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A ARTE DO MUNDO

HIPERMÍDIA
1) HIPERMÍDIA: O CAMINHO DA INTERATIVIDADE
1.1- O Nascimento das Concepções de Interatividade
e de Interface na Informática ....................................... p. 02
1.2- Mac, Amiga, Sillicon Graphics e PC ............................ p. 11
1.3- Os Principais Programas e Produtos ............................ p.19
1.4- O Avanço das Máquinas .............................................. p. 32
1.5- A Ficção Contemporânea ..............................................p. 41

2) A HIPERMÍDIA E AS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO


2.1- A Linguagem do Cotidiano .......................................... p. 50
2.2- A Fragmentação da Massificação da Significação .........p. 60
2.3- A Interação dos Meios de Comunicação ....................... p. 68
2.4- O Fim da Linearidade e os Jogos de Linguagem ........... p. 75
2.5- O Predomínio do Todo: As Redes de Comunicação ...... p.
83

3) A ADMINISTRAÇÃO COM A HIPERMÍDIA


3.1- A Revolução no Marketing ......................................... p. 90
3.2- Projetos e Comunicações Empresariais ........................p. 98
3.3- A Nova Escola Hipermídia .........................................p.106
3.4- A Administração com o Mundo da
Hipermídia ............p.113
3.5- A Nova Empresa Hipermídia .......................................p.121

4) A CIÊNCIA E A HIPERMÍDIA
4.1- A Materialização do Caos ...........................................p.129
4.2- O Discurso do Hipertexto ............................................p.139
4.3- O Fim do Livro ...........................................................p.148
4.4- A Multiplicação da Dialética .......................................p.158
4.5- O Modo de Ser da Compreensão: O Perguntar ............p.167

5) A HIPERMÍDIA E A OBRA DE ARTE


5.1- A Técnica na Época da Reprodutividade Artística ....... p.181
5.2- O Barroco Tecnológico ............................................... p.191
5.3- A Revolução das Linguagens da Criatividade .............. p.200
5.4- O Digital do Digital .................................................... p.207
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

5.5- No Caminho da Compreensão da Obra de Arte ........... p.221

1 - HIPERMÍDIA: O CAMINHO
DA INTERATIVIDADE

1.1- O Nascimento das Concepções de Interface e de


Interatividade

Podemos dizer que os antecessores da hipermídia não são


exatamente a pintura, a escrita, a imprensa, o jornal, a fotografia,
o cinema, a TV e o vídeo, mas, sim, as interfaces e
interatividades ocorridas entre tais meios de comunicação.
Quando o texto surgia junto da figura numa pele que era
pendurada sobre uma árvore;
quando o papel começou a virar
imprensa a partir de Gutemberg
e Lutero prega nas portas de
Wittenberg suas 95 teses;
quando com o século XIX surge
a fotografia junto do jornal ou
de textos em cartões postais;
ou, quando o cinema explora
os textos para se revelar; aí,
sim, estamos diante de
momentos antecessores da
hipermídia. interfaces e
interatividades entre 1- Manuscrito - século XVI
multimeios já estavam agindo na compreensão do mundo.
Portanto, quando procuramos gerneralizar todas as
possibilidades criadas e projetadas à participação da tecnologia

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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

multimidiática no mundo moderno, encontramos em duas


palavras seus principais fundamentos: interface e interatividade.
Por interativo podemos entender todo sistema de computação
onde se manifesta um diálogo entre o usuário e a máquina; já
por interface todo componente de hardware que possibilita o
contato comunicativo entre, no mínimo, dois dispositivos. O que
seria quase proporcional a dizermos que a interface é o meio
tecnológico e a interatividade o resultado de sua aplicação.
Interface ou interatividade entre nós, entre hardware’s, entre
software’s, entre os sentidos, entre máquinas e homens, entre ... .
Interatividade e interface são conceitos que tradicionalmente
vêm aproximando-se no campo da informática. Nos primórdios
deste século, um filósofo alemão, Walter Benjamin, já
conseguia ver na relação máquina-de-escrever - homem, os
germes das interfaces e interatividades modernas. Hipermídias
já eram apontadas por este filósofo, como possíveis linguagens
que afundariam o livro e a máquina de escrever: a maleabilidade
da mão seria substituída pela nervosidade própria dos dedos que
operam comandos.
Benjamin, o visionário,
já trabalhava com o
princípio de que a
separação totalizante
entre usuário e máquina,
ou autor e leitor, ou
criador e apreciador,
estava com seus dias
contados e,
provavelmente, não
resistiria ao século XX
que, então, recém
iniciara. As novas
tecnologias da
modernidade seriam
2- Ilustração - Paris séc. XXI - J. Verne definitivamente
interativas.
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Se, por um lado, para Benjamin, desde o início do século a


concepção de interação ou de interface já era encarada no
sentido das interligações comunicativas entre o homem e a
máquina; por outro lado, até muito pouco tempo interface,
significava no meio técnico da informática, sinônimo de
entrada e saída. Teclado, leitora de cartões perfurados, a
digitadora ou operadora eram considerados entradas; telas,
monitores, impressoras, perfuradoras, saídas. Estes anos
setentas, quando predominam os informatas, chegaram ao fim
com a popularização da micro-informática nos anos oitentas.
Esta visão dual e autômata de entrada e saída dá lugar nos dias
de hoje a um multidirecionamento de interfaces, que pode ser
reconstruído e redefinido a todo instante. O computador não é
mais, no caráter sócio-técnico, uma máquina autônoma e
intermediária de duas fontes de comunicação: o emissor e o
receptor, o teclado e o monitor, o significante e o significado, o
sujeito e o objeto, o usuário e a máquina; pois encontra-se
escancarado tanto em suas interfaces quanto em suas
possibilidades interativas, de forma quase imprevisível.
A entrada do mouse criou uma imensa coletividade de novas
interfaces, assim como sua possível saída para o domínio do
touchscreem, poderá gerar uma infinidade de outras interfaces.
Isto seria proporcional a dizer que cada nova interface, para
lembrar o importante teórico da ciência Thomas Kuhn, gera a
possibilidade de se transformar em anomalia e provocar uma
revolução científica na informática. Na década de 70 não se
poderia imaginar que vinte anos mais tarde estaríamos com o
sistema de desktop publishing dentro de casa, resultado da
assiciação entre microcomputadores , processadores de textos,
impressoras de baixo custo e programas de layout. Cada nova
interface, leva a um número imprevisível de novas interfaces. O
filósofo francês da informática, Pierre Lévy, eleva o conceito de
interface até seu fundamento ontológico, ou seja, defende a
idéia de que para melhor compreendermos os elos de ligação
entre a informática e o mundo que a cerca, devemos partir do
princípio de que os recursos daquela, só vêm procurando
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

explorar o comportamento inter-associativo entre seres e coisas


que já se desenvolve há milênios na história da humanidade. A
vocação da interface é traduzir, articular espaços, colocar em
comunicação duas realidades diferentes. Em outras palavras, é a
interface que possibilita a interatividade.
Na informática, a interface e a interação entre os conceitos
de interface e interação, vêm reforçar o princípio filosófico de
que nenhum instante é soberano em compreensão. O que hoje
está comunicando e valendo como sentido, amanhã, pode estar
totalmente fora de alcance. Mesmo a função tecnológica tornou-
se movediça em sentido. A qualquer momento um
microprocessador perde sua condição de interface e passa a não
possibilitar mais nenhuma interação entre mundos diversos.
Este novo mundo sem sentido equilibrado, parece que vem ao
encontro do fim dos limites, talvez devemos acreditar que não se
continuará a falar: “precisamos conhecer tal realidade” e, sim,
“precisamos nos interar com tal realidade”. O conhecimento
não está mais querendo dominar ou ser dominado, mas
participar ou ser participado, interar ou ser interado. Sequer
podemos falar em labirinto de significados, pois num labirinto o
que está mais atuante é o limite; já no caminho dialético das
interfaces e interações, a melhor metáfora seria o não-limite na
expansão infinita dos sentidos.
Estamos sofrendo a digitalização do mundo. O mesmo
mundo que até o século XIX foi, prioritariamente, narrado ou
escrito e, que, no século XX foi, prioritariamente, visualizado
analogicamente, no século XXI passará a ser digitalizado. A
hipermídia é a linguagem na qual se encontram digitalizadas
interfaces e interações, podemos dizer que ela é o resultado da
expressão interativa de todas as tecnologias até agora
existentes. Quando a hipermídia começou a aparecer nas feiras
internacionais de informática no final dos anos oitenta, como se
dizia, com jeito de espetáculo da Broadway, interagindo e
interfaciando textos, imagens, sons, músicas, cinema, vídeo,
fotografia etc., causava a sensação de que não passaria de um
espetáculo “psicodélico” e até, grotesco, frente a circunspeção
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

dos computadores a serviço do mundo da ciência ou da


empresa. No entanto, a multiplicação desvairadamente
tecnológica de novas interfaces e, conseqüentemente, de novos
princípios interativos entre os mais variados campos cotidianos,
fez com que a hipermídia começasse a possibilitar mudanças
estruturais não só na ciência e na empresa, mas, também, no
lazer, na organização do lar, na obra de arte, enfim, em tudo que
precisa contar, de alguma maneira, com informação. A
proximidade entre a hipermídia e a interatividade é tanta que
nos Estados Unidos existe a Interactive Multimedia
Association, IMA, que reconhece como característica
fundamental da hipermídia, ou hipermídia, não só a imbricação
das mais variadas mídias, como a participação conseqüente do
usuário no processo de compreensão de algum tema. A idéia
principal está em tentar respeitar, ao máximo, os caminhos que
cada um de nós pretende percorrer à busca de respostas ou de
perguntas. A interatividade vive, então, de estabelecer vínculos,
assim como as interfaces. Nos vínculos da interavidade
ninguém poderia imaginar que aquele CD que no princípio
servia somente para armazenar som digitalizado, pudesse se
mostrar como o material mais eficaz e barato para a publicação
digital de todas as expressões da comunicação moderna.
As interfaces e interatividades estão ocorrendo, inclusive,
entre os grandes produtores da microinformática. PC, Amiga e
Apple Machintosh estão, cada vez mais, multiplicando seus
contatos dialogais. Imagens criadas no Amiga (PCX, TIFF etc.)
são lidas no PC que por sua vez, tem grande parte de seus CD’S-
ROM traduzidos também para o Mac. Se, especificamente no
mundo técnico, a interativiade está a pleno vapor, no mundo
epistemológico também. A Feira de Frankfurt de 1994, já está
sendo considerada a grande partida da interatividade no
caminho de substituição do livro impresso. Numa linguagem
filosófica, podemos supor que a tecnologia da hipermídia frente
ao texto somente escrito, parece ir muito mais longe na
revelação do ser. Tal princípio exercitaremos melhor nos
capítulos 4 e 5. O importante é que a Feira parece ter provado
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que, frente à interatividade da hipermídia, o texto somente


escrito tem a perder. Para pegarmos um exemplo, o CD-ROM
que fez muito sucesso na Feira foi Leonardo, The Inventor, da
Intelliquest da Interactive Eletronic Publishing. O CD
apresenta ricas animações, inclusive, em 3D das principais
invenções de Leonardo; situa historicamente todas invenções,
inclusive, através de atualizações no comando our times, quando
compara a invenção do século XV com a ciência do XX;
exercita suas invenções através de joguinhos, e assim por diante.
Neste contexto nada desqualifica cientificamente as colocações
de tal linguagem, muito menos as brincadeiras contidas no CD.
Ao buscarmos as invenções de Leonardo, as opções
apresentadas numa tela sob uma grande reprodução do quadro
Monalisa são: engenharia, água, vôo, armas de fogo e
instrumentos musicais. Quando você optar por uma das
possibilidades uma ironia irá acontecer; por exemplo, clicando
sobre o botão água, que tem como ícone uma torneira, esta se
abrirá e inundará a Monalisa que largará bolinhas de ar como se
estivesse se afogando. Daí segue uma série de opções da
hidroengenharia de Leonardo, várias animadas em 3-D com uso
de óculos bicolor. Independente do julgamento do nível
intelectual do CD, percebemos que o nível de interatividade, na
questão dos sentidos físicos, proporcionado por esta tecnologia
arrebatadora, é incomparável. Gianfranco Bettini realça que a
interatividade é a característica da imagem sintética, sob um
ponto de vista semiótico, que mais interesse carrega no interior
de toda revolução tecnológica da informática. Isto é
proporcional a supor que, exatamente porque os sentidos
humanos são mais alcançados pela hipermídia do que por outro
tipo isolado de meio de comunicação, esta realidade tecnológica
dos multimeios

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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

é mais consequente no processo de comunicação. No entanto, a


interatividade e as interfaces não cessam de se inscrever
somente na materialidade de suas expressões, mas o alcance
delas vai na direção de revolucionar, inclusive, a ciência e a arte,
como veremos mais adiante. Temos neste novo mundo uma
verdadeira metáfora dos sentidos humanos, onde o auge está
levando o nome de realidade virtual. Por sinal como bem
aponta Negroponte, se se atribuísse prêmios aos melhores
oxímoros, com certeza realidade virtual ganharia um. Quando
no início da década de 1970 a NASA fazia as primeiras
experiências de realidade virtual em simuladores de vôo, os

3- Tela do CD-ROM Leonardo, The Inventor - para PC e MAC


críticos mais ferrenhos acreditavam que o dinheiro do governo
americano estava sendo usado para diversão mais do que para
exploração espacial. Hoje a realidade virtual está cada vez mais
exercitando a conjugação dos conceitos de interatividade e de
interface, simulando o mundo externo através do uso de
imagens, vídeos e sons digitalizados. Interação que já está
sendo aprofundada desde o lançamento do Reality Built for
Two de Jaron Lanier, onde duas pessoas podem interagir num
mesmo espaço virtual, com a ajuda da telamática (criada na
França por Simon Nora e Alain Minc) para, por exemplo,
nadarem juntas num oceano virtual.
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Total Recall conta a história de um operário do início do


século XXI que, ao buscar diversão virtual escolhe a fantasia de,
junto da amada, salvar o planeta de terríveis bandidos corruptos.
Logo que ele começa a viver “virtualidades”, ainda sentado na
cadeira condutora ao mundo virtual, as cenas de aventura
iniciam, deixando o espectador na dúvida se já é a própria
fantasia comprada, ou trata-se da realidade. A história se
desenrola, como se fosse real, exatamente como ele havia
querido na fantasia. Na cena final, o planeta está a salvo e ele,
abraçado com a amada, pergunta se tudo não passou de um
sonho. Junto dos dois, ficamos também sem saber se o filme foi
“realidade” ou se somente acompanhamos as “fantasias” do
protagonista. Outra trama interessante é o livro The Lawnmover
Man (O Passageiro do Futuro) (também virou filme) de
Stephen King, que conta a história de Job, um rapaz “retardado”
que vive sendo vítima de chacotas da sociedade e ganha a vida
cortando grama. A realidade virtual, desenvolvida pelo Dr.
Ângelo, somada ao uso de superdoses de estimulantes cerebrais,
acaba dando superpoderes à Job. No final da trama ele
transforma-se numa rede planetária e promete comandar todo
sistema de comunicação do planeta. Este enredo de King acabou
virando jogo em CD-ROM em 1994. Já Tron de 1982, de Steven
Lisberg, mostra um programador de videogames que junto de
dois amigos, são tragados para dentro do computador, onde
deverão atuar no programa de jogo que estava sendo criado pelo
próprio protagonista. O filme todo dá vida, forma e ação
independente aos mais variados comandos do mundo da
informática de então.
Interface e interatividade devem ser os principais conceitos
da próxima era secular. Ao que parece tudo dependerá das
condições associativas entre máquinas e idéias. O século XXI
deve ser o século das redes de significantes. Mas antes de
falarmos em redes, devemos dar uma olhada nas principais
empresas produtoras de Hardware no mundo da hipermídia.
Veremos que muitas descobertas e invenções no mundo da
informática acontecem “por acaso”, como diria Thomas Kuhn.
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

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1.2- MACINTOSH, AMIGA, PC E SILLICON GRAPHICS

4- Capa - TIME - 1982

Dois anos depois da revista Time ter elegido o


microcomputador como o The Man of the Year , 1984 foi o ano
de lançamento do Apple Macintosh, já arrombando as portas das
interfaces existentes até então, com a força de sua capacidade
gráfica frente ao usuário. Pioneiro nas interfaces gráficas, o
Apple projetou os primeiros Macintoshes ainda monocromáticos
e sem disco rígido de memória. Durante muito tempo o Apple
vai trabalhar com os princípios da interatividade gráfica, até ser
atropelado, mais recentemente em nível de mercado, pelo PC.
Mas foi o Macintosh o grande pai, inspirado no Smalltalk
(baseado no princípio de programação orientada para objeto -
OOP - Object-Oriented Programming) da Xerox, das
explorações de interfaces e interações entre homem e máquina.
A idéia desenvolvida pelo Macintosh desde o início dos anos
oitenta era, primordialmente, facilitar ao máximo o uso da
computação para o usuário. A matemática e a lógica das
linguagens técnicas da informática deveriam ser escondidas, em
prol do domínio de ambientes gráficos que possibilitassem,
através de lindos e coloridos desenhos e ícones, acesso fácil aos
caminhos desejados. Não só o Macintosh da Apple conseguiu tal
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

façanha como, inclusive, começou a ser copiado pelo PC e pelo


Amiga da Commodore.
O acompanhamento descritivo da história do Apple nos
mostra, inclusive, como que o microcomputador foi sendo,
interface por interface, planejado. Foi em pleno movimento
dos hippies que o computador pessoal foi projetado. Na
Califórnia, mais especificamente na Universidade de Standford,
floresceu um mundo de tecnologias e empresas de Informática
(Intel, Atari, Hewlett-Packard, NASA etc.) que possibilitou a
realização dos sonhos tecnológicos da juventude de então. Dois
Steve’s estavam neste meio: Jobs e Wozniac. Como indica
Pierre Lévy, o mundo para estes jovens já era uma verdadeira
bricolagem high tech, onde a pirataria "comia solto". Ainda
inspirados em valores da "contra-cultura", estes jovens
defendiam princípios tais como computers for the people
(Computadores para o povo). Desde então, a originaldade era o
elemento mais forte desses grupos que se reuniam, enquanto
elite tecnológica, para trocar informações vanguardistas. A
Apple foi fundada neste contexto! Com a venda de um
Volkswagen de Jobs, de uma "boa calculadora" de Wozniac e de
um empréstimo da exorbitante quantia de US$ 5.000, os dois
jovens fundaram a empresa Apple.
A Byte-shop de Paul Terrel procurava um computador
pessoal que, ao contrário do Altair, já viesse montado.
Encontrou o Apple 1 projetado pelos dois Steve's. Daí em diante,
interface após interface, foi uma década para se chegar ao
Macintosh (1984), o grande responsável pelo mundo do ícone e
do mouse. Porém, as revoluções das novas interfaces no
Macintosh, não ficaram somente no ícone e no mouse, mas, sim,
na largura da tela, proporcional a uma folha de papel; na
utilização da memória ROM (Read Only Memory) para garantir
a mesma interface a programas diferentes, na forma de janelas
que lembravam os groupwares do Augementation Research
Center (ARC) do Standford Research Institute. É importante
lembrar que o diretor da ACR, Douglas Engelbart, já exercitara
os princípios interativos das múltiplas janelas, da associação de
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

estruturas conceituais, das conexões hipertextuais e da


possibilidade de manipulação icônica na tela. Portanto, o que
estava em jogo, desde o início dos anos sessentas, de encontro a
contrariedade dos informatas, era o nascimento de princípios
revolucionários relacionados a uma informática da
comunicação, onde o labor cooperativo devia ser a principal
fonte interativa .
Hoje em dia, em plena metade da década de 90, no caso dos
computadores Macintosh, há uma grande resistência frente ao
crescente domínio do PC. A linha Power vem mantendo um
mercado fiel e, até certo ponto, crescente. Seus principais
modelos (6100, 7100 e 8100, por exemplo) demonstram alta
performace a baixo custo por tudo que oferecem. Mas talvez
seja na série Newton que a Apple mais impressione em
promessas tecnológicas; trata-se de um computador de mão, pois
cabe numa das mãos, com
2MB de RAM (Random
Access Memoy), através do
qual você pode se conectar
a uma rede, usufruir de
serviços on-line, correio
eletrônico e, até, envio e
recepção de fax. Temos
ainda o Apple Mobile
Message System,
comercializado já em
1995, que apresenta um
sistema de comunicação
sem fio, possibilitando o
recebimento e o envio de
mensagens faladas (texto
ou fax também) e, ainda,
mensagens escritas via
Internet. Neste momento,
vale lembrar que o
primeiro computador 5- Fotografia do Newton da Apple

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eletrônico, o ENIAC (Eletronic Numeric Integrator and


Calculator - 1946), ocupava uma sala de, pelo menos, 400m2.,
pesava cerca de 4 toneladas, dependia de cabos e cabos
telefônicos para funcionar e custou mais de meio milhão de
dólares. O contexto da tecnologia Apple neste final de século, é
um dos sintomas que comprova estarmos apenas na ponta do
iceberg da informática. Em breve, mas muito em breve, teremos
na palma da mão todos recursos hipermídia que hoje estão à
disposição, no máximo, ou melhor, no mínimo, em Notebooks.

6- ENIAC - 1946
Porém, o primeiro computador a se integrar com a tecnologia
de vídeo (plataforma de edição quadro a quadro) foi o Amiga
da Commodore, seu equipamento, de baixo custo frente à
tecnologia que oferece, ficou famoso pelas animações em 3-D.
Desde o início o Amiga surge como multitarefa (multitasking),
pois seu sistema já permitia realizar diferentes funções
simultaneamente, como imprimir enquanto se faz uma animação
ou enquanto se joga. Daí sua eficácia no meio da hipermídia. Tal
como o Macintosh, o Amiga teve seus computadores copiados
pelo sistema PC e, também como o Apple, seu mercado tragado.
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

No entanto, o Amiga começou a ficar especializado em jogos,


tornando-se já no final da década de 80 a febre da juventude.
Suas definições em som e imagens são de altíssima qualidade e,
com um simples modelo Amiga-500 que, em inícios de 1990
custava cerca de US$ 500, era possível para qualquer
adolescente criar animações gráficas que um PC da época
necessitaria, pelo menos, de dez vezes mais investimento para
desenvolver. Porém, a Commodore resistiu muito às tendências
de integração e não soube sustentar seu mercado. Os anos de
1994 e 1995 foram os anos das propostas de compra da
Commodore, os interessados são o grupo Sony, a Commodore
inglesa e a Creative Equipament Industries norte-americana.
Novamente um tráfego de transferência de tecnologias que
parece não ter mais fim no mundo da informática.
Em 1981, não agüentando ficar somente na apreciação do
sucesso de mercado alheio, a IBM lança o PC, micro de
tecnologia de 16 bits que, em pouco tempo se tornou o
paradigma do PC. Em 1983, veio o PC-XT (de eXTended) e,
daí em diante os modelos não pararam mais de se multiplicar em
qualidade e quantidade.
Por ironia de um destino não tão engraçado para a
Commodore e o Apple, as séries PC's (Personal Computer //
Profissional Computer) IBM, que sempre estiveram no aspecto
gráfico atrás do Apple e da Commodore, acabaram dominando o
mercado a partir da metade da década de 80 e, parece, não há
possibilidade, a curto prazo, de retorno desta tendência. Nesta
metade da década de 90, nem mesmo é a IBM que dá as cartas,
pois são notórios os casos de sua insistência na não-
compatibilidade para “assegurar” o mercado. Tais como os
casos do adaptador gráfico XGA e da Arquitetura Micro Canal
(ACM), que foram fracassos de mercado.
A história dos software’s, sob o ponto de vista da
interatividade, não é muito diferente das oportunidades perdidas
e encontradas pelo mundo do hardware. O final dos anos 60
marca a grande ruptura que iria dividir o mundo do software do
hardware, pois até então máquina e programa só podiam ser
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

comprados juntamente. A indústria do software só começa a


vingar verdadeiramente quando há tal separação promovida,
ainda na década de 1960, pela IBM. Portanto, das linguagens de
máquina às linguagens de altíssimo nível, a preocupação que
preponderou foi a interatividade. 1979 foi o ano em que o
VisiCalc (Visible Calculator) rompe com os princípios que
preponderavam até a terceira geração de computadores, ou seja,
para utilizar as imensas máquinas tínhamos que falar a língua
que elas conheciam. Na quarta geração, o paradigma a ser
seguido é o da aproximação do computador, ao máximo, da
linguagem ordinária, ou seja, da linguagem do dia a dia; não é

7- Tela PC ou MAC - mostrando as facilidades icônicas


por nada que muitos destes programas são chamados de user
friendly (amigáveis do usuário). Portanto, tanto a idéia de
microcomputador, quanto a concepção de se trabalhar através
de linguagens mais próximas possíveis do senso comum,
sempre estiveram direcionadas a caminho de uma maior
interatividade.
Não é de se duvidar da facilidade com que a Microsoft
percebeu que a crescente produção e predomínio das linguagens
de programação, para sistemas operacionais, estava chegando ao
seu fim. Não só no aspecto de domínio de mercado, mas,
fundamentalmente, nas possibilidades de interatividade. Quando
na segunda metade da década de 80, já estava definido o
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

domínio de um novo ambiente gráfico para o PC, inspirado no


Macintosh, mas muito distante da qualidade gráfica deste ou do
Sillicon Graphics, firmou-se uma grande verdade na área de
informática: a linha de computador PC c/ ambiente Windows era
a que mais permitia a interação gráfica de inúmeros softwares.
Definitivamente, o software, que durante muito tempo ficou à
mercê do hardware, a partir de então daria as cartas. O ambiente
gráfico Windows passou a dominar o mundo da informática em
quantidade de vendas e criou o homem mais rico do mundo, Bill
Gates (que criou o tema Information at your fingertips), e que
aos trinta e sete anos já tinha uma fortuna de 8 bilhões de
dólares. Sua empresa, Microsoft, faturou em 1994 5 bilhões de
dólares, tendo crescido 40% no ano; tem 12.000 funcionários em
27 países e sua receita é maior que a soma de suas seis
concorrentes.
Em se tratando de PC o Windows, que é um ambiente
operacional montado sobre o DOS (não devemos esquecer que
a versão Windows 95 dispensa o DOS) e fornece ao usuário uma
interface gráfica, apresenta uma padronização que a hipermídia
demanda. Elementos gráficos e sonoros, podem ser criados e
recriados em milhares de programas que existem hoje for
Windows. Nesta metade da década de 90, o auge do PC para
hipermídia está calcado num microprocessador Pentium, CD-
ROMS de velocidade quádrupla, placas gráficas de 24 bits e de
16 bits para som.
Outro importante concorrente no mercado da hipermídia é o
Silicon Graphics Indy. A possibilidade de acesso ao mundo do
Silicon foi sempre muito limitada pelo seu valor. O modelo Indy
é uma espécie de síntese dos modelos Silicon que sempre foram
enormemente poderosos. O microprocessador do Indy é muito
mais rápido que os concorrentes (Intel [PC] ou Motorola [Amiga
e MAC]), suas animações em 3-D são as mais poderosas e
tabalham numa velocidade e definição quase sem concorrência.
A série Silicon contém computadores desde 300 mil dólares até
suas versões Indy que podemos encontrar por menos de 10 mil
dólares.
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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Portanto, a história da hipermídia se confunde com a história


das interfaces e interatividades no mundo da informática.
Quando identificamos alguns fatos principais dos principais
microcomputadores em oferta no mercado, temos a sensação de
que a hipermídia era o “caminho natural” de toda informática.
Dificilmente na primeira década do século XXI teremos algum
computador que não trabalhe com os princípios da hipermídia,
quando qualquer comunicação deverá serguir os caminhos dos
multimeios. Viveremos e veremos.

1.3- Os Principais Programas e Produtos

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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A produção de material hipermídia depende, principalmente,


da utilização de software's com este fim: Asymetrix ToolBook,
Aim Tech IconAuthor, Microsoft Multimedia Viewer, Apple
HyperCard e MacroMedia Director e Authorware. Tais
programas oferecem a possibilidade de qualquer usuário se
transformar em autor de hipermídia e criar seus próprio
instrumentos em CD-ROM. Os programas para produção de
hipermídia são uma espécie de anúncio de um admirável mundo
novo que contará com visões totalmente diferentes de leitura e

8- Ilustração de um Programa de Autoria


criação, de arte e ciência. As águas divisórias da modernidade
tecnológica parecem que, finalmente, alcançaram uma grande
represa onde toda linguagem é possível.

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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

É possível desenvolvermnos uma taxionomia entre os


programas de criação hipermídia. Por exemplo o Asymetrix
Toolbook e o Apple HiperCard são programas que
funcionam basicamente através da composição de telas. Nestes
dois programas o trabalho de criação usa metáforas de
instrumentos do cotidiano como base estrutural: o primeiro
trabalha com a concepção referencial de folhas de papel, ou
seja, cada tela seria uma página de um livro; o segundo já usa a
metáfora do cartão, ou seja, o programa funciona como se
estivéssemos frente a uma grande uma pilha de cartões. Os dois
programas contém uma paleta de objetos que funcionam como
blocos na construção das telas, tendo suas peças principais em
campos e botões. Os primeiros são destinados aos textos e os
segundos ao clique, pois são caminhos opcionais. Aos botões
pode-se associar um vídeo, um áudio, uma ilustração etc., desde
que o autor conheça o script de programação dessas associações.

9- Ilustração- Tela do CD-ROM experimental de Arlindo Machado


Esta talvez seja a grande limitação deste tipo de programa: não é
qualquer usuário de informática que consegue lidar com eles,
pois é imprescindível o conhecimento da linguagem técnica em
questão. Um exemplo de criação excepcional neste tipo de
20
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

programa, foi o CD-ROM experimental de Arlindo Machado


Ensaios Sobre a Contemporaneidade, desenvolvido nos
programas de pós-graduação de Semiótica da PUC-SP, durante
os anos de 1993/94. Arlindo usou o Asymetrix ToolBook para
criar uma obra que discute as transformações nos meios de
comunicação neste final de século. No CD temos vídeos-clip,
fotos, áudios, partes de filmes, de documentários etc., tudo
dirigido por um texto de altíssima qualidade acadêmica. A
reflexão de Arlindo sobre a modernidade teremos oportunidade
de realçar mais adiante, o importante a destacar aqui é o fato de
ter conseguido um altíssimo nível de reflexão, mesmo usando
um programa com muitas limitações como o ToolBook, onde
discute, inclusive, a própria hipermídia como linguagem. O CD
do Arlindo contém, além de um rico acervo de vídeos (Arnaldo
Antunes em Nome, Jacques Lacan em Télévision etc.,) a
estrutura opcional de glossário, marcadores de página e
bibliografia. Arlindo, no entanto, não é um usuário comum de
programas de hipermídia, pois teve que aprender o script do
programa em questão. Tal trabalho já aponta para o fato de que
uma boa qualidade de CD-ROM depende, muito mais, da
criação do que do uso de tecnologia mais avançada.
Para minorar as dificuldades de comunicação entre autor e
programa, começaram a ser desenvolvidos linguagens baseadas
em ícones, são os casos do IconAuthor e o Authorware da
Macromedia. A lógica de seu desenvolvimento não está no
resultado de um script próprio, mas, sim, na construção de um
diagrama de ícones composto em forma de fluxograma. Ou seja,
o ícone substitui a palavra. Nestes programas para relacionarmos
vídeos a textos, estes a fotos ou áudios etc., basta que criemos
um diagrama com inter-ligações icônicas (hiperlynck). Tal
sistemática faz com que o percurso interativo seja criado de
forma muito mais precisa e rápida, mesmo porque as
ramificações associativas são apresentadas numa tela de
fluxograma a qualquer hora que o autor necessitar a visualização
de sua criação. A utilização de ícones não dispensa o autor de
conhecer a lógica da criação em programas hipermídia, mas
21
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

facilita muito frente ao domínio do script nos programas


destacados anteriormente. Muitas vezes torna-se necessário
trabalhar com programas auxiliares e, daí então, transportar os
resultados para o programa principal. No ambiente Windows,
por exemplo, temos que dominar a sintaxe MCI para uma boa
administração dos recursos hipermídia. No Authorware, por
exemplo, suas possibilidades interativas alcançam um suporte
de multiplataformas, ou seja, produtos criados e desenvolvidos
no MAC podem ser tranquilamente transportados para o
Windows, sendo que o inverso, infelizmente, não é verdadeiro.
Já o Multimedia Viewer Publishing Toolkit ao contrário do
Authoware que custa cerca de US$ 5000, custa US$ 495 e é o
resultado da congragação variada de aplicativos. Programa
preferido pela Microsoft para criar seus títulos em CD-ROM,
desafia o autor num complexo caminho interativo entre o Word,
o Hot Sport Editor e o Viewer Compiler, de onde deve sair uma
coerente interatividade como produto final. Neste programa não
se consegue criar animações, mas é possível, por exemplo,
importar de outro programa como o Autodesk Animator.
Portanto, a hipermídia não é apenas um show tecnológico,
mas a possibilidade definitiva de síntese de toda tecnologia da
comunicação. Os títulos em CD que começaram a surgir a partir
da segunda metade da década de 80 já colocavam em evidência
o caminho das linguagens interativas da hipermídia. Estima-se
que até 1999, 80% dos norte-americanos serão usuários de
computadores com kit-hipermídia. Até 1994 estimava-se existir
8.000 títulos em CD-ROM, hoje os títulos em CD já são
incontáveis, não temos como saber exatamente o número de
títulos que está disponível no mercado, pois a tecnologia de
produção, prensagem, multiplicação e distribuição do CD-ROM
está totalmente disseminada pelo mundo. Nem mesmo a
Multimedia World Reader’s Choice Awards (editada pela IDG-
EUA) consegue dar conta, nos últimos anos, da avaliação do
imenso número que se multiplica em títulos.
No entanto, a maioria maciça dos títulos encontra-se ainda
limitada a temas eróticos, pornográficos ou jogos. O mundo da
22
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

hipermídia ainda é o mundo do lazer, pelo menos com respeito à


quantidade de títulos. Mas com certeza, mais uma vez, não é a
quantidade o fator determinante da qualidade. Os principais
títulos de 1994, eleitos pela Multimedia Choice Awards,
confirmam dois caminhos entre si paradoxais, pois, se, de um
lado, o julgamento se dá pelos caminhos interativos que o
material oferece, por outro lado, há um total esquecimento de se
julgar a qualidade das informações que são oferecidas. O mundo
hipermídia, ratificando, não é só determinado pelos caminhos
coloridos e interativos das informações, mas, além disso, sua
qualidade depende das informações que são colocadas ali. O
fato de termos uma tecnologia fantástica, como nunca visto, à
contenção de todas linguagens, não significa que daí advirá
qualidade de informações. Ora, tal como o rádio, a televisão ou
a imprensa escrita, a tecnologia hipermídia demanda muito
cuidado na criação.
Há alguns anos os considerados melhores títulos em CD-
ROM, já estão saindo com os selos de qualidade da World
Reader's Choice Awards, onde se reúne, presume-se, os
melhores críticos do mundo da hipermídia. Teremos que discutir
mais adiante, os critérios usados para avaliar um material
hipermídia, pois o que será que define a qualidade? Ao que tudo
indica não é tanto o programa de autoria que usamos, mesmo
levando-se em conta a enorme variedade de estilos e preços
destes, mas, sim, como falávamos a competência da pesquisa
que é feita e a análise e inter-relação dos dados coletados. Aqui
é que o diferencial parece acontecer.
Em 1994, a World Reader's Choice Awards, escolheu a
Encarta da Microsoft como a melhor enciclopédia interativa, o
melhor título em CD, o melhor título educativo e melhor título
de referência. A Encarta foi considerada a mais atualizada, a de
mais fácil consulta (porque mais rápida) e a de maior
discernimento interativo histórico. De fato, parece ser a melhor
enciclopédia interativa circulante em 1994, no entanto, não
podemos esquecer que a Compton's Enciclopédia (finalista só na
categoria de "referência") não fica muito atrás, pois trás um rico
23
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

acervo de fotografias e vídeos dos mais variados, sendo o


sistema de busca tão rápido quanto o da Encarta. Na categoria
de revistas a NautilusCD foi a grande escolhida. Esta revista
mensal norte-americana contém desktop-media, entretenimento,
educação, novidades de informática, principalmente em
hipermídia. De fato, frente ao objetivo que se propõe a
NautilusCD é uma ótima revista, mas sempre devemos, no meio
da hipermídia, desenvolvermos a pergunta sobre os objetivos
propostos. Veremos mais adiante que uma revista similar
brasileira, a Neo-Interativa, tem objetivos que diferem e suas
capacidades interativas não se distanciam da NautilusCD. As
outras principais categorias estavam divididas em: melhor título
de entretenimento ( Virgin Games 7th Guest ), melhor hardware
no geral (Nec Technologies Multispin 3X.), melhor produto
hipermídia para crianças (Living Books Arthur's Teacher),
melhor ferramenta gráfica hipermídia de criação (CorelDraw
4.0) e melhor software de autoria (Macromedia Authorware).
No entanto, há uma grande variedade de títulos excepcioonais
que não entrou na competição, mesmo porque a classificação de
CD-ROM é muito difícil de ser feita, à medida em que as
criações são as mais diversas possíveis. A Microsoft, se não está
comandando a tecnologia de produção de CD, com certeza, é
vanguarda. Seu título Art Gallery baseado nas obras da Galeria
Nacional de Londres é um primor de trabalho interativo, uma
verdadeira aula, no bom sentido, sobre arte. O CD de 1993,
apresenta o enorme e riquíssimo acervo da galeria londrina em
várias opções: Temas de referência, índice onomástico, índice
remissivo e estudos e animações, este último apresenta uma
série de animações sobre perspectiva, tintas, telas etc., que
compõem as obras principais da Galeria. Por exemplo a obra Os
Embaixadores de H.Holbein, que contém uma caveira distorcida
no centro na parte inferior e que só pode ser vista num ângulo de
45° sudoeste, é apresentada como se estivéssemos subindo a
escada do museu e fôssemos obrigados a ter contato com a
caveira; acompanhando a animação sentimo-nos na própria
Galeria. Novamente aqui a palavra central é interatividade.
24
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Outra obra fantástica, mas esta do ano de 1994, é Leonardo,


The Inventor, que já comentamos acima. Além do que já foi
dito, o grande mérito desta obra, está no humor das colocações
desenvolvidas.Aqui temos do mesmo lado, a linguagem da
pesquisa acadêmica mesclada à passagens cômicas da Monalisa
se afogando, desviando de um tiro, cantando ópera ou se

Tela de CD-ROM - Revista Nautilus


esquivando de uma das máquinas voadoras de Leonardo. Aqui
parece se localizar um germe que, talvez, provoque uma
verdadeira revolução na forma acadêmica de ensinar e aprender.
Veremos mais adiante que experiências deste tipo estão se
multiplicando de forma assustadora, inaugurando uma nova
linguagem à aprendizagem: o cômico. Por falarmos em cultura
italiana, o escritor e teórico da comunicação Umberto Eco
lançou em abril de 1995 o primeiro volume em CD-ROM de sua
“Encyclomedia”. A obra completa deverá contar com cinco
CD’s e versará sobre a história européia atá a Segunda Guerra
Mundial, este primeiro volume foi sobre o século XVII. Eco
conseguiu reunir ma equipe de cinqüenta pessoas, tendo
coordenado a estrutura conceitual do produto. Como sempre em
produções hipermídia o maior custo fica por conta dos direitos
autorais das imagens, algumas cenas de filmes norte-
americanos, Eco que associou-se a Olivette, custaram por volta
25
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

de US$ 3 a US$ 4 milhões por segundo. A tela de abertura


mostra ma enorme biblioteca dividida em várias salas: política,
arte, religião, música, filosofia, ciência, literatura, entre outras.
A Biblioteca contém 200 livros completos sobre todos os
assuntos de Galileu Galilei a Velázquez. Tal como o CD-ROM
de Leonardo, a consulta pode ser por ordem cronológica,
quando ao optar (na janela cronológica) por um determinado
ano, aparecem não só a descrição fática, como também, a
cultura, religião literatura etc., do período e/ou ano pedido. A
cronologia soma-se à espacialidade através de um atlas
histórico. Nesta Encyclomedia podemos, inclusive, acionar um
gravador que registrou todo percurso de nossa pesquisa, caso
queiramos, a navegação realizada no CD é apresentada.
Como falávamos, o CD-ROM é uma técnica de acúmulo de
informações e não uma garantia de qualidade. Num CD você
pode colocar 600 MBytes, o que equivale a mais ou menos 70
minutos de vídeo com boa definição, ou 200 mil páginas,
dependendo da definição, milhares de fotografias e animações.
É difícil padronizar qualquer coisa nesta tecnologia, mesmo a
quantidade de informações em imagens e som, pois estas
dependem de sua origem (vídeo, animação, fotografias etc.) e de
sua definição. Quanto maior a definição e maior a imagem,
maior o número de bytes necessário, portanto, todos estes
limites são relativos; e é dentro desta relatividade que os
produtores de CD-ROM têm nos diversificado ao máximo as
opções. Neste sentido, a Feira de Frankfurt de 1994, foi
extremamente sintomática.
Lá foram apresentados CD'S que poderíamos classificar
como banco de dados. São lotes e lotes que trazem os 600 MB
(geralmente menos) de imagens (como o Graphis Works, ou
mesmo o Understanding Exposure: How to Shoot Great
Photographs que chega a oferecer dicas para se obter a
exposição adequada de uma fotografia), vídeos, sons etc.. CD's
que contam a história do Jazz, que trazem histórias em
quadrinho (The Cartoon History), que trazem a história dos
campeonatos de Basketball (Microsoft Complete NBA
26
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Basketball) ; que ensinam


línguas (como o Hyperglot
Software Learn to Speak
Spanish) ; que apresentam
animações e mapas
detalhadíssimos (como o
Delorme Mapping Street
Atlas USA), dinossauros,
aviação, animais (CD's
sobre cães, macacos,
cavalos, tigres, mamíferos,
peixes etc.), bicicletas,
David Bowie, Beatles,
Planetas, Astrologia,
11- Cartão da Feira de Frankfurt - Poesias, Fractais,
1994 Presidentes (incluindo
especiais sobre Clinton),
Fontes (em média num CD de fontes se tem 2.500 tipos de
letras), Cinema, civilizações antigas (Egito, México etc.), obra
completa de Shakespeare, história do Blues, da música country,
das Constituições, da Pré-história, Renascimento, Revoluções
Políticas (Americana, Francesa), Roma (Império e República),
tipos de borboletas, viagem exótica pelo Brasil, CD's de
Medicina e primeiros socorros, negócios japoneses, guerras,
National Geography, Revista Time, inúmeras histórias infantis
das mais tradicionais a vanguardistas, e ainda uma infinidade
de assuntos, temas e títulos. Para se ter uma idéia, um simples
catálogo na Europa ou nos Estados Unidos, após rigorosa
seleção, pode conter mais de 500 títulos atuais em oferta.
Como já falamos a Feira de Frankfurt de 1994 parece ter
colocado definitivamente uma grande problemática, que
discutiremos melhor mais adiante: o livro em sua forma atual
(impresso no papel) estará com seus dias contados? A resposta,
pelo que tudo indica, é positiva. No entanto, seria uma grande
ingenuidade acharmos que tal melhoria tecnológica trará uma
melhora de qualidade interpretativa.
27
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

No Brasil o caminho de títulos em CD-ROM não anda tão


mal quanto a realidade social brasileira. Ao que tudo indica,
parafraseando Washington Olivetto, o Brasil também será um
país de terceiro mundo com uma produção em CD em nível de
primeiro mundo. Almanaque Abril, Neo-Interativa, LIS,
Arte/Cidade, Aurélio, Fauna Carioca, e uma série de
experiências que estão sendo realizadas em Universidades
brasileiras como na PUC-SP, mostram que estamos à altura de
qualquer bom CD do primeiro mundo. Mas ao que parece as
editoras ou ainda não perceberam que o caminho é irreversível,
ou estão investindo nesta tecnologia a sete chaves e quem não
sabe delas somos nós. A revista em CD-ROM pioneira no Brasil
foi a Neo-Interativa. É um periódico de variedades que
contrabalança prudentemente textos jornalístico-críticos e
puramente informativos; traz um arquivo considerável de
fotografias e vídeos relacionados com os acontecimentos
contemporâneos. A Revista é toda auto-instrutiva, se
preocupando em orientar o usuário nas navegações e opções
informativas. O conceito de interação está bem fundamentado
se pensarmos na relação software-leitor, mas deixa a desejar se
levarmos em conta os caminhos possíveis de leitura. A falta de
imbricação entre as reportagens e imagens (pois para sair de um
lugar de consulta o usuário precisa sempre voltar às telas
principais), faz com que o conceito de interatividade que a
revista se lhe propõe fique comprometido. No entanto, inúmeros
CD's, considerados de primeira classe, ainda pecam por esta
falta de interatividade.

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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

12- Tela de Entrada do CD-ROM - Almanaque Abril -1994


Outro título importante no Brasil e, também um dos
primeiros, é o Almanaque Abril . Este CD parece ter usado, pelo
menos na edição de 1994, muito limitadamente os recursos
interativos da hipermídia, pois está quase como se fosse o
próprio Almanaque impresso, com exceção da rapidez da
consulta. Fora os textos tradicionais do Almanaque, temos ainda
um acervo modesto em vídeos, animações e fotografias, mas que
deixam muito a desejar no que diz respeito ao processo de
interatividade entre as informações.

O LIS é um CD-ROM da editora Saraiva que apresenta de


forma interativa grande parte da Legislação Brasileira. Por
enquanto está previsto em edições anuais atualizadas. Alguns
advogados salientam que é um material dinâmico e atualizado,
outros já acham que não apresenta uma atualização tão poderosa
e que é incompleto. No entanto, temos que reconhecer que a
Saraiva foi uma das editoras a sair na frente nesta empreitada de
CD-ROM, esperamos que invista mais.

29
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Outro CD-
ROM que promete
bastante é a produção
da Nova Fronteira
do
Dicionário Aurélio.
A editora prometeu
uma série enorme
de avanços na versão
em CD- 13- ROM do
dicionário e LIS- Editora Saraiva - Legislação Brasileira ao que
parece tal proposta
está
vingando, pois a versão do Aurélio em vídeo-disco agradou. No
entanto, não podemos esquecer que o Aurélio ao contrário do
que a editora anuncia não tem 8 milhões de palavras, mas um
pouco mais de 100 mil. Também não corrige o texto, o que
pressupõe, concordância, regência etc., corrige apenas a
ortografia. Esperamos que as próximas versões em CD-ROM
estejam mais atentas às inúmeras possibilidades interativas.
Ainda temos um número importante de CD's sendo produzido
em programas de pós-graduação nas Universidades brasileiras.
A que mais se destaca neste meio é a PUC-SP. Trabalhos sob a
orientação de Arlindo Machado, temas de dissertações e teses
em Semiótica, sobre Modernidade, Mário de Andrade entre
outros, já estão sendo defendidos em CD-ROM frente à
pomposa tradição de Banca de Defesa de Tese.
Programas de autoria e títulos em CD-ROM devem sempre
ser tratados juntos. Um leva ao outro. Pelas mudanças e
facilidades tecnológicas que temos presenciado, em breve,
qualquer estudante de segundo ou terceiro graus que se dedique
um pouco à informática, poderá produzir em CD seus estudos e
suas reflexões. Portanto, temos que estar preparados para esta
nova era multimidiática, pois por enquanto o desafio é de todos
nós, que temos que criar um mercado grande e competitivo para
30
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que a boa qualidade nesta área impere. Mesmo assim o critério


que deverá definir a qualificação do CD, deverá ser sempre a
qualidade da pesquisa que estará por traz dele. Esta qualidade,
porém, não refere-se somente aos aspectos fáticos, descritivos e
informativos do material, mas, também, das capacidades
tecnológicas de cada vez mais aumentarmos a quantidade de
informações em pequenos espaços. Vejamos como se encontra
tal tecnologia.

1.4- O Avanço das Máquinas

31
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Para entendermos o sentido que se estabelece do avanço dos


computadores na hipermídia, devemos perseguir, desde os
primórdios, as condições tecnológicas que propiciaram tal
fenômeno. Apesar da informática se apresentar como uma
revolução tecnológica, os grandes especialistas não pretendem
se desvincular da história técnica que a gerou. Esta historicidade
está associada às grandes representações e fenômenos
matemáticos.
Cerca de 2000 a.C. quando um babilônico nobre queria
calcular alguma coisa, solicitava um ábaco e se punha a contar
esferas penduradas numa peça vertical e alongada. Na China um
tipo semelhante de objeto é usado até hoje, é o suan pan, que os

14- Ilustração de Modelos orientais chineses ou


japoneses
japoneses chamam de soroban.
Em 1610, o escocês John Napier tem a idéia de lançar o que
ficou conhecido como Napier's Bones, tabelas feitas com
pedaços de marfim em, que, graças às evoluções seguintes,
conseguiu inventar o conceito de logarítimo. 32 anos depois dos
Bones, um inglês chamado Blaise Pascal lança a Pascaline, uma
máquina aritmética que fazia subtrações e somas e, que, com a
colaboração do alemão Gottfried von Leibniz (1673), passou a
dividir e a multiplicar. E, assim, os caminhos matemáticos vão
32
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

se desenrolando, até que chegamos no inglês George Boole que


no ano de 1854, publicou sua Álgebra Booleana, evidenciando o
mundo através de representações binárias, base de grande parte
da lógica matemática usada nos computadores do século XX.
Mas talvez o grande momento, que deu o impulso final,
partindo da matemática na direção do computador, foi quando a
partir de 1880, o Congresso dos EUA passa a exigir
recenseamento de dez em dez anos; até que em 1914, após
Thomas Watson assumir a Tabulating Machine Company,
começou uma corrida contra o tempo que, dez anos mais tarde,
resultou na fundação, por parte de Watson, da International
Business Machine Corporation, nada mais nada menos que a
IBM. A partir daí uma série de tentativas tecnológicas foram
feitas e deixaram marcas consideráveis: o Mark I que dominou
de 1937 a 44, o ABC que no mesmo período tentou se firmar
pelos caminhos da eletrônica digital, o Z3 desenvolvido pelos
nazistas que tinha como característica básica a eletrônica digital,
o ENIAC de 1943-46 considerado por muitos o primeiro
computador eletrônico, o von Neumann de 1945 a 1950 que
trabalhava numa lógica de arquitetura binária e o UNIVAC I que
é considerado o momento inaugural da primeira geração, que foi
comercializado, mas que ainda funcionava com válvulas.
Apesar da enorme briga pela "patente histórica" do primeiro
computador, a bibliografia especializada costuma classificar as
máquinas em três gerações: a primeira geração está baseada na
tecnologia de válvulas eletrônicas e vai de 1942 a 1959; a
segunda geração tem a válvula substituída por transistores e
situa-se de 1959 a 1965; a terceira geração tem os transistores
substituídos pelos circuítos integrados e sua data é precisa: o
anúncio no dia 07 de abril de 1964 do System/360, o IBM 360.
No entanto, um dos marcos mais significativos não redundou
num paradigma de nova geração, que foi o lançamento dos
microcomputadores em escala comercial no ano de 1977. Esta
nova concepção de computador (micro) só foi possível graças ao
surgimento dos microprocessadores em 1969 (projeto da Intel
mais japoneses - redundou no Intel 4004 de 4 bits).
33
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

15-
Modelos de Napier e Leibnitz - A origem da matemática do Computador
Ora o que nós temos num chip microprocessador é a reunião,
numa região do tamanho de uma peça de dominó (hoje, menor
ainda), de placas e placas que, muitas vezes juntas uma ao lado
da outra, alcançariam um metro. Dos anos setentas aos dias de
hoje, os circuítos integrados em microprocessadores são a última
palavra em tecnologia da computação. Ora, porque estamos
realçando tudo isto num livro sobre hipermídia? Por que é
importante ficar claro que, esta, só tornou-se possível após um
enorme desenvolvimento tecnológico.
Hoje em dia uma configuração mínima no mundo do PC,
somente para ler CD-ROM, deve ser um computador com
microprocessador 486, c/Kit hipermídia, com 4Mbytes (muitos
CD’s exigem 8) de memória RAM, e um Winchester de 124Mb.
Existe um número muito grande de CD's passível de leitura num
386 Dx 40, mas estão acabando, mesmo porque o
microprocessador 386 já não é mais fabricado. O que
precisamos saber quando começamos a nos interessar pela
hipermídia é, ao mesmo tempo, o mais importante e mais difícil
de determinar: até onde queremos ir quando penetramos em seu
34
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

mundo? Queremos somente uma máquina para ler CD-ROM


pronto? Queremos fazer nossos próprio CD's, para
comercializarmos ou para defendermos uma tese ou para
criarmos joguinhos para nossos filhos ou para gravarmos em CD
todos os álbuns de família que temos, ou para...!? Como
destacamos, só para leitura, a composição é simples e nesta
metade da década de 90 podemos comprar um belo computador
hipermídia por US$ 1.500. Mas já para projetarmos o nosso
próprio CD, gastaremos um bom dinheiro, tanto em software
quanto em hardware. Para imagens fixas precisamos de um bom
Scanner, aquele aparelho que digitaliza qualquer imagem,
quanto maior a definição, mais caro. Para captarmos imagens
em movimento, teremos que ter uma boa placa de vídeo e, se
quisermos filmar algo, uma boa câmera. Para a interação de
todos estes recursos, precisamos de um bom programa de
autoria, dos mais baratos que estão em algumas centenas de
dólares, aos mais caros que se aproximam dos 5.000 dólares
(isto pensando em microinformática). Sem lembrar que grande
parte dos software's de autoria não são totalmente autônomos, o
que nos faz, muitas vezes, ter que recorrer à software's
aplicativos-acessórios para trabalharmos a imagem ou o som.
Portanto, em matéria de software não está mais tão difícil de
se produzir o próprio CD. Pensando em sua produção física, o
avanço das máquinas encontra-se assustadoramente "sem
modéstia". A produção de CD começa pela pré-masterização,
primeira fase de fabricação do CD-ROM; neste momento é
definida a posição física de cada arquivo no CD, daí obtemos o
CD-gravável, o CD-R; neste momento, podemos fazer os testes
com o programa. A segunda etapa é a geração da matriz de
vidro, a masterização; esta matriz é quimicamente tratada e
recebe cavidades mocroscópicas. A próxima etapa é a geração
de disco metálico em níquel, a galvanoplastia. Após, temos a
injeção, que resulta da colocação nas prensas de policarboneto
(matéria prima dos CD’s), onde uma fina película de alumínio
deverá cobrir o disco para que seja possível refletir os raios da
leitura à laser.
35
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

16- Drive de CD-ROM com velocidade quádrupla - NEC


Após, o CD-ROM está pronto e devemos partir para a
impressão das informações (nome do programa, logotipo da
produção etc.) institucionais no lado superior do CD. Este
processo varia um pouco dependendo da capacidade de CD que
almejamos. Quanto as unidades de CD-ROM, já podemos optar
por unidades de velocidade tripla (450 Kb/s) ou quádrupla
(600Kb/s) que, mesmo servindo somente para leitura de discos,
devem ser seguidos de uma controladora SCSI (Small Computer
System Interface). Esta unidade de CD-ROM pode estar no
interior de qualquer tipo de computador e fazer parte do seu
mundo hipermídia. Já existe um número grande de Notebooks
hipermídia que trabalham com todos os recursos de um
respeitável desktop.

36
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

No campo dos microcomputadores, o predomínio no


mercado, do PC e dos computadores da Apple, parece ser
inconstestável. No top de linha do mundo do PC, temos a Intel
com seu microprocessador Pentium (o famoso 586) que vinha
sendo anunciado desde 1992 e só sendo lançado em março de
93. Poderíamos ainda ficar descrevendo um número muito maior
de computadores hipermídia desta segunda metade da década de
90. Mas pretendemos ir mais longe. Imaginemos que os hoje
considerados supercomputadores, provavelmente em uma
década, ou menos, estarão à disposição na versão Notebook! E
aí? Para começar, o mundo dos supercomputadores trabalha com
os conceitos de MIPS, ou seja, Milhões de Informações Por
Segundo. Até 1986 existiam cerca de 100 supercomputadores
em todo o mundo, hoje já é difícil saber. No início dos anos 90,
a capacidade dos supercomputadores passou a ser lida em
gigaflops, o que significa bilhões de operações por segundo e

17- Fotografia de um Supercomputador

37
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

daí em diante, teraflops, trilhões por segundo. Os modelos


foram se desenvolvendo numa velocidade enorme, em se
tratando de tão complexa tecnologia: em 1976 tínhamos o Cray
1 da Cray com capacidade de 0,2 gigaflops e 80MIPS; 1985 foi
o ano de sua versão 2, agora com 1.8 gigaflops e 480MIPS;
em 1990 sai sua
versão 3, agora o pulo vai para 16 gigaflops e 8.000 MIPS;
este também foi o ano da IBM entrar nesta linha e fabricar o
3090-1200 com 1,6 gigaflops; neste ano a NEC também entra na
corrida, mas disputando a ponta e fabrica o SX-3 com 22
gigaflops; até chegarmos na ponta de linha desta década que é o
projeto mais arrojado da Cray, o Cray-4 de 160 gigaflops, o que
será equivalente a 80 teraflops. Com um poder de
processamento de informações deste tipo, fica difícil de
imaginarmos as possibilidades associativas que esta máquina
será capaz de fazer. Sabe-se, por exemplo, que o governo
japonês aplicou cerca de 500 milhões de dólares, desde o início
dos anos 80, afim de projetar computadores de "quinta geração",
agrupando um conjunto de empresas, Institutos de Pesquisas e o
MITI (Ministério Internacional do Comércio e da Indústria); o
governo americano não titubeou e juntou-se ao MITI para
projetar um computador que se denomina Non-Von, deverá
funcionar com um milhão de processadores em estrutura
paralela e terá processamentos acima de teraflops e gigas de
memória RAM. Estes entes serão capazes de associar, interferir,
tomar decisões e, quiçá, programar sensações, frente a uma
quantidade de informações semelhante, por exemplo, ao número
de volumes de uma grande biblioteca (com cerca de 1 milhão de
livros). Mas o que tudo isto tem a ver com a hipermídia? Tudo!
Imaginemos um instrumento tecnológico onde não só
tivéssemos os recursos hipermídia já apresentados, mas,
inclusive, interagisse conosco na forma de inteligente
interlocução. Ao falarmos (já que o reconhecimento de voz não
é mais ficção), por exemplo, sobre cultura, o computador
identificaria para nós a possível origem de nosso conceito de
cultura e, imediatamente, daria inúmeras outras opções. Tudo
38
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

isto recheado de filmes, vídeos, fotos e, quem sabe, ainda,


textos. Ou, num processo de criação poética, poderíamos ter um
interlocutor que nos situasse, criticamente, sob o ponto de vista
histórico ou estético; o mesmo com uma criação plástica ou
musical. No mundo dos negócios, o planejamento estratégico de
uma empresa, poderia ser relacionado com N exemplos similares
bem e mal sucedidos dos últimos anos. Na escola, numa visão
otimista, nossa tarefa estaria quase sempre em nível de análise,
pois a companhia de um meio tão poderoso de informação, nos
traria o fático já questionado. Uma simples consulta de história
do Egito Antigo, mesmo em nível de primeiro grau,
provavelmente, apresentaria através de animações, vídeos etc.,
numa linguagem apropriada, as mais variadas interpretações
sobre os motivos das construções das pirâmides. Neste contexto,
o conhecimento deixa de ser, definitivamente, óbvio e lógico-
cartesiano, passando sempre a um estar no mundo relativo.
Sempre quando se fala neste tipo de "ficção" vem a pergunta
clássica deste estilo no século XX: a máquina substituirá o
homem? A coisa, desde que o australopithecus de Stanley
Kubrick (primeiro filme depois livro), usou o osso para bater na
tribo inimiga, símbolo tão bem representado em 2001, vem
substituindo o homem em vários sentidos. O que nos parece
complicado é a origem desta pergunta. Seu caráter, sim, é que é
essencialmente instrumental, pois denota que qualquer
substituição do homem é maléfica. O ser humano sempre será o
dono da ação, mesmo se pensarmos na possibilidade da
existência de uma máquina com consciência. Neste aspecto, a
ficção geralmente é dramática e raramente cômica. Ao que tudo
indica, a tecnologia da hipermídia, não conseguirá mais se
desvincular dos fascínios infantis pelas cores, formas e sons
exóticos, curiosos e surpreendentes.
Mas é preciso salientar que tais avanços são eminentemente
técnicos, não são éticos, sociais ou teóricos, estas brigas
continuarão a nos atormentar, sabe lá até onde. A questão que
abordaremos melhor mais adiante, é que, talvez, com o avanço
das máquinas haja uma relativização muito maior das certezas
39
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

políticas e das regras de ação social, o que, conseqüentemente,


desde que se tenha acesso a tais informações, se democratize o
alcance ao conhecimento político-científico-social. E, quem
sabe daí, não se abra uma luz para os graves problemas sociais...
.

18- Ilustração - Filme 2001 Uma Odisséia no Espaço

1.5 - A Ficção Contemporânea

Bill Gates, talvez o homem símbolo desta era da informática,


previu no início dos anos 80 que, num futuro muito próximo,
haveria um computador pessoal (microcomputador) em cada
família e em cada empresa do mundo. Naquela época, um
microcomputador custava cerca de US$ 6.000 e sua previsão

40
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pareceia ser lunática. Dez anos depois, o chamado primeiro


mundo já vive esta realidade. Em entrevista à Informática
Exame de maio de 1994, Gates segue o caminho visionário e
afirma estar na hipermídia a síntese das ficções contemporâneas
mais “absurdas”. Seguindo os rumos apontados por Gates e por
mais um sem número de futuristas, podemos imaginar esta
síntese, por exemplo, na TV interativa. A TV dos dias de hoje é
uma “via de mão única”, a TV interativa hipermídia vai
possibilitar a participação do telespectador no conteúdo das
histórias, na programação de documentários, filmes etc.;
provavalmente será possível, após pagamento de pequena taxa,
o acesso aos bancos de dados de jornais e revistas, para
pesquisas ou leituras. O papel acabará! Se você quiser ler o
jornal do dia, deverá acessá-lo via linha telefônica e, ainda
poderá se dar ao luxo de escolher somente o caderno que
interessar: esportes, cultura ... . Desejando-o impresso, use sua
impressora para tanto.
Não podemos esquecer que superestradas digitais (Highway)
estão se desenvolvendo por todo mundo. A TV mulmídia
interativa deverá, ainda, quando ligada à estrutura de Highways,
possibilitar acesso às grandes livrarias, museus mais importantes
etc., isto tudo para não citarmos as interatividades no mundo
jornalístico. No início de 1995, começaram a se realizar nas
cidades de Seattle e Denver, experiências neste sentido através
de um acordo Microsoft / TCI (Tele-Communacations
Inc.). As primeiras experiências têm mostrado que tudo

41
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

leva a crer que a tensão criada entre PC e TV (“Ninguém quer


ver um filme no PC, nem fazer o cálculo de seu Imposto de
Renda pela televisão”) tende a desaperecer. No entanto, o
processo será bem mais lento do que a tecnologia permite.
Thomas Grieb, vice-presidente da GTE, empresa responsável
pelo mais longo experimento de TV Interativa (de 1989 a 1994
- Cerritos - Califórnia), previu que somente 25% dos assinantes
de TV a cabo (cerca de 15% dos lares americanos) assinarão a
TV Interativa; levando-se em conta que 35% dos lares
americanos têm computador pessoal em casa, era de se esperar
maior número de interessados. O que se conjecturou como causa
do baixo interesse foi a limitação das informações por parte do

19- Ilustração Infovias digitais


grande público sobre o assunto. A verdade é que num futuro
muito próximo, não sairemos mais de casa, se não quisermos,
para fazer aquelas compras em horário de filas enormes, pois
Shopings, Supermercados etc, estarão conectados nas televisões
a cabo e todas as compras serão feitas, provavelmente,
encostando o dedo (tela touchscreem) nas opções no tubo de
imagem. Na televisão interativa poderão aparecer os corredores
do supermercado selecionado e, olhando, como sempre, para os
produtos, você vai comprando e algum tempo depois é tudo
entregue em sua casa. E o supermercado? Que tamanho deverá
ser? Provavelmente bem menor do que os que conhecemos hoje
em dia, pois somente terão que armazenar. Não será muito

42
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

difícil adquirirmos tal TV num futuro próximo, pois a Microsoft


e a Intel (fabricante de chips) já anunciaram para os próximos
anos uma super TV-Computador (o set-top box) no valor de, no
máximo, US$ 400. O set-top-box ainda terá câmera de vídeo e,
provavelmente, um teclado e sairá com uma versão juntamente
ou não com televisão.
Outros exemplos são as experiências de Feiras de Informática
virtuais que já são feitas nos E.U.A. com sucesso de divulgação
e vendas. O segredo da Feira Virtual, geralmente está num
programa de computador que simula estandes onde há uma
exposição de produtos através de animações ou vídeos e, em
interessando, compra-se. O futuro próximo estará na
convergência do computador com a TV e o telefone. Infovias
(ou Infobahn) de fibras ópticas deverão espalhar informações
entre todas as partes do mundo. Poderemos ter acesso dentro de
nossa própria casa aos programas educativos, artísticos e
jornalísticos que quisermos, ou seja, programaremos cada canal
que temos assinatura. Em Atlanta, julho de 1994, os usuários da
Internet inscritos para uma Feira Virtual e representados na tela
de um computador por uma fotografia, podiam navegar pela
feira e participar de conferências ou conhecer, em detalhes, os
novos produtos que eram lançados. Nesta feira, com a ajuda de
um guia, viajando num tapete voador, os “visitantes” podiam
conversar com os vendedores, através de microfones ligados
aos computadortes e assistir demonstrações de produtos ou
serviços.
A tecnologia hipermídia também deverá entrar,
definitivamente, no processo democrático eleitoral. Cenas como
as ocorridas no Brasil, Peru e Bolívia, de várias regiões e
estados da Federação ficarem sem apuração de votos em função
de contínuas delações de fraudes eleitorais, deverão ficar cada
vez mais raras. A eleição do futuro também será hipermídia.

43
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

O voto multimidiático garantirá uma grande segurança à


opção do analfabeto e até impedirá que se adultere as cédulas
nulas ou em branco, como tem ocorrido com freqüência, sem
falar que o resultado sairá em pouquíssimo tempo.O totem
hipermídia foi apresentado pela Midialog Mídia Interativa e
pela Abril Hipermídia, durante a Fenasoft de 1994. O programa
simulava a eleição para a Presidência daquele ano e trazia a
fotografia de cada candidato, dados a respeito do partido, da
idade, coligações etc.. Logo após a opção dos candidatos, os
eleitores deveriam confirmar suas decisões. A cabine eleitoral
hipermídia provou, tecnologicamente, ser o recurso mais seguro
e, com certeza,
mais barato.
Abel Reis,
vice-

20- Eleição Hipermídia - Fenasoft 1994


presidente da Midialog, dizia na época que quanto maior o pleito
e o número de totens hipermídia utilizados, menor o custo por
totem, já que o investimento maior está no desenvolvimento do
software e da interface.
Quando em 1954 McLuahn propunha a concepção de aldeia
global, pouquíssimas pessoas entendiam do que ele estava
falando. Naquela época, McLuahn imaginava uma dimensão de
comunicação que transformasse o planeta inteiro numa pequena
aldeia. É neste caminho que identificamos hoje, a principal
transformação do mundo e, mundo, aqui, não é metáfora,
possibilitada pela informática: a Netrópolis, ou seja, a cidade
44
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

rede. A melhor

21- Ilustração / Aldeia Global - McLuahn


representação atualmente desta nova pólis, é a Internet que,
nesta segunda metade dos anos 90, já contém 20 mil redes em
140 países; daí a revista inglesa New Scientist, ter chamado de
Netrópolis, a nova comunidade global de comunicação. Muito
em breve, brinca a revista, o computador que não estiver
conectado nesta rede será como que uma televisão com
chuviscos.
Por enquanto, principalmente textos, mas em breve as redes
já estarão transportando, em forma de bits, imagens, vozes,
animações etc., o que só será possível graças à tecnologia
hipermídia. As superinfovias do futuro estarão calcadas, ou nos
cabos de fibra óptica ou vagando pelo espaço aberto, pois, por
enquanto, são três as empresas norte-americanas (Microsoft,
Motorola e McLaw Cellular), que vão colocar no espaço (até o
ano 2000) uma rede de mil satélites, que terão a mesma
capacidade de transmissão que a fibra óptica. Só para lembrar
que o poder de comunicação desta última é enorme, porque
transmitem raios laser, rebatendo a luz de sua estrutura interna,
usando a base de uma única fibra, sendo que é possível com a
fibra óptica alterar a freqüência dos raios laser e mandar mais
de um sinal por vez, enviando mais de um raio laser ao mesmo
tempo, pois um não interfere no outro. Isto significa dizer que,
mesmo os países que não tiverem a tecnologia dos cabos de
fibra, poderão contar com o acesso às redes. Cada satélite desses
45
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que, no máximo é do tamanho de uma mesa de bilhar, poderá


fazer mais de 100 mil transmissões simultâneas, o que
possibilitará um total de 100 milhões de transmissões
simultâneas circundando o planeta. Daí, não ficar muito difícil
para imaginarmos por que a nova onda tecnológica já está sendo
chamada de Renascença da TV.
Bruce Sterling que já escreveu Island in The Net, The
Diference Engine e Hacker Crackdown, vem sendo classificado
como o grande papa do Cyberpunk e um dos maiores escritores
de ficção científica da “nova era”. Para Sterling, a era da
comunidade virtual como chama Howard Rheingold, apesar dos
pesares, não deverá causar grandes conflitos de identidade, pois
não se trata de uma guerra entre realidade e fantasia, mas, sim,
entre desinformação e informação. Não em suas versões sígnicas
autoritárias, mas em suas versões democráticas e heterogêneas.
Por mais que o virtual evolua tecnologicamente, continuará
sendo virtualmente irreal. Como diz Baudillhard “A ficção como
realidade ainda é o campo do imaginário. A ficção como ficção
é simplesmente o virtual.”(O Caso Romênia) Para Sterling, o
chamado ciberespaço é uma linguagem que deverá privilegiar a
diversidade de sentido e, não, seu monopólio. Provavelmente
neste novo mundo sígnico do ciberespaço nossas línguas

22- Televisão - Filme sobre o Tema


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A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

sofrerão profundas transformações e, mesmo mantendo-se a


língua inglesa como a principal, esta terá radicais alterações,
quiçá, ao ponto de ser tragada por uma espécie de estrutura
lingüística de traços universais. Howard Rheingold, em The
Virtual Community, tem seu otimismo centrado na possibilidade,
quase totalmente garantida, de haver uma democratização cada
vez maior das informações. Para ele o isolamento dos indivíduos
causados pela falta total de interatividade da televisão até os
dias de hoje, está com seu tempo contado, pois o acesso a
milhares de informações de bibliotecas, jornais, museus,
universidades etc., deverá tirar, definitivamente, as pessoas do
isolamento televisivo contemporâneo. Ninguém será capaz de
ficar passivo frente a TV interativa, pois, nesta, o princípio
básico é interagir. A televisão que temos preponderante o
século XX, vai parecer um objeto tecnicamente pré-histórico
que, no máximo, enquanto precursora das redes interativas,
continha a possibilidade de mudança de canais através de
controle-remoto.
Mas nem tudo é otimismo no céu das infovias. Al Gore, vice-
presidente dos E.U.A., é um dos principais debatedores da
possibilidade de se “monopolizar” o acesso às superestradas
cibernéticas. Ele está acompanhando, desde o início de 1995,
pesquisas do FBI, no sentido de encontrar a possibildade de
construir clipper chip’s que criaram uma forma de acesso e,
até, controle de telefones e televisões interativas. A justificativa
básica é impedir que os famosos hackers ou cyberpunks
penetrem em sistemas alheios, inclusive, do governo e de
grandes

47
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

empresas e alterem ou, até, vendam aos inimigos (concorrentes


ou outros países) informações secretas. Os críticos mais
ferrenhos dizem que Orwel, ao escrever o Big Brother 1984
errou apenas em pouco mais de uma década, pois o governo
norte-americano o estaria materializando com tal atitude. Mas
esperemos que tal pessimismo não se confirme.
Apesar das ficções científicas desde Metrópolis de 1926 a
The day after de 1983, configurarem um futuro terrível ao ser
humano, preferimos ainda imaginar o dia em que
conseguiremos ver em ação, no máximo, aqueles arquitetos

23- Fotografia do Filme 1984


cognitivos, qual falava Pierre Lévy: “ Continuando a metáfora,
as futuras equipes de arquitetos cognitivos não irão construir
novas cidades em campos abertos para indivíduos maleáveis e
sem passado. Muito pelo contrário, deverão levar em conta
particularidades sensoriais e intelectuais da espécie humana,
hábitos adquiridos com as antigas tecnologias intelectuais, (...)
deverão partir dos modos de interação em vigor nas
organizações, os quais diferem de acordo com os locais e as
culturas. (Lévy, As Técnologias da ... p. 53). E, também,
preferimos acreditar que, sem grandes riscos de domínio alheio,
48
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

haveremos de alcançar a tecnologia que possibilitará colocar


memória nos prótons e neutrons (pesquisas neste sentido já estão
sendo feitas), fazendo com que pequeníssimos lugares e
materiais contenham um número de informação quase sem
medida. Neste dia, que a tecnologia talvez se encontre com os
tecidos cerebrais, quem sabe não conseguiremos garantia
tecnológica de uma grande liberdade de acesso às informações,
tanto qualitativamente quanto quantitativamente. Quem sabe não
teremos a resposta para a pergunta de Guattari: “O que irá
permitir que estas potencialidades desemboquem enfim numa
era pós-mídia, que as livre dos valores capitalísticos
segregativos e crie condições para o pleno dasabrochar dos
esboços atuais de revolução da inteligência, da sensibilidade e
da criação? “( A Produção de Subjetividade. in: Imagem
Máquina, p. 177)

49
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

2- A HIPERMÍDIA E AS TEO-
RIAS DA COMUNICAÇÃO .

2.1- A Linguagem do Cotidiano

O cotidiano vem se tornando uma marca em nível de tema


de pesquisa nas últimas décadas. As mais variadas filosofias e
ciências vêm notando que nas manifestações cotidianas se
escondem os mais profundos segredos do ato de conhecer algo.
O "saber" cozinhar ou mesmo o ir às compras na feira, como o
uso do esquadro pelo pedreiro ou a artimanha de preparação da
massa pelo padeiro, não devem ser encarados como simples
comportamentos técnicos. Na verdade, parece que toda forma de
expressão, a partir do momento em que se encontra com seu
mundo de representações, torna possível revelar uma verdade
própria. Vico, na tradição humanista, foi o grande pedagogo em
prol do sentido comunitário. A partir de Vico a educação e a
filosofia valorizaram mais a verossimilitude do que o
verdadeiro, sentido verdadeiramente fundador da comunidade.
A razão, em suas generalizações não pode e não orienta a
vontade humana, mas, sim, as generalidades concretas que são
manifestadas por tal comunidade. Toda vida humana, inclusive,
em sua expressão científica, não poderia fugir da influência da
formação do sentido comum. Devemos, a partir de Vico,
identificar o conhecimento do mundo enquanto resultante da
sobrevalorização dos sentidos do justo e bem comum, que
abundam em cada coletividade. Temos já em Vico uma
resistência, através da defesa da tradição humanista, frente à
moderna ciência do século XVIII. Para o pensador napolitano,
sua "Ciência Nova" deveria combater o excesso de objetividade
50
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que as ciências do espírito estavam perseguindo através do


moderno conceito de método. Neste sentido, todo método que
tentasse anular o estranhamento produzido pelo senso comum,
não poderia ser encarado como uma indicação confiável a
qualquer pensador. A própria metáfora, a fábula e as lendas
representariam formas de vida expecíficas e identificáveis,
histórica e culturalmente. Estas caracterizações marcaram um
afastamento de Vico da tradição racionalista, apelando,
inclusive, à comparação da ação da "Providência" com à ação do
senso comum da humanidade. Deus teria agido como um
barlavento, direcionando as concepções racionais e justas de
encontro àquelas baseadas na força e na imaginação ególatra. O
parágrafo 349 da Ciência Nova de Vico, esclarece muito bem
tais tópicos: " Portanto, esta ciência vem, ao mesmo tempo,
descrever uma história ideal percorrida, no tempo, pelas
histórias de todas as nações, com as suas origens, progressos,
equilíbrios, decadências e extinções. Vamos mesmo ao ponto de
afirmar que quem quer que medita esta Ciência só relata a si
mesmo esta história ideal eterna, na medida em que o faz por
aquela prova 'devia, deve'deverá' . Pois o primeiro e
indubitável princípio acima estabelecido é que este mundo das
nações foi certamente feito pelos homens, pelo que o seu motivo
deve encontrar-se dentro das modificações da nossa própria
mente humana. Assim, esta Ciência procede exatamente como a
geometria que, enquanto constrói com os seus elementos ou
comtempla o mundo da quantidade, ela própria os cria; mas
com uma realidade maior em relação à das ordens que têm que
ver com as ações humanas, nas quais não há nem pontos, nem
linhas, nem superfícies nem volumes. E isto mesmo é um
argumento de que tais provas são de espécie divina e que devem
dar-te, leitor, um prazer divino uma vez que, em Deus é a
mesma coisa conhecer e criar." (pp.128-9) Vico ainda não
havia chegado na geometria fractal, é claro, mas já via na
linguagem do dia a dia uma grande fonte de conhecimento.
A linguagem ordinária, ou a linguagem do homem comum
(sensus communis) dissimula a mais profunda das características
51
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

metodológico-filosóficas do nosso ser: a cotidianeidade. O


cotidiano é exatamente o resultado do ato de fazer algo sem se
ter consciência do saber deste fazer, pois o cotidiano é o
superlativo de uma freqüente descoberta cognitiva que explora
os limites da repetição. O cotidiano é o abandonar-se na
improvisação de si próprio. Não há linguagem que não queira se
apropriar de um sentido, mesmo que este seja a falta de
aproriação de sentido. Daí o fascínio que o cotidiano provoca
nas ciências: O Engenheiro vê na ponte em construção os
veículos transitando; o médico, muitas vezes, imagina o paciente
enfermo já são e feliz desenvolvendo atividades simples; o
advogado criminalista imagina-se arrassando num júri popular;
o historiador quer ver, ouvir e falar com personagens do
passado; o psicanalista quer associar representações
inconscientes de seu paciente na direção que o sintoma aponta; o
editor quer ver um livro ágil, colorido, analítico, descritivo
enfim, conseqüente; etc..
Portanto, por um lado, o cotidiano nos ensina, enquanto
filósofos, que sua linguagem está muito aquém da filosófica
porque ele não pretende dissecar o conceitual; mas por outro
lado, vai muito além daquela, porque expressa através de um
saber que não sabe a si mesmo, o que a narrativa filosófica
ôntica muitas vezes tenta exaustivamente descrever. O cotidiano
é esse fascínio da materialização da descrição. Somos nós
agindo no dia a dia e, só posteriormente, tomando consciência
destas ações.
Era uma vez um filósofo chamado Walter Benjamin, ele
descrevia cidades, avenidas, linguagens, gestos, brinquedos; era
uma vez um filósofo chamado Ludwig Wittgenstein, ele
descrevia casas, pessoas, ações, pensamentos, artes e políticas;
era uma vez um filósofo chamado Martin Heidegger, ele
descrevia o Ser. O que o cotidiano revela de mais
impressionante frente as linguagens filosófica e científica é algo
próximo do que Benjamin já chamava de jetzt (o agora), ou seja,
a revelação em seu tempo imediato, o que irrompe e revela o
Ser. Sabemos que nenhum dia é igual ao outro, por mais
52
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

"mecânica" que seja a ação do homem. Por isso que um operário


de uma grande montadora suporta o mesmo serviço anos a fio;
talvez seja exatamente a resistência do jetzt da produção em
massa que Marx não tenha percebido. O que os filósofos
descrobriram é que a consciência não é fruto, unicamente, de
um discurso, mas da ação de formas de vida que se manifestam
no cotidiano. As formas de vida não são concepções que se
apresentam, logicamente, imutáveis, mas estruturas das atitudes
cotidianas. Elas dependem em grande parte do mundo no qual
estão inseridas e, deste mundo, faz parte, cada vez com mais
intensidade nos dias de hoje, a tecnologia da comunicação.
Quando aparece a escrita na história da humanidade, é
quando aparece também a possibilidade da memória
significante do sentido da descrição. A escrita provocou o
aparecimento e a multiplicação da civilização. Sem escrita não
teríamos civilização? Sim, teríamos. Mas não teríamos a
civilização escrita! Grande colocação! Sem a fotografia, o
cinema ou a televisão não teríamos a massificação, sim,
teríamos, mas provavelmente não teríamos a cultura da
massificação da imagem. Logo a interferência das formas de
vida, está relacionada diretamente com suas condições
discursivo-tecnológicas.
A fotografia quando surgiu na primeira metade do século
passado, trouxe uma forma de vida "assustadora" de atuação
do mundo: uma imagem congelada, o momento, o instante,
quiçá, o jetzt(agora) ou o punctum de Barthes. O cinema não
foi diferente, a ação da seqüência de fotogramas "inventando" o
movimento. O rádio, ondas sonoras vagando pelo espaço,
rebatendo-se em corpos, em coisas e alcançando as antenas de
recepção. A televisão... !? Mas nesta virada de século surge um
meio tecnológico que possibilita a interação de todos os meios
anteriores e que até hoje vinham sustentando, tecnologicamente,
a cotidianeidade das ações no século XX.
Novamente alcançamos a hipermídia. Porque partimos do
princípio de seu enorme potencial sintético-comunicativo?
Exatamente porque em sendo uma tecnologia com um
53
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

manancial de informações calcado nas mais diversas


representações (sons, imagens, texturas, movimento etc.)
cotidianas, está muito mais apta para representar nosso estar no
mundo. Daí a necessidade, quase que involuntária, de ligar os
grandes filósofos da cotidianeidade com as manifestações da
tecnologia multimidiática.
Em agosto de 1994, a editora Vozes lançou o livro de Michel
de Certeau A Invenção do Cotidiano, que havia saído na
França, pela editora Gallimard, em 1990. O texto é um trabalho
primoroso, onde Certeau mesclando sua formação de historiador
e de psicanalista lacaniano, desvenda, para todos nós, os nós
significantes das relações cotidianas. O que deve interessar na
revelação do cotidiano, não é tanto a descrição dos produtos
culturais que são oferecidos no mercado de consumo
contemporâneo, mas, sim, as diversas maneiras que têm os
usuários de utilização desses produtos. O que deve interessar a
todo pesquisador das manifestações culturais, é a compreensão
da "proliferação disseminada" de sentidos e das criações
anônimas perecíveis que, geralmente, irrompem com vivacidade
e não se capitalizam. Para Certeau, a cultura comum (do homem
ordinário) é uma apropriação de sentido, movediço e
circunstancial; ele considera o consumo uma maneira de praticar
esta apropriação. Nestas características é que estariam
escondidas as "maneiras de se fazer algo", a essência teórica das
"práticas cotidianas". Para Certeau, o consumidor é, por
excelência, um indisciplinado no ato de consumir. Não é por
nada que este historiador-psicanalista tem por base teórica a
psicanálise topológica de Jacques Lacan, a filosofia da
linguagem de Wittgenstein e as peripécias ontológicas do
filósofo Martin Heidegger.

54
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

As conclusões a que chega são muito interessantes: o ser


(qualquer um de nós) não é doutrinável por qualquer discurso,
mesmo os do consumo de massa na modernidade, pois há uma
"liberdade gazeteira nas práticas cotidianas"; onde
aparentemente só há obediência e uniformização das massas, há,
na verdade, um enorme conjunto de micro-diferenças em
atitudes sutis e em táticas silenciosas. Nada melhor que o
próprio Certeau para indicar o caminho de nossa reflexão: "O
cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada."
Poderíamos, tranquilamente, substituirmos "cotidiano" por

24- Jacques Lacan em Télévision

hipermídia. A caça, a navegação não autorizada e, em grande


parte, não consciente que se dá no dia a dia, é a principal
característica da maneira de agir na hipermídia. Portanto se, para
Certeau, o consumidor de imagens não está passivo, pois
"fabrica" inúmeras interpretações durante as horas de
assistência, se o psicanalista historiador fala isto de um meio
tecnológico "de via única" como a Televisão dos dias de hoje, o
que não devemos pensar em se tratando de um meio com o qual
interagimos.

55
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Houve há alguns anos uma grande febre de brinquedos


chamados "pedagógicos" exatamente porque possibilitam à
criança interagir, ao contrário do mundo dos brinquedos
movidos a pilha. O que nos parece é que a hipermídia causará a
mesma transformação, não só com o mundo da brincadeira, mas
com todas as manifestações cotidianas educacionais,
profissionais, amorosas etc..

24a- Pirataria no Mundo Digital

Não podemos dizer se fruto de uma profunda reflexão teórica


interdisciplinar, ou, se, o que é mais provável, conseqüência da
"ditadura" do senso comum, a informática-hipermídia já
entendeu que seu grande desafio é a proximidade, cada vez
maior, da linguagem cotidiana. Isto está acontecendo tanto nos
níveis de software quanto de hardware. Neste último, as
iniciativas plug and play, nesta segunda metade da década de

56
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

90, propõem que o simples fato de acoplar peças dos mais


diversos tipos de interfaces, já acione automaticamente a
configuração almejada. O usuário praticamente não precisará
mais interferir na configuração do computador se não quiser.
Ironicamente, uma maior simplificação da tecnologia hipermídia
no caminho das manifestações cotidianas só será possível
através de um, cada vez maior, aprimoramento tecnológico dos
software's e hardware's. Os cursos para uso básico de
computador estão com seus dias contados. O caminho da
tecnologia hipermídia é, basicamente, a simplificação.
À medida em que aumenta a interatividade entre informática
e cotidiano, escolas e empresas estão desvendando maneiras
totalmente novas e mais rápidas de facilitar o aprendizado,
aumentando o acesso às informações. Com a valorização da
ação cotidiana, o que parece que se está descobrindo, são novas
formas de vida reveladas pela tecnologia hipermídia, Internet
etc., e, não, como se faz ainda na maioria das empresas e
escolas, do uso da informática para instrumentalizar antigas
maneiras de se aprender. Na escola, por exemplo, ao invés de
termos um fluxo de informações unidirecional (televisão ou
logorréia de professor), teremos técnicas e ações, pelo menos,
bidirecionais, interativas e interdisciplinares, tal como qualquer
ação cotidiana. Ao fazermos feira, usamos matemática
(calculando valores), lógica (associando conceitos), perspectiva
(atravessando as ruas), estética (examinando os produtos),
compreensão histórica (contrabalançando atitudes), biologia
(refletindo sobre nossa saúde) etc.; é claro que tais atitudes, na
maioria das vezes, não são conscientes, mas estão presentes
como formas de vida cotidianas. Neste prisma, não seria, sob
hipótese alguma, nenhuma ofensa falarmos que a educação,
contando com as manifestações tecnológicas multimidiáticas,
está se aproximando da ação do "ir à feira". Evidentemente que
na escola, haverá um profundo redimensionamento de uma série
de papéis. O professor, por exemplo, terá a ação de interlocutor
e, não, de principal ator no papel da educação. O melhor
professor será o melhor interlocutor. A questão é que a entrada
57
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

da informática pode transformar todo estilo de aprendizagem,


anterior a ela, em convencional: o estilo tradicional de
aprendizagem trabalha com palestras em sala de aula, já a
hipermídia pode possibilitar uma grande exploração individual,
desde que haja computadores ligados em rede com acesso às
informações necessárias; no convencional a atitude do aluno é,
geralmente, passiva, no multimidiático está calcado num
aprendizado que exige iniciativas e simulações; no
convencional, o trabalho individual ainda prepondera, no
multimidiático a equipe será privilegiada, pois poderemos usar
aplicativos colaborativos e correio eletrônico; neste último, o
professor além de passar a ser um guia, deverá orientar o acesso,
através da rede, a “especialistas” nos mais variados temas; no
tradicional, há uma grande preponderância da estabilidade dos
conteúdos, no multimidiático, o conteúdo estará sempre em
rápida mudança, desde que haja acesso a pesquisas diversas e
atualizadas. Nos Estados Unidos e na Europa já são incontáveis
as experiências deste tipo. Mais de 50% das escolas norte-
americanas estão equipadas hoje com, pelo menos, um drive
CD-ROM, segundo a Quality Education Association e metade
dos professores na América do Norte tem computadores nas
salas de aula. Escolas, Universidades e Centros de Pesquisa se
comunicam diariamente com o mundo todo, à busca dos mais
variados conteúdos. Lá, a informática não está só se
aproximando do cotidiano das pessoas, ela já é o cotidiano.
Portanto, frente ao cotidiano, o computador deverá, cada vez
mais, sentir-se em casa, e vice-versa. Walter Benjamin falava na
década de 20 que a história decorria como que um anjo
visualizando o futuro e deixando atrás de si somente ruínas. De
fato, a perspicácia de sua percepção da modernidade é precisa,
mas, ao que tudo indica, a modernidade talvez tenha uma
sublimação cultural nas manifestações multimidiáticas. Se na
modernidade tudo que é sólido desmancha no ar, o ar passará a
estar repleto de informações desmanchadas à busca de sua
interface. Ao que parece o cotidiano da modernidade, feito de
ruínas e desmanches, passará a ter um lugar seguro para habitar:
58
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

a memória digital. Perigoso? Alienante? Em relação a quê?


Quando a luz elétrica começou a surgir no final do século XIX
penetrando no cotidiano, aos poucos, de todos, as pessoas
achavam que dali emanava um conjunto de raios que poderia até
cegá-las. Após algum tempo se acostumavam e não podiam
mais viver sem luz elétrica. O cotidiano sempre foi ameaçado
por ditaduras ficcionais (1984, Fahrenheit etc., ) mas sempre
resistiu através de suas práticas invisíveis. Agora essas práticas
têm uma grande chance de se revelarem e sairem do anonimato
indicado por Certeau. A tecnologia da comunicação, finalmente,
parece ter se encontrado no senso comum. As formas de vida
cotidianas serão privilegiadas e, de fato, as fontes direcionadoras
da tecnologia. Provavelmente os hardware's, software's e títulos
em CD que maior conseqüência causarão, serão aqueles que
mais opções (em qualidade e quantidade) oferecem ao usuário.
O século XXI não será a continuidade do século do homem
espectador de tecnologia , mas o século do homem que interage
com ela .

59
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

2.2- A Fragmenteção da Massificação da Significação

Em grande parte tanto a análise das ditaduras quanto do


consumo desvairado na modernidade do século XX, partem do
pressuposto da possibilidade de doutrinação das massas, baseada
em discursos ideológicos conseqüentes em eficácia. No entanto,
desde há muito que tais concepções não levam em conta a
subjetividade da comunicação que foi deflagrada por este século
XX, fundamentalmente, através de pensadores como Charles S.
Peirce, Sigmund Freud, Ludwig Wittgenstein, Martin
Heidegger, Hans Georg Gadamer, Jacques Lacan e Michel
Foucault. Em todos estes importantes filósofos e pensadores do
século XX, apesar das mais variadas diferenças estre eles, nós
podemos encontrar um ponto em comum: o ser humano está
inserido num mundo de significações sígnicas inconscientes e
ontológicas, onde o poder da linguagem está disseminado, a tal
ponto, que a subjetividade da comunicação deve ser regra
fundamental, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Em
outras palavras, para estes pensadores aquela postura prepotente
do sujeito (um grande ditador ou o coordenador de uma
campanha de Marketing) metodológico-iluminista que tudo
pode tecnicamente, não tem sentido a não ser no interior de sua
própria semântica.
Durante todo o século XX um grande número de filósofos e
teóricos das ciências, ficaram gritando pelos cotovelos a
impossibilidade de continuarmos sustentando os caminhos
metodológicos de um sujeito que apreende um objeto e, daí,
retira objetividade, pois seu conhecimento revela a verdade que
está no objeto. Peirce tentou mostrar, já a partir do século
passado, que o ser humano está inserido num universo sígnico
que não lhe pertence e que não pode ser por ele congelado;
Freud revelou ao mundo a linguagem inconsciente que nos
domina e que é atemporal, ilógica e metafórica ao cubo;
Wittgenstein mostrou que as formas de vida que reconstruímos
através do uso dos jogos de linguagem definem nosso ser,
60
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

tendo nós ou não consciência disto; Heidegger dizia em Ser e


Tempo, talvez a obra filosófica mais importante do século, que o
Ser foi esquecido pela filosofia, preocupada, principalmente, em
descrever as ações do ente, identificando o ser em suas
apropriações ontológicas nos esquemas horizontais da
linguagem; Gadamer mostrou o quão somos limitados pelo
mundo da linguagem que nos cerca que, mesmo sem
conseguirmos nos desvincular de pré-juízos, define nosso ser
sem que tenhamos consciência e poder de manipulação; Lacan
com sua topologia do inconsciente, mostrou que o sujeito é
barrado em essência na direção de qualquer busca de identidade
social ou pessoal, o sujeito dividido lacaniano enterrou o Sujeito
iluminista do predomínio da técnica; Foucault e sua arquelogia
do saber, salientou também os domínios do discurso e da
linguagem que são as maiores fontes de identidade do sujeito,
identidade esta, que nunca se alcança em função das alteridades
epistemológicas. Poderíamos ainda nos remeter a Nietzsche,
Benjamin, Marcuse, Bakhtine, Sartre, Habermas, dentre tantos
outros, que buscaram e buscam salientar o mundo em suas
representações mais “óbvias”: a heterogeneidade, a
multiplicidade, a não-linearidade, o pluralismo superlativo, a
metáfora na metáfora etc.. Portanto, o mundo que, já faz
algumas centenas de anos, vem sendo revelado como diverso,
contraditório, dialético e palinódico (que se desdiz), não pode
sustentar significações monolíticas por muito tempo. A
mutabilidade e a instabilidade do que pensamos, sentimos e
queremos só estão em nós, porque estão no mundo. Daí a
necessidade de relativizarmos toda compreensão científica que
pretende homogeneizar as significações culturais. Hitler sabia
que seu regime nazista manipulava as massas, mas,
provavelmente, sua loucura de expansão do III Reich se deveu a
uma extrema auto-confiança por achar ter o conhecimento sobre
o domínio do controle das massas. A manipulação se deu, sem
dúvida, mas por motivos tão diversos e múltiplos quanto o
número da população alemã da época.

61
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Portanto, hoje já sabemos que a massificação da informação


fragmentou-se em inúmeras interpretações, coerente com o
número das condições de possibilidade das justificativas que
estão por trás de cada ação cotidiana. A idéia que estamos
tentando passar é que a formação de redes de conexões diversas
entre os fatos, entre as pessoas e entre as coisas do mundo,
como diz Ítalo Calvino em “Seis Propostas Para o Novo
Milênio, vêm ratificar a possibildade de comunicação através da
heterogeneidade que está no mundo, e, não, apesar dela. Mais
uma vez a tecnologia da linguagem hipermídia vem ao encontro
de tal fragmentação. Definitivamente, partimos do pressuposto,
porque insistimos no otimismo, de que a compreensão da
massificação da significação está com seus dias contados. O
“simples” agrupamento de dados no multidirecionamento da
leitura, visualização, sensação, audição e, também do tato
causa no leitor, auditor a impressão longânime de quem está a
flutuar, utilizando todos seus sentidos no interior da magnitude
do mundo que se lhe apresenta.
O texto é colorido e as letras, eterna surpresa; a imagem pode
ser surpreendente e a surpresa, opcional; o som aparece ou não
e, ao cansarmos de escutar, olhamos, cansando de olhar, lemos;
cansando de ler dialogamos com indus ou chineses e, no velho
estilo, cansando de tudo, desligamos. Aliás não se trata tanto de
“democratização”da informação, mas sim, prioritariamente, de
socialização da informação potencializada pela tecnologia. As
possibilidades de leitura e de criação deverão converter textos,
como o que ora se apresenta, em martírios significantes.
Acredita-se que até o ano 2000 duzentos milhões de unidades
hipermídias (ou mais, bem mais) estarão em funcionamento no
mundo, aumentando a tendência de produção dos programas de
authoring tools, aqueles onde qualquer um que domine a
tecnologia (e os programas estão, cada vez mais, sendo feitos
para qualquer um dominar) poderá produzir seus próprios
programas em CD-Hipermídia.
Que o horizonte tecnológico da hipermídia não nega o fato de
que a informática só realiza o que seus programadores
62
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

estipulam; que o computador não interpreta (por enquanto)


semanticamente a si próprio e que sua memória não passa de
uma conjugação matemática de bits, tudo isso estamos cansados
de escutar, mas é inegável que os caminhos apontados pela
“simples”conjugação do vídeo, do livro, do cinema, da
fotografia, da música, do jogo, das artes plásticas e de mais uma
centena de conjugações e variantes resultantes das mais variadas
conjugações entre tais linguagens tecnológicas, no mínimo,
deixaria filósofos como Wittgenstein, Heidegger ou Benjamin
totalmente entusiasmados.
As noções clássicas da comunicação baseadas na exitência de
esquemas como emissor-mensagem-receptor, objetividade das
informações, precisão lexical na construção dos parágrafos,
composição semântica estruturada com começo (introdução),
meio (desenvolvimento) e fim (conclusão), etc. deverão entrar
em profunda revisão através da ruptura da linearidade para a
qual nos encaminhamos com as novas tecnologias. A leitura
linear deve muito à tradição escrita que abunda no ocidente,
principalmente após a propagação da Imprensa de Gutemberg.
As Teorias da Comunicação terão, desde suas futuras bases
filosóficas, muitos desafios pela frente. Com a hipermídia deve
ocorrer, comparando com o texto somente escrito, maior
autonomia de interpretação, resguardada pela própria forma de
ser da linguagem. O movimento circular ilógico da compreensão
poderá acontecer de maneira muito mais desconexa e subjetiva,
podendo se aproximar muito mais da verdade do caos que é o
ser. Deverão aumentar as possibildiades de diversificar nossas
próprias interpretações, pois as seqüências das informações não
estarão em puro significante, mas, quiçá na imbricação inversa
da última inversão da semântica original. O tema da subversão
de qualquer sentido em sentido qualquer, provavelmente, será o
grande desafio das teorias da comunicação no século XXI.
Haverá, portanto, com incentivo de uma linguagem
inaugurada pela hipermídia, uma total fragmentação da
massificação das informações nos meios de comunicação, pois
estes próprios meios, em nível tecnológico, estarão indefinidos
63
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

em ramificações diversas. Daí ficar difícil sabermos, no interior


de um processo de comunicação multimidíatico-interativo, quem
é o emissor, qual é a mensagem e quem é o receptor. A
temporalidade implícita em tal esquema, de cunho aristotélico
(quem conhece, o que conhece, pra quem conhece), fica
totalmente comprometida, pois não teremos mais a
preponderância de meios unidirecionais.
A hipermídia não vem tornar o mundo mais ou menos belo,
mas

25- Representação do Mundo criada em Hipermídia


reforçar a concepção de que a idéia de belo tem passado, desde
sempre, pelo diverso e pelo heterogêneo. A fragmentação da
significação nas massas, deverá ocorrer também em função da
garantia tecnológica do material ( "cóisico" é o termo que
Heidegger arquitetou para falar da coisa que contém a coisa -
veremos mais adiante no ítem 5.4) de que é feita a hipermídia.
Vídeo e computação gráfica, por exemplo, são estéticas, por
excelência, da metamorfose, como já indicou Arlindo Machado
64
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

em suas obras. Tais materiais possibilitam ao usuário as


utilizações mais transformadoras e transgressoras sobre os mais
diversos registros. A capacidade de alterar imagens, vídeos,
palavras etc., para muitos já é, não só cotidiana, como
extremamente fácil.
O filósofo Walter Benjamin faz uma leitura interessantíssima
do Gênese. Para ele o grande pecado origninal foi quando os
homens desafiaram Deus e começaram a nomear as coisas por
conta própria. Babel seria uma resposta divina a tal atrevimento,
pois, se cada um falasse uma língua própria não haveria mais
possibilidade de comunicação. O que estamos apostando é na
possibilidade de que com a enorme e inevitável fragmentação
das significações, não haverá mais possibildade de dominação,
por quem quer que seja, no ato de nomear as coisas do mundo.
O homo informatas tem mais condições de se atualizar nos mais
diversos assuntos, combatendo a própria ignorância.
A fragmentação da massificação das significações
possibilitada pela linguagem multimidiática, não significa,
necessariamente, como lembrava Pierre Lévy já em 1990, que
"a descontinuidade e a ausência de fronteiras nítidas dos
coletivos humanos não podem servir como argumentos para
recusar ao social a possibilidade de cognição". Ou seja, a
verdadeira mudança radical que estamos assistindo, não está na
revelação de um novo mundo possibilitado pela hipermídia,
hipermídia, hipertexto etc., mas, sim, na revelação de um
mundo diverso que sempre esteve-aí, seja em jogos de
linguagem, seja em redes significantes, seja em relações
icônicas, seja na erosão do oficial pelo ordinário, seja em
linguagem inconsciente etc., mas que sempre encontrou-se
delegado a planos invisíveis de comunicação e, portanto, não
importantes. Mais do que nunca estará claro, ainda lembrando
Lévy, que a consciência é individual, mas o penamento é sempre
coletivo.
A erosão que a massa provoca em toda comunicação
institucional é já conhecida em inúmeros momentos históricos.
Muitos alemães apoiaram Hitler, mas a maioria reconheceu
65
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

logo, logo, o mau gosto do líder. A maioria apoiou Collor, mas


também reconheceu o erro imediatamente. A plebe apoiou a
burguesia durante a Revolução Francesa, mas não demorou nada
para se organizar contra esta última. Michel de Certeau diz que a
massa trabalha em silêncio, tal como um formigueiro, erodindo
o poder institucional e obrigando as organizações a se
readaptarem. Este trabalho erosivo das massas não é, no todo,
lógico, articulado, consciente e partidário, mas simulado. Não é
escrito, documentado, registrado e memorizado, mas,
prioritariamente, oral e imagético. Se mesmo em meio a toda
tradição histórica escrita dos últimos dois milênios, a massa
sobreviveu em suas representações subversivas, justamente
porque erosivas e multidirecionais, agora chegou a vez do
homem comum agir no processo de comunicação, agora chegou
a vez da linguagem ordinária. Ironicamente parece que será
justamente o processo de socialização do auge tecnológico da
informática (hipermídia) que poderá possibilitar autonomia às
massas. O grande e acelerado barateamento desta tecnologia
facilitará sua aquisição, assim como a TV, de artigo de luxo na
década de 60, pode, hoje, ser encontrada, inclusive, nas favelas.
A linguagem em seu uso ordinário, everyday use, tal como
apresentada por Wittgenstein em Investigações Filosóficas,
poderá alcançar nesta nova tecnologia, a grande possibilidade de
atuação. Portanto, o mundo fragmentado realçado por McLuhan,
em Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem, que
só seviria para facilitar o domínio sobre as massas, parece não
ter mais sentido em puro pessimismo. Daí preferirmos encerrar
este ítem com o questionamento do Prof. Dr. Antonio Negri, da
Universidade de Padova: “O Catastrofismo e as inovações
líricas para se libertar da dominação das mídias fazedoras de
mercadorias, dos últimos críticos da escola de Frankfurt,
permanecem atuais? Não, o ser humano não é unidimensional, e
temos que recusar resolutamente essas concepções (...). Se é
possível falar hoje novamente de ciências da comunicação, é na
base de ma teoria que reintroduz domensões ontológicas e
subjetivistas, elementos autopoiéticos e criativos na descrição
66
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

das distribuições coletivas que se constituem no tecido da mídia


e da comunicação.” (p.174).

2.3 - A Interação dos Meios de Comunicação

Há muito tempo atrás existiram meios de comunicação que


as pessoas chamavam de imprensa escrita, livro, fotografia,
cinema, telefone, rádio e televisão. Funcionavam como se
fossem pequenas partes de nossos instrumentos multimidiáticos;

67
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

ou só transmitiam imagens congeladas, ou só vídeos sem


interferência do usuário que, por isso mesmo, era chamado de
telespectador, ou só roteiros exibidos em grandes salas de
transmissão etc.. Esta época chegou ao seu auge durante a
segunda metade do século XX. Naquele tempo o ser humano era
um mero espectador das tecnologias da comunicação. Esta
poderia ser muito bem a introdução de uma aula no ano 2100,
numa disciplina que levasse o nome de Condições Ético-
Tecnológicas das Manifestações Inconscientes. Porém, não
precisamos buscar os próximos 100 anos para prevermos o que
já está acontecendo e se apresenta como irreversível.
A TV interativa, as netrópolis, os computadores que
trabalham na margem de teraflops de memória, os computadores
de mão, a realidade virtual etc. que ainda no final da década de
70 poderiam muito bem fazer parte de um filme da série
StarTreck, provavelmente ainda a contragosto dos céticos da
tecnologia, hoje, nesta segunda metade da década de 90, já são a
mais pura realidade. Com certeza ainda nas mãos de uma
minoria.
A trilogia tecnológica que está sendo formada tem em sua
base o computador, o monitor (ou televisão adaptada) e o
telefone (atavés de um aparelho que se chama modem). A
linguagem de bits podendo ser transmitida via linha telefônica,
tem possibilitado o surgimento de instrumentos “mutantes” em
nível de tecnologia de comunicação. A tecnologia da
informática apareceu para reforçar a metáfora do hibridismo
digital. Arlindo Machado, comparando as linguagens da imagem
fotográfica com a digital, salienta que a “codificação de imagens
via computador nos mostra com tal clareza que o que vemos
realmente ao contemplar imagens produzidas por aparelhos não
é o “mundo” pura e simplesmente, mas determinados conceitos
que forjamos a respeito do mundo” ( A Arte do Vídeo, p. 139).
É verdade que a linguagem matemática na informática nos
traduz imagens, sons, cores e animações, mas temos que cuidar
para não partimos do pressuposto do cânone renascentista-
iluminista, como lembra o próprio Arlindo em Ensaios sobre a
68
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Contemporaneidade, de almejar o contato com a realidade tal


qual ela é. Como falamos noutro contexto, a realidade não é tal
qual nada, a não ser com o discurso que a vê assim. A ontologia
de um processo de comunicação está tanto na criação quanto na
coisa através da qual ela se revela. É a tinta, o mármore, o tubo
de imagem, o fone, o lápis etc. que possibilitam a expressão de
toda comunicação. Portanto, seria um grande engodo, “cóisico”
diria Heidegger, partirmos do princípio de que pelo fato da
matemática (a combinação de bits/bytes) ser a grande tradutora
do mundo na contemporaneidade digital, estarmos frente a uma
linguagem mais “fictícia” que a expressão do tubo de imagem,
da tinta, do mármore ou da argila. Como diz nossa peirceana
Santaella “o real é apenas uma das atualizações do possível”.
O mais interessante de realçarmos neste ítem é que a
hipermídia, inclusive, em função de seu fundamento digital, já
nasce, ao contrário dos mecanismos analógicos (fotografia,
cinema, TV), híbrida em linguagens tecnológicas. Tudo pode ser
transformado ou mesclado em tudo. Daí justamente seu
potencial multimidiático em comunicação. McLuham apontava
ser a hibridação dos agentes de comunicação uma oportunidade
favorável à observação das propriedades estruturais de cada
agente. Nunca a interação dos meios de comunicação deveu
tanto à tecnologia quanto neste final de século, assim como
nunca as novas tecnologias da comunicação, provocaram tantos
novos caminhos teóricos da comunicação. Ora, e é justamente a
interação dos meios, somada ao mesmo fenômeno no sentido
inter-humano, que irá romper com a estrutura unidirecional de
interpretação dos meios como potencialidades de dominação e
utilitarismo da linguagem. Portanto, este processo
aceleradíssimo de interação entre os meios de comunicação está
evidenciando, fundamentalmente, o caráter não instrumental da
linguagem, que, há muito, filósofos já vêm revelando.
A noção de equilíbrio, delegada pelas teorias clássicas da
comunicação, como função primordial dos meios institucionais,
não terá mais sentido, pois qualquer modelo de identidade será,
como tem sido demasiadamente evidenciado ao longo do século
69
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

XX, cada vez mais difícil. Com a maior diversidade dos meios,
das línguas, das imagens, dos sons etc., possibilitada pela maior
interação da qual estamos falando, está cada vez mais
complicado para as teorias clássicas da comunicação
sustentarem uma unidade de interpretação. Ao contrário, as
novas teorias da comunicação terão que privilegiar, aquelas
bases científico-filosóficas de que falávamos, que buscam
evidenciar a alteridade do ser e da comunicação. Como, por
exemplo, as propostas teóricas da psicanálise lacaniana.
Na psicanálise lacaniana (de fundo fenomenológico
heideggeriano, mas provavelmente não tão interessante quanto

26- Fotografia de um homem assistindo televisão


Princípio Unidirecional
este) a formação do eu se dá através da relação imaginária com
o Outro (universo simbólico). Em sua própria teoria, Lacan diz
que o Real (a realidade) é o inalcançável, o inconsciente. O
sujeito, enquanto “receptor” ou “emissor” no modelo clássico, é
impotente em autonomia de representação quando está à busca
da compreensão da (sua própria) realidade. Os próprios
conceitos de “emissor”e “receptor” não têm mais sustentação
nas teorias da comunicação, como muito bem lembra
Gianfranco Bettini em La simulazione visiva (Milão, Bompioni,
1991), ou Pierre Lévy em As Tecnologias da Inteligência,
intuindo já o caminho hermenêutico: “O objeto principal de uma
70
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

teoria hermenêutica da comunicação não será, portanto, nem a


mensagem, nem o emissor, nem o receptor, mas sim o hipertexto
que é como a reserva ecológica, o sistema sempre móvel das
relações de sentidos que os precedentes mantem.”(p.73)
Portanto, no interior de um processo de comunicação que se
baseasse nos princípios da psicanálise freudo-lacaniana, o que
por sinal nem insinua Lévy, a dispersão, o ruído, a alteridade e a
frustração seriam inevitáveis, pois o mais comum é que não
consigamos nos comunicar objetivamente. Isto porque o
inconsciente revela-se justamente através da “lógica” da
instauração do caos na racionalidade, garantindo que qualquer
relação mais conseqüente com o mundo só pode ocorrer
fantasmagoricamente ou metaforicamente. O paradigma
inaugurado por Freud não está no fato de revelar um ser
contraditório, mas de velar toda possibildade de conhecimento
que não passe pelo contraditório. A interatividade dos meios de
comunicação, possibilitada pela hipermídia, evidencia, de uma
só vez, que a linguagem não é, e nem pode ser, um instrumento
do ser. Finalmente as teorias da comunicação poderão
compreender que ser e linguagem confundem-se numa só
semântica e que as compreensões de mundo não podem ser
instrumentalizadas e, muito menos, dominadas. Neste momento,
devemos buscar um afastamento das discussões de cunho
renascentista-iluminista sobre quais representações seriam mais
próximas ou mais distantes da realidade.
Quando procuramos nos aprofundar em textos de teóricos da
nova era tecnológica, no interior do paradigma comucacional,
ainda notamos uma certa preocupação com a busca da realidade
que parece confundir questões éticas com metodológicas. Se
uma imagem de síntese altera uma fotografia original, tal como
no caso Reagan na capa da revista Times, onde foram
acrescentadas manchas como se o expresidente estivesse com
Aids, isto deve ser discutido no campo da ética profissional e,
não numa suposta condenação da linguagem numérica da
imagem digital. A alteração da fotografia pode ser condenada,
agora se ela foi fruto de retoques feitos a mão ou de
71
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

interferências digitais, pouco importa. Outra questão é a


possibildade, ou não, do mundo virtual substituir o mundo real.
Philippe Quéau diz que “as realidades virtuais nos obrigam a
interrogar-nos novamente, de modo urgente e agudo, sobre a
natureza da realidade real. O virtual nos estimula a colocar de
forma novqa a questão do real.” Novamente, a pergunta chave:
de que mundo real estamos falando? Ao que tudo indica este
“purismo” epistemológico não terá mais condições de se
sustentar, a não ser através de um saudosismo ingênuo dos
referenciais iluministas de verdade, método e de sujeito.
Nicholas Neroponte diz que “a realidade virtual vai permitir
que você coloque os braços em torno da Via Láctea, nade pela
corrente sangüínea ou visite Alice no País das Maravilhas”. As
escalas e proporções filosóficas de real ou realidade já caíram.
As novas compreensões comunicacionais acontecerão, em
grande parte, como conseqüência de que com a interação dos
meios de comunicação, a linguagem escrita deverá ceder muito
mais espaço às imagens: vídeos, realidades virtuais e animações
estão abundando nos produtos multimidiáticos, o que abala a
ditadura do significante escrito na tradição ocidental. Haja vista
que as próprias campanhas publicitárias estão apelando, cada
vez mais numa espécie de caminho afásico, para um mosaico
imagético, em grande parte possibilitado pela computação
gráfica em detrimento da palavra.
Neste contexto, se não há mais condições de falarmos em
“emissor” e “receptor” em meio a tal interação, também não
deve mais haver condições de falarmos em meio (ou
mensagem),

72
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pois o

27- Capa da Revista Time - Reagan com AIDS


meio não é mais a mensagem. Veremos no cap. 04 que a própria
divisão kantiana entre sujeito e objeto, ou entre subjetividade e
objetividade, precisa ser revisada, talvez no caminho apontado
por Heidegger do “fim da metafísica”. Em seu lugar temos um
gigantesco fluxo de informações e significações entre diversas
interfaces decodificadoras de matrizes numéricas. As
intermídias e hipermídias detonam o modelo linear de
informação (emissor-receptor), atacando neste as características
que procuram satisfazer os objetivos do “receptor”, como nas
posturas conotativas frutos de um sistema estático de
comunicação. As transformações são radicais: não há mais como
compreender a mensagem somente no interior dela mesma; a
verdade não está mais no objeto, mas em metáforas de
metáforas, no máximo, em “meras” similitudes; a linguagem
não pode ser usada para compreender o mundo, pois o mundo se
apresenta a nós de forma desconexa, ilógica e atemporal; e
nenhuma consciência poderá ser dominada, pois do insensato,
insólito e mutante não pode preponderar a linearidade de
comunicação. Neste caminho, Pierre Lévy lembra que foi
exatamente quando a Inteligência Artificial abandonou a
homologia entre homem-máquina e passou a valorizar a
“lógica” do caos, é que ela se encontrou e conseguiu progredir

73
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

(segundo entrevista concedida a “La machine Univers” 22 de


jan. de 1990).
Obra aberta, signos em rotação, o mundo como labirinto,
invenção do cotidiano, numeralização das formas e conteúdos,
galáxia da interatividade, poética do espaço, cronotopos do
movimento, o obtuso do óbvio, simulacros da simulação,
propostas de um novo milênio, encruzilhadas do labirinto,
estrutura ausente, indústria do imaginário, a máquina universo,
a cultura como espetáculo, a ilusão especular etc., enfim,
chamemos como quisermos, a questão é que, como diria ainda
P. Lévy, estamos diante de uma mudança tão radical quanto a do
aparecimento da escrita.
Todos estes princípios que se nos apresentam estão gritando
por uma profunda renovação das Teorias da Comunicação. Esta
renovação tem um grande desafio pela frente, talvez o maior
dentre todos: a ruptura definitiva com a linearidade, seja de
palavras ou de fotogramas, seja na expressão física ou na
temporal.

74
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

2.4 - O Fim da Linearidade e os Jogos de Linguagem

Neste momento só será possível falarmos do fim da


linearidade, linearmente, pois estamos usando a tecnologia de
impressão, fruto do que P.Lévy chamaria de “pólo da escrita”.
Desde que Theodore Nelson durante os anos sessenta, no
caminho inaugurado por Vannevar Bush em 1945, talhou o
conceito de hipertexto para se referir a possibildiade de ler ou
escrever de forma não-linear, a informática começou a trilhar
um caminho que, com a hipermídia, parece ter encontrado suas
maiores potencialidades.
Devemos lembrar que a concepção que classicamente separa
o emissor do receptor é uma das tradições que advém do texto
impresso de tecnologia escrita, sendo que algumas
características desta tecnologia são: o saber está estocado, a
memória é impessoal, a verdade está dissociada de seus
“sujeitos” criadores e, o mais importante, a única forma de
compreensão é a linear, exatamente porque o autor na hora de
criar também parte deste princípio. No entanto, apesar da
tecnologia da escrita enfatizar tais caminhos semânticos,
sabemos que a compreensão nunca manifestou-se desta forma.
Ao lermos um texto impresso, apesar de sua linearidade,
produzimos uma rede de imagens, nos dispersamos,
interrompemos, voltamos, dizemos: voltei para “pegar o fio da
meada”, mas este “fio” é, em grande parte, criação nossa, não do
autor. Enfim, a não-linearidade está no mundo e não pode ser
definida unicamente pela tecnologia a qual estamos presos,
porém, esta última, pode delegar uma ontologia linear àquela.
Como lembra Lévy devemos evitar o mal-entendido de um
determinismo que procure ver nas mais variadas técnicas de
comunicação a essência de nosso ser.
Por outro lado, pensemos num espetáculo circense onde há
texto, imagens, sons, desafios, bricolagens etc.; com certeza o
caminho da hipermídia estará muito mais próximo destas
75
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

manifestações do que propriamente da seriedade da redação


clássica, onde a grande preocupação está calcada na coerência
sintaxiológica. Ou seja, se propõe unidade entre as disposições
das palavras nas orações, das orações nas frases, bem como
relação lógica das frases entre si e a correta construção
gramatical.
Ora, até aqui já foi dito o suficiente para entendermos que o
modelo digital multimidiático não pode ser lido ou
compreendido como o fazemos frente a um texto escrito, pois
parte da possibilidade de se navegar de forma interativa. Ao
contrário do material escrito ou analógico, o hipertexto, por seu
elemento “cóisico” (sua estrutura digital), obriga-nos a vivenciar
o caminho da concomitância entre ação e reação. A coerência, a

28-Tela de Material produzido em Multinídia: Múltiplas Opções

razão e a lógica nunca dependeram somente de expressões


“lógicas”, “coerentes” e “racionais”. Podemos tirar
compreensão de uma obra nas artes plásticas e não
conseguirmos descrevê-la logicamente. É desta espécie de
bricolagem do mundo das artes plásticas, que imagens, sons e
textos passarão a se impor no mundo hipermidiático.
76
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Provavelmente não inspirado em Jacques Lacan e seus nós


borromeanos, Pierre Lévy afirma “que o hipertexto é um
conjunto de nós ligados por conexões”(TI p.33), onde palavras,
páginas, imagens, gráficos, vídeos, filmes, músicas, sons, ruídos,
ou conjunções mutantes destes, agem sem começo e sem fim e,
com ceteza, sem meio. Cada palavra, cada página etc., deverá
remeter a umacadeia de outras tantas associações (quanto maior
o número mais interatividade). Estas manifestações reticulares,
permitem, por isso mesmo, uma navegação “sem rumo”, mas, é
evidente, ainda limitada pelas condições que o software e o
hardware em questão oferecem.
A velocidade de intercalação das redes é muito grande,
qualquer clique ou toque com o mouse ou com o dedo, pode
acionar, em um décimo de segundo uma outra rede. Pierre Lévy
diz analogamente com o tempo circular do que chama
“oralidade primária” e o “tempo linear das sociedades
históricas”, pode-se falar de explosão cronológica, um tempo
pontual instalado pelas redes. É justamente este jetzt, este agora,
diria Benjamin, que permite usar em toda sua potencialidade o
princípio da não-linearidade. Na hipermídia, navegar é preciso.

29- Tela Principal da Enciclopédia Encarta - Multidireções

77
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Na versão Encarta 95 seja lá onde estivermos, o software está


sempre indicando o lugar e, a qualquer momento, podemos
voltar, mas, isto, somente se for preciso! É o lúdico adquirindo
radicalmente condições tecnológicas. Atrás de uma palavra,
podemos ter três outras, vários parágrafos, capítulos inteiros, um
universo de imagens e, atrás de cada imagem, vídeos, filmes e,
novamente, uma palavra. Por onde devo começar? Por onde
devo terminar? Por onde você quiser! Esta é a ordem do caos
que expressa nosso ser e de que tanto Freud como Wittgenstein,
por exemplo, já falavam. E se aqui seguíssemos os caminhos
apontados por McLuhan de ter cada mídia uma relação com os
sentidos, ou seja, a audição foi privilegiada pelo rádio, a
impressão pela visão, a televisão os dois, e a hipermídia ...?
Na hipermídia todos os momentos são gênese e apocalipse,
começo e fim. No hipertexto o que temos é o predomínio de um
paradigma contido como proposta. Esta, no entanto, é, em
essência, tecnológica e multidirecional. Talvez pudéssemos falar
até de sintagmas como definira Ferdinand Saussure, de sentido
como descrevera Jacques Lacan, de escrita tridimensional como
chamou Randall Trigg, de formas de vida como chamava
Wittgenstein, de polifonia como chamava Eisenstein ou
expressões superlativas como também chamava Bakthine, mas,
com certeza, não de idéia central, de significado ou de verdade e
coerência lexical-semânticas. Em termos de sentido, como
previu o modernista Oswald de Andrade, é a materialização da
antropofagia, único caminho de identidade em eterna
metamorfose.
Mas como entendermos filosoficamente esta nova estrutura
de linguagem não-linear. Podemos partir, por exemplo, de uma
dica dada pela própria avalanche de jogos que a hipermídia tem
oferecido aos, não necessariamente, jovens, até nos
encontrarmos com os filósofos Ludwig Wittgenstein (em sua
Filosofia da Linguagem), Johan Huizinga ( em seu Homo
Ludens) , Martin Heidegger (em sua fenomenologia) e Hans
Georg Gadamer (em sua Hermenêutica), e o talhamento que é
por eles feito à definição de jogo (de linguagem). Ao nosso ver a
78
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

concepção de que a maneira de ser da linguagem é um jogo,


presente nestas tradições filosóficas vem ao encontro do modo
de ser da hipermídia. Os jogos de linguagem apresentam a idéia
de que todo encontro com ela é sempre movediço e de que faz
parte do seu próprio acontecer a busca da verdade. No alemão,
por exemplo, o termo Spiel (jogo, interpretação, risco,
brincadeira) pretende acolher grande parte deste acontecer.
Como técnica, a hipermídia radicaliza e ratifica o princípio de
que a linguagem tem seu verdadeiro sentido em toda ação que se
converte numa modificação daquele que a experimenta. A
linguagem multimidiática se apresenta como um jogo,
exatamente porque, tal como este, é o “sujeito”de si mesma.
Pierre Lévy diz que “os jogadores não são mais pessoas, mas
sim elementos de representação. Se o assunto em questão é, por
exemplo, comunicação verbal, a interação das palavras constrói
redes de significação transitórias na mente de um
ouvinte”(p.23).Brilhantemente explorado por Johan Huizinga
em Homo Ludens, a concepção de jogo assume maior
responsabilidade no encontro entre a cultura e a linguagem. O
autor apresenta o jogo como elemento fundador das funções
culturais, do Direito, da Poesia, da Guerra etc., sobretudo no
sentido de impulsionar o jogador (een spelltje doen, em
holandês), independentemente de ser o resultado da ação de uma
consciência lógica. Esta seria, tanto em Huizinga, quanto nas
propostas hermenêuticas, o principal fascínio no Spiel: jogar é,
sobretudo, ser jogado. O jogo é dono dos jogadores. O mundo
simbólico, do sujeito barrado, diria Lacan. Do jogo cultural,
aprendemos novamente com Huizinga que a demarcação de seu
campo situa-se na antítese, sem transição e mediações, de
qualquer ação que busque fechar o mundo na dimensão dos
elementos objetivos. Portanto, podemos afirmar que o modo de
ser do jogo é a autorepresentação. Na hipermídia ou hipertexto,
os recursos do mundo digital com os quais contamos jogam com
nossos sentidos em rapidez de qualidade e quantidade de
informações infinitamente maior do que o puro acontecer da
escrita. A auto-representação da linguagem que se dá através do
79
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

modo de ser da hipermídia aponta à existência de um giro


ontológico demarcado pela transformação e pela construção,
pois de qualquer momento ou sentido, podemos partir para
qualquer outro momento ou outro sentido. Como já salientamos,
a hipermídia não vem inaugurar um novo mundo de sentidos,
mas ratificar suas características de multiplicidade, metamorfose
e permutabilidade, como salienta Arlindo Machado ( Ensaios
Sobre a Contemporaneidade). Mas o que experienciamos
através da hipermídia não deixa de ser uma verdade, ou seja, até
que ponto aquele que conhece e reconhece algo nela, conhece
neste algo a si mesmo.
A tese hermenêutica procura sustentar-se no fundamento que
define o ser da linguagem como não-objeto de uma consciência
estética, pois, ao contrário do que se pensa nas teorias clássicas
da comunicação calcadas na dualidade emissor-receptor, o estar-
no-mundo estético é muito mais do que ele pode saber de si
mesmo. Não devemos olhar para o jogo que é proporcionado
pela hipermídia (ou hipertexto), prioritariamente, enquanto o
desejo de ser entendido no interior de seu juízo próprio, mas
apontá-lo como mais uma porta de entrada à existência da
linguagem mesma. Não uma abertura como qualquer outra, mas

30- Tela de um Jogo Hipermídia


80
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

aquela que possibilita em si, o encontro de muitas, através de um


contínuo processo não-linear. Com a hipermídia deve ocorrer,
comparando com os meios de comunicação unidirecionais,
maior autonomia de interpretação resguardada pela própria
forma de ser da linguagem, ou seja, do ser. O movimento
reticular da compreensão poderá acontecer de maneira muito
mais desconexa e subjetiva. Aumentarão as possibilidades de
diversificar nossas próprias interpretações, pois a seqüência das
informações, como agora, não estará em puro significante, mas,
quiçá, na imbricação inversa da última inversão da semântica
original. Como um jogo a nos jogar, a muiltimídia traz seu
mundo digital da mudança da ordem lógica de sentido no modo
de ser do ser que assiste o/ao espetáculo. Na hipermídia, o jogo
de linguagem joga com o jogador, através, por exemplo, dos
próprios pré-juízos deste último. Por um lado, a hipermídia não
vai reverter a idéia de que não existe compreensão livre de
prejuízos, por mais que, através das teorias da mensagem,
tentemos anulá-los. Por outro lado, essa nova tecnologia reforça
como nenhuma outra, até então, que todo intérprete, no interior
da produção de seu conhecimento, revela também o próprio ser
daquilo que conhece, ultrapassando os limites do método
científico tradicional iluminista.
A hipermídia já chegou e está a serviço de alguém que a recrie
e a utilize, assim como falava Saussure sobre as línguas e os
dialetos; ou Wittgenstein, sobre o uso dos jogos de linguagem.
Mas é a possibilidade de imbricação da pluralidade dos meios de
comunicação que contém a profunda condição para a construção
dos saberes científico ou cotidiano. Tanto enquanto criadores,
como enquanto espectadores, uma coisa é interagirmos com o
papel e a letra, outra, bem diferente, é contarmos com redes de
filmes, textos, animações etc.. Acreditamos que o incremento da
hipermídia acompanhará bem mais de perto o incremento de
maior responsabilidade em todo processo de criação: a
eventualidade, o inesperado, o jetzt benjaminiano. Se a
valorização do fortuito parte do princípio de que o modo de ser
dos jogos de linguagem na hipermídia é o desenrolar de suas
81
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

imprevisibilidades, é evidente que alguém que esteja em seu


pleno uso poderá contar muito mais com o inopinado, do que
aquele que ainda se encontra em puro significante escrito. Não
se trata de desvalorizar a escrita, ao contrário, os recursos da
hipermídia, quando oferecidos ao texto, tendem a ampliar o
mundo dos sentidos e, involuntariamente, subvertê-los. Basta o
criador/leitor querer e o texto se transforma em tato, imagem,
som etc., assim como acontece imaterialmente quando lemos.
Neste contexto, como veremos melhor nos capítulos 4 e 5, a
hipermídia parece aproximar as linguagens ordinária e científica
do modo de ser da obra de arte: ocasional, imprevisível e em
estado de multisignificação. O ser da hipermídia estaria no
jogo, não só porque um jogo é apenas um jogo, não
acontecendo, prioritariamente, na seriedade do científico; mas
porque o jogo do hipertexto, por exemplo, possibilita bem mais
que o do texto, o caminhar do ser que se vai auto-definindo, pois
tal como numa leitura qualquer, sua essência é a reprodução, é o
exercício da variedade de significação, agora, com algo a mais:
todo a diversidade tecnológica do processo de comunicação,
desde a invenção da escrita, num só instrumento. Jogando
conosco, a hipermídia enquanto “meio” de comunicação,
revelará com maior cuidado e atenção o principal imperativo do
ser: a irrupção da não-linearidade cotidiana. Como Ícaro,
podemos fazer com a hipermídia nossas asas, pregadas com
cera, e fugir dos labirintos da linguagem somente escrita; mas,
com certeza, se nos aproximarmos demais do Sol, a cera
derreterá, quando, com sorte, cairemos no oceano e
continuaremos a navegar.

2.5 - O Predomínio do Todo: As Redes de Comunicação

82
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A Netrópolis não está chegando, ela já chegou! McLuhan


falava na década de 60, que desde o início do século XX
estávamos caminhando na direção da “aldeia global”. Esta
trajetória seria uma espécie de retorno ao tribal, pois
abandonaríamos a crescente privacidade e o individualismo que
sempre se manifestaram neste século. A materialização mais
evidente do pensamento de McLuhan, nas portas do século XXI,
chama-se Internet e sua origem está relacionada com uma
possível guerra nuclear.
No final da década de 1960, mesma época em que Marshall
McLuhan publicava War and Peace in the Global Village
(Guerra
e Paz na Aldeia
Global),
o

31- Ilustração sobre a Internet


Departamento de Defesa dos EUA investiu milhões de dólares
numa pesquisa sobre um sistema de comunicações, que
desvendasse a possibilidade de sobrevivência desse sistema,
mesmo com a destruição nuclear de grande parte do país.
Washington, inclusive, poderia sumir do mapa, mas uma grande
rede de comunicação continuaria operando e inter-relacionando
todos os computadores estratégicos que restassem. Portanto, a
grande estratégia estava em, sob hipótese alguma, centralizar as
83
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

conexões comunicacionais, criando uma rede sem centro (idéia


desenvolvida em 1964 pela Rand - Centro de Pesquisas Anti-
soviéticas). Esta enorme rede deveria funcionar de maneira que
todos seus locais de recepção/transmissão, os nós, teriam as
mesmas condições de comunicação, ou seja, hierarquicamente
seriam iguais, pois a informação viajaria de qualquer
lugar/sentido para qualquer lugar/sentido. Cinco anos após a
idéia desenvolvida pela Rand, surgia em dezembro de 1969, um
ano após o lançamento do livro War and Peace de McLuhan, a
ARPANET (Advanced Research Projects Agency entidade
financiadora do projeto - e net de rede) com quatro nós. No
início da década de 70, quando já alcançava 37 nós, a rede
começou a ser utilizada para pesquisas não tão relacionadas com
a Guerra Fria: banalidades pessoais através de recados, piadas e
dicas entre os cientistas. Não demorou muito surgiu o serviço de
mailing list (lista de correio) que funciona como uma maneira de
retransmissão de textos, concomitantemente, para um grande
número de pessoas. À medida que a Guerra Fria foi esfriando,
aos poucos, as Universidades e os Institutos de Pesquisa
começaram a usar os sistemas acirrando a troca de informações.
Em 1983 os militares norte-americanos criaram a MILNET
(rede militar), abandonando a ARPANET. A partir daí
estudantes e pesquisadores assumiram a frente da rede, origem,
inclusive, dos sistemas BBS (Bulletin Board Systems) que
servem como prestação de serviço em troca de mensagens. De
repente, durante a década de 1980, a ARPANET transforma-se
em INTERNET, o abandono do governo norte-americano e o
crescente avanço de “informatóides” ex-hippies, estudantes,
desocupados etc., no uso da rede, através de seu programa de
domínio público, TCP/IP (acrônimo de Transmission Control
Protocol/Internet Protocol - o TCP reorganiza as informações e
o IP endereça e transmite os dados), adquiriram autonomia e,
mais e mais, cada universidade, cada organização (Nasa,
Bibliotecas, hospitais etc.), foram criando seus próprios nós.
Resultado: a Internet não tem dono e, por enquanto,
tecnologicamente não é possível se adonar dela. Tentativas não
84
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

faltam, governos e empresas privadas tentam ganhar dinheiro


com a Internet, mas seu controle não ultrapassa o de um usuário
comum. A Internet não é como uma rede de televisão (Globo ou
SBT), exatamente por ser de todos e de ninguém,
concomitantemente. Mesmo assim, em dezembro de 1994, o
governo norte-americano privatizou o últimmo canal de fibra
óptica de alta velocidade da Internet. Mas enquanto o governo
norte-americano sai da rede, o brasileiro age ao contrário. A
Embratel quer monopolizar o potencial da utilização comercial
via Internet no país. Desde sua origem a democrática rede é
avessa aos monopólios, mas agora deverá enfentar o monstro
Embratel no Brasil.
Os números da Internet assustam, no bom sentido: o ano de
1994 comporta 40 milhões de usuários por todo planeta, no ano
de 1995, o pulo vai para 400 milhões de usuários e se a
proporção continuar, até 1998 todo planeta estará conectado.
Quando isto acontecer, poderemos pesquisar um livro numa
biblioteca da Turquia ou de Macau em segundos, pois teremos
acesso a qualquer biblioteca do mundo. Na metade desta década
de 90, mais de 2.000 bibliotecas já estão ligadas na rede
aceitando acesso 24h./dia; mais ainda negócios, palestras etc.,
qualquer serviço ou informação para qualquer pessoa em
qualquer parte do mundo. Todo o processo de comunicação se
desenvolvendo de forma interativa.

85
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Mas
para

32- Fotografia da Embratel - Brasil: Atraso do Monopólio


provar que de fato a Internet é para qualquer um (pelo menos no
1° mundo, no 3° mundo, para pouquíssimos), a parte de
hardware é muito simples e barata: um computador, um telefone
e um aparelhinho que se chama modem e que pode ser adquirido
até por US$ 80. Quanto ao mecanismo de acesso a Internet, no
“informatês”, não é nada complicado. Cada novo usuário recebe
um endereço, que funciona tal como este de Clinton:
president@whitehouse.gov; a primeira palavra identifica o
nome do usuário e é seguida pelo signo @, símbolo de "em",
"at", em inglês. O próximo nome refere-se ao computador ou a
rede de conexão; e, após o ponto, a referência ao tipo de
instituição a que pertence, no caso de Clinton, .gov, de governo.
Mas não é só Clinton que está ligado na rede, Fidel Castro, o
líder zapatista Marcos, a Pizza Hut, a General Motors, o cartão
de crédito Visa e mais quase 200 000 pessoas que se ligam na
rede diariamente através do mundo inteiro. Alguns endereços
importantes são: mistra.enst.fr/ -pioch/louvre (Museu do
Louvre); tcrc@unv.ernet.in (Dalai Lama); billg@microsoft.com
(Bill Gates); agestado@embratel.net.br (O Estado de São
86
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Paulo); isi.usp.br (Universidade de São Paulo); isto porque as


vantagens de comunicação são incomparáveis em rapidez e
preço.
Uma pergunta lançada ao leo na rede pode receber respostas
e diálogos do mundo inteiro em alguns minutos. Mas nem
sempre foi fácil se comunicar pela Internet, se há 10 anos atrás
Fidel quisesse se enturmar teria que entender do sistema
operacional Unix, o que provavelmente tiraria algumas horas de
sono do "revolucionário". Mas no início dos anos 90 um grupo
de pesquisadores suíço resolveu colocar ordem germânica na
Internet e criou o World-Wide Web, um sistema de fácil
domínio que organizou a maioria dos dados da Internet que, até
então, estavam soltos e desencontrados. O programa WWW
ainda conta com possibilidade de aplicação de recursos
multimidiáticos, somados as facilidades do Mosaic e do
Netscape, maravilhas de interfaces gráficas desenvolvidas nos
vanguardistas laboratórios de Illinois. A partir daí a Internet
começou a ter uma cara nova e organizada, mas onde 90% das
comunicações ainda ocorrem através de textos.
Aquele que pensar que a língua é, necessariamente, o inglês,
pode se surpreender, pois se multiplicam, cada vez mais, os
dialetos em códigos. O objetivo principal desta nova linguagem
é tentar evitar a existência de textos longos e prolixos, os
smileys, por exemplo, podem ser uma ótima saída.
Montemos um diálogo:
João escreve do Brasil: +-(:-) (:-(
Peter responde da Alemanha: :/)
João: [ +-(:-)]
Peter: (@@)
Tradução: João: O Papa está triste
Peter: não tem graça !
João: abraços no Papa
Peter: está brincando !!!!!
Portanto, podemos ver que a comunicação na Internet não se
dá de forma irresponsável, muito pelo contrário, há uma grande
preocupação em formalizar linguagens. A preocupação é tanta
87
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que já há a netiqueta, uma espécie de comportamento


ético/estético, de cunho consuetudinário, na rede: usar
acrônimos, não fazer perguntas primárias, não escrever em
maiúsculas a não ser que se queira gritar, não mandar
mensagens com mais de três telas cheias etc. .
Em sua base de Hardware, a Internet conta com três tipos de
computadores: os computadores servidores, que geralmente são
grandes fornecedores de informações ou de programas e
pertencem a universidades, instituições de pesquisa, enfim, a
uma grande organização; os computadores nódulos, conjunto de
servidores que montam nós e funcionam independentemente de
nós, mortais usuários; e, enfim, os computadores de usuários,
todas as pessoas que tem aceso a rede.
Não podemos, porém, esquecer que a Internet não é o único
caminho, mas, por enquanto, é o mais extenso, democrático,
conseqüente e operacional. Estamos apostando que um número
cada vez maior de redes, infovias, netrópolis, LANs, Highway
etc., vai surgir e, provavelmente, não demorará nada. Neste
sentido, somos obrigados a voltar, novamente a McLuhan que,
em sua “aldeia global”, já enchergava a possibilidade de
vivermos numa comunidade tribal terráquea. Talvez, com as
redes, tenhamos chegado ao que McLuhan pensava da
eletricidade: fenômeno que não respeita fronteiras, aproximando
tudo e todos, não discriminando culturas. O rádio e a televisão
teriam vindo comprovar este trajeto tecnológico, mas o
computador “é a mais extraordinária das vestimentas
tecnológicas já criadas pelo homem, pois é uma extensão de
nosso sistema nervoso.” Sem discutirmos, por enquanto, esta
visão maniqueista-cognitivista da neurologia, podemos
imaginar, junto de McLhuan, o que significará quando
somarmos os recursos da hipermídia às grandes redes mundiais.
Poderemos interagir com um programa de “televisão” que estará
passando na Sibéria, assim como ver, argumentar, alterar,
situações, pessoas, culturas etc. . É o predomínio do todo no
interior da casa de cada um de nós, pois, num futuro muito

88
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

próximo, quando falarmos que o mundo inteiro estará ao alcance


de todos nós, não estaremos falando através de metáforas.
No Brasil, estamos, ao mesmo tempo, muito próximos e bem
distantes de vivermos esta nova era. Muito próximos, porque
quem tem condições econômicas, usa por volta de US$ 2.000,
compra um bom computador (c/kit hipermídia) e se liga a
Internet. Mas, muito distante, porque segundo a World
Economic Forum (1995) para cada 100 brasileiros 0.8 tem
computador, ao contrário de 30 americanos, 15 alemães ou 10
japoneses. No entanto, a famosa Bélgica brasileira não só já
descobriu a informática em suas potencialidades multimidiáticas
como, inclusive, as grandes redes de conexão comunicacionais.
É o que procuraremos ver no próximo capítulo.

89
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

3- A ADMINISTRAÇÃO
COM A HIPERMÍDIA

3.1 - A Revolução no Marketing

O Marketing, diríamos com o apoio de Kotler, enquanto


área da administração e/ou comunicação, talvez seja a maior
evidência da impossibilidade de substituição do homem pela
máquina. Isto porque é a regionalidade científica que por lidar,
fundamentalmente, com a criatividade, melhor representa o feliz
encontro homem-máquina, mesmo se pensarmos na barbárie
prevista por Kurz. A hipermídia no Marketing vem, ao mesmo
tempo, oferecer atalhos para caminhos até há muito pouco
tempo tortuosos na criação, produção e apresentação de
produtos e serviços, assim como inaugurar um novo estilo de
marketing: o marketing interativo.
Num primeiro momento, a informática apoiou as linhas de
produção e os departamentos responsáveis pelo lançamento de
novos produtos/serviços. Ao que tudo indica, o grande desafio
para a informática neste final de século, está em dar suporte,
através de cuidadosas estratégias de marketing, à personalização
do atendimento ao cliente. Como a qualidade, também nesta
área, passou de luxo de poucos a anseio de muitos, o marketing
não deve mais ditar as regras, mas desenvolver uma interlocução
multimidiática com os consumidores; já que a preocupação
prioritária não está mais na invenção de novos produtos e
serviços, mas, sim, na diferenciação entre os já existentes. Hoje
em dia temos que inventar, muito mais, o totalmente diferente,
do que o totalmente novo; e uma forma de diferenciar é
especificar cada vez mais o significante. Ou seja, é preciso
alcançar a maior carência do dentista, do advogado etc., e
90
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

personalizar a atuação: mandar correnpondência em seu nome e


lembrar das vantagens e especificidades do produto para uma
maior conseqüência em sua especialidade profissional. É um
trabalho mais delicado, mas que também exige “acertar no
alvo”. O marketing da virada do século terá que ser mais dardo
e menos metralhadora.
A especialização do marketing deve contar com a hipermídia
desde a possiblidade de se montar um belo e eficiente banco de
dados, até o uso da estrutura dos multimeios na construção da
imagem do produto ou serviço. O próprio mundo da informática
tem se transformado no maior laboratório de marketing neste
sentido. Desde 1992, quando a Corel Corporation lançou o
Corel-Draw 3.0 em CD-ROM, tornaram-se evidentes as
inúmeras vantagens da utilização dos vídeo-discos para
distribuir e promover os mais variados software’s. Graças ao

33- Tela de um CD-ROM do Grupo On Hand


grande poder de armazenamento de dados num CD-ROM, a
91
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

partir daquela data, tornou-se possível ao usuário comparar os


mais diversos programas em CD-ROM. Nesta tradição uma
série grande de experiências começou a ser feita e parece não ter
fim. Por exemplo, desde o início de 1994, as empresas norte-
americanas começaram a desenvolver a concepção de venda de
programas, que vinham e não vinham nos CD’s. Como assim?
Você compra um softbank (o On Hand, por exemplo) por cerca
de US$ 15 e com 4 CD’s. Os quatro juntos contêm cerca de 500
programas para seu computador, no entanto, eles estão e não
estão ali. Ora, estão ali, porque isto acontece de verdade; não
estão ali, porque você só pode acessá-los com o password
(senha) adequado. Em um dos CD’s temos Demos de todos os
programas. Assistimos os demos, escolhemos os programas,
telefonamos para os E.U.A., fornecemos nosso número de cartão
de crédito, recebemos a senha do nosso CD-ROM e, agora sim,
temos o programa.
Portanto, também o Marketing dos dias de hoje terá que lidar
com os princípios da interatividade. A relação “prática” com o
produto ou serviço não começará, principalmente, só depois da
compra, muito pelo contrário. Os princípios da interatividade
pressupõem um julgamento do consumidor com muito mais
precisão. Revistas norte-americanas e européias já estão saindo
com títulos em CD-ROM-demos, especialmente objetivando os
computadores hipermídia. Ora, se o escopo de qualquer plano de
Marketing é garantir maior alcance na formulação de uma
estratégia de combate de mercado, é exatamente neste sentido
que a hipermídia pode valorizar e abordar todos caminhos
possíveis da comunicação.
A curto prazo a hipermídia tem seu valor primordial, em
nível de marketing, exatamente por oferecer uma grande
diferenciação tecnológica frente ao mercado. Uma empresa que
venha a ser pioneira na utilização de material hipermídia, com
certeza estará na vanguarda no processo de comunicação, isto
porque o material interativo oferece maior possibilidade de
entrosamento do consumidor com o produto ou serviço,
exatamente por se ter a oportunidade de viver uma consequente
92
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

simulação. Uma coisa é você descrever as qualidades do produto


ou serviço para seu potencial consumidor, outra, bem diferente,
é este viver uma situação “virtual”. A virtualidade interativa será
o grande desafio do marketing no próximo século. Será mais
“fácil” proporcionar ao consumidor o exercício de suas
fantasias e idealizações frente ao consumo. A visualização, tato,
interação textual etc., deverá atingir com muito maior
intensidade o consumidor, provocando sua necessidade ou
melhor ilustrando seu desejo. Acontecerá então mais ou menos
como aconteceu com a nossa mãe, que nunca tinha precisado de
um forno de microondas; depois que teve um, não se cansa de
repetir que não sabe como pôde viver tanto tempo sem. Aí
deverá estar o poder do marketing interativo: mais do que
informação, poderá proporcionar ao consumidor a oportunidade
de antecipação da vivência situando virtualmente o produto e é
durante este teste que suas idealizações serão representadas.
A modicação contínua do produto ou serviço que todo o
marketing moderno pressupõe, acontece com muito maior
agilidade já que a tecnologia de ponta na hipermídia indica a
possibilidade de uma atualização imediata, pois uma mesma
base de programa de autoria pode ser facilmente adaptada às
novas exigências. Isto principalmente em função do grande
potencial que um vídeo-disco tem em quantidade e agilidade
para o armazenamento de informações; o que é proporcional a
dizer, por exemplo, que qualquer ação de renovação, ampliação
ou diversificação de um produto ou serviço, poderá contar com
seu histórico, ou seja, apresentar a evolução do produto até seu
estado atual. Tornando desta forma o consumidor cúmplice com
a familiaridade do produto, assim futuras estratégias de
marketing poderão ser mais direcionadas e detalhadas.

93
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Por exemplo, poderemos colocar num vídeo-disco todo


processo de produção do produto, detalhando os cuidados com a
qualidade, a tradição da empresa no setor, a estrutura de
distribuição, as vantagens frente ao concorrente, os cuidados na
manutenção etc., caso seja do interesse do consumidor consultar.
Em não sendo, o consumidor deve se satifazer com uma simples
apresentação. O CD-ROM será uma espécie de central de
multimarketing e de serviços, poderá conter as campanhas na
televisão, os direitos do consumidor, informações (em vídeo e
animações) sobre manutenção, tudo isso a um custo muito
pequeno. E todas estas transformações começaram a se tornar
realidade somente a partir dos primeiros anos da década de 90.

34- Mostra de CD-ROM de Marketing Interativo.


94
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Até 1992, os software’s de apresentação de idéias, produtos e


serviços eram, no máximo, “maquininhas” de reprodução de
slides. Hoje já podemos contar com os potentes recursos
multimidiáticos e, até, hipertextuais, para estratégias de
marketing. Até mesmo a Internet está tendo que se atualizar
nestas discussões, o debate deve durar muito tempo e os
publicitários, que sempre foram doutores em economizar
palavras, agora com as possibilidades on-line, estão tendo que
reformular sua linguagem. No rádio ou na televisão, o marketing
ocorre através do famoso punch, já na Internet, o caminho exige
um “cansaço” muito maior na criação. Talvez por isso mesmo
que um número enorme de empresas norte-americanas está se
atirando nos espaços das redes para anunciarem, encarando a
oportunidade como uma espécie de grande laboratório do
marketing do “futuro”. Nesta segunda metade da década de 90 a
coisa funciona mais ou menos assim: a empresa compra um
espaço em um local bem “povoado” na Internet e toda vez que o
usuário aciona determinado endereço, encontra, logo em
seguida, o anúncio de algum produto ou serviço. Por exemplo, a
Silicon Graphics paga US$ 15 mil mensais por um espaço de
outdoor eletrônico para uma rede de revista futurista Wired;
outra possibilidade muito usada são os endereços somente para
propagandas. No entanto, ironicamente, são justamente os
usuários da Internet que romperão com estas estruturas
tradicionais de anunciar produtos. Ruptura que está acontecendo
através da especificação, cada vez mais individualizada, das
informações. Talvez neste caminho, as teorias do marketing
tradicional (emissor-receptor / satisfação dos desejos) venham a
entender algo que a psicanálise freudiana já afirmava desde o
início do século XX: o desejo é inconsciente, no máximo,
podemos encontrar algumas de suas representações, mas,
mesmo estas, são circunstanciais e movediças, não podemos
agarrar qualquer significação por muito tempo. Daí a
necessidade de reforçarmos a interatividade.

95
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

35- Tela do Silicon Graphics


Sabendo disso a hipermídia já vem sendo usada desde o
início da década de 90 por um grande número de empresas
norte-americanas, um bom exemplo é a cadeia de hotéis Holiday
(mais de 1700 nos EUA, Canadá e América Latina), que já em
1993 encomendou um CD-ROM para treinamento (em
programa CBT - Computer-Based Training), que já é usado em
todos os seus hotéis. Estima-se que até o ano 2000, quase 40%
das vendas totais em aplicativos hipermídia serão voltadas para
o segmento de negócios.
O marketing da geração multimidiática deverá explorar
radicalmente a soberania do consumidor que, ao contrário do
que se pensou por muito tempo, não acontece de forma
determinada pelo “emissor”. Como diz Michel de Certeau, em
L’invention du Cotidiene, o consumo ocorre através da erosão
da imagem criada pelo marketing; e é justamente esta
possibilidade, oferecida pela linguagem ordinária descrita por
Wittgenstein, de erodir a informação recebida que possibilita o
consumo. Talvez por isso que pessoas como John Sculley (Chief
Executive Officer da Apple entre 1983-93), quiçá, numa
inspiração wittgensteiniana, venham dando entrevistas
96
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

salientando que, cada vez mais, o real valor está no marketing


do uso da tecnologia e não na apologia exagerada desta última.
Sculley, apesar de ser mais um que acredita que com o grande
avanço tecnológico, implicará numa personalização da mídia em
detrimento da mídia de massa, salienta que as principais
mudanças estarão em nível comportamental. O novo desafio
para o marketing é entender a linguagem subversiva dos jogos
de linguagem, deixando de uma vez por todas as concepções
lingüísticas de 30 anos atrás. Ao contrário do que as tendências
teóricas presentes na Administração do Marketing costumam
defender, devemos buscar muito mais a tradição do desejo na
concepção psicanalítica, do que o mundo das motivações do
Behaviorismo ou de Maslow; muito mais a semiótica peirceana
do que a lingüística de Saussure; muito mais o multilingüismo
de Bakthine do que as visões neurolingüísticas.

3.2- Projetos e Comunicações Empresariais

97
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Do marketing ao planejamento estratégico, é o mundo que


agora está em evidência. O mundo empresarial vem se
preparando cada vez mais para o convívio do mundo da
administração com o mundo das redes. Já o mundo do
mainframe, enorme, lento e caro, chegou ao fim ainda durante a
década de 80, quando da implementação dos computadores
pessoais que fizeram de cada usuário o protagonista de sua ação
na empresa. Assim, junto do computador pessoal surgiu o
conceito de se lidar no escritório com o sistema de networking
para acabar, definitivamente, com a corrida sneaker net
(expressão para se referir ao leva-e-traz de disquetes). Os dados
lançados pela International Data Corporation indicam que nesta
metade da década de 90, metade dos computadores no mundo
inteiro estão conectados em rede e, até o ano 2000, 70% deverão
estar. O sistema mais usado e, ao que tudo indica, mais
promissor é chamado de “cliente-servidor” e, neste aspecto, há
uma grande concorrência entre Novell (líder absoluta do
mercado) e a Microsoft (que em 1993 lançou o Windows NT).
A estrutura cliente/servidor parte do princípio de que os
projetos e comunicações empresariais devem estar baseados na
estrutura do desktop, exatamente por isso que se precisa
desenvolver um eficiente sistema de rede. Uma rede pode ter
vários servidores, que podem interligar ao mesmo tempo
inúmeros usuários e vice-versa. Esta estrutura garante, por
exemplo, que uma empresa inteira de grande porte, como as
1700 unidades da rede de hotéis Holiday, tenha acesso aos
mesmos dados, evitando confusão nas comunicações; e é
justamente esta possibilidade de intercalação das comunicações
e dos projetos empresariais, sobre planilhas, tabelas, imagens,
vídeos etc., que encontra na hipermídia sua síntese. O sistema de
rede que já se encontrou com a Reengenharia, enquanto estilo
administrativo, encontra agora sua melhor linguagem na
hipermídia. Este mundo está ainda para ser explorado, mas com
certeza até a primeira década do século XXI estará com seus
principais paradigmas montados.

98
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Talvez as principais versões das concepções multimidiáticas


em projetos e comunicações empresariais estejam na estrutura

36- Notebook hipermídia


de comunicação sem fio e nas famosas videoconferências. Estas
novas possibilidades tecnológicas que só tomaram corpo nesta
década de 90, parecem delegar à empresa do futuro um espaço
físico puramente “virtual”.
Há uma enorme parafernalha, no bom sentido, tecnológica
como laser, raios infra-vermelhos, radiofreqüência etc., que
garante grande eficiência na administração das comunicações
empresariais, mesmo que o funcionário esteja em trânsito. O
grande desenvolvimento da computação móvel está
determinando, para as empresas que buscam alternativas frente
as tradicionais formas de transmissão de dados, um mundo de
possibilidades interativas. Os maiores fabricantes dos aparelhos
que possibilitam tal avanço, não são os maiores da informática,
ao contrário, geralmente são as dezenas de empresas que
fabricam desde modems portáteis até antenas retransmissoras de
ondas de rádio. É graças a estes fabricantes, que as milhares de
empresas que dependem de uma estrutura montada para
informar seus profissionais em campo, sobre as mais diversas e
circunstanciais decisões e mudanças nas rotas de venda, visitas,
99
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

reuniões etc., podem começar a se tranqülizar pois esta realidade


já é uma verdade cotidiana. Para se ter uma idéia empresas
como a Colgate (Brasil) e IBM (Brasil), já funcionam, quase
que totalmente, neste espaço “virtual”. Geralmente as técnicas
mais utilizadas são o trunking (rádio troncalizado) e o pager
digital. Este último, no entanto, que tem sobrevivido através das
centrais de recados, está perdendo seu espaço para o trunking,
uma mistura de walkie-talkie e telefone celular, que funciona
como uma espécie de administrador de canais de comunicação
ligados em rede que, geralmente, permite a interligação de até
150 pessoas. A ligação com redes multimidiáticas é possível
graças ao aparecimento interfacial do modem portátil sem fio.
Ora, Notebook, trunking e modem dentro da pasta de um
executivo qualquer, levam, não só a empresa, mas o mundo
inteiro em informações. Encabeçando esta tecnologia está a
Motorola, que já prevê até o ano 2000, uma total substituição
dos telefones celulares pelos trunking’s.
Imaginemos um executivo que passe a maior parte do tempo
fora do escritório, precisando ter freqüente contato com a
empresa, recebendo e enviando dados para sua sede: basta abrir
sua pasta e ligar seu notebook (com trunking e modem) para, se
for preciso, consultar a bolsa de Tóquio ou Nova Yorke antes de
sugerir algo ou tomar alguma decisão. A aldeia global, que
previa o visionário McLuhan, chegou também na empresa.
Grandes aglomerados empresariais norte-americanos estão
transferindo tecnologia de hardware e software para a Rússia e
Índia, por exemplo, não, como em outras épocas, com o objetivo
de explorar mão-de-obra mais barata, mas para conquistar uma
força de trabalho antamente intelectualizada e mais disposta ao
trabalho que a média do mercado norte-americano.

100
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Outra característica interessante neste final de século e que


avança rapidamente é a famosa videoconferência. Imaginemos
que uma empresa de grande porte precise fazer uma reunião
em
São Paulo (onde está sua sede) com todos seus gerentes que
estão espalhados pelo Brasil. São 70 pessoas. A empresa deverá
pagar passagem de avião, hotel, refeições, transporte etc., e rezar
para que nada atrapalhe o encontro estratégico. No entanto, tudo
isto acabou, pois desde do ano de 1993, a realidade da
videoconferência já está presente nos desktop’s da vida.

37- Notebook hipermídia, trunking e modem sem fio


Software’s, minicâmeras, interfaces gráficas etc., já estão à
disposição de qualquer usuário mortal, possibilitando, entre
outras coisas, que profissionais espalhados pelo mundo inteiro,

101
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

possam discutir planejamentos, realizar encontros de negócios,


ou, até, cabe lembrar, participar de Feiras Internacionais. Este é
mais um dentre os tantos recursos que estarão presentes num
futuro próximo, a Telemanagement Resources International,
prevê que até o ano de 1998, quase três milhões de
computadores estarão aparelhados. Uma das primeiras empresas

38- Computador com minicâmera etc. .


norte-americanas a descobrir o sistema de vieoconferência foi a
Basf que, interligando a matriz (na Carolina do Norte) com as
24 filiais distribuídas pelo mundo, diminuiu 40% os gastos com
viagens, economizando 5,2 milhões de dólares por semestre
durante os ano de 93 e 94. Como sempre na vanguarda
tecnológica, o mundo da administração hospitalar nos E.U.A.
também já entrou nesta onda, por exemplo, a rede de hospitais
Bassett Helthcare, não só promove treinamento para seus
médicos através de video-conferências como, inclusive,
especialistas atendem pacientes de qualquer lugar do país. A
Reebok desde 93 realiza videoconferências entre seus
102
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

funcionários da área de marketing no estado de Massachusetts


com a sua fábrica na Coréia do Sul, no intuito de decidir, por
exemplo, as cores e formas de novos calçados. O ano de 1994,
talvez tenha sido o momento inaugural, em nível de mercado
mundial, do paradigma da administração por videoconferências.
Só a IBM, lançou o software Ultimedia Business
Conferencing/400, que permite o uso de computador de médio
porte (o As/400, por exemplo) como servidor; e o Ultimedia
Video Delivery System/400, que possibilita a distribuição de
vídeos digitais e analógicos em redes. O ano de 1995 não ficou
atrás, pois em abril tivemos a Terceira Conferência
Internacional da World Wide Web, em Darmstadt (Alemanha),
organizado pelo “Fraunhöfer Institute for Computer Graphics”.
O estouro do encontro esteve na possibilidade de navegação
tridimensional por ambientes “virtuais”, como o interior de um
edifício, de uma Feira ou, até mesmo, grande jogada de
marketing, de um produto. O projeto foi apresentado pela
VRML (Virtual Reality Markup Language), que propôs que a
atuação deste mundo multimidiático “virtual” deve ocorrer junto
de toda estrutura da Internet. Assim, do conceito das
videoconferências, foi um pulo até se chegar nas propostas de
“hipermídia colaborativa” num conceito amplo que reúne,
inclusive, a “virtualidade”multimidiática.
“Hipermídia colaborativa” é um conceito que se desenvolveu
ao longo dos anos 80 e pressupõe basicamente uma grande
agilização das comunicações nas empresas. Neste paradigma, há
uma enorme diminuição no tráfego de papéis, todos
profissionais passam a ter acesso a maioria das informações, há
uma maior integração dos departamentos, tudo isto resultando
que as decisões e análises passam a ser menos centralizadas. Na
verdade, passam a ser tão descentralizadas que as previsões para
o ano 2000 revelam que um número bem significativo de
empresários trabalhará em casa. Em Nova York se discute desde
1994, a possibilidade de se trabalhar em casa como alternativa
para a diminuição do trânsito em Manhattan, saída bem mais
eficiente, porque mais duradoura do que o projeto que transita
103
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

na Câmara Municipal de altenar a entrada na ilha, dia sim dia


não, entre placas ímpares e pares. Porém, a questão mais

39- Computação Colaborativa


interessante aqui não é exatamente a do trânsito, mas a dos
executivos “domésticos”. A discussão se acirrou quando ainda
no ano de 1993, a Link Resources anunciou que 7,5 milhões de
norte-americanos trabalhavam em casa, praticando o
“telecommuning”.
Neste contexto, os céticos frente a “hipermídia colaborativa”
estimam que haverá um maior isolamento de homens e mulheres
nos EUA, pois as conversas, conferências etc., serão feitas
através de computador. A vivência empírica junto de grupos,
será digitalizada criando uma dependência cada vez maior de
manuais (os manuais dos telecommuter’s, neologismo criado a
partir de commuter, como é chamado aquele que cumpre
horário comercial, o nine to five), dado que revelaria, inclusive,
o porquê do enorme crescimento dos manuais de auto-ajuda que
estamos tendo pelo mundo ocidental. A questão é que aqui cabe
novamente lembrar uma afirmação anterior: quando da chegada
da luz elétrica, do rádio, da televisão, do microondas etc..

104
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

3.3- A Nova Escola Hipermídia

105
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Quando no ano 2050, numa disciplina de história da


educação a professora estiver comentando a estrutura da escola
de 250 anos atrás, descreverá que as aulas eram, na maioria,
expositivas, que os alunos ficavam a maior parte do tempo
sentados escutando ou, no máximo, podiam fazer uma ou duas
perguntas por aula, cuja resposta, se não agradasse, não teria
réplica. É inacreditável que ao se estar falando desta escola
prussiana do início dos oitocentos, ainda se estará falando, em
grande parte, da escola contemporânea. Nesta segunda metade
do século XX, uma avalanche de teorias tem procurado
aproximar a escola da dinamicidade, heterogeneidade e
mutabilidade do mundo “pós-moderno”. Cada vez mais
abandonou-se as tradições teóricas de cunho pedagógico-
psicológico que valorizam o condicionamento do estudante,
privilegiando-se a “liberdade” e a “criatividade” do raciocínio.
Foram preferidos os trabalhos em grupo, o professor deveria ser
mais um orientador do que o principal agente de ensino, mudou-
se o esquema de notas e, ao invés destas, as escolas passaram a
oferecer conceitos (A,B,C,D) a fim de tirar o peso da

106
40- CD-ROM hipermídia de História
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

matematização do aprendizado, multiplicaram-se as


preocupações com estilos taxionômicos, que alertam os
professores de todas as disciplinas para começarem de níveis de
aprendizado mais superficiais (como identificação) até mais
complexos (como a análise) etc. . No entanto, neste contexto,
nunca se discutiu profundamente as condições tecnológico-
materiais que estavam sendo utilizadas e, apesar de todas as
propostas “revolucionárias”, o ensino-aprendizagem acabou
sempre ficando concentrado nas mãos do professor. O que dá a
entender que as questões fundamentais que deveriam ser
discutidas eram as teóricas, e no interior destas discussões, o
prazer que os estudantes tinham ou não ao estudar, pouco
interessava.
Neste ínterim, surge a televisão e o vídeo-game para
competirem com as brincadeiras de rua. Milhões de crianças no
mundo inteiro ao invés de ficarem brincando na rua, passaram a
ficar horas na frente da televisão. Por um lado, esta, ao mesmo
tempo, não se revelou nem “boa” nem “má”, tudo parece ser
uma questão do tempo que o estudante dedica-se a ela, neste
sentido, da mesma forma podemos falar do vídeo-game. Por

41- Tela de Vídeo-Game Mythos em CD-ROM

107
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

outro lado, o vídeo-game passou a atrair mais que a própria TV,


ao que tudo indica em função de oferecer como tecnologia, pela
primeira vez na história, grandes possibilidades interativas às
crianças e, sempre é bom lembrar, aos adultos também.
Justamente por isso, frente ao vídeo-game, a TV ficou
monótona. Mas quem poderia imaginar que aqueles joguinhos
de computador que surgiram e se popularizaram na década de 80
eram um prenúncio anômalo da grande revolução educacional
que estamos passando e, ao que parece, só se “acalmará” nas
primeiras décadas do século XXI.
As experiências do uso da hipermídia no ambiente escolar
têm demonstrado nestes anos 90, que a informática não significa
somente uma renovação técnico-didática como foram o
episcópio, o projetor de slides, o retroprojetor e o vídeo. Mais
uma vez o conceito básico e, ao mesmo tempo, grande
diferencial, chama-se interatividade. A informática,
principalmente a destes anos 90, significa uma verdadeira
revolução no ensino e, isto, porque ela pode garantir, o que nem
mesmo um professor particular consegue, que é a interação em
quantidade e qualidade das perguntas e respostas no interior de
uma situação de ensino. O mundo da hipermídia do CD-ROM,
das grandes redes LANs, Internet etc., é que será o principal
facilitador da aprendizagem. A educação, finalmente, parece que
vai aprender que o melhor caminho é aquele que sempre esteve
muito próximo: a semântica da brincadeira de rua.
Porém, aprender não será só mais divertido como
“antigamente”, mas, sim, dependerá muito mais da iniciativa do
estudante, fundamentalmente, através de ações colaborativas e
interdisciplinares. Aquele mundo unidirecional das verborragias
do professor, da TV, do rádio, do vídeo, do slide, do
retroprojetor etc., está sendo substituído pelo mundo
multidirecional das enciclopédias interativas, das pesquisas em
bibliotecas digitais, do poliglotismo de um novo “inglês” e de
produções em CD-ROM que nos colocam numa encrenca
danada para classificá-las como jogo, brincadeira, livro ... ,
como, por exemplo, o CD Leonardo the Inventor, do qual
108
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

falávamos, que traz junto de “joguinhos”, informações gerais de


um bom nível sobre o Renascimento. O lado colaborativo,
tornou-se internacional antes sequer de ser nacional. Já são
centenas de escolas que no mundo inteiro, trabalham em
pesquisas secundárias com o mundo inteiro. A colaboração não
está mais somente com o colega de turma, mas com o colega
chinês, francês, alemão ou australiano. A característica
interdisciplinar deverá propiciar o surgimento de muitos Da
Vinci’s que ao mesmo tempo serão biólogos, arquitetos,
artistas, inventores, futuristas etc., o que no interior da tradição
da divisão iluminista do cientificismo moderno, a partir do
XVIII, tornou-se impossível. A interdisciplinariedade já vem se
manifestando em nível acadêmico, como através da consagração
dos cursos de Administração ou Comunicação, profundamente
heterogêneos e acolhedores das mais variadas ciências. No
entanto, todo ensino que se baseie em propostas
interdisciplinares deverá partir do lide com uma grande
quantidade de conteúdo e, é exatamente o que garante o mundo
hipermídia. Por exemplo, a bilbioteca do Congresso norte-
americano, com 104 milhões de títulos, já está sendo toda
digitalizada e, até o ano 2000, todo serviço deverá estar
concluído. Qualquer escola, de qualquer lugar do mundo poderá
acessá-la. Até o ano 2000, a série Encyclomedia coordenada por
Umberto Eco, deverá estar completa, abrangendo do século
XVII a Segunda Guerra Mundial. A Internet com 3.000
bibliotecas já está à disposição etc. .

109
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

É, dificilmente poderemos continuar falando ainda muito

42- Exemplos de materiais didáticos para explicar estrutura do DNA

tempo aos nossos filhos “no meu tempo o ensino...”, pois o


mundo da educação digital reúne um número quase imensurável
de mudanças. A Nova Escola Hipermídia oferece mudanças
radicais em vários patamares. A possibilidade de construção de
um mundo “virtual” oferece a oportunidade de um estudante de
história “entrar” num castelo medieval, numa catedral gótica ou
na cúpula de São Pedro; as animações podem “ilustrar”
princípios genéticos desde a composição do DNA até a divisão
celular; fotografias de satélites poderão oferecer aulas de
geografia tão detalhadas quanto a “realidade geográfica” etc.. A
habilitação do aprendizado se dá muito mais através do respeito
do ritmo de cada um, pois o estudante, sempre orientado pelo
professor, pode navegar coerente com as “dispersões” comuns
da curiosidade no interior do processo ensino-aprendizagem. Há
uma enorme redução da intimidação, tão comum no sistema
tradicional onde o estudante, na maioria das vezes, tem
acanhamento de perguntar ou participar das aulas. Há um
aumento considerável da interatividade um a um, tal como já
previa a maiêutica socrática, aquele processo dialógico-
pedagógico no qual há uma multiplicação ad infinitum de
perguntas e respostas. Por fim, ainda temos acesso rapidíssimo a
uma quantidade imensurável de informações. Todos esses são
110
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

fatores que estão desafiando a criação de novas teorias


psicológico-pedagógicas neste final de século.
Como se não bastasse esse mundo de transformações
radicais, ainda teremos nos níveis de 1° e 2° graus, um
envolvimento muito maior dos pais no processo de
aprendizagem. A relação casa/escola também está adotando a
“onda” interativa e fazendo com que os pais participem muito
mais do aprendizado do filho. Em São Paulo, por exemplo,
escolas como Logus, Magno, Bandeirantes ou Terras de São
José (Itu) já estão amplamente envolvidas com tais projetos. Em
algumas escolas os pais já estão recebendo informações on-line
das matérias que mais estão sendo trabalhadas nos semestres em
questão. O próprio sistema de avaliação terá que ser
profundamente modificado, pois, em sendo o professor mais um
orientador que um direcionador do conteúdo, os objetivos
deverão respeitar a tamanha heterogeneidade de temas
interdisciplinares que poderá surgir. Por exemplo, em abril de
1995 começou um grande projeto de pesquisa entre Portugal,
Brasil e Holanda sobre o chamada Período Holandês no Brasil.
O projeto levou o nome “De Olinda à Olanda - Uma Viagem
com o Boi Voador no século XVII ” e pretende incentivar a
troca de informações entre escolas brasileiras, portuguesas e
holandesas. O primeiro momento estará representado por uma
grande coleta de dados (textos e imagens) por parte das crianças.
Desta coleta deverá sair um punhado de desenhos e textos
infantis sobre o assunto. O próximo passo é o desenvolvimento
de um texto histórico por historiadores das respectivas regiões,
cuja narrativa estará calcada em “palavras-chaves”. O recheio a
partir de tais palavras-chaves, resulta num curiosissímo
hipertexto que mesclará desde textos científicos de especialistas
a desenhos infantis. No interior de um tal nível de interatividade
parece evidente que os critérios de avaliação não poderão mais
seguir os princípios básicos da taxionomia skinneriana.
No entanto, pela décima vez, vamos insistir no fato de que a
maioria das razões que irá garantir tais mudanças, estará calcada
na criação de software’s hipermídia que, não só ofereçam um
111
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

maior nível de interatividade possível como, também, sejam


consequentes nos níveis de apresentação e relação dos temas
tratados. Projetos educacionais como o Horizonte da IBM já
estão preocupados, não só em ensinar os professores a
produzirem aplicativos (em linguagem logo, inventada pelo MIT
de Massachusets) para trabalharem com as crianças, mas
igualmente em desenvolver um acompanhamento do nível de
interatividade de tais aplicativos.
Esperemos, enfim, que aquela professora no ano 2050 da
discliplina de história da educação, quiçá se comunicando com
dados gravados em prótons e elétrons, tenha piedade de nós,
contemporâneos da virada do século, e consiga junto com seus
alunos alcançar a tamanha vibração na qual todos estamos, ou
estaremos em pouco tempo, por sermos contemporâneos das
maiores revoluções na comunicação de todos os tempos. Talvez,
naquele ano, parodiando McLuhan, as pessoas já estarão
falando na “aldeia universal”.

3.4 - A Administração com o Mundo da Hipermídia


112
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

O mundo da administração com o mundo está subvertendo


todo e qualquer poder localizado, centralizado. Dentre as várias
interpretações que podemos tirar destas mudanças radicais
preferimos destacar, sempre, as que vislumbram melhorias. No
entanto, a Administração ao mesmo tempo em que é vanguarda
na tecnologia, é extremamente conservadora na interpretação da
base "comportamental" da comunicação humana. Ao que nos
parece, com certeza, o mundo da administração com o mundo
tem tudo para não ratificar esta última postura; mas a resistência
ainda é muito grande.
Através de uma gigantesca bibliografia, tendências
preponderantes na Administração pregam dinamismo, agilidade,
diálogo, abertura para novos paradigmas, criatividade,
inteligência, qualidade, mudanças, eficácia e eficiência
(diferença "filosófica" da qual algumas teorias adoram falar de
boca cheia), motivação, liderança, competitividade, sucesso e
prosperidade. Oferecem fórmulas "milagrosas" para se alcançar
tais empreitadas e, o mais chocante, vendem como loteria em
época de crise. Só os títulos destas obras já dizem tudo que elas
podem dizer: O Gerente que Pensa com o Lado Direito do
Cérebro; Como Estimular Mudanças na sua Empresa; Gerentes
Inteligentes, Reações Pré-históricas; O Gerente Minuto - Como
Tomar Decisões Rápidas; A Arte de Emanar Poder; Como
Gerar Idéias Produtivas Através do Pensamento Lateral; O
Sucesso não Ocorre por Acaso - É Simples, Mas não é Fácil;
Chefes Incríveis - Como Conseguir e Manter Credibilidade
Perante seus Subordinados e Obter Resultados Incríveis; Mente
Criativa; Transformando um Cliente Insatisfeito em um Cliente
para Sempre; Como Ser Bem-sucedido nos Negócios sem
Mentir, Enganar e Trapacear; Influenciar - Você Também é
Capaz e Talvez não Saiba; e uma infinidade de outros títulos
tão ou mais apelativos. Bem, para não nos estendermos numa
crítica que partisse da análise dos fundamentos filosóficos de
tais colocações (gostaríamos muito de fazê-lo, mas não é o caso
neste momento), uma coisa parece clara: estas colocações
113
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

representam teorias da Administração que falam em nome do


conhecimento do senso comum enquanto fruto do velho sistema
apologético das técnicas. Se você precisa de algo que refrigere
seus alimentos, compre uma geladeira, se você precisa de uma
coisa que lhe leve de um lugar ao outro representando ao mesmo
tempo status social, compre um carro importado, se você não
quer andar de pé descalço, compre sapatos; se você quer
resolver os "problemas de relacionamento humano" na sua
empresa, compre o livro ou o curso "X". Tais teorias estão na
contramão da história da ciência e da filosofia do século XX. A
Psicanálise, a Hermenêutica, a Semiótica, a Filosofia da
Linguagem e o Pós-Estruturalismo destruíram as clássicas
noções cartesiano-iluministas de sujeito, consciência e razão. O
ser humano está priscas eras de ser um objeto de conhecimento
previsível, como aqueles princípios parecem defender. No
entanto, é o interior da linguagem no qual estão inseridos que
delimita sua semântica. Geralmente o empresário está atrás de
soluções repentinas e milagrosas e, quem procura, acha! Neste
sentido, o próprio mundo da informática pode enganar
profundamente. Se você precisa resolver problemas matemático-
financeiros, compre uma planilha, se você precisa organizar
dados, compre um banco de dados, se você precisa trabalhar
com textos, compre um editor de textos; mas se o que você
precisa é criatividade, agilidade, iniciativa etc., não haverá no
mundo técnico programa que vá dar cabo destas carências. Não
há método que possa garantir o que os princípios destacados
anteriormente querem dar conta. Mas, se, por um lado, algumas
teorias da Administração ainda estão carregadas de promessas
messiânicas, por outro lado, a própria Administração está tendo
que acompanhar o movimento incessante das transformações
semiótico-tecnológicas, e o primeiro efeito disso tem sido a
delegação cada vez maior de poder aos funcionários de
qualquer nível organizacional. O que parece claro é que as
grandes teorias de estilos administrativos estão seguindo a rota
da descentralização já faz um bom tempo. Terceirização,
Downsizing e Reengenharia, são tendências em estilos
114
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

administrativos que vêm se multiplicando neste final de século e


todas objetivam descentralizar as decisões, valorizar o trabalho
em grupo e romper com a dura e tradicional hierarquia
empresarial.
E na verdade estas parecem estar sendo as grandes mudanças
e, não é por acaso, que todas dependem da informatização da
organização. Não é a informática, em si, que garante uma
melhoria nas condições organizacionais, mas, sim, o paradigma
que direciona seu uso, lembrando Scully, da Apple ou o filósofo
da linguagem Ludwig Wittgenstein.

43- Ilustração de Solução Repentina


Por um lado, frente aos modelos rígidos, centralizados e
hierárquicos de organização, a “simples democratização” dos
dados que a implantação de um banco multimidiático garante
já é, em si, um avanço. Por outro lado, o acesso democrático a
um banco de dados não provoca maior conseqüência se não
estiver ligado a uma estrutura administrativa igualmente
democrática e dinâmica. Pensar o contrário, é acreditar, por
exemplo, na possibilidade de desenvolvimento de um software
hipermídia que garanta o desenvolvimento e a manutenção da
democracia ou da criatividade. Frente a este mundo inaugurado
115
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pelas comunicações multimidiáticas estamos todos começando.


Há um princípio defendido por Thomas Kuhn em seu livro A
Estrutura das Revoluções Científicas que revela que, a cada
mudança paradigmática, todos voltamos a zero! Ou seja, não
importa, de fato, o quanto você é bom no produto e/ou serviço
que sua empresa oferece, quanta tradição você tenha naquela
área de negócios. Se você não acompanhar o novo paradigma,
você está perdido. Joël Barker produziu um vídeo no final da
década de 80 que se chama Discouvering the Future (distribuído
no Brasil pela Ciamar), onde discute as teorias de Kuhn no
âmbito da Administração. Lá, cita, por exemplo, o famoso e
consagrado caso dos relojoeiros suíços que, em 1968 detinham
60% do mercado mundial e, 5 anos mais tarde, lhes restavam
somente 10% do mercado. A maioria havia sido abocanhada
pelos japoneses. O que aconteceu? Uma profunda mudança
paradigmática, causada por uma enorme, para ser fiel a Kuhn,
anomalia. Esta anomalia se chama cristal de quartzo. Foram os
próprios suíços que inventaram o relógio com marcador de
tempo à quartzo, no entanto, ao apresentarem tal invenção em
1967 num congresso de relojoeiros suíços não obtiveram
nenhum respaldo, nenhum crédito; ninguém na Suíça acreditou
que aquele poderia ser o novo paradigma de relógio: sem
ponteiros, sem mola mestra, sem mecânica. Um ano mais tarde a
idéia foi apresentada nos E.U.A. e a Texas (E.U.A.) e a Seiko
(Japão), se apoderaram da nova tecnologia. Os suíços não
enchergaram a anomalia chegando, pois estavam cegos pelo seu
paradigma de relógio. Barker brinca com esta idéia dizendo que
nem mesmo os melhores relojoeiros do mundo conseguem parar
o tempo. Através de exemplos como esse é que podemos dizer
que o meio da Administração talvez seja o melhor campo para
compreendermos as transformações paradigmáticas “invisíveis”
que a informática vem possibilitando. Uma grande mudança tem
sido a enorme diminuição da burocracia.

116
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Nos próximos anos veremos transformações que farão do


banheiro o único lugar da empresa onde encontraremos papel,
isto se, até aí, a informática não nos surpreender. Nesta década
de 90, um número cada vez maior de programas está à
disposição de quem pretende diminuir consideravelmente o
tráfego da papelada na empresa. Os PC’s da vida, em suas
estruturas high-end, têm se dedicado muito para a criação e
manutenção de formulários e bancos de dados. Hoje em dia já é
totalmente possível que, ao invés de termos que utilizar uma
montanha de papéis, na criação, distribuição e preenchimento de
formulários e documenação em geral, podemos nos estruturar de

44- Ilustração de Discouvering the future


forma multimidiática. Fato que, não só anula os tradicionais
métodos de preenchimento a mão, como oferece fácil
atualização de determinado campo, facilidades em cálculos
matemáticos, assim como uma interpretação “virtual” da
empresa em linguagens de vídeos, animações etc.. O novo
paradigma já estrapola o simples princípio de “less paper
office” (escritório com menos papéis) e já podemos prever, no
caminho de programas como o Keyfile por exemplo, o encontro
do gerenciamento de documentação com a programação e
sistematização do fluxo de trabalho. O Keyfile for Windows,
tabalha com princípios icônicos e metafóricos que reproduzem o
117
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

ambiente físico de um escritório. Como se fosse de inspiração


paulofreiniana, o ícone que representa o depósito de documentos
apresenta-se na forma de desenho de um grande arquivo com
gavetões, no interior do qual os papéis estão sistematizados em
pastas. Basta clicar numa destas pastas que você “segura” sua
documentação. Além dos arquivos poderem estar também em
vídeos, animações etc., ainda podem estar programados, por
exemplo, para formarem automaticamente um índice analítico
de todos documentos disponíveis. O predomínio do ícone, como
acontece com os melhores programas de autoria desta segunda
metade dos anos 90, facilita enormemente a agilidade de ações e
a familiaridade com o ambiente, como se estivéssemos olhando
para uma tradicional peça de escritório com mesas, arquivos,
telefones, livros etc., e pudéssemos movimentá-los só com o
olhar. No Keyfile para mandar um fax, basta arrastar o ícone que
representa o documento desejado até o ícone que representa o
fax. Na reta de chegada do ano 2000 estamos na maioridade
dos sistemas operacionais para micros, o que tem significado,
como já salientamos, definitivamente, o enterro da hegemonia
do mainframe no gerenciamento das informações empresariais.
Ora, no interior destas modificações tecnológicas as próprias
noções clássicas, defendidas por Taylor e Deming (pelo menos
onde as duas se encontram), de liderança, divisão de trabalho,
sistemas para tarefas repetitivas, análise dos sistemas
organizacionais e monitoração freqüente com o escopo de
identificar desvios dos objetivos, são concepções que estão
passando por profundas transformações.

118
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

O novo mundo da Administração com o mundo novo, com


certeza, tal como na escola, criará uma estrutura teórica outra
aos estilos Administrativos. A liderança poderá se dissipar em
prol do discurso e igualmente a divisão do trabalho, pois a
tendência já está sendo a diversidade de tarefas entre todos
funcionários, o que, por sua vez, anula a essência das
concepções de repetição e especialização e os desvios dos
objetivos será determinado pelas próprias características dos
objetivos no “futuro”: dinâmicos, anômalos e mutantes. Todo e
qualquer planejamento estratégico de uma empresa do mundo
multimidiático deverá tratar mais com circunstâncias do que
com continuidades. A Administração será, cada vez mais, a
administração da diversidade, das diferenças e heterogeneidades
culturais. A Administração estará na busca contínua da extração
de sentidos do Caos. O poder está implodindo e talvez só reste
sua microfísica foulcaultiana. O próprio teórico da informática
Pierre Lévy, afirma não acreditar que os criadores e
administradores de grandes sistemas de informática busquem
“poder”. Para ele, esses homens estão procurando desenvolver
suas atividades criadoras quase ludicamente, com paixão: somos
todos, de certa forma, “prisioneiros” desses sistemas de
comunicação concebidos por uma ciência que ninguém poderia

45- Ilustração do Predomínio do Ícone


119
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

imaginar que redefiniria de modo tão radical a nossa relação


com o mundo.

120
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

3.5- A Nova Empresa Hipermídia

Na verdade com este subtítulo queremos fazer questão de


fixar o sentido de se concentrar na hipermídia toda e qualquer
expressão tecnológica da virada do século. A Empresa
Hipermídia não será somente mais colorida e movimentada, com
menos papel e mais ágil, será, também, como na afirmação de
Nasaki Nakajima sobre a entrada do microprocessador em todos
os campos da vida humana, um laboratório humano de
criatividade, onde toda idéia poderá ser aplicada,
instrumentalizada, fragmentada, transmitida, alterada,
reordenada etc.. Redes em expressão hipermídia serão a base de
toda comunicação empresarial e o trabalho irá aos trabalhadores
e não os trabalhadores ao lugar de trabalho. É sabido e alertado
por vários pensadores contemporâneos da Administração, que a
informática ainda serve, em grande parte, aos modelos antigos e
conservadores de organização, no entanto, a própria
maleabilidade da tecnologia multimidiática vêm impulsionando
transformações profundas. Se o "bom senso", a ética, a
criativiadade, a inteligência etc., não são e, nem serão,
garantidos pelo computador, suas expressões sem este último

46- Ilustração da Empresa Hipermídia


121
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

talvez sejam impossíveis num futuro próximo. E a revolução


científica que estamos passando nesta virada de século é, sem
dúvida alguma, bem mais importante que o lento e gradual
surgimento da escrita. A empresa e sua administração terá que
entrar na "onda" filosófica (como veremos no próximo capítulo)
de que não há virtualidade mais representativa do virtual do que
a própria realidade.
Neste contexto, a empresa hipermídia é a empresa que já
vive numa economia virtual da tecnologia da informação e
estrutura-se nas aplicações de sistemas abertos, equipamentos
pessoais de grande poder de processamento, revolucionárias
formas de integração homem-máquina, computação móvel,
redes digitais de computadores, interfaces gráficas,
videoconferência, software's 'inteligentes' e reconhecimento de
voz. Daí o Gartner Group prever que no ano 2000, 80% das
empresas no mundo inteiro terão pelo menos 30% de seus
funcionários fora do escritório.

47- Funcionário trabalhando em casa

122
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Sob um ponto de vista filosófico-tecnológico-administrativo,


é impressionante notarmos as diferenças dos últimos 40 anos
deste século: os anos 50 foram os momentos inaugurais dos
computadores nas grandes corporações; nos anos 60 e 70
tivemos o domínio do mainframe enquanto depósito principal
da empresa, os famosos CPD's, administrados somente por
experts; nos anos 80, o grande porte cedeu ao microcomputador,
cada usuário passou a adquirir "status" de especialista; o século
XXI já implementou sua característica: o mundo está no seu
computador. Mas antes de entrarmos novamente no século XXI,
é preciso lembrar que os anos 90 estão ratificando as tendências
da chamada computação colaborativa , em detrimento da
computação individual dos anos 80, que há um bom tempo
vinha se manifestando. Ainda no início dos anos 90, as
empresas, pasmadas, descobriram que apesar de terem investido
milhões de dólares na frescura de salas informatizadas, seu
crescimento não passava, em média, de 1% a 3%; revelaram,
assim, a triste realidade de que as informações acumuladas, não
só não circulavam pela empresa como, inclusive, ficavam
totalmente presas nas mãos de poucos funcionários, muitas
vezes centralizando ainda mais o processo administrativo.
Foi neste contexto, em meio a uma grande cartada de
marketing, que surgiu Mike Hammer e sua Reengenharia -
Revolucionando a Empresa. Hammer diz que toda mudança
corporativa é um oxímoro em vias de se tornar um pleonasmo.
Hammer aparece dizendo o óbvio em nível semiótico: não é a
tecnologia a culpada pela ineficiência, mas, sim, a insistente
manutenção de velhos estilos administrativos. Sem mudar a
estrutura corporativa, nenhum planejamento de informática iria
solucionar o planejamento estratégico da empresa. Ao contrário,
este último que deve direcionar aquele. Hammer entendeu, por
exemplo, que a única coisa constante é a mudança e que redes
digitais, reconhecimento de voz etc., seriam instrumentos de
mudança, revelando como verdadeiras estratégias de
reformulações da empresa a reengenharia, o downsinzing, o
rightsizing e a terceirização. A arquitetura cliente/servidor
123
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

(segundo levantamento da revista Computer Econimics de


jul./94 mais da metade das empresas norte-americanas já estão
incluídas nesta arquitetura) é que deve garantir tais estratégias
administrativas. Todo este processo, por um lado, de altíssimo
custo social, pretende garantir, por outro lado, uma maior
autonomia e responsabilidade ao trabalhador. É o que outro
teórico-consultor, Peter Durker, está chamando de kowledge
workers (trabalhadores do conhecimento). A completude da
reengenharia estaria, portanto, além da criação de uma nova
malha de distribuição da informação multimidiática dentro da
empresa, na circularidade eficiente destas informações, que
deverá num futuro muito próximo alcançar a realidade virtual e
a chamada inteligência artificial. Nesta última, por exemplo, a
Pizza Hut já está dando os primeiros passos, ainda nos caminhos
apontados pelo telemarketing (uma espécie de market basket).
Você liga para lá, o funcionário digita seu telefone e,
imediatamente, passa a lhe tratar pelo nome, assim como
aparece na tela seus pedidos até aquele dia. Com o tempo de
uso, e se o programa permitir, nós poderemos ter uma
interpreteção dos nossos gostos e preferências e, até, sugestões
do próprio computador para outros tipos de pizza que ainda não
experimentados. Com a entrada da hipermídia neste serviço,
poderemos assistir a um vídeo sobre a pizza solicitada, tirarmos
informações precisas (baseadas em especialistas) sobre o
potencial alimentar de cada pizza e, até, termos orientações de
dietas incluindo pizza. Quem sabe!? Como diz Peter Drucker,
ninguém nascido a partir dos anos 90, poderá imaginar como era
o mundo de seus avós. Mas nós podemos imaginar como será o
mundo no futuro destas crianças de hoje.
Lembrando o que tratamos no final do primeiro capítulo, hoje
já existem empresas que possuem banco de dados em terabytes,
sendo que um terabytes é igual a 1 000 000 000 000 de bytes.
Isto para o mundo multimidiático é muito bom, pois, este, só
poderá trabalhar com grande parte de sua capacidade interativa,
enquanto sustentado por uma estrutura muito potente em bytes.
Don Haderle, diretor de arquitetura e gerenciamento de dados e
124
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

de novas tecnologias da IBM destes anos 90, nos tranquiliza


frente a esta possibilidade de sustentação das informações
multimidiáticas citando, por exemplo, o banco de dados DB2
desta segunda metade dos anos 90 que tem três terabytes.
Randall Mott, diretor executivo da Walt-Mart nos anos 90, fala
de um banco de dados de quatro terabytes (um AT&T 3.600).
Mas por enquanto, o máximo que se alcançou nesta
configuração, foi a possibilidade de organizar os dados em ítens
muito objetivos e econômicos: nomes, endereços, tipos etc. . No
entanto o acelerado barateamento da colocação de dados em
CD-ROM (no ano 2000 talvez o custo da colocação de dados
por CD esteja US$ 0.10, segundo gráfico apresentado por
Richard Winter na Database Programming & Design) está nos
aproximando cada vez mais da empresa hipermídia. Don
Haderle prevê que até o ano 2005, poderemos estar frente a
banco de dados com 250 terabytes, quiçá, chegaremos a margem
de pentabytes.
O crescimento acelerado de bancos de dados potentes tem
possibilitado que, por exemplo, os fabricantes de automóveis no
Japão possam discriminar os ciclos da vida de cada automóvel,
frente a cada dono, controlando tudo que entra na fabricação do
carro e tudo que cada dono faz com ele. O fabricante pode,
então, interagir muito melhor com o dono do automóvel,
projetando as principais necessidades em todas as fases da vida
do veículo. Este tema técnico é fundamental para se discutir a
empresa hipermídia, pois sua forma de dados em imagens,
vídeos etc., não só precisa de um grande potencial de
armazenamento, como, também, de um sistema muito bem
montado para administrar seus dados multimidiáticos. Em 1986,
Terry Winograd e Fernando Torres apresentaram o paradigma
de serem as ortganizações grandes redes de conversações, onde
todosmembros da organização devem participar da criação e
manutenção de todo processo de comunicação, este, é concebido
como o resultado de atos de linguagem. Enfim, já entendiam
naquela época a tamanha imbricação entre a profissionalização
do mundo pessoal e pessoalização do profissional. Já Pierre
125
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Lévy salienta: “A ajuda ao trabalho em equipe representa uma


aplicação particularmente promissora dos hipertextos: ajuda ao
raciocínio, à argumentação, à discussão, à criação, à
organização, ao planejamento etc. . “(p.64)
Neste momento, quiçá, a pluralidade do cotidiano que
falávamos no capítulo 2 não tomará a dianteira das relações de
trabalho, democratizando-as cada vez mais (democracia aqui
enquanto sinônimo de mais espaço para a comunicação
interativa). A linguagem na empresa hipermídia deverá se
aproximar muito mais das expressões fantasiosas dos jogos,
vídeo-games; provavelmente começará a desenvolver um
melhor bom humor no ambiente de trabalho, em função de sua
expressão lúdica, como que numa continuidade da infância. Bill
Gates acredita que as expressões multimidiáticas irão
possibilitar uma maior continuidade à curiosidade infantil que é
boicotada desde a mais tenra idade. Jean Piaget estudando um
grupo de estudantes suíços que ia extremamente mal no
aprendizado da gramática francesa, descobriu que eles passavam
boa parte do dia jogando bolinha de gude, mas o mais
surpreendente é que a soma das regras de todos os jogos que
cada um dominava, era muito maior que o número de regras que
contém a gramática da língua francesa. Mas como poderiam
estes jovens não apreenderem um número de regras bem menor
que o conjunto de “joguinhos”? A resposta cai na re dundância
da obviedade: nos joguinhos tinham prazer, gozavam com o que
faziam, pois podiam interagir com o mundo que os cercava, o
que já é extremamente difícil nas logorréias das escolas
tradicionais. Não é por nada que a tecnologia interativa se
desenvolveu rapidamente nas linguagens dos Nitendos (marca
de vídeo-game) da vida.
Sendo a interação, o princípio básico da empresa hipermídia,
administração, marketing e, negócios, não a parte, mas,
inclusive, devem rapidamente entrar no jogo da interatividade.
Há enormes prenúncios de tais atitudes, por exemplo, revistas
que usam a técnica “scratch-and-sniff” (pegue-e-cheire) na
venda de colônias ou sabonetes etc. . A grande questão é que a
126
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

48- Jogo da Hipermídia: a propagação da curiosidade pelo mundo lúdico


comunicação hipermídia, possibilitará a expressividade de
sensações de movimento, bioquímicas, imagéticas, entre outras,
exatamente como a “realidade externa” teima até hoje em ser a
única a nos possibilitar. Na empresa hipermídia a ação cotidiana
do trabalho, deverá se aproximar muito do jogo infantil, que
soma à regra um grande prazer.
estético, tal como as crianças com a bolinha de gude, ou tal
como Bill Gates e a sobrevida de sua curiosidade. Não é por
nada que faculdades norte-americanas de Administração já
estão adotando a terminologia “jovem” e possibilitando que seus
estudantes “surfem” na Internet. A escola de pós-graduação em
Administração da Anderson Graduate School of Management da
UCLA (E.U.A) tem um projeto que deverá estar implementado
até o ano 2000, nele todos os estudantes deverão estar munidos
cada um com seu notebook e ligados com o mundo através de
um número ainda não declarado de redes internacionais. A
Universidade será, mais ou menos, apenas um ponto de
encontro, porque, na verdade, seus estudantes aprenderão
administração com o mundo, tal qual o labor na empresa

127
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

hipermídia do próximo século, que poderá estar em qualquer


lugar.
O encontro Universidade, Empresa e Cotidiano terá uma
estrutura macro e como diz o filósofo da informática Pierre
Lévy “os dirigentes das multinacionais, os administradores
precavidos e os engenheiros criativos sabem perfeitamente que
as estratégias vitoriosas passam pelos mínimos detalhes
‘técnicos’, dos quais nenhum pode ser desprezado, e que são
todos inseparavelmente políticos e culturais, ao mesmo tempo
que são técnicos... “.

4 - A CIÊNCIA E A
128
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

HIPERMÍDIA

4.1- A Materialização do Caos

O filósofo e teórico da ciência Thomas Kuhn, descreveu certa


vez as grandes contradições do meio científico: se, de um lado, o
aprofundamento e a mutação dos paradigmas vigentes, são
fatores que tem garantido, a famosa polêmica, o "progresso da
ciência"; por outro lado, é a própria manutenção dos paradigmas
nas instituições da Ciência Normal (Universidades, Institutos
etc.) que tem, muitas vezes, sido a principal causa do
barramento de descobertas, invenções ou novas análises
científicas. A Universidade, por exemplo, é, concomitantemente,
vanguarda e conservadorismo. Seu lado de vanguarda procura
romper com o paradigma então no poder; já o conservador
pretende manter o poder, pois, geralmente, a segurança deste
depende da manutenção do paradigma. Neste sentido, um dos
paradigmas mais comuns e frequentes no meio científico é o da
sistematização e organização do processo de pesquisa. Fator
principal de diferenciação entre ciência e arte, exatamente não
só por pressupor um método tanto de produção, quanto de
avaliação de seus paradigmas, como, também, por trabalhar com
uma estrutura lógico-linear que propõe a revelação de verdades
e leis científicas da mesma forma. No cúmulo destas
significações podemos encontrar o esteriótipo mais usual de
cientista: o cientista é aquele que acorda às 6:30, faz higiene às
6:45, toma café às 7:00, estuda até às 9:53, lancha até às 10:11 e
volta a estudar até às 11:50. Tal como seu cotidiano, sua
produção deve começar pelo fichamento, levantamento de
hipóteses, apresentação das variáveis etc., até chegar à poderosa
análise. Não só em sua vida pessoal como, inclusive,
129
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

profissional, privilegia o sistemático definido por seu método. A


filosofia que ajudou a pensar tal caminho apontou a regra: temos
que ter ordem para que tenhamos progresso. Ordem é a ausência
de conflito, garantida pelo sistemático, garantido pelo método,
garantido pela teoria, garantida por determinados princípios de
cunho filosófico. A desordem é causada pelo conflito, causado
pela eterna dúvida, causada por frequente insegurança, causada
por falta de sistematização para o estudo, causada por rebeldia
aos paradigmas vigentes; conjuntura, essencialmente,
improdutiva!

49- Augusto Comte - Pai filosófico da ceoncepção “Ordem e Progresso”


Das cinzas desta grande tensão ordem/desordem surge a
Teoria do Caos. A física tem desenvolvido a concepção (como
na compreensão da turbulência dos fluídos ou de pequenos
sistemas mecânicos como três corpos) de que toda grande
manifestação fenomênica traz complexidades minúsculas que,
ao invés de serem insignificantes são, muitas vezes, causadoras
de grandes mudanças. A física é uma ciência que muito bem
pode demonstrar o caminho que se vem trilhando à busca da
compreensão do caótico. A própria física, que em sua versão
clássica admitia a compreensão da continuidade e determinismo
130
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

dos processos subatômicos, através de um pretencioso domínio


absoluto do universo, tal como na teoria de Newton onde tudo se
enquadra perfeitamente em seus esquemas mecânicos, não
deixando nenhuma ação ao “sujeito”; esta física clássica começa
a afundar no século XX, por exemplo, frente ao universo da
compreensão na mecânica quântica que, investigando os
fenômenos que ocorrem com átomos, partículas e moléculas,
passou a aceitar a importante ação de fenômenos “discretos”,
mas, que nem por isso, deixavam de ser “revolucionários”. Ou
seja, a valorização do caos e da desordem aponta à valorização
do “detalhe” que, por sua vez, permite compreender a
diversidade da natureza, composta, prioritariamente, de sistemas
desordenados (por exemplo, a radiação residual do corpo negro)
e de sistemas fora do equilíbrio (por exemplo, todos sistemas
biológicos). Jim Yorke, matemático aplicado da Universidade de
Maryland, em artigo publicado em 1975, (na Amer, Math,
Montly v.82) com o título Period three implies chaos, tentava
demostrar que numa classe externa de aplicações (em
matemática) de um intervalo de reta (em si mesmo) a existência
de um ponto periódico de período 3, remete a manifestação dos
pontos periódicos de todos os outros períodos. Yorke denomina
este conjunto de interrelações de caos. A partir daí foi um passo
para que se propagasse na física o estudo de dependências
hipersensíveis, movimentos sobre atratores estranhos, ruídos
deterministas etc., O caos começou a ser bandeira de revistas
científicas, que passaram a se dedicar à busca de dignidade para
o que se convencionou chamar ciência não-linear. Edward
Lorenz, por exemplo, com seu “efeito borboleta”, através do
qual defende a idéia da dependência hipersensível das condições
iniciais relacionada com a metereologia, afirma que no interior
de uma certa temporalidade, o bater de asas de uma borboleta,
modificará completamente a atmosfera da terra. Nas ciências
sociais, como prevê David Ruelle,em Hasard et chaos, a
trajetória não deve ser experimental mas, prioritariamente
filosófica e semiótica.

131
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Assim pressupõe Ilya Prigogine, professor da Universidade


Livre de Bruxelas e prêmio Nobel de Química, ao afirmar que
quem sabe, com as possibilidades da informática frente ao
heterogêneo deste final de século, não estejamos muito

50- O vôo de uma borboleta altera a atmosfera terrestre


próximos da libertação definitiva das amarras ideológicas do
século XVII, no caminho de uma linguagem universal que saia
novamente da filosofia em direção às ciências que transformam-
se cada vez mais em, essencialmente e finalmente, diálogo;
quem sabe, completaríamos, não estejamos mais próximos do
maneirismo artístico do XVI e do barroco do XVII, toda vez que
optarmos pelo diverso e heterogêneo do que da filosofia deste
período.
Trocando em miúdos, a compreensão na ciência, a partir da
teoria do caos, está tendo uma conseqüência avassaladora em
qualquer tentativa de manutenção do causal e previsível, como
na tradição iluminista-positivista descrita acima. Em grande
parte a meteorologia tornou-se o exemplo-mor, à medida em que
mesmo a compreensão técnica mais precisa, não garante cálculo
irreversível de previsão; pois muitas vezes, um pequeno fator
modifica totalmente, em minutos, todos os prognósticos.
132
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Portanto, no interior da metodologia científica, a teoria do caos


seria a valorização da desordem na ordem, ou vice-versa.
As estruturas dissipativas de Ilya Prigogine, a auto-
organização de von Foerster,o acaso organizador de Henri
Atlan, o que irrompe de Heidegger, a subjetividade estimulada
de David Rokeby, o tempo-invenção de Bergson, o cronotopos
de Einstein, o Outro de Lacan, a nona casa de Frege, o
inconsciente de Freud, a consciência histórica efetiva de
Gadamer, o caosmose de Guattari, a ecologia cognitiva de Lévy,
o efeito borboleta de Edward Lorenz, o imaginário de
Castoriadis, os jogos de linguagem de Wittgenstein, a semiose
de Peirce, o multilingüismo de Bakhtine, a episteme de Foucault,
o punctum de Barthes, o universo infinito de Koyré o ruído, o
aleatório, o circunstancial, o intersubjetivo, etc., são princípios e
teorias que acabaram de vez com a linearidade e sistematização
enquanto principais recursos da compreensão científica. Como
vimos anteriormente, esta "onda" alcançou a própria
Administração de Empresas, por exemplo, através de Hammer e
sua Reengenharia,
realçando que a única
norma estável é a
mudança; ou mesmo
Freud, ainda no início do
século refletindo sobre a
trama das redes
imaginárias e dos traços
mnemônicos
inconscientes falava: Wo
es war, soll ich werden!
(onde o isso era, o eu há
de vir). O isso está no
lugar de qualquer coisa
na relação com qualquer
coisa, o eu, perde seu
estatuto de identidade no
51- Esquema topológico lacaniano inconsciente,
133
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

dispersando-se entre as mais variadas representações. Nesta


trilha, um psicanalista francês seguidor de Freud, Jacques
Lacan, vai falar que o real (a realidade) é o inconsciente e que,
este, é o caos, por conseguinte, a realidade é o caos; e na
comunicação, quanto maior o caos, mais real ela se apresenta a
nós? Não é bem assim! Este assunto abordaremos com calma
mais adiante (no 4.5), por hora cabe realçar que, há muito,
inúmeros princípios filosóficos e teóricos vêm destacando a
não-linearidade de todo estar-no-mundo.
Ora, se levarmos em conta este "novo" paradigma da eterna
mutação e da ordem na desordem, qual tecnologia da
comunicação que pode lhe ser coerente? Claro, de novo ela!
Jean-Lévy-Leblond, diretor da revista Alliage e da coleção
"Science Ouverte", Éditions du Seuil, afirma diante das
possibilidades hipertextuais multimidiática: "Depois de ter
pedido por séculos à ciência para justificar, legitimar, até
mesmo impor a 'ordem' - e por vezes de maneira relativamente
brutal - e, diante do fracasso dessa tentativa de ordenar o
mundo, agora nos agarramos à idéia de que a ciência deveria
justificar, legitimar, e por que não, impor a 'desordem'." A
ciência não exatamente imporia o caos, mas, finalmente,
passaria a reconhecer que ele está aí, tão inevitável quanto a
chuva no lugar do anunciado sol. A metodologia científica
também tem muito o que aprender com o hipertexto ou
hipermídia em suas expressões não-lineares. No entanto,
devemos mais uma e pela última vez insistir: a tecnologia
hipermídia só pode ser desenvolvida em suas potencialidades
interativas não-lineares, não só, se sua estrutura de software
permitir, como também, se suas informações forem
astuciosamente colocadas à disposição.
Talvez a mais conhecida, nem por isso a melhor,
representação filosófico-teórica nesta segunda metade da década
de 90, destas preocupações, esteja na ecologia cognitiva de
Pierre Lévy destacada em seus livros A Máquina Universo e As
Tecnologias da Inteligência. Lévy acredita que a quantidade de
coisas e técnicas que habitam o “inconscicente intelectual”, é a
134
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

melhor comprovação de que não pode haver diferenças


metodológicas entre sujeito individual e coletivo cosmopolita.
Coletivo cosmopolita é como Lévy prefere chamar o “sujeito”
do método cartesiano-iluminista e é o que garante para o autor
seu princípio-mor da ecologia cognitiva em seu livro
Tecnologias da Inteligência: “A História das Tecnologias
Intelectuais condiciona (sem no entanto determiná-la) a do
pensamento.”(p.19) A ecologia cognitiva é o estudo das
dimensões técnicas e coletivas da cognição e, esta, deve ser
compreendida como uma frequente auto-reorganização, que
segue dois princípios básicos: a multiplicidade conectada (“uma
tecnologia intelectual contém muitas outras”) e o princípio de
interpretação (“cada ator, desviando e reinterpretando as
possibilidades de uso de uma tecnologia intelectual, atribui a
elas um novo sentido”). Para Lévy foi mais ou menos o que teria
acontecido no Silicon Valley no início dos anos 70. Um vale
situado num raio de algumas dezenas de quilômetros da
Universidade de Standford, e para falar do vale Lévy dá o título
Desordem e Caos, e descreve o surgimento de
empreendimentos científicos revolucionários como o
nascimento da Apple. Estudantes e cientistas tinham acesso aos
computadores da NASA e a vários bancos de dados de empresas
já consagradas como a IBM. Lévy afirma que da caótica
desordem do mundo no Silicon Valley, tivemos a emergência de
um dos momentos mais criativos do universo informático-
acadêmico. Apesar de Lévy falar de conceitos comprometidos
como lógica e hermenêutica sem citar seus fundamentos,
devemos lhe dar todo crédito quando supõe que o caos e a
desordem vêm oferecer à ciência a compreensão de que os
conceitos são nômades, as técnicas mutantes, as verdades
movediças e, fundamentalmente, no caminho apontado por ele,
a tecnologia da escrita impressa é mãe e pai da lógica linear,
mas nem por isso determinante daquela.
Talvez tenhamos chegado no auge do mundo apontado por
Alexander Koyré, ao afirmar que com o aparecimento de mapas
celestes astronômicos e cosmológicos, passamos do mundo
135
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

fechado ao universo infinito, exatamente por transcender a


palavra. Agora o hipertexto em suas expressões multimidiáticas
está mais próximo do acaso das anomalias do mundo do
universo infinito, exatamente da matéria prima da qual que vive
o caos. Finalmente, talvez nesta virada de século, a informática
com a hipermídia possa se livrar dos maus pré-juízos
sustentados pelos informatas até o início dos anos 80, como, por
exemplo, a idéia de que seu mundo é binário, rígido, monolítico,
limitador, centralizado etc. .
O mundo da hipermídia vai ao encontro da concepção de

52- Mapa astral renascentista - O Universo estava se representando infinito


memória de longo prazo desenvolvida pela psicologia cognitiva;
onde experiências tem procurado demonstrar que a retenção de
lista de palavras decoradas, não dura mais que vinte quatro
horas, enquanto que quando estas palavras são associadas a
histórias ou jogos de imagens, sua lembrança vai mais além.
Conexões, associações, relações parecem ser o melhor caminho
para o aprendizado. A hipermídia, é muito mais que uma
técnica, isto não só pela impossibilidade desta existir
isoladamente, como também por sua característica de polo
concentrador das mais variadas formas de comuncação e dos
136
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

mais variados “experts” do mundo da ciência e da arte. Para


compreender as caóticas manifestações do mundo, desenhistas,
músicos, fotógrafos, diretores de vídeos etc., devem se juntar
com programadores, intelectuais e cientistas das mais variadas
áreas. Complementando esta idéia e vindo ao encontro da
psicologia cognitiva, mas de encontro à tradição escrita, Lévy
afirma: “A nova escrita hipertextual ou hipermídia certamente
estará mais próxima da montagem de um espetáculo do que da
redação clássica, na qual o autor apenas se preocupava com a
coerência de um texto linear e estático.”(p.108) A técnica num
meio científico, não traz significação inerente, pois seu sentido é
definido ao longo de uma série de coalizões sociais. Como nos
trabalhos de Isabelle Stengers em Entre le temps et l’éternité,
uma inovação técnica traz junto de si um conjunto enorme de
significações culturais, políticas, e sociais. Portanto, dificilmente
podemos colocar na técnica a responsabilidade pela qualidade,
elas não determinam nada, como lembra Lévy, elas podem até
interditar, mas não ditam.
É justamente com Lévy que pretendemos terminar este tópico
sobre o caos. Lévy propõe uma tecnociência que tenha por
escopo uma tecnodemocracia. Esta, jamais estaria sustentada
numa condenação à priori da técnica, pois não conseguiria
compreender esta última como um monstro fatal, todo-poderoso,
privilegiado pelo progresso das classes dominantes. A
tecnodemocracia de Lévy, explora justamente o caos da
contrariedade, da diversidade, da heterogeneidade, do custo
social etc.; mas também da democracia, da criatividade, da
fantasia etc., aquela “hibridação dos meios” qual falava
McLuhan em Os Meios de Comunicação como Extensão do
Homem que assola a contemporaneidade e que, para tanto, o
filósofo cognitivista propõe uma co-responsabilidade frente ao
mundo indeterminado.
O caos materializou-se no mundo digital e, no meio
científico, pode ser o hipertexto, um grande apelo ao
afrouxamento da rigidez do discurso da academia. Poderíamos ir
até mais longe e imaginarmos que esta “rigidez” não será mais
137
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

possível em meio a lúdica navegação multimidiática. O


“progresso” não deriva mais da ordem, enquanto sinônimo de
sistematização, linearidade e não-conflito, ou seja, enquanto
conseqüência de um método objetivo, pois as novas ciências
não-lineares do caos é que deverão garantir a “evolução” da
ciência. Poderíamos até pensar num novo chavão: “caos e
progresso”. Da Filosofia à Biologia, da Psicanálise à
Administração, da Metereologia à História ...

4.2- O Discurso do Hipertexto

138
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A concepção de hipertexto data da metade da década de 40,


quando as experiências de Vannevar Bush (inventor do
Analisador Diferencial, uma calculadora analógica dos anos 30)
foram relatadas num artigo publicado na revista The Atlantic
Montly - 1945, sob o títlulo "As we may think", onde o autor
tentava convencer da necessidade de flexibilizar os conceitos
científicos, ainda totalmente estruturados em sistemas de
comunicação ordenados e hierárquicos. Bush partia do princípio
de que o "raciocínio humano" não funciona por hierarquias de
palavras, classificadas em organogramas conceituais, mas, sim,
através das mais variadas associações que percorriam uma
complexa rede de trilhas desconexas de representações. Bush
não intencionava reproduzir esta característica reticular, mas
respeitá-la; daí, imaginariamente, surge seu Memex, dispositivo
que deveria possibilitar a organização das informações por
associação. O Memex organizaria os dados (imagens e textos)

53- Representação do Memex ou Xanadu


de forma totalmente interligadas; se acessássemos algum
conceito, este traria junto consigo, numa inspiração
mallarmiana, uma rede "infinita" de associações. Até aqui, no
entanto, ainda não havia surgido o conceito de hipertexto, fato
que só vai ocorrer em 1962, quando um outro futurista chamado
Theodor Nelson projeta o Xanadu, imensa rede de
comunicações que conteria todo o conhecimento literário e
139
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

científico do mundo, uma espécie de Bibliteca de Alexandria,


como comenta P. Lévy; uma materialização tecnológica da
polifonia bakhtiniana, ou seja, o mundo inteiro podendo
conversar de forma extremamente interativa. Ao que parece,
pelo que temos visto até aqui, estamos chegando muito
próximos de concretizarmos tecnologicamente tais visões. A
hipermídia, com seu potencial de armazenamento em CD-ROM,
somada aos sistemas de redes internacionais, tem demonstrado
ser um caminho irreverssível nesta direção. No entanto, o grande
trunfo e caráter diferenciador do hipertexto não está tanto nas
possibildades associativas, mas em sua estrutura não-linear.
A não-linearidade é um princípio que perpassa a filosofia, a
arte e as ciências e remete à busca da compreensão do modo de
ser da compreensão. Como apontou Pierre Lévy, trata-se de um
novo desafio para uma nova hermenêutica. O hipertexto
informatizado permite o caminho de uma apreensão não-linear,
exatamente porque sua estrutura lógica possibilita a navegação
através de uma imensa quantidade de informações. É como se
fosse um caleidoscópio de representações. Numa boa estrutura
de hardware, as informações neste caleidoscópio, podem ser
acessadas em décimos de segundos, e de informação em
informação, vamos navegando. No entanto, estejamos onde
estivermos, não perderemos a visão do todo, pois a navegação
no hipertexto ou hipermídia, permite o todo no fragmento e,
este, naquele. A concomitância do macro e do fragmento no
hipertexto, acaba oferecendo a oportunidade ao usuário de, não
só não perder o contexto, como também de mudá-lo na hora que
achar conveniente.

140
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

54- Ícones e Janelas que representam Navegação

É o próprio Pierre Lévy que aponta seis características


fundamentais ao hipertexto: 1-princípio da metamorfose; 2-
princípio da heterogeneidade; 3- princípio de multiplicidade e
de encaixe das escalas; 4- princípio da exterioridade; 5-
princípio de topologia; 6- princípio de mobilidade dos centros.
A metamorfose remete à mudança e ao jogo entre as interfaces.
A heterogeneidade diz respeito às variações de dados em
imagens, sons etc., em linguagens múltiplas: multimodais,
multimidiáticas, analógicas, digitais etc.. A multiplicidade e
encaixe das escalas, destaca a característica "fractal" do
hipertexto, através do qual pretende evidenciar a estrutura
reticular, que possibilita a formação de redes dentro de redes. A
exterioridade remete ao aspecto "infinito" de crescimento da
rede hipertextual, que pode crescer cotidianamente através da
aquisição de novos dados. A topologia não nos deixa esquecer
que a rede hipertextual não está num espaço, ela é o espaço que
ocupa, portanto, os caminhos das associações estão postos
anteriormente. E o princípio de mobilidade dos centros, procura
realçar que a rede não tem centro, mas sim possui vários centros,
perpetuamente móveis. Há um princípio do qual Lévy talvez
tenha esquecido, o palinódico, pois teoricamente há uma
estrutura no hipertexto que possibilita o desdito através da oferta
de inúmeras interpretações e caminhos de busca.
141
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A condição palinódica do discurso no hipertexo está calcada


em sua estrutura nodal. Os nós entre palavras, imagens,
documentação, músicas, vídeos etc., podem, não só, tal como na
obra de arte, criar outra significação diferente da última
encontrada, como, inclusive, desdizê-la. O manifestar nodal do
hipertexto não se dá como se fossem nós espalhados por uma
corda, linearmente, mas sim, como em Escher, como se fizessem
parte de um grande caleidoscópio tridimensional, pois cada nó
pode conter uma grande rede e numa outra dimensão. Neste
sentido é que por circunstâncias ontológicas, a navegação pelo
hipertexto jamais será linear, já que sua estrutura reticular não
comporta tal caminho.
Apesar de Pierre Lévy de forma totalmente incoerente
(veremos melhor no ítem 5.4) condenar Martin Heidegger frente
à questão da tecnologia, parece ter razão num aspecto
fundamental: a distinção entre subjetividade e objetividade deve
ser abandonada, tal como previa Heidegger em sua “intuição”de
que a metafísica havia chegado ao fim. Assim como também
terminou a distinção entre sujeito/objeto, pois o fortalecimento
do sujeito, enquanto resultado da ação objetiva do ser, definida
pelos “mecanismos causais”, não tem mais sustentação. Numa
inspiração surpreendentemente heideggeriana, Lévy escreve:
“Subjetividade e objetividade pura não pertencem, de direito, a
nenhuma categoria, a nenhuma substância bem definida. De um
lado, mecanismos cegos e heterogêneos, objetos técnicos,
territórios geográficos ou existenciais contribuindo para a
formação das subjetividades. De outro, as coisas do mundo são
recheadas de imaginário, investidas e parcialemente
constituídas pela memória, os projetos e o trabalho dos
homens.”(p.168)
No caminho indicado por Pierre Lévy, o hipertexto está
repleto de condições que possibilitam a valorização da
inconsciência no interior de todo processo de comunicação. A
consciência e a própria linearidade, estão longe de ser um
aspecto essencial da inteligência, diz Lévy que, ao descrever a

142
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

primeira a partir da psicologia cognitiva, a trata como "mais


uma interface" (p.170).
Esta insignificância da consciência a que se refere Lévy, pode
ser comentada através de um paralelo com um conceito existente
no meio da computação gráfica que é o de imagem sintética ou
imagem de síntese. Gianfranco Bettetini, em La Simulazione
Visiva (Milão, Bompiani, 1991), esclarece que a imagem de
síntese não é construída a partir de um ponto de vista físico
(como na fotografia), mas prioritariamente escópico, com a
característica de ser um olhar de ninguém, onde"sujeito" e

55- Imagem de Síntese - um novo paradigma da imagem

"objeto" são frutos de uma ação de simulação. Na representação


analógica (vídeo, fotografia) temos uma “simulação” do mundo
externo, pois o que o espectador vê pela primeira vez é algo que
já foi visto pela câmera; já na computação gráfica temos uma
simulação da simulação analógica. Da mesma forma o
hipertexto possibilita a simulação da simulação do desejo do
usuário, exatamente por sua estrutura permitir as mais variadas
associações interativas. Como no manifestar da imagem de
síntese, o usuário/operador pode criar representações
alternativas, modificar a origem cronológica, ou até abdicar
143
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

totalmente de uma diacronia. Como no “texto” da imagem de


síntese a estrutura do hipertexto deixa o futuro em aberto que,
provavelmente, por mais repetitivo que seja, jamais será o
mesmo! Mais que isto, esta própria maneira de ser do hipertexto,
pressupõe a interação do usuário. Devemos imaginar que em
muito pouco tempo a passividade do homem frente a máquina
não poderá mais existir. Os hipertextos são manifestações
tecnológicas que dependem da iniciativa, invenção e relação
dialógica de seu usuário. Suas aplicações imaginárias
(simulações de simulações, se quisermos) ratificam a análise de
P. Lévy de que neste novo ambiente tecnológico da virada do
século somos todos habitados pelos imaginários dos
imaginários. Numa outra oportunidade gostaríamos de discutir a
possibilidade de simulações de simulações e de imaginários de
imaginários, por hora cabe realçar que o hipertexto segue os
caminhos da anamorfose, pois sua existência depende do
afrouxamento dos cânones rígidos da escrita linear.
O psicanalista italiano estudioso da informática, Félix
Guattari, vai a fundo nas comparações entre psique e hipertexto,
afirmando que há uma grande similaridade entre os dois
fenômenos. Realça que tanto num como noutro, não há
universalidades estruturais, mas a "interface maquínica que
opera a aglomeração ontológica de diferentes ritornelos
existenciais. É a dimensão de transversalidade desenvolvida por
esses ritornelos, essas máquinas abstratas, singularizando uma
certa Constelação de Universos e pondo em jogo certos Phylum
maquínicos." (Caosmose, p. 80-81). Para Guattari, o psicanalista
já entendeu que o self é polifônico e que, por isso mesmo a
psicanálise como ciência deve respeitar a heterogênese do ser.
Ou seja, somos todos essencialmente plural, somos vários com
inúmeros interesses e com algumas poucas nuancias de
continuidades. A essência da nossa curiosidade pode ser
representada numa geometria fractal, ontologia fractal fala
Guattari, pois vivemos a eterna mudança e germinação de
novos contextos, que vistos de perto são o caos.

144
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

"De maneira compulsiva volto a esse vaievém incessante,


entre a complexidade e o caos", diz Guattari. No hipertexto o
ser é intimado a transofrmar-se em outro a todo instante, o eu
materializa-se frequentemente no alter. Há uma relação como
lembra Guattari, entre a heterogeneidade dos componentes e
uma heterogênese ontológica, baseada sempre na proliferação de
novos caminhos, novas opções. Pierre Lévy, chama de
ideografia dinâmica a capacidade hipertextual de subverter a
coação da "antiga" linearidade escritural. É o que Guattari
chama de caosmose, a multiplicação de pontos umbilicais de
desconstrução, de destotalização e de desterritorialização. Neste
caminho, o próprio Guattari concluiu que o caos possui uma
trama ontológica e está repleto de virtualidade e alteridade;
fatores que determinam que nada mais será como antes.
No hipertexto, os sentidos devem ser potencialmente
caóticos, não por não possibilitarem identidade e apreensão, mas
por oferecerem mutabilidade constante à identidade e à
apreensão. Por exemplo, tendo o teclado sua existência com os
dias contados, teremos, inclusive, uma volta da oralidade que
reforçará, como a psicanálise já entendeu, as interpretações dos
caminhos tortuosos do desejo. Assim, passará a interessar muito
mais a instância fundadora da intencionalidade, da qual a
subjetividade maquínica procurará dar conta, do que os sentidos
lógicos de um enunciado.
Com o hipertexto e a perda da linearidade, a implosão do
sujeito que há muito vem compondo-se no ocidente, adquire sua
versão maquínica. A subjetividade possibilitada pelo traçado
reticular da máquina é o resultado da fusão entre sujeito e
objeto, ou seja, o fim destas categorias.
A estrutura do hipertexto deverá facilitar a revelação de que a
subjetividade não está somente em níveis inconscientes, ou em
representações como os matemas lacanianos (representações
matemático-topológicas do inconsciente segundo o psicanalista
Jacques Lacan), está também nos grandes discursos sociais e em
suas mídias. Ou seja, paradigmas científicos como o
inconsciente, passam a assumir um caráter fundamentalmente
145
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

ético-estético. Talvez, no limite, o inconsciente seja como quer


Guattari, mais fluxo e máquinas abstratas do que estrutura e
linguagem, mais "esquizo" do que sentido, pois a subjetividade
não está mais localizada num corpo ou num objeto, mas no reino
nômade do mundo digital. O que talvez pudéssemos chamar
de polifonia digital .
Mas a pergunta básica aqui é: podemos considerar esta
polifonia hipertextual um avanço democrático no âmbito das
relações humanas? Sim! Responderíamos sem titubiar. Pois ao
contrário do que pensam os "modernistas que rejeitam o mundo

56- Representação icônica das associações num hipertexto


da informática", acreditamos que a própria multiplicação dos
espaços interno e externo de comunicação, já é uma abertura
significativa. No hipertexto podemos fazer o caminho que
quisermos e, em breve, o mais importante, poderemos
caracterizá-lo com a nossa feição, incluindo nele os dados e
análises significativos para nós. Sim, também, porque no mundo
multimidiático das grandes redes, como vimos anteriormente,
qualquer um poderá ter qualquer acesso. A que nível de
"democratização" dos espaços digitais isto acontecerá não
sabemos, mas, com certeza, o caleidoscópio reticular das
informações hipertextuais será infinitamente mais ágil, rico em
146
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

quantidade e qualidade de informações interativas, do que os


meios de comunicação que mais dispusemos ao longo do século
XX.

4.3 - O Fim do Livro

147
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Que livro? O de papel, responderíamos! O conceito de livro,


como muito bem trabalha Arlindo Machado em seu hipertexto
Ensaios Sobre a Contemporaneidade - PUC/SP - 1994, é muito
mais amplo que o tradicional códice do século XVI. No entanto,
hoje em dia já estamos tão familiarizados com a idéia de livro
enquanto códice que dificilmente conseguiríamos ressignificar
seu conceito.
O leitor pode pensar que a afirmação de que o livro vai
acabar seja muito radical, mas não é. Os fatores são não só
tecnológicos, como também taxionômicos, psicológicos,
ecológicos, ou seja, teóricos, abangendo todas as ciências e,
mesmo, filosóficos. Vejamos apenas alguns.
O fator tecnológico que lidera trata-se do fato de que,
enquanto um livro de 200p. (sem ilustrações coloridas) custa
cerca de US$ 1,50 (preço de capa) para uma editora, o custo de
um CD-ROM é o mesmo; a diferença está que neste último você
pode colocar milhares e milhares de páginas (até 200.000 p.),

57- Produção de CD-ROM


vídeos enfim, tudo o que já vimos e, ainda, de forma interativa.

148
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

O fator taxionômico-epistemológico está calcado exatamente


na possibilidade da interatividade; não que o livro de papel não
seja interativo, claro que é, mas esta interatividade está limitada
às possibilidades da leitura linear que o autor previu ao escrevê-
lo. Devemos discordar tremendamente da opinião de Nicholas
Negroponte que afirma categoricamente: " A hipermídia
interativa deixa muito pouco espaço para a imaginação. Tal e
qual um filme de Hollywood, a narrativa hipermídia inclui
representações tão específicas que deixa cada vez menos espaço
para a fantasia. A palavra escrita, ao contrário, estimula a
formação de imagens e evoca metáforas cujo significado
depende sobretudo da imaginação e das experiências do leitor."
(in: A Vida Digital. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
p.13) Negroponte que nos perdoe, mas esta opinião só pode ser
de alguém que, como ele mesmo afirma em seu livro, não gosta
de ler e, acima de tudo, o mais surpreendente pois se trata do
Professor de Tecnologia da Mídia do Massachusetts Institute of
Technology e articulista da revista Wired, de uma rala
compreensão do que vem a ser a revolução digital
multimidiática. No entanto, o fator de maior diferencial em
Negroponte, como na pequena citação acima, está exatamente
naquilo que ele não explicita: suas definições de imaginação,

58- ET - Speilberg - 1984

149
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

metáfora e fantasia. Neste momento, lhe faltou teoria da


psicologia humana, coisa que, com certeza, a informática, em si,
não pode oferecer. Como já vimos inúmeras vezes, a hipermídia
tal qual um livro impresso, tem sua qualidade relacionada
diretamente com quem a cria. Portanto, dependendo dos
recursos utilizados e da criatividade de quem a produziu, pode
ser muito interativa ou muito pouco interativa; atrair pouco ou
muito o leitor. Dizer que um rico material cênico e lendário
(como o E.T. de Speilberg, por exemplo), pouco estimula a
fantasia do espectador é, no mímino, oferecer um grande
reducionismo à compreensão da psicologia humana. Assim,
como se um filme pudesse esgotá-la! Nem um filme, nem um
livro impresso e nem a hipermídia! Independente do purismo
dos cinófilos, comparar a hipermídia com um filme é, no
mínimo, uma injustiça com ambos.
Ao falarmos, neste ítem, que o livro vai sumir, estamos
falando do livro em sua manifestação tecnológica impressa,
jamais querendo dizer, pelo menos por hora, que a leitura
sumirá, ou será desvalorizada. Pierre Lévy, num caminho
contrário a Negroponte, destaca que, por um lado, a escrita
serviu durante muito tempo à sistematização e ao
enquandramento da "palavra efêmera"; mas, por outro lado,
criou a tendência de se ler o mundo "como se fosse uma página"
(p.71). Neste sentido, Lévy vai mais a fundo e responsabiliza a
escrita pela clássica separação entre emissor e receptor que,
como temos visto, sustenta o caminho unidirecional de qualquer
comunicação. Lévy conclui, o que talvez pareça um exagero,
que a escrita linear condiciona a filosofia e a racionalidade
(p.95). Para o historiador-psicanalista Michel de Certeau, a
afirmação de Lévy não seria um exagero. Certeau em A Escrita
da História, faz uma análise do conceito francês de écriture
frente a “descoberta” da América pelos europeus e conclue que
há centenas de anos já estavam traçados os critérios que seriam
usados tanto pela Igreja, quanto pelos “leigos” do XVI para
entender o “novo continente”. Para Certeau, toda História é um

150
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

desdobramento da écriture que sempre esteve posta


anteriormente às concepções “modernas”.
Talvez algum leitor pense que não se trate de colocarmos
texto/impresso (linear) de um lado e, de outro,
hipermídia/hipertexto, não-linear e interativo, pois haverá
espaço para ambos. Isto já está acontecendo nos países
digitalizados, pois já encontramos uma convivência de ambos.
Porém, é a revolução digital que está colocando em evidência a
anomalia da informática, que já vem se manifestando há
décadas. O surgimento da escrita criou a possibilidade da
História e da Memória, como bem demonstra o histoiador
francês da História das Mentalidades, Jacques Le Goff, em seus
ensaios célebres no volume Memória/História da Enciclopédia
Eunaudi, assim como a Revolução Industrial mudou para
sempre as releções sociais de trabalho e as Revoluções
Iluministas e Socialistas, as relações políticas e, todas as três, o
mundo. Com isto, estamos querendo dizer ao leitor, que a
Revolução Digital não pode ser visualizada somente em sua
estrutura técnica, mas em suas interrelações com o mundo. Já
deve ter dado para notar que ao abordar-se, por exemplo, o tema
o fim do livro, o marketing, a educação, a empresa, a ciência
etc., temos a sensação de que sempre estamos falando da ponta
do iceberg; de fato, a partir do mundo das redes multimidiáticas
digitais, o Iceberg será, sempre, o mundo/ A própria abrangência
ontológica das manifestações digitais é que determina, assim
como no hipertexto, que a compreensão sempre está morando
no interior de uma grande rede de associações. Como se fosse
uma grande polifonia de jogos de linguagem.
Outro historiador francês Lucien Febvre, também da corrente
das mentalidades já indicava na década de 50 (em O
Aparecimento do Livro) que o livro impresso estava
morimbundo. O tempo, o acesso, o valor, o ritual que circundam
o livro sucumbirão frente a rapidez, a interatividade, a
reticularidade e ao mundo de cabo de fibras ópticas que já está
aí. Como diz Arlindo Machado: “ O modo de produção do livro
é lento demais para um mundo que sofre mutações vertiginosas
151
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

59- Imagem da Tela de Entrada - Obras Completas de Shakespeare


a cada minuto. Os atrativos do livro empalidecem diante do
turbilhão de possibilidades aberto pelos meios áudio-visuais,
enquanto sua estrutura e funcionalidade padecem de uma
rigidez cadavérica quando comparadas com os recursos
informatizados, interativos e multimidiáticos das "escrituras"
eletrônicas.” Pierre Lévy nos lembra ainda que o livro só se
tornou uma mídia de massa “quando as variáveis de interface
“tamanho”e “massa” atingiram um valor suficientemente
baixo.” Para Machado, em algumas décadas, o livro impresso só
será encontrado em antiquários.
O ritmo de produção do material hipermídia anda tão grande
que provavelmente até o ano 2.000 será praticamente impossível
termos qualquer estatística atualizada com respeito a produção
de livros e revistas em CD-ROM. Algumas Universidades norte-
americanas já estão, há tempo, digitalizando um número
imensurável de livros que podem ser acessados via redes
internacionais, assim como livrarias já estão vendendo títulos
via correio eletrônico. Outro processo que se acelera é a
produção cada vez maior de CD’s que integram um número
muito grande de obras, desde 1992 editoras (como a Great
Literature Personal Library) já estão colocando 1.500, 2.5000
obras literárias num único vídeo-disco. Isto a preço de cinco
livros impressos.
152
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A questão psicológica que envolve a diferenciação livro


impresso/hipertexto está calcada na possibilidade de uma maior
aproximação com um fator que poderíamos designar como
unidade da diversidade. Ora, neste prisma as preocupações que
andam se manifestando em torno da possibilidade de
conseqüências psicológicas terríveis com o excessivo aumento
do consumo de universos virtuais, deve ser encarada com muito
ceticismo. Em síntese alguns autores dizem que a tendência à
desrealização ataca tanto aos mais técnicos quanto aos mais
lúdicos; o mundo virtual digital poderá acirrar o processo de
desrealização ao fornecer um mundo pseudo-concreto-palpável
para entidades imaginárias. Philippe Quéau, radicalizando, diz
que será fácil esquecer o mundo real e refugiar-se no conforto
flexível e eficaz em que esses meios ideais de idealização nos
mergulham”. Voltaremos a esta questão mais adiante (no ítem
5.2), mas por hora é bom realçarmos, junto da psicanálise
lacaniana, que o real é o inconsciente, é o atemporal, ilógico e,
profundamente metafórico.
É sabido que o século XX, através de alguns de seus
principais filósofos, psicanalistas, pensadores, artistas etc.,
destruíram qualquer possibilidade de se falar num sujeito (no
caso, leitor ou escritor), que seja onipotente em comunicação.
Estas idéias trabalharemos melhor no último ítem deste capítulo,
o importante para destacar aqui é que o hipertexto em sua
linguagem multimidiática pode oferecer a todos nós os
caminhos reticulares e circulares, que parecem ter se
aproximado bem mais do caos e da preponderância do não-
sentido, onde se insere qualquer ação do ser no cotidiano. Ora,
para Sigmund Freud ou Jacques Lacan (seu principal seguidor
contemporâneo), somos totalmente dominados por uma
linguagem que não se apresenta de forma lógica na relação
palavra/coisa; como se não bastasse, esta linguagem é atemporal
e, nela, “sim” e “não” se equivalem. Esta linguagem é o
inconsciente. Com certeza, partindo dos preceitos freudo-
lacanianos, podemos imaginar que o conceito de “livro” que
deveríamos tecnologicamente almejar, trata-se muito mais do
153
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Livre imaginado por Mallarmé, do que do modelo de códice,


que desde o século IV tomou conta do paradigma de livro.
Desde quando Jacques Scherer, no terceiro capítulo
(Physique du Livre) de seu livro Le “Livre” de Mallarmé
(Gallimard, 1957), fez uma relação entre a estrutura física do
livro imaginado por Mallarmé e a ação da compreensão humana,
já ficavam claros os limites do livro impresso. Mallarmé durante
toda sua vida imaginou poder construir um livro colossal que
deveria conter o próprio objetivo do mundo. A primeira e a
última página estariam numa enorme folha dobrada; no interior
desta grande folha existiria um número indeterminado de folhas
menores soltas e interligadas, de forma que, independente de
nossas opções de leitura, teríamos sempre um sentido manifesto.
O Livre de Mallarmé pretendia conter o mundo em suas
características de imprevisibilidade, mutabilidade e
ocasionalidade. Daí, que tal como o psicanalista Jacques Lacan
entende o sentido de qualquer manifestação da linguagem, o
Livre de Mallarmé deveria possibilitar a contínua renovação do
que se entende ao lê-lo. Nenhum sentido deveria ser fixo! Caso
acontecesse de uma única passagem ser conclusiva, bloquearia
todo Livre. Quando ainda na metade da década de 1960,
Umberto Eco escrevia Obra Aberta e comentava que,
provavelmente, se Mellarmé tivesse levado a cabo tal façanha,
não passaria de uma equívoca encarnação mística e esotérica
de uma sensibilidade decadente ao fim de sua parábola. Talvez
Eco naquela época nem pudesse imaginar que quase trinta anos
mais tarde ele próprio estaria encabeçando um grande projeto
em CD-ROM, como comentamos anteriormente, chamado
Enciclomédia, cujo primeiro volume (sobre o século XVII) saiu
em 1995; e nem mesmo o Eco da década de 1960, poderia
chamar de equívoca encarnação mística e esotérica a obra dele
mesmo, trinta anos mais tarde.

154
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Arlindo Machado em sua excepcional obra Máquina e


Imaginário, tem um capítulo inteiro dedicado ao Sonho de
Mallarmé, onde afirma: “ Mas é seguramente com o
computador que o sonho de Mallarmé parece poder finalmente
converter-se em realidade. O Livre - quem diria? - é na verdade
um algoritmo combinatório” (p.169).
Ou seja, o mundo digital vai engolir o livro impresso,
justamente porque oferecerá ao leitor / espectador / usuário /
assistente / autor / co-autor etc., uma possibilidade muito maior
de colocar-se a navegar segundo seus interesses. No entanto, o
próprio Arlindo
Machado aponta a
interpretação mais
consequente: não
devemos - limitados
por um determinado
conceito de livro - nos
fixar em conclusões
que indiquem de forma
determinista o fim da
leitura. Na verdade, é o
conceito de livro que
está mudando, como
também está o de
vídeo, de fotografia
60- Mallarmé etc.. Como diz o
próprio Arlindo: Na
verdade, nós podemos definir o livro numa acepção mais ampla,
como sendo todo e qualquer dispositivo através do qual uma
civilização grava, fixa, memoriza para si e para a posteridade o
conjunto de seus conhecimentos, de suas descobertas, de seus
sistemas de crenças e os vôos de sua imaginação. Neste sentido,
nas sociedades orais tínhamos livros, na contemporaneidade
vários cientistas / intelectuais (como Jacques Lacan, Ferdinand
de Saussure, Walter Benjamin, Charles S. Peirce etc.) preferiram
muito mais falar do que escrever. Certamente, homens como
155
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

esses eram férteis demais para publicar livros, diz Machado,


nos lembrando da vitalidade, rapidez e irrupção de suas idéias ao
ponto de não poderem ser reduzidas à camisa-de-força do texto
impresso, radicaliza, seguindo os caminhos críticos apontados
por McLhuan, ao delatar a dialética dos avonços e limites
introduzidos no ocidente pela imprensa de Gutemberg. Nada
pode justificar que o que é dito no rádio ou na televisão, enfim,
por outro veículo de comunicação seja, necessariamente, mais
limitado, ou mais duvidoso, do que a palavra escrita. Assim,
ficamos com a clonclusão de Arlindo Machado: “A verdade é
que o universo do texto impresso chegou ao seu limite de
saturação e hoje degenera em entropia , em virtude da
dificuldade cada vez maior de gerar significados consistentes.
(...)Em nosso tempo, precisamos de outra espécie de livros.”
Porém, os propensos a crises existenciais, tranqülizem-se:
sempre haverá uma unidade nesta tramenda diversidade de
leitura. O sentido, ao que tudo indica, ficará menos autoritário,
mas não deixará de existir por uma questão de sobrevivência da
comunicação. Devemos insistir na crença de que, para a alegria
do espírito socrático, o diálogo será o único caminho, seja na
empresa, na ciência, na escola ou na feira!
Mas talvez o fator que mais interferirá no fim do livro
impresso, não seja nem, prioritariamente, a capacidade de
armazenamento de um CD-ROM, ou a, cada vez maior,
praticidade do mundo da informática. O fator determinante
estará no mundo das redes, que deverá condensar todas as
tranformações anteriores. A multiplicação imensurável de redes
internacionais como a Internet, a igualmente imensurável
capacidade de transmissão da fibra óptica, somadas a
possibilidade de transmissão da estrutura multimidiática, é que
são os fatores realmente revolucionários. Imaginemos um
romance onde um autor chinês escreva os primeiros parágrafos
que, concomitantemente, são jogados numa rede. Imediatamente
um norte-americano escreve algo a mais e, para um brasileiro do
interior do Ceará, já chegue uma obra fruto de um número
incontável de autores... Quem escreveu o quê? Neste sentido, há
156
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

uma tendência muito provável, que transcende o sonho de


Mallarmé, que está no fato, parodiando Barthes, de que o autor
morreu. As criações multimidiáticas terão autorias múltiplas. A
polifonia estará, não só, como queria Bakhtine na captação do
mundo externo pelo autor (como Dostoiévsky), mas no próprio
conceito de autoria.

157
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

4.4- A Multiplicação da Dialética

Dentre todos os princípios da filosofia grega que até hoje


interferem diretamente na forma como compreendemos o
mundo, talvez a concepção de dialética seja a que mais resistiu e
perdurou. Não há metodologia científica hoje em dia que não se
apresente, pelo menos em pretensão, como dialética.
Zênon de Eléa foi quem praticamente fundou o princípio da
arte do diálogo na metade do séc. V a.C. . De vinte a trinta anos
depois, segundo a descrição de Platão em Teeto, Sócrates segue
as pegadas de Zênon, propondo a maiêutica como fundamento
básico de todo diálogo. Esta tradição já vinha de longe e o
próprio Heráclito de Éfeso (em finais do séc. VI a.C.) já falava
que tudo está em
constante mu-dança,
tudo mesmo! Por
exemplo, dizia
Heráclito em seu
fragmento n.° 91: é
impossível o mesmo
homem tomar banho
no mesmo rio mais
de uma vez; isto por
um motivo muito
simples, a próxima
vez que o “mesmo”
homem dirigir-se ao
“mesmo” rio, tanto
um quanto o outro
não seriam mais os
mesmos, pois
61- Platão mudanças teriam
ocorrido em ambos. Ao contrário de Parmênides (seu
contemporâneo), Heráclito não via possibilidade de se
estabelecer qualquer estabilidade ao ser, enquanto Parmênides
158
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pensava ter todo ser uma essência imutável. Em muitos casos,


que não vem ao caso analisar agora, a metafísica de Parmênides
predominou em detrimento da dialética de Heráclito.
Platão, tenta uma espécie de equilíbrio entre Parmênides e
Heráclito, identificando a dialética como a habilidade de se
discutir através de perguntas e respostas. Para Platão (na
República) é o perpassar de conceitos a conceitos, de
proposições a proposições, até conceitos mais gerais,
alcançando a possibilidade de se encontrar premissas
ontológicas. Já Aristóteles na Metafísica difere dialética de
analítica, apresentando a primeira como uma dedução que parte
de premissas
verdadeiras, tendo por
objeto os raciocínios
que assentam sobre
opiniões prováveis
(hipóteses); enquanto a
segunda tem por objeto
a demonstração.
Kant denomina de
dialéticos todos os
raciocínios ilusórios e
vê na dialética uma
lógica das aparências; as
aparências, por sua vez,
são lógicas, por
exemplo, alguma 62- O filósofo Immanuel Kant
fórmula em matemática
no contexto lógico-aristotélico, ou, empíricas, por exemplo, o
solstício no horizonte; ou, ainda, transcendentais, conseqüência
imediata da natureza do nosso ser, enquanto ultrapassagem dos
limites de toda experiência e determinante da natureza da alma e
da ação no mundo. Para Kant, a dialética seria não apenas uma
ilusão, mas o estudo de toda ilusão.
Já o filósofo alemão contemporâneo da Revolução Francesa,
Georg W. F. Hegel, a define como o caminhar do pensamento
159
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que age de acordo com as próprias leis e segundo o próprio


desdobramento do ser. Ser dialético é reconhecer que os
elementos contraditórios têm sua existência em dependência
mútua, que só pode ser revelada como um todo no interior de
uma categoria superior. Hegel radicalizou o pesamento dialético,
assim designando todo desdobramento de pensamento no qual
o espírito se movimenta gradualmente, sem que se detenha em
nada de satisfatório antes de uma última etapa. A concepção
hegeliana de dialética pode ser sintetizada numa só expressão:
inquietude especulativa.
No entanto foi Karl Marx, o grande propagador
contemporâneo do conceito de dialética. Seguindo os passos da
aufheben de Hegel , Marx tentou pensar a dialética em suas
condições materiais e acabou percebendo que não só as
condições históricas revelavam uma contradição inerente às suas
forças, quanto a própria consciência de cada um de nós. O
grande elo concentrador destas discussões seria o trabalho. O
trabalho, como força maior da identidade humana, não poderia
ser alienante, pois deveria ser o grande libertador do homem
frente as adversidades do cotidiano. Marx, sob mira do método
dialético, faz um grande e belo estudo sobre as forças sociais
contraditórias na História,
mas, por outro lado, ao
mesmo tempo, como
salientou o antropólogo
Mircea Eliade, promove uma
verdadeira redenção terrestre
ao propor o “comunismo”
como salvação da
humanidade. O paraíso na
terra! Sabemos o que acabou
acontecendo com o mundo,
chamado injustamente de
marxista, comunista; mas,
sendo a interpretação mesma
que Marx propunha,
63- O filósofo Karl Marx
160
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

dialética, significa que sua própria teoria previa poder estar


imprecisa. É assim que o marxismo, por sua maleabilidade
dialética, pode se desdobrar em vários estilos que, com certeza,
continuarão a existir. E a hipermídia? O que tem a ver com
Marx e os demais filósofos? A dialética, devemos, talvez,
responder.
Há, neste século, um grande filósofo e teórico da ciência e da
socidade, que segue orientações da tradição marxista anti-
revolucionária frankfurtiana, que se chama Jürgen Habermas.
Habermas não chegou a pensar a hipermídia, mas pensou muito
a ação comunicativa e a tecnologia. Na empreitada deste
filósofo, tem um conceito que deve muito bem servir para
indicar a relação possível entre dialética e o mundo que a
hipermídia representa; é o conceito de relação dialógica.
Habermas propõe em sua teoria da ação comunicativa, um
compromisso irremediável com a frenquente emancipação do
indivíduo. Esta emancipação deverá estar relacionada com o
mundo subjetivo das coisas, com uma socialização das normas e
instituições e com a subjetividade das vivências. O centro de
toda sua teoria é a irrestrita ação comunicativa. No ato de se
comunicar, o indivíduo deve ser (seguindo a tradição de Austin)
tanto locutor quanto autor de seu discurso. A linguagem em suas
ações constatativa, regulativa e representativa, deve ter espaço
para se desenrolar. Uma ética discursiva, dependeria,
fundamentalmente, deste espaço para se tornar realidade. Seja
na empresa, a família, na escola, na igreja etc., seja lá em que
instituição e em que situação, o mais importante é a garantia do
espaço à ação comuniativa de todo indivíduo.
Ora, temos aqui no interior da tradição dialética uma ponte
lingüística que perpassa toda a história da filosofia. A arte do
diálogo em Zênon, a maiêutica de Sócrates, a mudança
constante em Heráclito, a habilidade discursiva em Platão, a
arte da hipótese em Aristóteles, a ilusão em Kant, a dependência
dos contraditórios em Hegel, a dialética da alienação em Marx,
a relação dialógica em Habermas etc., são princípios que
prepararam nosso ser às possibilidades interativas que estarão a
161
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

nossa volta no próximo século. Interação com o mundo, numa


totalidade hegeliana, não de sentido, mas de conceito, será
totalmente possível. O poderio dos meios tecnológico-digitais é
ainda inimaginável. O marxista Adam Schaff, ao concluir seu
livro A Sociedade Informática (1985), dizia: “Tendo em vista a
importância das mudanças que se estão produzindo e que
provavelmente se intensificarão nos próximos anos, quando a
sociedade informática alcançar a maioridade, podemos
compreender a enorme responsabilidade - política e moral - que
cerca o dever de introduzir nas mentes humanas a consciência
necessária.” Ao falar “introduzir na mente humana”, Schaff, é
claro, não está pensando que a mente terá um drive e que
devemos introduzir ali um disco-laser. Está se referindo à
possibilidade de alcançarmos uma conscientização mundial,
através da pluralidade do mundo digital.
O que estamos chamando de multiplicação da dialética, são
justamente os efeitos das possibilidades tecnológicas que, sequer
Habermas, nosso contemporâneo, poderia imaginar durante as
décadas de 70 e 80. O mundo está se tornando mais propenso ao
diálogo, porque é a própria quantidade de informações que
temos acesso que delimita tal comportamento, não como
alterntiva, mas como único caminho possível ou, pelo menos, o
mais “eficiente”, seja na empresa, seja na Igreja. O mundo dos
fractais, ou pixels, está mostrando, para quem quiser duvidar,
que de perto ninguém é normal. Se olharmos uma madeira lisa e
polida bem de perto, veremos irregularidades astronômicas que
jamais pensávamos estarem ali. Se pensarmos na estrutura
inconsciente da psiquê humana do Papa, provavelmente
veríamos um ser enormemente conflitado; só poderíamos
acreditar o contrário do Papa se insistíssimos na plenitude
regular da madeira. Os parâmetros de polimento e de lisura não
estão mais à disposição no mundo das coisas e dos homens. É
como se o solo tivesse sumido, sem que nenhum fundamento
sólido seja visível no seu lugar, dizia Einstein sobre a
moderndide atômica. Ao que tudo indica, o mundo digital, é

162
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

bom reforçar, não inaugurará este caos, mas o revelará de forma


irreversível. Façamos um outro exercício tecnológico.
Voltemos à fibra ótica! Você tem idéia da capacidade de
transmissão de dados de uma fibra (feita de areia) da largura de
um fio de cabelo? Não, não deve ter mesmo, porque ainda não
se sabe. Imaginemos, então, a possibilidade de trans-mitirmos 1
quatrilhão de bits através de apenas uma fibra destas. Isto
significa, provavelmente, que poderíamos transmitir em menos
de um segundo, todos os
jornais pulicados em
São Paulo desde a
edição do primeiro
exemplar; ou uma única
fibra poderá transmitir
alguns milhões de
canais de TV
concomitantemente. Por
falar em TV, cabe
salientar que as redes de
computadores são em
vários sentidos, o
contrário das redes de
TV (como a Globo, por
exemplo). A rede de TV
tem um centro emissor
de sinais e divide-se em
64- Fibra Ótica - número não culculado dezenas de
de bits por segundo retransmissoras. Já no
sistema reticular dos
computadores, qualquer computador apresenta-se tanto como
emissor quanto como receptor; fator determinante de um final
infeliz, também para estas categorias das teorias clássicas da
comunicação. Neste sentido, não seria nenhuma aberração se
falássemos que a televisão, ou o meio analógico em geral, não
traz em si uma potencialidade dialética, enquanto é justamente
isto que acreditamos oferecer o mundo digital interativo dos
163
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

computadores. Ao que tudo indica, dialeticamente, iremos


assistir nos inícios do século XXI uma união não muito
esperada pelos pessimistas: a existência concomitante de nossa
impotência frente ao mundo e a possibilidade de tê-lo ao alcance
de nossa nervosidade digital como falava Benjamin.
Por um lado, é muito provável que a própria concepção
filosófica de dialética tenha que ser revisada, não no que é dito
sobre ela, mas na linguagem através do qual é dito algo. Está
havendo uma tendência de desregionalização também do saber
acadêmico. Filosofias, Ciências, e Artes estão se aproximando
cada vez mais. Estamos acompanhando a multiplicação de
macroproposições de compreensão como, por exemplo, a teoria
das estruturas dissipativas de Ilya Prigogine, e suas propostas
de abordar a ordem pela desordem. Prigogine representa um
conjunto de teorias que está revelando a assimetria do Universo
e salientando que, hoje em dia, somos obrigados a falar da
pluralidade de níveis interconexos, sem que nenhum nível possa
prevalecer. Para esses teóricos dos ‘novos tempos’ não há mais
nenhuma estrutura conceitual que possa dar conta da totalidade
do Universo. Mesmo as novas teorias e filosofias, deverão
deixar sempre um enorme espaço em suas compreensões ao
aleatório e ao casual, daí sua potencialidade dialética. Suas
estruturas dissipativas tentam possibilitar a compreensão das
instabilidades que demandam e reproduzem grandes fluxos de
energia e que, neste caminhar, dissipam energia para todos os
lados, exatamente como o que já está acontecendo com os bits
no interior das grandes redes.
Por outro lado, ainda estamos repletos de instrumentos
tecnológicos que agradariam, por demais, o Big Brother. Como
lembra Negroponte, nosso aparelho de televisão é o
eletrodoméstico mais idiota que temos em casa, mesmo um
forno de microondas ou uma máquina de lavar-roupas é mais
interativo que a TV, sendo que já encontra-se na era dos
microprocessadores. No mundo “bibliográfico” enquanto um
livro impresso está estruturado em frases, parágrafos, capítulos
etc., e tudo de forma seqüencial; o espaço digital que não é
164
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

definido por sua materialidade, não está limitado, no máximo a


três dimensões, pois é, em essência, multidimensional.
O que estamos querendo dizer é que a própria tecnologia
parece ter aprendido com a tradição filosófica da dialética e,
enfim, produziu em sua essência o que um determinado discurso
filosófico filosofia vem dizendo do Universo, desde Heráclito, já
que a interatividade e a mutabilidade são princípios implícitos
em toda manifestação multimidiática.
É preciso lembrar que todos esses recursos multimídiáticos e
reticulares já estão muito parecidos com um livro. Você com
um computador muito pequeno, o leva para o quarto e pode, de
sua cama, conversar com o mundo. Muito em breve, o
sentiremos como sentimos as páginas de papel ou a capa dura de
um livro que gostamos.
Na relação com o mundo digital, as crianças poderão
aprender, desde muito cedo, que toda pergunta é válida, que
existem vários caminhos para se alcançar o mesmo objetivo e
que, muitas vezes, os caminhos são tantos que o próprio objetivo
pode mudar... Aqui, sim, devemos ficar com a conclusão de
Negroponte: Não se está falando da antevisão de alguma
invenção ou descoberta (como a cura do câncer ou da AIDS),
mas de tranformações que já estão aí e de forma irreversível. Só
que essas transformações chegaram tão rapidamente que a
maioria das pessoas vai demorar muito tempo para percebê-las,
ou pelo menos para conseguir tirar delas tudo o que podem
oferecer.
Veremos no próximo ítem, fundamentos básicos da
hermenêutica, incluídos nesta tradição dialética, que
visualizamos como um possível caminho para que possamos
compreender as mudanças que abrangentemente estamos
enfrentando. A hermenêutica inverte uma série de pressupostos
metodológicos já clássicos nas ciências do espírito: a
interpretação não é uma forma de se alcançar a compreensão,
mas introduz, através de seus próprios jogos de linguagem, o
conteúdo de tudo que se compreende; a razão está no modo de
ser da linguagem; o eforço, em si, para compreender algo, já
165
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

traz o sentido; a relação entre lingüisticidade e compreensão


anula qualquer possibilidade de univocidade do processo
histórico entre a inconsciência e a consciência lingüísticas etc..
A hermenêutica não vê no signo lingüístico um instrumento ao
uso, mas o modo de ser da linguagem que, mesclada ao ser, faz
uso dos sentidos da tradição. Toda palavra, portanto, é já sentido
e dependente da fusão horizôntica. O signo lingüístico é o
resultado da unidade que toda tradição promove entre palavra e
coisa. O próximo ítem é filosófico!

4.5 - O Modo de Ser da Compreensão:


O Perguntar no Mundo

Pierry Lévy, com sua arquitetura cognitiva, propõe que a


tecnociência do mundo digital seja interpretada pela
hermenêutica, procurando destacar o óbvio, diz que a aplicação
de toda técnica produz significações sociais, culturais e
políticas. Para comentarmos esta possibilidade, achamos bem
mais intessante, ao contrário de Lévy, identificarmos o caminho
166
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

hermenêutico que se sugere: a hermenêutica de Hans Georg


Gadamer. Para tanto, neste momento, devemos apenas
apresentar alguns princípios básicos da hermenêutica de
Gadamer em suas possíveis relações com a hipermídia.
Desde o tópico anterior, estamos querendo dizer que qualquer
interpretação técnico-científica, deve passar por uma acolhida da
filosofia. Destarte, são vários os caminhos que podemos
percorrer. A semiótica de Peirce, a psicanálise de Freud e Lacan,
a investigação filosófica de Wittgenstein, a polifonia de
Bakhtine... .
A hermenêutica sempre foi uma disciplina filosófica que
tratou de cuidar da interpretação de textos e, em última
instância, de qualquer interpretação. No interior destes
interesses, abordou as clássicas definições de método, sujeito-
objeto, verdade, linguagem, Ser, dialética, arte, história e
consciência. Por isso mesmo é que achamos serem todas suas
colocações, extremamente cabíveis no caminho da compreensão
do ser na hipermídia. A hermenêutica de Gadamer, assim como
a semiótica peirceana, provoca uma abertura de interpretações
suficientemente ampla para abraçar todas as outras no que elas
têm de mais multimidiático.
A hermenêutica busca a valorização incondicional de todo
qüiproquó da linguagem. Não pretende mudar a ciência pela
filosofia, mas, como Charles Sanders Peirce já indicava, encara
as duas em igualdade, questionando o fundamento do modo de
ser da compreensão. A ciência seria, acima de tudo, uma
compreensão, assim como o sinal de trânsito ou o uso da
privada. De uma indicação deste tipo poderemos tirar da
hermenêutica um espaço para compreender o modo de ser do
Ser na hipermídia/hipertexto, à medida em que esta nova
tecnologia aproximará, definitivamente, a linguagem do
cotidiano da artística e da científica.
A compreensão de que estamos falando, não é uma forma de
comportamento do sujeito, mas seu mais básico fundamento.
Parte-se do princípio de que a dinâmica e a verdade de toda
compreensão estão na essência das coisas e a essência das coisas
167
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

é que é responsável pela revelação do Ser. Em outras palavras, é


só nossa interação com o mundo que nos permite criar uma
identidade com ele, ou seja, uma mundaneidade. Portanto, saber
quem somos está diretamente relacionado com a condição que
temos de interagir com o mundo que nos cerca. Se em nossa
relação com o mundo estamos acostumados a criar perguntas
objetivas (para que serve isto? Ou, como exatamente devo me
comportar?), provavelmente encontraremos respostas. O
caminho que a hermenêutica aponta e que se aproxima da
estrutura do mundo digital, é que a compreensão não apresenta-
se como um comportamento metodológico-subjetivo à busca de
um objeto, pois pertence, em essência, ao ser do que se
compreende. É este o caminho que a hermenêutica segue para
justificar ser toda e qualquer interpretação um momento
inaugural de uma nova compreensão. Ora, somos educados
durante quase toda nossa escolaridade (pelo menos os
privilegiados) exercitanto a idéia de que existe uma forma
correta de se fazer perguntas e de respondê-las.
Portanto, a produção de uma compreensão linear (como a
diacronia na História ou os preconceitos genético-raciais-
psicológicos) só pode existir a partir da consciência determinada
por ela, assim como da consciência deste fazer-se produzido e
estar determinado. O ser que pode ser compreendido é
linguagem, diz Gadamer; e o ser da linguagem é muito mais
multimidiático porque não-linear-interativo, do que linear e
analógico. Como numa manifestação hipertextual, a necessidade
apontada pela hermenêutica da busca pelo universal, não
pretende montar generalizações de sentido histórico. A
totalidade de sentido defendida aqui, é a que está presente,
explícita ou implicitamente, em toda compreensão, mas jamais
aquela que apresenta-se num possível sentido da totalidade da
história. Passado, presente e futuro estão delimitados pela
tradição histórica que, por sua vez, age enquanto efetivo de
expressão do próprio ser. A evidência da linguagem do mundo
digital, portanto, não pretende nenhum senhorio sobre o ser, mas
denota que a experiência do ser está justamente onde há
168
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

possibilidade de compreender. Aqui situa-se, como já falamos, a


base da hermenêutica: a apresentação da comunicação como um
jogo. Isto é proporcional a dizer que o conceito de verdade que
sempre sustentou os autoritarismos, seja na ciência, seja na
política, ou nos dois juntos, está comprometido com o mundo
das alternativas. Inserida neste último contexto, a historicidade
não-linear da manifestação do ser, não pode pretender, em
momento algum, na modernidade deste final dos novecentos,
instaurar o estudo de um fenômeno concreto como fundamento
de regra geral. A historicidade da não-linearidade, remeterá
sempre à instabilidade da tradição, presente nas tentativas de
compreender todo processo de comunicação, ou seja, deverá
sempre remeter à sua própria negação.
Reforçando, precisamos deixar claro que o único caminho é o
da dialética. Portanto, não devemos tentar arquitetar uma
ampliação das generalizações, com o objetivo de conhecermos
as leis científicas que podem explicar os caminhos de um
pensamento linear; mas procuremos, num primeiro momento,
valorizar todas as descrições narrativas que se apresentem
descomprometidas com a busca da verdade última.
O método científico clássico-cartesiano-iluminista sempre
valorizou como premissas fundamentais da verdade, o objetivo,
o empírico, o demonstrável, o repetível e o determinante. Com
o mundo das redes multimidiáticas, não haverá mais sustentação
material-formal para essas delimitações e qualquer discurso
autoritário terá que se adaptar à realidade de todas condições
possíveis.
A hermenêutica, num caminho crítico da definição de
verdade enquanto possibilidade única, faz uma pergunta que
deve sintetizar nossas preocupações: "Que classe de
conhecimento é essa que compreende que algo seja como é
justamente porque assim já vem sendo?" . Só pode ser um tipo
de conhecimento que parte, prioritariamente, do ocultamento
de seu próprio ser, responderíamos a Gadamer. É exatamente o
que ocorre com toda definição a partir do pensamento linear,

169
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pois tende a eleger como "subjetivo" todo conhecimento que não


seja produzido através do método por ele empregado.
Mas, como (?), ao mesmo tempo, manter-se aberto ao outro e
aos pontos-de-vista diversos e procurar direcionar-se através da
valorização do próprio horizonte? Como poderíamos, sem
romper definitivamente com o sentido, valorizar os tópicos
“subjetivos” que tanto temos esquecido? Como evitar nesta
empreitada que passemos a julgar o geral exclusivamente
através de nossas particularidades? Para estas velhas perguntas,
acreditamos que as manifestações do mundo da hipermídia
trarão novas respostas; mas, com certeza, não as definitivas... .
Por exemplo, como justificaria o mundo digital
multumidiáticos das grandes redes, a hermenêutica acredita não
ser a experiência estética somente uma a mais entre tantas, mas
aquela que representa a forma essencial da vivência em geral.
Ou seja, assim como a obra de arte contém um mundo em sí, o
vivido esteticamente deve arrancar de si mesmo o nexo de sua
vida. Como veremos no próximo capítulo, na vivência da arte há
uma pertença de sentido, que não se relaciona apenas com um
aspecto particular, mas representa e transmite o conjunto do
sentido da vida. Uma vivência estética contém uma experiência
inacabada e inacabável com o mundo. Seu sentido torna-se
infinito, porque representa um todo e, não, a unidade de um
processo aberto. Já que este livro parte do princípio de que as
manifestações multimidiáticas se aproximam, quase de uma
forma “natural”, da linguagem artística, o mundo digital deve
proporcionar uma maior proximidade com as habilitações plenas
de significação da vida, tal como podemos encontrar igualmente
em toda ação cotidiana.
Por exemplo, o autor de hipertexto deve procurar, a todo
custo, o caminho da experiência estética, sob o ponto de vista
hermenêutico, no sentido de facilitar ao máximo o jogo do ser
na obra, que só é cumprido quando atinge seu espectador; para
tanto, deve infectar, definitivamente, o meio da hipermídia e do
hipertexto de opções e caminhos variados. O autor de hipertexto,
justamente porque o “leitor” estará na mesma situação, deve
170
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

procurar dar vazão às suas ocasionalidades com o material que


está produzindo; exercitar, acima do todo metodológico, tais
irrupções. Disto brota uma historicidade mais conseqüente em
discernimentos científicos, artísticos e filosóficos: uma
consciência histórica efetiva. Mas como chegar lá? Acredito
que a estética vai subsumir nas questões hermenêuticas e
semióticas, ou seja, retirar destas, suas principais premissas à
caminho da compreensão da comunicação. A compreensão,
tendo aprendido com o cotidiano da linguagem ordinária,
mostrar-se como fragmento de um sentido que se constrói num
todo enunciado, isto tanto na arte como na ciência ou na
filosofia. Para a hermenêutica, as discussões em torno do
preconceito levam às questões da antecipação do sentido e da
circularidade da compreensão, fundamentos da não-linearidade
na hipermídia/hipertexto. Subjacente a tais discussões está a
idéia de que as partes que delimitam o todo adquirem sentido
somente a partir deste todo, mas que todos sentidos daí
emergentes estão em “eterna” mutação sígnica, como no jogo
infinito das fractais. Com isto, a hermenêutica quer nos dizer
que o agir da compreensão desloca-se, freqüentemente, do todo
à parte e, desta, de volta ao todo, exatamente como podemos
desenvolver num hipertexto. Próximo das manifestações do ser
(segundo a hermenêutica) a tarefa da hipermídia/hipertexto,
fruto deste movimento, é a ampliação das unidades de sentido,
compreendidas em círculos concêntricos e a conquista, através
disto, de uma congruência de cada detalhe com o todo. É
importante entendermos que a antecipação de sentido que guiará
a compreensão num hipertexto, não é resultante da
subjetividade, senão que se revela desde a comunidade que nos
une com a tradição. A circularidade da compreensão não é um
círculo metodológico, mas descreve um momento estrutural da
própria compreensão. Compreender é entender-se na coisa.
No hipertexto, a compreensão começa ali, no momento em
que algo nos interpela e sua exigência, pode pôr completamente
em suspenso os próprios preconceitos. Para a hermenêutica, a
totalidade da suspensão de todo prejuízo ocorre através da
171
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pergunta que tem sua essência no abrir-se, e manter-se aberta às


mais variadas respostas. Portanto, devemos pensar na idéia de
ser a experiência com o hipertexto um profundo exercício
palinódico: "A experiência é, pois, experiência da finitude
humana" dizia Gadamer. O experiente, para a hermenêutica, é
aquele que conhece seus limites com as palavras, não se
pretendendo dono do tempo nem do futuro. É a própria
historicidade que delimita a verdadeira experiência no interior
de toda tradição. Tradição é como a hermenêutica também
chama a linguagem. Sair do tradicional é colocar a
comunicação numa função instrumental e metodológica, por
isso que situar-se na tradição não se trata de estar limitado na
própria liberdade do conhecer, mas, ao contrário, é justamente a
essência de toda possibilidade de conhecimento.

Perguntar: o mais importante

Nesta altura, devemos começar a especificação dos caminhos


apontados pela hermenêutica, que encontram-se com uma
proposta de criação hipertextual. Uma das primazias
hermenêuticas da hipermídia/hipertexto está enraizada na
estrutura da pergunta. Perguntar é a essência da abertura ao
mundo. Deve ser a suspensão de todos os prós e contras, a
principal maneira de se estar ao mesmo tempo contra e a favor.
É aqui que o método da linearidade começa a mostrar suas
limitações estruturais em nível de consciência histórica efetiva:
não há método linear que acompanhe o perguntar, pois todo
perguntar pressupõe um saber que não se sabe, lembra Gadamer.
Há um não-sentido e uma não-linearidade que conduz à
pergunta. Com o movimento dialógico, entre pergunta e
resposta, hermeneuticamente situado, o assistente do hipertexto
pode aprender, que a grande arte da compreensão não está só no
ganhar conclusivamente o conhecimento de fatos.

172
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A hermenêutica não vê no signo lingüístico um instrumento


ao uso, mas o modo de ser da comunicação que, mesclada ao
ser, faz uso dos sentidos da tradição. Toda palavra, portanto, é já
sentido e dependente da fusão horizôntica de uma rede
imaginária. O signo é o resultado da unidade que toda tradição
promove entre palavra e coisa, portanto, aprendemos com a
semiótica, ele jamais pode estar vinculado somente ao seu
estatuto simbólico. Daí, jamais podermos acreditar que um
instrumento tecnológico, como diz Negroponte, esgote a
capacidade ilusionária e criativa do ser.
Desta tradição da valorização da diversidade de sentido do
signo, o assistente do hipertexto, não poderá escapar. Não se
trata de tentar superar a deficiência da multiplicidade de sentido
dos signos, ao contrário, diz Gadamer: "(...) justamente porque
nosso intelecto é imperfeito, isto é, não se é inteiramente
presente a si mesmo naquilo que se sabe, é que temos
necessidade de muitas palavras. Não sabemos realmente o que
sabemos". Os sistemas lineares geralmente não possuem o
manifestar da conversação que ocorre no interior da
comunicação, por isso a compreensão por eles gerada será
sempre artificial .
Ao penetrar no horizonte da hipermídia/hipertexto, o
intérprete não deve poder limitar o abandono de seu próprio
mundo, mesmo que metodologicamente assim o deseje. O
universo sígnico que vai encontrando, não deve ser uma criação
de seu pensamento reflexivo, mas sua realização no mundo; no
universo sígnico, o mundo se auto-representa. Portanto, o
mundo não pode ser objeto da linguagem, muito menos da
ciência. Como dissemos, a objetividade defendida pela ciência,
adapta toda sua determinação volitiva à idéia do mundo em si,
tentando criar independência frente a todo sonho do sujeito. É
preciso, acima de tudo, garantir o saber-fazer metodológico, tal
como na mecânica, a ciência moderna orienata-se ao poder
fazer. Apesar da mecânica investigar o que é, como deve ser ou
como funciona, ela, assim como a biologia ou a física, não pode
ser o que investiga. Ou seja, aprendemos com a semiótica
173
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

peirceana, que mesmo a validade da ciência exata, não tem a


mesma objetividade daquilo que ela investiga. O mundo que
permeia a ciência não pode ser em si, ou, até relativo, no mesmo
patamar em que podem ser os "objetos" da ciência . Portanto, é a
crítica à consciência estética e histórica, que leva a hermenêutica
a questionar todo objetivismo metodológico cartesiano-
iluminista, através, inclusive, de uma reaproximação com os
gregos pré-socráticos, não na radicalidade heideggeriana, mas na
questão da verdade gadameriana. Porém, ao assumir a
comunicação como pólo revelador da compreensão, a
hermenêutica adquire uma postura sui geniris: o cotidiano e a
ciência tentam apropriar-se da comunicação, sem conseguir,
pois os dois estão imersos na tradição. As manifestações
poéticas sabem disso e assim se manifestam. Representam em
seus fragmentos o mundo no qual estão incutidas e são faladas
como um todo (o todo da poesia, não a linearidade do todo).
No próximo capítulo, defenderemos que a forma com que a
verdade é revelada pela obra de arte, deve ser apreendida pelo
modo de ser das ciências, fundamentalmente, se pensarmos no
caminho que as manifestações multimidiáticas/hipertextuais
estão indicando. A obra de arte não pode ser em si, não pode ser
compreendida em seu ser-no-mundo, metodologicamente. Os
juízos ontológicos que cercam a obra de arte, devem ser os
mesmos a cercar sua historicidade palinódica, tendo como juízo
fundamental o fato de que o universo sígnico revela a essência
histórica de nossa finitude. Tal princípio deve valer tanto para a
essência, quanto para a experiência na história e na arte.
A estética, no caminho hermenêutico e, até onde entendemos,
semiótico, tenta percorrer o traçado das discussões sobre o belo
desde os gregos. A medida pitagórico-platônica vê no belo a
adequação à proporcionalidade; Aristóteles vê como principais
características do belo a ordenação e a determinação
matemática. Porém, voltar os olhos a Platão na sua relação entre
o belo e a luz, pode nos fazer entender que a forma de ser da
beleza é a própria luz. Sem luz nada pode ser belo, questão
entendida pelo próprio Santo Agostinho ao destacar que a luz
174
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que revela, é a luz da palavra: " Deus só fala pela primeira vez
ao criar a luz.". O resguardo desta tradição se deu na poesia,
onde toda ambigüidade de sentido garante o manifestar
hermenêutico da finitude humana. Portanto, o saber hipertextual
não deve submeter-se somente ao já conhecido, senão incutir-se
na tradição do texto, imagens, vídeos etc., que nos falam. A
compreensão não depende de um virtuosismo técnico e, sim, da
experiência com a coisa que vale como verdade. Porém, só pelo
emprego da palavra, não se apresenta disponível tudo o que está
para ser contemplado, mas o que está aí para ser compreendido
torna-se presente pelo dito, "assim como a idéia de belo está
presente no que é belo" (70). Como um jogo a nos jogar, o belo
traz seu sentido no modo de ser do ser que vê a beleza. E, volto
a insistir, este “ver” vai muito além do simbólico.
O próprio título da obra magna de Hans Georg Gadamer,
Verdade e Método, já procura apresentar a clássica tensão criada
pela metodologia científica dos últimos séculos, entre verdade e
método científico. O método iluminista, ao tentar construir o
caminho à verdade, seja cartesiano, marxista, estruturalista,
psicanalítico, ou todos juntos, tende a negar a possibilidade da
abertura hermenêutica na direção da compreensão horizôntica.
Portanto, os conhecimentos e valores de cada autor/assistente do
hipertexto, não devem servir como objeção à cientificidade de
sua verdade, assim como os valores e conhecimentos do autor de
uma obra de arte, não servem de limitação às suas verdades
reveladas.
A emancipação metodológico-ideológica pregada pelo
Iluminismo, situa-se no nível da objetividade da ação coerente
do sujeito. A reflexão emancipadora do Iluminismo pressupõe,
inevitavelmente, a coesão dos fatores da objetividade. Para a
hermenêutica, seria emancipadora toda reflexão de abrisse o
horizonte de seu próprio ser às críticas, daí sua relação com o
mundo palinódico do hipertexto. Pois tudo que pode ser
submetido à uma reflexão, já vem limitado pelas marcas de
prejuízos, pré-estabelecidos sim, mas, não, objetivos: "O que eu
tenho descrito como fusão de horizontes, é a maneira como se
175
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

realiza a unidade de um sentido, que não permite ao intérprete


falar de um sentido original de uma obra, sem que na
compreensão da mesma, não se tenha introduzido o sentido
próprio do intérprete." As rupturas com a fusão de horizontes
descrita por Gadamer e propostas pela metodologia iluminista,
tendem a esconder a abertura ao mundo da semiose, não
reconhecendo que não podemos ser objetos de nós mesmos
como quer o método iluminista-positivista. O que pode "tornar-
se visível" é o que pode mostrar-se aparente tal como é. Assim,
por exemplo, Heidegger identifica o logia da fenomenologia,
enquanto a manifestação do logos, ou seja, o deixar que algo
apareça através da fala. Não trata-se, portanto da razão, mas,
antes disso, da ação de uma semiose. Porém, esta ação não é
livre e aleatória, não se trata de uma projeção da mente
objetivando o fenômeno da manifestação da coisa. Trata-se da
permissão de que, através de sua semiose fundamental, a coisa
se manifeste tal qual é. Trata-se, portanto, de conceder à
semiótica seu lugar primordial.
Em Gadamer, a compreensão não é o resultado da eficácia
metodológica de interpretar outra pessoa, outra época, outra
situação, outra cultura etc., mas o poder que o ser tem de
compreender as possibilidades do ser de cada um no mundo. Ou
seja, compreender a totalidade sígnica em que estamos
mergulhados a partir do outro é possível. Compreender o outro,
a partir da compreensão da unidade do seu ser, independente do
meu mundo, não, não é possível. Tudo isto equivale a dizer que,
para um assistente/autor de hipertexto, por exemplo, tentar
conceber o mundo de sua compreensão, passando separado de si
próprio, não é possível (a não ser que estejamos no interior da
semântica sujeito-objeto). No mundo das redes multimidiáticas,
vai ficar bem claro que “estar no mundo”, é vivermos na
anterioridade da relação sujeito-objeto, portanto, é vivermos na
antecipação de qualquer objetividade ou subjetividade. A
relação sujeito-objeto, tão aclamada pela metodologia
iluminista, tende a ver a expressão de uma documentação de

176
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

pesquisa como algo que é o mundo e, não, como algo que está
no mundo.
Nossa relação com o mundo se dá na irrupção semiótica dos
objetos no cotidiano, que emergem, de reprente, como que
rompendo nossa concentração. Daí o encontro com o princípio
hermenêutico de que o ser de algo se revela, não enquanto fruto
da análise metodológica, mas no instante em que se precipita do
obscuro silêncio e passa a procurar o cumprimento de uma
função. A compreensão é dependente, então, da falta, do choque
de algo que surge e só o percebemos justamente porque ali ele já
faltava. Como fala Lacan do sentido que, de metáfora em
metáfora, vai se construindo sobre a falta, a fissura, o forcluído.
Qualquer significação não é o resultado da ação de um sistema
lógico-linear de comunicação, mas algo que ultrapassa, em
muito, o significado imediato das palavras, estando
profundamente arraigado na totalidade semiótica do mundo.
Portanto, não podemos nomear um objeto, oferecendo a ele seus
predicados corretos, ao contrário, é ele que dá a nós seu nome, é
graças a ele que podemos experienciar sua semiose. O objeto é a
manifestação de sua linguagem em nosso mundo. Nessa relação
não há como nos afastar dele para entendê-lo. É justamente
porque aceitamos sua irrupção semiótica em nosso mundo que
podemos compreendê-lo, como lembra Heidegger: "Toda visão
simplesmente é pré-predicativa do mundo invisível do que está
'à mão' e já em si mesma uma visão 'compreensiva -
interpretativa'." Este caminho gadameriano pretende definir as
palavras e a comunicação, não como um pacote de embrulho no
qual as coisas estão imbutidas e prontas para o comércio da
compreensão, ao contrário, partimos do princípio, aí não tão
heideggeriano quanto o de Gadamer, que no hipertexto, é pelo
universo semiótico que as palavras e a comunicação tornam
possível a existência das coisas. Portanto, interessa realçar, por
enquanto, que sendo o universo sígnico, não uma expressão do
homem, mas a condição de possibilidade à aparição do ser, ao
como hermenêutico, resta a revelação de que a maior parte da

177
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

compreensão está no não-dito ou não-linear, que é


essencialmente palinódico.
É aqui que a hermenêutica encontra os sentidos mais
relevantes de suas críticas à metodologia iluminista de apologia
da linearidade. O tema da estética, ao ser encarado pela
hermenêutica, procura afastar definitivamente a noção de
criação do axioma clássico do sujeito do conhecimento. Não
podemos considerar a obra de arte um mero objeto de prazer,
pois é muito mais que isto, é um evento da manifestação da
verdade do Ser. É por isso que, nos encontrando com a
semiótica, podemos dizer que a experiência da obra de arte está
extremamente próxima de uma experiência científica. Sendo a
obra de arte, ao contrário do instrumento, irredutível ao mundo,
revela-se, mesmo na experiência estética mais comum, pois ela
própria abre e funda um mundo; ela não pode simplesmente
estar no mundo, pois provoca profundas mudanças no ser.
No caminho hermenêutico, a origem da obra de arte é a
própria arte. A realização da arte está na própria obra, pois nas
obras de arte temos muitas maneiras de compreender o coisico.
Mas, geralmente, temos forçado a obra a entrar num preconceito
que obstrui qualquer acesso ao ser, pois os conceitos que
usualmente estão presentes para entender o coisico, não nos
proporcionam tal acesso. O que a experiência com uma obra de
arte revela, é que a verdade não só é a propriedade do
conhecimento que se anuncia, mas a propriedade do ser mesmo.
Na tradição cartesiano-iluminista, a verdade, ao contrário da
época do filósofo grego Heráclito, é sinônimo de autenticidade,
pois o ente só é verdadeiro se se apresentar tal qual é.
Parodiando Heidegger, podemos dizer que quando uma verdade
vai mais além do correto e da precisão, atinge um essencial
deslumbramento do ente enquanto tal e torna-se obra de arte.

178
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

5 - A HIPERMÍDIA E
A OBRA DE ARTE

5.1- A Técnica na Época da Reprodutividade Artística

179
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Na década de 1920, Walter Benjamin escreveu um artigo,


próximo de suas abordagens de união semântica entre
modernidade e fatalidade (quando fala de Baudelaire, por
exemplo), que até hoje é frequentemente utilizado nas humanas:
A Obra de Arte na Época da Reprodutividade Técnica. Neste
belo artigo o autor questiona a perda da aura da arte na
modernidade que, em função da capacidade de reprodução da
obra, proporcionaria a formação de uma grande fenda entre a

65- Cinema “.............” da época de Walter Benjamin


arte e a história cultural, entre a consciência política e a
possibilidade de manutenção da cultura passada; conflito que
privilegiaria na narrativa histórica fatos circunstanciais e
aleatórios das ideologias dominantes. Naquela época,
impressionado com a fotografia e o cinema, Benjamin tentava
compreender esteticamente a estrutura artística destas novas
tecnologias, fundamentalmente em suas possibilidades
reprodutivas. Mal sabia Benjamin que a tecnologia no final de
seu século iria, não só multiplicar e subjetivar os conceitos de
autoria e reprodução, como também possibilitar a existência de
uma técnica como arte.

180
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Este parece ser o sentido dos trabalhos do polonês Benoit


Mandelbrot, diretor de pesquisas no J. Watson Research Center
da IBM e membro da Academina Americada de Artes e
Ciências, que foram desenvolvidos, a partir da década de 60
seguindo os trabalhos de Cantor e Peano, e que podem servir de
exemplo para discutirmos a nova estética que se aproxima: trata-
se dos fractais!
A observação de elementos da natureza, através dos

66- Fractais - invenção revolucionária e acidental de Mandelbrot

princípios euclidianos e do cálculo diferencial, revelaram que


muitos desses elementos conjugavam interrupções e
irregularidades. Mandelbrot em seu texto Os Objetos Fractais,
diz que a Geometria Fractal constitui um instrumento para a
descrição de domínios em que a realidade se revela tão
irregular que o modelo contínuo perfeitamente homogêneo não
pode sequer servir para uma primeira aproximação. Ao
contrário das dimensões euclidianas, a dimensão fractal não
apresenta-se expressa, necessariamente, por número e pode ser
conhecida através da casualidade, pois certas curvas planas
muito irregulares podem estar entre 1 e 2, salienta Mandelbrot.
181
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Para ilustrar, Mandelbrot explica: “Um novelo de lã de 10


centímetros de diâmetro possui efetivamente várias dimensões
distintas. Quando observado sob um grau de resolução de 10
metros, é um ponto e, por conseguinte, uma figura 0-
dimensional; com resolução de 10 centímetros é uma esfera
tridimensional; com resolução de 10 milímetros cada fio se
transforma num cilindro e tudo retorna à tridimensionalidade.
O valor da dimensão não pára de modificar-se.” Para
Mandelbrot a repetição está tanto na natureza quanto na arte.
Esta estrutura seria uma nova forma de arte que habita a
fronteira entre a invenção e a descoberta. Mandelbrot e para o
espanto de Benjamin, questiona-se até que ponto uma forma
simples pode adquirir um valor estético e, em se tratando de
fractal, acredita sem dúvida nesta possibilidade. O inventor dos
fractais faz uma relação entre arte e uso e lembra que muitos
objetos fabricados com o fim de utilidade, frequentemente
terminaram por serem vistos como obras de arte genuínas. Por
exemplo, a representação de sistemas de crescimento dos
organismos vivos que os fractais simulam, podem,
potencialmente, transformarem-se em obra de arte. Arlindo
Machado em Máquina e Imaginário lembra que um objeto
fractal é exatamente o que Leonardo da Vinci designava de
fantasia essata, “algo que é ao mesmo tempo um achado da
imaginação e um modelo de conhecimento”. Machado ainda
afirma que as conseqüências da geometria fractal abrangem
terrenos tão diversos como a filosofia, a física, a biologia ou a
semiótica e compara o conjunto de Mandelbrot com obras de
arte como o Parthenon, a Divina Comédia ou o Teto da Capela
Sistina. Ora, com certeza Machado não está exagerando, o
sistema fractal pode apresentar-se como uma importante
representação da arte digital, exatamente por seu conjunto
invejável de características enquanto obra de arte e, porque não
dizer, da modernidade: é não-linear, mas possibilita um sentido
de uso; é imprevisível, mas apresenta-se com uma identificável
regularidade; segue a tradição da geometria, mas rompe
definitivamente com os princípios euclidianos das dimensões
182
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

absolutas e abstratas; apresenta-se em dimensões, mas sua


manifestação dimensional só pode ser expressa por números
fracionários, não é mais bi ou tridimensional; montam formas
variadas, mas asseguram padrões de similaridade etc. .
Sem dúvida que, em parte, estamos na mesma situação que
Walter Benjamin com o cinema ou a fotografia. Ou seja, temos
que reconhecer a necessidade de frente à novas tecnologias,
reconstruirmos nossos conceitos tradicionais de estética. Para
tanto, é importante relembrarmos algumas concepções
tradicionais de estética, destacando possíveis opções frente à

67- Mandelbrot ( “sua arte é tão importante quanto o Partenon”)


hipermídia/hipertexto.
A historicidade embuída no interior do conceito de estética
sempre esteve envolvida com a concepção de senso comum e,
tudo indica, que os caminhos das novas concepções estéticas
estarão se aproximando, cada vez mais, talvez em homenagem à
manutenção das tradições das vanguardas estéticas, do senso
comum. Ou, ainda dizendo de outra forma, devemos viver uma
proximidade cada vez maior com os sentidos superlativos
resguardados na cultura popular. Neste sentido, há um caminho
perpassando a filosofia que vale apena retomar rapidamente.
183
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Ao contrário de Vico, no trato com o senso comum, Kant


pretende que nossa vontade seja definida, fundamentalmente,
através de exigências criadas por uma autolegislação da razão
pura prática. A fonte de tal razão, não pode ser, prioritariamente,
uma simples comunidade de sentidos, mas sim a atuação prática
da razão. Cabe à crítica da razão prática garantir tal iluminação
e, nesta, não há espaço ao senso comum, pois é somente no juízo
estético do gosto que Kant, encontrará um verdadeiro sentido
comunitário. Neste momento, é importante percebermos a
significação criada através da redução do conceito de sentido
comum ao universo do juízo estético do gosto, no escopo de
alcançar a verdade do primeiro.
O que Kant objetivava com sua crítica da capacidade do juízo
estético, era delegá-lo ao campo das "capacidades subjetivas",
longe de pertencer ao conhecimento que contém o objeto. As
"belas artes" deveriam valer de fato pela revelação do gênio. A
hermenêutica classifica a justificação transcendental kantiana da
capacidade de juízo, na possível autonomia de uma consciência
estética que, no fundo, seria fator de legetimação de toda
consciência histórica. Portanto, em não sendo um discernimento
fruto da ciência natural, não teria valor científico. Aqui não
restou outro caminho às chamadas ciências do espírito do que
apoiarem-se na teoria metodológica das ciências naturais. A
idéia kantiana da unidade da construção estética, representada na
oposição entre forma e conteúdo, foi um dos principais
entimemas da tradição moderna cientificista em suas relações
com a obra de arte; em Kant o conceito de gênio fundamentava
o conceito de arte, graças àquele esta última era possível.
No entanto, este novo universo artístico digital indica que a
essência da arte não é uma atualização transitória que manifesta
uma pura consciência histórica, mas a manifestação de um ser
que se atualiza recorrendo historicamente a si mesmo. Portanto,
é fundamental, nesta conjuntura, não criarmos sobre a beleza e
a arte nenhuma perspectiva que pretenda a imediatez da
classificação iluminista da ciência, senão que aborde a realidade
histórica do homem. Este encontro seria ontologicamente
184
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

frutífero e potente na revelação de sua verdade. A própria


ecologia cognitiva de Pierre Lévy, parece ter entendido algumas
questões também desta maneira, haja vista sua afirmação em As
Tecnologias da Inteligência, que a divisão kantiana entre sujeito
e objeto em suas possibilidades interpretativas, não tem mais
sustentação neste ‘novo mundo’ tecnológico. Aqui devemos
situar nosso abandono de Kant, principalmente em suas
tentativas de reconhecimento da verdade fruto do conhecimento
científico, fruto das ciências da natureza, em detrimento do
saber que pode conter a arte.
Nesta altura devemos nos aproximar de Hegel,
principalmente em suas propostas universalizantes através da
estética. Em Hegel já temos a mediação entre arte, verdade e
consciência histórica. A estética hegeliana está delimitada por
seu potencial de visão de mundo, pois a verdade está refletida na
arte. Porém, Hegel só pode encontrar a verdade da arte através
de conceituações filosóficas, perseguindo a história das
concepções de mundo, a partir de uma terminal autoconsciência
do mundo. Porém, devemos ficar do lado da hermenêutica que,
ao contrário da filosofia da história hegeliana, pretendia cancelar
a multiplicidade das experiências históricas.

185
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

68- “ ......” apresentada na “.... “ bienal - 1994


A hermenêutica defende que todo encontro com a linguagem
da arte é um encontro inconcluso, e que faz parte do próprio
acontecer da obra de arte, assim como na ciência, a busca da
verdade. O termo Spiel (jogo), lemba Gadamer, pretende
acolher grande parte deste acontecer da obra de arte. O das
Spiel seria o próprio modo de ser da obra de arte.
Assim entende a hermenêutica o conceito de representação
artística, ou seja, no interior de uma significação universal e
ontológica do estético, há um processo ôntico e não algo que
ocorre somente no momento da criação artística. A reprodução,
como representação, não pode ser entendida separada do ser
originário; mais que isto, pertence a ele, o que parece ter
percebido Benjamin, apesar de sua melancolia. Com isto
queremos dizer que qualquer experiência estética através da
obra de arte proporciona um acesso a autorepresentação do ser.
Neste aspecto, o que vale para a arquitetura, vale igualmente
para a literatura, assim como para a ciência. A literatura é uma
expressão artística que também está delimitada por sua
ontologia de obra de arte e, não pela experiência estética que
aparece durante a leitura. Isto é o mesmo que dizer que é a
historicidade do modo de ser da literatura em geral, que torna
possível que algo pertença à literatura universal. A
186
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

universalidade está no modo de ser da arte e não em sua


classificação! Não é porque dizemos: isto é uma obra de arte!,
que assim se torna, mas sim porque nos deixamos transformar
por ela. A arte contemporênea, em sua expressão comercial e
conceitual, talvez perca sua aura de obra de arte, não por usar
pinicos, vasos sanitários ou guarda-chuvas e vassouras, mas por
acreditar que é a simples estilização de tais objetos cotidianos
que proporciona uma experiência estética. Aqui reside o grande
trunfo de toda obra de arte como possibilidade de revelação do
ser: seu sentido não pode ser dominado, nem pela filosofia, nem
pela psicanálise, nem pela semiótica, nem... . No mundo digital
multimidiático, artista, arte, técnica, ciência, estética, gosto,
genialidade etc., são classificações didático-estilísticas que estão
em crise, pois o mundo digital não quer dominar o sentido.
Com certeza, nunca passamos por uma transformação tão
grande no meio artístico quanto nesta virada de século. A
primeira grande mudança no caminho da técnica como
reprodutividade artística, deverá localizar-se na questão da
autoria que anunciamos no capítulo anterior. O mundo digital,
em suas características reticulares, multimidiáticas e maquínicas
como diria Guattari, deverá envolver um número sempre plural
de autores, com certeza o contrário seria exceção. Esta discussão
de âmbito estético-autoral transcende, em muito, os limites entre
arte e ciência. Um bom exemplo seria novamente a
Enciclomédia “de” Umberto Eco. Os jornais e as revistas na
época de seu lançamento, durante o primeiro semestre de 1995,
anunciavam como sendo uma obra “de” Umberto Eco (como se
se tratasse de O Nome da Rosa ou de O Signo - livros de Eco
consagrados). Ora, o projeto de Eco vai até o ano 2.000 e
envolverá milhares e milhares de páginas e temas; mais de 50
pessoas altamente gabaritadas nas mais variadas áreas estão
envolvidas, sob, isso sim, a coordenação de Eco. Chamar Eco de
“o autor” é fazer o mesmo que delegar a “autoria” de uma
Bienal a um único artista ou de uma coletânea ao coordenador.
Michel Foucault tem concepções bem interessantes a respeito e
dizia que um autor não é igual a si mesmo; que não existe um
187
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

autor, mas uma função-autor que se responsabiliza pela geração


de um texto e falava que, nem mesmo, esta função-autor seria
indispensável. Como aponta Teixeira Coelho (no artigo O
Autor, ainda - Revista Imagens - UNICAMP) seguindo o
caminho de Dudley Andrew, Foucault, numa espécie de
premunição do mundo multimidiático reticular, afirmava ser
possível a existência de culturas, nas quais os discursos
circulariam no anonimato do murmúrio.
Portanto, enquanto autores no mundo digital devemos nos
acostumar com uma pequena parcela das criações artísticas ou
científicas; o ser será profundamente coletivo e não poderá
dominar autoritariamente a autoria. O estilo literário do “nós”
deverá se revelar como o caminho mais representativo na
ciência ou, quiçá, com muito mais freqüência na arte. É provável
que o valor exacerbado que até hoje damos a autoria sofra uma
profunda mudança, deixando um espaço mais aberto a outras
manifestações e nos remetendo a tempos passados quando a
autoria não significava uma massagem no “ego”.
O mund da técnica na época da reprodutividade artística
parece estar acabando com os cânones vanguardistas deste
século, que discutiam sem parar os efeitos maléficos do
aprimoramento técnico. Muitos filósofos do século XX, falaram
contra a máquina nazista de reprodução da morte, contra a
energia atômica ou contra os efeitos arrasadores do
automatismo. Mas, com certeza, esqueceram do lugar da
técnica no cotidiano, lugar onde reside o ser da filosofia.

188
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

5.2-O Barroco Tecnológico

Quebrando a tradição que vê no símbolo, o particular no


universal e na alegoria, o universal no particular (Goethe),
Walter Benjamin, antes de Gadamer, já reabilitava a alegoria em
seu "Ursprung des deutschen Trauerspiels" (A Origem do
Drama Barroco Alemão). A arte barroca passaria a trabalhar
com o princípio da morte, não enquanto fim derradeiro, mas
como a ação da metamorfose da vida na morte. Na linguagem
barroca, um quarto vira um túmulo, uma coroa real, espinhos e
um instrumento musical um machado. No caminho de
reabilitação da alegoria o sentido na arte encontra-se
profundamente escorregadio.
Na perda do sentido único, a história, tal como a obra de arte,
é o resultado da união de ruínas, não no aspecto catastrófico,
mas fruto da determinação de que para algo (re)nascer é
necessário que algo morra. Para tornar-se objetivo da alegoria, o
mundo deve ser desmembrado; é em seus fragmentos que
encontraremos a significação alegórica. O encontro entre o
barroco e o moderno, estaria na conservação dessa imutabilidade
primordial revelada pela alegoria. Ora, o que não muda é
exatamente o princípio da eterna mudança. A imagem digital
189
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

por sua essência numérica e matemática, não só possibilita todo


tipo de transformação de suas representações como, inclusive,
não permite uma representação estática de si mesma. Na
verdade a grande questão que gira em torno das imagens digitais
é que elas não são, prioritariamente, imagens, mas linguagens.
Não só trata-se de uma aliança entre o formal e o sensível como,
inclusive, a redenção da matemática neopitagórica. Saltando em
defesa desta “formalização” da arte, Philippe Quéau salienta
que “as linguagens formais nos ‘resistem’ e, contém mais coisas
do que acreditamos ver nelas. As matemáticas possuem uma
vida estranha que fascina e surpreende os melhores
matemáticos. (...) O artista de amanhã será, sem dúvida,
chamado a utilizar a autonomia desses ‘seres’ intermediários
como novo meio de expressão, e poderá tirar partido de sua
vida artificial para criar obras em constante gênese, processos
quase-vivos, modificando-se sem cessar eles mesmos em função
do contexto.”

190
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Parece ironia que quase quatrocentos anos após o Barroco na


arte e a apologia cartesiana da matemática na Filosofia, as

69- Arte Barroca - Ticciano - séc. XVII

linguagens de ambos estão se encontrando numa condição


técnica de existência. Como Descartes poderia imaginar que a
matemática seria a base de transformações tecnológico-
artísticas, não no caminho de reforço da onipotência de um
sujeito que apreende um objeto, mas na transformação do
mundo a um nível de provocar a impotência destas categorias
metodológicas. A própria infografia, num sentido mais amplo,
em suas possibilidades interativas, ratifica tais transformações.
Daí a possibilidade das imagens digitais circularem pelo mundo
das redes, no interior de um processo de televirtualidade, onde
as mesagens explodem em puro ruído.
O meio, como diz Julio Plaza, não é mais a mensagem, pois
não existe mais meio, mas somente trânsito de informações em
191
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

forma de matrizes numéricas. Neste sentido, a própria


hipermídia ou a intermídia já revelam o dinâmico processo
dialético de concomitância e hibridação entre tecnologias,
efeitos, meios, códigos e linguagens.
Nesta modernidade digital, como na linguagem inaugurada
pelo barroco, o desdito não só é permitido, como pode
transformar-se em regra; daí estarmos mais pré-dispostos à
melancolia. Temos aqui um encontro do barroco com a
modernidade, onde o instante aristotélico e o agora hegeliano
destruiram-se mutuamente na concepção monadológica de
Walter Benjamin. Benjamin, chama toda ação do presente em
seu caráter antecipado de sentido futuro e passado, e que
explode na irrupção do cotidino, de jetztzeit (tempo de agora). O
agora benjaminiano está revelado como recolhedor de
experiências e de relatos utópicos, enquanto expressividade da
repetição do não-realizado. Devemos cuidar com a melancolia
neste contexto digital, porque, tentar escondê-la não só estaria
no limite do estranhamento total de si mesmo, como também o
excesso de técnica a desvaloriza.
No mundo digital multimidiático e reticular, tal como no
mundo do barroco benjaminiano, o sujeito é quem contempla a
morte tanto dos significados quanto dos objetos. É no interior
desta desintegração, que homem e natureza podem encontrar a
salvação na alegoria e, jamais, no símbolo. Na Melancolia de
Dürer, por exemplo, a ciência, representada puramente por seus
objetos, não mais atrai e torna a inteligência sinônimo de
melancolia, sob o signo de Saturno. O olhar melancólico
destrona a visão clássica de sujeito/objeto, destacando que o
acirramento da desvalorização científica de objeto tenta mantê-
lo fiel à sua essência de coisa. É a própria melancolia que aponta
ao discurso do fragmento e ao espetáculo de ruínas. A
historicidade que advém daí, tem no transitório e no descontínuo
a única possibilidade de adquirir sentido histórico, onde
qualquer significado está em condição de alegoria, não
enquanto símbolo, mas enquanto qualquer coisa que pode
significar qualquer coisa para qualquer coisa.
192
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Porém, a ruína que tão bem caracteriza a modernidade


benjaminiana, no contexto digital, não ocorre mais na tragédia
do recalque melancólico, como a história para Benjamin ou
Freud. No mundo onde imperam as representações digitais, a
ruína não existe mais ou, se quisermos, ela é a norma; quiçá,

70- Melancolia - Albrecht Dürer - séc.XVI


nunca na história do ocidente, a arte tenha tido melhor
oportunidade se manifestar enquanto a linguagem primeira de
revelação do ser. São inúmeros os autores que identificam o
maneirismo e o barroco como os momentos históricos onde a
arte alcançou maior conseqüência enquanto revelação do ser. A
valorização da metáfora, da alegoria, da figura de linguagem, do
detalhe, da contradição, do dialético, do dialógico etc., como
temos visto ao longo deste ensaio, parece ser o caminho mais
consequente. Apesar de toda violência, para nós
contemporâneos, dos europeus frente aos indígenas durante o
processo de conquista da América, foi só no barroco, a partir do
XVII, que a Igreja conseguiu oferecer espaço para a
manifestação da cultura indígena. Isto exatamente por se tratar
de uma linguagem artística que trabalha com a contradição. Se
visualizarmos uma igreja mexicana do XVII na região de

193
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Puebla, veremos anjos com traços indígenas (esculpidos pelos


próprios) e até o Papa vestido com uma capa de imperador
asteca.
São estas algumas das características que teremos, cada vez
mais, circundando a arte em meio ao mundo digital. Cada
temporalidade não apenas sonha a seguinte como procura
acordar do próprio sonho. Tal como na representação fractal, a
memória jamais se dá da forma que Pierre Lévy nos descreve:
cognitiva. A memória não está no despertar do sonho, mas no
acordar para o sonho e a recordação passará a depender,
declaradamente, do esquecimento. Por vezes, temos a impressão
de que Pierre Lévy ainda encontra-se amarrado nos cabos de aço
do cognitivismo do positivismo lógico. O próprio Mendelbrot,
ainda na década de 80, já havia entendido que a profunda ironia
é que esta nova vida digital “que todos parecem decrever
espontaneamente nos termos que se referem a Natureza, como
‘barroca’ e ‘orgânica’, deva ter como ‘pais’ dois símbolos do
inumano, do seco e do técnico, isto é, a matemática e o
computador”. Assim, através de Mandelbrot podemos começar
a traçar uma resposta a Walter Benjamin que questiona a
relação entre obra de arte e as relações de produção de uma dada
sociedade. Talvez nunca tenhamos podido dizer tão claramente:
o mundo digital é uma transformação, prioritariamente,
tecnológica. Como no Livre de Mallarmé, ou nos discursos
barrocos de um Padre Vieira, o discurso não pára de dobrar
esquinas, onde tudo que existe pode se transformar em outra
coisa. O barroco tecnológico expresso pelo mundo digital é o
eterno desdobramento e transição de qualquer limite. Trata-se
do máximo de matéria ou sentido, num mínimo de expressão.
Barroco é o que recobre, é o múltiplo, o anamorfótico, o
desmesurável, o curvo e não-linear, enfim, o digital. Não é por
nada que uma das origens da expressão “barroco” vem de
“barrueco” do espanhol, que remete a uma pérola toda
irregular, cheia de caminhos diversos e de descontinuidades.
Existe um diretor inglês que se chama Terry Gillian, dirigiu
uma série de filmes do grupo inglês de realismo grotesco
194
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

chamado Month Python. Há dois trabalhos que envolvem


Gillian que seria oportudo comentarmos. O primeiro trata-se do
filme Brazil de 1985. O filme logo no início indica que se trata
de uma história “em algum lugar do século XXI...” e passa a
descrever a vida de Lorry, o protagonista. Lorry vive num país
que é totalmente dominado pelo Estado, que controla não só a
tecnologia, as empresas, como a própria vida pessoal de todos
que habitam ali. Em detrimento da liberdade individual, o
Estado age na busca de terroristas, que o tempo todo explodem
qualquer lugar. Tudo “vai bem” quando, de repente, Lorry se
apaixona por uma moça que é acusada de terrorista, isto porque
ela estava defendendo o vizinho que fora confundido, em função
de um erro de registro, com um subversivo. A confusão foi
causada por um besouro que caiu na impressora do serviço
secreto e, que ao invés de imprimir o nome Tuttle (um
“terrorista” procurado) imprimiu Buttle (um engenheiro que não
tinha nada a ver com o caso), que acabou torturado e morto. Na
base tecnológica de todo este aparato roteirístico, a informática:
uma mistura de máquina de escrever, tubo de imagem e PC-XT.
Ora, a linguagem que o filme explora, é profundamente
metafórica, não-linear e joga com uma mescla dos discursos do
sonho e do massante cotidiano. O mais surpreendente é que
quando o filme foi lançado em 1985, inclusive no Brasil, não se
conseguia encontrar ninguém no, ou do Brasil, que pudesse ver
relação entre este e as propostas de Gillian. Mesmo o intelecto
de New York Times dominical de Paulo Francis, afirmava, tarde
da noite, que nada no filme remetia ao Brasil, a não ser
Aquarela do Brasil.

195
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Vejamos: um Estado fortíssimo dominando tudo; uma


proteção tecnológica na informática que só faz salvaguardar as
contas no exterior, de algumas poucas famílias brasileiras; uma
miséria periférica nas grandes cidades, um atendimento estatal
de telefonia falido; uma história de instituições autoritárias
extremamente presente etc.; não é de se surpreender que quando
perguntaram a Gilliam o que que o filme tinha a ver com o
Brasil ele tenha respondido enfaticamente: nada! Nem sei
porque coloquei este nome! O barroco é assi..., Padre Vieira
dizia e desdizia deixando totalmente perdidos seus inquisidores.
Já no caminho da hipermídia, há um trabalho de Gillian que
muito bem ilustra os anúncios da interatividade digital: trata-se

71- CD-ROM - Circus - Monty Python

do Circus Monty Python. Seguindo a valorização do princípio de


196
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

multiplicidade defendido por Ítalo Calvino em Seis Propostas


para o Próximo Milênio, o CD-ROM do Monty Python procura
criar uma grande rede de conexões entre os objetos apresentados
na tela. O mundo do CD-interativo é marcado por uma grande
trama de relações, onde cada lugar guarda dentro de si a
presença simultânea de vários outros referenciais. A opção
nunca é a final, a nova interpretação é sempre mais uma. A
abertura de janelas dentro de janelas, dentro de janelas, dentro
de janelas dentro... faz com que, necessariamente, ocorra uma
intersecção entre os mundos representados. Nada é estável e a
referência é a regra, pois tudo se refere a tudo. Com certeza, é
barroco, porque há um saturamento de informações dentro do
mesmo lugar. Pode ser chamado também de arte permutacional
(Abrahan Moles), já que é indiferente a direção que o espectador
preferir tomar. Por sinal, princípio, como veremos no ítem 5.5,
que a arte expressa desde sempre. Sintagmas, paradigmas e
metáforas agem em conjunto e, sem dúvida, que o resultado
ainda nos assusta. Omar Calabrese, em La Era Neobarroca
(Madrid, Cátedra, 1989) já salientava, há quase dez anos, que as
novas tecnologias do mundo digital causarão uma grande
retomada da estrutura mutável a que remete o barroco.
Movimento, curvas, não-linearidades, enfim, tudo o que já
enfatizamos seriam para Calabrese, as grandes causas desta era
ser chamada de Neobarroca. Não nos parece que sua leitura vá
de encontro a Walter Benjamin.
Os exemplos são, com certeza, infinitos, mas é preciso que
entendamos que a obra de arte é infalível em suas propostas de
comunicação e, mais que isto, quando há uma conjuntura que
explore a multiplicidade de suas expressões, ela não pára de
comunicar. Em relação ao filme Brazil, poderíamos interpretá-lo
sob a óptica de uma crítica às perseguições “terroristas” na
Inglaterra, à sua educação autoritária, ao protecionismo europeu
na questão tecnológica etc.e, neste caminho, poderíamos até
dizer que não há relação com nosso país. No espírito do
maneirismo o que o barroco parece ter arrombado é a abertura à
diversidade. A América foi um exepcional referente, como é até
197
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

hoje, para a cultura européia. Nossa identidade cultural só é


ratificada se tivermos acesso a alternativas outras de
interpretações e, esse acesso, depende, prioritariamente, do
desenvolvimento de linguagens que permitam tais contatos com
uma relativa abertura ao ser. A arte sempre foi o espaço, por
excelência, desta abertura e o barroco um de seus estilos mais
forte. Provavelmente não seria um exagero comparar as
manifestações de insegurança que estamos passando frente as
possibilidades do mundo digital, com o que sentia o homem
europeu da segunda metade do século XVI em diante. A
incógnita diz respeito ao tipo de “iluminismo” que teremos pela
frente, se é que teremos...

5.3- A Revolução das Linguagens da Criatividade

198
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

O criativo se constrói graças ao universo da “mesmice”.


Julgamos que algo seja criativo porque existe em sua volta e em
seu passado o universo do sempre-igual, como já falava
Benjamin. No contexto do mundo digital ficará difícil de se
saber o que vem a ser inovação ou repetição, pois como já
salientamos a criação adquirirá, com muito maior freqüência,
uma dimensão coletiva e a novidade será regra básica. No
entanto, as convenções filosóficas que giram em torno do belo,
do novo, do criativo, do bom gosto, enfim, do estético,
provavelmente continuarão regendo estas questões. Um
questionamento sobre criatividade, principalmente neste campo
fundamental de sua atuação que é a arte, só pode seguir os
caminhos de um levantamento filosófico.
A hermenêutica vê na idéia de bom gosto uma grande fonte
de discussão estética. Bom gosto sempre esteve diretamente
relacionado à idéia da "boa sociedade" diz o filósofo-mor da
hermenêutica, e realça que o sentido que advém dele não é algo
privado, mas profundamente sócio-cultural. Geralmente, o
criativo deve muito aos fatos que lhe causam repugnância. E, de
fato, o que repugna o novo, o que atinge seu mundo, não é tanto
o estado antigo, mas sim o lugar onde há falta da ação do ser.
Kant já lembrava que é melhor ser um louco na moda do que
contra a moda. Para Gadamer, já a própria estética grega
significava em seu sentido profundo uma ética do bom gosto,
onde havia basicamente a preocupação com a possibilidade de
manifestação do ser.
Com Kant, nós tivemos a introdução do trato com o gosto
numa validade autônoma e independente em qualidade, do
próprio princípio da capacidade de juízo. Restringindo, assim, o
conceito de criatividade ao uso teórico e prático da razão. A
intenção transcendental de Kant, encontrou vigor, ao restringir o
juízo sobre o belo e o sublime, deslocando a visão de mundo do
gosto, no âmbito dos costumes, para fora da filosofia. Gadamer,
no entanto, pretende explorar o estar-no-mundo da obra-de-arte
como a fonte que mais segredos conserva no que tange aos
poderes do criativo e do novo: "A produtiva plurivocidade em
199
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

que consiste a essência da obra de arte, não é mais que outra


maneira de expressar a determinação essencial do jogo, que é
converter-se cada vez num acontecimento novo. Neste sentido
fundamental à compreensão das ciências do espírito, se situa na
mais estreita proximidade com a experiência imediata da obra
de arte."
Gadamer insiste numa idéia que muito nos atraiu para se
discutir o tópico da criatividade: o mundo histórico cultural-
individual não é passível de nexo vivencial, pois todo ser
histórico precisa entender-se na superação do próprio horizonte.
A autocompreensão é o fator que garante a criatividade, ou seja,
quanto mais aprofundarmos e alargarmos nossos horizontes,
mais estaremos abertos a inovações. No entanto, a
autocompreensão não deriva de uma decisão historicamente
colocada, muito menos do estar disponível a si mesmo. A
modernidade, principalmente nas metrópolis, já vem desafiando
seus habitantes à convivência com a diversidade; e, já que a
criatividade depende do diverso, é exatamente não só o que
oferece o mundo de manifestações multimidiáticas como,
inclusive, é condição sine-qua-non para nele adentrarmos. Os
paradigmas que perduraram até agora na leitura da arte, como
cópia, representação, originalidade, decoração, ilustração etc.,
deverão sofrer profundas mudanças frente ao contexto
tecnológico digital, pois estarão em todos os lugares, portanto,
desaparecerão!
Porém, a criatividade no mundo digital não garantirá
nenhuma redenção ao homem, a arte não é tão poderosa. Uma
maior possibilidade de abertura à criatividade e uma
conseqüente exploração do ser, sob o ponto de vista de abertura
ao mundo, não significa, sob hipótese alguma, a autorealização.
Não esqueçamos do texto de Michelângelo no final de sua vida,
um dos maiores artistas de todos os tempos, sobre sua arte:
“Como o inseto em seu casulo, eu me sinto solitário e pobre.
Sinto-me encarcerado como o espírito do vinho dentro de uma
garrafa. E neste cárcere em que me encontro, até o meu espírito
se sente confinado. Aranhas e outros bichos tecem suas teias em
200
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

volta de mim. Aqueles que se alimentam bem ou aqueles que


tomam algum remédio, vêm defecar à minha porta. Já estou
distingüindo o cheiro da urina das latrinas, o cheiro mefítico
dos loucos que perambulam livremente à noite, dos gatos, dos
vasos noturnos e dos que os esvaziam e que depois passam perto
de mim. Minha alma, na verdade, é bem mais forte do que o
meu corpo. Se também ela sentisse todos esses cheiros fétidos,
ela não seria capaz de reter nada, nem pão nem queijo. A tosse
e o frio tomam conta de mim. Ae me fosse dado respirar ‘por
baixo’, dentro em breve eu já não exalaria nem um hálito pela
boca. Sinto-me desgastado, dilacerado e alquebrado por todos
esforços que despendi. Os albergues em que me alimentava já
não existem mais. Por companheira resta-me ainda a
melancolia e como distração, os meus tormentos. Aqui da minha
choça, rodeada de palácios, represento bem o papel de um
louco. A chama do amor extinguiu-se e minh’alma acha-se
ressequida. Começo a zumbir como uma vespa que se encontra
presa dentro de um frasco. Comparo-me a uma mochila repleta
de ossos e de tendões. Meus olhos estão turvos e doentios e
meus dentes estalam quando falo. Meu semblante ha forma de
spavento (é horroroso). Em um dos meus ouvidos instalou-se
uma aranha e no outro um grilo. A sua incessante operosidade
rouba-me o sono. O amor, as Musas, as grutas floridas, tudo,
enfim, converteu-se em imundície. O que adianta ter fabricado
tntas ‘bonecas’, se tudo acabará como para aquele que se
propusera atravessar o oceano e que se viu tragado pelo
pântano? A famosa arte, cujos segredos tão bem conheci,
reduziu-me a este estado. Já entrarei em estado de
decomposição, caso não venha a morrer logo! “

201
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Michelangelo talvez seja um dos homens mais competentes e


criativos no expressar de sua relação com o mundo. Arquiteto da
Cúpula de São Pedro, autor das pinturas do Juízo Final e,
talvez, o escultor mais impressionante de todos os tempos. O
homem que no final de sua vida está falando desta forma
melancólica, lembrando a gravura de Dürer, é o mesmo que um
dia, após terminar sua escultura Moises, bateu na pedra e

72- Moises de Michelangelo

ordenou: fala!
O criativo não está, portanto, necessariamente relacionado
com a sensação de autorealização, mas muito mais com o
exercício ontológico de suas possibilidades. O “estar disponível”
à autorealização é muito mais importante para o “estar criativo”
do que a conquista daquela. Com já anunciava Norman
Rockwell, o cotidiano deve ter uma participação essencial nos
202
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

novos caminhos de manifestações artísticas. O jogo, a


transformação, a mutabilidade etc., são os valores que deverão
vigorar. Se pegarmos uma importante obra de arte, a Monalisa,
por exemplo, e aplicarmos um efeito de computação, o que
teremos é mais um momento de transformação do ser da obra.
Lembrando Heidegger, o coisico da tinta e da tela de da Vinci,
não é o mesmo da máquina fotográfica, nem o mesmo da
digitalização da obra e, nem o mesmo do efeito aplicado à
digitalização, nem o mesmo ... .

72- Monalisa - Leonardo da Vinci

203
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

“A

73- Monalisa - com efeito Túnel do Programa Photomagic

ciência, a técnica, a filosofia, a arte, a conduta humana


defrontam-se com coerções, com resistências de materiais
específicos, que elas desfazem e articulam, nos limites dados,
com a ajuda de códigos, de um savoir-faire, de ensinamentos
históricos que as levam a fechar algums portas e abrir outras.”
Diz Guattari em seu livro Caosmose. Mais uma vez, mesmo
neste novo contexto artístico-digital, a arte está se apresentando
como o interlocutor mais consequente até então. É o próprio
anti-heideggeriano Guattari que dá a coordenada heideggeriana
à interpretação da criatividade artística: “É evidente que a arte
não detém o monopólio da ciração, mas ela leva ao ponto
extremo uma capacidade de invenção de coordenadas mutantes,
de engendramento de qualidades de ser inéditas, jamais vistas,
jamais pensadas.” Estamos frente ao que se está
204
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

convencionando chamar de máquina auto-poiética. O mundo


digital já é, em si, o mundo da metáfora e da representação. Não
há nada que neste mundo possa ser representado, que já não
esteja numa cadeia de representações. Não há mais nada que não
seja uma releitura e o criativo, próximo da brincadeira, é muito
mais o “fazer de novo” de outro jeito do que o inaugural.

205
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

5.4- O Digital do Digital

Sem dúvida que Martin Heidegger, talvez junto de Ludwig


Wittgenstein, é o filósofo mais incompreendido deste século.
Primeiro, teve que sofrer ataques ferrenhos por ter assumido
durante 8 meses a reitoria de uma universidade alemã sob o
regime nazista. Independente de um julgamento político da
postura ideológica de Heidegger (ele sempre se recusou em se
retratar, pois dizia que o arrependimento não tem sentido) sua
obra, ao contrário da do psicanalista Carl Jung, por exemplo,
não tem o mínimo resquício de nazismo. Haja vista, que o
próprio livro de Victor Farias (Heidegger e o Nazismo) não
alcançou a mínima relevância nos meios acadêmicos no que
tange às tentativas de associar a obra de Heidegger ao nazismo e
acabou caindo no esquecimento.
No entanto, esta nova conjuntura do mundo tecnológico digital
fez surgir inúmeras acusações anti-heideggerianas que não são,
sob hipótese alguma, compatíveis com o pensamento do
filósofo. Vejamos algumas. O carro chefe das condenações a
Heidegger neste contexto, está calcado nos textos de Pierre
Lévy. Em As Tecnologias da Inteligência, Lévy diz: “(...) não
há mais sentido sustentar que a essência da técnica é
ontológica” (p.13) no sentido heideggeriano; mais adiante Lévy
diz que “um dos principais erros de Heidegger e de muitos
críticos da tecnociência é o de crer na ciência, quer dizer agir,
como se as estratégias, as alianças, as interpretações, as
negociações, que são tramadas sob o rótulo da tecnociência,
possuíssem uma qualidade especial, ausente de outras
atividades humanas”; e, mais adiante: “Heidegger e Michel
Henry ‘acreditam’na ciência como as pessoas na Idade Média
acreditavam na realeza do direito divino”. Bem, os comentários
seriam inúmeros e demandariam uma publicação só para eles.
No entanto, podemos afirmar, sem nenhum medo de errar, que
P. Lévy & Cia. entenderam os fragmentos heideggerianos de
206
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

forma totalmente equivocada. Não é novidade; Lacan, Peirce,


Freud, Wittgenstein, Bakhtine entre outros, frequentemente têm
suas obras aviltadas por compreensões circunstanciais e em total
desacordo com a conjuntura. Voltando a Lévy, o que este
intelectual parece não ter entendido sobre Heidegger, é que a
crítica do filósofo frente a tecnologia, sempre esteve permeada
pela delação da perda da identidade do ser com o mundo. Por
exemplo, na própria obra heideggeriana, que Lévy cita várias
vezes, Essais et Conférences (Gallimard, Paris, 1958),
Heidegger desenvolve um belo estudo sobre arquitetura e crítica
à modernidade tecnológica do mundo da habitação civil que,
frente a liberdade artesanal das construções alemãs em
Fachwerk (enxaimel), deixa muito a desejar no que diz respeito
às possibilidades de manifestação do ser. Pois enquanto nas
construções em enxaimel é o próprio camponês que constrói e
talha a madeira, no processo habitacional moderno, não há
identidade com o construído. A perda que se tem aqui, é a
possibilidade de ligação ontológica com a ação de habitar.
Negar esta “perda” seria o mesmo que procurar defender a
possibilidade de identidade, ou não-alienação, dos operários ou
camponeses inseridos, ainda hoje, em grandes linhas de
montagem ou gigantescas colheitas. Seria o mesmo que admitir
que para um operário que fique o dia inteiro apertando um
parafuso, há possibilidade de plena identidade com tal ação. Tal
como Marx, Chaplin já havia percebido esta alienação do
mundo na produção em massa em Tempos Modernos. No
entanto, é sabido por todos nós, leitores de filosofia, que
Heidegger não era marxista e que não lhe interessava aprofundar
as conseqüências histórico-sociais do uso (ou mal uso) dos
meios de produção. O contraponto de Heidegger na questão da
técnica, não está nas forças contraditórias da história e da
sociedade, mas no estar-aí do ser, ou seja, na sua
cotidianeidade. Para discutir a técnica, Heidegger só pretende
fazê-lo através de um discernimento do modo de ser da
compreensão na obra de arte. Para o Filósofo de Freiburg, o que
se perdeu com o avanço tecnológico imensurável neste século
207
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

foi, em muito, a arte de fazer, como diria o psicanalista


lacaniano e, portanto, heideggeriano, Michel de Certeau. A
apologia da técnica na contemporaneidade pode fazer com que
deixemos alhures nossa identidade com o universo. Exatamente
porque inibe o modo-de-ser da ação cotidiana. A obra-de-arte
jamais perdeu tal envergadura. Neste sentido, o que Heidegger
quer resgatar na tekhné é a expressão do modo de ser da
compreensão na obra-de-arte, que pode estar em tudo e em
todos, mas, que também pode ser impedida de se manifestar.
Enfim, para Heidegger, a compreensão que advém através da
linguagem, da ciência, da literatura e das artes plásticas,
caminha num mesmo sentido: na tentativa de revelar a verdade
do ser. Para melhor esclarecer o leitor onde queremos chegar,
faremos uma rápida reconstrução do caminho heideggeriano,
que se propõe paralelo à tradição iluminista, da qual, com
certeza, filosoficamente Pierre Lévy e seus questionamentos são
produto.
Um dos precurssores das concepções fenomenológicas
heideggerianas foi Schleiermacher. Schleiermacher, na tradição
contrária a filologia iluminista, não procurava compreender a
literalidade das palavras em suas expressões objetivas. O mais
importante seria revelar a individualidade do autor, que seria
captada através da compreensão da essência de suas idéias. A
idéia, por sua vez, não é um momento vital, mas uma expressão
da verdade, que está oculta no texto e deve emergir toda vez que
alguém a procurar. Isto equivale a dizer que a compreensão não
deriva, fundamentalmente, da referência ao seu conteúdo
objetivo, como na tradição iluminista, mas da construção
estética que ocorre neste processo, como na obra de arte.
Schleiermacher reconhece que tal experiência acontece através
da individualização de uma totalidade, e é justamente por isso
que identifica em cada um de nós um conteúdo da coletividade,
fator determinante no aval da "adivinhação" por comparação
consigo mesmo. Ora, como vimos através da Hermenêutica, a
compreensão deve ter presente que, tanto o comum, o peculiar,
como o científico e o poético, devem ser o resultado tanto do
208
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

comparativo, quanto da adivinhação. A adivinhação é


imprescindível na arte como na ciência, pois jamais pode ser
resultado somente da aplicação de regras. Neste trajeto,
Gadamer na linha heideggeriana, lembra que "a hermenêutica é,
justamente, arte, e não um procedimento mecânico. Leva a
cabo sua obra, a compreensão, tal como se leva a cabo uma
obra de arte até sua perfeição " (wm 245). A livre criação
daquele que produz uma obra de arte tem o potencial de abertura
ao mundo, que nenhuma metodologia científica de tradição
iluminista garante. A liberdade de ação imagética na arte
pressupõe, em essência, uma igual liberdade de interpretação e
expressão. Longe do domínio técnico "conteudístico", a
compreensão pode possibilitar um estar-no-mundo que promova
o encontro daquele que interpreta com o que é interpretado, ao
ponto desta promoção revelar os horizontes envolvidos.
Já adentrando mais diretamente na hermenêutica
fenomenológica nos encontramos com a hermenêutica da
faticidade de Heidegger. Opondo-se à fenomenologia eidética
de Husserl, Heidegger nos fala da faticidade do Dasein, que não
se apresenta suscetível nem de fundamentação e nem de
dedução. Para Husserl, o que o ser significa deve determinar-se
a partir do horizonte do tempo: a temporalidade determina
ontologicamente a subjetividade. Já para Heideger o ser mesmo
é o tempo. Porém, Heidegger serve-se de Husserl para
desenvolver um caminho crítico, de encontro ao idealismo
especulativo. A hermenêutica da faticidade heideggeriana
pretende passar sobre o conceito de espírito desenvolvido pelo
idealismo clássico, como o campo temático da consciência
transcendental, que teria sido parcialmente retificado pela
redução fenomenológica husserliana. Heidegger com sua
fenomenologia hermenêutica pretende promover, através da
historicidade do Dasein (ser-aí - estar-aí), uma renovação geral
do problema do ser, indo além da teoria das ciências do espírito.
Isto posto, Heidegger situa a compreensão, não enquanto um
objetivo da experiência vital humana, fruto de uma grande
experiência do espírito, como em Dilthey, ou, ainda, enquanto
209
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

um ideal metódico da filosofia, mas como a manifestação


originária do Dasein do ser-no-mundo.
No caminho da hermenêutica heideggeriana e gadameriana, o
conhecimento científico não pode ser entendido como resultado
infalível de um projeto que possibilitará extrapolar os objetivos
da própria vontade, mas sim uma "adequação à coisa, uma
mensuratio ad rem " (wm 327). A radicalização apresentada por
Heidegger na questão do ser e seguida por Gadamer, pode estar
sintetizada, em nível introdutório, no fato de que só nos é
possível prodizir compreensão porque somos históricos, ou
seja, a historicidade do Dasein humano, em suas espectativas e
esquecimentos, é condição "sine qua non" para podermos
atualizar o passado através da interação com o mundo. A
hermenêutica pretende possibilitar tal discernimento. Gadamer,
realça que é na pré-estrutura da compreensão em Heidegger, que
iremos encontrar o fator liberalizante das inibições ontológicas
do conceito científico de verdade, direcionando-se à
historicidade da compreensão que, como veremos, em última
análise foi resguardada na obra-de-arte: "Aquele que quer
compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo
apareça no texto um primeiro sentido, o intérprete projeta em
seguida um sentido do todo." (wm p.333). O sentido se
manifesta porque lemos o texto com determinadas espectativas.
A compreensão do texto dá-se, portanto, enquanto fruto desta
pré-disposição para compreendê-lo. O pré-concebido deve ser
revisado a cada passo e o sentido que penetra na compreensão, a
partir daqui é essencialmente palinódico. A hermenêutica de
cunho heideggeriano, não só aponta à palinódia interpretativa,
como à evidencia enquanto recurso inevitável para toda
compreensão.
No entanto, há um cuidado muito especial que devemos
aprender com tais direções semânticas: não pode haver
arbitrariedades nas opiniões prévias. Isto é similar a dizer que,
antes de mais nada, o interlocutor deve procurar entender as
opiniões prévias que estão subjacentes à legitimação de sua
busca. A hermenêutica parte do princípio de que nossas opiniões
210
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

prévias podem nos levar a ignorar as opiniões diversas. Mas


como? O mundo fala? Fala! E sua fala essencial é palinódica,
fruto de sua alteridade. Qualquer signo é, em essência, álter.
Não se trata aqui de valorizar a tão temida neutralidade
discursiva, mas, ao contrário, interiorizar, ao máximo, as
opiniões prévias e os prejuízos em questão.
A hermenêutica situa o Iluminismo como o momento
primordial de condenação do prejuízo, do preconceito. Para o
Iluminismo, o prejuízo do prejuízo seria irreparável na
compreensão artística. Em outras palavras, o prejuízo do
prejuízo do Iluminismo é seu prejuízo contra todo prejuízo.
Gadamer desenvolve uma análise histórica do conceito de
prejuízo (no alemão Vorurteil e no francês préjuge), situando
sua condenação definitiva e irrevogável durante o Iluminismo,
no ritmo de aversão ao conhecimento religioso, enquanto
conhecimento fruto de um "juizo não fundamentado". A partir
do Iluminismo propaga-se a idéia de que só a garantia do
método pode delegar dignidade ao juízo: "A ciência moderna
que faz seu este lema segue assim o princípio da dúvida
cartesiana de não tomar por certo nada sobre o que ainda resta
alguma dúvida. " A autoridade fruto do Iluminismo, está na
aplicação do método, a fonte da autoridade é a razão e não a
tradição, o que acabou convertendo o Iluminismo em grande
propagador das investigações mecanicistas do XIX: precisava-
se, a todo custo, superar o mito pelo logos. A partir deste
momento, tornou-se fundamental, alcançar a perfeição da
liberação racional de toda "superstição". Uma hermenêutica no
caminho de Heidegger e, não de Pierre Lévy, não pode seguir tal
característica de condenação aos prejuízos e não deve
compreender a razão como dona de si mesmo, mas sim existir
sempre em referência ao dado qual busca. Não há como seguir
os caminhos iluministas-metodológicos das ciências da natureza,
lembra Gadamer, já que "o homem é estranho a si mesmo e a
seu destino histórico, de uma forma totalmente diversa como
lhe é estranha a natureza, a qual nada sabe dele" . A história
não pode nos pertencer. Não podemos, através da manipulação
211
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

de sua interpretação, encontrar a verdade iluminista.


Pertencemos à história da mesma forma que pertencemos à
linguagem, pois aquela é a expressão da temporalidade desta
última. Os prejuízos, portanto, não são somente nossos
preconceitos, mas sim a realidade histórica de nosso ser.
Para a hermenêutica, as discussões em torno do prejuízo
devem levar às questões da antecipação do sentido e da
circularidade da compreensão. Subjacente a tais discussões está
a idéia de que as partes que delimitam o todo adquirem sentido
somente a partir deste todo. É com isto que a hermenêutica quer
nos dizer, como já falamos sobre o hipertexto, que o agir da
compreensão desloca-se, freqüentemente, do todo à parte e,
desta, de volta ao todo. A tarefa hermenêutica fruto deste
movimento seria a ampliação das unidades de sentido,
compreendida em círculos concêntricos e, a conquista, através
disto, de uma congruência de cada detalhe com o todo. Para
chegar lá, novamente devemos realçar Heidegger, mas, agora,
em sua noção de círculo hermenêutico.
Ao contrário da hermenêutica do XIX, Heidegger descreve
seu círculo, através do agir da compreensão do texto, que se
encontra sempre determinado pelo movimento antecipatório da
pré-compreensão. O círculo hermenêutico não é subjetivo, nem
objetivo, mas descreve a compreensão como resultante da
interpretação do movimento da tradição e do intérprete. É
importante entendermos que a antecipação de sentido que guiará
nossa compreensão de um texto, não é resultante da
subjetividade, senão, que se revela desde a comunidade que nos
une com a tradição. A circularidade da compreensão não é um
círculo metodológico, mas descreve um momento estrutural da
própria compreensão. Compreender é entender-se na coisa.
Veremos como é possível traçar a partir do Heidegger de A
Origem da Obra de Arte, a coisidade da compreensão.
Tentando trocar em miúdos o que foi dito nas últimas
páginas, podemos afirmar que os prejuízos e opiniões prévias
que ocupam a consciência de toda compreensão não estão
totalmente à disposição. O intérprete deve procurar entender a
212
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

tradição na qual, querendo ou não, está embutido, assim como a


situação histórica que determina suas opções. O tempo, em
qualquer compreensão não é uma barreira que deve ser
superada, como já queria o próprio determinismo cognitivista:
compreender algo tal qual ele é, e sem interferências do “mundo
externo”, é um escopo que ainda está à busca da grande e
poderosa objetividade cognitivista. A distância, não só não pode
ser encarada enquanto um problema a priori, como deve ser
concebida como a origem da compreensão. O verdadeiro sentido
apresenta-se como um caminhar infinito e palinódico,
justamente conseqüência do fato de que a distância no tempo
não está nunca concluída. Gadamer defende a idéia de que no
caminhar da compreensão há uma filtragem que acaba por levar
à cabo a separação entre os prejuízos verdadeiros e falsos.
Somente a distância temporal permite que uma consciência
hermenêutica se transforme em consciência histórica, tornando
conscientes os prejuízos que indicam o caminho que a
compreensão percorreu. Esta, começa ali, a partir do momento
em que algo nos interpela e, sua exigência, é pôr completamente
em suspenso os próprios prejuízos. Para a hermenêutica, a
totalidade da suspensão de todo prejuízo ocorre através da
pergunta que tem sua essência no abrir, e manter-se aberta, às
mais variadas respostas.
É este o caminho que Heidegger percorreu até chegar à idéia
que mais nos interessa para entendermos a manifestação do
mundo da hipermídia: qualquer compreensão sobre a essência
da obra de arte, deve começar pelo questionamento do coisico
da obra: "A pedra está na arquitetura. A madeira na obra
talhada. O colorido no quadro. A voz na obra falada. O som
está na música. O coisico está tão imóvel na obra de arte que
deveríamos dizer o contrário: a arquitetura está na pedra. A
obra talhada está na madeira. O quadro está na cor. A obra
musical está no som. Alguém responderá que isto é óbvio.
Certo. Mas o que é este coisico óbvio que há na obra de arte? "
O Heidegger de Der Ursprung des Kunstwerkes (A Origem da
Obra de Arte, nos apresenta a idéia de Dinghaft (o que tem de
213
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

coisa a coisa), que optamos traduzir aqui por "coisico". O


coisico emplaca na trajetória de Heidegger, seguindo a tradição
que busca questionar a soberania do esquema kantiano de
forma-conteúdo e da utilidade da coisa ou da obra de arte,
enquanto ilustração. Tais concepções são totalmente colocadas
em cheque, ao resgatarmos a pergunta sobre o que há de coisico
na coisa, de útil no útil, de obra na obra e o que tem de digital
no digital. Esta seria uma ótima forma de começarmos a colocar
em suspensão os prejuízos viciados pelo método científico
cartesiano-iluminista e, aí sim, na apologia da técnica que
resultou desta tradição.
Para Heidegger, podemos ver, por exemplo, no quadro de
Van Gogh "Os Sapatos", todas características anunciadas acima.
Ou seja, o coisico da coisa, o útil do útil e a obra da obra. "A
obra de arte nos fez saber o que é em verdade o sapato." A obra
de arte tem o poder de revelar a verdade, pois desoculta o ser.
Heidegger busca a realidade da obra de arte para se encontrar de
fato com a arte, em seu elemento coisico. Invertendo o caminho
clássico de interpretação da arte, vai da obra à coisa.
Mas o que é a arte? Pergunta Heidegger. A realização da arte
está na própria obra, pois nas obras de arte temos muitas
maneiras de compreender o coisico. Mas, geralmente, temos
forçado a obra a entrar num preconceito que obstrui qualquer
acesso ao ser, pois os conceitos que usualmente estão presentes
para entender o coisico, não nos proporcionam tal acesso. Nesta
semântica, seria próprio da obra de arte produzir algo acessível
aos gozos artísticos público e individual. Porém, lembra
Heidegger: " Lugares oficiais tomam a seu cargo o cuidado e a
conservação das obras. Os conhecedores e os árbitros da arte
se ocupam delas. O comércio artístico se preocupa com o
mercado. A investigação da história da arte converte as obras
em objeto de uma ciência. No entanto, nestes múltiplos
manejamentos as obras mesmas não nos fazem frente." (pg?)
Heidegger segue aqui a tradição fenomenológica do
questionamento sobre a verdade. Se não estivermos alerta, pode
haver neste questionamento, o risco apofântico do círculo
214
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

vicioso da compreensão: por verdade devemos entender algo


verdadeiro; verdadeiro seria tudo aquilo que está de acordo com
o real e é real o que é em verdade. O caminho de evitarmos tal
círculo é o questionamento sobre a essência do verdadeiro. Para
tanto, torna-se necessário pensarmos a palavra grega aletheia,
não como um acordo com o real, mas enquanto a desocultação
do ente. A metodologia cartesiano-iluminista, costuma medir a
verdade de acordo com a concordância do conhecimento com a
coisa. No entanto, a fenomenologia e a hermenêutica, afirmam
que para que o conhecer e a proposição que dá forma ao
conhecimento, possam ajustar-se à coisa deve-se, antes de mais
nada, mostrar-se a coisa enquanto tal. No entanto, a coisa
mesma, não pode mostrar-se por si mesma, sem escapar da
ocultação. Portanto, a proposição só pode ser verdadeira ao
encontrar-se com o desocultado, a saber, com o verdadeiro. Os
próprios conceitos de verdade, lembra Heidegger, que, desde
Descartes, identificam a verdade com a certeza, acabam sendo
tão somente variações da mesma determinação de verdade que
nos é familiar, assim sendo, emerge e submerge enquanto
definição de verdade, como a desocultação do ente. Ou seja, a
essência da verdade é a desocultação e está dominada pelo seu
reuso que, inevitavelmente, aponta à múltiplas ocultações.
Como faz o próprio Heidegger com o conceito grego de
aletheia.
Portanto, na tradição ocidental, a verdade é, em sua origem,
sempre não-verdade. A proposição heideggeriana: a essência da
verdade é a não-verdade, não pretende revelar um elemento de
falsidade e nem descaracterizar a verdade de si mesma, mas dar
vulto ao fato de que a verdade é também sempre seu contrário.
O contato com qualquer uma obra de arte nos revela que é no
Dasein do tempo que acontece o verdadeiro, princípio que de
modo algum remete a algo representado ou reproduzido em
totalidade, "corretamente", "perfeitamente", de acordo com a
coisa, mas aponta a uma desocultação do ente em totalidade, que
só pode ser apresentado como tal, através da própria
desocultação. Ou seja, ao enfrentarmos uma obra de arte,
215
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

tropeçamos sempre em sua característica de coisa, em sua


coisidade. (citar UK 09). Isto se torna possível, desde
Heidegger, porque ao nos defrontarmos com a obra de arte "Os
Sapatos" de Van Gogh, entramos em contato com a vida e o
mundo do camponês, através da velhice, da humildade e das
marcas do uso inscritas no sapato: "No quadro de Van Gogh
acontece a verdade. Isto não significa que nele se tenha pintado
corretamente algo que existe, senão que ao manifestar-se o ser
útil dos sapatos, alcança o ente em totalidade, o mundo e a
terra em seu jogo recíproco, logra a desocultação"; diz
Heidegger em A Origem da Obra de Arte. O que a experiência
com uma obra de arte revela, é que a verdade não só é a
propriedade do conhecimento que se anuncia, mas a propriedade
do ser mesmo. Na tradição cartesiano-iluminista, a verdade, ao
contrário da época do filósofo grego Heráclito, é sinônimo de
autenticidade, pois o ente só é verdadeiro se se apresentar tal
qual é.
Portanto, é Pierre Lévy que engana-se redondamente quando
afirma que um dos principais erros de Heidegger é acreditar no
poder da ciência, pois não se dá conta do caminho crítico-
filosófico percorrido por Heidegger. Pelo contrário, é o próprio
Lévy que acaba sendo vítima de sua afirmação ao revelar seu
preconceito iluminista de que os homens na Idade Média
acreditavam piamente na realeza de direito divino. Se Lévy
tivesse lido alguns historiadores das mentalidades, seus
conterrâneos franceses como Jacques LeGoff, George Duby ou
o italiano Carlo Ginzburg, veria que, em primeiro lugar, a Idade
Média não pode ser gneralizada e, em segundo lugar, não há
possibilidade de crença absoluta na realeza de poder divino
durante o período medieval. Em havendo, só então que sua
afirmação para Heidegger seria válida.
Os caminhos técnicos do mundo digital nas duas últimas
décadas, só deixariam Heidegger entusiasmado. Por tudo que foi
dito até aqui, finalmente, a técnica, a ciência, a lenda, o mito e o
cotidiano têm possibilidades de se manifestarem em conjunto.
Porém, a arte foi o polo de grande resistência do estar-no-mundo
216
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

do ser; daí a arte no mundo multimidiático e hipertextual dar


toda orientação do caminho que a compreensão deve seguir.
Assim como nas construções em enxaimel (ou em qualquer
outra manifestação artística) onde é o próprio camponês que
talha a madeira, deixando na habitação os resquícios de seu
trabalho, o mundo digital com sua estrutura interativa,
praticamente obriga seu interlocutor a deixar ali suas marcas.
Mas a cada vez que o chamado, fazendo alusão a Wittgenstein,
usuário interferir estará agindo como um artista, pois dependerá
da técnica, da comparação (ou associação) e da adivinhação.
Agora, sim, teremos o encontro daquele que interpreta com o
interpretado num só horizonte de compreensão, mas, que, ao
mesmo tempo, são muitos. No mundo da arte digital (e o mundo
digital deve ser prioritariamente, o mundo da arte) o ser mesmo
é o tempo. O tempo no mundo digital artístico multimidiático é
um eterno projetar-se, pois tão logo entramos em seu domínio
projetamos, a cada instante, as possibilidades seguintes. Tal
como acontece com o espectador da obra Os Sapatos de Van
Goght que descreve Heidegger: ali está presente o mundo do
camponês.
Mas apesar de uma pré-compreemsão se manifestar como
fator determinante na relação com a obra-de-arte, a idéia
hermenêutica de característica heideggeriana, é que todo pré-
concebido deva ser revisado a cada passo; o que é proporcional
a dizer que não pode haver arbitrariedade nas opiniões prévias,
exatamente para evitarmos a falta de diversidade. Ora, a arte
fascista não chegou a atingir um duradouro nível de
popularidade, provavelmente porque as possibilidades
interpretativas eram pouquíssimas. Assim, apesar de muitos de
seus referentes serem clássicos (como a família, a estética
corporal perfeita etc.), sua utilização era totalmente arbitrária,
como demonstrou o documentário A Arquitetura da Destruição
(1994) de produção sueca. Como na tradição iluminista, a arte
no nazismo, pretendia superar o mito pelo logos.
Na tradição da leitura da circularidade heideggeriana, o mundo
digital aprendeu com as manifestações da obra-de-arte,
217
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

exatamente quando parte para a valorização das partes a partir


do todo e quando evidencia que a temporalidade da
compreensão (sua distância no tempo) nunca estará concluída.
Assim como na manifestação de qualquer obra de arte, somente
a distância temporal permite a formação de uma consciência
histórica e torna evidente os prejuízos que a possibilitaram. Daí
alcançarmos a principal aprendizagem que obteve o mundo
digital com a modo-de-ser da obra de arte: o suspender, o
perguntar. Frente a qualquer obra-de-arte, quando imersos em
seu mundo, não paramos de perguntar; é justamente a
possibilidade de adquirirmos várias respostas, em momentos
diversos, que faz da obra de arte o espaço-mor de resistência ao
racionalismo do método iluminista.
Portanto, a arte não tem forma, nem tem conteúdo, a arte tem
o coisico. A arte não quer ilustrar o mundo, mas pretende
manifestar o mundo. E isto é possível toda vez que há uma
revelação do ser. Quando afirmamos que Heidegger com o
coisico, invertendo o caminho clássico, vai da obra à coisa,
queremos realçar que o que há de mais significativo na obra de
arte é a possibilidade de multiplicação do espaço à manifestação
do ser. Não se trata de saber se há uma grande concordância do
que se conhece com a coisa que o sustenta, como no caso da
estrutura matemática da linguagem digital com as manifestações
gráficas, mas de possibilitar àquele que experimenta uma obra-
de-arte no mundo digital a chance de se ver transformado por
ela. Daí, Heidegger dizer que a essência da verdade é a não-
verdade, pois a verdade é também sempre seu contrário. Ou
ainda como afirma Theodor Adorno: “ O surgimento de um
não-ente como se ele fosse, eis o que suscita a questão da
verdade da arte.” Será possível sentirmos uma beleza estética
numa aquarela pintada por Hitler? Se no quadro de Van Gogh,
acontece a verdade porque o ser útil dos sapatos se manifesta, já
que alcalça o ente em sua totalidade na relação do mundo com a
terra, o que acontecerá no mundo digital? Se o mundo digital em
sua amplitude já pode ser considerado não-linear, interativo e
palinódico e, portanto, próximo ao não-sentido do qual depende
218
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

o ser para existir; a arte, neste mundo, é algo que faz da


mutabilidade sua condição de existência.

5.5- No Caminho da Compreensão da Obra de Arte

219
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

A obra de arte é obra de arte porque nos interpela, porque nos


transforma. Desde a pré-história, a arte tem sido a principal
manifestação humana, responsável, não só pelo resguardo da
identidade de seus contemporâneos como, inclusive, a principal
fonte de compreensão histórica do passado. As últimas correntes
teóricas da História vêm demonstrando que a arte é um

74- Desenho pré-histórico digitalizado


“documento” bem mais rico e poderoso que o universo
institucional. A linguagem da arte é a linguagem do não-
sentido, do desapropriar-se de qualquer significado, da
valorização da subjetividade, não a kantiana, mas a da polifonia
bakhtiniana.
No mundo contemporâneo, vídeo, animação, colagem,
efeitos, cinema, artes plásticas etc., brigam para manterem a
própria identidade institucional; mas, como vimos tudo indica
que haverá uma grande hibridação dos meios de manifestação
artística, a ponto de não conseguirmos mais diferenciar o espaço
da arte, já que esta está cada vez mais tornando-se cotidiano.
Claro que, mais uma vez, escolhemos o discurso otimista.
O significado lógico-cognitivo que, a partir de Kant,
começou a substituir o sentido comum reduzindo-o a um
princípio subjetivo, como lembra Lévy, não serve mais para

220
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

delinear o modo de ser da compreensão na obra-de-arte. Mesmo


Kant, ainda acreditava que no sentido comum não podemos
encontrar o "belo", pois ao delimitar o gosto como a fonte de
expressão do sentido comum, Kant abandona definitivamente a
tradição político-moral do conceito de sentido comum, que Vico
salientara e que a hermenêutica tenta reabilitar. A estética
kantiana procura eleger a significatividade do belo, através de
sua aproximação com a natureza. Comparando o que é belo na
natureza com o que é belo na arte, Kant cria sua problemática
estética. É na proximidade entre arte e natureza, na
transcendência da primeira sobre todo conceito, que Kant
identifica o papel do gênio. O gênio torna-se o conceito
decisório do gosto estético, responsável pelo sentimento vital
que gera a imaginação e o entendimento ante o belo. O gênio
contém a vivificação espiritual a ponto de, mesmo frente a rígida
atividade escolar, liberar sua invenção e sua originalidade na
criação de modelos. Para Kant, a natureza apresenta seus
princípios mais belos através do gênio: as belas artes são artes
do gênio; anulando qualquer possibilidade de aproximar o senso
comum da "bela arte".
Já para a hermenêutica, o ponto de vista estético sobre o
conceito de gosto em Kant não satisfaz, principalmente se
levarmos em consideração, que seu princípio estético universal,
tem as raízes no conceito de gênio, que vai na contra-mão da
tradição do sensus communis. A hermenêutica acredita não ser a
experiência estética somente uma a mais entre tantas, mas sim
aquela que representa a forma essencial da vivência em geral.
Ou seja, assim como a obra de arte contém um mundo em sí, o
vivido esteticamente deve arrancar de si mesmo o nexo de sua
vida. Na vivência da arte há uma pertença de sentido, que não se
relaciona apenas com um aspecto particular, mas representa e
transmite o conjunto do sentido da vida. Uma vivência estética
contém uma experiência inacabada e inacabável com o mundo.
Seu sentido torna-se infinito, porque representa um todo e, não,
simplesmente a unidade de um processo aberto.

221
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Como já salientamos, a generalização da experiência estética


teve um marco muito significativo no redescubrimento da arte
barroca, sobretudo da poesia barroca, no sentido de possibilitar
uma grande reabilitação do conceito de alegoria. Talvez
pudéssemos chamar o mundo da arte digital de arte alegórica, no
sentido benjaminiano, no entanto, ao contrário do barroco, este
novo manifestar artístico deverá explorar muito mais o riso e o
bom humor do que a melancolia. Provavelmente, mesmo a
seriedade, tanto ditatorial quanto acadêmico-gramatical, terá que
readaptar-se neste contexto.
Há um parágrafo em Verdade e Método de Hans Georg
Gadamer que tenta definir a ação do jogo enquanto modo de

75 - Obra O Compositor de ....


ser da obra de arte. O “jogador” artista joga, acima de tudo,
consigo mesmo. Por exemplo, diz Gadamer, quando se faz
música privadamente, trata-se de fazer música num sentido mais
autêntico, pois os protagonistas o fazem para eles mesmos e não
para um público. Gadamer realça que aquele que faz música
isoladamente, se esforça ao máximo, exatamente porque está
imaginando alguém especial escutando; “ A representação da
arte implica essencialmente que se realize para alguém, ainda
que não haja ninguém para escutá-la ou vê-la.” Ou seja, a arte
222
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

é tão prepotente em suas intenções de se fazer transmitir, que o


fato de ter ou não público, é totalmente secundário. Isto só
revela o grande poder de representação do ser que a obra-de-arte
contém.
Porém, frente ao mundo digital, grandes discussões
continuarão existindo explorando o fato de serem ou não arte
suas manifestações. Não podemos esquecer que até hoje ainda
temos muitas pessoas discutindo, por exemplo, se fotografia é
arte. A revolução digital é tão profunda que atinge não só o meio
chamado puramente de tecnológico como, inclusive, as teorias
que procuram compreender a arte. Isto está longe de significar o
fim das propostas que buscam um “purismo” para a arte. Ao
contrário, a fotografia já é mais que sesquicentenária e ainda
temos pessoas acreditando que, em função de sua sobriedade de
manipulação técnica, ela não pode ser comparada às artes
plásticas tradicionais como a escultura e a pintura. O mundo
digital em sua potencialidade artística só foi percebido por
pouquíssimos teóricos e artistas, que vêm se saboreando com
sua riqueza híbrida de representações; mas com certeza na
primeira década do século XXI, estaremos com um universo
artístico imensurável vagando pelo mundo das redes
multimidiáticas.
A arte do mundo hipermídia vai unir cotidiano e vanguarda,
simplicidade e caos. Apesar de sua lógica caótica, os fractais,
por exemplo, são simples e compõem representações cotidianas.
O mundo digital pertence à alegoria, pois seu domínio é o da
ocupação máxima dos espaços e da eterna reconstrução; daí o
jetztzeit poder representá-lo tão bem, já que a cada momento
temos uma antecipação de novos sentidos passados e futuros. A
arte sempre foi permutacional, mas agora este “sempre” ocorre
em milésimos de segundo. A referência não interessa mais,
porque não lidamos mais com formas e conteúdos, mas com
matéria e espírito, ou com o simbólico e o imaginário, ou com a
primeiridade, a secundidade ou terceiridade. Se o barroco impôs
o movimento ao estático renascentista, a tecnologia digital
impôs o movimento a todas tecnologias anteriores.
223
A Arte da Hipermídia Sérgio Bairon

Arlindo Machado tem um texto em Imagem Máquina que se


chama Anamorfoses Cronotópicas ou a Quarta Dimensão da
Imagem que pode muito bem indicar o caminho que devemos
seguir. Na contra-mão da tradição kantiana, Mikhail Bakthine,
busca em Einstein e em seu conceito de cronotopos concepções
estéticas que objetivam defender a possibilidade de haver uma
materialização privilegiada do tempo no espaço. A anamorfose
cronotópica na leitura de Arlindo Machado quer privilegiar o
casamento das composições entre as tecnologias da eletrônica e
da informática. A quarta dimensão da anamorfose cronotópica
na arte, está não só na possibilidade do tempo se inscrever no
espaço como, inclusive, nas manifestações de cronotopos dentro
de cronotopos. A arte no mundo digital, como indica Machado,
é cronotopos, não só porque possibilita a visualização da
mutabilidade como, inclusive, a torna condição sine-qua-non
para nela adentrarmos. A técnica nunca antes conseguiu de
forma tão competente agarrar o tempo. A melancolia da qual nos
falava tanto Benjamin quanto Dürer, enfim, fez a paz com os
objetos.

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