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CDD: 869.07
Bibliotecário/a: Adriana Souza Machado CRB6-ES nº 572
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CAMPUS VENDA NOVA DO IMIGRANTE
............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) I*
............................................................................................................
Assinatura do Avaliador (a) II*
The present study, based on theoretical texts related to humor and considering the
characteristics of the short story textual genre, analyzes the tale "O Noivo" by Lygia
Fagundes Telles, a writer from São Paulo. Firstyl, we seek to observe and analyze
the fictional story with the intention of describing the characteristics that are present
in the narrative, in order to relate them to the aspects that are attributed to the genre,
since to be considered a short story the text must present in your constitution certain
particularities. Next, the study consists in the investigation of the humorous
passages that are built in the text, with the intention of understanding how Telles
(2009) selects and organizes the humorous sense in his narrative and with which
purpose they are inserted in the tale. In face of the analyses performed, we verified
that the humoristic construction present in Telles (2009) narrative, constituted mainly
by a humoristic break, is used in order to criticize and denounce society with no need
to use foul humor so that its message is understood. Finally, we understand that the
humorous long narrative can be used in the classroom for the formation of critical
citizens.
1. INTRODUÇÃO 6
2. ACERCA DO CONTO 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS 36
1. INTRODUÇÃO
6
Além disso, também buscamos analisar e descrever as características do conto e de
observar como a obra de Telles (2009) pode ser utilizada em sala de aula com o
intuito de que os alunos desenvolvam a partir de sua leitura um olhar mais crítico em
relação à sociedade.
No primeiro capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos a respeito do
gênero textual conto que são baseados nesta pesquisa nos estudos de Cortázar
(2006), Magalhães Júnior (1972) e Moisés (2006). Em seguida apresenta-se uma
breve revisão acerca da escritora Lygia Fagundes Telles e seu percurso literário,
bem como uma análise a respeito das características que se fazem presente no
conto “O Noivo”.
No segundo capítulo, dedicamo-nos ao estudo do humor, contendo subsídios
em relação às pesquisas que foram e estão sendo realizadas para uma melhor
compreensão de sua constituição e as três principais teorias que versam sobre o
humor. Após a explanação em relação ao quadro teórico, analisamos a construção
do enredo humorístico no conto a partir do embasamento teórico de Travaglia
(1992).
No terceiro e último capítulo, propomos uma sequência didática para as
turmas do 3º ano do Ensino Médio com o intuito de que os alunos desenvolvam, a
partir da leitura do conto, um olhar crítico perante a sociedade e que consigam
reconhecer a construção de passagens humorísticas em narrativas mais longas.
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2. ACERCA DO CONTO
1
Filhos de Adão e Eva.
2
Poeta e crítico italiano escritor da obra “Decameron”.
8
que constituem o conto, segundo Magalhães Júnior (1972) o contista ao escrever
não deve se aprofundar na psicologia dos personagens que fazem parte da
narrativa, uma vez que esse fator será explicado ao leitor durante suas ações e
condutas.
Para Cortázar (2006), estabelecer uma definição a respeito do conto é algo
bastante difícil, no entanto, relata que deve ser um texto conciso e breve e que se
constitui como uma batalha entre o escritor e sua própria história. Dessa forma,
Cortázar (2006) realiza uma interessante analogia em relação ao gênero em
questão, para o ficcionista o conto é como um boxeador, visto que apresenta seus
golpes iniciais sem nenhuma pretensão e, que podem parecer insignificantes,
entretanto, seu foco está em um local mais sólido de seu oponente – no caso do
conto, o leitor – na intenção de realizar um nocaute.
As definições encontradas a respeito do conto podem ser variadas, algumas
que conversam entre si e outras nem tanto. Diante disso, Magalhães Júnior (1972)
em seu livro "A história do conto” relembra a definição dada pelo escritor Mário de
Andrade, em que estabelece que uma narrativa é definida como conto pela simples
vontade do autor, ou seja, se um escritor determinar que sua obra é um conto ela
deve ser entendida e classificada dessa forma. Entretanto, segundo Lamas (2002),
para que um texto seja entendido como conto ele deve apresentar certas
particularidades: "[...] algumas fronteiras devem existir, como um núcleo dramático,
uma tensão, um efeito inesperado [...]” (p. 115). Moisés (2006) também afirma que é
necessário que o texto apresente em sua composição alguns aspectos importantes,
que o teórico chama de “unidades do conto”, segundo ele, as unidades são: unidade
de ação; unidade de espaço; unidade de tempo e unidade de tom.
A unidade de ação ou unidade dramática (como também é conhecida) é
estabelecida como as sequências dos atos que são praticados pelos personagens
que constituem o enredo. Deve-se levar em consideração que eles precisam estar
direcionados a um mesmo ponto. Tentando simplificar o entendimento desta
unidade, Moisés (2006) utiliza como exemplo o conto “Missa do Galo” do escritor
Machado de Assis. No conto machadiano, as ações de Nogueira e Conceição
(personagens principais do conto) nos levam a uma conversa na noite de Natal, no
9
conto a unidade dramática é justamente nesse ponto da narrativa, o mais importante
para o conto.
A unidade de espaço deve estar interligada com a unidade de ação, uma vez
que o conflito ocorre em um determinado espaço. Dessa forma, a unidade de
espaço pode ser entendida como o lugar em que os personagens circulam dentro
da narrativa. Moisés (2006) afirma que esse espaço sempre vai ser um local restrito,
ou seja, uma casa, uma rua. Entretanto, em alguns contos pode-se perceber que os
personagens se movimentam dentro da trama criada pelo contista, a mudança de
ambiente pode estar relacionada com o conflito que foi criado, sendo uma
consequência do que acontece com os personagens durante o conto.
Na unidade de tempo, os acontecimentos do conto não devem apresentar um
longo lapso de tempo, uma vez que essa característica é destinada ao gênero
textual romance, diante disso, o conflito deve acontecer em questões de horas ou
até mesmo dias, desde que não se prolongue muito, pois, o futuro do personagem
não apresenta nenhum tipo de interesse nesse gênero textual. Por fim, a unidade de
tom é a funcionalidade de cada palavra presente no conto (MOISÉS, 2006). Nesse
caso, cada palavra ou expressão utilizada para compor a história do conto
apresenta sua importância, uma vez que a retirada ou a mudança de uma
determinada palavra pode ocasionar na narrativa um desequilíbrio no entendimento
da obra e também em sua estrutura.
As unidades do conto estão intimamente relacionadas também a algumas
características importantes do gênero e que devem ser compreendidas. A primeira
delas diz respeito aos personagens que compõem a narrativa. Com a presença das
unidades de ação, espaço, tempo e tom a quantidade de personagens se torna
reduzida, sendo que o contista vai criar um personagem plano, pois, vai focar em
seu lado dramático e imobilizar, assim, sua personalidade. A estrutura do texto deve
ser paralela à quantidade de personagens e também com as unidades, diante disso,
deve ser objetivo, para Cortázar (2006) o contista “[...]não pode proceder
acomulativamente, que não tem o tempo por aliado; seu único recurso é trabalhar
em profundidade, verticalmente, seja para cima ou para baixo do espaço literário”
(p. 152). Assim como a estrutura, a linguagem presente no conto deve se
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apresentar de forma objetiva para que durante a leitura o leitor tenha uma
compreensão imediata do sentido que o texto busca trazer.
Desde as suas primeiras manifestações o conto vem passando por grandes
mudanças, Lamas (2002) acredita que mesmo com as mais variadas modificações
que aconteceram em sua narrativa uma importante característica se mantém desde
seus primórdios, a revelação. Além disso, a autora destaca que nos contos
podemos encontrar uma maior flexibilização de sua narrativa, deixando de lado sua
forma rígida de contar histórias. Com isso, afirma que o gênero conto ainda é uma
questão em aberto no mundo literário, pois contar é algo natural do ser humano,
sendo insubstituível.
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do Baile Verde (1970); Seminário dos Ratos (1977); Filhos Pródigos (1978),
republicado com o título A estrutura da Bolha de Sabão (1991), Mistérios (1981), A
Noite escura e mais Eu (1996), Invenção e Memória (2000). Romances: Ciranda de
Pedra (1954); Verão no Aquário (1963); As Meninas (1973); As Horas Nuas (1989).
Segundo Lucas (1990), a escrita de Lygia Fagundes Telles apresenta fortes
características da geração de 45. Essas características se relacionam intimamente
com o ambiente cultural que predominava nesse período, diante disso, as obras da
escritora são marcadas por temas de cunho existencialistas, entretanto, podemos
encontrar também traços que derivam do surrealismo e do expressionismo. Para
Lamas (2002), a escritora é a representante de uma vertente realista que é
denominada por ela como intimista-existencialista, uma vez que procura em seus
textos fragmentar a consciência humana e também por se aprofundar no
inconsciente dos personagens que compõem suas narrativas.
Os contos que são escritos por Telles possuem a característica de englobar
as mais diferentes temáticas, os temas escolhidos pela escritora sempre abarcam
situações que acontecem no dia a dia e é a partir desse momento que vai evoluindo
para situações fantásticas e sobrenaturais. Em relação a isso, Lamas (2002) afirma
que as narrativas de Telles
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feita de forma subjetiva e introspectiva, pois, dessa forma, o enredo dos contos vai
ser centrado nos dramas internos que serão vivenciados pelos personagens.
Lucas (1990) destaca ainda que a narrativa de Lygia Fagundes Telles é
construída de forma cautelosa e o cuidado da autora na escrita de seus contos
busca causar no leitor um grande impacto. Além disso, a atenção que a autora
coloca em suas narrativas podem ser percebidas nas combinações narrativas que
são realizadas durante a trama. Um dos contos que podemos encontrar a cautela da
autora durante seu enredo é o conto “O Noivo” que entrelaça suas narrativas com o
intuito de surpreender seu leitor.
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Lucas (1990), ao teorizar sobre os personagens que constituem os contos de
Telles, afirma que os personagens masculinos normalmente não possuem o mesmo
grau de profundidade que encontramos nas personagens femininas, diante disso, a
figura masculina é apresentada em seus contos como símbolo de poder, ou seja,
possuem uma boa condição financeira e status social. Em “O Noivo”, essa
característica não é diferente, visto que Miguel – personagem principal da trama –
possui uma profissão bastante respeitada “[...] meu nome é Miguel, advogado,
quarenta anos, trabalho na Goldsmith[...]” (TELLES, p. 138, 2009) e que lhe garante
um bom status perante a sociedade. Além disso, pode-se perceber essa
característica quando falamos de Emília, empregada que trabalha na casa de
Miguel, uma vez que apenas famílias que possuem uma boa condição financeira
são capazes de manter uma empregada doméstica em suas casas.
No conto, grande parte da narrativa se passa na casa de Miguel, mais
precisamente em seu quarto, “[...]ele recostou a cabeça no espaldar da cama”
(TELLES, p. 134, 2009) “[...]como é que você se atrasou desse jeito? Descalço de
pijamas!...” (TELLES, p. 142, 2009). Moisés (2006), em seus estudos sobre o conto
afirma que durante a narrativa o personagem tende a ocupar apenas um espaço, no
entanto, pode-se perceber em alguns contos que eles se movimentam entre
diferentes espaços, isso ocorre segundo o teórico para que o conflito principal da
história seja resolvido. No conto de Telles (2009) pode-se perceber que Miguel
transita por outros espaços (quarto, carro, igreja) para que o conflito principal da
trama seja resolvido. Além de seu quarto, ele passa pelo espaço que se dá carro de
Frederico3 “A igreja é longe? Estamos diante dela – disse Frederico arrefecendo a
marcha do carro. Limpe esse corte que está sangrando, fique com meu lenço”
(TELLES, p. 143, 2009). Na parte final da trama o cenário muda para a igreja em
que vai se casar “num andar autômato, Miguel foi caminhando em meio aos
convidados que se agitaram, farfalhantes” (TELLES, p. 144, 2009).
Lamas (2002) observa que o espaço ocupado pelo personagem não constitui
um fator determinante para a narrativa da escritora, visto que toda ação presente no
3
Amigo de Miguel que aparece apenas na parte final do conto no intuito de levá-lo para seu
casamento.
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conto é vivido de forma interna pelo personagem, ou seja, é uma luta em sua
interioridade. Nesse caso, Miguel passa por uma luta interna para tentar se lembrar
de seu casamento “[...] não tenho nenhum casamento marcado para hoje” (TELLES,
p. 134, 2009) “[...] para o casamento, a Emília não avisou? Hora do casamento, está
na hora do casamento!” (TELLES, p. 136, 2009). Dessa forma, após se recordar de
que realmente estava prestes a casar, o personagem passa por uma luta interna
para tentar recordar quem seria sua noiva “[...]Emília sabe, pergunto a ela! Mas
perguntar, como? Emília, qual é o nome da minha noiva? Ridículo. Ridículo"
(TELLES, p. 139, 2009).
Outra característica que se pode perceber no conto escrito por Lygia
Fagundes Telles é referente à narração do texto. Isso ocorre, segundo Lamas
(2002), pois no conto a narrativa que se faz presente é a heterodiegética, que
consiste no narrador sob duas perspectivas, a primeira é a presença do narrador da
história “As batidas na porta eram suaves. Mas insistentes. Ele abriu os olhos.
Sentou-se na cama” (TELLES, p. 134, 2009) e a segunda forma de narração
encontrada no conto são momentos em que o próprio personagem se expressa
“Perdi a memória. Perdi a memória” (TELES, p. 138, 2009).
Com a leitura do conto “O Noivo” de Lygia Fagundes Telles pode- se concluir
que a escritora utiliza o esquecimento de Miguel em sua narrativa como um artifício
para prender a atenção de quem está lendo o conto. Pois, a amnésia retratada na
trama faz com que o leitor tente descobrir de que forma o personagem principal irá
resolver o conflito em que está inserido, além de se questionar se seu esquecimento
irá perdurar por todo o conto ou se ele irá se lembrar em algum momento. Além
disso, outro fator que mantém o leitor atento à narrativa é em relação à noiva
misteriosa de Miguel, no entanto, a dúvida ainda fica no ar, uma vez que esse
mistério não é revelado ao final do conto, ficando, assim, uma lacuna na história,
visto que uma das expectativas que o enredo levanta é a tentativa de saber sobre a
futura esposa do personagem principal.
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3. O HUMOR E SUA CONSTRUÇÃO.
4
A “Enciclopédia de Estudos sobre o Humor”, publicada em 2014, foi organizada pelo linguista
Salvatore Attardo e reúne 335 verbetes em dois volumes que foram escritos por 214 colaboradores
de diferentes áreas do saber.
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Em seu artigo História Cultural do Humor: Balanço Provisório e Perspectivas
de Pesquisas, Saliba (2017), destaca que Robert Provine, pioneiro no campo de
pesquisa relacionado ao riso, ao perceber o progresso das investigações que
estavam em curso, utilizou-as como base em suas pesquisas. Desse modo, o
pesquisador partiu da suspeita que o riso na verdade não apresenta sua origem nas
piadas que são contadas ou no humor. O pesquisador afirma que o riso passa a ser
estabelecido durante o momento em que buscamos algum tipo de interação social.
Assim, estabelece esse resultado, pois acredita que a chance de rir se torna muito
maior quando estamos acompanhados por outras pessoas, sendo que diminuem
consideravelmente quando nos encontramos sozinho, sem nenhuma companhia.
Por tanto, diante dos estudos realizados por Robert Provine, Saliba (2017) atesta
que "[...] o riso não seria apenas uma reação física instintiva relacionada ao humor
[...] exerceria, sobretudo, uma função de explorar uma forma instintiva de criar laços
sociais” (SALIBA, p. 4, 2017)
Contudo, Saliba (2017) expõe que as pesquisas realizadas não se limitaram
apenas aos estudos particulares de Provine, uma vez que elas serviram como base
para novas investigações e foram, dessa forma, expandidas pelos pesquisadores
Matthew M. Hurley, Daniel Denett e Reginald Adams Jr. em seu livro intitulado
"Inside jokes: using humor to reverse-engineer the mind" que a utilizaram em
conjunto com outras áreas do saber que se dedicam ao estudo do humor. A
pesquisa realizada pelos cientistas, segundo Saliba (2017), propõe que o cérebro
humano é como um computador e o riso, nesse caso, é tido como um simples
algoritmo que é utilizado para que seja desempenhado uma função de recompensa.
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mantenham de forma íntegra. Dessa forma, os pesquisadores afirmam que a alegria
é uma emoção especial e que só pode ser encontrada no cérebro humano. Em suas
investigações, a Paleohumorologia sustenta que existe uma alta probabilidade do
riso ter surgido antes mesmo dos seres humanos começarem a falar, uma vez para
esse campo de pesquisa “[...] o riso provém da parte mais antiga do cérebro, a
mesma que seria responsável por emoções primordiais [...]” (SALIBA, p.7, 2017).
Outra área do conhecimento que abrange pesquisas sobre a constituição do
humor é a neurociência. Suas investigações mostram que as reações humorísticas
constituem um enfrentamento psicológico, o cérebro utiliza essas reações para que
conflitos da psique sejam resolvidos. Segundo as pesquisas, o humor que será
utilizado para que o conflito seja resolvido não precisa aparecer necessariamente
como uma piada, uma vez que eles fazem parte da vida humana.
Para Saliba (2017), as investigações apresentadas pelas mais diversas áreas
do saber possuem seus resultados com uma forma de compreensão limitada, pois,
apresentam uma aproximação maior com as circunstâncias que provocam o riso do
que com o que causa o humor. Segundo Carmelino e Figueiredo (2009), o humor é
visto
Saliba (2017) afirma que o humor não pode ser entendido apenas como uma
técnica utilizada para produzir o riso, uma vez que deve ser compreendido também
como uma forma de avaliar de que modo as sociedades se representam.
Quando se trata de estabelecer as definições sobre o humor, pode-se
encontrar as mais variadas teorias. No entanto, quando investigações sobre o tema
são iniciadas, os pesquisadores utilizam como base para seus estudos três teorias
consideradas essenciais para compreender o humor que são: a Teoria da
Superioridade, a Teoria do Alívio e a Teoria da Incongruência.
Na Teoria da Superioridade, o humor é gerado pelo sentimento de
superioridade que sentimos em relação ao outro. Nesse caso, o discurso sobre o
18
outro pode conter tons de “[...] hostilidade, malícia, agressão e menosprezo [...]
aspectos negativos e pejorativos que caracterizam o riso [...]” (SALIBA, p.14, 2017).
Essa forma de utilizar o humor para estabelecer uma relação de superioridade pode
ser vista com bastante frequência em muitas piadas que possuem um conteúdo
étnico ou de gênero, uma vez que normalmente elas são utilizadas para buscar
estabelecer uma tentativa de acreditar que um grupo de indivíduos é melhor do que
o outro. Entretanto, é importante ressaltar que a teoria da superioridade nem
sempre estará atrelada à tentativa de utilizar o humor de forma negativa, pois
O humor pode ser visto como uma vantagem competitiva, ou seja, uma
forma de dizer ao inimigo que também é tão forte quanto ele, sobretudo
quando a superioridade não se dá apenas pelo aspecto físico da força, mas
também pela inteligência e esperteza. (SALIBA, p. 14, 2017)
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piadas. O pesquisador ressalta que Raskin estabelece as piadas como textos
humorísticos não confiáveis, no entanto, é necessário que o sentido confiável esteja
presente, uma vez que será nessa oposição de sentidos que o leitor vai encontrar o
humor presente no texto.
Gil (1995) destaca que nas piadas o humor acontece “[...] quando se
quebram regras preestabelecidas, quando se transgridem as normas linguísticas e
sociais.” (p.111). Para Possenti (2001), “[...] as piadas fornecem simultaneamente
um dos melhores retratos dos valores e problemas de uma sociedade[...]” (p.1),
além de ser um importante suporte para os estudos sobre como funciona a língua e
se tornando um terreno extremamente fértl para a produção do sentido humorístico.
Segundo Gil (1995), o humor presente nas piadas é compreendido quando
entendemos que sua composição apresenta um antecedente, um consequente e um
mediador. O elemento mediador pode ser entendido como um gatilho que vai ser
responsável por auxiliar na passagem de um elemento a outro e que pode ser
produzido por um mecanismo linguístico que está presente no texto. Com relação às
piadas e seus diferentes sentidos, Possenti (2001) argumenta que o mecanismo que
está presente na base da anedota é o duplo sentido, contudo, é necessário ter
cautela, pois ele pode aparecer de diferentes formas. Além do duplo sentido citado
por Possenti, Gil (1995), seleciona alguns mecanismos que também podem
proporcionar a construção do humor nas piadas – a autora seleciona apenas oito,
uma vez que os mecanismos linguísticos de construção do humor são variados –
eles são: a onomatopeia; a rima; a comparação; a intensificação; a inversão
sintática; a homonímia; a polissemia e a impropriedade.
Para além dos textos o humor também pode ter sua constituição analisada
através de programas de televisão. Nesse sentido, Travaglia (1992) investigou em
seu artigo O que é engraçado? Categorias do risível e o humor brasileiro na
televisão a construção humorística a partir de diferentes programas de TV. Em suas
pesquisas, após analisar os mais diferentes programas humorísticos o teórico
encontra seis categorias responsáveis pela construção do humor, segundo
Travaglia, essas categorias são: humor quanto a forma de composição; objetivo do
humor; humor quanto ao grau de polidez; humor quanto ao assunto; humor quanto
ao código e o que provoca o riso.
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Na primeira categoria, Travaglia (1992) relata que o humor em relação a sua
composição pode ser descritivo, narrativo ou dissertativo. Para que o humor seja
considerado descritivo o riso deve ser provocado pelos trejeitos do personagem
(sua caracterização) como é o caso de Dona Bela, personagem que compõe o
elenco da "Escolinha do Professor Raimundo”. Na composição narrativa, o riso vai
ser causado pelo o que ocorre em cena. Na composição dissertativa, o que constrói
o humor são as ideias que são apresentadas ao público que acompanha o
programa.
A segunda categoria relaciona o objetivo pelo qual o humor é construído. O
autor a subdivide em outras quatro categorias: O riso pelo riso, em que o humor
teria como função principal provocar a diversão, fazer com que as pessoas riem; Na
liberação, o humor não pode ser entendido apenas como uma simples forma de
escape, para Travaglia, nesse caso o humor apresenta um caráter
sócio-psicológico. O terceiro objetivo do humor é a crítica social que é utilizada
como forma de mostrar os absurdos que acontecem e com o intuito também de
desejar mudanças na sociedade. A última subcategoria referente ao objetivo do
humor é a denúncia, que consiste em criticar alguns comportamentos que ocorrem e
são muitas vezes incentivados pela sociedade.
Na terceira categoria, Travaglia (1992) faz referência ao discurso, ou seja, as
palavras e expressões que são utilizadas. O autor destaca que se pode encontrar: o
humor de salão, que consiste em uma linguagem mais refinada, nobre; o humor sujo
ou pesado, nesse caso, podemos encontrar uma linguagem que apresenta muitos
palavrões e com termos que são de conhecimento de todos; o humor médio,
segundo Travaglia (1972), é o meio termo entre o humor de salão e o humor
pesado, ele acaba por ficar no meio do caminho.
A quarta categoria do humor refere-se ao assunto que está sendo tratado.
Segundo o autor, esse tipo de construção humorística apresenta quatro
subcategorias. Na primeira temos o humor negro que é realizado de maneira
agressiva e que abarca situações trágicas que a sociedade tenta esquecer. A
segunda subcategoria é o humor sexual que sempre vai retratar algum fato que está
ligado ao sexo. A terceira subcategoria é delimitada pelo humor social uma forma de
criticar características de determinados grupos sociais, seus costumes e atitudes.
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Por fim, a quarta subcategoria refere-se ao humor étnico, nesse caso, o humor é
construído com base nas características que, podem ser tanto atribuídas, quanto
reais de um determinado povo.
Na quinta categoria, Travaglia (1992) destaca duas formas para que o humor
aconteça. O humor verbal ou linguístico em que está relacionado ao que é escrito
ou ao que é dito e o humor não-verbal, nesse caso, o humor está associado a
outros tipos de código que pode ser: a situação, os gestos, a caracterização, os
movimentos, as expressões, os ruídos e os objetos.
Na sexta categoria podem-se encontrar alguns elementos que o autor
considera provocar o riso. Para Travaglia (1992), os elementos expostos por ele não
podem ser considerados totalmente humorísticos, uma vez que não apresentam
somente esse uso. Os elementos são divididos em dois grupos que são chamados
de: script e mecanismo. No grupo do script, os elementos que provocam o riso são:
estupidez; esperteza/astúcia; ridículo; absurdo e mesquinhez. No grupo dos
mecanismos temos: a cumplicidade; a ironia; a mistura de lugares sociais ou
posições de sujeito; a ambiguidade; o uso de estereótipo; a contradição; a sugestão;
a descontinuidade de tópico ou quebra de tópico; a paródia; o jogo de palavra; a
quebra-língua; o exagero; o desrespeito a regras conversacionais; as observações
metalinguísticas; a violação de normas sociais e o lugar social.
As categorias analisadas por Travaglia (1992), mesmo que utilizadas para
estudar a construção do humor na televisão, também podem ser utilizadas como
base para analisar o humor em textos verbais escritos. Dessa forma, levando em
consideração os estudos realizados pelo teórico, as categorias: humor quanto a
forma de composição; objetivo do humor; humor quanto ao grau de polidez; humor
quanto ao assunto e o humor quanto ao código foram utilizadas para analisar o
conto “O Noivo” da escritora Lygia Fagundes Telles. Na tabela abaixo, encontram-se
as cinco categorias de Travaglia (1992) utilizadas para analisar o conto e as
subcategorias que estão presentes na narrativa para a construção do humor.
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CATEGORIAS DO HUMOR SEGUNDO TRAVAGLIA
CATEGORIAS NO
CONTO “O NOIVO”
Descritivo
Humor quanto à forma de
composição Narrativo Narrativo/Descritivo
Dissertativo
Liberação
Objetivo do humor Crítica
Crítica Social Social/Denúncia
Denúncia
Humor de salão
Humor quanto ao grau de
polidez Humor sujo ou pesado Humor de salão
Humor médio
Humor negro
Humor sexual
Humor quanto ao assunto Humor social
Humor social
Humor étnico
Verbal ou linguístico
Humor quanto ao código Verbal
Não-verbal
Quadro 1: Categorias e subcategorias responsáveis pela construção do humor para Travaglia
(1992) e sua associação com o conto “O Noivo”.
23
p.134, 2009). Além da subcategoria narrativa, pode-se notar no texto a construção
do humor de maneira descritiva, uma vez que o personagem Miguel descreve seus
chefes do escritório de advocacia como “chatos” que pode ser entendida como uma
maneira engraçada de se referir a alguém, como poder ser visto no trecho
“Estou ótimo, nunca estive tão em forma, sei tudo, lembro tudo, meu nome é
Miguel, advogado, quarenta anos, trabalho na Goldsmith e Pedro é meu
chefe, são chatos mas ganho bem [...]” (TELLES, p.138, 2009)
24
Nesse sentido, podemos concluir que a escritora utiliza o enredo humorístico
em sua obra para realizar diferentes críticas à sociedade com o intuito de fazer com
que seus leitores reflitam sobre as temáticas abordadas durante a narrativa, sendo
que sua utilização vai além de apenas provocar o riso. Com isso, pode-se
compreender que o planejamento e construção do sentido humorístico requer do
escritor elementos necessários para que seu objetivo seja alcançado.
25
que estava sendo elaborado, sendo que deve ocorrer no final do texto; e a
intertextualidade é a presença de outros textos durante a narrativa.
Segundo Silveira (2019), Attardo destaca que a compreensão do enredo
humorístico é complexa, desse modo, para melhorar seu entendimento o subdividiu
em cinco classificações, a saber: narrativas similares a piadas; enredo
metanarrativo; enredo com fabular humorística; enredo com fabulae séria; e
rompimento humorístico e ilusão realística.
Na primeira classificação, narrativas similares a piadas, o texto precisa de um
elemento surpresa – que também é concebido por Attardo como um elemento de
interrupção – para que seja finalizado, visto que será ele que caracteriza a narrativa
como uma piada ou similar; no enredo metanarrativo, segunda classificação do
enredo humorístico, as convenções narrativas serão manipuladas para que o efeito
humorístico seja construído; na classificação enredo com fabulae humorística, a
narrativa não tem a obrigação de ser finalizada com um elemento surpresa, pois o
enredo pode ser constituído de outros mecanismos responsáveis pela produção do
humor e devido a isso são considerados humorísticos; na quarta classificação,
enredo com fabulae séria, o texto pode apresentar uma narrativa humorística,
entretanto, ela é escondida pela seriedade da história o que acaba ocasionando o
enfraquecimento do humor; no rompimento humorístico e ilusão realista, última
classificação de Attardo, a narrativa é considerada séria e que em determinados
momentos vai acontecer uma quebra de sua seriedade para a construção de uma
passagem humorística, nesse caso, o texto não é considerado engraçado.
Silveira (2019) ressalta diante das classificações de Attardo que a abordagem
referente ao enredo humorístico ainda é muito breve e que necessita de novos
estudos e análises para que haja uma melhor definição a respeito de sua temática.
Em relação a construção do enredo humorístico, o conto de Lygia Fagundes
Telles, pode ser definido – segundo as categorias de Attardo – como rompimento
humorístico e ilusão realista, uma vez que a narrativa é considerada séria. Contudo,
a escritora também utiliza em seu conto outros mecanismos para a construção do
humor, como é o caso dos gatilhos humorísticos e o elemento surpresa. A utilização
das passagens humorísticas na narrativa se deve para que haja uma quebra na
seriedade que está sendo contada. Essa quebra é uma característica bastante
26
comum em outras produções de Telles. Diante disso, o quadro abaixo ilustra como
ocorre a construção do enredo humorístico no conto “O Noivo”.
TRECHO TÉCNICA
27
Goldsmith e Pedro é meu chefe, são
chatos mas ganho bem [...]” (p.138)
“[...] Era evidente que ela não podia Rompimento humorístico e Ilusão
gostar da ideia de vê-lo casado, realística.
nenhuma empregada quer ter de
repente uma patroa ” (p.140)
28
4. O CONTO DE LYGIA FAGUNDES TELLES E O ENSINO
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4.2 Sequência didática: O conto “O Noivo” em sala de aula
AULA 1:
I. Dados de Identificação:
Escola: ___________________________________________________________
Professor (a): ______________________________________________________
Disciplina: Língua Portuguesa
Série: 3º ano E.M
II. Tema:
III. Objetivos:
Objetivos específicos:
● Compreender as características do gênero conto;
● Analisar e identificar na obra de Lygia Fagundes Telles os aspectos de sua
escrita e as características do gênero textual conto;
IV. Conteúdo:
V. Desenvolvimento do tema:
Para uma melhor compreensão da teoria que será trabalhada a aula pode ser
dividida em dois momentos:
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que o leitor deve ficar atento para uma melhor compreensão de sua
narrativa. Desse modo, selecione as características principais que
constituem o gênero e explique para os alunos, como por exemplo: os
personagens, o tempo, o espaço, etc.
3. Primeira leitura do conto: será feita de forma coletiva para que os alunos
possam encontrar no texto e posteriormente debater quais aspectos
marcantes da escrita de Lygia podem ser encontrados no texto.
VII. Avaliação:
VIII. Bibliografia:
TELLES, Lygia Fagundes. O Noivo. In: Meus Contos esquecidos. 1ºed. Rio de
Janeiro: JPA, 2009.
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AULA 2:
I. Dados de Identificação:
Escola: ___________________________________________________________
Professor (a): ______________________________________________________
Disciplina: Língua Portuguesa
Série: 3º ano E.M
II. Tema:
III. Objetivos:
Objetivos específicos:
● Ler e analisar o conto “O Noivo” buscando encontrar passagens
humorísticas que a escritora constrói durante a sua narrativa;
IV. Conteúdo:
● Leitura do conto;
● Localizar passagens humorísticas;
V. Desenvolvimento do tema:
A segunda aula da sequência didática será utilizada para que os alunos façam
uma leitura individual de “O Noivo”. A leitura coletiva realizada na 1º aula fez com
que tivessem um primeiro contato com o texto e sua narrativa, desse modo, já
estão cientes da temática utilizada pela escritora. A leitura individual fará com que
os alunos tenham um olhar mais atento para a trama e, além disso, de encontrar
algumas passagens humorísticas que estão presentes no conto.
Após a leitura os alunos peçam aos alunos que grifem as partes do texto que
consideram como humorístico, para em um segundo momento conversar sobre o
motivo de um determinado trecho ser considerado assim em sua visão.
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VI. Recursos didáticos: Conto “O Noivo”, Quadro, Pincel.
VII. Avaliação:
VIII. Bibliografia:
TELLES, Lygia Fagundes. O Noivo. In: Meus Contos esquecidos.1º ed. Rio de
Janeiro: JPA, 2009.
AULA 3:
I. Dados de Identificação:
Escola: ___________________________________________________________
Professor (a): ______________________________________________________
Disciplina: Língua Portuguesa
Série: 3º ano E.M
II. Tema:
III. Objetivos:
Objetivos específicos:
IV. Conteúdo:
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V. Desenvolvimento do tema:
“[...] Estava ficando muito velha, coitada, “[...] Era evidente que ela não podia
aquilo era arteriosclerose, imagine, vir gostar da ideia de vê-lo casado,
batendo na porta daquele jeito, “Hora do nenhuma empregada quer ter de
casamento!...” [...]” (p.134) repente uma patroa ” (p.140)
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VI. Recursos didáticos: (quadro, pincel, papel)
VII. Avaliação:
VIII. Bibliografia:
TELLES, Lygia Fagundes. O Noivo. In: Meus Contos esquecidos.1º ed. Rio de
Janeiro: JPA, 2009.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
GIL, Célia Maria Carcagnolo. Humor: alguns mecanismos linguísticos. Alfa. São
Paulo. 39: 111-119. 1995
MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa I. Editora Cultrix. São Paulo. 2006
POSSENTI, Sírio. O humor e a língua. Ciência Hoje. vol.30, n.176, p. 72-74, out.
2001
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VIANA, Maria José A. Os (des)enredos do amor: a narrativa do fracasso
amoroso em contos de Lygia Fagundes Telles. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal do Pará. Belém. 2010
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