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VI Colóquio Coleções de Arte em Portugal e Brasil

nos Séculos XIX e XX: coleções de artistas

“Eu, JOÃO DA SILVA, escultor”.


Metáforas de um inventário museológico
no seu legado artístico.

Arlinda Fortes
Estudante de doutoramento, Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa (FBAUL)
Bolseira de investigação, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa
Membro do Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA), da FBAUL

João da Silva (1880-1960), foi um escultor português de grande relevância nacio-


nal, da primeira metade do século XX, que legou em vida (1952) todo o seu patri- RESULTADOS
mónio artístico e imóvel, à Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em Lisboa.
O artista plástico com distinção na medalhística, escultura, numismática e ourivesa- Desde novembro de 2018, foram inventariados um total de 895 objetos, numa amos-
ria, com obras representadas em espaços públicos, e premiado em contexto nacio- tragem distribuída por 16 categorias, como demonstra o gráfico.1. Os bens inventa-
nal e internacional, deixou em testamento o desejo expresso de ver configurada a sua riados são na sua maioria de produção artística própria.
residência em Lisboa, num Museu. Com maior expressão, apresentam-se as categorias de desenho e medalhística,
É na sua Casa (no sentido privado), que se encontra guardada a quase totalidade com a primeira categoria, a refletir a capacidade de observação, aperfeiçoamento
da sua produção artística, grande parte vinda de Paris, país onde residiu e traba- e estudo do escultor em relação a todas as obras que reproduziria no seu atelier.
lhou durante anos, cumprindo parte do objetivo de reunir na Casa de Lisboa as suas Todas as suas obras, possuem esboços/estudos ou estresidos, onde podemos acom-
obras. Permanecem, igualmente guardados, todo o património artístico, referente a panhar, em determinadas peças, a sua evolução até ao produto final. Já na catego-
outros artistas e autores –, bibliográfico e pessoal do escultor. ria de medalhística, onde o autor foi considerado pelos seus pares como sendo “o pai
Recentemente, iniciou-se o estudo e inventário museológico, através de uma bolsa da medalhística” em Portugal, apresenta-se um conjunto de medalhas comemorativas
Fig. 2— “Fortuna pelo Trabalho (estudo)”, SILVA, João da, 1916,
de doutoramento, financiada pela legal consignatária de todo o acervo de João da da primeira metade do século XX, de registo e identidade própria, com visíveis influ- Prata, Ø 2,3 cm, CMJS237. Foto: autora.
Silva, a SNBA. O processo de inventário museológico, apresentava-se com largos ências francesas (SILVA, 1991). Dando a conhecer a sua arte na medalhística, pode-
anos de atraso, com a ressalva de nunca antes ter sido realizado, como aprofun- mos observar a Fig. 1, a medalha de homenagem ao “IV Centenário da Fundação da
dado o estudo da coleção e escultor, privando-se o público de conhecer e usufruir de Cidade de São Paulo”, ordenada cunhar pelo Governo Português, em 1954, através
uma vasta coleção e anónima para a grande maioria. Na sua evolução, deparámo- da Comissão Portuguesa do IV Centenário de São Paulo, tendo estado exposta na
-nos com uma grande diversidade de tipologias, materiais e técnicas de produção “Exposição de História de São Paulo no quadro da história do Brasil”, coordenada
aplicadas, que à época eram consideradas como de grande avanço científico e tec- por Jaime Cortesão (RIBEIRO, 2018).
nológico. Toda a investigação, resultará numa tese de doutoramento, compilando o Destacamos ainda, as categorias de numismática e escultura, pelas obras de reco-
estudo e inventário museológico, e a programação museológica da designada Casa- nhecido valor histórico português, que conhecíamos antecipadamente por publica-
Museu João da Silva (CMJS), que reunirá um acervo de grande qualidade artística e ções da especialidade, como a primeira moeda de ouro da República, intitulada
relevância histórica, que coabitarão com a presença e vivência de uma individuali- “Fortuna pelo Trabalho” (Fig. 2), datada de 1916, resultante de concurso para o
dade singular, artista plástico, e educador num Portugal à época em mudança social, fim em questão (1913), com uma história envolta em grande reboliço quanto à sua
política e tecnológica. cunhagem, com sucessivos recuos e avanços, por desacordos entre o autor e o chefe
da oficina de gravura da Casa da Moeda – que tem a seu cargo a produção de
João da Silva, Escultor, Legado, Inventário, Casa-Museu moeda e bens para o Estado Português –, onde se juntou atrasos nas entregas dos
modelos via correio, pois o autor à época, vivia em Paris e a Europa encontrava-
-se sobre a 1.ª Grande Guerra. (TRIGUEIROS, 2011) Outra obra de valor histórico,
executado por João da Silva, é o estudo do “Busto da República” (Fig.3), esculpido
JUSTIFICATIVA para a Assembleia Constituinte de 1911. A obra diretamente delegada ao autor
pelo Parlamento Português, seria um busto de dimensão considerável, atentando ao Fig. 3— “Busto da República (estudo)”, SILVA, João da, 1910,
João da Silva deixou-nos obras de grande valor artístico, sendo a maioria de sua pro- espaço no nicho a que se destinava na Assembleia da República, e onde terá perma- Bronze, 28,3 x 7,91 x 12,5 cm, CMJS91. Foto: autora.
dução artística, tendo igualmente obras de outros artistas e autores, que lhe foram necido até 1913. (ASSEMBLEIA, 2015)
ofertadas ou adquiridas pelo próprio. No global das obras inventariadas, deparámo-nos ainda, com exemplares raros de
Volvidos todos estes anos, e apesar dos esforços de manter a salvaguarda de todos os medalhas e objetos, que situam a vivência do autor num período da história marcado
bens, a ausência de um inventário de cariz museológico, ou um estudo aprofundado por situações políticas complexas, mas também de grande avanço tecnológico. CONCLUSÃO
sobre a coleção artística e seu autor, manteve-se. Após a tomada de posse adminis-
trativa da coleção e do imóvel (2018), a SNBA , reuniu finalmente, todas as condi- Os dados que apresentamos, ainda que preliminares, são o início de um demorado
SELOS E SINETES
ções para a realização do trabalho de investigação e de inventário museológico de 1% e complexo trabalho com largos anos de atraso, que deverá ser recuperado em dois
todo o acervo. anos, ainda que saibamos antecipadamente, que será um processo em aberto por se
EQUIPAMENTO E UTENSÍLIOS
1% tratar de um vasto acervo. Ainda assim, com o inventário museológico e estudo da
DESENHO
50% NUMISMÁTICA coleção e artista plástico, dissiparemos questões quanto à sua produção artística – no
1%
que concerne ao número efetivo de obras –, redescobriremos obras de grande valor
OBJETIVOS CERÂMICA
artístico e histórico, como faremos jus ao legado deixado por João da Silva, contri-
1%
GRAVURA buindo para a concretização da sua vontade testamenteira, com a programação da
Com a atual investigação em curso, sobre o escultor e o acervo legado à SNBA, 1%
Casa-Museu João da Silva.
podemos partilhar os primeiros resultados do inventário museológico da sua cole-
895
OURIVESARIA
2%
ção artística, com toda a comunidade artística e académica. Desta forma, contribuí-
ADEREÇO
mos para a difusão de uma coleção artística de grande qualidade técnica e artística, 2%

como de singular. FOTOGRAFIA


2%
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ESPÓLIO DOCUMENTAL
1% AAVV (2000). Normas gerais de inventário. Artes Plásticas e Artes Decorativas. Lisboa: IPM.
MEDALHISTICA

MÉTODOS
23% ESCULTURA
5% ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (2015). Uma estátua da República para o Hemiciclo – Exposição
METAIS
comemorativa do I Centenário do Concurso aberto pelo Congresso da Republica. (Catálogo
10% da exposição). Lisboa: AR.
Iniciámos a nossa investigação em novembro de 2018, com uma imposição tempo-
Gráfico. 1—Distribuição por categorias, da coleção de João da Silva. Lei-Quadro dos Museus Portugueses, Lei n.º 47/2004, de 9 de agosto. Diário da República
ral definida em dois anos (2020), estabelecida em parte, pelo programa de douto-
n.º 195/2004, Série I-A. pp. 5379-5394.
ramento, que são de três anos, e pela vastidão da coleção artística, que ultrapassa-
ria todas as balizas temporais. O inventário museológico segue em conformidade RIBEIRO, David William Aparecido. “Uma exposição para o IV Centenário de São Paulo:
com o designado pela Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto (Lei-Quadro dos Museus um historiador português narra a “história bandeirante”” In Anais do Museu Paulista:
História e Cultura Material, Vol. 26, novembro 2018, p.1- 65 e 23. Disponível em URL
Portugueses) e bases normativas nacionais e internacionais, seguindo igualmente, cri-
http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v26/1982-0267-anaismp-26-e23.pdf.
térios museológicos adotados anteriormente pela SNBA.
Numa fase preliminar da investigação com base na observação in loco, e guiados SILVA, João da (1952). Testamento do escultor João da Silva (policopiado). Lisboa: SNBA.
pela recolha documental, a maioria produzida pela herdeira do autor, a sua filha SILVA, Carlos Batista da Silva. Alguns elementos para o estudo da medalha portuguesa do
Gabriela da Silva – até ao ano em que viria a falecer (2003), procurou manter a von- século XX In EUROPÁLIA – PORTUGAL 91 – A medalha portuguesa no século XX., s.l. ,s.n.,
tade testamenteira de seu pai, abrindo as portas da vivenda de família, a CMJS, ao (catálogo). p.15.
público, e organizando fichas sumárias do acervo da CMJS –, detectámos galvanos; Sociedade Nacional de Belas Artes. Disponível em http://www.snba.pt.
bustos e esculturas em bronze; uma série popular de animais, em porcelana da Casa
TRIGUEIROS, António Miguel. “Centenário do Escudo Republicano” In Revista Portuguesa
Rosenthal (Alemanha) e da Vista Alegre (Portugal); medalhas e plaquetas de bronze, de Numismática, Medalhística e Notafilia. Vol. XXXVI n.º 2 Abril / Junho 2011. Disponível
marcando feitos nacionais e internacionais; estudos e esboços; modelos em gessos, em URL: https://www.academia.edu/32009691/TRIGUEIROS_Antonio_Miguel__No_
alguns de dimensão considerável referentes à escultura tumular; e uma extraordinária Centen%C3%A1rio_do_Escudo_Rep ublicano_de_Portugal_1911-2011_2011_.
Fig. 1—Medalha em homenagem do “IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo”.
biblioteca e arquivo pessoal e inédito. SILVA, João da, 1954, Bronze, Ø 9 cm, CMJS180/1. Foto: autora.

arlindafortes@campus.ul.pt | fbaul.academia.edu/ArlindaFortes

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