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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIGRAN CAPITAL

ADELIR ANGELO CENI NETO

ANÁLISE DA ILEGALIDADE DA PROVA POR ERRO NO


RECONHECIMENTO DE PESSOAS

Campo Grande MS
2023
2

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIGRAN CAPITAL

ADELIR ANGELO CENI NETO

ANÁLISE DA ILEGALIDADE DA PROVA POR ERRO NO


RECONHECIMENTO DE PESSOAS

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de


artigo científico apresentado ao Curso de
Direito do Centro Universitário UNIGRAN
CAPITAL, como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel. Professor
orientador: Prof.º Me. João Paulo Calves

Campo Grande MS
2023
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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIGRAN CAPITAL

ADELIR ANGELO CENI NETO

ANÁLISE DA ILEGALIDADE DA PROVA POR ERRO NO


RECONHECIMENTO DE PESSOAS

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Prof. Me. João Paulo Calves

________________________________________________________________
Prof. Jeferson Borges dos Santos Júnior

________________________________________________________________
Prof. Tiago Bunning Mendes

Campo Grande MS
2023
N385a Neto, Adelir Angelo Ceni.
Análise da ilegalidade da prova por erro no reconhecimento de
pessoas./Adelir Angelo Ceni Neto- Campo Grande: Centro
Universitário UNIGRAN Capital, 2023.
26 f.

Orientador: Profº. Me. João Paulo Calves.


Trabalho de Conclusão de Curso – Bacharel em Direito,
2023.

1. Processo Penal. 2. Prova Ilícita. 3. Psicologia do


Testemunho. 4. Reconhecimento de Pessoas. 5. Falso
Reconhecimento. I. Título.

CDU: 343.1(81)

Ficha Catalográfica elaborada na Biblioteca do Centro Universitário UNIGRAN Capital


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ANÁLISE DA ILEGALIDADE DA PROVA POR ERRO NO


RECONHECIMENTO DE PESSOAS

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Aspectos Gerais Sobre


Produção de Prova no Processo Penal. 2.1. Do Ônus da
Prova e da Iniciativa Probatória do Juiz. 3.
Reconhecimento de Pessoas Como Prova da Autoria no
Processo Penal e as Falsas Memórias Relacionadas as
Questões Psicológicas da Vítima. 3.1. Do Reconhecimento
de Pessoas. 3.2. Criação das Falsas Memórias Pelo Cérebro
Humano. 4. Análise de Caso Julgado Pelo Superior
Tribunal de Justiça Sobre Ilegalidade no Reconhecimento
de Pessoas. 5. Conclusão. Referências.

Adelir Angelo Ceni Neto1

João Paulo Calves2

RESUMO: O presente artigo aborda a temática do reconhecimento de pessoas no processo


penal, baseando-se nos testemunhos científicos da psicologia jurídica relacionada ao
testemunho. O objetivo desde trabalho é averiguar se realmente o procedimento debatido
está sendo realizado de forma correta para que não se puna uma pessoa inocente.
Demonstrar também que a falta de inobservância com os requisitos contidos no art. 226 do
CPP e o incentivo das autoridades ao fazer a vitima familiarizar um investigado como autor
do delito representa um fator forte para a seletividade penal e o etiquetamento de certos
tipos de pessoas. Como metodologia, o artigo visou analisar algumas literaturas nacionais,
sobre o reconhecimento de pessoas e sobre a psicologia do testemunho. Deste modo o
objetivo deste trabalho é analisar os métodos de coleta de prova, e ainda outros fatores que
podem influenciar a precisão do reconhecimento. Portanto, a principal motivação para
sustentar este presente artigo está na importância em que o tema expõe disserta para
assegurar as garantias do devido processo legal, assim como, mostrar que as inobservâncias
dos protocolos recomendados no Código de Processo Penal acarretam no acontecimento
de maior número de falsos reconhecimentos. E, por fim, apresentar propostas de
reformulação dada ao procedimento como forma de redução de danos.

Palavras-chave: Processo Penal; Prova Ilícita, Psicologia do Testemunho;


Reconhecimento de pessoas; falso reconhecimento.

1
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Unigran Capital. E-mail: adelirneto.rl.adv@gmail.com
2
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: joao.calves@unigran.br
5

ABSTRACT: This article addresses the issue of recognizing people in criminal


proceedings, based on the scientific testimonies of legal psychology related to testimony.
The objective of this work is to find out if the procedure discussed is actually being carried
out correctly so that an innocent person is not punished. Also demonstrate that the lack
of non-compliance with the requirements contained in art. 226 of the CPC and the
incentive of the authorities to make the victim familiarize an investigated as the author of
the crime represents a strong factor for the penal selectivity and the labeling of certain
types of people. As a methodology, the article aimed to analyze some national literature,
on the recognition of people and on the psychology of testimony. Thus, the objective of
this work is to analyze the evidence collection methods, and also other factors that can
influence the recognition accuracy. Therefore, the main motivation for sustaining this
present article lies in the importance that the theme exposes to ensure the guarantees of
due process of law, as well as to show that non-compliance with the protocols
recommended in the Code of Criminal Procedure lead to the occurrence of a greater
number of false recognitions. And, finally, present proposals for reformulation given to
the procedure as a way of harm reduction.

Keyworlds: Criminal Procedure; Illicit Evidence, Testimony Psychology; Recognition


of people; false recognition.

1 INTRODUÇÃO.
O artigo trabalhado é resultado de uma pesquisa minuciosa e detalhada acerca da
prova do reconhecimento de pessoas no ordenamento jurídico brasileiro, levando em
conta os perigos contidos na sua realização de forma errônea, mediante a doutrinas e
jurisprudências que relatam sobre o tema.
Será apresentado como o reconhecimento de pessoas no processo penal é um dos
meios de prova da autoria de um ato delituoso, e que para a condenação criminal é preciso
estar comprovada a autoria do crime, bem como a materialidade do ato. Portanto uma das
formas trazidas pelo Código de Processo Penal para comprovar está autoria é o
procedimento expresso no artigo 226, o reconhecimento de pessoas. Entretanto, tem-se
uma série de fatores e modos a se fazer o procedimento, para que não se vicie a prova.
Em seguida será possível observar que o direito ao processo justo é uma das
garantias fundamentais previstas na Constituição Federal brasileira. Nesse sentido, é
dever do Estado garantir que as provas utilizadas em um processo sejam lícitas e obtidas
de forma regular, a fim de assegurar que a decisão final seja justa e equilibrada. No
entanto, a utilização de provas ilícitas pode comprometer a validade do processo e,
consequentemente, a justiça da decisão.
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A historicidade do reconhecimento de pessoas e coisas está disciplinado no


Código de Processo Penal, e mantém a sua redação original desde 1941, sem ocorrer
nenhuma alteração no texto desde então, sendo, portanto, visível uma defasagem no seu
conteúdo para junto com a evolução do direito em si.
Assim, percebesse um expressivo atraso dos métodos utilizados e tem-se que o
Código de Processo Penal brasileiro tem um grande atraso em sua percepção e aplicação
diante dos demais códigos internacionais que aplicam métodos inovadores tanto no
âmbito do direito como na psicologia do reconhecimento.
Esse trabalho estuda o contexto aonde o reconhecimento de pessoas é uma das
provas mais utilizadas no processo penal. E demonstrado que esse meio de prova pode
ser questionado quando há indícios de que o reconhecimento foi realizado de forma ilegal,
como no caso de erro no reconhecimento de pessoas.
Também no primeiro capítulo, a partir da análise da teoria geral da prova, serão
expostos, os princípios e garantias constitucionais preponderantes para o estudo dos
meios de prova.
Já no segundo capítulo será abordado o reconhecimento em seus aspectos gerais,
ou seja, a ralação contida com o reconhecimento de pessoas e os resultados da prova em
si, assim como a sua valoração como meio de prova no processo penal.
No terceiro capítulo será demonstrado como o reconhecimento de pessoas é
debatido como prova da autoria do crime no processo penal, assim como será
demonstrado as características da relação do reconhecimento de pessoas com o estudo da
memória humana, analisando o processo de formação das falsas memórias e os riscos da
contaminação do procedimento de reconhecimento causados pelos agentes.
O objetivo deste trabalho é analisar a ilegalidade da prova por erro no
reconhecimento de pessoas, demonstrando sua importância na garantia do processo justo,
assim, para uma melhor analise da pesquisa, o projeto em questão distribui-se em temas
nos quais iremos debater e apresentar uma melhor solução no problema da pesquisa, bem
como em sua hipótese de estudo, suas metodologias e a justificativa da escolha de um
tema de tanta relevância para o ordenamento jurídico brasileiro no âmbito penal.

2 ASPECTOS GERAIS SOBRE PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO


PENAL.
A produção de prova no processo penal é uma das etapas mais importantes do
processo judicial. É por meio da prova que se busca demonstrar a existência ou não de
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uma infração penal, bem como a responsabilidade do acusado. Nesse sentido, é


fundamental que a produção da prova seja realizada de forma correta e dentro dos
parâmetros legais.
Este tópico tem como objetivo apresentar aspectos gerais sobre a produção de
prova no processo penal, destacando os principais meios de prova e os princípios que
norteiam a sua produção. Os meios de prova mais utilizados no processo penal são a prova
testemunhal, a prova documental, a prova pericial e o reconhecimento de pessoas, aonde
a partir dessas o juiz formará a sua convicção pela livre avaliação dessas provas
produzidas no devido processo legal, assim como relata o Código de Processo Penal em
seu artigo 155.
A prova testemunhal é aquela em que uma pessoa, chamada de testemunha, relata
ao juiz ou ao júri os fatos que presenciou ou que sabe por outras pessoas, conforme
estabelece o Código de Processo Penal em seu Título VII, Capítulo VI. A prova
documental é aquela que se faz por meio de documentos, tais como registros, certidões,
laudos e outros, assim como lembra Francesco Carnelutti (CARNELUTTI, 1957, p. 86)
que documento é qualquer coisa que faz conhecer qualquer outra coisa ou pessoa.
A prova pericial é aquela que se faz por meio de um parecer técnico, emitido por
um perito. Esse tipo de prova é utilizado, por exemplo, para aferir a autenticidade de uma
assinatura ou para avaliar a causa da morte de uma pessoa, contido essas pericias em geral
no Título VII, Capítulo II, do Código de Processo Penal.
Por fim, o reconhecimento de pessoas é uma prova que consiste na identificação
de uma pessoa por outra que a conhece ou que a viu em outra oportunidade. Esse meio
de prova está contido no artigo 226 do Código de Processo Penal, sendo utilizado para
identificar o autor de uma infração penal.
Assim os meios de provas são os dispositivos pessoais ou materiais que através
desses possam servir para a comprovação da verdade de alguma forma, sendo direta ou
indiretamente, ou seja, algo apto a mostrar ao juiz sobre a visão de um ato, que possa
faze-lo criar em sua mente uma livre convicção sobre essa verdade apresentada.
A produção de prova no processo penal deve observar os princípios da legalidade,
da lealdade processual, da imparcialidade, da busca da verdade real e da razoabilidade. O
princípio da legalidade implica que a produção de prova deve ser realizada dentro dos
limites estabelecidos pela lei. A lealdade processual, por sua vez, exige que as partes
sejam honestas e transparentes na produção de prova, não podendo utilizar meios ilícitos
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ou fraudulentos, assim como destaca nas disposições preliminares do Código de Processo


Penal, especificadamente no Tópico do Juiz das Garantias.
A imparcialidade é um princípio fundamental no processo penal, pois é por meio
dela que se busca garantir a equidade e a justiça no processo. Já o princípio da busca da
verdade real determina que o juiz deve buscar a verdade dos fatos, ainda que essa verdade
não esteja de acordo com as versões apresentadas pelas partes, regras expostas pelo
próprio Código de Processo Penal em seus artigos: 3º-A e 155.
Por fim, o princípio da razoabilidade determina que as decisões do juiz devem ser
fundamentadas e baseadas em elementos concretos e objetivos, também estruturado no
artigo 155 do CPP. A produção de prova no processo penal é uma etapa fundamental para
a obtenção de uma decisão justa e equilibrada. Para tanto, é necessário que a produção de
prova seja realizada de forma correta, observando os princípios que norteiam o processo
penal. Cabe aos advogados e aos juízes a responsabilidade de garantir que a produção de
prova seja realizada dentro dos parâmetros legais e que seja capaz de demonstrar a
verdade dos fatos.
Assim, nas lições do ilustre jurista Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2020, p.
313), as provas podem ser descritas de três formas diferentes, sejam elas como: ato de
prova, meio de prova e como resultado da ação de prova. Em suas palavras:
Há, fundamentalmente, três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o
processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela
parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo
qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da
ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova
oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer
o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do crime”.
Portanto, é o clímax do processo.
Desse modo o ato de provar no processo se encontra associado a uma tentativa de
reconstruir os fatos investigados no processo, visando em uma forma o convencimento
do juiz sobre a verdade momentânea de um fato criminoso anteriormente acontecido,
trazendo alegações relevantes para o processo e permitindo destrinchar os acontecimentos
de cunho jurídico relevantes para a tomada de decisão do juiz.
No processo penal brasileiro a prova é regida por princípios e normas
constitucionais, regidos por fundamentos teóricos, entretanto essas disposições legais
sobre prova são escassas no Código de Processo Penal, tendo em vista que o título
debatido abrange somente três artigos. De uma forma complementar, a doutrina vem pra
enriquecer este tema, pois analisa a teoria geral da prova com mais magnitude e
amplitude, compreendendo de forma mais ampla o seu estudo.
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2.1. Do ônus da prova e da iniciativa probatória do juiz.


De acordo com o artigo 129 da Constituição Federal, o nosso sistema de litígio
exige a separação das acusações, defesa e julgamento. Esta separação destinava-se a
evitar concentrações de poder e evitar o declínio do poder ao arbitrário.
Em matéria penal, tendo em vista o princípio da presunção de inocência previsto
no artigo 5º, LVII, da constituição de 1988, o elemento constitutivo da prova corresponde,
geralmente, a quem a produz. Dessa forma, o autor da ação penal deverá provar a
materialidade do crime, a autoria, dolo ou culpa, as causas de agravamento e as
qualificadoras.
Ao contrário, cabe à defesa provar a existência de exclusões de ilegitimidade e de
culpa, bem como a existência de motivos de isenção de pena e atenuantes.
Consequentemente, entretanto de acordo com a presunção da inocência é válida a
conclusão de que o ônus da prova no processo penal recai exclusivamente sobre a
acusação.
Nas vertentes do âmbito doutrinário, tem-se destaque em duas principais posições
sobre o tema, a primeira versa que o ônus da prova no processo penal é somente da
acusação, diante do princípio da presunção de inocência. Nesse sentido o jurista Paulo
Rangel defende que:
Há que se interpretar a regra do ônus da prova à luz da Constituição, pois se é
cediço que a regra é a liberdade (art. 5º, XV, da CRFB) e que, para que se possa
perdê-la, dever-se-á observar o devido processo legal e dentro deste encontra-
se o sistema acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal, dando-se
ao Ministério Público, para a defesa da ordem jurídica, a totalidade do ônus da
prova do fato descrito na denúncia. (RANGEL, 2015, p. 568)
Em segundo plano temos a corrente que defende que se deve ter uma divisão do
ônus da prova entre a acusação e a defesa, conforme os defensores dessa vertente, a
acusação precisa produzir uma certeza sobre o acusado, já a defesa precisa somente
produzir de certa forma uma suscitável dúvida, levando em consideração o in dubio pro
réu, aonde na dúvida gera-se a absolvição do acusado.
Como defensor dessa corrente, tem-se o posicionamento do ilustre Renato
Brasileiro de Lima:
Em suma, enquanto o Ministério Público e o querelante têm o ônus de provar
os fatos delituosos além de qualquer dúvida razoável, produzindo no
magistrado um juízo de certeza em relação ao fato delituoso imputado ao
acusado, à defesa é suficiente gerar apenas uma fundada dúvida sobre causas
excludentes da ilicitude, causas excludentes da culpabilidade, causas extintivas
da punibilidade ou acerca de eventual álibi. Há, inegavelmente, uma distinção
em relação ao quantum de prova necessário para cumprir o ônus da prova: para
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a acusação, exige-se prova além de qualquer dúvida razoável; para a defesa,


basta criar um estado de dúvida. (LIMA, 2020, p.679)
No quesito da iniciativa probatória do juiz podemos destacar que sempre houve
uma concordância na doutrina sobre a inconstitucionalidade do artigo 156, inciso I, do
Código de Processo Penal Brasileiro, tendo em vista a vedação da iniciativa acusatória
do juiz na fase instrutória do processo. Nas palavras de Eugênio Pacelli Oliveira sobre o
assunto:
O retrocesso, quase inacreditável, é também inaceitável. A
inconstitucionalidade é patente. O juiz não tutela e nem deve tutelar a
investigação. A rigor, a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação
da peça acusatória (arts. 395 e 396, CPP). No curso do inquérito policial ou de
qualquer outra investigação a atuação da jurisdição não se justifica enquanto
tutela dos respectivos procedimentos. (OLIVEIRA, 2020, p. 427)
Conforme Aury Lopes Jr. (2020, p. 59), o artigo 156, do Código de Processo Penal
traz um sistema inquisitório do juiz, onde ele pode produzir provas antecipadamente as
caracterizando como urgentes e relevantes, antes mesmo de iniciada a ação penal, assim
como determinar diligências que ache necessário para esclarecer dúvidas sobre algum
ponto importante antes de proferir uma sentença. Entretanto Aury sustenta que essa forma
não pode mais vigorar, tendo em vista que fere o princípio da ampla defesa e do
contraditório, ferindo a imparcialidade do magistrado.
Ademais, sobre o tocante ao artigo trazido alhures, existe uma divergência de
doutrinas em relação a atuação do magistrado “ex officio” no curso do processo. A
primeira doutrina defende que somente no decorrer do processo o magistrado pode
determinar a produção de provas que entende por sua vez ser importante e razoável para
o caso debatido, protegido pelo fato de suprir dúvidas importantes para a tomada de suas
decisões sem que comprometa a sua imparcialidade.
Renato Brasileiro de Lima, in verbis:
Não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal acusatório e um juiz
dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de
provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade. A essência
do sistema acusatório repousa na separação das funções de acusar, defender e
julgar. Por mais que a ausência de poderes instrutórios do juiz seja uma
característica histórica do processo acusatório, não se trata de uma
característica essencial a ponto de desvirtuar o referido sistema. (LIMA, 2020,
p. 108)
Cabe corroborar esse entendimento com o julgado do Superior Tribunal de
Justiça:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. CORREIÇÃO PARCIAL. INDEFERIMENTO DE
PRODUÇÃO DE PROVAS PARA A DEFESA (SEGUNDO MOMENTO)
ANTERIORMENTE DEFERIDAS PELO JUÍZO (PRIMEIRO MOMENTO).
APONTADA PRECLUSÃO PRO JUDICATO. INOCORRÊNCIA. PODER
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INSTRUTÓRIO DO MAGISTRADO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. [...]. I


- A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem firme entendimento
no sentido de que em matéria de instrução probatória não há se falar em
preclusão pro judicato, isto porque os princípios da verdade real e do livro
convencimento motivado, como fundamentos principiológicos da etapa
probatória do processo penal, pelo dinamismo a ele inerente, afasta o sistema
da preclusão dos poderes instrutórios do juiz. [...] III - O devido processo legal
assegura às partes a produção das provas que entendem necessárias para
comprovar a sua tese, seja defensiva ou acusatória; entretanto, esse direito,
inserido nesse mesmo espectro legal esquematizado em atos processuais, não
é ilimitado, incondicionado, subjetivo ou arbitrário. Direcionado que é para o
magistrado, na formação do seu convencimento quanto à existência (ou não)
da responsabilidade penal, caso as entenda irrelevantes, impertinentes ou
protelatórias, poderá indeferi-las, motivadamente, em observância à norma
constitucional insculpida no art. 93, IX, da CF. Inteligência do art. 400, § 1º,
do CPP. IV - "Não obstante o direito à prova, consectário do devido processo
legal e decorrência lógica da distribuição do ônus da prova, tendo o processo
penal brasileiro adotado o sistema do livre convencimento motivado, ou da
persuasão racional, compete ao magistrado o juízo sobre a necessidade e
conveniência da produção das provas requeridas, podendo indeferir,
fundamentadamente, determinada prova, quando reputá-la desnecessária à
formação de sua convicção, impertinente ou protelatória, cabendo ao
requerente da diligência demonstrar a sua imprescindibilidade para a
comprovação do fato alegado" (HC 219.365/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministra
Regina Helena Costa, DJe 21/10/2013). [...] (STJ – HC: 294383 GO
2014/0110397-7, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento:
30/06/2015, T5 QUINTA TURMA, Data de Publicação DJe 03/08/2015).
De forma antagônica, a segunda corrente defende que não se pode permitir a
atuação do magistrado de forma “ex officio”, seja na fase investigatória ou instrutória,
levando em consideração que essa conduta fere a vertente da imparcialidade do juiz.
Em 2019, com a formulação da Lei 13.964/19, foi postulado de uma maneira
expressa em letra de lei o sistema acusatório no processo penal brasileiro. Conforme o
artigo 3-A, do Código de Processo Penal: “O processo penal terá estrutura acusatória,
vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória
do órgão de acusação”.
Assim, não se pode mais o magistrado agir de forma “ex officio” na busca e na
produção de provas na fase investigatória e na fase instrutória do processo judicial. Na
forma que com esse advento ocorreu a revogação tácita do artigo 156, inciso II, do Código
de Processo Penal e dos dispositivos que também davam ao magistrado a iniciativa
probatória no curso do processo.
Sobre essa revogação tácita do artigo 156 e dos demais dispositivos, ambos do
Código de Processo Penal, que juntamente davam ao juiz essa iniciativa probatória,
nessas mesmas palavras Aury Lopes Jr. (2020) em seus estudos também traz que essa
produção de prova pelo magistrado, caracteriza seriamente a forma inquisitiva do
processo, e é contrária ao disposto no novo artigo 3º-A, do Código de Processo Penal,
12

levando-se em conta que esse julgador que determina a produção de prova vai decidir se
ela é urgente ou necessária.
Dessarte, não cabe mais esse agir de ofício, na busca de provas, por parte do
juiz, seja na investigação, seja na fase processual de instrução e julgamento.
Obviamente que não basta mudar a lei, é preciso mudar a cultura, e esse sempre
será o maior desafio. Não tardarão em aparecer vozes no sentido de que o art.
156, I deve permanecer, cabendo o agir de ofício do juiz quando a prova for
urgente e relevante. Tal postura constitui uma burla à mudança, mantendo
hígida a estrutura inquisitória antiga. Afinal, basta questionar: o que é uma
prova urgente e relevante? Aquela que o juiz quiser que seja. E a necessidade,
adequação e proporcionalidade, quem afere? O mesmo juiz que determina sua
produção. Essa é a circularidade inquisitória clássica, que se quer abandonar.
Fica a advertência para o movimento contrarreformista. (LOPES, 2020, p. 68)
Por fim, entendesse com o ensinamento dos doutrinadores que o correto e
adequado é reconhecer a revogação do 156 e todos os artigos que seguem essa linha de
pensamento, tendo em vista a incompatibilidade deles com o principio acusatório e a
redação do artigo 3º-A do Código de Processo Penal.

3 RECONHECIMENTO DE PESSOAS COMO PROVA DA AUTORIA NO


PROCESSO PENAL E AS FALSAS MEMÓRIAS RELACIONADAS AS
QUESTÕES PSICOLÓGICAS DA VÍTIMA.
O reconhecimento de pessoas é uma das provas mais utilizadas no processo penal.
Ele consiste na identificação de uma pessoa por outra que a conhece ou que a viu em
outra oportunidade. O reconhecimento pode ser feito por meio de fotografias, vídeos ou
pessoalmente, pode ser uma importante prova de autoria no processo penal, mas deve ser
utilizado com cautela e sempre levando em consideração outras provas e evidências
disponíveis, pois é importante lembrar que o reconhecimento pode ser falho e que a
memória humana nem sempre é precisa.
O tema debatido já foi pauta em diversas obras, por se tratar de um tema com
grande relevância no ordenamento jurídico penal brasileiro. Uma citação de demasiada
importância é a citada na obra de Manzini (2006), que nos traz uma percepção da natureza
da prova de reconhecimento de pessoas e coisas.
Contudo, o reconhecimento de pessoas e coisas é uma prova nominal, ou seja, é
uma prova prevista expressamente no ordenamento jurídico, e no livro de Manzini ele
contradita a natureza probatória em si dessa prova, alega que ela no momento inicial serve
apenas de forma instrutória no processo.
Assim, afirma Manzini (MANZINI, 2006, p.232):
o reconhecimento não é meio ou elemento de prova, mas um ato instrutório
informativo [...], ele por si só nada pode provar com respeito dos fatos
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alegados. Prova é o testemunho; o reconhecimento é mero contraste (controllo)


da prova; é elemento para avaliação dela e não elemento probatório.
Embora Manzini não reconheça a natureza de prova desse ato, o reconhecimento
de pessoas e coisas do artigo 226 do Código de Processo Penal, é um ato formal, aonde
sua forma de produção está bem definida e expressa, entretanto para a sua validade no
devido processo legal, tem-se necessário seguir os preceitos legais processuais contidos.
O reconhecimento de pessoas é uma prova de natureza testemunhal, que tem por
objetivo identificar o autor de uma infração penal. No entanto, sua utilização deve ser
realizada de forma cautelosa, a fim de evitar erros ou vícios que possam comprometer a
validade da prova. Por isso, é necessário que o reconhecimento seja realizado de forma
correta e com acompanhamento de um profissional capacitado, como um psicólogo ou
um perito criminal. Além disso, é importante que o reconhecimento seja realizado o mais
rápido possível após a ocorrência do crime, para que a memória da testemunha esteja mais
fresca. É importante também que o reconhecimento seja realizado de forma imparcial,
sem qualquer tipo de sugestão por parte dos investigadores ou da acusação. Caso
contrário, pode ocorrer o que é chamado de "contaminação da prova", onde o testemunho
é influenciado pelo que foi sugerido.
Os erros no reconhecimento de pessoas podem ser causados por diversos fatores,
como a distância, a iluminação, a duração da observação, a atenção, entre outros. Esses
erros podem levar à identificação equivocada de uma pessoa, o que compromete a
validade da prova e pode resultar em prejuízo para o acusado.
A utilização de uma prova obtida de forma ilícita compromete a validade do
processo e a justiça da decisão. Nesse sentido, o erro no reconhecimento de pessoas pode
ser considerado uma forma de ilicitude, pois pode levar à identificação equivocada do
autor da infração penal.
A ilegalidade da prova por erro no reconhecimento de pessoas pode ser
questionada em juízo, a fim de que a prova seja considerada nula. Para tanto, é necessário
que o acusado apresente elementos que demonstrem a existência de erros no
reconhecimento, como a apresentação de outras testemunhas que contestem a versão
apresentada pelo reconhecedor ou a análise de imagens que evidenciem a impossibilidade
do reconhecimento.
Assim, o reconhecimento de pessoas é uma prova de suma importância para o
processo de identificação, a seguir será destrinchado esse método de prova e mostrado a
sua importância, mostrando que se trata de um meio de prova que visa à verificação da
autoria do crime.
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Digamos que houve um fato criminoso, a partir disso surge a obrigação do Estado
de apurar a autoria e a materialidade desse crime. A respeito dessa materialidade desse
fato, deve-se demonstrar a sua finalidade da identificação e a relação que se tem com o
reconhecimento de pessoas.
O jurista Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 393) explica em seu estudo que a
identificação criminal é uma identificação por características únicas, como a colheita de
impressões digitais ou de materiais genéticos. Em outras palavras a identificação é a união
e a comparação de dados de um individuo juntamente com o fato criminoso, com o intuito
de criar uma identidade criminal do autor.
Quanto o reconhecimento do acusado, Guilherme de Souza Nucci ensina que:
Pode ocorrer que ele não tenha o nome ou os demais elementos que o
qualificam devidamente conhecidos e seguros. Há quem possua dados
incompletos, não tenha nem mesmo certidão de nascimento, ou seja, alguém
que, propositadamente, carregue vários nomes e qualificações. Contenta-se a
ação penal com a determinação física do autor do fato, razão pela qual se torna
imprescindível a sua identificação dactiloscópica e fotográfica, o que,
atualmente, é expressamente previsto na Lei 12.037/2009. (NUCCI, 2020, p.
444)
Desse modo, há diferentes vertentes que refutam o entendimento de Nucci, com o
argumento de que por se tratar de um procedimento de potencial constrangimento ao
investigado, somente será admitido a identificação criminal para aquele que não tiver
identificação civil, nesse pensamento a doutrina de Paulo Rangel:
A identificação criminal sempre foi um constrangimento para as pessoas que a
ela se submetiam. Agora, nos termos da Constituição, este constrangimento só
será admitido para aquele que não tiver identificação civil, mesmo assim
deverá a autoridade encarregada de realizar a identificação criminal adotar
providências necessárias para evitar qualquer tipo de constrangimento ao
investigado. (RANGEL, 2015, p. 169)
O entendimento do Supremo Tribunal Federal em sua súmula de número 568,
entendia anteriormente a CF/88 que “A identificação criminal não constitui
constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.
Entretanto o referido enunciado sumular não foi recepcionado pela Carta Magna
de 1988, isso porque a Constituição Federal é explicita em seu texto sobre o referido tema,
conforme o artigo 5º, inciso LVIII: "o civilmente identificado não será submetido a
identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei".
De acordo com a Lei de Execução Penal (Lei 12.037, de 1.º de outubro de 2009,
alterada pela Lei 12.654/2012), será autorizado a identificação quando houver uma
incerteza concreta sobre veracidade e da validade dos fatos e documentos apresentados.
15

Também quando houver informações de que o acusado cometeu fraude em registros


criminais, conforme a letra de Lei:
Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer
identificação criminal quando:
I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;
II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o
indiciado;
III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações
conflitantes entre si;
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo
despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou
mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da
defesa;
V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações;
VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da
expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação
dos caracteres essenciais.
Assim, não se tem mais um rol taxativo de crimes que impõe a obrigatoriedade da
identificação criminal. Desse modo a identificação estará a cargo e entendimento da
conveniência da investigação policial, sem levar em consideração o delito cometido em
si (NUCCI, 2020, p. 352).
Conforme dito alhures, nesse tópico em questão, o reconhecimento de pessoas é
o meio de prova que tem o intuito de obter a identificação pessoal de coisas ou pessoas,
em um ato processual devidamente previsto em lei, provocado perante autoridade policial
ou judiciária.
Conforme Helio Tornaghi (1991, p. 429): “é o ato pelo qual alguém verifica e
confirma a identidade de pessoa ou coisa que lhe é mostrada, com pessoa ou coisa que já
viu (ouviu, palpou que lhe caiu sobre os sentidos), que conhece”

3.1. DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS.


O ato processual de reconhecimento de pessoas no processo penal é um ato formal
onde a vítima, testemunha ou o acusado identifica uma terceira pessoa. Um ato de suma
importância e de crivo de seriedade, devendo ser feito de acordo com os rigores técnicos
e observados as recomendações estabelecidas pelo Código de Processo Penal.
Existe duas formas de reconhecimento, o reconhecimento pessoal que está
previsto no artigo 226 do CPP:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa,
proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a
pessoa que deva ser reconhecida;
16

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao


lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento,
por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da
pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não
veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas
testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da
instrução criminal ou em plenário de julgamento (BRASIL, 1941)
Conforme estabelecido no primeiro inciso do artigo acima, primeiramente a
pessoa que irá reconhecer deverá descrever o acusado (pessoa a ser reconhecida no
momento), assim como Guilherme de Souza Nucci corrobora a suma importância desse
ato, pois a partir dele será extraído da memoria do reconhecedor, dessa forma será
possível para o magistrado verificar a veracidade e a firmeza mínima do reconhecedor
para dar ou não procedência a identificação. In verbis:
Essa providência é importante para que o processo fragmentário da memória
se torne conhecido, vale dizer, para que o juiz perceba se o reconhecedor tem
a mínima fixidez (guarda o núcleo central da imagem da pessoa que pretende
identificar) para proceder ao ato. Se descrever uma pessoa de dois metros de
altura, não pode, em seguida, reconhecer como autor do crime um anão. É a lei
da lógica aplicada ao processo de reconhecimento, sempre envolto nas naturais
falhas de percepção de todo ser humano (NUCCI, 2020, p.895)
A seguir tem-se o inciso II, que diz a respeito da fase de comparação, e para que
se tenha uma comparação justa tem-se necessário que possua uma mínima semelhança
entre a pessoa a ser reconhecida com as outras a serem posicionadas juntamente na
propositura do ato.
Nas palavras de Gustavo Henrique Badaró:
Entendemos que não basta qualquer semelhança, mas sim um conjunto de
dados semelhantes. Se não houver uma semelhança entre as pessoas ou coisas
a serem reconhecidas, o reconhecimento será nulo, por defeito formal. Em
outras palavras, deverão ser confrontadas pessoas do mesmo sexo, origem
racial, estatura, idade. (BADARÓ, 2015, p. 471)
O inciso III, por sua vez, versa sobre o interesse do legislador em preservar a
produção da verdade e a integridade da vítima, pois traz que se houver motivo relevante
para que a vítima não veja o acusado, deverá a autoridade policial fornecer meios para
que isso não ocorra. Entretanto com uma condição no parágrafo único, em que esse
disposto no inciso III não terá aplicação na fase judicial.
Por fim, o inciso IV diz que deverá ser lavrado auto pormenorizado, registrando
em seu teor inteiramente todo o ocorrido no decorrer do ato de reconhecimento, devendo
ainda ser assinado pela autoridade policial responsável pelo ato, pelo reconhecedor e por
duas testemunhas, para se dar a validade do ato.
17

Assim como diversos juristas que corroboram o entendimento, o Aury Lopes Jr.
(LOPES, 2020, p. 773) crítica a não utilização de forma rigorosa do disposto no artigo
226, do Código de Processo Penal:
Tais cuidados, longe de serem inúteis formalidades, constituem condição de
credibilidade do instrumento probatório, refletindo na qualidade da tutela
jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um
país.
Por sua vez torna-se importante corroborar esse entendimento do ilustre jurista
com a pacíficas jurisprudências dos tribunais que entendem que o não cumprimento
dessas regras previstas no artigo 226, do CPP, são meras recomendações e por si só, não
configuram a nulidade do ato. Veja-se:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL.ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE
PESSOAS. TESE DE VIOLAÇÃO DO ART.226 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO HARMÔNICA
COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPERIOR CORTE DE JUSTIÇA. 1.
A jurisprudência sedimentada desta Corte é a de que "as disposições contidas
no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal,
e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando
praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da
prevista em lei" (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 6/6/2017, DJe de
13/6/2017). 2. Além disso, a autoria ficou comprovada, em juízo, por meio de
prova testemunhal, e não apenas no reconhecimento judicial do agravante. 3.
Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no AREsp: 1520565 SP
2019/0169505-7, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
Data de Julgamento: 10/09/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 18/09/2019).

HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. NULIDADES.


ART. 226 DO CPP. MERAS RECOMENDAÇÕES. ART. 397 DO CPP.
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EFETIVO
PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PREVENTIVA. NEGATIVA DE
RECORRER EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS.
ILEGALIDADE CONSTATADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. O
reconhecimento de coisas e pessoas deve seguir o procedimento do art. 226 do
CPP, mas sua inobservância não causa, por si só, a nulidade do ato. Precedentes
do STJ. 2. Dando-se a remessa dos autos ao Ministério Público justamente para
exame de nulidade suscitada pela defesa, não se dá violação do rito processual,
mas simples cumprimento ao constitucional mandamento do contraditório. 3.
A nulidade exige prova do efetivo prejuízo, o que não ocorreu na espécie,
aplicando-se ao caso o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563
do CPP. Precedentes. 4. Não se indicando na sentença condenatória qualquer
fundamento para a mantença da prisão, mesmo existentes vários no prévio
decreto de custódia cautelar, sequer na decisão definitiva referido, evidencia-
se a ausência de fundamentação idônea para a decretação da medida extrema.
5. Habeas corpus concedido apenas para a soltura do paciente KAIQUE
MATIAS DOS SANTOS, o que não impede a fixação de medida cautelar
diversa da prisão, pelo Juízo de 1º grau, por decisão fundamentada. (STJ – HC:
494102 SP 2019/0046788-6, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de
Julgamento: 07/05/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
15/05/2019).
18

A segunda forma de reconhecimento é o reconhecimento fotográfico, que de


forma geral é um método bastante usado mesmo levando em consideração que não está
previsto na legislação. Assim trata-se de uma forma subsidiária do reconhecimento, onde
é realizado sobre a foto do acusado em um ato definitivo e irrepetível. Entretanto, tem a
sua validade debatida na doutrina e na jurisprudência.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça em diferentes Habeas Corpus é
que:
PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. NULIDADE DA
SENTENÇA.CONDENAÇÃO BASEADA FUNDAMENTALMENTE NO
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO RÉU NA FASE
INQUISITÓRIA. I - É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que
o reconhecimento fotográfico, como meio de prova, é plenamente apto para a
identificação do réu e fixação da autoria delituosa, desde que corroborado por
outros elementos idôneos de convicção. II - In casu, a sentença condenatória
do paciente se baseou, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico do
acusado na fase inquisitória, quase um ano após a ocorrência dos fatos, o que
não se mostra suficiente para sustentar a condenação do acusado. (STJ – HC:
22907 SP 2002/0069942-4, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de
Julgamento: 10/06/2003, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
04/08/2003). Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em
favor de Luis Alberto Vieira Nunes, contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina na Apelação Criminal n. 0009786-
83.2015.8.24.0039. Em primeiro grau de jurisdição, o paciente foi condenado
às penas de 8 anos e 8 meses de reclusão em regime inicial fechado e de 16
dias-multa fixados no mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 157,
§ 2º, I, c/c o art. 61, I e II, c, do Código Penal (fls. 22-27). A defesa interpôs
apelação pugnando pela absolvição ante a insuficiência de provas e a
inobservância do art. 226 do CPP no tocante ao seu reconhecimento. O
Tribunal a quo, porém, negou-lhe provimento (fls. 48-55). No presente writ, a
defesa sustenta que o paciente foi condenado exclusivamente com base no
reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas na fase policial, não
corroborado por outros elementos probatórios, em desacordo com o art. 226
do CPP. Requer seja deferida liminar a fim de suspender os efeitos da
condenação do paciente até o julgamento definitivo do presente mandamus.
No mérito, pleiteia a absolvição do paciente. Subsidiariamente, pugna pela
redução da pena imposta, tendo em vista a ausência de fundamentação idônea
no tocante aos maus antecedentes e à reincidência. É o relatório. Decido.
Evidenciando-se que a medida de urgência confunde-se com o próprio mérito
do presente habeas corpus, impõe-se reservar ao órgão competente a análise
minuciosa das razões que embasam a pretensão, depois de devidamente
instruídos os autos. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se
informações à autoridade coatora, que deverão ser prestadas preferencialmente
por malote digital e com senha de acesso para consulta ao processo. Dê-se vista
ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se. (STJ – HC: 488495
SC 2019/0004503-3, Relatora: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento:
15/01/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2019).
Dessa forma o reconhecimento fotográfico só pode ser considerado um mero
indicio de prova e não uma prova direta, desse modo, não se pode utilizar isso como base
legal de uma condenação, com pena de nulidade da sentença condenatória. Nas palavras
de Eugênio Pacelli Oliveira (2020, p. 547):
19

O reconhecimento fotográfico não poderá, jamais, ter o mesmo valor


probatório do reconhecimento de pessoa, tendo em vista as dificuldades
notórias de correspondência entre uma (fotografia) e outra (pessoa), devendo
ser utilizado este procedimento somente em casos excepcionais, quando puder
servir como elemento de confirmação das demais provas.
Nos ensinamentos de Aury Lopes Jr. tem-se o posicionamento critico que o
reconhecimento fotográfico “somente pode ser utilizado como ato preparatório do
reconhecimento pessoal, nos termos do art. 226, inciso I, do Código de Processo Penal,
nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada” (2020, p. 614).

3.2. CRIAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS PELO CÉREBRO HUMANO.


Inicialmente para se chegar no conceito de falsas memórias, é necessário
compreender o que é a memoria humana. Tem-se por memória a capacidade que o cérebro
tem de lembrar de algo, assim como Izquierdo:
Memória significa aquisição, formação, conservação e evocação de
informações. A aquisição é também chamada de aprendizado ou
aprendizagem: só se “grava” aquilo que foi aprendido. A evocação é também
chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que
gravamos, aquilo que foi aprendido. (IZQUIERDO, 2014, p. 13)
A memória humana possuí três divisões, sendo elas a memória de trabalho, a
declarativa e a proceduarias. A denominada como de trabalho é a que tem a capacidade
de armazenar as informações na mente humana por alguns segundos ou minutos, é apenas
uma memória momentânea. (IZQUIERDO, 2014).
A declarativa por sua vez, é aquela que fazem o ser humano narrar fatos, contar
histórias em que presenciaram, está ligada as lembranças e o reconhecimento das pessoas
e das coisas, uma vez que ela se remete ao passado, buscando na memória lembranças de
um fato. (IZQUIERDO, 2014).
A ultima é a memória proceduaria, que está ligada aos sistemas motores e
sensoriais da pessoa, com ela que se adquiri a fala e os movimentos. (IZQUIERDO,
2014).
Com base no estudioso Izquierdo (2014), é claro que a memória humana não é
fixa e varia a sua durabilidade, tendo em vista que cada pessoa tem o seu jeito de se
lembrar das coisas e dos acontecimentos.
Para se abordar sobre a validade do reconhecimento pessoal e da falsa memória
humana, uma vez que esses dois em conjunto podem ocasionar um reconhecimento falso,
prejudicando o devido processo legal, deve-se abordar que é imprescindível que ocorra
alguns processos no cérebro, sendo esses a aquisição do acontecimento, a retenção dos
fatos e a recordação do ocorrido. (COSTA, 2021).
20

Portanto, entende-se como aquisição de fatos, o momento em que se ocorre um


acontecimento e chega à informação no cérebro. O processo de guardar essa informação
é a interfase do tempo entre o fato ocorrido. A partir disso, a memoria pode se perder ou
incorporar de maneira natural fatos nunca acontecidos, mas criados pela própria mente, e
essa fase pode ter muita influência do estado emocional da pessoa. (IZQUIERDO, 2014).
Assim versa Di Gesu (DI GESU, 2014, p. 81):
No processo penal, através da atividade recognitiva, faz-se uma retrospectiva
do passado. E esta retrospectiva é impulsionada pelas partes – em observância
ao sistema acusatório – através da prova, a qual busca reconstruir, no presente,
o delito ocorrido no passado. Diante da ausência, na maioria dos casos, de
provas técnicas, julga-se com fundamento naquilo que foi dito pelas vítimas e
testemunhas, as quais se valem da memória. Daí a imprescindibilidade do
estudo desta, sob diferentes perspectivas. (DI GESU, 2014, p. 81)
Dessa forma, considerando o estudo acima mencionado, a ausência de outros
meios probatórios, o acontecimento narrado pela vitima ou pela testemunha é julgado de
maneira fundamental, como uma verdade completamente real, sendo o que não se pode
acontecer, daí a importância do presente estudo, pois a falta da forma procedimental
explicada no tópico acima em conjunto com as falsas memórias esclarecida no presente,
poderá acarretar em um julgamento injusto.
Seguindo esse critério de pensamento, tem-se nas palavras de Izquierdo:
As memórias são feitas por células nervosas (neurônios), se armazenam em
redes de neurônios e são evocadas pelas mesmas redes neuronais ou por outras.
São moduladas pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de
ânimo. Todos sabem como é fácil aprender ou evocar algo quando estamos
alertas e de bom ânimo; e como fica difícil aprender qualquer coisa, ou até
lembrar o nome de uma pessoa ou de uma canção quando estamos cansados,
deprimidos ou muito estressados. (IZQUIERDO, 2014, p. 17)
Por fim, resta evidente que o reconhecimento pessoal sobre muita influência
exterior, como o tempo que o procedimento é imposto após o ocorrido, o nível emocional
em que se encontrar o reconhecedor, tudo isso levando em consideração que esses fatores
alteram o estado mental e emocional do indivíduo, ou seja, para um melhor
reconhecimento é necessário que quanto mais calmo a pessoa estiver e menor for o lapso
temporal do ocorrido, melhor será a capacidade de armazenamento da memória e a
lembrança. (LOPES, 2020, p. 21).3

3
O interesse não é “descobrir mentiras”, até porque, não se tem como distinguir com
certeza as memórias reais das falsas memórias, ou seja, não há o que se falar em mentira
quando trata-se desse assunto, por que no caso em questão, a pessoa não sabe se aquilo
realmente aconteceu ou não, por isso o nome, falsas memórias.
21

4 ANÁLISE DE CASOS JULGADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE


JUSTIÇA SOBRE ILEGALIDADE NO RECONHECIMENTO DE PESSOAS.
Diante desta vertente debatida a Sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, no
dia 27 de outubro de 2020, concedeu a ordem, por votação unanime, para declarar nulo o
reconhecimento de pessoas realizado sem a observância do procedimento descrito no
artigo 226 do Código de Processo Penal e, diante disso, absolver o acusado que havia sido
condenado pela pratica de crime de roubo circunstanciado, no Habeas Corpus n.º
598.886/SC, sob a r. relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz. In verbis, o julgado em
questão:
RECURSO ESPECIAL. ROUBO TENTADO. RECONHECIMENTO
PESSOAL REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL.
INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO
CPP. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS VÁLIDAS E
INDEPENDENTES COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte, no
julgamento do HC 598.886/SC, em 27/10/2020, superou o entendimento, até
então prevalente, de que o procedimento de reconhecimento pessoal, previsto
no art. 226 do CPP, constitui "mera recomendação", cuja inobservância não
induziria à nulidade. 2. Na oportunidade, adotou-se a compreensão de que, "à
vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do
procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o
reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual
condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo" (HC
598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). 3. O posicionamento do réu sozinho
para o reconhecimento pessoal viola o art. 226, II, do Código de Processo
Penal, que determina que o agente será colocado, se possível, ao lado de outras
pessoas que com ele tiverem semelhança. 4. A inexistência de outras provas
que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de
reconhecimento impõe a absolvição do recorrente, por violação ao art. 226 do
CPP. 5. Recurso especial provido para absolver o recorrente. (STJ - REsp:
1912219 SP 2020/0336558-7, Relator: Ministro OLINDO MENEZES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de
Julgamento: 22/06/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
28/06/2021)
Em tese, o Habeas Corpus foi impetrado pela Defensoria Pública de Santa
Catarina, sob a tutela do Paciente que por ora era acusado de roubo circunstanciado,
alegando a coação ilegal do acórdão proferido pelo TJ catarinense que, no que interessa
para o artigo, teria mantido uma condenação de sentença de 1º grau sustentada,
unicamente, no reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas.
O histórico processual traz a pratica de um roubo com emprego de arma de fogo,
onde posteriormente houve o reconhecimento por uma das vítimas em um procedimento
realizado na Delegacia de Policia da comarca. Posteriormente em juízo a vítima sustentou
que confirmava o reconhecimento até então realizado na Delegacia, entretanto, em razão
do decurso de tempo, já não poderia reconhecer novamente o acusado.
22

O Ministro Rogerio Schietti Cruz transcorreu em seu voto que:


“o reconhecimento se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o
roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia
descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de
possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um
suspeito que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava,
até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado”. (HC 598.886/SC,
Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
27/10/2020, DJe 18/12/2020).
Fundamentando com esses argumentos, concluiu que as falhas por não seguir
minimamente o roteiro normativo do artigo 226, do Código de Processo Penal implicava
a invalidade completa do reconhecimento ora produzido como prova:
“deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante
a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova
independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do
crime de roubo que lhe foi imputado.” (HC 598.886/SC, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe
18/12/2020).
Dessa forma, o julgado tem suma importância para os operadores do direito, haja
vista que pode representar uma mudança drástica da jurisprudência até então amplamente
pacificados nos Tribunais Superiores, levando em conta que o artigo 226 do Código de
Processo Penal apenas apresenta uma “mera recomendação” do legislador sobre o roteiro
normativo do presente artigo.
Conforme já demonstrado no tópico três, defendendo a nulidade do
reconhecimento de pessoas sem a estrita observância do procedimento previsto no Código
de Processo Penal, Aury Lopes Jr. (2020, p. 600) Defende que:
A inadmissibilidade do reconhecimento por fotografia: exemplo típico de
prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia, utilizado,
em muitos casos, quando o réu se recusa a participar do reconhecimento
pessoal, exercendo seu direito de silêncio (nemo tenetur se detegere). O
reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório
do reconhecimento pessoal, nos termos do art. 226, inciso I, do CPP, nunca
como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada.
Assim, partindo da premissa de “se tratar de mera recomendação do julgador”, a
Sexta Turma Do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus n.º 598.886,
entendeu que o procedimento previsto no artigo 226 do Código “não configura mera
recomendação do legislador, mas rito de observância necessária, sob pena de invalidade
do ato”.
“5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos
Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de
reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a
jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que
acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e,
consequentemente, de graves injustiças.” (HC 598.886/SC, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe
18/12/2020).
23

Nesse sentido, refutar os procedimentos prescritos no artigo 226 do Código de


Processo Penal, traduz uma ilegalidade na garantia mínima, majorando injustamente os
riscos de condenações equivocadas, desse modo a prova colhida em desacordo deve ser
considerada nula e não poderá ser valorada pelo julgador.
Ademais, para concretizar o julgado, como providencia final, o julgador sugeriu
que se desse ciência do decidido “aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e
aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e
Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a
estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial
de investigação”, como forma de provocar a adoção de novas rotinas pelos órgãos de
persecução, não reiterando diariamente erros processuais visivelmente nulos aos olhos
doutrinários.
Além desse julgado, perante a Sexta Turma, o Superior Tribunal de Justiça deixa
evidente em seus entendimentos que o processo do reconhecimento pessoal é delimitado,
entretanto seus entendimentos jurisprudências vem tratando tal formalidade de acordo
com o julgado abaixo:
[...] NULIDADE NO AUTO DE RECONHECIMENTO PESSOAL.
INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. DISPOSITIVO QUE CONTÉM MERA
RECOMENDAÇÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
INEXISTENTE. 1. Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento no
sentido de que as disposições insculpidas no art. 226 do CPP configuram uma
recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a
nulidade do ato. Precedentes. 2. Na hipótese em tela, o auto de reconhecimento
da paciente não contém qualquer eiva capaz de impedir a sua utilização como
prova nos autos [...] (STJ, HC 252156/SP, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
16/12/2014). (STJ, 2015, online)
Assim, o STJ diverge com o exposto no artigo 226 do Código de Processo Penal,
permitindo de certa forma a prática de relativização, negando a nulidade processual, uma
vez que não vislumbra esse rol como taxativo.
De forma idêntica a jurisprudência alhures, contrariando o devido processo legal,
o STJ decidiu a ausência de nulidade da prova de um acusado sozinho no procedimento
de reconhecimento de acordo com o seguinte julgado:
PROCESSUAL PENAL. HC. RECONHECIMENTO. RÉU POSTO
SOZINHO. PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO.
DESNECESSIDADE DE NOVA FUNDAMENTAÇÃO. DECRETO NÃO
JUNTADO AOS AUTOS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.
IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. I. Não se reconhece ilegalidade no
posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento, pois o art. 226, inc. II,
do CPP, determina que o agente será colocado ao lado de outras pessoas que
com ele tiverem qualquer semelhança "se possível", sendo tal determinação,
portanto, recomendável, mas não essencial. II. A manutenção, pelo Tribunal
de 2º grau, de custódia cautelar anteriormente decretada, não exige nova
24

fundamentação. III. Torna-se impossível o exame da legalidade do decreto


constritor, se o mesmo não se encontra juntado aos autos. IV. Primariedade,
bons antecedentes, profissão definida e residência fixa, não garantem, por si
sós, direito subjetivo à liberdade provisória. V. Ordem denegada. (STJ – HC:
7802 / RJ 1998/0057686-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de
Julgamento: 20/05/1999, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
21/06/1999).
Por fim, de rigor rememorar que, além da influência do lapso temporal e da falsa
memória, remanesce nos tribunais pátrios a discussão acerca da existência ou não de um
rol taxativo para fins de aplicação do reconhecimento pessoal, em razão da expressão “se
possível” contida no inciso III do art. 226 do Código de Processo Penal, prevalecendo, de
forma majoritária, o entendimento de que referido rol seria meramente exemplificativo.

5 CONCLUSÃO.
O presente trabalho buscou de forma pratica demonstrar a necessidade de controle
sobre os procedimentos de identificação de pessoas na esfera criminal do direito, tendo
em vista os riscos contidos na produção errônea deste meio probatório, levando em conta
que seu procedimento não é seguido de forma rigorosa.
Claramente, o objetivo de uma ação penal é demonstrar ao juiz os elementos que
provarão a ocorrência ou não de um ato criminoso. Por esta razão, as pessoas passaram a
acreditar no mito de que os eventos podem ser recriados exatamente da mesma forma que
aconteceram antes. A investigação para descobrir a verdade iniciou um procedimento de
investigação interrogativa.
Outra questão relacionada ao instituto do reconhecimento de pessoas é a
banalização e não aplicação de prazos legais nos procedimentos previstos em lei, bem
como o entendimento jurisprudencial de que o não cumprimento ao disposto legal no
artigo 226 do Código de Processo Penal, não enseja nulidade, já que é visto apenas como
regra de procedimento.
Agora, entende-se que a observância da forma é necessária e não permite que os
juízes criem espaço para processo informal caso a caso. É, portanto, imperativo detalhar
essas normas, e os tribunais precisam tratá-las com rigor e uniformidade, não apenas
como mera recomendação procedimental, afinal, o devido processo legal é a garantia
fundamental do réu.
A finalidade do presente artigo foi iniciar uma reflexão crítica acerca do valor
probatório do reconhecimento de pessoas no ordenamento jurídico levando em
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consideração como ele é tratado, assim como mostrar os riscos decorrentes da não
utilização do procedimento a rigor.
Nesse contexto, também foi discutido a questão das falsas memórias, mostrando
que a memória é a capacidade que o cérebro possui de recordar de fatos ocorridos, mas
pode haver alterações nessas memórias caso ocorra cargas emotivas ou um grande lapso
de tempo.
Ainda houve uma analise do julgamento da Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça que reconheceu que o rito legal para o reconhecimento de pessoas deve ser
interpretado como de observância obrigatória e que a sua inobservância dá ensejo à
nulidade da prova, mas também foi apresentado diversos outros entendimentos
jurisprudenciais apresentando que o artigo 266 do CPP se trata apenas de uma hipótese.
Diante do exposto, é evidente a importância da defesa do cumprimento rigoroso e
integral da previsão legal desse instrumento, para gerar mais confiabilidade como meio
de prova no devido processo penal.

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