Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Cavaleiro Das Trevas de Frank Miller
O Cavaleiro Das Trevas de Frank Miller
terrorismos12
Bruno Andreotti3
Vocês devem se lembrar de Frank Miller como o cara que tirou o Demolidor do
limbo, ou como o autor de Sin City, ou ainda como o criador de 300 de Esparta…
mas eu simplesmente prefiro me lembrar dele como o cara que fodeu com a
franquia Robocop no cinema.
1
O presente artigo foi publicado originalmente no blog dos Quadrinheiros [ www.quadrinheiros.com ]
em duas partes. Link para a parte 1: http://goo.gl/xG77dm e parte 2: http://goo.gl/KBakY4
2
O presente texto está sob licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0
Internacional.
3
Possui graduação em História pela PUC-SP (2003), graduação em Licenciatura pela PUC-SP (2004) e
mestrado em Ciências Sociais pela PUC-SP (2008). Escreve periodicamente para o blog Quadrinheiros sob
o pseudônimo de Nerbully. Link para o currículo lattes: http://goo.gl/s4Pkms
Mas por que Miller fixou-se na mente da maioria dos leitores tendo criado esse
Batman? A resposta está na estratégia de marketing da DC. As histórias de O’Neil
eram simplesmentecomics ou, para tornar a expressão mais inteligível, gibis.
Coisa de criança. Já O Cavaleiro das Trevas não, aquilo era uma graphic
novel (novela ou narrativa gráfica, dependendo de quem faz a porca tradução),
quadrinhos, a 9ª Arte e vendido como tal.
Embora no seu formato original a série tenha saído como limited series, apenas
um ano depois foi reunida em uma única edição como uma graphic novel, ou seja,
uma estratégia de mercado para vender quadrinhos para um público adulto, ou
um modo de um adulto ler quadrinhos em algum lugar público e não receber
olhares reprovadores por isso. Ou seja, o sucesso de O Cavaleiro das Trevas não
pode ser dissociado dessa estratégia de marketing da DC em vender o Batman
para um público “adulto”.
Em O Cavaleiro das Trevas, Miller executa sua ideia básica para 95% de sua
produção: pega todas as suas influências noir na ambientação, hard boiled na
trama e cria um tough guy como personagem principal. Voilá! Você tem mais
uma obra prima de Frank Miller! Alguém aí lembrou do filme do Spirit? Então…
Mas ok. Você comprou o peixe como lhe venderam. Gastou cerca de 100 reais na
edição definitiva da Panini (última a ser pública por aqui e ainda vem com O
Cavaleiro das Trevas 2, mas esse está abaixo da crítica). Tem nas mãos um
verdadeiro clássico da 9ª Arte, uma graphic novel, um Batman para adultos
escrita e desenhada por ninguém menos que Fank Miller. E agora?
Mas quando o filme Zorro traz de volta as lembranças da morte de seus pais o
Batman volta. A cidade, que até então vinha sofrendo uma onda infernal de calor
é acometida por uma tempestade. É o Batman voltando e limpando as ruas de
Gotham.
Batman constata que já não é mais o mesmo. Seu corpo não responde… ele se
lamenta por ter sido brando demais com alguns criminosos que agora o cercam.
Então, quando toma o controle da situação novamente, ele aleija um criminoso.
Batman afirma sua superioridade e recupera parte de sua confiança em si mesmo
ao fazê-lo.
Paralelo a tudo isso, Harvey Dent é solto do Arkham, agora com a face regenerada
e supostamente reabilitado. Mas, obviamente, volta a cometer crimes. A
capacidade dos psiquiatras e psicólogos do Arkham é anulada. Não é possível
nenhuma reabilitação. No embate final com Batman, o Duas-Caras pode morrer,
mas Batman o salva. Não por uma preocupação ética ou moral em salvar vidas,
mas porque Batman deseja saber se realmente era Harvey Dent ou não.
“Eu não guardei meu veneno mais poderoso pro Coringa ou pro Duas-Caras,
mas para as insípidas e apelativas figuras da mídia que cobriam de forma tão
pobre os gigantescos conflitos daquela época. O que essas pessoas
insignificantes fariam se gigantes andassem sobre a Terra? Que tratamento
elas dariam a um herói poderoso, exigente e inclemente?”
E é esse mesmo herói inclemente que diz: “Foi difícil carregar 120 quilos de
sociopata até o topo das Torres de Gotham… o ponto mais alto da cidade. Mas
os gritos compensaram”. Batman não usa mais seus métodos apenas porque é
necessário, ele passa a sentir prazer na tortura que inflige aos criminosos.
Mas o grande conflito está entre Batman e a chamada Gangue dos Mutantes.
Sabemos poucos dessa gangue, mas duas de suas características são
constantemente reiteradas: sua juventude e sua brutalidade. Num conflito quase
mortal com o líder dos Mutantes tendo como telespectadores o restante da
gangue Batman o vence, provocando a catarse para aquela juventude massificada
e brutalizada. Em um passe de mágica, parte dos Mutantes se tornam Os Filhos
do Batman. Ao invés de executar atos de violência contra os cidadãos de bem de
Gotham começam a executar atos de violência contra criminosos. É assim que
Miller vê a juventude: uma massa perdida à espera de seu Führer.
Mas ainda há outro conflito, central nessa parte da trama, contra o Coringa, seu
arqui-inimigo. Batman é a única barreira entre a loucura do Coringa e a
população, o Estado não o deterá, ao contrário, acaba de liberá-lo – ainda que por
pouco tempo – do Arkham -, portanto toda violência exercida pelo Batman está
justificada para “defender a sociedade”. Batman está decidido a acabar de vez com
o Coringa, quer matá-lo, mas não consegue.“Vozes me chamam de assassino… eu
gostaria de ser…” pensa o Morcego. O limite ético e moral da preservação da vida
não existe mais, Batman quer ser um assassino.
O Cavaleiro das Trevas sente-se culpado (e também a mídia o culpa) por todas as
mortes causadas pelo Coringa, tomando uma decisão sem precedentes: deixa o
Coringa tetraplégico (e por que não o matou, uma vez que ele mesmo expressa
esse desejo? Um veto editorial, talvez? Uma linha que nem Miller ousou transpor?
Jamais saberemos), mas o Palhaço do crime acaba por cometer suicídio,
enquanto o Morcego apenas observa, livrando-o da culpa de ser um assassino.
Nota: veja que a trama do senador que enlouquece e pede um ataque nuclear a
Corto Maltese é a mesma utilizada em Elektra Assassina… Miller se supera na
originalidade.
Eles estão num lugar conhecido como A Fossa e por um momento Batman se
coloca no mesmo nível de seus seguidores quando diz: “Um campo de procriação
para ratos e insetos. Alguns ratos voam”. Batman decide usar seus seguidores
para manter a situação sobre controle e discursa: “Nossas armas são
silenciosas… precisas. No tempo certo, eu lhes ensinarei como devem ser usadas.
Esta noite, vocês usarão só os punhos… e o cérebro. Hoje nós somos a lei.
Hoje, eu sou a lei”. O Superman, o Estado, falhou. Batman vai fazer o que o
Estado não foi capaz, mas sem nenhuma legitimidade.
“não é mais do que uma modinha criada por moleques mimados de iPhones e
iPads na mão que deviam sair da frente de quem quer trabalhar e procurar
emprego (…) Em nome da decência, voltem para casa do papai, seus medíocres.
Vão para o porão da mamãe brincar de Lords Of Warcraft”.
A solução para essa juventude? Simples, alistarem-se no Exército! Nesse ponto
Alan Moore foi pontual e certeiro:
“[O OWS] é um grito justificado de ultraje moral e parece que está sendo
conduzido de um jeito pacífico e inteligente, o que provavelmente é outra razão
para Frank Miller ficar tão desagradado. Tenho certeza de que se fossem
uns jovens vigilantes sociopatas com maquiagem de Batman
na cara [os Filhos do Batman] ele seria bem favorável.”
Mas ok, acho que vocês já entenderam a posição política de Frank Miller. E quais
os efeitos de sua interpretação do Batman para o cânone do herói?