2009, p. 61).
Os Estados membros da ASEAN apresentavam no momento de sua criação,
um desenho bastante semelhante como países. Eram anticomunistas – apesar de
não buscarem transmitir isso como uma condição interna do bloco – e se uniam por
medo de uma reação agressiva e imperialista do Vietnã do Norte e da China
Comunista para a região; possuíam governos com economias abertas, mas que
tendiam para o autoritarismo; e buscavam acima de tudo promover e expandir o
comércio da ASEAN dentro e fora da região como uma tática para desenvolver os
países individualmente, e a região como um todo.(TURNBULL, 1999). Contudo, não
era porque haviam assinado a Declaração e que agora estavam juntos dentro de
uma mesma associação, externalizando uma imagem semelhante para o restante do
mundo, que os problemas relativos às relações entre os membros estariam
resolvidos.
Já em 1968 Malásia e Filipinas suspenderam relações, novamente pela
questão do Norte de Bornéu, pois os malaios descobriram um plano para a invasão
deste território pelo exército filipino. Cingapura e Indonésia também tiveram suas

64
Houve resistência por parte dos Estados de criar uma defesa coletiva, por poder induzir a percepção de que o
grupo era anticomunista, o que poderia dissuadir a entrada de outros Estados da região. A idéia, em não se
caracterizar como um grupo militarizado, era que, como era formado por Estados menores, não deveria se
envolver nos assuntos das potências. Isso, contudo, não significava que os Estados individualmente não
pudessem ter e aumentar suas forças militares.(BA,2009).
65
O texto em língua estrangeira é: “the Idea of regional independence and autonomy”
69

tensões neste mesmo ano uma vez que a cidade-Estado começava a executar –
apesar dos apelos pessoais de Suharto – as penas sobre dois comandos militares
indonésios devido a ações do período da Konfrontasi. Malásia e Cingapura, ambas
ex-colônias britânicas, também tiveram desentendimentos, e com o fechamento das
bases do Reino Unido nos dois países, houve tumultos em ambos para a retirada de
trabalhadores malaios de Cingapura – cerca de 45 mil – e de cingapurianos da
Malásia – em torno de 60 mil – o que colaborou para que Cingapura tivesse ainda
maior insegurança quanto a sua presença na região. (BA, 2009).
Na década de 1970, Malásia, Filipinas e Cingapura continuavam mantendo
seus laços com o ocidente, e a Indonésia de Suharto começava a abandonar o
comunismo e fazer o mesmo. Contudo, seus vizinhos voltavam a restabelecer
relações diplomáticas com a República Popular da China (RPC), o que o país só
veio a fazer no final da década de 1980, uma vez que a China havia financiado em
1965 o Partido Comunista da Indonésia de Sukarno no momento da tentativa de
golpe contra os militares, após o qual Suharto assumiu o poder. Havia ainda
relações pouco harmoniosas entre os países da região como a de Brunei – que
ainda não fazia parte da ASEAN – e Malásia que não era amigável desde que o
sultanato não quis fazer parte da Federação Malásia quando foi criada em 1963. E
apesar de Brunei forjar boas relações com Cingapura, expulsa da Federação em
1965, principalmente a partir de 1971, depois que assinou um novo acordo com a
Grã Bretanha onde o controle de assuntos internos era exclusivo do Sultão e o
controle de assuntos externos e de defesa eram britânicos, as relações com a
Malásia ainda eram nulas. Além de Brunei, Burma – que também não fazia parte da
ASEAN nesta época – estava em Guerra Civil, onde o partido comunista teve
suporte chinês, e em 1962 chegou ao poder, estabelecendo um regime autoritário.
A Tailândia também sofria no início da década uma vez que a Guerra do
Vietnã se agravava desde meados de 1960. Os EUA forneceram grande ajuda
financeira à Tailândia que serviu de base para o país durante a Guerra. Contudo, no
final da década de 1960, houve insurgências no nordeste, norte e sul lideradas pelo
partido comunista tailandês, inspirado pela situação vietnamita. Já na década de
1970, o governo, que em 1969 havia aprovado uma constituição mais liberal, temeu
os primeiros sinais da retirada das tropas americanas do Vietnã, o que levou ao
retorno do governo militar em 1971, um período conturbado politicamente com
70

revoltas civis até 1975 quando o Vietnã do Norte venceu a Guerra e o governo
militar estabeleceu-se na Tailândia. (TURNBULL, 1999).
Apesar das rivalidades entre os Estados membros da ASEAN e também dos
países da região, em 1969 foi realizada uma reunião com os representantes da
ASEAN e em 1971 o bloco assinou a Declaração de Zona de Paz, Liberdade e
Neutralidade (ou Zone of Peace, Freedom and Neutrality – ZOPFAN). As instruções
que resultaram desta reunião reforçaram alguns conceitos-chave da instituição
como: o que tornava aqueles países parte de um Sudeste Asiático, o que tinham em
comum e qual era a extensão daquele regionalismo.66 (BA, 2009). A Declaração, por
sua vez, foi uma iniciativa malaia, que teve diferentes níveis de entusiasmo entre os
membros, mas que foi assinada em uma forma modificada da original devido a
pressão de outros membros. Apesar do esforço para assinatura da Declaração –
que indicava a vontade de resolver os assuntos da região sem interferência externa
(McDOUGALL,2007) – a favor da neutralidade, não era disponibilizado nenhum
dispositivo para que de fato o envolvimento das grandes potências na região fosse
‘controlado’.(TURNBULL, 1999).
Alguns estudiosos apontam este momento como de lento desenvolvimento da
ASEAN como instituição, enquanto seus países individualmente pareciam alcançar
algum crescimento.

Enquanto os países membros da ASEAN ganhavam, individualmente, em confiança


e prosperidade, a ASEAN em si mesma continuava relativamente a ser uma
organização ineficaz, e seus membros continuavam a confrontarem-se uns contra os
outros em questões como direitos de navegação nos Estreitos de Málaca,
estabelecimento de relações diplomáticas co a China, e a natureza da cooperação
67
econômica. (TURNBULL, 1999, p. 624, tradução nossa)

Entretanto, apesar desta percepção, já na década de 1970, além da ZOPFAN,


a ASEAN criou o Tratado de Amizade e Cooperação68 (ou Treaty of Amity and

66
Segundo Ba (2009), as ideias que saíram deste acordo foram:que apesar de diferentes, tais Estados
possuíam características que o tornavam parte de um Sudeste Asiático como por todos terem sofrido algum tipo
de intervenção externa, por serem países pequenos dentro do sistema global de grandes potências e também
por serem próximos geograficamente; que tais características deviam toná-los uma unidade através do alcance
das metas do regionalismo; e finalmente, que o regionalismo do Sudeste Asiático deveria se estender para o
continente e para as ilhas, para países comunistas não alinhados ou não comunistas, trazendo desta forma a
união e não a divisão.
67
O texto em língua estrangeira é: “ While the individual ASEAN countries gained in confidence and prosperity,
ASEAN itself remained a relatively ineffective organization, and its members continued to confront each other on
matters such as rights of navigation in the Straits of Melaka, establishing diplomatic relations with Beijing, and the
nature of economic co-operation.”
68
Documento que codifica os princípios e condutas internacionais apreciados pela ASEAN, como a não
agressão, a não interferência e as resoluções pacíficas. (SAUNDERS, 2008)
71

Cooperation –TAC) do Sudeste Asiático inaugurado na Cúpula de Bali69 em 1976,


inicialmente como um código legal que vinculava algumas condutas amigáveis inter-
estatais, tornou-se um documento que daria acesso aos demais países da região ao
bloco, e que mais tarde no final da década de 1980 teve algumas emendas para que
servisse também para países de fora do Sudeste Asiático e que desejassem ter
relações com a associação. A Cúpula e a assinatura da TAC foram importantes para
reaproximar os países do bloco ao Vietnã, que havia acabado de se reunir, uma vez
que formalizava as relações dos países através dos princípios básicos estabelecidos
pela ASEAN como de não-agressão e não-interferência. Já em 1973 Cingapura e
Malásia normalizaram suas relações com o Vietnã. Em 1976, foi a vez de Tailândia e
Filipinas. No entanto, apesar da certeza de que ter o Vietnã (bem como Camboja e
Laos) dentro da ASEAN era importante para que a associação de fato representasse
a região, e também por acreditar que o país poderia ter sua política externa
moderada como foi a da Indonésia em 1967 quando entrou para a associação, os
Estados membros ainda tinham receio de inserir um país comunista em um bloco
que não tinha esta característica. Desta forma, o Vietnã não foi convidado a fazer
parte da associação, mesmo depois de adotar uma política mais conciliatória com
seus membros a partir de 1977. (BA, 2009).
Foi a partir de 1977 que as relações entre Vietnã e China começaram a se
deteriorar, e por isso o país buscou se aproximar da ASEAN. Desde 1975 um
governo ditatorial responsável por uma guerra civil e o extermínio de grande parte
população do Camboja, chegou ao poder instaurando o regime do Khmer Vermelho.
O partido Comunista do ditador Pol Pot chegara ao poder e tinha o apoio chinês. No
final do ano de 1978 o Vietnã invadiu o Camboja para enfrentar o regime vigente, o
que piorou ainda mais as relações do país com a China, que invadiu o território
vietnamita como uma retaliação por sua ação.(McDOUGALL, 2007). Os membros da
ASEAN enxergaram esta ação vietnamita como uma agressão a um vizinho próximo
(ato que se contrapunha ao contexto da TAC) e novamente voltaram a olhar para as
ações do Estado com desconfiança. A ação gerou diferentes reações dentro do
bloco: a Tailândia viu a invasão como um perigo a sua própria soberania e pediu
ajuda à China, o que desagradou Malásia e Indonésia, que acreditavam que China e
Vietnã eram as duas maiores ameaças para a associação. A Terceira Guerra da

69
Cúpula de Bali ou ASEAN Summit of Bali.
72

Indochina70 serviu como teste para a unidade da ASEAN uma vez que houve
respostas diferentes dos países do bloco à ação, mas serviu também para fortalecer
seus laços quanto associação, afinal não deixaram de existir depois do incidente.
(BA, 2009). Apesar de a Guerra entre China e Vietnã ter terminado semanas depois,
a situação no Camboja só se normalizou após o Vietnã retirar suas tropas do país,
em 1989 e serem realizadas eleições para um regime democrático com a ajuda e
presença das Nações Unidas.
Na primeira Cúpula oficial da ASEAN, a de Bali de 1976, além da criação do
TAC, outro importante documento para o estabelecimento da ASEAN foi lançado. A
Declaração de Concordância da ASEAN (ou Declaration of ASEAN Concord –DAC ),
reafirmou a Declaração de Bancoc, e teve como objetivo “consolidar as conquistas
da ASEAN e expandir sua cooperação nos campos econômico, social, cultural e
político”.71 (ASEAN, 1976, p. 1, tradução nossa). A Declaração lançou as bases para
a nova organização da associação, abrindo caminho para a estrutura organizacional
que possui hoje72, bem como fixou mais claramente os principais princípios que a
norteiam. Na DAC foram colocados no campo político: os encontros de Chefes de
Governo dos Estados membros, a necessidade da assinatura do TAC para aqueles
países que viessem a ter relações com o bloco, a busca pela resolução pacífica de
conflitos internos, a procura por fortalecer a solidariedade política dentro da ASEAN
e outros. No campo econômico foram estabelecidos: a Cooperação de commodities
básicas (principalmente de alimento e energia), a cooperação industrial, a
cooperação comercial, a cooperação conjunta para os problemas internacionais de
commoditie e outros problemas da economia mundial, e os dispositivos para a
cooperação econômica. Outra questão tratada na Cúpula e que fez parte da
declaração foi o melhoramento dos mecanismos internos da ASEAN, que criou o
Secretariado da ASEAN bem como deixou clara a necessidade de estudar uma nova
estrutura organizacional para o bloco a fim de aumentar sua efetividade. 73 Além dos

70
A Terceira Guerra da Indochina se deu entre a China e o Vietnã devido a invasão deste último a território
cambojano no regime do Khmer Vermelho, apoiado pela China (Fevereiro-Março 1979)
71
O texto em língua estrangeira é: “to consolidate the achievements of ASEAN and expand ASEAN cooperation
in the economic, social and political fields” Disponível em: http://www.asean.org/1216.htm
72
Os três pilares da ASEAN (o Econômico, o Político e de Segurança, e o Sócio-Cultural) serão melhor
explorados no Apêndice A “Estrutura e Mecanismos da ASEAN”.
73
Mais tarde, no ano de 2003 foi realizada a Segunda Declaração de Concordância da ASEAN que lançava esta
nova estrutura organizacional composta por três pilares que envolvem economia, política, segurança, sociedade
e cultura. Tais pilares serão abordados de maneira mais extensa na sessão “Estrutura e mecanismos da ASEAN”
73

pontos destacados anteriormente, a DAC também tratou do campo social, cultural e


de segurança.74 (Declaração de Concordância da ASEAN, 1976).
Um ano mais tarde, em fevereiro de 1977, o bloco assinou um Acordo para o
Arranjo Preferencial de Comércio (ou Agreement On ASEAN Preferential Trading
Arrangements – PTA) que forneceu as principais bases para o estabelecimento de
vários mecanismos de liberalização de comércio de forma preferencial para a
expansão do desenvolvimento do bloco.75 O acordo reforçava a necessidade de que
fosse dada preferência na cooperação de troca de commodities principalmente de
alimentos, e de energia, que fora acordado na DAC. Além disso, o PTA lançava os
primeiros dispositivos de liberação comercial do bloco: como o Contrato de Longo
Prazo e Quantidade76 que se aplicava ao comércio preferencial de certos produtos
entre os países que haviam feito a troca por um período de três a cinco anos;
suporte financeiro com taxas de juros preferenciais para importação e exportação
entre os países que fecharam acordo; preferência nas aquisições feitas por
entidades governamentais; extensão de tarifas preferenciais; liberalização das
medidas não-tarifárias em base preferencial.77 Tanto a DAC quanto a PTA abriam
caminho para o estabelecimento da Área de Livre Comércio da ASEAN (ou ASEAN
Free Trade Area – AFTA)78 que se estabeleceria no início da década de 1990.
No final dos anos 1970 e início de 1980, a ASEAN começou a olhar para outro
de seus objetivos: cooperação econômica e comercial. Foi quando a associação
começou a negociar seus PTAs. Todavia, a prioridade das economias nacionais em
países extremamente nacionalistas, enfraquecia a liberalização comercial dentro do
bloco, uma vez que um estava geralmente, na contra-mão do outro. A partir da
década de 80, a associação começou a se voltar para um viés mais econômico e,
com o final da Guerra Fria, esta linha de atuação ficou mais clara. Foi também nos
anos 1980, mais precisamente em 1984, que a associação passou por sua primeira
74
Disponível em: http://www.asean.org/1216.htm
75
Segundo a carta da Área de Livre Comércio da ASEAN. Disponível em
http://www.worldtradelaw.net/fta/agreements/afta.pdf
76
No original: Long-term Quantity Contracts
77
Segundo carta do Acordo do Arranjo Preferencial de Comércio. Disponível em:
http://www.aseansec.org/1376.htm
78
Estabelecida em 1992, a AFTA inicialmente reuniu o ASEAN-6 e conseguiu no início de 2010 reduzir 99% do
total de tarifas para o comércio intra-ASEAN. A média das tarifas praticadas atualmente entre estes membros é
de menos de 1%, uma redução de mais de 90% uma vez que as tarifas praticadas em 1992 eram de 12% em
média. Os membros mais recentes da ASEAN terão até 2015 para adaptarem-se a AFTA, uma vez que o intuito
do bloco é ter livre comércio até esta data como parte da proposta da Comunidade Econômica da ASEAN que
será tratada mais a frente. (WAN,2011) Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf)
74

expansão horizontal com a entrada do Sultanato de Brunei, que no mesmo ano havia
se tornado independente da Grã Bretanha. Em 1987 já na Terceira Cúpula da
ASEAN(ou ASEAN Summit), os chefes de Estado enfatizaram a necessidade de que
se fortalecesse a cooperação econômica dentro do bloco com o intuito de aumentar o
potencial comercial e de desenvolvimento através do combate ao protecionismo para
que o setor privado tivesse a oportunidade de atuar livremente na região como um
dos fatores para o desenvolvimento do bloco, de seus países e da integração entre
eles. A Terceira Cúpula da ASEAN foi fundamental para demonstrar nos anos finais
da Guerra Fria, que a associação estava modificando seu principal foco de atuação.79
Henrique Oliveira(2006) afirma que por tais motivos a ASEAN passou por três fases
distintas:

[...] a primeira correspondeu ao processo da manutenção de segurança


regional [...] A segunda fase, com maior ênfase nos anos 1980, abrangeu o
período em que o Sudeste Asiático se inseriu no processo de desenvolvimento
econômico asiático [...] A terceira fase, já no pós-Guerra Fria, representou um
novo direcionamento de seus objetivos.(OLIVEIRA,2006, p.92)

2.3.3. ASEAN – 1990 aos dias atuais

O final da Guerra Fria trouxe novo fôlego à ASEAN. “Ao mesmo tempo que as
mudanças associadas com o final da Guerra Fria [...] dividiram o Sudeste Asiático
também o isolaram como região em pontos-chave.”80(BA, 2009, p.101, tradução
nossa). Com o fim da disputa ideológica, e o surgimento dos EUA como a nova
potência, a associação pôde focar-se em outros objetivos que não voltados para a
defesa da região e da soberania de seus Estados membros frente a ameaça
comunista. Foi também nos anos de 1990 que a ASEAN aumentou seu escopo
através de uma maior expansão horizontal durante toda a década. A região do Leste
Asiático como um todo, vivia um momento de grande crescimento econômico e
rápida industrialização que se iniciou cerca de uma década após o final da Segunda
Guerra, mas que alcançava seu auge no final de 1980 e início de 1990 com Japão e
os Tigres Asiáticos. O período de inserção do bloco no bom momento econômico
pelo qual passava a Ásia começou na década de 1980, mas foi a partir de 1990 que

79
Disponível em: http://actrav.itcilo.org/actrav-english/telearn/global/ilo/blokit/asean.htm
80
O texto em língua estrangeira é: “At the same time , changes associated with the end of the Cold War [...] had
divided Southeast Asia, it also insulated Southeast Asia as a region in key ways.”
75

ficou claro que a associação começava a buscar novos objetivos, apesar de manter
os mesmos princípios do momento de sua criação e formação.
Após a entrada de Brunei no bloco no mesmo ano em que se tornou
independente ainda na década de 1980, a ASEAN abriu-se para novos membros a
partir do ano de 1995, com o desejo de representar de fato a região do Sudeste da
Ásia. O Vietnã foi, em 1995, o primeiro país a fazer parte da ASEAN no pós Guerra
Fria, o que finalmente pode realizar o desejo inicial dos idealizadores da ASEAN de
criar uma organização que incluísse minimante Indonésia, Filipinas, Malásia,
Cingapura, Tailândia e o Vietnã. (TURNBULL ,1999). Dois anos mais tarde, o Laos e
Myanmar também aderiram ao bloco que em 1999 adicionou seu último membro até
o momento, o Camboja, igualmente importante para o conceito de Sudeste Asiático
que a organização procurava criar, mas que por passar por uma Guerra Civil de
mais de uma década, ainda recuperava-se no início dos anos 1990. O Timor Leste,
também um país do Sudeste Asiático, colônia portuguesa até 1975 e depois
considerado a 27ª província indonésia, só teve sua independência reconhecida em
2002. Após declarações do então presidente José Ramos-Horta, em 2006 de que o
país precisaria de no mínimo 5 anos para estar pronto para fazer parte da ASEAN81,
em março de 2011 foi feito o pedido formal pelo Ministro das Relações Exteriores do
país para se juntar ao bloco como um Estado membro. Apesar de entusiastas
dentro da ASEAN, alguns de seus membros discordam da entrada imediata do
Timor Leste uma vez que acreditam que o bloco precisa focar-se primeiro nos países
pobres que já fazem parte da associação.82 (BBC ASIA PACIFIC, 2011). Pode haver
também certa relutância da Indonésia, tendo em vista que o Timor Leste havia sido
sua província entre 1975 e 2002. Outro país que talvez venha a participar no futuro é
a Nova Guiné, embora fique difícil caracterizá-la como do Sudeste Asiático ou
Oceania. No entanto, tendo em vista que faz parte de uma ilha que compartilha o
espaço com uma província da Indonésia, a oeste, já levanta a possibilidade, ao
menos em termos geográficos.83

81
Disponível em: http://www.asean.org/afp/154.htm
82
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific-12644608
83
Comunicação oral do mestre em Relações Internacionais Wellington Dantas de Amorim, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense em novembro de
2011.
76

Em 1992 a então chamada ASEAN-684, assinou alguns acordos, o principal


deles, a AFTA de janeiro daquele ano e a Declaração da ASEAN sobre o Mar do Sul
da China de julho. Este último firmado nas Filipinas se debruçou sobre assuntos
específicos da região do Mar do Sul da China que se estende do Estreito de Malaca
ao Estreito de Taiwan, e é onde ocorre 1/3 de toda movimentação de navios de
carga do mundo.85 (McDOWELL,2011). Tal região é de elevada importância para a
ASEAN uma vez que grande parte de seus membros está localizada ao redor deste
ou neste mar86, bem como China e Taiwan, que é alvo de algumas disputas
territoriais entre tais países.87 A Declaração da ASEAN sobre o Mar do Sul da China
buscou garantir que as disputas referentes à região (soberania, jurisdição etc.)
fossem resolvidas de forma pacífica respeitando as bases da não-agressão,através
da criação de um ambiente de boa convivência entre os vizinhos, acionando
novamente os princípios contidos no TAC.
Alcançar cooperação econômica na ASEAN foi, contudo, complexo,
principalmente pela dificuldade de se estabelecer um mercado comum entre
economias como as do bloco que eram competitivas e não complementares. Outro
problema para uma integração econômica era o fato de que grande parte dos
Estados membros não queria se especializar em uma área específica de atividade
econômica caso isso significasse ter que abandonar outras áreas que acreditavam
ser importantes. Apesar dos inconvenientes, a área de livre comércio da ASEAN foi
criada. (McDOUGALL, 2007). A AFTA foi a reunião de iniciativas anteriores para se
criar uma área de livre comércio no Sudeste Asiático. Iniciada com a DAC em Bali
em 1976, passando pela assinatura do PTA em 1977, pela Terceira Cúpula da
ASEAN de 1987, e pelo Acordo quadro para o Aumento da Cooperação Econômica
da ASEAN que ocorreu em 1992 e antecedeu a AFTA apontando suas intenções, a
Área de Livre Comércio da ASEAN foi assinada pelos seus então seis membros com
o intuito de “eliminar as tarifas entre os países do Sudeste Asiático como uma forma
de integrar as economias da ASEAN para que formassem uma base única de

84
A ASEAN-6 é formada pelos 5 países fundadores, mais Brunei, o primeiro país a entrar no bloco
individualmente.
85
Disponível em: http://www.guardian.co.uk/world/feedarticle/9755825
86
Membros da ASEAN que estão localizados no Mar do Sul da China: Malásia, Indonésia, Cingapura,Tailândia,
Camboja, Filipinas, Brunei, Vietnã.
87
Países que têm disputas territoriais no Mar do Sul da China: China (e Taiwan), Filipinas, Vietnã, Malásia,
Brunei. (McDOWELL, 2011).
77

produção, criando um mercado regional de mais de 500 milhões de pessoas.” 88


(ASEAN, 2002). O acordo assinado pelos países membros, o Esquema Comum de
Tarifas Preferenciais Eficaz para a Área de Livre Comércio da ASEAN, procurou
criar uma estrutura para que a AFTA pudesse se desenvolver ao longo dos anos.
Para tal, estabeleceu a Tarifa Comum Preferencial Eficaz ( ou Agreement On
The Common Effective Preferential Tariff – CEPT) voltada para os membros da
ASEAN e para ser aplicado em produtos originários do bloco; além da diminuição
gradual de tarifas, de barreiras não-tarifárias e de restrições quantitativas aos
produtos produzidos dentro do bloco, ou seja produtos que tenham ao menos 40%
de seu conteúdo originado nos países do bloco.89 (Esquema Comum de Tarifas
Preferenciais Eficaz para a Área de Livre Comércio da ASEAN, 1992). Dentro do
Esquema Comum de Tarifas Preferenciais, foi estabelecido um calendário para as
reduções tarifárias e também um prazo para que todos os membros pudessem se
adequar às exigências do Esquema. Como o AFTA foi estendida para todos os
países que entraram no bloco posteriormente, também foi exigido que se
adequassem as regras do Esquema, mesmo que com prazos diferenciados. O prazo
que o Vietnã para reduzir suas tarifas sobre produtos que estavam na Lista de
Inclusão do Esquema para menos de 5% até 2006, Laos e Myanmar até 2008 e o
Camboja até 2010. A implementação do CEPT recebeu um grande incentivo em
2004 quando, a Malásia diminuiu grande parte das tarifas exigidas no Esquema, um
ano antes do estipulado para sua implementação.90 O objetivo da AFTA é que seja
lançada uma Zona de Livre Comércio com tarifas zero até 2015 para seus membros
mais antigos (ASEAN-6) e até 2018 para os membros mais recentes.91
Dos anos de 1993, quando o Esquema Comum de Tarifas Preferenciais
entrou em vigor, até o ano de 1999 muitos foram os acordos assinados dentro da
ASEAN visando maior integração regional, e o desenvolvimento dos países e do
bloco como um todo. Dentre eles o Tratado De Zona Livre de Armas Nucleares do
Sudeste Asiático de 1995, a Cooperação de Desenvolvimento entre ASEAN e Bacia
do Mekong de 1996, o “ASEAN Vision 2020” de 1997 e a Declaração Conjunta sobre

88
O texto em língua estrangeira é: “...to eliminate tariff barriers among the Southeast Asian countries with a view
to integrating the ASEAN economies into a single production base and creating a regional market of 500 million
people.”Disponível em: http://www.aseansec.org/19585.htm
89
Disponível em: http://www.aseansec.org/12375.htm
90
Disponível em: http://www.aseansec.org/19585.htm
91
Disponível em: http://www.aseansec.org/10342.htm
78

a Cooperação no Leste Asiático de 1999. A declaração de 1995 seguia os princípios


da Carta das Nações Unidas, do Tratado de Não-Proliferação de 1970 e da
ZOPFAN de 1971, que teve um Programa de Ação assinado em 1993, e pretendia
exterminar as armas nucleares da região92; o tratado de 1996 com os Estados da
bacia do Mekong93 tinha como objetivo aproximar-se de tais países para incentivar
seus desenvolvimento bem como um fortalecimento dos laços econômicos entre
eles e a associação94; o ASEAN Vision 2020 foi uma declaração conjunta onde o
bloco traçou metas em diversas áreas (como economia, comércio, ciência e
tecnologia, infraestrutura e comunicações) para o ano de 2020 com o intuito de se
tornar um concerto de nações do Sudeste Asiático95; e por fim a Declaração
Conjunta para o Leste Asiático inaugurou oficialmente a ASEAN+3 tendo como
principal foco a cooperação conjunta nas áreas econômica, social, política e de
segurança.96
Além dos acordos estabelecidos neste período, em 1994 foi criado o Fórum
Regional da ASEAN (ou ASEAN Regional Forum – ARF), um espaço para debater
questões de segurança de forma mais abrangente e mais profunda que dentro da
organização. O ARF surgiu a partir de uma discussão no ano anterior lançada pelos
países da ASEAN juntamente com os parceiros de diálogo (Austrália, Canadá, União
Europeia, Japão e EUA) assim como Estados observadores da reunião China,
Rússia e Vietnã. Atualmente, o ARF conta com 26 membros97 e constitui o maior
fórum regional dedicado a questões de segurança. (GILL &GREEN, 2009). O ARF
bem como a Cooperação Econômica da Ásia Pacífico (ou Asia Pacific Economic
Cooperation – APEC98) criada em 1989 estão ligados ao conceito de Ásia Pacífico, a

92
Disponível em: http://www.asean.org/3636.htm
93
Fazem parte da Bacia do Mekong: Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Myanmar e China.
94
Disponível em: http://www.asean.org/6353.htm
95
Disponível em: http://www.asean.org/1814.htm
96
Disponível em: http://www.asean.org/691.htm
97
Os países do ARF são Austrália, Bangladesh, Brunei, Camboja, Canadá, China, Cingapura,Coréia do Sul,
Coréia do Norte, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão, Laos, Malásia, Myanmar, Mongólia, Nova
Zelândia, Paquistão, Papua Nova Guiné,Rússia, Sri Lanka, Tailândia, Timor Leste, União Europeia e Vietnã.
Disponível em: http://aseanregionalforum.asean.org/about.html
98
A APEC que começou como um grupo informal de diálogos em 1989 pode ser considerado uma reunião das
economias regionais que tem como objetivo desenvolver uma comunidade econômica dos países da Ásia-
Pacífico.(GILL & GREEN, 2009). Membros da APEC: Austrália,Brunei, Canadá, Chile, China, Cingapura, Coréia
do Sul, Estados Unidos, Filipinas,Hong Kong, Indonésia, Japão, Malásia,México, Nova Zelândia, Papua Nova
Guiné, Peru, Rússia, Tailândia, Taiwan e Vietnã. Disponível em: http://www.apec.org/en/About-Us/About-
APEC/Member-Economies.aspx
79

APEC principalmente, que justifica a presença de países como Estados Unidos e


Canadá na região do Leste da Ásia. Diferente da APEC, o ARF conta com a ASEAN
no ‘comando’ das reuniões do grupo, uma vez que passa pelos princípios básicos da
ASEAN de não-intervenção, consultas e diálogo, o que conta muito quando o
assunto é segurança e defesa. (McDOUGALL, 2007). Por outro lado, o ARF é uma
forma de manter os EUA presentes na cena do Leste Asiático na área que mais lhes
interessa e preocupa, a defesa sem, no entanto, fazer parte de outros conceitos
regionais exclusivos para países asiáticos. Apesar de sua participação ser
diretamente vedada na ASEAN+3, bem como no conceito inicial da ASEAN+6 (ou
East Asian Summit –EAS), que procurava representar o conceito de Leste Asiático
pura e exclusivamente, na última reunião do EAS, os EUA bem como a Rússia
.passaram a fazer parte do grupo, enfraquecendo a intenção inicial deste e
demonstrando um desejo norte-americano de se fazer presente na região.
O súbito crescimento do Leste Asiático, entretanto, sofreu um revés no final
da década de 1990. Uma crise financeira semelhante a que atingira a América
Latina no anos de 1980, instalou-se na região. A primeira onda da crise asiática
começou como uma crise cambial na Tailândia que forçou a flutuação da moeda do
país uma vez que o governo tailandês procurou criar um centro financeiro
internacional em seu território no início da década, o que inundou o país de capital
estrangeiro favorecido pelo atrelamento de sua moeda ao dólar a um preço fixo e
baixo desde 1985. Os problemas financeiros internos começaram já em 1994, mas
foram maquiados por políticos que eram ligados aos bancos e companhias que
estavam falindo, impedindo que o caso viesse a tona e fizesse o governo tomar
medidas a respeito. No momento em que os especuladores entenderam que o país
não teria como manter a sua moeda atrelada ao dólar, começaram a vendê-la, o que
foi impossível para o Banco Central tailandês administrar, o que iniciou de fato a
crise. A Tailândia então pediu ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que
ofereceu um pacote de ajuda de mais de US$ 17 bilhões, mas que exigia o aumento
das taxas de juros para conter a fuga de capital. (WAN, 2008).
O resultado da depreciação da moeda aliada à altas taxas de juros foi um
aumento no número de empréstimos de liquidação duvidosa devido a flutuação da
moeda frente ao dólar, empréstimos estes que estavam sendo utilizados para
investimento mobiliário especulativo dentro de uma bolha. O aumento da
inadimplência aliado a bolha imobiliária levou a uma crise bancária que culminou na
80

quebra do mercado de ações. Desta forma, a crise iniciada na Tailândia se alastrou


pelos demais países do Sudeste Asiático, uma vez que os investidores tinham medo
de uma crise de crédito nos demais países da região. Como consequência da crise
tailandesa as moedas de Filipinas, Malásia e Indonésia flutuaram já em 1998 o que
levou a um crescimento negativo em todas estas economias, e também na Coréia
do Sul.(IBID).
O momento de fragilidade que passavam alguns dos Estados que faziam
parte da ASEAN, serviu também como uma oportunidade para os países de
destaque na região, principalmente China e Japão. Enquanto os empréstimos do
FMI para Filipinas, Tailândia, Indonésia e Coréia do Sul, exigiam programas de
reestruturação com desregulamentação, privatização, política monetária apertada e
altas taxas de juros para prevenir a inflação e a depreciação da moeda, a Malásia,
que não pediu ajuda aos Estados Unidos e fixou sua taxa de câmbio e impôs
controle de capital, baixando suas taxas de juros, e iniciando um pacote de estimulo
a economia, se saiu muito melhor que seus vizinhos. O papel do FMI foi
extremamente criticado durante a crise financeira asiática, o que ajudou China e
Japão a destacarem-se. O fato de a China não ter desregulamentado totalmente seu
controle de capital nem mesmo valorizado sua moeda, fez com que o país não fosse
atingido de forma crucial pela crise e também que fosse bem visto na região e fora
dela. O Japão por sua vez surgiu como o país que mais financiou a região,
principalmente por ser o maior doador do FMI, e também criticou o papel do FMI na
região como uma tentativa de transformar o capitalismo asiático em anglo-saxão. Foi
também do Japão a iniciativa de criar um Fundo Monetário Asiático, ideia que não
conseguiu sustentar nem mesmo com a ajuda da China por pressão norte-
americana. Tais posturas de Japão e China se tornaram o momento de mudança do
regionalismo do Leste Asiático. (IBID).
Ao perceber que os países ocidentais nada ou muito pouco fizeram para
ajudar os países que mais se prejudicaram com a crise, Japão, China e também
Coréia do Sul em menor proporção uma vez que também havia sido afetada pela
crise, aproximaram-se mais ainda dos países do Sudeste Asiático com a intenção de
ajudar, mas também de se projetar para a região abalada pela crise.(GILL &
GREEN,2009). Uma das primeiras investidas de tais países sobre a ASEAN foi a
Iniciativa Chiang Mai (ICM) lançada logo após a terceira Cúpula da ASEAN+3 em
1999, foi assinada em 2000 pelos Ministros das Finanças dos dez países da ASEAN
81

e de Japão, China e Coréia do Sul que em 1997 já integravam a ASEAN+3. 99 A ICM


também foi vista como um importante símbolo da união do Leste Asiático como um
todo,(ASAMI, 2005) uma vez que sua criação estava intimamente ligada com o
surgimento da ASEAN+3, responsável pela ideia da “asianização do leste” na busca
por uma Comunidade do Leste Asiático.(GILL & GREEN, 2009).

Apesar de seu importante simbolismo, a ICM pode acabar sem fornecer um


mecanismo regional significativo se permanece na sua forma atual. Para que
funcione de forma apropriada, a ICM tem de ser desenvolvido como um bem
definido, eficaz e eficiente arranjo financeiro regional. Ele servirá como base para a
prevenção e resolução de crises, mantendo a estabilidade financeira e monetária
regional. Isto deve ser exercido no curso do aprofundamento do regionalismo no
100
Leste Asiático. (ASAMI, 2005,p. 3, tradução nossa.)

A partir da década de 2000, a associação voltou-se ainda mais para o âmbito


econômico, integrando-se e procurando se reestruturar. Em 2003, a ASEAN lançou
a Segunda Declaração de Concordância da ASEAN (ou Declaration of ASEAN
Concord II – DACII) onde o bloco, já formado pelos 10 países atuais, buscando uma
maior regionalização e unidade no Leste Asiático, se comprometeu a trabalhar pelo
estabelecimento de uma Comunidade da ASEAN que seria dividida em três pilares:
comunidade econômica101; comunidade política e de segurança; e comunidade
sócio- cultural.102 (Segunda Declaração De Concordância da ASEAN, 2003). Em
2007 a Comunidade da ASEAN foi de fato lançada (e criada apenas em 2009)
através da Carta da ASEAN também conhecida como a Declaração de Cingapura 103
que comemorou os 40 anos da associação, entrou em vigor em 2008, reafirmou
seus princípios fundadores, além de trazer novas questões ao bloco, questões estas
que estavam intimamente ligadas a construção de uma comunidade (como a criação
de um hino, de um símbolo, de um dia para a ASEAN), além de trazer mudanças
estruturais que viessem a aumentar a eficiência da instituição e de sua integração.
Entretanto, alguns estudiosos como Gill e Green (2009) e EMMOTT (2008) veem a
Comunidade da ASEAN como uma retórica, analisando que o multilateralismo da

99
O assunto ASEAN+3, sua formação, relação com os parceiros e histórico será abordado próximo capítulo.
100
O texto em língua estrangeira é: “In spite of its important symbolism, however, the CMI could end up without
providing a meaningful regional mechanism if it remains in its present form. In order for it to function properly, the
CMI needs to be developed as a well-defined effective and efficient regional financial arrangement. It will serve as
a basis for crisis prevention and resolution, while maintaining regional financial and monetary stability. This must
be pursued in the course of deepening regionalism in East Asia.” Disponível em: http://www.asean.org/17905.pdf
101
Para ver o histórico da ASEAN que leva a criação da Comunidade Econômica da ASEAN veja
102
Disponível em: http://www.aseansec.org/15159.htm
103
Disponível em: http://www.aseansec.org/21069.pdf
82

região ainda está em um estágio em que deve ser considerado como uma extensão
do poder e propósito nacional mais que uma força objetiva em si mesma. (GILL &
GREEN, 2009). A Declaração de Cingapura também tinha dentro de seus objetivos
aumentar a utilização de constrangimentos legais, tornar as leis mais severas,
promover os direitos humanos e a democracia, entretanto, a entrada de países com
governos ditatórios como Vietnã, Laos e Camboja, signatários da Carta, certamente
esvaziariam a maioria destas questões. (EMMOTT, 2008)
Foi também a partir de 2007 que começou a criação as ASEAN+1, Áreas de
Livre Comércio entre a ASEAN e cada um dos países do “+3”. A primeira delas foi a
chinesa que iniciou a aproximação econômica com o bloco já em 2003; e em
seguida Japão e Coréia do Sul em 2008. Cada uma das ASEAN+1 tem diferentes
características como a quantidade de liberalização do comércio entre os membros, a
quantidade de membros que fazem parte do acordo e o prazo que todos os países
tem para se adequar as normas estabelecidas. Apesar de diferentes características,
todos os ASEAN+1, que foram possibilitados pela criação da ASEAN+3, têm
basicamente o mesmo objetivo: dinamizar ainda mais a economia utilizando o
investimento direto regional para fortalecer laços entre estes países, e influenciar a
ASEAN com o intuito de poder exercer o papel de liderança regional no Leste
Asiático.
Além das relações com China, Japão e Coréia do Sul, a ASEAN também se
relaciona com diversos outros países de dentro e de fora da Ásia. Segundo os
princípios da ASEAN104, é seu dever estabelecer relações amigáveis e de mútuo
benefício, que façam parte a cooperação e parceria, com outros países, e
organizações internacionais, regionais e sub-regionais. Para conduzir as relações
externas da ASEAN, o encontro de Ministros das Relações Exteriores da ASEAN
confere aos parceiros externos seu status formal.105 Conforme estipulado no artigo
46 da Carta da ASEAN106, todos os não-membros da ASEAN, que mantém relações

104
Disponível em: http://www.aseansec.org/20164.htm
105
Disponível em: http://www.aseansec.org/20164.htm Os status podem ser de ‘Parceiro de Diálogos’; ‘Parceiro
de Diálogos para áreas especiais’; ‘Parceiro para o Desenvolvimento’; ‘Observador Especial’; ‘Convidado’ dentre
outros.
106
Disponível em: http://www.aseansec.org/22470.htm
83

com a associação, assim como organizações intergovernamentais precisam ter um


Embaixador para a ASEAN107 e preferencialmente ter assinado o TAC.

Ao lado do envolvimento da ASEAN com as questões do Sudeste Asiático, a


organização também teve papel importante em ajudar seus membros a alcançarem
melhores posições em relação às forças da globalização, particularmente em um
nível econômico. Uma forma de fazer isso foi através do estabelecimento de
108
relações com vários países e organizações como 'parceiros de diálogos.
(McDOUGALL, 2007,p. 301, tradução nossa).

Entre as relações externas mais intensas da ASEAN estão, além dos países
do “+3”: a Austrália o primeiro parceiro da ASEAN desde 1974; os Estados Unidos,
com quem se relacionam desde 1977 principalmente na área de segurança mas que
nunca ratificaram o TAC; a Nova Zelândia de quem é parceiro desde 1995, a União
Europeia, desde 1980 quando ainda era Comunidade Econômica Europeia, e é um
dos maiores parceiros comerciais do bloco mas que também está bastante presente
na área de segurança do bloco; além de parceiros menores como o MERCOSUL, a
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC); a Organização para
Cooperaçao de Shangai (SCO) e outras.109
Mais recentemente, iniciou-se um movimento para a criação de uma
Comunidade do Leste Asiático (ou East Asia Community –EAC) que começou por
uma iniciativa sul coreana em criar um grupo que elencaria metas para o ASEAN+3
para as próximas décadas. Como relatório final deste grupo chamado Grupos de
Visão do Leste Asiático (ou East Asia Vision Group –EVG) desde 2002, levado a
Cúpula da ASEAN+3, concluiu-se que a organização deveria criar uma Cúpula do
Leste Asiático (ou East Asia Summit – EAS)110 a fim de estabelecer uma área de
livre comércio que levaria à uma Comunidade do Leste da Ásia. A propósta porém

107
Disponível em: http://www.aseansec.org/22470.htm. São os países: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica,
Bulgária, Canadá, China, Comissão Europeia, Coréia do Sul, Dinamarca, Estados Unidos, Espanha, Finlândia,
França, Grécia, Índia, Itália, Japão, Líbia, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Romênia, Rússia,
Reino Unido, República Tcheca, Suíça.
108
O texto em língua estrangeira é: "Alongside ASEAN's involvement in Southeast Asian issues, the organization
has also played some role in helping its members to position themselves better in relation to the forces of
globalization, particularly at an economic level. One way this has been done is through establishing relationships
with various countries and organizations as dialogue partners."Os parceiros de diálogo da ASEAN são Japão,
EUA, UE, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, , Programa de Desenvlvimento das Nações Unidas, Coréia do Sul,
China, Rússia.
109
Disponível em: http://www.aseansec.org/20164.htm
110
O sexto e mais recente encontro do EAS, em novembro de 2011 na Indonésia contou não só com os países
da ASEAN, Japão, China, Coréia do Sul, Índia, Nova Zelândia e Austrália mas também com EUA e Rússia cuja
presença ‘macula’ a ideia de Leste Asiático estendido uma vez que passa a ter a presença de nações que estão
além do entendido geograficamente como Leste Asiático. Disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/asia-
paci/eas/pdfs/state111119.pdf
84

trouxe algumas divergências sobre qual seria o escopo do grupo, o que seria
considerado Leste Asiático. A China bem como a Malásia preferiam centrar este
conceito na instituição da ASEAN+3, mas Japão bem como Cingapura e Indonésia,
temendo o poder chinês que seria exercido dentro do bloco preferiram incluir Nova
Zelândia, Austrália e Índia, esta última principalmente seria vista como uma
contrabalança ao peso da China. Além disso, Nova Zelândia, Austrália e India são
vistas como democracias ocidentais, o que podeira contribuir para contrabalançar o
modelo político chinês.111. Em 2005 a ASEAN+3 criou os critérios para os futuros
membros que poderiam se encaixar no EAS: ter relações próximas com a ASEAN;
ser um parceiro de diálogos e signatário do TAC. Nova Zelândia, Austrália e Índia
possuiam os três critérios e no mesmo ano realizou-se o primeiro encontro do EAS
que não substituiu o encontro anual da ASEAN+3 como inicialmente previsto, uma
vez que China e Japão tinham preferências diferentes.(GILL&GREEN, 2009).
Mesmo com os contratempos vividos pela ASEAN para se estabelecer como
tal, desde os momentos anteriores à sua criação principalmente no que diz respeito
aos conflitos inerentes à região e a rivalidade de nacionalismos que surgiu com a
descolonização, hoje pode ser considerada como o mais duradouro e organizado
bloco regional asiático. Apesar da ênfase nas relações econômicas, há um esforço
para que seja criada uma Comunidade da ASEAN, para que a cooperação se
estenda em âmbitos mais específicos que apenas o comercial; este esforço por
muitas vezes não deixa de ser apenas uma intenção uma vez que dentro da
associação, os nacionalismos e a soberania ainda falam muito alto. Diferente da
UE, a ASEAN possui um caráter muito menos institucionalizado e flexível, com
respeito explícito à entidade do Estado e a ideia de não-intervenção nos assuntos
particulares de cada Estado.Tais características, por serem tão diferentes das do
bloco regional mais bem sucedido existente, não a caracterizam como pior ou
melhor que a UE, apenas como uma associação mais recente com históricos e
necessidades diferentes daquelas apresentadas pela Europa no momento da
formação de seu regionalismo.
Da mesma maneira que suas normas básicas guiam a forma como o
regionalismo é construído no Sudeste Asiático, elas também são alvo de

111
Comunicação oral do mestre em Relações Internacionais Wellington Dantas de Amorim, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense em novembro de
2011.
85

contestação dentro do próprio bloco pelos países que se colocam a favor de uma
integração mais profunda e que esbarram no princípio da não-intervenção em
assuntos internos, uma das clausulas primordiais da associação, o que dificulta a
atuação com relevância em aspectos de direitos humanos ou disputas territoriais.
Contudo, o recente aumento de volume do escopo da ASEAN, de seu comércio, da
economia dos seus países membros, bem como a importância de países vizinhos
como China e Japão e a própria região do Leste Asiático, torna a questão do
ASEAN-Way cada vez mais plausível de análise e investigação.

2.3.4. O ASEAN-Way

O conjunto de normas da ASEAN conhecido como ASEAN-Way conforme


Jürgen Haacke (2005), pode ser resumido em seis ‘leis’ básicas mesmo que não
sejam formais:

igualdade soberana;

não-utilização do uso da força e a resolução pacífica de conflitos;

não-interferência e não-intervenção;

não-envolvimento da ASEAN em conflitos bilaterais não resolvidos entre membros;

diplomacia tranquila;
112
e tolerância e respeito mútuos. (HAACKE ,2005, p.1, tradução nossa.)

Contudo, o autor afirma que a norma mais importante é “a preferência pela


informalidade, e a aversão ao institucionalismo da cooperação” 113. (ACHARYA,
2001, p.68 apud HAACKE, 2005 p. 4, tradução nossa). Este conjunto de normas
não-formais da ASEAN que prezam pela informalidade vai na contra mão do
“institucionalismo super centralizado e da renúncia voluntária de tomada de decisão
soberana”114 (HAACKE,2005, p. 5, tradução nossa) vistos no regionalismo da União
Europeia. Embora seja considerado como uma política interna de cada Estado

112
O texto em língua estrangeira é ”sovereign equality; the non-recourse to the use of force and the peaceful
settlement of conflict; non-interference and non-intervention; the non-involvement of ASEAN to address
unresolved bilateral conflict between members; quiet diplomacy; and mutual respect and tolerance.”
113
O texto em língua estrangeira é:“ are a preference for informality and a related aversion to the
institutionalization of co-operation…”
114
O texto em língua estrangeira é:“ institutional overcentralisation and voluntary relinquishment of sovereign
decision-making”
86

membro da ASEAN, o “ASEAN-Way” se reflete em toda a associação –


principalmente em sua cultura diplomática e de segurança – e evidencia uma
característica básica da entidade: uma “organização cooperativa, consultiva mas não
supra nacional”.115(IBID).
O chamado ASEAN-Way é mais antigo que a própria instituição e se origina
dentro dos países que a formam, mesmo antes de formá-la. Os nacionalismos, o
senso de autodeterminação e de construção da nação nas ex-colônias asiáticas com
o fim do neo-colonialismo, que já foram considerados obstáculos para a criação da
ASEAN, são em parte responsáveis pelo que hoje pode ser considerado o seu
modus operandi. Segundo Ba (2009) foi necessário unir ideias do nacionalismo às
ideias de regionalismo para que fosse possível e viável iniciar a construção de um
arcabouço regional. Entre as ideias de nacionalismos ligadas ao regionalismo
listadas pela autora estão a auto-determinação, a consolidação nacional e a não
intervenção, ideias estas que se fazem presentes nas seis normas informais que
Haacke (2005) coloca como sendo da parte da ASEAN, e que segundo o autor estão
presentes na região desde o estabelecimento da ASA.
No entanto, as noções de igualdade soberana, não-interferência e o não-uso
da força são considerados como relativamente novas no Sudeste Asiático datando
principalmente da descolonização, uma vez que, segundo Haacke, os líderes dos
Estados tradicionais da região pautavam-se no princípio da reprodução
microcósmica do universo (derivada do Hinduísmo /Budismo) para dentro do Estado
para governá-lo, o que influenciava definitivamente a forma como estes encaravam a
soberania e a relação entre Estados. Partindo desta regra, os líderes tradicionais
enxergavam a soberania como o direito divino de governar o universo, que se
materializava dentro de seu Estado, e poderia torná-los monarcas universais, o que
lhes dava o direito de expandir o seu microuniverso a fim de alcançar este patamar.
A guerra, por sua vez, era a forma mais comum de interação entre Estados, já que
era através dela que os líderes tradicionais buscavam expandir seus territórios. Foi
durante a colonização dos Estados tradicionais do Sudeste da Ásia que a antiga
noção de soberania e relações interestatais começou a mudar, mediante a
intervenção das metrópoles europeias que introduziram suas próprias normas à
região e induziram a sua aceitação. (HAACKE, 2005). Foram as próprias normas

115
O texto em língua estrangeira é “ cooperative, consultative but not supra-national organization”
87

europeias introduzidas no Sudeste Asiático que criaram os nacionalismos que


emergiram no momento do pós Segunda Guerra Mundial através da descolonização,
que tinham em seu cerne tais princípios e outros novos como a reivindicação do
reconhecimento e de auto-determinação dos Estados.
Segundo Haacke (2005) há três formas de conceitualizar o ASEAN-Way:
como uma aproximação intramural para administração de disputas e construção de
confiança (CABALLERO-ANTHONY, 1998; KAMARULZAMAN, 1996 ;HOANG, 1996
apud HAACKE, 2005); como um procedimento distinto para a tomada de decisões
(THAMBIPILLAI, 1985 apud HAACKE, 2005); ou como um processo de construção
de identidade que recai sobre princípios modernos de relações entre Estados
aliados a modos culturalmente específicos da relação entre eles (ACHARYA,2001
apud HAACKE, 2005). Para o autor, ao reunir todas as formas de conceitualização é
possível estabelecer que o quadro normativo do ASEAN-Way é voltado para a
mediação de disputas, fomentar a interação e precisar a construção de uma
identidade. Por esses motivos, Haacke identifica o ASEAN-Way como uma cultura
de diplomacia e segurança.
A década de 1990 representou um desafio para o ASEAN-Way dentro da
própria associação. A entrada de novos membros na ASEAN (Vietnã, Camboja,
Laos e Myanmar) levantou alguns questionamentos internos devido à postura dos
novos membros. Esperava-se inicialmente que os recém-chegados Estados
partissem para uma relativa modificação de suas políticas internas e externas, mais
especificamente perante o grupo, com a intenção de se adequar aos princípios do
ASEAN-Way dos quais eram ‘aculturados’. Contudo, principalmente Myanmar e
Camboja demonstraram pouca vontade em respeitar os princípios da associação
quando fosse necessário relacionarem-se com outros membros da ASEAN. A
postura inicial dos novos membros desagradou (e ainda desagrada) os Estados
mais antigos do bloco, e em 1998 houve uma tentativa por parte da Tailândia,
iniciada pela Malásia no ano anterior, de um “engajamento flexível” às normas,
derivado da discordância de alguns membros do princípio da não-interferência que o
bloco possui. Apoiada apenas pelas Filipinas, a proposta tailandesa tinha forte
oposição de Myanmar (SIMON, 2008) e também iria contra outros princípios da
ASEAN como o de diplomacia tranquila, uma vez que permitiria a crítica aberta de
membros a outros. Por se colocar contrária a princípios tão fundamentais da
associação, a proposta foi colocada e lado e não aprovada. (HAACKE, 2005).
88

O ASEAN-Way continua enfrentando críticas externas e internas. As críticas


externas estão quase sempre voltadas para a baixa institucionalização do bloco que
se apoia nas normas informais da associação; os responsáveis pela maioria delas
costumam comparar a ASEAN à UE, enxergada como um modelo de integração
regional a ser seguido e que é muito mais institucionalizado possuindo órgãos
supranacionais de maior peso e poder decisório – ao contrário da ASEAN que conta,
na maioria das vezes com encontros e Cúpulas periódicas como seu corpo político
institucional supremo.116 Contudo, estas críticas esbarram em argumentos contrários
muito simples como o fato de que cada região tem o tipo de integração regional que
corresponde à suas características históricas, econômicas e políticas, e que a baixa
institucionalização de um bloco não significa que seja pior ou melhor que o outro,
mas que possui uma formação diferente e não necessariamente enxerga o outro
como padrão – buscar seu próprio padrão talvez seja a melhor forma de sucesso
deste tipo de associação de integração.
As críticas internas, por sua vez, estão diretamente ligadas ao desrespeito
das normas por alguns países, principalmente os membros mais recentes, que não
são punidos resguardados pelos princípios de não-interferência e não intervenção
do ASEAN-Way. Um dos exemplos é Myanmar, um dos últimos membros a fazer
parte da organização, e que por muitos anos possuiu um governo ditatorial
conhecido por desrespeitar os direitos humanos e tratar a oposição de maneira
bastante severa, e que apenas recentemente começou a vivenciar um
abrandamento..117 A recém-criada Comissão Intergovernamental de Direitos
Humanos da ASEAN torna-se esvaziada no momento em que não consegue atuar
frente a um governo de um dos Estados membros que infringe os Direitos Humanos,
mas que está protegido pelo ASEAN-Way
Os membros da ASEAN não são conhecidos por seus governos
democráticos, pelo contrário há uma falta de democracia entre a maior parte dos

116
Apesar de frouxo, a ASEAN possui um corpo institucional com estrutura e mecanismos de ação bem
definidos. Para melhor compreensão destes, vide Apêndice A.
117
Mais recentemente o novo presidente eleito, Theim Seim,Primeiro Ministro do País de 2007 a 2011, quando
no mês de março assumiu a presidência, apesar de ser um ex-militar, tem provocado uma ligeira abertura
política por ser considerado mais moderado e reformista que os antigos governos. O político vem inclusive
ampliando o diálogo com a oposição através de seu símbolo maior, a ativista e política de oposição Aung San
Suu Kyi, prêmio Nobel da Paz de 1991, que viveu 15 dos últimos 21 anos em prisão domiciliar (desde 1989)
imposta pelo governo ditatorial do país, e foi libertada em novembro de 2010 recebendo inclusive a visita do
Ministro Britânico das Relações Exteriores, William Hague, no início de 2012.Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/news/uk-politics-16417704
89

integrantes da associação. Indonésia, Filipinas e Tailândia, conhecidas como os


mais democráticos ainda sofrem com leis deficientes (SIMON, 2008); os outros
membros variam de formas de governo de autoritarismo brando, como Cingapura e
Malásia, para autoritarismo mais rígido, cujo exemplo extremo é o de Myanmar. Os
diferentes tipos de governo dos Estados que formam a ASEAN podem ser
encarados como um obstáculo à integração regional caso o ASEAN-Way seja
desprezado. Até o presente momento, no entanto, as normas informais continuam a
movimentar e constituir o bloco.

2.4. A ASEAN em números

Utilizar dados populacionais, econômicos e financeiros da ASEAN, dos


demais grupos regionais e até mesmo de outros países individualmente é uma das
maneiras de ilustrar a atual situação e relevância não só da associação, mas
também da região e de cada um dos países que formam o bloco. Tomar estatísticas
de naturezas diversas para construir um cenário onde o objeto estudado possa ser
analisado mais a fundo é primordial para que se estabeleça um retrato daquilo que é
investigado, sua realidade econômica e social, suas potencialidades, fraquezas e
desafios. Para tal, utilizamos nesta seção diversos dados para dar forma a ASEAN e
ao Leste Asiático, muitas vezes lançando mão de comparações com blocos que
visam a integração, potências regionais, e até mesmo com países vizinhos e que
fazem parte do bloco ou de alguns de seus desdobramentos estruturais. As
estatísticas aqui trabalhadas ajudam a apresentar de forma mais concreta a
Associação dos Países do Sudeste Asiático e mostrar, além de seu histórico de
acontecimentos, números importantes do grupo através de algumas interpretações e
analises de dados que possibilitarão entender a real importância da região e da
associação para o comércio mundial como um todo.
A ascensão dos países da região nas últimas décadas foi marcada por um
grande salto industrial e um avanço tecnológico que gerou certa distribuição de
riqueza e tornou a ASEAN cobiçada por potências do Leste Asiático, da Ásia
Pacífico e até mesmo da União Europeia. Com um mercado consumidor de cerca de
590 milhões de pessoas, área total de aproximadamente 4,48 bilhões de km² – um
pouco mais de 3% da área total da superfície da Terra e metade do território
brasileiro – (Enciclopédia Britânica, 1997) a ASEAN possui um comércio total de
90

mais de US$ 1,5 trilhões no ano de 2009, mais que vizinhos como o Japão e a
Índia.118 (ASEAN-Japan Centre). A partir do Gráfico seguinte (Gráfico 1) é possível
analisar o desempenho da ASEAN frente a outras unidades regionais e países de
destaque na Ásia.
É possível perceber que o bloco, mais populoso que o MERCOSUL e também
que a UE (27) e o NAFTA, possui um total de comércio três vezes maior que o do
MERCOSUL, apesar de ter menor PIB nominal. Por outro lado, o PIB per capita do
bloco, de aproximadamente 2,5 mil dólares é mais de três vezes menor que o do
MERCOSUL, sendo superior apenas ao da Índia, em dados de 2009. Através da
comparação de dados básicos, pode-se notar, porém, que a ASEAN tem conseguido
um bom desempenho frente aos demais atores do cenário internacional,
principalmente se levada em consideração sua posição estratégica e a proximidade
com China e Japão, dois gigantes na região do Leste Asiático.
A evolução do PIB da ASEAN119, que pode ser vista no Gráfico 2, por sua
vez, é bastante relevante, passando de US$ 138,87 bilhões em 1970 para US$
710,61bilhões em 1996, o ano anterior a crise asiática e se encontrando atualmente
em US$ 1.215,86 bilhões, bem distante dos US$ 14. 194,40 bilhões da UE, ou dos
US$ 15.303,33 bilhões do NAFTA, mas não tão aquém dos US$1.483,58 do
MERCOSUL120 (Economic Research Service). O Gráfico aponta o crescimento da
parcela da participação no PIB mundial do Sudeste Asiático de 1996 a 2010 como o
5º maior atrás apenas de Leste Asiático, Sul Asiático, Oriente Médio e África, o que
demonstra que apesar do território reduzido, a ASEAN vem acompanhando a
evolução das regiões ao seu redor como Leste e Sul da China. Enquanto o PIB do
Sudeste da Ásia representa 2,42% do PIB mundial em 2010, sua participação no
comércio total mundial ultrapassa os 6,5%, mais que os 4,5% do Japão e um pouco
menos que os 8,8% da China.121 (ASEAN-Japan Centre).

118
Disponível em: http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/Latest_Statistics.html
119
Os países colocados como parte do Sudeste Asiático no Economic Reserach Service são exclusivamente os
membros da ASEAN.
120
Disponível em: http://databank.worldbank.org/ddp/home.do
121
Disponível em: http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/3.html
91

Em Milhões População Em US$ PIB per capta


1.600 45.000
39.731
1.335 40.000 36.708
1.400
1.199 33.052
1.200 35.000
30.000
1.000
25.000
800
591 20.000
600 498 449
15.000
400 270 8.403
128 10.000
200 2.503 3.678
5.000 1.031
- -

Em Bilhões
Total de Comércio US$ PIB Nominal
10.000 9.083
9.000 18.000 16.447 17.138
8.000 16.000
7.000 14.000
6.000 12.000
5.000 10.000
3.587 8.000
4.000 5.878
5.459
3.000 2.367 6.000
2.000 1.548 4.000 2.268
1.132 1.852 1.632
1.000 421 510 2.000
- -

Gráfico 1: ASEAN em comparação (População/ PIB per capta/ Total de Comércio/ PIB Nominal. 2009). Fonte: ASEAN-Japan Centre. Tradução nossa. Disponível em:
http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/Latest_Statistics.html
92

Oceania; 1,78% Oriente Médio; África; Sul Oceania; Oriente Médio; África; 2,39%
Sul Asiático; 1,71% 2,74% 1,98% Asiático; 1,87% 3,21%
Sudeste Asiático; 2,81%
Sudeste
2,07% Asiático; 2,42%
Participação no
PIB mundial América do
(1996) Norte; 28,86%
Leste Asiático; América do Norte; Participação
17,35% 30,09% no PIB Leste Asiático;
mundial 19,49%
Antiga União (2010)
Soviética; 1,92%

Antiga União
Europa; 34,12%
Soviética; 2,45%
Europa; 29,99% América
América Latina; Latina; 6,49%
6,24%

Gráfico 2: Participação no PIB mundial (1996 e 2010). Fonte: Economic Research Service. Disponível em: http://www.ers.usda.gov/Data/Macroeconomics/#HistoricalMacroTables
93

Ao demonstrar a evolução da participação no PIB mundial de diversas


regiões, o Gráfico anterior possibilita pensar como foi a evolução do PIB destas
regiões ao longo das décadas. O Gráfico 3 aponta, comparativamente, o
crescimento do PIB da ASEAN com o de alguns atores-chave do Sistema
Internacional.

Gráfico 3: O Crescimento do PIB nominal por países e blocos econômicos. (1970-2010) Fonte: Economic
Research Service. Disponível em: www.ers.usda.gov/data/macroeconomics/#historicalmacrotables. Elaboração
nossa.

Algumas conclusões preliminares podem ser tiradas do Gráfico anterior, como


o bom posicionamento do PIB do Sudeste Asiático frente aos seus vizinhos mais
94

poderosos, bem como das potências emergentes, principalmente nos últimos anos.
A ASEAN, desde o final da crise financeira asiática, se posiciona frente ao Japão
quanto ao crescimento do seu PIB, aproximando-se no último ano do crescimento do
PIB chinês. Ao comparar o crescimento do PIB da ASEAN com alguns dos países
do BRICs, o padrão que é possível ser analisado, relativo ao conjunto de 10 países
da ASEAN, é de que este se assemelha ao de potências emergentes como Brasil e
Índia.
A crescente importância da região, e seu crescimento no PIB devem-se a
uma política de crescimento voltada para a exportação.
Apesar das economias da ASEAN terem subido na cadeia produtiva, a ampla
adoção de estratégias de crescimento através das exportações, também fez com
122
que se tornassem mais sensíveis às mudanças e incertezas da economia global
(BA, 2009, p.134, tradução nossa)

Esta estreita relação entre crescimento e exportações está claramente


demonstrada no Gráfico 3, onde se percebe a queda bastante acentuada da região
do Sudeste Asiático em momentos de crise e na maioria dos períodos de recessão.
E apesar da diversidade de parceiros comerciais, ainda é a própria ASEAN o seu
maior parceiro comercial seguido quanto ao comércio total, de China, UE (25),
Japão e Estados Unidos, o que demonstra não só a importância da região e dos
vizinhos do Nordeste para o crescimento e manutenção econômicos da associação,
bem como a importância que uma região tão pequena com países tão diferentes tem
para os EUA na Ásia Pacífico e a União Europeia. A Tabela 2 a seguir demonstra os
principais parceiros da ASEAN sua importância no comércio total da ASEAN dividido
em importações e exportações.

122
O texto em língua estrangeira é: “Though the ASEAN economies had moved up the production chain, the
wider adoption of export-led growth strategies had also made them more sensitive to the global economic shifts
and uncertainties.”
95

Valor em US$ milhões; parcelas em %


Valor Parcelas do total de comércio da ASEAN
País/região parceira Total de
Exportações Importações Exportações Importações Total de comércio
comércio
ASEAN 199.587,3 176.620,1 376.207,3 24,6 24,3 24,5
China 81.591,0 96.594,3 178.185,4 10,1 13,3 11,6
UE-25 92.990,9 78.795,0 171.785,9 11,5 10,8 11,2
Japão 78.068,6 82.795,1 160.863,7 9,6 11,4 10,5
EUA 82.201,8 67.370,3 149.572,1 10,1 9,3 9,7
Coréia do Sul 34.292,9 40.447,4 74.740,3 4,2 5,6 4,9
Austrália 29.039,3 14.810,8 43.850,1 3,6 2,0 2,9
Índia 26.520,3 12.595,5 39.115,8 3,3 1,7 2,5
Canadá 5.500,4 3.539,2 9.039,6 0,7 0,5 0,6
Rússia 1.660,6 5.104,9 6.765,5 0,2 0,7 0,4
Nova Zelândia 3.137,6 2.238,6 5.376,2 0,4 0,3 0,3
Paquistão 3.833,8 469,6 4.303,4 0,5 0,1 0,3
Total dos países/regiões parceiras 638.424,5 581.380,8 1.219.805,2 78,8 80,0 79,4
2/
Outros 172.064,7 144.973,3 317.038,0 21,2 20,0 20,6
Total ASEAN 810.489,2 726.354,1 1.536.843,3 100,0 100,0 100,0

Fo nte A SEA N M erchandise Trade Statistics Database

No tas
To do s o s dado s são preliminares; dado s excluem Cambo ja and Lao s devido ao fato de não estarem dispo níveis

1/ Inclui Á ustria, B elgica, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Estô nia, Finlândia, França,
A lemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letô nia, Lituânia, Luxemburgo , M alta,
P aíses B aixo s, P o lô nia, P o rtugal, Eslo váquia, Eslo vênia, Espanha, Suécia, e Reino Unido
2/ Inclui to do s o s demais países e que não puderam ser atribuído a países específico s.

Tabela 2: Comércio da ASEAN com países/regiões parceiras, 2009. Fonte: ASEAN Merchandise Trade Statistics
Databe. Disponível em: www.aseansec.org/18137.htm tradução nossa.

Os números internos da associação também ajudam a compreender um


pouco de suas questões mais específicas, suas semelhanças, diferenças, seus
membros mais poderosos, populosos, de maior economia e PIB per capita
comparativamente. O Gráfico 4 aponta população e PIB per capita como quase
inversamente proporcionais, o que explica a heterogeneidade do bloco onde
membros muito ricos como Brunei tem uma população pequena, de cerca 395 mil
habitantes, e um PIB per capita altíssimo de mais de US$ 32 mil, enquanto a
Indonésia possui mais 242 milhões de habitantes e um PIB per capita quase US$ 3
mil. Há ainda os países mais recentes do bloco, a maioria ex-repúblicas socialistas
ou ainda Estados ditatoriais com PIB per capita de US$ 804 dólares como o de
Myanmar. A falta de homogeneidade na associação acaba gerando alguns
problemas como a dificuldade em conciliação de políticas, inclusive econômicas,
além do fardo que membros mais pobres podem gerar nos considerados mais ricos
e que não estarão necessariamente dispostos a “carregá-los”.
96

250.000.000 50.000,00
População 45.000,00 PIB
200.000.000 40.000,00 per capita
35.000,00
150.000.000 30.000,00
25.000,00
População 2008 2008
100.000.000 20.000,00
População 2009 2009
15.000,00
50.000.000 População 2010 10.000,00 2010
5.000,00
0 0,00

Gráfico 4: Evolução da população e do PIB per capta. Fonte: Economic Research Service/ ASEAN-Japan. Disponível em:
http://www.ers.usda.gov/Data/Macroeconomics/#HistoricalMacroTables e ASEAN –Japan. Elaboração própria.
Valor em US$ milhões; Parcela em %
Exportações Intra-ASEAN Exportações Extra-ASEAN Importações Intra-ASEAN Importações Extra-ASEAN Comércio Intra-ASEAN Comércio Extra-ASEAN
Parcela do Parcela do Total de Parcela do Parcela do Total de Parcela do Parcela do
País Comércio total
Valor total de Valor total de Exportaçõe Valor total de Valor total de Importações Valor total de Valor total de
exportações exportaçõe exportaçõe exportaçõe exportaçõ exportaçõe
Brunei 1.229,3 17,1 5.939,3 s 82,9 7.168,6 1.242,8 s 51,8 1.156,8 s 48,2 2.399,6 2.472,1 es25,8 7.096,1 s74,2 9.568,2
Camboja 644,6 12,9 4.341,2 87,1 4.985,8 1.453,3 37,3 2.447,6 62,7 3.900,9 2.097,9 23,6 6.788,8 76,4 8.886,7
Indonésia 24.623,9 21,1 91.886,1 78,9 116.510,0 27.742,4 28,7 69.086,8 71,3 96.829,2 52.366,3 24,5 160.972,9 75,5 213.339,2
Laos 997,4 80,6 239,8 19,4 1.237,2 1.480,8 85,8 244,2 14,2 1.725,0 2.478,2 83,7 484,0 16,3 2.962,1
Malásia 40.365,1 25,7 116.525,8 74,3 156.890,9 31.700,2 25,7 91.630,2 74,3 123.330,5 72.065,3 25,7 208.156,0 74,3 280.221,4
Myanmar 3.196,7 50,4 3.144,8 49,6 6.341,5 2.065,7 53,7 1.784,1 46,3 3.849,9 5.262,4 51,6 4.928,9 48,4 10.191,3
Filipinas 5.838,4 15,2 32.496,2 84,8 38.334,7 11.561,1 25,4 33.972,9 74,6 45.533,9 17.399,5 20,7 66.469,1 79,3 83.868,6
Cingapura 81.646,5 30,3 188.186,0 69,7 269.832,5 59.047,6 24,0 186.737,1 76,0 245.784,7 140.694,1 27,3 374.923,1 72,7 515.617,1
Tailândia 32.490,6 21,3 120.006,6 78,7 152.497,2 26.759,5 20,0 107.010,1 80,0 133.769,6 59.250,1 20,7 227.016,7 79,3 286.266,8
Vietnã 8.554,8 15,1 48.136,2 84,9 56.691,0 13.566,7 19,6 55.664,2 80,4 69.230,9 22.121,5 17,6 103.800,4 82,4 125.921,9
ASEAN 199.587,3 24,6 610.901,9 75,4 810.489,2 176.620,1 24,3 549.734,0 75,7 726.354,1 376.207,3 24,5 1.160.635,9 75,5 1.536.843,3

Fonte ASEAN M erchandise Trade Statistics Database

Tabela 3: Comércio Intra e Extra – ASEAN, 2009. Fonte: ASEAN Merchandise Trade Statistics Databe. Disponível em: www.aseansec.org/18137.htm Tradução nossa .
97

Apesar de mais recentemente enfatizar o desejo da construção de uma


comunidade do Sudeste Asiático com pilares sócio-culturais, político e de segurança,
é o pilar econômico que possui maior peso na ASEAN. Desta forma, vale ressaltar
que apesar da importância política que uma associação como a ASEAN possui,
devido ao seu posicionamento geográfico e ao desenvolvimento econômico que
seus membros vêm vivenciado grande volume das relações travadas dentro e fora
do bloco se pautam exclusivamente pelo comércio. O ASEAN-Way, que apesar de
informal parece apoiar o comércio em todas as suas formas, é um dos grandes
responsáveis na ênfase que o bloco dá ao comércio, já que suas instituições e
normas impossibilitam qualquer interferência maior na soberania ou nos assuntos
internos dos seus Estados membros.
Sendo assim, analisar os números e padrões de comércio da ASEAN é uma
grande contribuição para explorar o seu lado mais ativo e funcional, como de uma
associação para o desenvolvimento e promoção do comércio. Desta forma as
Tabelas de 4 a 6 bem como o Gráfico 6 têm o objetivo de reunir grande parte das
informações de comércio, seus maiores parceiros, seus principais produtos
importados e exportados, além da participação dos seus membros no próprio
comércio intrabloco.
Valor em US$ milhões; Mudança em %
2008 / Mudança ano-a-ano
2009 1
País Total de
Exportações Importações Total de comércio Exportações Importações Total de comércio Exportações Importações
comércio
Brunei 10.268,0 2.506,7 12.774,7 7.168,6 2.399,6 9.568,2 (30,2) (4,3) (25,1)
Camboja 4.358,5 4.417,0 8.775,6 4.985,8 3.900,9 8.886,7 14,4 (11,7) 1,3
Indonésia 137.020,4 129.197,3 266.217,7 116.510,0 96.829,2 213.339,2 (15,0) (25,1) (19,9)
Laos 827,7 1.803,2 2.630,9 1.237,2 1.725,0 2.962,1 49,5 (4,3) 12,6
Malásia 194.495,9 144.298,8 338.794,7 156.890,9 123.330,5 280.221,4 (19,3) (14,5) (17,3)
Myanmar 6.620,6 3.794,9 10.415,4 6.341,5 3.849,9 10.191,3 (4,2) 1,4 (2,2)
Filipinas 49.025,4 56.645,6 105.671,0 38.334,7 45.533,9 83.868,6 (21,8) (19,6) (20,6)
Cingapura 338.175,9 319.780,3 657.956,2 269.832,5 245.784,7 515.617,1 (20,2) (23,1) (21,6)
Tailândia 174.966,7 177.567,5 352.534,2 152.497,2 133.769,6 286.266,8 (12,8) (24,7) (18,8)
Vietnã 61.777,8 79.579,2 141.357,0 56.691,0 69.230,9 125.921,9 (8,2) (13,0) (10,9)
ASEAN 977.536,9 919.590,5 1.897.127,5 810.489,2 726.354,1 1.536.843,3 (17,1) (21,0) (19,0)

Fonte ASEAN M erchandise Trade Statistics Database

Notas
1/ Valores são preliminares
Tabela 4: Comércio da ASEAN (2008-2009). Fonte: ASEAN Merchandise Trade Statistics Databe. Disponível
em: www.aseansec.org/18137.htm Tradução nossa
Participação no Comércio Total da ASEAN 98
2.000,0

Milhares
1.800,0 Vietnã
1.600,0 Tailândia
1.400,0 Myanmar
1.200,0 Malásia
1.000,0 Laos
800,0 Indonésia
600,0 Filipinas
400,0 Cingapura
200,0 Camboja
- Brunei
2008 2009

Gráfico 6: Participação no Comércio Total da ASEAN (2008 e 2009). Fonte: Economic Research Service.
Disponível em: www.ers.usda.gov/data/macroeconomics/#historicalmacrotables, Elaboração nossa.

Através das Tabelas 3 e 4 e do Gráfico 6 é possível perceber qual é o real


comércio dentro e fora da ASEAN mais especificamente, quanto cada país da
ASEAN importa e exporta e qual é o peso da participação de cada um dos membros
no comércio total dentro da ASEAN. Contando com o número de países, o tamanho
do bloco e também o fato da existência da AFTA, o comércio Intra-ASEAN é
bastante significativo, alcançando uma média de 24,5% de todo comércio total de
seus países membros. Neste sentido, Camboja e Vietnã são os que mais destoam
quanto ao comércio feito na região. Enquanto o Camboja tem mais de 80% de seu
comércio total intra-ASEAN, o Vietnã tem menos de 20%, apesar dos benefícios
fiscais e não tarifários que a AFTA começa a oferecer. Em números absolutos, é
Cingapura o país que tem o maior comércio entre os membros da ASEAN, e
novamente o Camboja, último país a entrar na associação, o que menos comercia.
Levando em consideração que Cingapura é um entreposto comercial e grande parte
do seu comércio se deve a isso, e não a sua produção em si, a Tailândia e a Malásia
respectivamente também apresentam grande volume de comércio da ASEAN. Não é
sem propósito que também são esses os países com maior participação nas
relações comerciais intra-bloco. Com exceção de Cingapura os outros dois atores
possuem uma extensão territorial maior, bem como a Tailândia, e uma economia
mais forte que Myanmar ou Camboja, ambos países que passaram por guerras civis,
o primeiro deles governado por uma junta militar, e o segundo ainda consolidado sua
democracia.
99

Valor em US$ milhões; participação em %


Mercado de Exportação Origem de Importação
1/ Valor das Exportações Parcela do total 1/ Valor das Importações Parcela do total
País de Destino País de Origem
ASEAN 199.587,3 24,6 ASEAN 176.620,1 24,3
União Européia-27 92.990,9 11,5 China 96.594,3 13,3
EUA 82.201,8 10,1 Japão 82.795,1 11,4
China 81.591,0 10,1 União Européia-27 78.795,0 10,8
Japão 78.068,6 9,6 EUA 67.370,3 9,3
Hong Kong 56.696,7 7,0 Coréia do Sul 40.447,4 5,6
Coréia do Sul 34.292,9 4,2 Arábia Saudita 17.901,7 2,5
Austrália 29.039,3 3,6 Austrália 14.810,8 2,0
Índia 26.520,3 3,3 Emirados Árabes Unidos 13.797,0 1,9
Emirados Árabes Unidos 10.569,5 1,3 Índia 12.595,5 1,7
Total top ten países de destino 691.558,3 85,3 Total top ten países de origem 601.727,1 82,8
Outros 2/ 118.930,9 14,7 Outros 2/ 124.626,9 17,2
Total 810.489,2 100,0 Total 726.354,1 100,0

Fonte ASEAN M erchandise Trade Statistics Database

Notas
1/ identificado/ranqueado segundo participação no total de exportações/importações da ASEAN
2/ Incluí o comercio com todos os demais países e aqueles que não puderam ser atribuídos a um específico
Tabela 5: Top 10 mercados de exportação e origem de Importação, 2009. Fonte: ASEAN Merchandise Trade
Statistics Databe. Disponível em: www.aseansec.org/18137.htm Tradução nossa.

Valor em US$ Milhões; parcela em %


1/
Valor Parcela do comércio total da ASEAN
País/região parceiro comercial
Exportações Importações Comércio Total Exportações Importações Comércio total
ASEAN 199.587,3 176.620,1 376.207,3 24,6 24,3 24,5
China 81.591,0 96.594,3 178.185,4 10,1 13,3 11,6
União Européia-27 92.990,9 78.795,0 171.785,9 11,5 10,8 11,2
Japão 78.068,6 82.795,1 160.863,7 9,6 11,4 10,5
EUA 82.201,8 67.370,3 149.572,1 10,1 9,3 9,7
Coréia do Sul 34.292,9 40.447,4 74.740,3 4,2 5,6 4,9
Hong Kong 56.696,7 11.218,6 67.915,2 7,0 1,5 4,4
Austrália 29.039,3 14.810,8 43.850,1 3,6 2,0 2,9
Índia 26.520,3 12.595,5 39.115,8 3,3 1,7 2,5
Emirados Árabes Unidos 10.569,5 13.797,0 24.366,5 1,3 1,9 1,6
Total top ten países parceiros comerciais 691.558,3 595.044,0 1.286.602,3 85,3 81,9 83,7
2/
Outros 118.930,9 131.310,1 250.241,0 14,7 18,1 16,3
Total 810.489,2 726.354,1 1.536.843,3 100,0 100,0 100,0

So urce A SEA N M erchandise Trade Statistics Database

No tas
1/ identificado /raqueado baseado na participação to tal de co mércio
2/ Inclui o co mércio co m to do s o s o utro s países que não tiveram valo res atribuido
Tabela 6: Top 10 países/parceiros comerciais da ASEAN, 2009. Fonte: ASEAN Merchandise Trade Statistics
Databe. Disponível em: www.aseansec.org/18137.htm Tradução nossa.

As Tabelas 5 e 6 apontam os principais mercados da ASEAN através da


exportação e da origem da importação da organização, e também os maiores
parceiros comerciais da associação, sejam eles países, regiões ou blocos regionais.
Em ambas as Tabelas os parceiros comerciais ou países se repetem quase na
mesma ordem, ganhando ou perdendo uma ou duas posições na Tabela. Vale
ressaltar ainda que a ASEAN é seu próprio parceiro comercial, mercado de
exportações e origens de importações de maior relevância. Apesar de estar no
primeiro lugar do ranking com grande distância para o segundo colocado, vale
também ressaltar o fato de que após a ASEAN quatro nomes se revezam nas
100

primeiras posições: são eles EUA, China, Japão e UE(25). Dentre os quatro
membros, três deles tem reconhecida relevância no cenário do Sudeste, mas mais
ainda do Leste Asiático, e o último por mais que não tenha tanta importância atual
na região, tem um passado histórico que o liga a boa parte dos países membros da
ASEAN.
A Europa, por mais que tenha perdido espaço no Sudeste Asiático, se
comparado à década anterior aos processos de descolonização, ainda mantém
fortes laços políticos e culturais que ligam ex-metrópoles às suas ex-colônias, muitas
delas ainda mantém relações constantes com suas ex-metrópoles, como é o caso de
várias ex-colônias britânicas que fazem parte da Commonwealth, o que mantém
aberta a interligação entre eles. Já Japão, China e Estados Unidos estão atualmente
mais presentes na região, inclusive no que diz respeito à atuação no cenário do
Sudeste e do Leste da Ásia. É igualmente importante para os três países manter
relações próximas de comércio, uma vez que todas as três potências tem a intenção
de exercer certa liderança regional em uma das áreas mais dinâmicas do
capitalismo. Estes três poderes da Ásia e do Pacífico sabem que para exercerem
sua influência na região é imprescindível ser um parceiro ativo e respeitoso em
relação ao bloco. Uma forma que tais Estados enxergam para mostrar sua boa
vontade para com a região é tornar-se um parceiro comercial, de cooperação e de
investimentos.
Os três atores que aparecem sempre nos cinco primeiros postos de mercados
de exportação, origem de importação, e parceiros de comércio, são atores-chave
para a elaboração da pesquisa que tem como foco entender as dinâmicas de
liderança do Leste Asiático através da ASEAN+3 e do papel dos EUA na região
dentro da APEC e do ARF. A próxima sessão trata da criação e estabelecimento da
ASEAN+3, associação criada para aproximar as maiores potências do Nordeste
Asiático aos países relativamente pequenos do Sudeste Asiático, visando, também
mostrar as formas de inserção dos EUA na região mesmo que por fora da ASEAN+3
que tinha como objetivo criar uma Comunidade do Leste Asiático.
101

2.5. Considerações Finais

Por mais complexas que sejam as relações entre os membros da ASEAN,


aos poucos a associação vem alcançando alguns de seus objetivos. Inicialmente
formada em um contexto de Guerra Fria, onde se buscava evitar confrontações e
manter a soberania dos países, a ASEAN sempre manteve o desejo de representar
a região como um todo. O bloco passou por algumas mudanças de postura que
possibilitaram a sua guinada para a nova economia de mercado, e para uma política
de crescimento e desenvolvimento econômico e comercial através da exportação.
Apesar de a ASEAN não conseguir cessar completamente rivalidades tão
antigas, o bloco de fato reuniu estes países sob um objetivo maior: a busca por
reconhecimento e desenvolvimento, que lhes foi negado durante grande parte do
século XX quando ainda eram colônias. Com o intuito de manter a existência da
associação em conformidade com o nacionalismo dos Estados que dela fazem
parte, o ASEAN-Way, apesar de criticado dentro e fora do bloco, é o que mantém
equilibrada a instituição que apesar de mirar uma Comunidade do Sudeste Asiático,
na prática se apresenta como muito mais pragmática voltada para as questões
comerciais. O passado colonial e os objetivos em comum aproximaram os países
que entenderam que sozinhos não teriam voz suficiente para destacarem-se no
Cenário Internacional.
A Associação dos países do Sudeste Asiático possui seus críticos e
entusiastas. Os críticos mais pessimistas enxergam a associação como irrelevante,
principalmente após o fim da Guerra Fria uma vez que não conseguiu se adaptar
aos novos desafios de um mundo globalizado, e caracterizam a ASEAN como uma
instituição formada por alguns Estados periféricos e ‘briguentos’, obrigados a manter
uma visão de soberania nacional do século XIX e que tentam construir uma
identidade regional. Seus entusiastas, por outro lado, afirmam que a associação
representa um dos casos mais longos de multilateralismo regional, respeitada por
grande parte da comunidade internacional atuando por vezes como centro e por
outras como líder de fóruns multilaterais do Leste Asiático. O fato de Japão, China e
EUA, maiores Estados que atuam na região, se importarem com os rumos e
decisões da ASEAN, demonstra a importância da instituição dentro e fora da região.
(ACHARYA, 2007).
102

Formada por 10 países relativamente pequenos da região, e que poderiam


ser ofuscados pela presença de países imponentes como Japão e China, e também
os Estados Unidos, a ASEAN tornou-se um dos principais focos da política e do
comércio no Leste da Ásia como um todo, principalmente quando se trata de blocos
regionais. Os países da região que ainda não fazem parte da associação, como
Timor Leste, já apresentaram sua proposta para a entrada no bloco. Também, China
e Japão, apesar de suas grandes economias e relativo poder no cenário
internacional, demonstram interesse pela ASEAN, um dos mais antigos blocos
regionais que ainda se mantém numa região permeada por rivalidades. É a partir
deste interesse de países de maior destaque no Sistema Internacional que arranjos
como a ASEAN+3 recebem tanto destaque na política externa de tais Estados, e
causam preocupação naqueles que por algum motivo não se encaixam no perfil
daquela integração, como os Estados Unidos. O próximo capítulo terá como tema
principal a criação, o estabelecimento, a funcionalidade e o destaque da ASEAN+3
frente a Ásia, e ao restante do mundo.
103

3. A REDEFINIÇÃO DO LESTE ASIÁTICO: A ASEAN+3 NA ÁREA MAIS


DINÂMICA DO CAPITALISMO

3.1. Considerações Iniciais

Até muito recentemente a ASEAN era a única organização formal que


buscava uma integração econômica na região do Sudeste e Leste Asiáticos, cuja
promessa era reunir um Leste Asiático ‘partido’ em uma única região que possuísse
a cooperação e a coordenação de políticas, até certo nível, como algo em comum.
“Para a ASEAN-Sudeste Asiático, estas tendências continham a promessa de
transformar o Leste Asiático dividido por suspeitas históricas e da Guerra Fria, em
uma região que fosse internamente e externamente mais segura.”123 (BA, 2009b,
p.346, tradução nossa).

A partir da Declaração de Bangcoc (1967), a associação começou a focar o


crescimento econômico, desenvolvimento social, e o estabelecimento da paz e da
estabilidade regional como seus principais objetivos. Para tal, a ASEAN passou a
incentivar e se envolver em diversas iniciativas de integração econômica, dentre elas
a ASEAN+3 e mais recentemente a EAS. A Associação dos Países do Sudeste
Asiático, temática central do capítulo anterior, aumentou sua inserção na região no
ano de 1997, quando os principais países do Nordeste Asiático foram incluídos na
associação através da criação da ASEAN+3, objeto central deste capítulo. A
ASEAN+3 é, antes de mais nada, a maneira encontrada por Japão, China e Coréia
do Sul de se aproximarem da região do Sudeste da Ásia que alcança cada vez mais
sucesso econômico e financeiro, e de aprimorarem a relação entre os próprios
países do Nordeste Asiático.
Contudo, o momento da aproximação destes com a ASEAN não foi marcado
pela bonança econômica dos países formadores do bloco, já que passavam por uma
crise financeira, a Crise Asiática de 1997. Apesar do mau momento, os países do +3
entendiam, e continuam entendendo, a região do Sudeste Asiático como estratégica
para o comércio na região, e mais ainda, para o estabelecimento de uma liderança
regional.

123
O texto em língua estrangeira é: For ASEAN-Southeast Asia, these trends hold the promise of transforming an
East Asia that has been divided by historical and Cold War suspicions into a region that is internally and
externally more secure...
104

O presente capítulo explora brevemente a associação ASEAN e mais


especificamente, seu desdobramento estrutural, a ASEAN+3. Inicialmente, analisa-
se a redefinição da região do Leste Asiático a partir da criação da ASEAN+3, seu
título de área mais dinâmica do capitalismo e a dinâmica econômica da região,
principalmente depois do estabelecimento da noção de ASEAN+3 e Leste Asiático
como uma mesma coisa. (AGGARWAL,2008). O recente papel dos EUA na região
da Ásia Pacífico124, que se confunde não por definição mas pela proximidade com a
noção do Leste Asiático, também será brevemente apresentado.
Neste sentido, busca-se analisar a evolução histórica da ASEAN nas décadas
de 1990 e 2000 com ênfase à instituição mais flexível da ASEAN+3, destacando as
particularidades desta e sua relação com Japão e China. Mais uma vez são
analisados dados econômicos, comerciais e financeiros com o intuito de caracterizar
melhor a instituição frente aos demais países e blocos econômicos ao redor do
planeta e apontar sua devida importância política e econômica no cenário
internacional.
Por fim, este capítulo tem a intenção de começar a demonstrar algumas das
razões pelas quais a integração e a liderança regionais estão tão intimamente
ligadas no que diz respeito à região do Leste Asiático e Às instituições da ASEAN e
ASEAN+3.

3.2. Leste Asiático: o centro mais dinâmico do capitalismo e o papel dos


EUA na região

Recentemente o Centro de Pesquisa para Economia e Negócios (Centre for


Economics and Business Research - CEBR) lançou uma lista com as 30 maiores
economias mundiais no ano de 2011 e uma projeção para o ano de 2020. Entre as
cinco primeiras economias mundiais, duas se encontram na região do Leste Asiático:
China e Japão respectivamente nas segunda e terceira posições, atrás apenas dos
EUA mantendo as posições atuais. Mais dois países da região do Leste Asiático
figuram entre as 30 maiores economias de 2011, a Coréia do Sul como a 15ª e a

124
A região da Ásia Pacífico é uma noção geopolítica, construída pelos EUA para justificar sua presença naquela
região, enquanto a noção do Leste Asiático procura ser mais voltada mais para a condição geográfica com o
intuito de incluir apenas os países realmente Asiáticos.
105

Indonésia como 17ª.125 Além dos quatro países da ASEAN+3, Índia e Austrália
(dentro da noção de Leste Asiático da EAS) também se encontram na lista
respectivamente nas 10ª e 13ª posições. No ano de 2020 todas estas economias se
encontram ainda na lista da CEBR, apesar da inversão de posições, com a exceção
de China e Japão que permanecem em 2º e 3º respectivamente e Austrália em 13º –
Coréia do Sul passa para a 12ª posição e a Indonésia para a 14ª, enquanto Índia
ascende para a 5ª posição – com acréscimo da Tailândia que surge na 25ª posição.
Mas tão interessante quanto perceber que países não só do Nordeste como
também do Sudeste Asiático começam a surgir e melhorar suas posições nos
rankings de maiores PIBs mundiais é comparar o crescimento do PIB dos primeiros
colocados em ambas as listas. Enquanto o PIB norte-americano cresce de US$ 15
trilhões para US$ 21 trilhões, o chinês aumenta de quase US$ 7 trilhões para quase
US$ 18 trilhões, o que demonstra um aumento do PIB americano de 40% e do PIB
Chinês de quase 157 %.
As Tabelas 7 e 8 a seguir, que mostram as maiores economias mundiais em
2011 e uma projeção para 2020 traduzem não só a crescente importância dos
países do Leste Asiático no cenário internacional, como também a rápida
aproximação da China na primeira posição do ranking, apesar de futuros gargalos
produtivos que a China possa vir a enfrentar no médio prazo, podendo chegar a
ameaçar a hegemonia norte-americana.
PIB (bilhões PIB (bilhões
Posição País de US$) Posição País de US$)
1 EUA 15,065 16 Países Baixos 858
2 China 6,988 17 Indonésia 834
3 Japão 5,855 18 Turquia 763
4 Alemanha 3,629 19 Suíça 666
5 França 2,808 20 Suécia 572
6 Brasil 2,518 21 Arábia Saudita 560
7 Reino Unido 2,481 22 Polônia 532
8 Itália 2,246 23 Bélgica 529
9 Rússia 1,885 24 Taiwan 505
10 Índia 1,843 25 Noruega 479
11 Canada 1,759 26 Irã 475
12 Espanha 1,536 27 Argentina 435
13 Austrália 1,507 28 Áustria 425
14 México 1,185 29 África do Sul 422
15 Coréia do Sul 1,164 30 Emirados Árabes Unidos 358
Tabela 7: Maiores Economias Mundiais de 2011 Fonte: CEBR WELT Disponível em: www.ceber.com/wp-
126
content/uploads/Cebr-World-Economic-League-Table-press-release-26-December-2011.pdf

125
Taiwan também aparece em ambas as listas, na primeira como a 24ª economia e na segunda como 18ª, mas
não é citado no texto devido ao sua disputa de soberania com a China.
126
Disponível também em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:rfUjWc3SZt4J:www.cebr.com/wp-
content/uploads/Cebr-World-Economic-League-Table-press-release-26-December-2011.pdf+&hl=pt-
106

PIB (bilhões PIB (bilhões


Posição País de US$) Posição País de US$)
1 EUA 21,278 16 México 1,822
2 China 17,888 17 Turquia 1,555
3 Japão 7,63 18 Taiwan 1,072
4 Rússia 4,584 19 Países Baixos 1,065
5 Índia 4,501 20 Suécia 1,01
6 Brasil 4,262 21 Arábia Saudita 917
7 Alemanha 4,187 22 Polônia 858
8 Reino Unido 3,975 23 Suíça 855
9 França 3,689 24 Irã 789
10 Itália 2,678 25 Tailândia 778
11 Canada 2,432 26 Bélgica 708
12 Coréia do Sul 2,268 27 Argentina 663
13 Austrália 2,092 28 África do Sul 648
14 Indonésia 2,068 29 Noruega 605
15 Espanha 1,969 30 Emirados Árabes Unidos 572
Tabela 8: Maiores Economias Mundiais de 2020 Fonte: CEBR WELT Disponível em: www.ceber.com/wp-
127
content/uploads/Cebr-World-Economic-League-Table-press-release-26-December-2011.pdf

A dinâmica regional em toda Ásia, mas mais especificamente no Leste


Asiático, vem se tornando o centro das atenções de toda comunidade internacional.

O extenso arco da Ásia – do Oceano Índico ao Estreito de Bering e de Tashkent a


Tasmânia – surge como a região mais dinâmica do mundo. Forças econômicas e
políticas mudam de maneira poderosa as relações da região sejam pequenas ou
128
grandes, da ascensão da China e da Índia a emergência de novas democracias.
(GILL & GREEN, 2009, p.1, tradução nossa)

Kennedy (1989) aponta a região da Ásia Pacífico como uma área em


crescente ascensão e que em longo prazo continuará esta escalada justamente por
possuir bases tão amplas. Apesar de tratar de toda região do Pacífico com a
inclusão de EUA e Canadá em sua breve análise, o autor dá ênfase ao “motor
econômico da região que é o Japão” (KENNEDY, 1989, p. 419), hoje podendo ser
considerado um ‘motor coadjuvante’ frente a uma China que desde meados dos
anos 1980 já era enxergada como “um gigante em rápida transformação” (IBID).
Além de tratar com destaque as duas potências do Nordeste Asiático, Paul Kennedy
também menciona os países asiáticos de recente industrialização como
responsáveis pelo invejável sucesso regional, incluindo Cingapura e Coréia do Sul,

BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESgjVX9ZVwZa_X0ZrSbVrleJvo6P6kwTo99_DmX09F257L3KUSQpRa7zwK0rJG
soO5LtTeYU6qQgw5bArTWmJZiYyQz_lyJUwEk-
mLDaBqlzxUHHS6c0n7thw2AIkhukBNOS_5Bk&sig=AHIEtbQQddsFcl3OtdxNlO9wCN4JAvBX6g
127
Ibid.
128
O texto em língua estrangeira é: “The sweeping arc of Asia – from Indian Ocean to the Bering Straits and from
Tashkent to Tasmania – stands out as the world’s most dynamic region. Unprecedented economic and political
forces powerfully shifts the region’s relationships large and small, from the rise of China and India to the
emergence of new democracies.
107

bem como a ASEAN e seus então seis Estados membros como responsáveis pelo
crescimento econômico da região, resultado de uma combinação de fatores
favoráveis para a área.
Os fatores citados por Kennedy e que ainda se encontram presentes no Leste
Asiático trazendo o diferencial para a região são: o aumento na produtividade
industrial destes países que são voltados basicamente para a exportação, o que
aumenta o comércio exterior, os transportes marítimos e os serviços financeiros de
cada um destes Estados; a transferência – através pulverização da produção e
montagem de produtos na região – de mão-de-obra intensiva não só para a
produção das manufaturas mais baratas, mas também de produtos provenientes da
mais alta tecnologia; além do aumento da produção alimentar correspondente com o
crescimento populacional da região. (KENNEDY, 1989).
Desde a década de 1980, principalmente a partir de sua segunda metade, as
atenções do ocidente estão voltadas para o Leste Asiático, devido não só ao
destaque econômico japonês, ao surgimento dos Tigres Asiáticos, ao boom dos
Países Recentemente Industrializados (ou Newly Industrialised Countries -NICs) da
Ásia129 ou a enorme ascensão chinesa da última década, mas também pela perda
de poder dos EUA e consequentemente sua perda de influência na Ásia como um
todo.
As relações internacionais da Ásia estão em um momento de transição [...] Outra
característica da nova ordem emergente na Ásia é a significância de potências
pequenas e médias, não só individualmente,mas também como parte de um grupo
130
subregional. (YAHUDA, 2008, pgs. 342-343, tradução nossa.)

A ideia de ciclos hegemônicos sustentada por Arrighi (1996), que conclui sua
obra afirmando que o quarto ciclo de acumulação de capital, o norte-americano, se
encontra em sua fase final, a fase financeira desde 1973 (a paridade foi quebrada
em 1971, o câmbio flutuante instituído em 1973) quando os EUA quebram a
paridade dólar-ouro e se estabelece um regime de câmbio flutuante e com isso o
aumento escalonado da especulação financeira, indica a possibilidade da região do
Leste Asiático abrigar a provável potência hegemônica subsequente em pelo menos
um dos cenários traçados em sua obra. Segundo o autor, que escreve em meado da
década de 1990, a potência hegemônica norte-americana já vivenciou sua crise

129
São os NIC’s asiáticos: Índia, China, Malásia, Filipinas e Tailândia.
130
O texto em língua estrangeira é: The international relations of Asia are in a period of transition.[…] A further
feature of the emerging new Asian order is the significance of smaller and medium powers, both individually and
as part of sub-regional groupings.
108

sinalizadora na passagem da década de 1960 para 1970, período no qual o governo


norte-americano enfrentou severas dificuldades militares na Guerra do Vietnã,
verificou a dificuldade e posterior impossibilidade de manter o padrão de reservas
estabelecido em Bretton Woods e perdeu legitimidade ideológica no confronto contra
o comunismo. (ARRIGHI, 1996).
O momento da crise sinalizadora norte-americana, sinal de alerta para a
desaceleração e futura decadência do ciclo de acumulação segundo o autor, causou
ainda outros distúrbios na atual potência hegemônica, que no final da Guerra do
Vietnã (a crise sinalizadora, em 1971/1973, ocorreu já em meio à progressiva
negociação EUA/China que levou à saída dos EUA no Vietnã) passou a aumentar
seus gastos em defesa. Após a quebra da conversibilidade, o primeiro choque do
petróleo e com o cenário especulativo em relação ao câmbio agora flutuante, os
EUA deixou de ser o grande produtor mundial devido ao crescente investimento na
área financeira e não mais na produtiva e comercial. Para Arrighi (1996), é uma
questão de anos, até que crise sistêmica do quarto ciclo de acumulação aconteça. É
possível considerar a crise de 2008, como a crise sistêmica da qual Arrighi se refere,
contudo, por ainda ser um momento recente, são difíceis as análises mais
profundas. Com a crise sinalizadora, e mais ainda com a crise sistêmica da potência
hegemônica em vigor, se instaura o período de substituição de hegemonias que o
autor chama de ‘caos sistêmico’, momento em que não há uma organização no
cenário internacional, uma vez que não há uma potência hegemônica definida. E é
no instante em que há uma alta demanda pela ordem, que surge a oportunidade de
qualquer Estado ou grupo de Estados em condições, se tornar a nova potência
hegemônica.(ARRIGHI, 1996)
Arrighi comenta que a acumulação de reservas é um dos sinais se uma região
está se destacando na produção. Como o Leste Asiático, a partir da década de 80,
começou a acumular reservas de maneira significativa, é mais um indício da
passagem da hegemonia. No entanto, alguns autores observam que, ao contrário de
ciclos anteriores, em que a acumulação de reservas se deu por meio de
entesouramento de metal (teoricamente neutro), no ciclo atual ele se dá em dólares,
109

moeda originária da própria potência em declínio, o que dá à esta muito mais poder
e condições de amenizar ou mesmo conter o declínio.131
Em um dos cenários traçados por Arrighi (1996) para a substituição do papel
dos EUA como potência hegemônica nas próximas décadas, o autor aponta o Leste
Asiático como a mais provável região a possuir a próxima potência hegemônica a
estabelecer um ciclo de acumulação de capital e possuir status hegemônico mundial,
devido ao dinamismo da região. Este dinamismo é justificado pelo autor ao expor o
rápido crescimento japonês e sua forma diferenciada de investimentos na região,
baseada na maneira informal de subcontratação característica das empresas
japonesas, o que possibilitou o desenvolvimento da região como um todo,
especialmente dos Tigres Asiáticos que passaram a seguir os passos do Japão no
que ficou conhecido como Modelo dos Gansos Voadores.

A real retomada asiática começou com o sucesso econômico do Japão. Os asiáticos


frequentemente se referem à imagem de gansos voadores para descrever a maneira
como Estados menores [...] seguiram de perto a estratégia japonesa de focar-se em
indústrias estratégicas para alcançar o desenvolvimento, financiar grandes projetos,
132
exportar em larga escala, e proteger indústrias nascentes. (NYE, 2004, p. 84,
tradução nossa.)

Outra faceta do dinamismo do Leste Asiático ainda segundo Arrighi (1996) se


verifica na rapidez que os países da região, no geral conseguiram atingir o patamar
do núcleo orgânico do capitalismo, formado por Estados de alta renda e que tem ou
já tiveram algum papel de destaque no sistema internacional. Comparativamente, o
Leste Asiático estreitou a diferença entre os seus Estados e o núcleo orgânico no
que se refere à industrialização e a ascensão nas hierarquias do capital excedente e
do valor adicionado da economia mundial, ou seja, conseguiu buscar a evolução em
camadas da indústria que tornaram a região relevante para o restante do mundo de
maneira muito mais veloz e assertiva do que as demais regiões do globo em suas
respectivas épocas de maior expansão. (ARRIGHI, 1996). Este dinamismo colocado
pelo autor verifica-se em voga continuamente desde o momento que o Japão
assume uma grande parcela da renda e liquidez mundiais na década de 1970, após

131
Comunicação oral do mestre em Relações Internacionais Wellington Dantas de Amorim, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense em novembro de
2011
132
O texto em língua estrangeira é: The real resurgence of Asia began with the economic success of Japan.
Asians often refer to the image of flying geese information to describe the way smallest countries like Singapore,
South Korea, Malaysia, and others closely followed Japan’s strategy of targeting strategic industries for
development, financing major projects, exporting fiercely, and protecting infant industries.
110

um esforço de vinte anos, e que se estendeu intensamente até início da década de


2000 quando a China também surge no cenário como outro grande credor mundial,
estabelecendo um arranjo asiático nas finanças mundiais, uma vez que por mais de
40 anos a região detém um grande montante dos títulos das dívidas mundiais,
principalmente da americana. O mesmo dinamismo também pode ser verificado
quando a análise recai sobre o Nordeste e Sudeste Asiático em separado, quando
se verifica que a rápida recuperação e o posterior crescimento de ambas as regiões
que formam o Leste Asiático nos momentos pós-crise como as de 1997 e 2008,
como observa-se no Gráfico 7 a seguir que mostra o crescimento do PIB Real desde
1980 com projeção para até 2015.

Gráfico 7 : Crescimento do PIB Real – Mudanças de percentual anual do Nordeste do Sudeste Asiáticos de
133
1980 a 2011 e projeção até 2015. Fonte: FMI World Economic Outlook, 2011. Disponível em:
www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf Tradução Nossa.

Apesar de autores como Yahuda (2008) e Gill (2007 apud YAHUDA, 2008)
entenderem que nenhuma potência asiática tem condições de ameaçar a
proeminência dos EUA na região, é possível enxergar a ameaça que o crescimento
chinês e a aproximação cada vez maior dos países do Leste Asiático em
associações que excluem os EUA vem causando desde a ideia do Grupo Econômico

133
A região do Nordeste Asiático segundo o FMI e retratada no Gráfico inclui além de Japão, China e Coréia do
Sul, e a região do Sudeste Asiático inclui os países da ASEAN mais o Timor Leste.
111

da Ásia do Leste (ou East Asian Economic Group – EAEG) da década de 1990.
Embora os EUA estejam na região do Leste Asiático através da APEC do ARF, e
mais recentemente do EAS, no caso do ARF com o objetivo de fazer parte das
conversas e decisões de segurança da região, sua atuação como força militar,
parceiro econômico e comercial, bem como financiador e doador da região pode
estar cada vez mais comprometida frente ao crescimento de outras potências na
região.
Embora parte da academia acredite que o Leste Asiático, com ênfase na
China e sua ascensão acelerada, não represente risco imediato para a presença
americana na região ou sua atuação como potência hegemônica, Arrighi (2007)
aponta pelo menos três representantes do pensamento e da política norte-
americanos cada qual com soluções diferentes para a contenção do crescimento
chinês e da região como um todo que passa a incomodar o poder dos EUA. As três
visões apontadas e comentadas pelo autor são de Kaplan (2005), Kissinger (2005) e
Pinkerton (2005) cada uma delas representando vertentes estratégicas que estariam
como opção para os EUA, frente à emergência da China.
Kaplan adota a vertente de Contenção Militar por enxergar a possibilidade de
uma ameaça inclusive por meios militares e sugere como solução alianças militares
na região do Pacífico (em comparação direta com as alianças do Pacífico para frear
a União Soviética no período da Guerra Fria). Kissinger por sua vez aposta em uma
estratégia de Acomodação entre EUA e China por aceitar a ideia da ascensão ou ao
menos do desenvolvimento pacífico do país que, gradualmente teria seu poder
acomodado no cenário da economia política mundial. Por fim, Pinkerton é adepto da
lógica que denomina de “terceiro feliz” onde propõe que a estratégia mais acertada
por parte dos EUA em relação à China e as demais potências do Leste Asiático é
atuar apenas como uma espécie de coordenador de um balancing que deve ser
estabelecido naturalmente entre as principais potências regionais (China, Japão e
Índia) com o intuito de não se envolver no cenário de uma problemática entre eles,
que em contrapartida traria benefícios aos EUA (como aconteceu na relação EUA-
Europa no início da década de 1900) e que funcionaria como um freio onde Japão e
Índia contrabalanceariam a China e vice-versa tanto em relação a Japão quanto a
Índia. (ARRIGHI, 2007).
O autor, que critica cada uma das abordagens dos pensadores norte-
americanos tachando a primeira de ultra-realista e belicosa, a segunda de ingênua e
112

a terceira de simplista, pois não leva em consideração a dificuldade que o EUA tem
de penetrar em diversos esquemas regionais asiáticos, mantém seu pensamento de
que os EUA nada deveriam fazer em relação à China, pois no longo prazo, essa é
que vai desbancá-lo do posto de principal potência.
Apesar de não indicar claramente, Arrighi (1996) tende a acreditar que o
Japão134 seria o candidato mais preparado para assumir o quinto ciclo de
acumulação de capital no lugar dos EUA, justamente pelo passado de forte
crescimento econômico e financeiro e a rápida recuperação de momentos de crise.
O mesmo autor (2007) em “Adam Smith em Pequim” parece demonstrar que
entende a China, por sua ascensão surpreendente no comércio, na indústria, na
área financeira e também por seus números sempre apresentados em altas
proporções para o padrão mundial, é enxergada como a possível candidata a nova
potência hegemônica. Ambas as opiniões de Arrighi (1996 e 2007) não são
explicitas, apenas uma interpretação de seu texto e do momento em que escreve,
mas demonstram a validade de sua pesquisa de cerca de uma década atrás e que
aponta o Leste Asiático como uma área imprescindível para as relações
internacionais e a diminuição da presença norte-americana na região, embora não
represente um consenso no governo norte-americano.
Yahuda (2008) reitera o pensamento de Arrighi (1996, 2007), sobre a relação
dos EUA com a região do Leste Asiático e suas principais potências regionais,
apontando inicialmente que as escolas teóricas de Relações Internacionais
influenciam bastante na interpretação desta relação. Apesar de tratar da escola
liberal de Relações Internacionais, é a escola Realista que se encaixa melhor na
visão dos três pensadores citados por Arrighi (2007). Kaplan, Kissinger e Pinkerton
representam a escola realista dividida entre ofensivos e defensivos. O primeiro
tipicamente ofensivo versão “balancing”, o segundo defensivo e o terceiro ofensivo
versão “buck-passing”, ou “passar o balde” em tradução livre.
Entretanto, apesar de reconhecer os EUA como a potência predominante na
provisão de bens públicos135, que auxiliou no rápido crescimento de diversos países

134
“Como veremos, não está nada claro que a emergente liderança japonesa possa realmente traduzir-se num
quinto ciclo sistêmico de acumulação. Mas, quer possa, quer não, a extensão do avanço japonês nos processos
sistêmicos de acumulação de capital desde a crise sinalizadora do regime norte-americano é muito maior que as
trajetórias [de Alemanha, Itália e Espanha]” ( ARRIGHI, 1996, p. 349)
135
Como já dito anteriormente, o que YAHUDA define como bem público internacional é entre outras coisas:
medidas antipirataria, assistência humanitária e ajudas pós-desastres e segurança das linhas marítimas.
(YAHUDA, 2008). Há ainda outras definições de bem público como a de Paul Samuelson apresentada por Gilpin
113

asiáticos e no aumento da sua importância nos negócios internacionais, o declínio


relativo dos EUA e de sua presença no Leste Asiático, reforçada pelo número
decrescente de efetivo militar na região, como demonstra o Gráfico 8 a seguir, leva a
questionamentos sobre o atual peso norte-americano no cenário internacional,
principalmente quanto à China e às demais potências do Leste da Ásia. (YAHUDA,
2008)

Efetivo Militar Norte Americano no


Leste Asiático
130.000,00
120.000,00
110.000,00
100.000,00
90.000,00
80.000,00
70.000,00
1990 1995 2000 2003 2004 2005

Efetivo Militar

Gráfico 8: Efetivo Militar norte-americano no Leste Asiático de 1990 a 2005. Fonte: Departamento de Defesa
Americano Disponível em: http://siadapp.dmdc.osd.mil/personnel/MMIDHOME.HTM. Elaboração nossa.

Embora enfraquecido pela Guerra do Iraque e do Afeganistão e sua gradual


perda de prestígio, há estudiosos que entendem que os EUA continuam sendo o
principal poder na Ásia, uma vez que não há nenhum outro apto ou que mostre
interesse em prover os bens públicos e mais ainda, manter a segurança regional.
(SUTTER, 2008 apud YAHUDA, 2008). Apesar de ser considerado ainda um poder
indispensável tanto na esfera hard quando na esfera soft os EUA não podem se
considerar uma hegemonia absoluta na região da Ásia capaz de agir e fazer com
que ajam da maneira que lhes for conveniente, tanto em questões financeiras, como
o caso da tentativa falha por parte do ex-presidente Bush ‘Filho’ em fazer com que a

(2001) onde o bem público pode ser definido pela característica de não exclusividade e consumo não
degradante, o que quer dizer, outras palavras, que qualquer um pode utilizar e que o seu uso por um indivíduo
não implica na redução do uso por outro. Gilpin (2001) ainda disserta sobre a oferta de bens públicos afirmando
que em uma economia internacional liberal inclui um sistema de comércio aberto e um sistema monetário
internacional estável. Ainda sobre bens públicos o autor afirma que são apenas providos pelo líder ou hegemon
que possua interesse em fazê-lo ou por um grupo de Estados forçados pelo hegemon a dividir o custo deste
bem. (GILPIN, 2001).
114

China valorizasse sua moeda, como também em questões militares, inclusive com
seus próprios aliados que são cautelosos ao fortalecer suas alianças militares uma
vez que nenhum deles pretende se ver em uma situação onde precise escolher
entre EUA e China. (YAHUDA, 2008)
“Não há nenhuma potência asiática desafiando abertamente os EUA, nem
mesmo a China”136(YAHUDA, 2008, p.345, tradução nossa). No entanto, o mesmo
autor, aponta uma percepção asiática de que os EUA bem como seu prestígio e
influência estão em declínio. Esta percepção pode estar atrelada ao crescimento
acelerado da China e a um entendimento, mesmo que velado, daquilo que Arrighi
(1996, 2007) afirmava, de que há pouco que os EUA possam fazer para controlar a
China e impedir a ascensão de uma nova potência hegemônica137. Ainda assim, os
EUA procuram reverter ou ao menos melhorar a sua situação no Leste Asiático,
principalmente frente à percepção que há na região quanto ao papel dos EUA.
Recentemente, em um discurso na Austrália por onde estava de passagem
para o encontro anual da APEC em novembro de 2011, o presidente norte-
americano Barack Obama reforçou a presença do país na região da Ásia Pacífico e
a aliança militar com a Austrália e questionou diversas posturas chinesas. Com a
afirmação de que após duas recentes guerras chegou o momento dos EUA se voltar
de vez para todo potencial da Ásia Pacífico por ser a região que abriga grande parte
da população mundial, algumas das potências nucleares, e ainda se constituir como
a área de crescimento mais acelerado no globo. Afirmando que a essência norte-
americana é e sempre será de um Estado do Pacífico, Obama continua sua fala
demonstrando o interesse de seu país na região que se inicia na escolha estratégica
dos EUA em desempenhar um papel de longo prazo para moldar a região e o seu
futuro.138
Na ocasião, ambos os países reiteraram seus laços através do fortalecimento
de uma aliança militar que permitirá inicialmente o envio de 250 fuzileiros da marinha
136
O texto em língua estrangeira é: None of the major Asian powers is openly challenging the United States—not
even China.
137
Arrighi (1996) lança, na conclusão de seu trabalho, três possíveis cenários da atual crise do ciclo de
acumulação de capital norte-americano O primeiro é que os antigos centros.venham a deter a fuga de capital
para o Oriente através da formação de um Império Mundial que se formaria com a apropriação pelos antigos
centros do capital excedente acumulado nos novos centros. O segundo é que os velhos centros não consigam
modificar o curso da história e deter a ascensão de uma nova potência no Leste da Ásia. O terceiro e último
aposta que a escalada de violência surgida com o fim da ordem mundial instalada na Guerra Fria levará ao caos
sistêmico que originou os ciclos de acumulação de capital 600 anos atrás, impedindo a ascensão de qualquer
potência.
138
Disponível em: http://www.smh.com.au/national/text-of-obamas-speech-to-parliament-20111117-1nkcw.html
115

norte-americana em 2012 que serão recebidos e ‘hospedados’ pelos australianos


como parte de uma força completa da marinha com um efetivo de mais de 2.500
militares que poderá ser enviado para a região nos próximos anos. Além disso,
durante seu discurso o presidente Obama reitera não só os esforços norte-
americano para estabelecer uma relação de cooperação com a China, mas também
o desejo próprio e de seus aliados, na ascensão de uma China próspera e pacífica,
características que a tornarão bem vinda para os EUA. Ainda sobre a China, o chefe
de Estado norte-americano afirma buscar melhorar as comunicações entre as forças
militares de ambos os países com o intuito de evitar mal-entendidos, afirmando
ainda que o país pode ser um grande aliado para reduzir as tensões na península
coreana. Entretanto, através do discurso, Obama critica a China ao colocar que
continuarão insistindo para que o país passe a respeitar os direitos humanos e as
normas internacionais.139
Buscando demonstrar que os EUA são uma potência pacífica, o discurso de
Obama é claro em justificar a modernização da presença militar norte-americana na
região, devido inclusive a redução gradual da presença de efetivos militares na
região nos últimos anos, justificando ainda o aumento de sua presença não só na
Austrália mas também na Coréia do Sul e no Japão, outros aliados, e a intenção de
aumentar sua presença também no Sudeste Asiático. É também no discurso na
Austrália que Obama comenta sua participação, pela primeira vez no EAS, que pode
ser vista como uma forma de penetração norte-americana no conceito de Leste
Asiático como será visto mais a frente no capítulo.
O movimento em direção ao estabelecimento de uma força marítima na
região localizada na Austrália, que pode vir a aumentar nos próximos anos, foi
entendido como um movimento para tentar frear o crescimento e o aumento de
importância da China na região e ao redor do mundo.140 Com o discurso de que com
o fim das guerras de Iraque e Afeganistão, os custos militares norte-americanos
serão reduzidos e novamente voltados para a Ásia Pacífico, o presidente norte-
americano é enfático em afirmar que irá alocar os recursos militares necessários
para manter uma forte presença militar na região uma vez que seus interesses são
de longo prazo.141

139
Ibid.
140
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-15739995
141
Disponível em http://www.smh.com.au/national/text-of-obamas-speech-to-parliament-20111117-1nkcw.html
116

Esta importante declaração do presidente Barack Obama demonstra a atual


perspectiva norte-americana em relação à região da Ásia Pacífico, mas mais
especificamente na região do Leste Asiático uma vez que seu discurso se concentra
principalmente nos países do EAS em sua segunda expansão (ou seja, Nova
Zelândia, Austrália e Índia além dos países da ASEAN+3), e o seu receio em se
afastar da região com o crescimento da China e o estreitamento de laços entre
grupos de Estados do Leste Asiático que alcançam cada vez mais sucesso
econômico e em certos casos, no âmbito da integração vertical e/ou
horizontalmente.
Em reunião no Pentágono, no início de 2012, ao lançar o documento
“Sustaining U.S. Global Leadership: Priorities for the 21st Century” Obama reafirmou
tais princípios, ao mesmo tempo em que propunha o enxugamento das forças
americanas em outros continentes. O documento lançado cita nominalmente o
crescimento de Irã e China. Sobre o crescimento chinês, o documento afirma que
sua ascensão como poder regional pode afetar os EUA não só econômica como
também militarmente, uma vez que há um aumento considerável nas forças militares
daquele país. Em relação à presença norte-americana no Leste Asiático, o
documento reitera a necessidade de manter investimentos para garantir o acesso e
a possibilidade de agir livremente na região através dos tratados dos quais faz parte
partindo dos princípios do direito internacional.( Sustaining U.S. Global Leadership:
Priorities for the 21st Century ).142 Sobre tais declarações, a China reagiu afirmando
que os EUA deveriam ter cuidado para não ser um elefante em uma loja de
antiguidades.143
Para Walt (2011), o movimento norte-americano em direção à Ásia Pacífico
faz muito mais sentido que alguns analistas possam imaginar. Apesar de mostrar em
sua coluna na Foreign Policy (18/11/2011)144 que alguns pensadores de estratégia
dos EUA como Andrew Sullivan não enxergam a lógica do enfático discurso de
Obama na Austrália e a decisão de enviar um efetivo da marinha para o país, que
poderia funcionar somente para irritar a China e demonstrar poder, Walt afirma que o
movimento norte-americano é muito mais que apenas uma forma de projetar poder
142
Disponível em: http://s3.documentcloud.org/documents/282176/pentagon-strategy-document-2012.pdf
143
Comunicação oral do mestre em Relações Internacionais Wellington Dantas de Amorim, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense em novembro de
2011
144
Disponível em: http://walt.foreignpolicy.com/posts/2011/11/18/explaining_obamas_asia_policy
117

global, se trata de uma pura estratégia racional para evitar o aumento de poder da
China e a construção de uma ‘esfera de influência na região do Pacífico, que poderá
evoluir para o ocidente e consequentemente colocar a posição de destaque dos
EUA em risco.
Uma vez que China estabelecer uma esfera de influência segura, será fácil para
Beijing formar laços políticos mais próximos com países do hemisfério ocidental,
alguns dos quais ressentem a muito tempo a dominância dos EUA. Não é
necessária muita imaginação para ver onde isso vai levar: pela primeira vez desde o
século XIX, os Estados Unidos terão que enfrentar a possibilidade da existência de
uma potência rival com uma significativa presença militar no hemisfério ocidental.
Lembre que a tentativa soviética de colocar mísseis nucleares em Cuba levou EUA e
URSS mais próximos a guerra do que em qualquer outro momento da Guerra Fria e
145
você terá uma ideia do potencial do problema atual. (WALL, 2011, Foreign Policy,
tradução nossa)

Esta opinião traduz uma postura de alerta norte-americana em relação ao


crescimento e a influência chinesa e a necessidade, mesmo que tardia, da retomada
do interesse do país na região do Leste da Ásia que cresce e se desenvolve muito
rapidamente, com potências regionais em ascensão e que estiveram por algum
tempo à margem das estratégias dos EUA de manutenção de poder.
No discurso proferido em novembro de 2011 pelo presidente norte-americano,
é possível enxergar as três visões estratégicas, mesmo que moderadas, que Arrighi
(2007) e Yahuda (2008) apontam em seus textos, dos EUA para a China. As visões
realistas continuam sendo as mais fortes, uma vez que tanto as abordagens
ofensivas quanto a defensiva se fazem presentes: apesar de reforçar as alianças
militares na região do Pacífico através do acordo assinado com a Austrália e a
pretensão de aumentar seu efetivo em países aliados da região, (como coloca
Kaplan em sua ideia realista ofensiva versão balancing146), Obama também encoraja
e se mostra a favor da ascensão pacífica da China, sua acomodação de poder e até
mesmo uma possível ação de parceira conjunta entre EUA e China para a atuação
em algumas questões da região(visão realista defensiva de Kissinger). A visão

145
O texto em língua estrangeira é: Once China established a secure sphere of influence, it would be easier for
Beijing to forge closer political ties with countries in the Western hemisphere, some of whom have long resented
U.S. dominance. It does not take a lot of imagination to see where this leads: for the first time since the 19th
century, the United States might have to face the prospect of a rival great power with a significant military
presence in the Western hemisphere. Recall that the Soviet attempt to place nuclear missiles in Cuba brought the
two countries closer to war than at any other time during the Cold War, and you get an idea of the potential for
trouble here. Disponível em: http://walt.foreignpolicy.com/posts/2011/11/18/explaining_obamas_asia_policy
146
A ideia do mecanismo de balancing ou balança dentro do realismo segundo apresentada é de
Mearsheimer(2003) e representa “quando um Estado tenta neutralizar o crescimento de uma potência
hegemônica regional por meio da constituição de alianças com outros Estados” (NOGUEIRA & MESSARI, 2005,
p.54)
118

ofensiva buck-passing147 de Pinkerton também pode ser identificada no discurso de


Obama que parece querer ao mesmo tempo, delegar a outros países da região
como Japão e Índia a incumbência de servir de contrapeso ao crescimento da China,
e estar próximo do Leste Asiático com a intenção de ser uma espécie de entidade
superior responsável por supervisionar a ação dos demais países com o intuito de
manter a estabilidade local. Contudo, para a estratégia dos EUA é necessário incluir
a possibilidade de que Japão e Índia, no médio e longo prazos, talvez não defendam
sempre os interesses norte-americanos, como desejado por esta última visão.148
Desta forma, apesar da visão liberal estar presente no discurso de Obama,
que entende e expressa que o livre mercado foi e é o responsável pelo estrondoso
crescimento econômico que o mundo vivencia, são às ideias realistas que o país
costuma retornar quando o assunto é China e sua ameaça em se tornar a próxima
potência hegemônica, o dinamismo do Leste Asiático e sua intensa integração
regional e a fase final do seu ciclo sistêmico de acumulação.
Sendo assim, identifica-se que a estratégia norte-americana para a China e a
região do Leste Asiático (que atualmente parece ser a junção de Contenção Militar,
Acomodação e 'Terceiro Feliz' (ARRIGHI, 2007), depende não apenas dos EUA para
acontecer: a primeira visão a do Kaplan de balancing via militar lança mão da
participação de outros países do Pacífico para o estabelecimento de alianças
militares; a segunda visão de Kissinger depende da China e o desenvolvimento de
uma postura pacífica para acontecer; e o buck-passing de Pinkerton mostra a
participação de Japão e Índia (e até mesmo outros países) como indispensável para
assumirem um papel maior na contenção da China. Todavia, se uma ou mais visões
estratégicas dos EUA para a China ganhará (ou ganharão) destaque, dependerá dos
desenrolar dos acontecimentos e da reação chinesa aos movimentos norte-
americanos a seu respeito e da região.149

147
A idéia do mecanismo de buck-passing segundo apresentada é de Mearsheimer (2003) e representa “quando
um Estado prefere delegar a outro Estado (ou outros Estados) a responsabilidade de neutralizar o avanço de
uma eventual potência hegemônica” (NOGUEIRA & MESSARI, 2005, p.54)
148
Comunicação oral do mestre em Relações Internacionais Wellington Dantas de Amorim, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense em novembro de
2011
149
Ibid.
119

3.3. A Associação dos países do Sudeste Asiático+3: uma retrospectiva


histórica (da EAEG à ASEAN+3)

Para Simon (2008), existem três maneiras de conceitualizar a ASEAN através


das escolas de Relações Internacionais: pelo neo-realismo, pelo construtivismo e
pelo neo-liberalismo. O realismo despreza o papel da ASEAN na segurança da
região devido as suas instituições frouxas e afirma que a real área de concentração
de poder da região está na relação da associação com atores de maior importância
como Japão e China (e também os EUA em uma configuração Ásia-Pacífico). A
escola construtivista focada nas questões de identidade, normas e ideias enxerga
que a ASEAN surge como uma comunidade de segurança a partir do
desenvolvimento do sentimento de pertencimento entre os membros. O neo-
liberalismo por sua vez rejeita os pressupostos do neo-realismo e afirma que a
ASEAN não precisaria estar em balancing ou bandwagoning com os países de maior
poder da região para alcançar destaque. Esta escola acredita que a ASEAN
consegue engajar as potências regionais (e até mesmo os EUA) em instituições
multilaterais, especialmente, além da própria ASEAN, a ASEAN+3 e o ARF, que
estende este engajamento aos aspectos de segurança da região.
É partindo da ideia que a ASEAN consegue interessar e engajar as potências
da região em seus desdobramentos estruturais (principalmente a ASEAN+3) por
meio da promoção de cooperação econômica e política – a primeira com maior
ênfase – que se busca tratar a ASEAN+3 neste capítulo e no seguinte. Através da
percepção neoliberal da ASEAN e da ASEAN+3 busca-se comprovar ainda que, os
movimentos de Japão e China em direção a uma liderança regional no Leste
Asiático serão via ASEAN+3 – através de uma disputa por mostrar-se o maior
parceiro regional – como uma consequência natural da aproximação crescente dos
países, e a integração inegável nos patamares econômico e financeiro e em
desenvolvimento política e culturalmente.
A região do Leste da Ásia é formada por economias que cresceram muito
rapidamente nas últimas quatro décadas devido ao aumento do comércio
internacional, e de investimentos externos diretos (IED). Atualmente os países do
Leste Asiático veem incentivando iniciativas de formação de Acordos de Livre
Comércio (ou Free Trade Agreements – FTA) onde a ASEAN serve como centro
(hub) que se liga aos países que dele fazem parte (spoke) como em um sistema de
120

centro e raios (hub and spoke system). (ACHARYA, 2009; KAWAI & WIGNARAJA,
2007). A ASEAN atua como um centro emergente para as atividades de FTA do
Leste Asiático, envolvendo os países com maior destaque na região, China, Japão e
Coréia do Sul através da ASEAN+3 e as FTA’s que desenvolvem. (KAWAI &
WIGNARAJA, 2007).
Apesar de viverem na sombra de seus mais poderosos vizinhos (China, Índia e
Japão) os países do Sudeste Asiático exerceram a maior influência no que tange o
desenvolvimento da abordagem de arquiteturas regionais. O Sudeste Asiático não
só é o local de surgimento da primeira organização multilateral viável da Ásia e
inicialmente voltada para segurança, a ASEAN, mas também influenciou outras
partes Ásia e da região como um todo a adotar os princípios e o modo de interação
150
regional desenvolvido no sudeste da Ásia. (ACHARYA, 2009, p. 174, tradução
nossa).

Vale ressaltar que mais recentemente além dos três países do Nordeste
Asiático, a ASEAN buscou a aproximação de Índia, Austrália e Nova Zelândia para o
estabelecimento de novas FTA’s e a ideia inicial de ampliação do conceito de Leste
Asiático com o EAS, o que demonstrou a princípio uma expansão do regionalismo e
um fortalecimento da noção de Leste Asiático.
Segundo Ba (2009), no final da década de 1980 e início de 1990 quando a
ASEAN começava a redirecionar os seus principais objetivos, surgiam debates sobre
a região do Leste Asiático e da Ásia Pacífico e seus esquemas de cooperação, visto
que sua pluralidade aumentava as possíveis respostas regionais daquela parte do
mundo. Nos anos de 1980, apesar dos primeiros sinais de recuperação dos países
desenvolvidos, a queda no preço das commodities e o crescimento das alternativas
aos produtos primários, que dominavam as exportações totais da ASEAN,
mantiveram a ansiedade nos mercados. Havia também a preocupação com o
protecionismo que poderia prejudicar o livre mercado, visto que a Rodada do
Uruguai de negociações comerciais havia falhado neste sentido.
Por outro lado, as economias da ASEAN, apesar de terem se tornado mais
sensíveis às mudanças da economia global devido à sua estratégia de crescimento
voltada para a exportação, tornavam-se alvos das ansiedades ocidentais uma vez
que passavam por dificuldades econômicas. Os EUA particularmente preocupavam-
se com os Estados da ASEAN devido à desaceleração de sua economia e a

150
O texto em língua estrangeira é: Southeast Asian countries, despite living in the shadow of their more powerful
neighbors India, China, and Japan, have exerted major influence on the development of Asian regional
approaches to regional architectures. Not only is Southeast Asia the birthplace of Association of Southeast Asian
Nations (ASEAN), but other parts of Asia and the wider region as a whole have adopted the principles and mode
of regional interaction developed in Southeast Asia.
121

acumulação de déficits comerciais com a região do Leste, mas também do Sudeste


Asiáticos, reconsiderando o status de “economias em desenvolvimento” a fim de
criar termos de troca mais justos com a região.
A criação da APEC como já mencionado, como um grupo informal de diálogos
proposto pela Austrália em 1989, foi o que inspirou a Malásia a também propor um
grupo que reunisse os países que fizessem parte de um Leste Asiático, o EAEG,
como parte do redirecionamento da ASEAN. Apesar de ter sido proposta pela
Austrália, o Japão também teve papel importante na criação da APEC no final dos
anos de 1980. O que levou o Japão a colocar em prática os Encontros Ministeriais
da APEC foi o atraso da Rodada Uruguai, bem como o surgimento de um
regionalismo voltado para dentro, tanto na Europa quanto na América do Norte. (BA,
2009).
No início da década de 1990, o Primeiro Ministro malaio Mahathir lançou a
ideia do grupo para ser trabalhada juntamente com os demais países da ASEAN. De
fato o tema foi trabalhado de 1991, quando seu nome foi modificado para Encontro
Econômico do Leste Asiático (ou East Asian Economic Caucus – EAEC) até 1997
durante os encontros Ministeriais da ASEAN. (TERADA, 2003). A proposta de
Mahathir é tida como pioneira na visão de reunir um Leste Asiático que até aquele
momento não possuía uma forma clara e distinta – ainda hoje há debates sobre o
que é o Leste Asiático – em um único grupo regional, como havia em outras tantas
partes do mundo. Até aquele momento, não havia um conceito estabelecido de
Leste Asiático, apenas uma ideia de Ásia Pacífico na qual a APEC fora criada, e se
estabelecia como um conceito regional satisfatório.
A ideia da EAEG, que surgia em um período de frustração com a Rodada
Uruguai – e sua inabilidade de resolver questões de subsídios agrícolas – e no caso
específico da região, de confrontação com a criação da APEC no ano anterior, tinha
o objetivo de incluir os países que faziam parte da ASEAN no início da década de
1990 (Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Brunei), os países da
Indochina, que mais tarde se tornaram membros da ASEAN (Vietnã, Laos, Camboja
e Myanmar), e os países do Nordeste Asiático (China, Japão e Coréia do Sul).
(TERADA, 2003). Era também parte da proposta do então Primeiro-Ministro malaio
que este bloco, exclusivamente do Leste Asiático, fosse liderado pelo Japão, que na
década anterior apresentara excelentes indicadores econômicos e até o momento
era a economia mais avançada da região, mas que por outro lado tinha um passado
122

de ambições imperialistas e havia se colocado contra os interesses dos países da


ASEAN quanto aos subsídios agrícolas na Rodada Uruguai. (BA, 2009).

Suponha que a Malásia vá sozinha a Bruxelas para fazer uma reclamação contra o
protecionismo europeu. Nossa voz será simplesmente muito fraca . Ninguém ouviria.
Mas se todo Leste Asiático disser à Europa que ela precisa abrir seus mercados, os
europeus vão saber que acessar o gigante mercado asiático os obriga a não serem
151
protecionistas. Este foi o objetivo por detrás da proposta da EAEC. (ISHIHARA e
MAHATHIR, 1995, p.44 apud TERADA, 2003, p. 257, tradução nossa.)

A intenção da Malásia em reunir os países que faziam parte da ASEAN aos


países do Nordeste Asiático que detinham maior destaque no cenário internacional
era chamar a atenção da comunidade internacional, para as demandas suas e dos
demais Estados em desenvolvimento que se concentravam naquela região e que
sofriam com as negociações centradas no Ocidente – cuja tomada de decisão
estava nas mãos de algumas poucas potências – a exemplo da Rodada Uruguai. A
ideia de uma instituição que abarcasse todo o Leste Asiático, incluindo a Indochina
que geralmente não era incluída devido a confrontos ideológicos do período da
Guerra Fria, era de tornar a região muito mais ampla e consolidada, unificando
diversos conceitos geográficos. (TERADA, 2003). Abdul Jabar, um porta voz da
Embaixada da Malásia em Washington, resumiu bem a essência da proposta de seu
país: “A Malásia é um país pequeno e nossa voz pode não ser ouvida. A ASEAN
não é grande o suficiente para gerar influência. Mas se China, Coréia do Sul e Japão
estiverem conosco, talvez as pessoas prestem atenção.”152 (BA, 2009, p. 145,
tradução nossa).

A escolha pelo Japão como o país que poderia vir a liderar um bloco regional
específico do Leste da Ásia parecia ser a mais acertada visto que, cada vez mais o
Japão buscava, no início da década de 1990 e até mesmo antes – a partir de 1985
com a depreciação do dólar em relação ao iene e outras moedas através do Acordo
de Plaza ( Plaza Accord) – demonstrar uma presença econômica crescente através
de investimentos, ajudas econômicas, e políticas industriais para região do Sudeste
Asiático. O volume de investimentos e comércio entre os países do Nordeste

151
O texto em língua estrangeira é: Suppose Malaysia goes alone to Brussels to lodge a complaint against
European protectionism. Our voice would simply be too small. Nobody would listen. But if the whole of East Asia
tells Europe that it must open up its markets, Europeans will know that access to the huge Asian market obliges
them not to be protectionist. That was the reasoning behind the EAEC proposal.
152
O texto em língua estrangeira é: “Malaysia is a small country, and our voice may not be heard. ASEAN is not
big enough to carry clout. But if China, Korea, and Japan are with us, perhaps people would pay attention” -
Abdul Jabar
123

Asiático e do Sudeste Asiático ultrapassou o volume do comércio e investimentos


entre estes e os EUA, e no final da década o Japão já era o maior parceiro comercial
e fornecedor de ajuda para a região. Também, o Japão era o único país asiático a
fazer parte do G7, agora G8, bem como a segunda maior economia mundial.
Desta forma, ficava cada vez mais claro para a Malásia que o Japão poderia
de fato liderar a região e se colocar frente aos EUA- pós Guerra Fria, ‘representando’
as economias da região que individualmente teriam pouco destaque no cenário
internacional. Além de Japão, a crescente economia chinesa, que havia passado por
recentes reformas, começava a atrair o interesse tanto do Ocidente como do próprio
Oriente – com o final da Guerra Fria, Japão, Coréia do Sul e os Estados da ASEAN
ou iniciaram ou expandiram seu comércio e investimento na China – e era vista
como um possível outro motor para o crescimento da ASEAN e também para a
noção do Leste Asiático incentivada por Mahathir através da EAEC. (BA, 2009).
Entre os anos de 1989 quando a APEC foi criada e 1990 quando a ideia da
EAEG foi lançada pelo Primeiro Ministro malaio e até o ano de 1997 quando esta
fora deixada de lado pela então ASEAN+3 ainda informal, APEC e EAEG muitas
vezes eram colocadas em contraposição. A primeira era o reflexo de uma visão de
Ásia-Pacífico, patrocinada pelos EUA que enxergava na associação uma brecha
para continuar presente na Ásia; a segunda se tratava apenas de uma proposta,
mas por não incluir a potência norte-americana, perdia forte apoio ocidental, mas por
outro lado fortalecia a ideia de ter uma Ásia para os asiáticos e com isso debater
“valores asiáticos” e construir uma cultura própria da região, que não incluía países
ocidentais banhados pelo Pacífico.
Apesar de ter tomado para si o papel dado pelo G7 como único país
desenvolvido na Ásia, a proposta da EAEC soou para o Japão como indiferente, o
que teve um peso considerável para a não concretização da associação. A forma
que o Primeiro Ministro malaio encontrou para tentar, sem muito sucesso, convencer
o Japão de assumir o papel de liderança dentro da EAEC foi demonstrar que a
associação poderia servir como uma plataforma na qual o Japão poderia reunir
opiniões coletivas dos países asiáticos antes das reuniões do G7.(MAHATHIR &
ISHIHARA, 1994 apud TERADA, 2003).
Para Terada (2003) as razões que fizeram com que o Japão não desse
suporte a EAEC foram o fato de não enxergar inicialmente o Leste Asiático como
uma noção regional apropriada como era, por exemplo, a ideia de Ásia-Pacífico
124

materializada; sua identidade internacional auto-imposta; sua política externa


centrada nos EUA e o receio de que a liderança na EAEC fizesse seus vizinhos
relembrarem a proposta ideológica da Esfera de Co-Prosperidade da Grande Ásia
Oriental que surgiu durante a Guerra do Pacífico (na Segunda Guerra Mundial), o
que poderia levar a críticas dos próprios e de demais países ocidentais. Já para Ba
(2009), os principais temores dos países da região em relação a proposta malaia da
EAEC eram o fato desta não incluir os EUA não só pelo país estar menos
comprometido econômica e politicamente com a região, mas também porque os
Estados que mantinham relações com os EUA tinham medo de apoiarem a iniciativa
e colocar em risco seus laços com o país. Além disso, havia a tensão entre o fato de
o Japão ter sido o Estado eleito para liderar o grupo e não aceitar devido a influência
que os EUA exerciam sobre ele, ou caso aceitasse, que gerasse tensões
econômicas que acabassem evoluindo para tensões de segurança entre os dois
países, o que prejudicaria a região.
Os EUA por sua vez buscaram persuadir seus principais aliados, Japão e
Coréia do Sul, a se oporem a proposta do bloco do Leste Asiático e ao mesmo
tempo deram ênfase a uma APEC muito mais inclusiva – que abria espaço também
para os então países da ASEAN que colocavam duas condições para sua
participação153 – com a intenção de não correr o risco de ficar de fora de algum
bloco regional que por ventura fosse criado.

No início da década de 1990, a APEC também tinha o seu momento, devido em


partes a atenção recebida dos EUA que se concentrava na APEC como uma forma
de neutralizar o interesse regional grupos mais exclusivos e em particular na
154
EAEG. (BA, 2009, p. 194, tradução nossa)

Contudo, por ter sido colocada de forma repentina, a proposta da EAEC gerou
um dos maiores temores entre os Estados do Sudeste Asiático que participariam da
empreitada, uma vez que trouxe ainda mais desconfianças para os países da
ASEAN que temiam que, ligados principalmente a Japão e China, o bloco do qual já

153
Primeira condição: “oposição à criação de um bloco econômico-comercial que não estabelecesse um sistema
de comércio multilateral mais justo e mais livre”; segunda condição: “preservar a identidade e a coesão da
ASEAN bem como seus processos cooperativos com parceiros de diálogos” (BA, 2009, p. 148, tradução nossa).
O texto em língua estrangeira é: “opposition to ‘ the establishment of an economic trading bloc as that would be
contrary to ASEAN’s support for the establishment of a more fair and freer multilateral trading system” […] “ the
preservation of ASEAN’s identity and cohesion, as well it’s cooperative processes with dialogue partners”.
154
O texto em língua estrangeira é: “ The early 1990 also saw APEC gain momentum due in part to new attention
from the United States, which focused on APEC as a way to neutralize regional interest in more exclusive
groupings and in particular EAEG”
125

faziam parte seria ultrapassado. Além disso, o fato de a proposta ter sido colocada
inicialmente como um bloco comercial e não apenas como um órgão consultivo (o
que levaria a divisão da economia mundial em três NAFTA, UE e a então nascente
EAEC) gerou baixo consenso e uma retaliação por parte dos membros da ASEAN.
(TERADA, 2003). Deste momento em diante, a Malásia começou a remodelar o
conceito da EAEC com o intuito de torná-la mais aceitável para os demais países,
inclusive aqueles que fariam parte dela. Dentre os países do Sudeste Asiático,
Cingapura com o Primeiro-Ministro Goh Chok Tong se mostrou a maior entusiasta
da iniciativa concordando que os EUA deveriam ficar de fora do grupo uma vez que
já tinham uma Área de Livre Comércio com o Canadá, e que o papel da EAEC era
fortalecer o poder de barganha da ASEAN e não suplantá-la.
Ao mesmo tempo em que Cingapura representava uma das maiores
promotoras da ideia, bem como a Tailândia – que se preocupava mais com as
relações internas da ASEAN e que mais tarde deu a ideia para a criação da área de
Livre Comércio da ASEAN (TERADA, 2003) – a Indonésia resistia à proposta por se
recusar a trabalhar com a Malásia, o que impedia um consenso da ASEAN. (BA,
2009). Também era necessário levar em consideração o fato de que grande parte
destes países, como foi o caso indonésio, estavam tão envolvidos em outros
conceitos regionais como a Ásia Pacífico, o Sudeste Asiático e o Pacífico, e suas
respectivas instituições, que era difícil aceitar e lidar com um novo conceito de Leste
Asiático. Vale ressaltar ainda que eram poucos os interesses comuns na EAEC entre
os países eleitos para formá-la e também que a proposta não era clara em seus
objetivos, era algo nebuloso, do qual não se sabia muito bem o que esperar (ARIFF,
1994 apud TERADA, 2003). Por estes motivos os países eleitos para serem
membros mantiveram-se cautelosos, e tiveram diversas visões em relação aos
rumos do grupo.
Em resposta às reações temerosas para com a EAEC, a Malásia iniciou sua
tentativa de provar a ASEAN que seu propósito era antes de mais nada fortalecê-la
frente ao cenário internacional, e para tanto o país se comprometeu a não tomar
nenhuma ação que pudesse fazer o contrário. Posteriormente “a proposta descreveu
a EAEG como ‘complementar’ a, ‘suplementar’ a, bem como ‘voltado’ para o entrono
da ASEAN.” 155 (BA, 2009, p. 150, tradução nossa.) Ainda a EAEC fora caracterizada

155
O texto em língua estrangeira é: “the proposal described the EAEG as ‘complementary’, ‘suplementary’, to as
well as revolving around ASEAN.”
126

como um processo evolutivo que primeiro criaria o consenso entre os países para
depois formalizar links comerciais e econômicos. Finalmente, quando levada para
ser oficialmente apresentada a Tókio, a proposta foi entregue como um fórum frouxo
e consultivo cuja intenção não era a formação de um bloco, mas de um cáucus para
conversas e debates entre os membros (BA, 2009), mas que não foi recebida com
ânimo pelos japoneses.
Apesar da tentativa de remodelar a proposta para caber no gosto de seus
futuros membros, as reuniões Ministeriais da ASEAN daquele ano de 1991 não
chegaram a nenhuma conclusão e aos poucos a EAEG foi sendo deixada de lado –
até a chegada da ASEAN+3 alguns anos depois. Em 1991 depois que os Ministros
das Finanças da ASEAN decidiram trocar o nome de EAEG para EAEC,
acompanhando a ideia de transformar a associação em um cáucus para debates,
que os Estados da ASEAN concordaram que a EAEC precisava crescer. Contudo,
após o encontro os membros não se comprometeram de fato a criar os objetivos e a
estrutura da instituição, o que foi distanciando cada vez mais a sua realização até
que foi substituída. (TERADA, 2003).
Terada (2003), através de uma abordagem construtivista, afirma que a EAEC
não se materializou apesar de ter a mesma formação de membros que anos mais
tarde a ASEAN+3 viria a ter. O autor afirma que é importante estudar a forma como
o conceito de Leste Asiático foi construído e de que maneira foi aceito pelos países
da região no segundo momento com a ASEAN+3, diferente do primeiro com a
EAEC. Para explicar tal situação aponta: uma maior consciência dos Estados da
região de que eles de fato faziam parte de uma mesma região, consciência esta forte
o suficiente para fazer com que estes se comprometessem a cooperar com este
‘novo’ conceito de região; o fato de o desenvolvimento da ASEAN+3 ter coincidido
com a expansão horizontal da EU e a criação da Área de Livre Comércio das
Américas (ou Free Trade Area of the Americas –FTAA) no NAFTA, ou seja estar
sincronizado com o desenvolvimento de outras duas grandes instituições regionais;
bem como a experiência da crise financeira de 1997 que surgiu como um problema
regional e demonstrou a necessidade de uma abordagem financeira conjunta dos
países da região expondo a interdependência existente entre o Nordeste e o
Sudeste Asiáticos.
O momento de mudanças que se inaugurava na virada dos anos 1980 para
1990 e que trazia consigo o peso do fim da Guerra Fria e o surgimento dos EUA
127

como o novo hegemon, representou para a ASEAN um período de incertezas e


questionamentos sobre suas limitações políticas e institucionais, bem como sua
liberalização comercial interna. Os novos debates e possibilidades que se abriam
frente à criação da APEC e a proposta malaia da EAEC, além da Terceira Guerra da
Indochina criavam uma atmosfera que realçava suas fragilidades internas. No ano
de 1991, momento em que ficava cada vez mais latente que os mercados e o
comércio na região ligavam não os países da ASEAN entre eles, mas estes com
parceiros maiores e mais ricos, principalmente aqueles do Nordeste da Ásia, a
Tailândia propôs a Área de Livre Comércio da ASEAN (AFTA) – que foi aprovada
pelos Ministros da ASEAN após a assinatura do tratado que colocava fim a Guerra
do Camboja – e poucos meses depois os demais países do bloco já apoiavam a
proposta tailandesa como uma forma de intensificar a cooperação dentro da própria
ASEAN e manter-se econômica e politicamente em condições de liderar blocos
regionais mais amplos, e não ser liderados por eles. (BA, 2009).
No ano seguinte, 1992, foi sancionado pelos líderes da associação um
Esquema Efetivo Comum de Tarifas Preferenciais (ou Common Effective Preferential
Tariff Scheme – CEPT). O CEPT não era um esquema perfeito, na verdade estava
longe disso. Seus críticos apontavam como principais problemas a falta de um
mecanismo de solução de controvérsias, a permissividade de sua lista de exclusão e
outros. No entanto, foi um avanço em relação às PTAs no que diz respeito ao
sistema de listas de exclusão e inclusão. Antes do CEPT, as PTAs da ASEAN
possuíam uma lista de inclusão de produtos que deveria ter as tarifas reduzidas
entre 10 e 15%, um mecanismo inconsequente no que tange a inclusão de itens
individuais para a redução de tarifas. O CEPT fez com que cada Estado precisasse
adicionar os produtos em uma lista de exclusão (os que não deveriam sofrer redução
de tarifas que no caso do CEPT deveriam ser de 0 a 5%) e depois justificar cada
uma de suas escolhas. Este mecanismo, no entanto, não impediu que os países
criassem longas listas de exclusão. (BA, 2009). Entretanto, foi o CEPT que acelerou
do processo de integração econômica da ASEAN através da liberalização do
comércio e que consequentemente possibilitou o Acordo de Livre Comércio da
ASEAN (ou ASEAN Free Trade Agreement – AFTA) entre a ASEAN-6 desde 2002,
Vietnã desde 2006, Laos e Myanmar desde 2008 e Camboja desde 2010. A partir de
2010 o ASEAN-6 eliminou todas as suas tarifas fora da lista de produtos sensíveis e
128

espera-se que os demais membros o façam até 2015. (KAWAI & WIGNAJARA,
2007).
Em 1994, no mesmo ano da criação do ARF156, os países da ASEAN e do
Nordeste Asiático começam uma aproximação mais intensa mesmo que dentro dos
arranjos regionais onde conviviam com outros países e potências que não faziam
parte do contexto do Leste Asiático. Tanto no ARF quanto na APEC as potências
ocidentais costumavam se colocar contrárias às diversas posições da ASEAN,
principalmente em relação aos direitos humanos e a pouca democratização dos
países, o que acabava por reforçar ainda mais a tese malaia de que um grupo do
Leste Asiático, deveria ter algum laço cultural, uma forma de fazer diplomacia que
lhes fosse comum, diferente do que acontecia em um grupo formado por países
asiáticos e ocidentais. A melhoria e a expansão das relações entre os então 6
membros da ASEAN e os países do Nordeste da Ásia aumentava as oportunidades
de interação entre os países do Leste Asiático, e com isso a chance da criação de
um grupo que abarcasse esta região. (BA, 2009).

Apesar de os países da ASEAN não dividirem interesses comuns na EAEC ou


tomarem nenhum passo significante para dar substância ao conceito da EAEC, eles
ao menos tinham respeito pela proposta do Primeiro Ministro malaio de manter a
solidariedade entre membros, e não tentaram destruir a ideia. Ao contrário, eles
empregaram uma aproximação discreta e gradual em direção a formação de um
conceito regional do Leste Asiático convidando os líderes de China, Japão e Coréia
157
do Sul para discussões extra-oficiais. (TERADA, 2003, p. 261, tradução nossa).”

Informalmente, contudo, foi antes de 1994 que a ASEAN iniciou uma


aproximação mais explicita com os países do Nordeste Asiático. Em 1991 a
associação convidou a Coréia do Sul a ser um parceiro completo de diálogos e
incluiu a China como membro observador de alguns fóruns da ASEAN. Além destes
encontros, os países do Leste ainda tinham a oportunidade de encontrarem-se na
156
Depois de muitos debates e desafios ultrapassados, o ARF se tornou um fórum que apesar de reunir não só
os países da ASEAN, mas também os principais países do Leste Asiático e da Ásia Pacífico, mantinha as
principais características da associação ( voltada para o dialogo informal,inclusivo, gradual e não militar apesar
de tratar de assuntos de segurança). O ARF tinha como objetivo, funcionar como uma balança entre os países
da ASEAN e seus vizinhos poderosos, principalmente nas questões de segurança. (BA, 2009). Contudo, vale
ressaltar que apesar de benigno para a ASEAN no que diz respeito a sua inclusão em arranjos regionais mais
amplos, o ARF se tornou uma das grandes cartas norte-americanas na região, e que mais tarde possibilitou a
criação da ASEAN+3, ao contrário do que aconteceu com a EAEG, uma vez que a presença dos EUA estaria
garantida na região através de um fórum que discutiria questões de high politics, e que portanto traria a
sensação de presença e proximidade do Leste da Ásia como um todo para os EUA.
157
O texto em língua estrangeira é: “Although even ASEAN countries neither shared a common interest in
EAEC nor took any significant steps towards giving substance to the EAEC concept, they at least paid respect to
the Malaysia prime minister’s EAEC proposal to maintain solidarity among members and did not attempt to
destroy the idea. Rather, they employed a discreet and gradual approach towards the formation of an East Asian
regional concept by inviting leaders from China, Japan and Korea to unofficial discussions.”
129

APEC e no ARF, o que dava oportunidade para que mesmo sem o nome de Leste
Asiático, o grupo pudesse se encontrar e debater sobre o assunto. Foi inclusive
durante o primeiro encontro do ARF em 1994 que Japão, China, Coréia do Sul e os
Estados da ASEAN (até então apenas seis) se encontraram pela primeira vez para
debaterem informalmente os princípios e objetivos da agora EAEC.(BA, 2009). No
mesmo ano, dentro do Encontro Ministerial da ASEAN, os mesmos ministros da
ASEAN se reunem com representantes dos países do Nordeste Asiático e
debateram ainda questões da EAEC. No ano seguinte Cingapura propôs a repetição
do encontro que se tornou anual, e em 1995 já com o Vietnã como novo membro da
ASEAN ocorreu mais um encontro informal realizado também no Encontro Ministerial
da ASEAN em Brunei.
Em 1996, a partir de uma iniciativa da Indonésia, durante o Encontro
Ministerial da ASEAN que incluía Japão, China e Coréia do Sul como convidados, foi
estipulado que de 1997 em diante, a reunião da ASEAN-7 com os países do
Nordeste Asiático estaria oficialmente na pauta dos Encontros Ministeriais da
ASEAN. O termo informal de ASEAN7+3 significando um conceito de Leste Asiático
dentro dos Encontros Ministeriais da ASEAN, mesmo extra-oficialmente, foi
importante para gradualmente abrir caminho para uma atmosfera mais receptiva
para o novo conceito regional que estava sendo formado. Outro catalisador para a
criação da ASEAN+3 foi o início dos Encontros Ásia-Europa158 (ou Asia-Europe
Meetings – ASEM) que começaram a ser negociados em 1995 e passaram a ocorrer
no ano de 1996.
Inicialmente, a UE estabeleceu que seus até então 15 membros participariam
do fórum e deixaram a cargo da ASEAN escolher quais países representariam a
Ásia como um todo. A ASEAN por sua vez, entendeu que a Ásia deveria ser
representada não só pelos países do Sudeste Asiático, mas também por aqueles
que faziam parte do Nordeste da Ásia e que eram as maiores economias da região.
Esta responsabilidade dada pela Europa à ASEAN e correspondida por esta com a
inclusão de China, Japão e Coréia do Sul deu ainda mais espaço à noção de Leste
Asiático trabalhada até então. (BA, 2009). Da mesma forma, enquanto a Europa
tinha a UE para estabelecer quais os países que seriam os representantes do
continente nestes encontros, a Ásia não tinha nada que ligasse o Sudeste ao

158
Atualmente, os países formadores do ASEM, um fórum inter-regional, são: Comissão Europeia, UE-27, os 13
países da ASEAN+3, Índia, Mongólia, Paquistão, Austrália, Rússia e Nova Zelândia.
130

Nordeste Asiático. A ausência de algo que ligasse sudeste e nordeste na região da


Ásia forçou indiretamente a criação de algo que unisse estes países em uma
entidade, e contribuiu também para a formação do conceito de Leste Asiático.
(TERADA, 2003).
Em 1995, durante a abertura do 5º ASEAN Summit, o Primeiro Ministro de
Cingapura, Goh Chok Tong, sugeriu que os membros da ASEAN convidassem os
países do Nordeste Asiático a participarem de seus encontros de cúpula (summit)
informais a cada ano ou a cada ano e meio, bem como Mahathir e ele próprio Goh
Chock Tong haviam sugerido na EAEC.(TERADA, 2003). No de 1996, durante o
anual Encontro Ministerial da ASEAN, a Malásia propôs um encontro entre os 7
países membros da ASEAN, os três países da Indochina que ainda não eram
membros (Myanmar, Camboja e Laos), e os três países do Nordeste
Asiático.(BA,2009). Esta foi praticamente a mesma proposta feita pelo Primeiro
Ministro de Cingapura seis meses antes (e a mesma feita por Mahathir), com a única
novidade de incluir os países da Indochina, e também de ter boa aceitação por parte
do Japão, pela primeira vez desde a ideia inicial da EAEG surpreendendo vários
líderes da ASEAN positivamente. Contudo, foi apenas em 1999 que o Japão deixou
de estar interessado apenas nas relações bilaterais ASEAN-Japão e começou a
olhar para a ASEAN+3 como um todo, principalmente por estar interessado em
melhorar as relações com China e Coréia do Sul, pois apesar de serem
geograficamente próximos, não tinham estabelecido uma política de diálogos
robusta até então.
Desta forma, no final de 1997 dentro de um ASEAN Summit informal foi
realizado o primeiro encontro informal da ASEAN+3, que incluía exatamente os
mesmos membros que hoje fazem parte do grupo. A nascente ASEAN+3, primeiro
arranjo regional envolvendo os países do Leste Asiático que promoveu cooperação
política e econômica e realizou encontros a níveis ministeriais e de chefes de Estado
começava a se desenhar como algo que lembrava o conceito de Leste Asiático
proposto por Mahathir com a EAEG, e já a partir do final de 1997 aumentava seus
encontros e começava a desenvolver um embrião de regionalismo do Leste Asiático.
Foi a partir deste ano também que com menor oposição norte-americana em relação
à ASEAN+3 que à EAEC, o Japão passou a atuar mais incisivamente pelo
estabelecimento daquela, uma vez que sabia que o canal entre EUA e os demais
131

países do Sudeste Asiático estava aberto através da APEC e também do ARF.


(TERADA, 2003).
Mas foi a crise asiática de 1997 que deu destaque ao papel dos Estados do
Nordeste Asiático em sua relação com a ASEAN, e que de certa forma chegou a
assustar a associação no quesito liderança. Alguns autores como Ba (2009) não
acreditam que a crise tenha dado início a ASEAN: “a crise não criou o ‘Leste
Asiático’, apenas intensificou e acelerou processos já existentes” 159(BA, 2009, p.
218, tradução nossa), mas outros como Kawai & Wignajara(2007) pensam que se
não fosse pela crise, o desdobramento estrutural da ASEAN não seria iniciado: “Os
líderes de Japão, China e Coréia do Sul foram convidados para o Encontro Informal
de Líderes da ASEAN em dezembro de 1997, no meio da crise asiática financeira,
que de fato iniciou o processo da ASEAN+3.”160 (KAWAI & WIGNAJARA, 2007, p.9,
tradução própria)”

Como já dito no capítulo anterior, a crise de 1997 foi gerada devido a uma
série de políticas macroeconômicas frouxas e a inabilidade dos países da ASEAN de
liberalizar seus mercados financeiros, ou seja, “os Estados da ASEAN fizeram isso
consigo mesmos.”161 (BA, 2009, p. 202, tradução nossa). A única solução
encontrada pela Tailândia, a de buscar ajuda no FMI se mostrou desastrosa, e
serviu de exemplo do que não fazer aos Estados da ASEAN. A preocupação dos
países da associação era que a situação piorasse e acabasse por contaminar toda a
região. Os EUA não se demonstraram vontade em dar o auxílio necessário, tão
pouco a APEC, que “não estava lá [...] respondeu lentamente”162 (BUSINESS
WORLD, 1 de outubro de 1999,p.6 apud BA, 2009, p. 210, tradução nossa).
A ASEAN, que teve suas limitações expostas pela crise e sua credibilidade
diminuída, apesar de possuir um Fundo, sabia que não era o suficiente para resolver
a questão. Por outro lado, precisava ainda buscar fortalecer a integração dentro da
associação e aumentar a coesão uma vez que havia temor por parte dos países
membros de sofrerem com a crise como aconteceu com a Indonésia e sua tentativa

159
O texto em língua estrangeira PE: “[...] the crises did not create ‘East Asia’ so much it intensified and speed up
existing processes already in train”
160
O texto em língua estrangeira é: The leaders of Japan, China and Korea were invited to the informal ASEAN
Leaders’ Meeting in December 1997, in the midst of the Asian financial crisis, which de facto initiated the
ASEAN+3 process.
161
O texto em língua estrangeira é: “...ASEAN states had done it to themselves.”
162
O texto em língua estrangeira é: “APEC was not there. It responded slowly”
132

de sair dela com ajuda do FMI. Apesar de não ter a capacidade institucional para
cuidar da crise, a ASEAN ainda era vista como uma estrutura importante para que as
questões relacionadas a esta fossem debatidas. Durante o período da crise, ainda, a
ASEAN demonstrou muito mais atividades em resposta a esta – como debate em
relação ao processo de tomada de decisão e também à adoção de maioria
qualificada – que a própria APEC. Apesar da importância que a associação parecia
ter naquele cenário de crise mesmo com suas limitações, os seus Estados membros
continuavam buscando outras possíveis soluções. (BA, 2009).
Apesar da crise instalada na região, a atenção do mundo começava a se
voltar cada vez mais para o Leste Asiático, uma vez que os países da ASEAN e as
potências do Nordeste Asiático davam continuidade aos encontros que começaram
informais e que mantinham certa regularidade. Era previsível que se saíssem da
crise, a conjuntura que formariam naquela região viria a requer a atenção dos
demais atores da comunidade internacional. Com a formalização da utilização do
termo ASEAN+3 em 1999 – que inicialmente era um processo muito mais consultivo
que é hoje – novos encontros e novas temáticas de cooperação (energia, tráfico de
drogas, agricultura e outros) surgiam entre os membros: encontros financeiros,
econômicos, de Ministros das Relações Exteriores da ASEAN+3 além de outros
encontros como o Grupo de Estudo do Leste Asiático (ou East Asia Study Group)
que tinha como objetivo explorar as possibilidades de uma integração daqueles
países, a Iniciativa Asiática de Mercado de Títulos (ou Asian Bond Market Initiative –
ABMI) bem como a Iniciativa Chiang Mai (CMI), assinada em 2001 que:

[...] identificou a criação de um mecanismo de vigilância regional e um mecanismo


de financiamento regional como áreas particulares de interesse e cooperação. O
primeiro mecanismo providenciaria uma espécie de sistema de alerta precoce sobre
o fluxo de capital. O segundo envolve uma rede regional de swaps bilaterais e
163
instrumentos para acordos de recompra –ou acordos de swaps bilaterais (BA,
2009, p. 215, tradução nossa).

A terceira expansão horizontal da ASEAN – a primeira foi com a entrada de


Brunei em 1984, a segunda com a entrada do Vietnã em 1995, a terceira com a
entrada de Laos e Myanmar em 1997; e a última com a entrada do Camboja em
1999 – coincidiu com o momento da crise e agravou ainda mais algumas fragilidades
163
O texto em língua estrangeira é: “[...] identified the creation of a regional surveillance mechanism and regional
financing mechanism as particular areas of interest and cooperation. The first would provide a kind of early
warning system on capital flow. The second would involve a regional network of bilateral swap and repurchase
agreements facilities – or bilateral ‘swap’ agreements”
133

do bloco, como a assimetria de poder, principalmente econômico, entre os países do


bloco. Se por um lado era importante por um ponto de vista geoestratégico e até
mesmo identitário reunir as regiões do Nordeste, ao Sudeste passando pela
Indochina para a formação de um conceito de Leste Asiático, era igualmente
precipitado inserir os países pobres e recém-saídos de guerras, em uma atmosfera
dinâmica e comercial e financeiramente evoluída em comparação direta, mais ainda
com a aproximação dos três grandes do Nordeste Asiático. Era e continua sendo
inevitável a divisão entre ricos e pobres dentro da ASEAN, entre os membros mais
antigos e os mais recentes. Até os dias atuais todas as exigências de maior
liberalização de comércio e até mesmo da relação entre os países da ASEAN e do
‘+3’ que exigem prazos são sempre feitas em duas ou até mesmo três fases, a
primeira incluindo a ASEAN-6, a segunda incluindo os membros da Indochina ou
apenas o Vietnã, e as vezes uma terceira fase apenas para o Camboja que além de
ser o último a se tornar membro foi também o país que passou por uma guerra mais
recentemente, ou para Camboja, Laos e Myanmar.
O segundo encontro de Ministros das Finanças da ASEAN em 2000 na cidade
de Chiang Mai na Tailândia (o primeiro havia ocorrido em Manila nas Filipinas um
ano antes) lançou novos mecanismos de cooperação financeira e ainda no mesmo
ano, o Encontro dos Líderes da ASEAN, realizado em Cingapura que por sua vez
lançou acordos que tinham como finalidade analisar a possibilidade da criação de
um Acordo de Livre Comércio do Leste Asiático (ou East Asian Free Trade
Agreement – EAFTA) bem como do Encontro do Leste Asiático (ou East Asian
Summit – EAS). (TERADA, 2003). Devido ao robusto valor de seu produto interno
bruto, e de sua grande população, analistas começavam a observar a criação formal
da ASEAN+3, no ano anterior, como o início de um grande mercado único que
poderia até mesmo culminar no surgimento de um sistema econômico mundial
tripartite. (BERGSTEN, 2000 apud TERADA, 2003).
São controversas algumas das opiniões de acadêmicos e estudiosos sobre o
papel da ASEAN+3 e de China e Japão durante a crise asiática de 19997. Para Ba
(2009), a estrutura da ASEAN+3 e a iniciativa por parte dos países do Nordeste
Asiático de aumentar os mecanismos de auto-ajuda no Leste Asiático através da
cooperação financeira e monetária, significaria o ressurgimento da idéia japonesa do
Fundo Monetário Asiático (ou Asian Monetary Fund - AMF) – negada pelos EUA pelo
medo de ficar fora de mais um arranjo regional–, principalmente pelo papel que o
134

Japão teria neste momento – vide a Iniciativa Miyazawa do Japão que emprestou
cerca de 30 bilhões de dólares para as economias afetadas pela crise de setembro
de 1998 até 2000.164 (Japan Ministry of Finance). A ideia inicial do AMF, nunca
levada à frente, estabelecia cerca de 100 bilhões de dólares em ajuda financeira, e a
pesar de nunca ter saído do papel, o Japão ajudou com cerca de 44 bilhões de
dólares na recuperação de Indonésia, Tailândia e Coréia do Sul, os mais afetados
com a crise, o que ajudou a reforçar novamente a imagem do Japão como um líder
regional.(TERADA, 2003).
Já Narine (2009) afirma que pouco foi feito pela ASEAN+3, que já se reunia
desde 1994 informalmente, durante a crise para diminuir seus efeitos, principalmente
porque os esforços japoneses foram freados pelos EUA, mas também por China e
Coréia do Sul que não queriam uma influência japonesa extremamente forte na
região. A ASEAN+3 surgia como uma resposta preliminar à inércia do FMI e dos
EUA em relação à crise, a partir do entendimento asiático de que era necessária a
criação de um instrumento regional que pudesse protegê-los de novas instabilidades
financeiras. No entanto, o papel da China, segundo Xinbo (2009) é tido como
positivo durante a crise, por não ceder às pressões e fazer empréstimos aos países
mais atingidos além de relutar em depreciar sua moeda, o que ajudou a estabilizar a
região. “A promessa chinesa de não desvalorizar sua moeda também foi enaltecida
pelos países da região. Como o Ministro tailandês das Relações Exteriores, Surin,
elucidou, 'a China está carregando o fardo por seu passado isolacionista’.”165
(STRAITS TIMES, 16 dezembro, 1998 apud TERADA, 2003, p.266)

A crise financeira de 1997 provou que os países do Nordeste e do Sudeste


Asiáticos estavam intimamente ligados, uma vez que a crise que se iniciou na
Tailândia, chegou na Indonésia e na Malásia e atingiu até mesmo a Coréia do Sul, o
que revelou um lado negativo da interdependência. A dependência mútua que se
fazia notar cada vez mais clara entre a ASEAN e o ‘+3’ principalmente no que diz
respeito à área econômica e financeira, fazia com que os países do Nordeste
Asiático quisessem por sua própria segurança econômica restabelecer e manter a
164
Disponível em:
http://www.mof.go.jp/english/international_policy/financial_cooperation_in_asia/new_miyazawa_initiative/e1e042.
htm
165
O texto em língua estrangeira é: "China’s pledge not to devalue the renminbi was also hailed by the
regional countries. As Thai Foreign Minister Surin remarked, ‘the Chinese are bearing the burden for their past
aloofness.’"
135

ordem no Sudeste Asiático. A crise também fez com que a ASEAN e o ‘+3’
institucionalizassem as cúpulas até então informais realizadas entre eles, uma vez
que ficara provado que o que quer que acontecesse no Nordeste Asiático –positivo
ou negativo –teria um impacto no Sudeste, e vice-versa. (TERADA, 2003).
Já na década de 2000, com os efeitos da crise controlados, os países da
ASEAN+3 aumentaram ainda mais seu relacionamento e iniciaram uma série
implementações e acordos bilaterais: em 2001 houve um acordo para câmbio entre
seus bancos centrais; em 2005 a partir de uma iniciativa japonesa a ASEAN+3
dobrou o tamanho das transações correntes do CMI e também aumentou a quantia
que cada país membro poderia retirar do fundo sem precisar cumprir as condições
do FMI; em 2007 16 acordos foram assinados entre oito países membros (Japan
Ministry of Finance apud BA, 2009)166 além do Plano de Trabalho da Cooperação da
ASEAN+3 ( ou ASEAN Plus Three Cooperation Work Plan) de 2007 a 2017 que
lançou as bases para a fundação da Cooperação entre os países da ASEAN+3, e
este relacionamento continua a se tornar cada vez mais estreito com é possível
perceber com o lançamento de uma Declaração Conjunta em resposta a crise
econômica e financeira global e também da Cooperação de Gerenciamento de
Tragédias ambas em 2009, além de continuar tratando e aprofundado o plano da
Cooperação da ASEAN+3 lançada ainda em 2007.(MOFA)167

3.4. Leste Asiático e Livre Comércio: o que é especulação e o que há de


concreto. ASEAN+3, ASEAN+1, EAS e EAFTA.

A crescente integração econômica que ocorre no Leste Asiático dentro da


ASEAN e seus desdobramentos estruturais leva à criação de Áreas e Acordos de
Livre Comércio (FTAs) entre suas partes formadoras e também entre demais países.
Parte da integração econômica deve-se aos IED direcionados para a região seja de
empresas multinacionais de países industrializados, de firmas dos países de maior
destaque do próprio Leste Asiático, ou até mesmo, mais recentemente, de firmas de
países de renda média da ASEAN que investem diretamente em países de renda
mais baixa dentro do próprio bloco. Há, porém, muitos fatores por detrás do IED

166
Disponível em: www.mof.go.jp/english/if/as3_070505.htm
167
Disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/asean/conference/asean3/
136

destinado ao Leste Asiático e o aumento da integração econômica entre os Estados


da região. Estes fatores são responsáveis pela abertura econômica e globalização
da região, e levaram à concentração das trocas comerciais e de IED no Leste
Asiático, o que gradativamente reduz a importância de UE e EUA na região, apesar
de ainda serem figuras importantes política e economicamente no Leste da Ásia.
São quatro principais fatores para que o IED tenha colaborado para a
integração econômica do Leste Asiático: as economias da região buscaram
liberalização de comércio e investimento como parte de suas políticas de comércio
exterior, investimentos e regionalismo aberto em instituições multilaterais como o
Acordo Geral de Tarifas (GATT) e Comércio e a Organização Mundial do Comércio
(OMC) (reduziram as barreiras tarifárias e não tarifárias, evitaram práticas
discriminatórias de comércio), além da APEC (onde China e Taiwan começaram a
liberalizar comércio e IED fora da OMC e como consequência fizeram reformas
domésticas para enfrentarem a competição externa); através do IED as firmas de
dentro e de fora do Leste Asiático puderam criar cadeias produtivas e de
suprimentos por toda região levando à divisão de seus processos produtivos em
diversos sub-processos alocando cada um deles em um país do Leste Asiático que
oferecessem maiores vantagens comparativas, o que levou a uma evolução da
divisão interna regional de trabalho; houve uma evolução na conectividade física e
digital além do desenvolvimento do suporte de logística, devido ao investimento
destinado à infraestrutura, o que reduziu custos de transação e aumentou as
atividades de comércio e investimento; o rápido crescimento chinês( e mais
recentemente indiano) que possui uma ampla economia de mercado e estreita
ainda mais os laços regionais entre os países do Leste Asiático, uma vez que possui
papel fundamental nas cadeias produtivas e de suprimentos para toda região.
(KAWAI & WINAJARA, 2007).
Apesar de o Leste Asiático ser considerado uma região retardatária em
relação ao estabelecimento de FTA’s principalmente se comparada a América do
Norte, Europa e até mesmo a África, vivenciou a partir da década de 1990 (momento
do aprofundamento da integração econômica voltada para o mercado na região, do
progresso da integração europeia e norte-americana, e da crise asiática) um grande
crescimento deste tipo de acordos devido não só ao multilateralismo via OMC, mas
também da característica de regionalismo aberto iniciada na APEC mas também
presente na ASEAN e seus desdobramentos. (IBID).
137

A ASEAN divide a integração econômica regional em dois tipos: interna e


externa. A integração econômica intrabloco da ASEAN fortaleceu-se na década de
1990 com a AFTA, tida como o início para a Comunidade Econômica da ASEAN 168,
um dos três pilares para o estabelecimento da Comunidade da ASEAN para a
próxima década. A integração econômica interna tem como princípios fundamentais
a formação de um mercado e de uma base de produção comuns, a construção de
uma região economicamente competitiva, o desenvolvimento econômico igualitário e
justo, bem como a integração com a economia global. Por outro lado, a integração
econômica externa, ou seja, com países que não fazem parte da associação e com
outros blocos está concentrada nas FTA’s e nas Parcerias Econômicas Abrangentes
(ou Comprehensive Economic Partnership – CEP’s), que apesar de terem pequenas
diferenças estruturais como será visto mais a frente, buscam basicamente aumentar
o acesso aos mercados, manter a competitividade frente a outros blocos e países
que competem diretamente com a ASEAN além de manter a centralidade da
associação.169 (WAN, 2011)
Atualmente a ASEAN mantém seis FTAs assinadas e funcionais uma sob
negociação, e outras duas propostas que ainda estão sendo estudadas. Somando
todas as FTAs (dentre as apenas propostas, as sob negociação, e as concluídas –
divididas em que estão em efeito e as que ainda não estão) dos países da ASEAN+3
o total é de 26 FTAs: 9 são da ASEAN, 8 são do Japão com países da ASEAN+3 170,
3 são da China com países da ASEAN+3171, 5 são da Coréia com países da
ASEAN+3172, e 1 é entre Japão, China e Coréia do Sul, o que demonstra uma
grande integração ou ao menos uma grande vontade de integração entre tais países
e um interesse crescente pelo cenário internacional pela associação.(ARIC)173
A ASEAN+3, atualmente, possui diversos processos ministeriais que incluem
todos os membros do grupo. Hoje já são 20 áreas onde existe cooperação entre os

168
Ver Anexo A.
169
Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf
170
São os países da ASEAN+3 com quem Japão possui FTA’s: Brunei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Coréia do
Sul, Cingapura, Tailândia e Vietnã.
171
São os países da ASEAN+3 com quem China possui FTA’s: Coréia, Cingapura e Tailândia
172
São os países da ASEAN+3 com quem Coréia do Sul possui FTA’s: Indonésia, Cingapura, Tailândia,Vietnã,
Malásia e China.
173
ARIC.ORG, 2011 Disponível em: http://aric.adb.org/FTAbyCountryAll.php
138

países174 e um total de 56 estruturas175 que coordenam a cooperação dentro do


ASEAN+3, o que demonstra que apesar de ser um acordo extremamente voltado
para a economia e o comércio, há uma preocupação por parte dos países da
ASEAN e do ‘+3’ em tratar de outros assuntos, muitas vezes comuns aos Estados
participantes e que a partir da aproximação dos processos regionais, podem ser,
debatidos e até mesmo resolvidos. Partindo do princípio de que a regionalização
através de FTA’s, IED’s, PTA’s e outros tipos de acordos podem ser benéficos para
a região, em 2004 os líderes da ASEAN+3 propuseram uma “Comunidade do Leste
Asiático”, que apesar de ser caracterizada pelos mesmos líderes, como um objetivo
de longo prazo, deveria ser guiado e estabelecido pela própria ASEAN+3.
A ideia da criação da Comunidade do Leste Asiático foi proposta pelo Grupo
de Visão do Leste Asiático (ou East Asian Vision Group – EAVG) de 2001 que tinha
o objetivo de estudar e prever a integração econômica dos países da região em
direção a uma comunidade econômica do Leste Asiático. Entre as principais
conclusões as quais chegaram o EAVG em termos de comércio, finanças e
investimento foi: a possibilidade de criar uma área de Livre Comércio do Leste
Asiático; expandir o acordo da ASEAN de Área de Investimento para todo Leste
Asiático; incentivar o desenvolvimento e a cooperação tecnológica entre os países
da região; e criar uma estrutura econômica orientada para o futuro, seriam ações
benéficas para toda região. (KAWAI & WIGNAJARA, 2007).
Alguns estudiosos como Terada (2003) apostam na criação futura de uma
Área de Livre Comércio do Leste Asiático (ou East Asian Free Trade Area – EAFTA),
que requer, contudo, uma forte figura de liderança entre os países da região bem
como o interesse material entre os membros, e tem como um dos sinais iniciais de
existência a criação dos Acordos de Livre Comércio (ou Free Trade Agreements -
FTAs) bilaterais dentro do Leste Asiático e seu efeito cascata Já é realizado um
estudo para tentar provar a eficácia deste FTA mais inclusivo, que contudo, ainda
parece distante.

174
As 20 áreas cobrem os seguintes subitens: política e segurança, crime transnacional, economia, finanças,
agricultura e florestas, energia, minerais, turismo, saúde, trabalho, cultura e artes, meio ambiente, ciência e
tecnologia, informação, bem-estar social, desenvolvimento rural e erradicação da pobreza, administração de
desastres, jovem, mulheres, e outros subitens.
175
Essas 56 estruturas são: 1 summit, 14 comissões ministeriais, 19 Senior Officials, 2 diretores gerais, 18
encontros de nível técnico, e outros 2 encontros.
139

Japão e China, as duas maiores economias da região vêm disputando sua


liderança através da criação de FTAs bilaterais com outros países do Leste Asiático
e até mesmo com a ASEAN em si. Acredita-se que o interesse inicial da China em
criar FTAs veio do fato de Japão e Coréia do Sul estabelecerem em 1998 seus FTAs
e deixarem a China de lado, o que levou a China, por sua vez a buscar a ASEAN
mesmo que não em sua totalidade, como uma alternativa ao acordo entre dois de
seus vizinhos mais próximos. O FTA entre China e ASEAN proposto em 2001 foi
assinado em 2002 e fez com que Japão, com assinatura apenas em 2005, e Coréia
do Sul, com assinatura em 2004, buscassem seus próprios FTA’s com a ASEAN
(TERADA, 2003), que só entraram em funcionamento mais tarde (China em 2005,
Coréia do Sul em 2006 e Japão em 2008 em forma de Parceria Econômica
Abrangente). (SEARIGHT, 2009). Estas são as chamadas ASEAN+1, onde cada um
dos países do “+3” relaciona-se comercial e financeiramente com os países da
ASEAN.
Apesar dos estudos para a criação do EAFTA, poucos são os países da
ASEAN que acham a ideia produtiva para o bloco e para os próprios membros, uma
vez que os países do Nordeste Asiático detêm certa de 90% de toda economia da
região, o que causa medo em um EAFTA onde pode haver uma enxurrada de
produtos baratos vindos da China, que acabariam por desestabilizar as menores
economias, sucatear suas indústrias mais vulneráveis e gerar altos níveis de
desemprego. Apesar de Japão e China compreenderem o temor por parte da
ASEAN entendem que é papel do líder amenizar tais efeitos e encontrar interesses
comuns, e até mesmo ajustar interesses inicialmente opostos; e é na disputa pela
liderança e na busca por um acordo comercial mais inclusivo no Leste Asiático que
chineses e japoneses vem fazendo concessões como é no caso da China, que abriu
seu mercado agrícola sensível, além de assinar um pacto para a construção de uma
supervia no Laos, oferecer um tratamento preferencial de tarifas para produtos do
Camboja, Laos e Myanmar – os membros mais recentes – e ofertar o perdão da
dívida cambojana com a China. (TERADA, 2003)
O Japão por sua vez tornou o Leste Asiático como uma “área prioritária” para
o seu órgão oficial de ajuda ao desenvolvimento, principalmente o desenvolvimento
tecnológico com a concessão de cooperação técnica, uma área que a China ainda
está atrasada, principalmente para dividir com seus vizinhos. A disputa entre Japão
e China por FTAs no Leste Asiático, fazendo com que o primeiro ofereça cooperação
140

técnica e o segundo liberalize seu mercado agrícola sensível pode, segundo Terada
(2003), ajudar na melhoria do ambiente para a realização da EAFTA através do
desenvolvimento econômico e tecnológico dos países da região.
Ainda no ano de 2002, houve uma proposta para que fosse realizada uma
FTA entre China, Japão e Coréia do Sul, o que demonstraria o desejo da China de
construir uma FTA com o Japão. Contudo, esta sugestão ainda não se concretizou
apesar de ser debatida nos Encontros Trilaterais entre Japão China e Coréia do
Sul176, o que ainda assim reforça a tese da disputa entre Japão e China por parte da
liderança da região, fora ou dentro de uma EAFTA. Atualmente as relações de high
politics (e também questões de comércio) entre Japão, China e Coréia do Sul não
são realizadas dentro do escopo da ASEAN+3, mas sim bilateralmente entre cada
um destes atores vide seu passado histórico e a busca por uma liderança dividida e
direcionada ou não. (IBID)
Além da ASEAN+3 e a tentativa do estabelecimento de uma FTA que inclua
todos os seus membros, há ainda dois outros movimentos que relacionam o Sudeste
e o Nordeste Asiático. Ambos estão intimamente ligados aos países do “+3” e seu
passado histórico, a diferença é que ao passo que um deles é “exclusivo” o outro é
“inclusivo”. O primeiro movimento é o da ASEAN+1, como supracitado, que se
resume em FTAs principalmente dos países do “+3” individualmente com a
associação, ou seja, cada um dos grandes atores da região tem uma FTA separada
com a ASEAN no lugar de uma FTA que envolva todos os países da ASEAN+3. O
segundo movimento como também já supracitado, é o EAS anteriormente conhecido
como ASEAN+6.
Os chamados ASEAN+1 apesar de se referirem na grande maioria das vezes
aos acordos de livre comércio que a associação tem com os países do ‘+3’ também
podem ser entendidos como os FTAs que o bloco possui com outros países como
Índia, Nova Zelândia e Austrália, bem como o que está em negociação com a UE.
Contudo, uma vez que a pesquisa tem como principal enfoque a relação da ASEAN
e os países do ‘+3’, as FTAs de China, Coréia do Sul e Japão são apresentadas com
maior destaque. Os FTAs de China e Coréia do Sul e Japão tem uma diferença
básica inicial, além das datas em que cada uma delas foi estabelecida. Enquanto
China e Coréia do Sul tem com a ASEAN um acordo de livre comércio (ou FTA) que

176
O assunto dos Encontros Trilaterais será tratado mais a frente no capítulo.
141

costumam ter um approach sequencial, ou seja, iniciando-se com um acordo-quadro,


e depois acrescentando acordo de bens, e após, acordo de serviços para mais tarde
incluir o acordo de investimentos que visa a construção de uma atmosfera
transparente para investidores de ambas as partes; o Japão possui um acordo de
livre comércio chamado de Parceria Econômica Abrangente que tem por
característica agir como um single undertaking, ou seja, que a implementação do
acordo seja feita de uma só vez e de forma abrangente, incluindo bens, serviços,
investimentos, cooperação econômica e outros temas relacionados.177 (WAN, 2011)
Mais antigo, o FTA de China com a ASEAN buscou logo de início abranger
todos os membros da associação, dos fundadores aos mais recentes. Com uma
abordagem inclusiva, apesar de sequencial, e demonstrando seu desejo de atuar na
totalidade da região, o Estado chinês preferiu deixar a cargo de cada membro da
ASEAN decidir individualmente o nível de liberalização a ser estabelecido.
(SAUNDERS, 2008) O movimento chinês em direção a criação de uma FTA com a
ASEAN se iniciou no ano de 2002 com a criação e assinatura por todos os países
envolvidos do Acordo Quadro para Cooperação Econômica Abrangente entre
ASEAN e China (ou Framework Agreement on Comprehensive Economic
Cooperation between ASEAN and China) que lançou as bases para a negociação de
acordos que culminariam na criação da Área de Livre Comércio ASEAN-China
(ALCAC) em 2010.178
O FTA entrou em vigor em partes. A primeira através do acordo de comércio
de bens assinado em 2004 e implementado em 2005 (e depois expandido em 2011)
que iniciou a modalidade de eliminação e redução de tarifas em duas linhas a de
produtos normais e produtos sensíveis. Na lista de produtos normais, as tarifas
deviam ser eliminadas pelo ASEAN-6 até início de 2010, para o Vietnã até o início
de 2012, e para Laos, Camboja e Myanmar, até 2015 onde cerca de 250 tipos de
produtos poderão ter até 2018 para serem eliminadas. Já na lista de produtos
sensíveis e altamente sensíveis, as tarifas deferiam ser reduzidas na lista sensível
inicialmente para 20% e em seguida para de 0 a 5%. Já na lista de altamente
sensíveis, as tarifas deveriam ser reduzidas inicialmente a não mais que 50%.179

177
Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf
178
Disponível em: http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf
179
Ibid.
142

A segunda parte foi através acordo de comércio de serviços em 2007 (que


também foi complementado em 2011) e teve como principal objetivo liberalizar e
eliminar medidas discriminatórias em relação a comércio de serviços entre os países
membros. E a terceira, em 2009, com o acordo de investimento que buscou
promover e facilitar os investimentos entre os países do acordo criando uma
atmosfera transparente e segura para os investidores da região.180
Apesar de pontos negativos, a ALCAC é a única que provê um Programa de
Colheita Adiantada, ou seja, que compra produção antecipadamente, e que teve a
partir de janeiro de 2010, 89% das tarifas entre a ASEAN-6 e a China reduzidas para
0%. Além disso, entre 2005 e 2010 o comércio entre ASEAN e China cresceu cerca
de 20% ao ano, os investimentos da China para a ASEAN, apesar de continuarem
em números absolutos atrás dos investimentos de Japão e Coréia do Sul para o
bloco, quintuplicaram (de US$ 0.54 bilhões de dólares para US$ 2.7bilhões), e em
2009 e 2010 o país tornou-se o maior parceiro comercial da ASEAN com
aproximadamente 11,5% do comércio do bloco.181 (WAN, 2011)
A ALCAC, deverá entrar em funcionamento em duas partes, a primeira
começou a ser implementada em 2010 com os países mais antigos do bloco e a
segunda entrará em funcionamento em 2015 com os mais membros recentes
(SAUNDERS, 2008). O acordo, que não permite a exclusão de produtos das regras
de eliminação e redução de tarifas, representa um mercado de aproximadamente 1,9
bilhões de consumidores com um PIB conjunto de quase US$ 6 trilhões (dados de
2008), e se constitui na maior área de livre comércio do mundo, em termos de
mercado de consumo, até então182, cobrindo 90% do total do comércio estabelecido,
abrangendo 93% das exportações para a China e 90% daquelas para a ASEAN. Há,
contudo, diversos produtos na lista de exceções, o que pode permitir o
enfraquecimento do escopo da ALCAC. (SAUNDERS, 2008).
O FTA ASEAN-Coréia do Sul, apesar de mais modesto se em comparação
direta com os acordos de livre comércio de China e Japão, segue o mesmo
esquema do FTA chinês com a associação, e foi inclusive o primeiro acordo de
liberalização de comércio bilateral no qual a Coréia do Sul se engajou. A
aproximação entre Coréia do Sul e a ASEAN, para o estabelecimento de um FTA,
180
Ibid.
181
Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf
182
Disponível em:http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf
143

assim como aconteceu com a China, se iniciou com um Acordo Quadro de


Cooperação Econômica Abrangente ASEAN- Coréia do Sul em 2005. Em 2006 foi
assinado e em 2007 foi implementado o acordo de comércio de bens e também
assinado o acordo comercial de serviços com todos os países da associação com
exceção da Tailândia que entrou nos dois acordos em 2009, mesmo ano que o
acordo de investimento foi assinado.
Sob o acordo comercial de bens, as exportações da ASEAN vivenciaram
amplo acesso aos mercados sul-coreanos a partir de 2006 e livre acesso já em 2010
quando a Coréia do Sul eliminou todas as tarifas da lista de produtos normais. Em
reciprocidade os países da ASEAN-6 (com exceção da Tailândia que ainda não fazia
parte) praticariam tarifas zero para todos os produtos da lista de produtos normais,
para importações provenientes da Coréia do Sul. Em 2012 é esperado que todas as
impostas pela ASEAN para a lista de produtos normais da Coréia do Sul sejam
eliminadas, e para os países mais recentes da ASEAN foi estabelecido um período
mais longo para as reduções e eliminações de tarifas: 2013 para o Vietnã e 2015
para os demais que passarão do esquema de redução de pelo menos 50% para 0 a
5% de tarifa.183
Tanto o estabelecimento do acordo comércio de serviços bem como do
acordo de investimento entre ASEAN e Coréia do Sul seguem os mesmos princípios
e objetivos das suas contrapartes entre China e ASEAN. Foi 2010, a exemplo da
China, que foi estabelecida a Área de Livre Comércio entre ASEAN e Coréia do Sul
(ALCACS) que movimenta cerca de US$100 bilhões em comércio por ano. 184 (WAN,
2011) Uma característica em destaque do FTA ASEAN-Coréia é que diferente do
chinês ele possui um acordo assinado em 2005 que estabelece um Mecanismo de
Resolução de Disputas para ser aplicado entre os membros sobre qualquer questão
relativa aos acordos implementados pelo grupo.185
Por outro lado, o acordo comercial em forma de CEP proposto e assinado
pelo Japão com apenas os países da ASEAN-6 apresenta uma menor extensão que
o FTA ASEAN-China, mas possui indícios de ter maior força em termos efetivos, já
que a lista de exclusão do acordo chinês é extensa. (SAUNDERS, 2008) Isso se dá

183
Disponível em:http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf
184
Disponível em: http://www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf
185
Disponível em:http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf
144

uma vez que envolve a eliminação pelo Japão de tarifas da lista de produtos normais
de 93% do valor das suas importações da ASEAN, e a eliminação pela ASEAN-6 (e
também o Vietnã, que entrou depois no acordo) de 90% das tarifas de importação da
lista de produtos normais do Japão em 10 anos.186 Para Laos, Camboja e Myanmar
que entraram depois não só na ASEAN, mas também no FTA ASEAN-Japão, haverá
um prazo de 13 anos, ou seja, para a redução de 90% de suas tarifas dos produtos
da linha de produtos normais. Para produtos da lista sensível e altamente sensível o
nível de liberalização e redução é negociado bilateralmente entre os países da
ASEAN e o Japão.187
A parceria ASEAN-Japão inclui desde seu início um acordo de comércio em
produtos e serviços, além de cooperação econômica e de investimentos, e nos
últimos anos incluiu os demais países da ASEAN, que inicialmente foram deixados
de fora (SAUNDERS, 2008). O acordo, que irá levar mais produtos e serviços a um
menor custo e com eliminação de tarifas – ou ao menos redução – para diversos
países da região, a médio e longo prazo ajudará a melhorar o padrão de vida da
população dos Estados que fazem parte do grupo.188
A CEP ASEAN-Japão também foi a primeira a estabelecer uma seção para
facilitação de comércio; para o estabelecimento de Normas, Regulamentos Técnicos
e Procedimentos de avaliação de conformidade e questões Sanitárias e
Fitossanitárias bem como a primeira a elaborar uma seção própria para cooperação
econômica entre os membros.189 (WAN, 2011) Com o estabelecimento da CEP, em
2008, o Japão se comprometeu a colocar em funcionamento a Área de Livre
Comercio ASEAN-Japão (ALCAJ) como um todo em 2018 apenas, dez anos depois
da criação da CEP, mas que terá como vantagem a vivência inicial da parceria
abrangente que poderá avançar neste período de tempo, em diversos aspectos
acabando por se tornar, apesar de tardia, uma área de livre comércio melhor
estruturada e consequentemente mais profunda. Atualmente, a CEP japonesa com a
ASEAN movimenta cerca de US$ 200 bilhões, pouco atrás da FTA ASEAN-China
que movimenta não mais que US$ 230 bilhões, e é responsável por 11% de todo

186
Disponível em: http://www.bilaterals.org/spip.php?article12479&lang=en
187
www.asean.org/Fact Sheet/AEC/AEC-12.pdf
188
Disponível em:http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf
189
Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf
145

IED para a ASEAN, sendo o maior investidor externo da região, bem a frente da
China que é responsável por um pouco mais de 3,5%.190(WAN, 2011)
Os FTAs bilaterais, ou até mesmo intrabloco, nos quais a ASEAN se engaja,
apesar de possuírem diferenças relevantes, possuem também algumas
características básicas, presentes em todos os acordos de livre comércio da ASEAN
quase como ‘clausulas pétreas’:o acréscimo de novas características, o aumento do
escopo e o aprofundamento das questões tratadas; a busca pela harmonização de
políticas para evitar o efeito de spaghetti bowls ou de sobreposição de acordos; a
não utilização de uma mesma fórmula ou estrutura para diferentes FTAs entre
países diferentes; e a presença de um elemento de cooperação econômica. 191
(WAN, 2011; SEARIGHT, 2009). A Tabela 9 a seguir procura ilustrar as principais
convergências e divergências entre as FTAs de ASEAN, e ASEAN e China, Japão e
Coréia do Sul.
Acordo de Livre Acordo de Livre Parceira Econômica
Acordo de Livre
Elemento Comércio ASEAN- Comércio ASEAN- Abrangente ASEAN-
Comércio da ASEAN
China Coréia do Sul Japão
Em 10 anos a partir
Entrada em vigor da Área
1º de janeiro de 2010 1º de janeiro de 2010 1º de janeiro de 2010 da criação da
de Livre Comércio
Parceria (2008)
Tarifas:
eliminação mais que 99% no mínimo 90% no mínimo 90% no mínimo 90%
manutenção nenhuma sim (tecnologia) nenhuma nenhuma
nenhuma (mas 1% (do comércio
exclusão nenhuma 40 TL
tecnologia) total)
produtos especiais arroz e açúcar nennhum nennhum nennhum
tarifas máximas 5% (UAP) 20% SL 50% HSL nennhum nennhum
Acordos de Normas
Sanitárias e Fito-
Sim Em negociação Mínima Sim
sanitárias e de Barreiras
Técnicas ao Comércio
Sim (proteção Sim (liberalização
Agenda sob
Serviços e Investimentos AFAS and ACIA apenas para para investimento
negociação
investimento) em pauta)

Legenda:
AFAS= ASEAN Framework Agreement on Services ou Acordo-Quadro em Serviços da ASEAN
ACIA= ASEAN comprehensive investment agreement ou Acordo Abrangente de Investimentos da ASEAN
UAP= Unpreocessed Agricultural Products ou Produtos agrícolas não processados
SL= Sensitive List ou Lista Sensível
HSL= Highly Sensitive List ou Lista Altamente Sensível
TL= Trade Liberalization ou Liberalização de Comércio

Tabela 9: Acordos de Livre Comércio da ASEAN e da ASEAN com cada um dos países do '+3'. Fonte: WAN,
2011. Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf. Tradução nossa.

190
Disponível em: http://www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf
191
Disponível em: http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf
146

O EAS, um fórum de diálogos acordado em 2004, também como sugestão do


EAVG, como uma forma de reunir o Leste Asiático teve seu primeiro encontro em
2005 em Kuala Lumpur. Como já mencionado no capítulo anterior, a ideia de
estabelecer um EAS era fortalecer a ideia de um Leste Asiático além da ASEAN+3,
com a possível criação de uma futura área de livre comércio entre os países daquele
grupo, e ainda vislumbrando a construção de uma Comunidade de todo Leste
Asiático, onde não só comércio e finanças fossem tratados, mas também assuntos
de segurança, política, energia, cultura e outros. Mas a formação geopolítica deste
Leste Asiático possuía divergências desde o início entre os primeiros Estados
membros que formariam o EAS e que já faziam parte da ASEAN+3. Enquanto China
e Malásia eram a favor de que o EAS reunisse apenas os mesmos Estados
membros da ASEAN+3, que apesar de distintos, possuíam uma certa identidade
coletiva, Cingapura, Indonésia e Japão desejavam expandir o conceito de Leste
Asiático além daquilo que já existia na ASEAN+3 e entendiam que o EAS devia ser
formado ainda por Nova Zelândia, Austrália e Índia. (ACHARYA, 2009)
Outras motivações estavam por trás das escolhas de China e Japão por uma
EAS menos ou mais extensa: enquanto China preferia um EAS menos extensa com
a oportunidade ter como concorrente direto de comércio investimentos, ajudas e
consequentemente, disputa de liderança na região apenas o Japão, o Japão por sua
vez enxergava que principalmente a Índia balancear a China com seu crescimento
acelerado, mão de obra barata, PIB extenso e presença cada vez mais intensa na
região. Apesar de duas visões antagônicas para a formação da EAS, a segunda
reunião do grupo em 2007 em Cebu, já contava com a participação dos países de
Índia, Nova Zelândia e Austrália, além dos países da ASEAN+3, o que demonstrou a
vitória por parte do grupo dentro da ASEAN+3 que era a favor do alargamento da
noção de Leste Asiático. Muito se especulou sobre a criação e o estabelecimento do
EAS principalmente em relação ao futuro da ASEAN+3, que poderia cair em desuso.
Porém, no ano de 2011, durante o sexto encontro do EAS, o fórum teve uma nova
expansão quanto ao número de membros.
Participaram da mais recente reunião além dos países da ASEAN, China,
Japão, Coréia do Sul, Índia, Austrália e Nova Zelândia, EUA e Rússia. 192 A presença
dos EUA no EAS era posto em debate muito antes do país de fato fazer parte da

192
Disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/eas/pdfs/state111119.pdf
147

última reunião ocorrida em 2011.Malásia e Cingapura eram os principais opositores,


uma vez que acreditavam na ideia do Leste Asiático vinda da iniciativa da EAEG do
Primeiro Ministro malaio e apoiada pelo Primeiro Ministro de Cingapura do início da
década de 1990.(ACHARYA, 2009). Contudo, apesar da oposição não só malaia ou
cingapuriana, mas também indonésia que preferiu a entrada de Nova Zelândia,
Austrália e Índia à dos EUA e acreditava que esta formação afastaria ou diminuiria
as chances da presença norte-americana no summit, (NARAYAN, 2005 apud
ACHARYA, 2009) os EUA conseguiram tornar-se mais um dos membros do EAS.
A presença de EUA e Rússia complica de vez a noção de Leste Asiático
como pensada inicialmente por Mahathir na iniciativa da EAEG e de todos os demais
grupos regionais que foram formados na lógica da ‘asianização’ do Leste, ou seja,
do estabelecimento de grupos regionais da Ásia para Asiáticos sem a presença de
países da Ásia-Pacífico. A participação de países da região politicamente definida
como Ásia-Pacífico, como é o caso dos EUA, em grupos de integração exclusivos do
leste da Ásia, perturba toda a ideia da integração daquela região, uma vez que vem
buscando fazer parte dos instrumentos regionais do Leste Asiático pelo medo de
estar gradualmente perdendo espaço na região para China, Japão, Índia e também
ASEAN. Neste sentido, frente aos novos acontecimentos, é possível pensar mais
que antes, em uma ASEAN+3 fortalecida frente a um EAS ousado, mas esvaziado
quanto ao seu sentido de Leste Asiático devido à presença russa e norte-americana.
Sendo assim, é cada vez mais plausível pensar que a real disputa pela liderança
regional do Leste Asiático se dará através ASEAN+3 e por dentro dos mecanismos
da ASEAN+1 e outros que incluam Japão, China e os países do Sudeste Asiático.
Duas são as correntes dos que veem o futuro da ASEAN+3: os que acreditam
que este desdobramento estrutural da ASEAN irá suplantá-la, e os que acreditam
que a associação tem um papel fundamental na reorganização do Leste Asiático. A
primeira corrente costuma se apoiar no fato de a ASEAN ainda ter limitações
estruturais e ser formada por ‘peixes pequenos’ em um aquário cheio de ‘peixes
grandes’, lembrando ainda da iniciativa da EAS que aumenta ainda mais o escopo
do Leste Asiático e pode vir a diminuir a importância dos países do Sudeste Asiático
dentro dela. Aqueles que acreditam na ASEAN como parte fundamental da
ASEAN+3 costumam justificar a existência da associação como imprescindível para
a existência do +3, principalmente visto que a relação entre China, Japão e Coréia
do Sul entre eles próprios é historicamente complexa e se dá razoavelmente dentro
148

do bloco – no que tange questões de low politics, já que questões comerciais e de


high politics são tratadas bilateralmente entre eles ou entre cada um deles e a
ASEAN. (BA, 2009; NARINE, 2009; ACHARYA, 2009)
Autores como Terada (2003) acreditam que um dos maiores incentivadores
da ASEAN+3, entre os países do “+3”, é o Japão demonstrado na súbita mudança
de opinião que o país teve do momento das conversações para o estabelecimento
da EAEC, que era contra, para a criação da ASEAN+3, onde se mostrou um grande
entusiasta. No entanto, não há uma opinião concreta sobre qual país dá maiores
incentivos e se importa mais com a ASEAN+3. Narine (2009) afirma que a ASEAN+3
foi incentivada e guiada basicamente pela China, que antes de 1997 não estava
disposta a fazer parte de fóruns multilaterais, pois acreditava que através destes
esquemas era possível que outros países reunissem forças contra o Estado chinês,
mas que ainda assim desejou fazer parte da criação da ASEAN+3.

3.5. ASEAN+3 em números

A importância de analisar a ASEAN+3 em dados estatísticos bem como as FTAs


entre a ASEAN e os países do ‘+3’ e mais ainda comparar cada uma delas, umas
com as outras e também com outros grupos regionais, reside em entender a
diferença entre cada uma das iniciativas, posicionar os ASEAN+1 e a ASEAN+3
frente a outros grupos regionais com a intenção de medir sua relevância no cenário
internacional. Outro objetivo em expor os dados da ASEAN e de seu desdobramento
estrutural é projetar a capacidade que uma ASEAN+3 conjunta, e
consequentemente uma Área de Livre Comércio envolvendo os 13 países da região,
poderia ter e o que isso representaria na economia mundial.
Os dados estatísticos reunidos nos gráficos e Tabelas desta seção podem além
de montar um retrato da região, ajudar a entender qual das ASEAN+1 é mais
inclusiva, reúne maior porcentagem de PIB, comércio, população, IED e tem maior
capacidade individual de encabeçar um esquema de liderança regional via
instituições e grupos regionais. Alguns dos dados que podem dar uma ideia inicial de
cada um dos ASEAN+1 e do ASEAN+3 são números de sua população, PIB per
capita e PIB nominal conjuntos reunidos no Gráfico a baixo.
O PIB nominal da ASEAN+3 que ainda não se declarou um grupo formalmente,
mas que ainda assim possui pautas e relacionamentos comuns representa
149

atualmente um PIB que ultrapassa os US$ 14 trilhões de dólares e uma população


que reunida chega a 2 bilhões de pessoas, um montante 10 vezes maior que a
população brasileira em 2010, que chega a cerca de 190 milhões de pessoas. 193 Um
grupo regional com estes números, possui um peso significativo no cenário
internacional, mais ainda quando entre seus países membros estejam duas das três
maiores economias mundiais, China e Japão.
O Gráfico 9 abaixo mostra a comparação do PIB, PIB per capita e população da
ASEAN, das ASEAN+1 e da ASEAN+3 também nos permite analisar que apesar da
ASEAN+1 com a China ser mais antiga que a ASEAN+1 com Japão e, apesar de
China ter passado recentemente o Japão como a segunda maior economia mundial,
seus PIB conjuntos tem um volume praticamente equivalente, bem como o total de
comércio que de acordo com os Gráficos 10 e 11 tem quase o mesmo volume,
apesar da ASEAN+1 com a China estar um pouco a frente. Ainda assim, o PIB per
capita da ASEAN+1 com Japão é o mais alto entre todas as ASEAN+1 com os
países do ‘+3’. .

193
http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
150

PIB Em US$ PIB per capta


12.000,00
16.000.000,00
Milhões
14.000.000,00 10.000,00

12.000.000,00 8.000,00

10.000.000,00 6.000,00
8.000.000,00 4.000,00
6.000.000,00 2.000,00
4.000.000,00 -
2.000.000,00 ASEAN ASEAN+1 ASEAN+1 ASEAN+1 ASEAN+3
(China) (Japão) (Coréia)
-
ASEAN ASEAN+1 ASEAN+1 ASEAN+1 ASEAN+3
(China) (Japão) (Coréia)

População
2.500.000,00
Milhares

2.000.000,00

1.500.000,00

1.000.000,00

500.000,00

-
ASEAN ASEAN+1 (China) ASEAN+1 (Japão) ASEAN+1 (Coréia) ASEAN+3

Gráfico 9: PIB, PIB per capita e População de ASEAN, ASEAN+3 e as ASEAN+1 (com Japão, China e Coréia do Sul) no ano de 2010. Fonte: Banco Mundial Data Query e
CIA Factbook. Disponível em: http://databank.worldbank.org e https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2087rank.html Elaboração nossa.
151

Os dados de comércio também podem ajudar a construir o cenário do


relacionamento da ASEAN+3 com cada um dos países do ‘+3’ e vice-versa. O
Gráfico 10, que apresenta o comércio da ASEAN, intra-bloco e com cada um dos
países da +3 individualmente e reunidos mostra que o maior parceiro comercial da
associação entre os países do ‘+3’ após 2008 é a China que tomou a posição do
Japão. O Gráfico traduz ainda que desde 2009 o comércio da ASEAN com todos os
países do ‘+3’ apresentou crescimento.
Contudo, apesar do grande volume do comércio entre ASEAN e o ‘+3’ em
nenhum momento desde 2005 o comércio do bloco com qualquer um deles foi
superior que o comércio intra-bloco. Mesmo pequenos, os países da ASEAN tem
uma forte rede comercial entre si, rede esta que se intensificou a partir do início da
década de 2000 após a crise asiática de 1997. O único número que supera o
comércio intra-bloco da ASEAN desde 2006 é o comércio dentro de uma ASEAN+3
hipotética uma vez que as transações comerciais dos 13 países que formam o bloco
não ocorrem dentro deste arranjo. Outro dado interessante que pode ser extraído do
Gráfico abaixo é o comércio da ASEAN com a Coréia do Sul que apesar de
modesto, desde 2005 não apresentou nenhum momento de redução, nem mesmo
após a crise de 2008, diferente do comércio da associação com Japão e China, que
apesar de mais relevantes sofreram quedas ou diminuições em um ou mais
momentos entre os anos de 2005-2010.
A partir da análise do Gráfico abaixo é possível perceber a potencialidade da
criação de uma ASEAN+3 unida, principalmente no que diz respeito ao comércio a
partir de uma Área de Livre Comércio entre os países da ASEAN e do ‘+3’. O Gráfico
11, que aponta o comércio total de cada um dos países do ‘+3’ com seus vizinhos do
Nordeste Asiático, com a ASEAN como um todo e com a hipotética ASEAN+3,
reitera a ideia de que uma ASEAN+3 unida criaria um comércio muito mais robusto
na região.
Apesar do Gráfico 11 mostrar o comércio de China, Japão e Coréia do Sul com a
ASEAN+3 como a soma do comércio de cada um desses países com seus dois
vizinhos do Nordeste Asiático e com a ASEAN+3, é razoável pensar que com a
criação da ASEAN+3 unida, o fluxo comercial entre estes países aumentaria
consideravelmente, uma vez que barreiras não-tarifárias, bem como tarifas
comerciais de bens e serviços seriam reduzidas consideravelmente senão
eliminadas entre grande parte dos produtos comercializados entre os Estados, que
152

também teriam um programa de investimento mais direcionado e possivelmente


mais eficiente, o que fatalmente aumentaria mais ainda as boas condições para a
troca comercial e seus benefícios.

Gráfico 10: Comércio Total da ASEAN, intra-bloco, com os países do ‘+3’ e com a ASEAN+3 hipotética de 2005
a 2010. Fonte: WAN, 2011 Disponível em: www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf . Tradução Nossa.
153

Milhões US$ Total de Comércio da China


1000000,00

800000,00

600000,00 Coréia do Sul


Japão
400000,00 ASEAN
ASEAN+3
200000,00

0,00
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
1997
1998

Milhões US$ Total de Comércio do Japão


700000

600000

500000
Coréia do Sul
400000
China
300000
ASEAN
200000 ASEAN+3
100000

0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006

2009
2010
1997
1998
1999

2007
2008

Milhões US$
Total de Comércio da Coréia do Sul
450000
400000
350000
300000
Japão
250000
China
200000
150000 ASEAN

100000 ASEAN+3
50000
0
1998
1999

2002
2003

2006
2007

2009
2010
1997

2000
2001

2004
2005

2008

Gráfico 11: Total de Comércio de China com Japão, Coréia do Sul, ASEAN e ASEAN+3 hipotética; de Japão com
China, Coréia do Sul, ASEAN e hipotética ASEN+3 e de Coréia do Sul com Japão, China, ASEAN e ASEAN+3
hipotética de 1997 a 2010. Fonte: Asian Regional Integration Center –ARIC. Disponível em:
www.aric.adb.org/indicators Elaboração nossa.
154

O Gráfico 11 também nos permite concluir que dentro do cenário hipotético da


ASEAN+3 unida de acordo com o cenário atual, a China seria sua maior parceira
seguida por Japão e Coréia do Sul. Já o Gráfico 12 completa o que o Gráfico 11 ao
apresentar a representação do comércio de cada um dos parceiros da região no
comércio total da ASEAN. Através dos ASEAN+1, tanto China como Japão no ano
de 2009 representaram 10% do comércio total da ASEAN – que já sofreu
modificações no ano de 2010 quando a China passa ligeiramente a frente do Japão
no posto de maior parceiro econômico da ASEAN como demonstrou o Gráfico 10.
Através da análise do Gráfico abaixo é possível perceber que o comércio das
ASEAN+1 com China, Japão e Coréia do Sul somados representam quase ¼ de
todo comércio da ASEAN, o mesmo que representa o comércio intra-bloco para a
associação, o que significa que os 13 países da ASEAN+3 são responsáveis pelo
total de quase 50% de todo comércio da ASEAN enquanto o restante do mundo é
responsável pela outra metade.

ASEAN
25%

Outros
China
51%
10%

Japão
10%
Coréia do
Sul
4%

Gráfico 12: Representação do comércio de cada um dos parceiros no Comércio Total da ASEAN, 2009. Fonte:
ASEAN Merchandise Trade Statistics Database. Disponível em: www.aseansec.org/18137.htm. Elaboração
nossa.

A partir das informações dos Gráficos 10 e 11, mas particularmente do


Gráfico 12, é possível argumentar que enquanto a ASEAN representa ¼ de seu
próprio comércio e os países do ‘+3’ outro ¼, a formação de uma ASEAN+3 unida
além de reunir um mercado substancial de cerca de US$ 2.9 trilhões apenas na
região do Leste Asiático, ou seja, excluindo o comércio total da ASEAN+3 com o
155

restante do mundo, cerca de US$ 4.49 trilhões (comércio intra e extra bloco
corresponderia a um total de US$ 7.44 trilhões), poderia garantir uma elevada
estabilidade comercial à região, que apesar de manter um comércio amplo com o
resto do mundo, demonstra uma crescente interdependência e um robusto comércio
intra-bloco.

Comércio Total, em milhões US$


Parceiro 2010
ASEAN+3
Mundo 7.443.043,46
ASEAN+3 2.950.048,83
ASEAN 1.149.982,65
Tabela 10: Comércio total da ASEAN+3 hipotética com o mundo, com a ASEAN+3 e com a ASEAN, 2010. Fonte:
ARIC Disponível em:
http://aric.adb.org/indicators.php?sort=country&filter=all&r_indicators[]=TRTRADER_DOT&r_reporters[]=ASEAN
%2B3&r_partners[]=World&r_partners[]=ASEAN&r_partners[]=ASEAN%2B3&r_years[]=2010

Os fluxos de IED bem como suas origens são o que costumam caracterizar os
principais parceiros de um país, região e/ou grupo de países, são responsáveis por
grande parte do desenvolvimento do país, principalmente o econômico e também
podem ajudar a entender a importância que cada país do “+3” dá a ASEAN. No
Leste Asiático, desde 2005 as taxas de IED dos países do “+3” para a ASEAN estão
em uma tendência de crescimento, com exceção do período da crise de 2008,
quando os IEDs sofreram uma baixa não só na região, mas em todo o mundo. A
única exceção a esta regra é a China que foi na contra-mão de uma tendência de
todo o Leste Asiático em relação aos IED’s no ano de 2009 quando diminuiu seus
investimentos externos para a ASEAN ao passo que não só Japão e Coréia do Sul
como também a ASEAN aumentaram significativamente seus IED’s com a
associação como demonstra o Gráfico 13.
Além de diminuir seu IED para a ASEAN entre os anos de 2009 e 2010, a
China também é o país do Leste Asiático que menos investe na associação, como é
possível observar nos Gráficos 13 e 14, este último mais claramente aponta que o
IED chinês para a ASEAN em 2010 é menor ainda que o IED sul-coreano, o mais
modesto dos três países do Nordeste Asiático, para a associação. Alguns estudiosos
como Saunders (2008), explicam este fenômeno afirmando que a diplomacia
econômica chinesa acredita que os países asiáticos estão sendo beneficiados,
mesmo que indiretamente, pelo rápido crescimento da economia da China, e que por
156

este motivo a questão do baixo IED do país para o Sudeste Asiático através da
ASEAN pouco relevante.
Considerando que o IED pode ser uma forma de identificar parceiros
regionais, e mais ainda Estados ou grupo de Estados que acreditam no futuro da
instituição, que possuam interesses políticos e comerciais no grupo e que
justamente por isso invistam na região, é possível identificar a partir dos Gráficos
abaixo, que entre os países do ‘+3’ o Japão, e a própria ASEAN como os maiores
incentivadores do bloco. Os EUA também possuem um elevado montante de IED
enviados para a ASEAN devido ao alto interesse que o país tem nos agrupamentos
regionais do Leste bem como do Sudeste Asiáticos, não só aqueles que o país faz
parte, mas também nos que não está presente, principalmente pela preocupação de
se tornar cada vez menos relevante na região frente a aproximação dos países. O
IED dos EUA para a associação pode funcionar como uma maneira de se fazer
presente mais do que de incentivar o grupo, o que não exclui sua parcela de
importância.

Gráfico 13: Fluxo de Investimento Externo Direto para a ASEAN dos países do “+3” e da hipotética ASEAN+3 de
2005 a 2010. Fonte: WAN, 2011. Disponível em:www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf Tradução nossa.
157

Origem do IED para a ASEAN em 2010


China Coréia
4% 5%

Japão
11%
Resto do Mundo
31%
UE
22%
Intra ASEAN
16%
EUA
11%

Gráfico 14: Origem do Investimento Externo Direto para a ASEAN no ano de 2010. Fonte: WAN, 2011.
Disponível em: www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf. Tradução nossa.

Os números da importação e exportação de cada um dos países do ‘+3’ para


o Leste Asiático, conforme mostra o Gráfico 15, apontam os países que mais se
envolvem com a região ou que mais dependem dela em questões de exportação e
importação. Ao analisar que Coréia do Sul e Japão são, entre os países do Nordeste
Asiático, os que têm maior porcentagem de sua importação e exportação total
proveniente do, e destinada para o Leste Asiático é possível concluir que tais países
vem se dedicando cada vez mais a região e dando a ela um status de maior
destaque, não só em períodos mais recentes mas desde pelo menos o ano de 1998,
um ano após a crise asiática.
Por outro lado, a China vem diversificando cada vez mais seus parceiros nas
últimas duas décadas. Apesar de as exportações da China para o Leste da Ásia e as
importações da China provenientes da região possuírem um valor absoluto robusto,
como indica a Tabela abaixo, a importância que japoneses e sul coreanos dão ao
Leste Asiático, traduzida no valor das importações e exportações totais que estão
envolvidos, com elevado crescimento desde a crise de 1997, ou seja, desde o
momento que o ASEAN+3 foi criado e o compromisso regional foi assumido, pode
dizer muito a respeito da forma de liderança regional que cada um dos países do ‘+3’
pode vir a assumir caso demonstre condições para tal.
158

Percentual de exportações para a Percentual de importações da Região


Região do Leste Asiático do Leste Asiático
50 50
45
45
40
35 40
China China
% 30 %
25 Japão 35 Japão
20 Coréia do Sul Coréia do Sul
30
15
10 25

1998

2000

2003

2006

2009
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010

1997

1999

2001
2002

2004
2005

2007
2008

2010
Gráfico 15: Percentual de Exportação e Importação de China, Japão e Coréia do Sul para a região do Leste Asiático (1997 a 2010). Fonte: ARIC Disponível em:
www.aric.adb.org/indicator . Elaboração nossa.

Porcentagem da Porcentagem da Valor absoluto das Valor absoluto das


Total Importação - Total de Exportação - Importação do Leste Exportação para o importações do Leste exportações para o
Mundo (US$) Mundo (US$) Asiático(%) Leste Asiático (%) Asiático (US$) Leste Asiático (US$)
China 1.520.500.000.000 1.752.600.000.000 33,62 20,71 511.192.100.000,00 362.963.460.000,00
Japão 768.048.484.918 830.619.774.749 40,78 42,09 313.210.172.149,56 349.607.863.191,85
Coréia do Sul 503.205.542.965 531.504.420.186 45,92 44,05 231.071.985.329,53 234.127.697.091,93
Tabela 11: Total de Importação e Exportação para o mundo e para o Leste Asiático e Porcentagem de Importação e Exportação para o Les te Asiático de China, Japão e Coréia
do Sul (2010) Fonte: ARIC e Banco Mundial Data Query. Disponível em: www.aric.adb.org/indicator e www.databank.worldbank.org
Elaboração nossa.
159

O Gráfico 16 – último desta seção – faz uma comparação final da ASEAN+3


frente a alguns outros blocos regionais. A ASEAN+3 apesar de não existir
formalmente como um grupo que aumenta e liberaliza seu comércio intra-bloco
através da redução/eliminação de barreiras e tarifas, diminuição custos de
transação, aumento do fluxo de IED, e aprofundamento em questões comerciais,
financeiras, energéticas, alimentares e outras, pode ser representada através da
soma do PIB, comércio e população da ASEAN, Japão, Coréia do Sul e
China.Partindo destes dados, uma ASEAN+3 representa para o cenário
internacional um bloco econômico que reúne a maior população mundial quando
comparada a UE, ao NAFTA, ao MERCOSUL e a própria ASEAN; o segundo maior
comércio total atrás apenas da UE; o terceiro maior PIB depois de NAFTA e UE, e
um dos menores PIB per capita entre os blocos comparados, maior apenas que o da
ASEAN, o que pode ser explicado por sua enorme população.

O que o Gráfico 16 pode provar é a potencialidade da criação de uma


ASEAN+3 que envolva de fato os países do Nordeste Asiático nas questões
comerciais com a ASEAN e entre si. Mais ainda, sabendo da centralidade que a
ASEAN possui na região do Leste Asiático, funcionando como hub dentro de um
sistema de hub and spoke, e o fato de ter Japão e China, países de extrema
importância para o comércio mundial, e que não fazem parte de nenhum bloco
comercial com liberalização de comércio, é plausível concluir que uma ASEAN+3
ativa e funcional seria um dos poucos blocos capazes de fazer frente a UE em total
de comércio, PIB e peso político nas relações internacionais.

Um dos principais diferenciais de uma ASEAN+3 consolidada, se comparada


à UE, giraria em torno da flexibilidade do acordo, o que representa uma diferença
sensível para o bloco. Devido às características do ASEAN-Way, que seriam
fatalmente transportadas para a ASEAN+3, a associação contaria com um nível
institucional baixo, que apesar de poder acarretar outros problemas como falta de
coordenação de políticas, correndo o risco de diminuir a credibilidade do bloco, não
o levaria a uma série de outros problemas enfrentados atualmente pela UE. Se uma
análise for feita a partir do comércio total e do PIB nominal dos blocos, a ASEAN+3,
figuraria em um patamar bastante confortável se comparada a UE, uma vez que
mesmo sem todas as ‘amarras’ de um bloco econômico institucionalizado,
apresentaria um bom desempenho regional e internacional.
160

População PIB per capta


2.500 40.000,00 37.668,06
Milhões

2.106
35.000,00 32.310,66
2.000
30.000,00

1.500 25.000,00

Em US$
20.000,00
1.000 15.000,00
591 10.259,10
457 502 10.000,00 6740,820644
500
245 3.037,35
5.000,00
- -
Mercosul Nafta UE ASEAN ASEAN+3 Mercosul Nafta UE ASEAN ASEAN+3

Total de Comércio PIB


10.000.000 9.083.000 20.000,00

Bilhões
9.000.000 18.000,00 17.198,58
16.222,78
8.000.000 7443043,46 16.000,00 14196,12919
7.000.000 14.000,00
Em Milhões

6.000.000 12.000,00
5.000.000 10.000,00
4.000.000 3.587.000 8.000,00
3.000.000 2.002.057,00 6.000,00
2.000.000 4.000,00 2.515,22
1.796,20
1.000.000 510.000 2.000,00
- -
Mercosul Nafta UE ASEAN ASEAN+3 Mercosul Nafta UE ASEAN ASEAN+3

Gráfico16:Comparação Fonte: ASEAN-Japan Centre, Banco Mundial Data Query e ARIC. Disponível em: http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/Latest_Statistics.html,
www.databank.worldbank.org e www.aric.adb.org/indicator
161

3.6. Considerações Finais

A região do Sudeste Asiático sempre foi uma das mais importantes rotas
naturais para o comércio mundial devido a sua posição geográfica estratégica, o que
faz com que os países da região se aproveitem desta localização privilegiada.
Apesar da proximidade dos países, parecia difícil imaginar uma associação regional
que reunisse países tão diferentes quanto os que fazem parte da ASEAN.
(JOVANOVIC, 2006). E foi igualmente difícil imaginar um esquema de integração
que envolvesse além dos diferentes países que formam o Leste Asiático, aqueles
que se encontram no Nordeste Asiático e que tem um passado histórico de
inimizade não só durante a Guerra Fria ou Segunda Guerra, mas bem antes disso.
Ainda assim, ASEAN e ASEAN+3 figuram entre os principais grupos regionais da
Ásia e se encontram no centro de outras organizações regionais existentes como o
ARF e outras que já são comentadas e estudadas e que podem em alguns anos
tornarem-se de fato concretas como o EAS, que apesar de já existir não tem um
escopo definido, e a Comunidade do Leste Asiático.
Frente ao cenário do Leste Asiático, onde países antes inimigos hoje mantêm,
senão amizade, respeito mútuo (apesar de preservarem também desconfiança entre
si) é papel da ASEAN trazer a cooperação e coordenação de políticas – mesmo que
a um nível limitado – entre esses Estados dentro da ASEAN+3, unificando e
fortalecendo o Leste Asiático, agindo como um mediador, uma vez que nem sempre
se verifica na região um “Concerto de Poderes” entre os atores mais relevantes, que
ainda disputam influência. O grande trunfo da ASEAN no Leste Asiático como um
todo é ser uma instituição pensada, erguida e mantida por países pequenos, de
pouca relevância internacional se comparados aos países do Nordeste Asiático. As
inimizades históricas impediriam que Japão, China e Coréia do Sul se reunissem
dentro de um escopo regional criado por qualquer um deles. O fato de reunirem-se
sob prisma da ASEAN na configuração da ASEAN+3, mesmo que as relações
comerciais entre eles não se deem dentro da associação, ou que ainda não exista
formalmente uma Área de Livre Comércio da ASEAN+3, dá a ASEAN um papel
central na região, e um grande peso e importância a associação. (NARINE, 2009).
Terada (2003) mostra que com menor pressão norte-americana para com o
estabelecimento da ASEAN+3 que para a criação da EAEC, o Japão sentiu-se mais
livre para participar ativamente deste desdobramento estrutural da ASEAN,
162

principalmente porque entendia que era possível que os EUA mantivessem relações
próximas com a região através da APEC nas áreas comercial e de investimentos, e
do ARF no campo de segurança. Desta forma, motivado pelo interesse político na
associação onde poderia desenvolver uma política de diálogos com os outros dois
países do Nordeste Asiático que, apesar de próximos geograficamente, estavam
distantes devido ao passado histórico que dividiam, o Japão engajou-se no
estabelecimento de encontros dentro da ASEAN+3: um deles seria um encontro de
diálogos entre os líderes de China, Coréia do Sul e do próprio Japão, e o outro, um
encontro de Ministros das Relações Exteriores da ASEAN+3. Ambas as propostas
iniciadas pelo Japão obtiveram frutos: o encontro de líderes do Nordeste Asiático
tornou-se um encontro trilateral anual e formal, que apesar de ter cessado no ano de
2005 durante o governo Koizumi no Japão (ARRIGHI, 2007), foi retomado no ano
seguinte e segue com encontros periódicos, inclusive entre seus Ministros de
Relações Exteriores, declarações de cooperação em diversas áreas como
segurança nuclear, gerenciamento de desastres naturais, promoção de energia
limpa e sustentável, bem como a escolha de uma sede para o grupo – na Coréia do
Sul com a eleição de secretários-gerais rotativos a cada ano de cada um dos três
países – além da perspectiva de um plano de livre-comércio a ser apresentando no
ano de 2012194; e o encontro de Ministros das Relações Exteriores da ASEAN+3 deu
início ao formal Encontro anual dos Ministros das Relações Exteriores em 2000. Tais
iniciativas demonstravam o pioneirismo japonês além de seu interesse político e
econômico por uma aproximação regional cada vez maior, e uma identidade do
Leste Asiático.

O crescimento do apoio japonês nos encontros da ASEAN+3 foram paralelos ao


crescente apoio de China e Coréia do Sul, e o empurrão dos três países do
Nordeste Asiático para os encontros da ASEAN+3 funcionarem, tornaram-se outro
fator de grande peso por trás do desenvolvimento desta instituição regional,
195
consolidando uma identidade do Leste Asiático. (TERADA, 2003, p.269, tradução
nossa).

Por outro lado, Narine (2009) enxerga a China como uma das principais
fomentadoras da ideia da ASEAN+3, não só por seu papel durante a crise, que

194
Disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/jck/summit.html; http://www.mofa.go.jp/region/asia-
paci/jck/summit1105/declaration.html; http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/jck/fm.html
195
O texto em língua estrangeira é: Japan’s growing support for the ASEAN+3 meetings has been paralleled by
that of China and Korea, and three Northeast Asian countries’ push for the ASEAN+3 meetings has become
6another major factor behind the development of this regional institution, consolidating an East Asian identity.
163

mudou a forma como o Estado chinês enxergava as instituições multilaterais, antes


com receio, mas naquele momento como uma forma de alcançar uma liderança
regional, liderança esta que fora enxergada inicialmente pelos países menores de
região no momento da crise, tendo em vista o papel chinês e a ausência de atitudes
de liderança de EUA e Japão. (BA, 2003 apud NARINE, 2009). A autora enxerga o
papel da China na ASEAN+3 como proeminente, mas não vê a instituição como um
mero instrumento da política externa chinesa, uma vez que a ASEAN tem o poder de
reunir os interesses dos 13 Estados que fazem parte da organização. Muitos destes
interesses são comuns à China que apoia o papel da ASEAN de unir os países do
Leste Asiático sob suas normas flexíveis e sua estrutura regional como uma forma
de reiterar seus valores regionais, mostrar respeito aos países formadores da
ASEAN – menores e mais fracos em comparação a China – e desta forma controlar
o medo do surgimento de um Estado chinês forte e regionalmente dominante no
futuro. (NARINE, 2009).
São muitas as questões que envolvem a ASEAN, a ASEAN+3, o Leste
Asiático e Japão e China e suas respectivas demonstrações de interesse e liderança
na região. Uma das questões importantes a ser entendida é que a nova arquitetura
do Leste Asiático, formada por diversos processos de cooperação regional entre
eles a ASEAN, a ASEAN+3, o EAS, a APEC, o ARF e outros podem gerar tanto
cooperação quando competição entre as potências regionais, inclusive disputas pela
liderança regional. (GILL & GREEN, 2009). As potencialidades de Japão e China
como possíveis líderes dentro da ASEAN+3, com o intuito de tornarem-se
consequentemente líderes regionais, e o que até o momento já é feito por ambos os
países na busca por esta liderança, ou ao menos por maior influência sobre o bloco
e seus países membros, serão questões discutidas no próximo capítulo.
164

4. A DISPUTA PELA LIDERANÇA REGIONAL NO LESTE ASIÁTICO: CHINA,


JAPÃO E OS MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL.

4.1. Considerações Iniciais

O Leste Asiático se tornou uma região comercial e economicamente ainda


mais importante a partir do final da Guerra Fria não só porque foi quando o já
existente mecanismo de integração regional, que até então envolvia apenas o
Sudeste Asiático, se redirecionou de uma estrutura que visava basicamente a
segurança para uma outra que prezava o desenvolvimento regional a partir do
comércio, mas também porque Japão e China deixavam a disputa ideológica de lado
para partirem para uma direção cada vez mais própria, principalmente no que diz
respeito a economia, as finanças e o comércio. O incrível crescimento japonês na
década de 1980 e as reformas econômicas chinesas que se fortaleceram também a
partir desta década tornaram ambos os países importantes atores na região.
A continuidade deste crescimento, não só de Japão e China, mas também
dos países do Sudeste Asiático – dentre eles os Tigres Asiáticos – continua voltando
os holofotes para a região e tudo que faziam em relação a política, economia,
integração e liderança. Nos últimos anos, a China ultrapassou o Japão como a
segunda maior economia mundial, contudo, apesar de ter passado por crises como
a bolha inflacionária nos anos de 1990, e a mais recente crise nuclear originada por
um desastre natural que causou o primeiro déficit comercial do país em 31 anos 196
(NAKAMICHI,2012), o Estado japonês permanece no ranking das maiores
economias atrás apenas de EUA e China.
Mesmo com tamanho crescimento individual de cada um dos dois gigantes do
Leste Asiático, a região a sua volta parece se importar cada vez mais para Japão e
China, que apesar de manter comércio e relações com o restante do planeta,
consideram o espaço geográfico em que estão alocados imprescindível na busca
por parceiros comerciais, econômicos, financeiros e políticos. Com o crescimento e a
relevância local e global dos mecanismos de integração regional, principalmente da
ASEAN e do seu desdobramento estrutural, a ASEAN+3, que envolve justamente os
países mais poderosos da região (China, Japão e Coréia do Sul) além dos

196
Disponível em: http://online.wsj.com/article/SB10001424052970204909104577235261220455488.html
165

localizados no Sudeste Asiático, faz-se fundamental a atuação de ambos os países


dentro destas estruturas regionais. Torna-se cada vez mais importante ter os países
que formam a ASEAN ou a entidade como um todo como aliado regional para os
mais diversos assuntos, inclusive representação e legitimidade em órgãos e
instituições internacionais.
Ser um líder regional inclui diversas atribuições, mas também atrai benefícios
para aquele que é entendido pelos demais como representante da região frente às
demais regiões e aos países que são vistos como líderes no sistema internacional
como um todo. A disputa pela liderança da região do Leste Asiático parece ser clara
nos últimos anos tendo em vista os movimentos cada vez mais ‘competitivos’ de
Japão e China voltados para a os membros da ASEAN e a associação como um
todo. Apesar de ter sido o Japão o primeiro país de peso a se interessar pela
integração na região e comprar a ideia de um Leste Asiático reunido ainda na
década de 1970, desde que a China abriu-se para instituições e associações de
âmbito regional e global no final da década de 2000, uma corrida entre japoneses e
chineses para aumentar e melhorar as relações com os países da ASEAN se mostra
visível. “Quando ser membro de uma mecanismo regional é determinante, quem
provavelmente irá possuir a posição de líder se torna claro. O que é importante é a
posição de líder, e não o comportamento de liderança.”197 (YOUNG, 1991 apud
HAMANAKA,2008, p. 67, tradução nossa).

Muitas são as questões envolvidas quando o assunto é a liderança regional


por China ou Japão na região do Leste Asiático. O passado imperialista e colonial do
Japão, o crescimento em ritmo acelerado da cada vez mais competitiva e militar
China são apenas duas facetas que podem ser levantadas quando o assunto é
colocado em pauta. Entretanto, outros tantos questionamentos podem ser feitos
quando pensamos que japoneses e chineses podem estar disputando a preferência
dos seus Estados vizinhos e que apesar de menores possuem importância direta
para o comércio, as finanças e as decisões políticas que são tomadas no âmbito da
ASEAN ou até mesmo fora dela, mas que são altamente influenciados pelas
alianças invisíveis e históricas, bem como por rivalidades antigas entre os membros
da associação.

197
O texto em língua estrangeira é: When membership of a regional framework is determined, who is likely to
hold the leading position in it becomes clearer. What is important is the leading position, not the leading behavior.
166

Qual é o verdadeiro objetivo da busca pela liderança regional, quais são os


benefícios para o líder, que tipo de liderança se estabeleceria, que impactos esta
disputa traz para a integração da região, de que forma ambos os países utilizam os
mecanismos de integração regional para perpetuar esta disputa e qual é o país com
maiores condições de liderar a região são apenas alguns dos questionamentos que
podem ser feitos quando é colocado em evidência o tema abordado por esta
pesquisa. A intenção deste capítulo é, antes de tudo, buscar a resposta para a
maioria destas questões baseando-se em fatos já ocorridos, enfatizando o
esclarecimento de que tipo de relação cada país que disputa a liderança teve mais
recentemente e tem com a região e como é ou poderia ser cada uma das lideranças
em questão.
No intuito de desenvolver estas questões, este capítulo é dividido em três
seções principais, além das considerações iniciais e finais. A primeira delas procura
fazer um breve histórico bem como analisar as relações que o Japão tem com a
ASEAN e a ASEAN+3; a segunda pretende fazer o mesmo, mas com a China. A
terceira seção busca mostrar os diferentes tipos de liderança que cada um dos
países apresenta quando voltados para a região do Leste Asiático, visando
identificar ainda qual dos dois países preenche melhor e em maior número os
quesitos que Young (1991) e Dent (2008) colocam como necessários para um líder.
As Considerações Finais procuram reunir não só os impactos que a disputa pela
liderança regional causa e poderá causar nos mecanismos de liderança regional,
bem como a real influência de Japão e China dentro da ASEAN e da ASEAN+3 e a
maneira como isso pode pender positiva ou negativamente para cada um dos países
dentro da disputa.

4.2. A relação entre Japão, a região e os mecanismos de integração


regional: ASEAN e ASEAN+3

A estratégia nacional japonesa tem sido guiada basicamente da mesma forma


desde o final da Era Tokugawa e o início da Restauração Meiji procurando atingir
suas metas de política externa oscilando entre momentos de alianças bilaterais e
multilaterais. (FUKUSHIMA, 2009). Esta forma de encarar a política externa é
ilustrada no livro de fantasia de 1887 “A Discourse by Three Drunkards on
Government” de Nakae Chomin escrito em um período onde o Japão buscava se
167

modernizar. O enredo do livro, cujo escritor estudou na França e ficou conhecido


como “o Rousseau do Leste”, traz um discurso imaginário entre três pessoas que
enquanto bebem debatem sobre o futuro do país: um deles é um ‘cavaleiro de
aprendizado ocidental’, que se veste como um Europeu e defende a democracia, os
direitos individuais e o desenvolvimento econômico; o segundo é ‘o campeão do
Leste’ trajando roupas feudais tradicionais de um samurai e fala a favor de uma
estratégica de realpolitik198 de expansão militar para não permitir que China ou Grã
Bretanha surgissem como potências imperiais na Ásia. O terceiro personagem é
aquele que dá ouvido aos dois e conclui que o país deve equilibrar as duas
abordagens e formas de fazer política externa, ou seja, adotando a democracia e o
desenvolvimento econômico enquanto expande o poder japonês pela Ásia. (GREEN,
2008).
Mesmo que o equilíbrio entre o homem do ocidente e o homem do Japão
feudal tenha pautado a forma de fazer política externa no país, diversos foram os
instrumentos utilizados para perseguir o objetivo de alcançar o respeito e a
autonomia do sistema internacional baseando-se em cálculos da força geopolítica da
China e na acomodação do país dentro da estrutura de poder já existente. Por
diversas vezes, desde o final do século XIX, o equilíbrio pendeu mais para um lado
que para o outro dependendo de que ferramenta era utilizada para alcançar seus
objetivos externos. Do início da restauração Meiji até meados do século XX, o país
adotou o princípio da ‘nação rica, exército forte’ utilizando-se do aprendizado
ocidental para construir riqueza e com isso criar exército e marinha fortes, seguindo
o pensamento do homem do Japão feudal do livro de Nakae Chomin. Dos anos de
1860 a 1938 a participação do Japão no PIB mundial cresceu de 2,6% para 3,8%
apontando o bom resultado da estratégia anterior; entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do século XX com a derrota de China e Rússia pelo exército
japonês um sentimento idealista de nacionalismo emergiu e os estrategistas
japoneses acreditaram ser possível sustentar um pan-asianismo baseado no
‘espírito japonês e no aprendizado ocidental’. (IBID).
Esta estratégia, no entanto, logo foi abandonada uma vez que o imperialismo
japonês dominou sua política externa, quando o país passou a agir de maneira

198
O termo refere-se a política ou a diplomacia baseada principalmente no poder e em fatores práticos e
materiais no lugar de noções ideológicas ou moralistas ou premissas éticas. A este respeito, a realpolitik
compartilha aspectos de sua abordagem filosófica com os de realismo e o pragmatismo.
168

opressora sobre as nações vizinhas, o que se agravou ainda mais com o


alinhamento com a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. A derrota do
Eixo levou o país a ter que se acomodar no novo sistema internacional de poder do
pós-Guerra sob o comando norte-americano, além de precisar realinhar todas as
suas instituições para buscar novamente poder e autonomia no novo cenário
internacional. Foi também no contexto de reconstrução depois da derrota na
Segunda Guerra que com a Doutrina Yoshida199, foram estabelecidas instituições
democráticas, a aliança com os EUA, bem como a constituição pacífica do país.
Desta forma, o Japão atuaria com maior enfoque nas áreas econômica e
financeira enquanto os EUA seriam os responsáveis por assegurar a integridade
militar do país, principalmente com o advento da Guerra Fria. Foi inclusive durante a
Guerra Fria que os pensadores estratégicos do país acreditaram que o modelo de
crescimento econômico japonês possibilitaria o país a se tornar um ator dominante
no século XXI, com autonomia para estabelecer sua política externa de forma
independente sem a necessidade de elementos militares. Entretanto, a bolha
financeira de 1990 impossibilitou que esta estratégia fosse levada a diante, o que fez
com que o país assistisse o crescimento chinês, inclusive em questões militares,
sem poder utilizar-se de sua interdependência econômica para moldá-lo a seu favor.
(IBID)
Apesar de ter participado do sistema pouco efetivo de alianças multilaterais
na região no período entre guerras, e ter procurado criar sua própria Esfera de Co-
Prosperidade da Grande Ásia Oriental, que seria composta pela Manchúria, China,
partes do Sudeste Asiático e liderada pelo Japão, durante a Segunda Guerra
Mundial, na história moderna a estratégia de alianças do Japão se caracterizou por
ser bilateral voltada para a potência hegemônica em questão.200 Desde o final da
Guerra Fria, entretanto, o Japão vem abrindo seus horizontes e diversificando as
formas de fazer alianças, o que significa que não só acordos bilaterais são feitos,
mas também o multilateralismo passou a figurar como peça chave da política
externa japonesa servindo de complemento não só à aliança bilateral que tem com

199
Doutrina inaugurada pelo Primeiro-Ministro japonês Yoshida Shigeru que colocava como prioridade o
desenvolvimento econômico do país como uma forma de recuperá-lo dos estragos da Segunda Guerra Mundial e
para tal deixava os aspectos militares e de defesa do país a cargo dos EUA. Foi também durante o governo
Yoshida e dentro de sua doutrina que o país lançou sua constituição pacífica, com artigo 9 proibindo o país de
manter forças armadas como um Estado normal.
200
Exemplos de alianças bilaterais com a potência hegemônica em vigor são :Grã Bretanha entre 1902 e 1922;
Alemanha e Itália no período da Segunda Guerra Mundial, e os EUA desde 1952 até os dias atuais.
169

os EUA, mas também às outras que, apesar de menores também são importantes. A
partir do início da década de 1990, o país começou a voltar seus interesses para a
cooperação regional, principalmente depois da Guerra do Golfo (1990/91) que
impactou diretamente no pensamento japonês e fez com que o país passasse a
enviar suas forças de auto-defesa para operações internacionais de manutenção de
paz, e da campanha para tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança
das Nações Unidas no ano de 1994. Desencorajado a conseguir se estabelecer
como membro permanente devido as reformas limitadas da ONU, o país passou a
se focar inicialmente no regionalismo da Ásia-Pacífico, e mais tarde, quase no final
da década de 1990, passou a mirar o Leste Asiático. (FUKUSHIMA, 2009).
A posição japonesa em relação ao regionalismo no Leste Asiático sempre foi
caracterizada pela oscilação entre maior e menor importância dada à região e aos
mecanismos de acordos multilaterais. Em alguns momentos, o Estado japonês dava
ênfase á uma política externa independente e enxergava o regionalismo do Leste
Asiático como uma forma de diferenciar a Ásia Pacífico (e a atuação norte-
americana na região) bem como os EUA do Leste da Ásia e dos países que
compunham esta região. A reação japonesa no pós-crise asiática de 1997 pode ser
vista como um exemplo deste momento de ênfase dada a região e a seus
mecanismos multilaterais: quando comparada a do Fundo Monetário Internacional, e
até mesmo a das demais potências ocidentais. O Japão atuou de maneira muito
mais incisiva e garantiu ajuda efetiva para a região como um todo através do suporte
financeiro e diplomático às iniciativas regionais. Contudo, apesar de demonstrar
apoio e interesse na região através de uma política externa que pode ser enxergada
como independente, o Japão ainda se utiliza do bilateralismo, principalmente com os
EUA, como sua principal configuração de política externa. (IBID.)
Segundo Fukushima (2009), a dualidade da política externa japonesa, que
varia entre independente voltada para o Leste Asiático e bilateral presa
principalmente aos EUA, traz ao país dois desafios principais: conciliar ambos já que
o regionalismo do Leste Asiático não inclui os EUA; e descobrir se é possível e de
que forma o país pode liderar e/ou buscar a liderança no Leste Asiático tendo em
vista o passado imperialista que submeteu a região à miséria e ao sofrimento no
passado201. Desta forma, o papel que o Japão terá no regionalismo do Leste Asiático

201
Após do fim do isolamento japonês imposto pela chegada do Comodoro Matthew Perry da Marinha dos EUA
no ano de 1953 que pôs fim ao sistema do shogunato, o Japão começou a se estabelecer como uma potência
170

– líder, membro indispensável, relevante ou pouco relevante – dependerá


diretamente da forma como o Estado japonês tratará seus desafios principais
relacionados a este quesito.

Embora possa haver diferenças de ênfase, na maioria dos casos, os objetivos do


Japão na Ásia-Pacífico complementam os dos Estados Unidos. Se um componente
militar é exigido na busca de objetivos partilhados pelos dois países, são as forças
militares dos Estados Unidos que terão maior relevância enquanto o Japão exerce
202
um papel de apoio diplomático. (McDOUGALL, 2007, p. 93, tradução nossa)

Durante a Guerra Fria, os três pilares da política externa japonesa refletiam


tanto as relações multilaterais na região como as relações bilaterais com os EUA
não só nas Nações Unidas mas também quanto às alianças que o país fazia com os
Estados capitalistas ocidentais. O então Primeiro Ministro japonês entendia como
fundamentais três pilares para a atuação do país no final da década de 1950. Estes
pilares eram: dar destaque central, com a intenção de ser reconhecido
internacionalmente como ator internacional, às Nações Unidas, uma vez que havia
sido aceito como membro da instituição no ano de 1956 depois do bloqueio que a
União Soviética havia feito nos quatro anos anteriores; cooperar com as nações
livres e capitalistas do Ocidente seguindo as recomendações do bloco liderado pelos
EUA; e buscar identificação cada vez mais próxima com os demais países do Leste
Asiático.
Contudo, com a diminuição da efetividade do Conselho de Segurança durante
a Guerra Fria, as relações com os EUA através do segundo pilar se fortaleceram,

significante do Nordeste Asiático com pretensões expansionistas. Em 1894-95 o país vencera a China na Guerra
Sino-Japonesa que tornou Taiwan colônia japonesa. Nos anos de 1904-1905 o país vencera a Rússia na Guerra
Russo-Japonesa quando a Coréia se tornou protetorado japonês e em 1910 tornou-se colônia japonesa e
quando a influência japonesa se expandiu fortemente na Manchúria. No ano de 1902 o país aliou-se a Grã
Bretanha e mais tarde entrava na Primeira Guerra Mundial como seu aliado. Na década de 1930, quando a
influência militar no país assumiu novas dimensões, o país adquiriu a Manchúria em 1931 e voltou-se novamente
para iniciar uma guerra contra a China em 1937. O Japão lançou na década de 1940 uma guerra preventiva
contra os EUA para diferenciar seu posicionamento e o norte-americano no Leste da Ásia: enquanto lançava a
Esfera de Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental, os EUA lançavam sua política de portas abertas. No final do
ano de 1941 o Japão bombardeou Pearl Harbor e neste momento o país controlava o Sudeste Asiático, o leste
da China, e grande parte do Pacífico Ocidental. Alguns anos depois, no final da Segunda Guerra Mundial, os
EUA bombardearam duas cidades japonesas com tecnologia nuclear, o que dava fim ao expansionismo japonês
e dava lugar a ocupação de seu território pelo General MacArthur de 1945 a 1951, ano em que o Japão tornou-
se essencialmente um ‘aliado júnior’ dos EUA,quando começou a prover bases para instalações militares dos
EUA mesmo ano em que pôde começar a criar sua Força de Auto-Defesa sob o artigo 9 da Constituição
japonesa estabelecido em 1947 que impedia o país de possuir forças militares. Já na década de 1960, os bases
japonesas serviram de apoio para os EUA na Guerra do Vietnã. O apoio mesmo que passivo do Japão aos EUA
na guerra gera até hoje críticas internacionais contra o país. (McDOUGALL, 2007)
202
O texto em língua estrangeira é: Although there can be differences of emphasis, in most cases the objectives
Japan has in Asia Pacific complement those of the United States. Where a military component is required in the
pursuit of objectives shared by the two countries, it is the military forces of the United States that will be the most
relevant, with Japan playing a supporting diplomatic role.
171

mas, apesar do enfraquecimento momentâneo das Nações Unidas, a ideia – e a


retórica – de que a política externa japonesa deveria estar voltada para aquela
instituição se tornava importante para servir como aviso de que o país não poderia
se tornar extremamente dependente dos EUA. Além da relevância retórica que o
país despendia às Nações Unidas, algo mais concreto prendia neste momento a
atenção do Estado japonês: o interesse de frear a expansão do comunismo na Ásia.
Para tanto, o Japão passou a apoiar os tratados norte-americanos que tinham como
objetivo conter o comunismo na região uma vez que era relutante em fazer parte de
arranjos multilaterais militares como a Organização do Tratado do Sudeste Asiático
(Southeast Asia Treaty Organization ou SEATO) de 1955 que parecia ser contrária
quanto ao fato de o Japão não possuir exércitos. (FUKUSHIMA, 2009).
A partir do apoio à atuação dos EUA através de tratados contra o comunismo,
o Japão tomou a iniciativa de receber a Conferência Ministerial para o
Desenvolvimento Econômico do Sudeste Asiático (ou Ministerial Conference for the
Economic Development of Southeast Asia) de 1966. Tanto na SEATO quanto na
Conferência, os países recém-independentes da região mantinham fortes memórias
da colonização japonesa e da ocidental, o que os tornou relutantes quanto a
possibilidade do Japão estabelecer um papel de liderança regional. Por tal razão,
por algumas décadas, o Estado japonês deu pouca relevância às ambições de
liderar a campanha asiática contra o comunismo, o que de certa forma perpetuou-se
por algum tempo mesmo depois da Guerra Fria.
Não foi sem propósito que a partir de meados da década de 1960, o Japão
passou a atuar assiduamente para resolver problemas pendentes com outros
Estados ocorridos durante a Segunda Guerra. Já em 1965 as relações entre o país e
a Coréia do Sul estavam normalizadas, e no ano de 1972 japoneses e chineses já
haviam retomado relações diplomáticas. Ainda na década de 1970, o país buscou
focar em acordos de ajuda, como uma forma de reparação do que havia sido feito,
acordos estes que se iniciaram com a Tailândia, mas se espalharam por todo
Sudeste Asiático chegando até mesmo à China. Apesar da tentativa de demonstrar
sua boa vontade e a mudança na configuração japonesa na região através de
assistências econômicas e financeiras, a população de alguns países da região se
colocavam contrários à política econômica japonesa bem sucedida da época, o que
levou a um sentimento anti-japonês que gerou movimentos contrários ao país em
locais como Tailândia e Indonésia em meados da década de 1970. (IBID).
172

Apesar de se equilibrar entre o bilateralismo e o multilateralismo, inclusive na


região, e por diversas vezes dar maior importância as relações bilaterais em sua
política externa, voltando-se para os EUA ou mesmo quando atuando em âmbitos
multilaterais mantendo o contato com os norte-americanos, o país sempre foi
sensível à ordem internacional no Leste Asiático e tentou – e de certa forma
continua tentando – moldar tal ordem a medida em que os recursos de poder do
país aumentam. No início do século XX, o objetivo japonês era dar fim aos tratados
injustos e buscar paridade legal do Oriente com o Ocidente, o que foi atingido a
partir dos tratados que o país fez com a Grã-Bretanha em 1902. Mais tarde o Japão
surgiu com a ideia da possibilidade do pan-Asianismo que evoluiu de forma perversa
para a Esfera de Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental. No pós-Segunda Guerra
o país tornou-se cauteloso quanto a buscar novos esquemas para moldar a ordem
regional. Mas, com a recuperação econômica japonesa nas décadas seguintes, foi
possível iniciar o envio de reparações e auxílio principalmente para os países do
Sudeste Asiático, o que possibilitou o que país passasse novamente a ter um papel
de proeminência regional. Contudo, com a vontade americana por estabelecer
acordos de segurança na região, novamente o Japão voltou a ter cautela mas não
abandonou o desejo de ter um papel de liderança regional que poderia ter apoio dos
EUA, mas não deveria e poderia ser moldado por ele. (GRENN, 2008).
Com a troca de Primeiro-Ministro no final de 1976, o Japão anunciou a
“Doutrina Fukuda”203 decorrente do pronunciamento de Fukuda Takeo, no ano de
1977, que rejeitava a posição de uma potência militar e estabeleceu que a partir de
então o Estado só poderia fazer alianças baseadas na confiança mútua, o que
parecia querer diminuir a imagem agressiva que o país ainda tinha na região, bem
como forçar os demais países a enxergar o Japão com maior confiança para que
alguma aliança entre eles pudesse ser estabelecida. Ficava claro para o país,

203
A Doutrina Fukuda é o nome dado aos três objetivos que guiariam a política diplomática japonesa a partir de
1977 e que surgiram a partir de um pronunciamento feito pelo então Primeiro Ministro japonês Takeo Fukuda
durante uma visita realizada aos países do Sudeste Asiático. Os três princípios que são seguidos até hoje são:
"O Japão está comprometido com a paz, e rejeita o papel de um poder militar;o Japão fará o seu melhor para
consolidar a relação de confiança mútua com base em entendimento mútuo com as nações do Sudeste
Asiático;o Japão vai cooperar positivamente com a ASEAN, enquanto visa promover uma relação baseada na
compreensão mútua com os países da Indochina e, assim, contribuir para a construção da paz e da
prosperidade em todo o Sudeste Asiático."(Disponível em: http://old.asean.or.jp/eng/asean40/fukuda.html,
tradução nossa). O texto em língua estrangeira é: "Japan is committed to peace, and rejects the role of a military
power; Japan will do its best to consolidate the relationship of mutual confidence and trust based on "heart-to-
heart" understanding with the nations of Southeast Asia; Japan will cooperate positively with ASEAN while aiming
at fostering a relationship based on mutual understanding with the countries of Indochina and will thus contribute
to the building of peace and prosperity throughout Southeast Asia."
173

principalmente depois do governo de Kakuei Tanaka, Primeiro-Ministro que


antecedeu Fukuda, que recebera críticas e hostilidades de diversos países do
Sudeste Asiático, que o Japão precisava assumir seu papel na ordem regional e que
ele fosse capaz de ajudar o país a deixar para trás as memórias do período do
Japão belicoso.
O pronunciamento de Fukuda foi também o responsável por inaugurar a
parceria do Japão com a ASEAN quando o país se comprometeu a dar apoio aos
esforços de paz que a associação viesse a fazer em prol do Sudeste Asiático. O
anúncio feito pelo Primeiro-Ministro japonês bem como o pacote inicial de ajuda de
cerca de US$ 1,5 bilhões tinham como intenção aumentar o relacionamento com a
ASEAN, afastar-se dos EUA e melhorar o relacionamento do país com o Vietnã, já
que durante a Guerra do Vietnã serviu de base de apoio para frotas norte-
americanas. (GREEN, 2008). Ambas as iniciativas foram muito bem recebidas pela
ASEAN e por seus países formadores, culminando no primeiro encontro de Ministros
das Relações Exteriores da ASEAN e do Japão em 1978 e mais tarde em uma
Conferência Pós-Ministerial (ou Post-Ministerial Conference) que incluía outros
parceiros de diálogo como Austrália, Canadá, EUA, Comissão Europeia e o Japão.
(FUKUSHIMA, 2009)
A Doutrina Fukuda deu um novo fôlego ao posicionamento japonês no
Sudeste Asiático ao voltar suas atenções para um mecanismo de integração
regional, o que ajudou a melhorar a imagem do Japão ao menos perante os países
da associação. Outro evento que ajudou a modificar para melhor a imagem do país
no Sudeste Asiático foi a retirada das tropas norte-americanas do Vietnã e a
concomitante presença e assistência econômica japonesa na região que logo
recebera uma nova e maior importância. (FUKUSHIMA, 2009). A apreciação do iene
no ano de 1985, que gerou um aumento nos auxílios e nos investimentos japoneses
na Ásia, também aproximou mais o Japão de alcançar um papel de liderança nos
movimentos de integração regional e na construção de instituições como o Conselho
de Cooperação Econômica do Pacífico (ou Pacific Economic Cooperation Council -
PECC), o Conselho Econômicos da Bacia do Pacífico, e a APEC no final da década
de 1980, todos ainda voltados para uma ideia transpacífica, com a qual o Japão
ainda era muito mais ligado em contraponto com ao East Asian Economic Caucus
do Primeiro Ministro malaio Mahathir da mesma época, que excluía a presença
norte-americana e por isso não teve apoio japonês (GREEN, 2008).
174

Contudo, apesar do olhar japonês voltado para a ASEAN, durante a Guerra


Fria o Estado possuía políticas de cooperação regional que eram basicamente
entendidas como bilaterais entre o Japão e cada um dos países que faziam parte da
associação e não com a associação como um todo, como em um contexto regional
multilateral, o que acabava por limitar o papel do Estado japonês no regionalismo do
Sudeste Asiático. (FUKUSHIMA, 2009). Esta característica se manteve até muito
recentemente quando a China começou a fazer alianças e áreas de livre comércio
com a associação como um todo forçando o Japão a fazer o mesmo.
O final da Guerra Fria e o aumento da democratização atingiram os países do
Leste Asiático que estimulados pela integração europeia e pelo NAFTA,
incentivaram o aumento da regionalização da qual o Japão teve papel largamente
ativo. No final da década de 1980 o Ministério Internacional de Comércio e Indústria
japonês lançou um reporte que recomendava ao país uma cooperação multilateral
aberta aos parceiros econômicos de fora da região, e não um bloco econômico
fechado com os países mais próximos. Este reporte, conhecido como Relatório
Sakamoto que era voltado basicamente para a facilitação do comércio e do
investimento e para o desenvolvimento de recursos humanos, teve grande apoio da
Austrália que um ano mais tarde, em 1989 propôs a APEC, que contou com o apoio
japonês e com sua insistência de incluir no grupo os EUA que completariam a noção
de um grupo transpacífico. Este foi um exemplo positivo da tentativa japonesa de
equilibrar seus dois principais desafios de política externa, pois exercia papel
fundamental na integração da região, conseguindo inserir os EUA nesta e atuando
como líder no regionalismo, sem demonstrar explicitamente esta faceta, o que
possibilitava que o país não enfraquecesse sua mais importante aliança bilateral, a
com os EUA. (IBID).
Principalmente depois da queda do Muro de Berlim, o Japão passou a
abordar questões de inserção do multilateralismo na região como algumas de suas
medidas ligadas a estratégia voltada para sua política externa. Sem reduzir a ênfase
que dava a sua relação com os EUA ou com outras alianças bilaterais com países
do Sudeste e do Nordeste Asiático, o país passou a enxergar a ASEAN, com quem
mantinha relações desde 1976 quando se tornou um parceiro de diálogo da
instituição, como uma aliada importante para sua inserção no multilateralismo da
região. O Japão também estava diretamente envolvido com questões da região no
momento do estabelecimento da APEC no final da década de 1980, bem como na
175

criação do ARF que passaria a discutir assuntos de segurança da região a partir de


1994. Vale ressaltar que após a crise financeira de 1997, o país passou a fazer parte
da ASEAN+3 e desenvolver um papel importante dentro e fora da associação e na
região com ajudas financeiras, IEDs e acordos de swap cambial com os países mais
atingidos pela crise. (McDOUGALL, 2007).
Contudo, apesar do apoio à APEC que criava uma configuração da Ásia-
Pacífico, foi a partir da década de 1990 que o Japão começou a aceitar mais
largamente a noção de uma Ásia do Leste que opunha a ideia de um regionalismo
da Ásia Pacífico, colocando a APEC em segundo plano, e enfatizava a criação da
EAEC cujo papel japonês era explicitamente fundamental como líder desta busca de
unir o Leste Asiático a partir do regionalismo. Os dois caminhos que poderiam ser
percorridos pelo Japão quanto a possibilidade de tornar-se líder da região levavam
dúvidas aos tomadores de decisão: o país tinha a possibilidade de dar ênfase à
estratégia de integração econômica que se mantivesse voltada para o Pacífico, e
incluísse os EUA, o que necessariamente diminuiria sua influência na região ou
poderia voltar-se para a região do Leste da Ásia onde atuaria como o ator que
possuiria maior prerrogativas de liderança, mas sem o apoio e a presença norte-
americana. (GREEN, 2008).
Desentendimentos comerciais entre japoneses e norte-americanos no início
da década de 1990 fizeram com que o Japão desse maior atenção à segunda opção
que privilegiava o Leste Asiático. Contudo, com a forte oposição dos EUA ao EAEC,
grupo que o excluiria da região, o Japão sentiu a necessidade de não aceitar a
criação da entidade e muito menos seu papel de destaque dentro dela devido não só
à pressão norte-americana, mas também ao receio japonês de tensões ou até
mesmo de uma nova guerra entre o país e os EUA por medo deste de que aquele
viesse a controlar os interesses econômicos da região ao assumir o novo posto.
(FUKUSHIMA, 2009).
Após a Guerra Fria, os principais objetivos político-estratégicos do Japão para
a região da Ásia Pacífico eram manter um ambiente seguro onde a independência
do seu Estado estivesse assegurada e sua economia protegida. Nas décadas
anteriores o país preocupava-se em não permitir que China e URSS se tornassem
dominantes, uma vez que representavam o comunismo. Apesar do final da Guerra, o
país continuava, e continua mantendo a preocupação quanto a dominância chinesa
na região. Também, o Japão passou a entender que conflitos na região das Coréias
176

e de Taiwan deveriam ser contidos, porque poderiam desestabilizar a região e com


isso, ameaçar a posição que o país havia conquistado até então. Além disso,
entendia-se como fundamental para a manutenção de seu papel na região a
estabilidade no Sudeste Asiático com quem possuía importantes laços comerciais.
Contudo, diversos eram os obstáculos para possuir um maior papel diplomático no
Leste Asiático devido principalmente às memórias que a região tinha e ainda tem do
papel japonês na Segunda Guerra Mundial. Entretanto, devido ao Artigo 9 da
constituição japonesa que renuncia o uso de forças armadas ofensivamente204, os
objetivos políticos-estratégicos do país são alcançados basicamente por meios
diplomáticos, nem sempre efetivos, e econômicos uma vez que o país se
estabeleceu como um dos maiores forças econômicas da região. (McDOUGALL,
2007)
Alguns eventos continuavam a apontar para o Japão a direção do
regionalismo do Leste Asiático como o melhor caminho a ser tomado durante a
década de 1990, principalmente no âmbito econômico. O aumento da
industrialização e da democratização na região do Sudeste Asiático, o surgimento da
globalização que se instalava com força no cenário internacional e a desaceleração
seguida da estagnação da economia japonesa levaram o país a buscar cada vez
mais se inserir nesta nova esfera regional. Com a crise financeira de 1997, o Japão
teve oportunidade de demonstrar a importância que a região possuía dentro de sua
política externa ao buscar medidas que pudessem ajudar a controlar as ameaças da
crise ou ao menos aliviar seus efeitos colaterais, ainda mais quando a APEC, o FMI
e os EUA não responderam à crise da forma como os países da região esperavam.
Com a ausência de soluções efetivas para crise vindas do Ocidente e do FMI,
o Japão vislumbrou uma brecha para se estabelecer como liderança regional
começando também a demonstrar a vontade de fazê-lo. A iniciativa para a criação
de um fundo monetário asiático, uma alternativa para o FMI, surpreendeu os EUA e
foi desestimulada tanto pelo Estado norte-americano quanto pelo chinês que não

204
O texto original do 9º Artigo da Constituição japonesa é o seguinte: “Sinceramente aspirantes a uma paz
internacional baseada na justiça e na ordem, o povo do Japão renuncia para sempre a guerra como um direito
soberano da Nação e a ameaça ou uso da força como meio de resolução dos litígios internacionais. 2) A fim de
concretizar o objetivo do parágrafo precedente, as forças terrestres,marítimas e aéreas, bem como qualquer
outro potencial de guerra,nunca serão mantidos. O direito de beligerância do Estado não será reconhecido”.
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/5523356/A-Constituicao-do-Japao. A Constituição foi aprovada em 1946.
No entanto, a ascensão do PCC na China obrigou uma “reinterpretação” por parte dos EUA, reforçando a ideia
de que o que se renunciava era o uso das forças armadas “ofensivamente”, daí o título de Forças de
Autodefesa.”
177

viam com bons olhos o movimento japonês pela liderança, e a China de forma mais
particular temia uma possível convergência de moedas. Apesar de não conseguir
seguir com o plano de criar o Fundo Monetário Asiático, o Japão lançou um
esquema chamado “Nova Iniciativa Miyazawa”, que emprestou cerca de US$ 30
bilhões para as emergências financeiras da crise, foi entendida como um
complemento ao FMI e por isso fora bem vista nos EUA, e se caracterizou mais uma
vez como uma tentativa japonesa de equilibrar boas relações bilaterais com os EUA
e aprofundamento da liderança e do multilateralismo no Leste
Asiático.(FUKUSHIMA, 2009).
As reuniões entre Japão, China, Coréia do Sul e os países da ASEAN que
surgiram no momento da crise de 1997, inicialmente seria uma reunião apenas entre
Japão e os países da ASEAN incentivada pelo então Primeiro-Ministro japonês, mas
pela intervenção de Mahathir, Primeiro Ministro malaio, prevendo problemas futuros
principalmente com a China, se tornou um fórum mais inclusivo. Com a resposta
positiva dos três países do Nordeste Asiático que faziam parte do fórum, que mais
tarde se denominaria ASEAN+3, à crise financeira de 1997 através da Iniciativa
Chiang Mai lançada no início dos anos 2000, o Japão mostrou-se mais uma vez
elemento importante dentro da atmosfera do Leste Asiático. (FUKUSHIMA, 2009).
Sob o esquema da Iniciativa Chiang Mai, o Japão enviou ajudas financeiras,
prometeu investimentos e estabeleceu acordos de swap cambial com cinco países
(Coréia do Sul, Malásia, Tailândia, Filipinas e China) enquanto a China estabeleceu
tais acordos apenas com Tailândia e Japão, o que deu uma vantagem ao Japão
dentro do Encontro de Ministros das Finanças da ASEAN+3, inicialmente proposto
pela China (HAMANAKA, 2008).
Incentivado por uma busca de aprofundamento cada vez maior na região do
Leste Asiático, o governo japonês lançou na época três artigos de opinião voltados
para questões discutidas dentro dos encontros da ASEAN+3 e que podiam ser
melhores e mais debatidas, principalmente no que se relacionava à criação de uma
comunidade do Leste Asiático. Estes artigos que expressavam diretamente a opinião
japonesa em relação ao regionalismo do qual fazia parte, traduziam também o que o
país aguardava e desejava deste tipo de mecanismo de integração.
178

Os artigos japoneses demonstravam preocupação com o EAS205


principalmente no que diz respeito a diferenciação que o encontro teria quando
comparado aos encontros da ASEAN, já que inicialmente possuíam os mesmos
membros. Também apontavam que acordos institucionais regionais e a criação de
um sentimento de comunidade eram objetivos futuros, e enalteciam uma abordagem
funcional do regionalismo focado em comércio, investimento, finanças,
desenvolvimento, segurança, tecnologia da informação, meio ambiente, energia e
outros assuntos mais concretos e imediatos. A partir do ano de 2005, no que diz
respeito a EAS, o Japão através de seu Ministério de Relações Exteriores afirmou
entender que o Summit do Leste Asiático deveria corresponder a uma comunidade
mais aberta, onde Índia e Austrália seriam bem vindos como membros e a Rússia e
os EUA como membros observadores. Esta declaração não agradou muito os
demais países que faziam parte do EAS, mas esta configuração acabou por se
concretizar anos mais tarde. (FUKUSHIMA, 2009).
Segundo Green (2008) no início da década de 2000, o foco em construir um
mecanismo de integração regional que fosse contrário à influência norte-americana
perdeu um pouco a importância frente a um novo objetivo para o Japão: moldar o
regionalismo no Leste Asiático de forma a administrar o crescimento do poder chinês
na região. Foi neste mesmo momento que o Japão exigiu a participação de
Austrália, Nova Zelândia e Índia quando os Estados da ASEAN finalmente
permitiram que o EAS fosse realizado fora do escopo da associação e dos países do
Sudeste Asiático. O intuito principal do Japão ao insistir na presença destes três
países no segundo encontro do EAS foi contrabalançar a força e a influência da
China e possibilitar que países adicionais tivessem regimes baseados nas
democracias ocidentais.
Dois meses antes que o então Primeiro Ministro japonês Koizumi Joinchiro,
que priorizava a política externa, iniciasse suas viagens pelo Sudeste Asiático para

205
Em relação a criação de uma Comunidade do Leste Asiático, o Estado chinês se colocava contrário ao
estabelecimento do EAS, uma vez que abria espaço para outros países que não eram considerados pela China
como pertencentes do Leste Asiático, incluindo os EUA. Para o país, o melhor caminho era o fortalecimento da
ASEAN+3, com quem se envolveu com maior força a partir da década de 1990, quando ainda era relutante
quanto a sua participação no regionalismo. Uma das características que mais chamou a atenção do país para o
grupo era a ausência dos EUA, mas por outro lado dentro do processo da ASEAN+3, a ASEAN possui a
prerrogativa de ‘posse’ enquanto os países do Nordeste Asiático são tratados como ‘convidados’. Por esta razão
a China era a favor de transformar os summits da ASEAN+3 em summits do Leste Asiático, o que daria aos
países do Sudeste e do Nordeste Asiático, o mesmo status. (HAMANAKA, 2008).
179

explicar sua política regional com a ASEAN para o início do século XXI, a China
propôs um FTA com a ASEAN para entrar em vigor em 2010. Foi neste momento,
durante a sua viagem que Koizumi, em um discurso em Cingapura, propôs a criação
de uma Comunidade do Leste Asiático. Mais tarde o país pediu apoio da ASEAN
nesta empreitada e durante o Summit anual entre Japão e ASEAN, a associação
confirmou que iria cooperar com o Japão no estabelecimento da Comunidade. E,
apesar de apoiar um diálogo regional relativo às questões financeiras, sugerindo
inclusive o Encontro dos Ministros das Finanças da ASEAN, a China não apoiou a
iniciativa de arranjos financeiros independentes do Leste Asiático, opinião que
refletia para Japão e Coréia do Sul a preferência da China pela manutenção de um
link direto entre a Iniciativa Chiang Mai e o FMI. A perspectiva chinesa enxergava
um arranjo financeiro sem a participação dos EUA dominado pelo Japão. De certa
forma a inclusão dos EUA como membro observador e depois como membro pleno
do EAS foi melhor para a China, que pode prevenir arranjos dominados tanto por
Japão quanto por EUA, (HAMANAKA, 2008) mas também significa uma certa
derrota para a China, que nos debates para o EAS sempre lutou pela ausência de
países extra-continentais.

O surgimento da ASEAN+3 e a proposta Comunidade do Leste Asiático com o


Japão exercendo um papel proeminente, pode ser vista como uma tentativa por
parte de todos os países envolvidos de fortalecer suas habilidades de lidar com
206
problemas regionais. (McDOUGALL, 2007, p. 98, tradução nossa).

A partir a década de 1990, o Japão tornou-se um dos maiores apoiadores dos


novos acordos de livre comércio. Antes disso, contudo, era grande defensor do
comércio através de instituições multilaterais como o GATT e depois a OMC. Tal
comportamento é explicável uma vez que o desenvolvimento econômico orientado
para a exportação obteve sucesso desde 1950 em um momento de liberalização
progressiva do comércio internacional. Portanto, inicialmente, o país era contrário ao
estabelecimento de FTAs, mas após a crise financeira de 1997, uma série de
eventos como o estabelecimento de FTAs entre potências ocidentais e os países do
Leste Asiático mudou a visão do Japão sobre estes acordos, quando modificou sua
estratégia comercial externa de um multilateralismo puro para um caminho múltiplo
para a liberalização comercial, que mais tarde levou aos FTAs. Os primeiros
206
O texto em língua estrangeira é: The emergence of ASEAN+3 and the proposed East Asian Community with
Japan playing a prominent role, could be seen as an attempt by all countries involved to strengthen their ability to
deal with regional problems.
180

parceiros japoneses, um dos últimos países de grande porte a assinar FTAs, nesta
empreitada foram Cingapura, Coréia do Sul, Chile e México já no final da década de
1990. (HAMANAKA, 2008).
Enquanto isso, a China buscava ativamente uma política com ênfase nos
FTAs, principalmente depois que foi aceita como membro da OMC no final de 2001.
Em 2000 o país e a ASEAN iniciaram um estudo conjunto para o estabelecimento de
uma possível FTA entre eles. Mas, considerando permanecer em balancing com
Japão e China, a associação também afirmou publicamente a possibilidade de
estabelecer o mesmo tipo de grupos de estudo conjuntos com Japão e Coréia do Sul
para tentar criar acordos como estudava estabelecer com a China. Ao perceber que
o Estado chinês estava a um passo a frente com uma política de comércio regional
bastante proativa, o Japão, sentindo-se excluído, lançou a Parceria Econômica
Abrangente entre Japão e ASEAN (ou Japan-ASEAN Comprehensive Economic
Partnership - JACEP) para contrabalançar a nascente FTA China-ASEAN, iniciando
também negociações bilaterais de FTAs com a Tailândia, as Filipinas e a Malásia no
início da década de 2000. (HAMANAKA, 2008).
Como parte da estratégia de tornar o ambiente regional mais favorável ao
Japão que a China, o país estabeleceu o que ficou conhecido como “multilateralismo
de princípios” diretamente ligado aos valores universais, democracia, governança e
o estado de direito. Tais princípios diretamente ligados a aliança entre Japão e EUA,
traziam maior dificuldade a China, que tinha preferências em uma estrutura regional
neutra de valores, o que possibilitaria a manutenção de seus próprios sem
necessidade de adaptação ou intervenções em assuntos internos.(GREEN, 2008).
Contudo, vale lembrar que, apesar do multilateralismo de princípios estabelecido
pelo Japão, as preferências neutras de valores da China se aproximam muito mais
do chamado ASEAN-Way que guia a ASEAN e o Sudeste Asiático que os valores
universais japoneses que prezam inclusive a intervenção em assuntos internos em
prol destes valores, ao contrário do que dita o ASEAN-Way.
Mais recentemente o Japão apresentou outro plano para tentar responder de
maneira efetiva as duas questões que para Fukushima (2009) definem sua atuação
no regionalismo do Leste Asiático. Uma delas foi a tentativa bem sucedida, e com
apoio japonês, de inserir os EUA no regionalismo do Leste Asiático através do EAS
que por estar cada vez mais inclusivo, com a participação de Índia, Austrália, Nova
Zelândia e agora Rússia e EUA além dos países da ASEAN+3, pode acabar se
181

tornando um ‘tiro pela culatra’ por não mais representar o Leste Asiático, e desta
forma não inserir os EUA na região como o Japão parece procurar fazer. Além disso,
o extenso histórico de ajuda, IED, e comércio com a região demonstram a vontade
do Japão de participar como ator relevante para o regionalismo do Leste Asiático, a
busca pela cooperação funcional, e o estabelecimento do EAS.
Além dos acordos de livre comércio e de parcerias econômicas negociados a
princípio bilateralmente no início e em meados da década de 2000 – cujas bases
transpareciam as visões japonesas descritas nos relatórios de anos anteriores – foi
anunciado em 2006 um plano apoiado pelo Ministério de Economia Comércio e
Indústria do Japão denominado Iniciativa Nikai formada pela Parceira Econômica
Abrangente no Leste Asiático (ou Comprehensive Economic Partnership in East Asia
– CEPEA) pelo Instituto de Pesquisa Econômica para a ASEAN e o Leste Asiático
(ou Economic Research Institute for ASEAN and East Asia – ERIA) esta última que
deveria ser entendida como uma versão da região para a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A CEPEA, desde sua criação, tem como objetivo formar um acordo de
parceria econômica dentro do âmbito do EAS, envolvendo comércio de bens e
serviços, propriedade intelectual, investimentos e outros. A CEPEA apesar de ter
agradado a ASEAN, desagradou China e Coréia do Sul que buscavam inicialmente
desenvolver a ASEAN+3 antes do EAS. Por sua vez, o ERIA, um mecanismo de
think thank responsável por providenciar coordenação em diversas áreas na região
do Leste Asiático, procura funcionar como um complemento do Secretariado da
ASEAN e agir no campo da pesquisa voltado principalmente para a questão da
cooperação regional, da correção da desigualdade, de energia e meio ambiente
apresentando seus resultados não só para a ASEAN, mas para a ASEAN+3, para os
ASEAN+1 e para o EAS. (FUKUSHIMA, 2009).
Não só a CEPEA, mas também o ERIA são mecanismos cuja finalidade
principal é dar apoio a liberalização e a cooperação no Leste Asiático dentro da
ASEAN+3, mas também dentro do EAS antes mais restrito e hoje, mais abrangente.
O entusiasmo e a ênfase dada pelo Japão aos dois mecanismos por ele sugeridos
durante o segundo Summit do EAS pode ser explicado pela tentativa do país em
assegurar uma prosperidade proveniente da integração econômica da região, e mais
ainda, que esta prosperidade esteja necessariamente conectada a economia
japonesa, que sairia de um momento de estagnação com o crescimento da Ásia
182

através integração econômica regional. (ANAND, 2008)207. Enquanto a CEPEA tem


como “propósito exclusivo facilitar a liberalização do comércio e a cooperação
econômica”208 (ANAND, 2008, tradução nossa.), o ERIA tem como objetivos base

[...] facilitar a construção da Comunidade Econômica da ASEAN, e apoiar o papel da


ASEAN como o guia de uma maior integração econômica e crescimento sustentável
na região; contribuir para a redução das disparidades de desenvolvimento e
promovendo capacidades de pesquisa que podem incrementar a execução de
209
políticas públicas; nutrir um maior senso de comunidade no Leste Asiático. (Site
oficial do ERIA, tradução nossa).

O Estado japonês também buscou destacar-se na região apresentando um


papel importante na área de segurança através de processos multilaterais voltados
para este tópico. Este movimento em direção a segurança regional do Leste Asiático
se iniciou com o ARF,mas se fortaleceu com a Conversações Hexalaterais ou o Six
Party Talks, voltado para a península coreana. Em 1998, cinco anos antes do
estabelecimento do Six Party Talks, o Japão já havia sugerido a construção de um
mecanismo multilateral que pudesse resolver certas diferenças históricas regionais.
A proposta, feita pelo então Ministro das Relações exteriores japonês, Obuchi Keizo,
reuniria Japão, EUA, China e Rússia para debater diversas questões de interesses
mútuos. A proposta não foi levada a diante, mas foi a partir dela que surgiu o Six
Party Talks quando no mesmo ano, o Ministro Obuchi em visita oficial aos EUA,
apontou ao então Presidente Bill Clinton a necessidade de trabalharem com um Six
Party Talks, e não um Four Party Talks como havia proposto inicialmente, na
península coreana quanto a questão nuclear da Coréia do Norte . Em 2003, já na
administração Bush, o governo americano lançou uma proposta de um mecanismo
multilateral para tratar da questão nuclear da Coréia do Norte, que foi bem visto pelo
Japão, que novamente apontou o Six Party Talks como melhor solução, ao contrário
do que parecia querer os EUA que incluiria União Europeia e Austrália no grupo.
Ainda no mesmo ano o Japão conseguiu convencer os EUA a limitar o número de
participantes para a empreitada em apenas seis (EUA, Japão, Rússia, China, e as
duas Coréias). (FUKUSHIMA, 2009)

207
Disponível em: http://www.ipcs.org/article_details.php?articleNo=2702
208
O texto em língua estrangeira é: an exclusive purpose of facilitating trade liberalization and economic
cooperation. Disponível em: http://www.ipcs.org/article_details.php?articleNo=2702
209
O texto em língua estrangeira é: To facilitate ASEAN Economic Community building and support ASEAN’s role
as the driver of the wider economic integration and sustainable growth in the region; To contribute to narrowing of
the development gaps and fostering research capabilities which can value-add to public policy-making; To nurture
a greater sense of community in East Asia. Disponível em: http://www.eria.org/history/index.html
183

O processo do Six Party Talks foi recebido com entusiasmo pelo Estado
japonês por estar instituindo poder diplomático ao país na região,voltado para a
península coreana, no movimento talvez mais importante neste âmbito desde a
Segunda Guerra Mundial. O Japão, além de atuar ativamente dentro do mecanismo
de conversações entre partes, também prometeu normalizar suas relações com a
Coréia do Norte, como havia feito com a Coréia do Sul em 1965, além de enviar
ajuda econômica desde que o país colocasse fim ao seu aparato nuclear e
resolvesse uma antiga questão de sequestros de japoneses pelos norte-coreanos no
final da década de 1970 e início da década de 1980, que até hoje mobiliza a
população japonesa. (FUKUSHIMA, 2009).
Porém, o Six Party Talks foi descontinuado no ano de 2009 depois de um
incidente com mísseis norte-coreanos que levaram os EUA e o Conselho de
Segurança da ONU a condenar as atitudes do Estado da Coréia do Norte e prometer
sanções ao país, o que desagradou seu governo que em declarações oficiais
abandonou o esquema de conversações em prol do desmantelamento de suas
instalações e programa nucleares. Entretanto, vale ressaltar que por quase toda a
década de 2000, o Six Party Talks permitiu que o Japão influenciasse de certa forma
através de diplomacia, as conversações de segurança regional do Leste Asiático,
mostrando-se relevante para o esquema de integração e capaz o suficiente para
estabelecer uma liderança na região.
Além da participação ativa no âmbito de segurança multilateral,
principalmente no Nordeste Asiático, com o ARF e o Six Party Talks, o Japão
também vem demonstrando estar cada vez mais ativo em exercícios multilaterais de
construção de confiança como com a participação na Conferência para Segurança e
Cooperação na Ásia Pacífico (ou Conference for Security and Cooperations in the
Asia Pacific) e em diversas outras organizações e fóruns como os fóruns trilaterais
entre o país, os EUA e a China realizados pela Asia Foundation, o Centro de
Estratégia e Estudos Internacionais(ou Center for Strategic and International
Studies) com think thanks chineses, além do Instituto para Negócios Internacionais
(ou Institute for International Affairs) no Japão. O país também procura ser mais ativo
também na Rede de Think Thanks do Leste Asiático (ou Network of East Asian
Think Thanks), formada em 2003 para debater os conceitos e as possibilidades de
uma comunidade do Leste da Ásia, bem como no Conselho para a Comunidade do
Leste Asiático (ou Council on East Asian Community) criado em 2004. (IBID)
184

Todas estas participações japonesas em fóruns, conselhos, institutos e outros


demonstram a vontade do país em se mostrar presente e interessado na região e
em seu mecanismo de integração, principalmente em âmbitos econômicos. Apesar
de ser difícil contabilizar os impactos da “paradiplomacia” que o Japão vem fazendo
quando se torna parte e atua ativamente nestes grupos de diálogo, a intenção do
país é conseguir maior destaque e maior quantidade de votos de outros países
quando certas votações chegam aos fóruns principais como é o caso do ARF. O que
o país parece demonstrar é que atuando também as “margens” dos maiores fóruns e
summits também é possível exercer alguma liderança, que pode vir a refletir em
ganhos maiores quando em fóruns de maior importância para a região.
Contudo, apesar da presença japonesa constante em fóruns ‘marginais’ bem
como em conselhos e reuniões que discutem a segurança regional em seus diversos
âmbitos (militar, alimentar, energética, médica, ambiental e etc) que exerce
influência diretamente na região e nos países que dela fazem parte e se configuram
como membros dos mecanismos de regionalismo, é a força econômica japonesa
que exerce a maior influência nos âmbitos multilateral, regional e bilateral, ou seja,
em organizações internacionais210, no processo regional e multilateral, e também
nas relações individuais com parceiros selecionados. Enquanto a influência por meio
dos fóruns ‘marginais’ e dos conselhos que tratam de segurança se dá de maneira
mais indireta, a influência econômica é mais visível. No âmbito regional e/ou bilateral
principalmente, diversos países querem estimular e de fato estimulam o comércio
com o Japão como uma maneira de desenvolver sua própria economia, o que dá ao
Japão, em troca, um poder de manobra e de barganha ampliado em relação a cada
um desses países. (McDOUGALL, 2007)
Apesar deste poder de barganha geralmente ser contido apenas no âmbito
econômico, dependendo do tempo em que o poder está efetivo sobre um país ou um
grupo de países e a intensidade do desenvolvimento econômico que este país
vivencia ligado ao comércio com o Japão, o poder de barganha que o Estado
japonês possui sobre o outro país pode sair da esfera econômica e atingir diversas

210
Como ator econômico de destaque, o Japão também está presente em diversas instituições econômicas
internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional desde 1952, no Acordo Geral de Tarifas
e Comércio (GATT) desde 1955, e na Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 1995. Em 1964 o
país se juntou a OCDE, foi membro fundados do G7 em 1975 e, apesar de ter menor relevância na maioria
destas instituições, basicamente por não ser membro fundador da maioria delas, procura agir com certa
liderança econômica em questões relacionadas a região da Ásia, inclusive dentro do Banco de Desenvolvimento
Asiático (ou Asian Development Bank - ADB) que embora seja uma iniciativa norte-americana sempre possuiu
um presidente japonês e permite que o país exerça um papel de liderança desde que o ADB foi criado.
185

outras esferas, o que aumenta ainda mais o poder de barganha do Japão sobre o
país em questão. A mesma situação pode ser vista quanto relacionada ao papel
japonês como investidor externo, mesmo que nem sempre o Estado japonês utilize
seus investimentos feitos em outros países como ferramenta de barganha. Ainda
assim, não é difícil que a relação e a interação entre o país destino dos
investimentos e o Japão sejam afetadas. Em relação à ajuda externa há um
entendimento que ela pode gerar desenvolvimento econômico e com isso trazer a
estabilidade política, algo que faz parte dos interesses políticos e econômicos do
Japão e também dos países que recebem auxílio japonês.
Ainda sobre a capacidade japonesa de influenciar principalmente os Estados
da região do Sudeste Asiático vale ressaltar que o país lançou um modelo a ser
seguido por seus vizinhos quando vivenciou o seu milagre econômico, onde o
Estado estava intimamente ligado a indústria. Apesar dos recentes problemas
econômicos japoneses como a estagnação de sua economia e o primeiro déficit
comercial em anos, o modelo econômico que levou o Estado a segunda colocação
mundial quando comparados diretamente os PIBs internacionais, foi aplicado em
diversos países e levou alguns deles também a rápido crescimento econômico,
como no caso dos Tigres Asiáticos, e chegou até a influenciar vizinhos maiores
como a China pós-Maoista. Estas intervenções econômicas, comerciais, financeiras
e até mesmo referentes ao modelo econômico compartilhado por vizinhos
demonstram a profundidade da influência japonesa na região do Leste da Ásia,
mesmo que o país venha perdendo espaço para uma China cada vez mais
competitiva e forte econômica e militarmente. (IBID).

Enquanto o Japão falhou na tentativa de estabelecer uma Esfera de Co-


Prosperidade da Grande Ásia Oriental no início dos 1940, o país claramente ocupa
um papel de liderança nos assuntos econômicos da Ásia Pacífico. Os EUA também
são uma potência econômica na região e a China surge como uma potência
emergente.[...] Em contraste com as questões de segurança, o Japão é muito mais
preparado para agir de forma independente dos EUA no domínio econômico. Devido
a sua força econômica, o Japão tem um poder de barganha considerável com os
EUA, mas ao mesmo tempo, os EUA são ainda mais fortes economicamente e
211
podem e por vezes obrigar o Japão a modificar suas políticas. (McDOUGALL,
2007, p. 95, tradução nossa).

211
O texto em língua estrangeira é: While Japan failed attempt to establish a Greater East Asia Co-Prosperity
Sphere in the early 1940s, it clearly occupies a leading role in Asia Pacific economic affairs today. The United
States is also important as an economic power in the region, and China is an emerging economic power. [...] As
compared with security issues, Japan is much more prepared to act independently of the United States in the
economic realm. Because of its economic strength Japan has considerable bargaining power with the United
States; at the same time the United States is even stronger economically and can sometimes compel Japan to
modify its policies.
186

O breve histórico aqui demonstrado aponta que o Japão vem sendo


razoavelmente ativo na empreitada de promover a cooperação regional no Leste
Asiático, e parece conseguir equilibrar, em certos momentos, a aliança bilateral com
os EUA e o cuidado redobrado que precisa dar a região em que se encontra, a
integração da região em si e a sua própria integração com a região e os
mecanismos de regionalização que a representam. Apesar de atuar em campos
voltados para a segurança e para a construção de uma comunidade do Leste
Asiático, para o Japão a principal força do regionalismo no Leste Asiático é
econômica. Caso a interdependência econômica não fosse o foco principal não só
da ASEAN como também da ASEAN+3 e do EAS, o país teria perdido o interesse ou
daria menor destaque a região e aos seus mecanismos.
A criação de uma comunidade regional incluindo ou os países da ASEAN+3
ou os países do EAS é um consenso entre os pensadores japoneses quando o
assunto é prazo: pra eles a comunidade, apesar de um processo relevante, é um
objetivo que deve ser enxergado como de longo prazo. A maioria dos pensadores
estratégicos do Japão acredita inclusive, que para a construção de uma comunidade
do Leste Asiático, antes deve ser estabelecida uma comunidade econômica
responsável pela criação de um acordo de livre comércio em toda a região, podendo
evoluir para uma cooperação financeira e monetária. Quanto a uma integração
econômica as opiniões são diversas e variam do extremo que afirma que se deve
parar no nível de uma integração regional ao outro extremo que acredita que uma
cooperação funcional deve ultrapassar a barreira puramente econômica e alcançar a
questão de segurança para possibilitar a criação de uma comunidade de segurança.
Também são diversas as opiniões sobre qual mecanismo é mais importante
para o Japão, a ASEAN+3 ou o EAS. Esta questão não é uma unanimidade no
governo japonês uma vez que diferentes ministros e Primeiros-Ministros dão mais
importância a cada um dos dois grupos por diferentes razões. Mais recentemente,
parece que o EAS vem se tornando uma prioridade para o governo japonês,
refletindo um regionalismo mais ampliado. Além disso, o EAS recebe maior atenção
japonesa uma vez que possui Austrália e Índia como países capazes de diluir a
importância comercial e política da China na região.
A recente entrada dos EUA no EAS também pode demonstrar um maior
esforço por parte do Japão em incluir seu poderoso aliado ocidental no esquema
187

regional que anteriormente era restrito para países do Leste Asiático que tinham o
intuito de construir uma comunidade do Leste Asiático. Contudo, apesar de
demonstrar um interesse mais específico pelo EAS, a ASEAN+3 não foi colocada de
lado pelo Japão, justamente por perceber que o EAS pode ser esvaziado devido ao
seu aumento horizontal, ou seja, crescimento do número de membros que não são
necessariamente daquela região, o que pode impossibilitar a criação da comunidade
exclusiva de países do Leste Asiático, tão debatida entre os países da região.

Para a política japonesa, o EAS e a ASEAN+3 possivelmente continuarão a coexistir


em um relacionamento que se assemelha a um cabo-de-guerra. Estes dois
mecanismos coexistem porque os países tem diferentes visões sobre qual deveria
ser o tamanho da comunidade Asiática. Até que a questão do escopo da
comunidade seja resolvida, o EAS e a ASEAN+3 terão que coexistir - e Tóquio
212
precisará balancear as vantagens e desvantagens de cada um deles.
(FUKUSHIMA, 2009, p. 113, tradução nossa)

Sobre o EAS e os esforços japoneses para criar uma Comunidade do Leste


Asiático baseada nesta instituição, vale afirmar que o papel do Japão nesta
empreitada pode ser entendido através de diversos ângulos e também pode ser
entendido como contraditório. O país ainda trabalha a favor da região da Ásia
Pacífico através da APEC, mesmo que com menor entusiasmo quando comparado
ao momento da criação da instituição no final da década de 1980. Ao mesmo tempo
o Japão incentivou a entrada dos EUA no EAS até conseguir transformá-lo em
membro observador e mais recentemente em membro pleno da mesma forma que
fez com Índia, Austrália e Nova Zelândia anteriormente.
Partindo desta nova configuração do EAS, é possível acreditar que a forte
ligação que o Japão tem com a Índia, a Austrália e os EUA dá à estratégia japonesa
dentro dos mecanismos de regionalização uma nova e forte característica que
reforça a influência japonesa não só no âmbito econômico, mas também na questão
de valores, uma vez que os quatro países como democracias capitalistas possuem
diversos valores comuns. Ainda, apesar da importância que dá aos aliados do
Pacífico que não são entendidos exclusivamente como Estados do Leste Asiático, o
Japão também mostra interesse na região e demonstra isto através da atração de
novos componentes para a Iniciativa Chiang Mai com intuito é estudar o
estabelecimento de uma possível moeda regional, além de ter lançado a

212
O texto em língua estrangeira é: For japanese policy, the EAS and APT will likely continue to coexist in a sort
of tug-of-war relationship. These two frameworks coexist because countries have different views on how large the
footprint of Asian community building should be. Until this question of the community's scope s resolved, the EAS
and APT will have to coexist - and Tokyo will need to work to balance the benefits and drawbacks of both.
188

Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (ou Organisation for


Economic Co-operation and Development) voltada exclusivamente para o Leste
Asiático e que não inclui os EUA como membro pleno.
Para Fukushima (2009), o Japão deseja se firmar como um ator importante no
ambiente do Leste Asiático e persegue uma posição de liderança regional para o
futuro. A certeza de que o regionalismo é uma das formas de alcançar o destaque e
a liderança que deseja dentro da região e dos mecanismos de integração dos quais
faz parte fica evidente quando o país demonstra sua disposição ao participar de
diversos fóruns, além de incentivar o regionalismo através da criação de novos
summits, bem como fomentar e realizar comércio, investimentos e envio de ajudas
financeiras aos países da região, como listado acima. A intenção japonesa parece
ser clara: construir uma região estável para sua própria segurança e a segurança da
paz e da prosperidade regionais das quais o Japão também se beneficia. Para
alcançar esta estabilidade entre os países vizinhos que são membros dos processos
regionais o autor considera que o país precisa buscar uma estrutura regional
baseada em cinco princípios básicos.
O primeiro princípio é que a estrutura a ser construída pelo país para
estabilizar a região e alcançar um papel de destaque e até mesmo de liderança deve
permitir a coexistência do bilateralismo e do multilateralismo onde um completaria e
fortaleceria o outro. Tal princípio permitiria que a relação multilateral na região e com
o restante do mundo e a relação bilateral com seus parceiros estratégicos,
principalmente com os EUA não tornaria a atuação do Japão na região contraditória
ou desequilibrada. O segundo princípio básico coloca que a estrutura deve promover
a cooperação bem como a competição saudável entre os membros como já
acontece entre Japão e China no âmbito dos FTAs com a ASEAN. Segundo o autor
a cooperação e a competição dentro da atmosfera do regionalismo do Leste Asiático
ajudaria na criação de uma comunidade regional. O terceiro princípio afirma que a
estrutura arquitetada pelo Japão deve oferecer meios para o “regionalismo aberto”,
ou seja, colocando a ASEAN como principal ator dentro do regionalismo no Leste
Asiático, mas promovendo ao mesmo tempo a participação, dentro nas trocas
comerciais e outros movimentos intrínsecos do processo, por outros atores que não
sejam necessariamente membros da ASEAN, o que daria abertura para uma EAS
expandida como a que se configura mais recentemente.
189

O quarto princípio indica que a futura estrutura regional deve ser construída
nas bases do respeito e da realização da democracia, dos direitos humanos e dos
valores universais – o que certamente desagrada a China, que acredita ter outros
valores quanto a questão dos direitos humanos, enxerga a democracia de uma
forma diversa e é a favor da neutralidade – e diversidade – de valores e não de
valores universais. O Japão vem sendo bastante ativo em promover tais valores e
não é o único a fazê-lo no Leste Asiático, a pesar de haver pensamentos contrários
ao movimento japonês inclusive quando se trata da questão dos valores universais,
já que estes estão intimamente ligados aos valores disseminados pelos EUA.
Apesar do objetivo japonês de promover os valores universais seja de diminuir as
diferenças normativas entre os membros dos mecanismos regionais e de uma futura
comunidade regional com o intuito de estabilizar a região para comércio e
investimentos, mesmo os países que compartilham da visão japonesa concordam
em afirmar que não desejam os EUA como baluarte destes valores, o que lhe daria
precedentes para intervir na região através de opiniões e sugestões.
Por fim, o quinto e último princípio básico para a estrutura regional que pode
vir a ser construída pelo Japão para buscar a liderança regional entende que a
estrutura deve ser guiada por uma abordagem de cooperação funcional, que ajuda a
colocar em ordem os desafios políticos, econômicos e de segurança que a região
pode vir a enfrentar. Contudo é necessário que esta abordagem vá além das
conferências e sejam efetivas em todos os âmbitos, do econômico ao de segurança
não tradicional (terrorismo, tráfico de drogas, pirataria, tráfico humano e outros).
Uma das principais razões que faz com que o Japão acredite que uma estrutura
regional funcional seja necessária para elevar o nível da integração e de seu papel
como ator de destaque na região reside no fato de que um ambiente regional
funcional ajudaria o país a lidar com o nacionalismo e os sentimentos anti-japoneses
na região derivados de incidentes históricos, o que poderia tornar mais palpável uma
liderança japonesa reconhecida principalmente pelo Sudeste Asiático.
Contudo, apesar de em alguns momentos conseguir equilibrar o
multilateralismo regional e o bilateralismo com os EUA, e de ficar claro que uma
estrutura regional que promoveria a liderança japonesa na região ter que
necessariamente aceitar o multilateralismo e o bilateralismo que seriam
complementares, algumas inconsistências marcam a relação a relação entre Japão,
EUA e o regionalismo do Leste Asiático. Ao passo que o Japão tentou expressar sua
190

identidade asiática e destacou seu desejo por fóruns unicamente formados por
países do Leste Asiático – apesar de bem sempre se enxergar como asiáticos
(McDOUGALL, 2007) – buscou também reforçar e difundir normas e valores globais
que compartilha com os EUA além de procurar manter o conceito de regionalismo
aberto no Leste da Ásia, uma cultura bastante característica da APEC, comandada
pelos EUA. (WAN, 2008). Não só os valores e normas universais mas também o
conceito de regionalismo aberto mantém a região diretamente acessível aos EUA
que se beneficiam do crescimento econômico estável da região através da APEC e
de outros acordos com o Japão, Coréia do Sul e outros aliados. (FUKUSHIMA,
2009).
Este movimento por parte do Japão que possibilita a presença norte-
americana no Leste Asiático pode vir a prejudicar a região, que diferente dos demais
mecanismos de integração ao redor do mundo pode continuar sem ter sua própria
comunidade econômica, além de colocar em cheque sua posição em prol de
instituições puramente regionais (sem incluir países de fora do Leste Asiático) pelas
quais parece lutar quando reunido em summits ou conselhos de processos
exclusivamente regionais como a ASEAN e a ASEAN+3. Desta forma não é difícil
pensar que o Japão representa um papel duplo no Leste Asiático onde parece
querer apoiar as ações que colocam a região como auto-suficiente para tratar de
suas próprias questões, mas ao mesmo tempo continua agindo como o posto mais
avançado dos EUA à Leste podendo inserir sempre que possível os interesses e
desejos do maior parceiro ocidental japonês. Apesar de a Ásia se caracterizar como
uma região importante, onde o Japão pode exercer sua influência, e com quem tem
importantes laços econômicos, esta influência pode acabar sendo utilizada
basicamente para fortalecer seu relacionamento com os EUA, servindo como uma
ponte que liga os EUA à Ásia. (McDOUGALL, 2007).
Esta postura ambígua do país, juntamente com a diminuição de sua
importância econômica em comparação direta com a China principalmente na visão
dos países que formam a ASEAN, pode diminuir as possibilidades e os meios de
estabelecer uma liderança japonesa regional mesmo que em aspectos específicos.
Entretanto, é fato afirmar que apesar de manter relações próximas e por diversas
vezes atuar como ponte e intermediador da presença norte-americana no Leste da
Ásia, o Japão possui iniciativas e políticas na região que não dependem da presença
americana e não apresentam interferência direta deste país, que apesar de não
191

atuar diretamente sobre a política externa japonesa, é quem garante sua segurança
militar, uma vez que o país ainda não pode ser considerado um Estado normal, ou
seja, não possui um exército, apenas uma Força de Auto-Defesa usada para fins
pacíficos e para a proteção japonesa que conta investimentos de apenas 1% de seu
PIB..213

Enquanto a relação com os EUA permanece central para as políticas japonesas na


região, o Japão também possui suas próprias políticas com os Estados da região e
214
tem se envolvido cada vez mais no desenvolvimento de abordagens multilaterais.
(McDOUGALL, 2007, p. 92, tradução nossa).

O Japão vem diversificando suas ferramentas diplomáticas para se adaptar a


um novo cenário internacional e regional constituído de suas próprias condições e
necessidades e a dos demais países. Atualmente o Estado japonês continua a
crescer mas com taxas de crescimento de um país mais maduro, que devem sofrer
alterações nos próximos anos devido aos acidentes naturais e nucleares de março
de 2011. Ainda assim o país se estabelece como o terceiro maior PIB mundial, mas
enfrenta o crescimento econômico e militar da China que recentemente tomou seu
lugar como segundo maior PIB mundial. A estratégia de se aproximar de países
como Austrália, Índia, Nova Zelândia e EUA e também aproximá-los dos
mecanismos regionais do Leste Asiático é complementada pela ênfase que o país
dá às normas globais, para que possam ajudar a moldar o regionalismo no Leste
Asiático à seu favor e não a favor da China, mas sem desrespeitar as próprias
regras que ilustram o ASEAN-Way e já moldam o regionalismo do Leste Asiático.
(GREEN, 2008).
Contudo, há um grande obstáculo à busca japonesa por diversificar sua
diplomacia no Leste Asiático superando os elementos puramente econômicos com o
intuito de se estabelecer como uma liderança ou ao menos uma potência aceita por
seus vizinhos. A história que o país teve com a região principalmente durante a

213
Não há uma unanimidade no Japão quanto a condição do país em não possuir um exército de fato. Alguns
grupos políticos acreditam que é necessário eliminar o artigo 9 da constituição japonesa que impede o país de
possuir exércitos, para poder exercer sua soberania também quanto as forças armadas do país para enfim poder
deixar de depender militarmente dos EUA. Por outro lado há aqueles que acreditam que o Japão deve continuar
sendo um Estado pacífico, mantendo artigo que proíbe as forças armadas tal qual concebem os Estados
normais, mas não são a favor da forte relação que o país tem com os EUA. Por fim há grupos que são pró-EUA e
entendem que a relação do país com os norte-americanos e o artigo 9 da constituição devem permanecer da
mesma forma. (McDOUGALL, 2007)
214
O texto em língua estrangeira é: While the relationship with the Unites States remains central to Japanese
policies in the region, Japan also pursues its own policies with the states in the region and has been increasingly
involved in the development of multilateral approaches.
192

Segunda Guerra Mundial dificulta sua total estabilização como liderança regional.
Apesar de mais de uma vez buscar veicular publicamente desculpas oficiais pelos
seus atos passados além de enviar auxílios e fazer investimentos para grande parte
dos países da região figurando como um dos maiores parceiros de investimentos e
remetente de ajuda externa para o Nordeste e o Sudeste Asiático, as memórias e o
revanchismo, mesmo muitas vezes sem razão215, impedem que a relação do Japão
com a região se normalize completamente.
Para Green (2008), as estratégias japonesas de política externa da Era Meiji
descritas no livro de Nakae Chomin em forma de romance podem até hoje ser
enxergadas nas atitudes externas do governo do Japão, mesmo que as ações
propostas pelo personagem que representa as tradições e o lado bélico do país
estejam expressas em menor número. Contudo, o autor afirma que a manutenção
da trajetória do papel japonês na região representado pela paródia de Nakae
Chomin dependerá basicamente de duas variáveis: os EUA e a China.

A perda da liderança hegemônica dos EUA, através de uma derrota na guerra na


Ásia ou retração interna, forçaria inevitavelmente uma reorientação da política de
segurança japonesa na região. Se o Japão aumentaria o balancing interno e externo
contra a China ou faria um bandwagoning com Beijing, dependerá da natureza e do
alcance do poder chinês e norte-americano Um colapso do dominio regional, mas
não global, dos EUA provocaria porvavelmente um balancing entre Japão e China
na região[...]. No entanto, o poder hegemônico chinês em nível global iria colocaria o
Japão na posição de ter de considerar a possibilidade de enxergar a China como um
rival regional e líder do sistema internacional, pela primeira vez em meio milênio.
Nesse cenário fazer bandwagonin com a China não estaria fora de questão, embora
216
certamente fora da personalidade do Japão moderno. (GREEN, 2008, p.188,
tradução nossa).

Acreditando na manutenção do poder norte-americano a médio prazo e


apostando em um crescimento chinês que não atinja de forma linear e instantânea a
dominação global, tornando-se a única potência hegemônica, Green (2008) afirma
que o Japão é mais propenso a ajustar a sua trajetória e a sua estratégia baseando-

215
Green (2008) afirma que por diversas vezes a China utiliza a história a seu favor em questões políticas tanto
em relação a China com em relação a Coréia e a Guerra da Coréia. Também o autor afirma que apesar de
criticar o Japão pelo período em que agiu como imperialista, a China faz um discurso hipócrita pois não leva em
consideração as dezenas de mortos na região durante o período do governo de Mao Zedong.
216
O texto em língua estrangeira é: A catastrophic loss of U.S. hegemonic leadership—either through defeat in
war in Asia or retrenchment at home—would inevitably force a reorientation of Japanese security policy in the
region. Whether Japan increased internal and external balancing against China or bandwagoned with Beijing
would depend on the nature and scope of Chinese and U.S. power. A collapse of regional but not global U.S.
dominance would likely push Japan to balance China regionally […]. However, Chinese hegemonic power at a
global level would put Japan in the position of having to consider accommodation with China as both a regional
rival and leader of the international system for the first time in half a millennium. In that admittedly remote
scenario, bandwagoning with China would not be out of the question, though certainly out of character for modern
Japan.
193

se na forma como cada um desses atores conduz as suas políticas. Desta maneira,
continua sendo possível enxergar o equilíbrio da estratégia japonesa quanto a região
baseada no conto dos três bêbados de Nakae Chomin que o escreveu em 1887.
Apesar de não atuar mais como uma potência militar na região, o Japão ainda busca
se expandir como líder no Leste Asiático não mais através de ferramentas bélicas,
mas através da sua inserção na estrutura de integração regional na busca futura de
uma Comunidade, ao menos econômica do Leste Asiático (em noção mais ampla ou
mais restrita). Aliado a isto, o país vem perseguindo o objetivo que o personagem
ocidental representa no conto,o desenvolvimento econômico próprio e da região
unidos de forma interdependente.

4.3. A relação entre China, a região e os mecanismos de integração


regional: ASEAN e ASEAN+3

O aprofundamento do engajamento chinês na economia política global teve


grandes implicações no funcionamento da economia global, mas também nos países
vizinhos a China. O que aconteceu nas últimas décadas do século XX e continua
acontecendo na China já alterou a dinâmica econômica do Leste Asiático implicando
na reconstrução de sua economia regional, resultando em impactos relevantes na
economia dos países da região, na maioria das vezes para melhor. O Estado chinês
também desenvolveu novas políticas voltadas para promover a cooperação e a
integração regionais e uma comunidade regional do Leste Asiático, cuja melhor
forma ainda não foi definida. Como uma consequência esperada de todas essas
transformações, nos campos econômico e diplomático, houve uma modificação no
foco das ambições e capacidades chinesas no âmbito da liderança regional.
(BRESLIN, 2008)
Um dos fatores que mais influencia a atuação e o envolvimento da China com
o mundo e também com a região do Leste Asiático é o fato de se enxergar como
uma civilização com milhares de anos de história. E a causa em perceber sua
centralidade no mundo e na sua região não é recente. O “Reino do Meio”217 (ou
Middle Kingdom), como era conhecida a China, se estendia do leste da China, onde

217
A noção de Reino do Meio remete a três acepções: meio como “centro” do mundo, em termos de importância,
meio como “passagem pela qual todos os fluxos devem percorrer” e meio como “espaço da ponderação,
serenidade e harmonia, como em “caminho do meio”
194

ficava o centro do reino incluindo o Vale do rio Yangtze, formando uma região que
vivenciou longos períodos de união, apesar de ter sofrido divisões por algumas
vezes em sua história. Mais tarde, durante a dinastia Manchu que se estendeu de
1644 a 1911, o país vivenciou seu maior período expansionista incorporando a
Manchúria, mas também uma vasta área para o oeste. Um sistema de tributos
abrangia alguns países vizinhos com Coréia do Sul e Vietnã, o que influenciou
política e culturalmente aquela área, bem como o Tibet e a região da Ásia Central
que também se encontravam na área de influência chinesa. Apesar de o Japão não
fazer parte do sistema de tributos chinês, sua cultura também deriva, em grande
parte, da China. (McDOUGALL, 2007).
No final do século XIX, o vasto território chinês foi diminuído com a chegada
de países Ocidentais na região. Para a China, os europeus e americanos, com quem
não tinha quase nenhum contato, eram culturas e civilizações inferiores já que eram
muito mais recentes. Contudo, ambas as civilizações possuíam tecnologia mais
poderosa e mais avançada que a China e a partir da chegada da Grã Bretanha, ficou
clara a fraqueza tecnológica chinesa com a derrota na Guerra do Ópio de 1842 e em
outra guerra com a Grã Bretanha de 1856 a 1860. Na segunda metade do século
XIX, a China cedeu alguns portos às potências estrangeiras, como foi o caso de
Hong Kong para a Grã Bretanha. Na mesma época também perdeu grandes faixas
territoriais do norte para a Rússia. Com a Guerra Sino-Japonesa na última década
do século XIX, a China ainda perdeu Taiwan e a influência sobre a Coréia e mais
tarde em meados do século XX, a Manchúria, também para o Japão que na década
de 1940 tonou-se a maior preocupação da política externa chinesa.
Já na década de 1950, o país buscou a nível internacional, agir com
pragmatismo se aliando a Estados com interesses comuns. O país manteve a ideia
do pragmatismo nas décadas posteriores aliada às ideias do nacionalismo e do
comunismo cujo objetivo era devolver a China seu lugar de direito no mundo
buscando aliados que pudessem ajudar o país em termos de comércio, investimento
e acesso a tecnologia como formas de atingir a modernização econômica. Japão,
EUA, alguns outros países ocidentais, mas também Coréia do Sul, Malásia e
Cingapura foram importantes neste momento. (IBID)
O fantástico crescimento da China nos últimos vinte anos faz surgir uma
questão pertinente: qual é o “lugar de direito” do país no mundo e na região do Leste
Asiático de forma mais particular? Quando Chiang Kai-shek liderou o país e o levou
195

a vitória contra os japoneses no ano de 1945, teve a certeza de colocar a China no


lugar que acreditava ser de direito: entre as cinco maiores potências globais
presentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mais tarde, quando Mao
Zedong tirou Chiang Kai-shek do poder, expulsando-o para Taiwan, e chegando ele
próprio ao poder juntamente com o Partido Comunista, suas ambições para o papel
da China no mundo eram muito maiores. Sua intenção era restaurar a posição
proeminente que o país vivenciou há dois milênios atrás. (TSANG, 2006 apud
TSANG, 2008). Hu Jintao, o atual presidente chinês, é da quarta geração de líderes
pós-Mao218 e entende que a China deve perseguir uma “ascensão pacífica”e não vê
a busca do “lugar de direito” da China no mundo e na região como uma questão
simples e autoritária que não leva em consideração os acontecimentos e
particularidades do restante do globo.A atual liderança chinesa admite que depende
da habilidade do Estado em lidar com seu próprio crescimento e da maneira como o
mundo e sua região geográfica encaram os desafios impostos pela nova potência
emergente que definirão o “lugar de direito” da China. (TSANG, 2008).
O significativo desenvolvimento que se estabeleceu na Ásia, e principalmente
no Leste Asiático no final do século XX e no princípio do século XXI, e a integração
regional advinda deste desenvolvimento veio contrastar com os diversos momentos
de guerra, divisão e suspeitas mútuas que assolaram a região durante todo o século
XX. Apesar do surgimento e do crescimento deste regionalismo, as memórias
históricas de inimizades e rivalidades deixadas pelas guerras, dominações e
invasões são fortes demais para permitir que a integração transcorra sem nenhum
tipo de problema. Pela característica nascente do regionalismo como é
compreendido no atual momento, e também por sua constituição instável quanto ao
relacionamento entre vizinhos, os mecanismos de integração regional do Leste
Asiático, para Xinbo (2009), têm futuro incerto também porque cada país da região
tem visões e expectativas diferentes dos resultados que pretendem alcançar com a
integração, que não são necessariamente garantidos. A participação da China nesta
estrutura regional vai da passividade à pró-atividade em 10 anos, do início da
década de 1990 aos anos 2000, e continuam na segunda década do novo milênio.
Grande parte da integração do Leste Asiático é baseada no comércio, onde
empresas antes dos governos guiam a regionalização da produção. São três os

218
Esta tipologia de “geração de líderes” foi criada por Deng Xiaoping, que enxergava Mao Zedong como o
primeiro grande líder, ele próprio como o segundo, Jiang Zemin como terceiro e Hu Jintao como o quarto.
196

principais grupos de agentes que vêm guiando a integração regional: as firmas


japonesas são baseadas uma lógica de stakeholders, as firmas anglo-saxãs que são
baseadas em uma lógica de shareholder, e as firmas chinesas que são baseadas
no capital étnico chinês que é basicamente familiar e espalhado por toda a região, já
que a diáspora chinesa tem séculos de existência e cresceu com a Revolução
Comunista e apenas com Deng é que estes “expatriados voltaram a investir e
colaborar de forma mais ativa com a China. Mesmo sendo diferentes, todos eles
adotam estratégias transnacionais de mercado, o que leva a conclusão de que não é
necessário que haja um ambiente de competição entre as firmas japonesas,
chinesas e anglo-saxãs. (WAN, 2008). Apesar do importante papel das empresas
como carro chefe deste regionalismo, vale ressaltar que diversos países que fazem
parte da região possuem um sistema de governo que influencia e/ou intervém na
escolha dos setores que são privilegiados na indústria e economia do país, como é o
caso do Japão. Outros países que possuem governos mais fortes e interventores,
como é o caso da China, são muitas vezes donos ou maiores acionistas das
empresas que são responsáveis pela regionalização do Leste Asiático.
A inserção chinesa neste arcabouço regional se iniciou no pós-Guerra Fria,
diferente do Japão que apesar de se equilibrar entre multilateralismo e bilateralismo
deu início à sua relação com a ASEAN ainda na década de 1970. O primeiro
mecanismo de integração regional que contou com a presença chinesa foi a APEC,
três anos depois de sua fundação, período em que a China era considerada membro
observador do grupo. Participar da APEC, cujos objetivos de desenvolvimento
econômico eram complementares aos da agenda chinesa, possibilitou ao país o
sentimento de pertencimento à grande região da Ásia Pacífico bem como de
participação na cooperação econômica regional, o que levou o Estado a entender a
importância de relacionar-se com outros países não só via acordos bilaterais, mas
também.através do contexto regional. (XINBO, 2009).
Mais tarde, em meados da década de 1990, o país se juntou ao recém-criado
ARF, representando um grande passo para a China, uma vez que diferente da
APEC, o ARF havia sido criado para tratar de questões de segurança regional,
possuindo a promoção de uma cooperação regional no âmbito da segurança como
um de seus objetivos. A entrada da China no ARF trazia preocupações ao país não
só pela desconfiança de que Japão, EUA e países da região do Sudeste Asiático
utilizassem o fórum como uma forma de conter uma China forte e crescente, como
197

tentaram fazer com a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (Southeast Asia


Treaty Organization) criada na década de 1950 pelos EUA, mas também por medo
de que houvesse uma internacionalização das questões de disputas territoriais no
Mar da China Meridional, questões estas que eram debatidas pela China de forma
bilateral, mas que caso internacionalizadas poderiam dar margem para a criação de
uma frente unida dos países com os quais o Estado chinês tinha disputas, que
poderiam se fortalecer frente a China .O fato da ASEAN ter se estabelecido como a
principal força dentro do ARF impediu que qualquer um dos dois cenários
emergissem, o que aumentou a confiança chinesa neste tipo de grupos regionais.
(IBID).
Até muito recentemente, a ASEAN era enxergada pela China como um
problema, se não tinha potencial para ser uma ameaça, era no mínimo uma
organização que não conquistou a simpatia do Estado chinês, uma vez que não
possuíam as mesmas metas, além de ser uma organização que estava voltada para
os interesses econômicos e estratégicos norte-americanos. Esta percepção
começou a mudar em meados da década de 1990 durante a crise dos mísseis do
Estreito de Taiwan, quando os EUA ofereceram apoio a Taiwan, colocando-se
contrários à China. Temendo o cerco norte-americano, a China se voltou para o
Leste Asiático como uma forma de limitar o poder dos EUA através de relações
econômicas e de comércio com os países da região.
Entretanto, foi a crise de 1997 que se estabeleceu como um momento chave
para a mudança do olhar chinês sobre a ASEAN. Ao perceber que o destino da
China estava intimamente ligado ao que acontecia na região, ficou claro para o país
que uma mudança de concepção no quesito segurança econômica era necessária.
A partir de então o Estado chinês passou a repensar a importância de sua relação
individual e/ou regional com seus vizinhos como um todo. Além disso, não depender
de instituições financeiras internacionais dominadas pelos EUA aumentou a atração
da China para trabalhar com o Sudeste da Ásia em geral, dentro e fora do escopo da
ASEAN. (BERSLIN, 2008).
A crise financeira asiática de 1997 foi definitiva para o estabelecimento de
uma atitude mais arrojada por parte da China em relação ao regionalismo do Leste
Asiático. Através de empréstimos aos países mais afetados pela crise, o que
impediu a depreciação das moedas nacionais destes, o Estado chinês fez grande
contribuição para a estabilização da situação na região, o que rendeu ao país
198

elogios externos e a percepção por parte dos vizinhos de uma China muito próxima
ao que se entende como uma potência responsável. A resposta positiva à sua
atuação na crise aumentou a postura proativa do país frente a cooperações
econômicas regionais, que culminou na presença chinesa cada vez mais ativa, não
só na ASEAN+3 criada no momento posterior ao ápice da crise, mas também no
mecanismo de FTA China-ASEAN. (XINBO, 2009). A assinatura da FTA China-
ASEAN ajudou a afastar o medo de que o crescimento chinês pudesse custar caro
aos países do Leste Asiático, uma vez que a China se tornaria o destino obvio dos
IEDs e o exportador claro para os mesmos mercados que os países da ASEAN
também exportavam. Apesar de também ter sido vantajoso economicamente falando
para a China, passar a fazer parte da FTA com a ASEAN também serviu para
promover a mensagem de ‘potência pacífica’ que a China queria passar para a
região. (BERSLIN, 2008).
A China está posicionada de forma singular para assumir uma postura pró-
ativa em relação às FTAs, o que inclui a iniciativa China-ASEAN. Primeiro porque a
China ainda tem muito a percorrer no que diz respeito a liberalização do seu
comércio, o que pode significar mais espaço para concessões e grandes
investimentos para parceiros em potencial. Segundo, a China tem um mercado em
expansão. E terceiro, a China é um país que é parte desenvolvido e parte em
desenvolvimento, o que pode se encaixar melhor no perfil da ASEAN ao contrário do
Japão, visto como um país desenvolvido e que prefere manter relações de livre
comércio com outros países que tenham estágios de desenvolvimento parecidos ou
equivalentes ao seu. Contudo, apesar de ter um perfil que pode inicialmente parecer
contrário ao da ASEAN, frente a iniciativa chinesa de iniciar a FTA com a
associação, o Japão começou a estabelecer uma série de acordos de parcerias
econômicas com países da ASEAN em âmbito bilateral (Cingapura, Tailândia,
Malásia Filipinas) e conseguiu estabelecer um acordo de parceria econômica com a
ASEAN em 2007, como uma forma de não ficar defasado em relação a China e a
competição que instaurou na região. (WAN, 2008)
Depois de décadas de influência modesta na Ásia, e também no Leste
Asiático, atualmente a China se mostra um ator regional muito mais importante e
ativo. Depois das reformas econômicas e da maior integração regional e global, o
Estado chinês vivenciou três décadas de rápido crescimento econômico e também
do poder nacional. Entretanto a estratégia de segurança regional aliada à uma série
199

de medidas econômicas e políticas buscaram em conjunto amenizar as


preocupações regionais frente este “boom” vivido pelo país. O Estado chinês
entende que uma China cada vez mais crescente militar e economicamente pode
ser vista como uma ameaça pelos países da região. Esta preocupação está
intimamente ligada ao histórico chinês de apoiar partidos comunistas e movimentos
de libertação nacional por toda Ásia. Apesar de ter deixado de lado seu alinhamento
ideológico ainda na década de 1980, o fato de diversos países do Leste Asiático
contar com uma parte da população que é etnicamente chinesa, e que se aliada a
China pode ameaçar a soberania de diversos países, ainda preocupa os Estados da
região.
Também alguns esforços agressivos em retomar territórios na região durante
o final da década de 1990, contando com exercícios militares, agravaram a
preocupação da região de uma China ameaçadora que foram reforçados ainda mais
frente ao crescimento econômico e militar do país. Apesar de algumas pesquisas
demonstrarem a melhoria da imagem chinesa na região, que já é vista primeiro
como uma oportunidade e não como uma ameaça, principalmente no Sudeste
Asiático, que reúne um grande número de Estados pequenos, é fato que o Japão e
outros países mais próximos a ele, ou com quem a China mantém uma disputa
territorial, não compartilham desta opinião. Ainda assim, a mudança de um olhar
anti-China muito presente na região na década anterior, demonstra o sucesso
parcial da política diplomática chinesa que incluiu a criação de um “Novo Conceito
de Segurança” nos anos de 1997 e 1998, que reformulou os cinco princípios da
coexistência pacífica219, lançados originalmente em 1954, bem como o
comprometimento de não interferir em questões de soberania ou apoiar grupos
separatistas de etnia chinesa em qualquer país através do ASEAN-Way
(SAUNDERS, 2008).
Tamanhas mudanças relacionadas à forma como a China enxergava a região
e a cooperações regionais em tão pouco tempo mudaram também o foco da
diplomacia chinesa. Anteriormente voltada quase que exclusivamente para o
relacionamento com as grandes potências, principalmente os EUA no início da
década de 1990, uma década depois, com o redescobrimento de sua região, a

219
São os cinco princípios: cooperação para benefícios mútuos na base da igualdade; respeito mútuo; não
interferência em assuntos internos de outros Estados; e a resolução de conflitos por meio do diálogo.
(SAUNDERS, 2008)
200

China passou a expandir sua política externa e sua diplomacia para seus países
vizinhos, passando de uma estratégia de boa vizinhança, para outra onde se
colocava como vizinho próspero, pacífico e amigável. Esta mudança de abordagem
regional se deu, pela preocupação chinesa com a segurança e a estabilidade em
sua periferia, ou seja, nos países e na região a sua volta. Esta abordagem tornou-se
mais presente visto que o terrorismo, o separatismo e o extremismo rondavam a
região da Ásia Central durante a década de 1990, o que poderia trazer instabilidade
para o Nordeste Asiático, e também porque a China passou a ter consciência de que
os EUA começavam a forçar alianças políticas e de segurança com países próximos
a China durante o mesmo período. (XINBO, 2009).

Enquanto os Estados Unidos continuam a ser o maior mercado final de exportação


de bens de consumo da Ásia do Leste, as economias do Leste Asiático também se
tornaram mais dependentes umas das outras para exportações e investimentos de
capital. Ao mesmo tempo, o centro de gravidade dos fluxos comerciais regionais
220
está se deslocando do Japão para a China. (WAN, 2008, p. 358, tradução nossa).

Como uma forma de dar maior atenção aos seus vizinhos, principalmente da
Ásia Central, mirando a manutenção de sua segurança e da estabilidade da região
ao seu redor por meios pacíficos, o país fundou a Associação para a Cooperação de
Shangai (ou Shangai Cooperation Organization) em meados de 2001, mesmo ano
em que o país fora aceito na OMC, demonstrando mais uma vez a guinada chinesa
a favor do estabelecimento de grupos de cooperação regional como um caminho
aceitável para sua abordagem de política externa. A entrada da China na OMC
trouxe preocupação aos países do Sudeste Asiático de que o país se tornasse um
poderoso rival na captação de IED e na parcela de mercado de exportação. Para
minimizar este sentimento por parte dos países da ASEAN, a China procurou
expandir a cooperação econômica regional para criar uma situação de ganha-ganha,
e continuar sendo enxergada como uma potência regional responsável.
(SAUNDERS, 2008). Este movimento foi o que deu início as ideias do
estabelecimento da FTA China-ASEAN, o que demonstrou a continuidade da
atividade china em favor do regionalismo na Ásia do Leste. (IBID)
A China também passou a se engajar e negociar com os países da ASEAN
de forma multilateral, lançando uma série de summits anuais com a ASEAN,
participando de forma mais ativa no ARF, e assinando uma declaração não-
220
O texto em língua estrangeira é: While the United States remains the largest final export market for East Asian
goods, East Asian economies have also become more dependent on each other for exports and capital
investment. At the same time, the center of gravity in regional trade flows is shifting from Japan to China.
201

vinculativa, a Declaração de Conduta sobre o Mar da China Meridional (ou


Declaration of Conduct on the South China Sea), que estabelecia a resolução de
conflitos territoriais no Mar da China Meridional de forma pacífica. Além disso, nas
relações com a ASEAN, a China passou a deixar de lado a prerrogativa da barganha
que Estados mais poderosos geralmente possuem quando negociam em âmbito
bilateral com uma associação ou Estado menos poderoso e em 2003 foi o primeiro
Estado que não fazia parte da ASEAN a assinar o Tratado de Amizade e
Cooperação ( ou Treaty of Amity and Cooperation) da Associação. Também, o fato
do Estado chinês estar buscando se relacionar com a ASEAN como um todo dentro
de uma FTA demonstrava que o país não perseguia uma estratégia de “dividir para
conquistar”. (SAUNDERS, 2008).
A participação chinesa no Six Party Talks foi outra demonstração do novo
gosto chinês pelo multilateralismo voltado para a região. O envolvimento do país
com questões da Península Coreana no final da década de 1990 coincidiu com o
momento pró-multilateralismo que vivia o país. A China participou do primeiro Four
Party Talks que ocorreu entre as duas Coréias, o Japão e a própria China entre os
anos de 1997 e 1998 cuja intenção era criar um ambiente de paz e prosperidade na
península. Apesar de não ter obtido grandes resultados, o país voltou a participar do
Six Party Talks no ano de 2002 que tinha como intuito primordial dar fim ao aparato
nuclear da Coréia do Norte e não mais estabelecer a paz na península. A
participação ativa tanto no primeiro quanto no segundo grupo de debate na
Península Coreana tornou a China indispensável para seu sucesso inicial que,
contudo, não foi suficiente para manter o grupo até obter um desfecho bem
sucedido. (XINBO, 2009).
A partir da aproximação chinesa aos mecanismos de integração regional, o
multilateralismo passou a ser enxergado como um instrumento útil para incrementar
os interesses econômicos, políticos e de segurança do país. Xinbo (2009)
argumenta que à medida em que os laços econômicos da China com outros países
passa a crescer, é recomendado que o país passe a buscar arranjos mais
formalizados com o intuito de expandir e consolidar a regionalização através de seus
vizinhos, bem como demonstrar responsabilidade e desenvolvimento de sua
diplomacia. Entretanto, vale ressaltar que não é necessário que o país estabeleça
arranjos formalizados com os países com quem aumenta seu laço econômico para
conseguir aprofundar a sua cooperação regional econômica e aprofundar seu
202

contato com os vizinhos ao seu redor. Também não é necessário que haja uma
cooperação regional extremamente institucionalizada para que a China e seus
vizinhos consigam, através do multilateralismo, driblar obstáculos como questões de
segurança não-tradicional. Entendemos que a inserção chinesa na região através do
multilateralismo é indispensável para criar um ambiente mais amigável, seguro e
estável na região. Todavia, pensando a partir do ASEAN-Way é extremamente
importante que os arranjos multilaterais entre China e os países da região continuem
relativamente frouxos e flexíveis para não deixarem de existir e fomentarem ainda
mais o ambiente de integração regional menos rígido, quando comparado a UE, do
Leste Asiático.
O continente Asiático, e mais especificamente, a região do Leste Asiático se
constitui na área mais importante para a China nos âmbitos político, econômico e
militar, uma vez que é receptora de grande parte de sua exportação e dos seus
investimentos além de se constituir em grande fonte de matérias primas,
fornecedora de componentes, tecnologia e mercado para os produtos finais
chineses. Além de investir na região, a China também atraiu muito IED, responsável
por fomentar o aumento das exportações do país, e por levar a China a grande parte
do seu sucesso econômico derivado de operações de companhias multilaterais que
importam componentes da Ásia, montam os produtos utilizando mão de obra
chinesa e exportam o produto final para mercados ao redor do mundo. A maior parte
destas empresas está baseada na Ásia, e o que produzem corresponde a cerca de
60% das exportações chinesas.
A grande região asiática também se torna indispensável para a China em
questões geográficas e estratégicas: o país tornou-se dependente da importação de
petróleo do Oriente Médio; grande parte do tráfico naval chinês passa por águas
Asiáticas; a China faz fronteira com 14 países do Leste Asiático, da Ásia Central e
do Sul da Ásia; o que deve ser levado em consideração na sua estratégia de
segurança. E por fim a Ásia, e mais especificamente o Leste Asiático, é importante
para a China devido ao seu ambiente político que reúne potências como Japão e
Índia e a própria China, além de abrigar também economias avançadas como Coréia
do Sul e Cingapura. Além disso, o Leste Asiático possui cerca de 30% de toda
população mundial e 19% do PIB global. (SAUNDERS, 2008).
203

“Se o Leste da Ásia conseguir agir de maneira coletiva, é possível que a


região contrabalance o peso geopolítico de EUA e Europa.”221 (SAUNDERS, 2008,
p.129, tradução nossa). Entretanto, a diversidade cultural, étnica e política do Leste
Asiático, e principalmente o respeito e a importância que dão a soberania de cada
Estado, sempre impediu a construção de instituições mais fortes na região. Contudo,
o surgimento de novas instituições que promovem a integração regional e a
cooperação, principalmente econômica, mas também social e de segurança
contornando os ‘problemas’ de soberania e diversidade, pode alterar para melhor o
dinamismo político na região devido ao crescimento do regionalismo e da
cooperação. A China, como grande potência regional pode por sua vez influenciar
de forma decisiva a evolução política da região a favor de seus interesses e metas.
(SAUNDERS, 2008).
É praticamente impossível pensar nas motivações da política externa chinesa
sem se referir ao que aconteceu durante o chamado “século da humilhação”.
(BRESLIN, 2008). A política externa chinesa, que conta com grandes doses de
nacionalismo, é derivada da experiência histórica que o país teve enquanto estava
sob o julgo do imperialismo ocidental e até mesmo japonês anos mais tarde.
Enxergando este princípio, é possível entender os objetivos primários do Estado
dentro de sua política externa. O primeiro objetivo chinês é alcançar um status de
grande potência na região, o que não significa necessariamente que o país quer
dominar o Leste Asiático, mas possuir maior influência na região, e principalmente
significa não ser novamente dominado por outra potência. Alcançar e manter o
status de grande potência, para a China também significa manter a integridade do
seu território, por isso não abre mão de territórios que dela foram tomados tanto no
Norte, quanto no Mar da China Meridional, em Taiwan e na Ásia Central. A
integridade territorial se configura então como um segundo objetivo da política
externa chinesa.(McDOUGALL, 2007).

O apelo de uma política externa nacionalista mais assertiva ganha ainda mais
destaque se ela é vista como capaz de triunfar sobre as ambições regionais dos
EUA e/ou do Japão, que nos leva à importância do balancing e na formação de
222
coalizões na política regional chinesa. (BRESLIN, 2008, p. 134, tradução nossa)

221
O texto em língua estrangeira é: If Asia were able to act collectively , it could rival the geopolitical weight of
North America and Europe”
222
O texto em língua estrangeira é: The appeal of a more assertive nationalist foreign policy gains even greater
resonance if it is seen to trump US and/or Japanese regional ambitions, which brings us to the importance of
balancing and coalition-building in China's regional policy.
204

Outro objetivo chinês é utilizar sua política externa para facilitar o alcance da
estabilidade e do crescimento econômico do país, uma vez que suas alianças
internacionais podem vir a fomentar o processo do crescimento da economia do país
através do comércio e dos investimentos. Estudiosos chineses entendem que é
necessário continuar mantendo o crescimento chinês já que acreditam que, caso o
Estado falhe em conseguir continuar atingindo suas metas econômicas, o sistema
político existente pode começar a se enfraquecer, o que significa que o país
continuará se mantendo estável caso a economia não deixe de crescer.
(McDOUGALL, 2007).
A China possui uma estratégia regional para o Leste Asiático derivado de sua
grande estratégia global, cuja preocupação é manter a estabilidade da região, bem
como a manutenção do poder do Partido Comunista dentro do país, o que significa
que, por anos os líderes chineses buscaram manter a estabilidade internacional para
que este ambiente pudesse dar auxílio a modernização econômica que o país vem
fazendo. Para manter um ambiente estável no Leste Asiático a China vem evitando
conflitos regionais com as EUA que ainda se configuram na maior potência em
atuação na região. Entretanto, algumas elites poderosas dentro do país acreditam
que a presença norte-americana na região tem como objetivo subverter o sistema
político chinês e cercear sua expansão militar e econômica. Contudo, o governo
chinês mantém a postura de construir uma relação positiva com os EUA e com
qualquer grande potência regional, com o intuito de estabelecer uma ordem
multipolar, mas que não constranja o crescimento continuado chinês. (SAUNDERS,
2008).
O engajamento multipolar na região vivenciado pelo Estado chinês que
passou a corresponder como parte de sua política externa, mais ainda para o Leste
Asiático, além da confiança que a China passou a ter neste tipo de mecanismo
possibilitou que o país enxergasse com bons olhos a criação de uma Comunidade
que envolvesse todo Leste Asiático. O estabelecimento de uma comunidade do
Leste Asiático no pensamento chinês, assim como no japonês, é algo que deve ser
feito para o futuro de médio, mas principalmente de longo prazo. O país acredita que
uma comunidade que envolva toda a região deve se constituir como um mecanismo
cooperativo e amplo que evolua gradualmente de processos de cooperação
econômica regional, mais tarde política, em seguida de segurança, depois social e
205

por fim cultural. Uma comunidade ampla do Leste Asiático deve, portanto começar
com uma comunidade econômica, que ainda não se estabeleceu o que significa que
atingir o patamar de uma comunidade regional que seja responsável pela relação
entre todos os seus membros seja em for o âmbito ainda está muito distante.223
Apesar de inicialmente ter acreditado que o EAS poderia se posicionar como
a evolução do Summit da ASEAN+3 onde os treze países do grupo possuiriam a
mesma importância e teriam condições de criar uma comunidade do Leste Asiático
iniciada pela relação mais próxima dos países da ASEAN e os países do Nordeste,
elevando o regionalismo naquela parte da Ásia a um nível superior, a entrada de
países não asiáticos, e o posicionamento da ASEAN novamente como anfitriã e,
portanto, ‘superior’ em comparação com os demais países frustraram as
expectativas chinesas quanto à funcionalidade do EAS para a criação de uma
comunidade verdadeiramente do Leste Asiático. (XINBO, 2009). Desta maneira, o
governo chinês enxergou a entrada de novos membros no EAS através da proposta
feita pelo Japão, como uma forma de diminuir seu poder dentro do grupo e perseguir
a liderança na região. Apesar de se opor a esta posição, a China não pôde se
colocar completa e abertamente contrária à entrada de países como Austrália e
Índia, pelo fato do país buscar estabelecer maior aproximação e amizade com
ambos. (WAN, 2008).
Por estes motivos, o país passou a incentivar o escopo da ASEAN+3, mais
restritivo, como o mais propício para servir de base para a criação de uma
comunidade do Leste da Ásia. Após a decepção com o EAS, a China passou a ter
vários motivos para enxergar que uma possível evolução da ASEAN+3 seria mais
benéfica para a construção de uma comunidade do Leste Asiático nos moldes que
enxergava como corretos. Antes de mais nada, a ASEAN+3 provê uma estrutura
importante para incentivar e promover a cooperação econômica regional em níveis
múltiplos onde os treze países que fazem parte do grupo podem conjuntamente
planejar e promover a cooperação econômica e a integração regional; também o
desdobramento estrutural da ASEAN permite que os três países do Nordeste

223
Dentro e fora da China existem grupos que acreditam no futuro desta comunidade, e outros que não
entendem ser possível estabelecê-la de fato. Os otimistas enxergam que a crescente interdependência entre os
países do Leste Asiático cria também um aumento de normas comuns e de um senso de partilha do de um futuro
comum. Já os pessimistas veem o fato da abertura do mecanismo do EAS, que era para ser a base para a
comunidade exclusiva do Leste Asiático, com a entrada de países de fora da região pode complicar a evolução
do processo, e até mesmo congelá-lo. (XINBO, 2009).
206

Asiático debatam a possibilidade de mais cooperação, até mesmo entre eles e de


cada um deles com a ASEAN como um todo. (XINBO, 2009; TSANG, 2008)
Também, a ASEAN+3 reúne uma série de projetos e mecanismos de
cooperação que incentivaram o seu crescimento e o da região, além de ter a
capacidade de aumentar o diálogo e melhorar as relações políticas entre seus
membros, que incluem as grandes potências da região. Apesar de não se constituir
em um grupo formal de integração econômica, a ASEAN+3 teve êxito ao conseguir
estabelecer uma plataforma de diálogo, convivência e interação apta a promover o
entendimento mútuo e aumentar a melhoria nas relações bilaterais, principalmente
dos países do ‘+3. A China enxerga o Japão não como rival, mas acredita que o país
pode exercer este papel em certas circunstâncias, e também vê a aliança que o país
tem com os EUA como um limitador da política externa chinesa (mesmo que
também seja um limitador para a própria política externa japonesa). (McDOUGALL,
2007) Nestes momentos, a plataforma de diálogo construída pela ASEAN+3 se
mostra ainda mais importante para manter a prosperidade e o bom relacionamento
no Leste Asiático. Por fim, vale dizer ainda, que a o Estado chinês acredita que criar
uma comunidade que inclua treze países do Leste Asiático é uma tarefa difícil, mas
criar uma comunidade que inclua além dos treze, outros países que não fazem parte
do Leste Asiático se torna ainda mais difícil, pouco funcional além de reduzir as
características comuns dos países que formam a comunidade. (XINBO, 2009)
Em questões de política externa e do objetivo chinês de tornar-se uma grande
potência regional, os EUA figuram, para o governo do país, como um de seus
maiores desafios devido a sua presença constante na Ásia Pacífico e mais
recentemente, no Leste Asiático. Ter Japão e Coréia do Sul como aliados, além da a
Austrália, permite a extensão das forças militares norte-americanas para dentro da
região através de bases militares nestes países. Os EUA ainda tem relacionamento
próximo com Taiwan, apesar de reconhecer a República Popular da China. Para
McDougall (2007), o envolvimento norte-americano no Leste e principalmente no
Sudeste Asiático impõe limites a influência chinesa nos países da região, mas não
desacredita ou depõe o status de grande potência regional que a China persegue,
principalmente porque, apesar de não dominar a região, exerce forte influência
principalmente militar e econômica, mas também cultural em certos países do
Sudeste Asiático. O papel da China nas relações com a Coréia do Norte é visto pela
maioria dos países da região, e até mesmo pelos EUA, como indispensável para
207

bons resultados principalmente quando se trata de questões nucleares, o que dá a


China ainda mais importância na região. (McDOUGALL, 2007).
A China reconhece os EUA como o mais importante fator externo a afetar a
integração do Leste Asiático, uma vez que mesmo sem ser geograficamente um
país da região possui interesses relevantes e influência sobre ela. Sendo assim, o
país entende que a postura que o Estado norte-americano tomar frente a
cooperação e a futura comunidade do Leste Asiático afetarão diretamente o
processo de ambos uma vez que os EUA acompanham de perto o impacto que esta
integração pode causar em seus interesses na região. O sistema de alianças dos
EUA com alguns Estados da região permite que o país aumente sua influência no
Leste Asiático. Contudo, apesar de ter uma forte aliança com o Japão, tem relações
cada vez mais distantes com países como a Tailândia, Filipinas e Coréia do Sul, o
que pode diminuir sensivelmente a influência americana na região. (XINBO, 2009)
Este pode ser considerado um dos motivos que leva os EUA a buscar renovar os
laços com estes países e com a Austrália.
Para os políticos chineses o foco norte-americano no processo de
regionalização do Leste da Ásia se concentra em dois pontos principais: a sua
possível marginalização nas instituições multilaterais regionais, e o aumento da força
da China na região em detrimento da norte-americana. A China acredita que os EUA
tentam exercer influência sobre estes dois pontos para conseguir se fazer presente
na região. Em relação ao primeiro ponto, os EUA já conseguiram se inserir nos
mecanismos multilaterais exclusivos da região através da EAS, mas não da
ASEAN+3. Já em relação ao segundo, o Estado chinês tem a certeza de que deve
lidar com a questão com muito cuidado porque entende que o crescimento de uma
China cada vez mais forte na região, seja na área militar, econômica ou como parte
influente de uma comunidade regional, pode ameaçar os EUA fazendo com que
enxerguem que o próximo movimento chinês será expulsá-los da região, trazendo
sérias consequências para ambos. (XINBO, 2009).
Apesar de acreditar que a ASEAN deve tomar a frente quando o assunto é a
liderança em uma futura comunidade regional, devido à complicada natureza do
Leste Asiático que possui dois países rivais e poderosos como destaque da região, a
China sabe que tem condições de utilizar-se da integração regional para criar uma
ordem Sino-cêntrica na região. Mas a presença de potências como Japão, EUA e
agora Índia, e Austrália na região podem se tornar um obstáculo a mais para a
208

instauração desta ordem regional, que estaria certamente baseada em princípios


próximos aos do ASEAN-Way e derivados ainda dos cinco princípios chineses da
coexistência pacífica lançados como base de seu relacionamento com a Índia. .
Segundo McDougall (2007) e Saunders (2008) o poder chinês voltado para
política externa tem três principais fontes. Mesmo que o poder seja relativo, e muitas
vezes seja importante comparar o poder do Estado em seus diversos âmbitos aos
dos adversários em potencial, é fundamental entender o princípio da fonte do poder
chinês dividido em militar, econômico e qualitativo que influencia diretamente a
habilidade do país de atingir suas metas.
A primeira fonte do poder chinês é militar, uma vez que o país se caracteriza
como uma das maiores forças militares no mundo, se colocando como a segunda
fonte dos gastos militares globais (ver Gráfico 17), recebendo investimentos de
bilhões de dólares (mais de dois dígitos) todos os anos desde 1997. (SAUNDERS,
2008). Um dos maiores motivos para o grande crescimento do gasto de defesa
chinês é a tentativa do país em modernizar suas forças armadas e adquirir novas
tecnologias de guerra para manter seus potenciais adversários, como os EUA, sob
controle e garantir melhor desempenho do país em conflitos regionais que possa vir
a se envolver. A busca por novas e modernas tecnologias também é fomentada pela
mudança da doutrina de defesa do país ocorrida desde os anos em que Mao
Zedong esteve no poder, passando por novas modificações no governo de Deng
Xiaoping, e chegando ao momento atual que abre espaço para a tecnologia.
(McDOUGALL, 2007).
209

Gráfico 17: Distribuição total do gasto militar mundial no ano de 2010, tradução nossa. Disponível em: SIPRI
Military Database 2011, http://milexdata.sipri.org e http://www.globalissues.org/article/75/world-military-
spending#WorldMilitarySpending

A modernização das forças armadas chinesas não se limita a prover somente


o aumento tecnológico, mas busca também o aprimoramento das forças aérea e
naval Historicamente, o Exército de Libertação Popular (ou People’s Liberation Army
–PLA) – que incluí o Exército, a Marinha e a Aeronáutica chinesas – é conhecido
como uma extensa força terrestre com habilidade limitada para atuar além das
fronteiras da China. (SAUNDERS, 2008). A nova estratégia de atualização 224 do PLA
está voltada principalmente para a Marinha, uma vez que o país não possui navios
suficientes que possam atuar em alto mar, apenas em regiões costeiras, o que limita
o país quanto a sua atuação regional afastada do que chama de sua ‘periferia’ em
casos de conflito que estão mais propensos de ocorrer em Taiwan, no Mar da China
Meridional225 e até mesmo com Japão ou EUA, em conflitos de proporções

224
A reforma do PLA é feita com base em três pilares: “(1) desenvolvimento, aquisição e desdobramento de
novos sistemas de armas e capacidades; (2) reformas institucionais e sistêmicas para melhorar o
profissionalismo e a qualidade dod militares chineses, e (3) desenvolvimento de novas doutrinas de combate
para empregar esses novos recursos.” (FINKELSTEN, 2007 apud SAUNDERS, 2008). O texto em língua
estrangeira é: (1) development, procurement, and fielding of new weapons systems and capabilities; (2)
institutional and systemic reforms to improve the professionalism and quality of Chinese military personnel; and
(3) development of new war-fighting doctrines for employing these new capabilities.
225
A questão do Mar da China Meridional para a China, não é apenas territorial é algo mais profundo. O país
acredita que tem o direito sobre a região, por estar intimamente ligada com sua história. A reivindicação chinesa
210

aumentadas. “Algumas das novas capacidades militares que a China está


desenvolvendo irão expandir significativamente a capacidade do PLA em projetar
poder na Ásia.”226 (SAUNDERS, 2008, p.136, tradução nossa)
Outro elemento das forças armadas chinesas se concentra na sua posse de
armas nucleares. Desenvolvidas pela primeira vez em 1964, já em meados dos anos
2000, a quantidade de diversos tipos de mísseis incluindo intercontinentais bem
como submarinos atômicos se constitui um arsenal extenso de armas militares.
Apesar de garantir que estas armas são para propósitos unicamente defensivos, ou
seja, que não seriam utilizados antes de um ataque deliberado ao seu território, há
ainda assim a possibilidade que o Estado chinês utilize, em certas circunstâncias
mais regionais, alguns elementos de sua força, como mísseis de curto alcance.
(McDOUGALL, 2007). “Enquanto as forças de defesa podem ser a dimensão mais
óbvia do hard power de um Estado, o poder militar deriva, em última análise, de
força econômica de um país.”227(McDOUGALL, 2007, p. 62, tradução nossa)

O foco no desenvolvimento do setor industrial na era pós-Mao bem como o


investimento em áreas que o país possuía vantagens comparativas permitiu, aliado
ao seu baixo custo de mão-de-obra, a China de hoje liderar a exportação de bens
não duráveis. Apesar de não ser considerado um país com uma economia altamente
tecnológica, o seu desenvolvimento econômico se deu com seu recente e crescente
acesso à tecnologia, bem como o aumento de IEDs vindos de Taiwan, Hong Kong, e
principalmente de EUA e Japão que ainda se configuram como importantes
parceiros comerciais e são indispensáveis para que a China consiga continuar
crescendo economicamente. O crescimento do envolvimento chinês com a
economia mundial, o que inclui também a economia regional, começou na década
de 1980 quando passou a fazer parte do FMI e do Banco Mundial, mas se
intensificou a partir do final da década de 1990 quando passou a fazer parte da
ASEAN+3 e em 2001 quando passou a ser membro da OMC. (McDOUGALL, 2008).
A ligação cada vez maior da China com a economia internacional aumenta
sua influência na política mundial a medida que fortalece os laços com países com

traz conflitos com uma série de países do Sudeste Asiático como Vietnã, Filipinas, Brunei, Malásia, Indonésia e
também com o Japão que está no Nordeste Asiático. (McDOUGALL, 2007)
226
O texto em língua estrangeira é: Some of the new military capabilities China is developing will significantly
expand the PLA’s ability to project power within Asia.
227
O texto em língua estrangeira é: While the defense forces might be the most obvious dimension of a state's
hard power, military power derives ultimately from a country's economic strength.
211

quem mantém trocas comerciais e uma via de investimentos, tornando-se cada vez
mais importante para as economias destes países, que apostam no crescimento
continuado chinês. O mercado chinês tornou-se cada vez mais atrativo ao redor do
mundo, principalmente na região, por ser extenso e absorver todo tipo de produto,
de commodities passando por produtos manufaturados, chegando a produtos de alta
tecnologia. A China tornou-se o maior mercado de exportação também para países
de economia avançada como Coréia do Sul, Taiwan e Japão, que pode inclusive ter
sua economia estagnada beneficiada pelo crescimento chinês. .A diplomacia
econômica chinesa procura favorecer um ambiente que consiga atingir o benefício
mútuo e relações de “ganha-ganha”. (SAUNDERS, 2008).
Apesar de ter aberto uma via de IED para com os países do Leste Asiático, a
China não pode ser enxergada como a maior fornecedora de IEDs da região, já que
possui baixas escalas globais e regionais de investimento como mostram os
Gráficos 13 e 14 do capítulo anterior. Embora tenha crescido muito de 2005 até
2009, inclusive no período da bolha financeira nos EUA, para 2010 os investimentos
chineses destinados para a ASEAN caíram consideravelmente, representando
apenas 4% de todo montante de IED que a associação recebeu em 2010. Contudo,
vale ressaltar que a China começou a encorajar seus investidores a tornarem-se
globais a partir de 2003, possuindo um bom desenvolvimento até 2009. Mesmo com
a baixa dos investimentos para a ASEAN em 2010, a expectativa é que os
investimentos chineses voltem a crescer tendo em vista o papel cada vez mais
importante e engajado da China na região. Mesmo pouco expressivos quando
comparados ao IED provido pelo Japão, EUA, União Europeia e outros, é possível
identificar quatro tipos básicos de investimentos chinês no Leste Asiático.
O primeiro tipo é voltado basicamente para Cingapura e é amplamente
baseado em tentativas de comprar níveis mais elevados do processo de produção
que a China carece, principalmente nos serviços às empresas. O segundo, a partir
da década de 1990 voltados para o aumento da capacidade manufatureira da
Tailândia e do Camboja, principalmente em produtos de baixo valor agregado e
mão-de-obra intensiva. O terceiro tipo em projetos de infraestrutura, principalmente
de transportes. E o quarto, o mais significativo e mais longo, e que não se resume
apenas a região do Leste Asiático, é o investimento voltado para a busca de
recursos naturais, como petróleo, para a China em outros países, e até mesmo em
outros continentes. A presença chinesa na África e seus investimentos voltados para
212

a região tem como finalidade a transmissão dos recursos naturais do continente para
o país, que possui uma indústria crescente e ausência destes recursos. (BERSLIN,
2008).
Entretanto, laços econômicos com a China podem afetar de forma negativa os
interesses particulares de alguns setores internos de países parceiros ou até mesmo
levar a déficits comerciais. Apesar de ser uma grande oportunidade de mercado
para diversos produtores regionais, mas para muitos não é o mercado chinês que
está guiando os novos padrões de investimento e comércio regionais, mas
mercados externos que produzem na China. A grande preocupação é que por várias
vezes, a China não é a exclusiva fonte de poder no mercado, mas funciona somente
como um condutor pelo qual o poder do mercado externo afeta as economias na
região uma vez que a China serve como parte de uma longa cadeia de produção,
pois atrai empresas multilaterais devido ao baixo custo de produção. (BERSLIN,
2008). Também o aumento da interação econômica chinesa com o restante do
mundo diminui a autossuficiência do país, podendo encorajar a sua pluralização,
mas ao mesmo tempo pode passar a diminuir o sistema político autoritário chinês.
Contudo, a diversificação de parceiros comerciais que a China vem experimentando
desde o aumento de sua inserção na economia mundial aumenta as chances do
país continuar atingindo suas metas econômicas de crescimento e desenvolvimento.
(McDOUGALL, 2007).

A China ainda paira de forma muito intensa sobre a Ásia, com toda sua força
econômica global. A ASEAN terá de se envolver com a China tanto como
concorrente, quanto como parceira - uma relação complicada e que tem que ser
228
administrada de maneira pudente. (BERSLIN, 2008, p. 142, tradução nossa)

Atualmente, um novo elemento da diplomacia econômica chinesa é a


construção de FTAs bilaterais e regionais nos quais o país vem se engajando ou
busca no futuro se engajar. O FTA China-ASEAN é o maior e mais significativo
exemplo desta movimentação pró FTAs. Contudo, o Estado chinês está
estabelecendo novos FTAs ao redor do mundo, mas principalmente na região,
como mostra a Tabela 12 a seguir do ano de 2009.(SAUNDERS, 2008).

228
O texto em língua estrangeira é: China still looms very large over Asia, and is a global economic force to be
reckoned with. ASEAN will have to engage China both as competitor and partner- an intricate relationship that
has to be managed prudently.
213

Tabela 12: Acordos de Livre Comércio da China: implementados, sob negociação e em análise no ano de 2009,
tradução nossa. Fonte: Asia Pacific Customs & Trade Disponível em:
http://www.pwccustoms.com/webmedia/doc/633910492656405807_fta_lower_land_cost.pdf

A terceira e última dimensão do poder da China foca em aspectos qualitativos


basicamente de soft power. Apesar do modelo político autoritário, o aumento de links
econômicos com todo o mundo começa a mudar a imagem da China, que mesmo
possuindo uma característica de Estado politicamente fechado, se mostra cada vez
mais aberta e mais presente econômica e culturalmente não só no oriente como
também no ocidente. A invasão de produtos produzidos na China, de filmes
chineses que começam a surgir em festivais de cinema mundo a fora, de turistas
procurando conhecer o país, principalmente depois das Olimpíadas de Beijing de
2008, demonstra uma clara estratégia chinesa para se inserir de maneira mais
branda na política mundial. A China também foi vista, por diversas vezes, como
modelo por diversos países do Terceiro Mundo, e ainda é vista como exemplo por
países em desenvolvimento, mas é discutível se o modelo de autoritarismo político e
capitalismo econômico exerceu alguma influência sobre qualquer um destes países.
Mas é fato afirmar que há uma afinidade cultural da China com o Vietnã, a península
Coreana, com Taiwan e Cingapura, que são não necessariamente transformados
em influência política. (Mc DOUGALL, 2007)
Contudo, o que fica claro é que aspectos de soft power não possuem tanto
destaque na estratégia de política externa chinesa como os poderes militar e
econômico. Além do aumento do número de turistas asiáticos que vem para a China,
214

de estudantes da região que escolhem o país para fazer cursos e de estudantes


chineses que são enviados para países do Leste Asiático, da criação de Institutos
Confúcio em diversos países para a divulgação da cultura e da língua chinesa,
pouco tem sido feito na direção do estabelecimento de um soft power genuinamente
chinês. Alguns países, no entanto são mais influenciados pelo soft power chinês
como é o caso do Vietnã, que recebeu grande ajuda financeira para buscar seu
desenvolvimento, mas outros como é o caso da Coréia do Norte, com quem o
Estado chinês buscou utilizar seu soft power ao máximo parece ainda estar relutante
para qualquer tipo de intervenção chinesa, mesmo que não inclua o hard power
Problemas domésticos, desigualdade social, degradação do meio ambiente, limite
de liberdade política, governo autoritário e constantes pressões políticas também
jogam contra o estabelecimento do soft power chinês, que apesar de inexistente não
possui ainda, nas estratégias externas papel de destaque. (SAUNDERS, 2008).
Apesar de McDougall (2007) afirmar que o poder chinês deriva principalmente
de sua economia crescente que afeta diretamente a região do Leste Asiático e o
mundo, e que o crescimento do poderio militar chinês não deve ser superestimado, o
crescente investimento nas forças armadas chinesas traz preocupação e receio aos
países do Sudeste Asiático com quem a China possui disputas territoriais
principalmente no Mar da China Meridional, sem deixar de lado a questão de Taiwan
por si só, além da disputa pela soberania das ilhas Diaoyu/Senkaku (o primeiro
nome é dado pela China e o segundo pelo Japão) entre o país, o Japão e Taiwan.
A China utiliza-se da retórica para afirmar que o aumento de suas forças
militares é pacífico e não ameaça país algum. Além disso, o país fez alguns esforços
para mostrar que suas forças armadas podem ser utilizadas para fins pacíficos e
para contribuir para a segurança regional e global. Para tal, aumentou sua
participação em missões de manutenção de paz das Nações Unidas principalmente
durante a segunda metade da década de 2000. Também, a China passou a oferecer
maior cooperação nas questões de segurança não-tradicional da região com ênfase
em ações contra terrorismo e contra-pirataria.(SAUNDERS, 2008). Apesar de estas
ações terem simbolizado um papel construtivo para as forças militares chinesas, o
crescimento das forças armadas de um Estado poderoso política e
economicamente, que possui diversas disputas e rivalidades com vizinhos não deve
ser subestimada, principalmente por aqueles envolvidos na questão.
215

O rápido crescimento econômico da China aliado ao aumento dos laços


econômicos do país com a Ásia, principalmente o Leste Asiático,é a maior e mais
importante fonte da expansão da influência chinesa na região. O Estado chinês,
entretanto, possui uma vantagem comercial sobre os países da região com quem
mantém relações cada vez mais próximas: os países do Leste Asiático com quem a
China tem relações estão se tornando cada vez mais dependentes das importações
que a China faz dos seus países, enquanto a dependência relativa do Estado chinês
nos mercados do Leste Asiático permanece a mesma. O volume do comércio chinês
com o Leste Asiático aumentou muito nas últimas décadas229, mas a porcentagem
deste comércio que vai da China, através de exportações, vem caindo, enquanto o
valor em produtos que vai dos Leste Asiático para a China, cresce
exponencialmente.
A China se tornou o primeiro ou segundo principal parceiro econômico de
quase todos os países da região a partir da década de 2000. Esta tendência não é
observada apenas com os países do Sudeste Asiático, mas também com outros
como Japão e Coréia do Sul. O comércio total da China com ambos os países vem
crescendo desde a virada do século e no caso do Japão, apesar de todo o histórico
político de rivalidade, o comércio do país com a China já é maior do que o comércio
do Japão com os dez membros da ASEAN reunidos. A mudança na dependência
comercial vivenciada pelo Leste Asiático no que tange à exportação de produtos
para o mercado chinês pode ser explicada basicamente pela adaptação da pauta
exportadora das demais economias regionais quando confrontadas com o baixo
custo de produção chinês e a facilidade do mercado interno do país em absorver as
importações asiáticas. Esta dependência pode gerar uma influência política
significativa da China, ou de certos grupos dentro do Estado, na região do Leste
Asiático, que podem ou não conseguir influenciar de todo os demais países da
região, o que dependerá exclusivamente da força e da importância que possuem
frente aos demais.
Apesar de a China não divulgar com maiores detalhes a ajuda externa que
envia para, principalmente países de sua ‘periferia’, os países mais pobres do
Sudeste Asiático e da Ásia Central se configuram nos maiores receptores chineses e

229
O valor total do comércio total da China com o Leste Asiático no ano de 2010 foi de mais de US$ 874 bilhões
contra mais de US$ 662 bilhões do comércio japonês com a região. Disponível em: www.aric.adb.org/indicator e
www.databank.worldbank.org
216

recebem assistência que é praticamente toda revertida para infraestrutura e


transporte dos países para conectá-los de forma mais eficiente à China passando
por ambas as regiões. Os esforços chineses para demonstrar e convencer sobre
suas boas intenções obtiveram algum sucesso, contudo, certos países da região
possuem preocupações significativas e reais quanto ao crescimento chinês. Alguns
Estados do Sudeste Asiático encorajam países como EUA, Japão e Índia a
buscarem um papel mais proeminente nas questões de integração e cooperação
regionais como uma forma de balancear a influência chinesa. Enquanto isso,
governos asiáticos tratam a China como uma oportunidade econômica, mas sabem
também que o Estado chinês se constitui em uma ameaça, uma vez que se torna
muito difícil competir com as exportações do país. (SAUNDERS, 2008).
O engajamento chinês em organizações multilaterais foi bem visto pelos
países da região, toda via o comportamento do país em diversos fóruns tem sido
uma mistura de obediência e desobediência às regras. No acordo de livre comércio
que a China assinou com a ASEAN, o país deixou que cada um dos membros
escolhesse, individualmente, o melhor estágio para a liberalização do comércio de
cada um, para que todos pudessem cumprir com o que haviam prometido. Apesar
do FTA ter uma configuração bastante diversa e confusa, os países da ASEAN
ficaram satisfeitos com a disposição do país em ceder as preocupações dos demais
membros. Em outras áreas, no entanto, a China veêm atuando de uma forma menos
coletiva. Em acordos de segurança como os que estão voltados para a questão de
disputas territoriais no oceano e de soberania contam com o desejo chinês em
cooperar, mas pouca vontade em ceder para fazer concessões substantivas na
maioria das questões. Também no que diz respeito a segurança alimentar e
segurança de produção (barreiras não-tarifárias), a China parece agir de forma
dúbia, enquanto age de forma rápida contra qualquer produto originário do mercado
japonês que possa vir a apresentar algum tipo de problemas quanto a sua
segurança, foi acusada de não permitir que a Indonésia usasse seus padrões de
qualidade e segurança para as importações vindas da China. (IBID).
Apesar de não corresponder sempre as expectativas dos arranjos regionais
multilaterais em que se engaja, principalmente quando as questões a serem
resolvidas envolvem segurança e defesa em suas formas mais tradicionais e
reivindicações territoriais, a China possui uma política de “ascensão pacífica”, que
passou a ser chamada pelo governo de “mundo harmonioso”. Esta política,
217

inicialmente atribuída a Zheng Bijan, que trabalhou com Hu Jintao na Escola Central
do Partido na época que Hu fora diretor da Escola, criou o conceito na primeira
metade na década de 2000, com o intuito de dar à China uma nova proeminência
política internacional inspirada nas 24 palavras estratégicas atribuídas a Deng
Xiaoping na década de 1980 que serviriam de guia para que a China se tornasse
uma grande potência de fato nos seus próprios termos e sem atrair atenções
indesejadas e represálias do restante do mundo. O autor do conceito afirmava que
em 25 anos de reformas o país conseguiu encontrar uma via que possibilitava a
construção de um país socialista com características chinesas no contexto do
mundo globalizado de hoje. A política elaborada por Zheng possui três pontos
principais:

-China vem se tornando cada vez mais ativa e envolvida economicamente no


processo de globalização, mas vem fazendo isso em seus próprios termos na base
de suas próprias capacidades;
-Ao mesmo tempo, isto exige que a China conte com inovações institucionais
domésticas, reestruturação industrial, desenvolvimento de mercados internos,
transformação de poupança em capital de investimento, e melhoria da qualidade da
mão-de-obra para superar as limitações impostas por problemas de recursos e
outros problemas circunstanciais;
-O uso da força buscando a hegemonia deve ser evitado para permitir que a
ascensão chinesa se dê nos termos dos dois pontos mencionados
230
acima. (TSANG, 2008, p. 85, tradução nossa)

Esta foi uma declaração para aumentar a confiança dos países da região na
China que procura provar que apesar de continuar voltando suas atenções para as
questões domésticas, o país procura também atuar de forma construtiva no Leste
Asiático. Esta noção era continuamente repetida pelos líderes chineses com a
intenção de demonstrar que não havia nenhuma vontade de impor uma hegemonia
na região. Foi inclusive durante um summit entre o país e a ASEAN em 2006 que o
então presidente chinês que “a China apoia o papel de liderança da ASEAN nos
negócios regionais e na cooperação regional”231 . Não são todos, porém, que são
convencidos por esta retórica. (BERSLIN, 2008).

230
O texto em língua estrangeira é: - China getting actively and economically involved in the globalization
process, but doing so on its own terms and on the basis of its own capacities; - At the same time entails China
relying on domestic institutional innovations, industrial restructuring, developing domestic markets, transforming
high savings into investment capital, and improving the quality of the workforce to overcome the limitations
imposed by resources and other circumstantial problems;- The use of force seeking of hegemony to be avoided to
enable China to rise on the basis of the above two points.
231
O texto em língua estrangeira é: “China consistently supports ASEAN’s leading tole in regional affairs and
regional co-operation.”
218

Apesar do nome da política oriunda da declaração de Zheng ter sido mudada


algumas vezes (de “ascensão pacífica” para “desenvolvimento pacífico” para “mundo
harmonioso”), a essência da política continuou sendo a mesma, possuindo apenas
mudanças de nomes para assegurar aos vizinhos e aos demais países do mundo
que o bom momento de crescimento e desenvolvimento vivido pela China não irá
ameaçá-los de forma alguma. As mudanças de nomes nos últimos anos tem apenas
o objetivo de, através da língua e dos significados das palavras, diminuir ainda mais
a ameaça sobre os demais. (YAN, 2004 apud TSANG, 2008). A ascensão chinesa
neste conceito, não prima pelo aumento das capacidades militares do país, mas
incentiva a construção de um poder que reúna as esferas econômica, diplomática,
militar e de soft power ao mesmo tempo. (TSANG, 2008). Entretanto, apesar da
ênfase de um poder “multipolar” que extrapole o hard power a China continua
investindo muito mais em suas forças militares e econômicas, que de diplomacia e
soft power, que acabam, por fim, perpetuando posturas mais de hard que de soft
power.

A liderança chinesa passou por grandes dificuldades para garantir às audiências


internacionais que o país nunca buscará hegemonia e que seu crescimento não será
somente pacífico, mas também economicamente vantajoso para o restante do Leste
Asiático. Não são todos que acreditam nisso e apontam para a filosofia de Deng
Xiaoping de manter as ambições reais da China escondidas como evidência de
232
objetivos de longo prazo muito mais perigoso. (BRESLIN, 2008, p. 134, tradução
nossa).

Dentro do campo de segurança regional, o entendimento dominante da


estratégia chinesa é sustentado por um discurso duplo de hegemonia. O primeiro
discurso gira em torno da preocupação das ambições da hegemonia chinesa
afirmando que em curto prazo o país vai conseguir alcançar e enfraquecer o poder
dos EUA no Leste Asiático, e no longo prazo vai estabelecer uma liderança ou uma
hegemonia na região. As parcerias e laços economias cada vez mais fortes entre a
China e os demais países da região (e também com a ASEAN) aumentam cada vez
mais a ideia de que a China esta moldando novamente, a seu gosto, a ordem
regional. (ROY, 1994; SHAMBAUGH, 2004 apud BRESLIN, 2008). O segundo
discurso se prende mais no entendimento das motivações do engajamento chinês
na região e sugere que preocupações sobre conter e ao mesmo tempo alcançar a
232
O texto em língua estrangeira é: The Chinese leadership has gone to great pains to assure international
audiences that China will never seek hegemony and that its rise will not only be peaceful but also economically
beneficial for the rest of East Asia. Not everybody believes this, pointing to Deng Xiaoping's philosophy of of
keeping China's real ambitions hidden as evidence of more sinister long term goals.
219

hegemonia norte-americana vem guiando a política chinesa. A literatura voltada para


este discurso afirma que o governo chinês vem aumentando e melhorando as
relações com os vizinhos no âmbito econômico e diplomático com o intuito de ao
menos limitar o poder dos EUA na região e uma possível coalizão com os países da
região, principalmente dos aliados norte-americanos, liderada pelos EUA.
(FRIEDBER, 1993-4; CHRISTENSEN, 2006 apud BERSLIN, 2008).
O centro da política de segurança chinesa pode ser visto como o clássico
“balança de poder” que busca conter ou evitar o conflito. Apesar da condição de líder
regional do Estado chinês continuar a ser vista como incerta pelos países da região
e pelo resto do mundo, a promoção de relações amistosas da China com países do
Leste Asiático que possuíam ou possuem fortes ligações com os EUA, através de
relações diplomáticas ou laços comerciais, é uma forma de neutralizar a ameaça
norte-americana à posição chinesa. A partir deste arcabouço uma possível liderança
chinesa se baseia em estabelecer uma certa dependência estratégica entre seus
vizinhos para garantir que nenhum deles escolha o lado dos EUA, caso em algum
momento a questão de Taiwan chegue a um ponto em que seja necessário escolher
um dos dois lados. (SUTTER, 2004; CHRISTENSEN, 2006; MEDEIROS, 2005-6;
CHAMBERS, 2007 apud BERSLIN, 2008). “A política chinesa [para a região] não
está preocupada apenas com os EUA, mas também em prevenir a liderança
233
japonesa por si própria ou em parceria com os EUA.” (BERSLIN, 2008, p. 136,
tradução).

No geral, a China é considerada um ator importante, com um poder crescente


e significativo para a região e para o mundo, mas ainda não pode ser considerado
um líder regional. O papel da China no leste Asiático ainda é debatido entre escolas
que estudam segurança, e não há um consenso sobre se o crescimento da China é
uma força para alcançar maior estabilidade na região, ou uma fonte de conflito
inevitável, apesar de toda sua campanha de ascensão, e desenvolvimento pacíficos
e harmoniosos. Há, contudo, a certeza de que a preocupação da China com o papel
de EUA e Japão na região foi o que fez com que o país abraçasse o Leste Asiático,
suas nações e se multilateralismo. Berslin (2008) acredita que a China só estará na
posição de exercer seu poder e sua liderança quando o país se tornar fonte de

233
O texto em língua estrangeira é: Chinese policy is not Just concerned with the U.S., but also with preventing
Japanese leadership, on its own or in partnership with the US.”
220

investimentos significativos para toda a região e conseguir moldar seu processo de


produção através de outros meios que não a produção competitiva. O autor afirma
também que o atual foco demasiado na China pode acabar subestimando a
importância do Japão também como um ator chave não só na região mas também
no desenvolvimento futuro das instituições e organizações regionais. (STUBB, 2002;
HENNOCK, 2001 apud BERSLIN, 2008). É altamente improvável que o Japão
permita sem relutância que a China assuma o papel de líder regional, ou que atores
de fora da região, principalmente os EUA não farão nada para impedir ou controlar
essa escalada do poder chinês no leste Asiático.
A próxima seção será dedicada a esta disputa que envolve basicamente
Japão e China, mas também os EUA, onde focaremos em entender os padrões de
busca e de tipos de liderança que ambos os países aparentam atualmente, bem
como demonstrar porque a relação entre Japão e China, principalmente no que se
refere a liderança da região, é tão conturbada.

4.4. Duas potências, dois tipos de liderança no Leste Asiático

4.4.1. As modernas relações Sino-Japonesas

Segundo Ijiri (1990), o Japão possui até hoje um complexo de inferioridade


devido ao seu débito cultural com a China e ao passado de agressões contra o país,
mas ao mesmo tempo tem um complexo de superioridade baseado na assistência
que deu ao Estado chinês para que atingisse sua modernização e no desprezo pelo
atraso chinês em certas áreas como tecnologia. (IJIRI, 1990 apud
McDOUGALL,2007). “Enquanto os EUA teoricamente possuem a opção de reduzir
sua presença ou até mesmo se retirar da região, China e Japão são
inexoravelmente parte de seu futuro."234 (McDOUGALL, 2007, p. 145, tradução
nossa)

Para a China, o papel japonês no sistema internacional, logo após o final da


Segunda Guerra Mundial, estava intimamente ligado às suas relações com os EUA,

234
O texto em língua estrangeira é: Whereas the United States theoretically has the option of reducing its
presence or even withdrawing from the region, China and Japan are inextricably part of its future.
221

e principalmente ao Tratado Mútuo de Segurança entre Japão e EUA 235 (ou US-
Japan Mutual Security Treaty) de 1951, o que significa que enquanto houvesse um
antagonismo entre China e EUA, haveria também hostilidade entre Japão e China.
Quando as relações entre China e EUA melhoraram, o mesmo aconteceu com as
relações Sino-Japonesas, quando pioraram não foi diferente. Nos momentos em que
o antagonismo prevalecia entre Japão e China costumava ser agravado pelas
memórias históricas das guerras e do imperialismo que a primeira tem do segundo
com a Guerra Sino-Japonesa do final do século XIX, com a ocupação da Manchúria
em 1931, e a outra Guerra contra a China em 1937. Durante a Guerra Fria,
principalmente nas décadas de 1950 e 1960,o claro antagonismo entre os Estados
chinês e japonês prevaleceu também nas relações de China com
Japão.(McDOUGALL, 2007)
Durante os anos de 1950, a relação entre China e Japão era diretamente
influenciada pelo domínio que os EUA exerciam sobre o Japão. No início da década
quando EUA e Japão assinaram o tratado que selava a paz com a China, o fizeram
com a República da China, estabelecida em Taiwan, e não com a República Popular
da China (ou People’s Republic China – PRC), no continente. Este movimento feito
pelo Estado japonês seguia a direção norte-americana em não reconhecer a PRC,
apoiando sua política de contenção do país, mas ainda assim o Japão mantinha
relações comerciais com a China baseando-se na separação da política da
economia. A partir de 1965 o Japão já era o maior parceiro comercial da China,
passando a frente da URSS, entretanto, continuava mantendo laços fortes com
Taiwan o que desagradava o governo chinês. (McDOUGALL,2007). É possível
perceber que desde a década de 1960 que a interdependência tem um traço forte na
região do Leste Asiático, que a partir de 1967 com a ASEAN só tende a aumentar,
apesar do passado de inimizades que ronda a região.
Nas últimas seis décadas, as estruturas internas do Japão para suas relações
com a China, estão fixadas nas imposições do pós Guerra estabelecidas quando foi
vencido no final da Segunda Guerra Mundial. Como país vencido o Japão foi
obrigado a aceitar a ocupação dos Aliados, reformas guiadas pró-democratização e
desmilitarização. Durante a Guerra Fria, se alinhou com os EUA como uma forma de

235
O Tratado Mútuo de Segurança foi assinado em 1951 e ratificado um ano depois pelos EUA. No tratado, o
Japão dava concessão aos EUA de estabelecer presença militar no Extremo Oriente e proíbe o Japão de
fornecer bases militares para qualquer potência estrangeira sem o consentimento dos EUA.
222

garantir sua ‘liberdade’ depois de ter assinado o Tratado de Paz de São Francisco
de 1951 e a partir de então passou a seguir uma política de militarização limitada,
concentração de investimentos na economia e supressão de fatores nacionalistas e
históricos em sua identidade interna e externa como parte da Doutrina Yoshida
extremamente pragmática. (HUGHES, 2008).
A normalização das relações entre China e Japão aconteceu no início dos
anos de 1970, quando em setembro de 1972 durante a visita do presidente norte-
americano Richard Nixon, a China e os EUA assinaram o Comunicado de Shangai
(ou Shangai Communiqué) que estipulou a reaproximação dos países e
consequentemente de China e Japão. No Comunicado de Shangai ficou estipulado
que a normalização das relações ente China e EUA era um desejo de todas as
nações e extremamente importante para a paz e a prosperidade no mundo.
Também, ficou acordado que não poderia haver uma disputa de hegemonia na
região da Ásia Pacífico, pelo lado chinês, americano, ou de qualquer outra potência,
o que claro, incluiria o Japão. A assinatura do comunicado foi vista por parte da
China como muito importante para afastar a possibilidade de ter o Japão, que
apesar de contido pelos EUA, ainda trazia uma aura de insegurança para a região.
Mais tarde no final da década em 1978, a assinatura do Tratado de Paz e Amizade
(ou Treaty of Peace and Friendship) consolidou a relação Sino-Japonesa e o
restabelecimento da diplomacia entre os dois países. (McDOUGALL, 2007).
Antes mesmo da assinatura dos tratados de 1972 e 1978 que normalizaram
as relações entres os países, uma série de eventos pró-China no Japão, mesmo que
baseados em afinidades culturais superficiais e até mesmo românticas, como a
‘diplomacia dos pandas’ que acontece até hoje, como símbolo de demonstração de
respeito e amizade ajudou a fortalecer o consenso sobre a necessidade do
fortalecimento das relações. Entretanto, questões culturais, históricas e de
identidade nacional, alinhadas com a política pragmática japonesa, foram deixadas
de lado na agenda de política Sino-Japonesa, o que demonstra uma necessidade de
“varrer para debaixo do tapete” estas questões, deixando que se acumulassem nas
próximas décadas e tornando-se um dos principais pontos fracos da relação entre os
dois países. O Communiqué e o Tratado da década de 1970 também não fazem
menções explicitas a história e aceitam o direito chinês às reparações pelo Japão
uma vez que as relações deveriam ser a partir de agora de não-agressão. Outras
questões também ligadas a acontecimentos históricos, como disputas territoriais,
223

foram esquecidas momentaneamente pelo bem da melhora das relações bilaterais


(HUGHES, 2008), o que não significa que ter ignorado tais questões
momentaneamente no passado não faria com que florescessem novamente no
futuro e com muito mais peso.
Com o novo deterioramento da relação URSS-EUA, depois do período de
deténte, e do continuo mau relacionamento entre a União Soviética e a China, a
aproximação entre chineses e norte-americanos se tornou mais fácil, uma vez que
se aproximavam as visões entre EUA e China sobre a URSS, e que novamente
impactou nas relações Sino-Japonesas. A China passou a acreditar que um Japão
novamente armado poderia ser benéfico para a contenção de uma possível
hegemonia soviética, principalmente na região. Seguindo o momento de boas
relações, a troca comercial entre os dois países, continuou crescendo a partir do
final da década de 1970, depois da assinatura do tratado. Em 10 anos o comércio
entre os dois Estados passou de US$ 5 bilhões para quase US$ 20 bilhões
(ARNOLD,1989 apud MCDOUGALL, 2007). Contudo, havia a especulação de que
os japoneses estavam mais motivados na sua relação com a China, não tanto por
fatores econômicos, mas mais por interesses de longo prazo em manter a China
politicamente estável.
Novamente a partir de 1982 as relações Sino-Japonesas foram estremecidas
quando a China cancelou unilateralmente contratos japoneses no valor de “300
bilhões de ienes para a construção da Siderurgia de Baoshan” próximo a Shangai.
(ARNOLD,1989 apud MCDOUGALL, 2007, p.146). Durante toda a década de 1980,
mudanças estratégicas na aproximação de URSS e China, bem como de China e
EUA influíram novamente na postura externa Sino-Japonesa. Com a nova deténte
instaurada pela chegada de Gorbachev ao poder, a China tornou-se menos
estratégica para os EUA, e consequentemente, URSS e China também se
reaproximaram. Esta reaproximação fez com que a China, olhasse novamente de
modo diferente para a questão militar japonesa. Ao enxergar o país com um possível
futuro rival, que devido a problemas na aliança de segurança com os EUA se
colocava cada vez mais como um ator mais independente na região, a China passou
a desencorajar expansão militar do Japão, e a preferir que o país possuísse um
papel defensivo bem menor na região.
Apesar do espantoso crescimento do comércio entre Japão e China na
durante os anos de 1980, a década foi marcada por diversos episódios que
224

deixavam clara a fragilidade da relação. Nos anos de 1982 e 1986 houve protestos
chineses contra explicações brandas em livros escolares japoneses sobre o que o
exército do Japão havia feito durante a Guerra Sino-Japonesa;em 1985 o governo
chinês se colocou contrário a uma visita que o Primeiro Ministro japonês da época,
Nakasone Yasuhiro, havia feito ao templo Yasukuni, que honra os soldados
japoneses mortos em combate, inclusive alguns que foram considerados criminosos
de guerra (visitas ao templo por autoridades japonesas sempre enfraquecem a
relação com a China); em 1987 uma decisão da Alta Corte de Osaka decidiu que um
albergue estudantil localizado em Kyoto e que havia sido adquirido pela República
da China antes da revolução de Mao, que separou as duas Chinas, era de direito de
Taiwan e não da PRC trouxe novo enfraquecimento as relações uma vez que a PRC
afirmava que esse era um sinal de que o Japão não reconhecia um único governo
chinês e que se aproximava cada vez mais de Taiwan. (McDOUGALL, 2007). "Mas
isso foi neutralizado com as promessas continuas de empréstimos em ienes e o
reconhecimento contrito, porém discreto por parte do Japão das agressões
passadas." (DRIFTE, 2003, pg. 28-29 apud HUGHES, 2008, p.43, tradução nossa).

Outro episódio que criou tensões entre China e Japão foi o Massacre da
Praça da Paz Celestial (ou Tiananmen Saquare) em 1989 que interrompeu as
relações entre os dois países por algum tempo. O Japão buscou tratar deste assunto
com bastante cautela, afinal como ficara provado para a China era, e continua
sendo, um vizinho importante política e economicamente. Por um lado as potências
ocidentais, principalmente os EUA, pressionavam o Japão a agir de maneira mais
dura em relação à atitude do governo chinês, mesmo que não fosse da vontade
japonesa. Por outro lado, os eventos da Guerra de 1937-1945 entre Japão e China e
as atrocidade cometidas pelo Japão durante a Guerra, faziam com que o país fosse
menos crítico em relação aos eventos que ocorrem durante as manifestações na
Praça da Paz Celestial. Apesar de relutante, em seguir os países ocidentais em
sanções à China, em meados de 1989 o Japão afirmou que suspenderia um
programa de cinco anos de empréstimos em condições favoráveis que somavam
US$ 5,5 bilhões que começaria em menos de um ano.
Apesar de os EUA terem seguido com sanções à China, no ano de 1990, o
programa de empréstimos em condições favoráveis à China foram retomados pelo
Japão como uma forma de manter boas relações com a China já que o país não se
225

sentia no ‘direito’ de criticá-la. Também foi o Primeiro Ministro japonês Tokishi Kaifu
o primeiro chefe de um Estado de peso a visitar a China depois da questão da Praça
da Paz Celestial em 1991, o que deu ênfase às relações Sino-Japonesas e fez com
que o Japão servisse de ponte entre a China e os países ocidentais. Durante a visita
do Primeiro Ministro japonês, a China anunciou que concordaria assinar o Tratado
do Não-Proliferação(TNP) e atuar de forma cooperativa com a Coréia e o Camboja.
Através deste ato, o Japão começou a buscar um maior papel internacional,
particularmente na região do Leste Asiático, para si próprio. (GREEN, 2008)

Nesse sentido, então, as relações do Japão com a China no pós-guerra se


mantiveram presas em um túnel do tempo [...] o que significa que para o Japão que
a história deste período nunca terminou. Mas em outro sentido, nunca as relações
sino-japonesas, que reiniciaram em 1972, tiveram a oportunidade de começar
novamente, uma vez que a questão da história foi deliberadamente deixada de
236
lado. (HUGHES, 2003,p. 43, tradução nossa).

A partir da década de 1990, Japão e China envolviam-se mais política e


economicamente, mas ainda havia certa fragilidade nas suas relações diplomáticas,
O Japão figurava como o principal ator na relação econômica dos dois países já que
a China dependia das importações japonesas de seus produtos que representavam
mais de 15% do total das exportações chinesas e também porque a ajuda externa
que o Japão provia para a China representava mais de 35% do que recebia. (DELFS
& DO ROSARIO, 1991 apud MCDOUGALL, 2007). “Durante grande parte do tempo,
a balança comercial estava a favor do Japão, contudo esta balança vem mudando
mais recentemente.”237(MCDOUGALL, 2007, p. 148, tradução nossa). Apesar de os
empresários japoneses estarem receosos quanto a investirem na China na década
de 1990, o governo japonês manteve seus investimentos e sua ajuda externa para
gerar maior desenvolvimento no país, e com isso mais estabilidade para a região.
Estes números se mantêm com a entrada do século XXI, onde a China é vista como
grande exportadora para o Japão, mas também o Japão grande exportador para a
China, e onde o Estado chinês continua recebendo grandes quantias de IED
japonês, como mostra a Tabela 13 a seguir.

236
O texto em língua estrangeira é: In this sense, ten, Japan's post war relations with China remained stuck in a
time warp of the post-war settlement and concomitant domestic system, meaning that for Japan in this period
history never ended. But in another sense, Sino-Japanese relations, even though they began in 1972, never had
the opportunity to start afresh as the issue of history was deliberately brushed aside.
237
O texto em língua estrangeira é: For the most part, trade balances have been in Japan’s favor, although the
balance has changed more recently.”
226

IED Japão para China


Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
US$ 1.019.200 1.483.300 1.718.100 3.064.6 4.539.200 6.596.000 6.164.200 6.203.400 6.480.300 6.938.100 7.160.400
IED China para Japão
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
US$ 4.600 3.300 2.400 2.600 8.300 11.800 12.000 14.400 36.800 -144.300 314.500

Exportações Japão para China


Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Milhões de US$ 30.378.789 30.937.428 39.824.770 57.415.694 73.935.977 80.074.348 92.769.551 109.270.656 124.900.515 109.727.530 149.450.759
Exportações China para Japão
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Milhões de US$ 55.100.749 57.750.849 61.784.474 75.469.692 94.337.209 108.477.569 118.525.736 127.922.366 143.229.984 122.573.166 153.203.234
Tabela 13: Investimentos Externos de Japão para a China e de China para Japão. Exportações de Japão para a
China e de China para Japão 2000-2010. Fonte: OCDE Statistics. Disponível em:
http://stats.oecd.org/Index.aspx?DatasetCode=FDI_FLOW_PARTNER

Estes números traduzem um padrão da relação Sino-Japonesa após o fim da


Guerra Fria: ela deve ser analisada pelo viés econômico. Embora sejam enxergados
como potenciais rivais políticos, suas relações econômicas encorajam uma
modificação em seu comportamento que pode, por um lado levar a cooperação, e
por outro, ao conflito, principalmente se houver desconfianças ou movimentos de
uma das duas partes voltadas para a liderança ou hegemonia regional. Mas não só
a questão econômica pauta as relações entre chineses e japoneses no pós-Guerra
Fria. A questão da culpa pela Guerra é uma forte influência, mesmo que
subentendida, influencia os políticas externas de Japão para a China e vice versa. O
Estado chinês utilizou mais fortemente no passado, mas de certa forma continua
utilizando este tópico como uma forma de impedir o Japão a alcançar um papel mais
proeminente no cenário internacional, principalmente no que se relaciona a questões
de segurança. Esta ‘carta’ utilizada pela China pode ser enxergada em diversos
episódios, uns que revelam a fragilidade da relação entre os países, e outras que
expõe claramente a utilização da “culpa pela Guerra” como um limitador para o
Japão, ao longo da década de 1990 e 2000. (McDOUGALL, 2007).
Diversas questões que ligam a Guerra Sino-Japonesa irritam os chineses que
pressionam, através da questão da culpa da guerra, os japoneses a agir da forma
como os primeiros acreditam ser conveniente, o que nem sempre funciona. Mas em
1994, um Ministro da Justiça do Japão foi forçado a pedir demissão depois de
afirmar que o massacre de Nanjing em 1997, durante a Guerra Sino-Japonesa, não
ocorreu. No ano de 1995 o então Primeiro Ministro japonês, Murayama Tomiichi,
durante sua ida a China, visitou a ponte de Nanjing onde ocorreram as hostilidades
entre os exércitos dos dois países no de 1937. A intenção do Estado chinês era
227

forçar a aprovação de desculpas formais na Dieta238 japonesa, mas não houve


grandes resultados.
Além disso, há uma pressão continua para que o Japão peça desculpas
formais pelo seu comportamento durante a Guerra, e apesar grande parte dos
líderes japoneses já terem expressado seu remorso sobre as ações do país, nunca
de fato o fizeram em forma de desculpa formal. As visitas ao templo Yasukuni
sempre foram outra questão controversa. Toda vez que algum primeiro Ministro
visita o templo em homenagem aos heróis de Guerra sempre causa um
estremecimento entre Japão e China, foi assim com a visita de Nakasone Yasuhiro
em 1985, de Hashimoto Ryutanro em 1996 e mais recentemente como Koizumi
Junichiro em 2001.“Em 2004 novamente houve um tensão na relação dos países
devido a livros escolares japoneses que abordam o “massacre de Nanking” segundo
os chineses, como o “incidente de Nanking”, onde para os japoneses “ um grande
número de chineses morreu” e para os chineses foram cerca de 300 mil.(ROY, 2005
apud McDOUGALL, 2007).
A crise do Golfo Pérsico nos anos de 1990-1991 afetou de certa forma as
relações entre Japão e China. Havia certa preocupação por parte dos chineses de
que o debate dentro do Japão para que o país enviasse tropas para ajudar nas
operações de manutenção de paz pudessem dar início a ambições militares maiores
do exército japonês. A imprensa chinesa afirmava que a possibilidade de o Japão
enviar forças de peacekeeping em nome das Nações Unidas para o Golfo Pérsico
traria mal estar entre os chineses e o medo de que a história se repetisse. (China
Quarterly nº125, 1991 apud McDOUGALL). O Japão nunca enviou missões para a
crise do Golfo, mas em 1992 enviou outras tropas em missão de paz, o que
novamente desagradou os chineses.
A relação japonesa com Taiwan também desperta tensões na relação entre
os dois países. Os laços entre Taiwan e o Estado japonês datam do período de 1895
e 1945 quando o primeiro foi colônia do segundo, assim como os laços econômicos
e comerciais entre os dois. No ano de 1990, por exemplo, as trocas comerciais entre
Japão e Taiwan chegavam a US$ 23 bilhões, ultrapassando o comércio japonês
com a China, cerca de US$ 5,5 bilhões (BAUM & DO ROSARIO apud
MCDOUGALL, 2007). Quando houve a crise dos mísseis de Taiwan, no ano de

238
Assembleia japonesa.
228

1996, momento em que a China laçou alguns mísseis que caíram ao redor da ilha,
em um primeiro momento ainda em 1995 com o intuito de alertar a ilha da política de
uma só China e não duas, e no segundo momento como retaliação deliberada às
eleições para presidente de Taiwan, o Japão buscou tomar uma postura neutra,
entre os EUA, que foram contra os ataques, e a China, afinal, era um país
importante para a região. Entretanto, uma Declaração de Segurança Conjunta
assinada entre os EUA e o Japão levantaram as suspeitas chinesas de que o Japão
teria a intenção de se envolver diretamente na crise, e em outras tantas que
envolvessem o Taiwan, o que até o momento não aconteceu. (GREEN, 2008).
A questão de soberania sobre as Ilhas Senkaku/Diaoyu no Mar da China
Meridional aflorou no final do ano de 1990, quando o Japão retirou o reconhecimento
sobre um farol que estava nas ilhas depois de grande reclamação por parte de
China e Taiwan. Novamente, na China, a culpa do Japão pela Guerra falava mais
alto e a imprensa afirmava que a invasão japonesa neste território chinês revelava a
mentalidade expansionista do Japão e o ressurgimento do seu militarismo. (China
Quarterly nº125, 1991 apud McDOUGALL). Além de ter declarado que a soberania
das ilhas era indisputável, a China também propôs que retomando o que ambos os
países haviam feito em 1972, novamente adiar a questão da soberania das ilhas,
desenvolver os recursos naturais nas águas ao redor das ilhas, e abrir os recursos
pesqueiros do local para o mundo. Contudo em 1996 as disputas voltaram a
acontecer quando novamente ativistas construíram novo foral nas ilhas além de
outras estruturas, o que gerou protestos em Hong Kong e Taiwan. No mesmo ano o
Japão declarou uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) em cerca de 370 km ao redor
das ilhas e pressionou os EUA a afirmarem que seu tratado de segurança incluía
também aquela região. Em 1997, novamente Japão e China acordaram em adiar a
questão da soberania e estabeleceram uma zona de administração conjunta na ZEE
estabelecida pelo Japão.
Entretanto entre 2003 e 2004 novos ativistas desta vez chineses, fizeram
quatro tentativas de desembarcar na ilha, e quando conseguiram sete chineses
foram presos pela polícia japonesa e depois enviados novamente para a China. Este
ato levou a novos protestos na China que reclamavam que o Japão presumia que as
ilhas eram seu território. A disputa, mesmo que menos ativa, continua entre Japão,
China e também Taiwan, uma vez que acredita-se que o Mar da China Meridional
pode ser uma área rica em gás e petróleo. (McDOUGALL, 2007). Mais
229

recentemente, no final ano de 2010, um barco pesqueiro chinês e duas


embarcações de patrulhamento do Japão que rondavam as ilhas se chocaram e
estremeceram mais uma vez as relações entre Japão e China. O incidente teve
maiores repercussões pois o Japão manteve o capitão do barco preso por 15 dias, o
que levou uma onda de protestos na China e ameaças de consequências graves por
parte do Primeiro Ministro chinês Wen Jiabao ao então Primeiro Ministro japonês
Naoto Kan.239 (CBC News, 2010).
O início da década de 2000, no governo de Koizumi Junichiro (2001-2006) foi
provavelmente o momento das piores condições da relação Sino-Japonesa depois
do começo da normalização diplomática na década de 1970. As relações políticas
bilaterais no início do novo milênio se encontravam necessitadas de acertos no que
diz respeito a questões relativas à história. As más relações entre os dois países se
davam basicamente visitas recorrentes do Primeiro Ministro ao templo e a
controvérsia dos livros escolares, assuntos que receberam respostas agressivas
pelo lado chinês. (HUGHES, 2008). Durante o último ano do mandato de Koizumi,
eram claros os sinais que a China enviava para o Japão afirmando que, apesar de
todos os problemas nas relações entre os dois países, estava disposta a negociar
com o potencial sucessor do então Primeiro Ministro. (ROSE, 2008).
A saída de Koizumi e a entrada de outro primeiro Ministro Abe Shinzo, que
admitiu a necessidade da busca por melhoras nas relações bilaterais com a China,
foi o que novamente reaproximou os países politicamente, uma vez que, incidentes
diplomáticos não costumavam interferir no comércio entre eles. A visita do então
Primeiro Ministro japonês à Beijing em 2006, disposto a tratar das questões do
templo Yasukuni e sem de fato afirmar que nunca visitaria o local, satisfez a China e
foi responsável por remover os obstáculos que impediam as relações políticas entre
ambos. (IBID)
Em 2005 novamente tensões afloraram entre Japão e China quando houve
um movimento para a expansão do Conselho de Segurança das Nações Unidas e
do seu número de membros permanentes. O Japão figurava entre os candidatos
para ser um dos membros permanentes, mas a forte oposição chinesa, que afirmava
que o país não era responsável o suficiente para tal, e não representava a Ásia
como um todo, foi um dos fatores que deu fim aos movimentos para a reforma do

239
Disponível em: http://www.cbc.ca/news/world/story/2010/10/05/japan-china-meeting-105.html
230

Conselho de Segurança. Além disso, outras motivações levaram a China a negar tão
veementemente a presença permanente do Japão ou de outra nação asiática como
a Índia no Conselho de Segurança. A presença de outro membro asiático diminuiria
o papel chinês como o único membro e representante do continente asiático no
conselho. (McDOUGALL, 2007).
Novamente, em 2007, outra questão relacionada a Yasukuni, desta vez uma
doação de Abe para o templo, estremeceu novamente a relação com a China, mas
não por muito tempo. A visita do Primeiro Ministro chinês Wen Jiabao à Dieta
japonesa no mesmo ano, após o episódio das doações de Abe, serviu para selar
esta questão, e para buscar melhorar as questões históricas entre os dois países.
Durante seu discurso na Assembleia do Japão, Wen se referiu a guerra japonesa
como de agressão, mas avaliou de maneira positiva as tentativas do país em se
desculpar pelo ocorrido preferindo não levantar questões polêmicas como o templo
Yasukuni e as “mulheres de conforto”240 de Nanjing.(HUGHES, 2008).
Porém, a partir da troca de visitas entre os Primeiros Ministros dos dois
países, ambos pareciam comprometidos em voltar a manter bons laços e construir
um relacionamento recíproco estratégico. O progresso começou a ser feito na forma
de dois summits realizados um no final de 2006 e outro no final de 2007, e da
postura pró China do novo Primeiro Ministro japonês Fukuda Yasuo, que prometeu
continuar aprimorando a relação entre os dois países. Finalmente, as relações
diplomáticas entre os chineses e japoneses parecia entrar em uma fase mais estável
sendo beneficiada com o grande número de summits e atividades de alto nível
realizadas com maior frequência além de diálogos e encontros estabelecidos em
termos regionais. A melhora do relacionamento entre os países foi acompanhado do
anuncio de uma “nova era”241 das relações Sino-Japonesas. (ROSE, 2008).
Assim como nas décadas de 1950 e 1960, a retomada das relações Sino-
Japonesas após o fim do governo de Koizumi se deu através de um aumento de

240
O termo mulheres de conforto é um eufemismo para tratar a questão das mulheres que eram obrigadas a se
prostituirem ou eram escravas sexuais em bordéis militares japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. A
maioria das mulheres era de províncias chinesas e sul-coreanas, apesar de haver também mulheres obrigadas a
fazerem este papel de outros países do Sudeste Asiático. Por ser uma questão recente e delicada, ela ainda
permeia as relações de Japão e China onde a última pede reparos do primeiro também em relação a esta
questão.
241
O termo “nova era” é frequentemente utilizado quando se fala das relações Sino-Japonesas. Diversas “novas
eras” foram proclamadas desde a década de 1970 com a retomada das relações de ambas as partes. Uma “nova
era” quando anunciada oficialmente, geralmente é acompanhada por apoio governamental a intercâmbio de
estudantes e cultural e outros aspectos da diplomacia pública, também geralmente gera novas ajudas e planos
de empréstimos do Japão para a China. (ROSE, 2008).
231

atividades partindo dos ministérios, dos diplomatas, dos membros da Dieta de


ambos os partidos que se preparavam para a retomada das relações de alto nível
entre os países. Uma série de encontros entre chineses e japoneses ligados a
associações pró-amizade aconteceram bem como encontros entre Ministros de
ambos os Estados além de Chefes de Governo. Os resultados destes encontros,
que buscavam na maioria das vezes debater sobre o futuro do relacionamento entre
os países, foram pouco significativos na prática, mas seu simbolismo através de uma
diplomacia informal foi fundamental para a criação de laços mais sólidos entre os
dois países.
Após as trocas de visitas oficiais entre o Primeiro Ministro chinês e sua
contraparte japonesa, o número de atividades envolvendo ambos os países em
todos os níveis cresceu rapidamente. Houve aumento no intercâmbio de estudantes
e visitantes através de programas de amizade, intercâmbios esportivos e culturais, e
também intercâmbios econômicos através de assistência japonesa ao
desenvolvimento chinês. (IBID)

[...] antipatias através da história provavelmente não serão resolvidas com gestos
políticos como summits bilaterais, ou por um spillover positivo gerado pela
interdependência econômica. Essas medidas certamente ajudarão como um passo
242
na direção correta para mitigar as tensões. (HUGHES, 2008, p. 39, tradução
nossa)

Uma das maiores iniciativas neste momento foi a criação do primeiro projeto
conjunto oficial de história entre China e Japão, que envolvia um grupo de dez
pesquisadores de cada país para estudar o período da mais recente Guerra Sino-
Japonesa e emitir um reporte final com o parecer conjunto sobre suas percepções.
As áreas mais sensíveis nas quais os autores dos relatórios discordavam, incluíam
as mesmas questões que são problemáticas entre Japão e China. Ainda assim, os
pesquisadores acreditaram ter chegado a um consenso sobre estes e outros
assuntos, mas novamente, os resultados do grupo foram menos relevantes que o
simbolismo sino-japonês de buscar conjuntamente, debater e resolver questões
históricas que impedem até hoje um bom desenvolvimento, ou ao menos uma maior
estabilidade das relações entre os dois atores. (ROSE, 2008).
Sobre a relação Sino-Japonesa no início do século XXI, McDougall (2007),
entende de cada um dos países apresenta perspectivas diferentes quando olha para
242
O texto em língua estrangeira é:[...] antipathies over history are unlikely to be resolved by political gestures
such as bilateral summits, or by positive spillover from the economic interdependency.
232

o outro. Segundo o autor, o Japão preocupa-se com uma possível emergência


chinesa como a potência hegemônica do Leste Asiático. Portanto a atuação
japonesa é basicamente para impedir esta possibilidade sem confrontar a China
diretamente, o que significa que o país deve ser cauteloso em qualquer expansão do
seu papel de segurança na região, o que certamente despertaria a atenção chinesa,
além de dever ser cuidadoso também com o desenvolvimento de relações com
outras potências da região.
A modernização e o fortalecimento da aliança com os EUA também é um
instrumento importante para a busca japonesa em conter a expansão da China, mas
deve ser utilizada com cautela, pois pode ser enxergada pela China como um
movimento contra ela. Há ainda a preocupação por parte do Japão que os EUA
passem a dar maior prioridade às relações Sino-Americanas que às com o Japão.
Há, contudo, uma hipótese de que uma estratégia com engajamento econômico irá
encorajar a China a agir de forma mais cooperativa. O problema é que esta
estratégia pode se tornar falha, uma vez que não necessariamente relações
econômicas mais próximas levam a uma harmonia política, principalmente entre
países com um histórico de ‘rivalidade’ tão extenso. Por este motivo, o Japão
procura manter e fortalecer sua postura defensiva e suas relações de segurança
com os EUA.
A China, por outro lado busca ser a principal potência no Leste Asiático, e o
Japão como a segunda maior potência da região e com uma força de defesa
considerável ligada aos EUA é, certamente, um obstáculo em potencial para a
escalada chinesa. O país já conseguiu passar o Japão em méritos de potência
econômica, mas o fato é que o Japão ainda será uma das maiores economias
mundiais e da região, com quem a China tem laços econômicos e comerciais muito
benéficos. A questão que o Estado chinês tenta responder é: se a China seguir sua
trajetória para se tornar a principal potência econômica regional, como garantir que o
Japão não irá desafiar a posição política da China?Uma saída é através da aliança
de segurança EUA-Japão, que por vezes é vista pela China como uma tentativa de
restringir o poder chinês, e por outras vezes como uma forma de conter o Japão, ou
buscar apoio dos demais países da região, incluindo a Coréia do Sul, de que o
Japão deveria ter um papel político diminuído dentro da região, utilizando-se da
questão da culpa pela Guerra como motivação tanto para os demais países quanto
para o próprio Japão, com o intuito de aumentar seu senso de pacifismo.
233

Apesar de as questões do templo Yasukuni e de outras ligadas a história não


permitirem que as relações entre China e Japão ocorram sempre sem problemas, o
governo japonês acredita que estas questões podem ser vencidas por interesses
mútuos em comércio, finanças, energia, e segurança como, por exemplo, a
desnuclearização da Coréia do Norte”. A ideia de dividir um futuro voltado para uma
boa relação pode ainda estar distante embora seja possível enxergar, em certas
dimensões, uma mudança estrutural influenciada por um aproximação maior entre
os países proporcionada pelos mecanismos de integração e cooperação regional, o
que significa que ambos os Estados deverão reconciliar suas relações. A
convivência entre Japão e China com os EUA em estratégias que muitas vezes
envolvem atuações triangulares, bem como as relações bilaterais sejam econômicas
ou de segurança nos âmbitos mais extensos possíveis também estipulam que China
e Japão devam melhorar cada vez mais suas relações. (HUGHES, 2008).
Contudo, a figura dos governantes ainda é muito importante, principalmente
pelo lado japonês. A mudança recorrente de Primeiros Ministros a partir da saída de
Koizumi, e a mudança da política externa, principalmente no que diz respeito as
relações entre China e Japão decorrente de cada mudança enfraquece a
possibilidade de uma maior estabilidade a ser enxergada em longo prazo nas
relações entre ambos e as questões mais sensíveis que envolvem ambos os países.

[...] mesmo que essas mudanças dinâmicas estruturais ofereçam oportunidades para
uma cooperação sino-japonesa melhorada, que os formuladores de política de
ambos os lados estão realmente buscando, ao mesmo tempo a sua má gestão no
passado - e má gestão potencial no futuro - é também capaz de produzir laços
piorados ao invés dos interesses comuns que muitos políticos japoneses
243
esperam. (HUGHES, 2008, p. 39)

Apesar da “nova era” estipulada entre China e Japão após o governo Koizumi,
com o aumento de relações de alto nível entre os dois países e fortalecimento dos
laços de amizade, o antagonismo entre China e Japão persiste. Um bom exemplo é
a disputa em torno da Comunidade do Leste Asiático relação ao seu escopo e
principalmente em relação aos seus membros. Enquanto a China era a favor de que
uma comunidade do Leste Asiático fosse desenvolvida no âmbito dos summits da
ASEAN+3, o Japão dava ênfase ao discurso da EAS com o verdadeiro intuito de

243
O texto em língua estrangeira é: "...even as these changing structural dynamics provide opportunities for
enhanced Sino-Japanese cooperation that policy-makers on both sides are genuinely attempting to exploit, at the
same time their mismanagement in the past - and potential mismanagement in the future - is also capable of
producing worsening ties rather than the shared interests that many Japanese policy makers hope for."
234

diminuir o poder chinês na região e também no órgão que abrigar a comunidade.


Depois da escolha dentro de um summit da ASEAN+3 em 2005 de que o próprio
encontro continuaria sendo o principal veículo da busca por uma comunidade do
Leste Asiático, os países da ASEAN mudaram de ideia e no mesmo mês
declarações indicaram que o EAS poderia desenvolver um papel importante em criar
uma comunidade regional. (FUKUSHIMA, 2008). O estabelecimento do EAS como o
arcabouço que deverá servir de base a base para a construção de uma Comunidade
do Leste Asiático desagradou ainda mais a China quando houve a primeira, e mais
recentemente, a segunda expansão de membros.
A entrada dos novos membros, principalmente os que fazem parte da
segunda expansão, EUA e Rússia, coloca fim a noção e ao desejo inicial da
Comunidade do Leste Asiático, que já havia sido enfraquecida, mas ainda poderia
ser executada, com a entrada de Austrália, Índia e Nova Zelândia. A idéia inicial de
estabelecer um organismo regional com intuito de formar uma comunidade exclusiva
para países do Leste Asiático se desmantela diante das novas expansões, que de
fato enfraquecem o poder da China dentro do summit, mas podem significar o
alcance de um papel de liderança por parte do Estado chinês dentro de um
mecanismo que seja de fato exclusivo.
Outro aspecto que traduz certa competição entre China e Japão está nos
acordos de livre comércio e nos acordos de parceira econômica que ambos os
países desenvolvem com a ASEAN. Assim que a China estabeleceu seu FTA com a
ASEAN, o Japão percebeu que este acordo poderia neutralizar sua força no Sudeste
Asiático e dar início a uma grande influência chinesa na região, buscando pouco
tempo depois fazer seu próprio acordo com a associação. Este acordo possui
características diferentes do chinês, e também o intuito de manter sua influência na
região sem permitir que a China ganhe destaque sozinha dentro dos mecanismos de
integração regional.
O fato de Japão e China disputarem a atenção da ASEAN através de acordos
econômicos e comerciais soma-se a ausência de um FTA que inclua todos os
membros da ASEAN ou até mesmo Japão e China somente. Duas são as principais
razões para a inexistência deste tipo de acordo, uma está voltada para questões de
cunho histórico e diplomático como as visitas de Koizumi ao templo Yazukuni e
outros assuntos intimamente lidados a Guerra Sino-Japonesa de meados do século
XX. A outra razão, mais significativa, para a ausência se uma FTA entre os dois
235

países está no custo econômico em formá-la devido à similaridade da produção


agrícola dos dois países e também da fragilidade da indústria automobilística
chinesa em comparação com a japonesa. A agricultura chinesa tem o potencial de
arruinar os agricultores japoneses, algo que não acontece com o Sudeste Asiático
que é grande exportador de frutas tropicais que não estão na pauta de exportação
chinesa. Além disso, alguns estudos comprovam que se os carros japoneses
entrassem no mercado chinês sem tarifas, certamente não conseguiriam competir
com eles. (HAMANAKA, 2008).
Desta forma, sem um acordo comercial que possa envolver os dois atores
muito menos um acordo que reúna toda a ASEAN+3, China e Japão seguem
disputando espaço no Sudeste Asiático como forma de manter a estabilidade da
região, cada qual a sua maneira. Enquanto a prioridade da China é sustentar seu
rápido crescimento e desenvolvimento, o país busca também manter a paz e a
estabilidade na região. Entretanto, afirma-se que seguindo aos ensinamentos de
Deng, a China não deve buscar o papel de liderança política, porque para o antigo
líder chinês, fazê-lo não traria nenhum benefício tangível para o país. Contudo, não
há um consenso que afirme que a China conseguirá resistir à tentação de atuar
como líder da região e não provocar o Japão, um dos principais parceiros
econômicos, comerciais e de investimentos da China.
A existência de dois países com um relacionamento complicado, herdado de
uma desconfiança histórica, ambos com o poder suficiente para atuar como
potências regionais em um espaço geográfico tão próximo, torna a situação do Leste
Asiático ainda mais complexa, somando-se com as hostilidades do lado chinês
derivadas do sentimento de culpa pela guerra que continuam fazendo presentes nas
suas relações diplomáticas com o Japão. (TSANG, 2008).

Os desafios psicológico, militar e diplomático colocados pelo crescimento repentino


da China e seu futuro incerto são inevitáveis para o Japão. A Ásia retém a sua
atração hierárquica, entretanto o Japão e a China nunca foram tão fortes ao mesmo
tempo na maneira como são hoje. Aspirações chinesas e japonesas também
colidem. Ambas as nações são motivados por um profundo sentimento de
incompletude. A China procura atingir sua integridade territorial e um retorno ao seu
papel central na região, mas enfrenta um Japão que busca ir além do período pós-
guerra e restabelecer o orgulho nacional perdido. A interdependência econômica do
Japão com China fornece uma estabilidade para as relações dos dois países
bilaterais, mas não uma certeza ou previsibilidade sobre para onde eles vão
244
seguir. (FUKUSHIMA, 2008, p.176 tradução nossa)

244
O texto em língua estrangeira é: The psychological, military, and diplomatic challenges posed by China’s
sudden rise and uncertain future are inescapable for Japan. Asia retains its hierarchical pull, and Japan and
China have never been powerful at the same time the way they are today. Chinese and Japanese aspirations
236

4.4.2. Duas potências, dois tipos de liderança

Para Nabers (2008), “liderança é sobretudo um projeto discursivo, com base


em entendimentos intersubjetivos para a ação coletiva para se tornar possível.” 245
(NABERS, 2008, p; 13, tradução nossa). Apesar de poder ser, antes de mais nada,
um projeto discursivo, para adquirir status de liderança, o Estado que a pleiteia
precisa possuir capacidades materiais e vontade para tanto. Para aproximar-se de
um papel de liderança, a China vem acrescentando em sua agenda relações
bilaterais com a região para a liberalização do comércio e excluindo disso o Japão.
Estas ações fizeram com que o Japão respondesse a altura, fortalecendo sua
abordagem pró-Comunidade do Leste Asiático utilizando seus acordos comerciais
como ferramentas complementares para sua política comercial com a região.
(NABERS, 2008).
As capacidades materiais chinesas cresceram em ritmo espantoso desde a
década de 1990, e após a crise asiática de 1997, sua característica topográfica
dominante nas áreas políticas e financeiras, como por exemplo, possuir em seu
território dois terços da população do Leste Asiático, ter se tornado o segundo maior
PIB mundial, e ser um dos maiores destinos de IED do mundo , logo levou a
conclusões de que o país seria a nova super potência regional e até mesmo
mundial. Junto com este pensamento vinha também a interpretação de que os
demais países da região como o Japão deveriam, portanto, servir o propósito da
potência alterando sua política de balancing para bandwagoning. (BERNSTEIN &
MUNRO, 1997; GOLDSTEIN, 1997; DRIFTE, 2003 apud NABERS, 2008).
Entretanto, vale ressaltar que apesar de a China surgir como um Estado cada vez
mais forte e influente na região, o Japão foi, e continua sendo outro Estado com
peso principalmente econômico e comercial, mas também político na mesma região.
Além disso, como demonstram os Gráficos do capítulo anterior, a abordagem

also collide. Both nations are motivated by a profound sense of incompleteness. China seeks territorial integrity
and a return to its central role in the region, but it confronts a Japan that seeks to move beyond the postwar
period and to re-establish lost national pride. Japan’s economic interdependence with China provides a stability to
the two countries’ bilateral relations, but not a certainty or predictability about where they will head.
245
O texto em língua estrangeira é: Leadership is mainly a discursive project, relying on intersubjective
understandings for collective action to become possible.
237

japonesa na região, no que diz respeito a IED, ajudas externas e comércio, são
relativamente mais intensas e profundas que a chinesa.
Com o destaque cada vez maior dado para a ASEAN, a ASEAN+3 e a busca
pela criação de uma comunidade regional no Leste Asiático, a atuação de China e
Japão na região, mesmo figurando entre os atores de maior peso, deverá perpassar
estes mecanismos de integração regional, que já são cobiçados por ambos os
países desde a década de 1970 no caso japonês e de 1990 no caso chinês. Apesar
de uma posição futura ainda incerta quanto líder na região o fato é que esta está
diretamente ligada ao papel que as capacidades materiais dos dois Estado
desempenharão no contexto regional. Também, a existência e a importância dos
mecanismos de integração regional no Leste Asiático influenciam diretamente a
política externa de China e Japão que precisam passar a fazer seus cálculos
partindo do princípio que o Sudeste Asiático tem mais influência que nunca, nas
relações econômicas, comerciais e na balança de poder do Leste Asiático.
Algumas ações da China, por exemplo, ainda persistem como ameaçadoras
para o Sudeste Asiático e consequentemente para a ASEAN como um todo, de
forma a atingir também a região maior do Leste da Ásia. A estagnação da economia
japonesa nos últimos anos bem como o crescimento econômico chinês, que já
representa o maior da região, transforma a China em um imã para IEDs de todas as
partes do mundo, o que já preocupa os países da ASEAN de uma possível queda
nos investimentos externos direitos nos países do bloco. (NABERS, 2008). Essa
preocupação é ainda maior quando constatamos que o IED da China para a região
em que se encontram os membros da associação é bem diminuta se comparada aos
outros dois países do Sudeste Asiático, Japão e Coréia do Sul (vide Gráfico 14 no
capítulo anterior). Estes fatos significam que embora receba uma quantidade grande
de IED, a China não os repassa de maneira satisfatória para a região.
A entrada da China na OMC também causa preocupação à grande parte dos
países da ASEAN. A Malásia é um exemplo que teme que tal ação afete diretamente
sua economia e principalmente sua indústria de eletrônicos. O status chinês de
plataforma de produção mundial unido a filiação à instituição que regula o comércio
ao redor do globo ameaça causar o esvaziamento da indústria de outros países
devido ao baixo custo de produção, aos baixos impostos e ao valor menor do
produto final que é feito na China. Também, a expansão do país sobre os territórios
do Mar da China Meridional aliados ao desenvolvimento de suas forças armadas
238

levam desconfiança à região, mesmo que o país procure fazer declarações que
comprovem seu baixo perfil nestes quesitos, uma vez que a maioria destas
declarações não tem caráter obrigatório. (IBID). É justo afirmar que ao contrário de
Japão e Coréia do Sul, a China ainda é um país em desenvolvimento, mas ao
alcançar um patamar tão alto como o de candidata a liderança regional, é necessário
que leve em consideração todas estas questões.
Por outro lado, mesmo com sua economia estagnada e possuindo um
histórico de rivalidade adquirido pela sombra do imperialismo japonês em tempos
mais remotos e mais modernos no Sudeste Asiático, o Japão é uma das maiores
fontes de IED da região, e o maior doador, ou seja, fonte de ajuda ao
desenvolvimento dentro e fora da associação como mostra a Tabela 14 a seguir.
Apesar de ser provável que a quantidade relativa e absoluta de IED da China para a
região tende somente a crescer, não é possível garantir que conseguirá no curto
prazo se sobrepor ao conjunto de ajudas através de investimentos e auxílio prestado
pelo Japão a ASEAN e a região como um todo.
Em Milhões de US$
Camboja Malásia Total para a área
1ºdoador Japão 139 1ºdoador Japão 192 Japão 4.116
2º doador AsDB* 79 2º doador EUA 17 AID** 1.107
3ºdoador EUA 78 3ºdoador Alemanha 11 AsDB* 494
Filipinas Myanmar França 430
1ºdoador Japão 686 1ºdoador Intituições da UE 66 Austrália 349
2º doador EUA 135 2º doador Reino Unido 49 EUA 269
3ºdoador França 104 3ºdoador Japão 48 Intituições da UE 66
Indonésia Tailândia Reino Unido 49
1ºdoador Japão 1505 1ºdoador Japão 171 Alemanha 11
2º doador Austrália 349 2º doador EUA 39
3ºdoador França 326 3ºdoador Fundo Global 37
Laos Vietnam
1ºdoador Japão 109 1ºdoador Japão 1266
2º doador AsDB* 65 2º doador AID** 1059
3ºdoador AID** 48 3ºdoador AsDB* 350
Fonte OCDE Obs2: Os dados de Cingapura e Brunei
* Asian Development Bank (Banco de Desenvolvimento Asiático) não estão disponíveis na OCDE
** Agência Internacional de desenvolvimento uma vez que não são considerados
Obs1: A China não divulga seus dados de Ajuda Externa. países em desenvoltimento.
Tabela 14: Maiores doadores de ajuda externa para a região do Sudeste Asiático e o total para a área, média
dos anos de 2009 e 2010, elaboração própria. Fonte: OCDE Statistics. Disponível em:
http://www.oecd.org/document/0,3746,en_2649_201185_46462759_1_1_1_1,00.html

Existe atualmente uma clara competição entre China e Japão na região do


Leste Asiático passando por dentro dos mecanismos de integração regional. A
corrida para o estabelecimento de FTAs em moldes equiparados, bem como a
239

necessidade , de reuniões em forma de summits, na presença quase mandatória de


um e do outro quando há conversações ou grupos de debates que envolvam a
ASEAN, a busca por aumentar e fortalecer seu relacionamento com diversos
membros da ASEAN são alguns dos fatos que estampam esta competição. Um
exemplo palpável, além da questão dos FTAs já debatido nos capítulos anteriores,
está na competição pela liderança na região específica do Vale do Rio Mekong que
inclui alguns membros da ASEAN: Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietnã.
Tanto Japão quanto China possuem projetos na região com o intuito de desenvolver
a economia destes países que anos atrás sofreram com guerras civis e regionais. A
maioria dos projetos que estão sendo desenvolvidos pelos países do Nordeste
Asiático na região está voltada para a questão do desenvolvimento do comércio, da
extração de recursos naturais e transferência de tecnologia e know how. (NABERS,
2008).
Outro exemplo está na competição, vencida pelo Japão, pela instituição a ser
utilizada como base para a criação de uma comunidade da ASEAN. Enquanto a
China preferia os summits da ASEAN+3 restritos apenas aos treze países que fazem
parte do desdobramento estrutural da ASEAN e onde o país teria maior liberdade
para agir como a potência principal da região, o Japão se colocava a favor do EAS
mais extenso, com o discurso de um regionalismo mais amplo e profundo, mas que
na verdade tem como objetivo principal diluir o poder chinês na região e na
instituição com a presença de Austrália e Índia e mais tarde EUA. A proposta
japonesa recebeu maior aceitação dos países membros da ASEAN por seu escopo
mais ambicioso, mas também, para os países que sentem a ameaça chinesa, por
acreditar que seria importante contrabalancear o peso do país na região.
Apesar de todas as demonstrações de competição entre China e Japão
dentro da região do Leste Asiático e consequentemente, através principalmente da
ASEAN e da ASEAN+3, com o intuito de conseguir arrecadar mais poder relativo
através de ações diplomáticas, comerciais, políticas, econômicas, de ajuda ao
desenvolvimento, de segurança não tradicional e outras, as declarações oficiais dos
países não costumam afirmar abertamente que um ou outro perseguem a liderança
regional. (TSANG, 2008). Ambos os países declaram que buscam estabilidade, paz
e prosperidade da região, uma vez que são a base para mais desenvolvimento e
maior crescimento econômico. Neste sentido haveria então uma confluência dos
objetivos das políticas externas de Japão e China para a região e não uma disputa
240

pela liderança regional. Contudo, é a questão da estabilidade regional que coloca


novamente a controvérsia para as relações.
A China acredita desenvolver uma abordagem sóbria na região, evitando
atuar no papel de liderança regional até que qualquer outra potência declare um
papel de liderança na região ou tente estabelecer uma hegemonia regional. (IBID). O
Japão, por outro lado acredita também atuar de forma comedida, ainda mais sem
possuir forças militares nas proporções de China e Coréia do Sul. O Estado japonês
utiliza-se de uma diplomacia tranquila com o intuito de atingir seus objetivos, que
não incluem a China atuando com uma postura de líder ou de hegemon regional, já
que acredita que tal evento desequilibraria mais ainda o Leste Asiático
(McDOUGALL, 2007).
O que podemos concluir frente a este impasse é que enquanto a China
enxergar que o Japão pode estar buscando algum tipo de hegemonia ou liderança
regional – através da sua busca por equiparar o nível dos acordos econômicos e
comerciais que tem com a ASEAN com os que a China tem com a associação, pelas
reivindicações territoriais sobre a China, pela influência que procura causar no Vale
do Mekong, ou até mesmo pela tentativa de diminuir o poder relativo chinês dentro
de uma comunidade do Leste Asiático baseada em um EAS estendido – e enquanto
o Japão entender que a China também busca se estabelecer como a principal
potência hegemônica ou liderança regional – com o seu enorme crescimento
econômico, com a intenção de causar em cada país da ASEAN um pouco de
dependência comercial na esfera das exportações e importações do país, com a
grande expansão das suas forças militares, e reivindicações de soberania em
territórios da região – haverá uma disputa entre os dois países. Mesmo que ambos
acreditem que o melhor para a região é a estabilidade, devido à desconfiança
mútua, nenhum dos dois países enquanto tiverem recursos, permitirão ou confiarão
que o outro também está comprometido com a estabilidade da região e não com a
promoção de seu próprio país em detrimento do outro.
Desta forma, a disputa pela liderança regional não significa única e
exclusivamente a busca pelo papel do líder da região para a própria e para o
restante do mundo, mas sim a busca da liderança para evitar que o outro se torne
líder e ameace a estabilidade da região e a prosperidade dos países e das
instituições regionais que lá se encontram. Mais uma vez o ranço histórico se coloca
por detrás das disputas entre China e Japão impossibilitando que o desenvolvimento
241

do Leste Asiático se dê de forma harmoniosa e cooperativa por todos os seus


integrantes, uma vez que a desconfiança se coloca como a mola propulsora para
que cada um dos países procure atingir a liderança de maneiras diferentes como
forma de garantir o seu bem estar e o da região.
A competição protagonizada por China e Japão em diversos assuntos
bilaterais, ou seja, que diz respeito apenas à relação dos dois atores, e multilaterais,
que envolvem muitas vezes os mecanismos de integração regional do Leste e
Sudeste Asiáticos, sinalizam a busca pela liderança regional por parte dos dois
países. Esta liderança pleiteada por ambos não significa uma liderança completa e
incontestável em todos os níveis (econômico, político, comercial, militar, cultural),
mas certamente em alguns deles. As áreas em que cada um dos dois países atuam
com maior ênfase e também a forma como procuram atingir são quase sempre
distintas e revelam padrões diferentes de busca pela liderança, e da liderança em si.
Os conceitos teóricos de Young (1991), Flemes (2007) e Dent (2008) que
foram apresentados no capítulo 1 deste trabalho que procurou estabelecer um
puzzle teórico para tratar a questão, buscam diferenciar e quantificar os tipos de
liderança desenvolvidas pelos dois países, bem como listar suas características e
demonstrar de que forma os países procuram fazê-lo através das instituições
regionais.
As contribuições de Dent (2008) para a questão da liderança regional no
Leste Asiático, se fazem presentes no conceito por ele desenvolvido de
multilateralismo-regional e que pode ser amplamente aplicado na região do Leste
Asiático. Principalmente após o final da Guerra Fria, os mecanismos de integração
regional multilaterais ganharam novo fôlego na região e estão cada vez mais
inclusivos, tratando de questões cada vez mais diversas – como energia,
alimentação, saúde, prevenção a tragédias naturais e outros – apesar de o escopo
econômico e comercial continuar sendo o mote principal da maioria deles. Ainda
assim, questões de segurança não tradicional também são tratadas em grande parte
destes mecanismos, e há outros como o ARF que apesar de incluir membros
externos à região também tratam de questões de segurança de mais alto level.
Também, a movimentação mais positiva em prol da criação de uma comunidade do
Leste Asiático, que provavelmente florescerá primeiro como uma comunidade
econômica para depois passar para outros níveis, demonstra que a atuação dentro
do multilateralismo-regional é uma das formas mais bem sucedidas em que Japão e
242

China podem atuar com a intenção de conquistar algum tipo de liderança regional
para si.
Segundo o conceito teórico, em primeiro lugar é recomendável que ambos os
Estados eliminem o máximo que puderem do medo e da desconfiança que os países
que formam este multilateralismo-regional possam ter em relação a cada um dos
países. Em segundo lugar é importante que cada um dos atores possa demonstrar
seu papel de “potência responsável” para o restante dos membros dos mecanismos
regionais multilaterais para que um vínculo de confiança possa ser criado e a
liderança estabelecida. Por fim, o autor afirma que ao se relacionar com a
possibilidade do desenvolvimento da liderança regional a partir do escopo do
multilateralismo-regional, dois são os principais aspectos determinantes, voltados
para fora da região. O primeiro é a capacidade dos atores-líderes regionais
representarem o interesse da região em fóruns multilaterais-globais e o segundo a
forma como esta liderança afeta o funcionamento dos principais mecanismos de
governança global. .
Neste sentido cabe dizer que o Japão está há muito mais tempo que a China
atuando dentro dos mecanismos de multilateralismo-regional do Leste e do Sudeste
Asiáticos, sempre agindo de forma a diminuir as desconfianças e medos que o país
gerou na região durante e até mesmo depois dos anos de seu imperialismo regional.
Para isso, o país procura passar a imagem de uma potência responsável através de
investimentos externos diretos, da transferência de auxílio ao desenvolvimento, à
catástrofes, empréstimos a taxas favoráveis aos países da região além de diversas
outras ferramentas comerciais, financeiras e econômicas
Apesar de ter quase três décadas de vantagem quando o assunto é o
relacionamento japonês com os mecanismos de integração regional, a forma como a
China passou a fazer parte deste escopo foi favorável ao país. O papel que o Estado
chinês teve durante a crise asiática de 1997 e a maneira como a criação de um novo
mecanismo informal, com a participação da China, reduziu as possíveis perdas que
a região viria a sofrer caso nada disso fosse feito também foi importante para colocar
a China como uma potência responsável. Entretanto, ao mesmo tempo em que o
desenvolvido pelo Estado chinês assim que passou a fazer parte do multilateralismo
regional do Leste Asiático foi louvado pelos demais membros do mecanismo, o
aumento dos gastos militares do país, a disputa de regiões no Mar da China
Meridional, lançamentos de mísseis durante a crise dos mísseis de Taiwan, o
243

crescimento espetacular e a consequente atração de IED além da produção a baixos


custos que coloca em risco as indústrias locais, são fonte de medo e desconfiança
por parte do multilateralismo regional.
Quando a questão se relaciona ao papel que cada uma das lideranças possui
dentro de fóruns multilaterais-globais e a forma como esta liderança influência no
funcionamento das principais ferramentas dos mecanismos de governança global,
China e Japão parecem ter posições bem definidas e diferentes. Enquanto o Japão
é membro do G-8, um dos maiores doadores das Nações Unidas principalmente
para missões de paz246, e também do FMI247, a China está presente nos BRICs, no
Conselho de Segurança das Nações Unidas e no G-20. Enquanto o Japão parece
querer demonstrar que se importa com a região e o seu desenvolvimento, ao ser um
dos seus principais doadores, além de ser um país que investe muito no Leste
Asiático, a China tem maiores condições e possibilidade de representar a região nos
fóruns que atua justamente por possuir características de Estados desenvolvidos, e
por isso estar presente em locais de destaque como o assento permanente do
Conselho de Segurança, e características de países em desenvolvimento e por isso
estar representado no G-20 debatendo questões exclusivas de Estados nestas
condições, representando de uma forma ou de outra, os diversos Estados em
desenvolvimento do Sudeste Asiático. Neste quesito o Japão está em maior
desvantagem por fazer parte de fóruns e debater questões que estão voltadas para
os interesses de países desenvolvidos que não representam as demandas dos
países da ASEAN. Além disso, se há algum país que influência os rumos da
governança global, este é a China por toda influência que exerce no cenário
internacional.
Dent (2008) citando a obra de Flemes (2007), afirma que o que costuma
caracterizar a capacidade de ser um líder regional aos atores que são considerados
potências regionais é: a reivindicação de poder; os recursos de poder; o emprego de
instrumentos de política externa e a aceitação da liderança por parte da região.
(FLEMES, 2007 apud DENT, 2008). Aceito, o líder regional tem basicamente dois

246
Segundo “A avaliação das contribuições dos Estados-Membros para o orçamento regular das Nações Unidas
para 2012” Disponível em: http://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/653/67/pdf/N1165367.pdf?OpenElement
247
Disponível em: http://www.imf.org/external/np/sec/pr/2011/pdfs/quota_tbl.pdf
244

papéis: estabilizar a região no que diz respeito aos assuntos de segurança e criar
regras para a economia regional.
Pensando no impasse entre Japão e China quando a existência de uma
liderança regional, a reivindicação de poder não pode ser comprovada, uma vez que
nenhum dos dois países deixa claro a existência de uma vontade de ser líder, mas
sim uma vontade de que o outro não o seja. Desta forma, a reivindicação de poder
aparece quando um país se coloca contrário à ação do outro afirmando que tal ato
pode desestabilizar a região, ou então simplesmente quando toma medidas
contrárias a ação do primeiro. Japão e China possuem recursos de poder, até em
demasia quando se pensa que dois países com tamanha capacidade de liderança
regional estão dividindo uma mesma região. Os recursos de poder japoneses estão
mais voltados para a economia, as finanças e o comércio enquanto a China, além de
possuir este mesmo recurso de poder, possui também um poderio militar que
diferente do japonês pode ser usado, sem constrangimentos legais, para atacar sem
necessidade de ter sido atacado antes.

O Japão tem um número recursos de poder disponíveis. No entanto, existem


restrições à habilidade do Japão de usar seu poderio militar. O Japão tem adotado
uma abordagem de baixo perfil na tentativa de realizar seus objetivos. Isso não
significa que o Japão não está preparado para exercer a liderança, mas os meios de
248
fazê-lo enfatizam a diplomacia tranquila. (RIX, 1993 apud McDougall, 2008,
tradução nossa).

Tanto Japão quanto China possuem os instrumentos de política externa


voltados para o estabelecimento de uma liderança regional. Contudo, como o Japão
se estabeleceu como parceiro dos mecanismos de integração regional do Leste
Asiático muito antes que a China, tais instrumentos de política externa japonesa
para a região estão muito mais desenvolvidos e são muito mais numerosos. Mesmo
que a China tenha saído na frente quanto a questão dos acordos de livre comércio,
e o Japão esteja mais recentemente buscando recuperar o tempo perdido, o Estado
japonês possui diversos summits bilaterais com os países da região e vários
mecanismos de encontros e trocas diplomáticas com a ASEAN249 além de um centro
de estudos e estatísticas, o ASEAN-Japan Centre, estabelecido em 1981 (ao

248
O texto em língua estrangeira é: [..] Japan has a number of power assets available. However, there are
constraints on Japan's ability to use its military power. Japan has generally adopted a low profile approach in
attempting to realize it's objectives. This does not mean that Japan is not prepared to exercise leadership, but it
means of doing so emphasize quiet diplomacy.(RIX, 1993 apud McDOUGALL, 2008).
249
Disponível em: http://www.asean.org/20191.htm
245

contrário do ASEAN-China Centre criado somente em 2010). A presença japonesa


em diversos mecanismos de baixa política com a ASEAN e outros Estados, acaba
se tornando um instrumento interessante de política externa que combina com o low
profile e a política diplomática que o Japão procura cultivar na região.
Já a aceitação da liderança pela da região é um consenso que Japão e China
não possuem. Não é possível afirmar que todos os países da região sejam a favor
ou contra ao estabelecimento da liderança regional de um dos dois atores. Há um
interesse por parte da ASEAN de que a liderança da região seja estabelecida a partir
de sua instituição, mas a falta de coesão e institucionalidade que permite o
funcionamento do bloco é justamente o que enfraquece a associação como uma
liderança regional, que além de pouco representativa no restante do globo, se
comparada a Japão e China, apresenta uma baixa coesão interna. Apesar de China
e Japão não serem aceitos como líderes regionais no atual momento do Leste
Asiático, o Japão é o ator mais provável para estabilizar a região no que diz respeito
a segurança não tradicional, justamente por estar presente na maioria dos fóruns e
encontros sobre o tema com a ASEAN, mas não teria capacidade de ser aquele que
proveria a estabilidade regional no sentido de segurança como high politics, que
poderia mais facilmente ser provido pela China. Entretanto o Japão teria maiores
condições de criar regras para a economia regional que a China. O Japão tem um
histórico de buscar desenvolver um fundo monetário asiático e um mercado de
ações da região, que mostram a vontade do país em estabelecer maiores regras
para a economia regional. A China, ao contrário, vetou os projetos temendo uma
possível desvalorização de sua moeda e uma possível perda econômica devido as
regras internacionais e até mesmo o atrelamento das diferentes moedas da região.
Por fim, Young (1991) afirma que é possível dividir a liderança em três tipos
principais. Para o autor, ela pode ser estrutural, empresarial ou intelectual. A
liderança estrutural é aquela que se utiliza do poder estrutural (ou material) do
Estado para demonstrar sua relevância no cenário internacional aumentando assim
o seu poder de barganha. A liderança empresarial é aquela que lidera utilizando não
o seu poder estrutural mas suas habilidades de negociação para influenciar a forma
como as questões que são de seu interesse são tratadas para trazer benefício para
o maior número possível de atores. E a liderança intelectual é aquela que procura
utilizar o poder das ideias para orientar a forma como cada assunto a ser tratado é
conduzido.
246

Entre Japão e China é possível perceber que todos os três tipos de liderança
fazem parte da estratégica de cada um dos países em tornar-se líder regional em
maior ou menor intensidade. O Japão possui um poder estrutural relevante como
terceira maior economia mundial, como país exportador de alta tecnologia, e como
grande fonte de IED. Entretanto, em comparação direta com a China, o Japão
possui uma liderança estrutural mais modesta se pensarmos que a China é a maior
plataforma produtora e o maior mercado do mundo, além de ser a segunda maior
economia mundial e dona de uma força militar em plena expansão.
A liderança empresarial, que dá destaque as habilidades de negociação, mas
também a qualidade da negociação, uma vez que o líder empresarial busca
maximizar os benefícios para a maior quantidade possível de atores, é possível ser
enxergada em destaque nos dois países. Por ter uma tradição mais antiga com os
mecanismos de integração da região, o Japão pode ser considerado um líder
empresarial ao buscar acordos voltados para os mais diversos temas com a ASEAN
desde 1976, entretanto pode ter sua liderança empresarial comprometida já que
preferia inicialmente estabelecer acordos comerciais e econômicos apenas com os
membros fundadores da associação mais Brunei assim que Laos, Camboja, Vietnã e
Myanmar entraram para a associação, o que excluía praticamente metade da
associação e não buscava maximizar o benefício a todos.
A China por sua vez procurou sempre incluir todos os membros da
associação em seus acordos, o que inspirou o Japão a fazer o mesmo quando da
criação de seu acordo de comércio com a ASEAN. Também dentro de mecanismos
multilaterais globais como o G-20, a China tem a tendência a buscar acordos que
satisfaçam suas demandas, grande parte delas que também são demandas dos
países da região. Quando pensamos ainda na capacidade pura de negociação é
possível perceber que a China tem maior capacidade de negociação em questões
comerciais, econômicas e até mesmo militares por ter maior poder de barganha
adquirido devido ao seu extenso poder estrutural, mas perde grande parte deste
poder de negociação quando as questões se voltam para os direitos humanos,
trabalho escravo, liberdade de imprensa e outras questões mais delicadas para o
governo chinês.
Em relação a liderança intelectual é possível perceber que o Japão possui
alguma vantagem quando comparado a China neste quesito. O Japão mantém
diversos encontros, reuniões e fóruns com a ASEAN voltados para questões de
247

para-diplomacia, que acabam de certa forma fortalecendo a liderança intelectual do


país que, além de tudo, procura utilizar-se de sua capacidade de soft power como
um verdadeiro instrumento de política externa, respeitando seu perfil de baixa
política na região, diferente da escolha chinesa que dá menor importância a estes
quesitos como formador da política externa do Estado. Outra questão que fortalece o
poder das idéias, ou seja, a liderança intelectual do Japão sobre a China é a tradição
do país em formar acadêmicos das mais diversas áreas, incluindo política, sociologia
e história, que ajudam a pensar o futuro do Estado e podem influenciar a região com
pesquisas cientificas e relatórios guiados para questões específicas. A China
recomeçou recentemente a formação de acadêmicos nestas áreas, já que muitas
vezes as pesquisas de temas controversos eram proibidas dentro do país, o que
desestimulava a classe acadêmica ou, por diversas vezes estimulava a fuga de
cérebros para continuar sua produção em outro país.
Partindo da análise de conceitos teóricos dos três autores aqui utilizados, é
possível perceber que a China possui uma vantagem no quesito liderança quando
comparada ao Japão. Entretanto, o fato de o Estado chinês ser mais forte em
algumas áreas e o japonês em outras, pode levar a possibilidade de que haja uma
divisão nas lideranças da região mesmo que de forma velada. A China pode ser
enxergada como a principal liderança estrutural da região com fortes características
de liderança empresarial, enquanto o Japão domina a área de liderança intelectual
também com características, talvez mais fracas, de liderança empresarial. Esta
amalgama de lideranças regionais pode ser retratada por duas das configurações
regionais que Dent (2008) apresenta em sua obra: uma coalizão de lideranças onde
Japão e China dividem mesmo que inconscientemente as áreas de liderança
regional, juntamente com uma liderança nula, não porque os dois atores não tenham
vontade ou condições de assumir a liderança, mas porque apesar de dividirem este
‘fardo’ continuam buscando cancelar a tentativa do outro de tornar-se líder.

4.5. Considerações Finais

A liderança do Leste Asiático é disputada mesmo que de forma velada entre


Japão e China. Este tipo de disputa não se dá apenas em âmbitos bilaterais. O
estabelecimento de mecanismos de integração regional e de bases para a criação
de uma comunidade do Leste Asiático, vem aproximando a região e despertando
248

cada vez mais o interesse dos países que possuem maior peso estrutural e que
estão localizados no Nordeste Asiático. A corrida de China e Japão para aumentar
seus vínculos com tais mecanismos, principalmente através da ASEAN e da
ASEAN+3, refletem a importância destes para ambos os atores e representam uma
das formas mais recorrentes da disputa travada entre os dois países.
O verdadeiro objetivo da busca pela liderança regional não é alcançar poder e
crescimento econômico no curto prazo, mas antes disso estabilizar a região para
poder então pensar no seu desenvolvimento e no acúmulo de poder relativo dentro
de um arcabouço cada vez mais integrado. Tanto China quanto Japão entendem a
necessidade de um Leste Asiático estável, mas nenhum dos dois confia no outro
para permitir que esta estabilidade seja adquirida gradualmente, mas com a
possibilidade de uma ameaça do ‘rival’ em se tornar o líder ou o hegemon isolado da
região, o que diminuiria o poder regional e global do outro. Desta forma, o país que
se estabelece como líder tem a prerrogativa de ser aquele que conseguiu estabilizar
a região e promover com isso a paz e a prosperidade dos países que lá se
encontram. A partir do respeito e da visão do líder como uma potência responsável e
ativa na comunidade internacional e regional, os ganhos políticos e econômicos se
tornam consequência do bom trabalho executado anteriormente para os cenários
internacional e local.
Com a dualidade de uma disputa pela liderança regional travada nos termos
de low profile, onde nenhum dos dois atores afirma estar competindo para uma
posição de líder, mesmo que seja, antes de mais nada, para impedir o outro de sê-
lo, a liderança que pode emergir deste cenário apresentaria duas características
marcantes. A liderança pode ser compartilhada, onde cada qual, mesmo sem
concordar plenamente, torna-se mais forte e consequentemente líder em diferentes
seguimentos, podendo ter mais ou menos poder que o outro; ou então de uma
corrida de ambas as partes para cancelar a liderança, mesmo que parcial do outro,
uma vez que esta poderia representar mais instabilidade para a região e seus
mecanismos de integração.
Esta disputa de liderança entre os principais países do Nordeste Asiático que
perpassa os mecanismos de integração da região, que representam e reúnem
grande parte das relações que são travadas no Leste Asiático, acabam dando para a
ASEAN, principalmente, um alto poder de barganha. A associação pode se
beneficiar desta disputa, uma vez que ela desencadeia uma competição entre os
249

aspirantes a líder, por busca de maiores e melhores laços com a ASEAN. Esta
competição entre China e Japão pode possibilitar que a ASEAN tenha o poder de
influenciar nos termos dos acordos que sejam assinados entre os dois atores e a
ASEAN, tornando-os minimamente mais favoráveis à ela, mesmo que seja a parte
menos poderosa destas relações. Além disso, o papel central da ASEAN tanto na
ASEAN+3, onde os países do +3 tem status de ‘visitantes’ como no EAS, onde a
ASEAN mais uma vez costuma ter a palavra final durante os encontros, dá a
associação destaque internacional crescente e até mesmo regional frente a
potências externas que fazem parte de outros mecanismos como ARF e APEC, mas
que entendem a importância da associação na região e passam a respeitá-la um
pouco mais quando atuam dentro dos mesmos mecanismos regionais.
As considerações feitas ao longo deste capítulo buscaram responder as
questões que foram levantadas em seu princípio. Entretanto, apesar de a possível
liderança chinesa se sobressair quando comparada à liderança japonesa, é
impossível descartar qualquer um dos dois países do cenário que se desenha no
Leste Asiático. Apesar de possuírem importâncias variadas na região, a China de
hoje não existiria sem os IEDs e auxílio externo do Japão, bem como o Japão de
hoje, que tenta abandonar as questões históricas para iniciar uma nova onda de
relacionamentos com os países da região, não existiria da forma que hoje existe,
sem a China e sua pressão em relação a culpa da Guerra. A disputa pela liderança
regional é, portanto, mais uma forma de interação Sino-Japonesa, que ainda
desgastada, precisa encontrar uma maneira de superar o passado e utilizar seu
incrível poder econômico e comercial para impulsionar cada vez mais a região, nas
bases da cooperação e da competição saudável, e não do conflito.
250

5. CONCLUSÃO

O mecanismo de integração regional mais importante do Sudeste Asiático, a


ASEAN, vem evoluindo desde o momento de sua criação no ano de 1967. Entre os
sinais deste ganho de maturidade, está a inserção de novos membros, a abertura da
associação para novas questões, e até mesmo o aumento de suas relações
externas, o que representa uma expansão do seu papel na região e no seu destaque
como grupo de sucesso, principalmente para a economia e o comércio daqueles
países. A passagem da ASEAN de uma associação essencialmente de segurança,
voltada contra o comunismo, para outra, com um escopo mais ampliado e dando
maior relevância para questões econômicas e comerciais – principalmente após o
final da Guerra Fria – mostra o seu dinamismo e preocupação em manter-se
funcional.

Dentre as características que apontam que a ASEAN voltou-se para novos


desafios, que buscam inclusive ultrapassar seu âmbito mais relacionado ao
comércio, estão uma série de iniciativas que procuram levar a uma comunidade da
ASEAN baseada em três pilares principais cultural, de segurança e econômico.
Embora as atividades culturais e de segurança tenham um perfil de baixa política,
que se resumem a órgãos e summits pouco institucionalizados que tratam de
intercâmbios estudantis, promoção cultural, segurança não tradicional voltada para
pirataria, prevenção a tragédias naturais, segurança energética e outros, é visível o
esforço para uma integração cada vez maior entre os membros. Outra característica
do ganho de importância da associação está na aproximação que as grandes
potências regionais, como China e Japão, mas também Índia e EUA, fazem do
grupo.

A partir da década de 1970 o Japão passou a se relacionar com a ASEAN e


desde então percebeu a importância de lidar com o grupo como uma entidade
representante do Sudeste Asiático. Devido à história japonesa com os países da
região, a ASEAN podia se tornar uma via para elevar a novos níveis a relação do
Japão com cada um desses Estados. A China por sua vez, só passou a entender o
peso da ASEAN para a região e para sua própria política, a partir da década de
1990, ao sentir que devido a interdependência econômica da região, qualquer tipo
251

de instabilidade, mesmo que financeira, nos países membros da associação,


fatalmente atingiriam também o seu país. Após a crise financeira de 1997, os
principais países do Nordeste Asiático uniram-se a ASEAN por meio de um
desdobramento estrutural informal da associação para dar apoio financeiro e
monetário aos países que mais haviam sofrido com a crise.

Com os bons resultados alcançados pela ASEAN+3 na região, a relação entre


Nordeste e Sudeste Asiáticos tornou-se mais intensa e ampla nos mais variados
âmbitos. A criação de uma noção conjunta de Leste Asiático, que somava os países
do Nordeste e do Sudeste da Ásia que necessariamente faziam parte da ASEAN+3,
demonstrou que com o fim da Guerra Fria, a associação ganhou ainda mais peso
através do respeito e da vontade de convivência das potências regionais. A idéia de
Leste Asiático unido foi sustentada pelo aumento do mercado exportador para todos
os países que dele faziam parte, proporcionando o crescimento das trocas
comerciais na região e consequentemente a maior desenvolvimento dos países
envolvidos originados não só da ‘bonança’ comercial, mas também da transferência
de ajuda externa dos países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos
através de IED e ajuda externa em diversas formas.

No início da década de 2000, a espiral de comércio formada no Leste Asiático


gerou a possibilidade de que fossem criados acordos de livre comércio entre a
associação (ou seus membros individualmente) e os países do Nordeste Asiático,
dando início a uma corrida por parte de China, Japão e Coréia do Sul para
estabelecerem, cada qual em seus termos, FTAs com a ASEAN. Apesar de haver
uma proposta para a criação de uma FTA da ASEAN+3, que teria a ASEAN como
intermediadora, não houve ainda nenhum movimento por parte deste
desdobramento estrutural para sua formalização em curto prazo. Entretanto, a partir
de meados daquela década, como consequência da maior integração entre
Nordeste e Sudeste dentro do Leste Asiático, começaram conversações sobre a
criação de uma comunidade do Leste Asiático. Enquanto principalmente a China foi
a favor de que o fizessem na base dos summits da ASEAN+3, o Japão, em grande
parte, foi quem apoiou seu estabelecimento no escopo do EAS, que apesar de
inicialmente reunir os mesmos membros da ASEAN+3, passariam a incluir outros
mais.
252

Diante da ascensão dos mecanismos de integração regional, dentre eles a


ASEAN e seus desdobramentos estruturais principalmente a ASEAN+3, como
instrumentos importantes de política regional, nota-se uma disputa por parte dos
países mais poderosos do Leste Asiático pela liderança desta região agindo a partir
dos mecanismos que a representam. China e Japão se fazem presentes nestes
mecanismos através do estabelecimento de FTAs, de pacotes de auxílio, de
transferência de IED, da atuação em diversos fóruns de cooperação, comércio,
segurança não tradicional, cultura e outros. Ter um papel dominante, ou no mínimo
de grande relevância dentro destes mecanismos, significa automaticamente ter mais
poder na região, inclusive sobre os países que não fazem parte da associação, mas
tem relações diretas com ela.

Para Japão e China, a busca por uma posição de liderança regional significa
antes de poder econômico, comercial, financeiro ou político, estabilidade política e
geopolítica. Apesar de ambos os países não confirmarem ou não agirem claramente
para alcançar a liderança, a falta de confiança que um tem no outro os leva para
uma corrida que tem como finalidade impedir que o outro se torne líder ou
hegemônico regionalmente. A desconfiança mútua alimentada por um lado pelo
histórico imperialista japonês e por outro pelo crescimento espetacular chinês nas
últimas décadas, leva os dois países a enxergarem os mecanismos de integração
como uma opção para uma liderança indireta que não leve a região direto para uma
batalha pela disputa direta do poder, mas que possa vir a impedir, pelas
circunstâncias relacionadas ao regionalismo, o domínio da região por parte do outro.

Mesmo que entenda que o Japão não se constitui em um Estado normal do


ponto de vista militar, a China acredita que o país tem condições de buscar uma
liderança regional que venha a desestabilizar o Leste Asiático. Esta é uma das
razões que torna o país tão presente nos mecanismos de integração e até mesmo
na busca por uma comunidade regional. O Japão, por sua vez, acredita que, apesar
de a China receber altas quantias de IED do Japão, que é também um grande
mercado para as exportações chinesas, como mostra a Tabela 13 no capítulo
anterior, o país é capaz de assumir uma posição de líder regional, principalmente na
economia e comércio, devido ao seu grande poder de exportação, produção e da
absorção do seu mercado.
253

Desta forma, acreditando que o Japão não é uma potência responsável o


suficiente para assumir a postura de líder regional, além de um rival, a China busca
alcançar este patamar mesmo que de forma velada no âmbito bilateral e multilateral.
Enquanto isso o Japão, enxergando a China como perigosa potência em ascensão
econômica e militar, que certamente diminuiria seu poder relativo (inclusive na
questão de disputas territoriais no Mar da China Meridional) caso chegue a um papel
de líder regional, age de forma a buscar equilibrar o poder chinês individual e
coletivamente. As tentativas individuais são tratadas bilateralmente, mas as coletivas
ou multilaterais reforçam nossa hipótese que afirma que a influência de ambos os
atores nos mecanismos de integração regional impactam diretamente na busca pela
liderança regional econômica, financeira e comercialmente.

As formas de disputa multilateral ou coletiva pela liderança ou pelo equilíbrio


regional, a ser atingido apenas se na visão de Japão, a China não se tornar líder ou
hegemon regional, e na visão da China, se Japão não se tornar líder ou hegemon
regional, podem ser notadas dentro e fora do arcabouço da ASEAN e da ASEAN+3.
Partindo da esfera econômico-financeira e comercial, as FTAs são o maior sinal de
disputa dentro do espectro da ASEAN. Mas há outros exemplos que se como a
disputa por maior influência na região do Mekong, por se tornar a maior fonte de
IED, e até mesmo por ser maior incentivador de instituições monetárias, financeiras
e de fomento ao desenvolvimento que já existem ou que são apenas ideias. A
metáfora da ASEAN como noiva cobiçada por todos, principalmente por dois noivos
aflitos, Japão e China, e que se aproveita do fato feita por Oliveira 250, se encaixa
perfeitamente na questão da disputa pela liderança no Leste Asiático através dos
mecanismos de integração regional Fora do âmbito da ASEAN, a disputa pelo
estabelecimento de uma Comunidade do Leste Asiático nas bases sugeridas por
Japão ou China também é outro exemplo. A criação do EAS nos moldes segundo a
proposta japonesa de expansão da noção de Leste Asiático, demonstrou que não só
o país, mas outros Estados da região temem o poder chinês e sua maior propensão
a tonar-se líder.

Contudo, apesar de as condições chinesas serem maiores para vir a se tornar


líder regional, vale ressaltar que não há um só tipo de liderança, e que apesar de ser

250
Comunicação oral do doutor em Sociologia pela USP Henrique Altemani Oliveira durante o 3º Encontro Anual
da Associação Brasileira de Relações Internacionais em São Paulo-2011.
254

a principal potência da região, o Japão continua sendo um país poderoso, mais


ainda nos ramos comercial e de tecnologia de ponta, um diferencial importante
quando comparado à China. Esta pesquisa buscou também retratar alguns tipos de
liderança a partir de um puzzle teórico formado pelas contribuições e conceitos
teóricos de Dent (2008), Flemes (2007) e Young (1991).

Combinar os diferentes conceitos voltados para a questão da liderança


criados por cada um dos autores e aplicá-los aos casos de Japão e China, como
feito no capítulo anterior, torna possível construir um quadro estático da situação
hipotética de cada um dos dois atores em relação a sua liderança na região e chegar
a um consenso de que tipo de lideranças seriam essas.

Dentro do conceito de multilateralismo-regional de Dent (2008) são quatro os


principais quesitos que o líder regional precisa ter: a) diminuir ao máximo o medo
dos demais países da região de sua liderança; b) agir como potência responsável; c)
ter a capacidade de representar a região em fóruns multilaterais-globais; d) afetar de
alguma forma os mecanismos multilaterais-globais. Já Flemes (2007 apud Dent)
afirma que para um ator ser considerado líder regional ele deve: e) reivindicar poder;
f) possuir recursos de poder; g) ter emprego de instrumentos de política externa
voltados para tal; h) e ter a aceitação da liderança por parte da região. Young (1991)
fez diferente e divide a liderança em três tipos distintos: i) baseada no poder
estrutural; j) com as características da liderança estrutural; e l)voltada para aspectos
intelectuais.

A partir das considerações feitas dos conceitos acima citados dentro do


capítulo da construção de um puzzle teórico e após as reflexões feitas sobre cada
um deles dentro do prisma da ASEAN, da ASEAN+3, de China e Japão e da disputa
pela liderança no capítulo anterior, cabe a nós neste momento unir cada uma destas
pontas para estabelecer qual país possuiria que tipo de liderança e colocando em
uma balança qual delas pesaria mais atuando na região.

Em relação ao que Dent( 2008) considera indispensável para a liderança


dentro do seu conceito de multilateralismo-regional temos que : a) apesar de Japão
se relacionar a muito mais tempo com a ASEAN que a China, todos os dois atores
exercem medo sobre os demais atores da região; o Japão pelo histórico imperialista
e a China pelo enorme crescimento atual; b) ambos os países procuram agir como
255

potências responsáveis, o Japão desde antes quando já se relacionava com a


associação nos anos 1970, mas tanto em relação ao Japão como a China, foi a
partir da crise asiática que esta responsabilidade aflorou; contudo é possível
perceber que pela quantidade de IED e auxílio ao desenvolvimento e ajudas
emergenciais que o Estado japonês transfere para toda região desde que começou
a se relacionar com a associação, o Japão possa ser considerado uma potência
mais responsável; c) uma vez que a China é um país que possui, além de
características de países desenvolvidos, muitas outras de países em
desenvolvimento, é largamente possível que ela represente mais e melhor a região
em organismos multilaterais-globais justamente porque a maioria das demandas dos
países da ASEAN são compatíveis com as suas; d) devido ao enorme peso com que
o Estado chinês tem atualmente no cenário internacional, principalmente por se
caracterizar como o segundo maior PIB mundial, um dos maiores exportadores e
importadores do planeta, é altamente provável que a China tenha um poder muito
maior para afeta ou influenciar os acordos multilaterais-globais que o Japão.

De acordo com as características de um líder regional apontadas por Flemes


(2007 apud DENT, 2008), e) ambos os países reivindicam poder de forma velada,
utilizando formas indiretas de fazê-lo dentro dos mecanismos de integração regional
que possuem a prerrogativa de membros mais importantes; f) tanto Japão como
China possuem recursos e capacidades de poder, porém, enquanto a China tem
ênfase no poder econômico e militar, o Japão o tem no poder econômico e no soft
power ( o que por si só já demonstra nítidas diferenças entre a forma de liderar dos
dois atores); g) apesar de tanto Japão quanto China possuírem instrumentos de
política externa voltados para a região e mais especificamente seus mecanismos de
integração, devido a história mais longa do Japão com a ASEAN e este tipo de
formação regional, seus instrumentos de política externa estão melhor adaptados
que os chineses para a convivência com estes; h) nenhum dos dois países possuem
aceitação por parte da região para sua liderança uma vez que a associação e países
que com ela mantém relações enxergam a postura de Japão e China na busca pela
liderança com receio dos resultados desta ação.

Young (1991) é mais taxativo ao estabelecer três tipos de liderança, que


segundo ele podem estar todos presentes em um só ator ou em atores diferentes.
Sendo assim, de acordo com as considerações do autor e das colocações feitas por
256

esta pesquisa, i) mesmo que o Japão possua amplo poder estrutural baseado em
grande parte no desenvolvimento de sua tecnologia, na sua economia estruturada, e
na alta troca comercial, a China, possui atualmente maior poder estrutural devido a
sua extensa economia em desenvolvimento aliado ao seu poder militar que também
está sofrendo processo de expansão e modernização; j) as habilidades de um líder
empresarial podem ser enxergadas tanto no Japão quanto na China, mas a busca
chinesa por sempre incluir todos os membros da ASEAN em seus acordos de livre
comércio ao contrário do que o Japão fazia no princípio, e também pela
possibilidade maior de que a China consiga representar melhor a região quando em
organismos multilaterias-globais, é mais provável que suas características
preencham com melhor este tipo de liderança; l) o Japão parece ser mais apto para
possuir os pré-requisitos de um líder intelectual uma vez que tem o costume,
principalmente com os mecanismos de integração regional, de estabelecer acordos
e frequentar encontros e reuniões de assuntos que são entendidos como
paradiplomáticos, ou seja, que estão fora da alta política; também o Japão tem
tradição na formação de acadêmicos e pesquisadores, inclusive nas áreas exatas
como economia e política, tradição esta que esta sendo recentemente retomada
pela China.

Através das comparações diretas estabelecidas por este quadro estático e


hipotético, apesar de baseado naquilo que foi observado ao longo da pesquisa, é
possível perceber que os dois países tem formas distintas de expressar sua vontade
de liderar e o fazem por meios diversos, apesar de passarem pelo mesmo canal, os
mecanismos de integração da região. Fazendo o balanço deste quadro, a China
estaria a priori em vantagem em relação ao Japão para exercer a liderança regional
já que possui extensas capacidades materiais e tem maior possibilidade de
representar a região como um todo. Contudo, as recorrentes demonstrações
japonesas de agir como uma potência responsável para a região – mesmo com o
histórico de guerras e expansionismo ao seu lado – podem abrir um precedente para
o Japão para passar a ser enxergado como opção para os Estados que continuem
vendo a China como ameaça.

Não obstante, nada impede que os dois países possam figurar como
lideranças regionais, cada qual em âmbitos diferentes. Mas é praticamente evidente
o fato de que continuarão procurando diminuir ou anular a liderança ou a
257

possibilidade de liderança do outro, até entenderem, e confiarem que a cooperação


baseada nas esferas, econômica, política, comercial e cultural é o que trará o
equilíbrio na região. A cooperação, no entanto, está baseada na confiança, e esta se
adquire apenas através do histórico de amizade e prosperidade entre os países, e
quanto a isso não sabemos quantas outras gerações precisarão emergir até que as
feridas da guerra e do imperialismo estejam finalmente curadas.
258

REFERÊNCIAS

ACHARYA, Amitav. ASEAN at 40: Mid-Life rejuvenation. Foreign Affairs. Disponível


em: <http://www.foreignaffairs.com/articles/64249/amitav-acharya/asean-at-40-mid-
life-rejuvenation> Acesso em: 01/03/2012

______. Theoratical Perspectives on International Relations in Asia. SHAMBAUGH,


David YAHUDA, Michael. International Relations of Asia. Plymouth: Rowman
Littlefield, 2008.

______. The strong in the world of the weak: Southeast Asia in Asia’s Regional
Architecture. GREEN, Michael J. GILL, Bates (Orgs). Asia’s New Multilateralism:
Corporation, Competition, and the Search for Community. New York: Columbia
University Press, 2009.

AGGARWAL, Vinod.K. KOO, Min Gyo. Asia's New Institutional Architecture:


evolving structures for managing Trade, Financial, and Security Relations. Berlin:
Springer: 2008.

ANAND, Mohit. Towards comprehensive economic partnership in East Asia. Institute


of Peace ; Conflict Studies, 2007. Disponível em: <
http://www.ipcs.org/article_details.php?articleNo=2702> Acesso em: 05 de jan de
2012.

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso


tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

______. Adam Smith in Beijing: lineages of the twenty-first century. Verso, 2007.

ASAMI, Tadahiro. Chiang Mai Initiative as the Foundation of Financial Stability in


East Asia. Association of SouthEast Asian Nations Secretariat, 2005. Disponível em:
<http://www.asean.org/17905.pdf> Acesso em: 19 de set de 2011.

ASEAN-JAPAN CENTRE. ASEAN-Japan Statistics 2010. Disponível em:


<http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/Latest_Statistics.html> Acesso em:
09/09/2011
______. Data on External Trade of Japan, ASEAN and China. Disponível em:
<http://www.asean.or.jp/en/asean/know/statistics/3.html> Acesso em: 05 de out de
2011.

ASEAN REGIONAL FORUM. About The ASEAN Regional Forum. Disponível em:
<http://aseanregionalforum.asean.org/about.html> Acesso em: 02 de dez de 2011

ASEAN SECRETARIAT. Overview on Association of SouthEast Asian Nations.


Disponível em: < http://www.aseansec.org/64.htm> Acesso em: 05 de ago de 2011.

______. Declaration of ASEAN Concord Indonesia, 24 February 1976. Disponível


em: <http://www.asean.org/1216.htm> Acesso em: 10 de set de 2011.
259

ASEAN secretarity.Agreement On ASEAN Preferential Trading Arrangements


Manila, 24 February 1977. Disponível em: <http://www.aseansec.org/1376.htm >
Acesso em: 05 de Nov de 2011.

______.East Timor Needs Five Years to Join ASEAN: PM. Disponível em:
<http://www.asean.org/afp/154.htm> Acesso em: 25 de out de 2011.

______. ASEAN Free Trade Area (AFTA Council). Disponível em:


<http://www.aseansec.org/19585.htm> Acesso em: 02/10/2011.

______. Agreement on the Common Effective Preferential Tariff Scheme for the
ASEAN Free Trade Area. Disponível em: <http://www.aseansec.org/12375.htm>
Acesso em: 24 de set de 2011.

______. ASEAN Free Trade Area (AFTA): An Update. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/10342.htm> Acesso em: 17 de set de 2011.

______. Treaty on the Southeast Asia Nuclear Weapon-Free Zone Bangkok,Thailand


15 December 1995. Disponível em: <http://www.asean.org/3636.htm> Acesso em:
30 de ago de 2011.

______.Basic Framework of ASEAN- Mekong Basin Development Cooperation


Kuala Lumpur, 17 June 1996. Disponível em: <http://www.asean.org/6353.htm>
Acesso em: 11 de dez de 2011.

______. ASEAN Vision 2020. Disponível em: <http://www.asean.org/1814.htm>


Acesso em: 09 de dez de 2011.

______. Joint Statement on East Asia Cooperation 28 November 1999. Disponível


em: <http://www.asean.org/691.htm> Acesso em: 09 de dez de 2011.

______. Declaration of ASEAN CONCORD II (BALI CONCORD II). Disponível em:


<http://www.aseansec.org/15159.htm> Acesso em: 15 de ago de 2011.

______. Charter of the Association of South Asian Nations. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/21069.pdf> Acesso em: 13 de ago de 2011.

______. ASEAN's External Relations. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/20164.htm> Acesso em: 30 de nov de 2011.

______. Ambassadors to ASEAN. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/22470.htm> Acesso em: 30 de nov de 2011.

______. ASEAN External Trade Statistics. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/18137.htm> Acesso em: 28 de out de 2011.

______. ASEAN Free Trade Area Agreements. Disponível em:


<http://www.asean.org/Fact%20Sheet/AEC/AEC-12.pdf> Acesso em: 15 de fev de
2012.
260

ASEAN secretarity.. The Fukuda Doctrine. Disponível em:


<http://old.asean.or.jp/eng/asean40/fukuda.html> Acesso em: 21 de fev de 2012.

______. ASEAN Bulletin October 2009. Disponível


em:<http://www.aseansec.org/23112.htm#Article-8> Acesso em: 06 de ago de 2011.

______.Sixteenth ASEAN Summit, Ha Noi, 8-9 April 2010. Disponível em:


<http://www.aseansec.org/24472.htm> Acesso em: 05 de set de 2011.

______. Seventeenth ASEAN Summit, 28-30 October 2010. Disponível em:


<http://www.asean.org/25410.htm> Acesso em: 19 de set de 2011.

______. ASEAN in 2011: Speechs, Documents issued by the Chair, and ASEAN
Secretariat News. Disponível em: <http://www.asean.org/26265.htm> Acesso em:
30/08/2011

ASIA Regional integration Center. Trade and Investment Statistics. Disponível em:
<http://aric.adb.org/FTAbyCountryAll.php> Acesso em: 18/ de fev de 2012.

______. Integration Indicators Database: ASEAN+3. Disponível em:


<http://aric.adb.org/indicators.php?sort=country&filter=all&r_indicators[]=TRTRADER
_DOT&r_reporters[]=ASEAN%2B3&r_partners[]=World&r_partners[]=ASEAN&r_part
ners[]=ASEAN%2B3&r_years[]=2010> Acesso em: 29 de jan de 2012.

BA, Alice. [Re]Negotiating East and Southeast Asia:Region, Regionalism, and the
Association of South East Asian Nations. Stanford: Stanford University Press, 2009.

BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro:


Zahar, 1976.

BBC NEWS. East Timor applies to join ASEAN. 04/03/2011. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific-12644608> Acesso em: 25 de out de
2011.

______. Obama visit: Australia agrees US Marine deployment plan. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-15739995> Acesso em 17 dez de 2012.

______. William Hague: burma to free more 'political prisoners. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/news/uk-politics-16417704> Acesso em: 22 de jan 2012.

BILATERALS.ORG. Japan's Parliament approves free trade with ASEAN.


21/06/2008. Disponível em:
<http://www.bilaterals.org/spip.php?article12479&lang=en> Acesso em: 06 de jan de
2012.

BRESLIN, Shaun. Towards a Sino-centric regional order? Empowering China and


constructing regional order(s). DENT, Christopher M.(org). China, Japan and
Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008
261

CBC NEWS. Japan, China bury argument over maritime clash.


Disponível em: <http://www.cbc.ca/news/world/story/2010/10/05/japan-china-
meeting-105.html> Acesso em: 28 de fev 2012.

CENTRAL INTELIGENCE AGENCY(CIA). The World Factbook Data: Country


Comparison : Imports. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-
world-factbook/rankorder/2087rank.html> Acesso em: 12 dez de 2011.

CENTRE FOR ECONOMICS AND BUSINESS RESEARCH. Brazil has overtaken the
UK's GDP. Disponível em:
<https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:rfUjWc3SZt4J:www.cebr.com/wp-
content/uploads/Cebr-World-Economic-League-Table-press-release-26-December-
2011.pdf+&hl=pt-
BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESgjVX9ZVwZa_X0ZrSbVrleJvo6P6kwTo99_DmX09
F257L3KUSQpRa7zwK0rJGsoO5LtTeYU6qQgw5bArTWmJZiYyQz_lyJUwEk-
mLDaBqlzxUHHS6c0n7thw2AIkhukBNOS_5Bk&sig=AHIEtbQQddsFcl3OtdxNlO9wC
N4JAvBX6g> Acesso em: 28 de dez 12.

DENT, Christopher M. Regional Leadership in East Asia: towards new analytical


approaches. [in] DENT, Christopher M.(org) China, Japan and Regional Leadership
in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

______. What region to lead? Developments in East Asian regionalism and


questions of regional leadership.[in]. DENT, Christopher M.(org). China, Japan and
Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

______. (org) China, Japan and Regional Leadership in East Asia. Cheltenham:
Edgar Elgar Pub, 2008.

UNITED STATES OF AMERICA. Departament of Defense. DoD Personnel and


Military Causalty Statistics. Disponível em:
<http://siadapp.dmdc.osd.mil/personnel/MMIDHOME.HTM> Acesso em: 21 jan de
2012

______. Sustaining U.S. Global Leadership: priorities for the 21 Century Defense.
Disponível em: <http://s3.documentcloud.org/documents/282176/pentagon-strategy-
document-2012.pdf> Acesso em: 08 dez de 2011

EMMOTT, Bill. Rivals: how the power struggle between China, India and Japan will
shape our next decade. Orlando: Harcourt, 2008.

FLEMES, DANIEL. Conceptualising regional power in international relations: lessons


from the South African case. Hamburg, GIGA, 2007 [in] DENT, Christopher M.(org)
China, Japan and Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub,
2008.

FUKUSHIMA, Akiko. Japan’s perspectives on Asian regionalism. In: GREEN,


Michael J. GILL, Bates (Orgs). Asia’s New Multilateralism: Corporation, Competition,
and the Search for Community. New York: Columbia University Press, 2009.
262

FURLONG, Paul MARSH, David. A skin not a sweater: ontology and epistemology in
Political Science [in] MARSH, David STROKER, Gerry (orgs). Theory and Methods
in Political Science.Palgrave McMillan, 2010

GILPIN, Robert. Global political economy. Princeton: Princeton University Press,


2001

GLOBAL ISSUES. Global Distribution of Military Expenditure 2010. Disponível em:


<http://www.globalissues.org/article/75/world-military-
spending#WorldMilitarySpending> Acesso em 23 fev de 2012.

GREEN, Michael J. GILL, Bates (Orgs). Asia’s New Multilateralism: Corporation,


Competition, and the Search for Community. New York: Columbia University Press,
2009.

______. Unbundling Asia’ New Multilateralism . In: GREEN, Michael J. GILL, Bates
(Orgs). Asia’s New Multilateralism: Corporation, competition, and the Search for
Community. New York: Columbia University Press, 2009.

GREEN, Michael J. Japan in Asia. In: SHAMBAUGH, David YAHUDA, Michael.


International Relations of Asia. Plymouth: Rowman Littlefield,2008

HAACKE, Jürgen. ASEAN’s Diplomatic and Security Culture- Origins, development


and prospects. Nova York : Routledge, 2005

HAMANAKA, Shintaro. Comparing summitry, financial and trade regionalism in East


Asia: from the Japanese perspective. In: DENT, Christopher M.(org). China, Japan
and Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

HELD, David. McGREW, Anthony. Prós e Contras da Globalização. Rio de Janeiro:


Zahar, 2001.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras.

HUGHES, Christopher W. Japan’s policy towards China: domestic structural change,


globalization, history and nationalism. In: DENT, Christopher M.(org). China, Japan
and Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

HURRELLL, Andrew. O ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial,


Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v.17, n.1, jan/ jun, p.23-59, 1995. In:
Regionalism In World Politics: regional organization and international order [ed]
HURRELLL, Andrew FAWCETT, Louise. Nova York, Oxford University Press, 1994.

IBGE. Mapa Interativo. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php>


Acesso em: 23 de jan 2012.

INTERNATIONAL MONETARY FUND. Quota and Voting Shares Before and After
Implementation of Reforms Agreed in 2008 and 2010. Disponível em:
263

<http://www.imf.org/external/np/sec/pr/2011/pdfs/quota_tbl.pdf> Acesso em:


02/03/2012

INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION. Association of Southeast Asian


Nations. Disponível em: <http://actrav.itcilo.org/actrav-
english/telearn/global/ilo/blokit/asean.htm> Acesso em: 03 ago de 2011.

JAPAN FOCUS. Soft Power Politics in the Asia Pacific: Chinese and Japanese
Quests for Regional Leadership. Disponível em:<http://www.japanfocus.org/-a_-
yang/3054> Acesso em: 06 de abr 2012.

JAPAN . Ministry of finance Japan. A New Initiative to Overcome the Asian


Currency Crisis (New Miyazawa Initiative). Disponível em:
<http://www.mof.go.jp/english/international_policy/financial_cooperation_in_asia/new
_miyazawa_initiative/e1e042.htm> Acesso em: 28 jan de 2012.

JAPAN. Ministry of Foreign Affairs Japan. ASEAN+3 Meetings. Disponível em:


<http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/asean/conference/asean3/> Acesso em: 12
fev de 2012.

JAPAN. Ministry of Foreign Affairs Japan. Chairman's Statement of the 6 East Asia
Summit Bali, Indonesia, 19/11/2011. Disponível em:
<http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/eas/pdfs/state111119.pdf> Acesso em: 05
dez 2011

______. Japan-China-ROK Trilateral Summit. Disponível em:


<http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/jck/summit.html> Acesso em: 16/02/2012

_______. Japan-China-ROK Trilateral Summit: Summit Declaration. Disponível em:


<http://www.mofa.go.jp/region/asia-paci/jck/summit1105/declaration.html> Acesso
em: 16 de fev 2012.

KAWAI, Masahiro. WIGNARAJA, Ganeshan. ASEAN+3 or ASEAN+6: wich way


foward? Paper apresentado em: Conference on Multilateralising Regionalism.
Geneva, 2007. Disponível em:
<http://www.adbi.org/files/dp77.asean.3.asean.6.pdf> Acesso em 13 nov 2011.

KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação


econômica e confronto militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Editora Campos,
1989.

KEOHANE, Robert. NYE, Joseph. Power and Interdependence. New York:


Longman; 2001.

LAKATO, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. São


Paulo: Editora Atlas, 1995.

MARSH, David STROKER, Gerry (orgs) Theory and Methods in Political


Science.Palgrave McMillan, 2010
264

McDOUGALL, Derek. Asia Pacific in World Politics. Bolder: Lynne Rienner


Publishers,2007.

McDOWELL, Robin. A look at the top issues at Asian security meeting. Associated
Press, 2011.
Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/world/feedarticle/9755825> Acesso em:
10 de nov 2011.

MIZZIMA ELECTIONS 2010. International p+.olitics: ASEAN. Disponível em:


<http://www.mizzima.com/international-policy/asean.html> Acesso em: 06/04/2012

MUNAKATA, Naoko. Has Politics Caught Up with Markets? In search of East Asia
Economic Regionalism. In: KATZENSTEIN, Peter J. SHIRAISHI, Takashi (Org.)
Beyond Japan. The dynamics of east asian regionalism: Nova York, Cornell
University Press,2006.

NABERS, Dirk . China, Japan and the Quest for Leadership in East Asia. Giga
Working Papers. Hamburg: Fevereiro, 2008. Disponível em <http://www.giga-
hamburg.de/dl/download.php?d=/content/publikationen/pdf/wp67_nabers.pdf>
Acesso em: 20/02/2012

NAKAMICHI, Takashi. Japão tem déficit recorde na balança comercial. The Wall
Street Journal.20/02/2012. Disponível em:
<http://online.wsj.com/article/SB10001424052970204909104577235261220455488.
html> Acesso em: 27 de fev 2012.

NARINE, Shaun. ASEAN in the twenty-first century: a sceptical review. Cambridfe


Review of International Affairs, 2009. Disponível em:
<http://www.tandfonline.com/loi/ccam20> Acesso em: 08 dez de 2011.

NOGUEIRA, João Pontes. MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2005.

NYE, JOSEPH S. JR. Soft Power: the means to success in world politics. New York:
Public Affairs, 2004.

______. The future of power. New York: Public Affairs, 2011

OFFICIAL DOCUMENTS SYSTEM OF THE UNITED NATIONS. Assessment of


contributions of Member States to the United Nations regular budget for 2012.
Disponível em: <http://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/653/67/pdf/N1165367.pdf?OpenElement> Acesso
em: 02 mar de 2012.

OLIVEIRA, Henrique Altemani de. Política internacional contemporânea: mundo em


transformação. São Paulo: Saraiva, 2006.
265

OECD. OECD Stats Extracts: FDI flows by partner country. Disponível em:
<http://stats.oecd.org/Index.aspx?DatasetCode=FDI_FLOW_PARTNER> Acesso em
02/03/2012

______. Statistics from A to Z: Aid (development).Disponível em:


<http://www.oecd.org/document/0,3746,en_2649_201185_46462759_1_1_1_1,00.ht
m> Acesso em: 19 fev de 2012.

ROSE, Caroline. Sino-Japanese relations after Koizumi and the limits of ‘new era’
diplomacy. In: DENT, Christopher M.(org). China, Japan and Regional Leadership in
East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

SAUNDERS, Phillip C. China’s Role in Asia. In: SHAMBAUGH, David YAHUDA,


Michael. International Relations of Asia. Plymouth: Rowman Littlefield, 2008.

SCRIBD. A Constituição do Japão em português. Disponível em:


<http://pt.scribd.com/doc/5523356/A-Constituicao-do-Japao>. Acesso em: 18 fev de
2012.

SEARIGHT, Amy. Emerging Economic Architecture in Asia: Opening or Insulating the


Region. [in] GREEN, Michael J. GILL, Bates (Org). Asia’s New Multilateralism:
Corporation, Competition, and the Search for Community. New York: Columbia
University Press, 2009.

SHAMBAUGH, David YAHUDA, Michael. International Relations of Asia. Plymouth:


Rowman, Littlefield,2008

SIMON, Sheldon W. ASEAN and the New Regional Multilateralism: The Long and
Bumpy Road to Community. In: SHAMBAUGH, David YAHUDA, Michael.
International Relations of Asia. Plymouth: Rowman Littlefield,2008.

SIPRI. The SIPRI Military Expenditure Database. Disponível em:


<http://milexdata.sipri.org> Acesso em: 05 fev de 2012.

TARLING, Nicholas (Org.). The Cambridge History of Southeast Asia: From World
War II to the present. Vol. 2, Parte 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

TERADA, Takashi. Constructing an ‘East Asian’ concept and growing regional


identity: from EAEC to ASEAN+3. The Pacific Review, v. 16, n. 2, 2003. Disponível
em:
<http://www.kikou.waseda.ac.jp/asia/uploadfile/koseiin/02/20/JPN/ASEAN_3_200811
27172723_n3rl8h5iifdkd03rvqaqlf2bp4.pdf > Acesso em 12 ago de 2011

THE ASEAN FOUNDATION. About The ASEAN Foundation. Disponível em:


<http://www.aseanfoundation.org/index2.php?main=about.htm#a> Acesso em:
18/10/2011

THE SYDNEY MORNING HERALD. Text of Obama's speech to


Parliament.17/11/2011. Disponível em:<http://www.smh.com.au/national/text-of-
obamas-speech-to-parliament-20111117-1nkcw.html> Acesso em: 17/12/2011
266

THE WORLD BANK. The World Bank Database. Disponível em:


<http://databank.worldbank.org/ddp/home.do> Acesso em: 05/10/2011

TSANG, Steve. China’s place in East Asia. [in] DENT, Christopher M.(org) China,
Japan and Regional Leadership in East Asia. Cheltenham: Edgar Elgar Pub, 2008

TURNBULL, Constance Mary. Regionalism and Nationalism. In: TARLING, Nicholas


(Org.). The cambridge history of southeast asia: From World War II to the present.
Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

UNITED STATES. Departament of agriculture economic research service.


International Macroeconomic Data Set. Disponível em:
<http://www.ers.usda.gov/Data/Macroeconomics/#HistoricalMacroTables> Acesso
em: 13 nov de 2011.

VAN EVERA, Stephen. Guide to Methods for Students of Political Science. Nova
York: Cornell University Press,1997.

VANNAK, Chhun. ASEAN Structure, Policy making process and ASEAN Mechanism:
ASEAN Charter. Pannasastra: University of Cambodia, 2006. . Disponível em:
<http://www.google.com.br/url?sa=trct=jq=esrc=ssource=webcd=1cts=13310977516
17ved=0CCoQFjAAurl=http%3A%2F%2Fwww.silaka.org%2Fresource%2Fasian_cha
rter%2F6.%2520Understanding%2520ASEAN%2520Dr.Vannak.%25202%28PUC%
29.pptei=lvBWT7zgA4eUtweJ-
9DVDgusg=AFQjCNFXZeGlj2uJQ7qr89qmgJNfEPfYfg>

WAN, Joo Lian. ASEAN'S Free Trade Agreements. United Nations Economic and
Social Commission for the Asia and the Pacífic, 2011. Disponível em:
<http://www.unescap.org/tid/projects/asianeco-asean.pdf> Acesso em 08/01/2012

WAN, Joo Lian. Trade Integration in ASEAN –Economic and institutional dimension..
Bank of Indonesia, 2011. Disponível em: < www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-
FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf>
Acesso em: 08/01/2012

WAN, Ming. The Political Economy of East Asia: Striving for Wealth and Power.
Washington: Congressional Quarterly Press, 2008

WALT, Stephen, M. Explaining Obama's Asia policy. Foreign Policy, 18/11/2011.


Disponível
em:<http://walt.foreignpolicy.com/posts/2011/11/18/explaining_obamas_asia_policy>
Acesso em 25/11/2011

WALTZ, Kenneth N. Theory of Internatinal Politics. McGraw-Hill,1979.

WORLDTRADE MANAGEMENT SERVICES. China's Free Trade Agreements:


Lowering landed costs and gaining competitive advantage. Disponível em:
267

<http://www.pwccustoms.com/webmedia/doc/633910492656405807_fta_lower_land
_cost.pdf> Acesso em 20/02/2012

XINBO, WU. Chinese Perspectives on Building an East Asian Community in the


Twenty-first Centry [in] GREEN, Michael J. GILL, Bates (orgs). Asia’s New
Multilateralism: corporation, competition, and the search for community. New York:
Columbia University Press, 2009.

YAHUDA, Michael. Looking Ahead: a new Asian order? In: SHAMBAUGH, David
YAHUDA, Michael. International relations of Asia. Plymouth: Rowman
Littlefield,2008

YOUNG, Oran. Political Leadership and Regime Formation: On the Development of


Institutions in International Society. International Organization v.45, n.3. The MIT
Press, 1991. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2706733> Acesso em:
18/01/2012
268

APÊNDICE A - Estruturas e Mecanismos da ASEAN

Dividida em três pilares, a estrutura organizacional da ASEAN é baseada na


ideia de uma Comunidade da ASEAN. No entanto, dos três pilares existentes
apenas o pilar econômico conseguiu até agora atingir um funcionamento de fato,
sendo os dois outros bastante insipientes.
O pilar Socio-Cultural possui tópicos para serem discutidos, mas poucos
organismos oficiais. Tal pilar lida com questões de cultura e artes; a administração
de catástrofes; educação; meio ambiente; informação; trabalho; pobreza; ciência e
tecnologia entre outras questões.
O pilar Político e de Segurança possui mais organismos oficiais que o Socio-
Cultural. Engloba o Encontro Ministerial da ASEAN251; o ARF além de questões de
defesa, lei e crimes transnacionais. Devido à baixa institucionalização do bloco,
assim como uma norma informal que vem desde sua criação, questões de
segurança e soberania são tratadas individualmente pelos países membros. Pode-
se dizer que o pilar Político e de Segurança atua mais como um corpo consultivo.
O pilar Econômico, por sua vez, engloba a Área de Livre Comércio da
ASEAN; os Encontros dos Ministros de Fazenda da ASEAN252; e tópicos como
alimentação, energia, financiamento, transportes e telecomunicação. Esse pilar
alcança um melhor desenvolvimento porque diz respeito a questão nevrálgica do
bloco, desde a década de 1980: o crescimento, o desenvolvimento e a integração
econômica dos países do bloco.
Para entender melhor o funcionamento da ASEAN é necessário que sua
estrutura principal seja apresentada. Lançada em linhas gerais na Declaração de
Bancoc em 1967 e aprofundada na Declaração de Cingapura de 2007, a estrutura
da ASEAN é apresentada no capítulo IV da Declaração de Cingapura 253, que contém
os instrumentos, ou órgãos, da ASEAN.

251
ASEAN Ministerial Meeting
252
ASEAN Economic Ministers
253
Disponível em: http://www.aseansec.org/21069.pdf
269

ASEAN SUMMIT254

O ASEAN Summit é o corpo político supremo da associação.O mais recente


se realizou em maio de 2011 Jacarta na Indonésia. Este instrumento se concretiza
através de reuniões que acontecem duas vezes por ano, todos os anos entre os
Chefes de Estado ou de Governo dos países membros. Além dos países membros,
representantes de outros países da região como Japão, China e Coréia do Sul, parte
do ASEAN+3 bem como Austrália, Nova Zelândia e Índia, do ASEAN+6 e outros
como EUA, que faz parte do ARF e da APEC, também participam do acontecimento.
Essas reuniões são importantes uma vez que lançam os guias políticos para a
tomada de decisão da associação para alcançar os objetivos da ASEAN. Durante
estes encontros, conselhos ad hoc interministeriais se reúnem para tratar das
questões mais importantes para a ASEAN, segundo os Conselhos da Comunidade,
outro órgão da associação.
Situações emergenciais que atinjam a ASEAN como um todo também são
tratadas. Além dessas, outras questões são abordadas no ASEAN Summit, como a
escolha do Secretário-Geral da ASEAN e o ajuste de todo tipo de disputa entre
membros (respectivamente capítulos VII e VIII da Carta).
O 15° ASEAN Summit ocorreu no dia 19 de outubro de 2009 na Tailândia e os
principais temas tratados foram a inauguração da Comissão Intergovernamental de
Direitos Humanos da ASEAN, a Declaração para o Fortalecimento da Cooperação
em Educação para Alcançar uma Comunidade de Cuidado e Colaboração da
ASEAN, a apresentação do Sumário Executivo dos Critérios de Avaliação da
Comunidade Econômica da ASEAN. Aconteceram dentro do ASEAN Summit outros
encontros como a Cúpula +1 com China, Japão, Coréia do Sul e Índia; a Cúpula do
ASEAN+3 ASEAN; e o East Asia Summit ou Cúpula da ASEAN+6.255
O 16° ASEAN Summit aconteceu nos dias 8 e 9 de abril de 2010 em Hanoi no
Vietnã. Foram debatidas questões como a assinatura de um protocolo para o
estabelecimento de um mecanismo de solução de controvérsias na ASEAN, os
processos na implementação da Comunidade Econômica da ASEAN, e outros. Além
disso foi inaugurada a Comissão da ASEAN pela Promoção e Proteção dos Direitos

254
ASEAN SUMMIT (ou Cúpula da ASEAN) segundo Declaração de Cingapura de 2007. Disponível em:
http://www.aseansec.org/21069.pdf
255
Disponível em : http://www.aseansec.org/23112.htm#Article-8 .
270

das Mulheres e das Crianças, e lançadas declarações como: a Declaração de


Responsabilidade Conjunta dos Líderes da ASEAN em relação às mudanças
Climática, a Declaração dos Líderes da ASEAN pelo Desenvolvimento e
Recuperação Sustentável. 256
O 17º ASEAN Summit também ocorreu em Hanoi de 28 a 30 de outubro de
2010, e dentre diversas questões levantadas as principais foram: a Implementação
do Plano de Ação da Declaração Conjunta de Parceria Estratégica de China e
ASEAN , de Coréia do Sul e ASEAN, e de Índia e ASEAN para Paz e Prosperidade;
a Declaração Conjunta para a Cúpula ASEAN-Austrália; a Declaração Conjunta de
Líderes Chineses com a ASEAN em Desenvolvimento Sustentável; e a Declaração
Conjunta de EU-ASEAN para a Auxilio na Administração de Tragédias.257
O 18º e mais recente ASEAN Summit ocorreu entre os dias 7 e 8 de maio em
Jacarta teve como principais documentos adotados: Declaração Conjunta dos
Líderes da ASEAN para uma Comunidade da ASEAN em uma Comunidade Global
de Nações; Declaração Conjunta dos Líderes da ASEAN para o Estabelecimento de
um Instituto da ASEAN para Paz e Reconciliação; e Declaração Conjunta dos
Líderes da ASEAN para a Promoção da Cooperação contra o Tráfico de pessoas no
Sudeste Asiático.258
Conselho Coordenativo da ASEAN259

O Conselho Coordenativo da ASEAN engloba os Ministros das Relações


Exteriores da associação e se reúne pelo menos duas vezes ao ano para tratar de
assuntos relativos à preparação do ASEAN Summit, como as reuniões que serão
realizadas e os temas que serão tratados. Além disso, o Conselho deve coordenar a
implementação dos acordos e decisões tomados no ASEAN Summit. Dentre as
atribuições do Conselho Coordenativo também está a de coordenar a coerência
política, sua eficiência e a cooperação entre os membros.
O Conselho Coordenativo deve trabalhar como uma ponte entre os Conselhos
da Comunidade da ASEAN e o ASEAN Summit, coordenando os relatórios dos
Conselhos da Comunidade para o ASEAN Summit e o relatório anual do Secretário-

256
Disponível em: http://www.aseansec.org/24472.htm
257
Disponível em: http://www.asean.org/25410.htm
258
Disponível em: http://www.asean.org/26265.htm
259
ASEAN SUMMIT segundo Declaração de Cingapura de 2007. Disponível
em:http://www.aseansec.org/21069.pdf
271

Geral observando as funções e operações da ASEAN. Outra de suas designações é


aprovar a indicação e o término dos Vice-Secretários-Gerais, segundo
recomendação do Secretário-Geral.
Conselhos da Comunidade da ASEAN260

Estes Conselhos, que se encontram ao menos duas vezes por ano, referem-
se aos Conselhos da Comunidade Sócio-Cultural; Política e de Segurança; e
Econômica. Cada Estado-membro possui uma representação, eleita no próprio país,
para os encontros dos conselhos das comunidades.
Segundo a Carta, cada um dos conselhos deve ter sob sua orientação Órgãos
de Setores Ministeriais da ASEAN que tratem de assuntos que sejam relacionados a
cada pilar. Para cumprir os objetivos dos três pilares da Comunidade da ASEAN, os
conselhos devem: assegurar a implementação das decisões relevantes do ASEAN
Summit; coordenar o trabalho dos diferentes setores sob sua jurisdição; além de
realizar relatórios com recomendações para o ASEAN Summit acerca dos assuntos
que lhes cabem.
Órgãos de Setores Ministeriais da ASEAN261

Tais órgãos servem para implementar os acordos e decisões tomados no


ASEAN Summit segundo a atribuição de cada um deles. Além disso, tem como uma
de suas atribuições fortalecer a cooperação e a construção da comunidade da
ASEAN. Para tanto, relatórios com recomendações devem ser feitos e enviados
para seus respectivos Conselhos da Comunidade da ASEAN.
Secretário-Geral e Secretariado da ASEAN262

O Secretário-Geral da ASEAN, que também é o Chefe Administrativo da


ASEAN, deve ser escolhido durante o ASEAN Summit por um período não renovável
de cinco anos. Os Secretários-Gerais são escolhidos entre os cidadãos de cada um
dos Estados membros da ASEAN com a rotação em ordem alfabética a cada eleição
para cada país.
São atribuições do Secretário-Geral: arcar com as responsabilidades de seu
alto posto de acordo com as provisões da Carta, suas práticas, protocolos e

260
Ibid.
261
Ibid.
262
Ibid.
272

instrumentos; facilitar e monitorar o progresso dos acordos feitos pela ASEAN e


fazer um relatório anual para o ASEAN Summit sobre os avanços nesta área;
participar de encontros do ASEAN Summit, dos Conselhos da Comunidade, do
Conselho Coordenativo, dos Órgãos de Setores Ministeriais e outros que venham a
ser importantes; representar a visão da ASEAN em encontros internacionais com
parceiros; e recomendar os Vices Secretários-Gerais, que devem ser de diversas
nacionalidades dos membros da ASEAN. O Secretariado da ASEAN, por sua vez,
compreende o Secretário-Geral e sua equipe.
Comitê de Representantes Permanentes para a ASEAN263

Cada Estado-membro deve apontar um representante permanente


para a ASEAN, que deve receber o título de Embaixador daquele país na
associação e sediar-se em Jacarta na sede da ASEAN. O Comitê deve: auxiliar o
trabalho dos Conselhos da Comunidade e dos Órgãos de Setores Ministeriais; estar
em coordenação com os Secretariados Nacionais da ASEAN e com o Secretariado
Geral em todas as questões relevantes tratadas; facilitar a cooperação da ASEAN
com parceiros externos; e exercer outras funções como solicitadas pelo Conselho
Coordenativo.
Secretariados Nacionais da ASEAN264

Cada Estado-membro deve estabelecer um Secretariado Nacional para a


ASEAN a fim de: servir como ponto focal nacional; servir como repositório de
informações da ASEAN em nível nacional; coordenar as implementações da ASEAN
em nível nacional; coordenar e auxiliar na preparação nacional dos encontros da
ASEAN; e contribuir com a construção de uma comunidade da ASEAN.
Corpo de Direitos Humanos da ASEAN265

Em outubro de 2009, o ASEAN Summit teve como ponto principal o


lançamento do Corpo de Direitos Humanos da ASEAN. Segundo a Carta de
Cingapura, o Corpo é estabelecido em conformidade com os princípios e propostas
da Carta de Bancoc de 1967.
Fundação da ASEAN266

263
Ibid.
264
Ibid.
265
Ibid.
273

A Fundação da ASEAN foi estabelecida em 1997 durante o 30º aniversário da


associação267, e deve dar apoio ao Secretário-Geral e colaborar com os órgãos da
associação na construção de uma comunidade da ASEAN promovendo o anúncio
da identidade da associação dentro e fora dela.
Além dos órgãos supracitados, a associação possui outros encontros e
corpos de trabalho igualmente importantes. Os Encontros Ministeriais, por exemplo,
são formados por 29 comitês e 122 grupos técnicos e abarcam os mais diversos
assuntos desde agricultura, energia e finanças, até juventude, turismo e transportes.
Ainda mais importantes, os encontros dos Chefes de Estado e de Governo na
ASEAN ocorrem uma vez por ano. Este corpo é considerado o mais alto corpo de
tomada de decisão em todo o bloco. (VANNAK, 2003)
Existem ainda alguns outros encontros, como o Encontro Ministerial conjunto, que
ocorre antes do ASEAN Summit e é composto apenas por Ministros das Relações
Exteriores e de Ministros da Fazenda; o Comitê Constante da ASEAN cujo Ministro de
Relações Exteriores do país que possui a presidência da ASEAN naquela data possui
maiores poderes, e funciona como colaborador da Associação durante aquele período e
como suporte para o Encontro Ministerial da ASEAN. A ASEAN mantém diálogos abertos
com 11 parceiros.268 Suas decisões são tomadas a partir do consenso e da consulta.(IBID).

266
Ibid.
267
Disponível em: http://www.aseanfoundation.org/index2.php?main=about.htm#a
268
Austrália, Canadá, China, União Europeia, Índia, Japão, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Rússia, Estados
Unidos e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (VANNAK ,2006)
274

ANEXO A - Relato Histórico do Caminho para a Comunidade Econômica da ASEAN

Imagem 1: Histórico para a Concretização da Comunidade Econômica da ASEAN. Fonte: WAN, 2011 Disponível
em: http://www.bi.go.id/NR/rdonlyres/E128B84E-FEB3-4412-B30F-
99C2A23618F2/24581/PresentationGIZoct2011JoonLianWanTradeCompatibilit.pdf
275

ANEXO B – Mapas da ASEAN e ASEAN+3

Mapas da ASEAN( Figura 2) e ASEAN+3 (Figura 3)

Imagem 2: Mapa com os países do Sudeste Asiático que formam a ASEAN. Fonte: Mizzima Elections 2010
Disponível em: http://www.mizzima.com/international-policy/asean.html

Imagem 3: Mapa do Leste Asiático com os países integrantes da ASEAN+3. Fonte: Japan Focus. Disponível em:
http://www.japanfocus.org/-a_-yang/3054

Você também pode gostar