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MATEUS LOSSE
CURITIBA
2022
MATEUS LOSSE
CURITIBA
2022
MATEUS LOSSE
Orientadora:___________________________
____________________________________
Prof. Membro(a) da Banca
Curitiba, de de 2022
“A justiça não existe onde não há liberdade.”
(L. EINAUDI)
RESUMO
This monograph aims to understand the use of the genetic material for the criminal
identification and the future insertion of those data in the Integrated Network of Ge-
netic Profiling Banks (INGPB) and if this procedure harm the constitutional warranty
of non-self-incrimination, perpetrated by the principle of nemo tenetur se detegere. It
will be analyzed, under the doctrinal and legal optics, the elements that encompass
the genetics, identification, the INGPB and the right of self defense. It will be aimed,
at the end, the comprehension of the current discussion of the Federal Supreme
Court about the Extraordinary Appeal nº 973.837, in which the constitutionality of the
criminal identification and storage of genetic profiles of convicted by violent or
heinous crimes is debated, as established by the article 9º-A of the Penal Execution
Law.
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………07
2 A COLETA DE MATERIAL GENÉTICO: UMA ANÁLISE DOGMÁTICA-
CRÍTICA……………………………………………………………………………………..09
2.1 A GENÉTICA, A DATILOSCOPIA E A FOTOGRAFIA……………………………...09
2.2 COLETA COMO FORMA DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL E
PROBATÓRIA……………………..………………………………………………………..12
2.3 2012: O ANO DA “LEGALIZAÇÃO” DA IDENTIFICAÇÃO POR DNA….………...17
2.4 A REDE APLICADA AOS CASOS DE PESSOAS DESAPARECIDAS…………..37
3 O DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO…..………………………………………42
3.1 A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO COMO DIREITO À AMPLA DEFESA……………42
3.2 DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO x COLETA DO MATERIAL
GENÉTICO………………………………………………………………………………….47
3.3 A ANÁLISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O SEU TEMA 905………..54
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………………………60
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………….63
7
1 INTRODUÇÃO
tivização da garantia, desde que respeitos requisitos como a previsão legal e a não
lesão à integridade física ou psíquica do indivíduo.
Não limitando-se à visão legal, entende-se que a análise deve ser desenvolvi-
da a partir da compreensão da estrutura genética e o que permite a individualização
de um indivíduo perante os demais na sociedade. A partir desse entendimento é que
será estudada a previsão legal entorno desse procedimento, seguindo, então, para
os elementos que compõe o direito a não autoincriminação e como ambos os institu-
tos se relacionam. Ao final, destaca-se a atual discussão desenvolvida no âmbito do
Supremo Tribunal Federal a partir do Recurso Extraordinário nº 973.837, no qual dis-
cute-se a constitucionalidade da identificação e armazenamento de perfis genéticos
de condenados por crimes violentos ou hediondos.
9
1 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal II. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. –
(Coleção curso & concurso/coordenação Edilson Mougenot Bonfim). p. 71.
10
2 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p.550.
3 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 321.
11
[…]
Em ambos os casos a identificação é sembre baseada na análise dos cha-
mados pontos característicos, acidentes presentes no desenho digital, e
que, encontrados na mesma posição e sentido e em número significativo,
servem para estabelecer a identidade de forma definitiva e segura.
4 CROCE, Delton; JÚNIOR, Delton Crone. Manual de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 108.
5 Ibid. p. 111.
6 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal I. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. –
(Coleção curso & concurso/coordenação Edilson Mougenot Bonfim). p. 65.
12
mento para a instrução e fundamentação das decisões judiciais e, dessa forma, de-
vem observar as garantias legais e constitucionais para que proporcionem a segu-
rança jurídica para todas as partes envolvidas.
Para o Sistema Penal, uma de suas garantias basilares é o direito a não auto-
incriminação, que deve ser assegurado com o maior cuidado possível, conforme se-
rá analisado ao longo do trabalho.
7 ROBERTIS, Edward M. de; HIB, José. Biologia celular e molecular. 16. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017.. p. 196.
13
O cromossomo, por sua vez, pode ser definido a partir da associação do DNA
com as proteínas. A seu respeito é pertinente observar a seguinte explicação:
Por fim, há dois (02) “tipos de genes”: codificantes (éxons) e não codificantes
(íntrons). De forma resumida, os éxons são os genes codificadores, pelos quais há a
possibilidade de realizar uma análise do perfil genético. Enquanto que os íntrons,
são os genes não codificadores, são aqueles que individualizam a pessoa, sem a
possibilidade de realizar uma análise do perfil genético.
Finalmente, a sigla DNA significa “Ácido Desoxirribonucleico” e sua estrutura
química é composta por quatro bases nitrogenadas: adenina, citosina, timina e gua-
nina. De acordo com Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo 10:
Vale ressaltar que não apenas para a identificação criminal esse sistema é uti-
lizado. Para a determinação da paternidade também apresenta resultados de extre -
ma eficácia: a probabilidade de paternidade pode apresentar altas taxas de certeza,
ultrapassando os 98%14.
Diante do exposto, podemos compreender o poder de discriminação desse
método como o poder de diferenciar e de individualizar uma pessoa dentre todas as
demais. Portanto, observamos que o poder de discriminação que a identificação por
material genético apresenta é elevada e quanto mais números de marcadores utili -
zados, mais eficaz será.
Como dito anteriormente, o poder da identificação criminal é encontrada no
uso das regiões hipervariáveis, os íntrons. Dentro dessa faixa de DNA, há 02 (duas)
regiões hipervariáveis não codificantes que diferenciam-se no tamanho dos pares de
base (bp): os minissatélites, compostos por 08 à 100 bp, e os microssatélites, com-
postos por 02 à 07 pb. Dessa forma, como são regiões que contém uma sequência
de DNA repetida e muito mais curta, quando comparada com as outras, e são en-
contrados em todos os cromossomos, há uma maior facilidade em se trabalhar com
elas e como consequência, uma facilidade para a realização dos testes de identifica-
ção humana.
Os autores Delton Croce e Delton Croce Junior15 afirmam:
Nessa ampla faixa de DNA […] existem pequenas regiões, denominadas mi-
crossatélites ou minissatélites, formadas por pequenas sequências de dois a
seis pares de bases nitrogenadas (nucleotídios), que se repetem inúmeras
vezes do começo ao fim (short tandem repeat – STR).
Essas regiões apresentam um polimorfismo bastante acentuado, permitindo
sua aplicação nos métodos de identificação com utilidade na área forense.
No ano de 2012 entrou em vigência a Lei 12.654 que alterou outras 02 (duas)
importantes leis: Lei 12.037, de 1º de outubro de 2009, e Lei 7.210, de 11 de julho de
1984 - Lei de Execução Penal; a partir das novas redações, a coleta de perfil genéti-
co como forma de identificação criminal estava legalizado. Dessa forma, as altera-
ções provocadas pela referida lei, para trazer a previsão da coleta do material ge-
nético para a identificação criminal, tornaram possível, também, a futura criação da
Rede Integrada de Perfis Genético, que veio a ser aperfeiçoado em 2019 com a Lei
13.964.
A respeito da criação e objetivos da Rede, o XIV Relatório da Rede Integrada
de Banco de Perfis Genéticos – RIBPG17, apresenta a seguinte contextualização:
17 Brasil. XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos. Brasil (2021). pg. 09.
18
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
As normas que regulam a Rede trazem um rol de perfis genéticos que são co-
letados e inseridos nela, sendo composta pelas seguintes categorias: vestígios de
crimes, condenados, identificados criminalmente, decisão judicial, restos mortais
identificados, restos mortais não identificados, familiares de pessoas desaparecidas,
pessoa de identidade desconhecida e referência direta de pessoa desconhecida.
Essas 09 (nove) categorias elencadas acima possuem diferentes níveis de
contribuição para a formação da Rede; tal fato está claramente demonstrado no se-
guinte gráfico retirado do XIV Relatório da RIBPG:
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 26 – “Gráfico 5 -
Distribuição das categorias de perfis genéticos existentes no BNPG.” 19
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz com-
petente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver
sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o
cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Tabela 1 - Nú -
mero total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a casos criminais.” 23
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 33 – “Gráfico 11 -
Distribuição estimada dos perfis genéticos oriundos de vestígios, segundo a natureza do crime, por la-
boratório.”26
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 34 – “ Gráfico 12 -
Distribuição dos perfis genéticos oriundos de indivíduos cadastrados criminalmente dentro da RIBPG,
segundo a natureza do crime, por laboratório.” 28
Ressaltando que o cadastro dos perfis pelo sistema CODIS utiliza categori-
as diferentes em que as amostras biológicas devem ser inseridas. Desta for-
ma, na categoria Vestígios, são inseridas as amostras coletadas do local de
crime ou vítima; em Condenados, inserem-se amostras colhidas de indiví-
duos condenados pelos crimes previstos no art. 9º-A da Lei de Execução
Penal; em Identificados Criminalmente, insere-se amostras obtidas para
identificação criminal, como estabelecido pela Lei 12.037 de 2009; e a cate-
goria Decisão Judicial é referente às amostras biológicas colhidas de indiví-
duos que não se enquadram em Condenados nem Identificados Criminal-
mente, porém são requeridas por decisão de juiz.
Em 1990 foi criado, também pelos EUA, um software piloto do atual sistema
CODIS (Combined DNA Index System), e em 1991 aproximadamente 15 es-
tados já haviam promulgado leis autorizando a implementação de um banco
de dados de DNA criminal. Em 1994 foi criado o atual sistema CODIS.
O CODIS é um sistema nacional de dados utilizado pelo FBI (Federal Bure-
au Investigation) que permite o compartilhamento eletrônico de perfis de
DNA por bases locais, estaduais e nacionais. […] O objetivo do CODIS é a
redução do número de crimes com autoria desconhecida no país.
No Brasil, o banco de dados de perfis genéticos para fins de persecução cri-
minal foi criado com base no CODIS americano. […]
Observa-se, desse modo, que a lei não é omissa em relação à forma que será
coletada o perfil genético; ao contrário: exige-se um rol de documentos que confir-
mam a sua realização e a possibilidade de ser feita a identificação dos envolvidos no
processo, ou seja, a identificação do indivíduo de quem está sendo feita a coleta,
testemunhas e o profissional responsável pelo procedimento.
Outro tópico a ser destacado é a referência ao já citado, no item 2.1: a impor -
tante cooperação que existe entre a Genética, Datilografia e Fotografia para a garan-
tia de uma identificação correta.
Importante destaque que antes de ser realizada a coleta do material é neces-
sário, por expressa previsão legal, que seja esclarecido acerca da base legal do pro-
cedimento a ser realizado:
Caso haja a recusa por parte do indivíduo em ceder o seu material genético, o
profissional responsável deverá assinar, em conjunto com a testemunha, um docu-
mento no qual constará o ocorrido. Com isso, será feita a comunicação à autoridade
do Poder Judiciário responsável para que decida acerca dos atos a serem tomados:
Art. 9º-A.
§ 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao proce-
dimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genéti-
co. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso
provisório.
Art. 9º-A.
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus
dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os do-
cumentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que pos-
sa ser contraditado pela defesa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 9º-A.
§ 7º A coleta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão
realizadas por perito oficial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos de-
verão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devida-
mente habilitado. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
Dessa forma, com o objetivo de garantir a plena capacitação dos peritos, são
disponibilizados cursos de especialização:
[…]
Já está em sua sexta edição o Curso Básico sobre o Banco de Perfis Ge-
néticos e a Legislação Aplicada. Trata-se de uma ação educacional instituí-
da e certificada pela Academia Nacional de Polícia em parceria com a Dire-
toria Técnico Científica da Polícia Federal, por meio do Banco Nacional de
Perfis Genéticos. O objetivo do curso é apresentar e discutir a legislação vi-
gente que prevê a coleta de material biológico de condenados e a identifica-
ção genética de suspeitos, para fins de inserção nos bancos da Rede Inte-
grada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). (…)32
Art. 2º A coleta obrigatória de material biológico deve ser realizada com téc-
nica adequada e indolor.
§ 1º A metodologia a ser utilizada deverá ser a descrita no Procedimento
Operacional Padrão, de coleta de células da mucosa oral, da Secretaria Na-
cional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
§ 2º Pode o órgão estadual competente desenvolver procedimento operacio-
nal padrão próprio, mais específico, desde que siga as diretrizes gerais pre-
vistas no procedimento da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
§ 3º As técnicas de coleta de sangue não devem ser utilizadas.
A lei traz também uma série de atos que devem ser respeitados para que te-
nha a garantia de que os materiais coletados estejam devidamente seguros e sem a
possibilidade de contaminação, desvio ou qualquer outro meio que tornaria inválido
o seu uso.
Nesse sentindo, importante trazer a letra da lei:
Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal.
Não apenas essa lei traz a previsão sobre o local de armazenamento, mas a
Lei de Execução Penal também estabelece que:
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave con-
tra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual
ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirri-
bonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no es-
tabelecimento prisional. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Inclu-
ído pela Lei nº 12.654, de 2012)
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 22 – “Gráfico 1-
Crescimento do número total de perfis genéticos no BNPG.”37
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Gráfico 7 -
Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de vestígios e indivíduos cadastra-
dos criminalmente no BNPG.”39
Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser ar-
mazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
Tendo tais preceitos em mente, passa-se para uma análise a respeito das hi-
póteses em que poderão ocorrer a exclusão do material genético da Rede Integrada
de Banco de Perfis Genéticos (RIBPG).
Primeiramente, destaca-se as previsões da Lei 12.037/09 pelas quais a exclu-
são poderá ocorrer em caso de absolvição do indivíduo na ação penal ou após 20
(vinte) anos do cumprimento de sua pena.
Segundo a Lei:
Art. 7º-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá:
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - no caso de absolvição do acusado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
II - no caso de condenação do acusado, mediante requerimento, após de-
corridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
rente materno e parente paterno), restos mortais não identificados, referência direta
de pessoa desaparecida e pessoas vivas de identidade desconhecida. Nesse senti -
do, o Manual de Procedimentos Operacionais da Rede Integrada de Banco de Perfis
Genéticos42 explica:
• cônjuge (spouse);
• filho biológico (biological child);
• irmão biológico (biological sibling);
• mãe biológica (biological mother);
• pai biológico (biological father);
• parente materno (maternal relative);
• parente paterno (paternal relative);
• pessoa de identidade desconhecida (missing person); e
• restos mortais não identificados (restos mortais NI).
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 36 – “Tabela 3 –
Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a pessoas desaparecidas.” 43
Fonte: XIV Relatório da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (2021), pg. 28 – “Gráfico 15 –
Análise da evolução do quantitativo de perfis genéticos oriundos de restos mortais e familiares no
BNPG.”44
Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado
ou julgado sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou
dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.
Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá consti-
tuir elemento para a formação do convencimento do juiz.
O direito ao silêncio, cuja origem deita raízes na Idade Média e início da Re-
nascença (Haddad, 2000, p. 141), é a versão nacional do privilege against
self-incrimination do Direito anglo-americano.
O princípio do direito ao silêncio, tradução de uma das manifestações da
não autoincriminação e do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a
se descobrir), foi uma das grandes conquistas da processualização da juris-
dição penal, consolidada no século XVIII, com a queda do Absolutismo.
No Brasil, com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXIII) e com o art. 8º, 1, do
Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/92), há regra expressa
assegurando ao preso e ao acusado, em todas as fases do processo, o di-
reito a permanecer calado. Embora não haja previsão expressa do direito à
não autoincriminação, pode-se, contudo, extrair o princípio do sistema de
garantias constitucionais.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sen-
tença penal condenatória;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
ARTIGO 8
Garantias Judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acu-
sação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natu-
reza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocên-
cia enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo,
toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias míni-
mas:
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para pre-
servar os interesses da justiça.
À primeira indagação, parece-nos não haver dúvida alguma sobre seu cabi-
mento no direito criminal, a teor do art. 155, do Código de Processo Penal,
que estabelece: “No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas,
serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil”. De tal
modo, a lei processual penal admite toda e qualquer prova, inclusive a peri-
cial, qualquer que seja, atendida, no entanto, a proibição da prova ilícita, nos
termos da Constituição Federal (art. 5º, LVI).
Assim, é evidente, que havendo interesse do acusado ou mesmo da vítima
em submeter-se ao exame de DNA, não vemos possibilidade de o juiz inde-
ferir essa prova, desde que necessária ao esclarecimento da verdade (CPP,
art. 184). A questão, entretanto, ganha contornos outros, quando essa prova
não tenha sido requerida pela parte interessada, e pretenda a autoridade
dela se servir para a comprovação da autoria do ilícito. Surge então a inda-
gação seguinte: pode o indiciado ou acusado ser submetido a essa modali-
dade de exame, por imposição da autoridade? Por outra: pode o apontado
agente do crime recursar-se a fornecer o material necessário ao referido
exame? E essa recusa pode ser havida como confissão? A essas indaga-
Dentro desse tema, destaca-se, também, a seguinte análise das autoras Ana
Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos e Camila Martins de Oliveira 63:
Diante de tal passagem, observa-se que, segundo uma vertente, mesmo para
atingir “a verdade real” do ocorrido, tal objetivo não se sobrepõe às garantias consti-
tucionais e, assim, não justificaria a falta de zelo pelo direito a não autoincriminação
Assim, esclarecem65:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de perma-
necer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Portanto, na visão das autoras, a coleta do material genético não viola a inte-
gridade física e nem a dignidade do indivíduo, sob os seguintes argumentos: a utili-
zação do swab, que caracteriza-se por ser um método indolor e não invasivo, aliado
com a previsão legal. Tais fatores, segundo suas explicações, tornaria constitucional
o uso do material genético na identificação e na inserção dos dados na Rede Inte -
grada de Banco de Perfis Genéticos e não violador do direito em análise.
A partir de tais premissas, transcreve-se as palavras do autor Eugênio Pacelli
de Oliveira67:
Esta é uma conclusão que nos parece de uma evidência solar, daí por que
não acreditamos que ela seria ou será infirmada por nossas Cortes Superio-
res, malgrado o entendimento que acabamos de expor. Determinadas inter-
venções corporais, quando não puserem em risco a integridade física e
psíquica do acusado em processo penal, e desde que previstas em lei, não
encontram obstáculos em quaisquer princípios constitucionais, sobretudo
quando se destinarem a colher prova em crimes que atingiram direitos fun-
damentais das vítimas. Afinal, o Direito Penal, intervenção estatal mais radi-
cal, não é também destinado à proteção dos direitos fundamentais?
É claro que, no processo penal, em que o tipo de certeza jurídica que aqui
se constrói exige maior prudência, deve-se evitar, quanto possível, as pre-
sunções legais e judiciais. Mas não podemos deixar de lembrar também
que, mesmo aqui, no processo penal, a prova dos elementos subjetivos dos
tipos penais é feita sempre por processos dedutivos, isto é, por meio de pre-
sunções, quando não confessada a motivação do delito.
E nem estamos sustentando também que o referido art. 232 do Código Civil,
cuja aplicação por analogia, em tese, parece-nos possível, esteja a dispen-
sar o Estado do ônus probatório de demonstrar o fato imputado, pela sim-
ples e solitária recusa ao meio de prova previsto em lei. Não. O que se nos
afigura perfeitamente possível é que o Juiz Criminal, quando diante de um
69 PACELLI, 2021, p. 327.
70 Ibid., p. 327.
54
71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 973.837. Recte.(s) Wilson Carmindo
da Silva. Relator. Min. Gilmar Mendes. 2016.
56
por ter como origem uma sentença condenatória transitada em julgado. Segundo as
informações prestadas no pronunciamento do Relator 72:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propri-
edade, nos termos seguintes:
72 BRASIL, 2016.
57
73 BRASIL, 2016.
74 Ibid., 2016.
58
75 BRASIL, 2016.
76 Ibid., 2016.
77 Ibid., 2016.
59
suais que a Constituição Federal garante no artigo 5º. Assim, diante da relevância do
tema, o Relator78 votou pelo reconhecimento da repercussão geral do caso.
Observa-se:
Conclui79, assim:
78 BRASIL, 2016.
79 Ibid., 2016.
60
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
81 BRASIL, 2016.
63
REFERÊNCIAS
______. Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984, que Institui a Lei de Execução Penal.
Brasília, DF, 1984.
______. Lei nº 12.654, de 28 de Maio de 2012, que Altera as Leis nºs 12.037, de 1º
de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para
prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras
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DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal I. 6. ed. São Paulo: Sa-
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