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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

MATEUS LOSSE

A REDE INTEGRADA DE BANCO DE PERFIS GENÉTICOS E O DIREITO DE NÃO


AUTOINCRIMINAÇÃO

CURITIBA
2022
MATEUS LOSSE

A REDE INTEGRADA DE BANCO DE PERFIS GENÉTICOS E O DIREITO DE NÃO


AUTOINCRIMINAÇÃO

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Cen-
tro Universitário Curitiba.

Orientadora: Dra. Michelle Gironda Cabrera

CURITIBA
2022
MATEUS LOSSE

A REDE INTEGRADA DE BANCO DE PERFIS GENÉTICOS E O DIREITO DE NÃO


AUTOINCRIMINAÇÃO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em


Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos pro-
fessores:

Orientadora:___________________________

____________________________________
Prof. Membro(a) da Banca

Curitiba, de de 2022
“A justiça não existe onde não há liberdade.”
(L. EINAUDI)
RESUMO

Esta monografia visa compreender a utilização do material genético para a identifica-


ção criminal e futura inserção dos dados na Rede Integrada de Banco de Perfis Ge-
néticos (RIPBG) e se esse procedimento pode ser violador da garantia constitucional
da não autoincriminação, perpetrado pelo princípio do nemo tenetur se detegere. Se-
rá analisado, sob a ótica doutrinária e legal, os elementos que englobam a genética,
permitindo a identificação, a RIBPG e o direito de defesa. Busca-se, ao final, com-
preender a atual discussão do Supremo Tribunal Federal sob o Recurso Extraordiná-
rio nº 973.837, no qual discute-se a constitucionalidade da identificação e armazena-
mento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos estabe-
lecido no artigo 9º-A da Lei de Execução Penal.

Palavras-Chave: Genética, Identificação, Garantia constitucional, Autoincriminação,


Direito de defesa
ABSTRACT

This monograph aims to understand the use of the genetic material for the criminal
identification and the future insertion of those data in the Integrated Network of Ge-
netic Profiling Banks (INGPB) and if this procedure harm the constitutional warranty
of non-self-incrimination, perpetrated by the principle of nemo tenetur se detegere. It
will be analyzed, under the doctrinal and legal optics, the elements that encompass
the genetics, identification, the INGPB and the right of self defense. It will be aimed,
at the end, the comprehension of the current discussion of the Federal Supreme
Court about the Extraordinary Appeal nº 973.837, in which the constitutionality of the
criminal identification and storage of genetic profiles of convicted by violent or
heinous crimes is debated, as established by the article 9º-A of the Penal Execution
Law.

Keywords: Genetic, Identification, Constitutional warranty, Self-incrimination, Right


of self defense
LISTAS DE QUADRO, TABELA E GRÁFICOS

Quadro – Cronologia das leis e suas determinações…………………………………..18

Tabela – Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a ca -


sos criminais………………………………………………………………………………...22

Tabela – Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a pes -


soas desaparecidas………………………………………………………………………..38

Gráfico – Distribuição das categorias de perfis genéticos existentes no BNPG…….20

Gráfico – Distribuição estimada dos perfis genéticos oriundos de vestígios, segundo


a natureza do crime, por laboratório……………………………………………………...23

Gráfico – Distribuição dos perfis genéticos oriundos de indivíduos cadastrados crimi-


nalmente dentro da RIBPG, segundo a natureza do crime, por laboratório…………24

Gráfico – Crescimento do número total de perfis genéticos no BNPG……………….34

Gráfico – Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de vestí-


gios e indivíduos cadastrados criminalmente no BNPG……………………………….35

Gráfico – Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de restos


mortais e familiares no BNPG…………………………………………………………….39
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………07
2 A COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: UMA ANÁLISE DOGMÁTICA-
CRÍTICA……………………………………………………………………………………..09
2.1 A GENÉTICA, A DATILOSCOPIA E A FOTOGRAFIA……………………………...09
2.2 COLETA COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E
PROBATÓRIA……………………..………………………………………………………..12
2.3 2012: O ANO DA “LEGALIZAÇÃO” DA IDENTIFICAÇÃO POR DNA….………...17
2.4 A REDE APLICADA AOS CASOS DE PESSOAS DESAPARECIDAS…………..37
3 O DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO…..………………………………………42
3.1 A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO COMO DIREITO À AMPLA DEFESA……………42
3.2 DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO x COLETA DO MATERIAL
GENÉTICO………………………………………………………………………………….47
3.3 A ANÁLISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O SEU TEMA 905………..54
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………………………60
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………….63
7

1 INTRODUÇÃO

Tem-se observado nos últimos anos uma clara tendência expansionista


do Sistema Penal como um todo: para o Direito Penal, temos projetos que tendem a
proteger bens jurídicos supraindividuais, tais como a Lei de Crimes Ambientais e a
Lei de Drogas, prevendo crimes nos quais os indivíduos podem incorrer em práticas
delituosas por terem uma mera conduta sem gerar a efetiva lesão ao bem jurídico.
Para o Processo Penal, temos projetos que expandem o seu procedimento como,
por exemplo, uma nova gama de técnicas de acordos entre Ministério Público e De-
fesa, além de novos meios que atualizam os sistemas de informações da Segurança
Pública, dentre eles a Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG).
Dentro dessa tendência expansionista, a discussão a respeito da possível le-
são ao direito constitucional de não autoincriminação, também conhecido por “nemo
tenetur se detegere”, ao utilizarmos o material genético de um indivíduo para a sua
identificação criminal e futura inserção dos dados na Rede Integrada de Banco de
Perfis Genéticos, encontra sua importância por enquadrar-se, para o Direito, como
um tema novo.
Ao tratarmos desse tema, devemos ter em mente que as leis que a regula-
mentam são de 2009 (Lei 12.037), 2012 (Lei 12.654) e 2019 (Lei 13.964); dessa for-
ma, são novidades jurídicas que demandam uma análise e estudos mais cautelosos
para garantir que serão efetivadas da maneira correta e, portanto, sem lesionar as
garantias legais e, principalmente, constitucionais.
O presente ensaio tem por objetivo compreender se a utilização do material
genético para a identificação criminal e futura inserção na Rede Integrada de Banco
de Perfis Genéticos poderia violar o direito constitucional de não autoincriminação.
Por outras palavras, o problema proposto para análise é se a coleta do mate-
rial genético, como forma de identificação criminal, e a sua inserção na RIBPG, pre-
vista na Lei nº 12.654/12, poderia ser qualificada como uma forma de lesão ao direi-
to constitucional de não produzir provas contra si.
Com o advento da possibilidade da identificação criminal por meio da coleta
do DNA e inserção desses dados na RIBPG, levantou-se um amplo debate doutriná-
rio e jurisprudencial sobre o tema: por um lado compreende-se o referido direito de
forma absoluta, não podendo haver a extração forçada em caso de recusa e não
tendo óbices frente a concordância, e outra vertente que defende uma possível rela-
8

tivização da garantia, desde que respeitos requisitos como a previsão legal e a não
lesão à integridade física ou psíquica do indivíduo.
Não limitando-se à visão legal, entende-se que a análise deve ser desenvolvi-
da a partir da compreensão da estrutura genética e o que permite a individualização
de um indivíduo perante os demais na sociedade. A partir desse entendimento é que
será estudada a previsão legal entorno desse procedimento, seguindo, então, para
os elementos que compõe o direito a não autoincriminação e como ambos os institu-
tos se relacionam. Ao final, destaca-se a atual discussão desenvolvida no âmbito do
Supremo Tribunal Federal a partir do Recurso Extraordinário nº 973.837, no qual dis-
cute-se a constitucionalidade da identificação e armazenamento de perfis genéticos
de condenados por crimes violentos ou hediondos.
9

2 A COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: UMA ANÁLISE DOGMÁTICA-CRÍTICA

O uso do material genético como forma de identificação mostra-se, atualmen-


te, como um método de extrema confiabilidade, de tal forma que especialistas, como
Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo, afirmam que “o exame do DNA ainda é dos
mais seguros no que toca à identificação criminal e determinação da paternidade,
com probabilidades que ultrapassam os 98% de certeza.” 1
A utilização do material genético para a identificação criminal, e futura inser-
ção na Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos, ganhou um importante desta -
que para o curso do Sistema Penal a partir de três previsões legais: em 2009 entrou
em vigência a Lei nº 12.037 dispondo sobre a identificação criminal do civilmente
identificado e, dessa forma, regulamentando o artigo 5º, LVIII da Constituição Fede-
ral; em 2012 entrou em vigência a Lei nº 12.654 prevendo a coleta de perfil genético
como forma de identificação criminal; em 2019 entrou em vigência a Lei nº 13.964
prevendo, dentre outras alterações e inovações, a criação Banco Nacional Multibio-
métrico e de Impressões Digitais.
Para uma melhor compreensão da matéria regulamentada pelas leis acima
mencionadas, passa-se para 03 (três) análises: a forma que a identificação genética
complementa a identificação datiloscópica e fotográfica; a coleta do material genéti -
co como uma forma de identificação criminal e probatória; e uma análise sobre as
leis acima mencionadas.

2.1 A GENÉTICA, A DATILOSCOPIA E A FOTOGRAFIA

A utilização do material genético no Processo Penal é uma ampliação dos mé-


todos já utilizados: a Fotografia e a Datiloscopia. Em ambos os casos o sujeito não
cede o uso de sua imagem ou digitais para o processo, ao contrário, a sua utilização
independe de consentimento expresso e servem como um subsídio fundamental ao
curso do inquérito policial e futuro processamento. Tendo isso em vista, é válido
compreender o funcionamento dessas formas de identificação.
A Fotografia, utilizada como meio de reconhecimento, é envolta por discus-
sões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito de sua possibilidade de uso e eficácia:

1 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal II. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. –
(Coleção curso & concurso/coordenação Edilson Mougenot Bonfim). p. 71.
10

há questões a respeito da alteração de características físicas, a confiabilidade na


identificação pelo indivíduo envolvido com os fatos e a sua demarcação temporal.
Como explica Aury Lopes Jr.2:

Em suma, no que tange ao reconhecimento por fotografias, somente poderá


ser admitido como instrumento-meio, substituindo a descrição prevista no
art. 226, I, do CPP.
Mas a matéria não é pacífica e há decisões – no âmbito dos tribunais de jus-
tiça e também no STJ – admitindo o reconhecimento por fotografia, desde
que seja observado o disposto no art. 226 (a questão a saber é: como isso
será feito?).

Em referência ao mencionado, o Código de Processo Penal estabelece:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de


pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever
a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível,
ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se
quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconheci-
mento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em
face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para
que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito
pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e
por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na
fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Eugênio Pacelli de Oliveira3 esclarece que o método limita-se pelo caráter de


temporalidade e, assim, está ligado a um “marco temporal” dos fatos. Diante disso, a
dificuldade em ser realizado o reconhecimento com o passar do tempo seria minimi-
zado por intermédio do registro fotográfico, respeitando os direitos individuais do fo-
tografado:

[…] A identificação fotográfica traz a marca indelével da temporalidade, o


que permite a identificação contemporânea da pessoa, em relação aos fatos
eventualmente a ela imputados. A modificação dos aspectos faciais da pes-
soa no tempo pode dificultar o seu reconhecimento por testemunhas, o que
seria minimizado com o registro fotográfico, desde que as fotografias perma-
neçam unicamente nos registros procedimentais em curso, mantido o sigilo
necessário à investigação e, sobretudo, à preservação das garantias indivi-
duais do fotografado (direito à imagem, honra, tratamento de inocente etc.).

2 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p.550.
3 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 321.
11

O método de identificação por datiloscopia é composto por dois elementos


técnicos: o desenho digital e o datilograma. O primeiro, o desenho digital, é a figura
formada pelas cristas papilares da falangeta, enquanto que o segundo, o datilogra-
ma, é sinônimo de impressão digital, sendo, portanto, a reprodução do desenho digi-
tal em qualquer superfície. Delton Croce e Delton Croce Júnior definem o desenho
digital como sendo aquele que está presente “na polpa dos dedos, de desenhos ca-
racterísticos, individuais, formados pelas cristas papilares na derme” 4; enquanto que
o datilograma é “a impressão de um dedo; a impressão registrada dos dez dedos
constitui a individualidade dactiloscópica, classificação que recebe para arquivamen-
to a respectiva fórmula dactiloscópica.” 5 As cristas dígito papilares surgem por volta
do sexto (6º) mês intra uterino, permanecendo iguais ao longo da vida do indivíduo,
mas podendo sofrer algumas alterações, como por exemplo as linhas albodatilos-
cópicas: linhas “em branco” que aparecem e desaparecem, não sendo possível uti-
lizá-las para a identificação. Nesse método, utiliza-se os pontos característicos para
a identificação, uma vez que é por meio deles que podemos realizar o confronto dati -
loscópico e diferenciar as impressões digitais dos indivíduos; para isso, serão neces-
sários 12 (doze) pontos característicos nos mesmos locais e sem discrepâncias para
estabelecer uma identidade. Nas palavras de Alcântara Del-Campo 6:

A comparação entre fragmentos de impressões e impressões íntegras pode


ser necessária em duas situações:
• para estabelecer ou confirmar a identidade de uma pessoa ou corpo
(legitimação);
• para tentar estabelecer a identidade do autor, por meio de fragmen-
tos encontrados em locais ou instrumentos de crime.

[…]
Em ambos os casos a identificação é sembre baseada na análise dos cha-
mados pontos característicos, acidentes presentes no desenho digital, e
que, encontrados na mesma posição e sentido e em número significativo,
servem para estabelecer a identidade de forma definitiva e segura.

Dessa forma, observa-se que os três meios de identificação proporcionam im-


portantes colaborações para o Sistema Penal como um todo: desde o momento da
identificação no curso do inquérito policial até o momento de subsidiar uma decisão
judicial. Por outras palavras, os meios de prova são, ainda, um importante instru -

4 CROCE, Delton; JÚNIOR, Delton Crone. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 108.
5 Ibid. p. 111.
6 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal I. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. –
(Coleção curso & concurso/coordenação Edilson Mougenot Bonfim). p. 65.
12

mento para a instrução e fundamentação das decisões judiciais e, dessa forma, de-
vem observar as garantias legais e constitucionais para que proporcionem a segu-
rança jurídica para todas as partes envolvidas.
Para o Sistema Penal, uma de suas garantias basilares é o direito a não auto-
incriminação, que deve ser assegurado com o maior cuidado possível, conforme se-
rá analisado ao longo do trabalho.

2.2 COLETA COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E PROBATÓRIA

Para compreendermos o uso do material genético como uma forma de identi-


ficação criminal e probatória devemos ter em mente alguns conceitos básicos sobre
a sua estrutura e funcionamento.
Primeiramente, devemos compreender alguns dos elementos que compõe a
estrutura genética: o gene, genoma, cromossomos, íntrons e éxons.
O gene pode ser definido como uma unidade de herança, sendo uma sequên-
cia de nucleotídeos:

A biologia celular, que os estuda do ponto de vista molecular, define o gene


como “a sequência de DNA que contém a informação necessária para pro-
duzir uma molécula de RNA e, se esta molécula for um RNA mensageiro,
construir uma proteína a partir dele”. […] Cada gene está localizado em um
sítio específico do cromossomo, chamado lócus. […] Ao todo os genes com-
preendem cerca de 10% do DNA nuclear, e ainda não se sabe o significado
da maior parte do DNA restante. Os genes têm outras funções além de co-
mandar a síntese das moléculas de RNA. Assim como o DNA restante, an-
tes que as células somáticas dividam-se, eles replicam-se, ou seja, sinteti-
zam moléculas de DNA complementares que são repartidas nas células-
filhas com a finalidade de se autoperpetuar. Além disso, pelo modo como as
moléculas de DNA se replicam durante a meiose e são distribuídas nas cé-
lulas germinativas, os genes constituem as entidades biológicas por meio
das quais as características físicas são transmitidas dos pais para os filhos.
As mutações acumuladas pelos genes com o passar do tempo podem ter
um resultado benéfico para a evolução da espécie. 7

O genoma caracteriza-se por ser um conjunto de genes do nosso organismo.


Podendo ser definido da seguinte forma:

Nas moléculas de DNA encontra-se a informação genética da célula, e to-


das as células têm conjuntos teoricamente idênticos de moléculas de DNA.
A totalidade da informação genética depositada no DNA recebe o nome de
genoma. Pode-se dizer que essa informação rege a atividade do organismo

7 ROBERTIS, Edward M. de; HIB, José. Biologia celular e molecular. 16. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017.. p. 196.
13

desde o primeiro instante do desenvolvimento embrionário até a morte do


indivíduo. Depende dela também a imunidade ou a predisposição do orga-
nismo a determinadas doenças.8

O cromossomo, por sua vez, pode ser definido a partir da associação do DNA
com as proteínas. A seu respeito é pertinente observar a seguinte explicação:

Dentro da célula, no entanto, o DNA está associado a proteínas, e cada mo-


lécula de DNA com suas proteínas associadas é chamada de cromossomo.
Essa organização é válida para células procarióticas, eucarióticas e, até
mesmo, para os vírus. A compactação do DNA em cromossomos serve para
várias funções importantes. Primeiro, o cromossomo é uma forma compac-
tada do DNA que se ajusta dentro da célula. Segundo, a compactação do
DNA em cromossomos serve para proteger o DNA de lesões. As moléculas
de DNA completamente expostas são relativamente instáveis nas células.
Em contrapartida, o DNA cromossômico é extremamente estável. Terceiro,
apenas o DNA compactado em um cromossomo pode ser transmitido de
maneira eficiente para ambas as células-filhas quando uma célula se divide.
Por fim, o cromossomo confere organização geral para cada molécula de
DNA. Essa organização regula a acessibilidade do DNA e, consequente-
mente, todos os eventos da célula que envolvem o DNA.9

Por fim, há dois (02) “tipos de genes”: codificantes (éxons) e não codificantes
(íntrons). De forma resumida, os éxons são os genes codificadores, pelos quais há a
possibilidade de realizar uma análise do perfil genético. Enquanto que os íntrons,
são os genes não codificadores, são aqueles que individualizam a pessoa, sem a
possibilidade de realizar uma análise do perfil genético.
Finalmente, a sigla DNA significa “Ácido Desoxirribonucleico” e sua estrutura
química é composta por quatro bases nitrogenadas: adenina, citosina, timina e gua-
nina. De acordo com Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo 10:

O DNA (deoxyribonucleic acid) ou ADN (ácido desoxirribonucleico), em por-


tuguês, é uma longa molécula, em forma de dupla hélice, encarregada da
transmissão de informações genéticas de todos os seres vivos.
A molécula de DNA é formada por duas longas fitas de sustentação, com-
posta por uma pentose (um açúcar – desoxirribose) e um grupo fostato
(PO4), que se sucedem alternativamente. Unindo as fitas de sustentação,
temos quatro bases nitrogenadas, duas purinas (adenina e citosina) e duas
pirimidinas (timina e guanina), que, ligando-se entre si, dão a conformação
de uma escada em espiral com cerca de três bilhões de degraus.

Tendo esses conceitos em mente, podemos compreender que a forma de rea-


lizar a identificação pelo DNA decorre desde o momento de fecundação: quando o

8 ROBERTIS, 2017, p. 180.


9 WATSON, James D. Biologia molecular do gene. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.. p. 199.
10 DEL-CAMPO, 2009, p. 70.
14

espermatozoide fecunda o óvulo e forma um zigoto, há a junção de vinte e três (23)


cromossomos masculinos e vinte e três (23) cromossomos femininos. Ou seja, des-
de o desenvolvimento do embrião até o restante de sua vida, o indivíduo será forma-
do por 50% do DNA do pai e 50% do DNA da mãe. Para a identificação, essa carac-
terística é de extrema importância, uma vez que o perfil autossômico do indivíduo é
herdado em partes de seu pai e de sua mãe, o que gera as linhas marcadoras: para
os homens, o cromossomo “Y” é passado hereditariamente (sendo igual para todos
os indivíduos do sexo masculino da família), para as mulheres, há a linhagem mater-
na, pelo qual o DNA mitocondrial será passado de mãe para filha, existindo a mesma
linhagem mitocondrial.
Para a identificação, essas características são de extrema importância por es-
tarem de acordo com 04 (quatro) requisitos necessários para ser considerado um
método eficaz, conforme apresentado por Delton Croce e Delton Croce Júnior 11: uni-
cidade, imutabilidade, praticabilidade e classificabilidade. A Unicidade corresponde à
capacidade do método em separar uma pessoa dentre as demais, podendo reco-
nhecer cada indivíduo com suas características próprias. A Imutabilidade, refere-se
ao fato do método a ser utilizado ter que seguir uma linha padrão para a realização
da identificação de igual forma nos casos. A praticabilidade refere-se à facilidade de
se obter os elementos identificadores. Por fim, a classificabilidade refere-se à possi-
bilidade da característica escolhida para a identificação realizar a comparação entre
os dados de forma sistemática e precisa, apontando com segurança o identificado
em uma população.
Para a identificação criminal, e futura integração dos danos na Rede Integra-
da de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG), a parte do material genético que será uti-
lizada é composta pelos genes não codificantes do DNA, os íntrons, que são os ele-
mentos identificadores das pessoas, mas que pelos quais não há a possibilidade de
realizar uma análise da codificação dos indivíduos. Ou seja, através dos íntrons não
há a possibilidade, por exemplo, de serem revelados traços somáticos ou estabele-
cer “um perfil genético completo”, fato que estaria ao encargo dos genes codifican-
tes, os éxons.
Sobre esse tema, destaca-se a explicação de Aury Lopes Júnior 12:

11 CROCE, JÚNIOR, 2010. p. 114.


12 LOPES, 2021. p.491.
15

Esse material não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das


pessoas, exceto a determinação genética de gênero. Os dados coletados in-
tegrarão o banco de dados de perfis genéticos, assegurando-se o sigilo dos
dados. Para fins probatórios, o código genético será confrontado com as
amostras de sangue, saliva, sêmen, pelos etc. encontrados no local do cri-
me, no corpo da vítima, em armas ou vestes utilizadas para prática do deli-
to, por exemplo. A partir da comparação, será elaborado laudo pericial firma-
do por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou
não.

Para estabelecer uma identificação correta, o sistema faz uma comparação


com os dados que o integram com o material coletado e, ao final, poderá haver a co-
incidência entre os dados: nesse momento há altas probabilidades de que os perfis
sejam idênticos e isso decorre da compatibilidade de, ao menos, 13 marcadores ge-
néticos.
Conforme S. L. Monteiro, I. S. Oliveira e T. A. A. Carvalho 13 apresentaram no
artigo “Análise transdisciplinar do Banco Nacional de Perfis Genéticos: técnicas mo-
leculares e aspectos jurídicos” na Revista Brasileira de Criminalística:

Segundo De Toni et al (2011), a implantação do sistema CODIS consiste em


um conjunto de treze marcadores moleculares. Para esses marcadores fo-
renses serem considerados confiáveis, os STRs devem ser providos de
neutralidade, não devem informar características fenotípicas ou doenças,
além de ter que estar presentes em regiões não codificantes do genoma hu-
mano. Esses marcadores podem ser analisados de forma simultânea em
procedimentos laboratoriais, facilitando assim sua aplicação forense até
mesmo em situações onde se torna necessário a análise de diversos indiví-
duos ao mesmo tempo.

A coincidência, mencionada acima, pode ser definida, por outras palavras,


como o momento em que há a confirmação de que o suspeito tem o mesmo perfil
genético da amostra testada: o material coletado é encaminhado ao Banco de Da-
dos que fará as comparações e, ao final, apresentará a probabilidade de compatibili-
dade entre eles, demonstrando o quão semelhante é o perfil genético do suspeito
em relação aos vestígios encontrados na cena do crime ou na vítima.
Diante de tais procedimentos, podemos entender que, dados os resultados
genéticos, é x% mais provável que o suspeito tenha deixado, por exemplo, a man-
cha de sangue do que qualquer outro indivíduo escolhido aleatoriamente na popula-
ção.

13 S. L. Monteiro, I. S. Oliveira e T. A. A. Carvalho; Análise transdisciplinar do Banco Nacional de


Perfis Genéticos: técnicas moleculares e aspectos jurídicos; in: Revista Brasileira de Crimi-
nalística; 2019.
16

Vale ressaltar que não apenas para a identificação criminal esse sistema é uti-
lizado. Para a determinação da paternidade também apresenta resultados de extre -
ma eficácia: a probabilidade de paternidade pode apresentar altas taxas de certeza,
ultrapassando os 98%14.
Diante do exposto, podemos compreender o poder de discriminação desse
método como o poder de diferenciar e de individualizar uma pessoa dentre todas as
demais. Portanto, observamos que o poder de discriminação que a identificação por
material genético apresenta é elevada e quanto mais números de marcadores utili -
zados, mais eficaz será.
Como dito anteriormente, o poder da identificação criminal é encontrada no
uso das regiões hipervariáveis, os íntrons. Dentro dessa faixa de DNA, há 02 (duas)
regiões hipervariáveis não codificantes que diferenciam-se no tamanho dos pares de
base (bp): os minissatélites, compostos por 08 à 100 bp, e os microssatélites, com-
postos por 02 à 07 pb. Dessa forma, como são regiões que contém uma sequência
de DNA repetida e muito mais curta, quando comparada com as outras, e são en-
contrados em todos os cromossomos, há uma maior facilidade em se trabalhar com
elas e como consequência, uma facilidade para a realização dos testes de identifica-
ção humana.
Os autores Delton Croce e Delton Croce Junior15 afirmam:

O DNA é o elemento que contém todas as informações genéticas de cada


indivíduo, com características únicas, como ocorre com as impressões digi-
tais.
Esses autores estribam suas técnicas nos chamados minissatélites, regiões
do DNA feitas da repetição de pequenas sequências dispersas em grande
número por entre o genoma humano.
Existem diferentes grupos de minissatélites que compartilham quase as
mesmas ou as mesmas sequências básicas de aminoácidos.

Segundo Alcântara Del-Campo16:

Nessa ampla faixa de DNA […] existem pequenas regiões, denominadas mi-
crossatélites ou minissatélites, formadas por pequenas sequências de dois a
seis pares de bases nitrogenadas (nucleotídios), que se repetem inúmeras
vezes do começo ao fim (short tandem repeat – STR).
Essas regiões apresentam um polimorfismo bastante acentuado, permitindo
sua aplicação nos métodos de identificação com utilidade na área forense.

14 DEL-CAMPO, 2009, p. 71.


15 CROCE, JÚNIOR, 2010. p. 737.
16 DEL-CAMPO, op. cit., p. 70.
17

Dessa forma, a partir desses dados coletados, haverá a comparação com a


amostrada retirada do local do crime ou da vítima e, com a correspondência das in-
formações, a identificação será positiva e terá um alto grau de confiabilidade graças
ao poder de discriminação.
Compreendido o método da identificação por material genético, a sua eficácia
e confiabilidade, é necessário passar para uma análise sobre a lei de 2012 que a re-
gulamentou.

2.3 2012: O ANO DA “LEGALIZAÇÃO" DA IDENTIFICAÇÃO POR DNA

No ano de 2012 entrou em vigência a Lei 12.654 que alterou outras 02 (duas)
importantes leis: Lei 12.037, de 1º de outubro de 2009, e Lei 7.210, de 11 de julho de
1984 - Lei de Execução Penal; a partir das novas redações, a coleta de perfil genéti-
co como forma de identificação criminal estava legalizado. Dessa forma, as altera-
ções provocadas pela referida lei, para trazer a previsão da coleta do material ge-
nético para a identificação criminal, tornaram possível, também, a futura criação da
Rede Integrada de Perfis Genético, que veio a ser aperfeiçoado em 2019 com a Lei
13.964.
A respeito da criação e objetivos da Rede, o XIV Relatório da Rede Integrada
de Banco de Perfis Genéticos – RIBPG17, apresenta a seguinte contextualização:

A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), instituída pelo


Decreto nº 7950/2013, foi criada com a finalidade principal de manter, com-
partilhar e comparar perfis genéticos a fim de ajudar na apuração criminal
e/ou na instrução processual. Trata-se de uma ação conjunta entre Secreta-
rias de Segurança Pública (ou instituições equivalentes), Secretaria Nacio-
nal de Segurança Pública (SENASP) e Polícia Federal (PF) para o comparti-
lhamento de perfis genéticos obtidos em laboratórios de Genética Forense.

O Decreto nº 7950/2013, mencionado acima, foi a norma que “Institui o Banco


Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.”
Essa norma estabelece, logo no artigo 01 e seus parágrafos, a criação da Rede e a
forma de cooperação e ingresso dos Bancos Estaduais.
Leia-se:

17 Brasil. XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos. Brasil (2021). pg. 09.
18

Art. 1º Ficam instituídos, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança


Pública, o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Ban-
cos de Perfis Genéticos. (Redação dada pelo decreto nº 9.817, de 2019)
§ 1º O Banco Nacional de Perfis Genéticos tem como objetivo armazenar
dados de perfis genéticos coletados para subsidiar ações destinadas à apu-
ração de crimes.
§ 2º A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos tem como objetivo
permitir o compartilhamento e a comparação de perfis genéticos constantes
dos bancos de perfis genéticos da União, dos Estados e do Distrito Federal.
§ 3º A adesão dos Estados e do Distrito Federal à Rede Integrada ocorrerá
por meio de acordo de cooperação técnica celebrado entre a unidade fede-
rativa e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. (Redação dada pelo
decreto nº 9.817, de 2019)
§ 4º O Banco Nacional de Perfis Genéticos será instituído na unidade de
perícia oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública e será adminis-
trado por perito criminal federal habilitado e com experiência comprovada
em genética, designado pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pú-
blica. (Redação dada pelo decreto nº 9.817, de 2019)

De modo mais claro, esquematizou-se cronologicamente as leis e suas deter-


minações sobre o tema:

Quadro 01 – Cronologia das leis e suas determinações

LEI 7.210/1984 Institui a Lei de Execução Penal.

Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identifi-


LEI 12.037/2009 cado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição
Federal.

Altera as Leis nºs 12.037, de 1º de outubro de 2009, e


7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal,
LEI 12.654/2012
para prever a coleta de perfil genético como forma de iden-
tificação criminal, e dá outras providências.

Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Inte-


DECRETO 7.950/2013
grada de Bancos de Perfis Genéticos.

LEI 13.964/2019 Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.


19

Tendo tais relações legais em mente, é importante observar as previsões que


a Lei 12.654 trouxe. Primeiramente, destaca-se a relação entre os artigos 3º, IV e 5º,
parágrafo único da Lei 12.037/2009; no qual prevê a hipótese da identificação crimi -
nal a partir da coleta do material genético:

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer


identificação criminal quando:
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo
despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou me-
diante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da de-
fesa;

Art. 5o A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfi-


co, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante,
ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.
Parágrafo Único – Na hipótese do inciso IV do art. 3 o, a identificação crimi-
nal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil ge-
nético.

A partir desses artigos teve-se a principal base para a formação do banco de


dados de perfis genéticos, uma vez que trouxeram expressamente a previsão da co-
leta de material biológico para analisar o perfil genético.
Ressalta-se, novamente, que esse perfil genético, como explicado no item 2.2
Coleta Como Forma De Identificação Criminal E Probatória, não utiliza traços so-
máticos para a sua identificação, mas apenas as regiões não-codificantes do DNA.
Nesse sentido, destaca-se a seguinte explicação do XIV Relatório da Rede In-
tegrada de Banco de Perfis Genéticos – RIBPG 18:

A lei nº 12.654/2012, de 28 de maio de 2012, determina que as informações


genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão
revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determi-
nação genética de gênero. De fato, o perfil genético é obtido a partir de regi-
ões não-codificantes do DNA, sendo incapaz de revelar qualquer caracte-
rística física ou de saúde. A única aplicação é a individualização.

De modo a reforçar tal garantia, a Lei de Execução Penal prevê:

Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

18 Brasil, 2021, pg. 10.


20

§ 5º A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e ex-


clusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genético, não estando auto-
rizadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)

As normas que regulam a Rede trazem um rol de perfis genéticos que são co-
letados e inseridos nela, sendo composta pelas seguintes categorias: vestígios de
crimes, condenados, identificados criminalmente, decisão judicial, restos mortais
identificados, restos mortais não identificados, familiares de pessoas desaparecidas,
pessoa de identidade desconhecida e referência direta de pessoa desconhecida.
Essas 09 (nove) categorias elencadas acima possuem diferentes níveis de
contribuição para a formação da Rede; tal fato está claramente demonstrado no se-
guinte gráfico retirado do XIV Relatório da RIBPG:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 26 – “Gráfico 5 -
Distribuição das categorias de perfis genéticos existentes no BNPG.” 19

A respeito do gráfico acima, o Relatório traz a seguinte “tradução” 20:

Verifica-se que atualmente há no BNPG uma maior proporção de perfis ge-


néticos de condenados (75,46%), seguido de vestígios (16,42%), restos
mortais não identificados (3,69%) e familiares de pessoas desaparecidas
(2,79%). Em menor proporção temos indivíduos identificados criminalmente
(0,89%), decisões judiciais (0,45%), restos mortais identificados (0,26%),

19 Brasil, 2021, pg. 26.


20 Ibid., pg. 26.
21

pessoas de identidade desconhecida (0,03%) e referências diretas de pes-


soa desaparecida (0,03%).

Importante destacar que para as questões da esfera criminal, a norma legal


traz um rol de delitos em destaque e que, com a sua prática, há a obrigatoriedade
para a coleta do material genético. Nesse sentido, observa-se a seguinte passagem
do referido Relatório21:

A legislação brasileira determina que indivíduos condenados pelos crimes


dispostos no Art. 9°-A da Lei n° 7.210/1984 devem, obrigatoriamente, ter o
perfil genético coletado para identificação criminal. Devido à necessidade de
promover a coleta de amostra biológica prevista em lei, em janeiro de 2018,
o Comitê Gestor da RIBPG iniciou a elaboração do Projeto de Coleta de
Amostra de Condenados. Já em sua 2ª fase, este projeto promove a coleta
de material biológico de condenados que estão no sistema prisional de
modo a atender à legislação vigente. Até o momento este trabalho já logrou
a coleta e inserção no BNPG de mais de 83 mil indivíduos em todo o Brasil.
O aumento da inserção de perfis genéticos de indivíduos cadastrados crimi-
nalmente aumenta a efetividade dos bancos de perfis genéticos como ferra-
menta para o auxílio de investigações.

Ainda, com base no mesmo documento22:

No contexto de apuração criminal, perfis genéticos oriundos de vestígios de


locais de crimes são confrontados entre si, assim como com perfis genéticos
de indivíduos cadastrados criminalmente. Estes são incluídos em bancos de
perfis genéticos obrigatoriamente, nos casos de condenados pelos crimes
dispostos no Art. 9°-A da Lei n° 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), ou ain-
da por meio de determinação judicial, seja de ofício ou mediante solicitação
da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa (art. 5º da Lei n°
12.037/2009). O efetivo cadastramento é fundamental para que os vestígios
sejam identificados e a RIBPG possa auxiliar na elucidação de crimes, verifi-
cação de reincidências, diminuição do sentimento de impunidade e ainda
evitar condenações equivocadas.

Dessa forma, as previsões da coleta do material genético para o uso dentro


do Sistema Penal são para o prosseguimento nas investigações criminais (artigo 3º,
IV e artigo 5º da Lei 12.037/2009) e para um grupo específico de condenados crimi -
nalmente (artigo 9º-A da Lei 7.210/1984, incluído pela Lei 12.654/2012 e alterado
pela Lei 13.964/2019).
Segundo a Lei 12.037/2009:

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer


identificação criminal quando:

21 Brasil, 2021, pg. 16.


22 Ibid., pg. 09.
22

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo


despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou me-
diante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da de-
fesa;

Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfi-


co, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante,
ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3 o, a identificação criminal
poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genéti-
co.

Segundo a Lei 7.210/1984:

Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz com-
petente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver
sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o
cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Dessa forma, é importante ressaltar a quantidade de perfis genéticos que


compõe a Rede por categoria criminal:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Tabela 1 - Nú -
mero total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a casos criminais.” 23

Destaca-se, também, o número de vestígios advindos de locais de crime e in-


divíduos cadastrados criminalmente com a quantidade de perfis genéticos existentes
na Rede “de acordo com a natureza dos crimes mais observados, a saber: crimes
sexuais, contra a vida e contra o patrimônio.” 24

23 Brasil, 2021, pg. 28.


24 Ibid., pg. 33.
23

Primeiramente, destaca-se a “distribuição de perfis genéticos oriundos de ves-


tígios de locais de crime, por laboratório, segundo o tipo de crime” 25:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 33 – “Gráfico 11 -
Distribuição estimada dos perfis genéticos oriundos de vestígios, segundo a natureza do crime, por la-
boratório.”26

Apresenta-se, agora, a “distribuição de perfis genéticos oriundos de indivíduos


cadastrados criminalmente, por laboratório, segundo o tipo de crime” 27:

25 BRASIL, 2021, pg. 33.


26 Ibid., pg. 33.
27 Ibid., pg. 34.
24

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 34 – “ Gráfico 12 -
Distribuição dos perfis genéticos oriundos de indivíduos cadastrados criminalmente dentro da RIBPG,
segundo a natureza do crime, por laboratório.” 28

De forma resumida, destaca-se a seguinte explicação de S. L. Monteiro, I. S.


Oliveira e T. A. A. Carvalho29 a respeito das diferentes categorias em que podem ser
inseridos os perfis genéticos coletados e quais as suas características:

Ressaltando que o cadastro dos perfis pelo sistema CODIS utiliza categori-
as diferentes em que as amostras biológicas devem ser inseridas. Desta for-
ma, na categoria Vestígios, são inseridas as amostras coletadas do local de
crime ou vítima; em Condenados, inserem-se amostras colhidas de indiví-
duos condenados pelos crimes previstos no art. 9º-A da Lei de Execução
Penal; em Identificados Criminalmente, insere-se amostras obtidas para
identificação criminal, como estabelecido pela Lei 12.037 de 2009; e a cate-
goria Decisão Judicial é referente às amostras biológicas colhidas de indiví-
duos que não se enquadram em Condenados nem Identificados Criminal-
mente, porém são requeridas por decisão de juiz.

28 Brasil, 2021, pg. 34.


29 S. L. Monteiro, I. S. Oliveira e T. A. A. Carvalho, 2019.
25

A respeito do sistema CODIS, mencionado acima, destaca-se a seguinte con-


textualização de Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos e Camila Martins de
Oliveira30:

Em 1990 foi criado, também pelos EUA, um software piloto do atual sistema
CODIS (Combined DNA Index System), e em 1991 aproximadamente 15 es-
tados já haviam promulgado leis autorizando a implementação de um banco
de dados de DNA criminal. Em 1994 foi criado o atual sistema CODIS.
O CODIS é um sistema nacional de dados utilizado pelo FBI (Federal Bure-
au Investigation) que permite o compartilhamento eletrônico de perfis de
DNA por bases locais, estaduais e nacionais. […] O objetivo do CODIS é a
redução do número de crimes com autoria desconhecida no país.
No Brasil, o banco de dados de perfis genéticos para fins de persecução cri-
minal foi criado com base no CODIS americano. […]

Tendo tais preceitos em mente, destaca-se três previsões da Resolução nº 10,


de 28 de Fevereiro de 2019, que “Dispõe sobre a padronização de procedimentos
relativos à coleta obrigatória de material biológico para fins de inclusão, armazena -
mento e manutenção dos perfis genéticos nos bancos de dados que compõe a Rede
Integrada de Bancos de Perfis Genéticos”, nas quais trazem alguns requisitos para
ser realizada da coleta, observa-se:

Art. 3º A coleta obrigatória de material biológico para fins de identificação cri-


minal será realizada mediante despacho da autoridade judiciária, em confor-
midade com o disposto no inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.037, de 1º de ou-
tubro de 2009.

Art. 4º No caso de condenados no rol dos crimes previstos no art. 9º-A da


Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984, exigir-se-á para a realização da coleta
obrigatória do material biológico:
I - guia de recolhimento do condenado ou documento equivalente;
II – documento ou extrato de sistema de informação oficial contendo identifi-
cação do condenado, tipificação penal da condenação e número do proces-
so judicial;
III - sentença condenatória; ou
IV - manifestação expressa do Poder Judiciário determinando a coleta de
material biológico para fins de inserção no banco de perfis genéticos.

Art. 5º Deverão constar do formulário de coleta de material biológico:


I - identificação única e inequívoca do formulário;
II - indicação de que a coleta se refere a:
a) condenado;
b) identificado criminalmente; ou
c) outro tipo de decisão judicial que determine a coleta;
III - número do processo judicial ou se não houver, número do inquérito poli-
cial;
IV - dados da pessoa submetida à coleta, a saber:
a) nome;

30 A. V. G. F. F. Ramos; C. M. Oliveira. Bancos de Dados de Perfis Genéticos Para Fins de Per-


secução Criminal: Reflexões Bioéticas e Jurídicas. Biodireito I. CONPEDI. Brasil (2014) 56-73.
26

b) número do documento de identidade civil, se houver;


c) CPF, se houver;
d) impressão digital; e
e) registro fotográfico.
V - dados da testemunha que acompanhará a coleta, a saber:
a) nome;
b) identificação funcional ou civil; e
c) assinatura;
VI - dados do responsável pela coleta a saber:
a) nome;
b) identificação funcional; e
c) assinatura.
VII - local e data da coleta.
Parágrafo único: O registro fotográfico poderá ser realizado no momento da
coleta da amostra biológica do condenado ou poderá ser utilizado o registro
fotográfico da ficha de identificação criminal ou documento semelhante
apresentado pelo sistema penitenciário.

Observa-se, desse modo, que a lei não é omissa em relação à forma que será
coletada o perfil genético; ao contrário: exige-se um rol de documentos que confir-
mam a sua realização e a possibilidade de ser feita a identificação dos envolvidos no
processo, ou seja, a identificação do indivíduo de quem está sendo feita a coleta,
testemunhas e o profissional responsável pelo procedimento.
Outro tópico a ser destacado é a referência ao já citado, no item 2.1: a impor -
tante cooperação que existe entre a Genética, Datilografia e Fotografia para a garan-
tia de uma identificação correta.
Importante destaque que antes de ser realizada a coleta do material é neces-
sário, por expressa previsão legal, que seja esclarecido acerca da base legal do pro-
cedimento a ser realizado:

Art. 7º Antes da realização da coleta de material biológico, a pessoa subme-


tida ao procedimento deverá ser informada sobre sua fundamentação legal,
na presença de pelo menos uma testemunha, além do responsável pela co-
leta.

Caso haja a recusa por parte do indivíduo em ceder o seu material genético, o
profissional responsável deverá assinar, em conjunto com a testemunha, um docu-
mento no qual constará o ocorrido. Com isso, será feita a comunicação à autoridade
do Poder Judiciário responsável para que decida acerca dos atos a serem tomados:

Art. 8º Em caso de recusa, o fato será consignado em documento assinado


pela testemunha e pelo responsável pela coleta.
Parágrafo único. O responsável pela coleta comunicará a recusa à autorida-
de judiciária competente, solicitando que decida sobre a submissão do acu-
27

sado à coleta compulsória ou a outras providências que entender cabíveis, a


fim de atender à obrigatoriedade prevista na Lei 12.654/2012.

Segundo a Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, tal fato é caracterizado


como uma falta grave para o cumprimento da pena do condenado e do preso provi-
sório:

Art. 9º-A.
§ 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao proce-
dimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genéti-
co. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso
provisório.

Como consequência, mas com o direito a ampla defesa, o condenado estará


sujeito as sanções disciplinares, podendo, inclusive, ser isolado por um período de
10 dias:

Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a na-


tureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como
a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. (Redação dada pela Lei nº
10.792, de 2003)
Parágrafo único. Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos in-
cisos III a V do art. 53 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de
2003)

Art. 53. Constituem sanções disciplinares:


I - advertência verbal;
II - repreensão;
III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único);
IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimen-
tos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88
desta Lei.
V - inclusão no regime disciplinar diferenciado. (Incluído pela Lei nº 10.792,
de 2003)

Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento


para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.
Parágrafo único. A decisão será motivada.

Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo


do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime discipli-
nar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, depen-
derá de despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792,
de 2003)
Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime
disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da san-
ção disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)
28

Com o objetivo de garantir o direito a defesa e acesso à informação, a referida


Lei traz a previsão de acesso ao processo realizado:

Art. 9º-A.
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus
dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os do-
cumentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que pos-
sa ser contraditado pela defesa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

De modo a garantir o melhor desenvolvido das atividades no momento de ser


realizada a coleta, processamento/manejo das amostras e demais procedimentos
envolvidos na identificação e manuseio dos sistemas da Rede, peritos oficiais e devi-
damente habilitados para tais atribuições serão os responsáveis.
De forma expressa, a Lei de Execução Penal prevê:

Art. 9º-A.
§ 7º A coleta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão
realizadas por perito oficial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Em complemento, destaca-se que a Lei 12.037/2009 prevê:

Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos de-
verão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devida-
mente habilitado. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

Art. 7º-C. Fica autorizada a criação, no Ministério da Justiça e Segurança


Pública, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais. (Inclu-
ído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 9º As informações obtidas a partir da coincidência de registros biométricos
relacionados a crimes deverão ser consignadas em laudo pericial firmado
por perito oficial habilitado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Dessa forma, com o objetivo de garantir a plena capacitação dos peritos, são
disponibilizados cursos de especialização:

A Especialização em Genética Forense da Academia de Polícia Federal


trata-se de uma pós-graduação que tem como objeto promover a capacita-
ção, aperfeiçoamento e melhoria continuada de peritos criminais visando
aumentar a oferta de peritos capacitados para trabalharem nos laboratórios
de Genética Forense integrados à RIBPG, bem como elevar o nível de ca -
pacitação de peritos que já atuam no Laboratório de Genética Forense da
Polícia Federal e em laboratórios de perícia oficial a nível estadual e distrital.
29

A referida capacitação foi sugerida pelo Comitê Gestor da RIBPG, em agos-


to de 2019, como um dos processos do Projeto de Fortalecimento da Rede
Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, o qual prevê, dentre os objetivos
específicos, a promoção de treinamentos nos órgãos policiais federais e es-
taduais.31

[…]

Já está em sua sexta edição o Curso Básico sobre o Banco de Perfis Ge-
néticos e a Legislação Aplicada. Trata-se de uma ação educacional instituí-
da e certificada pela Academia Nacional de Polícia em parceria com a Dire-
toria Técnico Científica da Polícia Federal, por meio do Banco Nacional de
Perfis Genéticos. O objetivo do curso é apresentar e discutir a legislação vi-
gente que prevê a coleta de material biológico de condenados e a identifica-
ção genética de suspeitos, para fins de inserção nos bancos da Rede Inte-
grada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). (…)32

Dessa forma, os dados que serão encaminhados para os Bancos de Perfis


Genéticos, por meio da Cadeia de Custódia, serão manuseados por peritos habilita-
dos. Assim como o Banco Nacional de Perfis Genéticos:

Art. 1º Ficam instituídos, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança


Pública, o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Ban-
cos de Perfis Genéticos. (Redação dada pelo decreto nº 9.817, de 2019)
§ 4º O Banco Nacional de Perfis Genéticos será instituído na unidade de
perícia oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública e será adminis-
trado por perito criminal federal habilitado e com experiência comprovada
em genética, designado pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pú-
blica. (Redação dada pelo decreto nº 9.817, de 2019)

Para que o perito possa realizar a coleta do material genético utiliza-se de


uma ferramenta conhecida por swab. Tal método caracteriza-se por ser indolor, não
gerar riscos a integridade física do indivíduo e não é invasiva.
A respeito desse tema as autoras Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos
e Camila Martins de Oliveira33 explicam:

A análise ocorre por meio da coleta de material biológico humano (amostra


de sangue, saliva, bulbo capilar etc.), a partir do qual realiza-se a análise
para a extração do perfil genético, que ficará armazenado. A colheita do ma-
terial genético é realizado por meio de swabs (espécie de cotonete), que re-
tiram o material genético do indivíduo (geralmente por meio da colheita de
células do interior da boca) ou do local do crime. A swab é considerada pela
Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos um meio não
invasivo de coleta de material genético.

31 Brasil, 2021, pg. 13.


32 Ibid., pg. 14.
33 A. V. G. F. F. Ramos; C. M. Oliveira, 2014, 56-73.
30

A Resolução nº 10/2019 traz, de forma expressa e sem lacunas passíveis de


interpretação diversa, que a coleta não pode gerar danos ao indivíduo, devendo ser
respeitada sua integridade física e psicológica de forma ampla e as determinações
dessa Resolução.
Leia-se:

Art. 2º A coleta obrigatória de material biológico deve ser realizada com téc-
nica adequada e indolor.
§ 1º A metodologia a ser utilizada deverá ser a descrita no Procedimento
Operacional Padrão, de coleta de células da mucosa oral, da Secretaria Na-
cional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
§ 2º Pode o órgão estadual competente desenvolver procedimento operacio-
nal padrão próprio, mais específico, desde que siga as diretrizes gerais pre-
vistas no procedimento da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
§ 3º As técnicas de coleta de sangue não devem ser utilizadas.

A partir do momento em que é realizada a coleta, passando para o transporte


e, em sequência, para o laboratório responsável pelo manuseio, tem-se a Cadeia de
Custódia, que garante a sua inviolabilidade.
Por outras palavras, uma importante forma de garantir a qualidade, a credibili-
dade e a confiança do material genético coletado e inserido na Rede é a Cadeia de
Custódia. Implementada por meio da Lei nº 13.964/2019 e inserida ao Código de
Processo Penal Brasileiro nos artigos 158-A, B, C, D, E e F, ela permite realizar o
rastreamento da amostra: do momento da coleta até o esgotamento definitivo do in-
teresse do Estado na preservação daquele vestígio. Ou seja, permite preservar a
sua identidade e demonstrar que foi manuseada da maneira correta ao longo de
toda a sua vida útil.
Segundo a lei, a Cadeia de Custódia pode ser caracterizada como:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedi-


mentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestí-
gio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e
manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de cri-
me ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a
existência de vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial inte -
resse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preserva-
ção. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado
ou recolhido, que se relaciona à infração penal. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019)
31

Não limitando-se a definição legal, ressalta-se aqui a definição de Aury Lopes


Júnior34:

Cadeia de custódia da prova nos remete ao conjunto de procedimentos,


concatenados, como elos de uma corrente, que se destina a preservar a in-
tegridade da prova, sua legalidade e confiabilidade. Uma corrente que liga
duas pontas, que vai da identificação dos vestígios até o seu descarte. A
quebra equivale ao rompimento de um dos elos da corrente.

Dessa forma, a Cadeia de Custódia traz a garantia de que o material genético


do indivíduo foi coletado e conservado da melhor forma, garantindo, assim, que po-
derá ser utilizado; isso advém do fato de que “quer-se impedir a manipulação indevi-
da da prova com o propósito de incriminar (ou isentar) alguém de responsabilidade,
com vistas a obter a melhor qualidade da decisão judicial e impedir uma decisão in-
justa”, conforme é apontado por Aury Lopes Júnior 35.

A lei traz também uma série de atos que devem ser respeitados para que te-
nha a garantia de que os materiais coletados estejam devidamente seguros e sem a
possibilidade de contaminação, desvio ou qualquer outro meio que tornaria inválido
o seu uso.
Nesse sentindo, importante trazer a letra da lei:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio


nas seguintes etapas: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interes-
se para a produção da prova pericial; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo iso-
lar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e
local de crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local
de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, poden -
do ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a
sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo aten-
dimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial,
respeitando suas características e natureza; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coleta-
do é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características
físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data,
hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento; (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizan-
do as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre ou-
tras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais,
bem como o controle de sua posse; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

34 LOPES, 2021, p. 460.


35 Ibid., p. 463.
32

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que


deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número
de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem,
nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do
exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o re-
cebeu; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de
acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físi-
cas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser for-
malizado em laudo produzido por perito; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições ade-
quadas, do material a ser processado, guardado para realização de contra-
perícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo
correspondente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a
legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial. (In-
cluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente


por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de
custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames comple-
mentares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem
ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial
de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quais -
quer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito res-
ponsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. (Incluí-
do pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determina-


do pela natureza do material. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração
individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestí-
gio durante o transporte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas caracte-
rísticas, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequa-
do e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise
e, motivadamente, por pessoa autorizada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de
acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data,
o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utili-
zado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipien-
te. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de


custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser
vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza crimi-
nal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com lo-
cal para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, pos-
sibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo
ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram
nas características do vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
33

§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser pro-


tocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que
a eles se relacionam. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão
ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso. (Inclu-
ído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações de-
verão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela
tramitação, a destinação, a data e horário da ação. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)

Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à


central de custódia, devendo nela permanecer. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019)
Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condi-
ções de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial ou ju-
diciária determinar as condições de depósito do referido material em local
diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial
de natureza criminal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Diante de sua importância, Aury Lopes Júnior36 afirma:

A preservação das fontes de prova, através da manutenção da cadeia de


custódia, situa a discussão no campo da “conexão de antijuridicidade da
prova ilícita”, consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição, acarretando a
inadmissibilidade da prova ilícita. Existe, explica GERALDO PRADO, um
sistema de controle epistêmico da atividade probatória que assegura (e exi-
ge) a autenticidade de determinados elementos probatórios.
Para essa preservação das fontes de prova, através da manutenção da ca-
deia de custódia, exige a prática de uma série de atos, um verdadeiro proto-
colo de custódia, cujo passo a passo vem dado pelo art. 158-B es.:

Dessa forma, a questão sobre a destinação para o processamento e para o


armazenamento de tais informações, do material genético, e a sua confiabilidade
merece um destaque. Primeiramente, ressalta-se que a Lei 12.037, de 1º de Outubro
de 2009 que “Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regula-
mentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.”, prevê que os dados da co-
leta dos referidos materiais devem ser destinados aos bancos de dados sigilosos
que são próprios da unidade de perícia criminal:

Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal.

Art. 7o -B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de


dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

36 LOPES, 2021, p. 461.


34

Não apenas essa lei traz a previsão sobre o local de armazenamento, mas a
Lei de Execução Penal também estabelece que:

Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Inclu-
ído pela Lei nº 12.654, de 2012)

Dessa forma, o material coletado e processado na central de custódias do


Instituto de Criminalística responsável, como observados nos artigos pertinentes à
Cadeia de Custódia, terá suas informações armazenadas em um Banco de Dados
sigiloso.
Importante ressaltar que é possível observar uma permanente evolução na
quantidade de material genético que adentram o sistema. Destaca-se, assim, o se-
guinte gráfico que demonstra o crescente número de perfis ao longo dos anos:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 22 – “Gráfico 1-
Crescimento do número total de perfis genéticos no BNPG.”37

37 Brasil, 2021, pg. 22.


35

A seu respeito, o XIV Relatório da RIBPG38 afirma:

O Gráfico 1 apresenta a evolução do número total de perfis genéticos ca-


dastrados no BNPG de novembro de 2014 a 28 de maio de 2021. É possível
perceber o constante crescimento dos bancos de perfis genéticos brasilei-
ros, impulsionado nos últimos anos pelos projetos estratégicos da RIBPG.
A pandemia do COVID-19 gerou impacto no ano de 2020 na taxa de cresci-
mento de perfis no BNPG. Entretanto é interessante observar uma retomada
na aceleração do crescimento do BNPG no primeiro semestre de 2021.

Vale destacar, também, a evolução do quantitativo das amostras dos perfis


genéticos de natureza criminal, dividido entre os vestígios e os indivíduos cadastra-
dos criminalmente:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Gráfico 7 -
Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de vestígios e indivíduos cadastra-
dos criminalmente no BNPG.”39

Em complemento, a legislação prevê penalidades para aqueles que, de modo


antiprofissional, viabilizarem o uso indevido das informações presentes no Banco de
Dados.
Segundo a Lei 12.037 de 2009:

Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

38 Brasil, 2021, pg. 22-23.


39 Ibid., pg. 22.
36

§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão


caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que
permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta
Lei ou em decisão judicial. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

Art. 7º-C. Fica autorizada a criação, no Ministério da Justiça e Segurança


Pública, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais. (Inclu-
ído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 8º Os dados constantes do Banco Nacional Multibiométrico e de Impres-
sões Digitais terão caráter sigiloso, e aquele que permitir ou promover sua
utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial
responderá civil, penal e administrativamente. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019)
§ 10. É vedada a comercialização, total ou parcial, da base de dados do
Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais. (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)

Tendo tais preceitos em mente, passa-se para uma análise a respeito das hi-
póteses em que poderão ocorrer a exclusão do material genético da Rede Integrada
de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG).
Primeiramente, destaca-se as previsões da Lei 12.037/09 pelas quais a exclu-
são poderá ocorrer em caso de absolvição do indivíduo na ação penal ou após 20
(vinte) anos do cumprimento de sua pena.
Segundo a Lei:

Art. 7º-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá:
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - no caso de absolvição do acusado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
II - no caso de condenação do acusado, mediante requerimento, após de-
corridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)

Segundo o Decreto 7.950/2013, a exclusão do perfil genético ocorrerá:

Art. 7º O perfil genético do identificado criminalmente será excluído do ban-


co de dados no término do prazo estabelecido em lei para prescrição do de-
lito, ou em data anterior definida em decisão judicial.

A respeito desse tema, Aury Lopes Júnior40 explica:

Significa dizer que, rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou ab-


solvido sumariamente ou absolvido ao final do processo, poderá o interessa-
do (não mais réu, pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a
ele) solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu mate-
rial genético; e ainda a retirada do seu material genético e respectivos regis -
tros, do banco de dados. Não se justifica que nestas situações se constranja

40 LOPES, 2021, p. 493.


37

alguém a figurar eternamente no banco de dados genéticos. Haveria uma


absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado, uma
injustificável estigmatização, violadora da presunção de inocência e demais
direitos da personalidade. Excetua-se, neste caso, a situação do “arquiva-
mento”, pois a teor da Súmula 524 do STF (a contrário sensu) poderá ser
proposta a ação penal em caso de novas provas.

Desta forma, observa-se que as legislações sobre o tema “conversam entre


si” de modo a se complementarem e a permitem uma compreensão clara e objetiva
sobre os procedimentos, permissões, proibições e consequências dos diversos atos
que as englobam.
Contudo, não limitando-se nessas análises, é, no mínimo, interessante desta-
car as previsões sobre o uso da Rede nos casos de pessoas desaparecidas.

2.4 A REDE APLICADA AOS CASOS DE PESSOAS DESAPARECIDAS

Com previsão no artigo 8º do Decreto nº 7.950, de 12 de Março de 2013, a


Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG) trabalha, também, para a
identificação de pessoas desaparecidas:

Art. 8º O Banco Nacional de Perfis Genéticos poderá ser utilizado para a


identificação de pessoas desaparecidas.
Parágrafo único. A comparação de amostras e perfis genéticos doados vo-
luntariamente por parentes consanguíneos de pessoas desaparecidas serão
utilizadas exclusivamente para a identificação da pessoa desaparecida, sen-
do vedado seu uso para outras finalidades.

Segundo o XIV Relatório da RIBPG41:

Outra utilização primordial dos bancos de perfis genéticos é a identificação


de pessoas desaparecidas. Neste contexto, perfis oriundos de restos mor-
tais não identificados, bem como de pessoas de identidade desconhecida,
são confrontados com perfis de familiares ou de referência direta do desa-
parecido, tais como escova de dente ou roupa íntima. É garantido pela legis-
lação vigente que a comparação de amostras e perfis genéticos doados vo-
luntariamente por parentes de pessoas desaparecidas será utilizada exclusi-
vamente para a identificação da pessoa desaparecida, sendo vedado seu
uso para outras finalidades.

Tal trabalho, de suma importância, desenvolve-se dentro das seguintes cate-


gorias de amostras: familiares de pessoas desaparecidas (estando incluas as cate-
gorias de cônjuge, filho biológico, irmão biológico, mãe biológica, pai biológico, pa-

41 Brasil, 2021, pg. 09.


38

rente materno e parente paterno), restos mortais não identificados, referência direta
de pessoa desaparecida e pessoas vivas de identidade desconhecida. Nesse senti -
do, o Manual de Procedimentos Operacionais da Rede Integrada de Banco de Perfis
Genéticos42 explica:

As seguintes categorias de amostras biológicas relacionadas com pessoas


desaparecidas e vítimas de desastres podem ser inseridas na RIBPG (os
termos entre parênteses referem-se à nomenclatura utilizada no software
CODIS):

• cônjuge (spouse);
• filho biológico (biological child);
• irmão biológico (biological sibling);
• mãe biológica (biological mother);
• pai biológico (biological father);
• parente materno (maternal relative);
• parente paterno (paternal relative);
• pessoa de identidade desconhecida (missing person); e
• restos mortais não identificados (restos mortais NI).

Nesse sentido, observa-se a seguinte tabela do XIV Relatório da RIBPG que


traz o número de perfis genéticos relacionados com a categoria de cada amostra:

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 36 – “Tabela 3 –
Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a pessoas desaparecidas.” 43

Destaca-se, também, o gráfico que apresente a evolução dos perfis genéticos


inseridos relacionados à identificação de pessoas desaparecidas:

42 RIBPG. MANUAL DE PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS DA RIBPG (versão 4) - Resolução nº


14. Brasília: Comitê Gestor RIBPG, 2019. pg. 05
43 Brasil, 2021, pg. 36.
39

Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Gráfico 15 –
Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de restos mortais e familiares no
BNPG.”44

A esse respeito, o Manual45 explica:

Os perfis genéticos relacionados a estas categorias deverão ser inseridos


no banco de perfis genéticos quando obtidos em casos abertos ou quando
obtidos em casos fechados quando ocorre exclusão (quando o material
questionado não tiver sua vinculação estabelecida com o material de refe-
rência durante os exames genéticos) ou quando não for possível a obtenção
de um resultado conclusivo. Em caso de identificação, os perfis genéticos
relacionados a pessoa desaparecida devem ser retirados do banco, a me-
nos que tenha prerrogativa para ser classificado como RMI, conforme Reso-
lução vigente do CG-RIBPG.
A coleta de material biológico de pessoas vivas, relacionadas a pessoas de-
saparecidas, só ocorrerá se a doação for voluntária e formalmente consenti-
da. Para esta, sugere-se a utilização do termo de autorização de coleta de
uso na rotina do laboratório.

Conforme citado acima, a coleta do material genético da pessoa viva para os


casos relacionados com pessoas desaparecidas está intrinsecamente ligada a um
ato voluntário de sua parte e com a finalidade exclusiva para a identificação da pes-
soa desaparecida.
A partir da coleta do material genético dos familiares, os dados serão estrutu -
rados em uma árvore genealógica: a partir de um único perfil familiar já é possível a
sua construção.

44 Brasil, 2021, pg. 28.


45 RIBPG, 2019, pg. 05.
40

Segundo o XIV Relatório da RIBPG46:

A identificação de pessoas desaparecidas por meio da RIBPG pode ocorrer


de duas formas: identificação direta ou estabelecimento de vínculo genético
com familiares da pessoa desaparecida. Para que seja feita a busca por vín-
culo genético, faz-se necessária a construção de árvores genealógicas, seja
com um único ou com mais familiares, conforme preconizado no Manual de
Procedimentos da RIBPG. Quanto maior o número de árvores genealógicas
e de familiares vinculados a estas, maior é a capacidade do banco de dados
de encontrar uma pessoa desaparecida.

Ainda, com base no referido Manual47:

As categorias de familiares de pessoas desaparecidas devem ser estrutura-


das em árvores genealógicas. Para submissão ao BNPG, as árvores genea-
lógicas de familiares de pessoas desaparecidas deverão conter os dados
genéticos de, pelo menos, dois familiares. Quando apenas um familiar esti-
ver disponível, poderão ser aceitas árvores genealógicas com os dados de
apenas um familiar, a qual deve, preferencialmente, conter os dados de,
pelo menos, um marcador genético uniparental pertinente ao caso (cromos-
somo Y ou DNA mitocondrial). As árvores genealógicas com apenas um fa-
miliar deverão ser classificadas na categoria “Árvore com Apenas Um Fami-
liar” (Single Typed Node).

Diante do exposto, acrescenta-se o fato de que, diante da sensibilidade dos


casos, é necessária a inclusão do máximo de informações que forem possíveis ad-
quirir para que se possa ajudar na identificação. Conforme o referido Manual 48 prevê:

Nos casos relacionados a pessoas desaparecidas, deve ser incluído, sem-


pre que possível, o máximo de informações (metadados) pertinentes à iden-
tificação, sobretudo os abaixo indicados:

• metadados da pessoa desaparecida: gênero, data de nascimento, al-


tura e data do último contato, entre outros;
• metadados dos restos mortais não identificados: gênero, faixa etária,
altura e data do encontro do cadáver, entre outros.

Observa-se, portanto, a ampla gama de trabalhos desenvolvidos pela Rede


Integrada de Banco de Perfis Genéticos e como estão delimitadas as questões ju-
rídicas ao seu entorno com o objetivo de garantir a máxima segurança e impedir a
violação aos direitos constitucionalmente assegurados.

46 Brasil, 2021, pg. 38.


47 RIBPG, 2019, pg. 05.
48 Ibid., pg. 06.
41

Portanto, tendo visto e compreendido as questões entorno da Rede Integrada


de Banco de Perfis Genéticos, passa-se para a análise sobre o Direito a Não Autoin-
criminação.
42

3 O DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO

A utilização do material genético, para a identificação criminal e futura inser-


ção na Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos, está cercada por discussões a
respeito da segurança dos dados, sua confiabilidade e debates jurídicos, dentre
eles, sobre a possível violação aos princípios constitucionais. Dentre essa gama de
matérias a serem analisadas, destaca-se a discussão sobre a possível violação ao
direito à não autoincriminação, também conhecido por Nemo Tenetur se Detegere.

3.1 A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO COMO DIREITO À AMPLA DEFESA

Primeiramente, é primordial compreender o funcionamento do direito de defe-


sa no sistema penal brasileiro. Em síntese, há dois elementos de defesa: técnica e
pessoal. A primeira caracteriza-se por ser aquela exercida por um profissional da
área legal e, assim, proporcionará a defesa de forma mais efetiva ao réu; nas pala-
vras de Aury Lopes Júnior49:

A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos


teóricos do Direito, um profissional, que será tratado como advogado de de-
fesa, defensor ou simplesmente advogado. É o profissional do direito, com
conhecimento técnico e habilitação específica para exercer essa atividade
defensiva no processo judicial.

Tal modalidade, estaria, segundo a doutrina, envolta pelo interesse público


para o seu pleno funcionamento, pois, dessa forma, estará garantido a igualdade en-
tre as partes: tanto o Ministério Público quanto o réu terão iguais condições técnicas
para atuar no processo que se seguirá. Portanto, configura-se como um direito indis-
ponível do réu.
Segundo os ensinamentos de Aury Lopes Júnior 50:

Para FOSCHINI, a defesa técnica é uma exigência da sociedade, porque o


imputado pode, a seu critério, defender-se pouco ou mesmo não se defen-
der, mas isso não exclui o interesse da coletividade de uma verificação ne-
gativa no caso do delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal.
A estrutura dualística do processo expressa-se tanto na esfera individual
como na social.
O direito de defesa está estruturado no binômio:
• defesa privada ou autodefesa;

49 LOPES, 2021, p.112.


50 Ibid., p.112-113.
43

• defesa pública ou técnica, exercida pelo defensor.


Por esses motivos apontados por FOSCHINI, a defesa técnica é considera-
da indisponível, pois, além de ser uma garantia do sujeito passivo, existe um
interesse coletivo na correta apuração do fato. Trata-se, ainda, de verdadei-
ra condição de paridade de armas, imprescindível para a concreta atuação
do contraditório. Inclusive, fortalece a própria imparcialidade do juiz, pois,
quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes, mais alheio ficará o
julgador (terzietà = alheamento).
No mesmo sentido, MORENO CATENA leciona que a defesa técnica atua
também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual pe-
nal, estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética
processual e da igualdade das partes. É, na realidade, uma satisfação
alheia à vontade do sujeito passivo, pois resulta de um imperativo de ordem
pública, contido no princípio do due process of law.

Diante de tais explicações, transcreve-se a determinação do Código de Pro-


cesso Penal:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado
ou julgado sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou
dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

Compreendido o conceito de defesa técnica, passa-se para a análise da defe-


sa pessoal. A defesa pessoal configura-se por ser a atuação do réu no processo,
subdividindo-se em outras duas modalidades: positiva e negativa. A primeira confi -
gura-se por ser a livre participação do réu no processo, podendo cooperar com as
autoridades conforme desejar. De forma contrária, a defesa negativa configura-se
por ser a liberdade do indivíduo em negar a colaborar na formação de elementos
probatórios, seja para confirmar ou negar as hipóteses elencadas no decorrer das
atividades de inquérito e processuais.
Sobre tais conceitos, Aury Lopes Júnior51 explica:

Também a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do próprio conteúdo


da defesa pessoal, na medida em que o sujeito passivo pode simplesmente
se negar a declarar. Se a defesa técnica deve ser indisponível, a autodefesa
é renunciável. A autodefesa pode ser renunciada pelo sujeito passivo, mas é
indispensável para o juiz, de modo que o órgão jurisdicional sempre deve
conceder a oportunidade para que aquela seja exercida, cabendo ao impu-
tado decidir se aproveita a oportunidade para atuar seu direito de forma ati-
va ou omissiva.
A autodefesa positiva deve ser compreendida como o direito disponível do
sujeito passivo de praticar atos, declarar, constituir defensor, submeter-se a
intervenções corporais, participar de acareações, reconhecimentos etc. Em
suma, praticar atos dirigidos a resistir ao poder de investigar do Estado, fa-
zendo valer seu direito de liberdade.

51 LOPES, 2021, p.114.


44

A defesa pessoal negativa também é conhecido pela expressão em latim


“nemo tenetur se detegere”, configurando-se, no direito brasileiro, como o direito de
não autoincriminação ou direito de não produzir prova contra si mesmo.
Para uma melhor compreensão do conceito de direito a não autoincriminação,
destaca-se duas breves visões sobre sua caracterização doutrinária. Primeiramente,
Eugênio Pacelli de Oliveira52 leciona:

Atingindo duramente um dos grandes pilares do processo penal antigo, qual


seja, o dogma da verdade real, o direito ao silêncio, ou a garantia contra a
autoincriminação, não só permite que o acusado ou aprisionado permaneça
em silêncio durante toda a investigação e mesmo em juízo, como impede
que ele seja compelido – compulsoriamente, portanto – a produzir ou a con-
tribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse.

Nesta última hipótese, a participação do réu somente poderá ocorrer em ca-


sos excepcionalíssimos, em que, além da previsão expressa na lei, não haja
risco de afetação aos direitos fundamentais da pessoa. […]

Em complemento, Aury Lopes Júnior53 esclarece:

O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito


maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o
sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de co-
laborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito
de silêncio quando do interrogatório.
Sublinhe-se: do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma
presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o im-
putado.

Portanto, observa-se, diante dos ensinamentos acima mencionados, que tal


garantia constitucional, se exercida pelo imputado, não pode gerá-lo qualquer prejuí-
zo. Por outras palavras: caso o réu decida não cooperar de forma espontânea, o
processo deverá seguir seu curso sem gerar alguma forma de presunção de veraci-
dade sobre os fatos diante da recusa do réu, pois, ao contrário do que existe no pro -
cesso civil, no processo penal não há de que se falar em revelia.
Nesse sentido, vale destacar a previsão do Código de Processo Penal em
que traz a proibição acima mencionada:

Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá consti-
tuir elemento para a formação do convencimento do juiz.

52 PACELLI, 2021, p. 48.


53 LOPES, 2021. p.116.
45

Diante da importância do tema em foco, é importante compreender a posição


que essa garantia ocupa em nosso ordenamento: presente no viés da ampla defesa,
presunção de inocência e no direito ao silêncio, todos previstos de forma expressa
na Constituição Federal, o direito a não autoincriminação tornou-se um dos pilares
fundamentais para a defesa no curso do Processo Penal. Como Eugênio Pacelli de
Oliveira54 ensina:

O direito ao silêncio, cuja origem deita raízes na Idade Média e início da Re-
nascença (Haddad, 2000, p. 141), é a versão nacional do privilege against
self-incrimination do Direito anglo-americano.
O princípio do direito ao silêncio, tradução de uma das manifestações da
não autoincriminação e do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a
se descobrir), foi uma das grandes conquistas da processualização da juris-
dição penal, consolidada no século XVIII, com a queda do Absolutismo.
No Brasil, com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXIII) e com o art. 8º, 1, do
Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/92), há regra expressa
assegurando ao preso e ao acusado, em todas as fases do processo, o di-
reito a permanecer calado. Embora não haja previsão expressa do direito à
não autoincriminação, pode-se, contudo, extrair o princípio do sistema de
garantias constitucionais.

Assim, tais princípios encontram-se, respectivamente, nas seguintes previ-


sões constitucionais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sen-
tença penal condenatória;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Conforme os ensinamentos de Eugênio Pacelli 55, a garantia estudada não es-


tá limitada às previsões constitucionais brasileiras, mas encontra, também, proteção
em âmbito internacional. O autor apresenta que a garantia está prevista na Conven -
ção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário. Em suas palavras:

A regra da não exigibilidade de participação compulsória do acusado na for-


mação da prova a ele contrária, ressalvadas hipóteses previstas em leis e
não invasivas da integridade física e psíquica do agente, decorre, além do

54 PACELLI, 2021, p. 312.


55 Ibid., p. 48.
46

próprio sistema de garantias e franquias públicas instituído pelo constituinte


de 1988, de norma expressa prevista no art. 8º da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22 de no-
vembro de 1969, integrada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº
678, de 6 de novembro de 1992, no que toca ao direito ao silêncio e à prote-
ção contra ingerências atentatórias da dignidade humana.

Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida


por Pacto de São José da Costa Rica:

ARTIGO 8

Garantias Judiciais

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acu-
sação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natu-
reza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocên-
cia enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo,
toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias míni-
mas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérpre-


te, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formula-


da;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a prepara -


ção de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por


um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular,
com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo


Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado
não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabele-
cido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de ob-


ter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que
possam lançar luz sobre os fatos.

g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se


culpada; e

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma na -


tureza.
47

4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se


submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para pre-
servar os interesses da justiça.

Portanto, a defesa pessoal negativa, compreendida como o direito de não au-


toincriminação, possui um patamar constitucional e, portanto, deve ser vista como
um dos elementos primordiais para a defesa no curso do Sistema Penal. Assim,
deve-se ter extrema cautela ao analisá-las para uma possível “relativização”, como
se verá em sequência.

3.2 DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO x COLETA DO MATERIAL GENÉTICO

Compreendido os elementos do direito a não autoincriminação, passa-se para


uma análise da visão doutrinária de sua relação com a coleta do material genético
para a produção de provas.
Primeiramente, deve-se ter em mente que o tema em questão não está pacifi-
cado na doutrina, ou seja: não há uma posição unânime sobre a relação do direito a
não autoincriminação com a possibilidade da coleta do material genético.
Para uma vertente, o direito em análise é absoluto e, como tal, não haveria a
possibilidade de relativizá-lo diante da recusa do réu em colaborar com as autorida-
des; de outro modo, caso decida participar na formação probatória, não há impedi-
mentos, diante da característica de disponibilidade da garantia constitucional.
A esse respeito, destaca-se a explicação de Aury Lopes Júnior 56:

As provas genéticas desempenham um papel fundamental na moderna in-


vestigação preliminar e podem ser decisivas no momento de definir ou ex-
cluir a autoria de um delito. Entretanto, sua eficácia está condicionada, em
muitos casos, a uma comparação entre o material encontrado e aquele a
ser proporcionado pelo suspeito.
[…]
Portanto, não há problema em obter-se o material genético através da bus-
ca e apreensão de roupas, travesseiros, escova de cabelo e outros objetos
do imputado e que possam ser encontrados em sua residência.
Da mesma forma, havendo o consentimento do suspeito, poderá ser realiza-
da qualquer espécie de intervenção corporal, pois o conteúdo da autodefesa
é disponível e, assim, renunciável.

56 LOPES, 2021, p.489.


48

Compreende-se, assim, que a identificação genética para os fins do Sistema


Penal poderá ser feita sem óbice nos casos em que há a colaboração espontânea
para tal. Contudo, em caso de negativa para o seu fornecimento, o autor 57 esclarece:

O problema está quando necessitamos obter células corporais diretamente


do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecê-las. Se no pro-
cesso civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da
prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no
processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo
insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da
presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio).
O sujeito passivo encontra-se protegido pela presunção de inocência e a to-
talidade da carga probatória está nas mãos do acusador. O direito de defe-
sa, especialmente sob o ponto de vista negativo, não pode ser limitado, prin-
cipalmente porque a seu lado existe outro princípio básico, muito bem apon-
tado por CARNELUTTI: a carga da prova da existência de todos os elemen-
tos positivos e a ausência dos elementos negativos do delito incumbe a
quem acusa. Por isso, o sujeito passivo não pode ser compelido a auxiliar a
acusação a liberar-se de uma carga que não lhe incumbe.

Diante de tais observações, o autor conclui: “Submeter o sujeito passivo a


uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura
para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala, ou seja, um inequí-
voco retrocesso (gerando assim uma prova ilícita).” 58
Assim, observa-se que o direito a não autoincriminação engloba um conteúdo
disponível pelo qual o sujeito é livre para aplicá-lo conforme desejar. Diante disso, na
visão do autor, não há problema em realizar a coleta do material genético quando há
o consentimento do indivíduo; contudo, diante da recusa em fornecê-lo e a autorida -
de policial realizar a coleta de maneira compulsória, mesmo tendo como amparo
uma decisão judicial, haveria a violação direta à garantia.
Nos ensinamentos de Francisco de Assis do Rêgo Monteiro Rocha 59, quando
relacionamos o direito a não autoincriminação com os exames periciais genéticos,
deve-se atentar para qual o posicionamento do indivíduo que se pretende colher a
amostra de DNA: a partir de um comportamento positivo (de concordância), poderá
ser feita a colheita sem impedimentos; a partir de um comportamento negacionista
(em desfavor), não será permitida a colheita, sendo, inclusive, violador de princípios
e garantias constitucionais caso seja realizado. Observa-se:

57 LOPES, 2021, p.490.


58 Ibid., p.490.
59 ROCHA, Francisco de Assis do Rêgo Monteiro. Curso de direito processual penal. 2ª ed. Curiti-
ba: Juruá, 2007. V.2. p. 73.
49

Embora sendo o exame de DNA, perícia por excelência, para a comprova-


ção da autoria, principalmente em determinadas modalidades de delitos, so-
bressaindo-se nos crimes contra a liberdade sexual, é evidente, no entanto,
que sua aplicação fica restrita aos princípios gerais reguladores da admis-
são e aquisição das provas. Portanto, é garantia de todo e qualquer indicia-
do ou acusado não ser obrigado a cooperar com as autoridades públicas a
fazer prova contra si mesmo. Essa regra tanto tem validade no campo do di -
reito criminal, como na área do direito civil.
O princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, inc. LV), confirma essa assertiva.
Se ao réu é assegurada a garantia à ampla defesa, não seria lógico obrigá-
lo a fazer prova contra si mesmo.

Seguindo, o autor60 complementa:

Portanto, a colheita de material contra a vontade do agente para fins de exa-


me de DNA, caracteriza modalidade de obtenção de prova ilícita ou proibi-
da, não consentida pelo processo penal brasileiro, na forma do que dispõe a
Constituição Federal (art. 5º, inc. LVI).
É apodíctico, como já afirmado anteriormente, que, se o indigitado autor se
propõe a submeter-se ao exame em consideração, a pedido seu e deferido,
ou por sugestão da autoridade encarregada das investigações ou do pro-
cesso, a prova é válida, pois lícita ou não viciada. Em qualquer caso, o res -
pectivo exame deve submeter-se às exigências no art. 159 e ss., do Código
de Processo Penal.

Tal posicionamento decorre da compreensão de que as provas genéticas es-


tão englobadas no “rol de provas” admitidas em juízo, previstas de maneira ampla
no Código de Processo Penal pátrio, mais especificamente o seu artigo 155. Assim,
diante da utilização da genética como meio de prova no Sistema Penal Brasileiro,
deve-se atentar para os momentos em que seu uso será devido e legal.
Nas palavras do autor61:

À primeira indagação, parece-nos não haver dúvida alguma sobre seu cabi-
mento no direito criminal, a teor do art. 155, do Código de Processo Penal,
que estabelece: “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas,
serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil”. De tal
modo, a lei processual penal admite toda e qualquer prova, inclusive a peri-
cial, qualquer que seja, atendida, no entanto, a proibição da prova ilícita, nos
termos da Constituição Federal (art. 5º, LVI).
Assim, é evidente, que havendo interesse do acusado ou mesmo da vítima
em submeter-se ao exame de DNA, não vemos possibilidade de o juiz inde-
ferir essa prova, desde que necessária ao esclarecimento da verdade (CPP,
art. 184). A questão, entretanto, ganha contornos outros, quando essa prova
não tenha sido requerida pela parte interessada, e pretenda a autoridade
dela se servir para a comprovação da autoria do ilícito. Surge então a inda-
gação seguinte: pode o indiciado ou acusado ser submetido a essa modali-
dade de exame, por imposição da autoridade? Por outra: pode o apontado
agente do crime recursar-se a fornecer o material necessário ao referido
exame? E essa recusa pode ser havida como confissão? A essas indaga-

60 ROCHA, 2007, p. 73.


61 Ibid., p. 72.
50

ções corresponde a um peremptório “não”. Não, o indiciado ou acusado,


não está obrigado a submeter-se a essa modalidade de exame pericial, nem
a nenhuma outra; também a recusa em se submeter a esse exame não sig-
nifica confissão do crime.

Nesse sentido, o autor62 relaciona o tema com o direito a não autoincrimina-


ção defendendo a tese de ser inconstitucional e antiético obrigar o sujeito à colheita
do material genético:

Um dos princípios constitucionais que vincula o processo penal, é o que as-


segura ao acusado ou indiciado o direito ao silêncio, quer dizer, o de não
produzir provas que sejam contrárias ao seu direito à ampla defesa (art. 5º,
inc. LXIII). E a ninguém pode ser exigido produzir provas contra si mesmo.
De tal modo, a Constituição Federal assegura ao indiciado e acusado o di-
reito superior de manter-se calado, de não produzir provas contra seus inte-
resses, ou seja, o direito à não auto-incriminação. O acusado não é obriga-
do a cooperar na descoberta do crime e autoria. Assim, seria não só incons-
titucional, como também antiético, impor-se ao indigitado autor de crime, for-
necer elementos de provas contra si mesmo. Seria constrangê-lo a um pro-
cedimento ao qual não está obrigado por lei, caracterizando, inclusive, o cri-
me de abuso de autoridade previsto no art. 4º, alínea “b” (submeter pessoa
sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado
por lei), da Lei 4.898, de 09.12.1965.

Dentro desse tema, destaca-se, também, a seguinte análise das autoras Ana
Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos e Camila Martins de Oliveira 63:

Se o Estado garante constitucionalmente no artigo 5º inciso LXIII ao suspei-


to ou preso o direito subjetivo ao silêncio, isto é, de permanecer calado,
como não estaria garantido o direito de não ser obrigado a produzir prova
em seu desfavor?
Tal pergunta é objeto de intensos debates jurídicos. Tem-se de um lado a
corrente que nega a possibilidade de coação do indivíduo para a coleta do
material genético em virtude do princípio do nemo tenetur se detegere ad-
vindo da expressão em latim que significa que ninguém é obrigado a se des-
cobrir. Para os defensores desta corrente, o suspeito não pode se ver obri-
gado a contribuir para a investigação, mesmo que o fim perquirido seja a
verdade real, uma vez que a negativa se presta a consagrar o próprio direito
a autodefesa. Nesse sentido, o fim – a busca da verdade – não justificaria a
utilização de qualquer meio ou atividade – coleta forçada de material biológi-
co – para a concretização da prova no processo penal.

Diante de tal passagem, observa-se que, segundo uma vertente, mesmo para
atingir “a verdade real” do ocorrido, tal objetivo não se sobrepõe às garantias consti-
tucionais e, assim, não justificaria a falta de zelo pelo direito a não autoincriminação

62 ROCHA, 2007, p. 72-73.


63 RAMOS e OLIVEIRA, 2014, p. 56-73.
51

quando o indivíduo se nega a colaborar de forma espontânea, justamente por não


existir uma exigência de colaboração.
Contudo, trazendo uma compreensão diversa, as autoras 64 seguem:

Conforme Eugênio Pacelli de Oliveira, o direito ao silêncio impõe ao Estado


o dever de respeitar o indivíduo na sua escolha de permanecer inerte quan-
to a qualquer tipo de colaboração nas investigações criminais, de modo que
fica vedada a “extração forçada” de provas.
No entanto, conforme o jurista, o direito a não auto-incriminação e ao silên-
cio não abrange o direito de não participação, salvo quando ofenda a digni-
dade ou a integridade física. A intervenção corporal, como ocorre no caso da
colheita das amostras citadas, caso atendam a dois requisitos podem ser
consideradas constitucionais. Tais requisitos são: a previsão legal e a não
colocação do sujeito em situação capaz de gerar risco a sua integridade físi-
ca ou psíquica.

Assim, esclarecem65:

Conforme o demonstrado na primeira parte deste artigo, a colheita de mate-


rial para compor os bancos de dados de perfis genéticos pode se dar de for-
ma não invasiva por meio de swabs (espécie de cotonete), portanto indolor
e incapaz de gerar riscos à saúde do indivíduo. Dessa forma, não há qual-
quer ofensa ao artigo 5º, inciso XLIX da Constituição Federal no sentido de
ver preservada a integridade humana. No mesmo sentido, resta cumprido o
outro requisito exposto por Pacelli – a previsão legal – em virtude da Lei nº
12.654/12.

Transcreve-se, conforme citado acima, as previsões constitucionais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Ao final, as autoras66 concluem: “Conclui-se, portanto, que a criação do banco


de dados de perfis genéticos pela Lei 12.564/12: […] c) não viola os direitos ao silên -
cio e a não autoincriminação em virtude da existência de previsão legal e a não colo -
cação do sujeito em situação capaz de gerar risco à sua integridade física ou psíqui-
ca;”

64 RAMOS e OLIVEIRA, 2014, p. 56-73.


65 Ibid., p. 56-73.
66 Ibid., p.56-73
52

Portanto, na visão das autoras, a coleta do material genético não viola a inte-
gridade física e nem a dignidade do indivíduo, sob os seguintes argumentos: a utili-
zação do swab, que caracteriza-se por ser um método indolor e não invasivo, aliado
com a previsão legal. Tais fatores, segundo suas explicações, tornaria constitucional
o uso do material genético na identificação e na inserção dos dados na Rede Inte -
grada de Banco de Perfis Genéticos e não violador do direito em análise.
A partir de tais premissas, transcreve-se as palavras do autor Eugênio Pacelli
de Oliveira67:

O que deve ser protegido, em qualquer situação, é a integridade, física e


mental, do acusado, bem como a sua capacidade de autodeterminação, daí
por que são inadmissíveis exames como o do soro da verdade ou de inges-
tão de qualquer substância química para tal finalidade. E mais: deve ser
também protegida a dignidade da pessoa humana, a vedar qualquer trata-
mento vexaminoso ou ofensivo à honra do acusado, e o reconhecimento do
princípio da inocência. Reputamos, por isso, absolutamente inaceitável a di-
ligência policial conhecida como reprodução simulada ou reconstituição dos
fatos (art. 7º, CPP).
[…]
Noutro giro, mas ainda nesse contexto, impende observar que, embora per-
tencentes ao acusado, determinados objetos materiais e/ou substâncias or-
gânicas poderão validamente ser objeto de prova (pertences pessoais, im-
pressões digitais etc.), desde que:

a) tenham sido disponibilizados por ele, isto é, dispensados voluntariamente


de seu domínio (cigarros, por exemplo);

b) embora involuntariamente, caso de um acidente ou no curso de quais-


quer ações criminosas, estejam ao alcance de terceiros e fora da disponibili-
dade do agente (sangue e/ou material para exame de DNA), desde que, evi-
dentemente, a sua utilização (das substâncias orgânicas) não cause nem
possa causar qualquer tipo de dano à integridade física, psíquica ou à
dignidade do suspeito/indiciado/acusado.

Esta é uma conclusão que nos parece de uma evidência solar, daí por que
não acreditamos que ela seria ou será infirmada por nossas Cortes Superio-
res, malgrado o entendimento que acabamos de expor. Determinadas inter-
venções corporais, quando não puserem em risco a integridade física e
psíquica do acusado em processo penal, e desde que previstas em lei, não
encontram obstáculos em quaisquer princípios constitucionais, sobretudo
quando se destinarem a colher prova em crimes que atingiram direitos fun-
damentais das vítimas. Afinal, o Direito Penal, intervenção estatal mais radi-
cal, não é também destinado à proteção dos direitos fundamentais?

Ao analisar o direito a não autoincriminação, o autor 68 compreende que há li-


mites à sua aplicação quando diante de certas intervenções, desde que nesses ca-
sos haja o respeito a outras garantias constitucionais:

67 PACELLI, 2021, p. 318.


68 Ibid., p. 327.
53

O princípio presta-se, pois, a cumprir duas relevantes missões: a de exigir


uma decisão judicial fundada em provas materiais, e não em meras presun-
ções, estabelecidas a partir do depoimento do acusado; e também a de pro-
teger a integridade física e psíquica do réu.
[…]
O direito ao silêncio é, pois, uma exceção à regra da obrigatoriedade do de-
ver de depor, fundada tanto na preservação da integridade física e psíquica
do acusado quanto no controle de idoneidade do meio de prova. Nada mais.
Então, e porque o princípio do nemo tenetur se detegere tem seu campo de
aplicabilidade também limitado à realização das garantias anteriormente
mencionadas (proteção à integridade física e psíquica, à dignidade humana
e à capacidade de autodeterminação do sujeito), não se pode querer impe-
dir certas intervenções, quando não estão em risco as apontadas garantias.

Observa-se, assim, que a garantia da não autoincriminação tem como objeti-


vo assegurar a decisão judicial em provas idôneas e a proteção à integridade física e
psíquica do indivíduo; sendo, então, uma exceção à obrigatoriedade de depor. Con-
tudo, não havendo elementos que evidenciem um risco a tais elementos, seria admi-
tida a intervenção.
Seguindo, Pacelli69 questiona sobre uma possível forma de atuação do juiz di-
ante da recusa do acusado em se submeter à coleta de material probatório:

Enfim: nas hipóteses de eventual recusa por parte do acusado em se sub-


meter à determinada intervenção, qual seria a solução, dado que se sabe
impossível (e vedada pelo direito) a coação forçada (a redundância é propo-
sital) do agir humano, para as finalidades legais? No caso do bafômetro, im-
pensável e inaceitável qualquer tentativa de coerção física sobre a pessoa,
com o fim de obtenção da prova. Evidentemente!
O nosso Código Civil prevê, no art. 232, que: “A recusa à perícia médica or-
denada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exa-
me.”

Compreende70, então uma possível atuação de dedução dos elementos que


compõe o quadro probatório, diante de um critério de proporcionalidade:

É claro que, no processo penal, em que o tipo de certeza jurídica que aqui
se constrói exige maior prudência, deve-se evitar, quanto possível, as pre-
sunções legais e judiciais. Mas não podemos deixar de lembrar também
que, mesmo aqui, no processo penal, a prova dos elementos subjetivos dos
tipos penais é feita sempre por processos dedutivos, isto é, por meio de pre-
sunções, quando não confessada a motivação do delito.
E nem estamos sustentando também que o referido art. 232 do Código Civil,
cuja aplicação por analogia, em tese, parece-nos possível, esteja a dispen-
sar o Estado do ônus probatório de demonstrar o fato imputado, pela sim-
ples e solitária recusa ao meio de prova previsto em lei. Não. O que se nos
afigura perfeitamente possível é que o Juiz Criminal, quando diante de um
69 PACELLI, 2021, p. 327.
70 Ibid., p. 327.
54

quadro probatório existente, mas ainda insuficiente, possa valer-se da pre-


sunção (legal) para, diante da ausência de explicações minimamente razoá-
veis para a citada recusa (ao meio de prova válido), convencer-se em um ou
outro sentido. Que seja até mesmo à conta de um critério de proporcionali-
dade, quando se tratar de infrações de natureza grave e cuja apuração re -
vele-se demasiadamente complexa ou de difícil acesso.

Assim, observa-se, novamente, que há uma contradição doutrinária a respeito


da possível violação ao direito a não autoincriminação, perpetrado pelo princípio do
nemo tenetur se detegere, na coleta do material genético do indivíduo e sua inser-
ção na Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos. Mas, tendo compreendido a
discussão doutrinária a respeito do tema, deve-se analisar, também, a discussão
que se segue no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

3.3 A ANÁLISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O SEU TEMA 905

Não limitando-se à visão doutrinária da questão, destaca-se a atual discussão


do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 973.837, sob a se-
guinte ementa:

Repercussão geral. Recurso extraordinário. Direitos fundamentais. Penal.


Processo Penal. 2. A Lei 12.654/12 introduziu a coleta de material biológico
para obtenção do perfil genético na execução penal por crimes violentos ou
por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Os limites dos poderes do Es -
tado de colher material biológico de suspeitos ou condenados por crimes, de
traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de da -
dos e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diver -
sos sistemas jurídicos. Possível violação a direitos da personalidade e da
prerrogativa de não se incriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3.
Tem repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da
Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, que prevê a identificação e o
armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou
hediondos. 4. Repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida.
(RE 973837 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PU-
BLIC 11-10-2016)

A partir do reconhecimento da repercussão geral do caso, gerou-se o seguinte


tema: “905 - Constitucionalidade da inclusão e manutenção de perfil genético de
condenados por crimes violentos ou por crimes hediondos em banco de dados esta-
tal.”
Diante da elaboração do tema supracitado, permitiu-se a identificação por per-
fil genético de indivíduos condenados por crimes violentos ou hediondos e sua con-
55

sequente inclusão e manutenção no banco de perfis genéticos. Conforme citado an-


teriormente, há expressa previsão sobre esse rol de crimes, tanto em legislação es-
pecial quanto no Código Penal Brasileiro; assim, respeita-se o princípio da legalida-
de ao traçar os limites para o referido procedimento.
A discussão no Tribunal Superior decorreu do recurso realizado pela Defenso-
ria Pública-Geral do Estado de Minas Gerais em nome de Wilson Carmindo da Silva,
o qual foi condenado por crimes praticados com violência contra a pessoa e por cri-
mes hediondos. Após a condenação e em período de execução da pena, o Ministé-
rio Público do Estado de Minas Gerais requisitou, com base no artigo 9-A da Lei
7.210/1984 (Lei de Execução Penal), a sua identificação genética; o referido juízo in-
deferiu o pedido sob o argumento de “surgir inconstitucional a submissão obrigatória
à identificação do perfil genético mediante extração de DNA, pois não se pode forçar
o indivíduo a entregar material que, eventualmente, possa lhe ser desfavorável.” 71
Após a referida decisão, o Ministério Público interpôs agravo e a Segunda Câ-
mara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reformou o pronun-
ciamento; observa-se a ementa:

“AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. ARTIGO 9º-A DA LEI DE EXECUÇÃO


PENAL. CRIAÇÃO DE BANCO DE DADOS COM MATERIAL GENÉTICO
DO APENADO. NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMI-
NAÇÃO. PROCEDIMENTO DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. RETROATIVI-
DADE. ISENÇÃO DE CUSTAS. DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO PRO-
VIDO.
- A Lei nº 12.654/12 introduziu o art. 9º-A da Lei de Execução Penal, o qual
dispõe sobre a identificação do perfil genético, mediante extração de DNA
obrigatória daqueles condenados por crimes praticados dolosamente, com
violência de natureza grave contra pessoa ou hediondos.
- A criação de banco de dados com material genético do apenado não viola
o princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), vez que de-
corre de condenação criminal transitada em julgado. Não se cogita violação
ao princípio da irretroatividade da lei penal, ainda, por se tratar de norma
que prevê mero procedimento de identificação criminal.
- Concede-se a isenção do pagamento das custas e despesas processuais
ao réu assistido pela Defensoria Pública, nos termos da Lei estadual nº
14.939/03”.

Assim, argumentou no sentido de que a identificação genética, com funda-


mento no referido artigo da Lei de Execução Penal, não poderia se enquadrar no ar-
gumento sustentado pela Defensoria de violação ao direito a não autoincriminação

71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 973.837. Recte.(s) Wilson Carmindo
da Silva. Relator. Min. Gilmar Mendes. 2016.
56

por ter como origem uma sentença condenatória transitada em julgado. Segundo as
informações prestadas no pronunciamento do Relator 72:

A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Ge-


rais deu provimento ao agravo interposto e reformou o pronunciamento. As-
sentou não haver falar em violação ao princípio da vedação à autoincrimina-
ção, uma vez que o artigo 9-A da Lei de Execuções Criminais prevê a identi-
ficação genética como decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado.

Consignou ter o banco de dados de perfil genético duas finalidades precípu-


as, a saber: servir como meio de identificação criminal e atuar como ele-
mento probatório em posterior processo. Sublinhou que o gerenciamento
das informações genéticas do acusado deve ser feita por unidade oficial de
perícia criminal e o estudo não pode revelar traços somáticos ou comporta-
mentais do indivíduo, preservando o direito à intimidade, em harmonia com
a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos adotada pela 33ª
Sessão da Conferência Geral da Unesco.

Salientou que a inovação introduzida pela Lei nº 12.654/2012 possui caráter


de mero procedimento, sendo possível a aplicação aos processos em curso,
mesmo aos relativos a delitos praticados antes da alteração legislativa.

Em sede de recurso extraordinário, a Defensoria demonstra a validade do re-


curso com base na alínea “a”, do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, a
qual determina que o Supremo Tribunal Federal deverá julgar o referido recurso
quando a decisão recorrida contrariar dispositivo constitucional. Observa-se:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda


da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única
ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;

Assim, baseou o mérito no sentido de haver violação ao artigo 5º, II da Consti-


tuição Federal, uma vez que nenhum indivíduo poderia ser forçado a participar da
formação de provas, violando, assim, seu direito à não autoincriminação. Alegou,
também, que não haveria elemento suficiente que justificasse a identificação genéti-
ca após a condenação transitada em julgado, tendo em vista que já teria sido identi-
ficado criminalmente.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:

72 BRASIL, 2016.
57

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão


em virtude de lei;

Apresentado o recurso ao Supremo Tribunal Federal, este não foi reconhecido


sob o fundamento de haver óbice com a Súmula 283 do Tribunal. Diante da decisão,
foi interposto agravo nos próprios autos, sob os mesmos fundamentos do recurso
extraordinário, defendendo a sequência do recurso. O Parquet manifestou-se pelo
não provimento do agravo apresentado; mas, de forma diversa, em 2016 o Relator
deu provimento ao agravo.
Ao longo da análise do Acórdão, encontram-se referências a respeito da visão
internacional do caso, nas quais discutiu-se o direito a não autoincriminação, a intro-
missão proporcional e a violação ao direito de privacidade; após, há a análise da le-
gislação brasileira.
Destaca-se, assim, as seguintes passagens do acórdão a respeito das discus-
sões desenvolvidas no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Primeiramente 73, o
caso Van der Velden contra Holanda discute o uso da colheita do material genético
ser ou não invasivo à privacidade e se seria uma intromissão proporcional; conside-
ram, ao final, que o método seria válido em relação aos condenados, em decorrên-
cia do objetivo final de prevenir e investigar crimes:

Em Van der Velden contra Holanda, 29514/05, decisão de 7.12.2006, o Tri-


bunal considerou que o método de colheita do material – esfregação de co-
tonete na parte interna da bochecha – é invasivo à privacidade. Também
avaliou como uma intromissão relevante na privacidade a manutenção do
material celular e do perfil de DNA. Quanto a esse aspecto, remarcou-se
não se tratar de métodos neutros de identificação, na medida em que po-
dem revelar características pessoais do indivíduo. No entanto, a Corte avali-
ou que a adoção da medida em relação a condenados era uma intromissão
proporcional, tendo em vista o objetivo de prevenir e investigar crimes.

O segundo74 caso analisado é o de S. e MARPER contra Reino Unido, pelo


qual concluem que a manutenção dos perfis coletados sem prezo determinado viola
o direito à privacidade dos condenados, observa-se:

No caso S. e MARPER contra Reino Unido (decisão de 4.12.2008), o Tribu-


nal afirmou que a manutenção, por prazo indeterminado, dos perfis genéti-
cos de pessoas não condenadas, viola o direito à privacidade, previsto no
art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

73 BRASIL, 2016.
74 Ibid., 2016.
58

No terceiro75 caso, de Peruzzo e Martens contra Alemanha, o Tribunal mani-


festou-se no sentido de não haver violação ao direito de privacidade a manutenção
de perfis genéticos de indivíduos condenados por crimes graves em bancos de da -
dos estatais:

Por outro lado, no caso Peruzzo e Martens contra Alemanha (30562/04 e


30566/04, decisão de 4 de dezembro de 2008), considerou-se manifesta-
mente infundada a alegação de que a manutenção, em bancos de dados
estatais, de perfis genéticos de condenados por crimes graves violaria o di-
reito à privacidade.

Diante dessas análises, conclui: “De tudo se extrai o reconhecimento de que


as informações genéticas encontram proteção jurídica na inviolabilidade da vida pri-
vada – privacidade genética.”76
A respeito do contexto brasileiro, o Relator 77 desenvolve uma análise a respei-
to do tema a partir da Lei 12.654/12. Em síntese, trata do tema a partir das hipóteses
de identificação criminal e da execução penal por crimes violentos e hediondos, es-
clarecendo que há previsões diferentes para cada; fala, também, sobre o banco de
dados e a destinação das suas informações, ressaltando, ao final, a forma de prote-
ção da privacidade das informações:

No caso brasileiro, a Lei 12.654/12 introduziu a “coleta de material biológico


para a obtenção do perfil genético”, em duas situações: na identificação cri-
minal (art. 5º, LVIII, CF, regulamentado pela Lei 12.037/09) e na execução
penal por crimes violentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A).
Cada uma dessas hipóteses tem um regime diferente. Na identificação cri-
minal, a investigação deve ser determinada pelo juiz, que avaliará se a me-
dida é “essencial às investigações” (art. 3º, IV, combinado com art. 5º, pa-
rágrafo único). Os dados poderão ser eliminados “no término do prazo esta-
belecido em lei para a prescrição do delito”.
Os dados dos condenados, por outro lado, serão coletados como conse-
quência da condenação. Não há previsão de eliminação de perfis.
Em ambos os casos, os perfis genéticos são armazenados em banco de da-
dos. Os dados podem ser usados para instruir investigações criminais (art.
9-A, §2º, da Lei 7.210/84) e para a identificação de pessoas desaparecidas
(art. 8º do Decreto 7.950/13).
São instrumentos de proteção da privacidade o caráter sigiloso dos dados e
a vedação da inclusão de informações relativas aos “traços somáticos ou
comportamentais”, salvo quanto ao gênero – art. 5º-A, §1º.

Esclarece, ao final, que a jurisprudência não é unânime sobre a validade da


legislação no que se refere aos direitos de personalidade e as prerrogativas proces-

75 BRASIL, 2016.
76 Ibid., 2016.
77 Ibid., 2016.
59

suais que a Constituição Federal garante no artigo 5º. Assim, diante da relevância do
tema, o Relator78 votou pelo reconhecimento da repercussão geral do caso.
Observa-se:

A inclusão e manutenção de perfil genético de condenados em banco de da-


dos estatal não é aceita, de forma unânime, como compatível com direitos
personalidade e prerrogativas processuais, consagrados pelo art. 5º da CF.
Há decisões de Tribunais de Justiça afastando a aplicação da lei. O STF já
acolheu reclamações do Ministério Público, fundadas na Súmula Vinculante
10, contra atos de Tribunal de Justiça mineiro que afirmavam a inconstitucio-
nalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, sem observar a reserva de plenário –
Reclamações 19.843, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe 25.6.2015;
19.208, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 9.9.2015; 20.950, Cármen Lúcia;
23.163, Teori Zavascki.
Trata-se de questão constitucional que tem relevância jurídica e social.
No caso concreto, o recorrente, condenado por crimes praticados com vio-
lência contra a pessoa e por crimes hediondos, insurge-se contra a inclusão
e manutenção de seu perfil genético em banco de dados, sob a alegação de
violação a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se autoincrimi-
nar.

Conclui79, assim:

Ante o exposto, voto por reconhecer a repercussão geral da alegação de in -


constitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei
12.654/12, que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos
de condenados por crimes violentos ou por crimes hediondos.

Portanto, diante do reconhecimento da repercussão geral do caso e da elabo-


ração do tema 905, a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre possibilidade de
aplicação do artigo 9º-A da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, só terá um fim
quando o Tribunal Superior decidir se tal procedimento está de acordo com os pre-
ceitos da Constituição Federal ou os viola.
Tendo tais reflexões a respeito do tema vistas, segue-se para as considera-
ções finais.

78 BRASIL, 2016.
79 Ibid., 2016.
60

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O progresso legislativo para a inclusão do método de identificação genética e


a criação de um banco de dados interligado entre os entes federativos, ou seja a cri-
ação de uma Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG), no Sistema
Penal brasileiro configura, hoje, um amplo debate doutrinário e jurisprudencial.
A coleta do material genético, como forma de identificação criminal, e a sua
inserção na Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), prevista na Lei
nº 12.654/2012, qualificada como uma forma de lesão ao direito constitucional de
não produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere) foi o objeto de pesquisa do
presente trabalho.
Para responder a esta questão, compreendeu-se que a discussão deve ser
compreendida desde sua origem, qual seja: a estrutura do DNA que permitirá a iden-
tificação genética. A estrutura genética é composta por elementos que permitem a
individualização de um indivíduo de forma inequívoca, tendo em vista que, conforme
exposto ao longo do capítulo “A Coleta do Material Genético: Uma Análise Dog -
mática-Crítica”, o método apresenta probabilidades de identificação acima de 98% 80.
Assim, a sua utilização, aliada com a Fotografia e a Datiloscopia, configura um meio
seguro para os procedimentos de reconhecimento e confirmação de identidades ao
sistema penal brasileiro.
Diante de sua relevância, o legislador, em 2012, trouxe previsões permissivas
para a sua utilização, legalizando, assim, esse novo recurso. Há duas hipóteses
elencadas para a realização da coleta: no curso do inquérito policial e após a conde -
nação com trânsito em julgado. Na primeira ocasião, constatou-se dois possíveis
comportamentos do investigado: concordância com a coleta, cedendo o material ge-
nético para as autoridades, ou discordância, não colaborando com a formação de
elementos probatórios e identificatórios; diante da primeira situação, não haveria de
falar em violação ao princípio da não autoincriminação por ser um posicionamento
ativo do indivíduo com as autoridades, contudo, diante da recusa há uma ampla dis-
cussão doutrinária e jurisprudencial sobre a caracterização de violação ao preceito
constitucional, e internacional por meio de Tratados, da não autoincriminação. Na hi-
pótese da coleta após a condenação com trânsito em julgado, discute-se se haveria
a violação diante do fato de a identificação por perfil genético decorrer de uma con-

80 DEL-CAMPO, 2009, p. 71.


61

denação criminal transitada em julgado e não no curso da ação penal, conforme


constatou-se da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
A alteração promovida pela Lei 12.654/12 promoveu diversas mudanças na
legislação da identificação criminal, detre elas a criação da Rede Integrada de Banco
de Perfis Genéticos. A primeira análise desenvolvida trabalho desenvolveu-se sobre
sua legislação, específica e correlata, e as questões que a englobam: a estrutura do
DNA, a forma de identificação genética, as hipóteses de colta, a forma e quem a rea -
liza, as consequências da realização e da recusa em fornecer o material; destacan-
do, ao final, a sua destinação para os casos das pessoas desaparecidas. Observou-
se, também, a evolução do número de perfis que estão no banco de dados, por in-
termédio dos dados fornecidos pelo Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis
Genéticos, e a relação desse método com a Datiloscopia e Fotografia.
Portanto, compreendido tais conceitos, buscou-se analisar a garantia constitu-
cional da não autoincriminação. Primeiramente, estudou-se o conceito e a forma do
direito de defesa no sistema brasileiro: a defesa técnica, que consiste na defesa de-
senvolvida por um profissional da área legal e que proporciona iguais condições téc-
nicas entre as partes no curso da ação penal, e a defesa pessoal, que é a forma de
participação do réu no processo de forma positiva (participando do processo) ou ne-
gativa (não colaborando no processo). Observou-se, em sequência, que a defesa
pessoal negativa configura-se como o direito a não autoincriminação e que apre-
senta-se de forma implícita na Constituição Federal.
Constatou-se, então, que a doutrina não é pacífica a respeito da possível vio-
lação ao direito a não autoincriminação, perpetrado pelo princípio do “nemo tenetur
se detegere”, na coleta do material genético do indivíduo e sua inserção na Rede In-
tegrada de Banco de Perfis Genéticos. Há posicionamentos que defendem que a ga-
rantia é absoluta, não podendo relativizá-la perante a negativa do indivíduo em ce-
der seu material genético para o perfilamento, e, de modo diverso, há a compreen-
são de que é possível realizar a coleta diante da negativa, desde que respeitados
certos pressupostos como a legalidade e a não violação da integridade física e
psíquica. Não limitando-se as discussões doutrinárias, analisou-se a atual discussão
do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 973.837, na qual decidiu-se
que “tem repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei
62

7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, que prevê a identificação e o armazena-


mento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos.” 81
Desse modo, o presente trabalhou procurou analisar o direito a não autoincri-
minação e a sua relação com a formação de provas, em destaque com a genética.
Em frente ao exposto, é necessário um posicionamento do Supremo Tribunal Fede-
ral para determinar a possibilidade de relativização do direito.

81 BRASIL, 2016.
63

REFERÊNCIAS

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