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Comunicação é um direito a ser conquistado em prol da democracia no

Brasil e no mundo
por
Daniele Souza
,
13/12/2018

A liberdade de opinião e expressão é um direito. Assim como o direito a ser


reconhecido como pessoa, o direito à alimentação, ao vestuário e à
habitação, o direito de falar e ser ouvido também é um dos direitos humanos
essenciais, indissociáveis, sem os quais não está garantida a condição de
dignidade para o ser humano.

Expressa no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a


liberdade de opinião e expressão também forneceu as bases de
fundamentação para a ideia mais ampla de direito à comunicação, constituída
historicamente, no contexto de livre expressão da sociedade e de luta do
homem contra poderes dominadores – políticos, econômicos, sociais e
religiosos.

O entendimento dessa comunicação de uma forma mais abrangente passa pelo


direito de transmitir e ter acesso a informações, para além da comunicação
comercial, incluindo outras questões ligadas à liberdade de imprensa,
democratização do acesso à internet e desconcentração dos meios de
comunicação.

Atualmente reconhecido como direito humano, o direito à comunicação está


relacionado à possibilidade de diálogo e participação social, um instrumento
para garantia de outros direitos humanos e construção de uma sociedade mais
democrática.

Comunicação como direito

A ideia de comunicação como um direito surgiu na Organização das Nações


Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), no final da década de
1960, e levou à realização de diversos estudos na década seguinte. As críticas
ao processo comunicacional provinham da falta de diversidade de fontes de
informação e opinião, além do destaque a determinados temas, com
influência ocidental. 

A discussão a partir desses estudos mobilizou os participantes da 19a


Conferência Geral de Nairóbi (Quênia), em 1976, a aprovar uma análise dos
problemas relativos à comunicação, no âmbito da sociedade naquele
momento, formando a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da
Comunicação, com 16 integrantes presididos por Sean MacBride, ex-ministro
das Relações Exteriores da Irlanda.
O direito à comunicação constitui um prolongamento lógico do progresso
constante em direção à liberdade e à democracia. A exigência de circulação
de dupla direção, de intercâmbio livre e de possibilidades de acesso e
participação dão nova dimensão qualitativa às liberdades conquistadas
sucessivamente no passado.   Relatório MacBride – Unesco

O resultado do trabalho da Comissão, conhecido por Relatório MacBride,


constitui a base conceitual para o direito à comunicação, apresentando um
diagnóstico da comunicação, em termos do desequilíbrio no fluxo de
informação e comunicação do mundo, da concentração dos meios de
comunicação e formação de monopólios.  

Como estratégia para um novo modelo de comunicação global, um processo


mais horizontal no fluxo de informação e conhecimento, com diálogo, tendo a
sociedade civil como protagonista, mais voltado para valorização das
diferentes culturas e da democracia. Assim, o relatório indicava a constituição
de políticas nacionais de comunicação e o estabelecimento de uma Nova
Ordem Mundial da Informação e Comunicação (Nomic).
Brasil

“Falta muita política pública para garantir o direito à comunicação, para


garantir que ele se efetive na prática”, afirmou Marina Pita, membro do
Coletivo Intervozes. No Brasil, até hoje, ainda há uma alta concentração de
mídia e empecilhos na concretização da comunicação como um direito. Há
dispositivos constitucionais que proíbem a concentração, o monopólio e o
oligopólio dos meios de comunicação, porém eles não são cumpridos. A
concentração de mídia no Brasil foi tema da pesquisa Monitoramento da
Propriedade de Mídia, resultado de parceria entre o coletivo Intervozes e a
organização Repórter sem fronteiras. Divulgado em 2017, o resultado da
pesquisa indicou a falta de transparência e interferências econômicas,
religiosas e políticas, além da alta concentração de audiência, de propriedade
e geográfica, a despeito das garantias constitucionais.

Na Constituição Federal de 1988, existe um capítulo sobre a comunicação,


entre os artigos 220 e 224. Embora estejam expressos os direitos à
manifestação de pensamento, de criação, a expressão e a informação, sem
restrição ou qualquer censura – política, ideológica e artística, com plena
liberdade jornalística, a comunicação ainda é vista como um serviço prestado
por entes públicos e privados.  Mesmo que a preocupação com as concessões,
de rádio e televisão, ainda seja importante, é necessário falar sobre o acesso
à internet, a preços acessíveis para população: "Hoje, no Brasil, que é uma
das maiores economias do mundo, a gente tem apenas 50% da população com
seus domicílios conectados. E ainda esses 50%, em geral, são domicílios
conectados precariamente", explicou Marina. Em um desafio de atualização de
pautas de Direitos Humanos no século 21, outras questões também surgem,
como as políticas de curadoria, de construção de inteligência feita por
máquinas, até mesmo as representações virtuais de seres humanos e a
propriedade de dados sobre as pessoas pelas empresas, para além do direito à
privacidade: “A tal ponto que se poderia hoje tomar como um dos grandes
desafios relacionados à Declaração Universal dos Direitos Humanos que ela
estenda esses direitos ao nosso self virtual”, pontuou Ricardo Rodrigues,
professor da USP.
Internet 
A preocupação com os desafios impostos pelas tecnologias de informação e
comunicação e a internet levou à criação da Lei No12965/2014, que
estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no
Brasil, tendo como base a ideia de neutralidade da rede, privacidade, função
social e também a garantia da liberdade de expressão e transmissão de
conhecimento. Conhecido como Marco civil da internet, foi um projeto
construído com ampla participação da população.
Outra atividade crucial para um debate público relacionado a políticas de
comunicação, em termos da participação da sociedade, foi a realização da I
Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, também antecedida por
diversas etapas preparatórias e debates nas 27 unidades da Federação,
envolvendo milhares de pessoas.

A afirmação da comunicação como um direito humano a ser incluído na


Constituição Federal e a definição do acesso à internet banda larga como
direito fundamental a ser estabelecido como serviço em regime público foram
alguns dos pleitos da conferência.  Também resultado da conferência, o
documento Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no
Brasil foi apresentado ao Governo e à sociedade, com diretrizes para
reformulação do conjunto de leis para as comunicações no Brasil.

Comunicação: reconhecimento como direito humano fundamental é


recente
 
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Publicado em 01/10/2014 - 11:50 Por Helena Martins – Repórter da Agência Brasil - Brasília

Ouça a matéria:

Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como


um direito humano fundamental, por parte de organismos como a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)Marcello
Casal Jr/Agência Brasil

A importância de comunicar foi reconhecida na Declaração Universal dos


Direitos Humanos, que estabelece que “todo ser humano tem direito à
liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e
ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

De 1948, quando a declaração foi feita, até agora, o fluxo de informação e


comunicação é cada vez maior. A mídia passou a ocupar um lugar ainda mais
central na vida pública. Por meio dela, é possível saber o que ocorre em
diferentes partes do mundo, as pessoas formam opinião e valores, inclusive
sobre diferentes grupos da sociedade, como mulheres, negros e
homossexuais.
Por essa importância, ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a
ser reconhecida como um direito humano fundamental, por parte de
organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco). Já países como Equador e Bolívia recentemente
incluíram a comunicação como direito humano em suas constituições.

Assim, do mesmo modo que é compreendida como um instrumento para


acesso a outros direitos, como à saúde e à educação, é preciso perceber “que
o direito à comunicação inclui o direito ao acesso à informação, mas também o
direito de transmitir informações”, explica o professor da Universidade de
Brasília (UnB) Fernando Paulino.

A possibilidade de criar e propagar informações próprias, sem depender de


mediadores, motivou a criação da Agência de Notícias das Favelas (ANF),
considerada a primeira no mundo a produzir notícias diretamente de favelas. O
idealizador da entidade, André Fernandes, conta que, na década de 1990,
começou a disparar e-mails para jornalistas, “como forma de denunciar o que
estava acontecendo nas favelas”, a exemplo de violações de direitos que
sequer chegavam ao conhecimento do público.

“A ideia da ANF surgiu porque eu via os direitos básicos, fundamentais dos


moradores das favelas não serem garantidos”, relembra Fernandes, avaliando
que, hoje, a agência também consegue pressionar os veículos tradicionais para
que reportem o que ocorre nesses locais.

“A comunicação garante direitos porque faz com que o cidadão se torne autor
da sua cidadania, faz com que aqueles que não tinham voz passem a ter”, diz
Fernandes. Uma possibilidade que tem se tornado mais viável com a
ampliação do acesso à internet.

O idealizador da ANF cobra mais espaço e reconhecimento para a mídia


independente. “É importante que os próprios governos reconheçam esse tipo
de mídia, para que não fique só a opinião dos grandes veículos de imprensa”,
afirma Fernandes.

No Brasil, a comunicação não está descrita na legislação como um direito, mas


como um serviço que pode ser prestado tanto por entes públicos quanto
privados. A sua inclusão no rol de direitos fundamentais é uma das propostas
que constam no Projeto de Lei da Mídia Democrática. O projeto, apoiado por
dezenas de entidades da sociedade civil, quer estabelecer como princípio da
comunicação social eletrônica a “promoção e garantia dos direitos de liberdade
de expressão e opinião, de acesso à informação e do direito à comunicação”,
destaca o texto.

Isso significa que o Estado teria o papel de propor medidas para que a
comunicação fosse acessível a todos. O contrário disso é a percepção da
comunicação como um produto a ser negociado – o que ocorre, por exemplo,
ao se pagar pelo acesso à internet. Nesse caso, a ausência da definição da
internet como direito ou mesmo serviço público faz com que as operadoras não
sejam obrigadas a garantir a universalização da rede em todo o território
nacional.

A concepção do direito à comunicação embasou a mudança na lei que


organiza o sistema argentino. A nova regra, que ficou conhecida como Lei de
Meios, foi produzida a partir de regramentos internacionais fixados pela
Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), e por leis antimonopolistas existentes em diversos países,
entre eles, os Estados Unidos.

De acordo com a lei argentina, “a atividade realizada pelos serviços de


comunicação audiovisual se considera uma atividade de interesse público, de
caráter fundamental para o desenvolvimento sociocultural de população, pelo
que se exterioriza o direito humano inalienável de expressar, receber, difundir e
investigar informações, ideias e opiniões”.

Integrante da Coalização para a Radiodifusão Democrática, articulação da


sociedade civil que deu início à formulação e proposição da nova lei argentina,
Néstor Busso conta que, “para garantir esse direito, os Estados devem
assegurar diversidade e pluralidade de meios”. Isso porque, de acordo com ele,
“a lógica de mercado é a concentração e a hegemonia de um discurso único”.
“Para assegurar diversidade e pluralidade, as políticas públicas devem colocar
limites aos poderosos e à concentração e, ao mesmo tempo, promover a
expressão dos setores mais frágeis da população.”

Antes da Lei de Meios, a comunicação era tratada como um negócio que


deveria ser usufruído apenas pelo Estado e pela iniciativa privada. As
organizações sem fins lucrativos não tinham permissão para receberem
outorgas. Agora, o espectro eletromagnético foi dividido igualmente entre
pessoas de direito público estatal e não estatal, organizações privadas e
organizações sem fins lucrativos.

Para garantir a ocupação desse espaço, também foram fixadas políticas de


apoio financeiro e incentivo à produção de conteúdos por parte dos povos
originários do país e pelas universidades, entre outros segmentos.

Entretanto, segundo Néstor Busso, a lei argentina, não está totalmente


implementada. “Muitos obstáculos se apresentam para a sua implementação
plena, apesar de já terem passado cinco anos da sua aprovação.”

Muitos desses obstáculos têm sido colocados pelo setor empresarial. No caso
da Argentina, o grupo Clarín, maior da região, moveu diversas ações judiciais
para evitar a aplicação da lei e, com isso, a entrega de parte de suas
concessões.

No Brasil, os empresários também discordam de propostas de regras com o


teor da que foi aprovada na Argentina. Segundo o presidente da Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, as
empresas entendem como válida a discussão de uma lei para atualizar as
normas legais do setor. “O problema, nesses países, é que foi feita uma lei com
viés autoritário e retrógrado”, avalia. Ele também aponta que situações como a
posse de diferentes veículos pelo mesmo grupo, a chamada propriedade
cruzada, já teria sido superada pela tecnologia.

Embora reconheça o direito à comunicação como um grande desafio mundial,


a Unesco percebe movimentos que caminham nesse sentido, inclusive no
Brasil. Coordenador do setor de Comunicação e Informação da Unesco,
Adauto Cândido Soares aponta como positiva a existência de iniciativas como
a Lei de Acesso à Informação – sancionada no Brasil em novembro de 2011.

“A gente percebe a sociedade batalhando por banda larga, por acesso rápido,
por uma internet veloz, justamente porque essa internet veloz possibilita mais
informação e mais comunicação. A gente percebe também que o país tem uma
mídia pública estabelecida, com uma quantidade enorme de rádios e TVs
públicas”, aponta.

Para ele, embora o direito à comunicação ainda não tenha sido reconhecido,
há um ambiente favorável para o avanço dessa agenda no Brasil.

Edição: Lílian Beraldo

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