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Aplicação da termografia como método não

destrutivo para detecção de manifestações


patológicas no patrimônio

Cynara Fiedler Bremer


Doutora em Engenharia Civil; Professora da Universidade Federal de
Minas Gerais.
cynarafiedlerbremer@ufmg.br

Gláucia Nolasco de Almeida Mello


Doutora em Engenharia Civil; Professora da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
gnamello@pucminas.br

Aline Maracahipe Rocha


Graduanda de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de
Minas Gerais.
alinemaracahipe@gmail.com

Ana Elisa Dias Malheiro


Graduanda de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de
Minas Gerais.
anaedmalheiro@gmail.com

Tiago Augusto Mello


Graduando de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de
Minas Gerais.
tiagoaugustogm@gmail.com

Eixo: O patrimônio e a memória na cidade sul-americana


contemporânea

Resumo

Belo Horizonte possui muitas igrejas tombadas na sua região metropolitana e muitas delas estão em
estágio avançado de degradação. É necessário um levantamento do estado geral das igrejas para que
sejam providenciados os trabalhos de restauração. Por fazerem parte do patrimônio histórico,
ensaios destrutivos ou mesmo semi-destrutivos não são indicados, pois podem danificar e
descaracterizar as construções históricas. Este trabalho tem como objetivo apresentar a aplicação da

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termografia como método não destrutivo para detectar manifestações patológicas no patrimônio.
Foi analisada a igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Caeté/MG, Brasil e aplicada a técnica não
destrutiva da termografia passiva. As manifestações patológicas e suas prováveis causas foram
levantadas e mapeadas. A termografia se mostrou um método rápido e eficiente, pois pôde
direcionar as primeiras ações de restauração aos locais mais afetados.

Palavras-chaves: patrimônio, manifestações patológicas, ensaio não destrutivo.

1. Introdução

O Artigo 216 da Constituição Federal de 1988 conceitua Patrimônio Cultural como “os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. A
Constituição estabelece ainda a parceria entre o poder público e as comunidades para a promoção e
proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro “por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.“

No Estado de Minas Gerais se encontra uma significativa representação do Patrimônio Cultural


Brasileiro, constituído em parte, pelas inúmeras igrejas e templos católicos incrustados entre as ruas
das cidades históricas, formando um cenário singular, retrato da história do processo de ocupação
do interior do Brasil (IPHAN).

No entanto, diante da atual situação de degradação em que se encontram algumas dessas unidades
tombadas, vê-se a necessidade de se iniciar estudos que proporcionem materiais de base para
futuros processos de restauração. Este trabalho apresenta o auxílio da Termografia no processo
inicial de levantamento de patologias nas fachadas da Capela Nossa Senhora do Rosário em Caeté. A
termografia é uma técnica não destrutiva que consiste na captação de termogramas ou imagens de
calor invisíveis ao olho humano na superfície de um objeto por meio de uma câmara termográfica. A
câmera funciona baseando-se no fenômeno da radiação térmica emitida pelos corpos limitando-se a
banda espectral de infravermelhos, captando a energia em forma de calor e a convertendo em sinal
elétrico, assim produzindo as imagens e calculando a temperatura (MENDONÇA, 2005).

A utilização da Termografia no processo de diagnóstico de manifestações patológicas traz como


vantagem, além do método não destrutivo, a possibilidade de se obter uma rápida e prática

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inspeção geral da fachada analisada, podendo-se alcançar significativas distâncias sem a necessidade
de instalação de estruturas temporárias, facilitando o estudo e direcionando os locais onde, de fato,
será necessário realização de ensaios in loco (BAUER, E.; CASTRO, E. K.; HILDENBERG, A.; PAVON, E.;
CROVA.; MIRAGLIA).

1.1 Capela Nossa Senhora do Rosário de Caeté

A Figura 01 apresenta a localização de Caeté, cidade onde foi realizado o estudo de caso, em relação
à Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais e ao Brasil.

Figura 01: Localização da Capela Nossa Senhora do Rosário Fonte: Base cartográfica do IBGE modificada.

Para estudo de caso foi analisada a Capela de Nossa Senhora do Rosário em Caeté, Região
Metropolitana de Belo Horizonte. A Capela está implantada na orientação Leste-Oeste em um

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terreno elevado, situado à Rua do Bonfim, utilizado também como cemitério ainda em atividade. A
Figura 02 indica sua implantação no terreno e suas fachadas frontais e laterais, a fim de facilitar a
compreensão do objeto de estudo.

Figura 02: Situação e fachadas da Capela Nossa Senhora do Rosário. Fonte: Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte,
2016. 602p. il. (Inventário, 101)

Segundo Inventário do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, não se sabe ao certo a data de
sua construção, sendo estimada para o início do século XVIII. A edificação apresenta dois estilos
arquitetônicos, o Colonial e o Barroco, “A Capela possui partido arquitetônico da segunda

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modalidade das construções religiosas em Minas Gerais. Consiste em átrio com coro alto à entrada,
nave, capela-mor, corredores laterais à capela-mor, e sacristia ao fundo, transversal ao plano
longitudinal da nave e capela-mor” (Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, 2016).

A edificação se encontra em estado precário de conservação, com presença de infiltrações nas


coberturas, problemas de drenagem, degradação dos elementos integrados como forros e retábulos,
problemas de fundação e visível grau de degradação de suas fachadas, alvo das análises que serão
feitas neste trabalho. As Figuras 03 e 04 mostram a capela no dia da visita técnica realizada pelos
autores, seu entorno e estado de conservação de suas fachadas.

Figura 03: Fachada frontal da Capela Nossa Senhora do Rosário. Fonte: Autores

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Figura 04: vista da Capela Nossa Senhora do Rosário. Fonte: Autores

1.2. Princípios da Termografia


De acordo com a definição da Associação Brasileira de Ensaios Não-Destrutivos e Inspeção, ensaios
não-destrutivos são técnicas utilizadas para a inspeção das condições de funcionamento de materiais
e equipamentos sem danificação de suas partes. No contexto patrimonial, análises desta natureza
mostram-se como ferramentas importantes para o levantamento e controle conservacionais dos
bens tombados, uma vez que garantem a qualidade dos estudos e a integridade material dos objetos.
Dessa forma, a escolha da termografia é interessante na medida em que possibilita um alcance
panorâmico da situação do objeto estudado.

A termografia consiste numa técnica de imageamento por escala de cores da percepção da


distribuição de temperatura superficial de um corpo. Considerando que todo corpo com
temperatura acima do zero absoluto emite radiação térmica, os gráficos gerados possibilitam a
identificação da uniformidade ou heterogeneidade de um plano ou conjunto de elementos
(FIGUEIREDO, 2016, p. 42). A Figura 05 mostra o espectro eletromagnético, Marins, 2012.

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Figura 05: Espectro eletromagnético,. Fonte: Marins, 2012

A literatura apresenta dois métodos para aplicação da termografia: o ativo e o passivo, Figura 06.
Enquanto o método ativo demanda uma fonte externa e artificial para aquecimento do material
analisado, o método passivo caracteriza-se pela geração de termogramas a partir do retorno vindo
do objeto após aquecimento por fonte natural (CORTIZO, 2007).

A termografia passiva tem como resultado uma perspectiva qualitativa, pois a investigação
conduzida terá como fim a análise dos indicativos de anormalidades registrados. Em contrapartida,
quando opta-se pelo processo de indução térmica, pode-se obter resultados de caráter quantitativo,
visto que há a possibilidade de controlar parâmetros laboratoriais como fluxo térmico da fonte de
calor, temperatura ambiente, etc. (MALDAGUE, 2001 apud FIGUEIREDO, 2016, p. 43).

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Figura 06: Técnica de termografia passiva e possibilidades da técnica ativa. Fonte: Cortizo, 2007

Devido, tanto ao porte do edifício quanto à sua implantação, entende-se como mais eficaz a
utilização do método passivo, uma vez que a dificuldade para aquecer a totalidade das superfícies
contrapõe o fato de suas fachadas serem atingidas diretamente por raios diretos de luz solar.

2. Metodologia

Em um primeiro momento, realizou-se uma sondagem histórica acerca da edificação, tendo sido
consideradas informações que tangenciam a datação da construção da igreja. O levantamento
contemplou documentações fornecidas por órgãos públicos vinculados à questão do patrimônio,
como Iphan, o Iepha e a Secretaria de Cultura Municipal. Outras informações foram coletadas do

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inventário feito pelo arquiteto da Arquidiocese de Belo Horizonte, Hebert Gerson Soares Júnior e por
relatos concedidos pelo pároco responsável pela igreja, Pe. Carlos Antônio da Silva. Já as
informações sobre o processo construtivo que não constavam no levantamento feita pela
Arquidiocese, foram inferidas a partir das características das construções típicas do período que se
assemelham à Capela do Rosário, juntamente com inspeções visuais feitas na visita técnica.

Posteriormente, uma visita em campo foi conduzida a fim de levantar, por meio do uso de
termografia, as condições atuais dos diversos sistemas do prédio; com maior destaque para
vedações e estruturas, devido à mais fácil acessibilidade.

Durante a visita de campo foram considerados os seguintes aspectos ambientais para compensação
de cálculo feita pelo aparelho termográfico: temperatura ambiente; umidade relativa do ar; distância
entre objeto e a câmera; e horário do início dos ensaios. Os três primeiros parâmetros são inseridos
na própria configuração do aparelho, que realiza os cálculos automaticamente. Foi utilizada a
câmera termográfica Flir T450sc, de resolução 320x240 pixels e captura da variação termal em
<30mK a 30°C, Figura 07.

Figura 07: Câmera termográfica modelo FLIR T450s². Fonte: Flir Systems.

Optou-se pela termografia das fachadas, devido à constante radiação causada pelos raios de luz solar
direta. A princípio, buscou-se estudar todas as fachadas por meio de registros termográficos e de
inspeções visuais, a fim de se obter um quadro geral das condições dos diversos sistemas. Durante o
processo, ao prospectar as regiões destoantes, analisavam-se as especificidades, entre a inspeção
visual e a termografia correspondente. Foram, então, registrados detalhes pontuais para uma maior
minúcia no gráfico de temperatura. Devido às dimensões do edifício, os registros foram feitos por

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faixas de aproximadamente 2 metros. Ao final, as fachadas foram levantadas por inteiro - com
exceção à fachada sul, por estar obstruída por túmulos.

3. Resultados e discussão

Com o levantamento de dados foi possível compreender o processo construtivo e os materiais


utilizados na Capela. A estrutura é composta de alvenarias autoportantes de pedra caiadas na cor
branca, que posteriormente sofreram interferências observadas em visita técnica na qual foi
detectada a presença de massa cimentícia. A fachada frontal possui cunhais em cantaria, frontão
triangular e cimalhas pintadas em ocre que se prolongam pelas laterais da nave formando os beirais
que exercem a função de proteção das alvenarias. O enquadramento das janelas e portas também
são em cantaria e as folhas das aberturas em madeira pintada a óleo na cor azul. Foram destacados
também problemas de infiltração a partir da cobertura e a ascendentes do solo. Esta última origem
se dá, possivelmente, devido à presença do cemitério em seu terreno com túmulos a menos de
50cm da parede lateral que demandam constante movimentação de terra o que possibilita a
infiltração de água por debaixo da capela, causando também problemas na fundação.

As principais manifestações identificadas pela câmera termográfica eram visíveis a olho nu. Os casos
de maior ocorrência têm, notoriamente, direta relação com a presença de umidade. Isso se deve ao
fato de o terreno onde a capela é implantada abrigar, concomitantemente, atividades de um
cemitério ainda em utilização. Para além disso, os problemas de drenagem acarretam danos à
edificação; sobretudo nas regiões de embasamento, Figura 08.

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Figura 08: Capilaridade da umidade no embasamento da capela. Fonte: Autores.

A Figura 09 indica um trecho da cobertura dos fundos do edifício. No termograma, é possível


detectar uma leve fissura na caiação, bem como a olho nu. Todavia, o termograma indica que,
apesar disso, a vedação permanece intacta, não apresentando sinais de umidade ou demais avarias
subsequentes, como desplacamentos, bolores ou infiltrações. Tal fato reforça a importância da
previsão de beirais para construções com técnicas vernáculas, como terra crua, caiação etc. e
contradiz a prática arquitetônica colonial brasileira, que, embora utilizasse de sistemas construtivos
com inúmeros benefícios, não considerava o contexto bioclimático do país.

Figura 09: Imagem termográfica da cobertura. Fonte: Autores.

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A Figura 10 indica a presença de manchas e escorrimento de argamassas, que provavelmente foram
lavadas pelas chuvas. A foto termográfica mostra as diferenças de temperatura nesta região.

Figura 10 - Foto termográfica da fachada que contém o sino. Fonte: Autores.

Figura 11 - Foto termográfica da região acima da porta principal. Fonte: Autores.

Com base nos registros da Figura 11, percebe-se que a ausência de beirais e elementos com função
similar a pingadeiras nos marcos das portas e janelas, com fim de conduzir as águas decorrentes de

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chuvas, o que facilitou o desenvolvimento das manifestações patológicas por todo o percurso da
água. Regiões com protuberâncias, tais como os grandes marcos em pedra das fachadas, geram
ambientes favoráveis para o acúmulo do fluido, onde foram observados bolores.

4. Considerações Finais

Após as análises realizadas, o estudo permitiu inferir que manifestações patológicas de maior
ocorrência nesta igreja têm relação direta com a presença de umidade. O cemitério que circunda a
edificação é uma das principais possíveis causas para tal umidade devido à constante movimentação
de terra próximo a edificação que acarretou em problemas na fundação e permite infiltração de
água por debaixo do edifício.

O principal problema encontrado, umidade, percorre vários pontos da edificação e está longe de ser
resolvido devido a sua fundação estar em contato direto com vários túmulos que são
frequentemente revolvidos.

No que tange à detecção de manifestações patológicas, a termografia figura como instrumento


adequado para a captura de um panorama preliminar geral das condições de uma edificação. Como
benefícios podem ser pontuados o menor tempo empregado nos levantamentos, o maior alcance e a
não deterioração dos sistemas, fundamentais para o contexto do patrimônio construído.

Agradecimentos

Os autores agradecem à PUC Minas e à UFMG, ao Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, na


figura de Hebert Gerson Soares Júnior e também ao pároco responsável pela igreja, Pe. Carlos
Antônio da Silva.

Referências

BAUER, E.; CASTRO, E. K.; HILDENBERG, A.; PAVON, E. Critérios para a aplicação da termografia de
infravermelho passiva como técnica auxiliar ao diagnóstico de patologias em fachadas de edifícios.
Revista Politecnica (Instituto Politécnico Bahia), v. 26, p. 266–277, 2014
Belo Horizonte - Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, 2016. 602p. il. (Inventário, 101)

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Brasil - Constituição da República Federativa do Brasil, 1988

CORTIZO, E. C. Avaliação da técnica de termografia infravermelha para identificação de estruturas


ocultas e diagnóstico de anomalias em edificações: Ênfase em Edificações do Patrimônio Histórico.
Tese (Pós-graduação) - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007.

CROVA, C. ; MIRAGLIA, F. In: CONVEGNO INTERNAZIONALE SCIENZA E BENI CULTURALI, 34°, 2018,
Anais, Bressanone: Arcadia Ricerche, 2018, p. 352.
FIGUEREDO, C. A. S. Avaliação de ligações em madeira em estruturas de coberturas antigas por
técnica termográfica. Tese (Pós-graduação) - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte,
2016.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Consulta à comunicação. Acessado


em 01 de agosto de 2019. Acesso http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4972
Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de Belo Horizonte: Capela de Nossa Senhora do
Rosário – Caeté (MG) / Coordenação: Mônica Eustáquio Fonseca.

MARINS, a. p. o. ; Melo, r. a. s., Andretti, g. f. Termografia na inspeção preditiva. Bolsista de Valor:


Revista de divulgação do Projeto Universidade Petrobras e IF Fluminense. v. 2, n. 1, 95-99. ISSN
Impresso: 2179-6971. 2012

MENDONÇA, L. V. Termografia Por Infravermelhos: inspecção de betão. Engenharia e Vida, v. 1, n.


16, p. 53-57, 2005.

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