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O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE PRODUTOS CULTURAIS

E OS COMBOS DE ENTRETENIMENTO#
Fabio Sá Earp*
Helena Sroulevich**
INTRODUÇÃO
Os estudos de economia do entretenimento, em sua grande maioria, estão orientados
pela ótica da oferta. Ou seja, estuda-se como os produtores de livros, discos, filmes,
espetáculos culturais e esportivos, etc se estruturam e agem para oferecer o produto ao
consumidor. Este trabalho procura o caminho oposto e complementar, tentando entender
como o consumidor se comporta ao escolher entre as diversas opções possíveis.

1. O QUE DIZEM AS PESQUISAS


Existem duas pesquisas importantes sobre o consumo de entretenimento no Brasil,
uma realizada pelo CEBRAP em 2002 e publicada três anos mais tarde, outra feita pelo
Instituto Datafolha em dezembro de 2007 disponibilizada em julho de 2008, quando este
artigo está sendo escrito. Vejamos o que podemos retirar de cada uma delas.

1.1. A PESQUISA DO CEBRAP


Esta pesquisa foi aplicada na região metropolitana de São Paulo1 em 2002 e mostra
que a esmagadora maioria dos entrevistados pratica mais atividades de entretenimento
dentro de casa do que fora. Foram listadas 8 atividades domiciliares2 e 14 atividades
externas3 e perguntado aos entrevistados quais eram praticadas. As respostas foram
organizadas segundo o número de práticas exercidas pelos entrevistados. Assim foram
definidas quatro categorias de consumidores de práticas culturais: muito praticantes, médio
praticantes, pouco praticantes e não praticantes. Por exemplo, um índice de práticas
externas de 50% significa que a pessoa foi à metade (7) das práticas possíveis (14)

#
A sair em Victor A. Melo (org.), Lazer: aspectos históricos, configurações contemporâneas. São Paulo: Alinea.
*
Professor do Instituto de Economia da UFRJ, coordenador do Laboratório do Audiovisual (LAV-UFRJ).
**
Pesquisadora do LAV-UFRJ.
1
Botelho e..............
2
Assistir TV, fer filmes em vídeo ou DVD ao menos uma vez ao mês, usar computador regularmente, acessar Internet,ouvir música, ler
jornal ao menos uma vez por semana, ler revistas regularmente, ler ao menos um livro por prazer nos últimos 12 meses.
3
Ir ao cinema, ao circo, `a ópera,ao teatro, a um espetáculo teatral fora do teatro (praça, lona cultural, etc.), assistir a balé clássico, dança
moderna, espetáculo de mísca erudita, idem de música popular, ir a um museu, a uma exposição de arte, a uma Casa de Cultura ou Centro
Cultural, visitar uma cidade histórica.

1
Tabela 1
Entrevistado-tipo % de práticas acumuladas
Muito praticante 50,1 a 100%
Médio praticante 26% a 50%
Pouco praticante 0,1 a 25%
Não praticante 0%
Fonte: Botelho e Fiore.

Utilizando-se estas categorias, vemos que enquanto os entrevistados dividem-se


igualmente como utilizadores de práticas domiciliares – um terço em cada uma das
categorias de muito, médio ou pouco praticante – a utilização de práticas externas é muito
reduzida, pois mais de 80% incluem-se nas categorias pouco ou não praticante.
Tabela 2
Entrevistado-tipo Externas Domiciliares
Muito praticante 3,5% 33,3%
Médio praticante 15,4% 32,1%
Pouco praticante 40,5% 33,3%
Não praticante 40,6% 1,3%
Fonte: Botelho e Fiore.
Estes resultados permitem aos autores concluírem que existe uma “cultura de
domicílio” muito mais forte do que uma “cultura do sair”, visto que enquanto 98,7% têm
práticas domiciliares, cerca de 40,6% não têm práticas externas. Além disso, mesmo entre
muito praticantes externos, o resultado das práticas domiciliares é quase 10 vezes maior que
o das práticas externas.
Ordenando as práticas externas em ordem crescente segundo o número de
freqüentadores, temos uma seqüência que vai da ópera ao cinema. Na Tabela 3 se verifica
que os muito freqüentadores predominam na ida a espetáculos de ópera, os pouco
freqüentadores em freqüência a bibliotecas e cinema e os médios freqüentadores em música
clássica, música popular, balé clássico, dança, casas e centros de cultura, museus, peças de

2
teatro, exposições de arte. Espetáculos teatrais fora de teatro, circo e visitas a cidades
históricas são partilhados em bases muito próximas por médio e pouco freqüentadores.
Ainda na Tabela 3 pode-se observar que os muito freqüentadores (aqueles 3,5% do
total) constituem um público para diversas atividades culturais. Pelo menos dois terços
deles vão a espetáculos de dança e música popular, Casa/Centro de cultura, museus, peças
de teatro (inclusive fora de teatros), exposições de arte, bibliotecas, cinema e visitam
cidades históricas. Este público apresenta igualmente mais de dois terços de práticas em
todas as atividades culturais domiciliares.
Tabela 3
% dos muito % dos muito % dos médio % dos pouco
participantes participantes no participantes participantes no
que público total do no público público total do
frequentam espetáculo total do espetáculo
espetáculo
Ópera 27,4 46,4 37,8 15,8
Música clássica 42,6 34,3 49,7 16,0
Balé clássico 31,8 29,9 48,1 22,0
Dança 73,5 27,5 51,5 21,0
Casa/Centro de 68,0 22,2 54,6 23,2
Cultura
Museu 87,9 21,9 48,2 29,9
Peça em teatro 89,1 21,2 49,5 29,3
Exposição arte 84,4 19,7 50,9 31,2
Peça fora de teatro 66,2 19,3 44,4 36,3
Cidade histórica 65,0 15,0 38,7 46,3
Circo 37,3 14,7 39,1 45,4
Música popular 76,8 13,8 55,2 41,8
Biblioteca 75,0 12,4 37,4 50,2
Cinema 94,0 9,4 35,9 54,7
Fonte: Botelho e Fiore. Dados de médios participantes: nossa elaboração
A variável mais importante para explicar a elevada freqüência a práticas culturais
externas é a escolaridade. Uma pessoa com alta escolaridade têm uma chance 36 vezes
maior de ser muito praticantes do que outra de baixa escolaridade. Quem tem escolaridade
média tem uma chance 6 vezes maior do que alguém de baixa escolaridade.
Outros fatores que influenciam são:
• “já realizou algum trabalho de natureza artística (3,6 vezes mais chances de
que alguém que não detém essa característica);

3
• participou de um grupo teatro (2,3 vezes mais provável);
• mora no Centro Expandido da cidade de São Paulo (2,6 vezes mais
provável);
• tem pais com pelo menos nível médio de escolaridade (1,9 vezes).” (Botelho
e Fiore, 2005:34)

A realização de trabalho artístico, participação em grupo de teatro e pais instruídos


contribuem para apurar o gosto do consumidor, permitindo-lhe perceber nuances que
escapam a um olhar leigo. Morar no centro expandido de São Paulo aumenta a facilidade de
acesso aos lugares de entretenimento, tanto pela proximidade como pela facilidade de
transporte.

Além disso, em todos os casos aumenta o consumo de práticas culturais conforme


se avança na escala social. Botelho e Fiori utilizaram o chamado Critério Brasil, que
mistura renda com posse de bens materiais e é largamente utilizado como referência pelos
profissionais de propaganda e marketing. Fica claro que os entrevistados incluídos nas
classes A e B têm maior participação e que aqueles das classes D e E apresentam resultados
muito mais baixos.

2. A PESQUISA DO DATAFOLHA
Já a pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha para o Sindicato das Empresas
Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro,4 realizada nos 10 maiores mercados de
cinema do país,5 mostra que as atividades de cultura e lazer preferidas e praticadas são as
seguintes:
Tabela 4
Atividades Preferidas Praticadas
% %
Filmes em DVD 20 83
Filmes em TV aberta 14 85
Compras em shopping 10 78
Cinema 8 48
Viajar nos fins de semana 8 49

4
Instituto Datafolha (2008).
5
Regiões Metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, Campinas, Belo Horizonte,Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e
Brasília.

4
Jogos e competições esportivas 7 34
Ir a bares 7 43
Clubes/academias de ginástica 4 25
Danceterias/boates 4 26
Shows/espetáculos 4 40
Restaurantes a lazer 4 nd
Filmes em TV por assinatura 3 24
Teatro 3 21
Exposições 1 27
Nenhum 1 nd
Fonte: Datafolha. “nd” = não disponível.
A primeira coluna mostra qual é a prática preferida, e apenas esta. A segunda coluna
mostra o que é efetivamente praticado. Fica claro que predominam as atividades definidas
por Botelho e Fiore como domiciliares (filmes na TV aberta e DVD), tanto em termos de
preferência quanto de prática efetiva. Como atividades externas as mais praticadas são
compras em shopping, cinema, bares e shows/espetáculos. Outro fenômeno que chama a
atenção é a multiplicidade de práticas dos entrevistados.
Vejamos o caso do cinema, que é freqüentado por 48% dos entrevistados.. Esta
atividade é preferida em relação a teatros, shows de música e casas noturnas, e uma das
razões é o menor preço pago pelo ingresso. O ingresso em salas de cinema é considerado
barato ou muito barato em relação ao teatro por 41% doa entrevistados; em relação aos
shows de música por 53%, e em relação às casas noturnas por 43%. Outras razões são a
segurança dos locais onde estão instalados os cinemas (sobretudo em shoppings), declarada
por 74%, e a facilidade de transporte (declarada por 77%).
Mas se 48% vão ao cinema, os restantes 52% dos entrevistados não têm esse hábito.
As razões apresentadas são as seguintes:
Tabela 5
Razões para não sair de casa %
Falta de tempo 28
Razões financeiras 16
Comodidade de assistir filmes de outra forma 15
Ingresso caro 11
Distância das salas 7
Falta de companhia 7

5
Desinteresse por sair de casa 4
Preferência por ir à igreja 4
Fonte: Datafolha
Estas razões podem ser majoritariamente resumidas sob três variáveis: falta de
tempo, falta de dinheiro (razões financeiras e ingresso caro) e dificuldade de acesso
(comodidade de assistir filmes de outra forma e distância das salas).
Quando perguntados pelas razões pelas quais consideravam ruim o cinema
brasileiro, as respostas dos entrevistados revelam que o produto oferecido não satisfaz seu
gosto:
Tabela 6
Razões para não gostar do cinema nacional %
Filmes são pornográficos ou de vocabulário vulgar 36%
Falta e conteúdo 17%
Pouca criatividade 14%
Cenas violentas 10%
Fonte: Datafolha

2. ANÁLISE
Em trabalho anterior (Sá-Earp, 2002) foi proposto que as variáveis fundamentais da
Economia do Entretenimento eram o tempo livre, a renda disponível e o gosto. Os
resultados estatísticos anteriormente apresentados confirmam que os consumidores
analisados dão alto valor a estes elementos, mas também à facilidade de acesso às salas de
cinema. Convém, portanto acrescentar a acessibilidade como uma quarta variável.
Propomos que o acesso é função da proximidade entre a residência do consumidor e o local
de entretenimento, da facilidade de transporte e da segurança do trajeto. Portanto, o
consumidor escolhe o que fazer a partir de seu gosto, sujeito às restrições de tempo, renda
disponível e acessibilidade.
A maior parte do consumo das atividades de entretenimento é praticada
coletivamente, envolvendo sociabilidade; este fato é de conhecimento comum, destacado,
por exemplo, em um recente blog:

6
“Eu queria muito ir ao cinema., havia uns dois ou três filmes que tinha muita
vontade de assistir. A questão é que queria apenas assistir um filme – e só. Percebi
então, que desde que os cinemas de bairro acabaram nunca mais tinha ido sozinha ao
cinema, talvez as salas de shopping sejam algo que conduzam a se ter uma
companhia. Pensando bem, nunca vi ninguém sozinho numa sala de shopping.”6

A pesquisa do Datafolha confirma esta impressão. No caso do cinema, apenas 8% o


fazem sozinhos, sendo as companhias preferidas amigos (37%), cônjuge (26%),
namorado(a) (27%) e filhos (21%). Como a maior parte dos espectadores vai ao cinema
acompanhado, por isso faz sentido falar de uma unidade consumidora formada por dois
ou mais indivíduos.
Além disso, a prática de uma atividade de entretenimento externa raramente é uma
atividade única, mas parte de uma seqüência, formando um combo de entretenimento. A
pesquisa do Datafolha revela que 70% dos freqüentadores de cinema faz outro programa
antes ou depois de assistir o filme. Supomos que algo semelhante se aplica a outras
atividades de entretenimento.
Existe uma atividade preliminar à principal, que inclui deslocamento até o espaço
de entretenimento, função da facilidade de transporte público ou privado (inclusive
estacionamento), segurança para o deslocamento, algo para fazer enquanto a seção não
começa (olhar vitrines, tomar um café, etc.). E igualmente existe uma atividade posterior à
principal, como a ida a um bar, restaurante, boate, etc.
No caso do cinema, tudo começa com a escolha do filme, levando em conta
preferências por gênero, atores e diretores, dentro da oferta existente no espaço de
entretenimento escolhido. Trata-se de uma negociação nem sempre fácil, que
freqüentemente leva indivíduos a assistirem a gêneros que não escolheriam se estivessem
sozinhos. Isto explica o sucesso de filmes de alcance múltiplo, capazes de satisfazerem a
distintos gostos.
Além disso, e igualmente importante é preciso que haja um acordo entre os
integrantes da unidade consumidora quanto ao combo escolhido (que inclui o pré-filme e o
pós-filme) e qual o espaço de entretenimento aceitável. São restrições importantes as
possibilidades de pré-filme (existe nas proximidades da sala de exibição um

6
Bety Orsini, http://www.globoonliners.com.br/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=383.

7
estacionamento, um café, uma livraria...) e de pós-filme (existe em condições aceitáveis de
acesso restaurantes, bares, casas de espetáculos e dança...).
Existe a concorrência entre combos substitutos, incluindo diversos filmes, pré-
filmes e pós-filmes. Pode-se optar entre um pacote A e um outro pacote B incluindo
cinema. Por exemplo, no Rio de Janeiro o pacote A pode ser formado por um pré-filme
formado por um café no Espaço de Cinema, uma olhada nas duas livrarias do lugar, o filme
de Woody Allen e um pós-filme que inclua uma ida a um dos bares das imediações Em
oposição, o pacote B poderia ter com um café e uma ida a visita às lojas do Shopping
Leblon, o filme de Julia Roberts e depois uma esticada ao Baixo Leblon. Ainda que em
termos de gosto ambas as opções de filme e pré-filme sejam consideradas de mesmo valor
pela unidade consumidora, se a opção for um pós-filme na Lapa, a opção A torna-se mais
atraente, devido ao tempo de deslocamento (em torno de 10 minutos de carro, contra meia
hora para quem se dirigir à Lapa a partir do Leblon).
Por outro lado, existe a possibilidade de que existam combos excludentes. Se a
opção de pós-filme for assistir um show no Claro Hall, todas as opções anteriores de filme
e pré-filme ficam prejudicadas em função da distância a ser percorrida, tendendo a ser
substituídas por pacotes equivalentes na região da Barra da Tijuca.
Desde logo aparece a importância da proximidade das salas de exibição, oferecendo
uma variedade de opções que se encaixem no horário que cada unidade consumidora
reservou para cinema – incluindo um “Plano B” caso não haja ingressos para a primeira
opção. Está é a principal razão para a construção de cinemas com diversas salas e também
de aglomerações de cinemas - clusteres de salas de exibição. Shoppings geralmente
proporcionam tudo o que é necessário para a maioria dos combos – daí serem escolhidos
por 92% dos freqüentadores de cinema entrevistados pelo Datafolha.
Mas o grande concorrente será sempre o combo doméstico. Aqui todos os custos
são reduzidos ao mínimo. Não há problemas de deslocamento, segurança, preços, etc. Os
equipamentos eletrônicos domésticos baratearam e o crédito foi estendido a consumidores
de rendas mais baixas. As locadoras de DVDs proliferam, nas imediações da residência do
consumidor. É crescente o número de condomínios que dispõem de salas de home theater.
O complemento – a TV aberta – está sempre presente para o pré e o pós-DVD. Escolhe-se

8
os amigos que irão participar. E ninguém precisa perder muito tempo se vestindo
especialmente para sua sala de estar.
Em compensação, o ambiente doméstico tem pelo menos dois defeitos. Primeiro, no
caso do cinema, a falta a sala escura, a tela imensa, a sensação de participar do espetáculo.
Segundo, a casa é o espaço da mesmice. Não se reservam emoções inesperadas, salvo em
caso de blackout ou um eventual tombo no banheiro. Falta a possibilidade de encontrar
pessoas inesperadas, de observar fatos inusitados, desde um barraco de um casal até um
desastre de automóvel, para não falar de novas vitrines, novas modas, novos assuntos.
Falta, em suma, a possibilidade do novo. É por isso que, apesar de todos os problemas, as
pessoas preferem continuar indo se entreter na rua – e tendo que escolher entre um cardápio
de opções.

3. À GUISA DE CONCLUSÃO
Os dados proporcionados pelas pesquisas aqui referidas permitem que se tenha uma
primeira aproximação acerca do comportamento dos consumidores de entretenimento no
Brasil. Esperamos que os conceitos e interpretações aqui propostos contribuam para uma
melhor compreensão do fenômeno e provoquem desenvolvimento e contribuições críticas.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
. Botelho, Isaura e Fiore, Maurício (2005). O uso do tempo livre e as práticas culturais na
região metropolitana de São Paulo. São Paulo, Centro de Estudos da Metrópole do
CEBRAP.
. Instituto Datafolha (2008) Hábitos de consumo no mercado de entretenimento. São Paulo:
Instituto Datafolha. Disponível em:
http://sedcmrj.locaweb.com.br/pesquisa/pesquisa_habitos_consumo_agosto2008.pdf
http://sedcmrj.locaweb.com.br/pesquisa/pesquisa_habitos_consumo_qualitativa.pdf

. Sá-Earp, Fabio (2002). Pão e circo. Fronteiras e perspectivas da economia do


entretenimento. Rio de Janeiro: Palavra e Imagem.

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