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Aparelhos Funcionais: Uma Revisão

Functional Appliances: A Review

Gustavo Kreuzig Bastos Especialista em Ortodontia - UFF


José Nelson Mucha Professor Titular de Ortodontia da UFF

Publicado na Revista Brasileira de Odontologia, v.59, n.3, Mai/Jun, p. 184-88, 2002.

Resumo:

Os ortodontistas contam com um grande número de dispositivos para a correção das maloclusões
dentárias e o aprimoramento da estética facial. Os aparelhos funcionais ganham a cada dia mais
destaque no cenário mundial e principalmente nacional. Apesar de sua ampla utilização, muitas
vezes a terapia funcional não é totalmente compreendida. Sendo assim, é proposta deste trabalho
revisar a literatura com relação: 1) a história dos aparelhos funcionais, 2) o mecanismo de ação
desses aparelhos, 3) os tipos de aparelhos funcionais mais comumente utilizados e suas
indicações, e 4) o efeito dos aparelhos funcionais sobre os ossos da face, principalmente a maxila
e mandíbula e sua influência sobre o crescimento desses ossos.

Palavras Chave: Ortodontia, Aparelhos funcionais

Abstract:

Orthodontists count with a great number of appliances to correct dental malocclusions and to
improve facial aesthetics. Functional appliances get more and more prominent in the world, and
mainly, in the national scenery. Although widely used, functional therapy is still not well
understood. Therefore, the purpose of this study is to revise the literature in relation to: 1) the
history behind functional appliance therapy, 2) the mode of action of those appliances, 3) the most
common appliances and their indications, and 4) the effect of the functional appliances on the
facial bones, mainly on the maxilla and the mandible, and its influence on the growth of those
bones.

Key words: Orhodontics, Functional appliances

Introdução

Nas últimas décadas, a utilização de aparelhos funcionais como uma alternativa ao tratamento
ortodôntico fixo vem crescendo de maneira significativa (3,7,8,13,19). A diversificação das
técnicas e tipos de aparelhos removíveis cresce de maneira proporcional ao número de artigos,
livros e cursos oferecidos no Brasil e no exterior. Apresentados como sendo capazes de
reorganizar e re-equilibrar os tecidos orais, proporcionando um crescimento mais harmônico entre
as bases ósseas, muitas vezes também é creditado a esses dispositivos a capacidade de
estimular o crescimento mandibular (3,14,19). Os ortodontistas com formação mais clássica, que
utilizam principalmente as técnicas fixas, podem se sentir desorientados, tamanho é o número de
aparelhos e seus diferentes mecanismos de ação, encontrados na literatura ortodôntica. Sendo
assim, é objetivo deste trabalho apresentar uma revisão histórica da evolução dos aparelhos
funcionais e seu mecanismo de ação, os aparelhos funcionais mais relevantes e as evidências
clínicas e experimentais encontradas na literatura ortodôntica.

História

Segundo Graber (8), as primeiras teorias sobre a plasticidade óssea podem ser encontradas nos
trabalhos de Roux e Wolff do final do século XIX, que acreditavam existir uma relação entre a
forma dos ossos e sua função, de maneira que, mudanças provocadas pelas forças funcionais
eram capazes de alterar a arquitetura óssea.
De acordo com Schmuth (27), foi Viggo Andresen, a partir de 1908, quem realmente popularizou o
uso do aparelho funcional, com seu Ativador. Segundo Schmuth (27), Andresen não estava
satisfeito com o tratamento ortodôntico de sua filha, que continuava com tendência a distoclusão.
Assim, com evidente inspiração no bite jumping de Kingsley, testou seu ativador na própria filha,
que estava de partida de férias, onde permaneceria por três meses. Este Ativador, um aparelho
Hawley modificado, com uma camada extra de vulcanite, provocaria um deslizamento anterior da
mandíbula quando em oclusão, resolvendo a Classe II. Após o retorno de sua filha, Andresen
ficou impressionado com os resultados obtidos, tendo conseguido a correção da Classe II e uma
melhora significativa do perfil, apenas com o uso noturno do aparelho. A partir de então,
aprimorou seu dispositivo, e passou a tratar jovens pacientes com maloclusões Classe II, 1a
divisão. Andresen concluiu que seus casos tratados com o Ativador tinham um ganho ao nível
ósseo e neuromuscular que dificilmente uma técnica fixa proporcionaria. Andresen acreditava que
a alteração do padrão funcional poderia ser de grande benefício para a correção de alterações
sagitais, mais precisamente da Classe II, 1a divisão (27).

A partir das idéias de Andresen, que Petrik e Herren, em 1957 e Haupl, em 1959, aprimoraram o
Ativador, que Balters, em 1964, propôs o Bionator, que Fränkel, em 1969, apresentou uma
variação mais complexa, atualmente conhecida com FR2, que Bimler, em 1964, desenvolveu seu
dispositivo na Alemanha e que o escocês Clark, em 1988, apresentou mais recentemente o Twin
Block. (27, 4, 7, 6, 10)

Ainda com relação aos dados históricos, nota-se uma particularidade evidente, relacionada aos
aparelhos funcionais; todos foram desenvolvidos basicamente na Europa. Encontra-se a resposta
a esta questão na própria história, já que a evolução desta linha da ortodontia coincide com o
período das duas grandes guerras mundiais. Com a escassez de materiais nobres, os
ortodontistas foram obrigados a buscar novos recursos para corrigir as maloclusões. Juntando-se
a este fato, a tendência por tratamentos sociais, principalmente nos períodos pós-guerra, as
técnicas funcionais passaram a ser destaque da especialidade na Europa no último século.

Mecanismo de ação

Antes de analisar o mecanismo de ação dos dispositivos funcionais, é importante mencionar que
existe unanimidade com relação a maloclusão indicada para o tratamento. A Classe II, 1a divisão
é apontada como a maloclusão que pode ser beneficiada do tratamento com esses dispositivos
(1, 3, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 28). Apesar de existirem também dispositivos funcionais para a
correção de alterações transversas, tanto no arco superior (7), como no inferior, ou mesmo, para o
tratamento da Classe II, 2a divisão (26) e Classe III, é fundamental estabelecer que os
dispositivos e aparelhos funcionais na sua maioria, são utilizados para corrigir ou amenizar
discrepâncias sagitais ântero-posteriores, mais especificamente a Classe II ,1a divisão.

Os fundamentos teóricos por trás do tratamento funcional das discrepâncias sagitais regem,
segundo as teorias de Moss (7, 21, 22), que um novo padrão funcional ditado pelos aparelhos
pode ser atingido, levando ao desenvolvimento de um "novo" padrão morfológico. Este novo
padrão funcional pode envolver diferentes tecidos oro-faciais, como a língua, os lábios, os
músculos faciais e da mastigação e o periósteo. Dependendo do tipo de aparelho funcional, maior
ênfase é colocada em alguma dessas estruturas (8, 13 ,23, 28).

O novo padrão morfológico envolve também uma reorganização das posições dos dentes sobre
as arcadas, com melhora da oclusão e também melhor relacionamento das arcadas entre si.
Segundo as teorias funcionais, dispositivos móveis, quando utilizados durante determinado tempo,
provocam uma alteração na atividade dos músculos da face, através de uma desorganização dos
padrões neuromusculares atuantes e de uma reorganização, a partir da posição guiada pelo
dispositivo (3, 6, 7, 8, 13, 15, 16, 19, 20, 29). Uma alteração dos padrões musculares não apenas
alteraria a posição da mandíbula, como faria com que ocorresse uma mudança estrutural dela
própria, de seu côndilo e dos ossos adjacentes (1, 9, 19, 20).

Tipos de Aparelhos funcionais


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