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Disciplina: Gênero(s) e feminismos no mundo do livro contemporâneo

Aluna: Luiza dos Santos Silveira, mestranda em Estudos de Linguagens,


CEFET-MG

“The Wife”: E se o editor fosse uma editora?

O filme The Wife (escrito por Jane Anderson e dirigido por Björn Runge, em
2017) traz a história de Joan e Joseph Castleman, um casal cujo marido é o
galardoado pelo Prêmio Nobel de Literatura. A trama nos entrega que Joan era tão
escritora quanto Joe, e que aquele Nobel pertenceria a ela, mais do que a ele. Há
alguns pontos que gostaria de considerar a respeito disso, em contraponto com o
artigo de Pura Fernández ¿Una empresa de mujeres? Editoras iberoamericanas
contemporáneas, de 2019.
Joan, por volta de 1958, trabalha como secretária em uma editora. Em uma
curta porém importante cena do filme, vemos os editores, enquanto ela lhes serve
café, conversando sobre um livro escrito por uma mulher, mas que não era digno de
ser publicado pela questão do gênero. Ao descartarem essa possibilidade,
comentam sobre como poderiam publicar a um homem judeu. Neste momento, ela
intervém e diz conhecer alguém — o seu marido. A próxima cena traz o casal
comemorando pois haviam decidido publicar seu primeiro livro: The Walnut. Aqui,
trago este “seu” de forma ambígua pois descobrimos que provavelmente a
verdadeira escritora e dona do legado da obra de Joseph Castleman era Joan. Ou
como ela diz, ele era apenas o revisor e ela a escritora. Neste momento pensei: e se
esses editores fossem editoras? Afinal, Joan foi uma espécie de editora para o
esposo: foi ela quem leu o texto pela primeira vez, criticou-o, sugeriu corrigi-lo e
apresentou-o a um editor “profissional”. Esther Tusquets, escritora e editora
espanhola, afirma em Confesiones de una editora poco mentirosa (2012) que a
Lumen foi uma empresa de mulheres, que estavam mais receptivas a receber
literatura escrita por pessoas do mesmo sexo. No entanto, são duas coisas
diferentes dedicar deliberadamente atenção à literatura feminina do que publicar
sem ser consciente disso (FERNÁNDEZ, 2019, p. 6-7). Em The Wife, na sequência
mencionada, há o cuidado de selecionar o próximo autor baseado em recorte de
gênero e religião. Como espectadora, esperei que Joan, naquele instante,
defendesse a autora ou mencionasse a si mesma, mas ela, sabendo que não havia
espaço para si no universo literário, indicou a alguém que saberia que teria chances.
Se esses editores fossem editoras, Joan teria tido voz naquele então.
Quarenta anos depois, no fim do longa-metragem, ela transborda sua
aparente calma e afirma seu lugar dentro do legado de Joseph Castleman, uma vez
que ele atingiu o prestígio mais alto para um escritor: o Nobel. Porém, após a morte
do homem, o encerramento do filme é deixado em aberto: Joan poderia publicar
seus próprios livros, agora que possui o reconhecimento de ser a cônjuge de um
escritor renomado, em tempos nos quais mulheres são publicadas e também
reconhecidas; agora que é viúva e não precisa mais cumprir seu papel de esposa.

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