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Comunicação: reconhecimento como direito humano

fundamental é recente
Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano
fundamental, por parte de organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco)Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A importância de comunicar foi reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
estabelece que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
De 1948, quando a declaração foi feita, até agora, o fluxo de informação e comunicação é cada vez
maior. A mídia passou a ocupar um lugar ainda mais central na vida pública. Por meio dela, é possível saber
o que ocorre em diferentes partes do mundo, as pessoas formam opinião e valores, inclusive sobre diferentes
grupos da sociedade, como mulheres, negros e homossexuais.
Por essa importância, ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como
um direito humano fundamental, por parte de organismos como a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Já países como Equador e Bolívia recentemente incluíram a
comunicação como direito humano em suas constituições.
Assim, do mesmo modo que é compreendida como um instrumento para acesso a outros direitos,
como à saúde e à educação, é preciso perceber “que o direito à comunicação inclui o direito ao acesso à
informação, mas também o direito de transmitir informações”, explica o professor da Universidade de
Brasília (UnB) Fernando Paulino.
A possibilidade de criar e propagar informações próprias, sem depender de mediadores, motivou a
criação da Agência de Notícias das Favelas (ANF), considerada a primeira no mundo a produzir notícias
diretamente de favelas. O idealizador da entidade, André Fernandes, conta que, na década de 1990, começou
a disparar e-mails para jornalistas, “como forma de denunciar o que estava acontecendo nas favelas”, a
exemplo de violações de direitos que sequer chegavam ao conhecimento do público.
“A ideia da ANF surgiu porque eu via os direitos básicos, fundamentais dos moradores das favelas
não serem garantidos”, relembra Fernandes, avaliando que, hoje, a agência também consegue pressionar os
veículos tradicionais para que reportem o que ocorre nesses locais.
“A comunicação garante direitos porque faz com que o cidadão se torne autor da sua cidadania, faz
com que aqueles que não tinham voz passem a ter”, diz Fernandes. Uma possibilidade que tem se tornado
mais viável com a ampliação do acesso à internet.
O idealizador da ANF cobra mais espaço e reconhecimento para a mídia independente. “É
importante que os próprios governos reconheçam esse tipo de mídia, para que não fique só a opinião dos
grandes veículos de imprensa”, afirma Fernandes.
No Brasil, a comunicação não está descrita na legislação como um direito, mas como um serviço que
pode ser prestado tanto por entes públicos quanto privados. A sua inclusão no rol de direitos fundamentais é
uma das propostas que constam no Projeto de Lei da Mídia Democrática. O projeto, apoiado por dezenas de
entidades da sociedade civil, quer estabelecer como princípio da comunicação social eletrônica a “promoção
e garantia dos direitos de liberdade de expressão e opinião, de acesso à informação e do direito à
comunicação”, destaca o texto.
Isso significa que o Estado teria o papel de propor medidas para que a comunicação fosse acessível a
todos. O contrário disso é a percepção da comunicação como um produto a ser negociado – o que ocorre,
por exemplo, ao se pagar pelo acesso à internet. Nesse caso, a ausência da definição da internet como direito
ou mesmo serviço público faz com que as operadoras não sejam obrigadas a garantir a universalização da
rede em todo o território nacional.
A concepção do direito à comunicação embasou a mudança na lei que organiza o sistema argentino.
A nova regra, que ficou conhecida como Lei de Meios, foi produzida a partir de regramentos internacionais
fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e
por leis antimonopolistas existentes em diversos países, entre eles, os Estados Unidos.
De acordo com a lei argentina, “a atividade realizada pelos serviços de comunicação audiovisual se
considera uma atividade de interesse público, de caráter fundamental para o desenvolvimento sociocultural
de população, pelo que se exterioriza o direito humano inalienável de expressar, receber, difundir e
investigar informações, ideias e opiniões”.
Integrante da Coalização para a Radiodifusão Democrática, articulação da sociedade civil que deu
início à formulação e proposição da nova lei argentina, Néstor Busso conta que, “para garantir esse direito,
os Estados devem assegurar diversidade e pluralidade de meios”. Isso porque, de acordo com ele, “a lógica
de mercado é a concentração e a hegemonia de um discurso único”. “Para assegurar diversidade e
pluralidade, as políticas públicas devem colocar limites aos poderosos e à concentração e, ao mesmo tempo,
promover a expressão dos setores mais frágeis da população.”
Antes da Lei de Meios, a comunicação era tratada como um negócio que deveria ser usufruído
apenas pelo Estado e pela iniciativa privada. As organizações sem fins lucrativos não tinham permissão para
receberem outorgas. Agora, o espectro eletromagnético foi dividido igualmente entre pessoas de direito
público estatal e não estatal, organizações privadas e organizações sem fins lucrativos.
Para garantir a ocupação desse espaço, também foram fixadas políticas de apoio financeiro e
incentivo à produção de conteúdos por parte dos povos originários do país e pelas universidades, entre
outros segmentos.
Entretanto, segundo Néstor Busso, a lei argentina, não está totalmente implementada. “Muitos
obstáculos se apresentam para a sua implementação plena, apesar de já terem passado cinco anos da sua
aprovação.”
Muitos desses obstáculos têm sido colocados pelo setor empresarial. No caso da Argentina, o grupo
Clarín, maior da região, moveu diversas ações judiciais para evitar a aplicação da lei e, com isso, a entrega
de parte de suas concessões.
No Brasil, os empresários também discordam de propostas de regras com o teor da que foi aprovada
na Argentina. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert),
Daniel Slaviero, as empresas entendem como válida a discussão de uma lei para atualizar as normas legais
do setor. “O problema, nesses países, é que foi feita uma lei com viés autoritário e retrógrado”, avalia. Ele
também aponta que situações como a posse de diferentes veículos pelo mesmo grupo, a chamada
propriedade cruzada, já teria sido superada pela tecnologia.
Embora reconheça o direito à comunicação como um grande desafio mundial, a Unesco percebe
movimentos que caminham nesse sentido, inclusive no Brasil. Coordenador do setor de Comunicação e
Informação da Unesco, Adauto Cândido Soares aponta como positiva a existência de iniciativas como a Lei
de Acesso à Informação – sancionada no Brasil em novembro de 2011.
“A gente percebe a sociedade batalhando por banda larga, por acesso rápido, por uma internet veloz,
justamente porque essa internet veloz possibilita mais informação e mais comunicação. A gente percebe
também que o país tem uma mídia pública estabelecida, com uma quantidade enorme de rádios e TVs
públicas”, aponta.
Para ele, embora o direito à comunicação ainda não tenha sido reconhecido, há um ambiente
favorável para o avanço dessa agenda no Brasil.
Edição: Lílian Beraldo

INSTRUMENTOS NORMATIVOS RELACIONADOS À COMUNICAÇÃO


O entendimento da comunicação como um direito humano é recente na história e vem sendo analisado de
forma mais aprofundada ao longo dos anos. Pode-se dizer que o debate se acentuou no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU), a partir da década de 70, em particular na UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que é responsável por tratar de temas como
Comunicação e Informação, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Naturais e Educação[13].
Não obstante, segundo Fisher, citado por Vannuchi[14], Jean D’Arcy, à época diretor dos Serviços Visuais e
de Rádio do Escritório de Informação Pública da ONU em Nova York já havia mencionado, em 1969, o
“direito de comunicar” em artigo publicado na revista EBU Review:
Virá o tempo em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos terá de abarcar um direito mais amplo
que o direito humano à informação, estabelecido pela primeira vez 21 anos atrás no Artigo 19. Trata-se do
direito do homem de se comunicar.
Veremos a seguir, portanto, como se desenvolveram os debates acerca do tema e mencionaremos como o
mesmo foi incorporado pelos principais tratados de direitos humanos adotados através dos sistemas global
e regional de proteção. Após, será feita a análise de como instrumentos jurídicos nacionais recepcionaram
tais regras, respeitando a soberania do Brasil.

CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS


Também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos[19] foi adotada pela Organização dos Estados Americanos em 22 de novembro de 1969, durante
a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos.
A ideia básica de proteção à liberdade de pensamento e expressão está diretamente atrelada ao que já
havia sido disposto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, o texto do Pacto trouxe
alguns pequenos acréscimos em relação ao documento universal, conforme artigos reproduzidos abaixo:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a
liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo
de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para
assegurar:
3. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
4. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas.
5. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles
oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e
aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a
comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
6. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o
acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
7. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial
ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Artigo 14. Direito de retificação ou resposta
1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de
difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo
órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se
houver incorrido.
3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística,
cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por
imunidades nem goze de foro especial.
O inciso 3 do Artigo 13 especifica os meios de difusão de informações pelos quais o direito de expressão
não pode ser restringido, enquanto o Artigo 14 traz o conceito de direito de resposta, de forma ainda
limitada. No mais, o Pacto segue a mesma linha de instrumentos anteriores no entendimento de quais são
os direitos associados à comunicação.
4.1.4 RESOLUÇÕES DA UNESCO E O RELATÓRIO MACBRIDE
Conforme previamente mencionado, a UNESCO é a responsável por debater questões relativas a Ciências
Humanas e Sociais, Educação, Ciências Naturais e Cultura, incluídos, ainda, em suas atribuições os temas
de Comunicação e Informação.
Desta forma, é natural constatar que os debates sobre o conceito de direito à comunicação e seu
entendimento como um direito fundamental ocorreram de forma mais incisiva dentro deste Órgão. Da
década de 1940 até os dias atuais a UNESCO colocou em discussão o direito à comunicação por diversas
vezes, resultando na aprovação de várias Resoluções e emissão de relatório que serviram como
embasamento, inclusive, para a incorporação do conceito em âmbito nacional pelos mais diversos países.
Gomes ressalta que na década de 1940 as resoluções focaram na ideia da liberdade de expressão e na
transmissão de informações pelos meios de mídia em massa. Na década seguinte, o termo “informação”
adquiriu maior relevância e abrangência. A década de 60, por sua vez, trouxe consigo o surgimento do
termo “comunicação”, englobando conceitos anteriores como livre circulação de informação e informação
pública, dentre outros. Isto teria resultado em uma leve mudança conceitual, que levaria um novo discurso
da Organização sobre o tema. A informação passou a ser entendida como parte, e não como o todo.
Nos anos 70 as discussões foram levadas a um novo patamar e a UNESCO passou a se dedicar ao debate
sobre uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC). Este estudo mais
aprofundado levou à geração de um relatório que teve como principal destaque a necessidade de
entender como um direito humano o direito à comunicação.
Trata-se do Relatório “Um Mundo e Muitas Vozes – Comunicação e Informação da Nossa Época”, também
conhecido como Relatório MacBride.[20] Para Góes[21], o relatório foi elaborado em um momento em
que ordem vigente internacional estava sendo contestada, em especial no que tange à concentração dos
fluxos de comunicação pelos meios de mídia. Deste modo, teve como um de seus focos de discussão os
desequilíbrios em matéria de comunicação, o que acabou por evidenciar as desigualdades existentes entre
os países.
Ainda nesta seara, Gomes[22] argumenta que:
O reconhecimento da comunicação como um Direito Humano, sua efetivação através da democratização
dos meios de massa e fortalecimento das mídias populares ainda são projetos. O status de Direitos
Humanos dado á comunicação, pelo Relatório, sendo então o primeiro documento da Organização das
Nações Unidas (ONU), através da UNESCO, a trazer explicitada a necessidade de considerá-la algo mais que
apenas liberdade de informação e expressão individuais, implica em demandas que envolvem não somente
questões éticas, mas sociais, econômicas, políticas e culturais. A efetivação desse novo Direito
fundamental e inalienável implicaria na construção de outro paradigma de modernidade.
Como resultado deste movimento, as Resoluções da década de 1980 refletiram claramente a ideia de que
a comunicação está a serviço dos direitos humanos, de modo que o Programa Internacional para
Desenvolvimento da Comunicação (PIDC) deveria levar em consideração todos os princípios abarcados por
Tratados e Instrumentos anteriores de Direitos Humanos.
A partir da década seguinte e até os dias atuais, contudo, o debate político que girava em torno da Nova
Ordem Mundial abriu espaço para uma preocupação com o alcance da mídia através do desenvolvimento
de novas tecnologias e a necessidade de instigar os cidadãos a fazer uma análise crítica dos meios de
comunicação e dos conteúdos por estes entregues. Novamente, o destaque volta para a liberdade de
expressão e de pensamento, em detrimento de um entendimento mais profundo da comunicação como
um direito humano.
4.1.5 DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA
Realizada em Viena, em 1993, a 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos enfatizou a importância dos
Estados de proteger e promover os direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem exceção ou
discriminação, e aprovou resolução que reconheceu mulheres e meninas como parte indivisível dos
direitos humanos, além de apontar a violência contra mulheres como violação de tais direitos.
O resultado destes debates foi a aprovação, portanto, da Declaração e Programa de Ação de Viena[23],
que trouxe os seguintes artigos sobre a temática da comunicação:
39. Sublinhando a importância de uma informação objetiva, responsável e imparcial sobre Direitos
Humanos e questões humanitárias, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos encoraja o crescente
envolvimento dos meios de comunicação social, aos quais deverão ser garantidas liberdade e proteção no
quadro do direito interno.
II. A. 22. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela a todos os Governos para que adotem todas
as medidas adequadas, em conformidade com as suas obrigações internacionais e no respeito pelos
respectivos sistemas jurídicos, para combater a intolerância e a violência com ela conexa que tenham por
base a religião ou o credo, incluindo práticas discriminatórias contra as mulheres e profanação de locais
religiosos, reconhecendo que cada indivíduo tem direito à liberdade de pensamento, consciência,
expressão e religião. A Conferência convida, igualmente, todos os Estados a porem em prática as
disposições da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação
baseadas na Religião ou no Credo.
II. C. 67 67. Deverá ser dado especial ênfase a medidas tendentes a estabelecer e fortalecer instituições
relacionadas com os Direitos Humanos, ao reforço de uma sociedade civil pluralista e à proteção de grupos
que se tenham tornado vulneráveis. Neste contexto, reveste-se de particular importância o apoio prestado
a pedido de Governos para a realização de eleições livres e justas, incluindo a assistência em aspectos das
eleições relativos a Direitos Humanos e a informação ao público sobre o processo eleitoral. É igualmente
importante o apoio prestado na consolidação do Estado de Direito, na promoção da liberdade de
expressão e na administração da justiça, bem como na participação efetiva das pessoas nos processos
decisórios.
II. D. 78 – 78. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera que o ensino, a formação e a
informação ao público em matéria de Direitos Humanos são essenciais para a promoção e a obtenção de
relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades, bem como para o favorecimento da compreensão
mútua, da tolerância e da paz.
Como pode-se verificar, o texto reitera a relevância das liberdades individuais de expressão e de
pensamento, mas não menciona o termo “comunicação”, o que pode ser entendido como um certo
retrocesso em relação aos avanços anteriores. Não obstante, no subitem 78 foi destacada a necessidade
de formar e informar o público em matéria de Direitos Humanos como forma de realizar outros direitos e
garantir uma convivência harmoniosa da sociedade.
4.2 INSTRUMENTOS JURÍDICOS NACIONAIS
Embora o Brasil tenha assinado os mais relevantes instrumentos globais de proteção dos direitos humanos,
as ratificações vieram apenas após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta incorporou os
direitos, intitulados direitos fundamentais, legitimando os Pactos, Tratados e Convenções como emendas
constitucionais em matéria de direitos humanos.
Não obstante, outras iniciativas legislativas, infralegais, buscaram tratar do tema da comunicação como um
direito, conforme será mencionado a seguir, após análise das principais normas constitucionais sobre o
assunto.
4.2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Carta Magna reproduziu em incisos do Artigo 5º os direitos fundamentais e no Capítulo V, do Título VII,
da Ordem Social, tratou particularmente de temas afeitos à comunicação social. Vejamos inicialmente as
disposições sobre direitos fundamentais relacionados às liberdades:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Capítulo I
Dos direitos e deveres individuais e coletivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado anonimato;
[…]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
[…]
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de
censura ou licença;
[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Vê-se que a intenção do legislador constituinte foi uma vez mais enfatizar a liberdade de expressão, seja
ela de qualquer natureza, e em especial a liberdade de manifestação do pensamento. Trata-se, como já
havia sido o foco de instrumentos do sistema global de proteção, do direito de informar e de ser
informado.
O Capítulo V, por sua vez, estipula como a comunicação social deve ser organizada no país mencionando,
para tanto, restrições relativas ao controle da mídia:
Capítulo V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob quaisquer formas,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Parágrafo 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social observado o disposto no art. 5º, […]
Parágrafo 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
[…]
Parágrafo 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio. […].
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes
princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação;
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos
sistemas privado, público e estatal.
Trata-se de regras que vislumbram a comunicação mais como um serviço do que como um direito
individual, uma vez que o foco da proteção está nos direitos dos meios de comunicação (por meio, por
exemplo, da proibição do monopólio e da vedação da censura), e não especificamente os direitos dos
cidadãos.
4.2.2 OUTROS MARCOS REGULATÓRIOS
Em 2009 o Governo Brasileiro aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH[25] que, dentre
outras providências, definiu como sua diretriz 22 “Garantia do direito à comunicação democrática e ao
acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos”. Vê-se, portanto, que o
PNDH-3 retomou o conceito de direito à comunicação, relacionando-o à informação, mas não restringindo-
o a ela.
Trata-se de um marco importante quando se verifica que, apesar de vasta regulamentação sobre o tema
da comunicação no país, o direito à ela não é mencionado diretamente em outros instrumentos
legislativos. Ao contrário, existe uma preocupação crescente com a criação de legislação que regule os
avanços tecnológicos na área da comunicação, mas não se discute mais seu status de direito humano
fundamental.
Vale mencionar, ainda, algumas alterações legislativas recentes que tiveram impacto no âmbito da
comunicação e nos direitos a ela relacionados, em especial dos direitos de liberdade de expressão e de
imprensa. Inicialmente, pode-se citar a revogação, em 2009, da Lei de Imprensa, que havia sido herdada
dos tempos da ditadura militar, e que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Por
sua vez, o Marco Civil da Internet[26], promulgado em 2014, trouxe diretrizes para o uso da Internet no
Brasil, incluindo princípios, garantias, direitos e deveres das partes. Finalmente, a chamada Lei de Direito
de Resposta[27], surgiu como uma substituta para a revogada Lei de Imprensa e resgatou o direito de
resposta incluído em alguns dos instrumentos de proteção de direitos humanos mencionados em tópicos
anteriores.
Por fim, há de se destacar que o Projeto de Lei da Mídia Democrática[28] foi proposto com a finalidade de
regulamentar os artigos da Constituição Federal, aqui já analisados, referentes à Comunicação Social.
Neste sentido, entende Bachtold[29] “que seu objetivo principal é a garantia do direito à comunicação ao
cidadão brasileiro de forma eficaz e a democratização dos meios de comunicação pela abertura ao público
e sua desconcentração.”
5. COMPREENSÃO DA COMUNICAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO
Para Vannuchi, os estudos jurídicos, na verdade, não discutem o conceito de comunicação como um direito
humano, apenas promovem reflexões sobre o direito da comunicação (que seriam as garantias das
liberdade individuais) e o direito da comunicação social (que implica o acesso, sem impedimentos, às
informações fornecidas por veículos de massa).
O autor defende, ainda, que após a publicação do Relatório MacBride foi adotado um conceito mais
abrangente de direito à comunicação, que vai além da liberdade de consumir informações produzidas por
terceiros, incluindo também a de produzi-las e transmiti-las, fazendo do processo uma via de mão dupla.
Deste modo, os direitos à informação e liberdade de expressão deixaram de ser, por si só, suficientes para
que a comunicação garanta dignidade aos cidadãos.
Em paralelo, Aluisio Ferreira, citado por Gomes[30] menciona duas dimensões relacionadas ao direito à
comunicação:
De todo o exposto, sobressai a evidência de que o direito à informação e o direito à comunicação são
indissociáveis, mas inconfundíveis. […] o direito à informação compreende as faculdades de colher e de
receber informações, […] Já o direito à comunicação, perante o qual o mesmo sujeito se comporta ativa e
passivamente, compreende as faculdades de colher, receber e comunicar, porquanto comunicação
pressupõe e implica compartilhamento de informações. […] Desta forma, o direito à comunicação somente
faz sentido na perspectiva do direito à informação. […] (grifo do autor)
Depreende-se do acima que, na opinião do autor, o direito à informação está inserido no contexto mais
amplo do direito à comunicação, visto que este inclui todas as vertentes do processo de obtenção e
compartilhamento de informações.
Não obstante a discussão conceitual acerca da abrangência do direito à comunicação, houve um evento
emblemático, também lembrado por Gomes, que reconheceu de forma clara e contundente a
comunicação como um direito humano fundamental. Trata-se do Encontro Nacional de Direitos Humanos,
durante o qual foi elaborada a Carta de Brasília[31], parcialmente reproduzida abaixo:
Após dois dias de Encontro, em que nós, militantes, defensoras e defensores de direitos humanos,
parlamentares comprometidas(os) com as causas populares, servidoras e servidores públicos de
instituições federais, estaduais e municipais, compartilhamos experiências e produzimos subsídios para a
formulação de políticas públicas destinadas a consagrar o direito à comunicação como direito humano
fundamental e de fazer avançar a implementação do conjunto de direitos humanos; […] Declaramos que:
1. A Comunicação é um direito humano que deve ser tratado no mesmo nível e grau de importância que os
demais direitos humanos. O direito humano à comunicação incorpora a inalienável e fundamental
liberdade de expressão e o direito à informação, ao acesso pleno e às condições de sua produção, e avança
para compreender a garantia de diversidade e pluralidade de meios e conteúdos, a garantia de acesso
equitativo às tecnologias da informação e da comunicação, a socialização do conhecimento a partir de um
regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual; além da participação efetiva da
sociedade na construção de políticas públicas, tais como conselhos de comunicação, conferências
nacionais e regionais e locais. A importância do direito humano à comunicação está ligada ao papel da
comunicação na construção de identidades, subjetividades e do imaginário da população, bem como na
conformação das relações de poder.
Pode-se concluir, portanto, que a comunicação é um direito cuja relevância se equipara aos demais
direitos, assim como um direito que viabiliza a realização de outros. Através dela os cidadãos têm acesso a
informações que são de seu interesse, incluindo aquelas sobre direitos que eles podem e devem
reivindicar perante as autoridades. Desta forma, a comunicação possibilita o exercício pleno da cidadania.

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