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BIOQUÍMICA

CLÍNICA

Ana Daniela Coutinho Vieira


Métodos de análise
em bioquímica
clínica
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as principais diferenças entre os tipos de equipamentos presentes


em grandes e pequenos laboratórios.
>> Reconhecer a importância dos TLRs no diagnóstico clínico.
>> Diferenciar os princípios básicos de instrumentação utilizados em algumas
análises bioquímicas.

Introdução
A automação laboratorial deixou de ser apenas uma tendência distante e restrita
em grandes laboratórios e passou a fazer parte dos estabelecimentos de análises
clínicas em diversos níveis. Por isso, é imprescindível que os analistas conheçam os
princípios e os fundamentos das principais metodologias utilizadas e os processos
gerais envolvidos nesses equipamentos.
Neste capítulo, você vai aprender sobre os métodos laboratoriais mais utilizados
na bioquímica clínica, explorando seus diferenciais e suas bases teóricas. Além
disso, será possível compreender que as diferentes necessidades e os contextos
laboratoriais influenciam diretamente a escolha do equipamento mais adequado
para o laboratório, levando em conta, principalmente, sua capacidade técnica e
financeira. Por fim, vai entender o que são os testes laboratoriais remotos (TLRs),
de que forma estão inseridos na medicina diagnóstica e se eles se correlacionam
com as demais funções laboratoriais.
2 Métodos de análise em bioquímica clínica

Automação bioquímica em laboratórios


de pequeno e grande porte
Atualmente, os laboratórios de análises clínicas abrangem estabeleci-
mentos de variados tamanhos/portes, desde os que realizam apenas
testes mais básicos e com pouca automação (assegurados pelo enca-
minhamento de amostras mais complexas para centros de referência)
até aqueles altamente automatizados (com capacidade para executar
um leque maior de exames, em diferentes níveis de complexidade). Em
qualquer um desses cenários, a necessidade de realizar testes com
resultados cada vez mais rápidos e com menores taxas de erros exige
uma constante modernização dos protocolos e equipamentos utilizados
no laboratório (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012;
RECOMENDAÇÕES..., 2019).
Por abranger um fluxo bastante considerável de exames e testes por
dia, o setor de bioquímica foi um dos primeiros a receber automação e
tem se modernizado constantemente. Essa atualização permite uma maior
interação entre os diferentes setores laboratoriais por meio do comparti-
lhamento de tecnologias, como os equipamentos que são úteis tanto para
testes de bioquímica quanto de imunologia, por exemplo. Esse sistema
de plataformas unificadas é uma tendência cada vez mais presente. Tais
mudanças são possíveis, em parte, pelo progresso na triagem e nos cuida-
dos da etapa pré-analítica, por intermédio de protocolos e de automações
que possibilitam um maior rastreamento e uma melhor setorização das
amostras, bem como pela integração de diferentes analisadores analíticos
em um mesmo sistema laboratorial, com interfaceamento automático de
resultados e informações geradas pelo laboratório, incorporando as fases
pré-analítica, analítica e pós-analítica (MCPHERSON; PINCUS, 2012; XAVIER;
DORA; BARROS, 2016).
A Figura 1 apresenta o fluxo da rotina laboratorial, desde a necessidade
da solicitação médica de um exame, passando por todas as suas fases
de execução, até gerar um resultado que irá guiar uma conduta clínica.
É possível notar que esse processo é bastante minucioso e exige a inte-
gração de diferentes etapas, profissionais e tecnologias (MCPHERSON;
PINCUS, 2012).
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Figura 1. Fluxo laboratorial de produção de resultados. ALT: Automação Laboratorial Total.


Fonte: McPherson e Pincus (2012, p. 15).

A ALT não é uma realidade na maioria dos estabelecimentos devido


ao seu alto custo de investimento e à necessidade de haver espaço
estrutural para a instalação dos equipamentos (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009;
MCPHERSON; PINCUS, 2012). Apesar disso, é importante saber que já existem
variadas plataformas disponíveis para a integração e a automação do processo
laboratorial em sua quase totalidade, como é o caso do Sistema Aptio, da
Siemens®. Para saber mais, assista ao vídeo “Siemens Aptio Automation” no
canal Alaa Aljehani/ Laboratory Tech no YouTube.

Cada vez mais os laboratórios investem em analisadores automatizados


individuais, em sistemas de processamento de informações (SIL — sistema de
informações laboratoriais) e, em alguns casos, em processadores pré-analíticos.
O grau de automação de um laboratório tem a influência direta das necessi-
dades locais relacionadas à complexidade dos exames solicitados, ao público
atendido (ambulatorial, hospitalar) e, principalmente, à realidade financeira
da empresa. Por isso, laboratórios de menor porte ou que não comportam tais
tecnologias muitas vezes se limitam ao SIL e a analisadores automatizados ou
semiautomatizados de acordo com a sua rotina e fluxo de exames (BISHOP;
FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012; RECOMENDAÇÕES..., 2019).
4 Métodos de análise em bioquímica clínica

A utilização de automação na etapa analítica já gera um enorme ganho em


questão de tempo de execução e padronização, pois a maioria dos analisadores
bioquímicos executa a análise desde a etapa de leitura de códigos de barra
nos tubos de amostra, passando por pipetagem, manipulação de reagentes,
incubação, leitura de reação, cálculos e transmissão de resultados (MCPHER-
SON; PINCUS, 2012). É importante salientar que os processos automatizados
não estão livres de falhas e erros e, portanto, juntamente com a utilização
desses analisadores, é necessário que os laboratórios conduzam rigorosos
processos internos e externos de controle de qualidade. Uma das principais
formas de verificação dos processos é a utilização de soros controle, ou
seja, usam-se amostras com valores de analitos já conhecidas, por meio das
quais o analista pode acompanhar o desempenho dos testes executados no
laboratório. Além disso, outros dois pontos focais para a continuidade dos
padrões de qualidade dos exames realizados são as manutenções corretivas
e preventivas e a correção de possíveis falhas analíticas pela calibração dos
equipamentos (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Testes laboratoriais remotos


Os TLRs (ou POCTs — point-of-care testing) são exames realizados fora do
ambiente físico laboratorial. Trata-se de testes rápidos que fazem uso de
metodologias simples e de fácil execução. Esses testes são realizados pró-
ximos ao paciente, muitas vezes em casa ou em estabelecimentos de saúde,
como hospitais, unidades emergenciais, farmácias, clínicas especializadas e
consultórios médicos ou em campanhas de saúde (ANDRIOLO, 2019; RECOMEN-
DAÇÕES..., 2019). O desenvolvimento de TLRs teve como objetivos principais:
atender às necessidades de atendimento do paciente em unidades de saúde
móveis ou distantes, possibilitar o diagnóstico em estudos de levantamento
epidemiológicos, proporcionar a realização de triagens e atender às aspirações
de automonitoração de pacientes com doenças crônicas. A grande vantagem
desse tipo de teste é a possibilidade de usar uma pequena quantidade de
amostra, geralmente sangue total ou urina, sem a necessidade de tratamentos
prévios, como a centrifugação. Isso permite que os resultados sejam gerados
rapidamente, diminuindo, assim, o turnaround time, ou seja, o tempo de
retorno. Esses testes utilizam variadas metodologias, como reações enzimá-
ticas, imunológicas e eletroquímicas, e podem ser realizados em aparelhos
portáteis, dispositivos imunocromatográficos, tiras reagentes, com cartões
ou até mesmo sistemas eletrônicos (ANDRIOLO, 2019).
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Um exemplo clássico de TLR são os testes de glicemia capilar que uti-


lizam uma pequena quantidade de sangue total para mensurar os níveis
de glicose sérica e são muito úteis aos pacientes diabéticos que realizam
o monitoramento desses níveis. Recentemente foram criados dispositivos
mais modernos que têm a possibilidade de mensurar os níveis glicêmicos por
meio de sensores subcutâneos conectados a dispositivos capazes de injetar
insulina, em caso de necessidade. Esse tipo de produto, porém, ainda não é
tão difundido quanto os clássicos glicosímetros (RECOMENDAÇÕES..., 2019).
Outra aplicação bastante útil dos TLRs é na mensuração dos gases sanguí-
neos e do pH em unidades hospitalares de terapia intensiva ou de emergência.
Tais testes, assim como os demais TLRs, devem ser vinculados à supervisão
de um laboratório clínico responsável e precisam manter os mesmos critérios
de qualidade que os exames realizados no ambiente laboratorial, mantidas as
suas proporções. Essa exigência é vinculada aos direcionamentos da RDC 302,
de 13 de outubro de 2005, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
que regula o funcionamento de laboratórios clínicos. Para atender a essas
demandas, alguns dispositivos portáteis têm sistemas de análise automática de
controle de qualidade, com bloqueio do aparelho em caso de inconformidades,
mas esta não é uma realidade em todos os TLRs (RECOMENDAÇÕES..., 2019).

Princípios básicos de instrumentação


analítica
Na bioquímica clínica existe uma variedade de metodologias capazes de mensu-
rar os analitos-alvo, tais como técnicas fotométricas, eletroquímicas, eletroforé-
ticas, cromatográficas, imunoensaios e espectrometria de massa. Com o avanço
das automações, alguns equipamentos oferecem a integração de mais de uma
metodologia para resultados mais sensíveis e/ou específicos (XAVIER; DORA;
BARROS, 2016). É essencial que todo profissional responsável pela manipulação
de equipamentos analíticos conheça seus princípios e seu funcionamento,
tanto para uma melhor interpretação dos resultados, quanto para eventuais
necessidades de manutenção e calibração (MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Métodos fotométricos
Nas análises bioquímicas, a predominância abrange os testes que se baseiam
em princípios de medida de energia radiante. Para tal mensuração, a energia
que pode ser refletida, dispersa, emitida ou absorvida é detectada por um
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sensor dentro do equipamento analítico. Quando essa energia é absorvida ou


transmitida em forma de luz (energia luminosa), as metodologias são chamadas
de fotométricas e avaliam as reações químicas por meio da interação da luz
(visível ou não) com os substratos consumidos ou com os produtos formados na
reação (MCPHERSON; PINCUS, 2012; XAVIER; DORA; BARROS, 2016, ANDRIOLO, 2019).
Uma das principais técnicas fotométricas é a espectrofotometria. Nela,
a determinação da concentração de um analito em uma amostra é feita com
base na absorção de luz monocromática por uma solução. Nessa metodo-
logia, a intensidade da luz emitida diminui ao passar por uma solução, pois
ela é absorvida pelo produto gerado em uma reação química. A quantidade
de luz absorvida é chamada de absorbância. Nesse método também é men-
surada a quantidade de luz que consegue passar sem ser absorvida pela
solução (chamada de transmitância). Quanto maior for a concentração da
solução, maior será a absorbância e menor será a transmitância, por outro
lado, quanto menor for a concentração, menor será a absorbância e maior
será a transmitância (Figura 2) (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON;
PINCUS, 2012; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; ANDRIOLO, 2019).

Figura 2. (a) Um feixe de luz incide em uma solução (I) e parte da luz é absor-
vida. A fração de luz que não é absorvida, é transmitida (T) e detectada por um
sensor. Caso a solução não absorva luz (branco), haverá uma transmitância de
100% e (b) a avaliação da % de transmitância de uma solução é determinada
relacionando a transmitância da amostra e do branco.
Fonte: Bishop, Fody e Schoeff (2009, p. 100).
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A concentração da solução, por sua vez, está relacionada à quantidade de


produto formado a partir de uma reação química específica que é utilizada
para quantificar um analito. Para a dosagem de glicose em amostras bioló-
gicas, por exemplo, utiliza-se uma pequena quantidade de amostra (soro/
plasma) e são adicionados reagentes específicos que irão permitir a ocorrência
de uma reação de oxidação da glicose a partir da ação das enzimas glicose
oxidase e peroxidase, formando, assim, um produto chamado de antipiril-
quinonimina. Esse produto tem uma coloração vermelha, cuja intensidade é
proporcional à concentração de glicose na amostra (LABTEST, [2011?]).

A espectrofotometria surgiu no início do século XVIII por intermé-


dio dos princípios de absorção criados por Bouguer. Ela permitiu a
dosagem qualitativa e quantitativa de diversos analitos em amostras clínicas.
Mais tarde, Lambert e Beer desenvolveram mais princípios de transformação
de luz em medida de concentração, criando a lei de Lambert-Beer, ou lei de
Beer, que afirma que a quantidade de luz absorvida (absorbância), ou a cor de
uma solução, é proporcional à concentração da substância corada em solução
(MCPHERSON; PINCUS, 2012; XAVIER; DORA; BARROS, 2016).

Um espectrofotômetro, portanto, deve ser capaz de utilizar a energia


luminosa para gerar informações sobre a concentração de uma solução e,
para isso, é composto basicamente por seis elementos: fonte, seletor de
comprimento de onda, cuvet holder ou cubeta, fotodetector, processador
de sinal e dispositivo de leitura (Figura 3) (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009;
MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Fonte: uma lâmpada, geralmente de tungstênio ou tungstênio-halogênio,


serve como fonte estável de energia radiante. Essa fonte luminosa fornece
a energia que será absorvida pela solução. É importante notar que, nesse
momento, todos os comprimentos de onda do espectro estão disponíveis,
pois a luz é policromática. Diferentes tipos de fontes podem ser utilizados,
dependendo da especificidade de cada equipamento e dos comprimentos de
onda desejados. Por exemplo: lâmpadas de deutério para radiação ultravio-
leta (UV), lâmpadas de descarga de xenônio de alta pressão para emissões
atômicas ou fontes laser que fornecem elevadas intensidades.
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Seletor de comprimento de onda: é um componente crítico para o funcionamento


do espectrofotômetro, pois o seletor deve ser capaz de isolar uma região espe-
cífica do comprimento de onda emitido pela fonte (lâmpada) e focá-lo sobre a
solução. Para esse fim, podem ser utilizados filtros, prismas e monocromadores.

Cuvet holder ou cubeta: é o recipiente em que a solução é inserida e irá


absorver a fração de luz direcionada pelo seletor de comprimento de onda.
Esses recipientes devem ser transparentes e seus tamanhos podem variar de
acordo com os comprimentos de trajeto requisitados pelo equipamento. Nessa
etapa do processo, parte da luz será absorvida pela solução (absorbância) e
o restante será transmitido (transmitância).

Fotodetector: para determinar a quantidade de luz que foi capaz de passar


pela amostra, o fotodetector irá receber a luz transmitida por meio de um
cátodo e transformará essa informação em um sinal elétrico.

Processador de sinal: irá processar e transformar o sinal elétrico recebido


em uma informação quantitativa.

Dispositivo de leitura: após o processamento do sinal elétrico, a informação


gerada é disponibilizada em medidor ou dispositivo de leitura (BISHOP; FODY;
SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Figura 3. Representação gráfica do espectrofotômetro. (a) Lâmpada excitante, (b) fenda de en-
trada, (c) monocromador, (d) fenda de saída, (e) cubeta de amostra, (f) fotodetector e (g) display.
Fonte: McPherson e Pincus (2012, p. 40).
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A partir de tais estruturas, podem ser medidas, na espectrofotometria, as


absorbâncias da luz em uma solução. Mas, afinal, o que é a luz? Em resumo, a
luz consiste em uma forma de radiação eletromagnética que forma movimen-
tos ondulatórios. A determinação do ponto em que a luz é detectável dentro do
espectro leva em consideração o comprimento de onda eletromagnética que
ela forma, sendo que esse comprimento é a distância linear entre duas cristas
da onda. Tais conceitos são importantes para a compreensão das diferentes
formas de leitura da luz em um espectrofotômetro, pois, dependendo do
analito e do método escolhido, a leitura pode ser feita em diferentes pontos
do espectro: luz visível, UV ou infravermelho (Figura 4). O que não muda
entre esses métodos, porém, é o princípio de que quanto mais concentrada
for a solução, maior será a absorbância de luz (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009;
MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Figura 4. Demonstração do espectro de radiação eletromagnética com os diferentes tipos


de luz originados em diferentes comprimentos de onda.
Fonte: McPherson e Pincus (2012, p. 39).
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Diferentes métodos podem ser analisados em um espectrofotômetro.


Os mais utilizados são os colorimétricos, nos quais o produto da reação forma
uma coloração no espectro de luz visível, e os UVs — nestes, as moléculas
absorvem a energia luminosa no espectro UV. A metodologia colorimétrica
é a mais frequente nas análises bioquímicas e se baseia na intensidade da
cor e, consequentemente, da reação química. Ela é utilizada na mensuração
de diversos analitos, como nas dosagens de glicose do exemplo citado an-
teriormente, e pode ser associada a técnicas enzimáticas, ou seja, técnicas
que medem a atividade de uma enzima por intermédio da sua interação com
um substrato, gerando, portanto, um produto colorido. Já a metodologia UV
é independente da formação de compostos de cor, pois seus espectros de
leitura atuam em uma faixa diferente de comprimento de onda. Nesse caso,
a reação é avaliada pela quantidade de luz absorvida pelos substratos nico-
tinamida adenina dinucleotídeo e NADP nicotinamida adenina dinucleotídeo
fosfato em uma reação (XAVIER; DORA; BARROS, 2016).
Esses métodos podem ser avaliados com diferentes formas de leitura.
As leituras de ponto final são aquelas em que a atividade da enzima é men-
surada levando em consideração a medida do produto ao final da reação e
esse produto se mantém estável durante um determinado tempo (durante
o qual se realiza a leitura espectrofotométrica). Já nas leituras cinéticas, a
atividade enzimática é mensurada em diferentes intervalos de tempo durante
a formação do produto, sendo esta a mais precisa (PINTO, 2017).
Alguns pontos-chave devem ser levados em consideração para garantir o
adequado funcionamento do espectrofotômetro e, por consequência, leituras
fidedignas. É necessário, por exemplo, que se utilizem soluções como branco
da amostra, branco do reagente, solução padrão e calibradores (BISHOP;
FODY; SCHOEFF, 2009).
O branco do reagente é a leitura do reagente sem a adição da amostra.
Ele deve ser utilizado sempre que a absorbância do reagente for diferente
da absorbância da água. Nesse caso, o valor encontrado na absorbância do
branco do reagente será equivalente à absorbância zero, ou inicial. De forma
semelhante, o branco da amostra deve ser utilizado quando há possibilidade
de interferência da amostra na leitura da absorbância, utilizando uma solução
neutra de referência no lugar do reagente com a adição da amostra. A utili-
zação do branco da amostra é eficaz, principalmente em casos de amostras
lipêmicas, ictéricas ou hemolisadas, pois a presença de lipídios, bilirrubina e
hemoglobina em excesso interfere na leitura da absorbância, especialmente
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em se tratando de métodos colorimétricos e turbidimétricos. A utilização dos


brancos minimiza os efeitos de interferentes que podem fazer com que parte
da luz emitida possa ser refletida, dispersa ou absorvida, alterando, assim, a
leitura real da solução de interesse (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; BASQUES,
2016; RECOMENDAÇÕES..., 2018). Já a solução padrão e os calibradores são mais
utilizados para a calibração do espectrofotômetro. Trata-se de soluções com
uma concentração conhecida do analito em questão que podem ser utilizadas
para a garantia da exatidão do comprimento de onda selecionado e da leitura
do aparelho (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009).

Para uma aplicação prática dos termos abordados, utilizaremos


uma reação de dosagem de glicose por metodologia enzimática-
-colorimétrica, com leitura de ponto final, em um aparelho manual (com ne-
cessidade de cálculo da reação pelo analista). Nesse caso, a faixa de leitura
capaz de medir precisamente a absorbância indicada pelo fabricante é de 490
a 520nm. Portanto, o espectrofotômetro deve ser configurado para a leitura
neste comprimento de onda.
Para a execução do teste, serão necessárias três cubetas, as quais são
chamadas de branco, padrão e teste.
„ Branco: com apenas o reagente.
„ Padrão: com o reagente e a solução padrão (concentração conhecida de
100mg/dL de glicose).
„ Teste: com o reagente e uma alíquota da amostra (soro/plasma do paciente).
A cubeta contendo o branco deve ser analisada primeiramente para zerar o
equipamento, pois a leitura da sua absorbância será considerada zero, evitando,
assim, a interferência do reagente na leitura. Em seguida, devem ser realizadas as
leituras das cubetas Padrão e Teste. Após as leituras, o seguinte cálculo deverá ser
realizado para a determinação da concentração de glicose (mg/gL) na amostra (Teste):

Sendo que o número 100, nessa equação, refere-se à concentração da solução


padrão.
Supondo que a absorbância do padrão foi de 0,450 e a do teste foi de 0,380,
tem-se a seguinte equação:
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Para facilitar a execução dos testes no dia a dia, devido à alta reproduti-
bilidade da técnica, pode ser utilizado o fator de calibração, que consiste na
relação determinada entre a absorbância e a concentração da solução. Sendo,
neste exemplo, obtido a partir da seguinte equação:

O valor da concentração da glicose no exemplo poderia ser obtido, mais


facilmente, a partir do seguinte cálculo:

Glicose (mg/dL) = absorbância do teste × fator de calibração


Glicose (mg/dL) = 0,380 X 222 = 84 mg/dL

Dessa forma, conclui-se que a concentração de glicose na amostra do paciente


é igual a 84 mg/dL. Em aparelhos automatizados e semiautomatizados, esse
cálculo é gerado automaticamente.

Ainda no sentido de acurácia do teste, outro ponto crítico é a linearidade.


Segundo a Lei de Beer, a quantidade de energia capaz de ser transmitida pela
solução diminui exponencialmente de acordo com a espessura da solução que
precisa atravessar, ou seja, a transmitância será inversamente proporcional
à concentração da solução. Na prática laboratorial, uma forma de avaliar a
linearidade é utilizar calibradores com concentrações conhecidas (em diferen-
tes concentrações) e medir as suas absorbâncias. Com isso, torna-se possível
criar um gráfico com uma curva padrão do teste. Nesse gráfico, geralmente
o valor de absorbância inicial é próximo de zero, pois se utiliza o branco
como o primeiro calibrador. Em seguida, são lançados os valores dos demais
calibradores e é gerado o gráfico (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON;
PINCUS, 2012). Se o teste executado estiver em concordância com a Lei de
Beer, ocorrerá a formação de uma reação linear que servirá de base para que
o equipamento faça a conversão dos valores de absorbâncias encontradas
em soluções posteriores e a referida concentração das amostras. Porém, a
linearidade só obedece a esses princípios até uma determinada concentração,
que varia de teste para teste, e acima disso causa um desvio na curva. Esse
ponto é chamado de limite de linearidade. Acima dele, a amostra deve ser
diluída e ter seu valor posteriormente corrigido para garantir a acurácia da
análise (Figura 5) (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012).
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Figura 5. O gráfico demonstra a correlação entre concentração da amostra


e absorbância da solução. A curva gerada consegue ser linear até uma
determinada concentração, depois desse ponto, há um desvio na Lei de Beer.
Fonte: McPherson e Pincus (2012, p. 40).

A espectrofotometria utiliza essencialmente química úmida (reagentes


líquidos) para as análises. Já reflectometria, ou fotometria de reflectância,
é bastante semelhante à espectrofotometria, com a diferença básica de que
utiliza química seca, e por isso a mensuração se baseia na luz refletida e não
na absorvida. Os reflectômetros são bastante semelhantes aos fotômetros
em questão de composição, diferindo pela presença de suportes sólidos
secos (granulosos ou fibrosos) para a reflexão da luz. Esses equipamentos são
muito utilizados em automações para análises de leitura das tiras reagentes
de urina, por exemplo, ou para dosagens colorimétricas de glicose, colesterol,
triglicérides, entre outros analitos bioquímicos (BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009;
MCPHERSON; PINCUS, 2012; ANDRIOLO, 2019).
Outra variação de teste fotométrico é a luminescência. Essa metodologia
se baseia na troca de energia gerada a partir da absorção de radiação eletro-
magnética pelos compostos. Tal absorção gera uma agitação que pode ser
quantificada pela emissão de luz fluorescente que é detectável por fluorômetros
e espectrofluorômetros. A luminescência tem sensibilidade e especificidade
bastante altas, mas que foram melhoradas ainda mais na quimiolumines-
cência, uma variação da técnica que utiliza substâncias químicas ou reações
eletroquímicas para a produção de compostos excitados. Essa metodologia é
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muito utilizada em imunoensaios (MCPHERSON; PINCUS, 2012; ANDRIOLO, 2019).


Já na fotometria de chama é analisada a emissão de luz a partir da excitação
dos átomos da solução contendo a amostra do paciente pela exposição a uma
chama. Os átomos emitem luz quando retornam do estado excitado para o de
repouso e, a partir de comprimentos de onda específicos, a luz emitida pode
ser quantificada. Essa técnica é bastante útil na dosagem de íons como sódio,
potássio e lítio por exemplo (XAVIER; DORA; BARROS, 2016).
Outras metodologias com base na excitação de átomos são a espec-
trometria de emissão atômica e espectrometria de absorção atômica.
A espectrometria de emissão atômica se baseia na capacidade de os átomos
ou íons emitirem radiações com comprimento de onda específicos quando
excitados, sendo a intensidade dessa radiação luminosa proporcional ao
conteúdo de metal na amostra. Já a espectrometria de absorção atômica
consiste na medida da absorção de luz por átomos metálicos em repouso.
Trata-se de metodologias usadas para a detecção de íons e metais em fluídos
biológicos (XAVIER; DORA; BARROS, 2016; ANDRIOLO, 2019).
Por fim, a turbidimetria e a nefelometria são utilizadas para a mensuração
de compostos que não podem ser avaliados por métodos de absorção, pois são
partículas grandes (p.ex., proteínas). Nessas técnicas, avalia-se a dispersão
da luz após atingir os compostos em suspensão na solução, visto que essas
partículas dispersam a luz de forma proporcional à sua concentração na
amostra biológica. Esse tipo de metodologia é principalmente utilizada nas do-
sagens de proteínas em urina e fluidos biológicos (cerebrospinal, pulmonares,
ascético, etc.), como transferrina, proteína C reativa ou microalbuminúria. Os
nefelômetros detectam a luz dispersa em vários ângulos, já os turbidímetros
quantificam a diminuição da transmissão de luz em decorrência da formação
de partículas na solução (MCPHERSON; PINCUS, 2012; XAVIER; DORA; BARROS,
2016; ANDRIOLO, 2019).

Métodos eletroquímicos
Os métodos eletroquímicos também podem ser bastante úteis na bioquímica
clínica, com destaque para as técnicas de potenciometria e eletrodos íons
seletivos (ISE). Tais métodos realizam a mensuração da voltagem entre dois
eletrodos em uma solução. Essa voltagem é o potencial e deve ser compa-
rado entre os eletrodos, pois um deles deve ser o teste e o outro o eletrodo
referência. Sua aplicação é útil na detecção de íons, pois estes são capazes
de causar alterações entre esses potenciais. A gasometria, por exemplo,
pode ser executada por meio dessa técnica para a quantificação de CO2, O2
Métodos de análise em bioquímica clínica 15

e pH no sangue, porém, outros metabólitos e eletrólitos também podem


ser dosados por essa metodologia, como cálcio ionizado, chumbo e cloro
(BISHOP; FODY; SCHOEFF, 2009; MCPHERSON; PINCUS, 2012; XAVIER, DORA;
BARROS, 2016; ANDRIOLO, 2019).

Outros métodos utilizados em bioquímica clínica


A eletroforese utiliza uma corrente elétrica para gerar um fluxo que separa os
compostos de uma solução iônica de acordo com a carga elétrica e o tamanho
dos seus compostos. Nesse fluxo, os cátions, carregados positivamente (+),
migram para o polo negativo enquanto os ânions, carregados negativamente
(–), migram para o polo positivo. Essa separação forma bandas que podem ser
identificadas e quantificadas, possibilitando, com isso, a análise de proteínas
plasmáticas, macromoléculas, íons inorgânicos e drogas (MCPHERSON; PINCUS,
2012; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; ANDRIOLO, 2019).
A cromatografia é a separação de uma solução com base nas interações
físicas e químicas dos compostos com uma fase móvel e uma fase estacionária.
A fase móvel é responsável por transportar a amostras pela fase estacionária.
Diversos tipos de cromatografia foram desenvolvidos e, em alguns casos,
associam outras técnicas analíticas para a detecção dos compostos, como
é o caso da cromatografia líquida de alta resolução, que pode realizar a
quantificação por fotometria, potenciometria, entre outras técnicas (BISHOP;
FODY; SCHOEFF, 2009; XAVIER; DORA; BARROS, 2016; ANDRIOLO, 2019).

„„ Cromatografia em camada delgada: detecção qualitativa de aminoá-


cidos, fosfolipídios e rastreamento toxicológico.
„„ Cromatografia líquida de alta resolução: detecção quantitativa de
aminoácidos, hemoglobinas, vitaminas, entre outros.
„„ Cromatografia gasosa: detecção de ácidos orgânicos e fármacos, prin-
cipalmente (XAVIER; DORA; BARROS, 2016).

Os métodos que se baseiam em imunoensaios utilizam as reações de


antígeno-anticorpo para detectar imunocomplexos, anticorpos ou antígenos.
Apesar de terem sido utilizados primariamente para o diagnóstico de doenças
infecciosas, a técnica foi adaptada e hoje em dia é amplamente usada na detec-
ção de marcadores tumorais e medicamentos e na quantificação de hormônios.
Para facilitar a detecção dos imunocomplexos e aumentar a sensibilidade dessa
metodologia, muitas vezes são utilizados reagentes marcadores enzimáticos,
fluorescentes ou quimioluminescentes (XAVIER; DORA; BARROS, 2016).
16 Métodos de análise em bioquímica clínica

A espectrometria de massas, por sua vez, baseia-se na fragmentação


e na ionização de moléculas, sendo que a abundância relativa de cada íon
produz um espectro de massa característico. Nesse tipo de equipamento,
há a ionização da molécula-alvo de análise, que a separa das demais subs-
tâncias presentes na amostra e possibilita a identificação e a quantificação
do composto com base na sua relação massa/carga (MCPHERSON; PINCUS,
2012; ANDRIOLO, 2019).
Em geral, a maioria dos analisadores automatizados utiliza, de forma
predominante, as técnicas de espectroscopia de absorbância (espectrofoto-
metria), porém, cada vez mais a fotometria de reflectância, os imunoensaios
e a eletro e quimioluminescência vêm sendo incorporados às plataformas.
Da mesma forma, os ISEs são cada vez mais utilizados para as dosagens de
eletrólitos, sendo a fotometria de chama deixada em desuso. Um exemplo
bastante conhecido no âmbito laboratorial é a plataforma COBAS®, a qual
incorpora fotômetro, ISE, óptica turbidimétrica e fluorescência polarizada
em um mesmo sistema, embora haja várias outras disponíveis no mercado
laboratorial (MCPHERSON; PINCUS, 2012).

Referências
ANDRIOLO, A. (ed.). Manual da residência de medicina laboratorial. Barueri: Manole, 2019.
BASQUES, C. J. Fotometria e padronização. Lagoa Santa: Labtest, 2016.
BISHOP, M. L.; FODY, E. P.; SCHOEFF, L. E. Química clínica: princípios, procedimentos,
correlações. 5. ed. Barueri: Manole, 2009.
LABTEST. Glicose Liquiform: instruções de uso. [Lagoa Santa]: Labtest, [2011?].
MCPHERSON, R. A.; PINCUS, R. M. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos
laboratoriais. 21. ed. Barueri: Manole, 2012.
PINTO, W. J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
RECOMENDAÇÕES da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
(SBPC/ML): fatores pré-analíticos e interferentes em ensaios laboratoriais. Barueri:
Manole, 2018.
RECOMENDAÇÕES da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
(SBPC/ML): inovação no laboratório clínico Barueri: Manole, 2019.

XAVIER, R. M.; DORA, J. M.; BARROS, E. (org.). Laboratório na prática clínica. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2016. (Consulta Rápida).
Métodos de análise em bioquímica clínica 17

Leitura recomendada
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Reso-
lução de Diretoria Colegiada – RDC nº 302, de 13 de outubro de 2005. Dispõe
sobre Regulamento Técnico para funcionamento de Laboratórios Clínicos.
Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://portal.anvisa.
gov.br/documents/10181/2718376/RDC_302_2005_COMP.pdf/7038e853-afae-
4729-948b-ef6eb3931b19. Acesso em: 2 set. 2020.

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