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COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

1
Juiz de Fora
Editora UFJF
2019
© Editora UFJF, 2019
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Competências midiáticas em cenários brasileiros: interfaces entre


comunicação, educação e artes / Gabriela Borges e Márcia
Barbosa da Silva organização. Juiz de Fora: Editora da UFJF,
2019.
405 p. : il.

ISBN: Prefixo Editorial: 93128


Número ISBN: 978-85-93128-45-5
Título: Competências midiáticas em cenários brasileiros:
interfaces entre comunicação, educação e artes
Tipo de Suporte: E-book
Formato Ebook: PDF

1. Meios de comunicação. 2. Letramento digital. I. Borges,


Gabriela. II. Silva, Márcia Barbosa da. III. Título. CDU: 316.774

UNIVERSIDADE FEDERAL SELO PESQUISA EM


DE JUIZ DE FORA COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE

Reitor Conselho Editorial


Marcus Vinicius David Christina Ferraz Musse (UFJF)
Vice-Reitora Claudia de Albuquerque Thomé (UFJF)
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Jorge Carlos Felz Ferreira (Presidente) Sonia Virgínia Moreira
Charlene Martins Miotti Iluska Maria da Silva Coutinho
Elson Magalhães Toledo
Emerson José Sena da Silveira Revisão
Jair Adriano Kopke de Aguiar Gabriela Borges, Márcia Barbosa da Silva,
Maria Lúcia Duriguetto Daiana Sigiliano
Rafael Alves Bonfim de Queiroz
Rodrigo Alves Dias Projeto Gráfico, diagramação e capa
Taís de Souza Barbosa Carlos Eduardo Nunes

Gráficos e Tabelas
Hsu Ya Ya e Vinícius Guida

Editora UFJF Programa de Pós-Graduação em Comunicação


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Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG


Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ
Dedicamos este livro a dois queridos amigos e
precursores dos estudos sobre a mídia e a
educação no Brasil e em Portugal, que
nos deixaram recentemente.

À Vânia Quintão Carneiro,


Nossa companheira de ideais e de trabalho. Mulher
forte e encantadora que amava a vida, os amigos,
a família e, especialmente, os netos. Sua alegria,
sabedoria e experiência nos acompanharam
durante todo esse percurso e além.

Ao Vitor Reia,
Determinado, irreverente e visionário. Companheiro
de muitas jornadas. Seu espírito irrequieto e seu
olhar atento sempre nos inspirava com outras formas
de ver e entender o mundo. Nos deixou muito cedo,
mas continuaremos o seu legado.
Agradecimentos

Agradecemos a todos os alunos envolvidos na realização


desta pesquisa em seis universidades brasileiras, UFJF, UEPG,
UFSC, UFTM, UNISO e UNB, sem os quais teria sido impossível
desenvolver um projeto tão ambicioso sobre o estado da arte
das competências midiáticas no Brasil.

Um agradecimento especial aos alunos Vinícius Guida,


Mariana Meyer, Daniela Santana de Oliveira e Daiana Sigiliano,
que foram incansáveis tanto durante a coleta e sistematização
de dados quanto na elaboração das propostas pedagógicas e na
organização deste livro.

Agradecemos também aos colegas da Rede Alfamed


Internacional, em especial Ignacio Aguaded, Amor Pérez
Rodriguez, Teresa Quiroz, Silvia Bacher, Yamile Sandoval,
Armanda Matos, Jorge Cortez Montalvo, Lilia Rosa Melendez e
Mario Montaner, pelos diálogos interculturais e pela certeza de
que estamos trabalhando em prol de uma sociedade mais justa
e democrática.

Por fim, nosso agradecimento às agências de fomento,


Capes, CNPQ, Fapemig, Programa Universidade sem Fronteiras
da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná,
Fundación Carolina e à UFJF pelas bolsas de iniciação, extensão
e treinamento profissional, pois sem financiamento a pesquisa
não poderia ter avançado.
SUMÁRIO
09 Prefácio
Ignacio Aguaded Gomez

13 Apresentação
Gabriela Borges e Márcia Barbosa da Silva

PARTE 1:
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS: DIMENSÕES, CONTRASTES E
APROXIMAÇÕES EM DIFERENTES CONTEXTOS BRASILEIROS

30 A realização da pesquisa quantitativa pela Rede Alfamed Brasil


Gabriela Borges

36 Crianças de 9 a 12 anos e sua relação com a mídia


Márcia Barbosa da Silva, Vânia Lúcia Q. Carneiro e Mariana Meyer

57 Competências midiáticas e a produção audiovisual entre


jovens: experiências investigativas e formativas
Mônica Fantin e Gabriela Borges

84 A competência midiática na formação de universitários


Márcia Barbosa da Silva, Soraya F. Vieira e Marcus Venicius B. de Souza

109 Professores Universitários, Competência Midiática e Autoscopia


Maria Alzira Pimenta, Martha Prata-Linhares e Tágides Renata de Melo

137 A competência midiática e o exercício da cidadania a


partir da experiência dos profissionais de comunicação
de Juiz de Fora (MG)
Vinícius Guida, Mariana Meyer e Letícia Barbosa Torres Americano
PARTE 2
SUMÁRIO
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

157 Lume – uma experiência de extensão em literacia midiática


Márcia Barbosa da Silva, Alisson Thiago do Nascimento,
Beatriz Jaqueline Roscosz e Valdir Heitkoeter de Melo Junior

177 Cinema na Escola: práticas de formação docente com o audiovisual


Karine Joulie Martins, Juliana Costa Müller, Lídia Miranda Coutinho
e Silviane de Luca Avila

194 Qualidade audiovisual no desenvolvimento da


competência midiática de crianças e adolescentes
Daniela Santana de Oliveira

216 A experiência social do ver e do fazer-se ver: uma


possibilidade do documentário como ferramenta pedagógica
Gabriela Spagnuolo Cavicchioli e Lyana Thédiga de Miranda

235 Cinema e experiência: criação audiovisual


e construção de significados
Mário Luiz da Costa Assunção Júnior e Martha Prata-Linhares

PARTE 3
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

258 Observatório da Qualidade no Audiovisual: curadoria,


produção experimental de conteúdo e divulgação científica
Gabriela Borges e Daiana Sigiliano
SUMÁRIO
291 A competência midiática na produção de fanfic do fandom
Limantha de Malhação - Viva a Diferença
Daiana Sigiliano

316 O debate sobre questões morais entre consumidores e


marcas nas redes sociais: o caso da cerveja Skol
Letícia Barbosa Torres Americano e Mirian Tavares

343 Crescer na era da internet: o registro das constantes


transformações na relação entre crianças e mídias através
dos Youtubers mirins
Hyrlla Tomé

368 Encontros no documentário brasileiro e a potência de


emancipação do espectador
Tatiana Vieira Lucinda

392 Autores
PREFÁCIO
Competências Midiáticas no Brasil: um estudo
dos novos cenários comunicativos
Jose Ignacio Aguaded Gomez

A alfabetização midiática deveria ser declarada como o direito


elementar universal de todas as pessoas, porque nessa sociedade
de telas tornou-se uma necessidade predominante para todos os
cidadãos. Desde a década de 1960, a Sociedade da Informação, como
consequência do desenvolvimento vertiginoso das tecnologias da
informação e comunicação, exige maior liberdade de expressão, pois
se pode recebe informações mais plurais e verdadeiras e, ao mesmo
tempo, receber sem limitar fronteiras.
Precisamos de uma sociedade “educada” nas capacidades de
acessar, analisar, avaliar e produzir conteúdo gerado pelas e através
dos novos meios digitais. Vivemos em uma sociedade hiperconectada e
multimodal, onde o acesso às telas é produzido a partir de idades cada
vez mais precoces. Esses meios de comunicação têm uma influência
significativa no estilo de vida das pessoas, transformando sua maneira
de se relacionar, trabalhar, estudar, se organizar, se entreter... Além
disso, têm cada vez mais relevância em todas as áreas da vida cotidiana,
sendo não apenas “onipresentes”, mas em muitos casos “onipotentes”.
Nesse contexto, as instituições de ensino não podem e não
devem permanecer a margem, devendo assumir a responsabilidade
e o compromisso de se adaptar aos novos desafios dessa sociedade
“líquida” e hipercomunicada; aos novos estilos de aprendizagem e
metodologias educacionais e aos alunos que hoje assistem às aulas.
A escola, como catalisadora do conhecimento desde os tempos
antigos, deve estar preparada para as necessidades e características
do século XXI, que apresenta e aprimora novos cenários para o
aprendizado autodidata e informal. As organizações internacionais,
como UNESCO, ONU, Comissão ou Parlamento Europeu, alertam para
a necessidade de promover práticas educacionais que favoreçam o
desenvolvimento da competência midiática e informacional (AMI),
uma vez que é considerado um fator fundamental para o acesso à
informação, ao emprego e à inclusão digital e social.
O contínuo progresso tecnológico repercute de maneira
inevitável na realidade, o que causa constantes mudanças na sociedade,
tanto a curto quanto a longo prazo. Estima-se que, em um futuro
relativamente próximo, as mudanças que ocorrerão no campo do
trabalho (surgimento de novas profissões, reorientação profissional,
mudanças nas formas de trabalho ...) terão grande impacto no mercado
de trabalho. Portanto, essas organizações alertam para a importância
de promover as habilidades necessárias que antecipam e permitem
que os cidadãos participem ativa e criticamente em todas as áreas da
sociedade.
A preocupação com o desenvolvimento da competência
midiática ocupou grande parte da pesquisa realizada no campo da
Educomunicação, uma vez que o objetivo final da educação formal deve
ser o desenvolvimento de cidadãos autônomos, criativos, reflexivos e
com pensamento crítico.
Os estudos que investigam a competência midiática dos alunos
permitem que pesquisadores e professores avaliem o uso que os
PREFÁCIO

estudantes fazem da mídia, bem como sua apropriação nos campos de


produção e expressão. Nesse sentido, a figura do “prosumer de mídia”
adquire relevância especial, ou seja, aquela pessoa capaz de produzir

10
e consumir com critérios críticos e de modo proveitoso o conteúdo
digital e midiático. Não se trata apenas de consumir de forma reflexiva
as mensagens da mídia e do ambiente digital, mas também de produzir
e disseminar de forma satisfatória conteúdos de qualidade, criativos
e úteis, ao interagir, debater e compartilhar conteúdos criados por
outros usuários.
Em suma, educadores, famílias, organizações públicas (e
inclusive privadas) enfrentam um fenômeno que está subjacente
no núcleo social internacional, seja em ambientes enriquecidos ou
em desenvolvimento, com impacto no saber-fazer cotidiano sob a
perspectiva da alfabetização básica, cultural e tecnológica.
A convergência de mídias combina plataformas tradicionais
e digitais, exigindo que cidadãos de todo o mundo desenvolvam
uma série de habilidades inatas e essenciais para se estabelecerem
funcionalmente na sociedade.
Nesse contexto social e cultural, surge o prólogo para o
livro “Competências midiáticas em cenários brasileiros: interfaces entre
comunicação, educação e artes”, coordenado pelas Profa. Dra. Gabriela
Borges (Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais - Brasil) e
Profa. Dra. Márcia Barbosa da Silva (Universidade Estadual de Ponta
Grossa), que converge a abordagem de pesquisa, teórica e prática.
Uma pesquisa básica para a cidadania, que levanta uma revisão da
literatura sobre as dimensões da competência midiática, bem como
um panorama da situação atual em questões educomunicativas em
diferentes contextos brasileiros.
A primeira parte apresenta um estudo, endossado pela Rede
Alfamed no Brasil, no qual são descritos os resultados obtidos em
torno das competências de crianças, jovens, estudantes e professores
universitários e profissionais de comunicação, nas novas formas de
participação cultural e midiática. Uma análise de notável interesse para
a comunidade científica brasileira e latino-americana, que avalia os
desafios e as possibilidades para o conhecimento humano oferecidos
PREFÁCIO

por essas novas habilidades midiáticas.


A segunda parte concentra-se na apresentação de “boas

11
práticas”, destacando a importância do desenvolvimento de
experiências que permitam a formação permanente de professores
em questões educomunicativas e o uso de conteúdo audiovisual de
qualidade que favoreça o desenvolvimento da competência midiática
de crianças e jovens através de meios como, por exemplo, o cinema.
Também existem estudos que contribuem para a leitura crítica do
mundo a partir de espaços formais do ensino superior, um espaço
privilegiado para a educação para a mídia.
A última e terceira parte concentra-se na análise crítica de
conteúdos midiáticos e criativos, incluindo estudos e reflexões sobre
fenômenos como as ‘fanfics’, o YouTube ou as redes sociais. Neste caso,
se ressalta o uso frutífero do conhecimento adquirido em ambientes
informais dentro da sala de aula, para que as plataformas digitais e as
narrativas culturais dos jovens sejam integradas e controladas a partir
de uma perspectiva singular, profissional e especializada.
Em resumo, é apresentado um estudo que combina pesquisa
rigorosa e sistemática com propostas práticas, gerando uma proposta
valiosa para a comunidade educacional, as famílias e os orgãos do
governo. Não há dúvida de que conhecer (e reconhecer) o grau de
competência midiática dos alunos pode ajudar os professores a
desenvolverem experiências educacionais inovadoras com base nas
necessidades, interesses e habilidades de seus alunos a fim de que
promovam a aquisição de habilidades, conhecimentos e atitudes
necessárias para se desenvolverem satisfatoriamente na era digital e
na sociedade da informação.
Este livro, surgido por iniciativa da Alfamed-Brasil, portanto,
fornece uma visão enriquecedora que, a partir das bases e conceitos
fundamentais da competência midiática e os novos e incansavelmente
renovados ambientes digitais, contribui de forma inequívoca para o
aprofundamento de práticas educacionais que têm sido desenvolvidas
no contexto brasileiro.
PREFÁCIO

12
APRESENTAÇÃO
APRESENTACÃO
Gabriela Borges e Márcia Barbosa da Silva

Este livro apresenta os resultados do projeto de pesquisa


e extensão Competências midiáticas em cenários brasileiros e
euroamericanos desenvolvido pelos grupos de pesquisa Comunicação,
Arte e Literacia Midiática, liderado pela professora Gabriela Borges
(Universidade Federal de Juiz de Fora); Lume - Laboratório de Estudos
e Pesquisas sobre Mídia e Educação, liderado por Márcia Barbosa
da Silva (Universidade Estadual de Ponta Grossa); NICA - Núcleo
Infância Comunicação, Cultura e Arte, liderado por Mônica Fantin
(Universidade Federal de Santa Catarina); Formação de Professores,
Cultura Digital e Aprendizagem, liderado por Martha Prata-Linhares
(Universidade Federal do Triângulo Mineiro); Educamídia, que foi
liderado pela Vânia Lúcia Quintão Carneiro (Universidade de Brasília)
e GPESTI - Educação Superior Tecnologia e Inovação, liderado por
Maria Alzira Pimenta (Universidade de Sorocaba).
O projeto decorreu no período de 2015 a 2019 com financiamento
do Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES Chamada nº 14/2014 - Ciências
Humanas Sociais e Sociais Aplicadas (processo nº 449573/2014-1) e
do Edital 01/2015 - Demanda Universal 2015 da Fapemig (processo
APQ CHE 002824-15). Além disso, contou com o apoio por meio de
bolsas de iniciação científica, extensão e treinamento profissional da
Universidade Federal de Juiz de Fora, do Programa Universidade sem
Fronteiras da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná
e da Fundación Carolina, do governo da Espanha, com bolsa de curta
estadia para realização de pós-doutorado na Universidade de Huelva,
Espanha, para a professora Márcia Barbosa da Silva.
Integra os trabalhos desenvolvidos pela equipe brasileira
da Red Interuniversitaria Euroamericana de Investigacion en
Competencias Mediáticas para la Ciudadanía - ALFAMED, composta
por 13 países latino-americanos e europeus. Um dos objetivos desta
pesquisa é colher dados no cenário brasileiro, no âmbito de atuação
das universidades participantes, a fim de comparar com os resultados
coletados pelos países participantes da rede. Nossa equipe traz a
discussão sobre a competência midiática para o cenário brasileiro, a
partir de estudos que já vem sendo desenvolvidos na perspectiva da
mídia-educação.
No contexto de convergência de mídias e da sociedade em rede
em que estamos inseridos, o estudo sobre a comunicação midiática
adquire relevância tanto em termos de consumo e práticas culturais
quanto de produção criativa por parte dos indivíduos. Com isso, a
educação é desafiada a se comprometer com a formação de indivíduos
autônomos, críticos e criativos para se movimentar na cultura
midiática, considerando suas perspectivas ética, estética, política,
tecnológica e econômica.
No entanto, percebemos que apesar da presença massiva
de múltiplas telas e de estudos que têm sido desenvolvidos tanto no
campo da educação quanto da comunicação (BRAGA; CALAZANS,
2001), os cidadãos ainda tiveram poucas experiências formativas no
desenvolvimento de suas competências midiáticas se consideramos a
sua importância para o fomento de uma cidadania crítica e ativa.
Diversos atores internacionais apontam para a necessidade
APRESENTAÇÃO

do estudo sobre a literacia midiática para o desenvolvimento dessas


competências. Embora pouco usado no Brasil, o termo literacia
é bastante conhecido em Portugal e em outros países de língua
portuguesa, estando ligado à capacidade de aquisição, compreensão
e produção da linguagem. No âmbito da mídia, o conceito de literacia

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midiática (media literacy) envolve competências relacionadas ao
contexto das novas literacias (ou das literacias emergentes). A
literacia midiática é definida como a capacidade de acessar, analisar
e avaliar o poder de imagens, sons e mensagens que confrontam o
sujeito contemporâneo, assim como comunicar de forma competente
através das mídias disponíveis. O objetivo da literacia midiática é
aumentar o conhecimento sobre as diversas formas de mensagens
midiáticas presentes na vida contemporânea e ajudar os cidadãos a
compreenderem a forma como as mídias filtram percepções e crenças,
formatam a cultura popular e influenciam as escolhas individuais.
A literacia midiática deve habilitar os cidadãos para o pensamento
crítico e a resolução criativa de problemas a fim de que possam ser
consumidores sensatos e produtores de informação (BORGES, 2014).
O estudo sistematizado da literacia midiática tem início a partir
de iniciativas da Unesco relacionadas com a educação para as mídias
e tem sido impulsionado também pelos estudos financiados pela
Comissão Europeia. A primeira iniciativa da Unesco foi a Declaração
de Grünwald em 1982, que impulsionou o desenvolvimento de ações
no campo da educação para as mídias. A segunda iniciativa foi a
Conferência New Directions in Media Education em Toulose em 1990,
que sistematizou e propôs uma definição mais precisa do campo. Em
1999 foi organizada a Conferência Educating for the Media and the
Digital Age em Viena, que apresentou um novo olhar sobre a educação
para as mídias no contexto do desenvolvimento tecnológico e da nova
era da comunicação. Em 2002 o Seminário Youth Media Education em
Sevilha ressaltou a necessidade de agir por meio de políticas ativas
de promoção nas seguintes áreas: 1) Investigação; 2) Formação; 3)
Cooperação entre escolas, mídia, ONGs, setor privado e instituições
públicas; 4) Consolidação e promoção da esfera pública da sociedade e
do seu relacionamento com as mídias.
APRESENTAÇÃO

Diversas outras declarações reafirmaram o compromisso


dos países nos encontros promovidos pela Unesco e também foram
assinadas durante encontros internacionais a fim de alavancar o
desenvolvimento de estratégias para a promoção da Media and

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Information Literacy (MIL). Em 2003 foi assinada a Declaração de Praga:
Towards Information Literate Societies, em 2005 a Proclamação de
Alexandria: Information Literacy and Lifelong Learning; em 2007 foi
assinada a Agenda de Paris: 12 Recommendations on MIL (2007) e
em 2011 a Declaração de Fez sobre MIL.
Mesmo participando de órgãos internacionais que incentivam
a adoção de políticas de fomento à literacia midiática como a Unesco
e a Aliança das Civilizações, as iniciativas políticas relacionadas aos
estudos sobre literacia midiática ainda necessitam ser reconhecidas
como uma área estratégica de investimento público no Brasil. Isso
pôde ser notado quando da realização da reunião da Aliança das
Civilizações no Rio de Janeiro em 2010, na qual a literacia midiática
não teve destaque no documento final.
Com o objetivo de promover a literacia midiática em âmbito
português e latino-americano, foi divulgada a Declaração de Braga no
Congresso Nacional sobre Literacia, Media e Cidadania realizado na
Universidade do Minho, em Portugal, em 2011. O documento enfatiza
que “a educação para um uso esclarecido e crítico da mídia é uma
dimensão autónoma da educação para a cidadania”.
Em 2011, a Unesco lançou o livro Media and Information
Literacy: curriculum for teachers. Uma versão em português foi
publicada em 2013, em parceria com a Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM). Desde 2010, esta universidade começou
a testar o modelo na disciplina Comunicação, Educação e Tecnologia,
ofertada aos licenciandos de História e Geografia. Os primeiros
resultados dessa experiência sugerem que a proposta da UNESCO
é viável para a realidade brasileira, mas há carência de recursos
educacionais apropriados, a exemplo do que ocorre em outras áreas
do ensino.
Reconhecendo que para alcançar níveis adequados de literacia
APRESENTAÇÃO

midiática e informacional é preciso haver políticas nacionais, a Unesco


também publicou um documento que reúne orientações estratégicas
para implantar e favorecer as políticas de Literacia da Informação e
das Mídias: Media and Information Literacy – Policy and Strategy

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Guidelines. O documento está sendo testado na UFTM e vem sendo
discutido em diferentes foros de pesquisa. Em maio de 2013, o
Ministério da Justiça reuniu professores de diversas universidades
do Brasil para discutir ações que promovam o conhecimento sobre
a classificação indicativa, tendo como suporte a mídia-educação e os
documentos da UNESCO.
Outra declaração que podemos destacar no âmbito latino-
americano foi assinada em Havana em 2012, durante o Seminário
"Lições Aprendidas em Programas de Literacia da Informação na Ibero-
america" que retoma aspectos importantes em termos conceituais,
filosóficos e propositivos de declarações anteriores (PRAGA, 2003;
ALEXANDRIA, 2005; TOLEDO, 2006; LIMA, 2009; PARAMILLO, 2010;
MURCIA, 2010; MACEIÓ, 2011; FEZ, 2011) para “propor ações práticas e
concretas segundo a perspectiva do trabalho colaborativo e da geração
de redes para o crescimento da literacia da informação em diferentes
contextos”.
Neste mesmo ano foi assinada a Declaração de Moscou sobre
MIL (2012) no âmbito da Unesco e nos anos seguintes destacam-se os
documentos Framework and Action Plan of the Global Alliance for
Partnerships on MIL (2013), Declaração de Paris MIL in the Digital
Age (2014) e as Recomendações de Riga Media and Information
Literacy in a Shifting Media and Information Landscape (2016).
Ressaltamos também a tradução para o português do
documento Marco de Avaliação Global da Alfabetização Midiática
e Informacional (UNESCO, 2016) que fornece ferramentas para os
gestores de políticas públicas desenvolverem estratégias e ações
concretas para garantir a aquisição de competências midiáticas
e informacionais a todos os cidadãos. A Unesco defende que a
Alfabetização Midiática e Informacional é uma das “pré-condições
do desenvolvimento sustentável e ajudará a garantir que todos
APRESENTAÇÃO

se beneficiem da Declaração Universal dos Direitos Humanos,


particularmente da liberdade de expressão e do acesso à informação.”
(UNESCO, 2016)

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Os levantamentos feitos pelos grupos de pesquisa indicaram
que a produção nesse campo, no contexto internacional, teve um
crescimento em relação à constituição do conceito de competências
midiáticas inclusive com elaboração de referenciais curriculares
específicos para essa área (PEREIRA et al, 2014; WILSON et al, 2013). No
contexto nacional essa produção não cresceu no mesmo ritmo (SILVA;
DIAS, 2016).
Em levantamento de 2018, estão registrados no diretório de
Grupos de Pesquisa do CNPQ 10 grupos de estudos com a palavra-chave
<mídia-educação>, 10 grupos com a palavra-chave <comunicação
e educação>, 4 com a palavra-chave <competências midiáticas> e
apenas 2 com a palavra <literacia midiática>, o que comparado a outras
palavras-chave como, por exemplo, didática (409 grupos) e consumo
(629 grupos) demonstram o quanto ainda é preciso ampliar o número
de pesquisadores estudando e produzindo conhecimento sobre essa
temática.
No contexto brasileiro, a discussão sobre o papel das
mídias e a consequente necessidade de estudos e pesquisas sobre o
desenvolvimento de competências midiáticas tem se dado de maneira
um tanto dispersa e não conta com o apoio de políticas públicas
específicas como é o caso, por exemplo, das iniciativas adotadas no
âmbito da União Europeia. A área da comunicação no Brasil começa
a despertar para a importância dos estudos da media literacy sob o
ponto de vista da comunicação, em decorrência, principalmente, do
desenvolvimento de pesquisa por autores como Jenkins (2006, 2013)
e Scolari (2017). Porém, as pesquisas ainda são escassas e acreditamos
que esta pesquisa contribui para colmatar esta lacuna.
Neste sentido, destacamos a nossa contribuição realizada
em 2017 durante o II Congresso Internacional sobre Competências
Midiáticas, organizado pelo grupo de pesquisa Comunicação, Arte e
APRESENTAÇÃO

Literacia Midiática, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação


da UFJF, com apoio desta universidade, da Capes e do CNPQ no
âmbito das atividades anuais da Rede Alfamed, em que foi preparada
a Declaração de Juiz de Fora, que se compromete a promover o

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desenvolvimento da literacia midiática nas ações das equipes dos
países que integram a rede.
Para Fantin (2012, p. 81-2) embora haja experiências
desenvolvidas na área da mídia-educação em diferentes segmentos
como escolas, ONGs e grupos de pesquisa, “ainda temos um longo
caminho a percorrer”. Dentro desta perspectiva, a nossa pesquisa aponta
para a necessidade de consolidar o campo através do fortalecimento
de grupos de pesquisa que atuem de forma colaborativa num esforço
conjunto para atualizar conceitos, “registrar e documentar boas
práticas, analisar seus métodos e formas de avaliação”, bem como
propor estratégias e ações de formação.
Tendo como referência o contexto apresentado, a pesquisa
realizada pela equipe brasileira da Alfamed tomou como base conceitual
os estudos do professor Joan Ferrés, da Universidade Pompeu Fabra
de Barcelona, a respeito da competência midiática. Em 2007, Ferrés
elabora o estudo La competência em comunicación audiovisual que
define as dimensões e os indicadores para se mensurar a competência
audiovisual a partir de uma consulta a cinquenta especialistas
reconhecidos no âmbito ibero-americano. A reflexão leva em conta
dois critérios: o pessoal (interação entre emotividade e racionalidade)
e o operativo (interação entre a leitura crítica e a expressão criativa).
As dimensões apontadas são as seguintes: linguagem, tecnologia,
processos de produção e programação, ideologia e valores, recepção
e audiência, estética, cujos indicadores são mensurados a partir da
análise e da expressão (2007, p. 102-3).
Tendo em conta os avanços das comunicações midiáticas
e as novas produções sobre o tema (The High Council for Media
Education, 2008; Comissão Europeia, 2010) este documento demandou
atualizações conceituais. Neste sentido, novo estudo coordenado por
Joán Ferrés e Alejandro Piscitelli (2012), também com a colaboração do
APRESENTAÇÃO

mesmo grupo de especialistas, revisa os parâmetros para a educação


midiática e oferece uma nova definição de competência midiática
“compaginando a cultura participativa com o desenvolvimento da
capacidade crítica”.

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Esta nova proposta articulada de dimensões e indicadores
aborda seis dimensões a partir dos âmbitos da análise e da expressão:
linguagem, tecnologia, processos de interação, processos de produção
e difusão, ideologia e valores e estética. As alterações em relação às
dimensões da competência audiovisual (FERRÉS, 2007) verificam-se
na inclusão de processos de interação em substituição a recepção e
audiência, e difusão substituindo programação.
O estudo sobre competência audiovisual (FERRÉS, 2007) gerou
o projeto de investigação La competencia en comunicación audiovisual
en un entorno digital. Diagnóstico de necesidades en tres ámbitos sociales:
los profesionales de la comunicación, la universidad y la educación
obligatoria, coordenado pelos pesquisadores José Ignácio Aguaded
Gómez, Joan Ferrés e Agustín Garcia Matilla financiado pelo Estado
Espanhol e desenvolvido pelas universidades de Huelva, Pompeu
Fabra e Valladolid de 2011 a 2014.
Por sua vez, desse projeto de investigação sobre competência
audiovisual realizado na Espanha, originou-se o presente projeto de
pesquisa sobre competências midiáticas numa perspectiva comparada
e intercultural, que foi desenvolvido e adaptado ao contexto brasileiro
e aos avanços comunicacionais midiáticos e teóricos. Neste sentido, o
eixo conceitual foi ampliado do conceito de competência audiovisual
para competência midiática como proposto por Ferrés e Piscitelli
(2015) na atualização do conceito.
O conceito de competência midiática que norteia este trabalho
é assim definido a partir da articulação de seis dimensões entendidas
tanto no âmbito da análise (a forma como se analisa e se avalia uma
mensagem midiática) quanto da expressão (a forma como se expressa
por meio das mídias), conforme quadro esquemático abaixo.
APRESENTAÇÃO

20
Quadro 1: Dimensões da Competência Midiática

Capacidade de manejo das inovações


Tecnologia tecnológicas que possibilitam uma
comunicação multimodal e multimidial.
Capacidade de interpretar e avaliar diversos
códigos de representação, bem como ser
Linguagem
capaz de modificar produtos existentes
conferindo-lhes um novo sentido e valor.
Capacidade de apreciar mensagens
provenientes de outras culturas, bem como
Processos
trabalhar de forma colaborativa mediante
de Interação a conectividade e a criação de plataformas
que facilitem as redes sociais digitais.
Conhecimentos básicos sobre os sistemas
Produção
de produção, das técnicas de programação e
e difusão dos mecanismos de difusão.
Capacidade de avaliar a fiabilidade frente as
Ideologia
informações extraindo conclusões críticas
e valores tanto do que se diz quanto do que se omite.
A sensibilidade para reconhecer uma
Estética produção midiática que não se adequa a
exigências mínimas de qualidade estética.

Fonte: Elaborado a partir de Ferrés (2007) e Ferrés e Piscitelli (2012)

A pesquisa contou com subprojetos desenvolvidos pelas


universidades brasileiras parceiras e procurou, a partir da experiência
APRESENTAÇÃO

prévia da equipe nas áreas da Comunicação e da Educação, detectar,


de forma sistemática e rigorosa, demandas e necessidades para poder
elaborar ações de formação visando a melhoria da literacia midiática.

21
Esta proposta coordenada se fundou na impossibilidade
de abordar múltiplos objetivos se não for por meio de uma equipe
diferenciada, interdisciplinar e multiprofissional com enfoques de
pesquisa diferentes, mas ao mesmo tempo coordenados a fim de
poder abranger diferentes regiões do Brasil e atender aos setores
estratégicos determinados pela pesquisa internacional: universidades
(cursos de Comunicação e de Educação), ensino obrigatório e meios de
comunicação.
Neste cenário, esta pesquisa teve como objetivo identificar
os níveis de competência midiática de estudantes, professores
e comunicadores de diversos contextos socioculturais a fim de
contribuir para a definição de estratégias de formação em diálogo
com outras experiências brasileiras e euroamericanas. Sendo assim,
reforçamos que a pesquisa se origina e se efetiva na experiência local
para se expandir nacional e internacionalmente.
A primeira parte deste livro intitulada Competências midiáticas:
dimensões, contrastes e aproximações em diferentes contextos brasileiros
se dedica a apresentar os resultados dos questionários aplicados
aos grupos de 9 a 12 anos, 14 a 16 anos, estudantes e professores
universitários e profissionais de comunicação. Foram aplicados
um total de 1831 questionários. A aplicação foi realizada em escolas
públicas e privadas nas cidades de Juiz de Fora, Uberaba, Ponta Grossa,
Brasília, Florianópolis, Sorocaba, São Roque e São Paulo. A pesquisa
com os universitários e docentes foi realizada em várias cidades de
três regiões brasileiras: Sudeste, Sul e Centro-Oeste. E a pesquisa com
os profissionais de comunicação foi realizada apenas na cidade de Juiz
de Fora.
Os questionários foram elaborados de maneira a não indicar
respostas corretas ou incorretas, mas os níveis básico, básico/
intermediário e avançado de competência midiática e contemplavam
APRESENTAÇÃO

necessariamente questões relacionadas às suas diferentes dimensões:


linguagem, tecnologia, processos de interação, processos de produção e
difusão, ideologia e valores e estética, conforme definidas por Ferrés e
Piscitelli (2015). Os resultados foram recolhidos pela equipe espanhola

22
e posteriormente disponibilizados para cada país. No caso do Brasil
contamos com dois estatísticos, que juntamente com uma equipe de
apoio da UFJF, trataram os dados que foram disponibilizados para as
equipes das outras universidades.
O capítulo Crianças de 9 a 12 anos e sua relação com a mídia,
escrito por Márcia Barbosa da Silva, Vânia Lúcia Quintão Carneiro e
Mariana Meyer busca analisar os desafios e as possibilidades que o
desenvolvimento da competência midiática apresenta tanto para
as famílias quanto os professores e para a sociedade em geral no
sentido de oferecer subsídios para a elaboração de práticas culturais,
educativas, coletivas e individuais para infância.
Monica Fantin e Gabriela Borges tratam dos resultados
do questionário de 14 a 16 anos e das ações de formação em mídia-
educação desenvolvidas por meio de oficinas de audiovisual em
escolas de Florianópolis e Juiz de Fora, visando trabalhar competências
culturais e habilidades sociais para aprimorar a participação de jovens
na sociedade midiatizada.
Márcia Barbosa da Silva, Soraya Ferreira Vieira e Marcus
Venícius Branco de Souza analisam os dados do questionário que
avaliam a competência midiática dos universitários e mostram que
há um desafio na educação superior em termos da formação para a
cidadania. É possível perceber que os jovens utilizam a tecnologia de
forma apropriada, têm consciência da importância da cultura digital
e da sua utilização para questões como discriminação social, mas não
têm necessariamente uma participação crítica e interventiva.
O capítulo escrito por Maria Alzira Pimenta, Martha Prata-
Linhares e Tágides Renata de Melo apresenta uma análise quanti-
qualitativa sobre a pesquisa com docentes universitários. As autoras
apontam a importância da formação de docentes, que muitas vezes
encontram um afastamento entre a formação recebida e o que
APRESENTAÇÃO

acontece na prática cotidiana. A pesquisa quantitativa foi realizada no


âmbito deste projeto e a qualitativa foi realizada com 13 professores
universitários na cidade de Sorocaba (SP). A pesquisa quantitativa
apurou que os docentes transitam confortavelmente nas dimensões

23
tecnologia, linguagem, ideologia e valores e processos de interação, mas
têm algumas dificuldades em relação às dimensões processos de
produção e difusão e estética. A pesquisa qualitativa trabalhou com
os relatos dos docentes sobre o uso de recursos audiovisuais como
prática pedagógica e discute como se pode desenvolver a competência
midiática dos alunos. Ao final, propõe o uso da metodologia de
pesquisa e de formação denominada autoscopia forma de estimular
o desenvolvimento da competência midiática de docentes e,
consequentemente, ter impacto na formação dos discentes.
O capítulo que trata da experiência dos profissionais de
comunicação de Juiz de Fora – MG, escrito por Vinícius Guida, Mariana
Meyer e Leticia Torres Americano, relata a pesquisa que foi realizada
em 2018 com o objetivo de compreender o uso dos smartphones em
contexto profissional e de lazer e suas interrelações com a discussão
sobre a competência midiática e o exercício da cidadania. Apresenta
também uma reflexão sobre a experiência do Colóquio Mediar:
Comunicação e Gênero desenvolvido em 2016 com nove profissionais
das áreas do jornalismo, audiovisual e publicidade atuantes em
Juiz de Fora, e as entrevistas realizadas para a websérie audiovisual
#Observatório Espelhos.
A segunda parte deste livro Boas práticas na formação de
professores e profissionais de comunicação apresenta as experiências
formativas desenvolvidas a partir das discussões empreendidas pelos
grupos de pesquisa e dos resultados da pesquisa.
Paralelamente à aplicação da pesquisa, cada universidade
participante do grupo de pesquisadores brasileiros investiu no estudo,
reflexão e elaboração de boas práticas na área da competência midiática
tendo em vista a escassez de publicações de apoio aos educadores, bem
as dúvidas em relação à compreensão de certas questões apresentadas
pelos respondentes no momento de aplicação dos questionários,
APRESENTAÇÃO

indicando a necessidade de avanço no desenvolvimento dos níveis de


competências dos segmentos estudados.
Esse processo gerou oficinas de formação voltadas a
estudantes e professores do ensino fundamental e médio, estudantes

24
de licenciatura e de cursos de comunicação; a realização de eventos; a
participação em congressos e a produção de artigos para a divulgação
tanto dos resultados quanto da produção de conhecimento sobre as
competências midiáticas e a produção de boas práticas.
As experiências formativas haviam sido previstas nos
subprojetos institucionais e estavam vinculadas aos projetos internos
nas universidades de origem. Com isso, foi proposta uma variedade de
atividades formativas que, no nosso entendimento, se complementam
e nos ajudam a pensar de forma colaborativa e interdisciplinar sobre o
desenvolvimento das competências midiáticas.
O capítulo seguinte apresenta o Lume – Laboratório e Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Mídias e Educação da Universidade Estadual
de Ponta Grossa e relata as experiências realizadas na elaboração de
materiais e na produção de cursos de formação baseado na pesquisa
do material Look Again elaborado pelo British Film Institute e visa
proporcionar um apoio para a introdução do estudo da mídia na
escola, em especial nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
O capítulo Cinema na Escola: práticas de formação docente com
o audiovisual apresenta experiências do curso de formação continuada
denominado Cinema na escola: construindo espaços de cidadania
ministrado pelo NICA (Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte)
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina, para professoras(es) de escolas públicas da Grande
Florianópolis/SC. O curso explorou, juntamente com as professoras,
aspectos da linguagem cinematográfica e da produção audiovisual
nos contextos escolares e extraescolares para serem trabalhados
com crianças e jovens. Procurou assim ampliar repertórios culturais
dos docentes e estimular a construção de uma postura mais crítica e
criativa de produção e reflexão sobre cinema e cidadania.
O capítulo Qualidade audiovisual no desenvolvimento
APRESENTAÇÃO

da competência midiática de crianças e adolescentes apresenta os


resultados da dissertação apresentada por Daniela Santana de Oliveira
no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, que
desenvolveu uma proposta formativa de oficina de audiovisual a partir

25
da discussão sobre a produção de qualidade que foi desenvolvida em
várias escolas de Juiz de Fora e região.
Experiência social do ver e do fazer-se ver: uma possibilidade
do documentário ferramenta pedagógica, de Gabriela Spagnuolo
Cavicchioli e Lyana Thédiga de Miranda, reflete sobre a possibilidade
de inserção do gênero documentário em práticas pedagógicas na
escola. A partir de uma pesquisa qualitativa de cunho mídia-educativo
(RIVOLTELLA, 2009; FANTIN, 2006) com aproximações à pesquisa
etnográfica, apresenta as etapas para a criação de um documentário
sobre a pesca e os pescadores com os alunos da Escola Municipal de
Ensino Básico, em Florianópolis/SC.
Mário Luiz da Costa Assunção Júnior e Martha Prata-
Linhares problematizam a criação audiovisual associada ao ensino e
aprendizagem como um saber da experiência que perpetua significados
duradouros associados à memória afetiva de professores e estudantes.
A terceira parte deste livro Análise crítica e produção criativa de
mídia se dedica a apresentar pesquisas na área da comunicação que se
desdobraram a partir das discussões propostas por Ferrés e Piscitelli
(2015) no que diz respeito à reflexão sobre o papel do espectador no
audiovisual e as novas relações que têm se estabelecido entre os
produtos culturais e o público na cultura participativa, principalmente
nas redes sociais digitais.
A proposta metodológica de Ferrés e Piscitelli (2015) para se
analisar o desenvolvimento da competência midiática a partir das seis
dimensões gerou desdobramentos de análise de conteúdos midiáticos
produzidos no âmbito da cultura participativa que contribuíram para
o aprofundamento dos estudos na área da comunicação, como podem
ser verificados nos textos desta parte do livro.
Além disso, procuramos aproximar este debate de outros
estudos na área do audiovisual, principalmente do documentário, a partir
APRESENTAÇÃO

de autores da filosofia e dos estudos fílmicos, tais como Comolli (2008) e


Rancière (2012), cujas incursões também poderão ser observadas.
Observatório da Qualidade no audiovisual: curadoria, produção
experimental de conteúdo e divulgação da ciência, de Gabriela Borges e

26
Daiana Sigiliano, apresenta o projeto de ensino, pesquisa e extensão
desenvolvido na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Este observatório aglutina, de certa forma, as pesquisas
apresentadas nesta parte do livro. Esta é uma proposta de formação
crítica e autônoma de comunicadores que tem como foco a aproximação
da discussão da qualidade no audiovisual e da literacia midiática.
Daiana Sigiliano discute as intercessões entre a competência
midiática e a produção de fanfics pelos fãs de telenovela no Brasil,
especificamente de Malhação - Viva a Diferença (Rede Globo, 2017-
2018). Este trabalho apresenta um dos desdobramentos gerados
pela pesquisa Competências midiáticas em cenários brasileiros e
euroamericanos que está relacionado com o entendimento das
habilidades que estão em operação na criação de conteúdos por parte
dos jovens fãs de telenovela, permitindo compreender diferentes
apropriações que estão presentes na cultura participativa.
Letícia Torres Americano e Mirian Tavares apresentam
alguns resultados do doutoramento em Comunicação, Cultura e
Arte desenvolvido na Universidade do Algarve, em Portugal, sobre
comunicação mercadológica e literacia midiática a partir da análise
da página do Facebook da marca de cerveja Skol. Este trabalho aponta
para uma área de estudo muito pouco explorada no Brasil, discutindo
a forma como as marcas se relacionam com seus consumidores na
cultura digital e a necessidade de se discutir a formação para uma
postura crítica em relação ao que se consome diariamente nas redes
sociais digitais.
Hyrlla Thomé apresenta os primeiros resultados da pesquisa
de mestrado que está desenvolvendo no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da UFJF sobre a produção infantojuvenil produzida e
veiculada no Youtube. A partir da dissertação de Oliveira (2018), Thomé
propõe uma categorização para se analisar esta produção audiovisual,
APRESENTAÇÃO

problematizando os recursos da plataforma, a circulação e o conteúdo


veiculado.
Encontros no documentário brasileiro e a potência de emancipação
do espectador de Tatiana Vieira Lucinda oferece uma reflexão sobre o

27
lugar do espectador na sua relação com o documentário. Apresenta
um panorama do documentário brasileiro, focando nas formas de
encontro entre o cineasta, o sujeito filmado e o espectador que foram
privilegiadas em cada época. Procura assim entender as operações
que privilegiam a inserção do espectador na dúvida e a ampliação
de sentidos que podem levá-lo ao que Rancière (2012) denomina
emancipação, termo criado por para indicar um estágio de maior
participação e reflexão crítica.
Portanto, este livro apresenta a pesquisa desenvolvida
pelas universidades UFJF, UEPG, UNB, UFSC, UFTM e UNISO e seus
desdobramentos tanto na prática docente, de formação e orientação
de alunos, quanto na prática investigativa, abrindo caminhos para
novas ações de formação e novos projetos de pesquisa. Consolidamos
assim a rede Alfamed Brasil, um dos nossos principais objetivos e
estabelecemos parcerias para a realização de pesquisas em nível
internacional, principalmente na América Latina, que também era
nosso objetivo. Acreditamos que precisamos amplificar este campo
no nosso continente, uma vez que várias ações têm sido realizadas
ao longo dos anos, mas muitas vezes se encontram dispersas e não
temos conhecimento de excelentes trabalhos que estão sendo feitos
muito próximos de nós. Com isso, esperamos contribuir para o
desenvolvimento do campo de estudos da literacia midiática nas suas
diferentes vertentes, tendo mostrado a pertinência e a importância de
sua inserção tanto no currículo escolar obrigatório quanto na formação
de pedagogos e profissionais de comunicação.
APRESENTAÇÃO

28
1
COMPETÊNCIAS
MIDIÁTICAS
Dimensões, contrastes
e aproximações em
diferentes contextos
brasileiros
1
A realização da pesquisa quantitativa
pela Rede Alfamed Brasil
Gabriela Borges

A pesquisa foi constituída de diferentes momentos que se


complementaram e, por vezes, ocorreram concomitantemente. O
primeiro momento foi o de formação das equipes em cada uma das
universidades com a instituição de grupos de estudos que iniciaram a
aproximação das equipes com a temática das Competências midiáticas.
Em 2014, começou a se formar um coletivo internacional de
investigadores em mídia e educação que se propuseram a pesquisar
as Competências Midiáticas originando assim a Red Interuniversitaria
Euroamericana de Investigación en Competencias Mediáticas para
la Ciudadanía – ALFAMED. O Brasil constituiu um grupo formado
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Coordenação), Universidade
Estadual de Ponta Grossa (Vice-coordenação), Universidade Federal de
Santa Catarina, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Universidade
de Brasília e, Universidade Federal Fluminense, que posteriormente foi
substituída pela Universidade de Sorocaba.
Esse momento culminou com a realização do I Simpósio de
Literacia Midiática em setembro de 2014 na Universidade Federal de
Juiz de Fora, quando os integrantes da rede brasileira se reuniram com
a coordenação internacional, apresentaram suas propostas e afinaram
as proposições teóricas e conceituais que orientaram o projeto. Em
2015 outros países ingressaram na Rede, que passou a contar com 13
membros, sua configuração oficial.
O segundo momento foi o de elaboração dos instrumentos
de coleta de dados. Consistiu na elaboração de questionários a serem
aplicados junto aos segmentos: crianças de 9 a 12 anos, jovens de 14 a
16 anos, estudantes e professores universitários de diferentes áreas do
conhecimento e profissionais de comunicação.
Esse momento culminou com o I Congresso Internacional
sobre Competencia Mediática, realizado em 2016 em Cali na Colômbia
quando a Rede Alfamed Internacional foi oficialmente constituída por
meio de um protocolo entre Espanha (coordenação geral da rede),
Colômbia (vice-coordenação) com a participação dos seguintes países:
Brasil, Bolívia, Portugal, Itália, México, Venezuela, Equador, Argentina,
Cuba, Peru e Chile. Neste encontro, os critérios de aplicação dos
questionários foram realinhados de acordo com a possibilidade da
realização da pesquisa conjuntamente com outros países.
A definição dos segmentos foi realizada de acordo com a
pesquisa espanhola La competência em comunicación audiovisual en
un entorno digital. Diagnóstico de necesidades entre âmbitos sociales:
los profesionales de la comunicación, la universidad y la educación
obligatoria, com o fim de comparar os resultados.
Já havíamos iniciado o processo de estudo e adaptação dos
questionários realizados pelos espanhóis, porém, com a formação
oficial da Alfamed, em 2015, foi proposta a ampliação da pesquisa
adotando uma perspectiva quantitativa de mensuração da competência
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

midiática em seus países membros. Isto impactou a nossa pesquisa, pois


foi necessária a elaboração de novos questionários que contemplassem
as diferenças culturais e aprofundassem a mensuração dos níveis em
cada uma das dimensões da competência midiática.
Esta etapa foi bastante trabalhosa e morosa, pois todas as
questões foram bastante debatidas e, principalmente, a seleção de
exemplos de audiovisuais para algumas perguntas dos questionários,
pois teriam que fazer sentido para todos os contextos culturais

31
participantes. Nesta reformulação, Portugal ficou responsável
pela elaboração do questionário 9 a 12 anos, Brasil e Espanha pelo
questionário 14 a 16 anos, Colômbia e Equador pelo questionário dos
universitários e México, Venezuela e Espanha pelo questionário dos
docentes. O questionário para os profissionais da comunicação foi
elaborado posteriormente pela equipe espanhola e adaptado para o
contexto brasileiro pela UFJF.
Os questionários foram, assim, aplicados em escolas públicas
e privadas nas cidades de Juiz de Fora, Uberaba, Ponta Grossa, Brasília,
Florianópolis, Sorocaba, São Roque e São Paulo respectivamente pelas
universidades UFJF, UFTM, UEPG, UNB, UFSC e UNISO (que aplicou
em Sorocaba, São Roque e São Paulo). A UNISO se integrou ao grupo
uma vez que a UFF não recebeu autorização do Conselho de Ética para
participar da pesquisa por motivos técnicos.
O terceiro momento foi o de aplicação dos questionários e de
tratamento dos dados e avaliação dos dados parciais obtidos até ali.
Essa fase iniciou com a realização do II Simpósio de Literacia Midiática
na UFJF que reuniu os pesquisadores nacionais para a discussão
sobre o processo de aplicação dos questionários em cada região e de
sistematização dos dados.
Os questionários foram disponibilizados numa plataforma online
elaborada pela equipe espanhola nos idiomas português e espanhol, sendo
que para os segmentos de 9 a 12 anos e 14 a 16 anos, os questionários em
português traziam a opção Portugal e Brasil, devido às diferenças de
expressões e usos da língua existentes entre os dois países.
De uma maneira geral, os questionários para esses segmentos
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

foram aplicados nos laboratórios de informática, em períodos


específicos, disponibilizados pelas escolas. Após a explanação dos
objetivos da pesquisa e da obtenção das autorizações, conforme
as indicações do comitê de ética, procedemos a aplicação dos
questionários. Já os segmentos de estudantes universitários, docentes
e profissionais de comunicação participaram da pesquisa por meio de
convites das equipes de investigação feitos diretamente aos sujeitos,
que ao acessarem a plataforma, tinham contato com os objetivos

32
da pesquisa e após concordarem com a participação esclarecida,
iniciavam o preenchimento dos questionários.
As seguintes escolas de ensino fundamental e médio e
universidades compõem a amostra:

- No segmento de estudantes de 9 a 12 anos participaram 13 escolas de


Ensino Fundamental, selecionadas entre públicas, privadas e privadas
com apoio público, localizadas nas regiões: Distrito Federal (3), Minas
Gerais (2), Paraná (2), Santa Catarina (2), São Paulo (4). Perfazendo um
total de 510 questionários aplicados, destes, 502 foram considerados
válidos.

Gráfico 1: Respondentes das escolas do ensino fundamental

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

- No segmento de estudantes de 14 a 16 anos foram aplicados 504


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

questionários e 499 considerados válidos. Participaram 15 escolas,


públicas, privadas e privadas com apoio público, distribuídas nas
seguintes regiões: Distrito Federal (5), Minas Gerais (4), Paraná (2),
Santa Catarina (2), São Paulo (2).

33
Gráfico 2: Respondentes nas escolas de ensino médio

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

No segmento de estudantes universitários, a pesquisa foi


realizada com 627 universitários sendo 626 considerados válidos. Os
participantes representaram 20 instituições entre públicas e privadas
das seguintes regiões: Distrito Federal (2), Minas Gerais (4), Paraná (3),
Rio de Janeiro (3), Rio Grande do Sul (1), Santa Catarina (2), São Paulo (5).
A pesquisa realizada com os docentes contou com 149
respondentes entre 24 e 71 anos de diferentes universidades públicas e
privadas pertencentes às seguintes regiões: Distrito Federal (1), Minas
Gerais (4), Paraná (2), Rio de Janeiro (1), São Paulo (3).
Com o encerramento da aplicação dos questionários pelos
países participantes, a equipe espanhola, gerenciadora da plataforma,
entregou os dados brutos às equipes de cada país que se encarregou
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

de tratá-los. A rede brasileira contratou um estatístico para auxiliar


no tratamento dos dados brutos e procedeu à organização e análise
dos dados.
O quarto momento foi de análise e sistematização dos dados,
bem como de avaliação da participação no processo internacional e
suas consequências para a pesquisa nacional. Esse momento culminou
com a realização do II Congresso Internacional de Competências
Midiáticas promovido pela rede Alfamed desta vez no Brasil, com sede

34
na Universidade Federal de Juiz de Fora de 23 a 25 de outubro de 2017,
no qual participaram representantes de toda a rede. Este encontro
proporcionou o estabelecimento de parcerias para a execução de
comparações entre países. No momento estamos encaminhando
estudos conjuntos com Portugal, Espanha, Colômbia, Chile e México.
No sexto momento foi feita a avaliação para a finalização da
pesquisa, em articulação com o estudo internacional e a reflexão
sobre as iniciativas de desenvolvimento de boas práticas em mídia e
educação a partir dos dados obtidos pela pesquisa.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

35
2
Crianças de 9 a 12 anos e sua relação com a mídia
Márcia Barbosa da Silva, Vânia Lúcia Quintão Carneiro e Mariana Meyer

Este capítulo apresenta um panorama das competências


midiáticas entre crianças de 9 a 12 anos de acordo com dados
coletados pela pesquisa Competências midiáticas em cenários brasileiros
e euroamericanos. Busca analisar os desafios e as possibilidades que
esse quadro apresenta para famílias, professores, gestores culturais e
decisores políticos, no sentido de oferecer subsídios para a elaboração
de práticas culturais, educativas, coletivas e individuais para infância,
visando a ampliação do acesso, análise e expressão por meio das mídias.
Podemos considerar que, da mesma forma que precisamos da leitura
e da escrita para conhecer e exercer nossos direitos, necessitamos
também de alfabetização midiática para que possamos compreender o
mundo em que vivemos, nos expressar e nos mover dentro dele. Por isso,
dizemos que educar para a mídia é também educar para a cidadania.
Se, por um lado, podemos constatar que cada vez mais
crianças e jovens apresentam uma grande afinidade com as mídias do
ponto de vista da apropriação dos aspectos tecnológicos, por outro,
ser alfabetizado em mídias implica também a aquisição de outras
dimensões de competência, que tem a ver com os valores éticos,
a capacidade crítica e a responsabilidade frente aos meios. Isto se
relaciona tanto com o entendimento das produções midiáticas que
circulam no social, quanto à expressão pessoal, ou seja, a maneira
como crianças e jovens utilizam a linguagem midiática para criar suas
mensagens e os valores que estas veiculam.
Tudo isso demanda o desenvolvimento de processos
educacionais para que essas competências sejam exercitadas desde
cedo, pois desde o nascimento as crianças já estão mergulhadas no
ambiente midiático-digital. Para educadores esse é um desafio a
ser vencido, uma vez que os estudos sobre o desenvolvimento de
competências midiáticas estão apenas começando.
Nesse contexto, a pesquisa apresentada a seguir procurou
fornecer indicadores de competência entre estudantes brasileiros
nos diferentes níveis de ensino para o estabelecimento de políticas
educacionais que atendam às necessidades de educação midiática de
cada um dos grupos estudados.
O grupo abordado neste capítulo pertence à faixa etária de 9
a 12 anos, representa um período intermediário entre os anos iniciais
(9-10) e finais (11-12) do Ensino Fundamental no qual a criança goza de
um pensamento mais autônomo e desenvolveu sua capacidade crítica.
Neste estudo foram analisadas as dimensões tecnologia,
linguagem, processos de interação, processos de produção e difusão, ideologia
e valores e estética, conforme propostas por Ferrés e Piscitelli (2012).
A dimensão tecnologia abrange o conhecimento sobre os
meios tecnológicos disponíveis para obter determinado efeito e a
capacidade de manejar as ferramentas midiáticas para a elaboração
de uma mensagem. A dimensão linguagem diz respeito à capacidade de
análise dos elementos da linguagem midiática e de sua utilização para
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

construir mensagens.
A dimensão processos de interação trata da interação com outras
pessoas por meio da mídia, do conhecimento e utilização de medidas
de proteção e formas de denunciar abusos cometidos contra si ou
contra outras pessoas. Os processos de produção e difusão se referem
aos conhecimentos sobre as formas de produção e de disseminação de
informação, considerando também o respeito aos direitos autorais.

37
A dimensão ideologia e valores abrange a identificação das
ideologias e valores presentes nas mensagens midiáticas e, ao mesmo
tempo, a capacidade de expressar valores sociais e democráticos que
promovam a humanização. Finalmente, a dimensão estética trata tanto
da identificação de padrões estéticos, quanto da expressão por meio
de formas estéticas próprias ou inovadoras.

A PESQUISA

A pesquisa foi realizada pelas seguintes instituições:


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
Universidade de Brasília (UNB) e Universidade de Sorocaba (UNISO).
A coleta e organização dos dados contou com o auxílio de alunos
bolsistas de diversas origens: programas de pós-graduação, iniciação
científica, extensão e também voluntários. Os questionários foram
aplicados nas escolas, geralmente nos laboratórios de informática, em
horários disponibilizados pelos gestores com a autorização dos pais
das crianças.
As escolas que serviram de base para a pesquisa tinham um
perfil diversificado, sendo públicas, privadas e privadas com auxílio
público e estavam localizadas em diferentes contextos, tais como
rural, urbano, central ou periférico. Em relação ao tipo de famílias
atendidas, havia diferentes perfis financeiros: pequenos proprietários
rurais, prestadores de serviços, profissionais liberais, operários,
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

comerciários, funcionários públicos, empresários e etc.

QUESTIONÁRIO

O questionário era composto de 24 questões distribuídas


entre as duas categorias: o perfil dos participantes (7) e as dimensões
das competências midiáticas. As perguntas alocadas para cada uma
das dimensões foram as seguintes: Tecnologia (3), Linguagem (3),

38
Processo de Interação (3), Processos de Produção e Difusão (2), Ideologia
e Valores (3), Estética (3). Estas eram de múltipla escolha, podendo ter
respostas únicas ou possibilitar mais de uma escolha [1]. As questões
foram organizadas em uma planilha e posteriormente sistematizadas
conforme o quadro abaixo:

Quadro 1: Distribuição das questões por categoria

CATEGORIA PERGUNTAS
Perfil P1, P2, P3, P3.1, P4, P4.1, P5
Dimensão
P14, P15, P22
Tecnologia
Dimensão
P8, P11, P12
Linguagem
Dimensão
P13, P17, P20
Interação
Dimensão
P19, P23
Produção e difusão
Dimensão
P7, P16, P18
Ideologia e valores
Dimensão P6, P9, P10
Estética

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

39
APLICAÇÃO

Os questionários foram aplicados em 2016, junto aos alunos de


13 escolas do ensino fundamental das seguintes regiões: 3 escolas do
Distrito Federal, 2 de Minas Gerais, 2 do Paraná, 2 de Santa Catarina
e 4 de São Paulo, totalizando 510 questionários respondidos de modo
voluntário, destes, 502 foram considerados válidos conforme quadro
abaixo:

Quadro 2: Distribuição de alunos por regiões

REGIÃO PARTICIPANTES
Distrito Federal 121
Minas Gerais 104
Paraná 101
Santa Catarina 124
São Paulo 52
Total 502

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

INSTRUMENTOS DE ORGANIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Para a organização dos dados [2], com o intuito de obter


informações consistentes, foi feita uma padronização de variáveis pelo
nome mais frequente. Essa ação foi necessária pois os participantes
inseriram diferentes formas para o mesmo nome de escola ou estado,
como, por exemplo MG, MINAS GERAIS e Minas, para Minas Gerais
e assim por diante. Após depuração da base de dados foi utilizado
o software estatístico R de livre distribuição e código aberto para
a geração dos primeiros resultados. Na sequência foi utilizado o

40
software Crosstab e teste quiquadrado [3] para um refinamento dos
dados, o que possibilitou a leitura dos níveis de competência bem
como o cruzamento desses níveis conforme as variáveis de perfil dos
participantes.

PERFIL DOS PARTICIPANTES

Em relação ao local de origem dos participantes, 24,15%


eram oriundos do Distrito Federal; 24,55% de Santa Catarina; 20,76%
de Minas Gerais, 20,16% do Paraná e 10,38% de São Paulo (conforme
gráfico 1). Houve um número ligeiramente maior de participantes do
sexo masculino (55,29%) em relação ao número de participantes do
sexo feminino (44,71%), conforme indica o gráfico 2. Em relação às
faixas etárias, 15,97% dos participantes se encontravam com 9 anos;
27,74% era composto por crianças de 10 anos; 30,14% dos participantes
tinham 11 anos e 26,15% declarou ter 12 anos, conforme o gráfico 3.

Gráfico 1: Porcentagem de respondentes por região


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

41
Gráfico 2: Sexo dos respondentes

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Gráfico 3: Idade dos respondentes

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Em relação à formação em comunicação audiovisual e


digital (para entender, usar e produzir conteúdos audiovisuais, tais
como filmes, vídeos, etc.) Os participantes assinalaram: “Nunca tive
formação” (27,74%); “Aprendi sozinho” (28,94%); “Aprendi na escola”
(15,57%); “Aprendi com a minha família” (20,56%); “Aprendi com os
meus amigos” (7,79%) e “Aprendi em atividades extraescolares” (1,40%).

42
Gráfico 4: Formação em Comunicação Audiovisual

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

O gráfico acima mostra que, para essas crianças, a instituição


de ensino teve pouco protagonismo em relação ao aprendizado com as
mídias, indicando que há um espaço que pode ser ocupado pela escola
no sentido da ampliação das competências midiáticas desse segmento.

ANÁLISE DAS DIMENSÕES DA COMPETÊNCIA MIDIÁTICA

Dimensão Tecnologia

No tocante à dimensão tecnologia, foram feitas questões


relativas ao conhecimento de dispositivos, usos da internet e
reconhecimento de interferência de programas na manipulação
de imagens. A grande maioria dos estudantes mostrou capacidade
de discernir entre dispositivos ou recursos digitais e audiovisuais,
destacando as denominações corretas para DVD (78,44%), Tablet
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

(77,25%) e YouTube (69,09%).


Apesar de não apresentarem valores expressivos como os
recursos e dispositivos acima citados, SPAM (51,30%) e Chat (55,09%)
também foram identificados de forma correta pela maioria. Houve
uma leve confusão na definição de SMS, com 47,31% de acertos e
também “Um programa usado para visualizar páginas na internet” que
deveria ser relacionado nas opções como “Nenhuma das anteriores”,
com 40,72% de acertos.

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As respostas indicaram que a maioria reconhece equipamentos
e redes sociais, mas demonstra menor familiaridade com dispositivos
como, por exemplo, o SMS para o qual existem correspondentes mais
populares entre o público mais jovem. Como não utiliza o aplicativo
desconhece a sua função, o que não significa que não saiba como lidar
com ele, caso seja necessário.

Gráfico 5: Reconhecimento de dispositivos

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

A questão seguinte se refere aos usos da internet feitos pelos


estudantes. As respostas obtidas apontaram que as atividades mais
frequentes foram “Ver vídeos” (95,01%) e “Jogar” (91,42%). Também foi
expressivo “Ver filmes e séries da TV” (83,03%), “Ouvir música” (82,63%)
e “Procurar informação sobre coisas que gosto de saber” (82,83%). Por
outro lado, “Publicar vídeos no You Tube ou outros” (47,31%), “Usar o
correio eletrônico ou e-mail” (43,51%) e “Ler notícias” (41,92%) foram os
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

recursos/atividades menos utilizados.

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Gráfico 6: Usos da Internet

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Em relação aos usos da internet, estes se mostram mais lúdicos


como ver vídeos, jogar e ver filmes e séries de TV, enquanto que outras
ações que indicam uma relação mais ativa com as tecnologias foram
menos assinaladas, tais como publicar vídeos no YouTube ou usar o
correio eletrônico ou e-mail, apontando para uma relação com a rede
mais próxima da recepção que da produção e circulação de conteúdo.
Isso está dentro do esperado até porque essa faixa ainda é muito nova
e portanto é desejável que tanto o seu consumo quanto a sua exposição
nas redes sociais sejam mais moderados mesmo.
Quando confrontados com a distorção intencional de uma
imagem, a maioria (59,08%) conseguiu identificar a manipulação
como sendo resultante do uso de um programa de edição de imagens,
enquanto que 22,55% indicou que a imagem poderia ter sido feita com
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

uma câmera especial, 10% assinalou que a imagem poderia ser obtida
dobrando o papel e 7,98% não soube responder. Apesar de terem mais
intimidade com a dimensão tecnologia, as respostas demonstram que,
em relação ao conhecimento da função e utilização de aplicativos, há
necessidade de ampliação da compreensão técnica de produção digital
da imagem e do funcionamento da tecnologia na alteração dos temas
representados por essas imagens.

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Dimensão Linguagem

Com relação à dimensão linguagem, as questões se referem ao


reconhecimento do papel dos elementos da linguagem audiovisual na
composição dos significados da mensagem midiática. Ao analisar uma
peça publicitária, a maioria das crianças participantes demonstrou
perceber a ligação entre esses elementos e as emoções como, por
exemplo, a alegria e o som, bem como o ritmo (68,06%), mas a percepção
de que esses elementos se combinam para reforçar a mensagem ainda
não está tão clara para uma parcela das crianças (31,94%).
Quando levados a analisar uma imagem editada para evidenciar a
emoção do personagem, a maioria demonstrou perceber melhor a
relação entre enquadramentos (42,32%), foco (44,51%) e significados do
que entre o uso de filtros de cor (7,58%) e a construção de sentidos de
uma imagem, por exemplo.

Gráfico 7: Reconhecimento de elementos da linguagem audiovisual

Fonte: Elaborado pelos autoras (2019)


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Incentivados a ordenar uma sequência de imagens, a maioria


das crianças conseguiu estabelecer critérios para a ordenação de cenas
(86,63%), ainda que não fossem os mesmos utilizados pelos criadores
das imagens. Todos esses resultados demonstram que as crianças têm
uma percepção intuitiva sobre a linguagem, sua função e possibilidades
de expressão. Porém, se esta fosse orientada de maneira consciente,

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poderia ser ampliada e aprimorada para possibilitar às crianças uma
melhor leitura dos produtos audiovisuais, bem como uma utilização
intencional em suas próprias produções midiáticas.

Dimensão Processos de Interação

A dimensão processos de interação apresentou questões


relacionadas à audiência e à sua conduta nas redes sociais. A maioria
conseguiu identificar o significado de audiência de um programa
televisivo (59,28%). Embora seja uma boa porcentagem, o resultado
mostra um espaço para a ampliação da compreensão do conceito.
Em relação ao uso da internet para a elaboração de trabalhos
escolares, as respostas indicaram que redes sociais como o WhatsApp
e Facebook são utilizadas pela maioria das crianças para trocar
informações com os colegas, assinalando opções “Sempre” (32,34%),
“Muitas vezes” (14,97%) e “Às vezes” (26,55%). Em contrapartida, uma
boa parte dos participantes indicou que nunca utilizou e-mail (44,51%)
ou chat (41,92%) para esse fim. Os menos utilizados para trabalhos
escolares pelos alunos são o compartilhamento de arquivos via Google
drive (68,84%) e videoconferência (52,30%).
Os aplicativos mais indicados para a comunicação com
colegas na elaboração de trabalhos escolares, Facebook e Whatsapp,
estão disponíveis no telefone celular que, segundo o Comitê Gestor
da Internet (2018), é o dispositivo mais utilizado pelas crianças na
atualidade e combina facilidade de uso com imediatez. Graças à sua
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

portabilidade e à forma com que rapidamente a juventude integrou


o celular em sua rotina, é compreensível que aplicativos fáceis de
utilizar nesse dispositivo tenham prioridade sobre outros. Aqui,
mais uma vez, é possível pensar que os processos educativos possam
ser fonte de ampliação das experiências de comunicação e troca de
informações na rede, viabilizando o contato com novas alternativas
de aplicativos para a realização de tarefas e trabalhos compartilhados,
não necessariamente só os escolares.

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O questionário trazia ainda perguntas referentes à percepção
e denúncia de imagens, vídeos, informação ou conteúdos ilegais,
ofensivos ou desagradáveis na internet. Uma boa parte (45,71%) dos
participantes indicou nunca ter se deparado com essa situação. Outros
não tomaram nenhuma atitude, pois não acreditavam que haveria
uma providência eficaz (9,58%); não estavam envolvidos na situação
(10,58%) ou não sabiam o que fazer (9,58%). Já aqueles que perceberam
essa situação e decidiram agir (24,55%) indicaram as seguintes ações:
“bloquear o site” com 93 menções e “bloquear o autor” com 82 menções.
“Entrar em contato com autoridades” teve 21 menções e “contar a um
adulto” 62 menções.
Considerando a faixa etária dos participantes, é possível
compreender que se sentem temerosos de tomar atitudes diretas
contra agressores. Mas as respostas indicam a necessidade de
formação para que possam reconhecer melhor as agressões e também
possam encontrar meios de se defender com o auxílio de adultos.
Nesse sentido, a escola pode ser um ponto importante de apoio ao
abordar essas questões, ensinando a lidar com elas.

Dimensão Produção e Difusão

As questões referentes a esta dimensão tratam as medidas de


segurança na internet e os conhecimentos referentes às funções dos
profissionais que atuam na área de audiovisual, bem como as etapas de
realização de uma produção midiática.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Apesar de uma boa parcela ter cuidados com relação à


segurança digital, apenas 29,74% sempre usam senhas diferentes
e 34,73% realizam com essa mesma frequência a atualização do
antivírus. A maioria das medidas de proteção não são adotadas com
a periodicidade necessária para uma proteção eficaz, sendo que mais
de 50% dos respondentes não usa senhas diferentes para cada tipo de
acesso (como redes sociais, e-mails e assim por diante); 31,14% disseram
usar senhas diferentes “Às vezes” e 30,94% disseram “Nunca”. Com o
agravante de que 22,75% disseram atualizar o antivírus “Às vezes” e

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28,54% disseram “Nunca”, ou seja, mais de 60% dos participantes estão
mais expostos aos perigos e transtornos causados por um ataque
virtual. Medidas como “apagar Spam” e “não clicar em links indevidos”
(34,73), “bloquear propaganda indesejada” (42,12%) e “definir opções de
privacidade” (44,71%) demonstram que precauções importantes na rede
são tomadas por menos de 50% dos participantes. Esses cuidados são
fundamentais para que possam navegar com segurança e autonomia
na rede.
Em relação ao conhecimento sobre a produção midiática,
os participantes tiveram maior facilidade em identificar as funções
de edição (53,29%) e roteirista (58,48%). Já a produção, maquiagem e
cenografia não foram reconhecidas por mais de 65% dos participantes.
Na questão acerca da ordem de atividades em um processo de
produção, houve um relativo acerto: escrever o roteiro (44,91%),
contratar atores (42,71%), gravar as cenas (27,54%) e fazer a montagem
(32,14%). Curiosamente, muitas crianças assinalaram a gravação
da cena como sendo a primeira coisa a ser feita (21,36%), talvez pela
imediatez proporcionada pelas experiências de realização de vídeos
curtos por meio de telefones móveis. As respostas indicam que o
conhecimento das crianças sobre a produção se encontra mais próximo
da experimentação. Embora essa característica seja importante no
processo criativo, existem estudos, como os propostos neste livro,
que ensinam a criança a refletir sobre seu processo de produção
audiovisual sem que isso signifique engessar a sua criatividade.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Dimensão Ideologia e Valores

A dimensão ideologia e valores apresentou questões


relacionadas à identificação das intencionalidades de peças
publicitárias, aos critérios de escolha na internet e às iniciativas
de ações que valorizam a cidadania neste ambiente. A maioria das
crianças percebeu a estratégia da publicidade em associar o produto
aos valores (46,91%), mas uma boa parte se prendeu mais às relações
emocionais, tais como a música alegre como meio de chamar a atenção

49
para o produto (46,91%). Apenas uma pequena parcela (7,78%) não
reconheceu a estratégia do anúncio. Levando-se em consideração a
constante exposição das crianças à publicidade, é relevante que mais
de 50% das crianças necessitam de avançar os seus conhecimentos
nessa área. Por outro lado, as respostas apontam para a importância
de mecanismos legais de proteção contra possíveis abusos por parte
de anunciantes.
Os critérios de escolha de sites têm a ver com o tipo de
exposição que as crianças se submetem, mesmo que seja em atividades
corriqueiras, como as tarefas escolares. Em relação aos critérios de
escolha de sites para a elaboração de trabalhos, por exemplo, foi possível
perceber que a confiabilidade da forma de acesso à informação está
ligada à “indicação de terceiros” (131 menções), geralmente de adultos
de seu círculo mais próximo, atentando menos para outros itens
igualmente importantes como a “fonte da informação” (58 menções)
ou a “data da postagem” (54 menções).
Outro aspecto levantado dentro desta dimensão diz respeito
às iniciativas de intervenção para auxiliar alguém por meio da rede.
As respostas mostram que as ações das crianças se restringem a
“curtir” ou “compartilhar” informações. Houve poucas menções para
ações concretas e participativas como “ajudar a organizar uma ação de
solidariedade nos meios de comunicação” (50 menções), por exemplo.
Estes dados permitem observar que há pouco engajamento
em relação às causas que necessitam de uma atitude mais concreta,
como uma denúncia ou a manifestação de solidariedade. Talvez
isso se explique pelo viés etário, uma vez que as crianças são menos
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

encorajadas pela família a assumirem protagonismos. Entretanto, é


possível indagar sobre a participação de traços culturais em relação ao
engajamento em causas sociais, já que muitas vezes a solidariedade, no
contexto brasileiro, se aproxima muito mais das ações assistencialistas
do que daquelas que incluem algum tipo de enfrentamento.

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Dimensão Estética

A dimensão estética foi apresentada por meio de questões


relacionadas ao reconhecimento de estratégias de estetização
dos produtos. Nesse sentido, as crianças tiveram que indicar o que
mais chamou a sua atenção em peças publicitárias sobre produtos
alimentícios. Em torno de 50% dos participantes indicaram que
a relação de prazer despertada pelo produto em si se sobrepôs à
percepção dos elementos estéticos da mensagem. Vale salientar que a
percepção de elementos estéticos é complexa, inclusive para adultos.
Por isso, é significativo que cerca de 40% das crianças tenha conseguido
identificar os elementos estéticos como, por exemplo, a forma como se
conjugaram as imagens, a música e o texto nas peças publicitárias; a
paleta de cores utilizada; a organização dos elementos na imagem e
assim por diante.

DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO MIDIÁTICA

De modo geral, os participantes demonstraram ter um nível


bastante básico de competência midiática em cada dimensão, sendo
orientados muito mais pela intuição do que por um conhecimento
mais sistematizado. Os resultados indicam que a maioria das crianças
deve passar por um processo formal de aprendizagem para que possa
aproveitar melhor o acesso aos meios e ampliar a capacidade de
atuar, de modo consciente e crítico, em cada uma das dimensões da
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

competência midiática.
Se as crianças estão imersas no ambiente digital desde cedo
e adquirem experiência por meio de ensaio e erro, a escola oferece
a oportunidade de entrarem em contato com o conhecimento
sistematizado e o pensamento científico com base na constatação e
na ética. Dessa forma, a educação midiática, quando oferecida pela
escola, pode auxiliar as crianças a ampliarem e aprofundarem seus
conhecimentos sobre a mídia. Trata-se de incentivar a compreensão

51
do entorno cultural e a aquisição das ferramentas cognitivas para a
análise da produção alheia e expressão midiática própria, favorecendo
o desenvolvimento de todas as dimensões da competência midiática.
A pesquisa mostrou que as crianças participantes, embora
tenham bastante habilidade em lidar com os aspectos técnicos
das mídias, precisam ainda ampliar o conhecimento em relação à
dimensão tecnologia no que diz respeito, por exemplo, a realizar uma
videoconferência para a elaboração de um trabalho em grupo. Apesar
de conhecerem o dispositivo de videoconferência, por entenderem
sua relação com as mídias como eminentemente lúdica, talvez não
percebam outras formas de utilização possíveis em atividades mais
formais como, por exemplo, a realização de um trabalho escolar.
Existem aspectos das dimensões tecnologia e linguagem, por
exemplo, que vão além do contato com as tecnologias ou da aquisição
de conhecimentos sobre a gramática audiovisual. Para que sejam
compreendidos é necessário proporcionar experiências educacionais
para as crianças, nas quais elas possam refletir sobre as mudanças
ocasionadas pela introdução de um novo produto tecnológico,
observando, por exemplo, as transformações ocorridas nas noções
de corpo, tempo, espaço, consumo e formas de representação da
realidade proporcionadas pelas mídias.
Há que se proporcionar a reflexão sobre as relações entre as
empresas de tecnologia e os produtos por elas ofertados, suas reais
contribuições para a melhoria da qualidade de vida da população. Que
consequências as novas tecnologias acarretam para o meio ambiente
em seu processo de produção; que exclusões/inclusões estão implícitas
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

na organização dos serviços oferecidos; que impactos econômicos e


sociais resultam da utilização de determinados produtos revestidos de
plástico ou metais, por exemplo.
A educação midiática propõe refletir também sobre
como a produção da imagem, a utilização de luzes, cores, focos,
enquadramentos, personagens e cenários funcionam como
elementos de identidade, ampliação ou minimização, invisibilização/
reconhecimento, qualificação/desqualificação de temas sociais

52
importantes, enfim, como os aspectos tecnológicos e de linguagem
atuam na elaboração da nossa visão de mundo.
A pesquisa apontou que os parâmetros de confiabilidade de
informação estão muito respaldados na confiança em adultos do seu
convívio. Isso aumenta a responsabilidade dos adultos como exemplos
a serem seguidos. Pais, professores e outros adultos são referências
de postagens confiáveis na rede e portanto de parâmetro de verdade.
Daí a importância da vigilância do adulto em relação aos seus próprios
hábitos midiáticos e também a necessidade de formação desse adulto
para que esses hábitos possam ser seguros e críticos. Para que as
crianças possam desenvolver parâmetros de autocuidado e o consumo
responsável, é preciso ensiná-las a cuidarem de sua atividade nos
meios digitais e redes sociais, mas também é preciso questionar a
coleta de dados pelas empresas de mídia, tanto pessoais quanto de
perfis de consumo, no que se refere ao direito à privacidade.
Os resultados indicaram a necessidade de ampliar o
repertório para o reconhecimento de agressões, não identificando-as
como brincadeira. Nesse sentido, é preciso incentivar os estudantes a
interrogar as mensagens midiáticas questionando de modo consciente
as emoções que geram, as consequências dessas emoções na sua vida,
na vida dos outros, no entorno próximo e nas relações mais distantes.
O desenvolvimento das competências midiáticas requer a educação
das emoções, o respeito com o outro e consigo mesmo. Só com respeito
pelo outro é que se pode pensar no combate ao bullying, pois sem se
solidarizar com o sofrimento do outro não há o entendimento do que
a ofensa, o preconceito e a violência simbólica podem causar na vida
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

alheia.
Sem o respeito por si mesmo fica-se mais vulnerável ao assédio,
aos apelos do consumo e de jogos autodestrutivos. O respeito por si é
essencial para o cultivo dos bons sentimentos, para a superação das
desigualdades e dos preconceitos e para o aumento da auto-aceitação
e da autoestima.
A educação midiática também tem a ver com a imaginação,
com a capacidade de inventar o que ainda não existe, mas que ao ser

53
criado na mente pode vir a existir no mundo real, prevendo o futuro
por meio das experimentações estéticas, da compreensão da gramática
audiovisual e da possibilidade de criar outras formas de representação
do mundo que valorizem a diversidade, as identidades, os saberes e as
culturas.
Nesse sentido, é importante proporcionar aos alunos
experiências estéticas que ultrapassem os interesses comerciais
como, por exemplo, apresentar às crianças produções participantes
de festivais de audiovisual voltados para a infância e juventude. Essas
produções, além de serem mais curtas, tratam de temas relevantes
com propostas estéticas inovadoras e abordagens inéditas sobre temas
cotidianos, permitindo às crianças compreender e representar a sua
realidade de diferentes matizes, também do ponto de vista estético e
criativo.
Para isso, é preciso pensar sobre o repertório de imagens que
compõem ou direcionam uma forma de ver o mundo, e interrogar
sobre os valores e juízos associados a essas imagens. Nessa direção,
a educação midiática estimula as crianças a questionarem sobre os
grupos sociais afetados, as relações culturais, sociais e econômicas que
sustentam as visões de mundo suscitadas pelas imagens; e a criarem
imagens de superação dos modelos não solidários, das relações
abusivas de toda espécie: cultural, econômica, pessoal.
Tudo isso implica na formação de profissionais em educação
midiática que atuem dentro das escolas, bibliotecas públicas, centros
culturais, associações comunitárias, bem como em organizações não
governamentais e empresas de mídia. Essa questão será abordada em
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

outros capítulos deste livro.

54
NOTAS

[1] Neste caso foi considerada a quantidade de mençõespara cada alternativa.

[2] Os dados foram tratados com o auxílio dos estatísticos Daniel Gustavo Moreira
(Tratamento inicial) e José Ricardo Favoretto (Tratamento pormenorizado) e do bolsista
de iniciação científica Vinicius Guida.

[3] O quiquadrado compara valores observados e esperados indicando se há uma relação


significativa.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

55
REFERÊNCIAS

FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. La competencia mediática: propuesta articulada de


dimensiones e indicadores. Comunicar, n. 38, p. 75-82, 2012. Disponível em: https://
www.revistacomunicar.com/verpdf.php?numero=38&articulo=38-2012-10. Acesso em: 23
set. 2019.

COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o uso da Internet


por crianças e adolescentes no Brasil: TIC Kids Online, Brasil, 2017. São Paulo: CGI.
br. 2018. Disponível em: https://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/2/tic_kids_
online_2017_livro_eletronico.pdf. Acesso em: 23 set. 2019.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

56
3
Competências midiáticas e a produção
audiovisual entre jovens: experiências
investigativas e formativas
Monica Fantin e Gabriela Borges

Este capítulo reflete sobre alguns resultados da pesquisa


interinstitucional [1] desenvolvida em 6 universidades brasileiras no
contexto da Rede Alfamed que investiga a temática das competências
midiática para a cidadania, conforme consta na apresentação do livro.
Embora a pesquisa mais ampla tenha envolvido diferentes aspectos
das competências midiáticas entre crianças, jovens, estudantes
universitários, professores e comunicadores, o recorte deste capítulo
diz respeito às competências midiáticas ligadas às produções
audiovisuais de jovens entre 14 e 16 anos. Após aplicação de um
questionário online e análise dos resultados foram propostas oficinas
de formação a algumas turmas de estudantes de modo a assegurar
outras possibilidades de participação na escola e na cultura.

MULTILITERACIAS E COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

As mídias digitais estão modificando a realidade da


comunicação e os processos de sociabilidades juntamente com os
sentidos e as formas da participação (SILVERSTONE, 2005, 2009), sendo
cada vez mais necessário problematizar as interações que emergem
no contexto da cultura digital. De um lado, é importante discutir as
oportunidades que se constroem a partir dos vínculos e relações sociais
mediadas pelas tecnologias, que fortalecem e aumentam a consciência
de si e do outro, as possibilidades de novas sociabilidades com as redes
colaborativas e a participação em processos democráticos. Por outro
lado, é fundamental discutir também os aspectos críticos e os diferentes
níveis de participação dos sujeitos nas redes e na multiplicidade de
espaços sobretudo a partir das interações promovidas pelas produções
audiovisuais (e não só) compartilhadas.
Os diferentes níveis de participação e a diversidade de
possibilidades das novas mídias sociais digitais solicitam novas
multiliteracias que, por sua vez, se relacionam ao processo de
desenvolvimento de competências midiáticas, visto que muitas delas
são construídas em contextos de aprendizagens informais.
Ao enfatizar a necessidade de a escola e dos programas das
comunidades de aprendizagens informais atuarem na promoção das
new media literacies, Jenkins (2006, p.4) faz referências a “um lugar de
competências culturais e habilidades sociais que crianças e jovens
necessitam nas novas paisagens”. Para ele, a cultura participativa
muda o foco das literacias como expressões individuais para o
envolvimento em comunidades, implicando habilidades sociais que
seriam desenvolvidas através da colaboração e do networking.
Entre as práticas culturais no contexto da convergência das
mídias, tecnologias e linguagens, ampliar a noção do que significa
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

estar alfabetizado nos leva ao conceito de multiliteracies, que implica a


articulação entre media literacy, new literacies e suas interfaces (COPE;
KALANTZIS, 2000). As multiliteracies podem ser entendidas como o
conceito de multimedia literacy e suas áreas emergentes sintetizadas
nos termos como visual literacy, media literacy, critical literacy,
informational literacy e technology literacy (HOBBS, 2006) e suas formas
de análise e expressão em comunicação visual, eletrônica e digital e seus
respectivos objetos de estudo. Assim, a noção de multiliteracies amplia

58
a concepção tradicional de literacia relacionando diferentes linguagens
e metalinguagens na complexidade dos processos de produção de
sentidos que se articulam entre os signos linguístico, visual, sonoro,
gestual, espacial e multimodal, como diz Hobbs (2006, p. 7).
O entendimento de tais conceitos e suas interpretações
sugerem que as mudanças no processo de ensino-aprendizagem
ultrapassam o uso instrumental da tecnologia e implicam diálogo,
negociação, polifonia, abertura, flexibilidade, crítica e colaboração
numa perspectiva transformadora, que requer o desenvolvimento e a
construção de certas competências (FANTIN, 2015).
Ao refletir sobre as formas com que crianças, jovens e adultos
se relacionam com os meios, Aguaded (2014) enfatiza o caráter
afirmativo dos meios, dos usos e dos consumos de mensagens e
informação, lembrando que com a expansão das mídias no século XX,
a preocupação inicial foi com os processos de alfabetização da leitura-
escrita, seguidos da alfabetização ou competência audiovisual e que,
mais recentemente, a competência digital foi ganhando destaque.
Nesse quadro, as competências audiovisuais que fazem parte das
competências midiáticas, também se relacionam com as multiliteracies.
E quando falamos em competência audiovisual, entendemos todas e
quaisquer produções que se expressam a partir de imagem e/ou som,
“[...] em qualquer classe de suporte e de meios, desde os tradicionais
(fotografia, cinema, rádio, televisão, vídeo) até os mais recentes
(videogames, multimídia, Internet)” (FERRÉS; PISCITELLI, 2012, p.
102). Ser competente audiovisualmente é ser “capaz de realizar análises
críticas dos produtos audiovisuais que consome, e ao mesmo tempo, de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

produzir mensagens audiovisuais simples que sejam compreensíveis e


comunicativamente eficazes” (FERRÉS, 2007, p. 103).
Na definição da Comissão Européia a competência midiática
se refere à capacidade de acessar aos meios de comunicação (entre
eles televisão, cinema, rádio, meios impressos, internet e todas as
outras tecnologias de comunicação digital), compreender e avaliar
criticamente os seus diferentes aspectos e conteúdos e se comunicar
em uma variedade de contextos, esclarece Aguaded (2014). De acordo

59
com tal entendimento, Ferrés e Piscitelli (2012, p. 78) enfatizam a
importância de conceber a educação midiática de maneira ativa,
participativa e lúdica.
Ferrés e Piscitelli (2015) propuseram uma metodologia para
avaliar e promover o desenvolvimento da competência midiática na
cultura participativa. Segundo os autores, as revoluções tecnológica
e neurobiológica apontam a necessidade de potencializar a dimensão
participativa dos processos de comunicação. Neste sentido, a
participação não se refere apenas aos modos como um indivíduo se
expressa criativamente, uma vez que a análise das mensagens também
influi no modo como elas são criadas.
Desta forma, a competência midiática é formada a partir de uma
abordagem ativa e dialógica, levando em consideração a participação
do interlocutor nos processos de seleção, interpretação, aceitação ou
rejeição, análise crítica e transmissão, entre outros, que estimulam e
sustentam a sua produção criativa. A competência midiática envolve
o domínio de conhecimentos, habilidades e atitudes dos indivíduos
em relação às mensagens midiáticas. Sendo assim, Ferrés e Piscitelli
(2015, p. 8-14) definiram seis dimensões a partir das quais elaboraram
indicadores de análise. Por sua vez, estes se relacionam tanto ao âmbito
de análise, isto é, a forma como as pessoas recebem e interagem com
as mensagens, quanto ao âmbito de expressão, que se refere ao modo
como as mensagens são produzidas pelas pessoas.
Na dimensão linguagem, o âmbito da análise refere-se
à capacidade de compreender a forma como as mensagens são
construídas em diferentes mídias gerando diferentes produções de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

sentido. Além da capacidade de estabelecer relações entre textos, códigos


e mídias. O âmbito da expressão refere-se à capacidade que o indivíduo
tem de se expressar utilizando diferentes sistemas de representação e
estilos em função da situação comunicativa, do conteúdo transmitido e do
interlocutor. Além da capacidade de modificar os produtos existentes,
conferindo-lhes novos significados, como é o caso dos memes, das
referências intertextuais e da remixagem, por exemplo.
Na dimensão tecnologia, o âmbito da análise está relacionado

60
com a capacidade de manusear e transitar pelos ambientes
hipermidiáticos, transmidiáticos e multimodais e de compreender o
papel que a tecnologia desempenha na sociedade. O âmbito da expressão
relaciona-se à capacidade de adaptar as ferramentas tecnológicas aos
objetivos comunicativos na elaboração de textos, imagens e sons a
partir do entendimento da construção de representações da realidade
por parte dos meios de comunicação.
Na dimensão processos de interação, o âmbito da análise está
relacionado com a capacidade de seleção, revisão e autoavaliação
do consumo midiático, entendendo a importância do contexto e de
acordo com critérios conscientes e racionais.
Também se relaciona com a capacidade de avaliar os efeitos
cognitivos das emoções, isto é, perceber como as ideias e os valores são
associados às personagens, às ações e às situações gerando emoções
positivas e/ou negativas. O âmbito da expressão está relacionado com
a capacidade de atuar colaborativamente e de interagir com pessoas e
coletivos diversos em ambientes cada vez mais plurais e multiculturais.
Uma atitude ativa na interação com as telas pode contribuir para o
exercício pleno da cidadania, bem como transformar o indivíduo e o
meio em que vive.
Na dimensão processos de produção e difusão, o âmbito da
análise relaciona-se com o conhecimento das diferenças básicas
entre as produções individuais e coletivas, populares e corporativas,
de titularidade pública ou privada. Do mesmo modo, relaciona-se
com os conhecimentos básicos sobre os sistemas de produção, as
técnicas de programação, os mecanismos de difusão, os códigos de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

regulação e de autoregulação. No âmbito da expressão refere-se ao


conhecimento das fases dos processos de produção; à capacidade de
elaborar produtos multimodais de maneira colaborativa; selecionar, se
apropriar e transformar as mensagens produzindo novos significados;
compartilhar e disseminar informação através dos meios tradicionais e
das redes sociais; manejar a própria identidade online/off-line; gerir o
conceito de autoria, individual ou coletiva; criar redes de colaboração,
retroalimentá-las e ter uma atitude comprometida em relação a elas.

61
Na dimensão ideologia e valores, o âmbito da análise relaciona-
se com a capacidade de entender como as representações midiáticas
estruturam nossa percepção da realidade; avaliar a fiabilidade das
fontes de informação; habilidade de buscar, organizar, contrastar,
priorizar e sintetizar informações de distintos sistemas e contextos.
Detectar as intenções ou interesses subjacentes, tanto nas produções
corporativas quanto populares. Analisar as identidades virtuais
individuais e coletivas e detectar os estereótipos, analisando suas causas
e consequências. Reconhecer os processos de identificação emocional
com os personagens e as situações das histórias como potencial
mecanismo de manipulação. Gerir as próprias emoções na interação
com as telas, em função da ideologia e dos valores que transmitem.
Noâmbito da expressão refere-se à capacidade de usar as ferramentas
comunicativas para transmitir valores e contribuir para a melhoria
do ambiente social e cultural, atuando de forma comprometida. E
também de elaborar e modificar produtos para questionar valores ou
estereótipos presentes nas produções midiáticas.
Na dimensão estética, o âmbito da análise relaciona-se com a
capacidade de compreender os aspectos formais que compõem uma
mensagem midiática, reconhecer a qualidade estética. Relacionar as
produções midiáticas com outras manifestações artísticas, detectando
influências mútuas. Além da capacidade de identificar as categorias
estéticas básicas como a inovação formal e temática, a originalidade,
o estilo, as escolas e tendências. O âmbito da expressão relaciona-se
com a capacidade de produzir mensagens compreensíveis, criativas e
originais, bem como se apropriar e transformar produções artísticas,
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

visando potencializar a criatividade, a experimentação e a sensibilidade


estética.
Em diálogo com tal compreensão, Aguaded (2014) enfatiza
a necessidade de “investigar e intervir” de forma simultânea,
complementar e paralela, pois quando se produz mídia, também
se aprende a consumir e a refletir. Ao pensar a formação cidadã, o
autor argumenta a importância da pesquisa (investigação/difusão),
da intervenção, e da formação de professores, pais/familiares e da

62
comunidade escolar em geral e para tal, propõe novas metodologias
de pesquisa e intervenção em interação.
A partir da ideia de um currículo baseado em competências
(RUIZ; PEREZ; GOMES, 2014), diversas pesquisas têm sido feitas a
respeito da formação para as competências midiáticas. Em diversos
países, cujas políticas públicas ainda não adotaram tal perspectiva,
como é o caso do Brasil, estudos como este refletem sobre esta
tendência e buscam identificar, por meio de um levantamento/
mapeamento inicial, as competências midiáticas de estudantes de
diferentes níveis de ensino a fim de desenvolver propostas educativas
neste sentido.

DESENHO DA PESQUISA: CENÁRIOS E PARTICIPANTES

Cenários de Pesquisa

A pesquisa foi realizada com 499 alunos, entre 14 e 16 anos,


do ensino médio de seis [2] cidades brasileiras. São elas Brasília (DF),
Florianópolis (SC), Juiz de Fora (MG), Ponta Grossa (PR), São Roque
(SP) e Sorocaba (SP) em escolas públicas [3], privadas e privadas com
apoio público. Segundo a pesquisa 67,74% dos alunos frequentam a
escola pública, 26,05% é da rede privada e 6,21% é da rede privada com
apoio público.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

63
Gráfico 1: Locais em que os questionários foram aplicados.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Gráfico 2: Tipos de escolas em que os questionários foram aplicados.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

O questionário era composto por 27 perguntas fechadas e de


múltipla escolha, e tinha o objetivo de traçar o perfil dos estudantes
e avaliar o desenvolvimento da competência midiática. Após a
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

aplicação do questionário nas escolas, de forma presencial e com o


acompanhamento da equipe do projeto, as respostas obtidas foram
organizadas em um arquivo do Excel [4], posteriormente, realizamos a
sistematização dos dados no software R. [5]
Antes de analisarmos os resultados da pesquisa é importante
detalharmos o modo como as perguntas foram estruturadas. O
questionário foi dividido em duas etapas, inicialmente o aluno
respondia nove perguntas relacionadas ao seu perfil como, por

64
exemplo, sexo, idade, cidade, escola, etc. Em um segundo momento,
as questões eram direcionadas para as dimensões da competência
midiática. Nesse sentido, cada uma das seis dimensões (linguagem,
tecnologia, processos de interação, processos de produção e difusão,
ideologia e valores e estética) abarcou três perguntas, totalizando 18
questões.
No recorte desta reflexão, destacaremos alguns aspectos
relacionados às práticas midiáticas de produção audiovisual e suas
articulações entre as dimensões tecnologia, linguagem, produção e
difusão e ideologia e valores.

Jovens e competências midiáticas: produção e compartilhamento


de produtos audiovisuais [6]

O perfil dos participantes da pesquisa foi de jovens entre 14 e


16 anos, sendo 53,31% são do gênero feminino e 46,69% masculino. Os
perfis socioculturais de cada contexto participante da pesquisa variam
muito, envolvendo uma diversidade quanto às origens de classe,
condições sociais, etnias, procedências geográficas e capital cultural,
o que dificulta certas generalizações.

Gráfico 3: Tipos de escolas em que os questionários foram aplicados.


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

65
Em relação aos equipamentos e serviços que tinham acesso e/
ou à disposição, 96,99% dos alunos possuem televisão, 93,59% possuem
smartphone e 80, 76% possuem computador/notebook. Os itens
filmadora e máquina fotográfica digital foram respectivamente 46,69%
e 61,32%, e provavelmente estão contemplados nos demais aparelhos
que possuem tal função. O mp3 [7]/mp4 [8] foi o menos assinalado, com
apenas 31,46%.

Gráfico 4: Equipamentos e/ou dispositivos que estudantes


têm à disposição e/ou acessam.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Como pode ser observado no gráfico abaixo, em relação à


formação recebida sobre produção de conteúdos audiovisuais (filmes,
vídeos, etc.) 78,16% dos alunos responderam que sim (30,06% pouca,
35,67% suficiente e 12,42% bastante/muita) e apenas 21,84% respondem
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

“nenhuma”.
Em resposta à pergunta sobre como adquiriram tal formação
18,44% foi com ajuda de colegas, 18,24% com ajuda de familiares e 7, 01%
com ajuda de professores. Esse dado revela aspectos da dimensão do
trabalho colaborativo e o papel da escola nessas aprendizagens que
demonstram seu caráter informal. Interessante destacar que 39,28%
afirmaram que aprenderam sobre o processo de produção audiovisual
sozinhos (autodidatas). E 15,63% não receberam formação.

66
Gráfico 5: Como os participantes adquiriram formação audiovisual

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Se considerarmos que a prática de produção audiovisual se


constrói a partir da apreciação/fruição e análise de filmes, algumas
perguntas sobre aspectos ligados ao uso da linguagem audiovisual
na construção do significado (dimensão linguagem), envolveram a
visão de trechos dos seguintes filmes [9]: O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain (2001, França) e Harry Potter e a Ordem de Fenix (2007, EUA).
Em relação ao significado a partir de alguns trechos do primeiro filme:
51,90% sinalizaram “câmera próxima de Amélie destaca o seu estado
emocional”, 24,65% afirmaram que ‘A música serve para ambientar a
época em que se passa a sequência’ e para 23,45% ‘As cores refletem a
tristeza da personagem principal do filme’”. Nesse sentido, podemos
ressaltar que a maioria dos estudantes identificaram as diferentes
linguagens envolvidas na comunicação midiática. Ao identificar os
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

elementos que contribuíram para tornar a sequência de Harry Potter


mais emocionante: 50,50% assinalaram “As imagens dos amigos
de Harry Potter”, 28,26% assinalaram “O cenário e a iluminação” e
21,24% “o enquadramento do Harry no chão”. Podemos concluir que a
maioria dos alunos foi capaz de identificar o significado das diferentes
linguagens envolvidas na trama.

67
Gráfico 6: Respostas sobre a produção de vídeos.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

De acordo com o gráfico acima, podemos notar que 15,03% dos


jovens afirmaram que “produzem vídeos”, 56,51% afirmaram que “de
vez em quando” e 28,46% “nunca”. É interessante relacionar esse dado
no âmbito da linguagem à dimensão tecnologia, na pergunta sobre
edição de imagens utilizando aplicativos ou outros programas em que
54,91% respondeu “sim”, 32,67% Às vezes e 12,4% “não”. Relacionado
a tal aspecto, quando perguntados se costumam compartilhar seus
vídeos (dimensão processos de produção e difusão), 10,42% disseram
“sim”, 61,92% disseram que “sim, quando acha conveniente” e 27,66%
responderam “não porque não sabem”, conforme indica o gráfico
abaixo.

Gráfico 7: Respostas sobre o compartilhamento de vídeos.


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

68
Sobre os motivos que os levam a compartilhar um vídeo (na
dimensão ideologia e valores), 56,51% dos jovens responderam que
depende da “A importância do tema”, e para 33,07% seria a possibilidade
de fazer algo a partir do vídeo, sendo que apenas 10,42% seria para
ser mais popular entre os amigos. Embora possamos questionar o que
pode ser ou não importante para os jovens, essa resposta pode ser um
indício de certa preocupação social.

ANÁLISES E RESULTADOS SOBRE AS PRÁTICAS E COMPETÊNCIAS


MIDIÁTICAS

Para além da dimensão do acesso às tecnologias que o


discurso da inclusão digital hoje propõe, e para além de saber
utilizar e operar certas ferramentas tecnológicas e seus inúmeros
aplicativos, observamos aspectos da interação entre as dimensões
das competências linguagem, tecnologia, produção e difusão e ideologia
e valores a partir das respostas em relação às práticas com produtos
audiovisuais.
Em relação aos aspectos da formação, é importante destacar
que embora os alunos tenham indicado alguma formação recebida,
as competências midiáticas não parecem estar contempladas no
currículo, tendo sido construídas sobretudo no âmbito informal.
Neste sentido, a cultura da escola e da organização do ensino ainda
deve ser desafiada a fomentar tal competência. Buckingham (2010) já
identificava as dificuldades da educação midiática escolar, pois sem
o envolvimento de professores, pouco se pode fazer para promover
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

as competências midiáticas entre os estudantes. Ruíz, Pérez e Gomez


(2014) também investigaram o sentido de formação a partir da avaliação
das competências e reafirmaram sua importância. Pereira, Pinto e
Moura (2016) também identificaram as competências de estudantes
portugueses e elaboraram pistas de uma proposta de formaçao sobre
literacias midiáticas.

69
Tais questões nos levam a pensar nas mediações necessárias
no sentido de um uso crítico-reflexivo, que é a perspectiva da mídia-
educação. Ou seja, para assegurar uma cidadania de pertencimento
instrumental e cultural, enfatizamos a necessidade de que os
programas e as políticas públicas educacionais avancem no sentido de
contemplar uma abordagem culturalista e ecológica da mídia-educação
(SILVERSTONE, 2005, PINTO, 2005, RIVOLTELLA, 2006, JACQUINOT,
2007), que implica a possibilidade de trabalhar pedagogicamente
com todos os meios e tecnologias disponíveis de forma a articular a
perspectiva crítica-reflexiva, metodológica-instrumental e produtiva-
expressiva. Buckingham (2010, p. 294), faz uma provocação a respeito
de tais aprendizagens:

Se as pessoas em geral já estão criando seus próprios significados


variados, participando e produzindo seus próprios meios de
comunicação da forma extremamente capaz e crítica que Gauntlett está
sugerindo – e ele não é o único a argumentar desta maneira, então, o
que precisam aprender, e o que devemos ensinar-lhes?

No que diz respeito às produções audiovisuais, é possível


observar que a maior parte dos jovens participantes desta pesquisa
produzem e compartilham seus vídeos. No entanto, como não foi
possível discutir a qualidade de tais produções, reafirmamos o
desafio de problematizar os modos de ver presente em tais produções
porque, muitas vezes, além de homologar aspectos da indústria
cultural, podem reforçar estereótipos e clichês. Assim, é fundamental
refletir sobre os usos educativos das mídias e tecnologias na escola
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

e fora dela, de modo a promover interações com a diversidade que


hoje fazem parte da vida cotidiana. Afinal, as produções audiovisuais
também possibilitam novas formas de interação num contexto em que
a intermidialidade e transmidialidade demandam novos processos de
literacias. Tal perspectiva possibilita ir além do consumo de mídia, no
sentido de assegurar interpretações informadas e de capacitar para
produções audiovisuais críticas e criativas.

70
Diferente de um trabalho que enfatize apenas as múltiplas
linguagens e a convergência das tecnologias, vimos que a perspectiva
das multiliteracies destaca o sentido da reflexão crítica sobre tais
práticas. E isso ainda parece estar longe do sentido das práticas
investigadas nessa pesquisa, pois se os dados acima sugerem que
certas habilidades e competências em relação às práticas midiáticas de
produções audiovisuais estão presentes na vida de jovens estudantes
que participaram desta investigação, ainda parecem estar longe
de evidenciar uma cultura participativa na perspectiva da mídia-
educação e da cidadania. Tal consideração também está presente em
diversos estudos (BUCKINGHAM, 2010; TUFTE; CHRISTENSEN, 2009;
PEREIRA; PINTO; MOURA, 2015; FANTIN, 2015; GEE, 2013).
Tais práticas culturais que revelam ou não as competências
midiáticas também dizem respeito às questões da democracia,
cidadania e participação no sentido de conhecer as formas de uso e
funcionamento não apenas dos artefatos ligados à produção audiovisual,
mas também aos usos da internet e seus códigos. É necessário saber se
aos usos da Internet e seus códigos, saber acessar, selecionar e certificar
informações produzidas, veiculadas e consumidas em rede também
considerando a confiabilidade dos websites e a competência para uso
e criação de conteúdos digitais visando a promoção de outras formas
de participação na cultura digital e na sociedade. Por isso enfatizamos a
inseparabilidade das dimensões presentes nas práticas midiáticas.
A esse respeito, é oportuno problematizar os dados sobre
o compartilhamento das produções audiovisuais mencionadas
pelos estudantes, visto que mais da metade diz compartilhar vídeos
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

dependendo do tema. Aqui é importante diferenciar a prática de


compartilhar vídeos da competência de produzir e compartilhar os
seus próprios vídeos. Buckingham (2010, p.299) problematiza esta
questão a partir de um estudo da Fundação Pew, em que 64% dos
adolescentes americanos disseram criar ou compartilhar “conteúdos”
on-line. E embora tal dado inclua perfis em redes sociais, 39% dizem
ter publicado trabalhos artísticos, textos criativos, fotografias e vídeos.
O autor contrapõe tais dados às estatísticas de uma agência de pesquisa

71
de mercado, Hitwise, sugerindo que entre os usuários do YouTube –
um dos sites de compartilhamento de vídeo online mais conhecidos,
apenas 0,16% realmente faz upload de material, porém não esclarece
o percentual deste material que é original e de clips reproduzidos de
meios de comunicação comerciais. Buckingham (2010, p. 299) destaca
que o mesmo estudo constatou que “0,2% dos que acessam o site
Flickr fazem upload, enquanto apenas 4,6% dos usuários editaram ou
escreveram para Wikipedia (um número que eu suspeito ser alto)”.
Para ele, uma das dificuldades nesse sentido é definir o que
entendemos por “criar conteúdo”, e lembra que ainda na década de
1990, quando investigava com Sefton-Green sobre a “criatividade
digital”, descobriram de forma surpreendente um número alto de
jovens que se diziam engajados em atividades criativas de multimídia,
mas quando aprofundaram tal aspecto por meio de entrevistas e visitas
em domicílio, constataram que isso acontecia bem pouco na realidade.
Por isso, é oportuno discutir também o significado do termo
“nativos digitais”, que além de fazer parte de muitas falas de professores,
de enunciados da literatura especializada e de discursos pedagógicos,
também diz respeito a outras neuromitologias discutidas por Rivoltella
(2012). Embora Prensky (2001) defina os nativos digitais como “as
crianças que já nascem num mundo caracterizado pela presença das
tecnologias e da mídia digital e que isso produziria mudanças em seu
perfil cognitivo, que seriam mais rápidas, multitarefas e autorais”
(2001, p.1), não parece ter sido essa “geração” ou esse perfil de jovens
que encontramos em nossa pesquisa.
Embora muitos outros autores falem em geração digital, X, Y e
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Z, é desejável pensar no viés cultural de qualquer conceito que usamos


como transferência de sentidos entre diferentes campos, sejam eles
teóricos, políticos, econômicos, históricos, geográficos e culturais,
sobretudo se considerarmos os dados do mapa da inclusão digital de
cada contexto investigado, como vimos na apresentação da pesquisa.
Além das representações e mediações no imaginário social,
essa questão parece estar na contracorrente de um intrigante “senso
comum”: “o aluno sabe e o professor não sabe”. Mas afinal, o que de

72
fato os alunos e os professores sabem e não sabem em relação à cultura
digital? Para Buckingham (2008a, p.9) “devemos ter cautela com a
retórica fácil da chamada ‘geração digital’, ou seja, a idéia de que os jovens
estão ativamente se comunicando e criando online, já que possuem uma
espontânea afinidade com a tecnologia que os mais velhos não têm”.
Diversos pesquisadores problematizam essa ideia a partir dos
estudos da cultura, da neurociência, da educação e da antropologia,
como Buckingham (2008, 2010), Rivoltella (2013), Pinto (2017) e Fantin
(2016). Para eles, não é possível isolar a tecnologia e sua capacidade de
“produzir efeitos sobre as pessoas” de outros elementos do contexto
sociocultural, que também interferem nessa relação. Afinal, como
salienta Buckingham (2008, p. 15), mencionando fatores como a
economia, a política da cultura juvenil e as políticas sociais e culturais,

o surgimento de uma chamada ‘geração digital’ só pode ser


adequadamente compreendida à luz de outras mudanças, tais como
as práticas que regulam e definem a vida de crianças e jovens, das
realidades de seus contextos e ambientes sociais cotidianos.

Se concordamos com Buckingham (2006, 2008, 2010)


quando critica a noção e o discurso de uma pretensa competência
midiática juvenil, podemos sintetizar tal reflexão a partir de alguns
aspectos destacados por Fantin (2015): a) condições de pertencimento
econômico e social, afinal a produção multimidiática exige artefatos
e infraestrutura de acesso que se diferenciam conforme o contexto
investigado; b) qualidade dos usos da tecnologia, visto que a maioria dos
jovens que usa a internet diariamente não demonstra usos inovadores
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

e extraordinariamente criativos, comunicando, interagindo nas


redes sociais, trocando informações e produzindo audiovisuais de
modo trivial; c) competências midiáticas e digitais na perspectiva
crítica, instrumental e produtiva, visto que apenas uma parte dos
jovens parecem estar verdadeiramente “empoderados” e “fluentes”
tecnologicamente; d) condições de cidadania, em que o poder de
crianças e jovens é mais evidente nas dimensões do consumo e não
tanto na perspectiva da cultura participativa e da cidadania.

73
EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS

As reflexões tecidas no contexto desta pesquisa foram além


da constatação e do mapeamento das competências midiáticas e
atuaram na elaboração de algumas propostas de formação de modo a
potencializar os saberes informais construindo a possibilidade de uma
noção de agência maior na cultura participativa a partir da produção
de audiovisuais. Como síntese de algumas propostas, destacamos duas
experiências formativas realizadas em dois diferentes contextos da
pesquisa, que por sua vez também estavam articuladas tanto a este
projeto quanto a outros projetos correlatos de forma mais ampla: A
Oficina de cinema na escola (MARTINS, 2017) e O desenvolvimento da
competência midiática através do Laboratório de Audiovisual (SANTANA;
MARANGON; SOARES, 2017)
A Oficina de cinema foi proposta aos jovens estudantes de
uma escola que participou da investigação mais ampla, no âmbito de
uma pesquisa correlata ao projeto. Com objetivo de promover formas
diferenciadas de participação na escola, a oficina foi oferecida no
momento da pesquisa empírica desenvolvida pela mestranda Karine
Joulie Martins, ligada ao Grupo de Pesquisa Núcleo Infância Comunicação
e Arte, NICA, UFSC/CNPq, e ao Programa de Pós-Graduação em Educação,
PPGE, da Universidade Federal de Santa Catarina. [10]
A partir da metodologia de Episódios de Aprendizagem
Situada, EAS (RIVOLTELLA, 2013; FANTIN, 2015a) a atividade formativa
envolveu basicamente doze mini-oficinas para contemplar o saber, o
fazer e o refletir com, para e através do cinema. Os temas das oficinas
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

podem ser assim sintetizados (MARTINS, 2017, p.125-30): 1.A. O corpo


e a câmera; 1.B. Câmera, ação; 2. Origem do cinema; 3. Narrativas com
retratos; 4. Pixilation e stopmotion; 5. Cores e texturas; 6. Pontos de
vista; 7. Ponto de escuta; 8. Câmera que anda; 9. Cinema e mobilização;
10. Cinema e memória; 11.A. Decupagem, revendo as experiências;
11.B. Balãozinho amarelo; 12.A. Edição: construção de nosso universo
inabitado; 12.B. Decupagem e Edição: As lembranças do nosso processo.

74
Como a metodologia EAS está organizada em três momentos
(preparatório, produtivo e reestruturador), em cada oficina havia a
exibição de um curta-metragem como estímulo, a produção de um
ou mais planos e um momento de compartilhar e discutir as imagens
e estabelecer relações com o tema do encontro. Ao final do processo,
as produções foram compiladas e compartilhadas com a escola e
comunidade.
O envolvimento dos jovens estudantes foi evidente. Entre
diferentes gestos, falas e atitudes, Martins percebeu que ao longo da
pesquisa foi possível despertar um

processo de construção de participação na escola a partir de sentidos que


emergem da cultura das crianças e jovens, o que evidencia a importância
da valorização dessa dimensão em processos de ensino-aprendizagem
que têm a cidadania em seu horizonte (MARTINS, 2017, p. 8).

Isso foi percebido quando a pesquisadora perguntava ao grupo


pelas possíveis mudanças que ocorreram entre eles no decorrer de tal
processo: M(15) na minha sala mudou, eu tô prestando mais atenção
nos vídeos “T(14) eu tô prestando mais atenção (...); T(14): é massa,
prestar mais atenção na música, no contexto, assim...” (MARTINS, 2017,
p. 139). Tais fragmentos de narrativas estudantis talvez demonstrem
que junto ao desenvolvimento das competências midiáticas na escola
é fundamental assegurar formas de “reinventar esse sistema através
de uma ética sensível que valoriza os encontros com a alteridade e a
ampliação do contexto escolar, na abertura para outras culturas e experiências
estéticas com a arte” (MARTINS, 2017, p. 28)
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

As oficinas de audiovisual oferecidas pelo Observatório da


Qualidade no Audiovisual, da Universidade de Juiz de Fora, no âmbito
deste projeto, buscaram discutir formas de avaliar e desenvolver as
competências midiáticas de crianças e adolescentes em relação ao
consumo e produção de conteúdos audiovisuais.
Em maio de 2016, foram realizadas quatro oficinas na Escola
Municipal Dr. Antonino Lessa, em Juiz de Fora. Essas tiveram como
objetivo fazer com que os alunos entendessem a produção de alguns

75
conteúdos audiovisuais, como animações, stop-motion e vídeos para
o YouTube a partir da discussão do desenvolvimento das dimensões
tecnologia, linguagem, interação, ideologia e valores, estética e processos
de produção e difusão da competência midiática (FERRÉS; PISCITELLI,
2015). As oficinas foram conduzidas pela mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, Daniela Santana de Oliveira
[11], com a monitoria de graduandos [12] em Jornalismo participantes
do projeto. Os encontros tiveram duração de duas horas semanais e
foram realizados com 15 alunos de 9 a 12 anos.
Na primeira oficina, Brinquedos ópticos, os alunos aprenderam
como se cria uma animação, por meio de brinquedos ópticos feitos
com papel e lápis, como um flipbook, que consiste em um conjunto
de imagens feitas em páginas diferentes que variam em pequenos
detalhes de uma para outra, criando a ilusão de movimento quando
passadas rapidamente. Assim tiveram contato, de uma forma lúdica,
com conceitos como, por exemplo, a ilusão de ótica usada nas
animações. Também tiveram contato com produtos audiovisuais de
animação através dos vídeos apresentados e criaram os seus próprios
brinquedos ópticos. Com isso, as crianças desenvolveram habilidades
para produzir conteúdo e mensagens que fossem compreensíveis,
fazendo uso de sua própria criatividade.
A segunda oficina, Eu Youtuber, ensinou os passos básicos para
a produção de vídeos. Antes de começar a oficina, o grupo gravou as
crianças chegando na sala e exibiu no telão para descontrair um pouco
as crianças. Em seguida, foram exibidos vídeos de crianças youtubers
na mesma faixa etária dos alunos (9 a 12 anos) e que produzem
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

conteúdos de diversas formas, com linguagens diferentes (vlogs,


esquetes, animações e etc.). Depois de discutir os conteúdos exibidos,
a turma foi dividida em três grupos e cada grupo criou um vídeo. O
primeiro grupo criou uma história, o segundo grupo criou um tutorial
de dança e o terceiro fez um tutorial de um dos brinquedos ópticos
ensinado na aula anterior. Os próprios alunos fizeram o roteiro, a
cinegrafia e a apresentação dos temas escolhidos, sempre auxiliados

76
pelos monitores, que ensinaram os conceitos básicos de cinegrafia de
uma forma prática. A edição dos vídeos foi feita pelos monitores.
Na oficina Contando uma história foi ensinada a técnica do stop
motion. Na primeira parte foram apresentados e analisados os vídeos
produzidos na aula anterior. A seguir foram apresentados vídeos
que utilizavam a técnica e que mostravam como alguns filmes eram
produzidos. Assim como na oficina anterior, a turma foi dividida em três
grupos e cada grupo produziu uma história com a técnica apresentada.
No início, alguns alunos não acreditaram que um conjunto de fotos
poderia produzir uma sequência de movimentos. Porém, foi possível
perceber o interesse dos alunos no modo como a animação era feita,
fato que mostra o valor dado não apenas para o que é comunicado,
mas como é comunicado.
Na última oficina, Que som é esse?, foram exibidas vinhetas
de filmes e trilhas sonoras de desenhos e filmes conhecidos pelas
crianças, visando despertar os sentimentos e as emoções. Dessa
maneira os alunos identificaram os sons apresentados e foram levados
a refletir sobre a ligação do efeito sonoro com o gênero do filme
(suspense, terror, comédia e etc.). Os mesmos três grupos da oficina
anterior criaram os sons para os vídeos produzidos na oficina anterior,
que foram editados pelos monitores.
Ao analisarmos as oficinas ministradas, foi possível perceber
o desenvolvimento das dimensões da competência midiática por meio
do “comportamento inicial e final das crianças: suas relações entre
si, com a equipe e com os equipamentos utilizados” (SANTANA et al,
2017). Para muitas, a câmera deixou de ser apenas um captador de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

imagens, tornando-se um catalizador para que expressassem ideias


e transmitissem mensagens a partir de suas próprias realidades e
seus próprios gostos. Por exemplo, aquelas crianças que gostavam de
dança, produziram conteúdo a partir deste universo, outras ampliaram
seu repertório e exploraram a criação de mensagens a partir do que
aprenderam com os brinquedos ópticos. Assim, puderam contar
histórias a partir de sua própria realidade através de novas ferramentas
tecnológicas.

77
A realização de tais propostas evidenciou a sensível ampliação
dos repertórios culturais das crianças e adolescentes envolvidos,
desencadeando outras percepções sobre suas produções audiovisuais
a partir dos laboratórios desenvolvidos, pois estavam de acordo com
os dados mapeados anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mapeamento das dimensões da competência midiática de


jovens estudantes em seis diferentes contextos de pesquisa revelou a
existência de algumas práticas de produção audiovisual que foram o
objeto do recorte escolhido para este texto. No entanto ainda faltam
dados para discutir a qualidade das mesmas e o sentido que assumem
em relação à participação cidadã. Deste modo, ao identificar a pouca
formação oferecida nas escolas, foram propostas oficinas de produção
audiovisual visando desencadear outros processos de aprendizagem e
participação no contexto da cultura digital para além das redes.
No entanto, a complexidade que envolve a competência
midiática sugere que não existem conhecimentos sem aprendizagens
e no contexto da cultura digital o processo de aprendizagem envolve
encontrar, recuperar e produzir conhecimento a partir da interação
com diversos ambientes de aprendizagem que intensificam a
reelaboração de conhecimentos propiciados pelas redes digitais
(BARKER, 2005, apud LIAW et al, 2010, p. 449).
Neste processo, as estratégias para integrar os usos das
tecnologias e seus dispositivos na escola solicitam um trabalho
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

com competências específicas e um dos modelos que utilizamos na


formação, os Episódios de Aprendizagem Situados, EAS, se originou
no Mobile Learning e nas atividades de microlearning impulsionadas
pela cultura digital. O microlearning é “um processo de aprendizagem
informal relacionado aos fenômenos que atravessam as culturas de
mídias atuais, suas fragmentações e recombinações de formatos
textuais e transmídiáticos” (RIVOLTELLA, 2013, p. 51-2). Assim a
metodologia dos EAS é também uma proposta de integração dos

78
dispositivos móveis na didática fundamentada em quatro ideias-
chave: o ensino como design, o aprender fazendo, a flipped teaching, e
a interseção entre neurociências e didática (FANTIN, 2015).
Em ambas propostas formativas observamos que conhecer
as possibilidades de uso pedagógico das tecnologias móveis é
fundamental para uma educação que pretende educar com, sobre e
através das mídias e numa perspectiva ecológica de mídia-educação.
Nas duas oficinas, as dimensões crítica, instrumental e produtiva da
mídia-educação articulavam-se com a construção de competências
midiáticas a respeito da produção de audiovisual, fotografia, cinema,
pesquisa em rede, uso e produção de blogs, interação nas redes sociais
e etc. Assim, as oficinas promoveram situações de circulação de
saberes, construção de autorias colaborativas a partir de princípios
educativos de aprendizagem, uso, apropriação, expressão e reflexão
sobre as produções midiáticas.
Em tais experiências formativas foi possível construir
competências no âmbito das múltiplas linguagens e mútliplas
literacias e suas aprendizagens práticas, científicas, literárias,
artísticas, audiovisuais e multimídias de forma individual, coletiva
e colaborativa. Afinal, os “impactos” que as mídias e as tecnologias
digitais estão produzindo não se referem apenas às informações e seus
processos de produção, armazenamento e distribuição, mas também
às relações entre as pessoas, organizações e contextos, e as novas
literacias repercutem nas relações entre as pessoas, as organizações e
os diferentes contextos culturais, para além dos deslocamentos da era
eletrônica para a digital.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Por fim, é na relação entre novas literacias, competências


midiáticas e novas formas de participação na cultura que enfatizamos
a necessidade de uma formação mídia-educativa na escola, de modo
a trabalhar um rol de competências culturais e habilidades sociais
que crianças e jovens já trazem mas precisam aprimorar para uma
ação mais potente e transformadora nas paisagens das culturas
participativas.

79
NOTAS

[1] Agências de Fomento: Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES Chamada nº 43/2013 - Ciências


Humanas Sociais e Sociais Aplicadas (processo nº 409142/2013-1) e Universidade Federal de
Juiz de Fora: Bolsa de Pós-Graduação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
bolsas de extensão e treinamento profissional (editais 2015, 2016, 2017 e 2018).

[2] Em Brasília foram aplicados 131 questionários, em Florianópolis 103, em Juiz de


Fora 121, em Ponta Grossa 100, em São Roque 10 e em Sorocaba 34. Totalizando 499
questionários válidos.

[3] Escolas onde foram aplicados os questionários: CED do Lago, CEF 306 Norte, CEM
Setor Leste, CEM Setor Oeste, Centro de Ensino Médio Asa Norte, Centro Educacional
Marista Lúcia Mayvorne, Colégio Aplicação, Colégio Equipe, Colégio Estadual Manuel
Antônio Gomes, Colégio Estância de São Roque, Colégio SESI, Escola Municipal Doutor
Achilles de Almeida, Escola Municipal Doutor Antonino Lessa, Escola Municipal Santos
Dumont, Sistema Degraus de Ensino.

[4] No formato CSV (Comma-Separated Values).

[5] Disponível em: https://www.r-project.org. Acesso em: 29 abr. 2018.

[6] Esta pesquisa foi sistematizada pelo estatístico Daniel Gustavo Moreira e os dados
compilados para análise por Daiana Sigiliano.

[7] Formato de compressão de áudio digital e dispositivo que reproduz o mesmo.

[8] Formato de compressão de áudio e vídeo digital e dispositivo que reproduz o mesmo.

[9] Disponível em: https://vimeo.com/189118397. Acesso em: 28 abr. 2018.

[10] A referida pesquisa de mestrado de Karine Joulie Martins contou com apoio e
financiamento do CNPq.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

[11] A referida pesquisa de mestrado de Daniela Santana contou com apoio e financiamento
da UFJF.

[12] Alunos bolsistas e voluntários: Matheus Soares, Camilla Marangon, Amanda Padilha,
Anna Leão, Henrique Perissinoto, Juliana Dias, Madalena Cosa, Maria Tereza Guedes.

80
REFERÊNCIAS

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COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

83
4
A competência midiática na
formação de universitários
Márcia Barbosa da Silva, Soraya Vieira Ferreira
e Marcus Venicius Branco de Souza

As inovações no campo da comunicação e informação a partir


do surgimento das novas tecnologias impulsionaram uma série de
transformações que colocaram em xeque tudo o que acreditávamos
até então, criando novas culturas. O acesso quase instantâneo à
informação e à comunicação tem provocado transformações pessoais
e coletivas afetando costumes, relações sociais e de produção que
se refletem na educação, trabalho e consumo. A Quarta Revolução
Industrial como alerta Schwab (2016) já estaria em curso. Da inteligência
artificial, às nanopartículas, da biotecnologia à robótica, das redes
sociais à computação quântica, vão se criando as bases de um novo
tecido social que miram novos e melhores patamares de saúde, de
organização e ética, porém, ao mesmo tempo, é preciso lidar com a
destruição da natureza e com o aquecimento global, com as notícias
falsas e epidemias de suicídios entre jovens (KAPLAN, 2015).
Da mesma forma que novas gerações têm abraçado bandeiras
de consumo sustentável, alimentação saudável, diminuição das
desigualdades, entre outros, ao mesmo tempo são bombardeadas
pela disputa de atenção, de maneira sutil ou explícita, por parte das
empresas, ávidas pelo tempo, como os “homens cinzentos” descritos
pelo genial Michael Ende [1]. A fábula de Ende alerta para o tempo
requerido pelo excesso de trabalho voltado para o consumo, mas em
certos aspectos antecipa a chamada Economia da Atenção apoiada no
aumento da informação em correlação com a diminuição da atenção
(DAVENPORT; BECK, 2001). De olho nesse mercado, empresas de
mídia/informação têm investido na conquista da atenção, disputando
o tempo dedicado à família, aos estudos, aos amigos e até mesmo ao
sono. Assim, cada vez mais se torna necessário estabelecer critérios
para direcionar a atenção.
A popularização de telefones celulares é uma realidade mesmo
entre as camadas mais pobres da população, que muitas vezes obtêm
acesso a smartphones de segunda mão, por meio de modelos mais
simples ou ainda por doação de pessoas que querem estar em dia com
os lançamentos digitais. O fato é que os telefones móveis tornaram-
se eficientes plataformas de comunicação que trouxeram muitas
possibilidades de avanço social (ROMERO-RODRÍGUES et al., 2016),
mas também geraram novos desafios como, por exemplo, a dependência
e a intoxicação digital [2]. É comum os jovens se sentirem impelidos a
atender imediatamente mensagens via aplicativos de celulares, o que tem
ocasionado, por exemplo, o surgimento de síndromes como a FOMO
(Fear of missing out ou “medo de ficar por fora”) (CAN; SATICI, 2019).
Essas mudanças impactam especialmente a juventude, que
está sendo educada para lidar com um mundo ainda a ser inventado,
que demanda adaptações nas formas de aprender, de se comportar
e, consequentemente, afeta as formas de ensinar. Requerendo
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

assim readequações na prática pedagógica nas escolas, incluindo


necessariamente o desenvolvimento de competências midiáticas
para lidar com todas essas questões, principalmente se pensarmos
na instituição escolar como designada socialmente como responsável
pela formação para a cidadania (SOUZA; MELO; SANTOS, 2017).
Quando se trata do Ensino Superior, há um duplo desafio,
porque o jovem que chega à universidade traz uma intimidade com
as novas tecnologias e uma outra forma de se comportar perante os

85
desafios sociais que se lhes impõem.(SACCOL; SCHLEMMER; BARBOSA,
2011). Por outro lado, os estudantes universitários se constituem
como um grupo de vital importância para o estudo das competências
midiáticas, uma vez que estão se formando na cultura universitária
e se preparando para serem formadores de outros estudantes ou
de funcionários ou ainda como produtores de informação e bens de
consumo. Ao mesmo tempo em que travam um intenso contato com
a mídia e as novas tecnologias, estão também entrando em contato
com teorias sociológicas, históricas, psicológicas e tecnológicas que
fundamentam a compreensão do papel social da mídia. Nesse sentido,
as análises que pautam o estudo das competências midiáticas entre
estudantes universitários podem trazer uma importante contribuição
para o cenário educacional brasileiro.

A PESQUISA

A pesquisa foi realizada com 626 universitários, de instituições


públicas e privadas [3] de 15 cidades brasileiras [4]. Entre elas: Brasília
(DF), Caxias do Sul (RS), São Roque (SP), São Paulo (SP), Chapecó
(SC), Uberaba (MG), Itajaí (SC), Juiz de Fora (MG), Ponta Grossa (PR),
Sorocaba (SP), Guarapuava (PR), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte
(MG), Niterói (RJ), Curitiba (PR).
O questionário teve a finalidade de conhecer o perfil
dos estudantes universitários e analisar o desenvolvimento da
competência midiática. A aplicação dos formulários foi realizada por
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

meio de convite online aos participantes previamente contatados pela


equipe participante do projeto. Os participantes foram informados dos
objetivos da pesquisa, e das condições de participação, conforme os
critérios estabelecidos junto ao Comitê de Ética. Após essa informação
e a anuência, os participantes eram convidados a responder os
questionários.
As perguntas dos questionários foram organizadas do seguinte
modo: a primeira etapa foi composta por perguntas relacionadas ao
perfil do universitário, como idade, sexo, instituição, cidade e ano

86
acadêmico. Já a segunda parte foi constituída de questões sobre as
dimensões da competência midiática.
Neste contexto foram direcionadas três perguntas para as
dimensões tecnologia, linguagem, ideologia e valores e processos de
interação; e duas perguntas para as dimensões processos de produção e
difusão e estética, conforme o quadro a seguir.

Quadro 1: Distribuição das perguntas por dimensão.

DIMENSÃO PERGUNTAS
Tecnologia P1, P3, P4
Linguagem P6, P7, P15
Ideologia e valores P5, P10
Processos de
P2, P15, P14
produção e difusão
Estética P8, P9
Processos de interação P11, P12, P13

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Na análise dos questionários constatamos que 68,7% dos


universitários participantes da pesquisa são do sexo feminino. A
pesquisa contou com 69% de estudantes de instituições públicas e 31%
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

de instituições privadas. Em relação à idade, o maior percentual foi


registrado na categoria acima de 21 anos. Houve um certo equilíbrio
na distribuição dos alunos por ano nos cursos.

87
Gráfico 1: Sexo

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Gráfico 2: Idade

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Gráfico 3: Tipo de Universidade


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

88
Gráfico 4: Distribuição por ano do curso.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Quando perguntados sobre como se autoavaliam em relação


ao conhecimento de tecnologias da informação e comunicação, a
grande maioria (70%) respondeu que se encontrava no nível médio de
conhecimento.

Gráfico 5: Autoavaliação em relação à habilidade com mídia


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

89
Gráfico 6: Como aprendeu a lidar com as mídias.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Já em relação à forma como adquiriram estes conhecimentos,


64,7% disseram ser autodidatas e 61% assinalaram a opção ajuda de
companheiros ou amigos. Nota-se que 43,2% também apontam como
fonte de informação o fato de estarem na universidade.
Na primeira parte da pesquisa os participantes responderam
como avaliam sua relação com a mídia, portanto, está relacionada
com o seu entendimento e as suas expectativas. Na segunda etapa
da pesquisa, as perguntas foram dirigidas para as dimensões da
competência midiática.

AS DIMENSÕES DA COMPETÊNCIA MIDIÁTICA


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Nesta etapa da pesquisa as questões apresentavam opções de


escolha a partir de quatro níveis de valoração numa escala de um a
quatro, sendo um o menor grau e quatro o maior grau. Desse modo,
os respondentes deveriam assinalar em qual grau de valoração julgam
conhecer ou concordar com a opção apresentada.

90
Dimensão Tecnologia

A dimensão tecnologia foi a primeira a ser abordada no


questionário. Ela se refere a compreensão do funcionamento das
ferramentas de comunicação na elaboração das mensagens (FERRÉS;
PISCITELLI, 2015).
Quando questionados sobre o grau de conhecimento dos
recursos, a maioria dos respondentes assinalou que faz uso e conhece
em grau quatro (maior grau) o Facebook (72,5%), Google (62,8%),
YouTube (50%) e Instagram (47,8%). As respostas apontaram que o uso
das redes sociais é central na sua experiência midiática, bem como as
atividades de pesquisa, representada pelo alto grau de indicação do
buscador Google.
Entretanto, atividades que exigem uma ação direta na
pesquisa, elaboração, postagem e gerenciamento de conteúdo, design,
produção de imagens e trilhas sonoras e que envolvem a edição de
páginas web (51,6%) ou blogs (41,7%), os participantes assinalaram ter
um menor grau de conhecimento.
Quanto ao uso de navegador padrão, o Google Chrome foi
assinalado como o mais utilizado (86,3%) pelos universitários que, em
sua maioria (70%), alegam que este é intuitivo, rápido e compatível com
a maioria dos programas (59%). A força da marca Google em termos de
navegação é muito grande, pois todos os outros navegadores (Opera,
Safari, Mozilla Firefox, e Internet Explorer) contavam com mais de
50% de indicações para o grau 1, que significa a menor utilização ou
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

conhecimento.

91
Gráfico 7: Grau de conhecimento de plataformas

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Gráfico 8: Uso de navegador padrão

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Gráfico 9: Motivo de escolha dos navegadores


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

92
Dimensão Linguagem

A dimensão linguagem refere-se ao conhecimento de códigos,


de gêneros e das estruturas narrativas, tornando-se possível avaliar
e criticar as mensagens recebidas e produzir uma comunicação de
maneira efetiva (FERRÉS; PISCITELLI, 2015).
Foi solicitado que os participantes indicassem o grau de
compreensão em relação aos seguintes elementos presentes nas
mensagens midiáticas: imagens, palavras, músicas/sons e as relações
que estabelecem entre as diferentes linguagens e códigos para produzir
uma mensagem. A maioria das indicações obtidas se localizou entre
os graus 3 e 4. As palavras obtiveram o maior escore de indicação no
grau mais elevado (57,8%), seguida das imagens (51,7%) e da música/
sons (51,6%). Os participantes demonstraram ter menor segurança na
compreensão das relações entre as diferentes mensagens e códigos,
indicando apenas 35,9% em grau mais elevado. As respostas apontam
que a atenção dos participantes ainda está mais voltada ao aspecto
textual. Embora os outros elementos tenham sido indicados, a maioria
se inscreveu no grau 3 de compreensão das relações entre os diferentes
elementos da linguagem audiovisual.

Gráfico 10: Grau de compreensão de elementos de linguagem


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

93
Para as questões seguintes desta dimensão foram utilizados
trechos do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001, França).

Figura 1: Trecho do filme exibido para os universitários.

Fonte: Vimeo [5]

Os universitários responderam questões sobre o significado


dos diferentes elementos da linguagem audiovisual no trecho exibido.
A maior parte dos participantes assinalou com grau 4 as opções mais
relevantes como “a música potencializa as emoções” (70,6%), seguido
de “a câmera subjetiva é usada para aumentar a dramaticidade da cena”
(60,4%), “os primeiros planos da protagonista mostram o seu estado
emocional” (50,6%), indicando com grau 1 as menos relevantes: “a
música ambienta a época e o lugar da ação” (16,6%) e “as cores quentes
refletem a tristeza da personagem principal” (31,8%). Desta forma, foi
possível perceber que os universitários, em sua maioria, identificam
a função dos elementos presentes nas linguagens dos meios de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

comunicação e são capazes de compreender diferentes relações que


se estabelecem entre as linguagens para transmitir uma mensagem.

94
Gráfico 11: Grau de compreensão de elementos de linguagem

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Dimensão Ideologia e valores

A dimensão ideologia e valores está ligada à compreensão das


intenções e interesses contidos nas mensagens midiáticas (FERRÉS;
PISCITELLI, 2015). A primeira questão desta dimensão abordou a
frequência com que segue estes passos para realizar uma pesquisa
na internet. A maioria dos universitários assinalou a opção: “Escrevo
todas as palavras da pesquisa em um site de busca, vejo quais são os
primeiros resultados e seleciono o mais conveniente” (38,5%), seguido
da opção “Decido aonde pesquisar utilizando vários sites e aprofundo
a pesquisa, não me contentando com os primeiros resultados. Avalio
as respostas prestando atenção a quem criou o site, a quem escreve,
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

comparo os resultados e seleciono a resposta mais conveniente para


os objetivos do meu trabalho” (32,6%). Já a opção “Planejo a pesquisa
tendo em conta os meus objetivos e ferramentas disponíveis, escolho
as palavras-chave evitando ambiguidades. Utilizo mais de uma
ferramenta de pesquisa. Por fim, comparo e avalio as informações
encontradas para selecionar a que mais se adapta aos meus objetivos”
obteve 28,9% das indicações no grau 4.

95
Gráfico 12: Passos para realização de pesquisa na internet

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Aqui nota-se que, embora as duas últimas sejam opções


mais seguras em relação à forma de pesquisar, há um grande índice
de respostas que considera os resultados mais imediatos, sem um
cuidado em apurar com maior profundidade as possibilidades de
confiabilidade das informações disponíveis.
A segunda pergunta foi direcionada ao grau de conhecimento
sobre os mecanismos para apresentar queixas e denúncias em meios
tradicionais e redes sociais. Neste caso, a maioria apontou como
conhecendo em grau 1 (menor grau) o rádio (79%), seguido do Twitter
(75%) e Televisão (74%), demonstrando o desconhecimento de como
apresentar queixas de um modo geral. Com exceção do Facebook,
talvez por ser o mais utilizado, como foi assinalado anteriormente.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Porém, mesmo assim, os índices poderiam ser ampliados.

96
Gráfico 13: Grau de conhecimento de ferramentas
de denúncia em diferentes meios.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Dimensão Processos de produção e difusão

A dimensão processos de produção e difusão está ligada ao


entendimento de uma produção midiática, reconhecendo as funções e
tarefas dos produtores de mídia, assim como as fases dessas produções
(FERRÉS; PISCITELLI, 2015).
A primeira questão relacionada à essa dimensão pedia aos
universitários para assinalarem o grau de capacidade para atuar
com diferentes conteúdos audiovisuais. A maioria indicou ter maior
capacidade de compartilhar imagens (67%) e vídeos (57%). Já a criação
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

de páginas (55%), blogs (36%) e canais no YouTube (32%) foram indicados


pelos universitários como sendo os que eles se sentem com menor
capacidade para atuar.
Os resultados apontam para uma atuação mais reativa que
criativa, tendo maior dificuldade com a criação de um canal, blog ou
páginas, que requerem uma ação contínua de produção de conteúdo
mais substancial.

97
Gráfico 14: Capacidade de atuação com diferentes meios

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

A segunda questão pedia que o estudante ordenasse os passos


para realizar uma produção audiovisual de acordo com a sequência
apresentada: A – Filmagem; B – Produção; C – Montagem e Edição;
D - Escrever o Roteiro. Neste caso, a maioria (91,2%) assinalou a opção
4, tendo sido possível observar que a maior parte dos universitários
demonstrou conhecer as etapas de produção desta linguagem.

Gráfico 15: Etapas de produção


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

98
A terceira pergunta pedia aos universitários que ordenassem
as cenas apresentadas na figura abaixo a fim de elaborar uma história
visualmente bem contada.

Figura 2: Trecho do filme Juno

Fonte: Youtube [6]

Nesta questão foi possível observar que a grande maioria (84%)


dos estudantes entende que em um primeiro momento as cenas são
feitas em ambientes externos e, aos poucos, a câmera mostra cenários
internos, situando lugares, pessoas e situações.

Gráfico 16: Ordenação de cenas


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

99
Dimensão Estética

A dimensão estética está ligada à habilidade de reconhecer


a qualidade estética de produções, sua formatação e sua relação
com outros conteúdos midiáticos, artísticos e culturais (FERRÉS;
PISCITELLI, 2015). A primeira questão ligada a essa dimensão pedia aos
universitários para analisar um anúncio publicitário de refrigerante
da campanha “Compartilhe uma Coca” observando o ponto de vista
estético e o grau de importância de determinados elementos.

Gráfico 16: Ordenação de cenas

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

De uma maneira geral, a maioria assinalou opções que


identificam aspectos estéticos como “há harmonia entre os elementos
e destaca o objeto chave” (44%) seguido da opção “A gama de cores,
o tamanho e a forma destacam conteúdos importantes” (43,7%) e
“as imagens e o texto estão bem integrados no desenho e o tornam
atrativo” (39%).
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Figura 3: Sequência do comercial exibido para os universitários

Fonte: YouTube [7]

100
Gráfico 17: Identificação de elementos estéticos na peça publicitária.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Para a segunda questão da dimensão estética foi exibido o


videoclipe La La La Brasil 2014 da cantora Shakira.

Figura 4: Sequência do videoclipe exibido para os universitários.

Fonte: YouTube [8]


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Nesta questão os universitários deveriam assinalar a opção


de acordo com a importância dos elementos artísticos no significado
do videoclipe. A maioria marcou a opção “O uso de cores transmite
sensações” (63%), seguido de “o traje é muito chamativo/envolvente”
(53%) e “os cenários são atrativos” (51,4%). Os participantes demostraram
reconhecer a ambientação como elemento estético para transmitir a
mensagem. Entretanto, o videoclipe foi apontado pelos universitários
como possuindo pouco grau de originalidade e/ou romantismo (35%).

101
Gráfico 18: Identificação de elementos estéticos por videoclipe

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Dimensão Processos de Interação

A dimensão processos de interação pode ser relacionada à


capacidade de interagir e participar com os conteúdos midiáticos. A
dimensão também abrange a capacidade de avaliar as produções de
forma crítica e de apreciar mensagens de diversas culturas (FÉRRES;
PISCITELLI, 2015).
A primeira questão referente a essa dimensão estava
relacionada ao grau de concordância com a pertinência de denunciar
ou se queixar de abusos na internet. A maioria classificou como grau
quatro a “difusão de conteúdos racistas, sexistas ou xenófobos” (66%),
seguido de “uso fraudulento de/dos meus dados pessoais, bancários
ou senhas” (61%) e “uso fraudulento dos dados pessoais, bancários ou
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

senhas de outras pessoas” (56%). Nesse quesito, os universitários se


mostraram atentos às questões relacionadas à discriminação social,
que vem chamando a atenção na atualidade.

102
Gráfico 19: Motivação para denunciar abusos na internet.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Entretanto, ao referir-se ao uso de mecanismos para fazer


denúncias e queixas, a maioria definiu como grau quatro – portanto o
modo mais utilizado para demonstrar sua insatisfação – a opção clicar
“curtir/gosto” nos comentários que fazem os usuários em diferentes
espaços na web (44%). Por outro lado, alternativas “participar ativamente
em fóruns organizados para a discussão de temas importantes para os
cidadãos” (40,2%) e “fazer sugestões aos responsáveis de determinados
temas sociais e políticos, através de correios eletrônicos/e-mails
ou redes sociais” (40%) obtiveram os maiores escores no grau um,
indicando que apesar de suas preocupações com temas importantes,
ainda não lidam com eles de forma mais ativa.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

103
Gráfico 20: Motivação para denunciar abusos na internet.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

A última questão, que versou sobre a participação em temas


sociais e/ou políticos, corrobora os resultados das questões anteriores,
reafirmando a necessidade de incentivar uma postura mais ativa em
relação aos problemas sociais que cercam os jovens universitários. A
maior parte assinalou como grau um, ou seja, de menor participação,
as opções “colaboração com ONG’s” (56%) seguido de “participar em
concentrações solidárias através das redes” (36%) e “participar em
debates sobre temas de interesse político ou social” (35%).

Gráfico 21: Motivação para denunciar abusos na internet


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

104
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos mostram que a maioria dos participantes da


pesquisa nasceu no final do século 20, alvorecer do século 21, portanto,
cresceram juntamente com as mudanças mencionadas no início deste
capítulo, não obstante suas respostas ao questionário indicam que
o contato com as mídias e o uso contínuo das novas tecnologias não
habilitam por si só o desenvolvimento de níveis mais avançados de
competência midiática.
De uma maneira geral demonstram ter bastante competência,
mas um olhar mais aproximado aponta para a necessidade de tornar
esse conhecimento mais crítico e ativo. Por exemplo, em relação à
dimensão tecnologia, os participantes demonstraram ter bastante
intimidade com essa dimensão, porém isso está matizado pelas
possibilidades de acesso e de consumo. O fato de a maioria indicar o
navegador Google como o que mais utiliza está relacionado certamente
com as qualidades do produto, mas também pode ter a ver com um
certo sentido de acomodação revelado, por exemplo, quando um
grande número de participantes assinala que prefere analisar apenas
os primeiros resultados da busca em suas pesquisas, sem aprofundar
ou mesmo confrontar com outras informações.
Em relação à linguagem, o bom desempenho se repete, mas
o fato de se sentirem mais capacitados a compreender as palavras
numa produção audiovisual, indica que talvez seja necessário um
processo educativo mais sistematizado para que possam ampliar o
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

desenvolvimento dessa dimensão, uma vez que o aspecto textual é


geralmente o mais abordado dentro das escolas.
Em relação à ideologia e valores, os participantes da pesquisa
reconhecem as ideologias, mas são menos proativos em relação a
defender os valores. A solidariedade não pode ser somente um conceito
abstrato, precisa ser também uma prática social. Compreender a sua
necessidade é um grande passo, mas não é suficiente para que se
instale no social.

105
Isso se aplica também às dimensões processos de interação
e de produção e difusão, em que os participantes demonstraram
conhecer como se faz. Porém, em sua prática, estão mais adaptados
às plataformas que oferecem a oportunidade de compartilhamento de
conteúdo pronto, ou seja, são plataformas que circulam informação.
Quando as plataformas requerem um trabalho de elaboração maior,
são pouco acessadas. Quando isto se une a um comportamento pouco
crítico facilita a circulação de notícias falsas que, por sua vez, orientam
decisões equivocadas. Conseguem relacionar os elementos estéticos
à construção de sentido das mensagens midiáticas, mas também
confundem elementos como, por exemplo, o fato de uma música ser
conhecida por ter qualidade do ponto de vista estético.
Um fator importante a ser considerado é a questão de gênero.
A maioria dos participantes da pesquisa assinalou pertencer ao sexo
feminino. Seria importante verificar até que ponto essa diferença pode
influenciar a conquista das dimensões da competência midiática.
Finalizando, podemos destacar que a pesquisa aponta para a
necessidade de estudos mais sofisticados e aprofundados em relação
ao desenvolvimento da competência midiática dos universitários,
especialmente no que diz respeito à ampliação da participação social
crítica e criativa.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

106
NOTAS

[1] Trata-se de personagens do livro ‘Manu a menina que sabia ouvir’, no qual o autor des-
creve a luta da protagonista contra os homens cinzentos que roubam o tempo das pessoas.
A história foi transformada em vídeo com o nome Momo e o Senhor do Tempo. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=xuuXnKfzTjc. Acesso: 24 set. 2019.

[2] Termo utilizado para caracterizar o uso indiscriminado de tecnologia digital de


informação através do “Smartphone”, criando vício e dependência. O estado crítico leva
a nomofobia (ROMANO, 2017)

[3] Universidades onde os participantes da pesquisa indicaram que estudam: Centro


Universitário de Brasília, Faculdade Serra Gaúcha, Faculdade São Roque, Faculdades
Metropolitanas Unidas, Instituto Presbiteriano Mackenzie, Universidade Anhembi
Morumbi, Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Universidade de Brasília,
Universidade de Uberaba, Universidade do Vale do Itajaí, Universidade Estácio de Sá,
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Universidade de Sorocaba, Universidade
Estadual do Centro-Oeste, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade
Federal de Juiz de Fora, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Universidade Tecnológica
Federal do Paraná.

[4] A pesquisa também contou com a participação de universitários brasileiros fazendo


curso em Portugal (5 universitários) e Espanha (1 universitário).

[5] Disponível em: https://vimeo.com/189118397. Acesso em: 24 set. 2019.

[6] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qe7ZnPlIvZI. Acesso em: 24 set. 2019.

[7] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7U41InLdOQA. Acesso em: 24 set.


2019.

[8] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7-7knsP2n5w. Acesso em: 24 set.


2019.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

107
REFERÊNCIAS

CAN, Gurhan; SATICI, Seydi Ahmet. Adaptation of fear of missing out scale (FoMOs):
Turkish version validity and reliability study. Psicol. Reflex. Crit., v. 32, n. 3, p. 2-7, 2019.
DOI http://dx.doi.org/10.1186/s41155-019-0117-4.

DAVEMPORT, Thomas; BECK, John. A Economia da Atenção. Rio de Janeiro: Editora


Campus, 2001.

ENDE, Michael. Manú a menina que sabia ouvir. São Paulo: Editora Círculo do Livro,
1993.

KAPLAN, Jerry. Humans Need Not Apply: A Guide to Wealth and Work in the Age of
Artificial Intelligence. New Haven: Yale University Press, 2015.

ROMERO RODRÍGUEZ, Luis M. et al. Analfanautas y la cuarta pantalla: ausencia de


infodietas y de competencias mediáticas e informaciones en jóvenes universitarios
latinoamericanos. Fonseca, Journal of Communication, Salamanca, n. 12, p. 11-
25, 2016. Disponivel em: http://revistas.usal.es/index.php/2172-9077/article/view/
fjc2016121125/15076. Acesso em: 24 set. 2019.

SACCOL, Amarolinda; SCHLEMMER, Eliane; BARBOSA, Jorge. M-Learning e U-learning:


novas perspectivas da aprendizagem móvel e ubíqua. São Paulo: Pearson, 2011.

SCHAWB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Editora Edipro, 2016.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

108
5
Professores universitários,
competência midiática e autoscopia
Maria Alzira Pimenta, Martha Prata-Linhares
e Tágides Renata de Melo

O enorme e generalizado acesso à tecnologia digital e à


internet tem proporcionado contato com a mídia escrita e audiovisual
e, consequentemente, ampliado a quantidade e a qualidade da
informação. Com isso, mudam as práticas institucionais: e-commerce,
e-learning, entre outras; e as práticas sociais e individuais: desde como
conversar, se divertir e estudar, até organizar a viagem de férias. É fato
que essas mudanças afetam a educação com tamanho impacto que
gestores e professores precisam incorporá-las às suas práticas.
Quanto mais a tecnologia se dissemina no cotidiano, mais ela
demanda dos professores competências para lidar com o potencial dos
nativos digitais e com as dificuldades dos analfanautas [1]. A aula e a
autoridade em relação ao conhecimento são questionadas uma vez que
o acesso às tecnologias digitais, especialmente os dispositivos móveis
celulares, põe na mão de cada estudante uma enciclopédia. Entretanto,
ter uma enciclopédia à mão garante conhecimento e sabedoria? Pode
ser um primeiro passo, mas a capacidade de analisar a informação e
de aplicar criticamente o conhecimento demanda mais que possuir,
e saber usar, o smartphone e seus aplicativos. Demanda, sobretudo,
competências midiáticas.
Isto posto, o professor, ainda responsável pela condução do
processo de ensino-aprendizagem, é incumbido de mais uma função:
desenvolver as competências midiáticas dos estudantes. Essa função
se justifica porque, tal qual Charlot (2005), entendemos que a educação
compreende uma das práticas capaz de humanizar, socializar e
singularizar e, nela, o pensamento crítico e racional é meio e fim. É
interessante ressaltar que o olhar crítico sobre a conjuntura é o que
pode proteger o educando de uma das mazelas também causada
pela tecnologia: as fakenews. Para tanto, é necessário considerar a
evolução científica e tecnológica, associar a leitura dos livros com a da
informação disponibilizada pelos equipamentos (personal computer,
tablets, smartphones e etc.) com acesso à web. Essa visão de educação
como o processo de construção da consciência crítica se coaduna
com a de Freire (1987). Deste renomado educador nos chama atenção
sua perspectiva associando educação com comunicação, pois sendo
a primeira interativa, problematizadora, dialógica e transformadora,
a segunda torna-se imprescindível. Esses dois pensadores, com foco
em reflexões diferentes, defendem que o processo de construção de
conhecimento, a educação, demanda trocas, criticidade, enunciação e,
especialmente, argumentos.
Posto que desenvolver as competências midiáticas é fundamental
para a educação, na atualidade, há algumas questões a serem respondidas:
como os professores veem a inserção das mídias e da tecnologia da
informação e comunicação digital na sala de aula? O que os professores
sabem sobre mídia? O que precisam saber? Quais competências midiáticas
dominam e quais recebem em sua formação?
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Este capítulo apresenta duas pesquisas realizadas com


professores universitários sobre competências midiáticas. A primeira,
com abordagem quantitativa e macro, faz parte da pesquisa Competências
midiáticas em cenários brasileiros e euroamericanos, da qual interpretamos
a análise descritiva das respostas de professores das regiões sul, sudeste e
centro-oeste. A segunda pesquisa, com abordagem qualitativa e micro,
entrevistou treze professores do curso de formação de professores de três
universidades da cidade de Sorocaba, São Paulo.

110
Nas considerações finais, o compromisso de associar pesquisa
e proposição nos faz discorrer sobre como a autoscopia pode auxiliar
no desenvolvimento profissional docente associado ao aprimoramento
das competências midiáticas.

AS COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS E A EDUCAÇÃO

Ferrés e Piscitelli (2015) escreveram um artigo de referência


para se pensar as competências midiáticas. Partindo do conceito geral
de competência como aplicação de conhecimentos, habilidades e
atitudes para solucionar um problema em um contexto determinado, os
autores associaram as competências midiáticas ao desenvolvimento da
capacidade crítica, da autonomia pessoal e, especialmente, da cidadania
e do compromisso social e cultural. Uma relevante contribuição de Ferrés
e Piscitelli (2015) ao desenvolvimento das competências midiáticas foi
propor pensá-las a partir de critérios norteadores e de seis dimensões.
São elas: linguagem, tecnologia, processos de interação, processos de
produção e difusão, ideologia e valores e estética. Cada dimensão foi
estruturada em torno de dois âmbitos de trabalho: da produção
das próprias mensagens e da interação com as mensagens alheias.
“Produção de” e “interação com” mensagens nos remete à leitura, cuja
definição já foi “entendimento daquilo que está escrito”. A tecnologia
tem nos obrigado a ampliar nosso entendimento para além do que está
literalmente escrito. A riqueza de combinações das imagens com textos,
sons, novos símbolos e ícones tem, frequentemente, desafiado nossa
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

capacidade de leitura e ampliado o conceito.


Essa forma de pensar a leitura remete ao que Moran (1993,
p.29) observou: “ler é um processo, porque nunca acaba, sempre pode
ser aprofundado, refeito, à luz de novos dados, de novas descobertas,
de novas interações”. A leitura viva, que se aprofunda e se renova
está organicamente associada à capacidade de avaliar e de julgar,
estas constituem a base para qualquer crítica. Para haver criticidade,
é necessário antes acontecer o ato de avaliar. Paulo Freire (1967),

111
exaustivamente, lembrou a importância da consciência crítica na
educação. Suas ideias, com mais de meio século, ainda merecem ser
apreendidas pelos educadores:

[...] pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição


de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os
achados e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de
preconceitos na análise dos problemas e, na apreensão, esforçar-se
por evitar deformações. Por negar a transferência da responsabilidade.
Pela recusa a posições quietistas. Pela segurança na argumentação. Pela
prática do diálogo e não da pura polêmica. Pela receptividade ao novo, não
apenas porque novo, e pela não-recusa ao velho só porque é velho, mas
pela aceitação de ambos enquanto válidos (FREIRE, 1967, p. 61). (grifo
das autoras)

Cada frase remete ao momento atual, em cujo cenário as


mídias e as competências midiáticas têm protagonismo. Assim, a
leitura e a crítica se conectam e tornam-se indissociáveis no processo
de construção do conhecimento. Moran (1993) destaca que ler de forma
crítica é fundamental para se integrar à sociedade, tornando-se assim um
dos principais objetivos da educação. Como já foi observado, na atualidade,
o processo de leitura crítica inclui a leitura crítica das mídias.
Kellner e Share (2008) associam a leitura crítica das mídias com
a alfabetização crítica. Esta, por sua vez, “envolve o ensino de habilidades
críticas e de uso de mídia como instrumentos de comunicação social
e mudança” (KELLNER; SHARE, 2008, p.704). A visão desses autores
contribui para ampliar o entendimento de alfabetização, englobando
diversas formas de comunicação e novas tecnologias, como também
aprofunda a capacidade para analisar criticamente as correspondências
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

entre a mídia, a informação e o poder.


Belloni (2009) e Fantin (2006) observaram a necessidade de
uma formação para a leitura crítica das mídias em conformidade
com o desenvolvimento de habilidades instrumentais para preparar
o indivíduo. As autoras também observam que há educadores que
trabalham as habilidades meramente instrumentais, sem promover
nenhuma problematização ou qualquer tipo de reflexão sobre a
sociedade. Conforme Kellner e Share (2008) apontam, falta um caráter

112
criativo, político, dialógico e libertador, que amplie a visão acerca da
cidadania. Ainda sobre esse tema, Kellner e Share (2008, p.709) fizeram
uma síntese relevante para os educadores: “a alfabetização crítica da
mídia deve ser um fio comum que passe por todas as áreas curriculares,
uma vez que se refere à comunicação e à sociedade”

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: COMPETÊNCIAS E FORMAÇÃO

As discussões a respeito da formação inicial e continuada de


professores no âmbito das novas tecnologias e mídias são frequentes
(BELLONI, 2009; PERRENOUD, 1997, 1999). Entretanto, notamos que há
um afastamento entre a formação recebida por esses docentes e o que
eles encontram na prática, que requer conhecimentos e competências
para os quais eles precisam ser capacitados (PIMENTA, 2011). Que
tipo de preparo os professores têm recebido durante sua formação? É
adequado à atuação que se espera desses profissionais?
Há mais de duas décadas, Kearsley (1996) dizia que, caso se
almeje ver a tecnologia ter mais impacto nas escolas, seria necessário
ter como principal prioridade a preparação de bons professores.
Isto é, para que os estudantes possam desenvolver um pensamento
crítico e responsável sobre a mídia e suas influências, eles precisam
ser formados para tal finalidade. Essa formação precisa contemplar a
proximidade dos meios, promovendo a participação atenta e reflexiva
como exercício de cidadania. Nela, ao se trabalhar o conhecimento
associado à reflexão crítica, seria possível transcender o caráter
racionalista, pragmático e necessário: a capacitação de profissionais
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

para o mercado de trabalho. Sendo assim, ficaríamos mais próximos


da fundamental, e ainda distante, educação humanista.
Para fugir das práticas meramente instrumentais, Belloni
(2009) recomenda dar um caráter de recurso pedagógico, de objeto
de estudo, à leitura crítica das mídias, uma vez que ela demanda
“abordagens criativas, críticas e interdisciplinares; sem esquecer que
se trata de um ‘tema transversal’ de grande potencial aglutinador e
mobilizador” (BELLONI, 2009, p. 9).

113
Referente ao uso da mídia e das TIC na Educação, é importante
que os professores formadores, além de estabelecerem o uso crítico
delas, acolham o fato que a aprendizagem e a atualização profissional
precisam ser constantes.
A relação entre o uso instrumental e a leitura crítica da mídia
precisa ser desvelada e compreendida pelos cidadãos. Para tanto,
parece adequado começar nos cursos de formação de professores e,
principalmente, do profissional pedagogo, uma vez que ele contribui
para formar os sujeitos nas várias etapas e modalidades da Educação.
A leitura crítica da mídia é um aspecto central à cidadania na
sociedade da informação e somente a Educação pode proporcionar
esse entendimento aos indivíduos.

AS PESQUISAS COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Quanti com análise descritiva

A pesquisa realizada com professores universitários está


inserida em uma discussão que trata de sujeitos que nasceram e
conviveram em um mundo analógico e precisaram se adaptar ao uso
das tecnologias digitais e a uma realidade em que a comunicação é
instantânea e as informações são abundantes e acessíveis. Prensky
(2001) chamou essa geração de “imigrantes digitais”.
Por outro lado, Palfrey e Gasser (2011), ao se referirem aos
adultos que cresceram em um mundo com informações mediadas
digitalmente, os “nativos digitais”, rejeitam o termo “geração”
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

justificando que as tecnologias digitais ainda não estão universalmente


disponíveis. Essa discussão é importante e longa porque ainda está
distante da realidade o pleno acesso de todas as pessoas à tecnologia
e à internet. Este é um aspecto que ainda precisa ser considerado
quando tratamos da disparidade entre os imigrantes digitais, que
estão convergindo para o mundo digital, e a crescente população cujas
vidas foram e estão sendo moldadas pelo fácil acesso à informação.

114
É nesse contexto que se insere a investigação que foi realizada
com 149 professores de 16 Instituições de Ensino Superior localizadas
em 10 cidades pertencentes à três regiões geográficas brasileiras:
região Centro Oeste, região Sudeste e região Sul. O objetivo foi conhecer
as dimensões da competência midiática (FERRÉS; PISCITELLI, 2015)
de docentes universitários em diversas áreas de conhecimento. A
pesquisa coletou dados com aplicação de questionário disponibilizado
em plataforma construída para esse fim.
O questionário foi organizado em 30 questões contemplando
as dimensões da competência midiática: tecnologia, linguagem,
ideologia e valores, processos de produção e difusão, estética e
processo de interação. Além das dimensões, foi traçado o perfil dos
docentes respondentes bem como o uso que faziam da mídia.
Para analisar os dados, as informações extraídas do
questionário foram inseridas em uma planilha eletrônica. Cada
questão representou uma variável que foi associada à Análise de
Frequências que norteou os padrões das dimensões de interesse, como
os aspectos gerais dos respondentes, possibilitando assim a avaliação
da competência midiática. Para a realização das análises foi usado o
software estatístico R de livre distribuição e código aberto.

Perfil

Entre os professores pesquisados, houve um equilíbrio de


gênero masculino e feminino, sendo que 51,01% eram homens e 48,99%
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

mulheres. Com relação às idades, participaram docentes com idade


entre 21 e 75 anos conforme a Gráfico 1.

115
Gráfico 1: Idade dos docentes participantes da pesquisa.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

No Gráfico 1, podemos visualizar que a maioria dos professores


têm entre 31 e 55 anos, ou seja, cresceram em um mundo analógico.
Outro dado a ressaltar no levantamento do perfil é o tempo de
docência dos professores. O Gráfico 1 traz esse levantamento sobre a
experiência docente mostrando que os professores, em sua maioria,
têm mais de cinco anos de experiência no magistério superior.

Quadro 1: Anos de experiência docente

Menos de 5 22 14,77%
De 6 a 15 69 46,31%
Mais de 16 58 38,93%

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Investigações como as de Huberman (2013), Bransford;


Darling-Hammond; LePage (2005) e Stroot et al. (1996), dentre outras,
relacionaram os anos de docência aos ciclos de vida profissional
na carreira docente. Esses ciclos não são lineares e são permeados
por dificuldades e desafios que exigem escolhas dos professores, as
quais vão transformando-os e assim formando o modo de ser de cada
docente.

116
De acordo com esses ciclos, nos primeiros cinco anos de
docência os professores têm que lidar com questões de sobrevivência
no local de trabalho e somente depois de superar essas dificuldades é
que conseguem avançar no crescimento profissional (STROOT et al,
1999). A maioria dos docentes que respondeu ao questionário já saiu
dessa fase. Eles têm mais de seis anos de docência e estão no ciclo de
vida profissional em que a preocupação com a sobrevivência diminui e
eles se sentem mais confiantes, abertos a novos desafios, em uma fase
da experimentação e de crescimento profissional. É nessa fase que
acontece o fortalecimento da identidade profissional e da competência
pedagógica (HUBERMAN, 2013).
Com relação a área de conhecimento, os professores
pesquisados estão distribuídos por todas as áreas. A área de
conhecimento correspondente a “Artes e Humanidades /Ciências
Humanas e Linguísticas, Letras e Artes”, foi a maior contribuinte para
a pesquisa, correspondendo a 42,95% dos participantes. Por outro lado,
a “Engenharia, Arquitetura e Ciências Agrárias”, com 8,05%, foi a que
teve menor participação. Nas demais áreas, a participação ficou assim:
“Ciências Sociais e Jurídicas/ Ciências Sociais Aplicadas”: 20,81% ,
“Ciências da Saúde / Ciências das Saúde e Ciências Biológicas”: 15,44%
e “Ciências Exatas / Ciências Exatas e da Terra”: 12,75%, como é possível
observar no Gráfico 2.
Menos de 40% dos professores pesquisados declararam ter
algum tipo de conhecimento em literacia midiática e a internet foi
mencionada como o dispositivo de comunicação mais usado além de
ser descrito como o mais conhecido.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Pelos dados apresentados na pesquisa, há pouco ou nenhum


conhecimento sobre o termo Literacia Midiática no meio acadêmico
investigado, com alguns dizendo ter participado de algum curso sobre
o assunto. Como era de se esperar, pela área de atuação, docentes em
áreas como Artes e Humanidades, Ciências Humanas e Linguísticas e
Letras e Artes demonstraram estar mais inteirados sobre o assunto. É
compreensível que os professores das áreas com mais distanciamento
do tema comunicação tenham pouco conhecimento sobre literacia

117
midiática, entretanto, é necessário refletir sobre as implicações
desse desconhecimento considerando a abrangência e relevância do
conceito.

Gráfico 2: Área de Conhecimento dos professores

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Basicamente, a literacia midiática compreende desde


habilidades e capacidades como saber acessar informações,
passando para processos mais complexos como avaliar criticamente
as informações acessadas e ter conhecimentos sobre a produção de
conteúdos usando diferentes linguagens e plataformas. Dentro dessa
perspectiva, a literacia midiática tem potencial para empoderar
os indivíduos, pois “abrange a capacidade de compreensão, de
interpretação e de produção de textos e imagens, e entender como as
mídias podem influenciar a liberdade de expressão, o desenvolvimento,
a democracia, a boa governança e a percepção dos eventos que afetam
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

seus cotidianos” (ALTON et al., 2016). Os professores participantes


da pesquisa, apesar de terem pouco conhecimento a respeito do
termo “literacia midiática”, demonstraram, em várias questões,
conhecimentos relacionados às seis dimensões de Ferrés e Piscitelli
(2015) mencionadas anteriormente, para se pensar a competência
midiática. Na sequência, os resultados da pesquisa:

118
Dimensão tecnológica

Essa dimensão está relacionada aos conhecimentos que


a pessoa tem a respeito dos meios tecnológicos para chegar a um
determinado fim ou efeito, se refere a capacidade de manejo dos
recursos midiáticos para a elaboração de mensagens.
Nessa dimensão, o grupo de docentes pesquisados demonstrou
conhecer e utilizar diferentes aplicativos e programas voltados para
comunicação e ainda ser criterioso com relação às tecnologias usadas
para a criação de informações em suas atividades na docência. Ao
serem perguntados se selecionavam informações dos meios de
comunicação para as suas atividades docentes levando em conta a
tecnologia usada, 34,23% assinalou a opção ”Ocasionalmente”, 30,20%
“Habitualmente” e 14,77% “Sempre”. Observamos assim que menos da
metade do grupo respondente, 45%, leva em consideração a tecnologia
usada ao selecionar informações, sempre e habitualmente. Seria esse
uma porcentagem adequada considerando a conjuntura atual?

Dimensão linguagem

Essa dimensão se refere à capacidade de interpretar e avaliar


diversos códigos de representação, ou seja, analisar e saber utilizar os
elementos da linguagem midiática para construir suas mensagens.
Os professores, pelos dados apresentados, disseram que
tanto na observação como na criação e publicação de uma mensagem
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

audiovisual, identificam e utilizam códigos de linguagens como enfoque,


cor, tamanho e ordem das imagens nos meios de comunicação. Mais
de 74% dos docentes, ao usarem informações dos meios de comunicação
em suas atividades, levam em conta o tratamento audiovisual dado a ela.

119
Dimensão Processos de interação

Dimensão relacionada à interação com outras pessoas por meio


da mídia, à capacidade de apreciar mensagens provenientes de outras
culturas, trabalhar colaborativamente mediante a conectividade, assim
como o conhecimento e utilização de medidas de proteção e formas de
denunciar abusos cometidos contra si ou contra outras pessoas.
Ao serem perguntados se utilizavam meios interativos
para comunicar, encontramos as redes sociais e WhatsApp como
os principais meios de comunicação usados pelos docentes, como
podemos visualizar na Tabela 1.

Tabela 1: Distribuição das perguntas por dimensão.

DIMENSÃO ESTU- COLEGAS AMBOS NÃO BASE DE


DANTES UTILIZO RESPONDENTES
10 12 109 18
Redes Sociais 149
6,71% 8,05% 73,15% 12,08%
0 4 4 141
Correio eletrônico 149
0,00% 2,68% 2,68% 94,63%
38 10 47 54
Fóruns 149
25,50% 6,71% 31,54% 36,24%
Blogs e sites 12 8 53 76
149
próprios 8,05% 5,37% 35,57% 51,01%
2 35 98 14
WhatsApp 149
1,34% 23,49% 65,77% 9,40%
13 27 54 55
Videoconferência 149
8,72% 18,12% 36,24% 36,91%
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

120
Grande parte declarou usar os meios de comunicação para
se comunicar tanto com estudantes quanto colegas (opção Ambos),
representando mais de 73% para redes sociais, e 65% para Whatsapp,
na escolha dos docentes. Já em relação a e-mails, blogs e sites
próprios, a maioria afirmou não usar com essa função. O que nos faz
refletir sobre qual função efetivamente a tecnologia tem na prática dos
professores, uma vez que blogs e sites funcionam como repositórios
que registram e contêm o que for trabalhado na disciplina ou curso.
Chamamos a atenção para o item “Não utilizo” por 94%, quando o meio
de comunicação é e-mail, o que parece demonstrar sua substituição
por um recurso mais imediato, o Whatsapp.
Ao serem perguntados se selecionavam informações dos meios
de comunicação para a atividade docente pensando nos estudantes, a
maioria respondeu que sim e somente 4% respondeu que nunca.

Dimensão Produção e difusão

Dimensão que se refere aos conhecimentos sobre os sistemas


de produção, as técnicas de programação e os mecanismos de difusão
e o respeito aos direitos autorais.
Ao serem perguntados sobre códigos deontológicos e Creative
Commons [2], os docentes desconhecem esses termos ou não souberam
definí-los. Ao serem perguntados se a afirmação “Creative Commons
é uma licença para proteger os direitos das audiências na rede” era
verdadeira, 34,90% disseram ser falsa, 49,66% disseram não saber e
somente 15,44% disseram que a afirmação era verdadeira. Porém, ao
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

serem perguntados a respeito das regras para usarem fotos e dados


pessoais em redes sociais, 56,38% afirmaram que sabiam da existência
dessas normas. Se o professor admite que desconhece os códigos
deontológicos como pode compartilhar e refletir com seus estudantes
sobre sua função e importância?

121
Dimensão Ideologia e valores

Esta dimensão refere-se à identificação da ideologia e dos


valores presentes nas mensagens midiáticas, discriminando tanto o
que se omite quanto o que se expressa com essa finalidade e, ao mesmo
tempo, a capacidade de “expressar valores sociais e democráticos que
promovam a humanização” (SILVA; BORGES, 2019).
A grande maioria dos respondentes, 93,96%, respondeu
afirmativamente sobre os meios de comunicação mostrarem
estereótipos ou preconceitos do tipo racial, sexual, social, religioso
ou ideológico, além de dizer que “Habitualmente” (48,32%) e “Sempre”
(24,83%) identificam a ideologia que querem transmitir através de uma
citação ou produto midiático.
Ao serem perguntados se nas suas mensagens levavam em
consideração os valores que queriam transmitir, a grande maioria citou
transmitir os valores que queriam repassar “Habitualmente” (45,39%)
e “Sempre” (34,23%). E a opção “Nunca” não foi citada. Assim, o grupo
respondente pareceu estar ciente da existência de estereótipos ou
preconceitos nos meios de comunicação, além de observar os valores
e/ou ideologia implícitos e transmitidos e ainda prestar atenção aos
valores que querem transmitir aos seus alunos.

Dimensão Estética

Essa dimensão está relacionada tanto à identificação como


a expressão própria de padrões estéticos e a sensibilidade para
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

reconhecer uma produção midiática que não se adequa às exigências


mínimas de qualidade estética.
A maioria dos participantes da investigação respondeu que a
qualidade estética e artística da informação é um fator a ser levado
em consideração, com os itens “Habitualmente” e “Sempre” sendo
escolhido por mais de 75% dos respondentes. Quando perguntados
se ao elaborarem uma mensagem ou conteúdo midiático (vídeo,
fotografia, mensagem em rede sociais ou correio eletrônico) tinham em

122
consideração o sentido estético ou artístico, os itens “Habitualmente”
e “Sempre” responderam juntos por mais 82% das escolhas.
Assim, percebemos que o sentido e a qualidade estética e
artística são critérios para escolher uma informação que servirá de
base para a realização de suas atividades. O mesmo acontece quando
os docentes elaboram um conteúdo midiático.
Pela pesquisa realizada, os docentes participantes transitam
entre as dimensões da competência midiática, com conhecimento
tecnológico e utilizando diferentes aplicativos e programas. Há
uma preocupação com a linguagem audiovisual e com a seleção de
informações, pois estão pensando nos estudantes. A grande maioria
disse saber que a mídia mostra estereótipos e preconceitos. Assinalou
também que identifica valores e ideologia presentes nas mídia e que
se preocupa com os valores que desejam transmitir aos estudantes.
Chamou a atenção a mudança em relação ao recurso de comunicação
mais usado (de e-mail para Whatsapp), na dimensão processos de
interação, e o fato de grande parte dos docentes conhecerem pouco os
códigos deontológicos e a licença do Creative Commons relacionada ao
uso legal de imagens e conteúdos gratuitos disponibilizados na internet.
Isso nos remete a questões sobre direito autoral e acesso universal à
pesquisa, educação e cultura, disponibilizados pela internet. Para o
professor, profissional que lida com a gestão do conhecimento em
sala de aula, pensamos que são aspectos relevantes e que precisam ser
melhor trabalhados e disseminados no meio acadêmico.
A seguir, apresentamos os resultados da pesquisa com
professores dos cursos de formação de professores, com abordagem
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

qualitativa.

Quali com análise de conteúdo [3]

Para compreendermos como a competência midiática está


sendo trabalhada na formação de professores foi realizada uma pesquisa
de campo, a qual adotou como técnica para a obtenção dos dados a

123
entrevista semiestruturada, realizada com 13 docentes responsáveis
pelas disciplinas que envolvem a temática Mídia e relacionada às
Metodologias de Ensino de três Instituições de Ensino Superior. Dos
13, somente dois não são da área de Humanas, sendo uma da Biologia
e o outro da Ciências da computação. Os demais cursaram Pedagogia
(cinco), Letras (quatro), História ou Geografia (dois).
Os dados coletados, a partir das entrevistas realizadas,
totalizaram 304 minutos de áudio, o que corresponde a 5 horas e 4
minutos de gravação, com média de 25 a 30 minutos de duração
para cada entrevista, com algumas com quase 50 minutos. Após a
transcrição, para codificar as informações, o texto foi recortado e
classificado dentro de categorias temáticas. O material foi analisado
por meio da leitura flutuante, uma das fases do processo de análise do
material empírico na pesquisa qualitativa (BARDIN, 2016).
Desse modo, os relatos dos docentes entrevistados foram
lidos diversas vezes até que pudéssemos extrair a categorização dos
dados em temas principais, resultantes do agrupamento gradativo de
elementos.
Relacionando os discursos dos professores e efetivando as
reduções em nossa análise, surgiram cinco categorias que demonstram
como a competência midiática está sendo trabalhada na formação de
professores. Selecionamos a categoria “produto audiovisual” para
apresentar, analisar e interpretar neste trabalho.
Usar um produto audiovisual garante o desenvolvimento das
competências midiáticas?
Nessa categoria, agrupamos os relatos dos docentes que
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

entendem que estão desenvolvendo a competência midiática ao


utilizarem filmes, pequenos vídeos e/ou documentários, em suas
práticas pedagógicas. No questionamento acerca dos recursos
midiáticos utilizados pelos docentes, de 28 depoimentos selecionados,
13 (quase 50%) se referem a recursos audiovisuais como:

Professor 1: “Eu uso filme”. “Passo filme e faço debate”.


Professor 2: “Documentários e filmes são os recursos que eu mais uso”.

124
Professor 3: “Trabalho com documentários e também com muitos
vídeos de propaganda”.
Professor 4: “Uso documentário”.

A mídia audiovisual é um recurso utilizado por docentes com


o intuito de ilustrar conteúdos e favorecer a compreensão do discente.
Assuntos importantes para o desenvolvimento de uma aula podem
estar presentes nos produtos audiovisuais, assim como respaldar
o conteúdo teórico e contribuir para a clareza das informações.
Os recursos de imagem podem tornar a aula mais dinâmica, lúdica
e interessante para os estudantes. Porém, para que o emprego dos
recursos audiovisuais seja significativo e contribua efetivamente
para o processo de ensino-aprendizado, faz-se necessário analisar o
conteúdo em diversos aspectos. Sá e Siqueira (2011) apontam alguns
fatores que precisam envolver uma análise de mensagens audiovisuais:
(1) semiologia do filme, no qual o discurso fílmico torna-se objeto de
estudo; (2) pragmática, a análise dos diferentes atos de um discurso
e suas relações entre o emissor e o receptor; (3) teoria psicanalítica
e teoria sociológica, estudo da produção discursiva considerando o
inconsciente e a ideologia; e (4) linguística do filme, capacidade de
interpretar os códigos presentes em uma mensagem.
Todavia, para desenvolver as competências midiáticas, não
basta que os docentes apresentem um filme e, simplesmente, façam
um debate. Belloni (2009) adverte que, embora a prática de exibição
de vídeos, documentários ou filmes possa ser constante, mais do que o
próprio quadro em suas aulas, o uso pelo uso, apenas reduz o recurso
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

a uma lógica instrumental, não há uma preocupação com a formação


para a “leitura crítica da mídia” (p.13).
Os recursos audiovisuais podem ser utilizados como um
apoio pedagógico nas práticas de ensino, pois colaboram com a
exposição de outros pensamentos, experiências e contribuem com o
desenvolvimento de habilidades nos estudantes. Contudo, para que
se desenvolva a competência midiática, cumpre ao docente saber
escolher e aplicar esses recursos e produtos.

125
De acordo com Moran (2000), na sociedade da informação
na qual vivemos, as pessoas estão em busca de conhecimento,
comunicação, ensino e aprendizagem. A integração do humano com
o tecnológico faz com que, rapidamente, se passe do livro para a
televisão e para o vídeo e destes para o computador e a Internet. É
necessário conhecer as possibilidades que cada meio pode oferecer
para se tirar o máximo proveito dele como instrumento pedagógico.
Muitos docentes compreendem o uso dos recursos audiovisuais
como instrumentos pedagógicos, quando relatam: “Utilizo diversos
recursos, documentários, vídeos do Youtube, enfim, recursos que
complementarão os conteúdos que pretendo trabalhar em sala”
(Professor C1). O uso de recursos audiovisuais nos processos de ensino
pode somar, ampliar e possibilitar aos estudantes novas oportunidades
de construção de conhecimento.
Padilha, Sutil e Miquelin (2013) apresentam uma pesquisa que
tentou relacionar o uso dos recursos audiovisuais para aprendizagem
significativa em aulas de Ciências. Apesar de não lograr êxito em sua
proposta inicial, o trabalho trouxe avanços ao sistematizar as funções
desses recursos, propostas de utilizações e como estas se relacionam com
os pressupostos da Teoria da Aprendizagem Significativa (Tabela 2).

Tabela 2: Função dos recursos audiovisuais, propostas de utilizações


e sua relação com os pressupostos da Teoria da Aprendizagem
Significativa.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Fonte: Padilha, Sutil e Miquelin (2013, p. 5225).

126
Ferrés e Piscitelli (2015), quando propõem que a competência
midiática desenvolva a recepção e a dimensão processos de interação,
também englobam o emprego de recursos audiovisuais, uma vez que
essa dimensão inclui o desenvolvimento da capacidade de avaliar as
mensagens midiáticas, reconhecer e valorizar suas emoções e valores
e interpretar criticamente seus conteúdos. Ou seja, se os filmes,
documentários, animações ou vídeos forem aplicados tendo em vista
esses objetivos, estaremos desenvolvendo uma das dimensões da
competência midiática.
Em nosso tempo, diariamente ocorrem inovações em
metodologias de ensino e sabendo que os estudantes possuem
diferentes formas de aprendizado, urge que o processo de ensino
impulsione a leitura, a crítica, a indagação, a investigação e as
ideias próprias. Certamente, os recursos audiovisuais podem ser
instrumentos significativos para a formação de sujeitos criativos e
críticos, capazes de interagir de forma ativa na sociedade.
As categorias levantadas após a análise dos dados respondem
ao nosso questionamento, constatamos que a competência midiática
está sendo desenvolvida nos cursos investigados através de: análise
crítica de documentos e produtos midiáticos; instrumentalização de
aparelhos e recursos midiáticos e através do emprego de produtos
audiovisuais como filmes, documentários e vídeos. Desta forma,
percebemos que algumas dimensões propostas por Férres; Piscitelli
(2015) estão sendo contempladas pelos docentes. Dentre elas estão, a
dimensão da recepção e os processos de interação, a dimensão tecnológica
e a dimensão de análise de ideologia e valores. Porém, as dimensões
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

linguagem, processos de produção e difusão e estética, não estão sendo


contempladas na formação de professores, o que pode futuramente
acarretar fragilidades em suas práticas, relacionadas à inaptidão para
uma interpretação adequada dos códigos de uma mensagem. Outros
desdobramentos podem incluir a falta de conhecimento acerca da
produção, programação e disseminação de conteúdos midiáticos e à
falta de sensibilidade e criatividade frente à mídia.

127
Após apresentar os resultados e análises das duas pesquisas,
entendemos que é imprescindível propor encaminhamentos e
inovações para lidar com as questões apontadas nos estudos. A
experiência em lidar com o desenvolvimento profissional docente nos
faz sugerir que a autoscopia, metodologia de pesquisa e de formação,
poderia contribuir para o aprimoramento das competências midiáticas
dos professores universitários. Primeiramente, justificamos o porquê
dessa proposta e depois, a partir de uma experiência já realizada,
apresentamos como ela pode contribuir.

QUAL A RELAÇÃO ENTRE AUTOSCOPIA


E COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS?

Morin (1983) investigou a “magia” do cinema, ou seja, a


capacidade de levar as pessoas a viver e compartilhar intensamente o
universo afetivo que é apresentado na tela. Com a força dos mecanismos
de projeção e identificação, o cinema e sua velha “irmã mais nova”,
a televisão, potencializaram essa “magia” e criaram um ideário de
estrelas e galãs alimentado pela indústria da ilusão. Esse ideário ditou
(e ainda dita) moda, hábitos, linguagem, valores e padrões estéticos
(inatingíveis). Moura (1984), em trabalho historiográfico, apresenta o
projeto de domínio cultural dos Estados Unidos da América sobre o
Brasil, iniciado nos anos 40 do século XX. Tendo como pano de fundo
o início da Guerra Fria, a proposta era divulgar o American way of life,
divulgar pelo rádio e, especialmente, pelo cinema. Essa divulgação
tinha como objetivo maior sensibilizar para o modo de ser americano
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

(os valores, ideário e padrões estéticos). Assim, histórias, com happy


ends e atores perfeitos, física e moralmente, ocuparam acriticamente
nossas vidas. Corroborando a argumentação de Moura (1984), Paulo
Emílio Salles Gomes cunhou a frase sobre a apropriação cultural
desse modo de ser: “No Brasil nada nos é estranho, porque tudo o é”.
Não seria essa uma das razões porque muitas pessoas estranham e
desgostam de se ouvir e se ver na tela?

128
Acontece que, para o professor, a comunicação é inerente à sua
prática. Seu corpo, sua voz, sua expressão são seus instrumentos de
trabalho. De forma semelhante a um artista, um locutor, um bailarino
- talvez, mais que todos estes juntos - seus recursos de expressão
precisam ser apurados. Como imaginar um marceneiro sem lixadeira
ou um cirurgião sem bisturi? E um professor que estranha sua voz e/
ou imagem, que “não suporta” se ver e ouvir? A questão remete, em
um primeiro momento, aos padrões estéticos, mas o aspecto mais
importante é a aceitação e convivência consigo mesmo [4], com seu
trabalho e com seu papel social.
A autoscopia tem origem na França, em 1967, no Centro de
Audiovisuais da Escola Normal de Saint Cloud. Sadalla e Larocca (2004)
registraram que vários autores - Linard (1974, 1980), Prax e Linard (1975),
Nautre (1989), Rosado (1990, 1993) - trataram da técnica, inclusive Joan
Ferrés (1996). Esses autores observaram que a videogravação permite a
avaliação de si mesmo a partir do confronto com sua própria imagem
e voz na tela, ou seja, sua representação e aparência.
Isso em um primeiro momento. Além dessa percepção física
imediata, é possível analisar a condução da prática pedagógica: as
estratégias, os recursos utilizados, a interação com os estudantes (suas
emoções e raciocínios), as relações de causa e efeito entre as ações
do professor e as reações dos estudantes. Essas características nos
mobiliza a perguntar: há algo mais pedagógico para desenvolver as
competências midiáticas do que analisar o real representado em som
e imagem começando por sua própria representação?
É possível vislumbrar o potencial revolucionário e
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

transformador da autoscopia quando se constata que ela permite


observar e refletir sobre o que a imagem de fato mostra e o que
imaginamos sobre a imagem. Outro aspecto que precisa ser ressaltado
é que a autoscopia, realizada com professores, pode contribuir para
desenvolver tanto as suas competências midiáticas quanto as dos
estudantes.

129
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE COM AUTOSCOPIA

A autoscopia foi utilizada como uma das práticas do


Programa de Aperfeiçoamento Docente da Universidade de Sorocaba.
Os resultados dessa pesquisa e intervenção foi apresentado no
XIX ENDIPE, em 2018, na cidade de Salvador (PIMENTA; PORTO;
SILVA, 2018). Após as gravações das aulas, a análise das imagens, do
conteúdo e das interações possibilitou desvelar aspectos relacionados
à aparência, à voz (estética) e à prática dos professores (conteúdo,
interação, linguagem, ideologia e valores), as quais os próprios tinham
dificuldades em perceber. Como exemplos é possível citar:

1- A professora que considerou: a) a altura de sua voz baixa e sua


movimentação inadequada na sala; b) desordem ao apresentar suas
ideias e c) olhar pouco para os estudantes.

2 - Um professor manifestou alegria: a) com a vitalidade de sua voz e


seu bom humor, b) a participação dos estudantes; c) ao perceber que
sabia seus nomes e que dava feedback sobre os comportamentos em
sala de aula.

3 - O professor de matemática que observou sua desorganização:


a) espacial, ao sistematizar os conceitos no quadro e b) didática, ao
apresentar uma sequência de ideias.

Esses exemplos possibilitaram a leitura da realidade registrada


pela câmera. Entendemos que essa metodologia pode ser associada ao
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

desenvolvimento das competências midiáticas uma vez que a mídia


apresenta realidades construídas (simulacros) que precisam também
ser lidas e analisadas. Essa visão é corroborada pela defesa, apoiada em
Ferrés (1996), do potencial formador e transformador da autoscopia:

[...] a autoscopia oferece condições de análise crítica, permitindo


exercitar uma intensa atividade intelectual. [...] A confrontação, pela
imagem, com as representações que se tem sobre si, já permite uma
mudança de atitude” (SADALLA; LAROCCA, 2014, p. 423).

130
As ideias dos autores e a experiência já realizada revelam o
potencial da autoscopia para provocar análises relevantes sobre a
prática pedagógica, logo, sobre a formação de professores, enquanto
propicia desenvolver as competências midiáticas porque trata das
dimensões sistematizadas por Ferrés e Piscitelli (2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo apresentou duas pesquisas com professores


sobre competências midiáticas. Em ambas, os professores revelaram
proximidade com a tecnologia e com as competências midiáticas.
Na primeira, chama atenção nas respostas o pouco conhecimento
sobre códigos deontológicos e Creative Commons. Na segunda, cabe
ressaltar o uso de recursos audiovisuais na formação de professores
e a necessidade de mais análise sobre o conteúdo, a linguagem, a
produção e a recepção das mensagens. Também foi apresentada
uma experiência usando autoscopia no desenvolvimento profissional
docente, sugerindo que contribui para o aprimoramento das
competências midiáticas. Posto isso, acreditamos que é urgente que o
campo educacional ultrapasse o limite de utilização instrumental dos
recursos tecnológicos e debata a relevância de ler, analisar e avaliar as
mídias, apropriando-se não só dessa leitura crítica, mas também de
suas formas de expressão.
Para tanto, os cursos de formação de professores precisam
contemplar o desenvolvimento das competências midiáticas em
suas dimensões a fim de que os conteúdos midiáticos sejam criados
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

e interpretados apropriadamente. Formar o futuro professor para


discutir a responsabilidade social, os conflitos de interesse, os problemas
éticos, as controvérsias, entender as edições propositais, as ideologias
e relações de poder por trás das mensagens, ler nas entrelinhas,
ultrapassar as aparências, enfim, compreender o que está implícito
nos discursos midiáticos torna-se imprescindível para o sujeito
contemporâneo. A presença das mídias na formação de professores,

131
mais que uma necessidade, é uma condição de pertencimento e de
cidadania. Considerar o trabalho com as competências midiáticas nas
práticas pedagógicas pode constituir a inclusão tecnológica, social e
cultural dos docentes e estudantes que necessita ser consolidada.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

132
NOTAS

[1] O termo analfanauta diz respeito “aos indivíduos que dominam as habilidades
digitais necessárias para interagir com as TIC, mas não possuem habilidades
suficientes de mídia e informação para evitar sua infoxificação e desinformação
estrutural presentes nas redes” (RODRIGUEZ, 2016, p.1).

[2] Organização sem fins lucrativos que permite o compartilhamento e uso da criatividade
e do conhecimento através de instrumentos jurídicos gratuitos. Disponível em https://
br.creativecommons.org/sobre. Disponível em: 24 set. 2019.

[3] Essa parte do texto é baseada na pesquisa realizada por Tágides Mello, orientada
pela professora Maria Alzira Pimenta, para a obtenção do título de mestre em
educação no Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade de
Sorocaba e recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).

[4] Neste aspecto cumpre observar que as mulheres, em geral, por questões
relacionadas à identidade feminina e aos padrões estéticos, têm mais dificuldade
para aceitarem sua imagem.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

133
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136
6
A competência midiática e o exercício da
cidadania a partir da experiência dos profissionais
de comunicação de Juiz de Fora (MG)
Vinícius Guida, Mariana Meyer e Leticia Torres Americano

O ambiente de convergência propicia novas discussões sobre


a competência midiática. De acordo com Gaines (2010) e Hobbs et
al. (2013), na contemporaneidade as abordagens sobre o consumo
e a produção de conteúdos informativos se distanciam da lógica da
alienação e vitimização do público e dos meios como instrumentos
de dominação e hegemonia. Os estudos reforçam a necessidade de
empoderamento dos sujeitos na compreensão crítica das informações,
abrangendo a curadoria de notícias, a compreensão das diversas
angulações editoriais, além da responsabilidade na propagação de
conteúdos (BAILIN, 2010; MIHAILIDIS, 2012; HOBBS et al, 2013). Bailin
(2010) e Mihailidis (2012) ressaltam a importância da competência
midiática na seleção de informações, diante da saturação e
velocidade de propagação no atual ecossistema de conectividade, e na
responsabilidade do público na produção e distribuição de conteúdos
factuais nas redes sociais digitais.
Uma revolução tecnológica está transformando a mídia atual em
velocidade impressionante. Mídias sociais, jornalismo cidadão, notícias
contínuas 24 horas - estamos sendo inundados com informações em
todos os formatos possíveis. Diante disso, o consumidor de notícias
deve estar mais bem informado do que nunca (MIHAILIDIS, p. 15, 2012)
[1] (livre tradução dos autores).

Entretanto, as reflexões não abarcam somente a perspectiva do


público. De acordo com Mihailidis (2012) e Hobbs et al. (2013) é importante
que os profissionais de comunicação compreendam criticamente
a complexidade dos processos comunicacionais que envolvem a
produção de conteúdos informativos. Como explica Hobbs (2013, p.
4), “é fundamental ser capaz não apenas de reconhecer e distinguir
especulações, opiniões e crenças dos fatos e fontes, é preciso também
conhecer as diferenças entre as ideologias e os valores socialmente
construídos sobre o mundo” [2] (livre tradução dos autores).
Ou seja, é necessário que o profissional de comunicação realize
uma leitura atenta, crítica e plural na hora de escolher a pauta, analisar
as angulações, os dados, a disposição do conteúdo nos meios, a ordem
e o encadeamento dos fatos. Para Hobbs (2013) esta análise qualificada
poderá contribuir para a qualidade e a pertinência das informações que
circulam nas redes.
Lançado em 2018 pela União Européia, o relatório A multi-
dimensional approach to disinformation: Report of the independent High
Level Group on Fake News and Online Disinformation tem como objetivo
propor iniciativas para combater as notícias falsas e a disseminação
da desinformação. Elaborado por 39 especialistas e coordenado
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

por Buning (2018), o relatório apresenta, entre outras discussões,


questões que tangem os debates propostos neste capítulo. De acordo
com o documento, ao publicar uma notícia em uma plataforma digital o
profissional deve disponibilizar ao público, de forma transparente, as
normas relacionadas à privacidade e controle de dados. Outro ponto
destacado no estudo é a importância da democratização do acesso
as notícias e o reconhecimento, por parte do profissional, dos reais
critérios de noticiabilidade.

138
A partir desse contexto, este capítulo tem como objetivo relatar
a pesquisa que foi realizada em 2018 com profissionais de comunicação
da cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, além das experiências
envolvendo o Colóquio Mediar: Comunicação e Gênero [3] e a websérie
#Observatório Espelhos [4].

OS USOS DE DISPOSITIVOS MÓVEIS POR PROFISSIONAIS DE


COMUNICAÇÃO

O questionário da pesquisa com os profissionais foi preparado


em 2017 juntamente com a Universidade de Valladolid, sob a coordenação
do professor Agustin Garcia Matilla, como parte do projeto Competencias
mediáticas de la ciudadanía en medios digitales emergentes (smartphones
y tablets): Prácticas innovadoras y estrategias educomunicativas en
contextos múltiples financiado pelo Fondo Europeo de Desarrollo
Regional (FEDER) y Ministerio de Economía y Competitividad de España
em parceria com a Rede Alfamed Internacional. O objetivo foi detectar
o uso de dispositivos móveis e o desenvolvimento da competência
midiática e da responsabilidade social por profissionais de comunicação.
Foram preparados dois questionários, um em língua portuguesa
e outro em língua espanhola. Estes foram aplicados separadamente
pelas duas universidades e hospedados no Google Form, o que facilitou
a disponibilização e a análise, realizada no final de 2017 e início de 2018.
A pesquisa foi realizada com 56 profissionais da comunicação
atuantes em Juiz de Fora, em Minas Gerais. O questionário continha
28 perguntas abertas e de múltipla escolha, e tinha o objetivo de
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

traçar o perfil do uso de dispositivos móveis no âmbito profissional


de comunicação na cidade. O questionário foi aplicado remotamente,
através de links enviados por e-mail e abrangeu atuantes nas áreas de
jornalismo, publicidade, marketing, administração pública, educação
e industrial. As respostas obtidas foram analisadas individual e
coletivamente, através de gráficos gerados pela plataforma utilizada.
Antes de analisarmos os resultados da pesquisa é importante
detalharmos o modo como as perguntas foram estruturadas. O

139
questionário foi composto por quatro etapas. Inicialmente perguntou-
se sobre as atividades, responsabilidade do cargo e a dimensão
da empresa empregadora. Em seguida, as questões objetivaram
traçar o perfil do profissional perguntando, por exemplo, seu
sexo, posse de dispositivos, quantidade de horas de uso e etc. A
terceira fase buscou compreender quais os usos e funções eram
utilizadas por esses profissionais e com que frequência. Na última
etapa, o comunicador foi convidado a definir a importância de
seus dispositivos no exercício de tarefas rotineiras. Continha ao
final, também, uma aba disponível para comentários e sugestões.
A partir da sistematização e análise dos questionários
constatou-se que 60,7% da base respondente são mulheres. Quanto
à faixa etária, 57,1% dos profissionais têm entre 25-34 anos e não
houve respondentes acima dos 55 anos. A maioria dos entrevistados
atua em agências de comunicação e publicidade (33,9%) e em veículos
de comunicação (32,1%), sendo 48,2% no âmbito do jornalismo.
Metade das empregadoras contam com menos de 25 funcionários,
enquanto 28,6% possuem um quadro de funcionários superior
a 250 pessoas. Segundo a pesquisa, a maioria usa de dois (39,3%)
a três (32,1%) aparelhos por nove ou mais horas diárias (41,1%).
A respeito dos dispositivos mais utilizados, constatou-se serem
o smartphone (98,2%) e o computador portátil, notebook (73,2%).
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

140
Gráfico 1: Equipamentos e/ou dispositivos
que os respondentes mais utilizam.

Fonte: Gráfico gerado pelo Google Forms (2019)

Na segunda parte do questionário, quando questionados


a respeito da dependência do exercício profissional em relação ao
uso de dispositivos móveis, em uma escala de um a cinco, 69,6% dos
entrevistados consideraram-se no último nível da escala e quase
metade (46,4%) indicaram somente desligar o telefone durante a noite.
Em detrimento do uso do computador, os respondentes indicaram
preferir se comunicar com as equipes de trabalho (82,1%) e interagir
em redes sociais na Internet (78,6%) através de aparelhos móveis.
Segundo Ferrés e Piscitelli (2015), no ambiente da cultura
da convergência as competências relacionadas aos âmbitos
digital e midiático estão diretamente ligadas à possibilidade
de exercício da cidadania. Nesse sentido, o indivíduo deve
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

desenvolver capacidades de leitura crítica de mensagens tanto


como habilidades que o permitam se expressar. Em relação ao
desenvolvimento e formação em competências digitais, 92,9% dos
respondentes acreditam ser muito importante para os profissionais
de comunicação, enquanto um percentual bem menor, 39,3%,
indicam acreditar ser muito importante para a cidadania em geral.

141
Gráfico 2: Nível de importância de formação
em competência digitais

Fonte: Gráfico gerado pelo Google Forms (2019)

Em contrapartida, 69% dos respondentes acreditam ser muito


importante abordar valores éticos e ideológicos assim como colaborar
com a distribuição da informação (69,23%) ao promover a alfabetização
digital. Neste sentido, podemos concluir que é importante investir
na discussão sobre o reflexo do desenvolvimento das competências
midiáticas para o exercício da cidadania junto aos profissionais de
comunicação.
Na terceira parte do questionário, foram levantadas questões
relacionadas às frequências de uso dos dispositivos móveis. A respeito
do uso da Internet em dispositivos móveis, 76,9% dos respondentes
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

afirmaram usá-la para realizar consultas e 66,1% para se informar, com


muita frequência. Em relação ao uso de ferramentas de comunicação
interpessoal e redes sociais, 58,9% utilizam os dispositivos para enviar
e receber e-mails pessoais, 91% utilizam o WhatsApp e 60,7% utilizam
o Facebook com muita frequência. Outras redes sociais são utilizadas
com muita frequência por 57,1% dos respondentes, enquanto 37,5%
afirmaram nunca utilizar o Twitter. Segundo pesquisa do portal de
estatísticas Statisa [5], o Facebook e o Whatsapp são, respectivamente, a

142
primeira e terceira redes sociais mais utilizadas no mundo, enquanto o
Twitter encontra-se da 12ª posição. Isso corrobora que os profissionais
de comunicação também utilizam as plataformas mais populares em
detrimento de outras.
A respeito dos usos dos dispositivos com fins criativos, 48,2%
afirmaram utilizar com muita frequência para atualizar as redes
sociais e 39,2% para fotografar, enquanto 32,1% afirmaram nunca
utilizar aplicativos para criar composições visuais.
A sistematização dos dados também indica que 57,1% dos
respondentes afirmaram que estes dispositivos são ferramentas
valiosas para agilizar processos e 53,6% para reduzir custos. Ainda que
grande parte dos profissionais apontem que os dispositivos móveis
facilitaram a flexibilidade (64,3%) e melhorias nas possibilidades
profissionais (42,8%), metade aponta dispersar-se com estes e 42,8%
acreditam ter colaborado com o aumento do tempo de trabalho.
Quando questionados em que medida o uso habitual de
dispositivos favorece determinadas mudanças na sociedade, 37,5%
acreditam contribuir para a formação de uma cultura individualista com
alguma frequência. Por outro lado, 41,1% acreditam que os aparelhos
móveis podem promover o respeito a outras identidades e culturas
e 39,9% a igualdade de gênero. Mas também podem, eventualmente,
gerar problemas de saúde (32,1%) e consumo e exploração excessivos
(28,6%).
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

143
Gráfico 3: Níveis em que dispositivos móveis
favorecem mudanças na sociedade.

Fonte: Gráfico gerado pelo Google Forms (2019)

A última parte do questionário é focada na importância dos


dispositivos móveis em certos aspectos da rotina dos profissionais de
comunicação. Nesse contexto, 94,6% dos respondentes classificaram
como muito importante o uso de aparelhos móveis para utilização de
serviços de mensagens instantâneas. Os profissionais consideraram
também muito importante para criar e compartilhar publicações em
redes sociais (62,5%), informações diversas (55,3%), tais como matérias
jornalísticas e denúncias sociais, assim como para reutilização de
materiais de terceiros (39,3%). Já 73,2% consideram muito importante
para regular horários (ao usar calendários e alarmes) e 67,8% para usar
mapas e serviços de geolocalização.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Em relação ao uso de dados gerados na rede Big Data [6],


44,6% dos respondentes concordam que pode causar perda de
privacidade e 37,5% acreditam ser uma oportunidade de negócios para
multinacionais. Enquanto 44,6% concordam parcialmente que pode
reduzir a proteção dos cidadãos e 46,4% concordam que deveriam ser
revertidos em benefícios gerados para os cidadãos.

144
COLÓQUIO MEDIAR: COMUNICAÇÃO E GÊNERO

O Colóquio Mediar surgiu como uma proposta de grupo


focal idealizado pelo grupo de pesquisa Redes, Ambientes Imersivos
e Linguagens do PPGCOM/UFJF. O evento também contou com a
colaboração e participação dos alunos do projeto de pesquisa e
extensão financiado pela UFJF Competência Midiática Audiovisual: o
caso de Juiz de Fora no estudo comparativo Brasil-Espanha no âmbito
das atividades do Observatório da Qualidade no Audiovisual da UFJF,
e do PET Facom orientados pelas professoras Gabriela Borges, Soraya
Ferreira e Letícia Barbosa Torres Americano e com o auxílio dos
bolsistas de iniciação científica, extensão e treinamento profissional
da UFJF, Camila Marangon, Matheus Soares, Mariana Meyer e Carla
Gonçalves da Silva.
O evento teve como principal objetivo colocar em diálogo a
teoria e a prática a partir da análise das respostas em contraposição às
dimensões da competência midiática propostas por Ferrés e Piscitelli
(2015). Realizado na Faculdade de Comunicação da Universidade
Federal de Juiz de Fora nos dias 23 a 25 de junho de 2015, o grupo
focal foi direcionado para profissionais de três áreas relacionadas
a comunicação: publicidade, jornalismo e audiovisual, totalizando
nove participantes. O método escolhido objetivou permitir que cada
convidado opinasse sobre um único tema. Neste caso, o assunto
escolhido foi o debate sobre comunicação e gênero.
Foram convidados para integrar a mesa do primeiro dia
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

os publicitários Vitor Faria, Antônio Bakúnin e Maristela Raposo.


Compondo as discussões do segundo dia, estiveram presentes os
jornalistas Guilherme Areas, Camila Saenz e Telma Elisa. E no terceiro
e último dia, participaram os profissionais do audiovisual: Daniel
Couto, Alexandre Alvarenga e Leonardo Teixeira.
Vitor Faria, mestre em Marketing pela UFJF destacou que “as
pesquisas contribuem para o enriquecimento e a reflexão do campo
de quem está dentro da faculdade” (OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE

145
NO AUDIOVISUAL, 2017a, Online). Para Antônio Bakúnin, publicitário
formado pela ESPM/RJ, “[...] a população pode revelar uma coisa com
a câmera do celular que a mídia ainda não conseguiu”. Maristela
Meireles, jornalista formada pela Faculdade de Comunicação da UFJF,
ressalta a importância da aproximação entre a academia e o mercado,
enfatizando que “Hoje o enorme volume de informação dificulta
a produção de conteúdo, as pessoas têm acesso aos meios, mas
também não sabem como produzir. Tudo fica cada vez mais complexo”
(OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017b, Online).
O jornalista Guilherme Areas aponta para a “importância de
aproximar a academia do mercado para os alunos verem a realidade do
mercado e as pessoas do mercado verem o que está sendo discutido na
academia” (OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017c,
Online). A jornalista Camila Saenz, ressalta a união entre academia e
mercado, afirmando que “[..] o mercado tem a vivência da prática, o
que é também importante. Fala que hoje o consumidor da informação
está virando também o produtor da informação” (OBSERVATÓRIO DA
QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017d, Online). Telma Elisa destaca a
importância da pesquisa no sentido da “interação com outros colegas
de trabalho e com os alunos, repensar todo dia o seu fazer jornalístico”
(OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017e, Online).
Daniel Couto, jornalista pela UFJF e Mestre em Cinema e
Audiovisual, destaca a importância da discussão sobre a competência
midiática no sentido de contribuir para o entendimento crítico
de conteúdos, “[...] a importância dos futuros profissionais se
questionarem. O que eu quero transmitir com tal enquadramento”
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

(OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017f, Online).


Alexandre Alvarenga, mestre em comunicação pela UFJF, ressalta
a necessidade da competência midiática principalmente para o
profissional do audiovisual de forma a auxiliar na produção de
conteúdos de uma forma mais sincera e menos manipuladora. O
diretor Leonardo Teixeira destaca que com a democratização dos
processos de produção do audiovisual a competência midiática está
se tornando cada vez mais essencial para a sociedade em geral. “Está

146
tão democratizado que o profissional tem que acompanhar isso
também. A profissão está num momento de virada” (OBSERVATÓRIO
DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2017g, Online).
A partir da realização do Colóquio Mediar: Comunicação e
Gênero foi possível perceber que alguns profissionais demonstram
o conhecimento defendido por Ferrés e Piscitelli (2012), “porém
absorvidos pela prática, o que se mostra um pouco diferente do que
esperado no âmbito apenas teórico” (PADILHA et al, 2015, p. 69). Dessa
forma, não identificamos a opinião do convidado nos indicadores
usados como referência, mas podemos inferir que esse conhecimento
existe de forma alargada ao ouvirmos a experiência enriquecedora dos
profissionais.

#OBSERVATÓRIO ESPELHOS

Partindo do diagnóstico da necessidade de uma maior


interação entre academia e o mercado de comunicação, e de modo
complementar às discussões promovidas pelo Colóquio Mediar:
Comunicação e Gênero, foi produzida a websérie #Observatório Espelhos.
Com objetivo de discutir a formação profissional e as mudanças no
mercado comunicacional da cidade de Juiz de Fora, foram registradas
em vídeo entrevistas com doze profissionais de diversas áreas
produtivas, desde jornalismo impresso, rádio e produção em áudio
para Web, cinema e audiovisual, assessoria de imprensa e marketing
digital (gestão, produção e otimização em redes sociais digitais). A
divulgação deste material foi feita através de pílulas audiovisuais
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

de até cinco minutos disponibilizadas em canais digitais através do


Facebook, IGTV (Instagram) e YouTube.
O principal norte do projeto audiovisual desenvolvido no
âmbito do Observatório da Qualidade da Audiovisual parte da indagação
sobre o papel do comunicador em um ambiente multimidiático e de
convergência. Nesse sentido, foi proposta a discussão sobre formas de
articular discursos em espaços mais descentralizados, em que novas
vozes surgem, sem a estrita necessidade de formação acadêmica

147
específica. A partir disso, propôs-se também discutir a função das
universidades e escolas de comunicação nesse cenário, formando
profissionais que compreendam sua influência e potência de atuação
enquanto formadores de opinião.
No jornalismo impresso, foram realizadas entrevistas com
Júlia Pessoa e Carime Elmor. Pessoa cobre principalmente as editorias
de cultura e gastronomia e concatena sua atuação no mercado com
formação acadêmica continuada. Mestre em Comunicação pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e doutoranda em Ciências Sociais
também na UFJF, em seu depoimento relata a preocupação quanto a
inter-relação entre esses dois âmbitos. Elmor também centraliza
suas produções em torno da área cultural, sendo especializada
em jornalismo musical. No relato, ela explicita que a realidade do
mercado atual implica em jornadas de trabalho em múltiplos espaços
e, geralmente, entre áreas da comunicação que não estão diretamente
relacionadas com a formação original.
Em relação à comunicação audiovisual, coletamos entrevistas
com a diretora Mia Mozart e o produtor Daniel Couto. Mozart, que
também é diretora e atriz, ressalta sua preocupação com a qualidade do
discurso comunicativo que produz. Nesse sentido, entende o cinema
como uma forma de retratar a realidade, mas de forma clara e de fácil
compreensão para que haja maior alcance do argumento trabalhado.
Couto iniciou a carreira como produtor de telejornalismo e expandiu
o campo de trabalho para outros âmbitos da produção audiovisual. Em
sua percepção, a redução das equipes e a atuação em muitas frentes
acarreta em uma nova organização do trabalho que pode sobrecarregar
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

o comunicador e, desse modo, prejudicar justamente a qualidade na


produção do conteúdo.
Na produção em áudio, buscou-se dialogar com o rádio
analógico, através do depoimento de Priscila Moreira, integrante da
extinta rádio comunitária Mega FM, assim como discutir os novos
modos de pensar e distribuir esse tipo de conteúdo como na produção
de podcasts com Laís Cerqueira. Moreira apresentava programas
musicais de rap, com o cuidado de incluir informações recorrentes,

148
principalmente em relação a temáticas sociorraciais. De formação
divergente dos demais dos entrevistados, a comunicadora ressalta
a importância do espaço dado a voz periférica e da construção de
uma comunicação não-hegemônica a partir desse tipo de iniciativa.
Cerqueira, por outro lado, faz uso das novas mídias para também
incentivar a democratização da comunicação. A produtora do
podcast de divulgação científica da UFJF também estudou o formato
em mestrado, concluído também na instituição, na tentativa de
compreender a transposição do storytelling via áudio entre a difusão
radiofônica e os formatos digitais.
Evidenciando a convergência entre assessoria de impressa
e social media, foram entrevistados o assessor de imprensa Gustavo
Carvalho e a gestora de marketing Gihana Fava. Carvalho iniciou a
carreira como jornalista em um jornal diário, migrou para assessoria
de imprensa no âmbito cultural e hoje atua gerenciando a imagem
de um hospital e de um espaço cultural. O gestor relata que uma de
suas preocupações principais é que a sensação de imediatismo de
divulgação e difusão de informações colabora para a falta de devida
atenção na preparação dos produtos comunicacionais. Fava, por
exemplo, optou por empreender e criar sua própria empresa de gestão
de redes sociais. Em sua percepção, a formação ampla em comunicação
social, em contraponto com as novas diretrizes aplicadas pelo MEC
em relação aos currículos, permitiu que ela explorasse múltiplas
camadas de possibilidades até que, por fim, se encontrasse no ramo
da publicidade.
Os pontos centrais notados entre os depoimentos coletados
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

se centram entre o volume de informações disponíveis no ambiente


digital e a capacidade de gestão, seleção e produção dos profissionais
de comunicação diante desse contexto. Outro ponto recorrente diz
respeito à formação acadêmica tradicional, fato que gerou opiniões
divergentes entre a defesa da necessidade de diploma para exercício
de tais funções e de outros espectros de aprendizado não formais,
informais e/ou comunitários.

149
A IMPORTÂNCIA DA COMPREENSÃO DA COMPETÊNCIA MIDIÁTICA

O ambiente de convergência alterou o modo de criar, produzir


e disponibilizar conteúdos informativos na contemporaneidade.
Conforme pôde ser observado nos desdobramentos deste capítulo
os smartphones integram o cotidiano dos jornalistas, agilizando o
processo de apuração e publicação de notícias. Entretanto, apesar
da relevância do dispositivo móvel, o ritmo acelerado das redações
não possibilita que os conteúdos e o uso destas ferramentas sejam
refletidos criticamente. No Colóquio Mediar: Comunicação e Gênero os
entrevistados ressaltaram que o diálogo com a academia é fundamental,
pois ajuda a pensar sobre todo o processo de produção, abrangendo
não só a forma como estes recursos são usados pelos profissionais,
mas também pelo público.
Os dispositivos móveis também contribuem para a propagação
da informação, porém apesar dessa instantaneidade, muitas vezes a
pressão pelo furo reverbera em conteúdos superficiais e mal apurados.
De acordo com os jornalistas entrevistados na websérie #Observatório
Espelhos, o caráter multitarefa que a profissão vem ganhando nos
últimos anos, não só sobrecarrega os profissionais, mas também
contribui para a baixa qualidade das notícias.
O diálogo com outros profissionais e com as pesquisas
desenvolvidas no âmbito do Observatório da Qualidade no Audiovisual,
na Universidade Federal de Juiz de Fora, foi destacado tanto no Colóquio
Mediar: Comunicação e Gênero quanto no #Observatório Espelhos.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

Os entrevistados falaram da importância de trocar experiências,


críticas e, principalmente, de refletir sobre a formação de futuros
jornalistas e a atual grade curricular. Entre os pontos discutidos está
a incompatibilidade entre as demandas do mercado e a formação
dos profissionais. Isto é, com as demissões em massa e a redução
das redações, o jornalista tem, cada vez mais, acumulado funções.
Entretanto, por mais completa que seja a formação, na opinião dos
entrevistados, não se consegue acompanhar a demanda do mercado

150
em que um mesmo profissional condensa funções como, por exemplo,
produção, edição, apresentação e distribuição.
Por fim, é importante destacar que apesar de reconhecerem a
importância da competência midiática e de reforçarem, em diversos
momentos, que é fundamental a compreensão crítica dos profissionais
e a leitura atenta do público na curadoria e reflexão dos conteúdos,
os entrevistados ainda não compreendem plenamente a amplitude
deste conceito e o seu papel na área da comunicação. Nesse sentido,
ao estabelecerem uma correlação entre a competência midiática e
a atuação do profissional e do público, podemos observar que uma
nítida lacuna reverbera em constatações, por vezes, genéricas sobre o
campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão diante das questões relacionadas à competência


midiática no âmbito profissional de comunicação se mostra urgente no
ambiente digital. De modo geral, as experiências relatadas (o Colóquio
Mediar, a pesquisa relacionada aos usos de dispositivos móveis na
rotina produtiva e a websérie #Observatório Espelhos), desenvolvidas
entre 2016 e 2019, convergem em três pontos que demandam maior
atenção tanto na formação quanto no exercício da profissão.
Nota-se que grande parte dos atuantes no mercado que
estiveram envolvidos nas nossas propostas compreendem de
maneira geral a importância da temática. Percebe-se, por exemplo,
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

preocupações na construção de pautas que englobem múltiplos


ângulos e perspectivas. No entanto, há dificuldade de materializar
tal desejo devido aos fatores intrínsecos ao contexto comercial de
comunicação como, por exemplo, as linhas editorais de veículos e
agências e a sobrecarga advinda do acúmulo de funções.
A respeito do segundo ponto, nota-se como a organização
do trabalho e a redução das equipes em diversos espaços são
recorrentemente citadas como agravantes da deficiência em refletir

151
sobre o que se produz. Nesse sentido, entende-se que é demandado
dos profissionais de comunicação, no contexto atual, atuar em
múltiplas frentes de forma concomitante, resultando em rotinas
atribuladas e baseadas no imediatismo. Esse pressuposto indica a
urgência de pensar, também, em novos modelos produtivos, assim
como em estatutos e regulamentações mais contundentes e melhor
estruturados.
Outro ponto que demanda urgência diz respeito à integração
entre a academia e mercado. Diversos entrevistados e respondentes
incluídos no desenvolvimento desta pesquisa relatam considerável
distância entre os dois ambientes resultando em consequências tanto
na formação de futuros profissionais quanto na atualização e reflexão
– que deveria ser contínua – daqueles que já estão integrados na
cadeia produtiva. Nesse sentido, os últimos - imersos no cotidiano
mercadológico - têm poucas oportunidades de desenvolver suas
capacidades analíticas, pensar e refletir sobre suas produções e, por
fim, intervir no modus operandi de seus ambientes de trabalho.
A partir dessa análise, percebe-se que a discussão em torno do
desenvolvimento de habilidades de reflexão crítica e produção criativa
devem ser expandidas para incluir, também, os profissionais de
comunicação. Além de aspectos formativos (englobando a formatação
de currículos de escolas de comunicação, formação continuada e
atualização frequente), compreende-se também a necessidade de
repensar os modelos produtivos e as legislações.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

152
NOTAS

[1] A technological Revolution is transforming today's media at breathtaking speed.


Social media, citizen journalism, 24-hour rollingnews - we are being flooded with
information in every conceivable format. On the face of it, the consumer of News should
be better informed than ever before.

[2] Not only is it essential to be able to recognize and distinguish speculations, opinions,
and beliefs from facts, but one must also know the diferences between nature and
socially constructed beliefs about the world.

[3] Disponível em: https://bit.ly/347pIZg. Acesso em: 8 set. 2019.

[4] Disponível em: https://bit.ly/347pIZg. Acesso em: 8 set. 2019.

[5] Disponível em: https://www.statista.com/statistics/272014/global-social-networks-


ranked-by-number-of-users. Acesso em: 8 jun. 2018.

[6] Termo utilizado para descrever os grandes volumes de dados gerados pela navegação
mundial, hospedados em diversos servidores e interligados entre si através da
computação em nuvem.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

153
REFERÊNCIAS
BAILIN, E. Philadelphia students explore flash mobs to build digital and media literacy
skills. Spot.Us: Community funded journalism. Online, 2011. Disponível em: http://spot.us/
pitches/545-learning-about-flash-mobs-helps-children-develop-news-literacy-skills/
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FERRÉS, J; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e


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HOBBS, R. et al. Learning to engage: how positive atitudes about the news, media literacy,
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HOBBS, R. The State of Media Literacy: A Response to Potter. Journal of Broadcasting &
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MIHAILIDIS, P (Ed.). Global Perspectives for the Newsroom and the Classroom. Nova
York: Peter Lang, 2012.

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e gênero – Vitor Faria. 2017a, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
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OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação


e gênero – Maristela Mendes 2017b, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
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OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

e gênero – Guilherme Areas, 2017c, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/


watch?v=kf_BuIeQqOA. Acesso em: 16 set. 2019.

OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação


e gênero – Camila Saenz, 2017d, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=npM_Ty_YskM. Acesso em: 16 set. 2019.

OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação


e gênero – Telma Elisa, 2017e, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=2CUfYwIE3vY. Acesso em: 16 set. 2019.

154
OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação
e gênero – Daniel Couto, 2017f, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=Seuip4rjcYY. Acesso em: 16 set. 2019

OBSERVATÓRIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL. Colóquios Mediar: comunicação


e gênero – Leonardo Teixeira, 2017g, Online. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=XvYbYmdfQiY. Acesso em 16 set. 2019.

PADILHA, A et al. Colóquios Mediar: As competências midiáticas dos profissionais de


audiovisual. Anais XIII ERECOM Comunicação Memória e Autoritarismo, 2015.

UNIÃO EUROPEIA. A multi-dimensional approach to disinformation – Report of the


Independent High Level Group on fake News and online disinformation. Publications of
the European Union, 2018. Disponível em: https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/
news/final-report-high-level-expert-group-fake-news-and-online-disinformation.
Acesso em: 15 set. 2019.
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

155
2
BOAS PRÁTICAS
NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES E
PROFISSIONAIS DE
COMUNICAÇÃO
7
Lume – uma experiência de extensão
em literacia midiática
Márcia Barbosa da Silva, Alisson Thiago do Nascimento,
Beatriz Jaqueline Roscosz e Valdir Heitkoeter de Melo Junior

O Laboratório e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Mídia e


Educação (Lume) é um programa de extensão da Universidade Estadual
de Ponta Grossa (UEPG). Sua criação se inscreve no âmbito dos estudos
sobre mídia e educação levados a cabo pela área de comunicação e
educação do curso de Pedagogia da universidade, atuante na promoção
de eventos e oficinas com temática voltada para processos de literacia
midiática que promovam a alfabetização midiática e informacional.

A Alfabetização Midiática e Informacional reconhece o papel


fundamental da informação e da mídia em nosso dia a dia. Está no centro
da liberdade de expressão e informação, já que empodera cidadãos a
compreender as funções da mídia e outros provedores de informação,
a avaliar criticamente seus conteúdos e, como usuários e produtores
de informação e de conteúdos de mídia, a tomar decisões com base nas
informações disponíveis (UNESCO, 2013, p.11).

Levando em consideração o contexto atual de elevado consumo


de mídia, a literacia midiática torna-se um tema fundamental para a
formação cidadã. Desse modo a presença da mídia na escola e fora dela
demanda novos desenhos curriculares e a reorganização da prática
pedagógica do professor.
Nesse sentido, a promoção da literacia midiática implica na
formação continuada de professores que vise ampliar o conhecimento
sobre as mídias para além do nível técnico. Isso inclui o acesso e o
conhecimento do funcionamento de programas, para uma formação
crítica e criativa que privilegia a reflexão sobre os processos de
comunicação, a liberdade de expressão, o direito à informação
fidedigna e às produções midiáticas de qualidade, o direito à
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

identidade, à valorização das raízes culturais, ao acolhimento, o


respeito à diversidade e às diferenças. Tudo isso está relacionado com
as construções das representações sociais coletivas e individuais que
são, na atualidade influenciadas diretamente pelas mídias.
A literacia requer o desenvolvimento de diferentes dimensões
das competências midiáticas: linguagem, tecnologia, produção e difusão,
ideologia e valores, processos de interação e estética, para ser capaz
de analisar e refletir, produzir e circular criticamente conteúdos
midiáticos. (FERRÉS; PISCITELLI, 2012; MORUETA; GÓMEZ; RUIZ,
VELILLA; GUTIÉRREZ, 2012). Com o intuito de desenvolver estudos e
ações para a ampliação da literacia midiática o Lume empreende uma
série de ações.

O INÍCIO

O Lume iniciou seus trabalhos com o projeto Carta de Ponta


Grossa de Mídia e Educação (2014) para a divulgação dos objetivos
deste documento, elaborado durante o 3° Encontro de Comunicação
e Educação de Ponta Grossa, por pesquisadores de diferentes
instituições. Manifestou a urgência de ampliar as ações de literacia
midiática, visando oportunizar o acesso às mídias e a introdução de
estudos sistematizados para compreender e avaliar de modo crítico os
diferentes aspectos da linguagem midiática e dos seus conteúdos e de
criar comunicações em diversos contextos.
Nesse mesmo ano, o Lume passou a integrar a Red
Interuniversitaria Euroamericana de Investigación en Competencias
Mediáticas para la Ciudadanía. - Alfamed, e posteriormente a colaborar

158
com o Projeto Primeiro Plano desenvolvido no Centro de Investigação
em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve, de Portugal e
coordenado pela professora Raquel Pacheco.
Na rede Alfamed o Lume se engajou na pesquisa Competências
midiáticas em cenários brasileiros e euroamericanos, sendo
desenvolvida na UEPG por meio do projeto Competências midiáticas
no contexto educacional dos Campos Gerais contemplado com verbas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

do Programa Universidade sem Fronteiras [1]. O projeto teve como


foco coletar informações sobre a literacia midiática em nossa região
e produzir material didático, bem como oferecer subsídios para de
formação para professores e estudantes de cursos de licenciatura
sobre a relação entre mídia e educação.
De 2014 a 2019 o Lume contou com a participação dos
professores Márcia Barbosa da Silva (coordenação) Nelson Silva Junior,
Lucimara Cristina de Paula, Robson Laverdi, Maria Salete Marcon
Gomes Vaz (até 2016), Marsiel Pacífico (de 2017 a 2018), Daiana Camargo
(2017) e Érico Ribas Machado (até 2016) como supervisores e dos
estudantes: Alana Caron, Alisson Tiago do Nascimento, Aline Aparecida
de Castro, Beatriz Jaqueline Roscosz, Camila Christina Dias da Rosa,
Denise Cristina Madureira Mino, Evandro Kafka Diadio, Fernanda
Santos de Oliveira, Geise Ane do Nascimento, Gisele Aparecida Machado
de Oliveira, Jeynnie Liohanna Ruths, Joselaine de Freitas, Letícia de
Amorim da Costa, Lorivana A. Hornung, Lucas Otávio Boamorte,
Maria Celi Luz, Milena Pacheco, Pauane Caroline Heidmann, Rodrigo
Vieira Ortiz, Thomas Maycon Maciel, Valdir Heitkoeter de Melo Junior
pertencentes a cursos de Mestrado profissional, Licenciatura em Artes
Visuais, Pedagogia e Engenharia da Computação.
A realização das atividades propostas no âmbito do Lume
proporcionou uma maior integração entre os cursos de Pedagogia,
Artes Visuais, História e Engenharia da Computação. Essa relação
interdisciplinar se mostrou muito produtiva, pois as trocas de ideias
entre os membros originaram a escrita de resumos expandidos, artigos,
aplicação de oficinas, produtos educacionais, vídeos e imagens.

159
O desenvolvimento dessas atividades, contou com a realização
de reuniões semanais nas quais ocorrem momentos de estudos sobre
conceitos, (novas) abordagens, experiências e elementos oriundos
das áreas de formação de cada integrante. Essa experiência associada
à participação na pesquisa forneceu elementos para a produção
de material educacional de apoio aos estudos de mídia e educação
disponibilizando a sua distribuição de maneira gratuita via o site do
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

programa [2].

OFICINAS DE FORMAÇÃO

Tendo em vista os estudos e os primeiros resultados da


pesquisa sobre competências midiáticas que apontaram a necessidade
de formação continuada de professores, a equipe do Lume
elaborou diversas oficinas sobre a Mídia e Educação e suas relações
interdisciplinares (teóricas e práticas). Cada oficina ficou a cargo de
um subgrupo que ministrou aos outros participantes, ao final houve
uma avaliação tanto da forma de apresentação quanto do conteúdo.
Essa estratégia visava a formação dos integrantes das equipes, bem
como o aperfeiçoamento dos instrumentos e estratégias da oficina.
Após essa etapa, as oficinas foram oferecidas também para
a comunidade como, por exemplo, para estudantes do Curso de
Pedagogia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, na
formação de professores de escolas da rede pública paranaense,
focando a capacitação dos participantes com elementos teórico-
práticos da literacia midiática.
Uma das atividades mais relevantes do projeto foi a ação
intitulada Lume: Apresenta Oficinas (Figura 1) destinada aos professores
de um Colégio Estadual da cidade de Antônio Olinto - PR, essas oficinas
apresentaram conteúdos sobre as Competências Midiáticas, Mídia-
educação, compreendendo atividades práticas e reflexivas sobre a
produção, fruição e a circulação de mídias por alunos e professores.

160
Figura 1: Cartaz de divulgação das Oficinas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Fonte: Arquivo Lume (2016) [3]

OFICINA SOBRE AS REDES SOCIAIS

Esta oficina foi desenvolvida pelos integrantes do Lume na


cidade de Antônio Olinto- PR em um curso de formação de professores
de um colégio da rede estadual de ensino.
A oficina teve por objetivo levantar questões sobre o uso das
redes sociais por alunos e professores: de que maneira as redes são
utilizadas, com qual propósito, discutindo sobre as práticas pessoais
e dos alunos na aquisição e compartilhamento de informações neste
ambiente e suas consequências.
Os professores participantes mantinham um perfil e comentaram
que participam em alguma rede social, principalmente o Facebook, o
Twitter e o Whatsapp. Apresentamos alguns gráficos da proporção em
que as TIC vêm sendo utilizadas, no qual se evidencia o uso do celular
para acessar a internet. Pudemos demonstrar, através dos dados,
que os jovens têm acesso livre às redes, sendo que na maior parte do
tempo não têm a supervisão de um adulto, reforçando a necessidade
de educação para a mídia.

161
Uma das professoras participantes comentou: “Antes, nós
pais, professores procurávamos proteger as crianças, mas hoje, com
todo esse acesso, nós precisamos educar porque não temos mais
como controlar”. Essa fala sumariza a preocupação dos professores
participantes da oficina a respeito da relação juventude e mídia: apesar
de os jovens terem grande facilidade de apropriação da tecnologia,
precisam ainda desenvolver competências que as auxiliem utilizá-las
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

de maneira crítica.
Na continuidade, apresentamos um vídeo curto sobre o
aliciamento de jovens franceses pelo grupo terrorista estado islâmico,
no qual uma jovem relatava como foi abordada através de uma rede
social, induzida a se isolar da família e dos amigos, tornando-se
vulnerável e psicologicamente dependente do aliciador.
A discussão entre os participantes foi bastante rica e intensa,
os professores se envolveram relatando situações que acompanharam
de casos de uso indevido das redes pelos seus alunos. De acordo com
Spadaro (2013, p.100) “[...] o Facebook permite aos seus usuários se
sentirem e se verem como parte de uma rede de relacionamentos, com
uma fisionomia e história cotidiana da qual se pode participar com
um clique”. Isso faz com que adolescentes sintam-se à vontade nesse
ambiente, o que ocasiona uma frouxidão nas medidas de segurança.
Uma professora relatou: “antigamente nossos pais nos alertavam para
não aceitar presentes, doces ou qualquer coisa de desconhecidos na
rua [...] Hoje os meios mudaram essa situação, a sedução vem pelas
redes sociais.”. A fala da professora revela uma mudança em relação ao
tipo de alerta para a segurança dos adolescentes, hoje em dia isso deve
incluir também as relações virtuais.
Diante desse cenário, destacamos alguns cuidados importantes
ao navegar nas redes sociais, dentre eles: jamais compartilhar que está
sozinho em casa; evitar expor a imagem e nome de seus filhos/alunos;
indicar a sua localização; inserir informações da empresa (escola) em
que trabalha; não compartilhar imagens ou mesmo conteúdos que
atinjam negativamente alguma pessoa.

162
Conversamos com os professores (Figura 2) sobre a preservação
da nossa privacidade, não deixando nossa vida ser um “livro aberto”
em qualquer rede social.

Os “dados sensíveis” da nossa vida estão sob controle porque


correspondem ao âmbito de nossos conhecimentos e podemos “dosar”
as informações de acordo com as pessoas que temos diante de nós: em
família ou entre amigos as informações compartilhadas são muitíssimas;
com os conhecidos num raio maior são, ao contrário, bem menores,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

mais calibradas e dirigidas (SPADARO, 2013, p. 143).

O trecho acima nos leva a refletir sobre com quem e o que


estamos compartilhando de nossa vida e nos faz um alerta de
segurança, pois como comentou um professor no encontro: muitos
casos de violência e assalto têm acontecido porque o agressor seguiu
pistas sobre onde a pessoa estaria por meio das suas postagens nas
redes sociais.

Figura 2: Registros da Aplicação da Oficina

Fonte: Arquivo Lume (2016) [4]

163
E, por fim, apresentamos e discutimos a possibilidade de como
denunciar se sofrermos alguma discriminação ou constrangimento na
internet por meio do site Safernet [5], um canal seguro com conteúdo
direcionado aos jovens que oferecem orientação gratuita de como
lidar e se proteger de crimes virtuais.
Para complementar a formação dos professores, deixamos na
escola três cartilhas (em extensão .pdf) como material de apoio para
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

professores discutirem em sala sobre essas questões. A primeira delas


disponibilizada pela “safernet” intitulada saferDic@s: brincar estudar
e... navegar com segurança na internet. As outras duas são o volume 1 e
2 Uso responsável da internet desenvolvida pela GVT e CDI PR.
A oficina proporcionou uma reflexão coletiva, na qual muitos
professores demonstraram já possuir algumas noções importantes
de como lidar com as redes. No entanto, percebiam que muitas
vezes os alunos compartilhavam sua imagem pessoal ou a de outras
pessoas, sem pensar e refletir sobre isso. Procuramos mostrar como
a relação com as redes sociais é delicada e frágil, daí a importância
de uma orientação para os alunos/professores sobre como agir nesse
ambiente.

OFICINA DE EDIÇÃO DE VÍDEO

A oficina de edição de vídeo foi elaborada a partir do relato


de professores sobre suas dificuldades em relação à preparação e
utilização dos recursos visuais - especificamente os vídeos, ou trechos
de vídeos – em suas aulas. Muitas vezes o professor quer utilizar apenas
uma parte de um vídeo, ou ainda pretende elaborar seus próprios
vídeos e necessita de auxílio.
Os vídeos são uma fonte potencial para o ensino e
aprendizagem, dependendo dos critérios do professor para utilizar
esse meio (FERRÉS, 1998). A linguagem do vídeo combina e integra de
uma maneira dinâmica as palavras, o movimento, os sons e as imagens
e segundo Moran (1993, p.22) são:

164
Linguagens que interagem superpostas, interligadas, somadas, não
separadas. Daí a sua força. Nos atingem por todos os sentidos e de todas
as maneiras. O vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras
realidades (no imaginário) em outros tempos e espaços. O vídeo combina
a comunicação sensorial cinestésica, com a audiovisual, a intuição com
a lógica, a emoção com a razão. Combina, mas começa pelo sensorial,
pelo emocional e pelo intuitivo, para atingir posteriormente o racional.

A linguagem do vídeo colabora para a apreensão da mensagem


BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

através do sensorial, do visual, da fala e da escrita, acionando diferentes


áreas de cognição no cérebro que interagem favorecendo não só a
aquisição de diferentes visões de mundo, como também auxiliam na
ampliação das ligações neuronais.
Para a realização dessa oficina buscamos inicialmente um
programa para a edição de vídeos – Movie Maker [6], por ser bastante
básico, auxiliando os professores na edição de vídeos.
O objetivo da oficina foi levar os participantes a compreender
o funcionamento desse programa através do exercício de edição
de vídeo. A oficina teve dois momentos: o primeiro de aquisição de
informações e experimentação, o outro de apresentação e discussão
dos resultados. Inicialmente foi explicado aos participantes os
procedimentos principais para a utilização dos vídeos em sala de aula e
suas potencialidades para a educação, as formas de como utilizar esses
recursos dentro da sala de aula e como se dá o processo de edição e
manipulação dos vídeos.
Na sequência, demos início às práticas relativas à edição de
vídeos demonstrando os recursos do programa Movie Maker, efeitos
que podem ser aplicados às imagens, sons e assim por diante (Figura 3).
Após essa etapa, os participantes montaram e editaram uma sequência
de vídeo, utilizando os seguintes passos: 1) Sequência de Imagem/vídeo
na linha do tempo; 2) Efeitos de transição entre as imagens/vídeos,
a passagem de um elemento para outro, corte e duração; 3) Efeitos
aplicáveis na Imagem em movimento, a aplicação da cor, textura e
outros elementos visuais disponibilizados pelo programa; 4) Efeitos de
movimentação de Imagem/vídeo; 5) Trilha Sonora, a música do vídeo e
música adicional. Ao final da oficina, os participantes mostraram suas

165
produções ao grupo, explicando as ideias sobre como utilizaram os
recursos para a edição e produção do vídeo.
Durante as discussões, notamos uma preocupação dos
participantes em como utilizar esses vídeos da melhor maneira e
sentiam necessidade de adquirir maior competência para utilizar as
mídias em suas aulas.
Nesse sentido, os participantes avaliaram que a oficina os
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

auxiliou a ampliar o repertório de discussão, incluindo a reflexão a


respeito dos vídeos próprios ou aqueles que circulam na rede.

Figura 3: Exemplo prático da edição de vídeo


pelo programa Movie Maker.

Fonte: Arquivo Lume (2016)

Outro ponto importante da discussão foi que a oficina de


edição lhes permitiu também compreender melhor o processo de
produção videográfica e por isso ler mais criticamente as produções
alheias.

166
JOGOS EDUCACIONAIS

A proposta de construir os jogos educacionais no projeto foi


pensada a partir da necessidade de se criar materiais para facilitar a
compreensão e o ensino das mídias entre crianças conservando seu
caráter lúdico.
Os jogos visam proporcionar aos participantes uma
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

aprendizagem lúdica, colaborativa (no caso de jogos em grupo),


desafiadora, no sentido piagetiano de equilíbrio-desequilíbrio-
reequilibração. Se considerarmos o sentido vygotskyano, veremos
que o jogo proporciona também avanços na zona de desenvolvimento
proximal, colaborando para a ampliação do desenvolvimento real e
dos conhecimentos consolidados, à medida que apresenta situações
desafiadoras ou de simulação.
Sendo assim, a construção dos jogos foi pensada e produzida
pelos integrantes do Lume, como meio de proporcionar aos professores
e estudantes formas de entrar em contato e refletir sobre a linguagem
e a produção midiática através de experimentações lúdicas.
Apresentamos a seguir os jogos criados pelo Lume: Construindo
Narrativas e Quebra Cabeça – Planos.

CONSTRUINDO NARRATIVAS

É um jogo de sorteio de cartas e de construção de histórias


(Figura 4). O objetivo desse jogo é de construir histórias (faladas,
escritas ou desenhos) utilizando a imaginação com os elementos
visuais propostos nas ilustrações das cartas, contendo 16 personagens
que apresentam diferentes formas e expressões e 20 objetos do
cotidiano.

167
Figura 4: Jogo Educacional: Construindo Narrativas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Fonte: Arquivo Lume (2016)

Propusemos as seguintes possibilidades de jogos aos alunos:

1 - Construindo personagens (apenas com as cartas de personagens):


retirar uma ou demais cartas e descrever as características visuais,
sonoras, psicológicas, sociais, ideológicas e morais dos personagens
retidos, após isso ler, mostrar e apresentar ao grupo a criação.

2 – Criando histórias (com as cartas de personagens e objetos): um


ou mais alunos sorteiam uma quantidade “X” de cartas e constróem
histórias (faladas, escritas, desenhadas ou gravadas em vídeo) com
base nos personagens e objetos ilustrados nas cartas e fazer uma
relação entre eles, depois apresentar ao grupo a criação.

3 – Trocando as histórias (com as cartas de personagens e objetos):


dividir em dois grupos de alunos e separar uma quantidade de cartas
para cada grupo, após isso, pedir para apenas um dos grupos criar
histórias com desenhos/imagens - como exemplo um Livro Infantil
Ilustrado ou História em Quadrinhos - utilizando os personagens
e objetos retirados. Ao outro grupo é solicitado separar uma
quantidade de cartas e pedir para criar histórias escritas utilizando
os personagens e objetos. Após o término das criações de ambos os
grupos, trocar as histórias de cada grupo (escrita e visual). O grupo
que desenhou deverá descrever a história escrita e vice-versa. Após

168
devolver aos grupos as mesmas criações e notar a diferença entre a
história construídas - escrita e visual. Com isso é possível verificar não
somente as diferenças entre os roteiros, mas também como as imagens
e as palavras influenciam o processo de criação e de compreensão de
uma história.

QUEBRA CABEÇA - PLANOS


BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

O jogo é um Quebra Cabeça, utilizando o conteúdo dos planos


cinematográficos de ação e expressão (Figura 5). O objetivo desse jogo
é compreender a construção imagética dos elementos característicos
nos planos cinematográficos. O jogo contém 8 peças montadas e 16
desmontadas, cada peça apresenta a ilustração referente aos elementos
visuais (lado esquerdo) de cada plano e o nome do plano (lado direito).

Figura 5: Jogo Educacional: Quebra Cabeça - Planos

Fonte: Arquivo Lume (2016)

Possibilidades de jogos:

1 - Montagem das peças do Quebra Cabeças com a ilustração do plano


referente à nomenclatura correta.

2 - Montagem das peças do Quebra Cabeças com a ilustração do plano


referente à nomenclatura correta. A seguir, pedir para descrever
quais os elementos visuais (personagens, ambientação, espaço, cena,
elementos) que constituem o plano (de ação ou de expressão) correto
na ilustração.

169
Os jogos proporcionam aos participantes noções a respeito
da caracterização dos personagens, cenário e enredo articulada
aos elementos da gramática audiovisual como os planos e ângulos.
Quando integrados com as oficinas de vídeo, por exemplo, podem
proporcionar uma reflexão sobre o processo de criação midiática,
favorecendo o desenvolvimento de competências relacionadas à às
dimensões estética e processos de produção e difusão.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Durante a produção das histórias é importante destacar


que a escolha dos personagens, suas características para vivenciar
determinados papéis também revelam uma concepção de mundo
sobre, por exemplo: o papel da mulher, da criança, a relação com o
meio ambiente, as diferenças, as expressões culturais nas quais a
tolerância e a possibilidade de criar outras formas de representações
que apontem para novos papéis sociais, outra forma de organização
das relações mais solidárias entre as pessoas e com o ambiente. Além
desses projetos o Lume empreendeu outras ações formativas.

MÍDIA E JUVENTUDE: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA LEITURA


CRÍTICA DE MUNDO [7]

Esse projeto se desenvolveu na Escola Municipal Juventina


Betim da Silva da cidade de Telêmaco Borba. O Projeto contou com
duas ações fundamentais: as oficinas A mídia e eu, eu sou assim e você e
Selfie: o euzinho.
A oficina A mídia e eu, eu sou assim e você foi oferecida para
alunos do 3º ano, e consistiu de conversas sobre a relação das crianças
com as mídias, incluindo discussões sobre os cuidados no acesso às
redes sociais a partir da exibição de um vídeo. Na sequência, os alunos
foram convidados a formar pequenos grupos e representar sua relação
com a mídia por meio de desenhos. Os desenhos foram produzidos em
guache e posteriormente digitalizados e transformados em cartazes.
Esses cartazes participaram em duas exposições, uma na Universidade
Estadual de Ponta Grossa e outra na Universidade Federal de Juiz de

170
Fora. Na primeira exposição três desenhos foram contemplados com
o prêmio Celestin Freinet de Mídia e Educação. Essa atividade tem
previsão de continuidade através de exposição itinerante na cidade
para que pais e colegas possam ver o resultado e assim participar de
uma etapa importante da metodologia de estudos da mídia proposta
por Silva (2011).
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Figura 6: Registros da Oficina

Fonte: Arquivo Lume (2016)

A segunda proposta de ação - Selfie: o euzinho - teve origem na


constatação do gosto das crianças pelas chamadas selfies. Resolvemos
oferecer a elas uma oportunidade de reflexão a respeito do que
significavam e de como se relacionavam com a imagem de si. Isso foi
feito por meio da reflexão acerca do autorretrato nas Artes Visuais em
um percurso pela história da arte até chegar às selfies.
Inicialmente, foi apresentada à direção e aos professores a
proposta a ser realizada. Na sequência, foram realizadas conversas
com os alunos sobre os autorretratos feitos por pintores e sobre
o surgimento das selfies. Durante as discussões, os estudantes
descobriram que uma das traduções para selfie seria “euzinho”,
identificando-se imediatamente com a temática. A seguir, os alunos
foram convidados a produzir dois desenhos: um de si mesmo e um
de outra criança, utilizando papel tamanho A3 e guache. Também
produziram fotografias utilizando uma câmera semiprofissional.

171
O encerramento das ações junto à escola ocorreu com a
inauguração de uma grande exposição que incluiu a participação de
autoridades da cidade. Isso favoreceu a extrapolação do projeto para
as ruas da cidade, por meio de painéis colocados junto às placas de
identificação de ruas. Também elaboramos produções teóricas relativas
aos resultados das ações extensionistas. Para isso os resultados foram
discutidos à luz dos estudos teóricos que deram origem a artigos,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

trabalhos de conclusão de curso, bem como a produção de vídeos e


dois livros em pdf.

Figura 7: Registros da Oficina

Fonte: Arquivo Lume (2017)

As ações desenvolvidas contribuíram para que a escola


despertasse para a discussão da mídia na formação de uma visão mais
crítica de mundo das crianças, mesmo as mais novas.

172
CINECLUBE COMO ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DE
COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL E ANOS INICIAIS

O projeto, coordenado pelo professor Nelson Silva Junior, visa a


formação de acervo de vídeos nas escolas para a realização de atividades
de ampliação do repertório audiovisual das crianças para além das
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

ofertas comerciais, fornecendo elementos de desenvolvimento de uma


literacia fílmica/cinematográfica.
Num primeiro momento, foram feitas sondagens com
algumas escolas e realizamos ações de iniciação ao cinema com os
alunos. Como escola sede das ações do projeto foi escolhido o Centro
Educacional Marista Santa Mônica. A escolha por esta escola se deu
em função da própria proposta pedagógica da instituição, em especial
pelos encaminhamentos didáticos pedagógicos no ensino de Arte,
desenvolvidos pelos professores da Educação Infantil e Anos Iniciais.
A partir de uma ampla abertura da escola, outras atividades
foram desenvolvidas no sentido de se estabelecer ações em torno do
conceito de Cultura Visual, tais como Oficina de Grafitagem, Desenho,
Pintura e Fotografia.
Essas ações permitiram que as atividades específicas de
Cineclube, como o uso de filmes e vídeos voltados para a Educação
e o entretenimento, fossem percebidas a partir da construção visual
que se estabelece na produção cinematográfica e videográfica, as quais
trazem como fundamentos alguns elementos da construção visual do
Desenho, da Pintura e da Fotografia.

173
LEITURA DE MUNDO E LEITURA DA PALAVRA: CAMINHOS
FREIRIANOS PARA TRABALHOS EDUCATIVOS EMANCIPADORES

Coordenado pela Professora Lucimara Cristina de Paula, o


projeto visou proporcionar aos participantes um estudo aprofundado
das obras de Paulo Freire orientados por uma teoria dialógica,
contribuindo para uma atuação social crítica dos participantes, quer
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

seja no âmbito acadêmico ou profissional. Ao discutir a dialogicidade,


Freire torna-se um dos principais autores para a leitura crítica da
comunicação.
Os estudos foram desenvolvidos por meio do curso: Paulo Freire:
Leitura de mundo e leitura da palavra: caminhos freirianos para trabalhos
educativos emancipadores oferecido a estudantes de licenciaturas e
profissionais de educação. Esse curso deu origem às oficinas Paulo
Freire: Leitura de mundo e leitura da palavra: caminhos freirianos para
trabalhos educativos emancipadores, abertas a profissionais da área da
Saúde.
As avaliações realizadas pelos participantes dessas duas ações
apontam para a realização de uma reflexão crítica sobre as relações
comunicacionais existentes entre as pessoas dentro das instituições e
contextos aos quais pertencem. De uma maneira geral, os participantes
procuraram desenvolver empatia mobilizando-a em suas relações
acadêmicas e de trabalho. O conhecimento mais aprofundado da obra
de Freire proporcionou um entendimento maior de suas dimensões
histórico-sociais que extrapolam o campo da educação escolarizada. Os
resultados expressaram a importância das ações para os participantes
e o potencial transformador da teoria freiriana.
Sendo assim, constatamos que todas as ações empreendidas
pelo Lume indicam que a literacia midiática tem espaço para
ampliação em diferentes frentes: na escola, junto aos estudantes, na
formação continuada de professores e de outros profissionais visando
o desenvolvimento da capacidade de comunicação crítica e criativa.

174
NOTAS

[1] Programa de fomento à extensão e à pesquisa da Secretaria de Ciência e Tecnologia


do Paraná e Fundação Araucária.

[2] Disponível em: http://lumeuepg.wixsite.com/lume. Acesso em: 1 out.2019.

[3] Todas as imagens e figuras deste artigo são de autoria de Alisson Thiago do
Nascimento e Valdir Heitkoeter de Melo Junior.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

[4] O rosto dos participantes da oficina foi borrado para preservar a sua identidade.

[5] Disponível em: http://new.safernet.org.br/. Acesso em: 6 jun. 2016.

[6] Movie Maker - é um software de montagem de vídeos para iniciantes. O software


vem integrado a todos os sistemas operacionais do Windows e possibilita a criação,
edição e o compartilhamento dos vídeos. Esse programa foi escolhido porque o
sistema operacional Windows é o mais utilizado nos equipamentos vendidos em
nosso país.

[7] Projeto financiado pelo Programa Universidade sem Fronteiras da Fundação


Araucária e Secretaria de Ciência e Tecnologia do Paraná.

175
REFERÊNCIAS

FERRÉS, J. Vídeo e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 1996.

MORAN, J. M. Leituras dos Meios de Comunicação. São Paulo: Ed. Pancast, 1993.

MORUETA, R. T.; GÓMEZ, Á. H.; RUIZ, R. G.; VELILLA, J. S.; GUTIÉRREZ, I. M. La


competencia mediática em personas mayores: Propuesta de um instrumento de
evaluación. ICONO 14, v. 10, n.3, p. 134-158, 2012.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

SILVA, M. B. O lugar do estudo das mídias na formação de professores numa


perspectiva emancipatória. 236 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

SPADARO, A. Web 2.0: redes sociais. São Paulo: Paulinas, 2013.

UNESCO. Alfabetização midiática e informacional: currículo para formação de


professores. UFTM: Brasília, 2013, Online. Disponível em:http://www.unesco.org/
new/pt/brasilia/communication-and-information/access-to-knowledge/media-and-
information-literacy. Acesso em: 1 out.2019.

UNIÃO EUROPEIA. Uma abordagem europeia da literacia mediática no ambiente


digital. Bruxelas, 2007, Online. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52007DC0833&from=PT. Acesso em: 1 out.
2019.

176
8
Cinema na Escola: práticas de
formação docente com o audiovisual [1]
Karine Joulie Martins, Juliana Costa Müller,
Lídia Miranda Coutinho e Silviane de Luca Avila

Cinema na Escola: Construindo Espaços de Cidadania foi


um projeto de formação continuada ofertado gratuitamente a
professoras(es) [2] das redes públicas da Grande Florianópolis entre
2016 e 2017.
O projeto foi desenvolvido por quatro educadoras/
pesquisadoras integrantes do grupo de pesquisa Núcleo Infância,
Comunicação, Cultura e Arte, NICA/CNPq [3], vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação, PPGE, da Universidade Federal de
Santa Catarina, UFSC, e realizado com recursos do Edital Inventar
com a Diferença: Cinema e Direitos Humanos (Universidade
Federal Fluminense/CONANDA-Conselho Nacional da Criança e do
Adolescente), em que o grupo de pesquisa NICA foi contemplado [4].
Desde 1999, o NICA articula ensino, pesquisa e extensão em
parceria com instituições locais (secretarias de educação, escolas,
produtoras culturais), intercâmbios com pesquisadores nacionais
e acordos de cooperação internacional, tendo como principais
referenciais teóricos, além da Mídia-educação, os Estudos da Infância,
os Estudos Culturais e de Comunicação.
Devido a este amplo espectro teórico-metodológico, o grupo
de estudos tem acolhido e desenvolvido projetos que trabalham com a
relação entre escola, educação e cultura, seus sujeitos e as telas como,
por exemplo, o projeto de pesquisa Multiletramentos e aprendizagens
formais e informais: possíveis diálogos entre contextos escolares e culturais
– Multideas (2012-2015) [5], coordenado pela professora e uma das
líderes do NICA, Drª Monica Fantin (2015). Na última etapa do projeto,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

segundo semestre de 2015, foram realizados encontros de formação de


professores das redes públicas, culminando no I Seminário Multideas,
como parte do V Seminário de Pesquisa em Mídia-Educação. Naquela
ocasião, professoras(es) participantes da pesquisa demonstraram
interesse em continuar as propostas de formação por meio da criação
de uma rede.
Desse modo, a participação do grupo de pesquisa NICA no
projeto Competências Midiáticas em Cenários Brasileiros e Euroamericanos
(2014-2019) se deu por meio de discussões, aplicação de questionários
em duas escolas do entorno da Universidade Federal de Santa Catarina
e envolveu alguns professores daquela rede na proposta de formação
aqui apresentada.
Esses dois projetos mobilizaram escolas, crianças, jovens e
professores, construindo uma rede de interesses comuns que apresentavam
uma demanda por mais projetos de formação que abordassem o uso das
mídias na sala de aula, especialmente o audiovisual. Nesse sentido, é
que surge a proposta do Cinema na Escola como formação continuada
para professoras de escolas públicas, com o principal objetivo de formar
multiplicadores de práticas de cinema na escola com crianças, jovens e
adultos de modo intencional, crítico e reflexivo.
Seguindo os fundamentos da mídia-educação e a metodologia
do Inventar com a Diferença as práticas de criação audiovisual
possibilitaram explorar o território, incitar posturas de alteridade em
prol do recondicionamento do olhar sobre as diferenças e reflexões
que envolvem a cidadania e os direitos humanos (MULLER; MARTINS;
COUTINHO; ÁVILA, 2017).

178
O curso foi oferecido entre 2016 e 2017 na cidade de
Florianópolis. Participaram dos encontros 34 professoras(es) atuantes
na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, além de gestoras
escolares e auxiliares pedagógicas de 28 instituições educativas,
municipais, estaduais, federais e uma ONG de 4 municípios da
Grande Florianópolis. O fato de cada instituição localizar-se em
uma comunidade com características culturais, geográficas e com
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

infraestrutura singulares, além da amplitude de faixas etárias de


crianças e jovens participantes, configuraram os principais desafios
do projeto, mas também sua maior riqueza e grande oportunidade
de exercer a criatividade e uma interlocução plural e democrática,
conforme apresentaremos ao longo do presente capítulo.

A QUE VIEMOS, ONDE NOS APOIAMOS, O QUE PENSAMOS

Ao tratarmos do uso das linguagens audiovisuais nos espaços


escolares, enfrentamos desafios relacionados não só à estrutura
física (disponibilidade de ambientes, materiais e equipamentos) mas,
sobretudo, do corpo docente (disponibilidade de tempo e limitações
da formação acadêmica inicial sobre a temática). Apesar de a temática
da mídia educação estar contemplada em boa parte dos cursos de
Pedagogia (FANTIN, 2012), isso ainda é insuficiente para prover uma
formação que instrumentalize o uso qualificado dos meios, possibilite
a produção de materiais audiovisuais com as crianças e jovens e
apresente uma reflexão crítica a respeito dos materiais midiáticos
que consumimos. Uma das maneiras de ampliarmos tal discussão
é propondo fazer da mídia-educação um tema transversal na grade
curricular dos cursos. Essa iniciativa envolve a reformulação dos
currículos, atendendo à necessidade de atualização das formações
docentes para lidar com as tecnologias digitais dentro da escola.
Belloni, em 1991, escreveu sobre a urgência de fazermos uma
educação para o uso das mídias. Porém, passados quase 30 anos, ainda
não temos uma política pública que afirme tal importância, tampouco
uma prática sistemática de professores em sala de aula. No entanto,

179
há registro de muitos projetos, eventos e formações que se propõem
a discutir e fomentar uma educação com, para e através das mídias,
visando a uma mudança significativa dos cenários educativos, como
defende Rivoltella (2012, p. 23):

[...] a educação “para” a mídia diz respeito à apropriação crítica sobre


os conteúdos, sobre as mensagens. A educação “com” a mídia é o uso
da mídia como ferramenta didática, como instrumento de apoio para
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

o professor que está atuando na sala de aula. [...] a educação é também


educação “através” da mídia. Essa última dimensão diz respeito, sobretudo,
à habilidade de produção na escola, onde a educação acontece por meio do
trabalho que organizamos e propomos às crianças e jovens em sala de aula.

O fazer pedagógico alinhado à sociologia da infância parte


do entendimento de que a construção de sentidos, de demandas/
necessidades/direitos deve ser feita com a criança, em uma participação
efetiva, distanciando-se de uma visão adultocêntrica, pautada em um
discurso simplista de proteção e cuidado. Trata-se, portanto, de uma
educação que considera as infâncias, social e culturalmente localizadas,
nas quais se atribui grande relevância aos pares e ao tempo presente.
Ao invés de privilegiar uma educação voltada para o adulto do futuro,
prioriza-se a criança do agora (CORSARO, 2011).
Para a aproximação entre cinema, escola e direitos humanos,
propomos uma relação estreita entre o ver e o fazer, como uma
manifestação artística e política, “viva”, de encontro cultural com a
diversidade, consigo e com o outro. Ao darmos oportunidade para as
crianças e jovens trabalharem com outras formas de comunicação e
linguagens, potencializamos a criatividade e alimentamos a postura de
consumidor cidadão, aquele que também produz imagens e conteúdos.
E, mesmo que a qualidade técnica do que é produzido por eles não
seja equiparável à veiculada na mídia, a prática supera o resultado e
possibilita a criação de narrativas autorais múltiplas e de representações
diversas, usualmente não contempladas na mídia comercial.
A presença das tecnologias digitais na escola, neste caso o
audiovisual, pautada pelo viés da mídia-educação, possibilita uma
perspectiva crítica, criativa e cidadã de estímulo à reflexão sobre nosso

180
lugar no mundo. Sempre tendo em mente que o cinema é construído a
partir da subjetividade de seus autores e representa um ponto de vista
dentre vários possíveis. A sensibilização que a conjunção da música e
dos enquadramentos do audiovisual nos provoca, por exemplo, está
relacionada à intenção de suscitar tristeza, alegria e medo. Nesse
sentido, é importante ler as imagens do cinema - e da mídia em
geral - com a compreensão de que partem de escolhas, não são algo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

dado, natural. Por isso, para ampliar as potencialidades do cinema na


escola trabalhamos com um repertório diverso, descentralizado, para
além do cinema comercial, e investimos na mediação do professor(a):
apresentando às crianças e jovens um repertório cultural vasto e
propondo exercícios/dispositivos audiovisuais que instiguem novas
ideias e permitam a livre expressão.
Essa construção coletiva e colaborativa das atividades possui
como premissa o respeito às especificidades de cada faixa etária,
conforme abordado por Tisseron (2016) [6]. Ao tratar da “dieta das
mídias”, o autor nos faz pensar sobre o modo como devemos trabalhar
com as telas, inclusive com as crianças muito pequenas. Antes dos
3 anos, o autor recomenda que sejam evitadas, já que nessa idade é
muito importante que a criança construa suas referências espaciais
e temporais. Caso optem por acessá-las, é importante que os adultos
estejam com a criança, mas, se isso não for possível, devem “[...]
deixá-las longe como se faz com muitos outros objetos em casa” [7]
(ibidem, 2016, p. 48, tradução nossa). Nessa idade, as telas podem ser
utilizadas como complementos de outros brinquedos, mas sempre
acompanhadas do adulto. De 3 a 6 anos “a criança precisa descobrir
suas possibilidades sensoriais e manuais” [8] (ibidem, 2016, p. 48) (livre
tradução das autoras) assim como o uso dos livros, as telas devem ser
vistas como um suporte de troca, de relações e não de isolamento. De
6 a 9 anos, descobrir as regras do jogo social, sendo a internet utilizada
somente a partir dos 9 anos. E de 9 a 12 anos, tornar-se autônomo a
partir das referências da família, com redes sociais a partir dos 12 anos.
Tais indicações a respeito do uso das telas corroboram a construção de
uma postura educativa que vai além de uma visão instrumental, e que

181
se pauta em processos de recepção, produção e compartilhamento,
para produzir significados de maneira consciente. Prezamos por uma
educação que privilegie o envolvimento prático e lúdico de crianças e
jovens, em sua inteireza, para que possam se expressar pela linguagem
corporea, plástica, escrita, musical, dramatizada, e produzir
audiovisuais que valorizem o processo de construção, criações e
recriações que são tão ou mais importantes que o produto final.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

A ARTE DE FAZER CINEMA NA ESCOLA: METODOLOGIA E PRÁTICA

Em encontros quinzenais, às sextas-feiras pela manhã,


experimentamos dispositivos do Cadernos do Inventar com a diferença
[9] (MIGLIORIN et al., 2016, p. 9), exibimos e discutimos filmes,
estabelecendo relações entre questões da linguagem cinematográfica,
cidadania e direitos humanos, em um processo dialógico, de base
autônoma para que o trabalho com a produção audiovisual fosse
incorporado à atuação docente.
Utilizamos audiovisuais de gêneros e formatos diversos
- comédias, dramas, animações, documentários, curtas e longas-
metragens nacionais e internacionais, produtos que professoras(es)
presentes na formação raramente têm acesso. Tais materiais
fomentaram o debate sobre forma e conteúdo, sobre a linguagem
do cinema e as mensagens que cada produto apresenta. Exploramos
recursos, narrativas e linguagens do cinema como sons, texturas,
luz, enquadramentos e formatos audiovisuais. Também buscamos a
produção criativa em coletividade, trabalhando, na maioria das vezes,
em pequenos grupos.
As gravações em vídeo foram todas realizadas utilizando
dispositivos móveis (celulares com câmeras). Usualmente vistos como
elementos distratores dentro do espaços escolar, foram utilizados
pelas(os) professoras(es) como instrumento pedagógico, que traz
inúmeras possibilidades lúdicas e didáticas. Esses equipamentos, de
fácil manuseio e, em geral, democratizados entre as(os) professoras(es)

182
e mesmo entre as crianças e jovens, permitiram uma produção autoral
e uma mediação facilitada [10]. O uso dos celulares atraiu e, ao mesmo
tempo, democratizou a produção audiovisual na escola.
Os planejamentos pedagógicos foram realizados de acordo com
as especificidades de atuação do grupo de professoras(es) (interesses,
faixa etária, contexto cultural, tecnológico), buscando a sensibilização
às propostas e o estímulo ao fazer cinema na escola. Ouvimos as
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

demandas e, a partir delas, formatamos ações, planejando, refletindo e


replanejando, sem perder os objetivos iniciais. Os encontros seguiram,
em linhas gerais, o esquema a seguir:

Figura 1: Estrutura
Figura 1: dos encontros

Despertar

Praticar Compartilhar

Experimentar Analisar

Fonte:Fonte:
Elaborado pelas autoras (2017)

183
1. Despertar: Começamos com uma brincadeira ou exercício
físico de atenção e/ou de aproximação entre os colegas. Exemplo:
Para despertar mente e corpo fizemos uma brincadeira de memorização
dos nomes dos participantes. Cada um teve que repetir o próprio nome
estalando os dedos próximo aos ouvidos e, em seguida, escolher um dos
colegas, bater palmas em sua direção e repetir seu nome. Muitas risadas,
alguns esquecimentos e nomes soprados depois, conseguimos nos
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

lembrar de um, dois, três, até mesmo vários nomes dos colegas.

2. Compartilhar: Exibimos o que foi produzido pelas(os)


professoras(es) durante o encontro anterior ou nas semanas de
intervalo, exercícios audiovisuais simples, com fotografias ou vídeos
executados em dispositivos móveis, sobretudo celulares. Muitas fotos
interessantes, retratos de cenas cotidianas, registros jornalísticos,
fotos artísticas, de natureza, de espaços físicos da escola e de atividades
didáticas. Nos relatos, a grande maioria se preocupou em não evidenciar
o recorte, em não mostrar dedos e mãos que seguravam a moldura,
em fazer imagens belas, perfeitamente enquadradas e de iluminação
agradável. Alguns se sentiram desconfortáveis e preocupados em não
conseguir atender determinados padrões. Outros agiram mais livre e
despreocupadamente.

3. Analisar: Analisamos coletivamente as produções e seus


processos de criação, com comentários dos autores, colegas e de nossa
equipe de formação. Exemplo: Mostramos as fotografias que as(os)
professoras(es) fizeram utilizando molduras de EVA para exercitar o
olhar, enquadrar e perceber o que ficou dentro e fora do quadro. Sob
tal premissa e, tendo como referência uma série de perguntas escritas
no quadro (Por que este enquadramento? Por que esta perspectiva?
Por que esta iluminação? Por que centralizar figuras humanas? Por
que escolhemos esta pessoa(s), esta escola, esta rua?), revemos e
comentamos as fotografias dos colegas. Afinal, qual é a intenção de
quem fotografa, filma, escreve, e qual a percepção de quem “recebe”
a imagem, de quem interpreta conteúdo e forma de uma obra? O que

184
o autor deseja mostrar, que ideia espera transmitir e, ao fazer suas
escolhas, o que é excluído, o que fica de fora? Há todo um contexto, há
outras versões, há um universo de intenções mais ou menos explícitas
que devemos considerar.

4. Experimentar: Fazemos atividades práticas baseadas nos


dispositivos do Cadernos do Inventar com a diferença ou em outros
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

materiais didáticos; exibimos filmes diversos e promovemos o debate,


para ampliar o repertório e desenvolver o olhar atento e cuidadoso
sobre os audiovisuais que consumimos. Exemplo: Experimentamos
o dispositivo Montagem na Câmera, (MIGLIORIN et al., 2016, p. 44)
que consiste em filmar uma cena cotidiana com até cinco planos, que
precisam ser filmados na sequência em que serão reproduzidos, para
garantir a continuidade da cena. Divididos em grupos de 4 ou 5, saíram
pela universidade em busca de suas “histórias”. Um grupo filmou o
caminho até em casa, a saída da universidade, a corrida para pegar o
ônibus e o longo trajeto até o destino final. Outro mostrou a dificuldade
de almoçar no restaurante universitário, acompanhando uma pretensa
aluna que, surpresa com a enorme fila que já se formara, terminou seu
almoço sentada no meio fio com um mero pacote de biscoitos. Todos
os grupos conseguiram contar suas histórias utilizando diferentes
enquadramentos e estilos de câmera, já explorados nos encontros
anteriores. Alguns privilegiaram a câmera fixa e o desempenho dos
“atores”. Outros fizeram as cenas com a câmera na mão e utilizaram
zoom. O importante dessa experiência foi cada um perceber que é
capaz de transmitir uma mensagem, de contar uma história e revê-
la de uma forma crítica, assim como vislumbrar a possibilidade de
refazer, em um processo de aprimoramento da experiência.

5. Praticar: Apresentamos alguma proposta de atividade/


exercício para ser realizada na escola ou bairro e compartilhada
em nosso canal no YouTube e/ou no blog do projeto [11], sempre
considerando especificidades, de acordo com as idades com as quais
as(os) professoras(es) trabalham. Exemplo: No grupo que atua com

185
bebês e crianças menores de 3-4 anos, sugerimos não o estímulo
direto ao uso das câmeras, mas focar as atividades na formação das(os)
professoras(es), em sua qualificação para o uso dos dispositivos e
linguagens audiovisuais e na sensibilização do olhar para lidar com
essas crianças.
Com as crianças maiores e jovens temos muitas possibilidades
criativas, pois grande parte deles domina o uso das tecnologias
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

audiovisuais, ou são espectadores entusiasmados de filmes, séries


e videogames, além de usuários frequentes de redes sociais. Já sua
participação ativa e crítica na produção de filmes/vídeos é bem menos
comum, principalmente dentro dos espaços escolares. Por isso,
sugerimos o contato mediado, como forma de ampliação das múltiplas
linguagens, e estimulamos uma participação mais efetiva que inclua as
várias instâncias de produção (roteirização, gravação, edição e exibição),
num processo de construção de hipóteses, de criação e compartilhamento,
tendo sempre como pano de fundo a cidadania e os direitos humanos.
Em razão das necessidades instrumentais/tecnológicas
identificadas e das demandas declaradas das(os) professoras(es),
realizamos duas oficinas temáticas: Uma oficina de “improvisações/
gambiarras [12] videológicas”, na qual as(os) professoras(es)
construíram, com materiais simples e reciclados, diferentes acessórios
para melhorar os recursos de vídeo do celular (bastão de selfie, capa
acoplável em várias superfícies feita com pistola de cola quente e
arame, protetor de microfone para abafar ruídos de vento, microfone
de lapela feito com fone de ouvido) e outra oficina de “edição de vídeo”,
na qual apresentamos alguns programas de computador e fizemos
exercícios práticos de montagem fílmica com um software escolhido,
buscando uma maior autonomia das(os) professoras(es) para levarem as
oficinas para dentro das escolas e construírem seus vídeos com as turmas.
Para melhor comunicar, criamos uma página no Facebook
[13]e o website Cinema na Escola [14], que serviram de suporte às
oficinas e divulgadores do trabalho. Além dos relatos dos encontros,
de textos com referências bibliográficas e audiovisuais, publicávamos
uma agenda de eventos artísticos e culturais gratuitos que ocorriam

186
na cidade, acessíveis às(os) professoras(es) e alunos, pensando na
ampliação do repertório cultural e na valorização da produção local.
A maioria das oficinas foram realizadas na Universidade Federal
de Santa Catarina, buscando a aproximação dessas(es) professoras(es)
com este espaço de formação, além de alguns encontros na Fundação
Cultural BADESC e no Museu da Imagem e do Som (MIS), estimulando-
os a frequentarem os espaços de cultura da cidade.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

CRIANÇAS, JOVENS E PROFESSORAS(ES) EM CENA:


EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS DE FORMAÇÃO

O projeto centrou-se na formação de professoras(es) visando à


aplicação do conhecimento adquirido nas escolas. Por isso, a partir da
sexta oficina, as(os) professoras(es) passaram a se dedicar à elaboração
de um projeto audiovisual coletivo. Reproduzindo alguns dispositivos
do Cadernos do Inventar com a diferença ou criando novos, fazendo
uma ficção, um documentário, um videoarte ou mesmo um relato das
experiências do grupo com cinema, professoras(es), crianças e jovens
produziram seus próprios audiovisuais nas escolas.
Na Educação Infantil os projetos foram aproximações mais
lúdicas, envolvendo contação de histórias e incorporando a câmera
nas brincadeiras que são realizadas nas turmas. As(os) professoras(es)
que já tinham o hábito de fazer registros audiovisuais do cotidiano,
experimentaram novas formas de criar e editar esse registro junto
com as crianças. Destacamos o exercício produzido em uma creche,
em que uma professora atuava como auxiliar de sala com crianças
de 4 a 6 anos. Um plano contínuo no qual vimos/ouvimos uma história,
contada e encenada pelas professoras. Dois meninos receberam a câmera
para registrar o teatro. Às vezes os meninos-câmera prestavam atenção
à história, às vezes viajavam filmando os pés, o piso. Sentimos como
se estivéssemos ali vendo o que eles viam, nos distraindo com o que
chamava sua atenção. Nas imagens percebemos a espontaneidade e a
riqueza do olhar dessas crianças.

187
No Ensino Fundamental tivemos uma maior variedade de
aproximações e envolvimento nos projetos, de acordo com o contexto
e atuação de cada professora. Por exemplo, uma das professoras de
uma escola básica é auxiliar de sala e, por estar sempre atuando em
várias turmas substituindo outros professores, resolveu experimentar
os dispositivos com alunos de turmas diferentes, inserindo-se na
narrativa e compartilhando a autoria com as muitas crianças e jovens
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

que tiveram contato com o projeto.


No projeto de uma escola localizada em um bairro à beira de
uma lagoa, cujo acesso principal se dá através de barco, os alunos
propuseram “Uma viagem pela Mata Atlântica”. No vídeo, as crianças
experimentam dispositivos adaptados para o tema da pesquisa que a
turma desenvolve coletivamente neste ano [15]. A professora envolveu
boa parte da comunidade escolar e o resultado tem um amadurecimento
técnico, a linguagem é bem explorada, os planos são diversificados. O
filme, construído com imagens de paisagens e a narração das crianças,
é intercalado com entrevistas com os adultos.
A socialização dos filmes aconteceu na I Mostra Cinema na Escola,
aberta às famílias e comunidade, que ocorreu no mês de julho de 2017
em uma sala de cinema do Centro Integrado de Cultura de Florianópolis,
em parceria com o MIS. É no compartilhamento desses filmes que
sua potência se revela, enquanto dispositivos de reconhecimento e
identificação entre as crianças, jovens e professoras(es).
Realizar a mostra aberta ao público, atende ao terceiro P [16] do
tripé de direitos da criança e do adolescente: o direito à participação,
que contempla a visibilidade, o reforço à pluralidade de identidades, o
exercício da liberdade de expressão e de opinião, e o compartilhamento
entre pares. Entendemos que, ao terem suas produções compartilhadas
em espaços públicos de exibição, estudantes e professoras(es) exercem
sua condição de cidadãos atuantes nas comunidades em que estão
inseridos, autores de uma produção audiovisual que tem sua relevância
não apenas como produto, mas também como processo de autonomia
e valorização de si.

188
Nosso trabalho com o audiovisual é pautado na mídia-
educação, que reforça a atuação dos envolvidos para além do papel de
consumidores das mídias. À medida que trabalhamos com a dimensão
estética para a experimentação das atividades pelas(os) professoras(es)
e transposição para as crianças e jovens, percebemos as possibilidades
e limites que os recursos apresentam e, assim, construímos sentidos
de pertencimento e autoria. O audiovisual é encarado como um
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

recurso para o desenvolvimento de diversas linguagens, num tempo


em que ser cidadão é também fazer uso das tecnologias digitais, é
colocar-se no lugar do outro para compreender seu olhar, é sentir-
se pertencente à comunidade em que vivemos, é ter a oportunidade
de ser crítico no uso das tecnologias e, com isso, disseminar posturas
mais qualificadas e diferentes formas de aprendizagens. É nisso que
investimos e trabalhamos.
Apesar de não termos estruturado uma pesquisa de resultados,
podemos inferir uma avaliação positiva dos envolvidos, a partir de
alguns indicativos, como o grande interesse e a disponibilidade de
crianças e jovens na participação das atividades audiovisuais, nas
quais puderam trabalhar coletivamente e exercer sua criatividade,
conforme depoimentos das(os) professoras(es). Também destacamos
as sementes plantadas no coração e nas práticas pedagógicas
dessas(es) professoras(es), explicitadas no convite à extensão das
atividades para os demais profissionais da escola, e nos comentários
positivos, que nos incentivam e nos emocionam, com destaque para
a metodologia teórico-prática utilizada e a condução dialógica das
oficinas. Reproduzimos, então, trechos de duas avaliações. [17]

Essa formação já vem contribuindo com minha prática docente, pois vem
discutindo a inserção dos recursos audiovisuais, de forma alternativa, no que
se refere ao uso de equipamentos, por exemplo, na construção do processo
de ensino aprendizagem. Além disso, vem ampliando e direcionando meu
olhar no sentido de possibilitar aos meus estudantes, verdadeiro espaço de
cidadania, de reflexão e construção coletiva (Professora C.). As propostas,
técnicas e discussões realizadas durante a formação vem contribuindo
para a inovação e reflexão de como fazer da escola/creche um espaço de
cidadania através do cinema, onde as crianças podem ser protagonistas
nessa construção de conhecimento e não apenas meras coadjuvantes neste
processo de ensino e aprendizagem (Professora K.).

189
Vale ainda mencionar o empenho e dedicação dessas
profissionais em busca de uma prática mais lúdica e participativa com
crianças e jovens, para além dos discursos da falta de tempo e/ou de
recursos financeiros. Queremos registrar a satisfação proporcionada
à nós, formadoras e pesquisadoras, por essa experiência de troca e
colaboração. Provindas de diferentes áreas, buscamos estabelecer
relações democráticas de criação e execução coletiva, para potencializar
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

o que trazemos como bagagem, profissionais da comunicação, cinema


e educação.
Por fim, frisamos o convite às universidades públicas e aos
seus estudantes à abertura das pesquisas e projetos aos profissionais
da educação que atuam na rede de ensino, formando nossas crianças e
jovens.

190
NOTAS

[1] O presente artigo deriva da experiência de parceria entre o Grupo de Pesquisa


Núcleo de Infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA, UFSC/CNPq) e o projeto
Inventar com a Diferença – Cinema e Direitos Humanos (Kumã - Universidade
Federal Fluminense/UFF - 2016).

[2] Optamos por utilizar o termo professoras(es), tendo em vista o predomínio de


mulheres na educação básica no Brasil, o que se reflete no grupo participante do
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

projeto. Tal escolha respeita as questões de gênero envolvidas no uso do termo.

[3] Disponível em: http://www.nica.ufsc.br. Acesso em: 21 set. 2019.

[4] A partir do edital de 2016, da Universidade Federal Fluminense (UFF), em


parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o edital
selecionou parceiros visando oferecer formação e acompanhamento a educadores
de escolas públicas de todo o país para trabalho com vídeo em torno da temática do
Cinema e dos Direitos Humanos.

[5] O projeto de pesquisa Multideas teve como foco a articulação entre as


aprendizagens formais e informais e a aplicação da metodologia dos Episódios de
Aprendizagem Situada – EAS (RIVOLTELLA, 2013; FANTIN, 2015) e foi desenvolvido
paralelamente ao projeto de pesquisa interinstitucional Competências Midiática em
Cenários Brasileiros e Euroamericanos (2014-2019). O Multideas envolveu alunos de
graduação, mestrado e doutorado, e promoveu pesquisas-formação que trataram
da relação entre crianças, jovens e mídias e formação docente. Dentre os trabalhos
produzidos nesse contexto podemos citar “Multissensorialidades e aprendizagens:
usos das tecnologias móveis pelas crianças na escola” (2013), dissertação de Lyana
Virgínia Thédiga de Miranda; “Competências audiovisuais e os novos letramentos
na escola” (2015), dissertação de Gabriela Spagnuolo Cavicchioli; e “Culturas que
emergem na escola: pesquisa na internet, produção audiovisual e competências
midiáticas de jovens estudantes” (2016), dissertação de Bárbara Malcut Felipe, todas
defendidas no PPGE/UFSC e orientadas pela Profa. Dra. Monica Fantin.

[6] Ver Campanha internacional da ONG Le Family Online Safety Institute.Disponível


em: https://www.3-6-9-12.org/campagne-internationale/. Acesso em: 04 dez. 2019.

[7] cercate di tenerlo lontano da lui come si fa con molti altri oggetti in casa.

[8] Il bambino ha bisogno di scoprire tutte le sue possibilità sensoriali e manuali.

[9] Material em formato de brochura disponibilizado pelo Projeto Inventar


para a Diferença contendo exercícios/dispositivos para serem utilizados pelas
professoras(es) ao longo do seu trabalho na escola. Disponível em https://bit.
ly/36iclXp. Acesso em: 04 dez. 2019.

191
[10] Em 2008 Santa Catarina foi publicada a Lei 14.636/2008 que proibia o uso de
celulares nas escolas. No entanto, atualmente o projeto de Lei 0198.8/2016 propõe
seu uso para fins pedagógicos.

[11] Disponível em: http://cinemanaescolanica.wordpress.com. Acesso em: 21. set.


2019.

[12] Termo utilizado na produção audiovisual para designar a construção e adaptação


de equipamentos com sucatas e plásticos, visando baratear os custos de produção e
trabalhar criativamente.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

[13] Cinema na Escola: construindo espaços de cidadania. Disponível em https://


www.facebook.com/cinemanaescolafpolis/about/. Acesso em: 04 dez. 2019.

[14] Disponível em: https://cinemanaescolanica.wordpress.com/blog/.Acesso em:


21. set. 2019.

[15] Algumas escolas da Rede Municipal de Florianópolis trabalham com projetos


numa perspectiva interdisciplinar.

[16] Os 3Ps são assim descritos: A proteção, que se dá através da prevenção à


discriminação, abuso físico, sexual, exploração, injustiça, conflito; a provisão aos
direitos sociais relacionados à saúde, educação, segurança social, vida familiar,
cultura, cuidado físico, recreio; e a participação como direito ao nome, identidade,
liberdade de expressão e opinião (BELLONI, 2010).

[16] Com a intenção de mapear o perfil das professoras(es) e receber um feedback


inicial sobre a formação, estruturamos um questionário online. Os trechos
destacados são respostas à questão “De que forma você percebe que a formação
“Cinema na escola: construindo espaços de cidadania” pode contribuir para sua
prática docente?”.

[17] Com a intenção de mapear o perfil das professoras(es) e receber um feedback


inicial sobre a formação, estruturamos um questionário online. Os trechos
destacados são respostas à questão “De que forma você percebe que a formação
“Cinema na escola: construindo espaços de cidadania” pode contribuir para sua
prática docente?”.

192
REFERÊNCIAS
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& Sociedade, v. 10, n. 17, p. 36-46, 1991. Disponível em: https://www.metodista.br/
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TISSERON, Serge. 3-6-9-12. Diventare grandi all’epoca degli schermi digitali. A


cura di Pier Cesare Rivoltella. Milano: Editrice la Scuola, 2016.

193
9
Qualidade audiovisual no desenvolvimento
da competência midiática de crianças e
adolescentes
Daniela Santana de Oliveira

Quando voltamos nossa atenção para as crianças e jovens e


na relação que esses estabelecem com as novas mídias e tecnologias,
encontramos na literacia midiática os referenciais que nos guiam
rumo à construção de cidadãos efetivamente mais participativos. A
popularização das tecnologias de produção e consumo de conteúdo
audiovisual e a presença cada vez mais constante do público
infantojuvenil nos ambientes conectados, exige uma participação mais
efetiva em uma sociedade imagética, tendo os dispositivos móveis
como mediadores. Neste contexto, a discussão sobre a qualidade
audiovisual apresenta-se como possibilidade para impulsionar o
desenvolvimento da competência midiática no referido público. Dada
a heterogeneidade deste público e também a autonomia com que
ocupam um lugar no ciberespaço, entendemos que a formação de um
repertório audiovisual de qualidade contribui para a sensibilização do
olhar, favorece o consumo crítico e a produção criativa.
AS CRIANÇAS E A CULTURA PARTICIPATIVA

Em função da facilidade de acesso aos dispositivos


conectados, o número de indivíduos que produzem e consomem
conteúdo audiovisual também vem aumentando nas plataformas
de compartilhamento de vídeos online, sobretudo no Youtube. A
plataforma, criada em 2005 por Chad Hurley, Steven Chen e Jawed
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Karim, e posteriormente, em 2006, adquirida pela empresa Google,


está disponível em mais de 91 países, possui mais de 1,9 bilhão de
usuários e bilhões de horas de vídeo assistidas por dia [1].
De acordo com a pesquisa Video Viewers 2018 [2], o consumo de
vídeos online cresceu 135% em 4 anos, sendo que 75% dos entrevistados
o faz através dos smartphones. A pesquisa revelou o perfil de consumo
dos espectadores e identificou quatro motivações principais por trás
das intenções de quem consome conteúdo na plataforma: conexão,
conhecimento, entretenimento e identidade. No que tange à busca
por conhecimento, os usuários buscam desde o aprendizado de
coisas simples, como fazer reparos em casa e desenvolver habilidades
profissionais até a busca de informações sobre o que acontece no
Brasil e no Mundo.
Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2017 [3], uma
média de 84% das crianças com idades entre 9 e 17 anos são usuários
de Internet. Dentre as atividades online mais realizadas por este
público, destacam-se a pesquisa para trabalhos escolares, o envio
de mensagens instantâneas, o uso de redes sociais, as pesquisas por
curiosidade ou vontade própria e o consumo de vídeos, programas,
filmes ou séries. Na pesquisa realizada em 2016 [4], aproximadamente
50% do público nesta faixa etária executava atividades que envolvem
consumo e produção de vídeo, um número bastante expressivo,
sobretudo quando observamos um grande aumento no número de
visualizações dos canais com conteúdos produzidos e/ou voltados para
o público infantojuvenil.

195
Em 2015 e 2016 o ESPM Media LAB [5], desenvolveu o estudo
Geração Youtube (CORRÊA, 2016), identificando que o número de
visualizações dos canais infantojuvenis mapeados subiu de 20 para
50 bilhões em apenas um ano. O estudo teve como objetivo analisar
os impactos e efeitos dos canais infantojuvenis sobre a comunicação,
consumo e relações familiares no cenário brasileiro, a fim de identificar
os hábitos da nova geração e refletir sobre as transformações nas culturas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

infantis contemporâneas. Segundo este estudo, o tipo de conteúdo


consumido pelas crianças evidencia a influência sobre os hábitos e
preferências infantis.
A reflexão sobre as transformações nas culturas infantis
contemporâneas busca contribuir com o debate social sobre as
relações entre público infantojuvenil, mídia e consumo, sobretudo
quando consideramos que, conforme observa Pereira (2011), é durante
a infância e a adolescência que ocorre a criação de padrões de uso e de
consumo midiático. No debate envolvendo crianças e mídias, observa-
se uma tendência à polarização do discurso: as crianças costumam ser
vistas ora como “agentes”, com postura ativa diante das mídias, ora
como “objeto”, passivas e influenciáveis pelos meios de comunicação.
Tão importante quanto caracterizar o público alvo ou os meios, é
entender em que contexto a relação de consumo ocorre.
É importante entender o papel da criança enquanto um ator
social que desempenha um papel ativo no ambiente em que está
inserida, com uma produção e consumo próprios da infância. De
acordo com Pereira (2011, p.12), “[...] a infância constitui um grupo
social autônomo que se destaca e transforma histórica e culturalmente,
estando longe de corresponder a uma categoria universal, natural e de
significado óbvio”. Para Sarmento e Pinto (1997, p.6), “A interpretação
das culturas infantis, em síntese, não pode ser realizada no vazio social
e necessita de se sustentar na análise das condições sociais em que as
crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem”.
Ainda que as culturas infantis reflitam o seu entorno, elas o
fazem de um modo diferente da cultura adulta. Assim, é importante
compreender o contexto específico de cada grupo de crianças, levando

196
em conta o gênero, a faixa etária, seu desenvolvimento cognitivo, as
condições socioambientais e os níveis socioculturais das famílias,
também como a oferta midiática e o acesso à tecnologia que estão
disponíveis para cada uma.
Para melhor entendimento de como as crianças se relacionam
com as mídias, é necessário entender como se dá a sua socialização.
De acordo com Pinto (1997, p. 45) a socialização das crianças é um
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

processo em que “[...] os indivíduos apreendem, elaboram e assumem


normas e valores da sociedade em que vivem, mediante a interação
com o seu meio mais próximo [...] e se tornam membros da referida
sociedade”. A socialização pode ocorrer sob a perspectiva da sociedade
e seus agentes socializadores ou a partir dos indivíduos e seus
mundos sociais. Neste último caso o foco recai sobre os processos de
apropriação, aprendizagem e apropriação dos indivíduos, tornando-
os competentes para se comunicar e participar na sociedade em que
vivem. Ainda de acordo com Giddens (1933, apud PINTO, 1997, p.45) a
criança não “[...] absorve passivamente as influências das realidades
com que entra em contato”, mas age como um ser ativo neste processo.
Fantin (2016, p. 608) observa que “[...] nem sempre a facilidade
e rapidez nas produções digitais significam consciência sobre seu
uso, pensamento reflexivo e entendimento sobre seu funcionamento”.
Ainda de acordo com a autora, a lacuna existente entre as duas
gerações vai além do gap geracional e engloba também um gap formal
e informal, relacionado ao que as crianças fazem na escola e fora dela.
Neste contexto, devemos considerar o papel ativo das crianças no
processo de aquisição e construção do conhecimento.
Tomaz (2017) discute sobre como crianças comuns, ao
utilizarem uma plataforma como o Youtube para compartilhar suas
vidas, acabam reconfigurando a infância. De acordo com a autora (2017,
p. 2), “[...] a apropriação do Youtube pelas crianças sinaliza o quanto a
ação delas constrói realidades e, assim, afeta estruturas sociais”. Para
Corrêa (2015, p. 6),

197
É importante observar o lugar de fala da criança como sujeito, que
embora ainda em formação, tem não somente a capacidade de dialogar
e participar do universo midiático, mas também de produzir e consumir
conteúdo, e assim construir seus significados dentro do seu contexto
sociocultural midiatizado.

Quando pensamos nos lugares que devem ser ocupados por


crianças, geralmente o fazemos sob a perspectiva do adulto, dos locais
julgados propícios para apropriação dos mais jovens. A discussão sobre
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

ambientes para crianças e das crianças foi levantada por Spencer e


Blades (2005, apud TOMAZ, 2017, p. 3), em que os primeiros se relacionam
“[...] aqueles espaços pensados e imaginados especialmente para elas,
enquanto os outros tratam daqueles dos quais elas se apropriam,
mesmo que não tenham sido desenhados para elas”. Esta abordagem,
conforme ressalta o autor, foi concebida pensando nos espaços físicos,
entretanto pode ser utilizada para pensar o “ciberespaço, sobretudo o
Youtube, que pode ser considerado um ambiente das crianças, à medida
em que é colonizado por elas e, por isso, cada vez mais conformado com
suas demandas” (TOMAZ, 2017, p.3).
Dada a relevância do consumo e produção audiovisual, não
somente, mas também pelo público infantojuvenil, é fundamental a
reflexão sobre qualidade no audiovisual. Segundo Borges (2014, p.49)
“[...] a discussão sobre a qualidade é um processo que se encontra em
constante transformação principalmente devido ao desenvolvimento
das novas tecnologias”. Esta discussão tem início nos estudos da
televisão e prossegue até a produção de vídeos para as plataformas de
compartilhamento online.
Um panorama sobre a qualidade audiovisual no contexto da
TV foi estabelecido por Borges (2014), abordando desde a criação da
TV pública britânica até a definição de parâmetros para identificar a
qualidade no contexto das produções para a televisão. Para isso, a autora
elaborou uma proposta metodológica de análise semiótica considerando
os planos de expressão, de conteúdo e a mensagem audiovisual.
No plano de expressão são considerados três aspectos: 1) a
produção de sentidos a partir dos elementos estéticos, composto

198
pelos elementos visuais (câmera, iluminação, cenário, atuação do
elenco, maquiagem e figurino e qualidade técnica da imagem),
sonoros (diferentes tipos e qualidade técnica do áudio), sintáticos
(edição, e ritmo do programa) e gráficos (videografismo e vinhetas
inicial e final); 2) o uso de recursos técnicos expressivos como áudio,
vídeo e videografismo e 3) a atuação dos personagens, apresentadores,
entrevistados e demais protagonistas dos produtos audiovisuais.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Já a análise do plano de conteúdo considera vinte indicadores de


qualidade, sendo eles: relevância; estímulo ao pensamento, ao debate de
ideias e apresentação de desafios; ampliação do horizonte do público;
promoção da conscientização política e/ou social dos cidadãos; estímulo
à participação cívica; diversidade; nível de informação; entretenimento;
recurso às fontes; seriedade; objetividade; subjetividade; precisão;
oportunidade; interesse público; produção de sentido; credibilidade;
promoção da identificação do espectador; adequação em relação ao
público e exatidão dos fatos narrados. A análise do plano de conteúdo
das produções na área infantojuvenil considera ainda outros dois
aspectos: verossimilitude e apelo à imaginação.
Sobre a mensagem audiovisual, os aspectos considerados na
análise se relacionam ao modo de endereçamento dos programas.
Os aspectos levados em conta incluem: a inovação da linguagem
audiovisual; a ousadia em termos de formato para veiculação da
mensagem; a criatividade e originalidade no formato e a eficácia na
transmissão da proposta comunicativa do programa. Outros aspectos
ainda são considerados de acordo com as áreas de atuação da TV. Na
área educativa também se considera a qualidade artística do formato,
enquanto nas áreas social e infantojuvenil são considerados os apelos
visuais educativos e a participação efetiva do público. A análise
completa apresenta onze indicadores de qualidade, sendo: inovação/
experimentação; originalidade/ criatividade; qualidade artística; apelo
à curiosidade; apresentação de uma estrutura organizada; clareza da
proposta; eficácia da transmissão da mensagem; tratamento válido
dos assuntos; redundância; comunicação com o público e solicitação
da participação ativa do público.

199
Quando se discute a qualidade nas produções audiovisuais
para internet é essencial considerar o contexto inerente ao ambiente da
cultura participativa. Este ambiente trouxe novas dinâmicas relativas
à produção e difusão de conteúdo e contribuiu para a reconfiguração
dos formatos, linguagens e processos de comercialização e consumo.
De acordo com Burgess e Green (2009, p. 28), a cultura participativa
seria “[...] ligação entre tecnologias digitais mais acessíveis, conteúdo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

gerado por usuários e algum tipo de alteração nas relações de poder


entre os segmentos de mercado da mídia e seus consumidores”.
Para Jenkins (2009, p.13), o termo é definido como a “[...]
cultura em que fãs e outros consumidores são convidados a
participar ativamente da criação e da circulação de novos conteúdos”.
Ela pode ser vista como um espaço onde, teoricamente, diferentes
culturas (cultura doméstica, de massa e erudita) coexistem. Ainda
segundo o autor, neste contexto haveria menos barreiras para a
expressão artística e engajamento, maior estímulo para a criação
e compartilhamento e a existência de uma conexão social entre os
membros, que acreditam que suas contribuições são importantes para o
grupo. Além disso, haveria uma oportunidade de aprendizagem dentro
do próprio grupo, e o conhecimento seria transmitido pelos membros
mais experientes da comunidades para os novatos. Entretanto, o
autor pondera sobre três aspectos que requerem atenção: a lacuna da
participação, relacionada à uma desigualdade no acesso dos jovens às
habilidades e conhecimentos que os capacita para uma participação
efetiva no futuro; a questão da transparência, que diz respeito ao
senso crítico, ou seja, à forma como os jovens aprendem a enxergar
a forma como a mídia molda as percepções do mundo; e o desafio
ético, relativo à falta de conhecimento sobre as normas que regem
um ambiente complexo e diversificado como o meio digital, levando a
um rompimento das formas tradicionais de formação profissional que
preparam os jovens para exercer um papel ativo nas comunidades.
Müller (2009, p. 127) considera as perspectivas críticas e
entusiásticas colocadas por Jenkins (2009), como um ‘dilema da
participação’, em que usuários comuns têm acesso ao ambiente

200
participativo, mas não possuem as competências necessárias para
agir de forma significativa, “[...] negligenciando padrões de qualidade
artesanal, estética e ética”. Neste contexto surge a necessidade do “[...]
treinamento dos novos participantes, a fim de garantir o estado da
arte [...] e prevenir que os usuários inexperientes sejam explorados,
abusados ou ridicularizados.” Segundo o autor:
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

O dilema é que os novos participantes têm que alcançar algumas


habilidades que lhes permitam contribuir para culturas online de
maneiras significativas, mas sempre que uma elite cultural começa a
treinar e “profissionalizar” usuários comuns, as barreiras culturais
tradicionais e hierarquias que foram outrora questionadas por culturas
participativas emergentes são reconstruídas. (MÜLLER, 2009, p. 127-128)

Para Müller (2009, p. 128), este dilema é provocado por um


pensamento binário e para dar conta das forças que definem uma
plataforma enquanto um espaço de participação, é necessário romper
com a dicotomia indústria versus audiência, ou produção versus
consumo e adotar uma abordagem baseada na produção de cultura.
Nesta abordagem

[...] as práticas culturais são definidas de acordo com os tipos de


discursos que fornecem a ‘infraestrutura constitucional’ que permite
aos atores construir modelos de conhecimento sobre os quais a ação é
baseada (MÜLLER, 2009, p. 128, tradução da autora). [6]

Neste sentido, Müller (2009) propõe que o discurso de


qualidade seja uma destas forças que permitem ao Youtube ser um
espaço de cultura participativa.
O Youtube democratizou o espaço para criação e
compartilhamento de conteúdo através do vídeo, uma vez que, para
fazer upload na plataforma, é necessário apenas ter acesso a um
equipamento de gravação de imagens e conexão de internet.

[...] a acessibilidade proporcionada pelo Youtube e outras plataformas de


compartilhamento de vídeo promoveram uma visão de total democratização
do espaço audiovisual, onde não há mais barreiras entre produtores
e audiência ou entre profissionais e amadores. (MÜLLER, 2009, p.126,
tradução da autora)

201
Em função desta facilidade, muitos usuários apenas transferem
seus vídeos diretamente de seus dispositivos para a plataforma,
sobretudo quando gravados de smartphones, sem se preocupar com a
pré ou pós-produção. A suposta falta de qualidade estética da grande
maioria dos vídeos enviados para a plataforma, entretanto, não é
empecilho para que um vídeo possa atingir milhões de visualizações,
uma vez que o Youtube é sobre compartilhamento de experiências.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Conforme aponta Müller (2009, p. 127, tradução da autora), o Youtube


“[...] é sobre compartilhar momentos online, com potencial de atingir
uma audiência global, mas na verdade com um número limitado de
espectadores”. [7]
Quando um indivíduo se conecta a outros através da internet,
quando ele consome e produz conteúdo online, ele está presente
no ciberespaço. Este ambiente, assim como ocorre nos espaços não
virtuais, é composto por indivíduos heterogêneos, com diferentes
níveis de participação e engajamento. O atual panorama da produção
audiovisual ocorre neste contexto do ciberespaço, que, conforme
definido por Lévy (1999, p. 17),

[...] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação


digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.
Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos
de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço.

Este contexto favoreceu o surgimento de uma nova categoria


de vídeos, definido por Meili (2011, p. 53) como “[...] vídeo para internet”.
De acordo com a autora, eles apresentam “[...] algumas características
específicas como: duração, modo de produção, meio e modo de circulação”.
Sendo uma forma de expressão e comunicação típica da cibercultura, os
vídeos para internet configuram-se, entretanto, como uma categoria
bastante heterogênea e ultrapassam as fronteiras do amadorismo.
Para Meili (2011, p. 56) o termo Pro-Am (profissionais amadores),
se refere ao indivíduo que produz algo segundo critérios profissionais

202
de qualidade, ainda que não o seja: “[...] trata-se do principal agente da
cultura participativa e da emergência de uma comunidade que produz
valor, mas não se enquadra dentro de um esquema profissional de
trabalho”. O acesso às tecnologias digitais e a emergência das redes
digitais permite que pessoas se conectem e exerçam um impacto na
política, cultura e na economia, impacto antes gerado apenas por
grandes organizações.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

A QUALIDADE DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO YOUTUBE

A discussão sobre a qualidade no Youtube vai além da questão


estética e levanta dúvidas acerca dos novos parâmetros para pensar a
produção de vídeo online. Campos (2017) considera que dois aspectos
são os mais relevantes para a discussão sobre a qualidade no audiovisual:
os recursos técnico-expressivos dos programas e o papel da audiência.
Considerando estes dois aspectos, tem-se como conclusão preliminar
que a qualidade do audiovisual no Youtube deve possuir qualidade
técnica; ser interessante para o público e gerar engajamento, sendo
este, conforme entendido por Recuero (apud Campos, 2017) não
restrito somente à audiência, mas construído na relação desenvolvida
entre as pessoas e a marca. A questão da qualidade neste setor é uma
preocupação dentre os produtores de conteúdo, que se autorregulam
dentro da comunidade quanto aos critérios de produção e pós-
produção e a estética, sobretudo relacionada às questões técnicas. O
amador se profissionaliza, atingindo padrões superiores de qualidade,
reformulando as barreiras hierárquicas com os profissionais num
ambiente de cultura participativa.

Tais complexidades criam um espaço audiovisual que envolve


tecnologia, instituições, mercado, propriedade intelectual, direitos
autorais e especializações profissionais – conhecimentos e práticas
específicas necessárias à criação de um conteúdo (BARONE, 2000, apud
Meili, 2011, p. 53).

203
Müller (2009) também chama atenção para o grande número
de vídeos tutoriais criados por usuários amadores ensinando algumas
estratégias para criar vídeos de sucesso no Youtube. A existência dessa
categoria de vídeos no Youtube pode ser entendida como um discurso
sensível à qualidade na produção de vídeo para a plataforma. Os vídeos
que tratam de tutoriais abordam questões técnicas, estratégias de
divulgação/publicidade e focam em conteúdo original, considerando
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

as especificidades do meio. Na interação dos espectadores com o vídeo


através de comentários, perguntas e avaliações do vídeo, podemos
perceber que há uma discussão que contribui para o discurso da
qualidade.
Oliveira (2018) propõe alguns parâmetros a serem considerados
para pensar a qualidade audiovisual dos vídeos produzidos para
internet. De acordo com a autora, a qualidade estaria relacionada a
três aspectos principais: o objetivo da plataforma em que o conteúdo
é veiculado; a qualidade da forma e de conteúdo dos vídeos, de acordo
com as necessidades do público a quem se destina, e os critérios que
promovem a literacia audiovisual.
Em relação aos objetivos da plataforma, as diretrizes do
Youtube apontam o compartilhamento como propósito principal. Uma
vez que o modelo de negócios do Youtube está atrelado à publicidade,
quanto mais visualizações um determinado vídeo possui, maior a
quantidade de inserções publicitárias e, consequentemente, maior
a receita para o Youtube e para o produtor de conteúdo. Assim, a
capacidade de gerar um número consistente de visualizações é um dos
indicativos de qualidade.
Neste aspecto, Oliveira (2018) sistematizou algumas ações
que estimulam o envolvimento do espectador com o vídeo e a
plataforma, tais como utilização do call-to-action (CTA); incentivo ao
compartilhamento do vídeo nas redes sociais; participação ativa junto
à comunidade de criadores de conteúdo do Youtube e utilização das
‘anotações em vídeo’ ou do “Youtube Card”, recursos que permitem
que o espectador seja direcionado a outros vídeos, aumentando assim
o envolvimento com o canal. O uso destas ações podem contribuir com

204
a criação de uma comunidade engajada, aumentando a possibilidade
de atingir sucesso na plataforma.
Sobre a qualidade dos vídeos, é importante refletir sobre
o público a quem eles se destinam. Considerando que o Youtube é
utilizado pelas crianças sobretudo como fonte de entretenimento,
aprendizado e ocupação de um lugar no ciberespaço, é importante
oferecer a este público um entendimento mais amplo sobre consumo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

e produção e isso ocorre de maneira mais efetiva quando a criança


pratica. Neste sentido, parâmetros relevantes para a qualidade
audiovisual para o público infantojuvenil envolvem, além do estímulo
à criação, a formação de um repertório, uma vez que eles tendem a
repetir aquilo a que assistem. Enquanto sujeitos ativos no processo de
comunicação, as crianças constroem sentido a partir dos conteúdos
que consomem. Sendo assim, a formação do repertório apresenta-
se como um elemento fundamental na relação das crianças com os
produtos audiovisuais. Quanto maior, mais rico e diversificado for
o repertório, mais chaves de codificação estarão disponíveis para
compreender as mensagens recebidas, maior sua capacidade para
relacionar diferentes conteúdos e mais apurado o seu senso crítico.
Neste contexto, a qualidade dos vídeos é essencial para a
formação de um repertório de qualidade. Como sugerido por Pereira
(2005), uma programação infantojuvenil de qualidade deve, além de
promover o entretenimento e a ludicidade, ser formativa e associar-
se a componentes pedagógicos para atender às necessidades afetivas
e emocionais das crianças. De forma abrangente, o conteúdo voltado
para este público, de acordo com a autora, deve oferecer diversidade
em diferentes níveis: no conteúdo, formato, gêneros, origens, técnicas
e públicos. Além disso, deve ter qualidade estética, oferecendo
diferentes tipos de linguagem no que se refere à expressão audiovisual
e narrativa, fugindo dos estereótipos; deve promover a sensibilização
das crianças para outras formas de arte; estimular seu imaginário e
curiosidade; além de desenvolver o espírito crítico.
O Youtube, além de proporcionar ao usuário um acesso
simplificado aos milhares de vídeos, ainda permite que o espectador

205
pesquise pelo conteúdo que quer consumir. Estas características
favorecem a autonomia do usuário e permitem que a criança, enquanto
agente, esteja mais empoderada para consumir conteúdos de acordo
com o que julga mais atraente. O consumo de vídeos de qualidade,
neste caso, não estará somente relacionado à oferta, mas à demanda
por parte do público.
Com base na proposta criada por Borges (2014) para avaliar
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

a qualidade dos programas televisivos, Oliveira (2018) selecionou e


adaptou os indicadores mais adequados para pensar na produção para
o Youtube, tanto no plano na expressão, como também no do conteúdo
e a mensagem audiovisual.
Os indicadores no plano da expressão abrangem aspectos
visuais, sonoros, videografismo e atuação. Eles garantem que os
elementos que compõem a linguagem audiovisual sejam usados em
prol da produção de sentido. Ainda que o produtor de conteúdo não
disponha de equipamentos mais profissionais, como determinadas
câmeras, microfones, equipamentos de iluminação e edição, é possível,
seguindo alguns dos indicadores apresentados, produzir um bom
vídeo. Este fato comprova que a qualidade não se relaciona somente ao
aparato tecnológico, mas à utilização eficiente e criativa dos recursos
disponíveis.
É importante também destacar elementos relevantes
em relação ao plano do conteúdo. Considerando os indicadores
propostos por Borges (2014), Oliveira (2018) elenca como principais
características a serem consideradas na criação ou na escolha dos
vídeos a utilização de informações relevantes e úteis e que também
entretenham; a diversidade na representação de sujeitos e temas; a
escolha de temas que promovam a ampliação do repertório cultural
e estimulem o debate e a reflexão; além do estímulo à imaginação
através de narrativas que desenvolvam as capacidades cognitivas e
emotivas, com verossimilhança.
Ainda em relação à qualidade dos vídeos, é importante
considerar a mensagem audiovisual, isto é, privilegiar vídeos que
promovam inovação da linguagem audiovisual, criatividade e

206
eficácia na transmissão da proposta comunicativa do vídeo. Dentre
os diferentes indicadores para análise da mensagem audiovisual
de conteúdos infantojuvenis, Oliveira (2018) destaca os seguintes:
originalidade e criatividade do formato audiovisual; utilização eficiente
dos elementos sonoros, visuais, sintáticos e gráficos que compõem
a linguagem audiovisual; eficácia na transmissão das mensagens,
incluindo propostas com clareza objetiva, roteiro bem elaborado
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

e efetiva comunicação com o público e a utilização de elementos e


estratégias que estimulem a participação do público. A utilização
dos indicadores apresentados podem ser usados tanto na criação
de conteúdo quanto na escolha dos vídeos a serem consumidos ou
utilizados como repertório.
Outro parâmetro importante para definir a qualidade
audiovisual nos vídeos online para o referido público está relacionado
com a promoção da literacia midiática. O desenvolvimento
de competências midiáticas permite distinguir as propostas
comunicativas das mensagens que recebemos diariamente através
de diferentes mídias. Um indivíduo competente em relação às mídias
possui mais autonomia diante das tecnologias, possuindo pensamento
mais crítico e reflexivo para a leitura e compreensão dos produtos
consumidos, além de ter habilidades de se expressar de forma
mais criativa, atingindo seus objetivos comunicacionais. A infância
contemporânea é receptora dos conteúdos audiovisuais, mas também
é produtora desses conteúdos.
A linguagem audiovisual é uma mistura de códigos que
produzem, em sua convergência, um produto visual e sonoro
composto de campo, quadro, ângulo, visão, edição, som e áudio, tudo
em movimento. Várias interfaces são utilizadas para as produções
audiovisuais e sua difusão, sendo essa linguagem cada vez mais
presente no dia a dia das pessoas. As formas de comunicação mais
interativas, que estimulam o maior número de sentidos do ser humano,
conquistaram seu espaço e cada vez mais o interesse do público.
Apesar de o equipamento ser o fio condutor do olhar do emissor, não
é ele que direciona o conteúdo, mas uma narrativa que está por trás de

207
tudo, antecedendo a técnica. O audiovisual se destaca pela dualidade:
o papel do receptor é tão importante quanto o do emissor. É necessária
uma coparticipação dos mesmos para uma comunicação efetiva.
O desenvolvimento da competência midiática através da
proposta das dimensões de Ferrés e Piscitelli (2015), sendo elas a
linguagem, tecnologia, processos de produção e difusão, processos de
interação, ideologia e valores e estética, tem como principal característica
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

a possibilidade de atuar de forma holística no processo de comunicação.


Conforme observam os autores, “[...] nenhuma das variáveis que o
compõem pode ser explicada se não estiver em interação com todas as
outras” (2015, p.4). Neste sentido, as dimensões compõem um quadro
bastante abrangente e quando trabalhadas de forma interconectada
podem contribuir para o êxito no desenvolvimento da competência
midiática.
É interessante ressaltar que as dimensões também se adequam
ao perfil dos prosumidores, uma vez que apresentam indicadores para
desenvolver competências no âmbito da análise e também da expressão.
O fato de não figurar como um modelo fechado e inflexível, permite que
as dimensões sejam trabalhadas em conjunto com outras metodologias
e abarcam a possibilidade de trabalhar atividades práticas, lúdicas e que
promovem a participação e reflexão dos indivíduos.
Muitos são os desafios enfrentados na missão de sensibilizar
os olhares dos mais novos e ainda maiores são as trocas que cada
nova experiência proporciona, com ganhos para quem aprende e para
aqueles que intermediam o conhecimento.

O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA MIDIÁTICA POR MEIO DE


OFICINAS DE AUDIOVISUAL

Em um contexto em que as crianças absorvem melhor as


informações na medida em que também produzem conteúdo, a escolha
pelas oficinas de audiovisual como práticas para o desenvolvimento da
competência audiovisual mostra-se eficiente.

208
De acordo com Vieira e Volquind (2002), oficina é uma
modalidade de ação que promove a investigação, ação e reflexão,
além de combinar o trabalho individual com a tarefa socializada
e garantir uma articulação entre teoria e prática. Para as autoras,
esta articulação ocorre no equilíbrio entre três instâncias: o pensar,
o sentir e o agir. Para Paviani e Fontana (2009, p.78): A oficina
pedagógica atende, basicamente, a duas finalidades: (a) articulação de
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

conceitos, pressupostos e noções com ações concretas, vivenciadas


pelo participante ou aprendiz; e b) vivência e execução de tarefas em
equipe, isto é, apropriação ou construção coletiva de saberes.
Uma proposta de oficinas de audiovisual foi desenvolvida
a partir do Laboratório de Audiovisual, uma ação concebida pelo
Observatório da Qualidade no Audiovisual no âmbito do projeto
Competências midiáticas em cenários brasileiros e euroamericanos
(BORGES, 2019, com apoio do CNPQ, FAPEMIG e UFJF) com o objetivo
de desenvolver a competência midiática, através da realização de
oficinas de audiovisual que abordam conceitos como princípios
básicos da animação, técnicas de animação em stopmotion, linguagem
cinematográfica, sonoplastia, dentre outros, conforme veremos
detalhadamente a seguir.
As experiências vivenciadas através deste projeto permitiram
a realização de uma proposta de oficina que visa abarcar os parâmetros
de qualidade audiovisual, a fim de contribuir para o desenvolvimento
da competência audiovisual do público infantojuvenil.
A metodologia de referência foi desenvolvida a partir dos
estudos de Vieira (2016) através de um projeto de formação do
audiovisual realizado em escolas públicas de Juiz de Fora/MG, entre
agosto de 2013 e abril de 2014, desenvolvido em parceria com o Programa
de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação Social da UFJF. De
acordo com a autora, a metodologia desenvolvida procurava abordar
a “[...] discussão da linguagem audiovisual, focado em quatro pilares:
ouvir, ver, fazer, refletir” (VIEIRA, 2016, p.6).
As quatro oficinas que compõem o Laboratório de Audiovisual
abordam os diferentes aspectos e etapas envolvidos na produção e na

209
construção da linguagem audiovisual. São elas: Brinquedos Ópticos, Eu,
Youtuber, Contando Histórias e Que som é esse?. Estas foram pensadas
de forma a se complementarem, ao mesmo tempo em que pudessem
ser aplicadas individualmente, não exigindo que os alunos tivessem
conhecimento da oficina anterior para desenvolver as atividades da
oficina atual.
Todas elas apresentam os seguintes movimentos: ver, refletir,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

apreender e criar. Como ‘ver’, entendemos o primeiro contato do


aluno com determinado produto audiovisual, sem contextualização
prévia. Em seguida os alunos são convidados a ‘refletir’ sobre como o
vídeo foi criado, levantando hipóteses com base no repertório de cada
um. A partir das hipóteses, são explicados os conceitos envolvidos na
criação do vídeo, para que os alunos possam ‘apreender’ os processos
envolvidos. No último movimento, o de ‘criar’, os alunos são estimulados
a colocar em prática os conceitos transmitidos ao longo da oficina.
A realização de cada oficina contribuiu para a construção de
uma proposta mais aprimorada, tanto com a inclusão de produtos
audiovisuais que sejam mais relevantes do ponto de vista da qualidade,
quanto na proposição das atividades a serem desenvolvidas. Sendo o
ciberespaço um ambiente dinâmico, suscetível a mudanças constantes
e um ambiente de participação, é importante que as oficinas tenham um
formato flexível, a fim de abarcar os novos meios de produção, os novos
conteúdos e as novas formas de socialização e linguagens. Neste sentido,
é fundamental estarmos atentos para estas transformações, a fim de
oferecer ferramentas para criação que sejam válidas no ciberespaço, assim
como direcionar o olhar do aluno para as novidades.
Em uma sociedade imagética, em que as relações são
constantemente mediadas pelas imagens, o desenvolvimento de
habilidades que permitem ao indivíduo atuar de maneira mais efetiva
através da linguagem audiovisual se torna necessária. O impacto social
ocasionado pelos meios de comunicação ocorre quando os indivíduos
estão aptos a manipular os novos meios, sendo assim, a literacia
midiática apresenta-se como um pré-requisito para a ocorrência de
uma transformação cultural.

210
A presença dos dispositivos móveis com acesso à internet
é uma realidade na vida dos indivíduos desde as idades iniciais.
Tendo isto em consideração, é necessário que se entenda a dinâmica
do consumo e produção de conteúdos midiáticos, sobretudo o
audiovisual, pelo público infanto juvenil, a fim de definir estratégias
para o desenvolvimento da competência midiática na sensibilização do
olhar no referido público. O consumo midiático atualmente acontece
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

desde a infância e é praticado por um público heterogêneo e ativo, que


é capaz de compreender as mensagens a partir de seu repertório como
também atuam como criadores de conteúdo.
Neste contexto, a discussão sobre qualidade no audiovisual
fornece referências para que possamos pensar a participação
infantojuvenil efetiva no ambiente da cultura participativa.
As oficinas de audiovisual atuam como uma possibilidade
para desenvolvimento da competência midiática, sobretudo quando
trabalhamos elementos que promovem a qualidade audiovisual,
através da formação de um repertório de qualidade. No âmbito da
cultura participativa, indivíduos que possuem sensibilidade para criar
e identificar produtos audiovisuais de qualidade tornam-se sujeitos
ativos e capazes de exercer influência positiva no meio em que vivem,
transmitindo suas mensagens e ocupando os lugares que lhes são de
direito de forma eficiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos que, em suas experiências de apropriação de


novos conhecimentos e habilidades, proporcionadas pela manipulação
de equipamentos e utilização da linguagem audiovisual, os alunos
tendem a repetir referências do ambiente em que vivem, fazendo do
audiovisual um meio de expressão mais efetivo do que a escrita. O uso
de tecnologias de produção de imagens cria um ambiente lúdico e
dinâmico, aumenta a autoestima dos alunos e os deixa mais motivados,
criando condições favoráveis de aprendizagem. O desenvolvimento da

211
competência midiática audiovisual, trabalhada através de atividades
de percepção, observação, imaginação e sensibilização estética,
pode contribuir para que os alunos tenham consciência do seu lugar
no mundo e maior compreensão de conteúdos das outras áreas do
currículo.
Assim como os artistas, que subvertem a lógica do meio que
utilizam para se expressar livremente e transgredir a lógica imposta
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

pelos códigos dos meios de produção, a liberdade de expressão do


indivíduo perpassa pelo entendimento de como desconstruir aquilo
que lhe é imposto para, a partir daí, criar mensagens mais eficientes
e criativas e se tornar parte integrante de uma sociedade mais crítica
e plural. Um indivíduo apto para se expressar através das imagens é
capaz de impactar o meio em que vive e modificar o seu entorno.

212
NOTAS

[1] Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/about/press.


Acesso em: 14 set. 2019

[2] Google Provokers. Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/


tendencias-de-consumo/pesquisa-video-viewers-como-os-brasileiros-estao-
consumindo-videos-em-2018.Acesso em: 14 set. 2019.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

[3] Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br. (2017). Disponível em:https://cetic.


br/media/analises/Apresentacao-lancamento-das-publicacoes-das-pesquisas-
tic-educacao-e-tic-kids-online-brasil-2017.pdf. Acesso em: 15 set. 2019.

[4] Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br. (2016). Pesquisa Sobre o Uso da
Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil: TIC Kids Online Brasil 2016.
Disponível em: http://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_KIDS_
ONLINE_2016_LivroEletronico.pdf. Acesso em: 18 jun. 2018.

[5] Laboratório que investiga as principais transformações na comunicação


contemporânea e na cultura digital, com foco nos M.E.D.I.A. (Mídias, Entretenimento,
Design, Informação e Artes)

[6] [...] cultural practices are defined according to the types of discourses that provide
the ‘constitutional infrastructure’ that allows actors to build models of knowledge on
which action is based.

[7] YouTube is [...] all about sharing moments online with a potentially worldwide
audience, but actually a limited number of viewers.

213
REFERÊNCIAS
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canal 2. Editora da UFJF, 2014.

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VIEIRA, Elaine; VOLQUIND, Lea. Oficinas de ensino: O quê? Por quê? Como? 4. ed.
Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

215
10
A experiência social do Ver e do Fazer-Se Ver:
uma possibilidade do documentário como
ferramenta pedagógica [1]
Gabriela Spagnuolo Cavicchioli e Lyana Thédiga de Miranda

O Homem não poderia se ver completamente fora


da Humanidade; nem a Humanidade
fora da Vida, nem a Vida fora do Universo
(TEILHARD DE CHARDIN, 2006, p. 5)

Propomos tomar, como ponto de partida para a nossa reflexão,


a compreensão que – de forma implícita e ao mesmo tempo capital
– se apresenta no trecho de abertura: a ideia de vínculo. Mas, para
tanto, será preciso assumir uma concepção que vai além da simples
amarração ou ligação. O vínculo será aqui tomado em seu sentido
concreto, que limita e compõe a percepção, uma “[...] estrutura
dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada ou movida
por fatores instintivos [...] que inclui a conduta” (PICHON-RIVIÈRE,
2007, p. 17).
Desta forma, a noção de vínculo que permeia todo o texto,
atravessou o próprio entendimento que marca o ingresso das
tecnologias digitais móveis na escola, de maneira a tornar impossível
percebê-la – ou vê-la – sem que se leve em consideração a simbiose
entre tais artefatos e o contexto que os acolhe. Assim, parafraseando
Teilhard de Chardin (2006), não poderíamos ver e fazer ver sobre o
uso e as possibilidades pedagógicas das tecnologias digitais móveis na
escola, e menos ainda fazer-se ver com a criação de um documentário,
estando fora deles, ou seja, sem que percebêssemos seus vínculos e
nos víssemos vinculados a ele.
É emergente a necessidade em se atuar e conjeturar sobre
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

o mundo, agregando o compromisso genérico (próprio do homem)


ao comprometimento profissional, a fim de superar a consciência
condicionada das massas, ou seja, a alienação. Os sujeitos tomados pela
acriticidade não são capazes de ver o ser humano em sua totalidade.
A conscientização do compromisso assumido é de essencial
importância para uma intervenção efetiva em uma realidade concreta.
Não se pode falar em educação sem se refletir sobre o próprio homem.
Isso porque, segundo Freire (1982, p.32), a raiz da educação está na busca
dos sujeitos em ser mais. “Em todo homem existe um ímpeto criador.
O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem. A educação é mais
autêntica quanto mais se desenvolve este ímpeto ontológico de criar [...]”.
Partindo desta perspectiva, defendemos a construção de
uma consciência crítica por parte dos educandos, de forma que estes
possam refletir sobre sua própria realidade. Freire (1982, p. 32) afirma
que “é necessário darmos oportunidade para que os educandos sejam
eles mesmos. Caso contrário, domesticamos, o que significa negar a
educação”.
De igual maneira, a elaboração audiovisual pautada na relação
entre escola, tecnologias e comunidade por meio do documentário –
buscada desde a escolha do tema, relacionando-o ao conteúdo escolar,
até a importância e inserção sociocultural no contexto trabalhado, não
poderia ser vista sem que considerássemos algumas aproximações a
conceitos que se mostraram entrelaçados a uma proposta reflexiva,
tais como cultura visual (MARTIN-BARBERO, 2001, 2004; CANEVACCI,
2009; FISCHER, 2002), cultura digital (FANTIN; GIRARDELLO, 2009;
FANTIN, 2012) e cultura escolar (POL et al., 2007).
Assim, tecemos, sob a forma de relato de experiência, reflexões

217
sobre as possibilidades pedagógicas do gênero documentário e sua
inserção em uma escola que buscou trabalhar com a inserção das
tecnologias móveis. O enquadramento é o processo de elaboração e
construção da apresentação do gênero documentário como ferramenta
pedagógica e possibilidade de participação e criação por parte dos sujeitos
envolvidos (e vinculados), de modo a compreender a realidade concreta.
Fruto de um vínculo, este relato se insere em um âmbito mais
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

amplo de uma pesquisa coletiva e interinstitucional sobre os laptops


na escola com a finalidade de promover a inclusão digital e social
(QUARTIERO; BONILLA; FANTIN, 2015), realizada com apoio financeiro
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) [2]. A pesquisa visava investigar as ações, problemas e
estratégias empregadas na busca pela concretização do Programa Um
Computador por Aluno (Prouca) e desenvolveu ações pedagógicas em
escolas públicas de educação básica, que não apenas estruturaram
o nosso ver como também inspiraram outras ações investigativas na
pesquisa subsequente, Competências Midiáticas em Cenários brasileiros
e euroamericanos (BORGES, 2014).
Assim, a investigação envolveu diversos focos de pesquisa
e o recorte escolhido para esta reflexão diz respeito às práticas
pedagógicas instauradas nas escolas a partir da inserção dos laptops.
Desta forma, partimos do macro, ou seja, do objetivo da inclusão digital
na escola para chegar à particularidade de discutir sobre a realização
do documentário como possibilidade pedagógica nesse contexto.
Com esse entendimento, este capítulo se concentra nas etapas
para a criação de um documentário multidisciplinar em uma turma
de 8ª série de uma Escola Municipal de Ensino Básico, localizada em
Florianópolis/SC. Ao todo, para a produção do audiovisual, foram
quatro encontros, com a presença dos alunos da turma em questão
e dos professores interessados, em que foram realizadas atividades
levando-se em consideração as três etapas-bases no processo de
criação: a pré-produção, a produção e a pós-produção. Assim, este
relato se delineia seguindo o objetivo de possibilitar o acesso, o uso
pedagógico e a criação de um produto audiovisual – neste caso um

218
documentário – sob um viés crítico, autônomo e como agente de
socialização e cidadania.

UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO

Alguns princípios da inclusão digital contemplados em


diversos programas oficiais para integração das tecnologias móveis
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

na escola auxiliaram na formulação de questões que nortearam a


proposta da criação de um documentário com alunos de uma escola
participante do Prouca [3], entre elas: de que forma as tecnologias
podem ser utilizadas tendo em vista uma atuação “autônoma e
colaborativa” na escola? Quais seriam as capacidades e competências
necessárias? O acesso a tais ferramentas qualifica os procedimentos
de ensino-aprendizagem? A “universalização do uso” permite uma real
inserção e participação da comunidade (incluindo os alunos, família,
comunidade escolar) nas dinâmicas da rede (internet)?
Contudo, entendemos que, ao atuarem como canal de
circulação do conhecimento e de produção (e reprodução) do consumo
cultural em tempo real e ao impelirem os alunos a operar ativamente
com/nesses canais, as tecnologias digitais móveis colocam em xeque
um importante papel não apenas na participação, mas na construção
de uma cultura participativa, que se descola da expressão individual e
se atrela a um processo em que todos se envolvem ( JENKINS, 2006). E
que, por consequência, questiona a própria possibilidade de produção
do que é concebido como real – caso particular do audiovisual e,
sobretudo, do documentário –, bem como interroga sobre o que
estamos dispostos a acreditar ou, como indaga Nichols (2006, p. 23)
“quais poderiam ser as consequências dessa nossa fé ou crença para a
relação com o mundo histórico em que vivemos”.
Com esse entendimento, o documentário surgiu como
oportunidade de possibilitar a participação e suscitar questionamentos
sobre o contexto representado. Mas, principalmente, como ocasião
para ver por meio da visão fílmica – e aqui, mais uma vez, se mostra

219
oportuno retomar a ideia de vínculo, de criação e criticidade – a
representação do real que compartilhamos, assim como a formulação
da conduta que agrega em tal realidade as dinâmicas da cultura
digital, da cultura escolar e da cultura visual. Ao percebermos ambos,
o documentário e o contexto que retrata, bem como seus retratantes
em uma relação de vínculo, ou como ponderou Pichon-Rivière (2007,
p. 17), em seu “sentido concreto”, tal produção audiovisual nos dará
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

“a capacidade de ver questões oportunas que necessitam de atenção”


(NICHOLS, 2005, p. 27). Uma possibilidade ao ver e ver-se em sua
totalidade.

BREVE APROXIMAÇÃO ENTRE O DOCUMENTÁRIO E


AS “TRÊS CULTURAS”: VISUAL, DIGITAL E ESCOLAR

Em uma breve e didática demarcação, Nichols (2005) separa


o que define como documentário de ficção e de não-ficção. Os
documentários de ficção são aqueles que traduzem em representação
visual, o conteúdo possível somente na imaginação, no plano do
onírico, no íntimo do desejo. Assim, uma animação, o último grande
vencedor do prêmio mundial de efeitos visuais e a tradução audiovisual
de um clássico conto infantil seriam, segundo essa classificação,
filmes de ficção. Já os documentários de não-ficção são o que o autor
chama de filme de representação social, e que denomina apenas como
documentário. Desta forma, apresentam de forma “visível e audível, de
maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social, de acordo
com a seleção e a organização realizadas pelo cineasta” (NICHOLS,
2005, p. 27).
Cabe ressaltar que a definição apresentada por Nichols (2005)
sugere uma discussão que extrapola a acepção do que é ou não um
documentário pela demarcação formal (ter ou não efeitos visuais, ser
ou não baseada em uma história verídica, ser fiel à realidade). Com
essa separação, o autor chama a atenção para as questões éticas
envolvidas em tal produção, sobretudo, na representação que este faz

220
da realidade social e seu lugar na construção desta mesma realidade. “O
vínculo entre o documentário e o mundo histórico é forte e profundo.
O documentário acrescenta uma nova dimensão à memória popular e
à história social” (NICHOLS, 2005, p. 27).
Assim, tomando a simbiose que também caracteriza e
atravessa a própria concepção de documentário, foi preciso observar,
adentrar e, como propõe Geertz (2008), interpretar as culturas,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

neste caso, “três culturas” que compõem o contexto difuso da escola


contemporânea para, então, propor a intervenção. Mas, como um
processo que se pauta pela “busca de significado” (NICHOLS, 2005, p.
4) de algo que se caracteriza por ser as tramas de um vínculo dinâmico
e em constante movimento, pensar a cultura digital, visual – na qual se
inclui a audiovisual – e a escolar se caracteriza pela busca contínua.
Será nesse emaranhado, que fazer-se ver toma forma. Segundo
Canevacci (2009, p. 26)

[...] para desenvolver o ponto de vista da observação reflexiva, é preciso


colocar-se nesta pró-posição [...] não no sentido de aparecer, mas nos
variados sentidos de desenvolver qualidades sensitivas fundadas nas
percepções do olhar, na sensibilidade do ver, do transformar-se além
do sujeito-em-visão, do mudar-se em ver, em coisa-que-vê. Tornar-se
olhar, fazer-se olho, fazer-se.

Assim, ao fazer-se ver, estamos vendo e sendo vistos ao mesmo


tempo em que refletimos e fazemos refletir, assim como propõe a
realização do documentário. Nesse sentido, a cultura visual, formada
pelas práticas do ver e do fazer ver, estas cada vez mais divulgadas
como possibilidades produtivas por meio das ferramentas digitais, é
tomada como cultura por propor a análise de algo construído social e
culturalmente, do qual se é parte ao mesmo tempo em que se está “à
procura o significado” (GEERTZ, 2008, p. 4).
Dentre o grande campo de visualidades que compõe a cultura
visual (arte, publicidade, cinema, fotografia, informações), o digital
surge como possibilidade de ampliação e disseminação que vai além
das trocas de conteúdo. São trocas que ampliam a “[...] experiência
social e cultural do ver, ressaltando seus impactos na formação de

221
identidades e subjetividades” (TOURINHO, 2011, p. 5). Com esse
entendimento, e levando-se em consideração o contexto em que as
tecnologias digitais estão inseridas, onde também se insere o Prouca
e consequentemente a escola, adornados pelos dispositivos e conteúdos
imagéticos, pensar a participação passa, necessariamente, pela concepção
de uma cultura digital.
Contudo, é preciso alargar a concepção que atrela, e mesmo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

equaliza, a concepção de cultura digital à acepção corrente de inclusão


digital. Para muitos, sobretudo, para os documentos oficiais nos quais
o Prouca se pautava, a ideia de inclusão predizia a simples presença
ou adoção das tecnologias. Assim, como uma iniciativa governamental
que se propunha inclusiva, o Prouca se configurava como uma ação
inserida nas demais “políticas de governo voltadas aos processos de
inclusão digital” (BRASIL, 2010) e reverberava a crença da inclusão
como incrementos na aprendizagem, o que nem sempre acontecia,
como aponta a reflexão de Quartiero, Bonilla e Fantin (2015).
Para superar tal simplificação, era preciso tomar a cultura
digital a partir da relação que uma sociedade ou grupo estabelecia
com ela, de forma a promover a participação e a apropriação criativa,
cidadã e política e a inclusão, mas no sentido de “uma inclusão que
seja também política, social e cultural” (FANTIN; GIRARDELLO, 2009,
p. 71). Tal inclusão retoma a concepção da cultura escolar como uma
fértil ultrapassagem dessa consideração como um simples conceito
administrativo, de “cultura de organização” (POL et al., 2007). Com
essa extrapolação, é possível pensar a cultura escolar nos preceitos
apresentados por Sodré (MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO, 2002)
2002) que aproxima e entrelaça a cultura escolar e a política.

Quando nós entendemos política como livre agir, como agir com livre
iniciativa, a partir de interesses dos grupos particulares, aí nós vemos
que a educação e que a cultura têm que estar ligadas ao livre agir político
(MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO, 2002).

Foi a partir desses entrelaçamentos que tramamos a teia na


qual propomos a realização de um documentário com os alunos na
escola.

222
OFICINA DE VÍDEO: DIALOGANDO E INTERVINDO NA
PRODUÇÃO DE UM DOCUMENTÁRIO COM A TURMA 81

Desde 2012 o Grupo de Pesquisa Núcleo Infância Comunicação


Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq, atuava com pesquisa e formação
(observações, intervenções, encontros, formações, etc.) na Escola
Básica Vitor Miguel de Souza, situada no bairro Itacorubi, em
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Florianópolis (SC). Integrante de uma pesquisa macro, a proposta


de construir um documentário partiu da necessidade – identificada
pelas pesquisadoras que acompanhavam as turmas em observações-
participantes – de propor um uso crítico, criativo e contextualizado
das tecnologias digitais. Assim, o foco deste trabalho está no processo
de elaboração e construção da apresentação do documentário como
ferramenta pedagógica e possibilidade de participação e criação
por parte dos sujeitos envolvidos, a fim de compreender com
maior complexidade uma realidade concreta. Nessa perspectiva, o
documentário

[...] não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo


em que vivemos. Representa uma determinada visão do mundo, uma
visão com a qual talvez nunca tenhamos deparado antes, mesmo que
os aspectos do mundo nela representados sejam familiares (NICHOLS,
2005, p. 47).

No início, o acompanhamento era concomitante em diferentes


turmas e aulas. O que aquele artefato [laptop] disponibilizado poderia
mudar no dia-a-dia dos estudantes?
O novo, surpresas, indignações, sorrisos, angústias
compartilhadas e a vontade de conhecer e descobrir permearam todo
o processo dentro da escola. De acordo com a ideia de explorar cada
vez mais o laptop disponível enquanto dispositivo do e para o saber,
ênfase deste capítulo, foram realizadas durante cerca de 6 meses
diversas ações entre observações e a intervenção especificamente na
turma do 8º ano do Ensino Fundamental (complementar à disciplina
de geografia), que aqui serão esmiuçadas e descritas. Estas foram

223
compostas por oficinas de audiovisual e processos de filmagem (pré-
produção, produção e pós-produção). Contudo, outras disciplinas
como matemática, português [4] e ciências também fizeram parte do
cotidiano do observar e do sentir junto todo dia.
Naquele contexto participante de uma política pública pautada
na inclusão digital era visível um número menor de laptops do que
de sujeitos, e a pergunta “Onde estão as máquinas?” foi amplamente
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

discutida no decorrer da pesquisa, como apontam Quartiero, Bonilla


e Fantin (2015), pois desde o primeiro dia de observação, 14 alunos
estavam sem o laptop. Motivos? Justificativas? Entre elas, encontramos
argumentos como falta de carregador (ou de onde carregar), matrícula
realizada pós-distribuição das máquinas, mau uso por parte dos
responsáveis, enfrentamento dos alunos com os docentes, esgotamento
por parte de professores [5] - e, ao mesmo tempo, múltiplos estímulos
dos alunos.
Diante desse quadro, a discussão sobre a interferência da
cultura de massa na educação se faz necessária quando se pensa
em uma sociedade midiatizada. Entra em foco a ação e o olhar do
homem sobre o mundo. As diversas mídias – que não podem ser
desconsideradas como cultura – têm influenciado cada vez mais as
formas de ser e agir em sociedade, estabelecendo mediações entre
sujeitos em uma perspectiva mais ampla, modificando formas de
conectividade, interações e modos de “ler o mundo”. Em destaque
se mostram as transformações no âmbito da ciência, economia, arte,
relações pessoais e interpessoais, resultando na dimensão político-
cultural da educação, que, a partir de tais demandas aqui expostas, se faz
necessário emergir novos meios e práticas educativas (FANTIN, 2008).
Tais diálogos entre as pessoas e as tecnologias têm gerado
reflexões no aspecto educacional, possibilitando um construir e
reconstruir não linear nesta relação. Não se pode negar que os aparatos
tecnológicos vêm ganhando espaço considerável no que diz respeito à
vida social e cotidiana tanto dos brasileiros, quanto de qualquer outro,
em diferentes espaços do planeta. Assim, é preciso criar condições para
que a exploração, criação e participação dos e nos meios midiáticos

224
sejam mais ativas e interativas, permitindo além de comunicar, pensar
e criar, “[...] produzindo cultura de modo reflexivo” (FANTIN, 2008, p.
71). Afinal, como diz Freire (1982, p. 16) “[...] a primeira condição para
que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de
agir e refletir”.
A turma 81, em tal contexto, era composta por 36 estudantes
matriculados - um deles com necessidades especiais [6] - e foi receptiva
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

à proposta feita pelas pesquisadoras. Nada de forma vertical, mas a


partir de muito diálogo e pensar. Vínculos se estabeleciam, ideias e
empolgação. Mão na massa!
A ideia de aliar a linguagem audiovisual ao conteúdo das
pescas artesanal e industrial, abordado na disciplina de geografia,
estava sendo avaliada e discutida desde o primeiro mês de observação.
Durante o processo foi realizada a oficina de vídeo, ministradas pelas
pesquisadoras, o que possibilitou maior aproximação dos estudantes
com o tema, bem como o contato com roteiros de organização e
técnicas de filmagem. Foram dois encontros, de aproximadamente 2
horas de duração.
No primeiro dia, as atividades foram propostas a fim de
apresentar a oficina, as dinâmicas e as linguagens a serem trabalhadas,
bem como os objetivos almejados. Para tanto, representando diferentes
formatos de linguagem, foi editado um pequeno vídeo com fragmentos
de diferentes perspectivas, tais como comercial; notícia; documentário
- colagem de documentários sobre adolescentes tais como Falcão -
meninos do tráfico (2006), Criança a alma do negócio (2008); Sete notas,
Oito Mil quilômetros, Um sonho [7]; Entre os muros da escola (2008); Ilha
das flores (1989) – e apresentado ao grupo, proporcionando discussão
e reflexão sobre as diferentes abordagens para a transmissão de uma
mensagem.
Posteriormente, a partir da dinâmica “troca de papéis”
procuramos apresentar as diferentes funções exercidas na atividade
de construção de um produto audiovisual (diretor, produtor, câmera
e atores). Para tanto, os participantes foram divididos em pequenos
grupos, cada um com uma função estabelecida, sendo que em

225
determinado momento trocavam-se os papéis. Estavam presentes,
além dos estudantes, o docente da disciplina de geografia, o técnico
da sala informatizada, a docente de inglês e a supervisora escolar.
Foram eles que fizeram um primeiro movimento de demonstração da
atividade, “quebrando o gelo” com os alunos e com as pesquisadoras.
Os alunos pareceram se divertir e se motivar ao verem os professores
participando. Após, foi feita uma conversa sobre a vivência, as
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

dificuldades, as observações e os questionamentos. Ressalta-se que


a ênfase nesta etapa foi como usar a câmera, já que o grupo iria se
dividir para pensar uma questão para abordar na produção do
vídeodocumentário.
No segundo dia [8], o foco se deu na ideia e apresentação
do roteiro e seus elementos, bem como na divisão dos grupos para
produção audiovisual. A partir disso, partimos para a elaboração de
roteiro baseada em pequena produção de vídeo documentário como
exercício [9]. Técnicas de filmagem e montagem de tomadas [10] foram
abordadas, destacando o bombardeio de informações, e a questão da
confiabilidade e falta de credibilidade nas matérias abundantes na
rede. Por esses motivos destacamos a necessidade em preparar melhor
os sujeitos, para que realizem uma seleção plausível antes de confiar
plenamente no que estão acessando.

Precisamos aprender a ler cada fonte de informação comparando-as


umas com as outras; entender os contextos nos quais a informação é
produzida e circulada; identificar os mecanismos que asseguram a
exatidão da informação assim como perceber sob quais circunstâncias
estes mecanismos funcionam melhor ( JENKINS, 2006, p. 44, livre
tradução das autoras). [11]

Desta forma, acredita-se que um dos maiores desafios neste


contexto seja não apenas dar base para reflexão sobre prós e contras
de determinada fonte de informação, ou mensagem propagada, mas
também dar suporte para que os estudantes e sujeitos ativos da
sociedade consigam discernir o que está por trás das palavras escritas,
o que vai mais além. Freire (1982, p. 32) diz que a raiz da educação está
na busca dos sujeitos em ser mais; “Em todo homem existe um ímpeto

226
criador. O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem. A educação
é mais autêntica quanto mais se desenvolve este ímpeto ontológico de
criar [...]”.
Continuaram os acompanhamentos dos processos de estudos
e reflexões sobre o tema da pesca e, então, a partir da discussão
macro chegamos a uma questão micro: e a pesca em Florianópolis? E
a pesca da tainha? Reflexões abordando globalização, conseqüências
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

ambientais e sociais, cultura açoriana e atividades comunitárias deram


espaço para propostas e pretensões.
A ideia se apresentava como saída de campo ao Rancho da
Canoa, situado na praia do Campeche, sul da ilha Santa Catarina, para
os alunos terem “conversas de pescador” com o nativo e conhecido
“Seo” Getúlio. Os grupos foram definidos com os seguintes temas:
G1- importância da pesca artesanal pelo olhar dos pescadores; G2 - a
importância da pesca no Campeche; G3 - funções do pescador e suas
características; G4 - surfistas e a pesca da Tainha.
Para a filmagem, levantamos algumas dificuldades em realizar
com o laptop distribuído pelo Prouca, tais como pouco espaço de
armazenamento, pouca memória e pouco tempo de funcionamento dos
carregadores. Neste sentido, solicitamos alguns materiais à instituição
que disponibilizou uma filmadora com mini-cd. Assim, para o dia da
gravação, solicitamos que aqueles que tivessem algum equipamento,
como filmadora, máquina digital ou mesmo celular, levassem para a
execução da atividade.
Chega então o momento de conhecerem um pescador nativo,
militante, educador, que educa a dor com força e balanço das ondas do
mar, remelexos da vida narrados com Glória, barco utilizado no dia a
dia do pescar de sonhos, ideologias e análises da realidade. Ressaltamos
que todos sentaram em roda para interagir com o narrador, fazendo
perguntas já pré-definidas, refletindo e vivendo mais de perto o tema
estudado. Algumas tomadas do espaço foram realizadas, já que todos
os subtemas elencados para a produção dos materiais audiovisuais
foram abordados na roda de conversas e por conta do tempo e horário,
não foi possível entrevistar mais pessoas.

227
Desde as 8h da manhã estive na PRAIA DO CAMPECHE, aguardando os
estudantes para o dia de filmagem e estudos sobre a pesca da Tainha.
Conversei bastante com Seo Getúlio, expliquei a proposta do encontro,
o ajudei na organização do espaço, varremos todo o local, tomamos café
quente até a chegada do grupo. O oitavo ano chegou acompanhado dos
professores de geografia, ciências e inglês. Todos animados, com as
filmadoras e máquinas digitais nas mãos, bem como o roteiro. Fiquei
encantada com a animação! Meus olhos brilharam junto com os deles.
Em uma grande roda de conversas, os alunos fizeram as perguntas
formuladas para o próprio pescador, que respondeu e refletiu conosco
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

sobre a pesca artesanal e os impactos da globalização na cultura local.


Após o momento, os alunos fizeram filmagens do Rancho, dos espaços,
do barco. Não houve tempo para buscar mais entrevistados (DIÁRIO DE
CAMPO, 2012, p. 19).

Pensando especificamente na edição, foi marcado um


encontro com o grupo a fim de verificar as filmagens e elencar ideias
para a edição. No entanto, percebemos algumas dificuldades como,
por exemplo, o armazenamento dos arquivos no mini-cd (onde estava
armazenado o conteúdo). Os computadores da sala informatizada não
possuíam leitor de DVD, e no notebook da escola não foi possível abrir
o arquivo, o computador travou bastante durante o processo devido à
falta de capacidade para o processamento. A tentativa foi com o laptop
do professor de geografia, que tentou passar o material do mini-cd
para pen drive. No entanto, como o conteúdo estava bastante pesado
devido à quantidade de tempo de filmagem, houve problemas na
conclusão desta ação.
Além disso, como o conteúdo de gravação ficou bastante
extenso - mais de uma hora de filmagem - o grupo não conseguiu
assistir o material todo para elaboração de roteiro de edição, sobretudo
por falta de horários disponíveis para essa etapa. Observamos também
que todas as filmagens estavam bem parecidas. Não houve a diferença dos
grupos em abordarem distintas especificidades sobre o mesmo tema.
Assim, foram definidas algumas estratégias tais como fazer
um vídeo coletivo para finalizar o processo. Para que houvesse
participação dos alunos na edição do material, pensamos na
possibilidade de eleger representantes de cada grupo que levassem as
ideias para edição coletiva com atendimento presencial. Porém, como

228
o combinado foi que o docente exibiria o material captado em sala e a
partir disso encaminharia as propostas dos grupos para encontro com
representantes não se concretizou [12], e tendo em vista o pouco tempo
para a chegada das férias, a edição – realizada pelas pesquisadoras –
foi feita com base nas ideias já levantadas nos encontros anteriores
supracitados pelas pesquisadoras.
Por fim, um último encontro para exibição do vídeo. Na
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

própria sala de aula, montou-se a estrutura de projeção, apagaram-se


as luzes e deu-se início à visualização das filmagens. A cada imagem,
os sorrisos, vibrações e comentários sobre cada sujeito, cada gesto,
cada voz [13]. O fazer-se ver. O brilho no olhar.
Naquele dia, o audiovisual foi exibido quatro vezes. E para
além desse, quantas vezes mais forem possíveis. Registros, assim se
faz a história. Participação, assim se faz o verdadeiro diálogo entre o
pensar, viver e produzir.

ALGUMAS CONCLUSÕES

Consideramos que participar é reconhecer que a forma com


que o ser humano está inserido em determinada realidade o leva a
uma intervenção, isto é, a uma ação ou não ação em uma realidade
concreta. Assim, defendemos nesse trabalho que a participação está
intrinsecamente relacionada à influência que os sujeitos exercem na
realidade. Tal pensamento é corroborado pelas sábias palavras de
Paulo Freire (1982, p. 33):

O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem


transformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em
que os homens, dentro de sua sociedade, vão respondendo aos desafios
do mundo, vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo
história pela sua própria atividade criadora.

Com esse entendimento, foi possível perceber que o


gênero documentário destacou-se por seu potencial reflexivo e
transformador, capaz de promover um processo cambiante entre o
ver e o fazer-se ver (CANEVACCI, 2009). Contudo, os dados mostraram

229
que, para que se alcance o objetivo almejado, é preciso participação
conjunta dos integrantes (alunos, professores, gestores), a imersão nas
especificidades da linguagem audiovisual no contexto das tecnologias
digitais móveis e, sobretudo, a necessidade de a escola, seus
métodos, técnicas e estratégias pedagógicas, se inserir no panorama
comunicacional do nosso tempo.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

230
NOTAS

[1] Este texto é uma adaptação do artigo de (CAVICCHIOLI, G.; MIRANDA, L., 2013)

[2] Contemplado a partir da aprovação do edital de chamada Pública nº 76/2010.

[3] O Prouca fez parte de uma política pública governamental (2007-2015) com a
finalidade de promover a inclusão digital. Disponível em: www.uca.gov.br. Acesso
em: 2 out. 2019.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

[4] Em atividade dirigida realizada durante uma aula observada, a docente propôs uma
atividade chamada Feira do Consumo, cujo objetivo se dava em realizar um debate
sobre os temas abordados em aulas ministradas nas próximas semanas. Algumas
folhas específicas (papel sulfite dividido em quatro partes) foram distribuídas para
registro das respostas de perguntas feitas em voz alta com algumas questões sobre
hábito alimentar, gosto musical, cor preferida, salgado ou doce, hábito de leitura,
filme, esporte, internet, programa de TV favorito, entre outros. Tendo acesso às
respostas dos alunos, foi possível realizar breve tabulação dos apontamentos quando
questionados sobre o site mais frequentado na internet. Levando em consideração
que foram 30 alunos participantes da atividade, e que muitos citaram mais de um
site por pergunta, ficou evidente que naquele momento o site mais usado era a rede
social do Facebook.

[5] Relato: " Professora retira fone de ouvido de um aluno que diz: cadê meu fone
de ouvido? Responde: sabe, profe, ouvindo música a aula passa mais rápido. A
professora questiona: mas você se concentra e aprende ouvindo música? E o aluno
responde sorrindo: sim, profe, perfeitamente" (DIÁRIO DE CAMPO, 2012, p. 15).

[6] Uma auxiliar de ensino estava responsável pelo acompanhamento individual do


aluno. Em conversas e contato maior procurou-se refletir sobre tal uso específico
do laptop no processo ensino/aprendizagem, e aqui principalmente os jogos, porém
não sendo o foco neste trabalho, deixa-se a inquietação como motivação para saber
mais sobre o assunto a posteriori.

[7] Orquestra Sinfônica Jovem de Goiás (50’)

[8] Por conta do tempo, a edição seria trabalhada mais tarde, em um próximo
encontro extraordinário.

[9] Neste exercício, os grupos escolheram (não necessariamente sobre o UCA) os


seguintes temas a serem abordados: medo; grupos musicais; instalação da escola;
jornal da escola; porém por motivos como tempo e falta de material não foi realizado
efetivamente.

[10] Planos aberto, fechado, médio, de conjunto, geral, entre outros.

231
[11] We all must learn how to read one source of information against another; to
understand the contexts within which information is produced and circulated; to
identify the mechanisms that ensure the accuracy of information as well as realizing
under which circumstances those mechanisms work best.

[12] Os alunos se mostraram bastante envolvidos e ansiosos com o processo de


finalização do material, uma vez que sempre relatavam solicitar ao docente mais
momentos para aulas sobre vídeo, porém, por conta da falta de tempo e conteúdo
específico da disciplina de geografia, não foi possível responder às expectativas do
grupo.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

[13] Um comentário de um dos sujeitos participantes: “nossa, profe, como minha voz
está diferente” (DIÁRIO DE CAMPO, 2012, p. 20).

232
REFERÊNCIAS

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CANEVACCI, Massimo. Comunicação Visual. São Paulo: Brasiliense, 2009


BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

CAVICCHIOLI, Gabriela; MIRANDA, Lyana T. A experiência social do ver e do fazer-


se ver: um relato sobre o documentário como ferramenta pedagógica em uma escola
participante do Prouca. In Cadernos de Trabalhos Científicos do II Seminário Aulas
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Geovana Mendonça Lunardi (org). Florianópolis, UDESC, 2013.

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CulturaVisual.pdf. Acesso em: 2 out. 2019

234
11
Cinema e experiência: criação audiovisual
e construção de significados [1]
Mário Luiz da Costa Assunção Júnior e Martha Prata-Linhares

Apesar do quadro evidente de exclusão digital que vigora


em diversas regiões do Brasil e do mundo, em que os indivíduos
são apartados das inovações contemporâneas pela exclusão social,
vivemos uma era de revolução digital em que os impactos das novas
tecnologias na vida cotidiana não encontram precedentes na história.
No contexto contemporâneo, a produção de curtas-metragens
utilizando a tecnologia digital é uma possibilidade concreta em relação
ao ensino.
A propagação e a popularização das mídias digitais, o acesso
aos canais e programas de edição pela internet e a velocidade da
informação nas redes sociais dinamizaram a realidade desses “novos
alunos” (PINO; ZUIN, 2012). Como é ampla e acessível, já que podemos
realizar um filme com imagens captadas de um celular, a produção
de cinema digital proporciona atividades que podem englobar todos
os alunos de uma turma, em etapas distintas do processo criativo.
Trata-se de uma realidade que pode ser utilizada pelo educador, desde
que este introduza os códigos básicos dessa linguagem em projetos
de curta, média e longa duração, pois para nos apropriarmos de uma
linguagem, entendermos, interpretarmos e darmos sentido a ela, é
preciso que aprendamos a operar com seus códigos (MARTINS, 1998;
GRIZZLE; WILSON, 2011).
É essencial que se perceba o estudante no centro do processo
criador, construtor de sentido, pois a aprendizagem diz respeito à
pessoa que aprende e é ela a principal e mais importante personagem
neste processo (PRATA-LINHARES, 2011, p.27). Nesse sentido, pensar a
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

experiência criadora como caminho seguro para a real compreensão


do processo ensino-aprendizagem nos direciona ao debate da inclusão
da linguagem de criação e produção de curtas-metragens.
Porém, mesmo com a popularização das mídias digitais,
quando nos voltamos para o interior das escolas a realidade ainda é
desafiadora. O relatório TALIS (OECD, 2014) assinala que habilidades
para usar as tecnologias digitais nas escolas e para a promoção da
aprendizagem ainda têm sido um desafio para grande parte dos
professores que, apesar de reconhecerem a importância de explorarem
as tecnologias digitais nos espaços de aprendizagem, continuam não
se sentindo preparados. A justificativa é que isso se deve, em parte, por
ser um processo que demanda mudanças contínuas, já que os aparatos
tecnológicos estão em constantes modificações.
Este capítulo discute essa temática e apresenta resultados
de uma pesquisa desenvolvida em Minas Gerais e que foi conduzida
pela pergunta: qual o sentido da experiência de criação audiovisual
quando associada aos processos de ensino- aprendizagem? Em outras
palavras, a pesquisa procurou saber como a produção de curtas-
metragens por alunos e professores pode afetar as práticas de ensino
e aprendizagem nas escolas. O texto está dividido em quatro seções:
a primeira apresenta o cinema como um espaço de saber, a segunda
apresenta a metodologia aplicada e a discussão dos resultados e a
terceira e última parte apresenta a importância educacional desse
estudo.

236
A PRODUÇÃO AUDIOVISUAL COMO UM ESPAÇO DE SABER

Quando estabelecemos o discurso de defesa de uma educação


pontuada pela arte, tal discurso se respalda no impulso criativo que
desloca o estudante de sua condição de passividade na sala de aula.
No caso do cinema, gênero artístico debatido no presente estudo, o
ato de criar envolve inúmeros processos que integram diferentes
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

motivações e inclinações, que apesar de propagar a dinâmica da


solução de problemas corriqueiros e inerentes ao processo de criação
audiovisual, não se prende a ela como fundamento do processo de
aprendizagens. Como afirma Kastrup (2001, p.26),

a perspectiva da arte libera a aprendizagem da solução de problemas,


que faz da performance adaptada um valor em si. Pode-se concluir que
as competências de nada valem se elas apenas intensificam a dimensão
de controle do comportamento, e não são capazes de ser um meio de
exercício da liberdade de fazer diferentemente, de ser diferentemente,
de inventar a si e também a um mundo. O ponto de vista da arte
revela-se como uma forma superior de problematização, ou, em outras
palavras, significa colocar-se frente ao processo de aprender do ponto
de vista da problematização, que define, então, uma forma de relação
com os objetos, com os modos de ação e consigo mesmo. O interessante
aí é que esta forma de relação, esta atitude, esta política que orienta
e dirige o processo de aprendizagem, é um ponto de vista que é, ele
próprio, resultante de um processo efetivo de aprendizagem. Trata-se,
aí, de aprender a aprender.

Segundo Fantin (2006), debatendo as possibilidades do cinema


quando associado à educação, existe a real necessidade de uma
educação que vá além do ensino com o cinema e abarque a produção dos
alunos, pois quando multiplicamos as possibilidades de participação
dos alunos no sentido da autoria, estamos promovendo uma educação
“com os meios (usando o cinema e os filmes em contextos de fruição),
sobre os meios (leitura crítica através da análise cinematográfica) e
através dos meios (produzindo audiovisual, fotografia, roteiros)”
(FANTIN, 2006, p. 8-9).
O sentido da autoria, destacado por Fantin, remete à criação
como elemento fundamental do processo de aprendizagem. A

237
experiência de criação integra múltiplos conhecimentos ao mesmo
tempo em que direciona a ação dos envolvidos do processo criativo. A
perpetuação da criação na memória evidencia seu caráter duradouro
e a relevância da experiência na construção do sujeito crítico, pois

a arte tem assim uma função que poderíamos chamar de conhecimento,


de ‘aprendizagem’. Seu domínio é o do não-racional, do indizível, da
sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

mundo da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso


contato com a arte nos transforma. Porque o objeto artístico traz
em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em
nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os
instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos
rodeia. Entre a complexidade do mundo e a complexidade da arte existe
uma grande afinidade (COLI, 1995, p.109).

A definição da arte como um domínio “sem fronteiras nítidas”


estabelece o paradoxo do fazer artístico na educação, pois ao mesmo
tempo em que se mostra como campo fecundo e criativo, evidencia-
se como lugar do improvável, do não domado, do não sistematizado,
e portanto, área do conhecimento em que as amarras do sistema são
mais frouxas. Logo, o “perigo” da educação mediada pela arte está
justamente na ausência de controle ou de institucionalização. Sua
perpetuação na memória dos que vivenciam o processo de criação
evidencia o poder da experiência e seus variáveis significados.
Ora, não é a educação o campo da construção dos significados que
integram os indivíduos na teia das relações sociais, como sujeitos
ativos na construção de suas realidades profissionais e pessoais? A
potencialidade da educação mediada pela arte fundamenta a pesquisa
aqui apresentada, na medida em que compreendemos a linguagem
artística do cinema como metodologia possível aos diversos campos
do conhecimento e nas diversas disciplinas que compõem a matriz
curricular da educação básica nacional.
Como exemplo, analisemos a produção audiovisual como
mecanismo da compreensão do estudo da História. Os apontamentos
elencados nessa pesquisa sugerem que a criação e produção de curtas-
metragens pelos estudantes do Ensino Médio serviram para ilustrar a

238
relevância dessa metodologia quando associada ao ensino da História,
na medida em que as lembranças da experiência vivenciada no
processo de criação ainda fundamentam a construção de significado
para eles. Tal condição vai ao encontro das indicações do Parâmetros
Curriculares Nacionais no que concerne ao ensino de História e suas
potencialidades:

o ensino de História pode desempenhar um papel importante na


BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

configuração da identidade, ao incorporar a reflexão sobre a atuação


do indivíduo nas suas relações pessoais com o grupo de convívio,
suas afetividades, sua participação no coletivo e suas atitudes de
compromisso com classes, grupos sociais, culturas, valores e com
gerações do passado e do futuro (BRASIL, 2000. p. 22).

Refletindo um pouco mais sobre as questões apontadas pelos


documentos governamentais como os PCNEM (2000), percebemos que
o estudo de História se abre a novas interpretações e procedimentos
para a compreensão da realidade histórica, pois

é imprescindível que a seleção da narrativa histórica consagrada


pela historiografia esteja relacionada aos problemas concretos que
circundam os alunos das diversas escolas que compõem o sistema
escolar. Para adquirir significado e possibilitar impulsos criativos, além
da seleção de temas e assuntos que tenham relação com o ambiente
social dos alunos, o trabalho pedagógico contará com atividades
problematizadoras diante da realidade social. Dessa forma será
possível articular os conhecimentos produzidos de acordo com o rigor
analítico-científico do processo de conhecimento histórico ao trabalho
pedagógico concreto em sala de aula (BRASIL, 2006, p.69)

Notamos uma preocupação com o fazer histórico dos


sujeitos “comuns”, de “carne e osso”, como formadores da realidade
cotidiana. Essa oposição à grande História, dos grandes feitos e dos
registros oficiais evidencia o espaço criado para a construção coletiva
da realidade social e histórica, assim como abre possibilidades à
construção interdisciplinar do conhecimento histórico e da leitura da
realidade:

239
O que é preciso compreender é que, precisamente por transcender
cada disciplina, o exercício dessas competências e dessas habilidades
está presente em todas elas, ainda que com diferentes ênfases e
abrangências. Por isso, o caráter interdisciplinar de um currículo
escolar não reside nas possíveis associações temáticas entre diferentes
disciplinas, que em verdade, para sermos rigorosos, costumam gerar
apenas integrações e/ou ações multidisciplinares. O interdisciplinar
se obtém por outra via, qual seja, por uma prática docente comum
na qual diferentes disciplinas mobilizam, por meio da associação
ensino-pesquisa, múltiplos conhecimentos e competências, gerais e
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

particulares, de maneira que cada disciplina dê a sua contribuição para


a construção de conhecimentos por parte do educando, com vistas a que
o mesmo desenvolva plenamente sua autonomia intelectual. (BRASIL,
2006, p. 68)

Como já afirmamos anteriormente, a experiência significativa


fica armazenada na memória do sujeito da experiência. A construção
de significados duradouros está na apropriação dos eventos pelos
sujeitos, que os atribuem significado. Se o conceito decorar, tão
polêmico entre os educadores, representa guardar na memória,
somente registramos aquilo que nos faz sentido, que nos surpreende
e nos cativa de alguma forma, e é nessa perspectiva que a produção de
curtas metragens em atividades de ensino e aprendizagem evidencia
sua potencialidade.
Os métodos e processos mais variados de ensino no Brasil
estão progressivamente se afastando das relações de participação
afetiva (MORIN, 1983) e buscando uma conexão cada vez mais calculada
de preparação para o mercado. Não afirmamos nesta pesquisa que a
educação não seja um campo de desenvolvimento das vocações e da
preparação para a vida profissional, mas que esse aspecto representa
um dos variados eixos de significação da educação para seus sujeitos.
Muito mais ampla que a profissionalização, a educação precisa ser
compreendida como campo amplo de desenvolvimento dos sujeitos e
de suas relações de apropriação do mundo, libertando seus partícipes
das determinações variadas a que estão submetidos.

240
METODOLOGIA

Buscando uma melhor compreensão das transformações


promovidas pela experiência de criação audiovisual, a investigação traz
uma análise desses mecanismos e estratégias ao apresentar reflexões
sobre a criação e produção de dois curtas metragens desenvolvidos
com professores e alunos do Ensino Médio em uma escola em Minas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Gerais, no Brasil. Os sujeitos da pesquisa são os próprios professores e


alunos envolvidos na criação e produção dos curtas. Eles participaram
de entrevistas e grupo focais, pensando nos significados que a
experiência ganhou nos anos que se passaram desde a sua realização e
na importância dessa experiência em suas vidas.
Produzidos entre os anos de 2009 e 2010, os curtas metragens
representaram para os participantes da experiência momentos
de partilha do conhecimento e de suas significações. O curta-
metragem A Margem (2009) trata da temática da exploração social
no campo. O tema, que representa uma das grandes contradições
do desenvolvimento social brasileiro, também foi escolhido pela
relevância em disciplinas como História, Geografia e Sociologia, entre
outras. O roteiro produzido contava o drama de uma família rural que
era explorada por um fazendeiro. No enredo, o pai dessa família decide
fugir com a mulher e o filho para não se submeter mais aos desmandos
e abusos do patrão. Contudo, antes de fugir, o pai pega todo o dinheiro
que consegue e que, segundo ele, deveria ter recebido há muito tempo,
o que gera a ira do fazendeiro e a perseguição dessa família por seus
capangas. O elemento do roubo do dinheiro foi introduzido para gerar
um debate sobre ética e justiça, temas relevantes principalmente nas
disciplinas de Filosofia e Sociologia.

241
Imagem 1: Personagens do filme Sete Guerreiros, uma lembrança
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Fonte: Sete Guerreiros, uma lembrança (2010)

Imagem 2: Personagens do filme A Margem

Fonte: A Margem (2009)

242
Já o curta-metragem Sete Guerreiros, uma lembrança (2010),
apresenta uma adaptação da História da Guerra de Canudos, conflito
que evidenciou as contradições sociais no início da república brasileira
e que envolvia moradores de um povoado do nordeste brasileiro
sendo dizimados pelas atitudes de um governo autoritário. No intuito
de adaptar a história de maneira verossimilhante, foi desenvolvido
um enredo em que os personagens centrais não são os grandes
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

combatentes, mas jovens anônimos que ficavam na entrada do povoado


de Canudos e tinham a função de avisar os demais moradores de uma
possível invasão do exército, possibilitando que jovens entre 16 e 18
anos pudessem interpretar os personagens do roteiro.
Para a coleta dos dados utilizamos o grupo focal e a entrevista.
Para os participantes do curta-metragem A Margem utilizamos o
grupo focal, tendo em vista que a produção envolveu a participação
de 10 pessoas que moravam em uma mesma cidade, o que facilitou a
utilização desse procedimento, em que os sujeitos são coletivamente
instigados a refletirem sobre suas lembranças. Já para os participantes
de Sete guerreiros, uma lembrança a opção foi pela entrevista
semiestruturada como técnica predominante, tendo em vista que os
sujeitos envolvidos foram 27 estudantes que na época frequentavam
diversas universidades, algumas em outras cidades, o que dificultou
as tentativas de um único encontro
Para as análises seguindo os princípios de categorização de
acordo com Bardin (2011), estabelecemos uma classificação em que os
sistemas de categorias foram previamente definidos e então partimos
para a seleção e divisão das análises. Obedecendo aos critérios de
exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade e também
produtividade, optamos pela análise de valores como referência do
conjunto de categorias definidas, sendo que o critério de categorização
foi o semântico.
Na construção das categorias que nortearam a análise dos
dados, diversas foram as questões que se apresentaram perante os
objetivos e hipóteses da pesquisa:

243
• Como a experiência de criação e produção de um curta-metragem é
percebida nas memórias dos sujeitos da pesquisa?
• Quais as semelhanças entre os relatos dos indivíduos?
• Como a experiência se revela nas memórias de cada um dos
indivíduos?
• Qual a leitura que os indivíduos fazem da experiência de produção
como uma experiência de aprendizagem?
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• Que impactos a produção audiovisual pode provocar na experiência


de aprendizagem?
• Como a memória opera diante da lembrança artística?

Era essencial que as categorias representassem caminhos para


desvendar as hipóteses intrínsecas ao objetivo central da pesquisa
e dessa maneira funcionassem organicamente em harmonia com os
critérios estabelecidos por Bardin (2011). Dessa forma, a definição
das três categorias apontadas englobava conceitos fundamentais da
pesquisa e auxiliava na análise das subcategorias que emergiram dos
estudos.
Assim, chegamos a três categorias conforme explicado no
esquema gráfico abaixo (Quadro 1):

Quadro 1: Categorias da pesquisa

244
Quando foram estabelecidas as três categorias, passamos a uma
análise dos argumentos e das possíveis subcategorias que derivavam
do conceito chave em cada uma delas. Para isso, consideramos os
relatos dos dois curtas-metragens divididos por eixos temáticos
associados a cada categoria e subcategoria. Dessa forma, optamos
por não segregar as análises em duas categorias, a de alunos e a de
professores. A integração pelos temas, e não pela condição de cada
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

sujeito no percurso do projeto, serviu para evidenciar que em ambas


as percepções, os conceitos fundamentais como a união, a superação
de desafios e a compreensão da realidade histórica e social emergia
da mesma maneira nos relatos dos dois projetos, sejam ditos por
alunos ou por professores. Acreditamos, portanto, que os processos
e experiências que sinalizam novas formas e práticas no universo
escolar devem considerar o processo de ensino também como um
processo de aprendizagem, desenvolvendo a noção do professor como
um constante aprendiz e dos estudantes como sujeitos ativos nos
caminhos do conhecimento. Passemos a discussão dos resultados.

RESULTADOS

Considerados os procedimentos metodológicos e definidas as


três categorias principais, a pesquisa analisou os argumentos presentes
na fala de cada sujeito, destacando os que mais se afirmavam, e
definindo subcategorias associadas a cada uma das categorias centrais.
Após as análises, as informações mais relevantes foram sistematizadas
conforme o Quadro 1.
As análises das falas, das memórias dos sujeitos envolvidos na
criação dos curtas-metragens revelaram os sentidos que a experiência
de criação adquire para os que dela participam. Os curtas-metragens
A Margem e Sete Guerreiros, Uma Lembrança foram momentos
genuínos de aprendizagem e de compreensão de uma variedade de
elementos associados não só à produção artística audiovisual, mas à
História e outras disciplinas. Feitos com uma câmera digital simples
na mão e com os mais modestos e improvisados recursos, esses curtas

245
significaram projetos resultantes da crença de diversas pessoas na
capacidade que um filme tem de sensibilizar, motivar o outro a partilhar
a experiência, ou mesmo compreender com um outro olhar a temática
abordada no roteiro.
Na experiência de criação e produção dos curtas-metragens,
os sujeitos vivenciaram a dinâmica artística proposta como parte de
um todo na construção do enredo e da produção. A noção coletiva da
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

atividade projetou os diferentes pontos de vista na concepção ampla


da criação, fazendo com que cada aluno ou professor percebesse sua
função coletiva, ao mesmo tempo em que se apropriava da experiência
de forma única, percebendo singularmente a realidade e criando
significados que se perpetuaram na memória de cada um. A arte
permite a experiência na medida em que ela lida com a subjetividade
no processo criativo.
Em Larrosa (2002) somos convidados a perceber a experiência
para além de sua definição comum. A experiência seria um local de
construção de significados associados à individualidade e ao mesmo
tempo à coletividade. Individual porque é percebida pelo sujeito da
experiência, que lhe atribui significado, e coletiva pela noção de que a
experiência se dá na relação com o outro, como em uma sala de aula
em que todos são convidados a refletir sobre uma mesma questão.
Ao pensar a relação entre saber e experiência, Larrosa (2002) explora
a definição de experiência para além de sua concepção moderna.
Herdeira da tradição empirista, fundamento da ciência moderna,
a experiência sempre foi colocada como local da equiparação das
percepções. A base científica do conhecimento se ancora na noção de
que a experiência aponta a realidade, percebida empiricamente, no
campo do método. Logo, os sujeitos, passivos diante do acontecimento,
o percebem da mesma maneira por meio da experiência, confirmação
essencial da ciência. Para Larrosa (2011), a experiência se encontra na
oposição da noção moderna, pois não estaria na generalização, mas na
particularização da percepção.

246
Se todos nós assistimos a um acontecimento ou, dito de outro modo,
se a todos nós acontece algo, por exemplo, a morte de alguém, o fato é
para todos o mesmo, o que nos passa é o mesmo, porém a experiência
da morte, a maneira como cada um sente ou vive, ou pensa, ou diz, ou
conta, ou dá sentido a essa morte, é, em cada caso diferente, singular
para cada um, por isso poderíamos dizer que todos vivemos e não
vivemos a mesma morte. A morte é a mesma desde o ponto de vista do
acontecimento, porém singular desde o ponto de vista da vivência, da
experiência (LARROSA, 2011, p. 16).
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

Ao considerar que o homem é definido pela palavra, que aponta


a postura do indivíduo perante o mundo, refletir sobre o sentido da
experiência enquanto saber é definir que ela se constitui como o que
nos passa, nos acontece, nos toca, e não pelo que se passa. O saber da
experiência se configura não como o saber das coisas, mas a atribuição
de significado perante elas. Podemos durante todo um dia ouvir uma
palestra, ou uma aula e nada nos acontecer por não tomarmos parte
nela, por não nos apropriarmos da experiência como significado. “A
experiência não reduz o acontecimento, mas o sustenta como irredutível.
Às minhas palavras, às minhas ideias, aos meus sentimentos, ao meu
saber, ao meu poder, à minha vontade” (LARROSA, 2011, p. 6).
No Brasil,e no restante de um mundo globalizado, a lógica
da velocidade caracteriza os currículos cada vez mais numerosos e
curtos, impossibilitando a experiência como fundamento da educação.
Na perspectiva de Larrosa, a geração da informação e da opinião,
paradoxalmente, se configura como uma geração em que a experiência
é cada vez mais rara. Daí sua defesa de uma educação pautada pela
arte, pelo cinema, pela literatura e pela filosofia.
Os depoimentos dos sujeitos da pesquisa representaram
momentos de imersão nas percepções que eles construíram a respeito
da experiência, vivenciada há mais de 5 anos, mas também foram
oportunidades de pensar no que o passado representa para os que
lembram e como a memória pode conferir diferentes significados a
experiências vivenciadas:

247
Se você me perguntar de algum outro tema, alguma outra guerra, assim,
eu não sei...mas a guerra de Canudos eu sei porque eu fiz o filme, a gente
estudou a história direitinho pra poder apresentar no filme, foi muito
bom. (sujeito da pesquisa, 2016)

Quadro 2: Categorias, argumentos e


subcategorias sistematizados na pesquisa
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CATEGORIAS ARGUMENTOS SUBCATEGORIAS


Categoria 1: - União dos envolvidos Coletividade
A criação - Partilha das tarefas Partilha de tarefas
audiovisual - Superação das diferenças Superação
como - Superação dos conflitos
construção - Inclusão
coletiva do - Seriedade
conhecimento - Esforço coletivo
- Motivação do grupo
- Trabalho em equipe
- Envolvimento de todos
- Tarefas distintas e
compartilhadas
- Múltiplas possibilidades
de participação
- Pesquisa coletiva
- União entre alunos e
professores
- Determinação coletiva
- Prazer pela convivência
Intensidade das
experiências
- Superação das
adversidades

Fonte: Assunção Junior e Prata-Linhares (2018)

248
Quadro 3: Categorias, argumentos e
subcategorias sistematizados na pesquisa

CATEGORIAS ARGUMENTOS SUBCATEGORIAS


Categoria 2: - Compreensão de conceitos Persistência da
A produção Históricos – Guerra de memória
e criação Canudos, Messianismo Nova maneira de
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audiovisual - Compreensão da liderança estudar História


como Histórica de Antônio Temáticas sociais
compreensão Conselheiro
do - Compreensão da
conhecimento exploração social no campo
histórico - Importância do cotidiano
- Inovação na forma de
aprender
- Potencialização do
aprendizado
-Estudo dinâmico do passado
- Superação das
dificuldades inerentes ao
conteúdo
- Contextualização do
passado
- Materialização do passado
Inter-relação teoria pela prática
- Imersão na temática
- Vivência dos problemas
sociais
- Nova maneira de ensinar e
aprender História
- Superação da
memorização pela
compreensão
- Ensino associado à
emoção
- Construção de
perspectivas múltiplas

Fonte: Assunção Junior e Prata-Linhares (2018)

249
Quadro 4: Categorias, argumentos e
subcategorias sistematizados na pesquisa

CATEGORIAS ARGUMENTOS SUBCATEGORIAS


Categoria 3: A - Experiência nova para os Permanências
relevância da envolvidos Relações de afeto
experiência de - Diversão e Prazer Protagonismo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

criação artística - A emoção de produzir um


na memória. filme
- A produção dos figurinos
e roteiro e sua permanência
na memória
- A produção do curta-
metragem como principal
experiência da escola
- Vontade de voltar o tempo
e fazer novamente o curta-
metragem
- Saudade da produção
- Influências na vida
profissional
- Lembranças dos detalhes
da produção
- Sacrifícios para a
produção e seus resultados
- Construção de relações de
afeto
- Construção de relações
permanentes

Fonte: Assunção Junior e Prata-Linhares (2018)

250
Nos relatos dos professores, por exemplo, ficou evidente em
cada fala que a experiência representou muito mais do que podiam
perceber naquele momento. A intenção de motivar os estudantes a
realizarem um curta-metragem pelo poder do exemplo, da realização
de um filme por professores, transformou-se em uma motivação
para os próprios professores, que passaram a repensar suas práticas
e as formas de interação que desenvolveram durante suas vidas
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

profissionais:

Lembro das várias reuniões que a equipe realizou para a leitura do


roteiro e desenvolvimento dos personagens. Sentíamos muita emoção...
todos sentiam por desenvolver algo tão novo e importante para cada
um e para os alunos que fossem assistir o curta-metragem. A magia do
cinema está em integrar as pessoas em várias funções para contar uma
mesma história.(Sujeito da pesquisa, 2016)

[...] o fato de o aluno ver o professor participando de um projeto


potencializou a reflexão sobre as temáticas abordadas pelo mesmo.
Quando os alunos veem a gente lá, eles falam, nossa! Olha o professor
ali! Essa surpresa é usada positivamente no debate sobre o filme”(Sujeito
da pesquisa, 2016)

Na produção dos curtas-metragens, a participação em


uma dinâmica ativa e partilhada de conhecimento significou uma
apropriação da educação como mecanismo vivo e multidimensional.
Elencando duas falas conseguidas durante o procedimento de coleta
de dados, ilustramos tal situação:

Eu acho que na época foi um projeto bem legal porque a turma estava
dividida, foi um momento de união da turma também, é...e tipo foi bem
legal porque foi um dia inteiro, e todo mundo ficou junto o dia inteiro,
propôs ideias para melhorar a filmagem, porque deu problemas,
algumas...é...em algum momento que...e isso serviu para ativar também
a criatividade, porque a gente estava sempre propondo ideias legais
para melhorar o vídeo. Eu fazia parte da produção (Sujeito da pesquisa
3, 2016).

Nossa, achei super legal, uma ideia super diferente, porque a gente
estava aprendendo um conteúdo que estava relacionado com que
a gente estava aprendendo lá na época, e foi um negócio bacana pra
caramba. O tanto que a gente reuniu e pesquisou e correu atrás das
coisas é pra montar o filme. Muito motivada (Sujeito da pesquisa 2, 2016).

251
Nos trechos, percebemos que a motivação para a atividade de
criação audiovisual se relacionou a diversos conceitos importantes
e inerentes ao processo de ensino aprendizagem, como união,
criatividade, superação de problemas e debate, dentre outros. A sala
de aula se ampliou no processo criativo da produção audiovisual e marcou
um momento da formação desses diversos jovens e adultos que viveram
a experiência artística integrada em seus cotidianos. Evidenciamos então,
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

que a

[..] aprendizagem constitui uma mudança de comportamento resultante


da experiência. Trata-se de uma mudança de comportamento ou de uma
conduta que assume várias características. É uma resposta modificada,
estável e durável, interiorizada e consolidada no próprio cérebro do
indivíduo (FONSECA, 1995, p. 127).

Percebemos também, na fala de um dos professores sujeitos da


pesquisa, que a união e a produção coletiva integravam as lembranças
sobre a produção, destacando ainda mais os conceitos apontados
anteriormente:

um fator que muito me chamou a atenção e, consequentemente foi


extremamente motivador para a realização do projeto, foi a determinação
de cada pessoa envolvida. Éramos muito unidos e comungávamos de
opiniões semelhantes. Gostávamos de estar sempre juntos e queríamos
fazer algo inovador (P1, 2016).

O espírito de coletividade e de companheirismo entre os


envolvidos na criação do curta-metragem, destacado nas análises da
pesquisa, apontou o potencial que projetos dessa natureza possuem
em desenvolver o senso de coletividade na atuação docente e no
cotidiano da vida estudantil, pois o “[...] fazer audiovisual na escola
pode significar uma síntese entre educar para a linguagem, conhecer
fazendo e aprender cooperando” (FANTIN, 2006.p.318).

252
A IMPORTÂNCIA EDUCACIONAL DESSE ESTUDO

A educação precisa ser um espaço em que os indivíduos se


permitam cativar. Quando estudantes são cativados, afetados de
alguma maneira pelo poder do exemplo, ou da experiência, a sala de
aula se converte em um local em que o conhecimento se desenvolve
naturalmente, movido pela gama de sujeitos que compõem o universo
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

escolar. O professor, gestor dessa realidade múltipla, precisa ser o


agente que inicia a mudança pelo exemplo. Não defendemos aqui que
os professores, em todas as áreas, sejam formados nas linguagens
da produção audiovisual. Defendemos sim que o professor seja
um profissional aberto a novas experiências e, sobretudo, aberto à
aprendizagem constante e compartilhada. Muitos estudantes operam
as linguagens das novas tecnologias de informação e comunicação de
maneira mais precisa que os próprios professores. Isso pode funcionar
para o ensino se o docente se utilizar dessas habilidades em momentos
de sua socialização no espaço da sala de aula e fora dela. Aproveitar
as aptidões e vocações presentes na sala de aula significa motivar que
outras diferentes se revelem, significa potencializar a existência de
habilidades múltiplas na construção do conhecimento.

253
NOTA
[1] Adaptação do artigo Audiovisual Creation Experience as a Learning Experience,
de Mário Luiz da Costa Assunção Júnior e Martha Maria Prata-Linhares, apresentado
na Conferência Annual de 2017 do International Council on Education for Teachers
(ICET) e publicado no Yearbookof Teacher Education. Re-Thinking Teacher
Professional Education: Using Research Findings for Better Learning. Brno: Masaryk
University, 2018, v. 1, p. 1-358.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

254
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Comprida: Iniciativa Filmes, 2009. 1 DVD (21 min.).

ASSUNCAO JUNIOR, Mário Luiz da Costa; PRATA-LINHARES, Martha M.. Audiovisual


Creation Experience as a Learning Experience. Yearbook of Teacher Education.
Re-Thinking Teacher Professional Education: Using Research Findings for Better
Learning. 1ed. Brno: Masaryk University, 2018, v. 1, p. 1-358.
BOAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

ASSUNCAO JUNIOR, Mário Luiz da Costa. Em cena: a experiência de criação em


audiovisual na rearticulação do ensino de história. 2017. 133 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Programa de Pós- Graduação em Educação. Universidade Federal do
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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

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BÁSICA. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. 133
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SETE GUERREIROS, uma lembrança. Direção Mário Luiz da Costa Assunção Júnior.
Uberaba: Iniciativa Filmes, 2010. 1 DVD (20 min.).

256
3
ANÁLISE
CRÍTICA E
PRODUÇÃO
CRIATIVA
DE MÍDIA
12
Observatório da Qualidade no Audiovisual:
curadoria, produção experimental de
conteúdo e divulgação científica
Gabriela Borges e Daiana Sigiliano

O Observatório da Qualidade no Audiovisual foi criado em


2013 com o intuito de operar como um espaço de debate e de produção de
conteúdo de caráter experimental a partir da curadoria, análise e crítica
da produção audiovisual contemporânea, especialmente brasileira, para
televisão, internet e outras plataformas de convergência. É conduzido e
co-gerido pelos alunos da graduação em Jornalismo e Rádio, Televisão e
Internet e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade
de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Integrado ao
grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Literacia Midiática, CNPQ/
UFJF o projeto se iniciou a partir do financiamento recebido no Edital
Universal 2013 da Fapemig. Desde lá o grupo cresceu e os projetos
expandiram e se diversificaram.
Em termos teóricos, o foco principal do Observatório é
colocar em diálogo dois conceitos com os quais temos trabalhado
ao longo dos últimos 20 anos: a qualidade audiovisual e a literacia
midiática. Sendo assim, realizamos a curadoria de conteúdos criativos
que oferecem experiências diferenciadas para/com o público para
elaborar um repertório de boas práticas no meio audiovisual que atua
como referência cultural, audiovisual e bibliográfica. Visamos assim
promover o desenvolvimento da literacia midiática, que se mostra
essencial na sociedade contemporânea devido à relevância que as
mídias ganharam na intermediação das relações sociais.
É importante ressaltar que a relevância deste projeto se
evidencia também na sua interdisciplinaridade, uma vez que tem o
intuito de agregar diversos agentes sociais a partir desta problemática.
Buscamos, assim, formar uma rede com pesquisadores, produtores,
educadores e outros agentes culturais e organizações da sociedade
civil para gerar e fomentar nossas atividades. Neste âmbito, criamos
a vertente brasileira da Rede Alfamed, na qual coordenamos a
parceria de seis universidades na discussão sobre o desenvolvimento
de competências midiáticas audiovisuais e fizemos parcerias com a
Comkids e o projeto da plataforma Primeiro Plano, em Portugal.
Também é importante, e um de nossos objetivos, ampliar este
debate para as escolas e para o mercado profissional de comunicação,
principalmente na região da Zona da Mata mineira. Para isso,
pretendemos formar nossos alunos não apenas no sentido de se
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

familiarizarem com os métodos de pesquisa científica e sua aplicação


por meio da extensão, mas também promover uma educação crítica e
autônoma que tenha reflexos na prática profissional e na formação de
cidadãos ativos e intervenientes na sociedade em que vivem.

DIÁLOGOS ENTRE A QUALIDADE E A LITERACIA


MIDIÁTICA NA CULTURA PARTICIPATIVA

Os estudos desenvolvidos pelo Observatório da Qualidade no


Audiovisual estão embasados nos conceitos de cultura participativa,
qualidade e literacia midiática.

259
Diagrama 1: Conceitos trabalhados no Observatório

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019)

Jenkins (2008) define a cultura participativa como um


fenômeno que se desenvolve com a convergência de mídias, que
promove não apenas a possibilidade de várias mídias se comunicarem,
mas também aproxima as pessoas que estão espalhadas em diversas
partes do mundo, abrindo a possibilidade de elas estarem em contato
para trocar informação e produzir conteúdo. Neste sentido, o estudo
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

sobre a cultura participativa requer o entendimento sobre as várias


produções, ações e atividades que estão em operação na cultura digital.
A nossa entrada neste debate é pelo viés dos estudos sobre
a qualidade no audiovisual e a literacia midiática, que no nosso
entender são conceitos que se apresentam de modo imbricado na
cultura participativa. Entendemos que o debate sobre a qualidade
pode nos ajudar a promover o desenvolvimento da literacia midiática.
Em resumo, os valores qualitativos agregados a um produto cultural
o diferencia dos demais, promove a melhoria da oferta de conteúdos
e da própria literacia midiática, que está intrinsecamente ligada à
produção e ao consumo de conteúdo. Com isso, não nos referimos
apenas ao consumo, mas também à capacidade crítica de acessar e
de criar conteúdo, que vem se tornando cada dia mais frequente nos
meios digitais.

260
A qualidade no audiovisual é debatida e faz parte da agenda
cultural e acadêmica desde os anos 1980. Apesar da controvérsia que
o conceito gera e da argumentação corrente de que a qualidade está
relacionada com critérios de gosto, que são muito subjetivos e que,
portanto, desqualificam a discussão no âmbito acadêmico e científico,
além de ser entendido algumas vezes a fim de atender interesses
específicos, o foco da discussão sobre a qualidade ganhou um novo
espaço de atuação com o desenvolvimento da tecnologia digital e a
consequente convergência dos meios. Adquire especial relevância
porque estamos expostos a uma infinidade de conteúdos audiovisuais
produzidos por qualquer indivíduo em qualquer parte do mundo, sendo
que, muitas vezes, estes conteúdos propagam ideias discriminatórias,
xenófobas, racistas, entre outros atributos perniciosos.
Temos desenvolvido vários estudos que discutem a questão
da qualidade na televisão e no audiovisual e uma das conclusões a
que chegamos é que pode ser bastante produtivo pensar na definição
de parâmetros de qualidade que possam ser discutidos em relação à
produção, análise e consumo de conteúdos produzidos e veiculados
pela televisão e outras plataformas de convergência (BORGES, 2007a,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

2007b, 2008, 2009, 2011a, 2011b, 2014).


Em linhas gerais, os parâmetros de qualidade com os quais
temos trabalhado contemplam os seguintes aspectos: a importância
do papel desempenhado pela televisão enquanto um serviço público,
que reflete e tem reflexos na vida das pessoas, cria laços sociais e tem
a capacidade de desenvolver a consciência crítica na formação cultural
e política dos cidadãos. Além do seu papel na produção de valores
agregados, na formação de mentalidade e no estímulo ao exercício
da cidadania. O segundo aspecto considera o que Mepham (1990,
p. 57) se refere como a veiculação de narrativas úteis, que originam
questionamentos, debates de idéias e diferenças de opiniões. O terceiro
aspecto contempla as propostas estéticas dos conteúdos audiovisuais
e discute o experimentalismo e a originalidade no uso da tecnologia
digital. O quarto aspecto considera a literacia midiática e as formas
com que o público interage com as narrativas audiovisuais a partir

261
de seu repertório e de diferentes entendimentos, centrando-se nas
atuações da cultura participativa.
No contexto de convergência, presenciamos a complexificação
da produção televisiva, em que novos produtos híbridos e
transmidiáticos têm sido produzidos para formatos multiplataformas
e o crescimento dos estudos sobre o consumo midiático. Percebemos
que, para compreender os fenômenos da cultura participativa, não
é suficiente analisarmos apenas a produção audiovisual, pois esta
está intrinsecamente ligada ao consumo e à produção por parte de
consumidores e, principalmente, pelos fãs de conteúdos midiáticos.
Diversos relatórios publicados recentemente sobre os
hábitos de consumo dos jovens nos mostram a premência de estudos
nesta área. Segundo pesquisa da Kantar Ibope Media (2016), 37% dos
entrevistados afirmaram assistir TV e utilizar a internet ao mesmo
tempo. Na pesquisa Geek Power (GRUPO OMELETE-IBOPE CONECTA,
2017), 71% dos entrevistados usam celular enquanto veem TV e 97% do
público pesquisado tem o hábito de usar algum serviço de streaming
de vídeo, tais como Netflix (91%), YouTube (80%) e HBO Go (13%).
Considerando diferenças geracionais, a pesquisa Ipsos Connect (2016)
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

aponta que o consumo de vídeo demand TV line é maior entre on-


os mais jovens, enquanto a pesquisa da Globosat (2017), referente
ao serviço de streaming Globosat Play, também constata que 47% dos
usuários estão entre 18 e 34 anos.
O debate sobre as singularidades das imagens e dos discursos
audiovisuais podem contribuir para a formação do senso crítico e
interventivo dos cidadãos, em especial os mais jovens. O campo da
literacia midiática visa, justamente, promover a formação e a discussão
sobre os modos de apreensão de conteúdos midiáticos e pode oferecer
ferramentas para que os cidadãos possam discernir os conteúdos a
que têm acesso.
Portanto, as pesquisas desenvolvidas neste Observatório têm
o intuito de entender como são construídas as narrativas, como elas
colaboram para a formação do repertório cultural e se contribuem para
o desenvolvimento de senso crítico e da atuação cidadã. Além disso,

262
consideramos importante compreender as formas de engajamento
e os modos de expressão dos telespectadores, que se tornaram
interagentes, a fim de discutir aspectos como o direito à comunicação
e à informação constitucionalmente garantidos, entre outros.
Neste sentido, torna-se indispensável o entendimento das
competências midiáticas que são acionadas pelo público para se
engajar e produzir sentido a partir das narrativas. Não podemos
mais analisar os processos de produção midiática e, principalmente,
audiovisual, sem levar em conta os processos de interação do público,
que não apenas assiste, mas também produz conteúdo midiático
concomitantemente ao processo de visionamento. É neste sentido
que a literacia midiática contribui para este debate, porque promove
a autonomia e o desenvolvimento da capacidade crítica dos cidadãos,
estando presente nos três momentos do processo comunicativo:
produção, circulação e consumo.
Os projetos de pesquisa, extensão e produção experimental
desenvolvidos no Observatório da Qualidade do Audiovisual partem
das discussões aqui apresentadas e se desdobram metodologicamente
a partir da análise audiovisual da qualidade que foi proposta
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

primeiramente na pesquisa apresentada no livro Qualidade na TV


pública portuguesa: análise dos programas do canal 2, publicada em 2014
pela Editora da UFJF.
Inicialmente, são definidos parâmetros de qualidade a
partir do gênero a ser estudado, tais como o humor, a ficção e o
documentário. Isto é, como podemos discutir a qualidade de modo
abrangente em cada um deles. A seguir a análise audiovisual é
realizada com base na metodologia da mensagem televisional proposta
por Eco (1986) por meio da reflexão sobre os planos da expressão e
do conteúdo, e sobre a mensagem audiovisual. O plano da expressão
caracteriza os elementos estéticos do produto e analisa os seguintes
códigos: visuais (câmera, iluminação, cenário, atuação do elenco,
guarda-roupa e maquiagem, qualidade técnica da imagem); sonoros
(tipos de áudio, qualidade técnica do áudio); sintáticos (edição, ritmo
do programa) e gráficos (vinheta inicial, grafismos, rodapés, vinheta

263
final). O plano do conteúdo analisa a narrativa e a abordagem dos
temas, sendo definidos indicadores de qualidade a partir de cada um
dos gêneros estudados. “A análise da mensagem audiovisual leva em
conta o modo de endereçamento do programa, ou seja, a forma como
este é construído para comunicar-se com o público” (BORGES, 2014,
p. 69). Os indicadores de qualidade da Mensagem Audiovisual atuam
no intuito de refletir sobre os dados obtidos na análise do plano da
expressão em conjunto com o plano do conteúdo.
A literacia midiática tem sido trabalhada a partir da
metodologia proposta por Ferrés e Piscitelli (2015) pelo conceito de
competência midiática, em que são definidas seis dimensões (estética,
tecnologia, linguagem, ideologia e valores, processos de interação e
processos de produção e difusão) articuladas a partir de indicadores dos
âmbitos da análise (o modo como as pessoas percebem as mensagens
midiáticas) e da expressão (como elas produzem conteúdo a partir de
seus entendimentos).

A QUALIDADE NA FICÇÃO TELEVISIVA BRASILEIRA:


DEBATES, PROPOSIÇÕES E ANÁLISE
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

O debate da qualidade na ficção televisiva está presente nos


estudos televisivos desde os anos 1980 e foi incorporado na legislação
da mídia de diversos países. Nos anos 2000, com a produção e grande
repercussão internacional das séries estadunidenses e a consequente
concorrência com as séries britânicas, o debate se acirrou conforme
apontam Jancovich e Lyon (2003), Creeber (2004a, 2004b), Hammon
e Mazdon (2005), Nelson (2007), e McCabe e Akass (2007) e Mittell (2013),
entre outros. No âmbito ibero-americano, a discussão sobre a qualidade
na televisão foi iniciada por Machado (2003) no livro Televisão levada
a sério em que propõe uma metodologia para analisar a qualidade
de diferentes gêneros e formatos televisivos. Apesar de controversa, a
reflexão e a proposição de indicadores como os vistos nos trabalhos de
Mulgan (1990), Machado (2000), Cardwell (2007), Pujadas (2013) e Borges
(2014) contribuem para a elaboração de critérios objetivos a partir dos

264
quais se pode discutir a qualidade nos produtos ficcionais e também
contribuir para a criação de um repertório fundamental de programas
de qualidade.
Com o intuito de pensar o contexto brasileiro, este projeto
realizou o levantamento das narrativas ficcionais seriadas brasileiras
produzidas entre 2000 e 2016 a fim de analisá-las sobre o prisma da
qualidade. Os seguintes bolsistas de iniciação científica desenvolveram
o projeto: Leony Lima e Pedro Martins, e pelas alunas Daiana
Sigiliano, Mariana Meyer e Júlia Garcia. Considerando a amplitude
do levantamento e os aspectos gerais de cada produção, o corpus
de análise foi dividido em quatro categorias. São elas: minisséries,
séries episódicas, séries com ação transmídia e séries infantis.
Posteriormente, as produções foram selecionadas a partir de dois
requisitos: a disponibilidade dos conteúdos e o tempo de execução
do projeto. Dessa forma, chegamos ao recorte para a análise de 16
minisséries; 14 séries episódicas, 20 séries com ação transmídia e 14
séries infantis e infantojuvenis.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Tabela 1: Corpus de análise

CATEGORIA NÚMERO DE PROGRAMAS


Minisséries 16 programas

Séries Episódicas 14 programas

Séries com Ação Transmídia 20 programas

Séries Infantis e Infantojuvenis 14 programas

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019).

265
Os parâmetros de qualidade foram elaborados a partir dos
estudos realizados por Borges (2014), do Observatório da Qualidade no
Audiovisual e das características de cada categoria definida na seleção
de amostra. Nesse sentido, a análise dos programas que compõem as
categorias (minisséries, séries episódicas, séries com ação transmídia
e séries infantis) é norteada por parâmetros de qualidade que dialogam
com os aspectos específicos das produções.
As análises das minisséries, das séries episódicas e das séries
com ação transmídia foram realizadas a partir do Plano na Expressão
e do Plano do Conteúdo. Os indicadores do Plano na Expressão
levavam em conta a produção de sentido a partir dos elementos
estéticos: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora,
fotografia e edição. Os indicadores do Plano do Conteúdo foram
pautados pelos estudos de Mittell (2015) e Johnson (2005). Neste plano
são considerados a intertextualidade, a escassez de setas chamativas,
os efeitos especiais narrativos e os recursos de storytelling. Na análise
das séries com ação transmídia, consideramos também o indicador
transmedia literacy, com base nas reflexões de Scolari (2016).
As análises das séries infantis e infantojuvenis foram
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

realizadas a partir dos mesmos indicadores do Plano na Expressão. Os


indicadores do Plano no conteúdo discutem a qualidade em relação
aos temas dos programas e abrangem os seguintes indicadores:
ampliação do horizonte do público; diversidade de pontos de vista;
promoção da identificação do espectador; apelo à imaginação; conflito
e personagens do programa (BORGES, 2014). A análise da qualidade
da Mensagem Audiovisual abrange os seguintes indicadores: inovação/
experimentação; originalidade/criatividade; apelo à curiosidade;
solicitação da participação ativa do público (BORGES, 2014).
Os resultados deste projeto estão disponíveis no site do
Observatório e apresentaram desdobramentos para uma nova
pesquisa que se inicia, que tem o intuito de comparar séries com
ações transmídia produzidas em Portugal e Espanha no mesmo
período. Esperamos que este estudo permita avançar numa proposta
metodológica própria de análise da literacia midiática.

266
HUMOR DE QUALIDADE NO AUDIOVISUAL BRASILEIRO

Este projeto foi desenvolvido com base nos conceitos de


humor e comédia definidos por Luigi Pirandello (1996), na definição
do riso proposta por Henri Bergson (2004) e na teoria de John Mepham
(1990) sobre a qualidade. Entende o humor de qualidade como aquele
que provoca o riso ambíguo que antecede uma reflexão gerada por
uma quebra de expectativa, relacionado a uma produção de sentido
que estimula o pluralismo e a diversidade cultural. A qualidade de
um produto audiovisual está ligada à sua capacidade de promover
o envolvimento de um grupo a partir da diversidade que apresenta,
permitindo que os espectadores enriqueçam e aprimorem as suas
experiências (BORGES, 2014). Este projeto foi desenvolvido pelos
bolsistas de iniciação científica da UFJF Danilo Terra, Guilherme
Freire, Hugo Queiroz, Luma Perobelli e Monalisa Lima.
Para definir a amostra e operacionalizar a análise,
categorizamos o gênero humorístico na televisão em humor-
jornalismo e humor-ficção. O humor-jornalismo se caracteriza pela
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

reprodução de fatos reais e de interesse público de forma bem-


humorada (se valendo de traços do humor, como a ironia, o grotesco
ou a sátira); pela apropriação da estética jornalística, seja com o intuito
de desconstruir o discurso jornalístico ou de aproveitar a forma de
levar “fatos reais” culturalmente conhecidos pela sociedade para
mostrar suas idiossincrasias através de relatos fictícios. O humor-
ficção requer a criação de situações ou cenas ficcionais. São programas
que possuem um enredo, com um conjunto de personagens principais
com desenvolvimento ao longo da trama. São normalmente programas
verossímeis, como as sitcoms, com situações bem-humoradas do dia
a dia. Essas situações podem ser tanto de comédia, quanto de humor,
uma vez que podem provocar o riso imediato e despreocupado (uma
queda, algum ocorrido inusitado) ou podem apresentar caricaturas e
paródias, gerando um riso ambíguo e a reflexão sobre a realidade.

267
Foram criados parâmetros de qualidade para a análise dos
programas humorísticos da televisão aberta e por assinatura e dos
canais de humor do YouTube. Estes estão articulados a partir de dois
conceitos: modos de representação e experimentação. Os modos de
representação estão relacionados à criação e desenvolvimento dos
personagens, na medida em que estes podem ser tanto caricatos,
grotescos ou satíricos, independentemente das duas categorias
estudadas. Há uma reflexão sobre o papel desempenhado pelos
personagens humorísticos na nossa sociedade, isto é, indagamos se
reafirmam estereótipos e lugares-comuns; se criam bordões que se
perpetuam; se criticam os costumes e/ou fazem algum tipo de crítica
social; em resumo, se contribuem para quebrar tabus e promover a
diversidade em suas diversas acepções. Nosso interesse é perceber se
a criação dos personagens humorísticos contribui de alguma forma
para pautar temas relevantes socialmente e para deslocar a atenção da
banalização social que a televisão reitera incessantemente na maioria
dos seus programas.
A experimentação está relacionada com a utilização dos
recursos técnico-expressivos, característicos da linguagem audiovisual,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

de forma inovadora e criativa. Isto é, investigamos se os programas


humorísticos criam propostas audiovisuais originais ou apenas reciclam
formatos já existentes; se os recursos técnico-expressivos contribuem
para a construção de narrativas que promovem a diversidade e o debate
de ideias e de pontos de vista. Além disso, discutimos também a forma
como o programa incentiva a participação do público e dialoga com
outras plataformas, principalmente na internet.
Os produtos audiovisuais foram analisados utilizando a
metodologia semiótica por meio da reflexão sobre os planos da
expressão e do conteúdo, e sobre a mensagem audiovisual. Os
indicadores da análise do plano da expressão foram os seguintes:
produção de sentido a partir dos elementos estéticos; uso dos recursos
técnicos expressivos (áudio, vídeo, edição grafismo); e atuação dos
pivôs, personagens, apresentadores, entrevistados, comentadores. No
plano do conteúdo, foram primeiramente definidos 17 indicadores de

268
qualidade, entretanto a análise foi feita com ênfase em apenas quatro:
estereótipo, oportunidade, diversidade de sujeitos representados e
ampliação do horizonte do público.
Na TV, o levantamento foi realizado de 1960 a 2014 e a
amostra dos episódios dos programas para a análise se deu de forma
aleatória de acordo com a disponibilidade do material audiovisual. No
Youtube foi feito um levantamento de 48 canais e a amostra analisada
é de 19 canais, num total de cinco vídeos mais visualizados por canal.
A seleção foi feita dos canais que tinham mais de 100.000 inscritos,
estavam ativos em setembro de 2015 e tinham periodicidade de
publicação, o que demonstra uma proposta comunicativa do canal.
Os vídeos selecionados foram analisados numa escala gradativa entre
fraco, razoável, bom e muito bom.

ESTUDOS SOBRE O FENÔMENO DA SOCIAL TV E A LITERACIA


MIDIÁTICA

A social TV começou a ser debatida nos anos 2000, quando a


expressão estava vinculada a projetos acadêmicos e de laboratórios de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

tecnologia relacionados à televisão digital interativa. Posteriormente,


o fenômeno passa a ser discutido em diversas áreas, ganhando outras
aplicações. Tendo como aporte teórico as reflexões de Proulx e Shepatin
(2012), Harboe (2009), Montpetit, Klym e Blain (2010) e Summa (2011) a social
TV se refere ao compartilhamento de conteúdo (comentários, memes,
vídeos, fotos, montagens e etc.) feito através das redes sociais (Twitter,
Facebook, Instagram e etc.) e dos aplicativos de segunda tela (TVShow
Time, TV Tag, Viggle e etc.) de maneira síncrona ao fluxo televisivo.
No âmbito da comunicação, os estudos sobre a social TV
abrangem o jornalismo, os eventos esportivos, as premiações, as
telenovelas, os reality shows e as narrativas ficcionais seriadas. De
modo geral, as pesquisas contemplam os conteúdos produzidos pelos
canais e/ou pelo público. Nesse sentido, as discussões apoiam-se em
fenômenos como a cultura participativa, a transmídia, a cultura de fãs
e a remixagem.

269
Ao estabelecer uma relação simbiótica entre a televisão e o
ciberespaço, a social TV potencializa e reconfigura a conversação em
torno do conteúdo televisivo e a experiência coletiva. A partir deste
contexto, este projeto tem o objetivo de discutir as novas formas de
participação, interação e produção de conteúdo estabelecidas pelo
fenômeno.

MAPEAMENTO DE AÇÕES DE SOCIAL TV NA FICÇÃO SERIADA

Com o objetivo de compreender as distintas ações de social


TV realizadas pelos canais estadunidenses e brasileiros para engajar
o público no Twitter durante a exibição dos programas, realizamos,
entre 2015 e 2017, um mapeamento das principais estratégias de
engajamento na segunda tela. As ações chamam a atenção para como
os formatos narrativos adotados nas atrações pautam o conteúdo
publicado pelas emissoras no microblogging. Dessa forma, refletimos
sobre a multiplicidade da social TV, ou seja, as ações realizadas na rede
social variam de acordo com a proposta do programa que está no ar. O
levantamento e análise foram realizadas por Daiana Sigiliano.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

MAPEAMENTO DE AÇÕES DE SOCIAL TV NO FUTEBOL

Com o objetivo de compreender a apropriação que o público faz


dos espaços de debate “oficiais” propostos pelas emissoras esportivas
em atuação no Brasil, realizamos um mapeamento exploratório da
conversação realizada nas hashtags que envolvem transmissões dos
seguintes canais: SporTV, Esporte Interativo, ESPN Brasil, Dazn e Fox
Sports. Esse corpus de cinco canais abarca transmissões de partidas
em diferentes níveis e de diferentes países, construindo um cenário
exploratório de interessante observação. As diferenças entre as
estratégias de cada emissora para indexar a conversação em torno
das suas transmissões e as maneiras pelas quais o público se apropria
desses espaços são centrais nas análises desenvolvidas por Antonio
Bastos.

270
PROJETOS DE SOCIAL TV NO OBITEL BRASIL

O Obitel Brasil (Rede Brasileira de Pesquisadores da Ficção


Seriada Televisiva) reúne pesquisadores brasileiros de 12 universidades
brasileiras que se dedicam ao estudo da ficção televisiva. A Rede é
coordenada pela Profa. Dra. Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da
Universidade de São Paulo (USP). As pesquisas desenvolvidas pela
equipe da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Observatório da
Qualidade no Audiovisual no âmbito do Obitel Brasil têm como objetivo
refletir sobre a produção e o consumo das telenovelas no âmbito da
social TV.
No biênio 2014-2015 analisamos as relações entre a produção,
a circulação e o consumo no ambiente da cultura participativa a partir
da análise da novela O Rebu (Rede Globo, 2014). Procuramos estudar as
estratégias de transmidiação da emissora e refletir sobre o fenômeno
da social TV. A trama foi analisada a partir de duas perspectivas: por
um lado, contemplamos a lógica da produção e as estratégias de
transmidiação propostas pela Globo para promover o engajamento do
público; e, por outro lado, a lógica do consumo, a partir da reflexão
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

sobre o engajamento que pôde ser observado na interação por meio do


Twitter, que configura a social TV (BRANDÃO et al, 2015).
A metodologia usada para a análise do backchannel foi
elaborada a partir de uma combinação de procedimentos de
observação e mineração dos dados e a coleta do fluxo foi realizada
entre julho e setembro de 2014. Foram identificados três padrões de
atuação dos telespectadores interagentes que permitem a análise da
interação presente em O Rebu, são eles: a complexidade narrativa, a
intertextualidade e a memória afetiva.
No biênio 2016-2017 aprofundamos a reflexão sobre as práticas
de fãs e especialistas a partir da análise da curadoria e remixagem
presentes nas ações dos perfis fictícios no Twitter, evidenciando as
dimensões da competência midiática dos fãs na social TV. Neste trabalho
refletimos sobre as práticas dos fãs de telenovelas no Twitter, a partir
da análise da atuação de perfis fictícios dos personagens durante a

271
exibição da novela Liberdade, Liberdade (Rede Globo, 2016). Com isso,
aprofundamos a discussão que temos estabelecido no âmbito do Obitel
sobre a social TV. A análise teve o intuito de compreender como os fãs
analisam e produzem conteúdos midiáticos críticos e interventivos no
Twitter, a partir da perspectiva proposta por Ferrés e Piscitelli (2015)
sobre as habilidades compreendidas pelas dimensões da competência
midiática. Procuramos assim estudar como os fãs mobilizam as
dimensões tecnologia, linguagem, ideologia e valores, estética, processos de
interação e processos de produção e difusão nas interações, que ocorrem
de forma síncrona à exibição da novela, no Twitter (BORGES et al., 2017).
A proposta de pesquisa para o biênio 2018-2019 explorou pistas
de investigação encontradas nos trabalhos anteriores, principalmente
no que se refere ao diálogo entre a narrativa, a produção crítica e
criativa dos fãs e a literacia midiática. A pesquisa analisou o mundo
ficcional construído de Malhação - Viva a Diferença (Rede Globo,
2017-2018) em torno do arco narrativo do casal Lica (Manoela Aliperti)
e Samantha (Giovanna Grigio) e discutiu o modo como o fandom das
personagens ampliou e ressignificou este mundo ficcional no Twitter.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

ANÁLISE DAS FANFICS DA TEMPORADA VIVA A DIFERENÇA DE


MALHAÇÃO

A partir do levantamento realizado para a pesquisa sobre


o mundo ficcional de Malhação - Viva a Diferença, elaboramos um
projeto de pesquisa sobre fanfictions, cujas características apontaram
para uma discussão bastante rica sobre a competência midiática.
A convergência midiática amplificou e reconfigurou as
práticas da cultura de fãs (PEARSON, 2010; BENNETT, 2014; LOPES et
al., 2015). Para Bennett (2014), as mudanças propiciadas pela cultura da
convergência podem ser sistematizadas em quatro pontos centrais: a
comunicação, a criatividade, o conhecimento e o poder organizacional
e cívico. Segundo a autora (2014, p.7-11), os fãs têm novas formas de
produzir, compartilhar, participar e se engajar em torno dos universos
ficcionais na contemporaneidade.

272
Ao envolver o domínio de conhecimentos, habilidades e o
engajamento do público em relação aos conteúdos, a cultura de fãs
estabelece uma relação direta com a competência midiática ( JENKINS,
2012; BORGES et al., 2017; HERRERO-DIZ,2017; SIGILIANO; BORGES,
2018). Na primeira fase do projeto analisamos as histórias produzidas
pelos fãs do casal Limantha da vigésima quinta temporada de
Malhação, intitulada Viva a Diferença (2017 -2018, Rede Globo). Ao todo
foram analisadas 14 fanfics das plataformas Nyah! Fanfiction e Spirit
Fanfics e Histórias. As discussões foram amparadas pelas metodologias
propostas por Jenkins (2012) e Ferrés e Piscitelli (2015), e as análises
foram realizadas pelos alunos Daiana Sigiliano, Leony Lima, Matheus
Soares, Lucas Vieira e Pedro Martins.
Na segunda fase do projeto analisamos a arquitetura
operacional das principais plataformas de publicação e
compartilhamento de fanfics no Brasil e no mundo, refletindo como
estas estimulam a literacia midiática. As discussões englobam toda a
arquitetura operacional dos sites, tais como a forma de funcionamento
(sistema operacional, interface e configuração) e de acessibilidade
(modo de interação intuitiva, desenvolvimento e disponibilidade de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

aplicações). As análises foram realizadas pelos alunos Daiana Sigiliano,


Lucas Vieira, Vinícius Guida e Hsu Yaya.

DOCUMENTÁRIO E VISIBILIDADE

Este projeto contempla a análise de filmes documentários que


tematizam grupos marginalizados a fim de compreender os vários
olhares presentes nas obras e avaliar se rompem os estereótipos, as
forças de poder e os clichês que influenciam a forma como nos situamos
no mundo. Ao analisar filmes que “dão voz” àqueles cujos clamores
não são ouvidos em sociedade, pretende-se descobrir as potências
transformadoras do documentário e o quanto esta modalidade fílmica
pode contribuir com a discussão da literacia audiovisual, uma vez que
pode despertar a consciência crítica e estimular o exercício da cidadania
(OBSERVATORIO DA QUALIDADE NO AUDIOVISUAL, 2019).

273
Foram organizados três dossiês de análise fílmica. O primeiro,
em 2016, a partir das pesquisas desenvolvidas no Mestrado em
Comunicação do PPGCOM/UFJF, pelos alunos Iago Rezende e Tatiana
Vieira Lucinda, com a participação da bolsista de iniciação científica,
Luma Perobelli, se intitulou Olhares possíveis: a diversidade de
visões no cinema documentário. Com o intuito de pensar se o olhar
era essencialmente neutro, capaz de escapar dos estereótipos e dos
clichês e se guardava em si uma potência exclusiva, foram analisados
documentários que tratam de públicos marginalizados, como pessoas
em situação de rua, portadores de transtornos mentais, pessoas em
situação de pobreza, moradores de favelas, travestis, imigrantes,
dependentes químicos, dentre outros grupos.
A análise foi realizada a partir de “três olhares que podem dar
dimensões e interpretações distintas para as narrativas apresentadas:

o olhar do cineasta (aquele que está por detrás da câmera e funde-


se com ela), o olhar do personagem e o olhar do público. Os olhares
sobre o mundo e suas representações são, por sua essência, dotados de
subjetividade (REZENDE et al., 2016).

No âmbito das atividades do projeto de pós-doutoramento


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

da profa. Maria Beatriz Colucci da Universidade Federal de Sergipe,


realizado no PPGCOM/UFJF, foi organizado o dossiê Violência Social,
que contou com a colaboração das alunas Tatiana Vieira Lucinda e
Luma Perobelli. Foi realizada a curadoria e análise de documentários
que tematizavam a violência urbana a partir da seguinte reflexão
proposta pelas autoras Colucci et al (2018, online):

Entendemos ser importante aproveitar o cenário atual para retomar


as obras de 1990 até os dias atuais porque, assim como Comolli (2008),
creditamos ao documentário a ousadia da criação, a qual também
pode se converter em uma forma de luta. Em que medida esses
documentários deslocam o nosso olhar e nos levam à reflexão a partir de
outras perspectivas? Até que ponto somos personagens ativos da cena,
ou meros consumidores? Para que essas obras cumpram realmente a
função social do cinema, não basta apenas que deem voz aos excluídos
ou marginalizados. A forma como esses discursos são apresentados
e os olhares a partir dos quais foram elaborados fazem a diferença.
E, por isso, objetivamos, a cada semana, analisar uma obra específica
apresentando os olhares do diretor, os olhares dos personagens e os
nossos próprios olhares enquanto espectadores.

274
Para a análise, foram utilizadas categorias como referências
centrais, tais como contexto, a voz do documentário, som e imagem –
enquadramentos e planos, montagem, posição hegemonia versus contra
hegemonia, personagens, e identificação e projeção. Além disso,
o conceito de risco do real proposto por Comolli (2008) como “a
produção aberta ao real, sem roteiro, plano ou ideias prévias, onde
a questão passa do ‘como filmar’ para o ‘como fazer para que haja
filme’” norteou toda a discussão a partir do seguinte questionamento:
“será que esses filmes correm o risco para revelar a sua inscrição
verdadeira?” (COLUCCI et al, 2018, online)
Mais recentemente, como parte das atividades do pós-
doutorado da professora e bolsista PNPD/Capes Júlia Fagioli foi
organizado um terceiro dossiê, O cinema documentário e as mises-
en-scène dos corpos invisibilizados, preparado e discutido juntamente
com os alunos Vinícius Guida, Renata Dorea, Gabriel Telles, Lucas Caetano,
Rebeca Telles e Felipe Gasparete.
Tendo como base os estudos de Comolli (2008) sobre o uso
político do cinema como “arte do corpo, do grupo e do movimento”, o
dossiê se dedicou a pensar de que modo o cinema constrói as mises-en-
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

scène dos corpos invisibilizados e marginalizados.


Nas palavras de Fagioli (2019, online)

Foram discutidos e analisados filmes feitos por e sobre mulheres negras


e suas lutas; filmes sobre a população LGBT em diferentes contextos,
como a cultura Drag Queen em Nova Iorque nos anos 1980 e 1990 e a
cultura marginal no Brasil nos anos 1930; um cinema indigenista,
preocupado com questões urgentes de demarcação de terras e a
violência histórica cometida contra a população indígena; e, por
último, filmes que abordam as religiões afro-brasileiras, no sentido de
desconstruir os estereótipos construídos em torno delas, bem como o
preconceito racial atrelado a esse estereótipo.

MÍDIA INDEPENDENTE E LITERACIA MIDIÁTICA

Este projeto teve como objetivo compreender de que modo os


coletivos de mídia independente contribuem para o desenvolvimento

275
da literacia midiática e discutir se os conteúdos que produzem são
capazes de fomentar e ampliar a participação cidadã. Nesse sentido,
observamos os recursos utilizados nos processos de produção,
avaliando o incentivo ao pensamento crítico e à promoção de boas
práticas midiáticas. Foi desenvolvido pelos alunos Vinícius Guida e
Luma Perobelli.
Como base, utilizamos o levantamento Mapa do Jornalismo
Independente, realizado pela Agência Pública, em que se encontram
reunidos 81 coletivos de mídia independente brasileiros. Utilizando
as redes sociais como parâmetro, identificamos que o Facebook é a
plataforma mais utilizada e que obtém maior engajamento dentro
do recorte. Como critério de relevância e circulação, consideramos
as páginas que apresentaram, em maio de 2018, número de curtidas
superior a 200 mil, obtendo uma amostra de 11 coletivos. Por fim,
analisamos a frequência de atualizações, considerando somente aqueles
que possuíam ao menos uma publicação em vídeo nos últimos 30 dias.
Dessa maneira, a amostra final abrange seis coletivos, dos
quais selecionamos os cinco vídeos mais populares no YouTube
para a análise. É importante ressaltar que consideramos somente
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

os vídeos produzidos pela própria organização de mídia, excluindo-


se transmissões ao vivo e reproduções de conteúdos externos como,
por exemplo, discursos e recortes prontos de telejornais. Assim, foi
realizada a discussão sobre os canais Justificando, Nexo, Outras
Palavras, Mídia Ninja, Opera Mundi e Jornalistas Livres.
A metodologia de análise foi feita a partir dos planos da
expressão e do conteúdo, conforme estudos anteriores de análise
audiovisual. Os indicadores de qualidade do Plano do conteúdo foram
os seguintes: A ampliação do horizonte do público diz respeito ao
compromisso sociocultural ao utilizar as ferramentas do ambiente
comunicativo digital na transmissão de valores e informações plurais.
Nos questionamos se as propostas são, por natureza, polêmicas,
contraditórias e férteis, no sentido em que farão, ou não, o público
refletir sobre aquilo que consomem. De acordo com Borges (2014),
devem contribuir para ampliar o repertório cultural do público, dando

276
a conhecer novas problemáticas, apresentando outros pontos de vista,
e estimulando o pensamento e o debate de ideias.
Quanto à diversidade de sujeitos representados, procuramos
avaliar a capacidade de interação em ambientes plurais e multiculturais.
Tentamos identificar se os conteúdos publicados prezam por pautas que
incluem a diversidade temática, geográfica, política, socioeconômica,
cultural, étnica, religiosa, de gênero e de pontos de vista. Procuramos,
também, avaliar a composição da equipe produtiva e a designação de
pautas que respeitem as idiossincrasias dos sujeitos e permitam a
autorrepresentação, isto é, se mulheres, negros e LGBT+, por exemplo,
falam por si mesmos ou se são retratados por outras classes.
Ao analisar a desconstrução de estereótipos, observamos se os
conteúdos são capazes de promover a discussão sobre concepções pré-
formuladas, arraigadas na sociedade, muitas vezes perpetuadas pelos
veículos tradicionais. Neste caso, objetivamos avaliar se a produção
audiovisual instiga a desconstrução de estereótipos ao possibilitar a
reflexão sobre as generalizações que se consolidaram ao longo dos anos.
O indicador estímulo à participação do público se torna
muito importante no âmbito da cultura da convergência e da
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

cultura participativa. Procuramos identificar se os coletivos adotam


mecanismos que estimulam a participação ativa do espectador. Nesse
sentido, buscamos avaliar a promoção da conectividade, da interação
entre telas e a identificação com diversos públicos.
E o indicador engajamento político-social refere-se à forma
como os coletivos escolhem seus temas, abordagens e constroem
o discurso informativo. Nesse sentido, procuramos analisar se os
conteúdos demarcam posicionamentos ideológicos ou visam encobri-
los a fim de criar uma falsa impressão de imparcialidade.
Com isso, pretendemos contribuir para a discussão da
literacia midiática a fim de perceber as capacidades de articular
discursos relevantes e, de certo modo, inovadores, que possam
contrapor a reprodução de padrões, modelos e formatos consolidados
na comunicação. Desse modo, as análises produzidas neste projeto
refletem sobre os processos de produção e circulação de conteúdos no

277
ambiente da convergência e sobre a contribuição desses meios para o
desenvolvimento das capacidades crítico-cognitivas dos cidadãos.

COMPETÊNCIA MIDIÁTICA EM CENÁRIOS BRASILEIROS E


EUROAMERICANOS: O CONTEXTO DE JUIZ DE FORA E
ZONA DA MATA MINEIRA

Esta pesquisa buscou mapear o nível de competência


midiática de diferentes públicos: crianças e jovens, estudantes e
professores universitários e profissionais de comunicação. Foram
aplicados 1.831 questionários levantando informações a respeito das
seguintes dimensões da competência midiática: linguagem, tecnologia,
processos de produção e difusão, ideologia e valores, processos de interação
e estética, cujos indicadores foram mensurados a partir dos âmbitos
da análise e da expressão. Os resultados indicaram que a maior parte
dos respondentes têm conhecimento tecnológico, porém ainda é
necessário trabalhar as habilidades tanto de leitura crítica quanto de
produção criativa.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

A partir dos resultados dos questionários foram desenvolvidas


diversas ações de formação no sentido de fomentar o desenvolvimento
das capacidades críticas relacionadas à competência midiática.
Conforme explanamos no capítulo A competência midiática e o exercício
da cidadania a partir da experiência dos profissionais de comunicação
de Juiz de Fora – MG, foram realizadas ações direcionadas aos
profissionais de comunicação, tais como o colóquio Mediar e a websérie
#Observatorio Espelhos, bem como ações direcionadas aos alunos,
como o I, II e III Simpósio de Literacia Midiática e o II Congresso
Internacional de Literacia Midiática realizados na Faculdade de
Comunicação (FACOM) da UFJF.
Em relação às crianças e jovens, foram desenvolvidas
atividades de extensão em escolas do ensino fundamental e médio
da rede pública e privada na região de Juiz de Fora. O Laboratório
de Audiovisual promoveu ações de formação audiovisual com a
participação de professores e alunos de pós-graduação e graduação

278
da FACOM/UFJF. Compreendendo o audiovisual como instrumento
de suma importância para o fomento da educação e da cidadania na
sociedade atual, foram desenvolvidas oficinas temáticas para trabalhar
as habilidades de leitura crítica e produção criativa dos alunos em
escolas de Juiz de Fora e Zona da Mata.
Cada encontro foi dedicado à realização de uma oficina, sendo
que elas possuem um caráter complementar entre si. Em um primeiro
momento, é exposto o assunto da oficina através de conversas e vídeos
apresentados aos alunos. Posteriormente, há uma reflexão conjunta
sobre as impressões e as experiências com relação ao tema da aula,
além de possíveis modos de produção. Em um último momento, os
alunos produzem conteúdos e trocam experiências com os colegas
sobre suas criações.
A primeira oficina, Brinquedos Ópticos, aborda os princípios da
animação, desde seus primórdios até a era da animação digital. Os alunos
produziram brinquedos ópticos como a “dobradinha” e o “flipbook”,
compartilhando suas produções com os colegas. Aproveitando a
popularidade do YouTube entre os jovens, a oficina Eu, Youtuber
trabalhou a produção audiovisual para a internet. Os alunos aprenderam
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

a manusear equipamentos como câmera e tripé e produziram vídeos


com temáticas de suas preferências. Na oficina Contando uma História
os alunos tiveram contato com a técnica de animação em stopmotion.
Cada grupo elaborou um roteiro e produziu uma narrativa animada
através desse método. A última oficina, Que Som é este?, trabalhou junto
aos alunos a importância da trilha e dos efeitos sonoros nas produções
audiovisuais. A partir do aprendizado, eles adicionaram efeitos e trilhas
sonoras nos vídeos criados na oficina anterior. Estas oficinas foram
ministradas nas escolas Escola Municipal Antonino Lessa (2015) [1],
Escola Degraus de Ensino (2015) [2], Escola Municipal Santos Dumont
(2017) [3] e no Instituto Federal Santos Dumont (2017) [4].
A oficina Mas afinal o que é documentário? foi inspirada no livro
homônimo de Fernão Ramos (2008). A partir desse questionamento,
propusemos aos participantes refletir sobre a construção de narrativas
documentais. Os jovens foram convidados a pensar o papel da imagem,

279
do som, da montagem e, por consequência, das escolhas do produtor
de conteúdo ao lidar com fatos.
A reflexão tem por objetivo ampliar a compreensão sobre
as múltiplas perspectivas que podem ser acionadas ao transportar a
realidade para o campo da representação. Nesse sentido, discutimos
a linguagem como aspecto centralizante de qualquer produto
cinematográfico e/ou midiático. São incluídos aspectos relacionados à
tecnologia e estética ao investigar junto aos participantes a produção de
sentido a partir da escolha de planos, enquadramentos e personagens.
Além do contexto teórico reflexivo, a oficina se expande para
o âmbito da expressão ao convidar os jovens a construir sua própria
narrativa e representar suas próprias histórias. Busca-se adequar a
proposta do exercício prático ao contexto em que os participantes estão
envolvidos como, por exemplo, a produção de documentários sobre
o bairro de Igrejinha ( Juiz de Fora, MG) realizado por adolescentes
moradores da região. Esta oficina foi ministrada na Escola Estadual
Francisco Bernardino (2018) [5], Instituto Federal Santos Dumont
(2018) [6] e na Escola Municipal Padre Wilson [7] juntamente com o
Instituto Crescer sob a coordenação de Raphaella Souza dos Santos
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

(2019) .
Dessa forma, os alunos tiveram contato com todas as etapas
de elaboração de um conteúdo audiovisual, desde a pré-produção,
passando pela produção em si e a pós-produção. Eles puderam
apreender algumas técnicas e estratégias de criação e a importância
dos elementos que compõem os produtos audiovisuais. Porém,
mais relevante do que métodos de produção, os alunos puderam
compartilhar suas criações com os colegas e refletir conjuntamente
sobre os conteúdos que eles consomem. Toda a criação das oficinas
foi baseada nas dimensões da competência midiática propostas por
Ferrés e Piscitelli (2015): linguagem, tecnologia, processos de interação,
processos de produção e difusão, ideologia e valores, e estética.
Através da realização das oficinas e das análises feitas a partir
delas, notou-se que os jovens possuem conhecimentos sobre as
tecnologias de comunicação e suas linguagens no campo audiovisual.

280
No entanto, é necessário que se trabalhe mais sobre as questões
ligadas ao consumo reflexivo e à produção criativa. Desse modo,
concluímos que o acesso apenas às tecnologias de comunicação não
garante a promoção das competências dos jovens e é preciso que essas
habilidades sejam desenvolvidas tanto no ambiente formal das escolas,
como em seus lares, já que os dispositivos tecnológicos fazem parte de
seu cotidiano.

PRODUÇÃO DE CONTEÚDO EXPERIMENTAL

A partir dos resultados do mapeamento da competência


midiática de jovens universitários da comunicação e de nossa
prática docente, percebemos que é necessário promover mudanças
na formação acadêmica e científica dos novos profissionais de
comunicação. Autores como Jenkins et al. (2014) e Scolari (2016)
apontam para a importância de se pensar o papel do profissional de
comunicação e os constantes desafios a serem enfrentados por eles no
atual ambiente de convergência, em que as relações entre produtores
e consumidores estão cada vez mais imprecisas.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Estes desafios estão relacionados, também, com o


entendimento sobre como lidar com a cultura digital de uma forma
não apenas lúdica e intuitiva, como parte do cotidiano, mas também
profissional, como parte de estratégias bem delineadas a fim de
obter resultados esperados. Tendo isso em mente, o Observatório da
Qualidade no Audiovisual procura ser, também, um espaço de formação
que tem como foco a experimentação na produção de conteúdo para
multiplataformas.
Sendo assim, criamos uma plataforma hipermídia que serve
como uma espécie de repositório dos vários projetos de pesquisa,
extensão e ensino e também como mídia base para se trabalhar a
divulgação científica na internet por meio das redes sociais digitais.
Criamos perfis no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e
Spotify e produzimos conteúdo em linguagem específica e a partir de
planejamento estratégico de produção e circulação de mensagens para

281
cada um deles. O Facebook conta com postagens diárias em horários
previamente selecionados de acordo com o engajamento esperado;
o Instagram repercute o que é postado no Facebook e também tem
o IGTV, que reformata vídeos publicados previamente no Youtube.
Trabalhamos também com os stories, com vídeos mostrando os bastidores
dos projetos e teasers criados especificamente para o recurso.
O Youtube serve como repositório das séries audiovisuais que
foram criadas a partir de objetivos de comunicação bem delineados. No
Twitter são espelhadas as publicações do Facebook e, pontualmente,
são criadas ações e threads aproveitando memes e discussões do
momento. E o Spotify é a mais nova rede utilizada, para a qual têm
sido produzidas as séries de podcasts, que se encontram na segunda
temporada.
Sendo assim, o trabalho com a internet e as redes sociais
digitais é realizado a partir de uma dupla perspectiva: divulgação
científica de resultados de projetos e formação para a produção
experimental de conteúdo.
A rubrica #Observatório apresenta um conjunto de séries
audiovisuais exclusivas para a web e produzidas pelos alunos que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

integram o Observatório da Qualidade no Audiovisual. Os alunos


bolsistas e voluntários que produzem os conteúdos são os seguintes:
Gabriel Telles, Paulo Medeiros e Lucas Vieira (graduandos do 4º período
de RTVI), Vinícius Guida, Luísa Guimarães e Hsu YaYa (graduandos do
7º período de Jornalismo), Rebeca Teles (graduanda do 5º período de
Jornalismo), Lucas Caetano e Renata Dorea (graduandos do 8º período
do Bacharelato Interdisciplinar de Artes e Design), Leandro Carneiro,
Mariana Meyer, Pedro Martins e Leony Lima (graduandos do 8º período
de Jornalismo), Camilla Marangon (egressa do curso de jornalismo) e
Daniela Santana de Oliveira (egressa do Mestrado em Comunicação).
#Observatório Série produz entrevistas com pesquisadores
que visitam a FACOM/UFJF em eventos promovidos pelo grupo e
têm o intuito de discutir temas ligados à cultura digital. Até setembro
de 2019 foram produzidos treze vídeos, apresentando entrevistas
com 36 pesquisadores do Brasil e do mundo, os quais já alcançaram

282
9.180 visualizações totais através da página oficial do Observatório
no Facebook. Foram discutidos temas ligados à convergência,
competências midiáticas, qualidade do audiovisual, consumo e
produção de conteúdo, cultura de fãs, cidadania e ética.
#Observatório Espelhos busca ouvir histórias e a trajetória
de profissionais da comunicação da Zona da Mata, em Minas Gerais, a
fim de entender como as mudanças trazidas pela contemporaneidade
se traduzem na prática diária. A primeira temporada (2019) contou com
oito episódios sobre o perfil de profissionais de Juiz de Fora. Foram
selecionados a partir de quatro blocos temáticos na área de comunicação:
jornalismo impresso, mídia audiovisual, mídia sonora e redes sociais.
O #Observatório MiniDocs busca ouvir as trajetórias pessoais
de artistas locais e refletir sobre determinado tema. Na primeira
temporada (2019), centrada na relação entre arte e mídia, foram
produzidos cinco episódios em torno da prática de artistas de Juiz de Fora.
Assuntos como o processo criativo, influências, interseccionalidade de
linguagens e a relação entre produto e sociedade foram recorrentes. A
segunda temporada é pautada pela cultura hip hop. Foram entrevistados
artistas da cidade envolvidos com a música, a poesia, a dança, o grafite e
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

a moda.
A partir da produção criativa, o #Observatório Remix
pretende discutir uma habilidade relacionada à literacia midiática
denominada remix literacy. Segundo Stedman (2012), a recombinação
e a justaposição de distintos elementos pré-existentes para a criação
de um novo conteúdo exige do interagente tal competência e abrange
todo o processo de remixagem, desde a compreensão da arquitetura
operacional das plataformas digitais até a efetivação da circulação dos
conteúdos ressignificados.
Na tentativa de desconstruir e reconstruir conceitos
socialmente constituídos, a série audiovisual faz uso da ressignificação
de imagens como metáfora desse intuito. A partir da estética
do videoclipe, recorremos ao arquivo para produzir narrativas
desafiadoras que desejam desencadear o empoderamento, discutir
pontos de convergência que unem diversos grupos sociais e ressaltar

283
múltiplas formas identitárias. Na primeira temporada (2019) o tema foi
empoderamento e foram produzidos três episódios sobre feminismo,
LGBT e negritude e para a segunda (outubro 2019) estão sendo
produzidos episódios a partir do tema da identidade.
A produção do #Observatório Podcasts tem como objetivo
dialogar com pesquisadores do Brasil e do exterior sobre temas
relevantes no campo da Comunicação. Disponibilizado para veiculação
em rádios, serviços de streaming e redes sociais, procura repercutir
reflexões críticas e atuais do panorama midiático latinoamericano
e suas especificidades como, por exemplo, a relação entre mídia,
consumo e educação.
Na primeira temporada (2018) os temas abordados foram
games, social TV, documentário e fakenews. Já a segunda temporada
(2019) foi pautada pelos temas discutidos nas exibições O Clube
das Séries, conduzido pela professora Gabriela Borges com tutoria
da doutoranda Daiana Sigiliano, e discutidos pelos alunos que
participaram dos seminários. A terceira temporada (2019-2020) é
formada por seis episódios sobre temas da cultura pop: o revival dos
anos 80, a representação dos adolescentes em séries e filmes, o cinema
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

de terror, animação, a nova era dos videoclipes e roteiro.


Para finalizar, destacamos o MediaBox, um projeto de
formação de futuros profissionais por meio da prática da análise e
crítica cultural. Os alunos da graduação da Universidade Federal de
Juiz de Fora são colunistas que escrevem semanalmente estudos de
caso que refletem de forma crítica sobre as produções audiovisuais
contemporâneas. A partir de distintas perspectivas teóricas de autores
no campo da comunicação, os textos buscam compreender os novos
modos de produção, circulação e participação presentes nas séries de
TV, nos filmes, nos documentários e outros conteúdos audiovisuais.
Entre agosto 2017 e setembro de 2019 foram publicados cerca de 60
textos, gerando uma média de 2.215.284 de acessos.

284
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência do Observatório da Qualidade no Audiovisual


tem sido exitosa e a cada ano os projetos e as produções se multiplicam
devido, principalmente, ao engajamento dos muitos alunos
envolvidos. A prática de formação tem nos mostrado que ao darmos
autonomia e responsabilidade aos alunos dos cursos de graduação e
pós-graduação da Faculdade de Comunicação da UFJF, eles se sentem
co-autores dos processos e se dedicam para que os projetos possam
ser realizados dentro dos prazos que estipulamos, tendo em vista
nosso planejamento estratégico de comunicação e marketing para a
plataforma hipermídia e as redes sociais digitais.
Neste sentido, entendemos que este tem sido um espaço de
formação de futuros profissionais que promove a discussão sobre a
qualidade no audiovisual em sua interrelação com o desenvolvimento
de competências midiáticas, tendo em conta o diálogo entre a teoria
e a prática e impulsionando, assim, outros modos de saber fazer a
comunicação.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

285
NOTAS

[1] Coordenada pelas professoras Soraya Vieira Ferreira, Gabriela Borges e pela
mestranda Daniela Santana de Oliveira (bolsista UFJF), com a participação dos
alunos bolsistas e voluntários Matheus Soares (UFJF), Camilla Marangon Feitoza
(UFJF), Amanda Padillha (UFJF), Anna Leão (UFJF), Juliana Dias (UFJF), Henrique
Perissionoto (UFJF), Madalena Costa (PET FACOM) e Maria Tereza Guedes.

[2] Coordenada por Daniela Santana de Oliveira e com a participação dos alunos
Matheus Soares, Camilla Marangon, Giulia Baesso e Lisandra Queiroga.

[3] Coordenada por Daniela Santana de Oliveira com a participação dos alunos
bolsistas e voluntários Matheus Soares (UFJF), Camilla Marangon (UFJF).

[4] Coordenada por Daniela Santana de Oliveira com a participação dos alunos
bolsistas e voluntários Matheus Soares (UFJF), Camilla Marangon (UFJF) e Vinícius
Guida (Fapemig), Renata Dorea (UFJF), Lucas Caetano.

[5] Coordenada pelos bolsistas Vinícius Guida (UFJF) e Renata Dorea (UFJF), com a
participação dos alunos bolsistas e voluntários Gabriela Telles (UFJF), Lucas Caetano,
Tatiana Vieira (bolsista de mestrado Capes) e Luma Perobelli (UFJF).

[6] Coordenada pelos bolsistas Vinícius Guida (Fapemig) e Renata Dorea (UFJF),com
a participação deTatiana Vieira (bolsista de mestrado Capes) e do aluno voluntário
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Lucas Caetano.

[7] Coordenada pela professora Márcia Barbosa da Silva e pelo bolsista Vinícius Guida
(Fapemig), com a participação dos alunos bolsistas e voluntários Lucas Caetano,
Gabriel Telles (UFJF) e Luísa Guimarães (UFJF) e Hsu Ya Ya (UFJF).

286
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290
13
A competência midiática na produção de fanfic
do fandom Limantha de Malhação – Viva a
Diferença
Daiana Sigiliano

Segundo Jenkins et al. (2014) a cultura de fãs é um ponto


de referência nas discussões sobre a produção e o consumo na
contemporaneidade. Conforme pontua Sandvoss (2005, p.3) “[...]
tornou-se impossível discutir o consumo na cultura popular sem
fazer referência a fandom ou às teorias de fãs tanto quanto é quase
impossível encontrar rincões da vida pública que não são afetados por
eles” [1] (livre tradução da autora).
Os fandoms usam as plataformas digitais, principalmente as
redes sociais (Facebook, Twitter, Tumblr e etc.), para interagir social
e culturalmente. Como ressaltam Booth (2010), Jenkins et al. (2014) e
Jamison (2015) os fãs adotam as tecnologias de uma maneira inovadora,
explorando novas formas de organização e participação.
O domínio de habilidades e o engajamento dos fãs não se
limitam somente as plataformas digitais, mas abrangem a leitura crítica
e criativa dos universos ficcionais ( JENKINS et al., 2009; ALVERMANN;
HAGOOD, 2000; HIRSJÄRVI, 2013). Hirsjärvi (2013) explica que os fãs
fazem uma leitura atenta das histórias, analisando cada detalhe da
composição imagética, a tridimensionalidade dos personagens, os
desdobramentos dos arcos narrativos e as ações transmídia. Segundo
o autor os fãs compartilham suas impressões no Twitter e em grupos
do Facebook, reunindo informações sobre as histórias. As análises
pontuam os acontecimentos das tramas, as incoerências nos plots [2]
dos personagens e projetam os possíveis desdobramentos do enredo.
De acordo com Jenkins et al. (2009) e Hirsjärvi (2013) a partir
da compreensão crítica da história os fandoms exploram novas
perspectivas do universo ficcional. Os autores pontuam que a leitura
atenta que os fãs fazem da história estimula o desenvolvimento de
conteúdos que não só reforçam os arcos narrativos, mas ressignificam,
indo além do proposto no cânone.
Ao envolver o domínio de conhecimento crítico, habilidades
multissensoriais e o engajamento do público em relação aos conteúdos,
o fandom estabelece um diálogo direto com a competência midiática
( JENKINS et al., 2009; HERRERO-DIZ, 2017). Hirsjärvi (2013) afirma que
ao analisarmos as atividades de um fandom podemos observar uma
multiplicidade de competências em operação. Tais como a produção de
conteúdos, o ativismo, a sistematização e a curadoria de informações,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

a ressignificação das tramas, a edição de imagens, entre outras.


A partir deste contexto, este capítulo tem como objetivo de
discutir as intercessões entre a competência midiática e a produção de
fanfics pelos fãs de telenovela no Brasil, especificamente de Malhação –
Viva a Diferença (Rede Globo, 2017-2018).

A TELENOVELA E A PRODUÇÃO DE FANFICS

A telenovela no Brasil é um fator de integração social e


identidade cultural (LOPES; MUNGIOLI, 2013). Considerado a produção
central da indústria televisiva, o formato conquistou o reconhecimento
do público como produto estético e cultural. Essa relação intrínseca
que o formato possui com a experiência televisiva e com o cotidiano
do telespectador brasileiro faz com que o folhetim estabeleça o posto
de ‘narrativa da nação’.

292
A telenovela assumiu, ao longo de quase 50 anos de emissões diárias, o
lugar de uma narrativa da nação de caráter peculiar e único, abrangendo
o cotidiano da sociedade, sintetizando o público e o privado, criando
e alimentando um repertório comum, por meio do qual pessoas de
classes sociais, gerações, sexo, raça e regiões diferentes se posicionam e
se reconhecem umas às outras (LOPES; MUNGIOLI, 2013, p.11).

Além do caráter identitário da telenovela, os acontecimentos


do programa estimulam o debate entre os telespectadores. De acordo
com Wolton (1996, p. 163), “Todos conversam sobre as novelas, o
que mostra à perfeição a tese do laço social que é a televisão”. Essa
conversação propiciada pelas atrações pode ser observada na
produção, por exemplo, de fanfics.
Os primeiros registros de fanfics antecedem a década de
1930 ( JAMISON, 2017). De acordo com Jamison (2017), estas narrações
em prosa de histórias fictícias criadas por fãs têm como ponto de
referência desde universos ficcionais (filmes, livros, programas
de TV e etc.) e até o cotidiano de artistas. As fanfics ganham novas
possibilidades e formatos no ambiente da convergência midiática.
Segundo Black (2004, Online) “[...] à medida que as novas tecnologias
se popularizam os fãs puderam se encontrar online para compartilhar,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

criticar e colaborar com as fanfictions uns dos outros”. No Brasil os


sites Spirit Fanfics [3], Nyah!Fanfiction [4] e WattPad [5] reúnem mais
de 300 milhões de capítulos de histórias criadas por fãs. Nas páginas é
possível não só publicar e ler as fanfics, mas trocar mensagens com os
autores, postar ilustrações para os capítulos e até acessar instruções
básicas da língua portuguesa sobre pontuação, uso de crase e dicas de
redação.
Para Jenkins (2012) a criação de uma história pode ser motivada
por cinco elementos básicos. São eles: as sementes (unidades de
informação que são introduzidas na história para indicar um universo
mais amplo que não são completamente desenvolvidas na própria
trama), os buracos (elementos narrativos dos quais o público sente
falta e que são centrais para a compreensão dos personagens), as
contradições (aspectos da narrativa que sugerem possibilidades
alternativas para os personagens), os silêncios (arcos narrativos que

293
foram sistematicamente excluídos do universo ficcional por questões
ideológicas e/ou comerciais) e os potenciais (especulações sobre o que
poderia ter acontecido além dos limites da trama) ( JENKINS, 2012, p. 16-18).
De acordo com Grossman (2017) ao abordar e aprofundar
tramas que não foram desenvolvidas inicialmente pelos roteiristas as
fanfics estimulam o público a pensar criticamente sobre os conteúdos.

Escrever e ler fanfiction não é apenas algo que você faz; é uma forma de
pensar criticamente sobre a mídia que você consome, de estar consciente
de todas as suposições implícitas que um trabalho canônico carrega, e
de considerar a possibilidade de que aquelas suposições poderiam não ser
as únicas possíveis (GROSSMAN, 2017, p.13).

Para Jenkins (2012) ao consumir um conteúdo o fã avalia a


obra como um produto estético, analisando sistematicamente cada
elemento. Como, por exemplo, a caracterização dos personagens,
os desdobramentos dos plots [6], as intertextualidades e a coerência
narrativa. Esse metatexto [7] elaborado pelo público permite que
ele ‘avalie’ o que pode ser ampliado, aprofundado e ressignificado
na fanfiction. A leitura crítica que os fãs fazem do universo ficcional
também contribui para a verossimilhança das histórias. Isto é, apesar
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

de explorar diferentes pontos de vista a base da fanfiction é o paratexto.


Como afirma Jenkins (2012, p. 20)

Uma boa história de fã referencia eventos-chave ou pedaços de diálogo


como evidência para suportar sua interpretação particular dos motivos
e ações dos personagens. Detalhes secundários são usados para sugerir
que a história poderia ter ocorrido de forma plausível no mundo fictício
mostrado no original. É certo que existem histórias ruins que não se
aprofundam nos personagens ou caem em interpretações banais, mas
a boa fan fiction mostra um profundo respeito pelo que gerou a fagulha
na imaginação ou curiosidade do escritor-fã.

Dessa forma, quanto maior o entendimento crítico do fã mais coerentes


e interessantes serão suas produções.
Criada por Cao Hamburger e vencedora do Emmy (2019), a
vigésima quinta temporada de Malhação (Rede Globo, 1995-atual),
intitulada Malhação - Viva a Diferença (2017-2018), bateu recordes de
audiência e promoveu a discussão de temas até então inéditos na trama

294
[8]. Pela primeira vez, em 25 anos de exibição, a atração infantojuvenil
foi protagonizada por cinco mulheres. As adolescentes Keyla (Gabriela
Medvedovski), Benê (Daphne Bozaski), Tina (Ana Hikari), Lica (Manoela
Aliperti) e Ellen (Heslaine Vieira), de origens e personalidades
diferentes, ficam presas no mesmo vagão de metrô durante uma pane
elétrica. A personagem Keyla (Gabriela Medvedovski) entra em trabalho
de parto e as adolescentes se unem em solidariedade para ajudá-la no
nascimento do bebê. Um dos arcos narrativos mais populares entre os
telespectadores envolveu as personagens Lica e Samantha (Giovana
Grigio), intitulado pelo fandom como Limantha, o ship [9] é o acrônimo
dos nomes das adolescentes. Ao longo dos capítulos de Malhação o
fandom produziu conteúdos no Twitter, You Tube e, principalmente,
fanfictions. As histórias, criadas pelos fãs, aprofundavam os arcos
narrativos de Lica e Samantha e exploravam os desdobramentos que
não estavam presentes no universo ficcional.

PERCURSO METODOLÓGICO
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Para analisar as dimensões da competência midiática que estão


em operação nas fanfics produzidas pelo fandom Limantha, adotamos
a metodologia proposta por Ferrés e Piscitelli (2015) para avaliar e
promover o desenvolvimento da competência midiática na cultura
participativa. Os autores definem seis dimensões (linguagem, ideologia
e valores, estética, tecnologia, processos de interação e de produção e
difusão) a partir das quais os indicadores são elaborados abrangendo
a forma como as pessoas recebem e interagem com as mensagens
(âmbito de análise) e o modo como as mensagens são produzidas pelas
pessoas (âmbito de expressão). Neste capítulo iremos nos debruçar
sobre as seguintes dimensões: linguagem, ideologia e valores e estética.
A delimitação do objeto analisado neste capítulo partiu de
uma busca nos dois maiores sites de fanfic no Brasil, o Spirit Fanfics
e o Nyah! Fanfiction. A filtragem das produções se dividiu em dois
momentos: pela própria categorização dos sites (Categoria/Séries)
e pelo motor de busca, inserindo palavras chave relecionadas ao

295
contexto do fandom Limantha (título da série; personagens principais;
título dos episódios). A partir deste recorte chegamos nas cinco fanfics
mais acessadas, em ambos os sites, são elas: Wonderwall, Oitavo B,
Nossa Trilha Sonora, Old Habits e Paris. Nesse contexto, a escolha de
Wonderwall foi pautada por seu número de acessos no Spirit Fanfics.

AS DIMENSÕES DA COMPETÊNCIA MIDIÁTICA EM OPERAÇÃO


EM WONDERWALL

Publicada no site Spirit, a fanfic Wonderwall é composta por


30 capítulos de em média 3 mil palavras. A trama, criada pela user
clexastrash começou a ser publicada no dia 28 de dezembro de 2017,
quando a telenovela Malhação –Viva a Diferença ainda estava no ar. Como
iremos detalhar mais adiante, a história apresenta novas perspectivas e
distintas temporalidades do arco narrativo do casal Limantha. Apesar
de manter várias informações e características do cânone, a fã amplia e
a aprofunda trama de Lica e Samantha.
Na página principal de Wonderwall encontramos as informações
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

gerais (data de criação e atualização, métricas, gêneros, personagens,


classificação etária e etc.) e os capítulos da fanfic. Segundo as informações
disponibilizadas pela fã, a história aborda os seguintes gêneros: família,
LGBT, literatura feminina, romance e novela, yuri (lésbica) e não é
recomendada para menores de 18 anos por tratar de questões como o
álcool, a bissexualidade, as drogas, a homossexualidade, a insinuação
de sexo, a nudez e o sexo. A partir das informações fornecidas pela user
clexastrash o leitor pode conhecer as linhas gerais da trama sem ter que
acessar os capítulos. Nesse sentido, a categorização da autora interfere
diretamente nos motores de busca do Spirit e nas métricas de acesso da
história.
Em uma breve busca no site é possível observar que o título
Wonderwall é recorrente no âmbito das fanfics. No Spirit foram
postadas 91 histórias com o título, abrangendo distintos cânones como,
por exemplo, as séries estadunidenses Once Upon a Time (ABC,2011-
2018) e Stranger Things (Netflix, 2016- atual) e também a Real Pearson

296
Fiction (RPF) - uma subcultura da fanfic foca em pessoas reais - de
bandas de K-Pop. A história de clexastrash é composta por uma capa,
a imagem que ilustra a página principal reúne informações sobre a
fanfic e ilustrações que fazem referência ao arco narrativo central da
trama. Segundo a seção FAQ do Spirit as capas das tramas podem ser
criadas pelo próprio autor ou com a ajuda de um capista, um usuário
que tem a função específica de editar as imagens.

Imagem 1: Capa da fanfic Wonderwall


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Spirit (2019)

Do lado esquerdo da capa a fã destaca quatro imagens das


personagens, as fotos são de capturas de tela de cenas de Malhação –
Viva a Diferença e apresentam uma correlação. Na primeira foto vemos
Samantha com uma câmera nas mãos, já na última imagem é Lica
que está fotografando. Apesar de não fazer uma alusão explícita aos
arcos narrativos de Wonderwall, as imagens escolhidas por clexastrash
ressaltam a importância da arte no universo ficcional criado pela
fã. Como iremos analisar mais adiante, os capítulos da fanfic são
compostos por vários elementos intertextuais como, por exemplo,
exposições, obras, pintores, músicas, movimentos artísticos nacionais
e internacionais, entre outros. Nesse sentido, a escolha das imagens
das personagens reforça, mesmo que indiretamente, a importância
destas referências externas à trama.

297
No centro da capa, clexastrash destaca o slogan da fanfic, que
está correlacionado não só com a sinopse disponível na página principal,
mas com o principal arco narrativo da história. Entre os temas abordados
em Wonderwall, a fã explora o medo de Lica e Samantha de terem um
relacionamento sério e de se apaixonarem. Logo nos primeiros capítulos,
clexastrash faz uma metáfora entre pular de um penhasco e se entregar
a paixão. No final da fanfic a autora retoma a figura de linguagem para
solucionar o conflito entre as protagonistas. A imagem central da capa
também destaca o título da trama e o user da fã.
Por fim, as imagens do lado esquerdo da capa de Wonderwall
são ilustrações genéricas, provavelmente retiradas de bancos de
dados. As fotos mostram uma cidade vista do alto – fazendo alusão ao
Terraço Itália que é explorado na história diversas vezes -, uma mesa
com jornais e uma xícara de cappuccino, e museus – estabelecendo
uma correlação não só com o âmbito artístico, mas com trechos dos
capítulos finais. Como, por exemplo, quando as personagens visitam
museus e ao plot em que Lica recebe uma proposta de trabalho no Van
Gogh Museum. A personagem também tem uma ligação muito pessoal
com a pintura, apesar de integrar o cânone, na fanfic essa questão
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

é ampliada. Em diversos capítulos Lica explica como a arte tem um


papel fundamental na sua compreensão do mundo. Dessa forma, a capa
de Wonderwall mostra a capacidade da fã de sintetizar os pontos centrais
da fanfic. Além da edição, já que a imagem é uma montagem e apresenta
elementos gráficos, a autora conseguiu representar imageticamente a
proposta da história.
Segundo Recuero (2009), assim como acontece na comunicação
face a face, no ecossistema de conectividade os sujeitos midiáticos
também buscam recursos de individualização. A autora afirma que nas
plataformas digitais e redes sociais a escolha do avatar, a descrição do
perfil, as temáticas abordadas nas publicações e a criação do username
são as principais maneiras de representação dos interagentes.
Além das informações gerais (seguidores, favoritos, lista de
leitura, etc.), o perfil de clexastrash no Spirit é composto por uma capa
e um avatar. O avatar faz referência uma personagem da ficção e a

298
capa apresenta vários elementos que integram as fanfics criadas pela
fã. Na montagem podemos observar fotos do ship Limantha, frases
ligadas à comunidade LGBT e ao feminismo, além da bandeira e das
cores do movimento LGBT. As abas Seguidores, Seguindo e Favoritos,
ressaltam a atividade da user na plataforma. Segundo Jamison (2017) a
fanfic materializa o senso de coletividade do fandom através da troca
que se estabelece entre os autores e os leitores. Esse diálogo é baseado
“[...] quase que inteiramente na troca, no elogio, no respeito mútuo
e na crítica” ( JAMISON, 2017, p. 258). Nesse sentido, podemos afirmar
que clexastrash estabelece uma relação de troca na plataforma, não só
através dos comentários – que serão analisados mais adiante -, mas no
consumo de outras fanfics disponíveis no Spirit.
Além de Wonderwall, clexastrash também é autora de Prisão
Vermelha. A trama foi postada em 16 de fevereiro de 2018 e explora
um universo alternativo (AU/UA) [10] de Mallhação – Viva a Diferença.
Ambientada na Guerra Fria, a fanfic retrata o amor proibido entre
Lica, uma diplomata soviética, e Samantha Baines, uma diplomata
estadunidense.
Segundo as métricas do Spirit, Wonderwall gerou 189 mil
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

acessos, foi favoritada por 1.866 usuários e integrou 1.295 listas


de leitura. A fanfic parte da seguinte sinopse: Wonderwall (adj).
“Wonderwall”, dentre tantas coisas, pode ser definido como aquela pessoa
a qual você fica pensando o tempo inteiro, alguém que você não consegue
se desvencilhar. Apesar de não ressaltar os arcos narrativos centrais
da história, a descrição de clexastrash reforça a proposta/identidade
da trama. Todos os capítulos publicados pela fã seguem um padrão,
e começam com uma palavra, que também é o título do capítulo, e
o seu significado. Como iremos analisar na dimensão da estética,
estes padrões estabelecidos pela autora indicam a sua capacidade e
compreensão da estrutura narrativa e da importância de manter a
coerência ao longo da trama.
Conforme ressaltamos anteriormente, para Jenkins (2012) ao
desenvolverem uma fanfic os fãs realizam dois tipos de leitura, a crítica
e a criativa. Este aspecto pode ser observado em diversos momentos

299
de Wonderwall, além de manter a ordem cronológica de alguns eventos
do cânone como, por exemplo, no capítulo dois, intitulado Basorexia,
em que as personagens citam que foram à sorveteria, também são
pontuados os relacionamentos de Lica, sua viagem a Europa, entre
outros. Isto é, os fatos da telenovela usados pela autora não só reforçam
a correlação entre o cânone e a fanfic, mas ajudam os leitores a se
localizarem cronologicamente na trama.

Imagem 2: A fã reforça uma cena do cânone no


segundo capítulo de Wonderwall
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Spirit (2019) e Rede Globo (2018)

A leitura crítica de clexastrash também pode ser observada


na forma como a fã explora as características e a personalidade das
adolescentes. Essa verossimilhança presente na fanfic foi destacada
pelos leitores, o público elogiou a coerência nos desdobramentos
narrativos envolvendo Lica e Samantha.

300
Imagem 3: Leitores de Wonderwall destacam
a correlação entre o cânone a fanfic.

Fonte: Spirit (2019)

De acordo com Jenkins (2012), a leitura criativa está relacionada


com as ressignificações presentes nas fanfics. Em outras palavras,
o fã elabora novas concepções do universo ficcional, ampliando a
narrativa em direções que não estão presentes no cânone, explorando
habilidades literárias, lúdicas, linguísticas e multimodais. Wonderwall
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

aprofunda temas que foram tratados rapidamente na telenovela tais


como a homofobia e a bissexualidade, a ampliação dos arcos narrativos
também pode ser observada no eu lírico e na temporalidade da fanfic.
Os capítulos da trama exploram tanto a primeira pessoa quanto a
terceira pessoa, dessa forma acompanhamos os fatos a partir do ponto
das personagens. O recurso não só aprofunda os arcos narrativos, já
que na telenovela não acompanhamos a perspectiva das adolescentes,
mas estabelece, mesmo que indiretamente, uma proximidade com os
leitores. Como, por exemplo, quando Lica fala como a sua viagem a
Europa foi importante para o seu auto conhecimento, ao contrário
do cânone o leitor conhece os medos e inseguranças mais íntimos
da personagem, sua visão pessoal sobre o arco narrativo. A partir
do capítulo 27, intitulado Hic Et Nunc, a fã introduz uma nova linha
temporal na fanfic, explorando o futuro das personagens. Nesse
contexto, o leitor é apresentado a desdobramentos que vão além da

301
cronologia do cânone. A projeção que a fã faz da vida adulta de Lica
e Samantha tem diálogo com a telenovela, mas explora os caminhos
profissionais e o amadurecimento das personagens, extrapolando
os arcos narrativos do último capítulo do programa. Dessa forma,
clexastrash realiza tanto a leitura crítica – ao reconhecer e reproduzir
os padrões e características do universo ficcional, e identificar as possíveis
ampliações e ressignificações do cânone – quando a leitura criativa – ao
explorar distintas temporalidades, eu líricos e novos arcos narrativos.
Em Wonderwall a dimensão da linguagem proposta por Ferrés e
Piscitelli (2015) também pode ser observada em outros pontos da trama.
Como, por exemplo, a forma como o cânone integra os capítulos. A
trama criada por clexastrash está inserida na mesma linha temporal da
telenovela, nos capítulos iniciais a autora informa aos leitores que o
arco narrativo se passa depois que Lica e Samantha vão à sorveteria. A
autora cita literalmente algumas falas das personagens, tais como “Eu
acabei de descobrir que sou mais corajosa do que pensava” e “Não sei
onde isso vai dar, mas tô nem aí”. Os recursos usados pela fã só trazem
verossimilhança para a fanfic, mas ajudam na imersão do leitor.
Além de manter a cronologia dos eventos narrativos e citar
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

alguns diálogos do casal Limantha, clexastrash amplia e aprofunda o


cânone. Como ressaltamos anteriormente, vários conflitos da história
são desencadeados pela família de Samantha, os elementos – perfil
dos personagens, ambientação, background e etc. – praticamente
insistentes na telenovela, foram todos criados pela fã. Dessa forma, a
fã imbrica trechos do cânone com novos arcos narrativos.
De acordo com Jenkins (2008, p. 340), as práticas da cultura
de fãs surgem “[...] do equilíbrio entre o fascínio e a frustração: se a
mídia não nos fascinasse, não haveria o desejo de envolvimento com
ela; mas se ela não nos frustrasse de alguma forma, não haveria o
impulso de reescrevê-la e recriá-la”. Essa questão se materializa de
forma nítida em dois pontos de Wonderwall: no complemento e na
ampliação das cenas do cânone. Algumas sequências de Limantha
em Malhação – Viva da Diferença ficaram em aberto, entretanto na
fanfic de clexastrash estas lacunas narrativas são preenchidas. Na cena

302
exibida pela Rede Globo em 1 de janeiro de 2018, Samantha insinua que
se relacionou com Felipe (Gabriel Calamali). Na trama os personagens
deixam a questão em aberto para provocar Lica e MB (Vinicius Wester).
Porém, no capítulo 6, intitulado Opia, a autora retoma a sequência
cronologicamente, situado o leitor “[...] já havíamos tido essa conversa
na escola mais cedo, no entanto eu não havia afirmado e muito menos
negado nada [...]”, e, posteriormente, Felipe afirma ele e Samantha
ficaram, completando a cena do cânone.

Imagem 4: Na primeira imagem vemos a sequência exibida na


telenovela, na segunda imagem a fã completa a cena em sua fanfic.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Rede Globo (2018) e Spirit (2019)

303
Algumas cenas da telenovela também são ampliadas na
fanfic, a autora mantém o evento narrativo – seguindo a mesma
ambientação, os personagens que compõem o arco, a cronologia e
etc. – mas incorpora novos detalhes. Esse aspecto pode ser observado
no capítulo 12, intitulado Aurora, quando a fã amplia o arco da festa
do filho de Keyla, Tonico. No cânone Lica e Samantha ficam até de
madrugada conversando e escutando os vinis antigos de Roney (Lúcio
Mauro Filho), entre elas o álbum dos Novos Baianos. Em Wonderwall
a sequência apresenta diversas referências musicais, indo além das
citadas no cânone. As adolescentes aprofundam as canções, detalhando
o contexto de criação e o significado de alguns trechos. São citados
artistas como Belchior, Elis Regina e Maria Bethânia. Enquanto escutam
Carcará, por exemplo, Samantha explica que a música foi composta
durante a Ditadura Militar e que o 'carcará' representa o governo.
Como já ressaltamos anteriormente clexastrash explora de
maneira coerente e verossímil o perfil das personagens. Entretanto,
conforme pontuam Jenkins (2008) e Jamison (2017) a fanfic parte, muitas
vezes, da necessidade do fã de corrigir certos aspectos do cânone.
Durante a exibição do arco narrativo de Limantha, de dezembro de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

2017 e março de 2018, uma das críticas do fandom era em relação à


Lica, os telespectadores ávidos reclamavam da falta de iniciativa da
personagem em relação à Samantha. Na história de Wonderwall esta
característica da adolescente é ressignificada. Em diversos capítulos
da trama a personagem toma iniciativa para conquistar e se envolver
com a namorada. Dessa forma, a trama criada pela fã reforça um ponto
no cânone que gerava insatisfação no fandom.
De acordo com Wershler (2017) as fanfics são compostas por
várias intertextualidades. A partir do conceito de dupla codificação
de Eco (2003), o autor afirma que as tramas se comunicam tanto com
o público geral quanto com os leitores ávidos. Em outras palavras,
os arcos narrativos apresentam camadas interpretativas que não
são fundamentais para a compreensão das histórias, mas que são
reconhecidas apenas pelos leitores ávidos. A discussão proposta por
Wershler (2017) é um dos pontos centrais de Wonderwall, ao longo dos

304
30 capítulos clexastrash faz inúmeras referências externas ao universo
ficcional. De modo geral, as intertextualidades presentes na fanfic
apresentam três funções: a citação, a correlação e a contextualização.
Na citação a referência é feita de maneira pontual como, por exemplo,
nos capítulos 8 e 19, quando a fã sugere, na seção Notas do Autor,
músicas para os leitores escutarem enquanto lêem a trama. O mesmo
pode ser observado no capítulo 22, intitulado Socha, em que Lica cita
uma frase da série estadunidense How I Met Your Mother (CBS, 2005-
2015). Nesse contexto, o recurso amplia o sentido da fanfic, mas não é
aprofundado pela fã.
Na correlação a autora integra um elemento externo
ao universo ficcional para reafirmar os desdobramentos dos
arcos narrativos. Esse aspecto pode ser observado quando Lica e
Samantha vão à exposição Matriz do Tempo Real, no Museu de Arte
Contemporânea em São Paulo. Durante a visita a exposição, que de
fato integrou o calendário do MAC, as personagens correlacionam
as obras dos artistas, que refletem sobre o tempo, com os medos e
percalços de seu relacionamento. No capítulo 13, intitulado Anxietas,
a intertextualidade também apresenta a mesma função na narrativa.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Lica explica as obras do pintor norueguês Edvard Munch para ajudar


Samantha a se acalmar durante uma crise de ansiedade. A personagem
cita as obras O Grito (1893) e Ansiedade (1894) e comenta sobre as técnicas
usadas em cada uma para distrair a namorada.
A contextualização pode ser observada principalmente a
partir do capítulo 23, intitulado Wanderlust, quando as personagens
fazem uma viagem para a Europa. Além de citarem os pontos turísticos
de cidades como Praga, Paris e Berlim a fã explica detalhadamente os
museus e as principais obras dos artistas expostos. Alguns capítulos
como Kalokagathia (capítulo 20), Socha (capítulo 22) e Paris (capítulo 24)
a fã também disserta sobre termos como, por exemplo, amor platônico,
ego, superego ID e epistemologia. Os termos funcionam como uma
espécie de introdução para o principal plot do capítulo. A autora expõe
vários teóricos e filósofos na argumentação dos termos, trazendo um
caráter informativo para a fanfic.

305
A vigésima quinta temporada de Malhação explorou temas
até então inéditos no âmbito da telenovela infantojuvenil. Tais
como a bissexualidade, a homofobia, o machismo, entre outros.
Porém, questões relacionadas ao formato, ao horário de exibição e a
amplitude de universo ficcional acabaram limitando a discussão dos
assuntos. Como, por exemplo, a bissexualidade, que apesar integrar
o arco narrativo de Limantha, não é diretamente abordada na trama.
Em Wonderwall, a fã não só aprofunda estes tópicos que já integravam
o cânone, mas traz novos temas como a ansiedade, a saúde mental e a
síndrome do pânico.
Como iremos detalhar na dimensão estética, a bissexualidade
é enfaticamente abordada por clexastrash no capítulo 17, intitulado
Sonder. Na fanfic, Lica e Samantha apresentam um trabalho na
disciplina de Bóris (Mouhamed Harfouch) sobre a comunidade LGBT e
a homofobia. Assim como nos capítulos em que as personagens fazem
um mochilão pela a Europa, o plot traz muitas informações. A autora
cita que o Brasil é o país que mais mata LGBT no mundo, que há cada
vinte cinco horas uma pessoa é assassinada. Durante a apresentação
as personagens ressaltam que membros da atual conjuntura política
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

ainda insistem em classificar a homossexualidade como doença,


mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) tendo retirado o título
na década de 1990. A discussão proposta pela fã também ressalta os
estereótipos e os preconceitos sofridos por lésbicas, gays, bissexuais e
transexuais. Nesse sentido, clexastrash compreende criticamente não
apenas o tema abortado, mas os problemas no modo de representação
da comunidade.
No que se refere à discussão sobre a bissexualidade as
adolescentes contam experiências pessoais e relatam situações que já
passaram enquanto casal. No cânone, Lica e Samantha não se assumem
bissexuais, no capítulo exibido dia 8 de fevereiro de 2018, Lica conta
para Benê que não gosta de rotular sua orientação sexual.

306
Imagem 5: Trecho da cena em que Lica conversa
sobre sua sexualidade com Benê .

Fonte: Rede Globo (2018)

Entretanto, na fanfic as personagens falam abertamente sobre


sua orientação sexual e pontuam, durante a apresentação do trabalho,
situações em que sofreram preconceito dos colegas de sala.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Imagem 6: Trecho de Wonderwall em que Lica e


Samantha discutem sobre a bissexualidade.

Fonte: Spirit (2019)

307
Temas como o machismo, a homossexualidade e o preconceito
também são explorados em outros capítulos de Wonderwall. As
reflexões se desdobram a partir de personagens como, por exemplo,
Gabriel (Luis Galves), a mãe de Samantha e etc. Apesar de não integrar
o cânone, a fã reflete sobre assuntos pertinentes ao público alvo tais
como a ansiedade e a saúde mental. Como iremos aprofundar na
dimensão da estética, os leitores se identificaram com arco narrativo
e compartilharam experiências semelhantes as das adolescentes. No
capítulo 13, intitulado Anxietas, Samantha tem uma crise de ansiedade,
depois de uma conversa conturbada com os pais a personagem começa
a se sentir mal e liga para Lica. Samantha fala que sempre teve medo
de contar sobre suas crises para os pais, porém a namorada alerta
da importância da saúde mental e que buscar ajuda profissional é
fundamental. Os capítulos de Wonderwall são, em sua grande maioria,
narrados em primeira pessoa. Nesse sentido, a clexastrash retrata os
acontecimentos da história a partir da perspectivas das protagonistas.
O recurso acaba, mesmo que indiretamente, gerando empatia e
identificação nos leitores.
Como ressaltamos anteriormente, a fanfic é composta por várias
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

intertextualidades, nesse contexto são explorados temas que vão além


do universo ficcional. Na trama, a fã faz referência não só a elementos
da cultura pop, mas a fatos históricos que estimulam a reflexão
do público. Como, por exemplo, no capítulo 17 (Sonder) , em que as
personagem falam sobre a ditadura militar. De acordo com Jamison
(2017) o sexo é um elemento recorrente nas fanfic, independente do
cânone e da proposta da trama. A autora afirma que o smut [11] pode ser
motivado por diversas razões, tais como o ativismo, a necessidade de
representatividade, o aprofundamento do cânone, a experimentação
criativa, entre outros. Apesar de não ter como ponto central o smut,
alguns capítulos de Wonderwall aprofundam questões que foram
apenas sugeridas no cânone. Nesse contexto, a relação das personagens,
as trocas de caricias são detalhadamente descritas pela fã.
Jamison (2017) também afirma que a fanfic possibilita que
os fãs explorem arcos narrativos que não são viáveis no canône por

308
questões ideológicas e/ou comerciais. Como explica a autora (2017,
p. 277). “Parte da importante – até crucial – função social, literária e
política da fanfiction é que as pessoas realmente contam as histórias
que querem contar, sem pré censura ou noções preconcebidas
sobre o que vai vender”. A ausência de cenas românticas, em que as
adolescentes trocavam carícias e beijos ardentes, foi criticada pelo o
fandom de Limantha. Os fãs protestavam no Twitter através de hashtags
e menções aos perfis dos roteiristas. Dessa forma, a fanfic preenchia
uma carência do público, apesar do erotismo ser pontual na trama, a
fã amplia o viés romântico do casal.
Em Wonderwall observamos uma nítida compreensão da
autora sobre a estrutura narrativa. Este aspecto está presente não só
nos ganchos que integram todos os desdobramentos da trama, mas
na padronização dos capítulos. Todos os capítulos da fanfic têm como
ponto de partida o significado de uma palavra que também é o título
do mesmo. Além de abrir o capítulo, a palavra escolhida por clexastrash
está correlacionada com o principal arco narrativo. Como, por
exemplo, no capítulo 10, intitulado Mauerbauertraurigkeit. Segundo a
fã a palavra – Mauerbauertraurigkeit - significa um sentimento movido
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

pelo medo. Na trama, Samantha e Lica brigam e se sentem inseguras


em continuar o relacionamento. Dessa forma, Wonderwall é norteada
por uma coerência textual e estabelece uma identidade narrativa, já
que todos os capítulos são estruturados do mesmo modo.
Outro ponto relevante na dimensão da estética e que integra
a fanfic de Limantha é a forma como a autora alterna o eu lírico
da história. Grande parte da trama se passa em primeira pessoa,
acompanharmos tanto o ponto de vista de Samantha quanto o de Lica,
para facilitar à compreensão do leitor a fã indica e destaca (grifo) o
nome da personagem no início do capítulo. Como, por exemplo,
Samantha – Point Of View e Lica– Point Of View. Porém, em alguns
capítulos clexastrash opta pela terceira pessoa, a mudança é justificada
na seção Notas do Autor. A fã afirma que o eu lírico irá trazer à história
uma dimensão maior dos acontecimentos.

309
A fanfic materializa a coletividade presente na prática da cultura
de fãs ( JAMISON, 2017). Para Jamison (2017) dentro da comunidade o
leitor da fanfic tem mesma importância que o autor. Segundo a autora,
além do anonimato e da velocidade na propagação das fanfics, a
internet possibilitou a troca instantânea de conteúdos e impressões
sobre as tramas. No site Spirit existem seções especificas destinadas
a troca de comentários sobre as histórias. Em Wonderwall, clexastrash
estimula a participação dos leitores de distintas formas. Através das
seções Notas do Autor e Notas Finais a fã repercutia os capítulos da
telenovela que estavam no ar, refletia sobre o seu processo criativo,
ressaltava os pontos importantes da trama, indicava outras fanfics,
comentava as impressões dos leitores no Twitter e explicava os grifos
indicando a mudança na temporalidade.
Ao compartilhar com os leitores questões relacionadas ao
seu processo criativo a fã refletia, mesmo que indiretamente, sobre
o conteúdo que estava produzindo. Como, por exemplo, no capítulo
16, em que clexastrash diz que estava com um bloqueio criativo e pede
a opinião dos leitores sobre os desdobramentos narrativos. A autora
também discute, nas Notas do Autor do capítulo 7, sobre a periodicidade
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

dos capítulos, ressaltando a importância do espaço entre as publicações.


Nos capítulos 13 e 14, que abordam o arco narrativo envolvendo a crise
de ansiedade de Samantha, a autora usa as Notas do Autor para destacar
a necessidade de se falar sobre a saúde mental e, posteriormente, indica
uma fanfic que tem como tema central o assunto. Os leitores também
repercutiram a história nos Comentários, compartilharam experiências
pessoais e indicaram outras tramas. Dessa forma, além de ressignificar
o cânone, já que o tema não foi trato na telenovela, a autora estimula a
reflexão dos leitores e a curadoria de conteúdos.
Segundo Jamison (2017) e Jenkins et al. (2014) o Twitter é
uma das redes sociais mais populares entre os fãs, a autora afirma
que o microblogging não só facilita a socialização do fandom, mas
possibilita novos modos de ampliação do cânone. Em Wonderwall a
autora troca informações com os leitores, pede a opinião em relação à
plots específicos e compartilha seu processo de pesquisa. Como, por

310
exemplo, no capítulo 17 em que a fã trata de questões relacionadas à
comunidade LGBT, em sua conta pessoal no Twitter clexastrash postou
parte da pesquisa que fez para aprofundar temas como o índice de
assassinatos no Brasil.
A fã também solicita a participação dos leitores como, por
exemplo, no capítulo 26, em que clexastrash pergunta de que forma
eles preferem o título. Dessa forma, a fanfic é ampliada para outras
plataformas, dinamizando o consumo dos leitores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisamos a fanfic Wonderwall podemos ressaltar alguns


pontos sobre esta prática da cultura de fãs e o seu diálogo com a
competência midiática. Ao ampliar o arco narrativo da telenovela
Malhação – Viva a Diferença clexastrash parte de um profundo
entendimento da história. Isto é, ao compreender criticamente o
programa a fã é capaz de identificar incoerências, brechas e potenciais
no paratexto para que este possa ser ressignificado na fanfic.
A leitura crítica da fã ganha novos contornos quando
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

correlacionamos os capítulos da trama publicada no Spirit com a


telenovela da Rede Globo. Nesse contexto, principalmente temas
ligados a sexualidade e a comunidade LGBT são aprofundados na
fanfic, a autora clexastrash identifica a necessidade de ampliação
destas questões e as insere no paratexto.
Outro ponto importante é o uso que a fã faz da plataforma
Spirit, tanto na seção de comentários quanto nas notas clexastrash
incentivava o diálogo e repercutia o seu processo criativo, contribuindo,
mesmo que indiretamente para a dinâmica da trama.
Mesmo sendo criada por uma fã a fanfic Wonderwall reverbera
diversas percepções e discussões recorrentes coletivas do fandom,
que integravam os perfis no Twitter, as páginas no Tumbrl, os sites
especializados, os vídeos on crack, entre outras práticas. Nesse
contexto, a história dá continuidade a aspectos que já vinham sendo
refletidos e problematizados pelo grupo.

311
Por fim, é importante destacar que as práticas da cultura de
fãs são cheias de nuances e peculiaridades, desta forma é fundamental
que a análise e as correlações com as dimensões da competência
midiática apresentadas neste capítulo sejam pensadas especificamente
em Wonderwall.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

312
NOTAS

[1] It has become impossible to discuss popular consumption without reference to


fandom and fan theory, just as it has become next to impossible to find realms of
public life which are unaffected by fandom

[2] História do capítulo ou da temporada ligada ao principal arco narrativo.

[3] Disponível em: https://www.spiritfanfiction.com/home. Acesso em: 27 abr. 2019.

[4] Disponível em: https://fanfiction.com.br. Acesso em: 27 abr. 2019.

[5] Disponível em: https://www.wattpad.com. Acesso em: 27 abr. 2019.

[6] História da série ou da temporada ligada ao principal arco narrativo.

[7]De acordo com Jenkins (2015, p. 147) o metatexto se baseia em informações


fornecidas especificamente pelo programa e em fontes secundárias (jornais, sites
especializados, entrevistas com o autor e com elenco e etc.).

[8]Disponível em: https://www.otvfoco.com.br/sucesso-de-audiencia-malhacao-


volta-a-ser-exportada-apos-13-anos. Acesso em: 27 mai. 2019.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

[9] Ship é o nome designado ao casal que o público gostaria de ver junto, chamado de
casal shippado ( JAMISON, 2017)

[10] Quando os personagens originais são inseridos em outro ambiente ( JAMISON,


2017).

[11] Fanfics em que o sexo é o ponto central.

313
REFERÊNCIAS

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Education for the 21st Century. Massachusetts: The MIT Press, 2009.

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Marsupial Editora, 2015.

______. Lendo criticamente e lendo criativamente. In Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012.
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314
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WOLTON, D. Elogio do grande público - Uma teoria crítica da televisão. São Paulo:
Ed. Ática, 1996.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

315
14
O debate sobre questões morais entre
consumidores e marcas nas redes sociais:
o caso da cerveja Skol
Letícia Barbosa Torres Americano e Mirian Nogueira Tavares

Ao final da segunda década do século XXI, os desafios da


literacia mediática estão profundamente ligados à promoção da
cidadania em um ambiente midiático evidentemente marcado pela
consolidação do capitalismo digital [1] (SCHILLER, 2000). A Comissão
Europeia, que possui estudos e diretrizes avançadas voltados para
a formação de uma cidadania digital, apresentou, após inquérito
conduzido por especialistas, dez dimensões-chave (RICHARDSON;
MILOVIDOU, 2017) para a educação em uma contemporaneidade cada
vez mais conectada e mediada pelas telas. Entre elas, a Literacia dos
Media e da Informação e a Consciência do Consumidor. A pesquisa
demonstrou que enquanto a primeira já tem a sua importância
reconhecida como fundamental para o processo, a segunda, mesmo
em contexto europeu, recebe menos atenção, sendo percebida “pelos
jovens entrevistados durante as consultas realizadas como áreas [2]
sobre as quais pensam que precisam aprender mais.” (RICHARDSON;
MILOVIDOU, 2017, p. 29).
Apesar do universo do consumo não ser limitado às questões
de comunicação e informação, a literacia midiática exerce papel
fundamental na educação em relação a esse domínio, uma vez que seus
principais apelos nos impactam através das diferentes mídias. Sendo
a consciência para o consumo uma das competências básicas para a
cidadania digital no modelo econômico em que a web está inserida,
estar conectado aos diversos espaços midiáticos proporcionados
pela internet também coloca o indivíduo na posição de usuário,
de consumidor e exige responsabilidade (COUNCIL OF EUROPE,
2017). Sob essa perspectiva, o grupo de pesquisa Comunicação, Arte
e Literacia Mediática, vinculado a Faculdade de Comunicação Social
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) possui entre as suas
frentes de investigação a abordagem da literacia midiática voltada ao
campo da comunicação mercadológica.
Na nossa pesquisa buscamos abordar as problemáticas
relacionadas ao consumo a partir da dimensão da marca comercial.
Temos o entendimento de que ela é o principal ponto de contato entre
empresa e consumidor. É através dela que são percebidos qualidades,
valores, atributos e também são geradas conexões, principalmente
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

emocionais.

Aprendemos que as marcas são significativas para os consumidores,


não apenas porque são gerenciadas estrategicamente pelas empresas,
mas porque os consumidores as incorporam em suas vidas e adicionam
a elas suas próprias histórias idiossincráticas. (BENGTSSON; FIRAT,
2006, p. 375).

As palavras interação e engajamento entraram definitivamente


em voga no panorama do marketing no século XXI, tanto no mercado
como nas pesquisas acadêmicas, como reflexo do novo ambiente
comunicacional, das mudanças na postura do consumidor, de
reformulações no conceito de branding e das múltiplas oportunidades
de participação. Mais do que relacionamento, o desafio está em
envolver, entreter o público e estimular a sua cooperação nas iniciativas
de comunicação das marcas. Por isso, as habilidades criativas e críticas

317
midiáticas e digitais dos indivíduos tornaram-se essenciais para o
desempenho da publicidade na contemporaneidade.
No campo da comunicação com o mercado, os consumidores
não são mais vistos apenas como alvo das mensagens persuasivas,
mas integrá-los e torná-los atuantes nas ações é considerado cada
vez mais essencial para o estreitamento dos vínculos e a visibilidade
das campanhas. Desse modo, questionamos se ao decidir engajar-
se no processo, expressando-se através das novas tecnologias de
informação, o público, mesmo quando não há consciência sobre o
papel desempenhado, não assume também parte da responsabilidade
pela construção do conteúdo mercadológico.
Na busca de compreender melhor esse fenômeno, que
ainda podemos considerar recente, e investigar de que maneira as
competências midiáticas e digitais dos indivíduos são mobilizadas para
a construção colaborativa das mensagens mercadológicas nas redes
sociais da internet - com o objetivo de refletir sobre ações formativas
para a área - desenvolvemos nossa pesquisa em nível de doutorado na
Universidade do Algarve (UAlg), em Portugal.
Nela avaliamos a interação - público/marca/consumidores
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

entre si - a partir da definição de três dimensões: Processos de


Interação e Engajamento; Mensagem da Comunicação Mercadológica
e Ideologia, Ética e Cidadania, para as quais foram criados diferentes
indicadores. No entanto, neste artigo, em específico, focamos nosso
olhar em um dos pontos da terceira dimensão. A partir da dinâmica
encontrada nas páginas da Skol, uma das marcas objeto de nosso estudo,
refletimos sobre o debate de questões morais, de respeito à diversidade
e preconceitos em um espaço de comunicação mercadológica. Antes,
porém, de prosseguirmos com a análise contextualizamos a marca e
seu posicionamento de comunicação.

SKOL: A CERVEJA QUE DESCE REDONDO

Skol – designação que remete à cultura viking - é derivada


das línguas escandinavas, da palavra skål [3] que pode ser traduzida

318
por “à vossa/nossa saúde”. A marca de cerveja que nasceu na Europa
na década de 1960 com nome de brinde, em associação “a uma união
fraterna, a experiência coletiva de um êxtase e o momento ritual de
[celebração] à saúde... à vida.” (NEVES, 2011, p.122), algumas décadas
depois se tornou a cerveja líder do mercado brasileiro, posição que
ainda ocupa no final dos anos 2010.
Na luta por um lugar de destaque no concorrido mercado
brasileiro - terceiro produtor mundial de cerveja, o produto domina
o consumo de bebidas alcoólicas no país com mais de 80% de
participação no mercado (EUROMONITOR INTERNACIONAL, 2017)
-, a Skol apostou em inovação, uma característica a qual procura
estar associada. Em 1980, quando a marca ainda buscava espaço na
predileção dos consumidores, os direitos exclusivos de produção da
Skol no território brasileiro foram adquiridos pela empresa Brahma,
em uma ação estratégica na disputa acirrada com a Antarctica pela
liderança nacional.
De acordo com o estudo de caso publicado pela revista
especializada Meio & Mensagem, a Skol, na época, “era o patinho feio
num mercado em que Brahma e Antarctica tinham 70% de participação.”
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

(CHAIM, 2005). Segundo o relato, a ideia inicial era extinguir o nome,


ainda pouco representativo no setor. Porém, mudanças no controle da
Brahma provocaram uma reavaliação da proposta e a percepção “que
a Skol era uma marca que, em vez de ser dizimada, poderia ajudar a
deixar a Antarctica para trás.” (CHAIM, 2005).
Os investimentos realizados conseguiram construir uma
imagem sólida da marca e levá-la ao terceiro lugar entre as cervejas
mais vendidas no Brasil. Em 1996, atingiu 19,7% de participação de
mercado. No entanto, como avalia Roberts (2004, p.189), ela ainda carecia
de um posicionamento melhor definido e sofria com a “descontinuidade
em sua estratégia de comunicação, foco, formato, linguagem, público-
alvo e investimentos em mídia”, o que, obviamente, prejudicava sua
performance.
A grande virada de gestão que tornou a Skol uma das marcas
mais valiosas do Brasil, de acordo com o ranking BrandZ, ocorreu

319
ainda na década de 1990, com a definição de um plano de comunicação
diferenciador e a adoção de uma personalidade para a marca: “Jovem,
ousada, irreverente e inovadora”, conforme define a Ambev, atual
proprietária da marca, em sua homepage. [4]
A parceria com a agência F/Nazca, firmada em 1996, marcou
a história da publicidade brasileira com a produção de um dos casos
mais emblemáticos em que a comunicação mercadológica fez toda a
diferença para o desempenho do produto.
Roberts (2004, p. 189) lembra que o principal argumento de
promoção da concorrência era “com base na supremacia”. Mas, a
partir da pesquisa que detectou que o consumidor percebia a Skol
como uma cerveja mais suave, leve, ideal para climas mais quentes, foi
decidido apresentá-la através dos seus atributos sensoriais. Assim, o
sentimento do público foi sintetizado no slogan “A cerveja que desce
redondo”, com grande impacto na trajetória da marca e na memória
dos brasileiros. Ao slogan foi agregado o elemento da seta giratória, o
que “ratifica sua proposta” (DIAS, 2015) ao representar graficamente o
“descer redondo”. Definidos o novo mote e a personalidade da marca,
houve preocupação em integrar a mensagem a “todos os pontos de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

toque do consumidor. [...] A abertura proporcionada pela Skol para a


criatividade da F/Nazca permitiu que a cerveja cruzasse novas fronteiras,
em experiência, diversão e relevância.” (ROBERTS, 2004, p. 190).
A agência buscou convergir a nova estratégia desde a
embalagem até às diversas ações promocionais. “A comunicação da
marca negou-se a seguir os padrões tradicionais construídos pelas
líderes de mercado e deu um passo à frente ao propor uma nova
abordagem ao consumidor.” (NEVES, 2011, p. 114). A opção foi por focar
em situações engraçadas, na brincadeira entre amigos, nos momentos
divertidos propiciados pelo consumo de cerveja, na camaradagem,
nos valores comunitários ligados ao produto, enfim, em transformar
a Skol em parte da “turma”. O posicionamento transmitido através
de significativo investimento em marketing e forte presença na
mídia - com destaque para TV - superou as expectativas e, antes que
completasse dois anos, a Skol chegou à liderança do mercado.

320
Em 1999, o setor cervejeiro do Brasil passou por uma grande
reviravolta com impactos globais devido à fusão entre duas gigantes
da área, Brahma e Antarctica, para a criação da Companhia de Bebidas
da América, a AmBev. A Skol também passou a fazer parte das marcas
do grupo, que desse modo tornou-se um dos maiores produtores
de bebidas do mundo. As mudanças no campo administrativo e de
propriedade não modificaram a gestão de marketing da marca Skol,
que manteve e fortaleceu a sua identidade, consolidando a liderança
nacional nos primeiros anos do século XXI ao ultrapassar a fatia
de 30% do mercado. “Entre as razões que poderiam explicar esse
desempenho, é imprescindível destacar o posicionamento adotado em
1997 (‘a cerveja que desce redondo’) e, desde então, consistentemente
respeitado, como um elemento fundamental para esse sucesso.”
(TELLES, 2004, p. 65).
De acordo com Neves (2011), o slogan em sua forma original,
entre 1997 e 2005, foi veiculado em quase oitenta filmes publicitários
para a televisão, além de assinar uma pluralidade de anúncios em
outras mídias, eventos e ações na internet. Em 2005, a primeira
variação: “Com Skol, tudo fica redondo”. Ao longo dos anos, outros
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

slogans e formas de abordar o conceito vieram, mas sempre mantendo


a essência da identidade definida.
No ano de 2016, a marca apresentou mais uma variação de
seu slogan: “Redondo é sair do seu quadrado”. Desta vez, no entanto, a
mudança veio acompanhada de uma reformulação de posicionamento,
que pode ser traduzida no conceito “Redondo é sair do seu passado”. Em
reação a uma das piores crises de comunicação da sua história e diante
da necessidade de gerenciar a sua reputação, a Skol decidiu, em ação
planejada e de médio prazo, anunciar a atualização de seus valores e o
rompimento com os padrões estereotipados comuns na publicidade de
cerveja. Fábio Baracho, diretor de marketing da marca, em entrevista
ao jornal Folha de São Paulo (2016) declarou que estavam fazendo um
“investimento agressivo” para mudar a imagem sexista do setor.
Esse movimento aconteceu após a repercussão intensa
e negativa da campanha “Viva RedONdo” para o carnaval 2015 -

321
especialmente entre o público feminino. As peças que geraram
polêmica foram as produzidas para mídia exterior. Elas faziam parte
de um conjunto maior que, de acordo com a nota da Skol publicada em
suas redes sociais [5], tinha “como mote aceitar os convites da vida para
aproveitar cada momento”.
No entanto, os anúncios instalados com frases soltas, sem
qualquer contexto, como “Esqueci o ‘não’ em casa”; “Topo antes
de saber a pergunta” e “Tô na sua, mesmo sem saber qual é a sua”,
despertaram questionamentos, reações indignadas e até acusações de
que a marca fazia apologia ao estupro. Tudo foi acentuado pelo fato
de que no período do Carnaval, tradicionalmente, há um agravamento
do problema de assédio sexual. A discussão se espalhou primeiro nas
redes sociais e depois na grande imprensa e mídia especializada a
partir da iniciativa de duas jovens feministas. Elas interviram em uma
das peças, “corrigindo” a frase com fita isolante e postaram o feito
no Facebook, cobrando mais responsabilidade dos publicitários. A
imagem a seguir é do post de Pri Ferrari, uma das ativistas, já editado
com a informação de que a marca havia feito contato e prometido
suspender a campanha - um sinal da força das redes sociais - e também
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

respondendo a indagações de outros internautas.

Imagem 1: Protesto contra a campanha “Viva RedONdo”.

Fonte: Facebook Pri Ferrari [6]

322
A Skol viu-se obrigada a agir rapidamente para atenuar
os danos a sua imagem. O consumidor conectado pôde perceber
que tem o poder de afetar e provocar mudanças mesmo em marcas
gigantes, como no caso em questão, desde que haja capacidade de
organização e engajamento por uma causa. A ação pode ser facilitada
pelas possibilidades de agregação e propagação oferecidas pelas
redes sociais na internet. A marca compreendeu a ocorrência como
um sinal de alerta de que a sociedade tinha mudado e que seria
importante acompanhar esse processo. Desse modo, a equipe de
marketing da Skol definiu que era uma oportunidade de reformulação
do seu posicionamento, ligando-o a causas inclusivas, à promoção da
diversidade e ao combate ao preconceito. O que tem sido apontada por
alguns - inclusive com ironia - como a fase “politicamente correta”
de sua comunicação. A polêmica também contribuiu para fomentar o
debate sobre a misoginia na publicidade brasileira de cerveja.

ANÁLISE: AS COMPETÊNCIAS CRÍTICAS DOS INTERNAUTAS NO


DEBATE SOBRE PEÇAS PUBLICITÁRIAS
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Durante o período de 1º de agosto de 2017 a 14 de fevereiro


de 2018, acompanhamos diariamente as redes sociais da Skol. Todos
os posts e suas respectivas interações foram colhidos, armazenados,
classificados e analisados a partir de uma adaptação do método
de pesquisa netnográfico (KOZINETS, 2014). Dentro desse recorte
temporal, o debate sobre os valores morais na vida social predominou
na interação da Skol com os internautas em suas páginas, conforme
proposto pela marca. O público correspondeu à estratégia de discutir a
questão a partir da ampliação pretendida para o conceito “redondo”, que
evoluía de uma metáfora fisiológica - o prazer gerado pela ingestão da
bebida -, para significar também um comportamento inclusivo e livre
de preconceitos, ou seja, “correta”, nos relacionamentos cotidianos.
Porém, nem sempre a postura das pessoas coincidiu com a defendida
pela marca e cada post despertou a participação de forma diferente.
Para compreender melhor essa dinâmica, optamos por explorá-la

323
através de quatro publicações no Facebook, que serão apresentadas na
ordem cronológica em que foram veiculadas. Três delas geraram um
alto grau de engajamento e uma obteve desempenho fraco em relação
ao esperado para as mensagens com esse tipo de conteúdo na página.

AUTENTICIDADE OU OPORTUNISMO DA MARCA AO ABRAÇAR


CAUSAS IDENTITÁRIAS

Em 19 de setembro, a Skol se manifestou em sua fanpage


contrária a uma decisão judicial que, na prática, liberou terapias de
reversão sexual no país, popularmente conhecidas como “cura gay”[7] .

Imagem 2: Post “Brinde ao Respeito”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

O post, que foi afixado no topo da tela, utilizou uma fotografia


já publicada no Instagram da marca em junho, por ocasião da 21ª
Parada LGBT de São Paulo. À imagem de um brinde com duas latas
Skol da edição especial para o evento foi adicionado o seguinte texto:
“Recomendamos uma dessa, com moderação, para curar o preconceito.
Um brinde ao respeito”. A publicação obteve 69 mil reações, 1.300
comentários e 3.100 compartilhamentos.

324
Estabeleceu-se um diálogo intenso em torno da mensagem e
uma participação chegou a ter 47 réplicas. Muitos agradecimentos e
elogios, assim como expressões de desagrado. Porém, o debate que se
instalou de fato foi sobre ser ou não uma postura sincera, autêntica da
marca ou apenas uma estratégia oportunista para ganhar espaço nesse
nicho de mercado. A “conversa” a seguir sintetiza o tipo de interação
predominante.

Imagem 3: Comentário (1) no Post “Brinde ao Respeito”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

Destacamos nos comentários dessa publicação o interesse


e a demonstração do público de que é plausível discutir temáticas
polêmicas de forma contundente e argumentativa, com algum grau de
profundidade, se considerarmos as características próprias do meio, em
páginas de marcas na internet - inclusive com troca de conhecimentos
entre iniciantes no debate e pessoas com mais maturidade em relação
às questões. Foi possível fugir de um enfrentamento banal e agressivo
das posições consolidadas, comum nas redes sociais.

325
Reproduzimos, em sequência, parte de um diálogo que
se estendeu longamente na página, no qual o perfil que o iniciou
expressou a dúvida - e mesmo angústia – em relação à sua opinião
sobre a ação da marca.

Imagem 4: Comentário (2) e Réplicas no post “Brinde ao Respeito”

Fonte: Facebook Skol (2018)


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

O trecho apresentado traz pontos relevantes. Primeiro, a


manifestação de prazer do público em presenciar um debate de alto
nível, sem agressões e com conteúdo. A participação, não apenas da
marca, que é constante na página, mas também do gerente de marketing
da Skol (até junho de 2018), Kim Moraes, profissional reconhecido no
mercado, que procurou demonstrar que o posicionamento da empresa
não era só externo, mas que “era para valer”, sendo também adotado
internamente. A última resposta - das que inserimos - tem um tom
um pouco mais duro e trouxe outra reflexão para o cerne do debate:
questionar a motivação da marca deslegitima o apoio recebido e
fortalece os posicionamentos contrários a causa? Logo a seguir, outra
internauta prosseguiu na mesma linha [8]:

326
Imagem 5: Continuação das Réplicas no post “Brinde ao Respeito”

Fonte: Facebook Skol (2018)

A questão é de fato delicada. Não há espaço para ingenuidade. A


função da comunicação mercadológica é sempre, em última instância,
incrementar a venda de produtos. No entanto, essa constatação
retira a validade de suas intervenções nos campos políticos e sociais?
Em outro momento o dilema foi retomado também com bastante
repercussão. Porém, neste caso, a postura do autor foi mais agressiva e
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

procurou diminuir a credibilidade da ação, o que não impediu - apesar


da animosidade encontrada – que outros pontos de vista fossem
apresentados com contribuições pertinentes.

Imagem 6: Comentário (3) e Réplicas no post 4 “Brinde ao Respeito”

Fonte: Facebook Skol (2018)

327
Há alguns apontamentos que julgamos relevantes destacar
acerca da interação. A começar pelo compartilhamento do vídeo Pink
Money [9] – Tragédia 41 da drag queen Melissa L’Orange, como forma
de qualificar o debate. No episódio, ela discute a problemática que
relaciona o poder de compra da comunidade LGBT e as marcas que se
mostram aliadas à causa. L’Orange ressalta que, como “infelizmente”
vivemos em uma sociedade capitalista, “é impossível fugir do mercado
[...] eles já vão fazer propaganda de qualquer jeito, o marketing já existe,
eles já vão ganhar dinheiro... Eu prefiro que eles ganhem dinheiro
e me deem visibilidade. Tipo ... é uma troca quase justa”. A artista,
no entanto, ressalta que não são as marcas que vão acabar com a
homofobia e que isso depende de ações muito mais profundas, porém
elas acabam por “jogar na cara da sociedade que somos gente, porque
consumimos”.
A inserção de parte do diálogo de um outro comentário –
exatamente o que abordamos anteriormente – reflete também a busca
por oferecer embasamento à discussão, mas ainda o reconhecimento
do espaço como um ambiente legítimo de debate, bem como de seus
interlocutores e o interesse despertado por essa angulação do tema. Na
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

verdade, foi possível extrapolar a discussão para abranger um pouco


o sistema mercadológico em si, ultrapassando a demarcação proposta
pela marca.
Já a solicitação “Skol faz uma para homenagear os
heterossexuais também” introduz ali um comportamento comum em
mensagens que abordam minorias. Há sempre tentativas de desviar
o foco e apontar outros grupos supostamente excluídos. Neste caso
- por mais que nos pareça absurda a reivindicação, diante de uma
realidade comunicacional predominantemente heteronormativa,
como bem destacou a resposta em sequência – esta é uma reclamação
recorrente nas redes sociais da Skol e inclusive em outros comentários
no post. Para uma parcela do público, em seu reposicionamento a
marca discriminou os heterossexuais - em especial os homens - e com
isso “abandonou” o seu consumidor tradicional. Há os que radicalizam
ainda mais e concluem que o produto virou “cerveja de gay e feminista”,

328
além de jurarem que nunca mais irão comprá-lo. A explicação da
marca de que mudou para incluir todos, não é aceita.
Ao continuarmos, no entanto, a examinar as réplicas do
comentário, encontramos referências a diversos outros conjuntos
sociais: “façam agora uma sobre preconceito racial”, “sobre a
rejeição aos baixinhos”. Houve quem afirmasse que a marca deveria
homenagear os catadores de latinha, pois são importantes para os
programas de reciclagem e ainda denunciou que “desse pessoal
ninguém nunca lembra”. Todavia, o post seguinte que justamente
propunha o enfrentamento a todo tipo de preconceito foi muito mal
recebido pelo público.

A REJEIÇÃO DO PÚBLICO À DISCUSSÃO DOS PRECONCEITOS DE


FORMA GENÉRICA

Em “Skol Diálogos”, de 9 de outubro, foi divulgada uma pesquisa


encomendada pela empresa ao Instituto Ibope “para entender o
preconceito do dia a dia” e subsidiar as suas ações futuras de comunicação
sobre os preconceitos cotidianos na sociedade brasileira (DIÓGENES;
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

CASTANHO, 2017). Os seguidores foram convidados para, junto com a


marca, através do diálogo, buscar a superação desse problema.

Imagem 6: Post “Skol Diálogos”

Fonte: Facebook Skol (2018)

329
Além de um número baixo de reações (2.300) e
compartilhamentos (56) para o padrão da fanpage, os duzentos
comentários foram majoritariamente hostis. Ao abordar o preconceito
de forma geral - sem associá-lo a grupos específicos - e indicar que
quase todos têm ou já tiveram um comportamento nesse sentido,
a marca não conseguiu atrair em sua defesa setores associados a
nenhuma causa e nem mesmo dispostos a debater a questão em
sua generalidade. Foram poucas, apenas dez, as pessoas que se
dispuseram a elogiar a iniciativa da Skol. O exemplo a seguir descreve
bem a situação.

Imagem 7: Comentário (1) no post “Skol Diálogos”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

A internauta se refere ao desvio do debate para a qualidade


do produto, que foi o que predominou. A avaliação foi de que “ao
invés de tentar mudar o mundo, a Skol deveria cuidar de melhorar
sua cerveja”. Os dois assuntos foram associados e a marca foi acusada,
entre outras coisas, de “insuflar a luta de classes”, de contribuir para
agravar os preconceitos com “essa chatice” e de defender a “ideologia
de gênero”. O incômodo gerado pela pesquisa foi evidente e há ainda
a possibilidade de que a agressividade manifestada possa ter afastado
pessoas com outras posturas do espaço.

330
Imagem 9: Comentários (2) post “Skol Diálogos”

Fonte: Facebook Skol (2018)

Mas, mesmo que minoritárias, houve críticas com enfoques


diferentes, que procuraram apontar uma hipocrisia da marca
na abordagem do tema a partir de outro olhar. Duas internautas
destacaram o fato de a Skol sempre ter promovido a objetificação do
corpo da mulher em sua publicidade e, mesmo que tenha mudado,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

ela continuava sendo parte de uma companhia, a Ambev, que mantém


a prática na comunicação em outros rótulos. Quatro participações
julgaram incompatível uma empresa de bebida alcoólica, que “tantos
danos causa à sociedade”, querer visibilidade na luta contra os
preconceitos, como expressado de forma contundente no exemplo a
seguir.

Imagem 10: Comentário (3) post 5 “Skol Diálogos”

Fonte: Facebook Skol (2018)

331
De qualquer forma, a marca não obteve sucesso na proposta
de comunicação desse post, o público em grande maioria repeliu a
investida da Skol para estabelecer diálogos sobre a necessidade de se
combater os preconceitos em suas variadas formas.

O MACHISMO NO CENTRO DO DEBATE

Em “Curta é a Vida”, a Skol retoma a outra bandeira de seu


reposicionamento: o combate ao machismo. O post compartilha o
filme publicitário Saia [10], peça da campanha de verão 2017/2018.
Dentro da proposta criativa definida para a temporada, o comercial
enfatiza a diferença entre comentários “quadrados” (preconceituosos)
e “redondos” (corretos na visão defendida). O roteiro aborda a questão
do pré-julgamento de mulheres devido ao seu modo de vestir.

Imagem 11: Post “Curta é a Vida”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

Em sua fala, a senhora, após supostamente avistar outra


mulher, diz com desprezo “Com essa saia curta...tá querendo né?”, ao
que o senhor responde: “É verdade, tá querendo usar saia curta, se
quisesse usar saia comprida...usava saia comprida”.
O ambiente dos comentários nessa publicação foi bem
diferente dos anteriores e os elogios predominaram. Inclusive, quase

332
não se falou mal do produto nesse caso. A presença do público feminino
foi sensivelmente maior nas mais de 1.100 participações, o que reforça
o recorte de gênero na aprovação da nova postura da Skol, avaliada
tanto de forma específica relativa a este anúncio, como de modo geral.
“Vou até passar a beber cerveja depois dessa propaganda” foi afirmado
algumas vezes. Várias internautas exaltaram “Skol a melhor cerveja”,
se referindo claramente ao posicionamento da marca e não ao produto
em si.
No entanto, as interações não foram acríticas. Pontos de vista
diferenciados de mulheres sobre o filme foram confrontados. Apesar
do aplauso da maioria que se manifestou, a opinião ficou longe de ser
unânime. Algumas criticaram a peça por tirar o “lugar de fala” em um
comercial que se pretende feminista e acusaram a marca de promover
mansplanning, em que o “macho branco” continuaria ditando as
regras. Outras, disseram que o comercial só “refletiu a realidade” e
que “mulheres podem ser machistas e homens podem evoluir”. Os
comentários geraram muitas réplicas, portanto usaremos alguns
trechos para exemplificar como decorreu a dinâmica.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Imagem 12: Comentários no post “Curta é a Vida”

Fonte: Facebook Skol (2018)

333
Outro ponto singular nesta postagem em relação ao usual
na página da Skol foi o elevado número de “marcações” de perfis de
amigas na rede social para que elas visualizassem a peça publicitária.
Independentemente da posição pessoal de cada um, é preciso
reconhecer que houve bastante espaço e mobilização para discutir a
campanha, ou seja, o machismo, o feminismo e a publicidade em si.

A TENSÃO ENTRE OS VALORES MORAIS ANTAGÔNICOS

Por fim, abordamos “Metamorfose Ambulante”, que celebra


o processo de transformação da marca. O nome é o título de uma
das músicas mais conhecidas do já falecido compositor brasileiro
Raul Seixas, que tem como refrão “Eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobretudo”. Ela
foi escolhida para simbolizar o momento. O post compartilha um
filme [11], gravado no evento “Toca Raul”, promovido pela Skol em
homenagem ao artista, em dezembro de 2017, na cidade de São Paulo.
No vídeo, a filha de Raul, Vivi Seixas, interpreta a canção acompanhada
de centenas de pessoas. Imagens em close destacam a diversidade do
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

público, alternando com cenas da multidão.


Há a representação de vários grupos sociais e demográficos
e a interação entre eles. Casais hetero e homoafetivos, inter-raciais,
cadeirantes, jovens e idosos, gordos e magros - todos cantam juntos,
o que mais parecia um hino.

334
Imagem 13: post “Metamorfose Ambulante”

Fonte: Facebook Skol (2018)

A postagem foi a que gerou mais reações entre todas as que


coletamos, 164 mil, e também foi a campeã em compartilhamentos,
23.200. Além disso, motivou mais de 6.300 comentários. E a polarização
no espaço foi retomada. Enquanto os demais indicadores e a maior
parte das expressões evidenciaram um apoio à comunicação, parte
do público protestou fortemente, revelando o seu conservadorismo e
falta de empatia com as diferenças. Vejamos um dos comentários com
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

mais réplicas.

Imagem 14: post “Metamorfose Ambulante”

Fonte: Facebook Skol (2018)

335
Mesmo que a crítica tenha sido rebatida por internautas, o
autor, que acusou a marca de estar destruindo “os valores da família
tradicional”, foi respaldado por outros, através de manifestações
como: “mundo com valores perdidos” e “cunho esquerdizante”, em
uma associação cada vez mais comum no Brasil, que liga qualquer
posicionamento à esquerda política com um “comportamento liberal”,
o que poderia ser traduzido, nesse tipo de visão, como uma postura
condenável, libidinosa e licenciosa. A referência ao presidente eleito
do país em outubro de 2018, Jair Bolsonaro, quase um ano antes do
pleito, é uma amostra da relação estabelecida pelo então candidato
com os anseios morais dessa parcela da população.
Em algumas participações a homofobia foi expressa sem
qualquer pudor, apesar de sempre haver quem recriminasse tal atitude,
como é perceptível no diálogo a seguir. Para aquelas, a exibição de
beijo gay no vídeo configurou falta de respeito com a audiência.

Imagem 15: Comentário (2) no post “Metamorfose Ambulante”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

Em relação à homossexualidade, houve discussões que


alcançaram níveis perturbadores, que preferimos não reproduzir
no corpo do artigo. Mas chegou-se ao ponto de imputar a Skol a
acusação de fazer parte de uma conspiração mundial para incentivar
práticas homoeróticas entre crianças. O que, a princípio, poderia
ser desconsiderado por parecerem discursos desconexos e fora da

336
realidade, ganharam relevância pelo volume e pela permeabilidade
que encontraram no tecido social brasileiro. Houve ainda quem
apontasse a Skol como preconceituosa em relação às pessoas que têm
outra opinião e de discriminar quem pensa diferente, na lógica de que
a marca estava oprimindo parte do público através do posicionamento
pró-inclusão.
Por outro lado, muitos avaliaram que, mesmo que se trate
de ações de marketing, a postura da Skol era importante para
provocar reflexões sobre a promoção de um mundo “mais humano”. O
comentário a seguir, acompanhado de uma parcela das respostas, é um
dos que aborda essa questão. Ele foi escolhido como exemplo porque
foi, dentro dessa abordagem, o que gerou mais interação. A autora
precisou de enfrentar opiniões contrárias e foi chamada de ingênua. O
post mostra o confronto de posições que aconteceram diversas vezes
no espaço.

Imagem 16: Comentário (3) no post “Metamorfose Ambulante”


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Facebook Skol (2018)

337
O antagonismo percebido na página acabou por refletir uma
tendência da própria sociedade, exacerbada nas redes sociais da
internet, na discussão de temas com cunho moral. Em contraste aos
anteriores, apresentamos uma seleção de comentários que retratam a
maioria - por uma pequena margem - das participações, salientando,
desse modo, a distância na recepção do conteúdo entre os dois polos.

Imagem 16: Comentários (4) no post “Metamorfose Ambulante”

Fonte: Facebook Skol (2018)


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ambiente encontrado nas páginas da Skol representa um


desafio significativo, em nossa compreensão, para a literacia midiática,
principalmente no que concerne ao âmbito da análise crítica. Não
há dúvida de que os internautas demonstraram capacidade de
expressar suas reflexões a respeito das mensagens recebidas, seja
para contestá-las ou para respaldá-las. Também evidenciou-se ser
possível a construção de debates plurais, respeitosos e edificantes
nas redes sociais das marcas na internet. No entanto, inegavelmente,
parte das interpretações manifestadas estão em desacordo com os
direitos humanos, com as liberdades individuais e com o respeito à
pessoa. “Os cidadãos digitais precisam saber não apenas como usar a
Internet e a mídia com competência, estar cientes de seus direitos e

338
responsabilidades e como se proteger on-line; eles também precisam
se relacionar socialmente e com consideração aos outros.” (FRAU-
MEIGS et al, 2017, p. 42).
Definitivamente, o desenvolvimento das habilidades
socioemocionais, entre as quais a empatia, como foi ressaltado
no Segundo Fórum Europeu de Literacia dos Media e da Informação
(UNESCO, 2016) se apresenta - em tempos de perplexidade com as
redes sociais – cada vez mais fundamental em qualquer abordagem
voltada à educação para as mídias, na busca da construção de um
ambiente comunicacional sadio, cidadão e inclusivo.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

339
NOTAS

[1] Na sequência da reestruturação global das telecomunicações iniciada pelos


Estados Unidos e que adequou o setor às políticas neoliberais. (SCHILLER, 2000).

[2] A outra dimensão apontada pelos estudantes como deficiente em sua formação é
“Saúde e Bem-Estar”. As demais são: Acesso e Inclusão; Aprendizagem e Criatividade;
Ética e Empatia; e-Presença e Comunicação; Participação Ativa; Direitos e
Responsabilidades; Privacidade e Segurança. (RICHARDSON; MILOVIDOU, 2017).

[3] Uma definição mais completa do termo pode ser encontrada no site do Nordic
Museum. Disponível em: https://nordicmuseum.org/exhibitions/skal. Acesso em:
28 set. 2019.

[4] Disponível em: https://www.ambev.com.br/marcas/cervejas/skol/skol. Acesso


em: 29 set. 2019.

[5] A nota foi publicada na página da Skol nas seguintes redes sociais: Facebook,
Instagram e Twitter.

[6] Disponível em: https://www.facebook.com/priferrari22. Acesso em: 28 set. 2019.


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

[7] A decisão foi de encontro a Resolução nº 01/99 do Conselho Federal de Psicologia


(CFP) que em parágrafo único do artigo terceiro estabelece: “Os psicólogos não
colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e curas das
homossexualidades.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1999). O juiz atendeu
parcialmente recurso de um grupo de psicólogos favoráveis às terapias, sem
suspender a resolução, ele deliberou que sua interpretação não poderia vedar a
liberdade profissional para a proposição de tratamentos e pesquisas na área.

[8] A autora do comentário inicial não se manifestou a respeito dessas críticas.

[9] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AwaE0_l5cXo. Acesso em: 28


set. 2019.

[10] Disponível em: www.fnazca.com.br/indez.php/2017/10/26/saia. Acesso em: 28


set. 2019.

[11] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AwaE0_l5cXo. Acesso em:


28 set. 2019.

340
REFERÊNCIAS

BENGTSSON, Anders & FIRAT, Fuat. Brand Literacy: Consumers’ Sense-Making


of Brand Management. PECHMANN, C.; PRICE, L. (Eds.), Advances in Consumer
Research, v. 33. Duluth: Association for Consumer Research, p. 375-380, 2006.

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Case Report, p.70-71, 2005.

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ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

342
15
Crescer na era da internet: o registro das
constantes transformações na relação de
crianças e mídias através dos youtubers mirins
Hyrlla Tomé

Assim como Castells (2003), em A Galáxia da Internet, uma


das primeiras constatações que este trabalho precisa levantar é que
a alta velocidade das transformações contemporâneas torna difícil
para a pesquisa acadêmica acompanhar o ritmo de mudança com
um suprimento adequado de estudos empíricos sobre os motivos e
objetivos da economia da sociedade baseada na internet. Ainda assim,
os fenômenos que decorrem das relações desenvolvidas dentro do
ambiente em rede demandam registros e análises acadêmicas, a fim
de investigar os usos e possíveis desdobramentos dessa sociedade.
O presente capítulo marca o início de uma exploração sobre
os movimentos e estudos pré-existentes à Galáxia de Castells, dando
enfoque às práticas relacionais de crianças e mídias, culminando em
suas produções autorais no YouTube.
Aqui, parte-se do princípio de que, ao produzir o próprio
conteúdo de entretenimento e comunicá-lo diretamente aos seus
pares, as crianças começam um movimento de ruptura e de grandes
transformações de sua relação com as mídias. Castells (2003)
reflete sobre isso ao afirmar que, como “nossa prática é baseada na
comunicação, e a Internet transforma o modo como nos comunicamos,
nossas vidas são profundamente afetadas por essa nova tecnologia da
comunicação” (CASTELLS, 2003, p. 9). Como o próprio autor sugere,
um novo padrão sociotécnico emerge dessa interação.
Esta investigação [1], que se apresenta aqui em seu princípio,
propõe ser um registro dos movimentos de apropriação infantil no
ambiente do YouTube (plataforma não desenhada originalmente para a
produção de crianças), tal qual uma fotografia ou um mapa. Entendendo
que a ruptura da dependência total entre crianças e adultos para a
produção de entretenimento infantil permite, principalmente, que as
vozes de youtubers mirins ecoem no espaço da Internet carregando seus
valores, interesses e objetivos, propõe-se a investigação dos reflexos
criados por essas produções da infância brasileira hiperconectada
contemporânea. Ainda segundo Castells (2003, p. 10), “nem utopia nem
distopia, a Internet é a expressão de nós mesmos através de um código
de comunicação específico, que devemos compreender se quisermos
mudar nossa realidade” (CASTELLS, 2003, p. 10).
A partir da discussão da evolução da relação entre crianças e
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

mídias, envolvendo assim, o levantamento de algumas pistas iniciais


sobre as rupturas proporcionadas pela produção de conteúdo autoral
no YouTube, desenvolve-se uma proposta metodológica para a análise
e relacionamento de padrões dentro dos objetos selecionados.
Como será articulado adiante, tal proposta visa associar conceitos
da qualidade audiovisual e literacia midiática, a fim de perceber os
padrões, divergências e valores que representam a infância brasileira
no YouTube.

SER CRIANÇA: UMA DEFINIÇÃO DE ADULTOS

Iniciar o percurso investigativo sobre as relações existentes


na contemporaneidade entre crianças e o YouTube requer um
aprofundamento nas fronteiras sobre o que é ser criança e o que
separa esse indivíduo do universo adulto. A infância não é somente

344
uma característica biológica, tendo em vista que reconhecemos
comportamentos infantis em adultos. Logo, mesmo que de forma
inconsciente, as estruturas sociais desenvolvem expectativas sobre
os papéis que adultos e crianças devem desempenhar dentro de suas
circunstâncias.
Essa reflexão faz-se necessária também ao constatar que,
a princípio, o YouTube não era uma plataforma projetada para a
apropriação infantil, exigindo que seus usuários se declarassem maiores
de 18 anos de idade. Ou seja, era um espaço midiático que excluía a
atividade infantil em sua premissa - quase como se desejasse manter
nos bastidores algum tipo de comportamento adulto, ou, em algum
grau, manter os pequenos protegidos da exposição de práticas adultas.
Fato é que a plataforma excluía crianças de seu público-
alvo, assim como outras atividades definidas como “adultas” que, de
acordo com Buckingham (2007), determinam a idade em que a infância
termina legalmente de forma primária, como a permissão para
emprego remunerado, sexo, consumo de álcool e voto. E, como pontua
o autor, “apesar disso, claro, as crianças de verdade se envolvem em
muitas dessas atividades bem antes de estarem legalmente autorizadas
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

a fazê-lo” (BUCKINGHAM, 2007, p. 11). Novamente, observa-se que o


mesmo acontece no espaço do YouTube.
Para o autor, a definição de infância deve ser observada com
cautela, entendendo que as definições coletivas são resultados de
processos sociais e discursivos, em que se caracterizam como uma
categoria particular, com “características e limitações particulares,
tanto por si mesmas como pelos outros - pais, professores,
pesquisadores, políticos, planejadores, agências de bem-estar social e
(claro) os meios de comunicação” (BUCKINGHAM, 2007, p. 10).
Buckingham (2007, p. 14) afirma ainda que “talvez de modo
inevitável, os adultos sempre monopolizaram o poder de definir
a infância”. Invariavelmente, esta pesquisa representa uma nova
ocorrência desse fenômeno, porém, de maneira honesta e consciente:
neste trabalho é proposto o início de um processo de mapeamento
e tradução. Um exercício de observação e escuta ativas sobre as

345
representações e discursos que as crianças contemporâneas têm
sobre si mesmas e seus pares.
Importante para a discussão que se pretende desenvolver neste
trabalho é a consciência da fronteira existente entre adultos e crianças,
e de como a construção social da mesma resulta no estranhamento,
e até mesmo choque, das atividades desenvolvidas por crianças no
espaço do YouTube. Quando escreveu sobre a morte da infância no livro
Crescer na Era das Mídias, David Buckingham (2007) pontuou que

[...] as crianças certamente podem ‘falar por si mesmas’ e falam, apesar


de raramente terem a oportunidade de fazê-lo no âmbito público,
nem mesmo sobre assuntos que têm a ver diretamente com elas. Os
contextos nos quais elas podem falar, e as respostas que podem dar,
são ainda amplamente controlados pelos adultos; e sua habilidade de
articular construções públicas alternativas de ‘infância’ seguem sendo
rigidamente limitadas. Mesmo os argumentos em favor dos ‘direitos das
crianças’ são desenvolvidos predominantemente pelos adultos, e em
termos adultos. (BUCKINGHAM, 2007, p. 14)

O presente trabalho entende o YouTube e a atividade


desenvolvida por crianças dentro dele o início de uma ruptura, em que,
após anos de silenciamento no âmbito público, podem facilmente “falar
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

por si mesmas” sobre os assuntos de seus interesses. A apropriação


infantil de um ambiente não desenhado originalmente para crianças
por si só é geradora de pânico social e midiático justificável, gerando
notícias recentes de multas milionárias aplicadas ao próprio YouTube
devida a utilização de dados dos usuários infantis para anunciantes
dentro da plataforma, o que fere a proteção da privacidade infantil
dos Estados Unidos [2], por exemplo, entre outras manchetes que
envolvem a constante mudança de políticas da plataforma no conteúdo
direcionado às crianças.
Apesar das transformações constantes, faz-se necessário
registrar o ambiente contemporâneo em que os debates sobre
a exposição infantil e transposição de fronteiras dos papéis
desempenhados por adultos e crianças acontecem quando suscitados
através do YouTube.

346
SER CRIANÇA: SUA RELAÇÃO COM A MÍDIA

A relação entre mídia e o público infantil é alvo de discussões


desde a introdução da televisão na rotina familiar. Em seu livro,
Buckingham (2007, p. 21) desenha um panorama bibliográfico dos
primeiros entendimentos das fronteiras midiáticas entre crianças e
adultos, por meio de estudos como de Winn (1984) e Postman (1980),
que veem como a vantagem da imprensa escrita sua habilidade de
preservar os “segredos” adultos daqueles não-alfabetizados, enquanto
a televisão apresenta-se como um meio de exposição total, que torna a
informação incontrolável.
À televisão, é atribuída a característica de descortinadora de
um universo moralmente proibido para crianças, que deveriam ser
protegidas da exposição de conteúdos relativos à violência, sexo e outras
práticas excluídas da inocência infantil - próprias do universo adulto.
Segundo Buckingham (2007, p. 22), os estudos levantados concluem que
a televisão desvendou os segredos dos grupos poderosos, minando,
consequentemente, sua autoridade, não sendo exclusividade da relação
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

entre adultos e crianças, mas também entre homens e mulheres e entre


cidadãos individuais e seus representantes políticos.
Pereira (2004, p. 183) não descarta o papel formador da
televisão quando afirma que

É um facto que a televisão forma. Ela possui essa faceta de agente


que constrói, enuncia e representa ideias, valores, atitudes, crenças
e ideologias num registo que cativa e seduz o público infantil. As
mensagens interferem e influenciam o quadro de vida das crianças no
seio do qual a televisão assume uma maior ou menor importância.

Ou seja, mais do que o pânico pessimista que atribui à


televisão o papel de morte da infância, é necessário entender os usos e
construções que permeiam a relação entre mídia e crianças. Destaca-
se aqui a função desempenhada pela televisão dentro do processo de
formação infantil enquanto babá eletrônica (BUCKINGHAM, 2007, p.
19) e a identificação de pares, por conta de seu caráter de laço social.

347
Ao ser considerada laço social, a televisão apresenta-se como o espelho
da sociedade, pois permite que esta se veja através da sua representação
exibida na tela. Ao fazer a sociedade refletir-se, a televisão não só cria
uma imagem e uma representação, mas também um laço entre todos
aqueles que a assistem simultaneamente. (BORGES, 2014, p. 27)

O consumo e produção de conteúdo audiovisual digital


potencializam ainda mais a formação de laços sociais, a partir do
momento em que rompem as barreiras da transmissão televisiva e,
ainda, propiciam certa medida de independência infantil na geração
de conteúdo.
No caso das novas mídias, a pesquisa acadêmica ainda se
divide dentro de um espectro desde pessimista a otimista, levantando
questões desde a já abordada proteção infantil aos benefícios criativos e
educacionais das mídias digitais. No entanto, como afirma Buckingham
(2007, p. 39), “a proliferação de novas mídias, e as características da
Internet em particular, exigem novas e significativas habilidades em
termos de como localizar, selecionar e avaliar a informação”. E, para
aprofundar essa discussão, recorre-se às pesquisas em literacia
midiática.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

SER CRIANÇA: A INDEPENDÊNCIA DO MEU CANAL NO YOUTUBE

Alô, companheiro! O meu nome verdadeiro eu não posso falar, mas


pode me chamar de Caju. Eu estou aqui para defender os seus direitos.
Quem é que aguenta ver jornal a essa hora? Ver novela? Quem? Depois
de acordar cedo, ir pra escola, fazer lição de casa a tarde inteira, o que
mais a gente quer ver? Desenho animado! É ou, não é? E depois de muito
esforço e muito trabalho, eu consegui montar essa televisão. E vamos
começar a programação estourando a bola do chiclete. Pode tomar
conta da poltrona do papai, porque hoje vamos transmitir um desenho
inédito na televisão brasileira! (CRUJ..., 1997)

Assim o personagem Juca, sob o codinome Caju, iniciava


a primeira transmissão de sua TV pirata, a TV CRUJ, no final dos
anos 1990. O programa, produzido em uma parceria pela Disney e
o SBT, contava a história de crianças que se reuniam para invadir a
programação da televisão através do desenvolvimento de uma TV

348
pirata em que fossem transmitidos apenas desenhos, em um horário
inteiramente dedicado ao entretenimento infantil dentro da grade de
televisão aberta.
Se, antes, crianças dependiam de seus pais para conhecer o
mundo, hoje, possuem todas as respostas que quiserem com o Google
- tanto para aprender, quanto para ensinar. Se, antes, dependiam da
produção de conteúdos infantis por profissionais adultos para suas
demandas de entretenimento, hoje, possuem tecnologias digitais
disponíveis para produção de seu próprio conteúdo - além de não
precisarem mais sonhar com uma possível invasão do sistema de
televisão para veicularem conteúdos de seus próprios interesses,
como os personagens da TV CRUJ.
O YouTube evidencia a independência infantil de fazer com
que suas vozes sejam ouvidas e reverberadas, a partir da geração de
conteúdo direto para seus pares, além da ruptura de outros níveis de
independência, como a financeira (a partir da monetização dos vídeos).
Claro que, além dessas circunstâncias, a plataforma destaca outros
problemas como a exposição e trabalho infantis, perda de privacidade
da audiência, através da coleta de dados, e tais fatos não podem ser
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

excluídos dentro deste escopo.


Retomando as reflexões de Buckingham (2007, p. 33), é crucial
destacar o papel da tecnologia nas transformações das relações sociais,
do funcionamento mental, das concepções básicas de conhecimento
e cultura, “pela transformação do que significa aprender, e ser
criança”. Nesse contexto, o mapeamento dos conteúdos produzidos
por esses youtubers mirins faz-se necessário para compreender as
transformações sociais provocadas por essa ideia de independência -
e até que ponto ela de fato existe.

SER CRIANÇA: O QUE É PRECISO PARA ESTAR CONECTADO

Estar conectado não requer muito esforço para boa parte da


população mundial. Para isso, basta ter acesso a um dispositivo que
permita a conexão com a internet e a própria conexão disponíveis.

349
O processo de conexão atual é tão simples e corriqueiro que não é
incomum ouvir relatos de crianças não alfabetizadas capazes de
reproduzirem seus vídeos favoritos no YouTube por conta própria.
Ainda assim, autores como Burgess e Green (2009, p. 98)
afirmam que a “alfabetização digital é um dos principais problemas
da cultura participativa”. No estágio atual da presente pesquisa, as
pistas sobre os processos de alfabetização digital encontradas levam
a concordar com os autores de YouTube e a Revolução Digital quando
afirmam que alfabetizações “são produzidas por contextos sociais e
históricos específicos e neles são praticadas” (BURGESS; GREEN,
2009, p. 100), justificando a atual forma de fluxo em que se encontram
as definições de conhecimento e alfabetização.
A noção de literacia midiática está associada a um processo
que permite “o desenvolvimento de competências fundamentais para
que o indivíduo exerça um papel mais ativo na sociedade, tornando-se
um consumidor com mais senso crítico e um produtor mais criativo”
(OLIVEIRA, 2018, p. 11). Em sua pesquisa sobre a relação entre a
televisão e o público infantil, Pereira (2004) destaca a necessidade de
saber utilizar as mídias para “ver mais longe”, “para que a voz das crianças
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

não fique silenciada pela voz dos adultos” (PEREIRA, 2004, p. 6).
Scolari (2018, p. 14) relata que a concepção de literacia midiática
está baseada, nuclearmente, nos conceitos de consciência crítica,
participação democrática e, até mesmo, fruição da própria mídia. Ele
salienta ainda que pesquisadores do novo contexto de literacia midiática
identificaram uma lista de competências que englobam as atividades
de participação na mídia, a que chamam de prosuming skills, “que
incluem as competências necessárias para produzir/criar conteúdo, até
a habilidade de configurar uma conta de comunicação online para usar
softwares de geração de conteúdo digital e programação”.
Em busca de compreender as demandas da alfabetização
digital, Scolari (2018, p. 4) levanta uma série de usos da internet por
parte dos jovens:

350
Os jovens estão a fazer muitas coisas com os media, desde jogar
videojogos com amigos a escrever fan-fiction, partilhar fotografias
no Instagram, ver – e muitas vezes a carregar – vídeos no YouTube ou
participar em eventos do ‘mundo real’ dedicados às suas personagens
e histórias preferidas. A equipa de investigação do projeto Transmedia
Literacy definiu estas competências como ‘capacidades transmediáticas’.

Ou seja, as capacidades transmidiáticas constituem uma série de


competências atreladas a produção, compartilhamento e consumo dos
meios digitais interativos, indo desde os videogames, até a alimentação
das próprias redes sociais.
A equipe comandada por Scolari (2018) produziu uma das
mais completas taxonomias destrinchando cada uma das capacidades
transmidiáticas específicas, encontrando, ao fim, nove dimensões
(produção, prevenção de risco, performance, gestão de conteúdo
individual e social, media e tecnologia, ideologia e ética, narrativa e
estética), incluindo em cada uma delas 44 capacidades principais e,
num segundo nível, 190 capacidades específicas.
Em seus resultados, os pesquisadores constaram que nem
todos os jovens possuem todas as capacidades, e, mesmo quando
apresentam algumas em comum, nem todos apresentam no mesmo
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

grau. Alguns possuem maior facilidade em competências técnicas,


como postar ou compartilhar conteúdo em uma plataforma de
rede social, do que em competências de análise, como consumir
criticamente um conteúdo no YouTube, por exemplo.
Os diferentes níveis de apropriação e consumo dos meios
digitais apresentam desafios para crianças e adolescentes que
desenvolvem suas capacidades e personalidades em um ambiente
extremamente conectado. É também função das disciplinas de
Comunicação e Educação, dentre outras, perceber tais possíveis
desafios e propor soluções.
Para Burgess e Green (2009, p. 101), ser letrado no YouTube
não está restrito apenas às capacidades de criação e consumo em
vídeo, mas também “ser capaz de compreender o modo como o
YouTube funciona como conjunto de tecnologias e como rede social”,
consideração importante para o trabalho de investigação desenvolvido

351
na presente pesquisa. Afinal, para construir laços através da plataforma
é necessário entender os códigos de interação da própria comunidade
a fim de gerar e consumir conteúdos de maneira efetiva.
Os autores Burgess e Green (2009) enfatizam a prática criativa
dentro da quase onipresença das tecnologias digitais como forma do
desenvolvimento de consciência crítica para a participação inteligente
na mídia:

De um lado, os jovens em especial podem estar aprendendo as


competências da nova mídia por meio de sua participação no YouTube
(Drotner, 2008); e, ao mesmo tempo, de acordo com a estrutura da
alfabetização na mídia, essa participação ativa e criativa também
pode ser usada para ajudá-los a serem mais “críticos” em relação às
mensagens da mídia. (BURGESS; GREEN, 2009, p. 99)

A LITERACIA MIDIÁTICA E A DISCUSSÃO SOBRE A


QUALIDADE DE CONTEÚDOS AUDIOVISUAIS

Como temos argumentado, o advento das tecnologias digitais


de comunicação e informação proporcionou mudanças significativas
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

nas relações dos sujeitos e mídia. A internet democratizou a


possibilidade de que mais pessoas possam consumir e produzir esses
conteúdos criativos. Mas, no tocante à questão central desta pesquisa,
é fundamental refletir sobre quem fala o quê e sobre quem.
Desenvolvendo o raciocínio anterior: entendendo que o
YouTube é um site de cultura participativa, é imprescindível analisar
também as fronteiras das questões culturais, que envolvem quem
pode falar e quem chama atenção. É necessário observar a dinâmica
de poder entre as representações de sujeitos e histórias no ambiente
do YouTube.
Jorge (2018, p. 3) salienta que “o youtuber mirim, ao falar
diretamente com outras crianças comunica a elas modos de ser, de
viver, de ser feliz, padrões de beleza e papéis a serem exercidos por
homens e mulheres na sociedade”, pontuando ainda que

352
A utilização e participação nas mídias sociais exige dos usuários
determinado nível de letramento digital e conexão com a internet. No
caso do youtube, quando além de consumidor de conteúdo se deseja
também produzi-lo, é necessário acesso a bens materiais específicos
como câmeras digitais de última geração, filmadoras, bons computadores
e softwares que podem ser livres ou não. ( JORGE, 2018, p. 2)

Ou seja, a todo tempo que se discute a literacia midiática,


é importante contextualizá-la na inclusão digital. O documento
Alfabetização Midiática e Informacional (2013), apresentado pela
UNESCO aborda essa discussão ao entender que “a implantação de
ações que visam o desenvolvimento de uma competência midiática
traz benefícios para os cidadãos, para o governo, para a qualidade dos
sistemas de mídia e informação, além das instituições de pesquisa”
(OLIVEIRA, 2018, p. 36). Esses benefícios são colocados em prática quando,
ao desenvolver tais competências, os cidadãos conseguem efetivamente
fazer uso dos espaços de confluência de ideias, passando de consumidores
a produtores de conteúdo com participação ativa e democrática.
De acordo com Hobbs (2011, p. 154), essa mudança não está
baseada apenas nas mudanças tecnológicas, mas no núcleo de
competências construído para que se atinja o objetivo de desenvolver
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

cidadãos e cidadãs com vozes poderosas, capazes de gerar conteúdos


relevantes para suas próprias comunidades. O autor vê as tecnologias
digitais como uma oportunidade para que a juventude aproveite
as vantagens oferecidas para áreas como a saúde, autoconfiança,
inclusão, tolerância, diversidade e senso de comunidade.
O pesquisador Paul Mihailidis (2014, p. 140) entende que, para
que a produção de conteúdo por parte desses cidadãos críticos e com
voz ativa seja eficaz, algumas perguntas precisam ser respondidas. O
autor sugere as autorreflexões a seguir para que a criação de conteúdo
seja relevante e útil:

• Como eu posso usar a mídia para ter uma voz?


• Como e onde eu posso participar da criação de diálogos significativos?
• Quais são as comunidades com quem eu posso me conectar, e que
papel eu tenho em cada uma?

353
• Quais são os novos espaços digitais que eu posso usar para ser ativo
e engajado?
• Como eu posso contribuir para a tolerância, diversidade e outros
discursos na cultura da mídia digital?
• Onde minhas ações são benéficas e prejudiciais a minha comunidade local?
• Como eu posso agir para ajudar as questões que me interessam,
informar outras pessoas sobre meus posicionamentos e me engajar
em um diálogo valioso?

Dentro de todas as reflexões levantadas por Mihailidis (2014),


destaca-se a preocupação com a contribuição para a tolerância,
diversidade e outros discursos. A relevância desses temas na produção
de conteúdo não é iniciada com a possibilidade de criação de textos
digitais, mas já se discutia a relação intrínseca entre a qualidade dos
conteúdos midiáticos e a diversidade.
Buckingham (2007, p. 75) nota, ao final dos anos 1990, que
os produtos audiovisuais direcionados ao público infantil estavam
sofrendo um aumento em suas disponibilidades de canais, que não
era necessariamente acompanhado pelo aumento na diversidade ou
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

qualidade dos mesmos. Neste escopo, em sua dissertação de mestrado


desenvolvida no PPGCOM/UFJF, Oliveira (2018) se propôs a investigar
a qualidade dos conteúdos voltados para o público infantil no Youtube,
culminando em uma proposta de oficina audiovisual para crianças e
adolescentes.
A discussão sobre a qualidade, que se inicia no âmbito dos
estudos sobre a televisão nos anos 1980, é complexa e se mostra,
como pontua Borges (2014, p. 25) como de difícil definição uma vez
que está diretamente relacionado a uma série de fatores que estão
correlacionados e podem ser até mesmo contraditórios. A autora cita
Raboy (1996 apud BORGES, 2014, p. 25) para argumentar que

[...] o serviço de televisão é o resultado de uma interação complexa de várias


atividades desenvolvidas por diversos atores nas esferas social, cultural,
política e econômica. Para cada uma destas atividades pode ser definido
um conjunto de objetivos, que são, na verdade, critérios através dos quais a
qualidade das atividades pode ser avaliada. (BORGES, 2014, p. 25)

354
Destrinchando cada uma das esferas citadas, a autora define
que, para a esfera política, a avaliação de qualidade da estrutura do
sistema é definida de acordo com os objetivos das políticas públicas
e dos tipos de serviços a serem oferecidos. Já na esfera econômica, a
avaliação de qualidade é definida de acordo com os objetivos de mercado
e a grade de programação, enquanto na esfera cultural a avaliação dos
programas é realizada a partir dos objetivos de produção, conforme
a atuação dos profissionais. Por fim, a avaliação da performance do
canal é realizada na esfera social, a partir dos objetivos do contrato
de concessão em vigor. A autora enfatiza que “a discussão do conceito
de qualidade na televisão está sempre relacionada com um contexto
político, econômico, social e cultural bastante particular” (BORGES,
2014, p. 26). As relações entre qualidade e as esferas acima citadas
foram resumidas na tabela abaixo:

Tabela 1: relações entre qualidade e esferas do serviço de radiodifusão

AVALIA-SE A DE ACORDO COM


ESFERA
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

QUALIDADE... OS OBJETIVOS...
...da estrutura do das políticas
Política
sistema públicas

… da grade de do mercado e
Econômica
programação radiofusores

… dos
Cultural de produção
programas

… da performance do contrato
Social
do canal de concessão

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

355
A autora ainda elenca funções básicas que os serviços públicos
precisam cumprir para diferentes tipos de objetivos de formato.
Sublinha-se nesta pesquisa as funções básicas dos programas televisivos
voltados ao público infantojuvenil: de acordo com a leitura de Oliveira
(2018), o conteúdo “deve oferecer diversidade em diferentes níveis: no
conteúdo, formato, gênero, origens, técnicas e públicos” (OLIVEIRA,
2018, p. 67). A qualidade estética também deve ser observada, a partir
da oferta de diferentes tipos de linguagem de expressão audiovisual e
narrativa, fugindo de estereótipos e promovendo a sensibilização.
Além da observação das funções básicas já mencionadas
e discutidas anteriormente, as autoras propõem uma análise do
conteúdo segmentada em três etapas: o plano da expressão, o plano
do conteúdo e a mensagem audiovisual.
A presente pesquisa inspira-se nessa metodologia, adaptando
ainda os aspectos-chave da mídia-educação propostos pelo British
Film Institute (BAZALGETTE, 1999), dividindo, assim, as avaliações
individuais de cada vídeo analisado em seis etapas, conforme mostra o
quadro abaixo:
A autora ainda elenca funções básicas que os serviços públicos
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

precisam cumprir para diferentes tipos de objetivos de formato.


Sublinha-se nesta pesquisa as funções básicas dos programas televisivos
voltados ao público infanto-juvenil: de acordo com a leitura de Oliveira
(2018), o conteúdo “deve oferecer diversidade em diferentes níveis: no
conteúdo, formato, gênero, origens, técnicas e públicos” (OLIVEIRA,
2018, p. 67). A qualidade estética também deve ser observada, a partir
da oferta de diferentes tipos de linguagem de expressão audiovisual
e narrativa, fugindo de estereótipos e promovendo a sensibilização
de crianças para outras formas de arte, que estimulem o imaginário,
curiosidade e desenvolvam o espírito crítico.

356
PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE DA QUALIDADE DOS
VÍDEOS NO YOUTUBE

Dado o último quadro apresentado, fica claro que avaliar a


qualidade dos conteúdos publicados na plataforma do YouTube requer
uma reflexão sobre as relações das esferas políticas, econômicas,
culturais e sociais próprias da cultura participativa.
Por exemplo, no tocante à esfera política, a estrutura do
sistema é regida pelo slogan Broadcast Yourself, podendo ser traduzido
como “Transmita-se”. Na avaliação de Burgess e Green (2009, p.23)

O valor do YouTube não é produzido somente ou tampouco


predominantemente pelas atividades top-down da YouTube Inc.
enquanto empresa. Na verdade, várias formas de valores culturais, sociais
e econômicos são produzidas coletivamente en masse pelos usuários, por
meio de suas atividades de consumo, avaliação e empreendedorismo.

Os autores comparam os estudos entre o YouTube e televisão,


argumentando que, mais que esta segunda, o YouTube é um objeto de
estudo instável, por causa das mudanças dinâmicas dos vídeos e de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

sua organização, diversidade de conteúdo, que caminha em um ritmo


diferente do televisivo e uma frequência cotidiana análoga (BURGESS;
GREEN, 2009, p. 23).
O próprio YouTube, em seus termos de uso [3], renuncia
qualquer tipo de responsabilidade sobre o conteúdo gerado pelo
usuário, incluindo aí desde erros e imprecisões no conteúdo, até bugs,
vírus e cavalos de tróia que possam ser transmitidos através do conteúdo
publicado. Ou seja, referente às políticas públicas, o YouTube se presta a
ser um espaço de compartilhamento e interação entre usuários. Avalia-
se como de qualidade, nesse contexto, os conteúdos que estimulam a
participação em rede e a interação.
Quanto à esfera econômica, o YouTube recompensa os
usuários (chamados pela plataforma diretamente de “criadores de
conteúdo”) que se tornam populares dentro da rede através de um
programa de parcerias. Quanto mais assistidos, mais receita originada

357
de anúncios os vídeos geram. Como é do interesse da plataforma que
mais usuários gerem conteúdos populares, o YouTube oferece um
espaço de aprendizado gratuito para que criadores de conteúdo de
diferentes níveis aperfeiçoem suas práticas e, consequentemente,
gerem mais renda - tanto para a plataforma, quanto para si.
Seguindo essa lógica, poder-se-ia, então, dizer que os
conteúdos mais populares e rentáveis podem ser avaliados como
com maiores níveis de qualidade. Dentro dessa leitura específica, é
importante salientar que a lógica de popularidade do YouTube ainda
é um grande mistério, mas sabe-se que quanto mais inserido nas
práticas da plataforma, maiores as chances de um conteúdo ser bem
aceito pela comunidade, consequentemente, ser popular, ao menos
dentro de um nicho.
Quanto às esferas social e cultural, que se referem às funções
básicas desempenhadas pelos programas e performance do canal,
respectivamente, é possível aplicar uma série de parâmetros, que
Oliveira (2018) resume ao refletir que “a qualidade está relacionada a
três aspectos primordiais: o objetivo da plataforma onde o conteúdo é
veiculado, a qualidade dos vídeos e as necessidades do público infanto-
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

juvenil e os critérios que promovem a literacia audiovisual” (OLIVEIRA,


2018, p. 64).
A autora sistematizou as estratégias que estimulam o
envolvimento do espectador com o vídeo e a plataforma, como:

• Utilização dos call-to-actions (CTA), sugestões verbais ou textuais


para que o espectador realize alguma ação, como inscrever-se no
canal, deixar um comentário ou avaliar o vídeo;

• Incentivar o compartilhamento do vídeo nas redes sociais;

• Participar ativamente junto à comunidade de criadores de conteúdo


do YouTube, interagindo com outros canais ou por meio de produções
colaborativas.

358
Dentro do debate da qualidade, Borges (2014) desenvolve
parâmetros de avaliação da qualidade dos conteúdos da televisão
pública portuguesa, que foram adaptados por Oliveira (2018) em sua
dissertação para atender às especificidades do YouTube.
A presente pesquisa inspira-se nessa metodologia, adaptando
ainda os aspectos-chave da mídia-educação propostos pelo British
Film Institute (BAZALGETTE, 1999), dividindo, assim, as avaliações
individuais de cada vídeo analisado em seis etapas, conforme mostra o
quadro abaixo:

Quadro 2: Proposta de metodologia utilizada


para análise de vídeos no YouTube

ÁREAS PERGUNTAS CHAVE AVALIAÇÃO


- Título do vídeo
- Quem apresenta
- Tema central
- Palavras-chave
Quem comunica, o - Categoria no
Agenciamento
quê? YouTube
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

- Duração
- Data de envio
- Número de views
- Descrição

Que tipo de texto é - Formato


Categorias
este? ou gênero

Visual
Utilização de
equipamentos
Como se produz?
que permitam
Indicadores do
uma boa imagem,
plano da expressão
iluminação adequada,
(OLIVEIRA, 2018;
Técnicas enquadramentos,
BORGES, 2014),
movimentos de
avaliados de 1 a 4,
câmera e ritmo da
sendo 1 fraco e 4
montagem e cenário
excelente.
que possam contribuir
com a construção da
narrativa.

359
ÁREAS PERGUNTAS CHAVE AVALIAÇÃO
Sonora
Uso de equipamentos que
possibilitem boa qualidade de
áudio e utilização de trilhas e
efeitos sonoros adequados de
acordo com a proposta de cada
vídeo.
Como se produz?
Indicadores do Videografismo
plano da expressão Utilização de vinhetas de
(OLIVEIRA, 2018; abertura e crédito, textos,
Técnicas
BORGES, 2014), legendas e outros elementos
avaliados de 1 a 4, gráficos com o intuito de
sendo 1 fraco e 4 enriquecer a narrativa e não
excelente. deixar o vídeo poluído.

Atuação
Apresentação e/ou atuação
adequada por parte dos
Youtubers, convidados e atores
envolvidos.

Originalidade e criatividade
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

do formato audiovisual,
apresentando inovação em
relação às ideias, apresentação
e abordagem dos temas

Como sabemos o que Qualidade artística, ou


significa? seja, utilização eficiente
Indicadores da dos elementos sonoros,
mensagem audiovi- visuais, sintáticos e gráficos
Linguagem
sual (OLIVEIRA, 2018; que compõem a linguagem
BORGES, 2014), ava- audiovisual
liados de 1 a 4, sendo 1
fraco e 4 excelente. Qualidade artística, ou
seja, utilização eficiente
dos elementos sonoros,
visuais, sintáticos e gráficos
que compõem a linguagem
audiovisual

360
ÁREAS PERGUNTAS CHAVE AVALIAÇÃO
Eficácia na transmissão
das mensagens,
incluindo propostas
Como sabemos o que
com clareza objetiva,
significa?
roteiro bem elaborado
Indicadores da
e efetiva comunicação
mensagem audiovi-
Linguagem com o público
sual (OLIVEIRA, 2018;
BORGES, 2014), ava-
Utilização de
liados de 1 a 4, sendo 1
elementos e estratégias
fraco e 4 excelente.
que estimulem a
participação do público

- Presença de
informações que sejam
relevantes e úteis ao
mesmo tempo que
entretém

- Diversidade e
confiabilidade das
fontes na construção
das temáticas
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

- Diversidade no que diz


Como representa os
respeito à representação
temas?
de sujeitos e temas
Indicadores do plano
do conteúdo (OLIVEI-
Representação - Escolha de temas que
RA, 2018, BORGES,
promovam a ampliação
2014), avaliados de 1 a
do repertório cultural
4, sendo 1 fraco e 4
dos espectadores e
excelente.
estimulem o debate
e a reflexão ou que
promovam uma
conscientização e
participação política,
social e valores éticos

- Atender às
expectativas do público
em relação à proposta
do tema e conteúdo
apresentado

361
ÁREAS PERGUNTAS CHAVE AVALIAÇÃO
- Utilização de
elementos adequados
ao público e que
promovam a
Como representa os
identificação do
temas?
espectador
Indicadores do plano
do conteúdo (OLIVEI-
Representação - Estímulo à
RA, 2018, BORGES,
imaginação através
2014), avaliados de 1 a
de narrativas que
4, sendo 1 fraco e 4
desenvolvam as
excelente.
capacidades cognitivas
e emotivas, com
verossimilhança

- Possui a opção de
comentários ativada?
- Número de usuários
Quem recebe e
Público que curtiram
que sentido dá?
- Número de usuários
que descurtiram
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

A proposta metodológica apresentada reúne aspectos


qualitativos e quantitativos relevantes para sistematizar e compreender
não só os conteúdos dos vídeos analisados, mas também iniciar a
compreensão de padrões estratégicos técnicos para que o vídeo se
torne popular dentro da plataforma, como as palavras-chave utilizadas
para aumentar as probabilidades do conteúdo ser encontrado através
dos mecanismos de busca.
Cada um desses aspectos deve ser observado levando em
consideração que, como afirma Scolari (2018, p. 91), o YouTube tem
se tornado uma fonte de informação confiável, mas é importante
notar que a plataforma é dirigida pelo usuário, o que resulta no fato
de usuários confiarem uns aos outros a responsabilidade de criação e
consumo dos conteúdos, tendo um acordo tácito sobre credibilidade.

362
Ainda dentro desse contexto, o autor, no relatório apresentado
afirma que a diversidade do conteúdo depende dos usuários. Dito
isso, Banaji e Buckingham (2013, p. 33) acreditam que é necessário
levar em conta também a diversidade de jovens, a própria internet e a
participação cívica, o que implica entender as atividades online dentro
do contexto das interações offline individuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo contempla as pistas iniciais que estão sendo


consideradas para o desenho de uma proposta metodológica que possa
ser utilizada para fazer amplos registros das produções audiovisuais
no YouTube. Para além de discutir a qualidade, é importante também
entender as especificidades de cada contexto: cada canal dentro da
rede é uma porta de entrada para um universo de sociabilidades, usos,
funções e, claro, competências midiáticas de todos os usuários - tanto
os que produzem, quanto os que consomem.
Assim, justifica-se a busca por compreender o que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

exatamente as crianças brasileiras estão fazendo no YouTube durante


o desenvolvimento desta pesquisa: quais são os formatos que
preferem, quem são as crianças que fazem sucesso, quais temas são
recorrentes, em que agregam conhecimento ou compartilham suas
experiências… E assim vai toda a possível lista de descobertas através
da análise cuidadosa dos usos e funções que podem ser atribuídas a
partir da apropriação infantil desse espaço que não foi desenhado para
crianças, mas que serviu de megafone para que suas vozes não fossem
silenciadas.
E, por concordar com Castells (2003), mais uma vez, ao entender
que a alta velocidade das transformações contemporâneas torna difícil
para a pesquisa acadêmica acompanhar o ritmo de mudança, propõe-
se aqui a abertura para que esta pesquisa seja continuada. A infância
no YouTube ainda é um assunto em contínua discussão, com mudanças
sendo aplicadas todos os dias para garantir a proteção dos direitos

363
das crianças, como também, para garantir que não sejam expostas a
conteúdos “puramente adultos” antes da idade considerada adequada.
Por conta das rápidas transformações, é real a possibilidade
de que o ambiente que inspirou o início do desenvolvimento desta
pesquisa seja totalmente diferente ao final dela. E esse fato, ao invés
de ser considerado um complicador, é ainda mais inspirador para que
novas explorações comparativas possam ser produzidas, percebendo os
efeitos a longo prazo de cada política de conteúdo aplicada e os efeitos
dela nas socializações dos pequenos sujeitos e no conteúdo em si.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

364
NOTAS

[1] Esta dissertação de mestrado que está a ser desenvolvida no PPGCOM UFJF é parte
integrante das atividades da rede Alfamed (Red Interuniversitaria Euroamericana
de Investigación en Competencias Mediáticas para la Ciudadanía), com o apoio do
Projeto I+D+I (2019-2021), intitulado “Youtubers e Instagrammers: La competencia
mediática en los prosumidores emergentes” (RTI2018-093303-B-I00), financiado
pelo Ministerio de Ciencia, Innovación y Universidades de España e o Fondo Europeo
de Desarrollo Regional (FEDER).

[2] YouTube paga multa de US$ 170 milhões e muda política de vídeos infantis -
Diário de Pernambuco. Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/
noticia/economia/2019/09/youtube-paga-multa-de-us-170-milhoes-e-muda-
politica-de-videos-infant.html. Acesso em: 9 set 2019.

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/t/terms. Acesso em: 11 ago. 2019.


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

365
REFERÊNCIAS

BAZALGETTE, Cary. Making movies matter. London: British Film Institute. 1999.

BORGES, Gabriela. Qualidade na TV pública portuguesa: análise dos programas do


canal 2. Editora da UFJF, 2014.

BANAJI, Shakuntala; BUCKINGHAM, David. The Civic Web: Young People, the
Internet, and Civic Participation (The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation
Series on Digital Media and Learning). Massachusetts: The MIT Press, 2013.

BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias Eletrônicas: após a morte da


infância. São Paulo: Edições Loyola: 2007.

BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a Revolução Digital: como o maior


fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo:
Aleph, 2009.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e


a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CRUJ (Primeiro Episódio) Parte 1. Produção de Cao Hamburger, Flávio de Souza. São
Paulo: Disney, Sbt, 1997. P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R-
ZvQ0K5Vu4&. Acesso em: 06 set. 2019.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

JORGE, Glaucia Maria dos Santos. De criança para criança: discursos sobre
gênero, raça e classe social produzidos por youtubers mirins. In: Anais… Congresso
Internacional de Educação e Tecnologias. São Paulo. 2018. Disponível em: http://
cietenped.ufscar.br/submissao/index.php/2018/article/download/651/179/. Acesso
em: 22 set. 2019.

MEILI, Angela Maria. O Audiovisual na era do YouTube: pró-amadores e o mercado.


In: Sessões do Imaginário. v. 16, n 25, p. 52-59, 2011. Disponível em: http://
revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/article/view/9258/7133. Acesso
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MIHAILIDIS, Paul. Media literacy and the emerging citizen: Youth, engagement and
participation in digital culture. Peter Lang, 2014.

PEREIRA, Sara. A qualidade na televisão para crianças. Comunicar, v. 25, p. 181-


192, 2005. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/1368013.pdf.
Acesso em: 22 set. 2019.

______. Crianças e televisão: convergências e divergências de um campo de estudo.


Estudos da infância: educação e práticas sociais, p. 222-244, 2008.

366
OLIVEIRA, Daniela Santana de. A qualidade audiovisual e a competência midiática
na formação do olhar do público infantojuvenil. 2018. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.

SCOLARI, Carlos A. (Ed.). Teens, media and collaborative cultures: exploiting teens’
transmedia skills in the classroom. Barcelona: Transliteracy H2020 Research And
Innovation Actions, 2018.

UNESCO. Alfabetização Midiática e Informacional: diretrizes para a formulação


depolíticas e estratégias. UNESCO, 2013. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/
images/0024/002464/246421POR.pdf.Acesso em: 22 set. 2019.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

367
16
Encontros no documentário brasileiro e a
potência de emancipação do espectador
Tatiana Vieira Lucinda

Mas afinal, o que é o documentário? Essa é a pergunta


que Fernão Ramos nos faz em sua obra [1] que trata desse gênero
cinematográfico multivariado e que investe constantemente em
experimentalismos. E é também a pergunta que nós, pesquisadores
do documentário, nos fazemos constantemente. Talvez estejamos
longe de uma definição precisa, mas o desejo por conhecer cada vez
mais o documentário, suas especialidades e estratégias, nos permite
traçar caminhos para pensar os impactos que cada operação gera no
espectador, parte importante da formação de sentidos. Em se tratando
de documentários, há que se considerar a tríade que envolve cineasta –
sujeito filmado – espectador, e, ao pensar nesses três atores, existe um
aspecto que pode envolvê-los: o encontro, considerado por Comolli
(2008) a essência do gênero documental.
Dentro da gama de mecanismos utilizados por aquele que
filma, está a forma como ele lida com o sujeito que está ali, diante dele
e da câmera, pronto para entregar a sua história de vida ou versão
de um fato, prestes a resgatar seus traumas e desejos, frustrações
e sonhos. Trata-se de alguém que existe antes e que vai continuar
existindo após o registro da máquina e, que, portanto, precisa ser
compreendido, respeitado no momento da gravação, na montagem e
na exibição. Como fazer isso? Desafio para os documentaristas que vêm
buscando, ao longo da trajetória do cinema documentário, formas de
se aproximar e relacionar com o outro. E o que resulta desse encontro
nada mais é do que a própria matéria-prima do documentário, a qual
será manuseada na montagem para chegar até o espectador.
É em torno desse conceito do encontro que nos propomos a
analisar o documentário brasileiro, buscando compreender como se
estabeleceram as relações entre sujeito filmado e cineasta ao longo do
desenvolvimento desse gênero cinematográfico. Partimos da noção
de que o documentário se constrói através da inscrição de corpos
reais em cena, corpos estes que se encontram e que suscitam um
momento singular, o qual é o ingrediente central da escritura. Desse
modo, estamos interessados não nas técnicas de filmagem e formatos
empregados, mas em como as mise-en-scènes se relacionam, na busca
de uma abordagem que nos traga asserções que possibilitem ver o
encontro de forma mais crítica.
Essa perspectiva, talvez não muito usual, permite-nos
compreender não somente o lugar que o documentarista reserva
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

àquele que se coloca diante da câmera como também a posição


ocupada pelo espectador. Para tanto, tomamos como referência a ideia
de “espectador emancipado” apresentada por Rancière (2012), o qual
defende que a emancipação está na inclusão do espectador na ação
criativa, participando da obra com as suas associações, comparações
e interpretações, ou seja, o mesmo se converteria naquele observador
que busca sempre ir além do que é dado. O espectador emancipado
percorreria vários lugares na percepção, estando atento ao modo
que se opera a partilha do sensível e olhando para a mesma de modo
crítico. Assim, questionamo-nos: a forma como se dá o encontro entre
cineasta e sujeito filmado permite uma participação mais ativa do
espectador? Ou esse encontro acaba sendo conduzido por um rígido
controle do diretor do filme, que se manifesta tanto nas gravações
como na reprodução da obra?

369
Tais perguntas abrem uma longa discussão, contudo, neste
estudo, almejamos focar no entendimento de como o encontro no
documentário brasileiro foi se desenhando para, posteriormente,
interligá-lo ao seu impacto no espectador. Partimos da hipótese de
que o lugar do espectador também é configurado pelos modos de
aproximação do cineasta, pelas aberturas permitidas àquele que é
filmado e por esse embate de mise-en-scènes tão distintas, mas que
têm em comum o fator transformador da câmera, a qual pode inibir,
incitar uma encenação ou permitir uma entrega.
Para nos situar melhor nesse tema, vamos primeiro
compreender porque o documentário é concebido como o cinema
do encontro e quais as percepções sobre o papel do cineasta
nessa relação. Na sequência, resgatamos um breve panorama do
documentário brasileiro, destacando algumas tendências no modo de
relacionamento entre cineasta e sujeito filmado, e, por fim, levantamos
algumas proposições a respeito da relação entre as formas de encontro
e o lugar ocupado pelo espectador.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

O DOCUMENTÁRIO E AS RELAÇÕES NELE INSCRITAS

Dentre as diversas concepções do documentário, ou mesmo


nas explanações que acabam por assumir a dificuldade em denominá-
lo, há uma percepção compartilhada por boa parte dos teóricos:
a ideia de que o documentário é o cinema do encontro. E isso nos
parece bastante pertinente, afinal, para se produzir um filme sobre
determinado grupo, lugar ou situação, é necessário que o cineasta
esteja disposto a participar de vários “encontros”, e são eles que farão
com que o filme exista.
Suponhamos que um realizador queira resgatar a história
de seus antepassados. Para isso, ele vai precisar reaver documentos,
acionar pessoas que tiveram contato com seus parentes e visitar
lugares onde eles moravam. Tudo isso se traduz em uma série de
encontros, muitas vezes pautados pelo inusitado, ou seja, quando não
se sabe exatamente o que irá acontecer. Assim também seria em um

370
filme sobre pessoas em situação de rua, por exemplo. Por mais que os
personagens possam estar previamente selecionados e que a equipe
de filmagem já os tenha contatado, a obra só acontece efetivamente
quando o cineasta se coloca diante dessas pessoas para ouvir suas
histórias, seja permitindo um discurso mais livre ou interpelando-as
com perguntas para suscitar as respostas que ele espera - mas que
não necessariamente virão da forma como se planejou. Nesse outro
exemplo, há também um fator de inesperado. Por mais que se busque
roteirizar um documentário, determinando exatamente o que será
captado, o encontro carrega a potência de trazer consigo surpresas
que só se revelam quando a câmera está ligada. E para lidar com esse
encontro, é preciso lançar mão de uma série de operações, a maioria
delas sob controle do realizador e sua equipe.
Durante uma palestra proferida nas Conferências Internacionais
de Documentário É Tudo Verdade, o cineasta Eduardo Coutinho
defendeu que o essencial do documentário ou acontece no encontro
ou não acontece, ou seja, o encontro é a premissa fundamental desse
gênero de cinema. Segundo o realizador, “o documentário é isso:
encontro do cineasta com o mundo, geralmente socialmente diferente
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

e intermediado por uma câmera que lhe dá um poder, e este jogo é


fascinante” (COUTINHO; XAVIER; FURTADO, 2005, p. 119). Essa fala
de Coutinho nos aponta algumas questões que devem ser avaliadas:
a distância ou proximidade do cineasta em relação à realidade
tematizada e aos sujeitos filmados, o seu poder na cena e, ainda, a
presença da câmera, que pode transformar toda a mise-en-scène
fílmica. O cineasta cita, ainda, um terceiro vértice do encontro que
deve ser considerado: o espectador.
De acordo com Salles (2005a p.70), na contemporaneidade,
os documentários brasileiros têm priorizado formas narrativas que
passaram do “falar sobre o outro” para o “ir ao encontro do outro”,
revelando, desde o primeiro contato, “a natureza dessa relação”. É
como se o cineasta tivesse mudado a sua postura: daquela de falar
pelo outro para uma que permita que esse sujeito fale por si. Contudo,
ainda são empregadas estratégias para dar contornos à voz do sujeito

371
filmado. Não se trata, assim, de uma autocriação do outro, mas de um
novo modo de se relacionar com ele, de ampliar os espaços de fala,
trazendo para a tela a força do encontro.
Alguns teóricos e cineastas contemporâneos destacam o que
acreditam ser uma postura mais ética do documentarista nessa relação.
Comolli (2008) defende que se deve ter a consciência de que não se
filma impunemente. Há, portanto, que se pensar no jogo de forças
presente na cena e nas operações realizadas, buscando um modo de
fazer que dê espaço de fala e visibilidade aos sujeitos filmados, que
lhes permita não serem alvos da imagem, mas sim quem pode ajudar
a produzi-la. Para Coutinho, o documentarista precisa livrar-se de si
para entender e acolher as demandas do outro (COUTINHO; XAVIER;
FURTADO, 2005).
Todavia, como o próprio cineasta brasileiro destaca, não é
possível esvaziar-se por completo das ideologias e do próprio passado.
Na verdade, o fundamental é que haja uma disposição para estar livre de
si ou, ao menos, uma percepção de que é preciso buscar formas de não
deixar que as preconceções e estereótipos sobre determinado sujeito
ou situação dominem as operações na filmagem. Coutinho justifica que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

o documentário precisa do outro para que a cena aconteça, por isso


é necessário entregar-se ao encontro. Além disso, “[...] quanto mais
esquecido de si mesmo está quem escuta, tanto mais se grava nele
a coisa escutada” (COUTINHO; XAVIER; FURTADO, 2005, p.111), diz o
cineasta em referência a uma fala de Walter Benjamin. Já na concepção
de Comolli (2008), é importante que o diretor demonstre que está
ali para filmar a favor do sujeito filmado, para ser uma instância de
revelação e de reconhecimento.
Além de buscar essa abertura para acolher a verdade do outro, o
documentarista enfrenta um outro problema: a tendência à encenação
por parte do sujeito filmado. Se a presença da câmera já introduz um
clima artificial na cena e tende a incitar um comportamento fabricado,
na atualidade, esse artificialismo pode ser ainda maior. De acordo
com França (2010), com a fotografia, a televisão, o cinema, a internet
e a disseminação das câmeras de segurança, as pessoas possuem

372
uma consciência da imagem de si e dessa consciência é que vem uma
armadilha para o documentarista: os sujeitos filmados tendem a fazer
o papel que se imagina que o cineasta e o diretor desejam. E isso, ao
seu ver, remete a um trabalho difícil do documentário, que é “[...] lidar
diariamente com o mundo dos clichês veiculados e disseminados pela
cultura do espetáculo e incorporados, conscientemente ou não, às
relações sociais cotidianas” (FRANÇA, 2010, p. 87).
Daí a ideia de um documentarista que chegue ao encontro o
mais livre possível de pré-julgamentos, demonstrando ser alguém que
está ali para atender aos interesses dos sujeitos filmados, buscando
modos de deixá-los à vontade para discursar e, sobretudo, apto a
uma “escuta sensível”, como diria Coutinho (1997). E o que vamos
perceber ao longo da trajetória do documentário nacional é que há
uma tendência para a busca desse tipo de escuta ou, ao menos, uma
tentativa de conferir mais liberdade e autonomia ao sujeito filmado,
permitindo que ele seja parte ativa da construção fílmica. É o que
veremos no tópico a seguir.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

ENCONTROS COM O OUTRO NO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO

O documentário nasceu concomitante ao cinema (COMOLLI,


2008) e deu seus primeiros passos no Brasil através de produções
de cinejornais e filmes institucionais, registros de acontecimentos
históricos, cerimônias oficiais e expedições. Antropólogos passaram a
utilizar a câmera em suas expedições pelo país e muitas das imagens
captadas chegaram ao exterior. Em 1936, com a criação do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE), centenas de filmes foram
produzidos sob a direção do cineasta Humberto Mauro. As primeiras
produções tinham um teor mais científico e técnico, com destaque
para descobertas de cientistas, a exuberante fauna e flora. Já a segunda
fase de suas produções, após o fim do Estado Novo, o foco foi o Brasil
rural. Nessa época, a maior parte dos filmes eram financiados pelo
estado, coronéis e fazendeiros.

373
De acordo com Ramos (2004), esse início da produção
documentária no Brasil e em todo o mundo foi influenciado pela tradição
não-ficcional inaugurada em 1930 por John Grierson, permanecendo
dominante no país até a década de 1960. “Utilização de intensa voz
over expositiva, encenação e um namoro sem má-consciência com a
propaganda marcam esta definição do documentário” (RAMOS, 2004,
p. 81). Nesse sentido, tomando a questão do encontro como mote
central de nossa discussão, nessa fase o que se tinha era um encontro
do cineasta com a realidade filmada ou sujeitos que servia basicamente
como elemento para a construção do filme, geralmente já programado
e com seus objetivos bem delineados. O que acontecia no encontro não
alterava significativamente o curso das filmagens, dado que tudo era
arranjado de modo a atender a um escopo previamente definido.
Pode-se dizer que a década de 1960 representou um salto
importante na produção documentária nacional, quando novos
procedimentos estilísticos surgiram, possibilitados pela chegada de
tecnologias, como as câmeras mais leves, ágeis e o gravador de voz
Nagra. De acordo com Ramos (2004), essa nova fase do documentário
brasileiro é marcada por planos longos e imagens tremidas com a
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

câmera na mão, além da mudança na relação com os sujeitos filmados


possibilitada pela realização de entrevistas e a coleta de depoimentos.
Nessa fase, que marca o documentário moderno, realizado
principalmente por documentaristas ligados ao Cinema Novo [2], “[...]
as falas dos personagens são tomadas como exemplo ou ilustração de
uma tese ou argumento, este, muitas vezes, elaborado anteriormente
à realização do filme, não raramente a partir de teorias sociais” (LINS;
MESQUITA, 2008, p. 21). Em tais produções, as dimensões do encontro
no momento da tomada ainda não tinham tamanha relevância para
a construção do documentário, mas sim a entrevista enquanto
operação que permitia extrair dos sujeitos filmados falas que
pudessem representar todo o grupo a que pertenciam. Nesse tipo de
cinema, denominado por Jean Claude Bernadet como “documentário
sociológico”, havia uma relação entre o particular e o geral, o primeiro
servindo para representar o segundo.

374
Para Lins e Mesquita (2008), as produções dos anos 1960
marcaram o primeiro momento do documentário social crítico e
independente no Brasil, que buscava tratar, pela primeira vez de forma
crítica, os problemas e experiências das classes populares. O “dar voz
ao povo” era um elemento presente, contudo, não era o elemento
central do documentário. Apesar de a entrevista estar presente, a voz
over explicativa ainda era utilizada. O documentarista seria a voz do
saber, ao passo que o entrevistado era a voz da experiência.
Essa mistura entre entrevista e narração configurou, na visão
de Lins e Mesquita (2008) uma forma bastante híbrida, que buscava
interpretar situações sociais complexas e trabalhar a montagem de
modo retórico. O que se tinha eram cineastas filmando indivíduos que
pertenciam a segmentos sociais distintos dos seus, como se tentasse
descrever “tipos sociais”, daí a associação de Bernadet ao trabalho
sociológico [3]. Como exemplos dessa fase, Lins e Mesquita (2008) citam
as obras Viramundo (1965), de Geraldo Sarno, Opinião pública (1966), de
Arnaldo Jabor e Maioria absoluta (1964-66), de Leon Hirszman.
Já na década de 1970 surgiram produções que buscavam dar
respostas aos limites da tendência sociológica, curtas que promoviam
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

o “sujeito da experiência” a “sujeito do discurso”, ou seja, oferecendo


ao indivíduo filmado a possibilidade de se afirmar como o produtor de
sentidos de sua própria experiência (LINS; MESQUITA, 2008, p. 23). Um
exemplo foi a obra Jardim Nova Bahia (1971), de Aloysio Raulino, que
inovou ao entregar a câmera para um dos personagens, para que ele
filmasse sem qualquer interferência do diretor, conforme informado
nos créditos iniciais do documentário. Para Bernadet (2003, p. 126-7),
trata-se de um estilo pouco retórico, que tenta enxugar a sua expressão
para que a voz do cineasta não abafe o discurso do outro.
Os anos 1970 marcaram também a parceria entre o
documentário e a televisão. O programa Globo Repórter, da TV Globo,
exibia produções que tentavam abordar a realidade de outras formas.
Há, ainda, movimentos de alguns cineastas buscavam experimentações
que testavam os limites da linguagem fílmica, como Arthur Omar, que
questiona a atuação dos documentaristas da época. Segundo Lins e

375
Mesquita (2008, p. 24), nos filmes de Omar e em seu texto-manifesto
“O antidocumentário-provisoriamente”, o cineasta:

[...] tematiza a exterioridade que motiva a realização de todo projeto de


documentário [...], evidencia a distância entre o saber documental e seus
objetos, afirma a mediação como o que verdadeiramente te interessa e
explicita a natureza ‘falsa’ de toda e qualquer imagem.

Tal posicionamento começa a abrir caminhos para se pensar


a importância do encontro, da relação entre cineasta e sujeito filmado,
das consequências da mediação e os impactos no espectador. Glauber
Rocha, com seu filme Di/Glauber (1977), também almejava quebrar as
premissas do documentário moderno, apresentando uma obra mais
subjetiva, com uma intervenção mais explícita do realizador na filmagem.
Todas essas operações acabam por questionar os limites da noção de
representação e sua fidedignidade ao real. Assim sendo, começam a se
abrir caminhos para se pensar o documentário como uma construção
baseada no encontro, na duração da fala e na potência dos afetos, os
quais permitem olhar para a realidade sob um novo ângulo.
Uma obra considerada por Bernadet (2003) como um divisor
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

de águas foi Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho,


documentário cujas filmagens foram iniciadas em 1964 e finalizadas
vinte anos após, em 1984. A interrupção nas gravações aconteceu
devido ao golpe militar. Na visão de Lins e Mesquita (2008, p. 25), Cabra
“[...] efetua desvios significativos na forma de fazer documentário
no Brasil, mas não deixa de dialogar com estéticas documentais e
da reportagem televisiva, retomando algumas delas e reinventando
outras”. Ao invés de tratar de grandes acontecimentos ou personagens,
o filme de Coutinho trata de indivíduos anônimos, camponeses
nordestinos esquecidos pela grande mídia. A ideia inicial era fazer
uma ficção inspirada em fatos reais para contar a vida de João Pedro
Teixeira, importante líder das Ligas Camponesas da Paraíba. Após
a interrupção, o projeto também foi modificado, e Coutinho vai
reencontrar os camponeses e a família de João Pedro, assassinado a
mando de latifundiários. Lins e Mesquita (2008, p. 26) observam que

376
nesta segunda fase, a postura do documentarista é de disponibilidade
e abertura para o encontro e ainda: “Coutinho aposta no processo de
filmagem como aquele que produz acontecimentos e personagens;
aposta no encontro entre quem filma e quem é filmado como essencial
para tornar o documentário possível”.
Essa inovação no modo de fazer em Cabra acaba por fomentar
a potência do encontro no documentário e mais do que isso: a
força do inesperado na cena. Quando se dá uma abertura maior aos
personagens, apostando na força das relações no momento da tomada,
acaba-se por investir em algo que não se sabe exatamente o que virá,
mas que dá mais densidade à construção da realidade, ao novo olhar
que se propõe.
Já nos anos 1980 e 1990, o documentário brasileiro afasta-se
ainda mais da antiga tradução educativa ou sociológica para assumir
uma outra tendência: “[...] a conquista da palavra, o direito à palavra,
dar a palavra ao povo” (SENRA, 2010, p. 113). Nessa fase, a entrevista é
privilegiada, o diálogo com o personagem passa ocupar o lugar dos
recursos narrativos e retóricos, e da voz over que acaba por guiar a
interpretação do espectador (LINS; MESQUITA, 2008). Assim, a obra
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

passa, de certo modo, a ser mais aberta. Todavia, há uma ressalva


importante: a forma com que o documentarista elabora e dirige as
perguntas ao sujeito filmado também pode ser um modo de intervir na
produção de sentidos. Dessa maneira, é importante distinguir operações
que permitem que o sujeito filmado discurse com mais liberdade,
daquelas que privilegiam o uso excessivo de perguntas que acabam por
direcionar o seu discurso, reduzindo a sua autonomia na obra.
Ainda em se tratando do documentário das décadas de 1980 e 1990,
podemos levantar algumas características que se manifestam no conjunto
das obras produzidas: recorte mínimo dos temas, abordando experiências
estritamente individuais; foco no singular, evitando generalizações;
valorização da subjetividade do homem comum; maior interação do
cineasta com o personagem. É válido mencionarmos também que, na
década de 1980, a produção documental brasileira manteve forte ligações
com os movimentos sociais da época da redemocratização. Com as leis

377
de incentivo ao cinema na década de 1990, houve a retomada do cinema
brasileiro, que ganhou ainda mais força com a chegada das tecnologias
digitais, as quais possibilitaram a realização de filmagens a custos mais
baixos (LINS; MESQUITA, 2008). Para Senra (2010), os anos 1990 marcaram
a década de florescimento do documentário, com a “fórmula” de imagens
enfileiradas entremeadas por entrevista. Tudo isso exerceu uma influência
para que se pensassem em novos modos de fazer cinema documentário
no Brasil.
Outro ponto que merece ser mencionado é o fato de um
número significativo de produções dos anos 1990 dar preferência a
temáticas ligadas à população pobre e marginalizada. De acordo com
Lins e Mesquita (2008, p. 44),

Se nos anos posteriores à ditadura as imagens televisivas continuavam


mostrando um Brasil harmonioso, rico, branco, saudável, higienizado, em
imagens estáveis, enquadradas, de boa qualidade, coube ao documentário
se voltar para grupos urbanos até então praticamente invisíveis nesta
produção audiovisual: a população carcerária, moradores de rua e de
favelas, pivetes e mendigos, prostitutas, trabalhadores do lixo.

Essa escolha temática ganhou ainda mais força nos anos


ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

2000, época de produção de documentários como Babilônia 2000


(2001), de Eduardo Coutinho, filmado no Morro da Babilônia, favela
do Rio de Janeiro; O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas
(2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna, que grava o cotidiano da
periferia de Recife para contar a história de um músico e um matador;
Ônibus 174 (2002), de José Padilha, que aborda o sequestro de um
ônibus na Zona Sul do Rio de Janeiro e resgata a trajetória de vida do
sequestrador Sandro do Nascimento, de modo a revelar o quanto a
ocorrência do sequestro está ligada à tragédia social brasileira (LINS;
MESQUITA, 2008); À margem da imagem (2003), de Evaldo Mocarzel,
cujos personagens são indivíduos em situação de rua na cidade de São
Paulo; O prisioneiro da grade de ferro (auto-retratos) (2003), de Paulo
Sacramento, documentário que acompanha a rotina de detentos
no Carandiru e que usa o procedimento de “entregar a câmera” aos
personagens para que eles registrem suas próprias visões a respeito da

378
vida na cadeia; Justiça (2004), de Maria Augusta Ramos, que acompanha
a rotina do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com seus
réus e familiares – oriundos de classes mais baixas; O cárcere e a rua
(2005), de Liliana Sulzbach, que acompanha três mulheres presas na
Penitenciária Madre Pelletier, de Porto Alegre; Estamira (2005), de
Marcos Prado, cuja personagem central e que dá nome à obra é uma
mulher de 63 anos portadora de distúrbios mentais que vive e trabalha
no Aterro Jardim Gramacho; Falcão, meninos do tráfico (2006), de MV
Bill e Celso Athayde, que trata da vida de crianças e adolescentes
envolvidos no tráfico de drogas, residentes em favelas e comunidades
de diversos estados e regiões do país, dentre tantos outros.
Alguns desses exemplos citados nos revelam algo mais:
além da busca pela tematização do popular, de grupos geralmente
esquecidos pela grande mídia, muitos documentários deram enfoque
à questão da violência. Ramos (2008, p.217), ao resgatar a trajetória dos
documentários que tematizam o “popular”, observa uma transição,
dos anos 1960, passando pelos anos 1970, 1980, 1990 e até 2000, de
uma construção negativa como alienação, seguida de uma elegia de
suas culturas, especificidades e costumes, e terminando com uma “[...]
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

nova sensibilidade do outro popular, marcada pela representação do


miserabilismo e [...] popular criminalizado”. De acordo com o teórico,
a alteridade popular que emerge como força motora no final dos anos
1990 é uma alteridade agressiva e ameaçadora, época da obra Notícias
de uma guerra particular (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund,
considerado um marco no documentário contemporâneo. O filme, tido
como de “urgência” pelos próprios realizadores, revela as entranhas
da violência no Rio de Janeiro nos anos 1990, entrevistando traficantes,
policiais e moradores do morro Dona Marta, todos envolvidos na
guerra diária de controle ao tráfico de drogas. Para Ramos (2008),
essa ênfase na criminalização e no miserabilismo presente nos filmes
do final da década de 1990 e início dos anos 2000 não significa uma
visão negativa do grupo tematizado, mas sobretudo, a proposta de se
ver esse popular a partir de seu prisma heroico, de sobreviver a todo
o horror que lhe circunda. O teórico sustenta também que muitos

379
desses filmes, de certo modo, responsabilizam o espectador – o “outro
de classe” (a classe média) pelas situações mostradas.
Segundo Ramos (2008, p. 215), a imagem do popular
criminalizado de alguns documentários desse período expõe um
“naturalismo cruel”,

[...] é detalhista ao estampar o desagradável, e é agressiva na medida


em que busca chocar com a exibição explícita. Costuma repetir-se
e demorar-se na representação visual do degradante, geralmente
acompanhada de depoimentos ou vozes fora-de-campo que enfatizam a
dimensão angustiante [...]. A imagem do popular criminalizado, através
da depuração do horror e da piedade, está destinada a provocar angústia
e culpa no espectador.

Nesse sentido, poderíamos dizer que ainda que aconteça o


encontro entre o cineasta e o sujeito filmado, que este último tenha
maior possibilidade de se expressar através de depoimentos, o que
ganha centralidade nesse grupo de filmes apontados por Ramos (2008)
são as cenas chocantes, as imagens que enfatizam o horror, que não
têm pudor ao mostrar o outro em condições degradantes, o que, para
o autor, justifica-se pela distância de alteridade entre o cineasta/
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

espectadores e o outro popular. Por pertencer a um mundo distinto


daquele que registra, muitas vezes o realizador acaba por produzir
imagens que reforçam a condição de exclusão do sujeito filmado, além
de incitarem, durante o encontro, que o mesmo use o filme para falar
de suas angústias, frustrações, clamores e denúncias. Essa distância de
alteridade acaba, portanto, por se manifestar no próprio encontro, onde
o cineasta está ali como alguém para coletar o “grito” do personagem,
mas que evita compreender ou se debruçar sobre a sua subjetividade.
Contudo, o próprio Ramos (2008, p. 221) cita obras entre o final
dos anos 1980 e início dos anos 2000 – como os documentários de
Eduardo Coutinho Santa Marta: duas semanas no morro (1987); Santo
Forte (1999); Babilônia 2000 (2000) e O fim e o princípio (2005), que
revelam “[...] deslumbramento e encontro, poesia e delicadeza com
a alteridade”. São filmes que, em sua visão, possuem uma abertura
maior do eu com o outro, uma forte colocação pessoal do indivíduo

380
filmado e o retraimento daquele que enuncia, o cineasta. O foco da
câmera de Coutinho nessas obras não seria revelar o horror, mas
extrair os meandros das personalidades de cada personagem, a
riqueza que reside em sua natureza humana, suas histórias de vida e
suas singularidades.
Não é por acaso que Cabra marcado para morrer (1964/1984)
foi considerado um divisor de águas na trajetória do documentário.
A forma de se relacionar com os personagens e de permitir que eles
revelem a sua automise-en-scène, assim como o modo como concebe
o encontro enquanto um catalisador de reações e emoções potenciais
faz de Coutinho um cineasta que merece destaque especial no cinema
documentário brasileiro. Para Bezerra (2014), de Santo Forte (1999)
em diante, Coutinho cria uma forma própria de fazer documentário,
cuja finalidade é suscitar um acontecimento fílmico que estimule
a transformação criativa de pessoas comuns em personagens
expressivos, o que classifica como “documentário de personagem”. O
teórico acrescenta que, nas obras de Coutinho, o que se espera é que
os sujeitos filmados “[...] não se prendam aos clichês de sua condição
social, não sigam um roteiro prévio, mas inventem para um para si,
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

mesmo errátil, inverossímil, incoerente” (BEZERRA, 2014, p. 15).


Eduardo Coutinho, com o seu o modo de fazer documentário
focado no encontro, influenciou uma série de documentaristas de seu
tempo e da contemporaneidade, ou, ao menos, possibilitou que se
discutisse outros modos de aproximação com os personagens. Para o
cineasta, é preciso que o realizador se abra para a escuta, que “livre-
se de si” e se entregue ao momento do encontro. Ele afirma que o
documentarista precisa “[...] se servir do desejo do outro para que haja
filme” (COUTINHO; XAVIER; FURTADO, 2005, p. 131). Nesses termos,
poderíamos dizer que há uma abertura maior à fala e à expressão da
subjetividade do outro. Se antes o documentário era pautado por um
controle quase que total daquele que filma, conduz as entrevistas e
narra a história, com Coutinho, o personagem assume parte desse
direcionamento, podendo se revelar para a câmera como deseja. E,
nesse jogo, o encontro ganha centralidade na enunciação, pois tudo

381
o que é gravado nada mais é do que o resultado de uma relação entre
cineasta e personagem.
De acordo com Senra (2010, p.113), o que vimos acontecer
nas últimas três décadas do documentário brasileiro foi uma
“virada subjetiva”, termo cunhado por Beatriz Sarlo e definido
como a reconstrução da “tessitura da vida”, “[...] a verdade contida na
rememoração da experiência, a promover tanto a valorização da primeira
pessoa como ponto de vista, quanto a reivindicação de uma dimensão
subjetiva”. Seria, portanto, o renascimento do sujeito que não teve espaço
de expressão autêntica nos anos 1960 ou 1970, a devolução da palavra ao
autor de sua própria história.
O documentário contemporâneo brasileiro vem exatamente
reforçando a sua dimensão subjetiva através de uma série de
procedimentos e operações, muitas vezes com hibridismos,
interceptando a ficção, mas em nome de uma atualização estética e
política. Lins e Mesquita (2008, p. 13) definem o documentário atual
como “[...] o lugar da produção de imagens ‘menores’, da realização
de auto representações, da afirmação da diversidade de experiências,
identidades e linguagens”. Vale acrescentar que os últimos anos
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

significaram também uma mudança nas formas de produção,


devido aos avanços tecnológicos– hoje é possível realizar um filme
praticamente sozinho ou com uma equipe enxuta e poucos recursos
financeiros.
Dentre as características que aparecem no conjunto das
obras documentais contemporâneas, Lins e Mesquita (2008) citam:
a retomada e manipulação de imagens alheias (como imagens de
arquivo, gravações de câmeras de segurança, imagens da televisão);
minimalismo estético; a recusa do que é “representativo” e a afirmação
de indivíduos singulares; a observação e o registro de momentos
banais, ordinários, sem muita importância para a narrativa, mas que
revelam uma duração particular em que o tempo cronológico é, em
certa medida, suspenso; representação de si pelos próprios sujeitos
da experiência; a consciência do cineasta sobre a auto mise-en-scène
dos personagens; o uso de imagens televisivas como pontapé inicial

382
de modo a complexificar um fato ocorrido ou um problema social;
abordagem de experiências individuais – recusa à generalização; foco
na experiência pessoal e na subjetividade dos próprios realizadores [4];
o “ensaio fílmico”; criação de dispositivos [5] de filmagem; temas que
surgem do insignificante para suscitar uma experiência; hibridismos
com a ficção e experimentalismos.
O ponto forte de uma boa parte das produções é o investimento
na subjetividade, o que representa uma mudança na própria
relação com o espectador, que antes se ancorava na objetividade,
nas narrações que se diziam “imparciais” para tomar o que lhe era
oferecido com uma verdade. Agora, a crença no documentário acaba
também sendo desafiada – o espectador é levado a duvidar do que
vê, a questionar se se trata de um retrato da realidade ou de uma
encenação. Mais importante nisso é a tentativa de desvincular o olhar
do espectador da narrativa em si e levá-lo a experimentar a construção
fílmica, a ser afetado pelas relações que se estabelecem na cena. É o
que acontece, por exemplo, com o documentário Santiago (2007). O
que, a princípio, seria um filme para contar a história daquele que foi
mordomo da família do cineasta acabou se tornando uma obra que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

reflete a relação entre documentarista e sujeito filmado, inquietando-


nos exatamente por desvelar um artificialismo nas gravações, fugindo
da falsa concepção do documentário como realidade não mediada. A
mediação importa e modifica todo o resultado da filmagem, assim como a
forma como acontece o encontro entre cineasta e sujeito filmado e o modo
como o espectador irá olhar e significar essa relação estabelecida na cena.

ESPECTADOR EMANCIPADO

Retomando as ideias de espectador emancipado apresentadas


por Rancière (2012), um exemplo interessante utilizado pelo filósofo
é a relação entre professor e aluno. Para ele, em um processo
de aprendizagem, não é somente o professor que atua, mas há a
participação do aprendiz. Assim também deveria ser a relação entre

383
artista e espectador, na visão do teórico. Ainda segundo o Rancière
(2012,p.17), o espectador emancipado “[...] observa, seleciona, compara,
interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em
outras cenas, em outros tipos de lugares. [...] Participa da performance
refazendo-a à sua maneira [...]”.
Quando o filósofo fala em observação, seleção, comparação
e interpretação por parte do espectador, ele reconhece essa
possibilidade de uma atuação mais ativa, a qual, ao seu ver, guarda em
si uma potência política. Para ele, o espectador passa a ver, a sentir e
a compreender alguma coisa “[...] à medida que compõe o seu próprio
poema” (RANCIÈRE, 2012, p. 18). Isso significa que a formação do olhar
do espectador, despertando-o para um posicionamento crítico e
político começa quando o mesmo tem uma certa autonomia para fazer
as suas próprias asserções na obra.
Ainda segundo o filósofo francês, a emancipação está na busca
do fim do abismo entre os espectadores, tidos como passivos, e os
autores, ativos. Para ele, o poder dos espectadores não é resultado
de sua qualidade de membros de um corpo coletivo, mas sim da
capacidade que cada um tem de traduzir do seu modo aquilo que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

percebe (RANCIÈRE, 2012), de traçar o seu próprio caminho. Nesse


sentido, trata-se mais de reconhecer a inteligência do espectador,
igualando-a à do realizador, de modo que se reduzam as distâncias
entre os mesmos.
Ao ressaltar a capacidade do espectador de fazer asserções,
o filósofo abre caminho para pensarmos uma arte que permita essa
ação, ou seja, que seja feita de lacunas para que o espectador possa
preenchê-las. Associando tais ideias ao cinema, e mais especificamente
ao documentário, lembramos de Comolli (2008) e de sua distinção de
dois tipos de espectador: o espectador menor e minorado – aquele
que permanece sempre na mesma posição que o cinema lhe concede,
que tem os seus desejos atendidos, que é um consumidor de efeitos; e
o espectador maior – o que ocupa vários lugares do filme, de relações
complexas e emoções ambíguas, que perde o desejo e embarca nas
zonas de indeterminação propostas. Sendo assim, a emancipação

384
proposta por Rancière (2012) teria uma ligação ao que Comolli (2008)
defende como o estágio “maior” do espectador.
O crítico francês fala, ainda, do que ele chama de “bom lugar”
e “mau lugar” do espectador, sendo o primeiro aquele em que há a
satisfação dos desejos e a crença e o segundo o que brinca com os
medos, que faz o espectador passar de um lugar de conforto a uma
posição de perigo, transitando para um engajamento mais ativo
na obra. É ocupando o “mau” lugar que o espectador seria levado a
uma transformação crítica. Comolli (2008) acrescenta que ao brincar
com os desejos do espectador, o cinema seria capaz de acessar o seu
mundo interior, ou seja, o mesmo seria capaz de olhar para si mesmo,
percebendo de onde vê e como vê o filme.
Isso posto, e fazendo alusão ao encontro no documentário,
percebemos que a forma como cineasta se relaciona com o sujeito
filmado impacta não apenas na elaboração final do filme como
também no espaço ocupado pelo espectador. As operações e condutas
dos documentarista, sejam elas relacionadas ao momento em que ele
se encontra com o outro, ou no momento em que organiza as cenas na
montagem, podem abrir ou fechar o espaço de participação do terceiro
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

vértice da tríade, o espectador, que pode permanecer na crença ou


caminhar para a dúvida e a apreciação crítica.
A partir do exemplo de Santiago (2007), é possível pensar
uma série de obras contemporâneas que ressignificam o encontro no
momento da montagem de modo a incluir o espectador na construção
de sentidos. Filmes que usam imagens de arquivo trazendo-as para um
novo contexto através de uma montagem que mescla falas e registros,
ou que investem no aspecto individual do personagem e abandonam
a generalização, ou ainda que fundem realidade e ficção são exemplos
de operações de uma reconfiguração dos modos de encontro, seja
durante a gravação ou na própria montagem, que acabam por incitar
o espectador a pensar sobre o que vê e religar a construção ao próprio
mundo. Em outras palavras, percebemos que obras que fogem da
tendência de reforço de estereótipos ou da limitação da fala do sujeito
filmado para atender a um escopo específico, tendem a deslocar a

385
posição do espectador como aquele que crê em tudo que lhe é oferecido
para experimentar a crítica, a dúvida, a comparação e a reflexão.
Tal afirmação se mostra pertinente quando pensamos que tudo
o que foge dos padrões midiáticos tradicionais, os quais contribuem
fortemente para a formação do olhar do espectador, acaba por tirá-
lo de sua zona de conforto. Se o sujeito filmado tem liberdade para
discursar, fugindo de um roteiro pré-determinado, existe aí a potência
que ele revele algo de si e de sua realidade que o espectador desconhece
e que pode minar estereótipos e estigmas. Quando o espectador já não
sabe mais se o que vê é realidade ou ficção, ele tende a experimentar
um lugar de conflito, mas que o incita a pensar sobre a sua realidade.
Assim também acontece com outros mecanismos acionados pelo
cineasta que mostram que nem ele tem controle sobre o que registra,
deixando que o real fale mais alto e penetre a consciência daquele que
assiste ao filme.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O ENCONTRO E O IMPACTO


NO ESPECTADOR
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Quando o documentário brasileiro deu os seus primeiros


passos, com os cinejornais e filmes institucionais, o sentido era
fechado antes mesmo de se entregar a obra para o espectador. Havia
um desígnio pré-definido e uma mensagem clara que deveria ser
transmitida. O encontro deveria servir para fomentar esse objetivo.
Já na fase das entrevistas, nota-se uma abertura maior ao discurso do
sujeito filmado, o que poderia permitir uma consequente ampliação de
sentidos, mas nem sempre isso acontece. Quando se usa as entrevistas
para representar uma ideia pronta ou um grupo, já se tem de antemão
o que se quer enaltecer, desse modo, as falas são orientadas para
esse sentido. Assim, mais uma vez, limita-se a ação do espectador
de questionar o que vê, de repensar a sua realidade e as construções
midiáticas tradicionais.
Contudo, quando falamos de um encontro mais aberto
para escutar o outro, sem intervenções excessivas que busquem

386
direcionar o discurso daquele que fala diante da câmera, permitindo
a intromissão do real, a ocorrência do acaso e do risco (COMOLLI,
2008), há uma possibilidade maior de que, mesmo em um encontro em
que há o diálogo entre cineasta e sujeito filmado, o espectador possa
contar com um possibilidade de participação maior. Poderíamos dizer
que quanto menor é a intervenção do cineasta na conversa, maior é o
espaço de asserções por aquele que assiste ao filme, pois os sentidos
não foram monopolizados nas mãos de um único indivíduo, mas se
multiplicaram no momento em que o encontro foi se desenhando,
com a distribuição de forças entre um lado e outro e a abertura para
que cada um inscreva a sua subjetividade e conduza o seu discurso da
forma como entende ser a mais apropriada para revelar sua verdade.
Obras como Cabra marcado para morrer (1964/1984) apresentam,
por exemplo, um “outro rosto” do sujeito filmado, o que, por si só, já é um
mecanismo de quebra de expectativas e de deslocamento do espectador,
antes acostumado com uma visão formatada – e estereotipada – daquele
grupo de personagens que o filme dá a voz. E isso, mais uma vez, nos dá
a ver a emancipação, na medida em que Rancière (2012, p. 17) a concebe
como “[...] a oposição entre o olhar e o agir, quando se compreende que
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e do


fazer pertencem à estrutura de dominação e da sujeição”, ou seja, abrir
um novo espaço para que o sujeito filmado ocupe também é uma forma
de emancipar o espectador.
Finalmente, podemos dizer que o caminho tomado
pelo documentário brasileiro, especialmente em se tratando do
investimento em novas formas de encontro, ou seja, modos distintos
de relação entre cineasta e sujeito filmado, tende a elevar a potência
de reflexão do espectador. De fato, se antes o documentário era
construído para “dar respostas”, hoje ele tem privilegiado formatos
que “suscitam dúvidas”, que deixam perguntas no ar: afinal, o que
estou vendo é verdade ou ficção?
O sujeito filmado é como as reportagens televisivas mostram
ou como aparece no filme? Essa história é particular a um sujeito
ou representa uma maioria? O cineasta planejou tudo ou as coisas

387
realmente ocorreram ao acaso? Muitas vezes, ao assistir a um
documentário atual, o espectador não consegue ter as respostas para
todos esses questionamentos, porque o objetivo do próprio cineasta não
é entregar algo que ele pensou anteriormente, mas compartilhar uma
construção que começou a existir no momento em que ele ligou a câmera
e que continua reverberando naquele que assiste ao produto final.
Daí a ideia de que o encontro pode sim mudar tudo. Basta que
o documentarista esteja disposto a incluir o espectador na construção
fílmica desde o momento em que decide gravar, optando não por
operações que fecham os sentidos, como a voz off ou a entrevista
direcionada, mas por estratégias que os abrem, os multiplicam e
mesmo os indefinem. Tarefa difícil, mas que já vem se mostrando
eficaz a cada nova experiência, investimento criativo e estético que
desorienta o espectador e ao mesmo tempo o engaja no filme de uma
forma muito mais intensa, pois, segundo Comolli (2008, p. 46), “[...] é
estando cego que se começa a ver, estando perdido que se começa a
compreender, estando apavorado que se começa a sentir”.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

388
NOTAS

[1] RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...O que é mesmo documentário? São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2008.

[2] O Cinema Novo é gênero e um movimento cinematográfico brasileiro, que se


tornou proeminente no Brasil entre os anos de 1960 e 1970. Suas influências vêm
de movimentos cinematográficos internacionais como o neorrealismo Italiano e a
Nouvelle Vague francesa, caracterizados por uma série de quebras em relação ao
padrão estético norte-americano. Segundo Figueirôa (2004, p. 31), “o Cinema Novo
procurava, sobretudo, uma independência cultural para o filme brasileiro. Isso não
significava ter apenas temas nacionais, mas encontrar um cinema capaz de traduzir
a realidade nacional com base em uma estética autenticamente brasileira”.

[3] Lins e Mesquita (2008) fazem uma ressalva importante: nem todos os
documentários brasileiros da década de 1960 “[...] conjugavam nos mesmos termos as
características do ‘filme sociológico’, interpretativo, com pretensões generalizantes”.
Assim, nossa exposição não tem como objetivo fixar tais características a todas as
obras do período, mas apontar uma tendência marcante na época

[4] Dentre os exemplos de documentários brasileiros contemporâneos cuja


centralidade está na experiência pessoal e na subjetividade dos próprios realizadores,
podemos citar Um passaporte húngaro (2002), de Sandra Kogut, e 33 (2003), de
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

Kiko Goifman. O primeiro relata a tentativa da documentarista para conseguir um


passaporte húngaro e conquistar essa cidadania, uma vez que seus avós são imigrantes
da Hungria. Já no segundo o cineasta se propõe a encontrar a mãe biológica em 33
dias. Em ambos os documentários “[...] os diretores interagem com os personagens
e situações como sujeitos interessados, protagonistas de um processo de busca
pessoal” (LINS; MESQUITA, 2008). É por esse motivo que Bernadet (2005) classifica
tais obras como “documentários de busca”, salientando que “o documentário quer
olhar para dentro, pois o documentário é que é subjetividade, tanto subjetividade
do documentarista quanto subjetividade da pessoa que ele filma”. Nesses exemplos
é interessante observar que a subjetividade do documentarista não só é revelada de
maneira mais explícita como é motor para que a construção da enunciação fílmica.

[5] Na obra Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje, Mesquita (2010, p.205)
define o dispositivo “[...] como lugar da criação, pelo realizador, de um artifício ou
protocolo produtor de situações a serem filmadas – o que nega a ideia de que um
filme pode apreender a essência de uma temática ou representar em sua totalidade
uma realidade preexistente. Teríamos, nos filmes ‘de dispositivo’, como escreveu
Consuelo Lins, a criação de uma ‘maquinação’, de uma lógica, de um pensamento, que
institui condições, regras, limites para que o filme aconteça; e de uma ‘maquinaria’
que produz concretamente a obra”. Como exemplo de “filme dispositivo” podemos

389
citar Rua de Mão Dupla (2002), de Cao Guimarães, cuja regra inicial para que as
gravações acontecessem era que as seis pessoas convidadas pelo cineasta trocassem
de casa por 24 horas e fizessem registros da casa alheia, tentando decifrar como
seriam seu(s) dono(s) a partir das impressões que o local e os objetos pessoais lhes
passaram. Nesse sentido, o dispositivo ocasiona o surgimento de situações que só
existem com a filmagem, como se a história começasse com o próprio filme.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

390
REFERÊNCIAS

COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão e


documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade.


Projeto História, São Paulo, n.15, p. 165-191, abr. 1997. Conferência proferida no
evento Ética e História Oral.

______.; XAVIER, Ismail; FURTADO, Jorge. O sujeito (extra) ordinário. In: MOURÃO,
Maria Dora; LABAKI, Amir (Orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005,
p. 96-141.

DI TELLA, Andrés. O documentário e eu. In: MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir
(Orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 68-81.

FRANÇA, Andréa. Cinema documentário e efeitos de real na arte. In: MIGLIORIN,


Cezar (Org.). Ensaios no real. Rio de Janeiro: Azougue editorial, 2010, p. 80-95.

LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real: Sobre o documentário brasileiro


contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2008.

RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...O que é mesmo documentário? São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2008.
ANÁLISE CRÍTICA E PRODUÇÃO CRIATIVA DE MÍDIA

RANCIÉRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF; Martins Fontes,


2012.

SENRA, Stella. Perguntar (não) ofende. Anotações sobre a entrevista: de Glauber


Rocha ao documentário brasileiro recente. In:MIGLIORIN, Cezar (Org.). Ensaios no
real. Rio de Janeiro: Azougue editorial, 2010, p. 96-121.

391
A
AUTORES
ALISSON THIAGO DO NASCIMENTO
Mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia pela Universidade
Tecnologia Federal do Paraná (UTFPR) - Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciência e Tecnologia (PPGECT). Licenciado em Artes
Visuais pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Integrante
do Laboratório e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Mídia-Educação
– LUME/UEPG. Têm trabalhos nas áreas Arte Digital, Histórias em
Quadrinhos, Ilustração, Desenho, Design Editorial e Fotografia. Autor
e ilustrador do livro "Cadê meu instrumento".
E-mail: ali14alis@hotmail.com

BEATRIZ JAQUELINE ROSCOSZ


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e
Tecnologia, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus
Ponta Grossa (UTFPR). Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora da educação básica
e integrante do Laboratório e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Mídia-
Educação - LUME/UEPG, sendo responsável pelo desenvolvimento de
estudos, materiais didáticos e oficinas sobre competências midiáticas,
tendo apresentado trabalhos científicos nessa área.
E-mail: roscoszbia@gmail.com

DAIANA SIGILIANO
Doutoranda e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de
Juiz de Fora. Membro do grupo do Grupo de Pesquisa em Comunicação,
Arte e Literacia Midiática da Universidade Federal de Juiz de Fora e do
Grupo de Pesquisa em Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
da Universidade Federal do Amapá. Pesquisadora do Observatório da
Qualidade no Audiovisual e Rede brasileira de pesquisadores de ficção
televisiva (Obitel).
AUTORES

E-mail: daianasigiliano@gmail.com

393
DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e Mestre
em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Integrou
o projeto TIM ArtEducação atuando como monitora de Artes
Digitais e posteriormente integrou o Observatório da Qualidade do
Audiovisual, onde pesquisou sobre qualidade audiovisual e literacia
midiática audiovisual através de oficinas de audiovisual para o público
infantojuvenil.
E-mail: danisantolive@gmail.com

GABRIELA BORGES
Graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal
de Minas Gerais (1993), mestre (1997) e doutora em Comunicação e
Semiótica (2004) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Realizou estágios de pesquisa na Universidade Autónoma de Barcelona
(1996) e na University of Dublin Trinity College (2000-2002). Realizou
pós-doutoramento sobre a televisão pública de qualidade no CIAC da
Universidade do Algarve em Portugal (2005-2008), onde atuou como
pesquisadora e professora do Mestrado e Doutorado em Comunicação
Cultura e Artes (2005-2012) e ainda colabora com o Doutorado em
Media Arte Digital (2012-). Em 2019-2020 realiza pesquisa de pós-
doutorado sobre ficção seriada e literacia midiática no CIAC e na
Universidade de Huelva, Espanha. Atualmente é professora adjunta
na Universidade Federal de Juiz de Fora e atua como professora
permanente do PPGCOM, do qual foi coordenadora (2016-2019).
Participa da Red Interuniversitaria Euroamericana de Investigación
en Competencias Mediáticas para la Ciudadanía – ALFAMED, sendo
coordenadora da equipe brasileira composta por UFSC, UEPG, UNB,
UFTM e UNISO. Publicou os livros Qualidade na TV pública portuguesa.
Análise dos programas do Canal 2: (2014), A poética televisual de
Samuel Beckett (2009), organizou a coletânea Nas margens. Ensaios
AUTORES

sobre teatro, cinema e meios digitais (2010) e co-organizou os livros


Estudos Televisivos: Diálogos Brasil-Portugal (2011), Televisão: formas

394
audiovisuais de ficção e de documentário Vol I (2011) e Vol II (2012) e
Discursos e Práticas de Qualidade na TV (2008).
E-mail: gabriela.borges@ufjf.edu.br

GABRIELA SPAGNUOLO CAVICCHIOLI


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2013-2015), possui Especialização em Comunicação Popular e
Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina – UEL (2009-
2010) e é graduada em Pedagogia nessa mesma Universidade (2009).
Desde 2005 atua em projetos de pesquisa e extensão na interface
Educação e Comunicação, com temas sobre comunicação comunitária,
mídia e leitura crítica, múltiplas linguagens, competências midiáticas
e audiovisuais. Participa do Grupo de Pesquisa Núcleo Infância,
Comunicação, Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq, e atualmente é
Coordenadora Pedagógica dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
- currículo diversificado, no Marista Escola Social Lucia Mayvorne,
Florianópolis-SC, atuando principalmente com os temas: educação
integral em tempo integral; processos formativos; currículo e educação
integral, arte-educação.
E-mail: gabi_uel@hotmail.com

HYRLLA TOMÉ
Possui formação em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e, atualmente, é
Mestranda em Comunicação pela UFJF, na linha de Competências
Midiáticas, Estética e Temporalidade. Pesquisadora do Observatório
da Qualidade no Audiovisual. Desenvolve pesquisas voltadas para a
relação do público infantil e mídias digitais e produção de conteúdo no
YouTube, além de atuar no mercado enquanto analista de estratégias
em Marketing Digital.
E-mail: hyrlla.thome@gmail.com
AUTORES

395
JOSE IGNACIO AGUADED GOMEZ
Doutor em psicopedagogia pela Universidade de Huelva. É professor
na Universidade de Educação e Comunicação e na Universidade
de Huelva. É presidente fundador do grupo Comunicar e editor-
chefe da Revista Científica de Educomunicação (Comunicar). Ocupa
o cargo de Diretor do Mestrado Internacional de Comunicação e
Educação Audiovisual da Universidade Internacional de Andalucía
em parceria com a Universidade de Huelva e Diretor do programa
de Doutorado Interuniversitário de Comunicação (Universidade de
Sevilha, Universidade de Málaga, Universidade de Cadiz, Universidade
de Huelva). Trabalha questões referentes, principalmente, à
educomunicação.
Email: director@grupocomunicar.com

JULIANA COSTA MÜLLER


Doutora em Educação (PPGE/UFSC) com estágio no exterior na
Università Cattolica Del Sacro Cuore (Milão/Itália) e curso de
aperfeiçoamento no Centro Internazionale Loris Malaguzzi (RE/IT).
É Pedagoga, Psicopedagoga e atualmente Professora na Faculdade
Municipal de Palhoça (FMP). Desenvolve estudos sobre a infância e as
crianças na contemporaneidade; mediação das famílias e das escolas
nos usos das tecnologias digitais por crianças; múltiplas linguagens
infantis; consumo infantil; produção midiática. E desde 2012 integra
o Núcleo infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA/UFSC/CNPq).
E-mail: julianamuller.formacao@gmail.com

KARINE JOULIE MARTINS


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC,
Bacharel em Cinema e Mestre em Educação pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) participa do Grupo de Pesquisa Núcleo
AUTORES

Infância, Comunicação Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq com foco de


pesquisa na interlocução entre cinema e educação. Possui experiência
na área de produção, atua na formatação e realização de projetos

396
culturais, na programação e mediação de cineclubes, mostras e
festivais de cinema, especialmente voltados para a infância, educação
e direitos humanos. Também desenvolve oficinas isoladas e projetos
de formação de professores para o trabalho com cinema na escola.
E-mail: karinejoulie@gmail.com

LETÍCIA BARBOSA TORRES AMERICANO


Professora Adjunto I da Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui
graduação em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e mestrado em Comunicação e
Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutorada pelo
Centro de Investigação de Artes e Comunicação, da Universidade do
Algarve. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em
Assessoria de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes
temas: publicidade e propaganda, planejamento de campanha,
fotografia, comunicação organizacional e jornalismo. Integra o grupo
de pesquisa Comunicação, Artes e Literacia Midiática CNPQ/UFJF,
em que desenvolve projetos de pesquisa, extensão e treinamento
profissional na área de Literacia Midiática.
E-mail: leticia.torres@ufjf.edu.br

LÍDIA MIRANDA COUTINHO


Doutoranda em Educação (PPGE/UFSC), mestre em Educação (UDESC,
2009) e Jornalista (UNISUL, 2003). Participa do Grupo de Pesquisa Núcleo
Infância, Comunicação Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq e pesquisa
temas sobre cultura digital, mídia-educação, currículo e formação
continuada de professores. Integrou a equipe do Instituto Sapientia e
da empresa Sábia Experience (2007-2014) no desenvolvimento de jogos
multimídia e espaços imersivos, como museus e memórias interativos.
Atualmente trabalha com letramento midiático e tecnologias digitais,
educação a distância e desenvolvimento de mídias e conteúdos educativos.
AUTORES

E-mail: lidiamirandacoutinho@gmail.com

397
LYANA THÉDIGA DE MIRANDA
Doutora em Educação (PPGE/UFSC). Jornalista e publicitária. Professora
do Instituto Federal de Brasília (IFB) onde atua no curso Técnico
de Produção de Áudio e Vídeo, nas modalidades Técnico Integrado
ao Ensino Médio, Técnico Subsequente e Proeja. É pesquisadora do
Núcleo infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA/UFSC/CNPq),
do Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva (LaboMídia/UFSC/
CNPq) e do Grupo de Pesquisa em Formação Docente e Tecnologias
(ForTec/PUC-Rio/CNPq). Pesquisa temas ligados à Mídia-Educação,
com ênfase em: Metodologias ativas, Integração das TIC no ambiente
escolar, Cultura audiovisual, Competências digitais e midiáticas,
Crianças e tecnologias digitais móveis, Formação de Professores.
E-mail: lyanathediga@gmail.com

MÁRCIA BARBOSA DA SILVA


Graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1989).
Possui Mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (1997)
e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com estágio sanduíche
na Universidade do Algarve-PT (2011). Atualmente é professora
adjunta do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Coordena O LUME - Laboratório e Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Mídia e Educação que realiza projetos de pesquisa e
extensão na área, atuando principalmente com os seguintes temas:
formação de professores, mídias, literacia, competência midiática.
Participa da Red Interuniversitaria Euroamericana de Investigación en
Competencias Mediáticas para la Ciudadanía – ALFAMED. Coordenou
os Projetos: Competências Midiáticas no Contexto Educacional dos
Campos Gerais e Mídia e Juventude: contribuições para uma leitura
crítica de mundo, ambos com fomento da Fundação Araucária.
Coordena o projeto Cineclube como estratégia de desenvolvimento de
AUTORES

competências midiáticas no contexto educacional da educação infantil


e anos iniciais em parceria com a Universidade Autónoma de Lisboa.
E-mail: marciauepg@gmail.com

398
MARCUS VENICIUS BRANCO DE SOUZA
Engenheiro de Produção, Especialista em Tecnologia da Informação
com ênfase em Gestão de Sistemas de Informação - UNISO, Mestre
pela PUC-Campinas - Centro de Ciências Exatas Ambientais e
Tecnologia, em Informática ênfase em Gerenciamento de Sistemas de
Informação, Doutorando em Educação - UNISO - Linha de Pesquisa
- Educação Superior (Educação e Tecnologia). Professor Associado II
da Fatec - Itapetininga, concursado. Foi Coordenador do Curso de
Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Atualmente é Presidente da
CPA, Procurador Institucional, Fatec - Itapetininga/Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula Souza(CEETEPS). Foi Coordenador
dos Cursos Superiores de Tecnologia, foi Procurador Institucional das
Faculdades Integradas de Itapetininga. É Avaliador ad hoc Institucional
e de Cursos MEC/INEP/DAES. Coordena a "scientific initiation at
graduation from FATEC at the CONTECSI FEA/USP", atua como Mentor
na FATORSYN (www.fatorsyn.com.br), é consultor de várias empresas
da região, especialista em Gestão da Tecnologia da Informação.
E-mail: mvsmarcus@gmail.com

MARIA ALZIRA DE ALMEIDA PIMENTA


Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas,
Mestre em Artes pela Universidade de São Paulo e graduada em
Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência
na Educação Básica como professora, diretora e Coordenadora de EJA.
No Ensino Superior, lecionou nos cursos de administração, turismo
e pedagogia, disciplinas que tratam de: gestão, comunicação, cultura
organizacional, e administração. Integrou o corpo docente do curso de
Pós-graduação em Educação da Universidade de Uberaba (UNIUBE).
Atualmente, é professora do programa de Pós-graduação em Educação
da Universidade de Sorocaba. É associada a ANPED (Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação), ao International
AUTORES

Study Association on Teachers and Teaching (ISATT) e ao International


Council for Education on Teaching (ICET). Pesquisadora da Red

399
Interuniversitaria Euroamericana de Investigacion en Competencias
Mediáticas para la Ciudadanía – ALFAMED. Suas pesquisas tratam
sobre formação de professores, avaliação da aprendizagem, fraude
acadêmica e ética.
E-mail: alzira.pimenta@gmail.com

MARIANA MEYER
Graduada em Jornalismo na Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), possui experiência em
redação jornalística e redação para a web. Atuou na produção de
conteúdo da Revista A3 de divulgação científica da UFJF em 2019.
Foi bolsista de iniciação científica da Fapemig e da UFJF atuando
no Observatório da Qualidade no Audiovisual entre 2017 e 2019 nos
projetos “A qualidade na ficção seriada brasileira: análise de séries com
formato episódico”, “Competências midiáticas em cenários brasileiros
e euroamericanos” e “Criação de podcasts: Observatório da Qualidade
no Audiovisual”. Possui publicações nas áreas de qualidade na ficção
seriada brasileira, competência midiática, complexidade narrativa,
composição imagética e reassistibilidade.
E-mail: marianaagmeyer@gmail.com

MÁRIO LUIZ DA COSTA ASSUNÇÃO JÚNIOR


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Graduado em História pela UNESP com Especialização em
Crítica Literária e Ensino de Literatura pela UFTM. Possui cargo
integrante da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico do Quadro Permanente do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM), com Dedicação
Exclusiva. Participa do Projeto Goiamum da UFES como membro
do grupo Andora, responsável pela divulgação do folclore capixaba
e brasileiro em eventos nacionais e internacionais, onde ministra
AUTORES

disciplina como professor convidado do curso de Especialização no


Ensino de Dança. Atua como cineasta independente, dirigiu curtas

400
metragem como Desassombro e o longa metragem A cidade e as Flores.
É membro do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPQ, Formação de
Professores, Cultura digital e Aprendizagem.
E-mail: marioassuncao@iftm.edu.br

MARTHA MARIA PRATA-LINHARES


Doutora e Mestre em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Doutorado sanduíche na Universidade de Queen's,
Ontário, Canadá (2005/2006). Graduada em Licenciatura em Educação
Artística pela Universidade de Brasília (UnB). Docente da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), docente permanente do
Programa de Pós-graduação em Educação da UFTM. Coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFTM nos biênios
2013/2014 e 2015/2016. É membro de corpo editorial e consultora
ad-hoc de periódicos especializados nacionais e internacionais.
Membro titular do Conselho do International Council for Education
on Teaching (ICET) desde 2012. Regional Vice-President da América
do Sul do International Council for Education on Teaching (ICET)
desde 2013 e Pesquisadora do Comitê Executivo do International Study
Association on Teachers and Teaching (ISATT) para o período 2015-
2017 e 2017- 2019. Lidera o grupo de pesquisa Formação de Professores,
Cultura Digital e Aprendizagem UFTM/ CNPq. Pesquisadora da Red
Interuniversitaria Euroamericana de Investigacion en Competencias
Mediáticas para la Ciudadanía – ALFAMED. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em formação de professores na relação com
os temas: tecnologias digitais, currículo, inovação e arte/educação.
Email: martha.prata@gmail.com

MIRIAN NOGUEIRA TAVARES


Professora associada da Universidade do Algarve, Portugal. Com
formação académica nas Ciências da Comunicação, na Semiótica
AUTORES

e nos Estudos Culturais (doutorou-se em Comunicação e Culturas


Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia), tem

401
desenvolvido o seu trabalho de investigação e de produção teórica
nas áreas das estéticas fílmica e artística. Como professora da
Universidade do Algarve, participou na elaboração do projeto de
licenciatura em Artes Visuais, do mestrado e doutoramento em
Comunicação, Cultura e Artes e do doutoramento em Média-Arte
Digital. Atualmente é coordenadora do CIAC (Centro de Investigação
em Artes e Comunicação) e vice-coordenadora do doutoramento em
Média-Arte Digital.
E-mail: miriantavar@gmail.com

MÔNICA FANTIN
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) com Estágio no Exterior, na Università Cattolica del Sacro
Cuore (UCSC), Milão, Itália. Realizou Pós-Doutorado em Estética no
Departamento de Filosofia da UCSC. Professora Associada do Centro de
Educação da UFSC, atua no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-
Graduação em Educação, Linha de Pesquisa Educação e Comunicação.
Líder do Grupo de Pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e
Arte, UFSC/CNPq, tem experiência na área de educação, com ênfase
no campo da infância, cultura lúdica, mídia-educação, formação de
professores. No âmbito das atividades acadêmicas articula ensino,
pesquisa e extensão a partir dos temas: mídia-educação, cultura
digital na escola, infância, cinema e mediações culturais, processos de
ensino-aprendizagem e dimensão estética na formação. Desenvolve
atividades em parceria com o Centro di Ricerca sull'Educazione ai
Media e all'Informazione (CREMIT) e participa da Red Interuniversitaria
Euroamericana de Investigacion en Competencias Mediáticas para la
Ciudadanía – ALFAMED.
E-mail: fantin.monica@gmail.com

SILVIANE DE LUCA AVILA


AUTORES

Doutoranda em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação


na Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC), na linha de

402
Educação e Comunicação e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
graduação em Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina
(PPGE/UDESC) e Licenciada em Pedagogia, com habilitação em Anos
Iniciais (UDESC). Atua como Coordenadora do Curso de Pedagogia e
Coordenadora Pedagógica na Faculdade Cesusc, Florianópolis. Possui
interesse e estudos nas áreas de alfabetização e letramento, formação de
professores e em Tecnologias Digitais e suas interfaces com a educação. É
integrante do Grupo de Pesquisa NICA - Núcleo Infância, Comunicação,
Cultura e Arte, sediado no Centro de Ciências em Educação da UFSC.
E-mail silvianeavila@gmail.com

SORAYA MARIA FERREIRA VIEIRA


Comunicadora Social formada na Universidade Federal de Juiz de Fora
(1985). Atuou na área como jornalista em diferentes meios, assessora de
imprensa em diferentes órgãos em juiz de Fora/MG e em São Paulo/
SP. Fez mestrado e doutorado na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo PUC-SP no Programa de Pós Graduação em Comunicação
e Semiótica. Atuou como professora de pós-graduação lato e stricto-
sensu da Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero. Docente e
coordenadora do Curso de Comunicação Social da Universidade
Federal de Viçosa - UFV. Hoje é professora associada da Universidade
Federal de Juiz de Fora UFJF na Faculdade de Comunicação -
FACOM. É docente colaboradora do programa de pós-graduação
Comunicação. Faz parte do grupo de Pesquisa Redes, Linguagens e
Ambientes Imersivos e integra a. Rede iberoamericana Alfamed. Suas
pesquisas dizem respeito a televisão, a linguagem audiovisual, as redes
sociais digitais, a transmidia, a segunda tela, a semiótica, a tecnologia
e convergência de mídia e a reconfiguração estética das mídias. Fez
pós-doutoramento na PUC-SP - TIDD - Tecnologias da Inteligência e
do Design Digital em 2016-17.
E-mail: sovferreira@gmail.com
AUTORES

403
TÁGIDES RENATA DE MELLO KAAM
Possui mestrado em Educação pela Universidade de Sorocaba- UNISO,
onde cursa o doutorado na mesma área. Licenciada em Pedagogia
pelo Centro Universitário de São Roque, possui Especialização em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Nove de Julho.
É professora efetiva do Centro Universitário de São Roque atuando nas
disciplinas: Didática e Metodologia de Matemática, História, Geografia
e Ciências; Estudos sobre a Infância e Linguagem e Aquisição da
Escrita. Coordenadora Pedagógica na escola Educare de São Roque.
Consultora Pedagógica na empresa Crê-Ser.
E-mail: prof.tagides@gmail.com

TATIANA VIEIRA LUCINDA


Graduada em Comunicação Social pela UFJF, Mestre em Comunicação
pela UFJF. Integra o Grupo de Pesquisa Comunicação, Arte e Literacia
Midiática atuando no Observatório da Qualidade do Audiovisual com
o projeto Documentário e Visibilidade. Pesquisa obras documentais
sobre grupos marginalizados, tomando a teoria de Jaques Rancière
como alicerce para entender a estética e a política nesse tipo de
cinema, bem como as formas de emancipação do espectador.
E-mail: tatianavl@yahoo.com.br

VALDIR HEITKOETER DE MELO JUNIOR


Graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Atuou no grupo de pesquisa e
extensão LUME - Laboratório e Núcleo de Estudos em Mídia e
Educação, da Universidade Estadual de Ponta Grossa. foi professor de
Desenho Animado e Animação pela LápisLab - Espaço de Criatividade,
em Florianópolis. Trabalha como professor na rede Estadual de
Ensino de Santa Catarina. Aproxima-se, em especial, dos temas:
desenho e pintura, investigação do processo criação e pesquisa e arte
AUTORES

contemporânea.
E-mail: m.heitkoeter@gmail.com

404
VÂNIA LÚCIA QUINTÃO CARNEIRO
Doutora em Educação (Universidade de São Paulo). Pós-doutorado
em comunicação (Universidade de Sevilha). Especialista em gêneros
televisivos (Universidade Internacional de Andaluzia / UNIA), Mestra
em Tecnologia Educacional (Universidade Federal do Rio Grande
do Norte), Graduada em licenciatura em matemática (Universidade
Federal de Minas Gerais). Sua experiência profissional foi exercida
na Universidade de Brasília nas áreas de pesquisa e de produção
em Televisão e Educação. Publicou trabalhos publicados sobre
programação de TV e audiências infanto-juvenis, formação de
educadores em comunicação audiovisual, educação a distância,
TV na escola, mídias. Coordenou a área de Educação, Tecnologias
e Comunicação na Faculdade de Educação e foi líder do Grupo de
pesquisa Educamídia (UNB/CNPq). Foi coeditora internacional da
Revista Comunicar no Brasil. Pesquisadora da Red Interuniversitaria
Euroamericana de Investigacion en Competencias Mediáticas para la
Ciudadanía – ALFAMED.

VINÍCIUS GUIDA
Graduando do curso de Jornalismo da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF). Pesquisador do Observatório da Qualidade no
Audiovisual e do grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Literacia
Midiática da Faculdade de Comunicação da UFJF. Participou do projeto
Competências Midiáticas em Cenários Brasileiros e Euroamericanos
como bolsista de Iniciação Científica vinculado à Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
E-mail: vinicius_guida@outlook.com
AUTORES

405
Este livro apresenta os resultados do projeto de pesquisa Competências
midiáticas em cenários brasileiros e euroamericanos, desenvolvido pela
equipe brasileira da Rede Interinstitucional Euroamericana de Investigação sobre a
Competência Midiática (Alfamed), integrada pelos grupos de pesquisa Comunicação,
Arte e Literacia Midiática da UFJF; Lume (Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre
Mídia e Educação) da UEPG; NICA (Núcleo Infância Comunicação, Cultura e Arte)
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Formação de Professores, Cultura
Digital e Aprendizagem da UFTM, Educamídia da UNB e GPESTI (Educação Superior
Tecnologia e Inovação) da UNISO, com financiamento do CNPQ e da FAPEMIG.
A pesquisa teve como objetivo identificar os níveis de competência midiática
de crianças, jovens, universitários e profissionais de comunicação de diferentes
contextos socioculturais e elaborar ações de formação em mídia e educação para
futuros pedagogos e profissionais de comunicação.

A primeira parte, Competências midiáticas: dimensões, contrastes e


aproximações em diferentes contextos brasileiros, apresenta a análise dos
níveis de competência midiática encontrados nos 1831 questionários aplicados aos
diferentes grupos etários e profissionais nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Boas práticas na formação de professores e profissionais de comunicação
relata as experiências formativas desenvolvidas pelos grupos de pesquisa, que se
complementam e permitem pensar de forma colaborativa e interdisciplinar sobre
o desenvolvimento das competências midiáticas. E Análise crítica e produção
criativa de mídia expõe o desdobramento da pesquisa na área da comunicação,
refletindo sobre o olhar e as novas formas de expressão do sujeito, principalmente nas
redes sociais digitais, a partir de suas relações com os produtos audiovisuais.

Pretende assim ampliar os estudos sobre a competência midiática nas áreas da


COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS

comunicação, da educação e das artes no Brasil, a partir dos resultados empíricos do


projeto e das experiências formativas e investigacionais.

ISBN 978-85-93128-45-5
406

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