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2.

CULTURA E RELATIVIDADE CULTURAL

O Apedrejamento de Soraya M.

«Estamos no ano de 1986, no poeirento e desolado vilarejo de Kuhbpayeh, no coração do Irão, onde
o jornalista franco-iraniano Freidoune Sahebjam, que na vida real é o autor do livro que deu origem ao
filme, para acidentalmente procurando encontrar alguém que conserte o seu carro. Então,
inesperadamente, é descoberto por Zahra, uma mulher que é considerada louca pelos homens do
vilarejo, por insistir que aquele lugar e os seus habitantes escondem um segredo nefasto. Através de um
bilhete, Zahra combina um encontro secreto com o jornalista em sua casa. Aí começa a narrar os
acontecimentos, pedindo que Freidoune registe tudo no seu gravador para que o resto do mundo saiba
o que se passou no dia anterior.
A dedicada e fiel Soraya (sobrinha de Zahra) era casada com Ali, um homem violento e machista que,
através de um pacto com um mulá de passado duvidoso, tenta convencer a esposa a conceder-lhe o
divórcio para que ele possa se casar com Malaka, uma moça de 14 anos de idade. O motivo: o pai da
menina, condenado à morte por crime, havia prometido a Ali que lhe daria a sua filha em casamento se
este conseguisse livrá-lo da sentença.
Como Soraya recusa dar o divórcio, o mulá propõe-lhe um casamento temporário (um tipo de união
considerado por muitos como uma afronta), prometendo ajuda financeira a Soraya e às suas duas filhas.
Na verdade, Soraya tem quatro filhos, dois meninos, que são instigados pelo pai a rejeitá-la, e duas
meninas, que são praticamente negligenciadas. Durante o filme, Ali dá mostras do seu caráter torpe
espancando Soraya, pelos motivos mais ínfimos, como uma louça partida, e comparando-a
negativamente com a pretendente mais jovem. Não sendo bastante, exibe-se no seu carro desportivo
acompanhado de outras mulheres, enquanto recusa dar o dinheiro para a esposa comprar comida para
os filhos.
Um dos seus vizinhos, o mecânico Hashem, fica viúvo. Aproveitando o facto, o mulá, o juiz do vilarejo
e Ali tentam convencer Soraya a trabalhar na casa do viúvo, ajudando a cuidar do seu filho que perdeu a
mãe. Trata-se de uma armadilha. Este novo trabalho da esposa é para Ali a oportunidade ideal para a
acusar de ser adúltera e assim conseguir livrar-se dela da maneira mais cruel possível: a morte por
apedrejamento. E o seu mau caráter vai mais além, afirmando que, se Soraya morrer, não terá de lhe
pagar nenhuma pensão. A primeira pessoa a aperceber-se do terrível objetivo de Ali e seus acólitos é
justamente Zahra, que começa a ouvir os mexericos sobre a suposta infidelidade da sua sobrinha.
Ali, que já conta com o mulá e o juiz da aldeia, só precisa de mais uma falsa-testemunha para
incriminar Soraya. Como não tem ninguém a quem recorrer, usa as mais cínicas ameaças e coerções
para convencer o viúvo Hashem a contar uma mentira: que, ao trabalhar em sua casa, Soraya também
se teria envolvido em relações sexuais com ele.
Com esta acusação, Ali tem tudo para arrastar a indefesa Soraya pelas ruas a socos e pontapés. Mas
a corajosa tia Zahra consegue tirá-la das mãos do marido e levá-la para sua casa. Enquanto se prepara o
julgamento forjado com as falsas testemunhas, Zahra tenta encontrar uma forma de fugir com Soraya.
Mas do vilarejo, cercado por todos os lados é impossível fugir.
Zahra insiste até ao último momento em provar a inocência de Soraya, e está disposta até a morrer
em seu lugar. Mas a condenação é inevitável, e a cena do apedrejamento é montada. Todos os vizinhos
estão presentes e inclusive o pai de Soraya foi manipulado e convencido a repudiá-la. Será ele a atirar a
primeira pedra. A intervenção divina parece provar a inocência de Soraya, quando ele erra três vezes
seguidas o alvo das pedras. Então, Ali decide entrar em ação e acertar as primeiras pedradas, obrigando
os seus dois filhos a fazerem o mesmo. Cada pedrada parece revelar o verdadeiro sentimento das
pessoas presentes no cruel espetáculo, enquanto a inocente Soraya, enterrada até a cintura, vestida de
branco como um anjo, tem as vestes tingidas de vermelho pelo sangue e agoniza até a morte.

O livro La Femme Lapidée (1990) foi censurado no Irão, mas a história real de Soraya Manutchehri
percorreu o mundo como uma denúncia destas e de outras atrocidades similares contra as mulheres.
O apedrejamento está previsto na lei islâmica, a Sharia, para punir tanto mulheres como homens
adúlteros e homossexuais. Alguns países muçulmanos, como o Irão, o Sudão e a Nigéria, instituíram esta
visão radical do Islão no seu sistema jurídico. A prática resiste também no Afeganistão e no Paquistão,
que já aboliram esta pena.

Nesses países, a pena raramente é aplicada pelo Estado, o que não significa que pessoas não sejam
apedrejadas até à morte. Encorajadas pela Sharia, comunidades aplicam o apedrejamento como uma
forma de fazer justiça pelas próprias mãos, e muitas mulheres morrem em silêncio sem direito sequer a
um julgamento, muitas vezes pelas mãos dos homens da própria família.
A pena de morte por apedrejamento voltou a ser imposta no Irão após a Revolução Iraniana de 1979,
quando o país passou a ter um regime teocrático islâmico. Desde então, 109 pessoas morreram
apedrejadas, segundo o Comité Internacional Contra o Apedrejamento. Embora o sistema judicial
iraniano suspenda regularmente as execuções por apedrejamento, os condenados são frequentemente
executados de outras maneiras, como na forca.

As mulheres estão mais expostas à acusação de adultério no Irão porque não podem requerer o
divórcio, ao contrário dos maridos, que o podem fazer quando estiverem insatisfeitos. Além do homem
ter direito a casar com cinco mulheres, também pode manter relações sexuais com uma mulher solteira,
situação eufemisticamente denominada «casamento temporário».

Essa opção legal não existe para as mulheres, que só podem ter relações dentro do casamento.
Assim, se uma mulher se relacionar com outro homem, e ainda não for casada com ele, mesmo sendo
viúva, estará a cometer o crime de adultério.
As mulheres também são desfavorecidas na própria aplicação da pena. Em alguns casos, se o
condenado a apedrejamento conseguir escapar durante a execução da sentença, pode ser libertado. No
entanto, o artigo 102 do Código Penal Islâmico iraniano determina que os homens que serão
apedrejados devem ser enterrados até à cintura, ao passo que as mulheres devem ser cobertas até a
altura do peito, o que dificulta a sua fuga.
Segundo o artigo 106 do código, as pedras não podem ser grandes o suficiente para matarem a
pessoa com dois ou três golpes, nem muito pequenas.
Enfrentar a justiça é outro desafio para as mulheres iranianas. Em Estados onde o apedrejamento
está previsto na lei, o adultério tem de ser provado em tribunal por quatro testemunhas oculares
apenas homens ou três homens e duas mulheres. O crime também pode ser provado por meio de
quatro confissões separadas do acusado perante o juiz.
O artigo 105 da lei iraniana, no entanto, prevê que uma pessoa pode ser condenada por adultério
com base na «intuição» ou «conhecimento» do magistrado responsável pelo caso, o que pode dar azo a
julgamentos arbitrários.
O que diz o Corão?
Apesar de não haver menção ao apedrejamento no Corão – que estipula a pena de cem chicotadas
ou de prisão perpétua para adúlteros –, defensores deste tipo de condenação afirmam que ela está no
Hadith, uma compilação sagrada de leis, lendas e histórias sobre Maomé e, por isso, faz parte da Sharia,
a lei muçulmana.
No entanto, não há consenso na comunidade islâmica sobre a validade da prática do apedrejamento.
Em 2002, o então chefe do Supremo Tribunal Judicial iraniano, Mahmoud Hashemi-Shahroudi, ordenou
a suspensão das execuções por apedrejamento. Contudo, juízes locais ainda podem ordenar
apedrejamentos, enquanto as leis não forem integradas.»
estadao.com.br/internacional (adaptado).

1. Resuma o filme.

2. O que se entende por diversidade cultural?

3. O que se entende por relatividade cultural?

4. Encontre no filme exemplos de diversidade cultural, ou seja, de práticas e crenças diferentes daquelas
próprias da sociedade em que vive.
5. A expressão «relatividade cultural» significa que o comportamento humano não pode ser
compreendido e avaliado fora do seu contexto cultural, isto é, deve ser julgado consoante o meio
cultural que o condiciona e em que se formou. Assim sendo, podemos censurar o tratamento
desumano de que Soraya foi vítima? Será que a ideia de relatividade cultural não deve ter limites?

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