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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

A publicidade brasileira está saindo do armário?


Análise crítica de filmes publicitários do Dia dos Namorados1

Leonardo MOZDZENSKI2
Keliny Cláudia da SILVA3
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

Resumo

No mundo contemporâneo, a publicidade é uma das mais influentes produtoras de sistemas


simbólicos da indústria cultural. Assim, o discurso publicitário ocupa um lugar privilegiado
em nossa sociedade, cristalizando e potencializando representações identitárias. No presente
trabalho, adotamos os princípios da Análise Crítica do Discurso (ACD) para investigar três
peças publicitárias do Dia dos Namorados, quanto à construção – e ao silenciamento – das
identidades sociais dos participantes dos anúncios, sobretudo no que tange à diversidade/
orientação sexual e à identidade de gênero. Os anúncios são estes: “Unir é nosso destino”,
da Gol; “Dia dos Misturados”, da C&A; e “O que é Amor”, da Westwing. As discussões
teóricas baseiam-se em Van Dijk (2008), Rocha (2006), Covaleski (2015), entre outros.

Palavras-chave: publicidade; Análise Crítica do Discurso; representação identitária; LGBT.

1. Introdução: a publicidade ‘enrustida’ está com os dias contados?


A comunidade LGBT (sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros) continua sendo, em pleno século 21, um tema que é ainda pouco explorado
pelos pesquisadores brasileiros de publicidade. À exceção de algumas poucas iniciativas de
destaque,4 é notável a ausência de estudos mais sistemáticos que deem visibilidade a esses
consumidores e discutam o modo como se dá a construção discursiva da identidade de gays,
lésbicas, transgêneros, etc. no domínio publicitário.
Na verdade, o problema não começa nas pesquisas acadêmicas. O próprio mercado
ainda é bastante resistente e conservador. Apesar de existir um certo senso comum de que
os membros dessa comunidade seriam uma espécie de ‘público consumidor dos sonhos’, o
que se constata na prática é que as grandes empresas no Brasil ainda têm receio de associar
a sua marca ao público gay. É o que revela Fernando Quaresma, presidente da Associação
da Parada do Orgulho LBGT de São Paulo:

1
Trabalho apresentado no GP Publicidade e Propaganda do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação,
evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Doutorando em Comunicação do PPGCOM-UFPE | Doutor em Letras do PPGL-UFPE, email: leo_moz@yahoo.com.br
3
Mestranda em Comunicação do PPGCOM-UFPE, email: kelinyclaudia@gmail.com
4
Entre essas poucas empreitadas acadêmicas, cabe citar o trabalho de fôlego realizado por pesquisadores-desbravadores:
Nunan (2003), Iribure (2008), Pereira (2009), França (2012), Baggio (2013) e Leal (2016).

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Nesse ano [2013], procuramos por quarenta agências e empresas, que nos disseram
‘não’. Cada vez com uma justificativa diferente. Temos que cobrar uma posição
dessas empresas, fazer uso político do nosso consumo, exigindo uma postura de
parceria, assumindo que estão do nosso lado (citado por Bertolotto, 2013).
O conservadorismo e o preconceito das empresas ainda são tão notáveis que não as
permitem ver o que estão perdendo. No Brasil, o potencial financeiro do segmento LGBT é
estimado em US$ 133 bilhões ao ano, o equivalente a cerca de R$ 465,5 bilhões, ou 12% do
PIB (Produto Interno Bruto) nacional em 2015, conforme a Out Leadership,5 associação
internacional de empresas que desenvolve iniciativas voltadas para o público homossexual.
Nos EUA, o potencial de consumo é estimado em US$ 760 bilhões e, na Europa, chega a
US$ 873 bilhões. Ao todo, no mundo, a Out Leadership calcula que o consumidor LGBT
pode desembolsar vultosos US$ 3 trilhões para gastar ao ano – o valor do PIB da França.
A resistência à vinculação de uma marca à comunidade homoafetiva é claramente
percebida pelos organizadores das Paradas do Orgulho LBGT. Tal como relata Ferdinando
Martins, coordenador do Programa USP Diversidade:
Há receio ainda das empresas em se associarem ao público gay. Alguns anos atrás,
houve o caso de uma empresa automobilística que se comprometeu a apoiar a
Parada, mas na hora H mudou de ideia, deu o apoio financeiro, mas pediu para isso
não ser divulgado (citado por Bertolotto, 2013).
Por outro lado, esse é um público com um grande potencial de consumo e com uma
carência de produtos e de serviços direcionados às suas necessidades. Marta Dalla Chiesa,
presidente da Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat
GLS) argumenta que os “DINKs” (Double Income No Kids – dupla renda sem filhos, em
tradução livre) – como são nomeados os casais gays nos Estados Unidos – têm mesmo mais
renda do que a média da população. Para Chiesa, “normalmente esses casais não têm filhos,
e por isso têm mais disponibilidade de investir em educação e lazer” (citada por Camargo,
2013). E isso é crucial para que as empresas se interessem pelo chamado ‘pink money’.
Como afirma o economista Samy Dana, professor na Escola de Administração de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “as empresas que temem esse mercado estão
bobeando e perdendo uma chance de crescer” (citado por Bertolotto, 2013). No entanto, é
importante estar atento ao lidar com o público LGBT para não reduzi-lo simplesmente a um
‘homosexualis economicus’, sem atentar para seus direitos de cidadão. “Reduzir cidadania a
consumo é algo empobrecedor, mas cidadania sem inclusão econômica, sem que o mercado
enxergue e até considere aquele segmento específico, também é empobrecedor”, assegura
Reinaldo Bulgarelli, professor de Economia da Unicamp (citado por Ferreira, 2012).

5
Disponível em: http://outleadership.com/. Acesso em: 26 jun. 2016.

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No Brasil, conforme as estimativas da consultoria InSearch Tendências e Estudos de


Mercado,6 esse público é formado por cerca de 18 milhões de pessoas, com renda média de
R$ 3.247,00, integrando, em sua maioria, as classes A (36%) e B (47%). Além disso, 78%
têm cartão de crédito e gastam até 30% mais em bens de consumo do que os heterossexuais.
É uma significativa fatia do mercado para ser ignorada ou preterida em prol ‘da moral e dos
bons costumes’. Então, aos poucos, pode-se observar como as empresas vêm publicizando
iniciativas mais inclusivas em suas propagandas e, assim, ‘saindo do armário’.
Como ressalta Fábio Mariano, diretor executivo da InSearch,
O principal aprendizado é que será inevitável não pensar em uma participação cada
vez maior dos homossexuais no mercado. Ainda que poucas, as conquistas
existiram do ponto de vista cível e até mesmo nas propagandas. Hoje é quase
inexistente uma novela que não tenha ao menos um gay. A comunicação das
empresas terá que passar por mudanças (citado por Sousa, 2012).
Nos últimos anos, temos visto algumas publicidades memoráveis nesse sentido. No
setor imobiliário, a Tecnisa lançou em 2011 a campanha “Mais cedo ou mais tarde, vocês
vão morar juntos”, na qual mostrava um varal com duas cuecas penduradas. Já a Unimed
Blumenau, em 2005, promoveu um plano de saúde “para todo tipo de família”, trazendo na
peça dois homens se abraçando carinhosamente e o slogan: “De um jeito ou de outro, todo
mundo precisa”. E para comemorar o reconhecimento do casamento gay no país em 2013, o
Banco do Brasil publicou em seu Instagram a campanha “Dizer o sim é mais fácil com a
ajuda do Banco do Brasil”, ilustrada por casais gays sob a forma de noivinhos de bolo.7
Mas é provável que nenhuma publicidade tenha gerado mais repercussão do que a
do Dia dos Namorados d’O Boticário. Lançada em maio de 2015, a peça mostrava casais
homo e heterossexuais trocando presentes no Dia dos Namorados. Apesar de não mostrar
nenhuma cena de beijo (gay ou hétero), apenas um abraço entre os casais, as redes sociais
se transformaram em arenas para debates acalorados entre simpatizantes e detratores. De
um lado, o público gay feliz e orgulhoso por se ver finalmente retratado em um anúncio do
Dia dos Namorados por uma grande corporação. Do outro lado, uma reação conservadora,
rejeitando a ‘naturalidade’ do afeto entre os casais gays e convocando um boicote à marca.8
O que viria a seguir? Esse talvez tenha sido o nosso maior questionamento quando
nos propusemos a discutir o assunto. Como seriam as publicidades no Dia dos Namorados
do ano seguinte, diante de toda repercussão – positiva ou negativa – alcançada pelo anúncio

6
Estatísticas divulgadas pela revista Exame (Sousa, 2012).
7
Essas e outras publicidades voltadas para o público gay estão disponíveis aqui: http://tinyurl.com/gqj2fjz. Acesso em: 27
jun. 2016.
8
Para uma discussão mais detalhada sobre essa publicidade d’O Boticário, ver Mozdzenski (2016).

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d’O Boticário? Seriam mais gráficas e explícitas, mostrando finalmente um ‘beijo gay’? Ou
será que retrocederiam, voltando a se limitar a representar casais ‘convencionais’, como um
reflexo da onda conservadora que parece ter dominado a sociedade nos últimos tempos?
No presente trabalho, trazemos para o debate três peças publicitárias veiculadas no
Dia dos Namorados, buscando abarcar a variedade de enfoques dados no que diz respeito à
diversidade dos personagens retratados e das identidades construídas. Diversidade não só
quanto à orientação sexual, como também quanto a questões sociais, econômicas, étnicas,
etc. As propagandas foram selecionadas utilizando-se como critério o recorte temporal (i.e.,
devem ter sido publicizadas em 2016) e são as seguintes: “Dia dos Namorados – Unir é
nosso destino”, da Gol Linhas Aéreas Inteligentes; “Dia dos Misturados”, da C&A; e “Dia
dos Namorados: o que é Amor”, da Westwing Casa & Decoração.9
Para fundamentarmos a discussão sobre essas peças, lançamos mão dos preceitos da
Análise Crítica do Discurso (ACD), os quais passaremos a expor no próximo item.

2. A ACD e a publicidade
A Análise Crítica do Discurso (ACD) é a denominação genérica atribuída a um
‘projeto comum’ de estudo da fala, da escrita e de outras semioses (imagem, som, música,
etc.), que propõe descrever, interpretar e divulgar como as formas de poder, a dominação e
a desigualdade social são (re)produzidas nas práticas discursivas, em seus contextos
sociopolíticos e culturais de funcionamento. Na verdade, a ACD não constitui uma escola
ou uma disciplina. Trata-se, antes, da adoção de uma postura assumidamente crítica e
politizada de investigar, identificar e expor o que está implícito ou ‘naturalizado’ nos textos
orais, escritos e multimodais, e que, de alguma maneira, produz efeitos sobre a liberdade de
pensamento e as possibilidades de ação individual dos sujeitos.
Segundo Van Dijk (2003), todo planejamento teórico mostra-se adequado sempre
que permita examinar discursivamente problemas sociais relevantes, tais como o racismo, o
sexismo, a xenofobia e outras formas de discriminação social. Na presente investigação,
iremos enfocar particularmente a construção – e o silenciamento – das identidades sociais
dos participantes dos anúncios, sobretudo no que tange à diversidade/orientação sexual e à
identidade de gênero. Para tanto, é necessário fazermos inicialmente alguns esclarecimentos
terminológicos acerca do assunto.

9
As publicidades analisadas podem ser assistidas respectivamente nos seguintes links: http://tinyurl.com/gvh3e2x,
http://tinyurl.com/z8wy47d e http://tinyurl.com/ztm28qa. Acesso em: 28 jun. 2016. Optamos por não incluir o anúncio
d’O Boticário deste ano, para abarcar uma maior variedade de propostas de outros anunciantes.

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Originalmente, a sigla com maior circulação social era GLS, correspondendo a gays,
lésbicas e simpatizantes (ou suporters em inglês, isto é, ‘apoiadores’, em tradução livre). É
um termo com uma conotação mais comercial: indica os bares, boates, restaurantes, hotéis,
motéis, agências de turismo, livrarias, etc. sem restrições quanto à orientação sexual do seu
público. É permitido, portanto, que um casal gay se beije sem ser ‘convidado’ a se retirar do
recinto. Uma carte blanche para o cliente ser quem é, sem constrangimentos.
Contudo, não fazia sentido falar em ‘direitos GLS’ ou ‘políticas GLS’. Não apenas
porque o ‘S’ da sigla diz respeito a pessoas heterossexuais simpáticas à causa (e não a gays
ou lésbicas), mas também pela exclusão de outros grupos de pessoas que também sofrem
preconceito concernente à sua orientação sexual, sua identidade de gênero ou ainda outros
comportamentos desviantes da heteronormatividade e do padrão cisgênero.10
Com o gradual empoderamento de outras minorias sexuais e a sensibilização de uma
parte da sociedade preocupada com políticas públicas mais inclusivas, a sigla foi ampliada
para LGBT (ou LGBTs), com o propósito de incluir travestis, transexuais e transgêneros.
Na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais,11
realizada em Brasília, em 2008, foi decidida a padronização dessa nomenclatura utilizada
pelos movimentos sociais e pelo governo, salientando-se, entre as suas reivindicações, a
criminalização da homo/lesbo/bi/transfobia e a garantia da cidadania para gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais.12
E qual o papel da publicidade nesse contexto? Primeiramente, é importante ressaltar
que a mídia em geral potencializa os discursos reguladores, não apenas corroborando, como
também intensificando estereótipos acercar de gays ou de travestis, por exemplo. Por outro
lado, a mídia também pode ser utilizada como uma aliada dos movimentos sociais, ao exibir
representações positivas de homossexuais inseridos na sociedade de forma mais ‘natural’ e
menos caricata. Desse modo, as representações do público LGBT nas mídias envolvem uma
série de repertórios cognitivos (crenças, valores, visões de mundo, conhecimentos prévios,
etc.) que podem ou não estar comprometidos com o enfoque da inclusão social.

10
O termo cisgênero (ou cissexual) é empregado nos estudos de gênero e sexualidade para indicar as pessoas cujo gênero
é o mesmo que o designado em seu nascimento. Ou seja, significa uma concordância entre a identidade de gênero de uma
pessoa, o seu sexo biológico e o seu comportamento/papel avaliado como socialmente aceito para esse sexo. Corresponde,
em resumo, aos indivíduos não transgênero (cf. Jesus, 2012).
11
Os anais da Conferência estão disponíveis neste link: http://tinyurl.com/hr9v7wo. Acesso em: 24 jun. 2016.
12
Algumas outras siglas também vêm sendo empregadas buscando abarcar uma maior diversidade de pessoas. É o caso de
LGBTI, para incluir intersexuais – antigamente denominados de ‘hermafroditas’ –, isto é, pessoas cujo corpo apresenta
variação de caracteres sexuais, dificultando a designação como totalmente masculino ou feminino. E também de LGBTQ,
para incluir ‘queers’, antes chamados genericamente de ‘andróginos’, sendo hoje um termo usado para incluir pessoas que
não se identificam com nenhum gênero (cf. Jesus, 2012). No presente trabalho, utilizaremos preferencialmente LGBT, por
ser o termo de maior uso corrente nas pesquisas nacionais, em documentos oficiais e por ativistas brasileiros.

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Segundo Rocha (2006), a publicidade consiste em uma das principais produtoras de


sistemas simbólicos da indústria da cultura, apropriando-se de práticas e valores sociais que
podem ser idealizados pela audiência. Ela tem o potencial de produzir impacto não somente
em seu target – isto é, naquele consumidor a quem pretende diretamente alcançar –, como
também no público em geral, devido à ubiquidade das propagandas na contemporaneidade.
Seja em outdoors, em revistas, na TV ou pululando em sites e nas nossas redes sociais, a
publicidade ocupa um lugar privilegiado na nossa sociedade cada vez mais semiotizada,
constituindo um influente sistema de representações de grande visibilidade e repercussão.
As relações de poder são apreendidas e reproduzidas nas narrativas publicitárias sob
a forma de valor simbólico de um bem ou serviço. Nessas relações de poder, encontram-se
em disputa diferentes vozes sociais, que lutam para mostrar – e, eventualmente, impor – à
audiência um certo estilo de vida, um padrão de consumo de prestígio, um comportamento
sancionado/admirado pela coletividade, etc. O propósito da ACD é justamente desvelar de
que modo o abuso de poder, a dominação e a desigualdade são produzidos, reproduzidos e
combatidos no discurso publicitário, em seu contexto social e político.
Conforme Van Dijk (2008), para os analistas críticos do discurso, é fundamental a
consciência crítica do seu papel na sociedade. Assim, dando continuidade a uma tradição
que rejeita a possibilidade de uma ciência ‘não valorativa’, os analistas críticos argumentam
que a ciência e, em particular, o discurso acadêmico não apenas são parte inerente de uma
estrutura social, mas também são por ela influenciados. Em vez de negar ou ignorar essa
relação entre o conhecimento acadêmico e a sociedade, os analistas críticos do discurso
defendem que tais relações sejam estudadas e explicadas por suas próprias especificidades e
que as práticas acadêmicas sejam fundamentadas a partir desse entendimento.
Ainda de acordo com Van Dijk (2008), a formulação, a descrição e a explanação de
teorias, também na ACD, são sociopoliticamente situadas – quer a Academia tradicional
reconheça isso ou não. Dessa maneira, a reflexão acerca do papel dos acadêmicos na
sociedade e em sua organização política transforma-se em uma parte inerente da tarefa
proposta pela ACD. Isso significa, entre outros fatores, que os analistas críticos do discurso
orientam suas pesquisas em solidariedade e cooperação com os grupos dominados.
Outra questão merece destaque nos estudos discursivos críticos: o silenciamento. Há
uma certa compreensão geral de que os universos simbólicos sejam formados pelo que é
textualizado, verbalmente ou por outras semioses. Porém, para a ACD, os silêncios (os não
ditos) são igualmente cruciais à construção de sentidos e à análise do controle discursivo.

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3. Analisando criticamente três propagandas do Dia dos Namorados


A partir dessa perspectiva da ACD, propomos a análise do corpus com o objetivo de
observar como, no discurso publicitário, as questões de gênero/sexualidade estão presentes
ou como podem, por outro lado, ser silenciadas. Realizaremos nossas reflexões com base
em três anúncios veiculados no período de maio a junho de 2016, os quais consistem em
campanhas publicitárias que têm como fim celebrar o Dia dos Namorados, comemorado
anualmente pelos brasileiros na data de 12 de junho.
O primeiro anúncio analisado é “Dia dos Namorados – Unir é nosso destino”, da
Gol Linhas Aéreas Inteligentes, empresa que atua no mercado brasileiro de aviação. A TV1
foi a agência responsável pela realização do planejamento e execução da campanha, e a
TLB produziu e editou o material. O filme é nitidamente uma homenagem aos casais de
namorados, especialmente àqueles que se relacionam à distância e necessitam do transporte
aéreo para se encontrarem e reencontrarem.
Na narrativa, a Gol traz histórias de três casais que, por meio da companhia aérea,
diminuíram a distância e mantiveram o relacionamento. Assim, o anunciante se apresenta
não como uma mera empresa, mas como um dos principais responsáveis por estabelecer o
verdadeiro elo entre pessoas e histórias inesquecíveis, que une destinos e transforma sonhos
em realidade. A Gol é quem protagoniza a narrativa e não os personagens retratados.
No comercial, cada casal narra sua própria história, desde o primeiro encontro até o
começo do namoro. Desse modo, o apelo emocional da publicidade é construído por meio
dos depoimentos dos casais, que conferem ao vídeo um efeito de veracidade, embora não
haja nenhuma menção explícita que nos induza à conclusão de que as histórias sejam ou
não, de fato, reais. Durante toda a narrativa publicitária, os casais revelam a tristeza da
saudade, mas se lembram sempre da relevância da Gol como conexão entre eles.
O primeiro casal, Ana (de Brasília) e Leonardo (de São Paulo), se conheceu há 12
anos em um site de relacionamento. Entre as idas e vindas de Ana e Leo, o casal nos revela
que o aeroporto sempre foi algo presente na vida dos dois, de tal modo que o seu bolo de
casamento foi adornado com os noivos em cima de um avião. O segundo casal, Talles (de
São Paulo) e Bruna (de Belo Horizonte), se conheceu numa partida de um jogo on-line e já
namora há cinco anos à distância. Eles se encontram a cada dois ou três meses e acreditam
que isso ajuda a fortalecer o amor e a relação deles a cada novo reencontro. Finalmente, os
comissários da própria Gol, Renata (de São Paulo) e Guilherme (do Rio Grande do Sul), se
conheceram quando foram escalados para o mesmo voo e estão juntos há mais de dois anos.

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Como forma de o anunciante se fazer visualmente presente, a cenografia do anúncio


é ambientada em lugares que nos rementem universo da Gol, como o aeroporto e o próprio
interior de uma aeronave da empresa. Detalhes na cor laranja – a cor do logotipo da Gol –
também podem ser observados ao longo da peça publicitária, tanto na diagramação (e.g., no
ícone de geolocalização indicando o deslocamento dos personagens), quanto em detalhes
cênicos (lenço da comissária de bordo, livro sobre a mesa de centro na residência de Ana e
Leonardo, capa dos assentos da aeronave, flores entregues por Talles a Bruna, etc.).
O discurso do comercial é construído de forma simples e bastante comum. Os casais
narram, em ordem cronológica, como foi o início do relacionamento e de que forma a Gol
os uniu ou os mantém unidos. Os três casais reproduzem o padrão da heteronormatividade,
sendo compostos exclusivamente por um homem e uma mulher heterossexuais, cisgêneros,
caucasianos e de classe média. Um flagrante retrato da ausência tanto da diversidade sexual
quanto da inclusão de outras etnias, classes sociais e assim por diante.
Dessa forma, fica claro que o anunciante não confere voz e representatividade aos
casais homossexuais nem aos indivíduos transgêneros, silenciando-se quanto à temática da
diversidade sexual, tão atual na sociedade. Ao optar pela via tradicional, a Gol surpreendeu
na escolha dessa estratégia, uma vez que, no Dia das Mães de 2015, a empresa trouxe a
diversidade como valor em sua comunicação, dando visibilidade a formatos de família não
convencionais.13 Se a Gol já havia publicizado em seu discurso questões como a inclusão e
a diversidade, constata-se, portanto, que houve um retrocesso pelo silenciamento de outras
vozes que não aquelas que representam a elite branca, hétero, cissexual, etc. da sociedade.
Sob a perspectiva da ACD, essas questões dizem respeito ao controle discursivo
exercido de forma abusiva pelos grupos de poder, em detrimento de outros indivíduos. Van
Dijk (2008) esclarece que, entre muitos outros recursos que definem a base de poder de um
grupo ou instituição, o acesso à comunicação e ao discurso público ou o controle exercido
sobre esses elementos representam um importante recurso simbólico.
Explicando melhor: a maioria das pessoas possui um controle ativo apenas sobre as
conversas cotidianas com os membros da família, os seus amigos ou colegas, e um controle
passivo sobre, por exemplo, o uso da mídia. Em muitas situações, as pessoas comuns são
objetos passivos, em maior ou menor grau, por exemplo, de seus chefes ou professores ou
de autoridades, como juízes e lideranças religiosas, os quais podem simplesmente dizer-lhes
em que devem (ou não) acreditar ou o que podem (ou não) fazer.

13
A peça da Gol “Dia das Mães – Escolha o amor” pode ser assistida neste link: http://tinyurl.com/gl65ktz. Acesso em: 29
jun. 2016.

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Por outro lado, os membros dos grupos sociais mais poderosos – e especialmente
seus líderes (as elites) – possuem acesso mais ou menos exclusivo a um ou mais tipos de
discurso público, exercendo controle total ou parcial sobre este. Assim, os professores
universitários controlam o discurso acadêmico; os jornalistas e donos de editoras, o discurso
da mídia; os juízes e advogados, o discurso jurídico; os políticos, o discurso da política; etc.
Aqueles que possuem maior controle sobre mais discursos e sobre discursos mais influentes
são também os mais poderosos, segundo Van Dijk (2008).
Dessa maneira, fica claro imaginarmos de que formas esses grupos de poder podem
operar, através do discurso publicitário, com o propósito de influenciar a formação e/ou a
publicização de certas representações sociais (sancionadas pelas elites), em detrimento de
outras. Como vimos, exercemos um controle apenas passivo sobre a mídia. Podemos mudar
o canal da televisão ou não assistir a determinados vídeos no YouTube que considerarmos
inadequados. Contudo, não temos o poder de fazer com que esses conteúdos deixem de ser
veiculados e, consequentemente, não sejam divulgados e assimilados socialmente.
Ao selecionar como protagonistas de sua narrativa apenas casais convencionais, sem
qualquer diversidade sexual, étnica, socioeconômica, etc., a Gol está sancionando uma dada
visão de mundo que privilegia exclusivamente um estrato bastante restrito da sociedade.
Não há gays, lésbicas ou trans entre os personagens. Não há negros ou outras etnias. Não há
o encontro, por exemplo, de namorados menos abastados que necessitaram dividir a sua
passagem em um número infindo de vezes para conseguir se encontrar. A realidade exibida
no anúncio é plana, monocórdia e elitizada. Algo incompreensível para quem estampou um
casal gay masculino em plena publicidade do Dias das Mães (“Escolha o amor”, 2015).
O segundo comercial analisado é o da loja de departamento C&A, cujo título é “Dia
dos Misturados”, concebido pela agência AlmapBBDO. Tendo como mote “Misture, Ouse
e Experimente”, a campanha possui como objetivo comunicacional promover a liberdade
do amor, incentivando os casais a escolher, a usar e a misturar as suas roupas conforme seu
gosto pessoal. Esse objetivo dialoga com o novo posicionamento da marca C&A, o qual
desafia o senso comum sobre a diversidade de gênero na moda (cf. Sacchitiello, 2016).
No filme publicitário, os casais entram em diversos ambientes – tais como cabine
telefônica, elevador, restaurante, quarto de hotel, etc. – e saem com suas roupas trocadas.
Para entendermos melhor a dinâmica, é válido exemplificar: um dos casais que protagoniza
a campanha troca olhares no interior de um elevador, que rapidamente se fecha. Logo em

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seguida, no momento em que a porta se abre, o espectador é surpreendido com a troca de


roupas entre o casal, além da atitude descolada e despreocupada dos enamorados.
A criatividade e a ousadia do anúncio estão baseadas na proposta de apresentar as
roupas da marca que vestem tanto os namorados quanto as namoradas. De certo modo, e de
forma bem sutil e elegante, o anunciante traz a questão do amor livre, ao mesmo tempo em
que sugere, objetivamente, a mistura das roupas, cores e estampas e, subjetivamente, a
mistura de atitudes e a conexão entre as diferenças, desafiando a oposição homem x mulher.
A cenografia do filme apresenta várias ambientações centralizadas em um hotel com
um aspecto vintage estilizado – algo que está muito na moda atualmente.14 A caracterização
do lugar é responsável por esse ar ‘retrô’: adorno com entalhes dourados na porta de entrada
e no elevador; colunas, piso da recepção, escultura e mobiliário no estilo Art Déco; banda
de jazz com cantora negra; etc. Tudo isso nos remete a um ambiente cool, que se ajusta
harmonicamente à roupa e à atitude ‘moderna’ dos personagens, valorizando atributos tão
próprios da juventude, tais como liberdade de expressão, ousadia e descontração.
Ao longo do anúncio, os casais invertem suas roupas ao som da canção criada pela
Satélite Áudio especialmente para a peça. A letra da música (em inglês, para ter um apelo
mais cosmopolita) traduz quase que literalmente as imagens: “Deixe eu lhe contar sobre um
lugar que conheço / [...] Onde os garotos podem ser garotas e as garotas podem ser garotos /
Misturando tudo dos pés à cabeça / Mude, mude, mude / Mude tudo”. A presença da marca
é feita apenas ao final do filme com a assinatura “Misture, ouse e experimente” e a locução
em off reforça a chamada “12 de junho. Dia dos misturados. Dê C&A.”
Do ponto de vista da Análise Crítica do Discurso, é interessante observar que os
casais retratados no vídeo são todos heterossexuais, compostos por homens e mulheres. Isto
é, em termos de controle discursivo pelos grupos de poder (anunciante, agência publicitária,
mídias que veicularam o comercial, etc.), aqui também não foi concedido nenhum acesso de
fato às minorias. Apesar de a C&A se mostrar como sendo “livre de todo e qualquer tipo de
preconceito e estereótipo”,15 é pouco provável que uma pessoa gay, lésbica ou transexual se
sinta realmente representada ao ver homens hétero de salto alto e peruca ou mulheres hétero
com ternos e camisas sociais masculinas.

14
Esse mesmo estilo de hotel vintage e fashion foi o principal cenário da última temporada da famosa série de terror norte-
americana American Horror Story: Hotel (2015), criada por Ryan Murphy e Brad Falchuk, e estrelada pela pop star Lady
Gaga.
15
Ao ser criticada por esse anúncio, a C&A afirmou em sua página no Facebook que “[...] Livre de todo e qualquer tipo de
preconceito e estereótipo, o novo filme, que celebra o Dia dos Namorados, faz um novo convite à mistura de atitudes,
cores e estampas como forma de expressão. A C&A reforça que o respeito à diversidade, inclusive de opiniões, sempre foi
um dos princípios da marca.” (Disponível em: http://tinyurl.com/hc9m62f. Acesso em: 29 jun. 2016).

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E, mesmo sem representatividade LGBT, o discurso da peça publicitária foi alvo de


polêmica no ambiente digital. As discussões em torno do anúncio questionaram justamente
essa liberdade de escolha que o indivíduo possui, independente do gênero. O fato de um
homem optar por roupas femininas e mulheres vestirem roupas masculinas não foi bem
aceito por alguns grupos conservadores. A cantora gospel Ana Paula Valadão se tornou a
porta-voz dos fundamentalistas homofóbicos, ao expressar, em seu perfil do Facebook, sua
“santa indignação”, sugerindo aos seus seguidores evangélicos um boicote à C&A.16 Para
desgosto dos detratores – e como polêmica sempre chama atenção – o vídeo do comercial
viralizou, tendo mais de 3 milhões de visualizações até o momento (julho/2016).
O último comercial a ser discutido se intitula “Dia dos Namorados: o que é Amor”,
da Westwing Casa & Decoração, loja virtual especializada em objetos de decoração, artigos
de cama, mesa e banho, eletrodomésticos, mobiliário para o lar e utilidades domésticas em
geral. Usando como slogan “Garimpando histórias para a sua casa”, a empresa diz acreditar
“que o lar precisa traduzir a sua essência com um estilo que nasce de dentro para fora” e se
autodefine como “um refúgio criativo para quem é apaixonado por decoração e design”.17
A humanização do discurso é bem clara na comunicação da Westwing. As empresas
“devem abandonar o léxico do marketing tradicional e se converter em contadores de
histórias; não pensar mais em termos de ‘planos estratégicos’, senão em conceber a marca
como um relato e ‘as campanhas’ publicitárias como ‘sequências narrativas’”, como argui
Salmon (2014:60). E a Westwing parece comprometida com essa tendência na publicidade.
Ao afirmar que “nossos produtos contam histórias, nossas campanhas traduzem emoção”17,
a loja percebe a necessidade de passar “por um processo de sensibilização, de humanização,
mantendo um diálogo conosco – consumidores –, cativando-nos, contando-nos histórias que
têm a ver com nossas expectativas e nossas visões de mundo” (Covaleski, 2015:63).
Na peça publicitária “Dia dos Namorados: o que é Amor”, o anunciante elenca as
histórias de amor como as melhores para serem contadas. Assim, a marca convida casais
reais para contarem seus desafios, mas também a felicidade de estarem juntos. A narrativa
traz relatos de quatro casais falando sobre seus relacionamentos, a respeito do significado
do amor e da importância de um na vida do outro. Enfim, todos os percalços de uma vida a
dois. É relevante observar os casais que foram escolhidos para protagonizar o anúncio: um
casal gay masculino (Bruno e Caio), um casal lésbico (Camylla e Julia, ambas negras), um

16
Disponível em: http://tinyurl.com/z8lxuhl. Acesso em: 29 jun. 2016.
17
Conforme informações do site da Westwing. Disponível em: https://www.westwing.com.br. Acesso em: 29 jun. 2016.

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casal heterossexual (Eduarda e Adriano) e um casal composto por um homem e uma mulher
transexual (Lucas e Patrícia). Podemos perceber, portanto, explicitamente o posicionamento
da marca a favor da inclusão das relações homo/lesbo/transafetivas na sociedade.
Além disso, é interessante constatar como a narrativa publicitária desmitifica para o
público em geral, e com bastante sensibilidade, os relacionamentos homo/lesbo/transexuais,
já que é notável a semelhança das respostas entre todos os casais aos questionamentos sobre
o que é o amor e o que um(a) significa para o(a) outro(a). Em particular, é muito tocante o
discurso de Lucas e Patrícia, que revela o preconceito que enfrentaram para ficar juntos, até
mesmo a rejeição da própria família dele, por ela ser uma mulher trans – algo que seria bem
menos provável de ser vivenciado por um casal hétero cisgênero.
Por fim, a cenografia do anúncio é produzida para provocar a impressão de ser bem
familiar, pois os casais são filmados em um ambiente que remete a uma casa, um cantinho
aconchegante e íntimo. É um bate-papo na nossa sala de estar. O clima de descontração
permanece ao longo do filme, transparecendo alegria, cumplicidade e entrosamento entre os
(as) namorados(as). É importante salientar que as histórias contadas são verídicas, o que
confere ao anúncio um efeito patêmico (emocional, afetivo) mais palpável e cativante.
Seguindo-se os princípios da Análise Crítica do Discurso, é possível concluir que,
dos três comerciais sob análise, este último da Westwing é o único que realmente produz
uma representação positiva das minorias sexuais. Como já argumentamos, a publicidade –
enquanto influente produtora de sistemas simbólicos da indústria cultural – tem o poder de
cristalizar e potencializar representações sociais no imaginário social. Isso pode ser feito de
forma reducionista, reforçando estereótipos, preconceitos e convenções morais, e reiterando
meramente os padrões tradicionais da sociedade, como a heteronormatividade. Ou pode, em
contrapartida, conceder acesso discursivo aos que possuem menor voz ativa e, por isso, não
conseguem ser ouvidos em todas as esferas de prestígio social.
As representações inclusivas de gênero/sexualidades nas narrativas publicitárias são
fundamentais para proporcionar visibilidade e a construção identitária dessas minorias. De
acordo com Nunan (2003), a presença de modelos positivos na mídia, que ultrapassem os
estereótipos, constitui um caminho importante para a legitimação dos homossexuais. Dessa
maneira, é claro que uma peça como “Dia dos Namorados: o que é Amor”, da Westwing, se
revela uma iniciativa crucial de empoderamento da comunidade LGBT. Superando o receio
das empresas de rejeição ou boicote por consumidores conservadores, a Westwing mostrou
um posicionamento corajoso e transformador para o público homoafetivo e transgênero.

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4. Considerações finais (ou ‘Já é um começo’)


Coincidentemente, estamos finalizando este artigo justamente quando se comemora
o Dia Internacional do Orgulho Gay, em 28 de junho, cujo tema este ano foi “pelo fim do
preconceito e da violência contra a comunidade LGBT no Brasil e no mundo”. Sem dúvida,
o clima ainda é de tristeza pelo chamado ‘massacre de Orlando’, quando Omar Mateen, um
norte-americano muçulmano de origem afegã, foi responsável pela chacina na boate latina
Pulse, em Orlando (EUA), matando 49 pessoas e ferindo outras 53.
Entre dúvidas e polêmicas sobre a motivação do ato – se por impulsos terroristas ou
homofóbicos –, o fato é que, ao redor do mundo, houve manifestações em apoio às vítimas
e em solidariedade aos homossexuais. Em muito pouco tempo, a hashtag #PrayForOrlando
ultrapassou 1 milhão de tuítes. Isso parece ser um alento, ainda que resultante de uma ação
tão bárbara. No meio de uma onda de intolerância que parece estar invadindo a política e a
mídia nos últimos tempos, essa demonstração global de afeto e companheirismo evidencia
que valores como a compreensão e a empatia ainda estão presentes na humanidade.
Dessa maneira, não resta dúvida de que iniciativas como a propaganda da Westwing
não são apenas louváveis. São necessárias. Insistir em um modelo heteronormativo (além
de racista, elitista, etc.) de se fazer a publicidade – como foi o caso do comercial “Dia dos
Namorados – Unir é nosso destino”, da Gol Linhas Aéreas Inteligentes –, pode até implicar
uma posição mais cômoda, segura, dentro da zona de conforto. Mas isso também implica se
apresentar como retrógrado e insensível às inexoráveis transformações do mundo. E, nesse
caso, isso é ainda mais lastimável no anúncio da Gol, pelo retrocesso diante da campanha
para o Dia das Mães de 2015 (“Escolha o amor”), onde predominava a diversidade sexual,
étnica e de classes sociais.
Nunca é demais enfatizar que o Programa Brasil Sem Homofobia, do Ministério da
Saúde, prevê, entre suas ações, “apoiar a produção de bens culturais e apoio a eventos de
visibilidade massiva de afirmação de orientação sexual e da cultura da paz”, como também
“estimular e apoiar a distribuição, circulação e acesso aos bens e serviços culturais com
temática ligada ao combate à homofobia e à promoção da cidadania GLBT [sic]” (Brasil,
2004:24). Como analistas críticos do discurso, somos favoráveis às políticas inclusivas e à
adoção de práticas em prol da diversidade sexual, de gênero, étnica, de classes sociais, etc.,
tanto na esfera pública quanto privada. Como pontua Van Dijk (2008:37):
Em resumo, a relevância prática dos ECD [Estudos Críticos do Discurso] pode ser
encontrada especialmente na educação crítica de estudantes como futuros
profissionais, no seu papel de preparação de especialistas para poderosas
organizações internacionais como também para organizações de base, e ao mostrar

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para os empreendimentos empresariais que qualquer forma de discriminação


discursiva será no fim das contas ruim para seus negócios.
[...]
Deve finalmente ser mais uma vez enfatizado que esses importantes objetivos
práticos dos ECD somente podem ser realizados se forem baseados em uma vasta
quantidade de pesquisas detalhadas sobre as práticas discursivas cruciais na sociedade
e, especialmente, na política, na mídia, na educação e na pesquisa, isto é, sobre as
elites simbólicas ou discursivas e suas práticas e produtos diários.
Desse modo, esperamos que este artigo tenha contribuído para oferecer ao nosso
leitor uma proposta crítica e engajada, constituindo-se assim em um gesto de resistência ao
discurso publicitário convencional. Felizmente, além da Westwing, outras corporações vêm
aos poucos adotando a diversidade em sua comunicação. Em atenção ao Dia Internacional
do Orgulho Gay, a marca de cerveja Skol (com a peça “#RespeitoInON”) e a empresa de
cosméticos Avon (com a peça “BB Cream Color Trend e a Democracia da Pele”) lançaram
comerciais bastante inclusivos, criativos e que celebram a diversidade.18 E, em sua página
do Facebook, o Governo aqui de Pernambuco foi um dos que cobriram as suas bandeiras e
brasões com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBT (Fig. 1). Já é um começo.

Figura 1. Página do Facebook do Estado de Pernambuco no Dia Internacional do Orgulho Gay

Fonte: http://tinyurl.com/jqtlpn4 (Disponível em: 30 jun. 2016)

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especialistas. UOL, São Paulo, 27 maio 2013. Disponível em: http://tinyurl.com/ht25vyu. Acesso
em: 26 jun. 2016.

18
As peças publicitárias podem ser assistidas nestes links: http://tinyurl.com/gmypjez (Skol) e http://tinyurl.com/j93b9kc
(Avon).

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BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação/Ministério da Saúde. Brasil sem


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