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Escrito em 1845 e representada pela primeira vez no Teatro São Pedro (Rio de Janeiro), em 10 de agosto do mesmo
ano, O noviço talvez seja o texto mais bem construído de todas as comédias de Martins Pena. A peça é ainda hoje encenada,
como convém a um clássico da nossa literatura dramática.
Tematizando a liberdade de escolha entre os jovens, O noviço é uma comédia romântica que explora de maneira
interessante o maniqueísmo típico desse estilo literário: na dualidade entre enganados e enganadores, entre fracos e fortes,
enfim, entre o bem e o mal, há uma união do primeiro pólo – o pólo dos enganados, dos fracos, do bem – que assim se reforça
e consegue vencer o segundo: o pólo dos enganadores, dos fortes, do mal…
O estilo
As características românticas de O noviço são o maniqueísmo, o “happy end”, a temática da liberdade e a presença
da cor local. Porém, existem alguns elementos nesta peça que não se ajustam ao romantismo, por exemplo, a denúncia social
que se dá por meio do humor, da sátira e das caricaturas, e o comportamento pouco convencional, em termos de heroísmo
romântico, de seu herói: Carlos utiliza-se de meios moralmente pouco recomendáveis para atingir o que pretende, aproxi-
mando-se, deste ponto de vista, do vilão, Ambrósio. Além disso, a união dos fracos e enganados (Florência e Rosa) contra a
força (Ambrósio), transformando em capacidade de luta a submissão e em esperteza a ingenuidade, constitui recurso pouco
frequente nos textos tradicionalmente românticos.
Estrutura da obra
A peça é dividida em três atos, em vez de possuir apenas um, como ocorre na maioria dos outros trabalhos de Martins
Pena, podendo assim desenvolver melhor tanto a trama quanto os tipos representados.
No primeiro ato, apresentam-se o hipócrita e interesseiro Ambrósio, que se casou com a crédula Florência; o noviço Carlos
que, vocacionado para a carreira militar, fugiu do convento para casar-se com Emília (filha de Florência e sua prima). Aparece tam-
bém Rosa, primeira esposa de Ambrósio (não havia divórcio na época), que foi abandonada por ele após ter seus bens roubados.
Carlos encontra Rosa, e esta lhe fornece meios para chantagear Ambrósio e permitir-lhe sair corretamente do convento, retirar
Emília e Juca (irmão mais novo de Emília) da vida religiosa que o padrasto planejava para eles e casar com Emília.
A chantagem ocorre no segundo ato, junto com a revelação à Florência de que o marido é bígamo; Ambrósio foge.
No terceiro ato, após muita confusão, Ambrósio é preso, Carlos liberto de ir ao convento ou ser preso (ele atacara um frade
na fuga), e o par romântico fica livre para casar. A peça toda lembra as comédias pastelões, com personagens caricatos,
situações mirabolantes, perseguições, disfarces, esconderijos e quiproquós.
Personagens
As personagens da peça não possuem densidade psicológica, já que são constituídas por meio de estereótipos e de
recursos caricaturais que as transformam em “tipos”:
Ambrósio – malandro trapalhão, um consumado velhaco que acredita que “os meios justificam os fins”.
Florência – mulher de Ambrósio, submissa e ingênua.
Emília – enteada de Ambrósio
Juca – menino de 9 anos, filho de Florência
Carlos – noviço da Ordem de São Bento, sobrinho de Florência
Rosa – provinciana, primeira mulher de Ambrósio
Padre-mestre dos noviços
Jorge
José – criado
1 meirinho, que fala
2 ditos, que não falam
Soldados de Permanentes, etc.
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Obra Literária_O Noviço (Martins Pena) - 1/2021
sós. Lamentam-se da inocência com que se entregaram ao vilão outro e no Largo há uma casa onde se veem muitos bichos,
Ambrósio. Rosa apresenta à Florência a ordem de prisão contra cabritos com duas cabeças, porcos com cinco pernas…
o bígamo e queixa-se ao saber que Ambrósio há instantes es- ANINHA – Como é bonita a corte! Lá é que a gente
capara daquela casa. De modo inesperado, arrebenta-se uma pode se divertir, e não aqui, onde se ouve só os sapos canta-
tábua do armário e Ambrósio, quase asfixiado, põe a cabeça rem. Teatros, mágicas, cavalos que dançam, cabeças com dois
de fora. Ambas as mulheres o atacam aos socos e pauladas. cabritos… Quanta coisa! Quero ir para a corte!
O farsante, aos gritos, suplica compaixão às duas esposas.
Entra, no quarto, Carlos, preso por Jorge e os solda- Martins Pena: Breve biografia
dos. Florência desfaz o engano, dizendo que era seu sobrinho
quem tomavam por ladrão. Ambrósio esconde-se novamente Luís Carlos Martins Pena nasceu no dia 05 de novem-
no armário. Rosa, acompanhada de oficiais de justiça, entrega bro de 1815 no Rio de Janeiro (RJ). Seu pai era desembargador
o mandado lavrado de prisão. O bígamo é retirado do armário e não tinha muitas posses. Ficou órfão muito cedo, com apenas
e recebe a sentença de prisão. O Mestre de Noviços retorna um ano, de pai e aos dez anos, de mãe. Seu padrasto, o mili-
a casa com a permissão de livrar Carlos do convento. Antes tar Antônio Maria da Silva Torres, deixou-o sob tutela, após a
de retirar-se, o religioso abençoa a futura união de Emília e morte da esposa em 1825 durante o parto da filha.
Carlos. Ambrósio sai, lamentando-se da punição recebida. Sob orientação dos tutores, ingressou na carreira
comercial e concluiu em 1835, aos vinte anos, o curso de
Fonte: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/o_novico/
Comércio. Estudou, ainda, literatura, teatro, desenho, mú-
sica, arquitetura, história, além do estudo de outras línguas.
O autor e sua época Este último foi responsável pelo ingresso do autor na carreira
diplomática, o que o levou a Londres. Na viagem de volta ao
Martins Pena (1815-1848) foi o maior comediógrafo Brasil, o autor sofreu complicações da tuberculose em Lisboa e
do Brasil Império. Sua obra, composta por 30 peças, das quais faleceu aos 7 dias de dezembro de 1848 em Lisboa (Portugal).
22 são comédias, retrata a vida cotidiana de pessoas comuns Martins Pena é considerado o consolidador do teatro
do Rio de Janeiro. Produzida entre 1833 e 1847, anos que no Brasil com suas comédias de costumes que até hoje são
abrangem o final da Regência e o início do Segundo Reinado, representadas. A primeira representação de uma peça do autor
ela documenta um período marcado por grande crescimento foi em outubro de 1838, a peça era “O juiz de paz na roça”, no
urbano da capital do Império. Teatro São Pedro.
A cidade do Rio de Janeiro modernizava-se e ganhava Ao passo que se despontava como escritor de peças
ares de capital com calçamento e arborização de ruas, amplas teatrais, exercia diversos cargos no Ministério dos Negócios
avenidas, jardins públicos e palácios. A rua do Ouvidor enchia- Estrangeiros, inclusive como agregado à Legação do Brasil em
-se de novas lojas de chapeleiros, modistas francesas, alfaiates, Londres (Inglaterra). Além de fundador da comédia de costu-
boticários, floristas, charuteiros, joalheiros e até sorveteiros. mes no Brasil, escreveu outros gêneros como farsas e dramas
Novas diversões para a “boa sociedade” se disseminavam: e contribuiu no Jornal do Commercio como crítico teatral.
cafeterias, concertos, bailes, serões e o teatro – locais para Sua obra pertence ao teatro romântico. Suas peças
ver e ser visto. Os principais teatros da capital eram o Teatro brincavam satirizavam os costumes de sua época (Regências e
Constitucional Fluminense, o Teatro Lírico e o mais antigo de início do Segundo Reinado) com personagens populares, como
todos, o Real Teatro São João (depois chamado Pedro de Al- que tiradas das ruas do Rio de Janeiro e colocadas no papel:
cântara e, atualmente, Teatro João Caetano). A capital recebia malandros, moças casadoiras, soldados, sertanejos, provincia-
companhias teatrais e líricas internacionais, além de atores, nos, juízes, estrangeiros, jovens pomposos, velhas solteiras,
compositores e escritores de teatro nacionais como João Ca- funcionários públicos, meirinhos, contrabandistas, caixeiros,
etano, Carlos Gomes e Martins Pena, respectivamente. comerciantes, etc. O âmbito social e o enredo escolhidos por
O fascínio exercido pela corte aparece neste diálogo Martins Pena também refletiam os da época: casamentos, fes-
tas na roça, festas da cidade, decisão de herança, pagamento
entre dois personagens da roça em uma peça de Martins Pena:
de dotes e assim por diante.
JOSÉ – Vamos para a corte, que você verá o que é
Martins Pena, com certeza, ofereceu uma identidade
bom. ANINHA – Mas então o que é que já lá tão bonito?
ao teatro brasileiro, dando ao mesmo cunho histórico-social,
JOSÉ – Eu te digo. Há três teatros e um deles é maior
uma vez que retratava a própria sociedade brasileira da pri-
que o engenho do capitão-mor.
meira metade do século XIX.
ANINHA – Oh, como é grande!
Obras: Um Sertanejo na Corte (1833-37), O Juiz de
JOSÉ – Representa-se todas as noites. Pois uma má-
Paz da Roça (1842), O Judas em Sábado de Aleluia (1846), O
gica que lá se apresentou…
Cigano (1845), As Casadas Solteiras (1845), O Noviço (1845),
ANINHA – O que é mágica?
O Namorador ou A Noite de São João (1845), O Caixeiro da Ta-
(…) ANINHA – Que vontade eu tenho de ver todas es-
verna (1845), Os Meirinhos (1845), Os Ciúmes de um Pedestre
sas coisas! JOSÉ – Além disso há outros muitos divertimentos.
ou O Terrível Capitão do Mato (1846), Os Irmãos das Almas
Na rua do Ouvidor há um Cosmorama, na rua de São Francisco
(1846), O Diletante (1846), Quem Casa, Quer Casa (1847).
Martins Pena e a comédia de costumes ou jovens que se rebelam contra as decisões autoritárias dos
pais – situações que não se encaixam no perfil do Romantismo.
Considerado o criador do teatro de costumes no Bra- O noviço é uma comédia em três atos escrita em 1845,
sil, Martins Pena retratou a sociedade de sua época, criando mas publicada somente em 1853. A história se passa no Rio
personagens que simbolizam diferentes tipos sociais – dos se- de Janeiro e mostra tanto cenas de cultura popular como as
nhores aos escravos. “Se se perdessem todas as leis, escritos, intrigas da sociedade. A trama desenrola-se a partir da ação
memórias da história brasileira dos primeiros cinquenta anos de Ambrósio, um homem pobre, ambicioso e sem escrúpulos
deste século XIX, que está a findar, e nos ficassem somente as que se casa com Florência, uma viúva rica, mãe de dois filhos,
comédias de Pena, era possível reconstituir por elas a fisionomia Emília e Juca, e tutora de Carlos, seu sobrinho órfão – o no-
moral de toda essa época.” viço da peça. Ingênua e facilmente manipulada pelo marido,
Esta análise, feita no final do século passado pelo Florência acredita que Ambrósio se casou com ela por amor e
crítico literário Sílvio Romero sobre as comédias de Luís Carlos não desconfia que, na verdade, ele está interessado apenas
desse autor no panorama da literatura brasileira. Considerado, O noviço é construído com uma cadeia de intrigas na
por muitos estudiosos, o “pai do teatro de costumes no Brasil”, qual nem mesmo os personagens de melhor caráter hesitam
Martins Pena criou personagens que – apesar de não terem em lançar mão da chantagem e outros subterfúgios pouco
sociais de nosso país. Estão presentes, em seus textos, desde Ambrósio percebe que Emília se encontra em idade
os nobres representantes da Corte, no alto da camada social, de se casar e, se isso ocorrer, Florência terá de dar ao noivo
até os escravos, na base da pirâmide, passando também por um dote, algo que lhe desagrada profundamente. Então, con-
funcionários públicos, empregados em diferentes tipos de vence a mulher de que a moça deveria ser colocada em um
empresas, sacristãos, soldados, artesãos, etc. convento e, para evitar que surjam outros problemas com sua
Mostrando, por meio do humor e da sátira, as condu- tão cobiçada herança, persuade a mulher a também colocar
tas e os costumes “censuráveis” da população, o autor traça Juca, o outro filho, no convento para se tornar frade.
um amplo retrato do Brasil da primeira metade do século XIX. Para atrapalhar a tranquilidade de Ambrósio, surge
Observador astuto de sua época e crítico mordaz, expõe a Carlos, interno a contragosto há seis meses no convento da
desorganização e a corrupção nos serviços públicos, o contra- Ordem de São Bento. O grande desejo do noviço é ser militar
bando de escravos, a exploração do sentimento religioso, os e casar-se com Emília, que também é apaixonada por ele. A
comerciantes que enganam seus clientes, os casamentos sob jovem também não se conforma com a decisão de ter que se
encomenda ou homens que se casam apenas por interesse tornar freira. Após dar uma cabeçada que fez desmaiar o abade
Martins Pena é o precursor de um gênero de teatro, a Ao descobrir que o padrasto da moça convenceu Florência a
chamada comédia de costumes, por meio da qual constrói um colocar os filhos dela no convento, começa a desconfiar da
tipos sociais, em geral, vistos sob seus piores aspectos. Quase As coisas para Ambrósio se complicam ainda mais
todas as suas comédias possuem alguns traços em comum. O quando aparece na casa de Florência a cearense Rosa, primeira
autor costuma mostrar as tradições e os costumes populares, mulher de Ambrósio. Pensando ser Carlos um padre, ela lhe
como as festas do Espírito Santo, a “malhação” do Judas, os conta estar há seis anos à procura do marido que desaparecera
festejos de São João, além de explorar uma série de situações com todo o dinheiro que possuía. Informada de que Ambrósio
que se repetem nos enredos: as intrigas domésticas, os ca- estaria no Rio de Janeiro, dirigiu-se à cidade, localizou a casa
çadores de dotes, os casamentos por interesse, as diferenças na qual ele morava e foi procurá-lo, querendo saber se era
entre o universo dos moradores da roça e da cidade. verdadeira a informação de que ele se casara novamente.
Cronologicamente, Martins Pena pertence ao Ro- Carlos obtém um trunfo contra Ambrósio, mas ainda tem um
mantismo, movimento literário do início do século XIX, cujas problema a superar: o mestre dos noviços está em seu encal-
características são o individualismo, o lirismo e o predomínio ço, querendo reconduzi-lo ao convento. Então, mente a Rosa,
da sensibilidade e da imaginação sobre a razão. Suas peças, dizendo que Ambrósio chamou a polícia para prendê-la. Troca
escritas entre 1833 e 1846, trazem várias marcas dessa escola. de roupa com ela e esta, ao ser encontrada de batina, é levada
as adversidades para ficar junto da pessoa amada. Afinal, um Carlos começa a chantagear Ambrósio. Exige que
bom casamento era, naqueles tempos, uma das principais ele convença sua tia a retirá-lo do convento, autorize seu ca-
preocupações dos jovens. samento com Emília e receba o dote a que tem direito. Com
Seus textos, porém, antecipam algumas caracterís- medo de ser desmascarado, o bígamo golpista concorda com
ticas do Realismo, movimento literário surgido em meados do as exigências. O enredo ainda apresenta mais confusões,
século XIX. Para lembrar, O Realismo opõe-se ao lirismo e mantendo o ritmo da comédia com várias cenas engraçadas
à imaginação dos autores românticos. Nas peças de Martins até o final feliz para Carlos e Emília.
Pena, isso aparece em alguns personagens, como moças que O noviço é uma das peças mais populares de Martins
não se envergonham quando se encontram diante dos amados Pena e podemos dizer que seu grande tema é o engano. Anote!
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Obra Literária_O Noviço (Martins Pena) - 1/2021
Temos o mestre dos noviços, que captura Rosa por engano; [o] obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense
temos Ambrósio, mentindo para toda a família, e até mesmo em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os
Carlos, que para desmascarar Ambrósio, engana Rosa. Nem mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe
os religiosos escapam, pois, à noite, eles vestem casaca e se a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida,
disfarçam com uma peruca, fingindo-se de leigos, para fre- e assim se gasta uma vida!”
quentar o teatro, o que lhes é proibido. Apesar de traçar um painel pessimista da realidade,
Assim como em toda a sua obra, Martins Pena tece uma Martins Pena não deixa de mostrar esperanças: “O respeito e
série de críticas à sociedade brasileira em O noviço. A corrupção, a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que
a impunidade, o tratamento desigual por parte da Justiça em a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais
relação a pobres e ricos, por exemplo, não escapam à atenção comprimida [...] Que não se constranja ninguém, que se
do autor que, logo no início da peça, faz Ambrósio comentar: estudem os homens e que haja uma bem entendida e escla-
“No mundo, a fortuna é para quem sabe adquiri-la. recida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato,
[...] Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o
auxiliares [...] Há oito anos, eu era pobre e miserável, e hoje homem de talento à manjedoura.”
sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom re- Para o autor, entretanto, as injustiças, a corrupção e
sultado está o mérito... Se em algum tempo tiver de responder as desigualdades só serão corrigidas quando os mais fracos
pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. se unirem e, juntos, lutarem contra os poderosos. Essa união
As leis criminais fizeram-se para os pobres [...]”. está simbolizada no acordo que Florência e Rosa fazem para
As críticas à religião e à burocracia religiosa também se vingarem de Ambrósio: “ROSA – E nós, suas desgraçadas
estão presentes nas falas do noviço Carlos: “Não nasci para vítimas, nos odiaremos mutuamente, em vez de ligarmo-nos,
frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no para de comum acordo perseguirmos o traidor? FLORÊNCIA
coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto – Senhora, nem eu, nem vós temos culpa do que se tem pas-
para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos, três vezes ao sado. Quisera viver longe de vós; vossa presença aviva meus
dia, uma fome de todos os diabos. [...] Gosto de teatro, e de desgostos, porém farei um esforço – aceito o vosso ofereci-
lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que fre- mento – unamo-nos e mostraremos ao monstro o que podem
quenta a plateia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa.” duas fracas mulheres quando se querem vingar.
Martins Pena viveu em uma época na qual a Igreja Martins Pena fez do palco um espelho do Brasil. Suas
Católica estava ligada ao Estado e dava grande importância comédias, escritas poucos anos depois da proclamação da Inde-
às exterioridades do culto. Suas críticas aos religiosos e, in- pendência, significam uma tomada de consciência da realidade
diretamente, à Igreja revelam uma ousadia e irreverência. O brasileira, uma maneira de se tentar pensar criticamente sobre
agudo senso de observação do autor muitas vezes resulta em nossa cultura. Com isso, a tradição da comédia de costumes
um quadro crítico da sociedade brasileira da primeira metade acabou sendo incorporada em nosso teatro, que seria conti-
do século XIX. nuada, nos anos seguintes, por autores como Joaquim Manuel
O personagem Carlos, obrigado a seguir uma carrei- de Macedo, José de Alencar, Artur Azevedo, Viriato Correia,
ra que não deseja, é um instrumento para o autor fazer um Oduvaldo Vianna e tantos outros.
discurso libertário cheio de críticas sutis às instituições: “Eis Como escreveu o crítico José Veríssimo a respeito
aí porque vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este de Martins Pena, “poder-se-ia dizer, com alguma razão, que o
tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente teatro brasileiro estava, se não fundado, começado”.
médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor,
será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para Considerações finais. Fixe seus conhecimentos:
caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja
diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe Nascido no Rio de Janeiro no dia 5 de novembro de
toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que 1815, Luís Carlos Martins Pena teve uma vida curta, morren-
se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro do em Lisboa, de tuberculose em 7 de dezembro de 1848.
de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Esses 33 anos de vida, entretanto, foram suficientes para
Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só que se consagrasse como dramaturgo, tendo escrito 28 peças
serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do teatrais. Ainda jovem, Martins Pena fez curso de comércio e
mandrião empregado público, comendo com as mãos encru- frequentou a Academia de Belas Artes, aprendendo pintura,
zadas sobre a pança o pingue ordenado da nação [...]”. escultura, arquitetura e cenografia. Estudou também História,
Martins Pena também se aproveita das falas de Carlos Geografia, Literatura e Línguas. Em 1838, iniciou sua vida de
para retratar a situação dos intelectuais na sociedade brasilei- funcionário público, tendo sido nomeado amanuense do con-
ra, quase sempre pendurado em empregos burocráticos, em sulado da Corte. Durante bom tempo trabalhou como censor
geral, nas repartições públicas: “Este nasceu para poeta ou teatral, escrevendo pareceres sobre peças de todos os gêne-
escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de ros: comédias, farsas, dramas, óperas etc. Tal trabalho lhe foi
grandes cousas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque proveitoso, pois permitiu-lhe que se familiarizasse, cada vez
poetas e escritores morrem de miséria no Brasil... E assim mais, com a técnica teatral.
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Obra Literária_O Noviço (Martins Pena) - 1/2021