Você está na página 1de 8

O Desafio Ecológico das Cidades

A urbanização é um fato irreversível em praticamente todo planeta. No início do século XX apenas 10% da
humanidade residia em áreas urbanas, hoje metade, mais de 2,9 bilhões, vive em cidades. Existem 19 mega-
cidades, das quais 15 localizadas nos países ditos em desenvolvimento, com uma população acima de 10
milhões de habitantes(1). Essa evolução, por si só, já faz da ecologia urbana um tema fundamental. Nos
primórdios do movimento ambientalista havia correntes levantavam a tese de uma inviabilidade estrutural das
cidades tidas como irreparavelmente ingovernáveis. Atualmente poucos ecologistas vislumbram seu próprio
futuro e o da humanidade fora de um contexto urbano. Os ambientalistas cuja ação, desde meados dos anos
70, privilegiara questões globais como as florestas, a camada de ozônio ou as mudanças climáticas, envolvem-
se, cada vez mais, de forma prática e teórica, com os variados desafios envolvendo as cidades e sua
sustentabilidade.
Jane Jacobs, veterana jornalista, urbanista e militante comunitária americana, que escreveu o extraordinário
Death and Life of Great American Cities (aqui Morte e Vida das Grandes Cidades, ed Martins Fontes), tem
uma outra obra, menos conhecida, The Economiy of Cities onde desenvolve uma tese revolucionária: ao
contrário do que aprendemos na escola, os assentamentos humanos precederam e não sucederam o
surgimento das primeiras culturas agrícolas. Segundo ela os primórdios da urbanização se relacionam com o
processamento de produtos da caça e do extrativismo. Assentamentos humanos precederam tanto a
agricultura como a pecuária. Ela identifica cidades primordiais, com cerca de dois mil habitantes, a 8 500 anos
antes de Cristo.
(...) não foi a agricultura, em que pese toda sua importância que foi a mais relevante invenção ou
ocorrência da Era Neolítica. Foi o advento de uma economia citadina, sustentável, interdependente e
criativa que tornou possível novas formas de trabalho, entre elas a agricultura. (2)
A tese é naturalmente polêmica. De qualquer forma se as origens remotas da urbe são ainda discutidas, o
futuro não deixa margem a muitas dúvidas: a grande maioria da humanidade residirá nas cidades.
Precisaremos, mais que simplesmente "esverdeá-las", torná-las sustentáveis do ponto de vista ecológico,
econômico, social e energético.
Por muito tempo as relações entre o ambiente natural e o construído foram vistas sob o prisma do conflito.
Mundos separadas, até centro ponto, contrapostos, um servindo de pano de fundo ou jardim, ao outro. A idéia
da separação, do confronto, da subjugação do ambiente natural frente à vontade criadora e construtora foi uma
constante. Na ótica marxista, que influenciou tantos urbanistas no século XX, “a contradição entre o homem e
a natureza” precedia e sucederia àquela entre classes sociais. Mesmo as correntes de arquitetos que
aparentemente valorizavam os espaços verdes não conseguiam perceber que a cidade de concreto, asfalto e
vidro, na verdade, não constituía um ente separado da natureza, mas natureza transformada, um novo
ecossistema integrado, modificado, diferente do ambiente natural mas não fora dele, não imune aos seus
cíclos, dinâmicas e reações.
No meu livro Ecologia Urbana e Poder Local procurei ilustrar essa idéia:
A criação do homem interage incessantemente, para o bem ou para o mal, com o ambiente natural que
a rodeia e envolve. No ambiente construído, a natureza não chega a desaparecer; permanece à vista e
não está apenas nas árvores e áreas verdes das ruas, das praças, dos parques, dos jardins e até
mesmo dos terrenos baldios. Está no ar, nas águas dos rios, canais e lagoas; está na fauna, nos
insetos e nos microrganismos que convivem conosco no ambiente urbano. As nossas construções são
assentadas sobre uma geologia específica, que tem influência sobre tudo o que vai acontecer com elas
e os seres humanos que as habitam. Os materiais utilizados nelas (areia, terra, rocha, pedras, mármore,
concreto, asfalto) pertenceram ao entorno natural. Sua extração tem certas conseqüências, da mesma
forma que o modo como o homem os utiliza, dando forma aos projetos arquitetônicos. A
impermeabilização do solo, as concentrações de edifícios, os desmatamentos em encostas ou margens
de rios, o assoreamento e a retificação ou canalização de rios são ações que afetam o ambiente natural
de uma determinada maneira. Se a ação do homem tende ao desequilíbrio, o ambiente natural
certamente reage, trazendo efeitos inesperados para o ambiente construído e seus ocupantes:
inundações, secas, microclimas adversos, erosão, desabamentos, enchentes, voçorocas, ambientes
internos insalubres. (3).
Devo a clareza desse conceito à Ann Whinston Spirn. No seu livro, de 1984, The Granite Garden (4) encontrei
a melhor explanação desses postulados da ecologia urbana. O livro de Spirn, uma professora de paisagismo,
arquitetura e planejamento regional da universidade da Pennsylvania, é recomendado com entusiasmo por
Jane Jacobs, hoje anciã, mas sempre lúcida e aguda, que há muitos anos mora em Toronto, onde, por um
tempo, assessorou a Prefeitura contribuindo para tornar esta cidade canadense algo bastante especial e
distinto do padrão norte-americano. No a sua obra mais famosa, Life and Death o Great American Cities (5)
escrita no final dos anos 50, mais de uma década antes do surgimento do movimento ambientalista
contemporâneo, ela estabeleceu os alicerces para um pensamento de sustentabilidade urbana.

O Desafio Ecológico das Cidades 1


Alfredo Sirkis
Não trata-se, simplesmente, da constatação de devemos preservar espaços verdes nas cidades, o que é
reconhecido até em propostas urbanísticas essencialmente anti-ecológicas, mas de assimilar que as cidades
elas próprias constituem um ecossistema. Muitos modernistas valorizavam espaços verdes mas, à semelhança
de Le Corbusier, consideravam o ambiente natural um estorvo a ser vencido na afirmação de sua obra
criadora. No livro Desenho Ambiental (5) de Maria de Assunção Ribeiro Franco, é compilada essa pérola do
grande mestre:
A casa, a rua, a cidade, são pontos de aplicação do trabalho humano; devem estar em ordem, senão se
opõem aos princípios fundamentais que temos como eixo; em desordem, nos fazem frente, nos travam,
como nos trava a natureza, ambiente que combatemos todos os dias.
O modernismo produziu grandes arquitetos, magníficos escultores de edificações isoladas. Também em muitos
casos --mas com algumas notáveis exceções-- projetou prédios descuidados em relação às condições naturais
do entorno e, freqüentemente, insalubres. Sua aplicação à escala de planejamento urbano resultou
francamente desastrosa ao desprezar a principal matéria da qual é feito o tecido urbano, as calçadas, as
esquinas, as praças, as lojas na rua, a densidade humana, que criam a urbanidade, onde o espaço público é
primordial e a mistura de usos é argamassa integradora.
Tentou substituir-se esse tecido urbano tradicional por não-cidades de condomínios ensimesmados, cercados
de grades, de superquadras, de usos segregados, de vias expressas, de shoppings e uma sufocante
dependência do transporte individual. Criou-se um bizarro espaço, nem urbano nem rural, na escala do
automóvel, não do pedestre. Isso, freqüentemente, no bojo de um discurso ambientalmente sedutor:
supostamente essa não-cidade seria melhor para a preservação de espaços verdes e para a qualidade de vida
dos moradores que a promíscua cidade densa, cheia de gente na rua.
Mas o verde urbano não é o que sobra, ajardinado, entre condomínios, shoppings e vias expressas, não são
gramados de canteiros centrais de avenidas. As florestas e bosques, sobreviventes, os parques
paisagisticamente criados, os jardins, ou, simplesmente, a arborização de rua não se sustentam fora de uma
relação sadia de uso-proteção com seu entorno urbano, humano. São preservadas pelos uso humano
adequado. Jane Jacobs explica em The Death and Life of Great American Cities porque alguns parques são
um sucesso e outros não, dependendo do uso e da diversidade dos bairros que os cercam:
Espera-se demasiado dos parques urbanos. Longe de transformar alguma qualidade essencial dos
seus arredores, longe de automaticamente qualificar sua vizinhança, os parques de vizinhança eles
próprios são direta e drasticamente afetados pela maneira em que a vizinhança age sobre eles(...)
Existe algo sobre o arranjo da vizinhança que afeta fisicamente o parque? Sim. Essa mistura de usos
nos edifícios produz de forma direta a mistura de usuários que entram e saem do parque em horários
diferentes. Usam os parques em horários diferentes uns dos outros porque suas programações de vida
diárias se diferenciam. O parque então possui uma intrincada seqüência de usos e usuários. (6)

AS CIDADES COMO ECOSSISTEMAS

A urbanização vertiginosa dos últimos 40 anos não é, ao contrario do que imaginam alguns, simples
subproduto de uma estrutura rural fundiária injusta. Ou de um tipo de agricultura cada vez mais mecanizada e
menos intensiva em termos de absorção de mão de obra. É principalmente movida pelo desejo da juventude
rural de acesso a oportunidades, bens materiais, conhecimentos e vivências que só a urbe tem como oferecer
precisamente pela sua imensa gama de oportunidades de contato. O australiano David Engwicht no seu livro
Towards an Eco-City define isso de forma eloqüente:
As cidades forma inventadas para facilitar a troca de informação, amizade, bens materiais, cultura,
conhecimento, intuições, habilidades e também troca de apoio emocional, psicológico e espiritual.
Essa troca é mais dificil se as pessoas ficam espalhadas pela área rural e não têm acesso a essa troca
de oportunidades. É por isso que construímos cidades. Cidades são a concentração de de gente e
estruturas que possibilita a mútua troca minimizando a demanda de viagem. As pessoas desejam
acesso a essa rica diversidade de trocas de oportunidades para sua sobrevivência e crescimento como
seres humanos. As cidades são o reconhecimento de que para desenvolver nossas plenas
potencialidades, necessitamos daquilo que outras pessoas nos podem dar. cidade é um ecossistema
criado pelas pessoas para sua mútua realização. Num ecossistema, assim como numa floresta tropical
tudo está interrelacionado e é interdependente. Cada organismo provê algo essencial para a vida de
outros organismos e, em troca deles, recebe aquelas coisas essenciais para sua própria sobrevivência
e bem-estar. (7)
Ecologia urbana, portanto, não se confunde com simples conservação do verde e de amenidades
paisagísticas, nem com um zoneamento nostálgico da vida rural como os subúrbios motorizados de classe
média americana. A ecologia urbana tem como base a multiplicidade de relações que compõem a diversidade
desse complexo ecossistema identificado por Engwitch e como critério fundamental de sucesso ou fracasso a
noção de sustentabilidade econômica, social, energética, e humana, no físico e no espiritual.

O Desafio Ecológico das Cidades 2


Alfredo Sirkis
Minhas manifestações de antipatia pela não-cidade nas suas variantes modernista, "planificada": condomínios
isolados ou superquadras, vias expressas e shoppings, ou aquela mais americanizada do urban sprawl:
subúrbios de classe média com charmosas ruas arborizadas de casa e jardim, a dez minutos de carro do
grande mall regional, merecem duas ressalvas. Em primeiro lugar a existência desses tipos de aglomerados de
baixa densidade constitui fato consumado e irreversível. Por outro lado, há numerosas pessoas que apreciam
o estilo de vida que isso lhes proporciona e isso deve ser respeitado. Portanto, não há como fugir dessas não-
cidades e são necessárias políticas de gestão que lidem com os aspectos mais problemáticos sem muita ilusão
em relação à possibilidade de reverte-la. Modelos urbanísticos, uma vez implementados, têm vida muito longa,
suas conseqüências sobrevivem muitas gerações. É difícil reverter atrocidades urbanísticas das décadas de
50, 60 e 70, ainda que na França discuta-se seriamente a demolição de alguns dos conjuntos residenciais HLM
e uma total reconstrução e remodelação urbanística dessas áreas hoje povoados de imigrantes e com uma
altíssima criminalidade e incivilidade.
Em relação ao futuro, no entanto, é necessário não perseverar nesses modelos sendo recomendável revitalizar
os centros das cidades, reabilitar os bairros residenciais, densos, com usos diversificados, afirmar sem
complexos as vantagens da razoável densidade, dos espaços públicos generosos para com os pedestres.
Para tanto é preciso se rever regulamentações urbanísticas que consagram densidades baixíssimas e
segregam espacialmente os usos residencial do comercial, do institucional o que quase sempre também
resulta em segregação social, como nas cidades-satélites de Brasília ou as favelas não previstas no plano
Lucio Costa, na Barra da Tijuca.
Uma cidade mais sustentável busca consolidar bairros com personalidades e centralidades próprias, com uma
diversidade de serviços e equipamentos públicos culturais que desafoguem a pressão sobre o sistema de
transportes. Se vivemos em bairros onde temos oferta de emprego, um comércio diversificado, boas escolas,
equipamentos desportivos, culturais e de lazer, poderemos reduzir a demanda por transporte e propiciar um
maior uso dos deslocamentos a pé ou de bicicleta, em curtos percursos. Se as calçadas, as praças e os jardins
são intensamente usados sua condição de segurança torna-se melhor o que por sua vez garante um uso
maior.

A CIDADE INFORMAL

O maior problema eco-urbanístico do sul do planeta é a cidade informal das favelas, loteamentos clandestinos
e similares com seus variados nomes: villas miséria, poblaciones, townships, shanty towns, bidonvilles,
casbah. Nas grandes cidades latino-americanas, asiáticas, africanas, árabes e em partes crescentes da
Europa do leste, proporções variando de 20% a mais de 80o% das edificações são ilegais, foram construídas
sem licença e fora das leis urbanísticas, em terrenos que raramente pertencem aos ocupantes dessas
benfeitorias. Foi o impacto da intensa urbanização dos últimos 40 anos, confrontada com a inadequação das
regulamentações edilícias e com os anacronismos da estrutura fundiária urbana.
Em todas as cidades brasileiras, em maior ou menor escala, encontramos a cidade informal. A pobreza e a
exclusão social são, sem dúvida alguma, desequilíbrios que comprometem a existência de um ecossistema
urbano sadio. Porém, se a miséria sempre está na cidade informal, nem toda cidade informal é completamente
miserável. Há uma certa mobilidade social que dá acesso a novos bens de consumo e espaços de moradia
mais amplos (em geral, crescimento vertical das habitações). Dentro da própria comunidade ocorre um
desdobramento social com uma pirâmide local de “ricos”, classe média e pobres. Ao lado disso persiste a
precariedade no saneamento básico, na coleta de lixo e, em muitos casos, os riscos de desabamento ou
inundação.
Algumas medidas são fundamentais, e a primeira delas é estabelecer políticas públicas que levem à integração
com a cidade formal, à transformação da favela em bairro, não obstante condições urbanísticas originais, o que
implica em urbaniza-la, melhorar sua acessibilidade, legalizar a posse dos terrenos e das edificações, fazendo
os novos proprietários pagarem IPTU, ainda que reduzido, e manter a presença constante do poder público.
Isso exclui apenas uma fração relativamente reduzida de edificações em área de risco, irreparavelmente
insalubres ou situadas dentro de logradouros públicos, que devem ser removidas. Implica, ainda, construir
limites, fronteiras físicas claramente demarcadas entre a comunidade e seu entorno natural. Naturalmente, tais
limites físicos, sejam muros, grades ou cercas, nada garantem se não resultarem de um acordo de regulação
do crescimento pactuado com a comunidade o que é muitas vezes viabilizado pelo subsídio a projetos
geradores de renda, como mutirões remunerados de reflorestamento, lixo ou saneamento, a partir dos quais o
poder local passa a ter mecanismos de pressão.
Um aspecto crucial da integração desses bairros informais na cidade formal é criar regras próprias de uso do
solo e de edificações, adaptadas às condições locais e pactuadas entre os poderes públicos, as comunidades
e os demais interessados. Ou seja, a criação de um código de obras e de um código de procedimentos
ambientais adaptados àquela realidade específica, uma nova política integrada de regularização, ordenamento
e contenção da favelização e do loteamento ilegal, novos instrumentos como o parcelamento e utilização

O Desafio Ecológico das Cidades 3


Alfredo Sirkis
compulsória, a regularização fundiária, a titulação, a criação de regras urbanísticas, construtivas e ambientais
específicas para favelas.
É preciso regularizar do ponto de vista urbanístico e fundiário a cidade informal e implementar essa verdadeira
revolução sócio-econômica que representa o processo de regularização e titulação, que na concepção do
peruano Hernando de Soto(8) lidará com essas:
casas construídas em terras cujos direitos de propriedade não estão adequadamente registrados (que)
não podem se transformar de pronto em capital, não podem ser trocados fora dos estreitos círculos
locais, onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras, nem servir como garantia a
empréstimos e participação em investimentos.
De Soto avalia em 6.7 trilhões de dólares (!) o valor de mercado reprimido do conjunto dessas edificações
urbanas feitas pelos pobres dos países em desenvolvimento, ao longo dos últimos 40 anos. Na América Latina
isso corresponderia a 1,2 trilhões. Ele prevê que incorporadas a um capitalismo legal, devidamente
escrituradas, elas engendrariam uma significativa redistribuição de renda e dinamização da economia como
um todo. Pode-se argumentar que de Soto, ao ver nisso um caminho de acesso ao crédito, superestima as
conseqüências econômicas e o potencial de “capitalismo popular” que poderá ser liberado por este processo
no Brasil, onde o acesso ao crédito bancário esbarra nas altíssimas taxas de juros, que já criaram uma cultura
refratária a tomar ou conceder empréstimos e onde a casa própria, quando único imóvel da família, não pode
ser alienada por hipoteca.
De qualquer maneira, trazer para a esfera da legalidade a cidade informal tem vantagens econômicas
evidentes não só para os pobres como para o conjunto das sociedade, sempre que se consiga criar os
mecanismos de inibição e repressão que garantam que a regularização de favelas e loteamentos e novas
normais edilícias, mais realistas, não servirá para estimular novas ocupações, parcelamentos e construções
irregulares, com suas decorrências de agressão ambiental. Por isso deve existir um componente repressivo,
eficaz e fulminante, para complementar essas novas política de legalização da informalidade coibindo, no
nascedouro, subsequentes processos de favelização. A combinação de dois movimentos aparentemente
contraditórios não é simples, mas é o caminho para uma cidade una e integrada.

MOBILIDADE E ENERGIA

É bastante patente a crise do modelo de transportes rodoviarista: nos últimos 30 anos os maiores
investimentos públicos foram feitos para melhorar a circulação dos automóveis que são usados por uma
minoria da população nas cidades. O caminho mais fácil no âmbito do transporte coletivo foi deixa-lo nas mãos
das empresas particulares de ônibus, que transportam entre 60% e 80% dos passageiros urbanos. Essas
empresas, solidamente instaladas em quase todas cidades brasileiras, titulares de um dos serviços mais
lucrativos --mercado garantido e remuneração imediata, líquida-- depois de décadas de maus serviços,
conseguiram entrar em crise. Seu inferno astral não veio de uma nova severidade regulatória do poder público,
contra a qual sempre se prepararam montando poderosos lobbies e "caixinhas", parlamentares e dentro dos
executivos estaduais e locais, mas do surgimento de um similar ainda mais agressivo e difícil de regular, as
vans e kombis que oferecem um serviço mais apreciado, sobretudo nas áreas periféricas.
O resultado é uma situação caótica onde, para resistir aos seus novos concorrentes, as empresas de ônibus
multiplicam o número de veículos, em áreas nobres, e diminuem em áreas periféricas. Nas primeiras surgem
filas de veículos vazios contribuindo para tornar o trânsito ainda mais caótico e poluente. Nas segundas os
ônibus simplesmente desaparecem consagrando os coletivos de pequeno porte. No Rio de Janeiro, por
exemplo, o número de ônibus aumentou de 6500 para mais de 8000 entre 1996 e 2002, sem que isso tivesse
produzido nenhuma melhoria aos usuários, pelo contrário. Do ponto de vista ambiental esse aumento, bem
como o dos engarrafamentos, contribui para piorar a qualidade do ar.
Um maior investimento em transporte de massa sobre trilhos (metrô, VLT, trens) representa uma alternativa
óbvia mas cara. Nenhuma cidade sozinha tem condições de arcar com esse tipo de investimento. A situação
financeira catastrófica da maioria dos governos estaduais coloca a possibilidade desse financiamento na
dependência de recursos federais, do BNDES, agências multilaterais tipo BID ou BIRD e/ou de uma aporte
privado que não virá sem uma forte parceria pública.
O próprio sistema de ônibus, no entanto, poderia ser singularmente aperfeiçoado e racionalizado com
canaletas exclusivas para veículos articulados de grande capacidade, confortáveis e abastecidos a gás natural,
cuja implantação encontra barreiras dentro da cultura vigente e práticas correntes das empresas de ônibus.
Elas reagem ao uso de veículos de alta capacidade e movidos a gás, pois têm como hábito rodar veículos
novos durante dois ou três anos, em grandes cidades, e, depois, transferi-los para o interior onde ônibus desse
tipo não teriam uso. Toda uma reengenharia das próprias empresas se faz necessária e parece plausível supor
que ela venha a ocorrer por questão de sobrevivência.
Um desafio que se coloca para a mobilidade urbana é a iminente revolução tecnológica cujos protótipos já
pululam nos EUA, Japão e Europa. Novamente o Brasil poderá aguardar que o novo ciclo se implante nos

O Desafio Ecológico das Cidades 4


Alfredo Sirkis
países do norte e que nos alcance com uma ou duas décadas de atraso, ou pode prevê-lo e tentar integrar-se,
cedo, à iminente mutação tecnológica. A revolução está se dando em dois campos: o das fibras que
substituirão o aço tornando os veículos muito mais leves, e as transformações do próprios combustíveis. Os
carros híbridos, movidos a gasolina e eletricidade, muito mais limpos e econômicos, já estão em produção
regular nos EUA, Europa e Japão. Mas a grande virada será a produção regular de veículos movidos à célula
de energia, alimentada por hidrogênio.
Tive oportunidade de tomar contato com essa fantástica tecnologia, ainda nos primórdios de sua adaptação à
veículos motorizados, em 1995, em Vancouver e em Chicago, ao serem apresentados, pela empresa
canadense Balard, os primeiros protótipos de ônibus silenciosos, de poluição zero, silenciosos, de cujos tubos
de escapamento saia apenas vapor e gotas de água limpa. Desde então as células de energia se
desenvolveram a passos largos, barateando seus custos ano a ano. Funcionam como uma espécie de
eletrolise ao reverso. A prosaica experiência que fizemos na escola secundária, consistia na separação do
oxigênio e do hidrogênio, em dois tubos de ensaio, colocando de um fio elétrico na água. A célula de energia
produz uma espécie de reversão da eletrolise fabricando eletricidade e água ao processar hidrogênio com o
oxigênio ambiente. É um equipamento sofisticado, mas relativamente simples, originalmente desenvolvido na
NASA para gerar energia elétrica em viagens espaciais.
Abre caminho para uma série de ciclos inovadores que vão muito além de criar essa a reação elétrica (sem
combustão) que move veículos. A escala necessária ao barateamento dessa tecnologia para obter sua
disponibilidade maciça torna interessante sua instalação em prédios onde criará novas fontes geradoras de
energia elétrica, que, acopladas à rede elétrica, permitirão aos condomínios reduzir fortemente a conta de luz o
que já é feito com placas fotovoltaicas produtoras de energia solar e geradores convencionais à gás natural.
Mais: os próprios carros movidos à célula de energia, durante seu tempo de estacionamento, poderão
permanecer conectados à rede produzindo energia. Cada carro seria assim uma micro usina elétrica,
estacionada na garagem.
Natural Capitalism (9) um instigante livro escrito à seis mãos por Paul Hawken, Amory Lovins e L.Hunter
Lovins descreve assim essa possiblidade:
Uma vez que as células de energia (...) instaladas (...) o veículo transforma-se, efetivamente, numa
limpa e silenciosa usina elétrica sobre rodas, cm uma capacidade de geração de entre 20 e 40 kilowatts.
O típico carro norte-americano fica parado 96% do tempo, em geral nos mesmos lugares (...) enquanto
você está sentado na sua escrivaninha sua usina elétrica sobre rodas está enviando 20 kw de
eletricidade de volta para a rede. Você é automaticamente creditado por essa produção em tempo real a
um preço que é tanto mais alto no período diurno. Assim seu segundo maior, mas previamente ocioso,
recurso doméstico passará a pagar de volta uma fração de seu custo de locação. (...) no final uma frota
desses Hipercarros na escala dos EUA poderia gera de cinco a dez vezes a capacidade da rede elétrica
(...)
As análises das potencialidades das células de energia, uma vez produzidas em grande escala e barateadas
apontam para uma profunda mutação energética, ambiental e de costumes. O hidrogênio pode ser produzido a
partir do gás natural ou da própria eletrólise, em escala industrial. Na primeira hipótese, o resíduo da produção
de hidrogênio é o dióxido de carbono, o CO2, que pode ser injetado no poço de gás natural como elemento
mais pesado, que ao ocupa seu lugar no fundo do poço faz o gás subir e ajuda nas sua extração. Aí temos
uma técnica que pode ser objeto de financiamento pelos mecanismos de estímulo à "captura" de CO2
previstos no Tratado de Kioto. A produção de hidrogênio, na forma oriunda do gás natural, passa a ser ela
própria totalmente limpa.
Por outro lado, nossa própria relação com o automóvel está destinada a mudar. Moche Safdie, um arquiteto
israelense e professor em Harvard e Yale, em The city after the automobilie, propugna uma forte retomada
no investimento em transporte de massa sobre trilhos, nos EUA, como forma privilegiada de transporte dos
subúrbios de classe média ao downtown e no petrímetro urbano propõe, entre outras soluções, calçadas
rolantes --que cheguei a prever num romance policial futurista que escrevi, em 1985, Silicone XXI.
Realisticamente, ele não vê uma redução no papel do automóvel, em relação àqueles deslocamentos mais
longos, particularmente nas amplas periferias suburbanas entre as quais não é economicamente viável um
sistema de transporte ferroviário. Safdie visulumbra, no entanto, uma radical mudança na forma predominante
do seu uso. Á semelhança de outros bens duráveis, equipamentos domésticos e de escritório, o automóvel,
nessa visão, cada vez mais deixará de ser visto como propriedade e cada vez mais como um serviço de
mobilidade individual.
Safdie propõe o U-car (utility car) a nossa disposição em shoppings, terminais de transporte coletivo,
aeroportos, hotéis, postos de bairros, estacionado em filas míveis, compactas, como cadeias de montagem.
Retiraremos o carro seguinte na fila, pago por cartão, para o nosso uso imediato, devolvendo-o no ponto de
distribuição mais próximo ao nosso destino, do qual, se quisermos poderemos retirar outro, logo mais, sem
preocupações com vagas, garagem, manutenção. Esses U-cars seriam dotados de toda uma parafernália
eletrônica que tornaria seu deslocamento por vias expressas high tech um exercício fácil e seguro, onde uma

O Desafio Ecológico das Cidades 5


Alfredo Sirkis
espécie de piloto automático os guiaria pela parte regular do percurso, em faixas de rolamento disciplinadas,
das quais o automobilista reassumiria o controle na hora de buscar a saída para ingressar em vias secundárias
e na área urbana.
Mas, e o automóvel como propriedade, como esse fetiche mor da classe média? Certamente continuará
coexistindo com o U-car mas a custo e desconforto crescentes. Escreve Safdie:
O orgulho da propriedade do automóvel? O caro como manifestação do nosso ego ou personalidade?
Por que, perguntaria o céptico, trocaríamos isso pela convenciencia do U-car, que dirigiríamos tão
brevemente tornando inviável qualquer forma de apego ou identificação com ele, ( com uma relação)
impessoal como a de um telefone público que usamos por poucos momentos ou um vagão de trem ou
avião, onde sentamos por algumas horas? (...) No entanto, a maioria de nós aceita alugar carros
anônimos durante viagens (...) a maioria de nós ressente os inconvenientes da manutenção necessária.
Quanto mais nos acostumamos (...) menos pacientes ficamos com a inconveniência de não dispor do
veículo exatamente quando e onde necessitamos. (...) estamos prontos para começar a tratar o
automóvel como uma utilidade pública. (10)
Seja qual for a real resultante dessa previsão é certo que evoluímos de uma produção industrial destinada à
propriedade individual do objeto produzido para uma onde adquirimos o serviço correspondente, livrando-nos
dos encargos de manutenção, reparos e possibilitando à industria um ciclo com muito menos desperdício.
Essa revolução tecnológica em materiais e combustíveis "limpos" e a dramática racionalização de usos e
espaço prometida por esses carros descartáveis, não eliminam as inevitáveis medidas que as cidades deverão
adotar para restringir o uso do transporte individual ao deslocamentos de longa distância, nos finais de semana
e fora dos horários fora do pico, e para desestimulando e encarecendo-o nos horários de rush, nas áreas
centrais das cidades. Londres acaba de adotar o pedágio para acessar o centro. Amasterdam elimina 3 mil
vagas por ano. A tendência será cobrar cada vez mais caro pelo estacionamento em via pública e,
paralelamente, melhorar o transporte de massas, as ciclovias, a integração intermodal, bem como, investir na
redução da demanda por transporte via zoneamento urbano denso, de usos múltiplos e transporte virtual, o
trabalho e as operações que cada vez mais pessoas realizam das suas casas pela internet.

DOIS GRANDES FLUXOS

A gestão das águas e dos resíduos sólidos envolve dois grandes fluxos com várias interfaces e mútuas
interferências ambos marcados, na maioria dos casos, pela insustentabilidade. Os números citados pelo
relatório Cities in a Globalizing World do Habitat revelam que:
Cerca de 3 bilhões de pessoas não dispõem de um acesso adequado ao saneamento, o dobro dos que
não dispõe de acesso à abastecimento seguro de água. As doenças de veiculação hídrica associadas
são especialmente preocupantes em áreas de rápida urbanização. Precisamos de programas que façam
a ponte entre tratamento de águas servidas, educação higiênica, disposição e coleta de esgotos e
gestão do resíduos sólidos. (11)
Nas cidades brasileiras houve significativos avanços no abastecimento d'água e, menos significativos, no
saneamento. Mas o abastecimento d'água ainda sofre perdas de mais de 50%, em muitas grandes cidades, na
fase de transporte e distribuição. O desperdício do que sobra para o consumo é considerável, fruto de uma
cultura da abundância, entranhada num país que detêm 13% do 1.5% das águas aproveitáveis do planeta,
essas cada vez mais escassas. A cobrança por "estimativa", e não por consumo efetivo, amplamente praticada
por concessionárias, é altamente deseducativa. Mas o maior problema aqui é a poluição de redes pluviais, rios,
canais, lagoas, baias e oceano pelos efluentes líquidos não tratados, industriais e domésticos.
Algum progresso foi registrado, nos últimos anos, em relação às industrias mas a situação dos esgotos
domésticos é caótica. São poucas as partes dos sistemas de esgotamento que passam por estações de
tratamento, do que tipo for, e o funcionamento destas estações e sua própria manutenção constitui um
problema que raramente é satisfatoriamente resolvido. Nossas cidades estão cheias de exemplos caricaturais
de estações que não funcionam, mal funcionam ou, simplesmente, são “baipassadas” pela rede de esgotos.
Algum progresso foi logrado na tarefa crucial de retirar as valas negras da proximidade das moradias mas uma
parcela superior a 70% das nossas internações hospitalares continua vinculada a algum tipo de infecção de
veiculação hídrica, o maior problema de saúde pública continua sendo a água contaminada.
A gestão das águas e do lixo estão totalmente desassociadas. Uma depende freqüentemente da esfera
estadual e a outra dos municípios. Dentro da própria gestão das águas o abastecimento e esgotamento estão
separados da drenagem e da conservação dos corpos hídricos. A presença de lixo agrega-se a dos esgotos e
qualquer estratégia visando a sustentabilidade precisa levar em conta ambos fluxos poluentes. Nas inundações
e desabamentos o problema dos resíduos sólidos torna-se particularmente dramático. A vulnerabilidade
climática e topográfica é exacerbada pela impermeabilização de imensas superfícies urbanizadas com
escassos pontos de absorção de águas na enorme manta de concreto e asfalto.

O Desafio Ecológico das Cidades 6


Alfredo Sirkis
A retificação e a canalização de rios e canais acelera a velocidade das águas que, retiradas mais rapidamente
de um ponto, vão se represar em outro, mais adiante, com maior intensidade. O entupimento destes condutos
por grandes quantidades de resíduos sólidos, sobretudo plásticos, costuma ser a gota d'água das tragédias. As
inundações podem ser mitigadas senão prevenidas com políticas urbanas que conservem ou devolvam a
permeabilidade de áreas consideráveis (estacionamentos, faixas de calçadas, praças, jardins) impedindo que
sejam recobertas de asfalto ou concreto, com recuperação das faixas marginais de proteção de rios e canais, a
criação de bacias naturais de acumulação, a construção de tanques de retenção em áreas públicas e nos
telhados, de onde a água pluvial pode, depois, ser reutilizada para abastecer as descargas de vasos sanitários
e a lavagem de carros.
O destino final dos resíduos sólidos das grandes cidades apresenta um problema capital a pressionar cada vez
mais a vida das cidades, nas próximas décadas, porque, até agora, a quantidade de resíduos sólidos
produzido na maioria das cidades vem crescendo sem parar. Outro relatório do Habitat, The State of the World
Cities, de 2001, informa:
A produção municipal de resíduos sólidos continua a crescer tanto no geral como per capita. Em 1997
a produção do Rio de Janeiro era de 8 0 42 toneladas por dia comparadas com 6 200 toneladas dia em
1994, apesar do fato do crescimento da população no período ter sido praticamente zero. Na Noruega a
produção de lixo aumentou 3% entre 1992 e 1996, enquanto nos EUA foi de 4.5% em similar período.
(12)
No que pese o número referente ao Rio de Janeiro, citado pelo Habitat, ter sido em parte, decorrente de uma
melhoria da coleta de lixo em favelas cariocas, é inegável que as cidades, em todo mundo, ainda estão
produzindo cada vez mais lixo. Com a disponibilidade de espaços existente no nosso país, aterros sanitários
bem preparados e geridos, associados a uma eficiente coleta e transporte do lixo, ainda podem ter uma
sobrevida de uma ou duas décadas. Mas o colapso estará na curva da história, logo adiante, se não houve
uma mutação primordial da relação da sociedade com os resíduos sólidos que produz, incessantemente.
Nesse ponto estaremos diante do dilema de realizar investimentos proibitivos para o nosso contexto
econômico, em incineradores com caríssimos filtros de dioxinas, ou já haveremos de ter avançado no
desenvolvimento de uma economia da reciclagem onde sejam reduzidas drasticamente as quantidades de lixo
enviadas a destino final. Na Alemanha, entre 1986 e 1997, a percentagem de reaproveitamento de
embalagens subiu de 12% para 86% e a reciclagem de plásticos, neste mesmo período, aumentou em
dramáticos 1700 %.
No Brasil alguns passos já foram dados nesse sentido, sobretudo no que diz respeito às latinhas de alumínio,
em relação às quais a iniciativa privada criou um dos sistemas de reciclagem mais abrangentes do mundo,
mas o problema dos plásticos obteve relativamente pouco progresso em relação a sua magnitude. E o Brasil
produz, por ano, a impressionante quantidade de 6 bilhões de garrafas PET. Uma legislação que determine a
redução e o reaproveitamento de embalagens e a recompra de recipientes plásticos é um passo
absolutamente fundamental que enfrenta uma forte resistência que começa a ser trincada. Uma coleta seletiva,
simplificada, que eduque a população a separar o lixo, na origem, em, pelo menos, 2 grupos, o orgânico e os
recicláveis, é algo indispensável que a gestão urbana não pode mais procrastinar. A situação do lixo na cidade
informal é também uma questão de importância vital pois é nas áreas de favelas que encontramos as maiores
deficiências de coleta e a maior presença de resíduos sólidos como fator de inundação, desabamento,
proliferação de vetores e doenças. Mas é também nessas áreas em que pode se estruturar uma toda uma
economia, à volta desses resíduos, que vale a pena subsidiar durante um bom período: os mutirões
remunerados de catação, as usinas locais de reciclagem hoje são visíveis em algumas comunidades enquanto
projetos piloto. Precisam se tornar uma presença regular.

UTOPIA URBANA?

Atingir o objetivo de uma cidade sustentável não é uma meta utópica, ela depende de uma série de ações
perfeitamente alcançáveis, conquanto algumas difíceis por fortes injunções culturais, políticas e econômicas.
Depende também de condicionantes de macro-economia internacionais e nacionais: é difícil conceber cidades
sustentáveis dentro de uma aguda crise econômica e social com desemprego em massa, recessão, etc... Por
outro lado, o fator violência urbana, hoje o problema mais terrível com o qual se defrontam nossas cidades,
tem uma influencia desagregadora e entrópica imensa.
Por outro lado, ações de gestão urbana que promovam cidades sustentáveis contribuem de forma
cumulativamente positiva para a economia local, regional, nacional e global e criam uma situação mais
favorável no combate à violência e à corrupção. A médio e longo prazo a saída está no que se conseguir fazer
hoje no sistema educacional, sobretudo, na educação infantil, por um lado, e, por outro, no segundo grau, com
programas focados nos adolescentes em idade de risco. Muito também vai depender, no futuro, da adoção de
uma estratégia alternativa, menos estúpida, para lidar com o problema das drogas, trazendo-o para o campo
da saúde pública e retirando-o do contexto da economia e das guerras urbanas.

O Desafio Ecológico das Cidades 7


Alfredo Sirkis
De qualquer maneira, ressalvados todos esses problemas, a ecologia urbana hoje apresenta caminhos
bastante claros. Há uma relação holística entre o berço natural e o tecido urbano, e neste, entre a escala
humana e a construtiva e entre o espaço público e o privado. Há uma relação entre zoneamento urbano e
sistema de transportes e, entre este a matriz energética predominante que, por sua vez influi na qualidade do
ar. Há uma relação entre a gestão dos resíduos sólidos e dos efluentes líquidos e com a saúde pública e desta
com a economia urbana. Há uma relação entre a preservação dos espaços públicos e a cidadania. A deficiente
política (ou a não-política) de habitação, influi na perda de espaços verdes, que por sua vez resulta em erosão
e desabamentos. Há, decididamente, uma relação entre inadequações urbanísticas com a degradação, a
entropia, o vandalismo e violência. Precisa haver um equilíbrio sutil entre a preservação e restauração do
patrimônio construído antigo com a renovação urbana.
Há milhares de interfaces diretas, indiretas, discretas, evidentes ou escancaradas que formam a teia urbana,
quase infinita , esse ecossistema de altíssima complexidade onde os sonhos de cada ser humano tem as
melhores condições de se realizarem, pelas possibilidades de múltiplos contatos que a vida urbana
potencializa como também o risco de se consumarem seus mais temidos pesadelos... As tarefas podem ser
gigantescas mas, pelo menos, estão evidentes. Nenhuma das múltiplas soluções de implementação
necessária para a sustentabilidade urbana aqui mencionas é meramente teórica ou abstrata. Todas elas já
passaram por algum tipo de teste prático, de protótipo, de experiência piloto em algum lugar. A dificuldade está
em fazer convergir todo esse acervo de boas práticas e aplica-lo na escala necessária. O desafio da ecologia
urbana é enfrentar a escala mega.
Notas
(1) Cities in a Globalizing World - a global repport on human settlements 2001 - Habitat/UNCHS. Earthscan
Publications Ltda. 344pgs.
(2) The Economy of Cities - Jane Jacobs. Vintage Books. 1969. 268 pgs.
(3) Ecologia Urbana e Poder Local - Alfredo Sirkis. Ondazul. 1999. 314 pgs.
(4) The Granite Garden - Anne Whinston Spirn. Basic Books. 1984. 334 pgs.
(5) Desenho Ambiental - Maria Assunção Ribeiro Franco Annablume Ed. 1997. 224 pgs..
(6) The Death and Life of Great American Cities - Jane Jacobs. Vintige Books. 1961. 458 pgs
(7) Towards an Eco-city- calming the traffic - David Engwitch. Envirobook. 1992. 190 pgs.
(8) O Mistério do Capital - Hernando de Sotto. Editora Record. 2001. 306 pgs.
(9) Natural Capitalism - creating the next industrial revbvoluton- Paul Hawken, Amory and L.Hunter Lovins.
Little, Brown and Company. 1999. 396 pgs.
(10) The City after the Automobilie - an arquitectural vision - Moshe Safdie with Wendy Kohn. Westview press.
1997. 187 pgs.
(11) Cities in a Globalizing World - a global repport on human settelments 2001 - Habitat/UNCHS. Earthscan
Publications Ltda. 344pgs.
(12)The State of the World's Cities 2001 - Habitat/ UNCHS. 126 pgs.

O Desafio Ecológico das Cidades 8


Alfredo Sirkis

Você também pode gostar