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MOACYR SCLIAR
Um mundo só de mulheres
Com isso, elas não seriam mais oprimidas e marginalizadas. Não precisariam mais correr atrás dos machos
Uma equipe de pesquisadores nos EUA resolveu o mistério de uma população de lagartos na qual
só existem fêmeas, que se reproduzem sozinhas, dispensando a fertilização por machos -uma forma de
reprodução sem sexo conhecida como partenogênese. Os cientistas descobriram que elas produzem
células germinativas -as que dão origem a espermatozoides e óvulos- com o dobro de cromossomos. Diz
Peter Baumann, coordenador da equipe do Instituto Stowers de Pesquisa Médica, responsável pela
investigação: "Uma espécie partenogenática se reproduz mais rápido porque cada fêmea pode ter crias e
não gasta tempo nem energia na busca de um parceiro". Ciência, 17 de março de 2010
QUANDO o terceiro marido a deixou, em meio a brigas e insultos, ela chegou à conclusão que era
o momento de dar o basta: não queria mais saber de homens, seres vis, mesquinhos, grosseiros, egoístas.
Uma decisão penosa, difícil. Sem filhos, sem família próxima, teria de viver sozinha. Claro, não lhe
faltavam amigas na mesma situação; elas, porém, não haviam renunciado ao sonho de encontrar o
príncipe encantado, o macho de suas vidas.
Equívoco, doloroso equívoco que, contudo, fazia parte da própria história das mulheres. Afinal,
Eva havia sido criada por Deus para fazer companhia a Adão. Ou seja, ela remava contra a maré. O que a
deixava muito deprimida e desanimada.
Foi então que leu a notícia sobre as fêmeas de lagartos que se reproduziam sem sexo, sem a
incômoda e arrogante participação dos machos.
E aquilo lhe deu novas esperanças. Por que não introduzir aquele método de reprodução, a
partenogênese, na espécie humana? Mulheres simplesmente dariam origem a outras mulheres, seu
número crescendo cada vez mais. E isso teria consequências fantásticas.
Em primeiro lugar, homens se tornariam desnecessários. Com isso, as mulheres não seriam mais
oprimidas e marginalizadas. Não precisariam correr atrás dos machos. Continuariam se vestindo bem,
continuariam indo ao cabeleireiro e se maquiando; mas fariam isso simplesmente para satisfazer a própria
autoestima, não para agradar a um potencial parceiro. As mulheres se reuniriam, mas para conviver
amistosamente, não para competir no selvagem mercado do sexo. Poderiam desenvolver seus atributos,
suas qualidades.
Os homens se tornariam uma espécie em extinção. Incapazes de se reproduzir (afinal, falta-lhes o
útero), morreriam aos poucos, um fim que seria acelerado pela inveja e pela frustração. Em algumas
gerações, o mundo seria só das mulheres. Final feliz, portanto?
Para seu desgosto, ela suspeitava que não. Suspeitava que um dia, naquele mundo só povoado por
mulheres, uma nave especial, vinda de um planeta distante, pousaria na praça central de uma cidade
qualquer. A porta se abriria, e quem dali emergiria? Os homens, claro. Homens altos, fortes, bonitos.
Num primeiro momento, as mulheres ficariam imóveis, paralisadas. Mas em seguida uma delas
correria ao encontro dos recém-chegados. E logo outra, e mais outra. Seriam inúteis as repreensões e
advertências das líderes: naquele momento o reino da partenogênese, e das mulheres, teria chegado ao
fim. Como ao fim chegaram tantos belos sonhos.
MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2203201005.htm